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A Teologia Prática e seu Lugar na Igreja*

Júlio Paulo Tavares Zabatiero1

Introdução

O tema do lugar da teologia prática na igreja não é explorado nos manuais e


ensaios de Teologia Prática, que dedicam maior reflexão às questões metodológicas e,
especialmente, à questão do sujeito da Teologia Prática. Em grande medida, a ausência
da temática do lugar da teologia prática é fruto do intenso diálogo que a Teologia, em
geral, estabeleceu com as ciências humanas da modernidade, que dedicaram muito
maior atenção ao sujeito, à história e à epistemologia (teoria do conhecimento e da
ciência). Por outro lado, a cartografia do espaço eclesiástico não se revela pródiga no
tocante à teologia, quase que totalmente alocada às instituições de educação teológica,
às instituições ecumênicas, ou aos espaços de suspeita, tendo em vista que a reflexão
teológica aparentemente teria, ou a tendência de beirar à heterodoxia, ou a tendência
de ser mera teoria, impedindo que a prática ministerial e missionária se exerça com
criatividade.

Neste breve ensaio não poderei responder a todas as questões que giram ao redor
do tema do lugar da teologia prática na igreja, restringindo-me a apontar – após uma
breve discussão sobre a Teologia Prática – possibilidades de tratamento do tema, a partir
de um olhar semiótico sobre o espaço eclesiástico. O que caracteriza o olhar semiótico é
a busca pela significação, pelos meios mediante os quais o sentido é produzido,
difundido e recebido2. Assim, irei perguntar pelo significado do lugar destinado à
teologia prática na igreja, que considero ser um lugar não-central, nem periférico, mas
um que pode ser designado de espaço liminar. Por fim, dedicarei atenção aos efeitos de
significação e poder que decorrem da mudança da teologia de um espaço liminar para
um espaço central na vida eclesiástica.

1. Teologia Prática: em busca de uma definição

Teologia Prática é discurso crítico e construtivo sobre a ação cristã no mundo


presente. Fundamenta-se no discernimento da ação de Deus no mundo presente, e se
constrói em diálogo - crítico e construtivo - com os discursos sobre a ação não-cristã e
sobre a ação anti-cristã no mundo presente. A racionalidade da Teologia Prática é a de
uma teoria crítico-discursiva da ação; e sua finalidade é contribuir para o
aperfeiçoamento da ação cristã no mundo, em resposta crística - na energia do Espírito
Santo - à ação presente de Deus no mundo.

Teologia Prática é teologia, na medida em que "o objetivo último da reflexão e


construção teológicas é prático, não especulativo"3; e, na medida em que “primeiro é o
compromisso de caridade, de serviço. A teologia vem depois, é ato segundo”4. O que
distingue a Teologia Prática das demais divisões da teologia (Sistemática, Histórica,
Bíblica) é que ela se configura como teologia da prática, como teologia que trata da
ação da Igreja em resposta à ação de Deus. É esta temática que constitui a forma
delimitadora de seu espaço no campo do discurso teológico, em diálogo permanente com
as demais formas e articulações da Teologia.

Teologia Prática é discurso5, ação comunicativa, atividade de comunidades e não


de indivíduos isolados e, como tal, se constrói a partir de diálogo e de reflexão. É
preciso superar a noção de que teologia só é feita por teólogos, por “profissionais” que
se isolam da comunidade e vivem em meio a livros, textos e computadores. O papel de
teólogos na igreja é partilhar a reflexão, estimular o pensamento e a ação críticos e
construtivos6. O diálogo exige sempre, por um lado, espelhar, mostrar a imagem de
outro - no encontro face-a-face, a fim de compreender a outra pessoa e aquilo que ela
diz e faz; por outro, exige voltar-se para trás de si, pensar ponderada e cuidadosamente
sobre os nossos próprios conceitos, valores, sentimentos, de modo que o diálogo seja
significativo e transformador. Como discurso sobre a ação cristã, o sujeito privilegiado
da Teologia Prática é a comunidade cristã em ação no mundo, para a qual a Teologia
Prática servirá como meio e expressão de discernimento7 simultaneamente crítico e
construtivo (v. Rm 12,1-2; Cl 1,9-12).

É discurso crítico, na medida em que a ação cristã no mundo não pode se


conceber como perfeita, completa ou absoluta, o que seria idolatria8 – e este é um risco
que a igreja sempre corre, na medida em que uma das tendências do ser humano é
considerar a si mesmo como agindo sempre corretamente, deixando os erros para os
outros. A ação cristã deve ser acompanhada constantemente do discernimento do agir
da comunidade cristã, na busca de identificar os nossos erros e os nossos acertos. Por
mais amadurecida que seja a comunidade cristã, sua ação estará sempre aquém da
plenitude do agir divino ao qual é resposta pessoal no tempo e no espaço. Ao mesmo
tempo, porém, é discurso construtivo pois não se restringe a descobrir e apontar erros,
mas, buscando sempre responder de forma positiva à ação de Deus 9, que tudo criou e a
tudo vivifica com a Sua justa e amorosa presença, visa construir comunidades de
reconciliação, amor e justiça. As comunidades cristãs serão, assim, protótipos do Reino
de Deus, serão primícias do Reino, espaços onde as pessoas poderão encontrar amizade,
companheirismo, sentido para a vida e, especialmente, poderão encontrar Deus
presente e atuante.

Por ser teo-logia, o critério último para a elaboração da Teologia Prática não é a
própria ação cristã, não é a práxis cristã, mas, sim, a ação de Deus 10. De outra forma, ao
invés de teologia, torna-se uma técnica, apenas um modo de fazer, uma estratégia. A
verdade da Teologia Prática deve estar em correspondência com a ação de Deus que
tanto está imanentemente presente neste mundo e na Igreja, quanto transcende a toda
a realidade criada; o Deus triúno, forma verdadeira da com-unidade na diversidade,
amorosamente Amigo e Reconciliador do universo (Ef 2,11-22; Cl 1,18-20). Enquanto teo-
logia, o discurso teológico prático está inserido na história humana e partilha de todas as
características da historicidade humana. Particularmente, deve ser ressaltado o caráter
provisório e dialogal de toda elaboração teológica, sob o risco de a teologia transformar-
se em letra morta.11

Por ser cristã, é discurso cujo paradigma da ação não se encontra na Igreja, mas
em Jesus Cristo, Alfa e Ômega de toda a criação, cuja presença ativa no mundo presente
é articulada e configurada pelo Espírito Santo que a tudo e todos permeia como luz e
vida, e que energiza a comunidade cristã para ser agente histórica da vontade divina. A
Teologia Prática, neste sentido, visa construir um saber discursivo que nos permita
seguir a Jesus12, imitá-Lo e caminhar em seus passos (Mc 1,16-17; I Pe 2,21; Ef 5,1-2).
Por ser teologia da ação cristã no mundo, só pode ser feita em permanente co-
relação discursiva com o mundo em ação; tanto a ação não-cristã, ou seja, aquela ação
que reflete o agir de Deus, mas não se configura a partir das comunidades e instituições
cristãs; quanto a ação entendida como anti-cristã, ou seja, aquela que se configura de
forma contrária ao paradigma crístico, e que a tradição cristã nomeia como pecado. Nas
palavras de Jesus, a teologia prática deve ser sal da terra e luz do mundo, e para sê-lo,
precisa dialogar, precisa estar na terra e no mundo, mas sem ser do mundo (Jo 17,11-
18). E, sendo discurso sobre a ação cristã no mundo presente, é con-textual 13, articulada
a partir dos limites e possibilidades da ação no tempo e espaço específicos da
comunidade cristã que a realiza. Por ser reflexão cristã no mundo, a teologia prática
será discurso missionário, evangelizador, discurso que alimenta e nutre a prática
missionária da igreja.14

2. O lugar da Teologia Prática na Igreja

Para um observador comum, os espaços de uma igreja se apresentam com certa


clareza: o espaço litúrgico, no qual se dão os cultos, as celebrações, a pregação e os
anúncios institucionais e eclesiais; o espaço educacional, no qual se reúnem grupos de
crentes, divididos geralmente por faixas etárias, a fim de aprender mais sobre a sua fé;
o espaço institucional, aquelas salas e lugares dos templos aos quais comumente o
visitante não tem acesso, e no qual se realizam as reuniões administrativas e políticas da
igreja; o espaço comunional, no qual as pessoas se encontram, conversam, se abraçam,
partilham um cafezinho, ou um chá, e se despedem; e, finalmente, o espaço
missionário, no qual a igreja realiza a sua atividade em benefício das pessoas que não
fazem parte dela, seja através da evangelização, seja através de vários ministérios
diaconais.

Nota-se, nesta brevíssima cartografia do espaço eclesial, a ausência de um espaço


propriamente teológico. O observador atento, porém, perceberia que essa ausência não
é plena, na medida em que a teologia se faz presente, de uma ou de outra forma, no
espaço litúrgico (sermão, cânticos), no espaço educacional (conteúdo, reflexão), no
espaço institucional (discussões doutrinárias) e no espaço missionário (pregação,
discernimento). A presençausente da teologia no espaço eclesial nos leva, então, a
sugerir que a teologia ocupa, na Igreja, um espaço liminar. A partir do olhar semiótico,
o limiar “implica lugares de trânsito ou de passagem, interstícios, intervalos vazios ou
hiatos, e quaisquer formas de descontinuidade, ontológicas ou funcionais, mais ou
menos duradouras, mas que se manifestam sempre por alterações no plano espacial e
por tensão entre direções opostas.”15

As várias características do limiar podem ser percebidas na espacialidade da


teologia na igreja. Ela ocupa um lugar de passagem, transitando e sendo transitada pelas
demais atividades da vida eclesial. Dependendo do valor que a comunidade outorga à
reflexão teológica, essa passagem pode ser de curtíssima ou até de longa duração (neste
caso, a teologia chega a ser institucionalizada na igreja, ocupando um lugar especial no
espaço educacional, através de institutos bíblicos e seminários). Em muitos cenários, a
teologia ocupa um lugar vazio, um hiato, sendo reconhecida apenas como perigo para a
vida eclesial e institucional. É rejeitada como teoria que contradiz a prática, como uma
reflexão sem experiência, esta sendo – juntamente com a eficácia numérica – o critério
último da verdade. A descontinuidade é outra característica do lugar da teologia na
igreja, especialmente da teologia prática, na medida em que está submetida às
flutuações de ânimo e valorização da reflexão teológica em geral. Um exemplo de
valorização positiva da teologia na igreja é a recepção da chamada teologia da
prosperidade em círculos protestantes brasileiros. Como ela vem ao encontro dos anseios
consumistas da religiosidade contemporânea, é alegremente acolhida e celebrada,
tornando-se, até, no eixo da vida de instituições e comunidades eclesiásticas.

Um outro exemplo de acolhida favorável da teologia nos espaços eclesiais pode


ser encontrado no Protestantismo de Missão brasileiro, e a esse caso quero dedicar uma
atenção especial agora, na medida em que é responsável em grande medida pela
construção da identidade confessional e institucional de várias Igrejas – sendo, por um
lado, celebrada e, por outro lado, questionada como a fonte do engessamento eclesial,
exigindo movimentos constantes de renovação. No que segue, apresento uma breve
análise crítica dos riscos institucionais e identitários que a teologia oferece ao deixar o
espaço liminar e chegar ao centro de poder da Igreja.

A conexão entre saber e poder foi analisada profundamente por Foucault em


relação à constituição da ciência moderna e às disciplinas e disciplina do corpo e da
mente humanos nas sociedades ocidentais modernas. A sua análise mostra que os
sujeitos do saber formam uma minoria elitista que contribui para a manutenção das
relações entre saber e poder, mediante as quais o saber-fazer é saber-poder e poder-
saber. Partindo de uma diferente perspectiva, em busca de resposta para um problema
também diferente do examinado por Foucault, Habermas tece conclusão similar: “o que
conduz ao empobrecimento cultural da prática comunicativa cotidiana não é a
diferenciação e o desenvolvimento das distintas esferas culturais de valor conforme seu
próprio sentido específico, mas, sim, a ruptura elitista entre a cultura dos experts e os
contextos da ação comunicativa.”16 No caso do Protestantismo de Missão, pode-se
perceber esta característica presente na visão “clericalista” das membresias “leigas”
das Igrejas em geral. Cabe aos pastores (em várias denominações, apenas homens
podem ser ordenados ao ministério pastoral) o ministério (monopólio) da Palavra.
Falando do púlpito, os pastores possuem autoridade doutrinária similar à do Papa - são
infalíveis! Certamente isto não é crido nem afirmado explicitamente nas igrejas, mas
tacitamente praticado. Quando uma comunidade discorda do seu pastor, substitui-o por
outro cuja palavra seja “infalível”. Parece-me que as raízes deste “clericalismo”
estejam tanto na cultura religiosa de nosso povo, quanto na mentalidade consumista da
sociedade contemporânea: o pastor é pago para produzir os bens espirituais que o
rebanho consume, feliz e bem disposto. (Isto é tanto mais visível quanto mais nos
aproximamos das correntes fundamentalistas e “mágicas” dentro do Protestantismo de
Missão).

Em vários casos, a teologia e o ministério tornaram-se exclusividade dos ministros


ordenados (presbíteros docentes), dos quais a Igreja exige a formação mínima do
bacharelado em teologia, preferencialmente em seus próprios Seminários. Para ministros
oriundos de outras Igrejas, ou formados em escolas não da denominação, é exigido um
processo de reciclagem teológica anterior à sua admissão no quadro ministerial da
Igreja. A formação dos pastores nos Seminários segue um padrão curricular e conceptual
de corte “iluminista”, privilegiando o domínio, pelo estudante, do saber teológico e
técnico necessário para desempenhar as funções pastorais. Saber esse que não é
construído a partir da práxis ministerial/missionária da Igreja e dos estudantes, mas
coletado a partir dos conteúdos previamente definidos nas respectivas disciplinas
científicas que compõem o currículo escolar. Uma das conseqüências desta situação é o
empobrecimento teológico dos membros das comunidades e sua relativa incapacidade de
participar ativamente na construção do saber teológico e do agir ministerial da Igreja.
Guardadas as devidas proporções, esta situação corresponde ao diagnóstico equivalente,
aplicado à sociedade como um todo: Em grande parte, isto explica a chamada “crise da
Escola Dominical” - uma vez que ela não “diploma ninguém para nada”, ou seja, alunos
e alunas da Escola Dominical nada esperam da mesma a não ser o fato de que serão
alunos/alunas por toda a vida.

Outra conseqüência da clericalização do sujeito da ação é a marginalização da


mulher, dos idosos e idosas, dos/das jovens e das crianças. À mulher são reservados os
trabalhos que a sociedade tipicamente associa à figura feminina. A mulher pode ser
diaconisa, ou seja, assistente social, decoradora e zeladora do templo, auxiliar na
preparação da Ceia (pão e vinho/suco de uva); pode ser missionária (mas não executar
os atos pastorais); pode ser professora de Escola Dominical, ou em classes de crianças,
ou em classes de mulheres; pode ser regente de coral ou participante do mesmo; pode
até ser líder de alguns dos departamentos da igreja local, mas sempre subordinada à
direção masculina “oficial” da mesma. Situação similar é a de jovens, idosos e crianças -
na igreja possuem apenas os espaços “socialmente aceitáveis” para os mesmos. A
exceção ocorre apenas nos casos em que homens idosos, ou jovens, ocupam as funções
de presbítero (regente ou docente), funções que passam a determinar a identidade da
pessoa que a possui. Intimamente ligada à crise do sujeito, o Protestantismo de Missão
enfrenta outra dificuldade crucial: a distorção comunicativa.

Em seus debates com Gadamer, Habermas invoca a noção de “comunicação


sistematicamente distorcida” para estabelecer os limites do projeto hermenêutico.
Apresenta três critérios17 que delimitam uma comunicação sistematicamente distorcida:
(1) “no nível dos símbolos lingüísticos, a comunicação distorcida faz-se perceptível pela
aplicação de regras que se desviam do sistema de regras da linguagem pública”; (2) “no
nível do comportamento, um jogo de linguagem deformado faz-se perceptível pela
rigidez e pela compulsão à repetição”; e (3) “e se nós, por fim, observamos em conjunto
o sistema da comunicação distorcida, então chama a atenção a discrepância peculiar
entre os níveis da comunicação: está desintegrada a usual congruência entre simbologia
lingüística, ações e expressões associadas”. Como resultado dessa distorção, “sempre se
autonomiza aí um conteúdo excomungado do uso público da linguagem. Este conteúdo
exprime uma intenção que é incompreensível segundo as regras da comunicação pública,
e neste sentido está privatizado e permanece inacessível até mesmo ao autor a quem
ela deve ser imputada.” No âmbito individual, a comunicação sistematicamente
distorcida expressa as patologias psíquicas. No âmbito social, expressa as patologias
sócio-econômicas. Desta forma, Habermas retoma o problema, central no marxismo, da
ideologia/falsa consciência, e o reveste de novas categorias, lingüísticas. Todavia, ao
fazê-lo, não desacopla a linguagem da realidade social, pois é esta que, enquanto
sistema, em última análise gera a comunicação sistematicamente distorcida.

Ao aplicar esta categoria analítica à crítica do Protestantismo de Missão, vou me


concentrar na “crise do púlpito”, onde podemos perceber os três sintomas descritos por
Habermas, que resultam em uma situação paradoxal: embora haja a crença em uma
certa “infalibilidade” da pregação, enquanto expressão da Palavra de Deus, ela fica
aprisionada às regras do mercado de bens simbólicos - não só no âmbito da comunidade
local, mas principalmente no âmbito social amplo.

Anteriormente, mencionei o problema da “infalibilidade” do púlpito, aqui abordo


novamente a questão da prédica, buscando colocá-la no contexto da rubrica da
distorção comunicativa. A questão em jogo não é a análise de conteúdos específicos de
sermões ou outras alocuções pastorais, embora esta seja uma tarefa importante e
potencialmente capaz de revelar dimensões semânticas comumente consideradas
inexistentes no Protestantismo de Missão. A questão fundamental, nos limites desta
reflexão, é a “aura” que envolve a fala pastoral desde o púlpito. O membro de uma
igreja do protestantismo de missão, comumente, crê que o sermão é uma mediação
especial da Palavra de Deus para sua vida. Do sermão espera conforto, motivação,
exortação, ensino, desafio; espera que Deus fale com ele através do sermão. Nada
estranho quanto a estas expectativas, que estão presentes nas várias denominações que
compõem o Protestantismo de Missão. Pelo contrário, são expectativas positivas,
teológica e biblicamente justificáveis. É isto, porém, que torna mais grave a distorção
comunicativa do púlpito. Vejamos.

O Protestantismo de Missão herdou da Reforma a centralidade da Palavra no


culto, que é expressa basicamente através da posição de honra ocupada pelo sermão na
liturgia. Não tem, porém, a mesma atenção para com os sacramentos (ordenanças, em
algumas tradições eclesiásticas); bem como descuida dos demais aspectos não
logocêntricos do culto: simbologia, expressão corpórea, o silêncio, a meditação, etc.
Todas as partes do culto são pensadas e realizadas em função da prédica, e, por um
lado, é comum ouvir críticas a cultos nos quais as músicas cantadas não apontam para o
sermão, ou dele não derivam. Por outro lado, e de forma paradoxal, não há muito
cuidado para com o conteúdo das músicas (hinos e corinhos) cantadas durante o culto.
Percebe-se, neste aspecto, uma certa esquizofrenia litúrgica. Embora o sermão ocupe o
lugar de destaque na ordem do culto, a “preparação” da congregação para ouvi-lo
obedece a imperativos de gosto musical e mercado de bens simbólicos.

Esta “esquizofrenia” contribui para o agravamento da crise do púlpito. Embora a


prédica seja “infalível” - pois na prática geral tem sido impossível contestá-la, debatê-la
ou tornar mais participativa sua preparação e execução, restrita aos pastores e alguns
líderes seletos - seus efeitos concretos na vida das pessoas são muito pequenos e, por
outro lado, o pastor , sujeito da prédica, se torna sujeito à prédica. Comumente
ouvimos pastores questionando a qualidade da resposta de seus rebanhos às prédicas.
Enquanto pastores, em geral, esperam de suas prédicas que ocasionem transformações
na vida das pessoas e das suas comunidades, os efeitos das mesmas, no cotidiano, são
bastante restritos, tendendo a reforçar o status quo religioso da comunidade. Não é
incomum, portanto, que os púlpitos rendam-se ao mercado de bens simbólicos, e a
prédica - embora ocupe o lugar central da liturgia - seja basicamente reflexo das idéias,
valores e comportamentos difundidos por outros meios de comunicação, de corte
massivo. Pois, ao ser impermeável ao debate e à participação mais ampla da
comunidade, a prédica torna-se um ponto de conflito entre comunidade e pastor, no
qual não é raro que o pastor seja um “refém” dos gostos da comunidade que, em última
análise, detém o poder de sustentar financeiramente com dignidade o pastor que a
satisfaz, e de demitir aquele que não tem o necessário “ibope”.

Pode-se dizer, finalizando, que embora a prédica seja revestida de uma “aura”
sagrada, sendo objeto de grandes expectativas por parte dos membros das igrejas, ela
não só fica reduzida ao trabalho específico do pastor - seu sujeito -, como também, por
paradoxal que seja, fica subordinada aos imperativos do mercado de bens
simbólicos/religiosos, especialmente o vinculado a programas religiosos de rádio e
televisão, e aos produtos musicais - discos, fitas, cds. Assim, além de contribuir para a
manutenção dos sintomas e sinais da irracionalidade no mundo de vida do
protestantismo de missão, a crise do púlpito também opera negativamente na
construção do sujeito eclesial, atribuindo à Palavra de Deus aspectos e conteúdos que,
mais propriamente falando, derivam das regras do mercado de bens religiosos.

Palavras Finais

Este artigo busca oferecer pistas para uma reflexão sobre a teologia, a teologia
prática e o seu lugar na igreja, desde uma perspectiva semiótico-discursiva. Duas
tensões estão claramente presentes nele: a tensão entre teologia e teologia prática, e a
tensão relativa à valorização da teologia na igreja. Ao enfocar os riscos da ocupação dos
espaços de poder na igreja pela teologia, deixei inexplorado todo o campo das
possibilidades ricas da teologia prática na vida da igreja em sua condição liminar. Fica o
convite à exploração dessa temática.

Notas
* (publicado na revista da FATE - Belo Horizonte)

1 Doutor em Teologia. Professor da Escola Superior de Teologia (São Leopoldo).

2 "O objeto da semiótica, dizíamos, é a significação. O programa de trabalho do semioticista decorre


disso: será o de dar conta (com a ajuda de modelos a construir) das condições de apreensão e da produção
de sentido. Ora, o sentido está em toda parte, tanto nos discursos como em nossas práticas, tanto nos
objetos culturais que produzimos como nas realidades naturais que interpretamos [...] para o semioticista
tratar-se-á, na realidade de tentar explicitar a emergência do sentido no âmbito da comunicação em
geral, qualquer que seja seu campo de exercício - social, inter-individual ou mesmo puramente 'interior' -
e quaisquer que sejam também os tipos de suportes: lingüístico, evidentemente, mas também plástico,
gestual, espacial etc. Tal objetivo requer uma teoria geral da linguagem, que cabe precisamente à
semiótica geral construir" (LANDOWSKI, E. A Sociedade Refletida, São Paulo, Educ/Pontes, 1992, pp. 58 e
60)

3 KAUFMAN, G. D. In Face of Mistery. A Constructive Theology, Cambridge, Harvard University Press, 1993,
p. 430

4 GUTIÉRREZ, G. Teologia da Libertação. Perspectivas, Petrópolis, Vozes, 19834, p. 24

5 "Como uma sociedade é sempre dividida em grupos sociais com interesses divergentes, não há uma
perspectiva única sobre uma dada questão. Os indivíduos, em seus textos, defendem uma ou outra posição
gerada no interior da sociedade em que vivem. O discurso é sempre a arena em que lutam esses pontos de
vista em oposição. Um deles pode ser dominante, isto é, pode contar com a adesão de um número maior
de pessoas. Isso, no entanto, não elimina o fato de que concepções contrárias se articulam sobre um
mesmo assunto. Um discurso é sempre, pois, a materialização de uma maneira social de considerar uma
questão." (SAVIOLI, F. P. & FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação, São Paulo, Ática, 1996, p. 30)

6 “O teólogo é o homem da comunicação na Igreja. Ele carrega uma linguagem religiosa tipicamente
cristã, resultado de uma longa história. Conhece centenas de palavras e sabe usá-la. Quando fala, faz com
que a língua da Igreja circule. [...] Os teólogos são agente de comunicação: agem no duplo plano dos
cristãos que se convertem à sua vocação e do mundo que esta à espera de uma palavra compreensível.
Eles não são os condutores da evangelização, mas somente os especialistas em palavras. Porém, não se
evangeliza somente com palavras. O Evangelho é levado por pessoas vivas, nas quais a vida, os atos e os
comportamentos esclarecem as palavras. Os discursos, as intervenções, os apelos recebem a sua força da
pessoa. Os evangelizadores são pessoas comuns que vivem intensamente o Evangelho.” (COMBLIN, J. A
força da palavra, Petrópolis, Vozes, 1986, pp. 382, 387)

7 “Entendemos por discernimento cristão a busca concreta da vontade de Deus, não somente para ser
captada, mas também para ser realizada. Entendemos o discernimento, portanto, não só pontualmente,
mas também como um processo no qual a vontade de Deus realizada verifica também a vontade de Deus
pensada.” (SOBRINO, J. “O seguimento de Jesus como discernimento cristão” in Jesus na América Latina.
Seu significado para a fé e a cristologia, São Paulo, Loyola/Vozes, 1985, p. 193)

8 “Impossível afirmar o que é Deus positivamente. O conhecimento de Deus não é o não-conhecimento,


mas sim um desconhecimento. No referente a Deus, todo progresso de conhecimento é paradoxalmente
um progresso de desconhecimento: o caminho vai em direção às trevas, em direção à negação de tudo o
que cremos saber ou provar de Deus. É o caminho dos místicos, de todos os que experimentam a Deus
como uma queimadura em sua existência, a prova da noite e do deserto. É o caminho que nos livra da
ilusão, do imaginário, para aproximar-nos da verdade que nos conduz em direção à profundidade de nós
mesmos. Aprender a conhecer a Deus é, em primeiro lugar e a cada momento, dirigir-nos em direção a nós
mesmos, é aprender a conhecer-nos, a aceitar o que procede de nós e sabê-lo criticar. A cada passo,
conhecer a Deus é livrar-nos de nossos falsos deuses, pré-fabricados cada dia, imagens fantasiosas ou
sublimadas do próprio eu. Tudo isto não é Deus. Desta maneira, Deus não está aqui ou ali, Deus está
constantemente em outro lugar. Em último termo, Deus está ausente. Resta-nos o nada, na linguagem de
São João da Cruz.” (VILANOVA, E. Para comprender la teología, Estella, Verbo Divino, 1992, p. 28)

9 “A teologia não é ciência de um objeto que lhe permanece estranho ou indiferente: ela é, muito mais,
sabedoria, conhecimento que se une à experiência prazerosa e amante, iluminação que vem do
fundamento e prorrompe na busca e a abre à profundidade de Deus. Ela é ‘actio’ do Espírito e ‘passio’ da
criatura, e, justamente, enquanto tal, torna-se também ação do homem e paixão do Mistério, que entra
na humildade das palavras humanas.” (FORTE, B. A teologia como companheira, memória e profecia, São
Paulo, Paulinas, 1991, p. 195)

10 “A ciência se encerra na imanência; a teologia, enquanto fala de Deus, não pode renunciar à
Transcendência. O sentido cristão de uma prática não é dado pela própria prática. Para que se possa
descobrir as pegadas de Deus no mundo, na prática, na experiência, é necessário que não se considere
este mundo como fechado, como se as únicas explicações e realidades possíveis fossem as empíricas e
imanentes. [...] O cristianismo está inexoravelmente unido a Cristo, à Cruz e à ressurreição. Ao se separar
disso, a teologia se perde. Isto a une às Escrituras e à Tradição posterior. Nenhuma argumentação pode
dizer-se cristã se não pode se unir a Cristo por meio da primeira linguagem que a interpretou. A ortopráxis
não pode substituir os demais critérios.” (REFOULÉ, F. “Nuevas orientaciones de la teología”. In:
Selecciones de Teología, Buenos Aires, 1974, n. 50, pp. 94 96)

11 “Uma posição teológica transforma sua unilateralidade meramente finita em grave erro , caso não
acolha a contrabalanço, o julgamento e o aprimoramento que os pontos de vista opostos costumam trazer.
Entre seres históricos, a verdade aparece no diálogo, nascendo dialeticamente do confronto dos opostos e
do novo e mais rico consenso que pode surgir desse confronto no Espírito. A conseqüência imediata da
verdade de nossa finitude histórica e da ação do Espírito Santo entre nós é que a condição essencial para a
verdade dentro da comunidade é a liberdade do debate teológico. A ‘ortodoxia’ representa um consenso
histórico, a ser contrabalançado, criticado e aperfeiçoado por meio de debates posteriores à medida que
as situações culturais se transformam, as interpretações do Evangelho mudam e a relatividade até mesmo
daquele consenso se torna evidente. Somente na atuação dinâmica do Espírito Santo através de diferentes
perspectivas da Igreja total é que a ortodoxia se torna '‘ortodoxa'’ e não no absoluto de uma perspectiva
dentro do todo.” (GILKEY, L. “O Espírito e a descoberta da verdade através do diálogo”. In: VV. AA. A
experiência do Espírito Santo, Petrópolis, Vozes, 1979, pp. 203-204)

12 A teologia vive da oração, sempre de novo alimentando-se nela através da escuta obediente da Palavra
do advento: orando, o teólogo conformar-se-á com Cristo, ao seu mistério de eterna acolhida do amor
fontal. A teologia, pensamento reflexivo da fé, tem constitutivamente necessidade da oração. A teologia,
enfim, conduz à oração. Ela, pensamento do encontro com a iniciativa do amor do Deus vivo, abre-se,
orando, às surpresas do Altíssimo e, orando, conhece sempre novos inícios, na experiência vivificante da
escuta religiosa da Palavra santa. E uma vez que a experiência do orar em Deus é por excelência a da
liturgia, pode-se dizer que a teologia nasce da liturgia, vive dela, desemboca nela. Na liturgia, o discurso
teológico torna-se hino: na teologia, o canto litúrgico torna-se discurso, raciocínio e diálogo.” (FORTE, B.
A teologia como companheira, memória e profecia, São Paulo, Paulinas, 1991, p. 197s.)

13 “a contextualização do evangelho é possível pela ação do Espírito Santo no povo de Deus. Na medida
em que a Palavra de Deus se encarna na igreja, o evangelho toma forma na cultura. E isto reflete o
propósito de Deus: a intenção de Deus não é que o Evangelho se reduza a uma mensagem verbal, mas que
se encarne na igreja e, através dela, na história. Aquele Deus que sempre falou aos homens a partir de
dentro da situação histórica designou a igreja como o instrumento para a manifestação de Jesus Cristo em
meio aos homens. A contextualização do evangelho jamais pode ser levada a cabo independente da
contextualização da igreja na história.” (PADILLA, C. R. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja,
São Paulo, FTL-B/Temática, 1992, p. 114)

14 O conhecimento de um linguajar não dá aos teólogos o dom do Evangelho. Contudo a sua missão é
importante para articular, organizar desde dentro uma sociedade cristã, uma comunidade cristã orientada
para a evangelização. A teologia faz a ligação entre os evangelizadores e o mundo que evangelizam, entre
os próprios evangelizadores e entre estes e a tradição da Igreja de todos os tempos. (COMBLIN, J. A força
da palavra, Petrópolis, Vozes, 1986, pp. 392s.)

15 DEL PINO, D. “Do limiar: estudo introdutório”. In: DEL PINO, D. (org.) Semiótica: olhares, Porto Alegre,
EDIPUCRS, 2000, p. 97

16 HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa. Crítica de la razón funcionalista, Taurus, Madri, 1987,
p. 469

17 Todas as citações a seguir vêem da p. 43, de HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica. Para a crítica da
hermenêutica de Gadamer, L & PM Editores, Porto Alegre, 1987

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COMBLIN, J. A força da palavra, Petrópolis, Vozes, 1986

DEL PINO, D. “Do limiar: estudo introdutório”, in DEL PINO, D. (org.) Semiótica: olhares,
Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000

FORTE, B. A teologia como companheira, memória e profecia, São Paulo, Paulinas, 1991

GILKEY, L. “O Espírito e a descoberta da verdade através do diálogo”, in VV. AA. A


experiência do Espírito Santo, Petrópolis, Vozes, 1979

GUTIÉRREZ, G. Teologia da Libertação. Perspectivas, Petrópolis, Vozes, 19834

HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa. Crítica de la razón funcionalista,


Taurus, Madri, 1987

HABERMAS, J. Dialética e hermenêutica. Para a crítica da hermenêutica de Gadamer, L


& PM Editores, Porto Alegre, 1987

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University Press, 1993

LANDOWSKI, E. A Sociedade Refletida, São Paulo, Educ/Pontes, 1992

PADILLA, C. R. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja, São Paulo, FTL-
B/Temática, 1992

REFOULÉ, F. “Nuevas orientaciones de la teología”. In: Selecciones de Teología, Buenos


Aires, 1974, n. 50

SAVIOLI, F. P. & FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação, São Paulo, Ática, 1996

SOBRINO, J. “O seguimento de Jesus como discernimento cristão”. In: Jesus na América


Latina. Seu significado para a fé e a cristologia, São Paulo, Loyola/Vozes, 1985
VILANOVA, E. Para comprender la teología, Estella, Verbo Divino, 1992

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