XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA. SOCIOLOGIA E
CONHECIMENTO: ALÉM DAS FRONTEIRAS
1 a 5 de setembro de 2003
UNICAMP
CAMPINAS / SP
Grupo de Trabalho: 24 - TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Título do trabalho: A relação entre sujeito e objeto e as novas
perspectivas paradigmáticas para o conhecimento sociológico
Autora: Profa. Dra. Iara R. B. Guazzelli – Doutora em
Sociologia do Conhecimento, na PUC/SP; mestre em Sociologia da Educação, na UFRGS; docente e pesquisadora da UNICUSUL – Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo, capital. 2
XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA. SOCIOLOGIA E
CONHECIMENTO: ALÉM DAS FRONTEIRAS
1 a 5 de setembro de 2003
UNICAMP
CAMPINAS / SP
Grupo de Trabalho: 24 - Teorias Sociológicas
Título do trabalho: A relação entre sujeito e objeto e as novas
perspectivas paradigmáticas para o conhecimento sociológico
Autora: Profa. Dra. Iara R. B. Guazzelli – Doutora em Sociologia do
Conhecimento, na PUC/SP; mestre em Sociologia da Educação, na UFRGS. Filiação institucional: docente e pesquisadora da UNICUSUL – Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo, capital.
Resumo
O trabalho desenvolve reflexões acerca do tema central do presente
congresso, que se propõe pensar em novas perspectivas paradigmáticas para o conhecimento em sociologia, na atualidade. Fundamenta-se no pensamento complexo e, particularmente, na obra de Edgar Morin, para estudar novas possibilidade de compreender a relação entre sujeito e objeto do conhecimento, em sociologia. Analisa a tese de Morin segundo a qual as ciências devem buscar uma integração entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido, no cerne mesmo da problemática estudada, explorando as complexas relações que podem ser estabelecidas entre estes dois pólos do conhecimento. Enfatiza a relação estudada por Morin entre o processo de construção do conhecimento e o processo de auto-eco-exo-organização, 3
constitutivo do sujeito. Aproxima estas concepções da idéia de interpretação
presente em Geertz, buscando compreender em que medida esta perspectiva pode enriquecer o conhecimento sociológico.
A perspectiva de Morin
Segundo Morin (1998), é necessário, hoje, colocar o sujeito no centro de
todos os conhecimentos, ciências, saberes. Esta proposta contesta um do princípios fundamentais do paradigma redutor e disjuntivo que tem orientado o desenvolvimento das ciências, segundo o qual o sujeito deve ser eliminado do produto do conhecimento embora seja ele, como lembra Morin, seu produtor; segundo o paradigma tradicional, coloca-se em primeiro lugar a preocupação em definir e, posteriormente, em conhecer o objeto, relegando o sujeito para o campo do não científico. Recomenda-se, ainda, o uso da terceira pessoa do singular, em textos científicos, para marcar, precisamente, a ausência do sujeito, de sua obra. É preciso abrir um parênteses, fazendo justiça à filosofia, a qual, desde a metade do século XVIII, na sua vertente crítica inaugurada por Kant, passou a chamar a atenção para o sujeito do conhecimento, suas possibilidades e limites. No entanto, como analisa Morin, esta preocupação com o sujeito permanecia no quadro de um paradigma que operava por disjunção: tratava- se, ora de estudar o sujeito enquanto condição de possibilidade do conhecimento, domínio da filosofia, ora de estudar o objeto particular, domínio de cada ciência. Ignorando o problema do sujeito, não se concebia a necessidade de compreender como o sujeito e o objeto são pólos constitutivos de qualquer saber e, portanto, como o estudo de sua relação faz parte de todas as ciências e, particularmente, para o que nos interessa aqui, da sociologia. Ao contrário, em sua obra e, em especial em “O Método 3 - O Conhecimento do Conhecimento”, Morin defende a tese da necessária integração entre sujeito cognoscente e objeto conhecido no cerne mesmo da problemática científica estudada: 4
É-nos, pois, necessário reintegrar e conceber o grande
esquecido das ciências e da maior parte das epistemologias, e enfrentar, sobretudo aqui, o problema a nosso ver incontornável da relação sujeito/objecto. (MORIN, 1998: 25)
Como o autor acrescenta, em seguida, a nova perspectiva aberta
pelo pensamento complexo não é excludente, nem cai no extremo oposto, que seria a valorização unilateral do sujeito, em detrimento do objeto e da objetividade. Ao contrário, na perspectiva do pensamento complexo, é necessário manter os dois pólos, o subjetivo e o objetivo, para tentar compreender como se estabelecem relações complexas entre ambos, na trama a partir da qual se constrói o conhecimento.
Não se trata de resvalar para o subjectivismo: trata-se
muito pelo contrário de enfrentar esse problema complexo em que o sujeito cognoscente se torna objecto do seu conhecimento ao mesmo tempo que permanece sujeito.” (MORIN, 1998: 25)
Segundo Morin, as ciências devem buscar compreender como se
estabelece a relação complexa entre sujeito e objeto investigando como o conhecimento é, ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo, em vários sentidos e níveis. Em primeiro lugar, o sujeito só pode conhecer o objeto externo porque o relaciona a si próprio, enquanto sujeito. Esta idéia já tem sido explorada pela filosofia. Kant foi o primeiro a demonstrar que a construção do objeto de conhecimento só se faz porque há um sujeito que articula, organiza os dados da experiência e constrói, desta forma, um objeto; o sujeito é a condição de possibilidade do objeto. Inversamente, a fenomenologia trabalha com a idéia de que a consciência só se constitui na medida em que é consciência de um objeto. A perspectiva de Morin, no entanto, vai mais longe. Compreender a relação entre sujeito e objeto exige que se compreenda como, em um mesmo 5
ato, o sujeito conhece o que lhe é exterior e se conhece, a si próprio, não
apenas como condição de possibilidade, mas de forma plena, com conteúdo. Neste sentido, então, o conhecimento é sempre, bipolarizado; em cada ato de conhecer constituem-se, simultaneamente, duas dimensões do saber, a que se relaciona ao objeto e a que se relaciona ao sujeito. O segundo pólo, subjetivo, tem sido considerado como não objeto das ciências. Daí a dificuldade em se compreender esta dimensão; basta, no entanto, que a levemos a sério e a coloquemos como parte inerente à nossa investigação, de forma metódica e científica, para que comece a tomar corpo e consistência: a idéia que nos deve nortear seria a de que, ao conhecermos, avançamos, ao mesmo tempo, na descoberta do objeto e na descoberta de nós mesmos, enquanto sujeitos que conhecem. Em um segundo momento deste trabalho far-se-á uma aproximação entre esta idéia de Morin e as reflexões de Geertz sobre o conhecimento antropológico enquanto diálogo e tentativa de tradução, de uma cultura para outra, para torná-la mais concreta do ponto de vista das ciências sociais. O processo acima descrito enraíza-se na realidade dos seres vivos, desde os mais simples até os mais complexos; para todos os seres vivos, conhecer é, em um mesmo processo, compreender o meio que se insere (o objeto) e conhecer a própria natureza de seu eu ( o sujeito) de forma a traçar, a partir deste duplo conhecimento, as estratégias de ação e de sobrevivência. O conhecimento é, portanto, uma realidade que se encontra no cerne da vida e do sujeito vivo enquanto processo auto-organizador, segundo Morin. Para compreendê-lo melhor, é necessário interrogar-se sobre o que é a vida. A tese central de Morin é que um dos processos fundamentais constitutivos dos seres vivos é o processo de computar. Esta realidade pode ser captada através da comparação entre a computação própria das máquinas artificiais e a computação específica dos seres vivos. Morin apoia-se na comparação entre os seres vivos e os computadores porque os mesmos imitam a vida em alguns de seus aspectos essenciais, reproduzindo, ainda que de forma imperfeita, processos típicos dos seres vivos, no caso, o processo de computar. Morin define a computação artificial, própria dos computadores, como um complexo organizador / produtor de caráter cognitivo, que se constitui a partir 6
de quatro instâncias: a informacional, a simbólica, a memorial e a logicial as
quais se apoiam umas nas outras para realizar uma atividade central, a manipulação e o tratamento de signos e símbolos, tendo em vista a resolução de problemas. O tratamento dos signos/símbolos ocorre através de (...) operações de associação (conjunção, inclusão, identificação) e de separação (disjunção, oposição, exclusão) (MORIN, 1998: 42).
Segundo o autor, a computação existe em função de um objetivo
fundamental: a capacidade e a efetiva resolução de problemas; o computador, assim como o ser vivo, é uma máquina de resolver problemas e a expressão “general problems solver”, forjada por Simon, significa “uma competência geral bastante poderosa para se poder aplicar a problemas diversos e particulares” (MORIN, 1998: 43).
As máquinas artificiais imitam um processo, a computação, que, de
maneira muito mais complexa e rica, constitui o próprio núcleo da vida. No que se refere aos seres vivos, os problemas fundamentais que devem ser por eles resolvidos dizem respeito à própria vida, à sua produção e reprodução; trata- se de: repelir a morte; assegurar a integridade do ser e sua sobrevivência; regenerar e reorganizar o organismo; assegurar-lhe regulação, produção, organização; assegurar –lhe o alimento, a defesa assim como a reprodução da espécie em um meio aleatório. Para tanto, é fundamental a atividade cognitiva que tece uma trama entre o conhecimento do meio e o conhecimento de si mesmo, em vista da elaboração de estratégias e ações. Assim, a computação, a capacidade de resolver problemas e traçar estratégias e a cognição, são categorias distintas e complementares que nos permitem compreender o processo vital (MORIN, 1998: 44).
Ao mesmo tempo, portanto, a computação viva produz a
vida e obedece a seu pedido (...) As computações vivas têm um caráter incontestavelmente cognitivo e mesmo auto- cognitivo, uma vez que permitem ao ser reconhecer substâncias, acontecimentos, modificações do meio exterior e também do meio interior. Mas esse caráter cognitivo é indistinto 7
das actividades organizadoras vitais do ser (...) (MORIN, 1998:
45).
A essencial relação entre o conhecimento do objeto e o conhecimento do
sujeito, é, na verdade, a dimensão cognitiva do processo de auto-eco-exo- organização; eco e exo significam que a constituição do sujeito está sempre aberta para uma dimensão mais ampla da qual faz parte, na qual se integra. Em textos anteriores ao acima citado, Morin trabalha com a categoria de sistemas abertos que se integram em outros sistemas abertos mais amplos (eco-sistemas) e assim indefinidamente, de horizonte e em horizonte. O sujeito seria um sistema aberto auto-organizador que, ao organizar-se, o faz sempre inserindo-se e participando de uma dimensão mais ampla, isto é, de um eco- sistema. O termo eco está ligado à organização e o termo exo à referência: o mesmo princípio se coloca na dimensão do ser e do conhecer. Só há ser sujeito na medida em que se constitui a relação entre o processo de auto- organização e o processo concomitante e complementar de eco-exo- organização que Morin retoma, aqui, para ressaltar sua dimensão cognitiva:
Enquanto a máquina artificial está assente num meio que
lhe é exterior, a máquina viva contém em si, de certa maneira, esse meio no seio do qual se situa. Com efeito, sendo singular e autónoma, a auto-organização viva integra em si a ordem e a organização do seu meio, a “eco-organização”, e constitui na realidade uma auto-eco-organização (MORIN, 1998: 45).
Nesta citação, não aparece , ainda, a dimensão exo que será
acrescentada, posteriormente, pelo autor para marcar a abertura do sujeito e sua ligação intrínseca com uma realidade externa, mais ampla.
O conhecimento humano mantém esta estrutura fundamental própria a
todos os seres vivos. Na verdade, compreende tão bem os processos característicos dos seres vivos porque os leva a um grau de complexificação, de riqueza e de desdobramentos muitíssimo maior do que o encontrado em 8
seres vivos menos complexos. Morin denomina a complexidade humana de
hipercomplexidade (1996 b) Por outro lado, a complexificação crescente da realidade humana pode gerar, também, divisões e disjunções entre vida e conhecimento, sujeito e objeto, ser e conhecer, o que pode dar lugar a distorções como as encontradas no paradigma tradicional de ciência. Não se trata de fazer a apologia do biológico nem de propor que os processos típicos da vida sirvam de matriz epistemológica para o conhecimento científico. Poder-se-ia dizer que a inspiração de Morin se alimenta, aqui, de uma dupla referência: a referência à vida e a referência às máquinas artificiais para perceber as possibilidades de um conhecimento científico muito mais complexo e paradoxal do que aquele alcançado pelo paradigma anterior.
A comparação com Geertz
Na Introdução de seu livro, O Saber Local, (GEERTZ, 2001: 09/11)
Geertz define qual a sua perspectiva com relação ao trabalho do antropólogo. Segundo o autor, foi superada uma perspectiva tradicional em ciências sociais que as compreendia como a produção de um sistema fechado, sem questões e sem brechas, com categorias bem definidas desde o início da pesquisa por exemplo, a categoria de sistema social, de cultura, as diferenças entre nossa cultura e as culturas “nativas”, etc. A antiga concepção era determinista e fundamentava-se na idéia de causa e efeito, em uma concepção tradicional da ciência. Segundo Geertz, a Antropologia, no seu questionamento, beneficiou-se das reflexões desenvolvidas por filósofos como Foucault, Deleuze e Habermas, entre outros, e reconheceu, como muitas outras ciências, a falência de uma concepção tradicional do conhecimento científico, fundamentada na idéia de um sistema pronto e acabado, que deveria explicar tudo e que não necessitava questionar-se a respeito de si mesmo. A partir dos anos 80, generalizou-se a compreensão dos saberes como um questionamento permanente, tanto no interior das ciências sociais como em outros campos. Passou-se a aceitar a idéia de que o saber é local, de que não há mais unanimidade entre especialistas de uma mesma área do saber, que é 9
necessário colocar a questão não só do objeto a ser estudado mas também de
quem os estuda, da perspectiva do pesquisador. Há, portanto, aqui, alguma convergência entre as perspectivas de Geertz e de Morin no sentido de que a objetividade “pura” não pode mais ser pressuposta como ponto de partida da ciências e em particular das ciências sociais. Segundo Geertz, mais que outras ciências, a Antropologia estava preparada para esta mudança de enfoque porque desde cedo fora confrontada com as diferenças culturais, com este “outro” que ela buscava conhecer, como também com a dificuldade de compreender, de forma mais abrangente, realidades muito locais, muito específicas, que deveriam captadas em discursos mais abrangentes, os discursos dos pesquisadores. Também na Introdução da mesma obra (GEERTZ, 2001: 19/20) o autor propõe o seu método que consiste em buscar estabelecer um movimento contínuo, um diálogo, entre, de um lado os temas ou categorias gerais que estruturam o pensamento do pesquisador como, por exemplo, arte, religião, senso comum, estrutura de pensamento, e, de outro, observações cada vez mais detalhadas, a partir de realidades locais. Desta forma, o trabalho do antropólogo ou etnólogo poderia ser compreendido como uma “tradução”, como se fosse de um idioma para outro: “mostrar a lógica das expressões deles com nossa fraseologia” “seus pontos de vista em nosso vocabulário” (p.20)
Geertz apoia-se em uma concepção do conhecimento antropológico
enquanto interpretação, enquanto diálogo entre perspetivas culturais distintas. O saber antropológico aparece, então, como compreensão do “outro”. Não estabelece esta proposta a partir da categoria de sujeito, como para Morin, e sim da categoria de cultura. Trata-se de uma inter-relação entre a dimensão social de quem conhece e a dimensão social de quem é conhecido. Sem dúvida, esta perspectiva de Geertz está próxima das concepções de Morin pois que, segundo este último, o sujeito humano se constitui na cultura e pela cultura, assim como se constitui no social e através do social; o cultural e o social seriam sistemas abertos mais amplos com os quais tanto o sujeito indivíduo como o sujeito grupo estão em permanente interação. A riqueza da análise de Geertz permite a conexão com o pensamento de Morin porque 10
marca a necessidade de se pensar e compreender o produtor do
conhecimento, neste caso, a comunidade cultural representada por aquele indivíduo concreto que, para compreender o outro, na sua diversidade cultural, deve ao mesmo tempo, compreender a si mesmo enquanto participante de uma cultura.
“(...) Na Antropologia, “tradução” significa, principalmente, a
reformulação de categorias (nossas e alheias – pense, por exemplo, em tabu), para que estas possam ultrapassar os limites dos contextos originais onde surgiram e onde adquiriram seu significado, com o objetivo de estabelecer afinidades e demarcar diferenças. (GEERTZ, 2001: 24)
O método de Geertz é hermenêutico ou interpretativo; isto significa que
busca compreender o sentido que uma cultura dá a sua vida, ações, pensamentos e ritos. Como ele próprio vai dizer, mais para a frente, vai sempre do particular para o global e vice-versa; estabelece uma dialógica entre o todo e as partes, as partes entre si e as partes e o todo, que é uma das características do pensamento complexo; aqui, aparece mais um ponto de contato com Morin; este processo é conhecido como o círculo hermenêutico, método adotado por Dilthey e utilizado para outros tipos de interpretação como as literárias, históricas, bíblicas, psicanalíticas, etc. Importante, também, é a distinção entre experiência-próxima e experiência-distante, formulada pelo psicanalista Heins Kohut e adotada por Geertz. (GEERTZ, 2001: 87). A experiência-próxima refere-se ao objeto estudado, por exemplo, os nativos e as relações que estabelecem com sua cultura; a experiência-distante diria respeito ao especialista, no caso, o pesquisador e os conceitos ou categorias que utiliza para seu trabalho científico, como por exemplo, estratificação social, sistema religioso, etc. Quando o antropólogo utiliza categorias, está fazendo uso de experiências distantes, tanto para sua cultura como para a cultura dos nativos. Percebe-se como Geertz mantém sempre presente a compreensão da atividade científica como uma reflexão em que o papel do pesquisador e de sua 11
teoria é discutido passo a passo à medida em que se desenvolve a reflexão
sobre o objeto estudado. Embora com modelos teóricos e categorias distintas, há algumas afinidades entre sua perspectiva e a de Morin. Há divergência entre as duas perspectivas, de Morin e de Geertz, na medida em que este último enfatiza a dimensão cultural do conhecimento e descarta a dimensão psicológica. Segundo ele, na pesquisa etnográfica, não se trata de entrar em comunhão emocional ou psíquica com pessoas de outras culturas e sim de compreender os sistemas simbólicos dessas outras culturas e buscar interpretá-los de forma adequada (GEERTZ, 2001: 88). Para Morin, o sujeito é, antes de mais nada, o próprio indivíduo, embora a idéia de sujeito possa ser ampliada para sistemas mais abrangentes; a subjetividade é a característica dos seres vivos. Isto significa que a dimensão psicológica não pode ser descartada do conhecimento. Não se trata, no entanto, de uma perspectiva reducionista, de um psicologismo; a dimensão social, cultural, simbólica é inerente a este indivíduo sujeito tanto quanto a dimensão psicológica. Há uma tríplice polaridade na realidade humana, entre o indivíduo, a sociedade e a espécie, polaridade tensa e contraditória que o pensamento complexo não pode descartar (MORIN, 2000:54). Contrariamente ao pensamento de Geertz, na obra acima citada, a dimensão psicológica do conhecimento assim como os sentimentos que desperta no sujeito pesquisador não podem ser colocados entre parênteses.
Conclusão
No meu entender, o pensamento de Morin coloca questões fundamentais
para se repensar as ciências sociais e, em especial, a sociologia. Não se pode abrir mão da inspiração fundamental do conhecimento científico que é o respeito pela realidade, a busca do conhecimento do objeto na sua especificidade. Qualquer tentativa de se elaborar um conhecimento objetivo, no entanto, pede, igualmente, como contrapartida, como a outra face da medalha, também um conhecimento subjetivo, um conhecimento do próprio sujeito pesquisador. Esta exigência, por sua vez, pode ter várias dimensões, pode ser entendida em vários sentidos. Chamo a atenção para três aspectos: 12
A/ O conhecimento científico deve incorporar não só o conhecimento do
objeto como também uma reflexão sobre como o sujeito constrói este conhecimento do objeto. Com outras palavras, todo o conhecimento de cunho científico deveria ser, simultaneamente, um conhecimento de cunho epistemológico. Esta seria uma conseqüência não muito distante de outras posturas críticas, como as desenvolvidas por Geertz ou por Foucault. A filosofia tem contribuído para esta tomada de consciência, estimulando os pesquisadores de várias ciências a dialogarem com suas próprias teorias e a incorporarem, no interior das mesmas, a dimensão epistemológica. B/ De forma mais radical, porém, desde o início da investigação, dever-se- ia pensar no sujeito que conhece, seja este sujeito um indivíduo, seja uma instituição ou uma cultura, colocando a questão: por que este sujeito está interessado neste objeto, qual a conexão entre ambos? Quais as motivações, interesses, problemas a serem resolvidos que ligam tal sujeito a tal objeto? Não seriam reflexões a serem realizadas depois do processo de conhecimento ter sido desenvolvido e sim reflexões iniciais que deveriam ser fundamentais para a própria definição e configuração do objeto. O objeto, desde o início da investigação científica, seria sempre, portanto, um objeto para um sujeito. C/ Em conseqüência, o progresso no conhecimento do objeto deveria ser acompanhado de um progresso concomitante no conhecimento do sujeito cognoscente e de suas relações com o objeto. Aqui, a radicalidade da concepção de Morin aparece mais claramente. Não seria mais possível um conhecimento de um objeto científico “puro”, por uma ciência relativamente isolada das demais; todo conhecimento científico deveria trazer em si mesmo estas duas faces, do subjetivo e do objetivo. Isto só seria viável, no meu entender, através de pesquisas interdisciplinares ou transdisciplinares, uma vez que a exigência da complexidade vai tanto na direção de uma compreensão cada vez mais ampla e aberta como também na direção de um rigor e de uma profundidade cada vez maiores.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GEERTZ, C. (2001) O Saber Local - Novos Ensaios Em Antropologia
ª Interpretativa. 4 ed. Petrópolis: Vozes. 13
___________ (1989) A Interpretação das Culturas. RJ: LTC.
MORIN, E. (2000) Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. SP: Cortez. __________ (1998) O Método 3 - O Conhecimento do Conhecimento. Mem Martins: Europa-América. __________ (1996, a) A Noção de Sujeito in SCHNITMAN, D. F. (Org.) Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. P. A.: Artes Médicas, pp. 5-58. __________ (1996, b) Introdução ao Pensamento Complexo, Lisboa: Instituto Piaget.