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Literatura Afro-Brasileira:

algumas reflexões

A literatura tem sido, na vida cultural brasilei-


ra, um elemento importante para a configu-
ração identitária de setores das elites. Sabe-
dores da força da palavra, tendo consciência de que a
cultura letrada desenha perfis e normas comportamen-
tais e interage com as culturas populares, intelectuais do
século XIX fizeram da literatura veículo de construção
e transmissão de idéias e valores que compuseram os
discursos oficiais sobre o Brasil. O imperador Pedro II,
intelectuais como Gonçalves de Magalhães, Alencar,
Machado de Assis, Joaquim Nabuco desejaram fazer
dos textos literários pilares institucionais da nacionali-
dade, por vezes sugerindo modelos de heróis ou apon-
tando vilões, outras, propondo especificidades no uso
brasileiro da língua portuguesa, ou através da exaltação
de elementos da terra brasileira, ou ainda nas tentativas
de inserção de seus textos e rostos na tradição escrita
ocidental, esmaecendo o papel dos grupos étnicos des-
prestigiados por esta tradição. Os romances românticos,
em suas versões regionais ou urbanas podem ser vistos
como exemplos do impulso didático-pedagógico que
norteava os projetos literários dos escritores brasileiro
que publicavam na primeira parte do século XIX. Aliás,
a definição do Brasil e da brasilidade torna-se insisten-
temente presente na agenda de pensadores e escritores
brasileiro desde que Denis1 Garret2 , no século XIX,
sugeriram o abrasileiramento das letras nacionais. Para
compor seus discursos de comunidade imaginada, po-
líticos e intelectuais elegeram o que/quem realçar e o
que/quem esmaecer, ou mesmo esquecer, nas perfor-
mances discursivas que encenaram. Por outro lado, vale
ressaltar que além dos objetivos já referidos, a autoria
de discursos históricos, políticos ou literários fornecia
ao indivíduo a possibilidade de desfrutar de privilégios
Professora da Universidade Federal
- desde a época, restritos aos poucos que possuíam ha-
da Bahia. bilidades de ler e escrever e principalmente de publicar.

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Deste modo, aos negros, até que Vossa Majesta- instituída dos registros
africanos ou afrodescen- de seja servido mandar históricos, cita-se Cal-
dentes, de acordo com remediar tantas faltas, das Barbosa, poeta satíri-
a legislação vigente em pelo que convém â con- co do século XVIII, autor
todo período colonial e servação deste estado. de poemas inspirados em
extensiva ao século XIX, Guarde Deus a católica modinhas e lundus que
não caberia escrever, pu- pessoa de Vossa Majes- circularam na tradição
blicar ou mesmo falar de tade para aumento da oral, além de outros poe-
si ou de seu grupo. Cristandade”( Camargo, tas “ mulatos” ou “ mesti-
Embora assim fosse 1987, p.25) ços” que são assim iden-
determinado, existem re- João Reis e Eduardo tificados nas histórias
gistros de nomes de al- Silva transcrevem em literárias e podem de-
guns que falaram de si ou apêndice ao livro Nego- monstrar como os afro-
de suas tradições desde o ciação e conflito, texto descendentes, em tendo
período colonial. Defini- de um “Tratado proposto oportunidades, atuavam
dos como pardos, mula- a Manuel da Silva Ferrei- como sujeitos de discur-
tos ou negros, termos que ra pelos seus escravos du- sos, relacionando-os ou
para além de nuances dis- rante o tempo em que eles não com suas histórias
criminatórias evocavam se conservaram levanta- ou tradições de origem
uma ascendência africana dos” escrito por volta de africana. Para muitos de-
incontestável, eles tenta- 1789; os participantes les, mestiços, obliterar a
ram participar das deci- da revolta dos Búzios, no vinculação com estas tra-
sões e dos debates sobre mesmo ano, escreviam e dições era uma forma de
a vida política nacional. faziam circular pela ci- mais facilmente ampliar
Oswaldo de Camargo no dade do Salvador avisos as brechas do sistema es-
seu livro O negro escrito e informações que eram cravista discriminatório
faz referência ao que se- colocado nos postes da Elejo alguns marcos
ria “ o primeiro texto de cidade. Ainda os textos significativos de uma pro-
um negro”, uma carta de produzidos pelas irman- dução literária que tem,
Henrique Dias citada por dades e sociedades negras entre outras, a proposta
Edison Carneiro. No tex- comprovam a existência de incorporar marcas de
to Henrique Dias recla- de pardos e negros alfa- problemas ou tradições
ma ao rei de Portugal em betizados que redigiam atinentes aos afrodescen-
1650: atas, registravam dívidas dentes em seu corpo tex-
“E ora, pelo Mestre de e depósitos em livros al- tual. Penso nos já antoló-
Campo General Francis- guns dos quais têm sido gicos para estudiosos do
co Barreto, que governa, pesquisados contempora- tema, Luis Gama, Maria
sou tratado com pouco neamente. Firmina dos Reis, José do
respeito, e com palavras Ou seja, de próprio Patrocínio, Antonio Re-
indizentes à minha pes- punho ou não, os negros bouças e Cruz e Souza,
soa, nem me conhece por atuavam como sujeitos Lima Barreto - Escrito-
soldado, e que não sou nas pequenas brechas res afrodescendentes que
nada nem venço soldo, que podiam descobrir no escreveram sobre temas
(e) a este respeito outras regime escravista. Parti- atinentes à afrodescen-
muitas moléstias, que to- cipando diretamente do dência, que militaram em
dos geralmente padecem campo da textualidade movimentos sociais da
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época voltados para a uma tradição que è ins- em que escritores brasi-
abolição ou que discuti- taurada com o objetivo leiros fizeram da sua as-
ram em suas obras sobre de resgatar a história de cendência africana con-
a discriminação racial. uma textualidade afro- teúdo de seus textos e
Uma questão se co- descendente e de divul- atuações.
loca ...Teriam estes es- gar nomes contemporâ- A expressão do dese-
critores publicado tex- neos que têm pouca ou jo do afrodescendente
tos que podem consituir nenhuma circulação en- escrever, reivindicando
uma textualidade negra tre o já parco universo direitos de cidadão e lu-
no Brasil? de leitores do Brasil.. gar ativo na comunidade
Escreveram com tal Vale destacar, no en- imaginada Brasil, ganha
objetivo? tanto, que embora já fôlego e maior visibili-
Arrisco então uma existam vários estudos dade na cidade de São
resposta: na con- Paulo nos
Estes escritores, em- tempo- anos iniciais
bora não estivessem in- raneida- do século
teressados em participar de, são XIX, com
de um produção textu- relativa- a chamada
al que se definia como mente re- imprensa
afro-brasileira, podem centes os negra. En-
hoje, a posteriori, ser li- estudos tretanto, no
dos como antecessores de fôlego século XIX,
de uma produção textual sobre a antes mes-
intencionalmente defini- produção mo da abo-
da como afrodescenden- textual lição, pelas
te, compondo assim uma produzi- vias institu-
versão da história da li- da e/ou cionais ou
teratura no Brasil. encenada não, Maria
As histórias selecio- por afro- Firmina dos
nam e organizam os fa- descendentes. Os brasi- Reis, Antônio Rebouças,
tos e os textos de acordo lianistas foram os pri- Gama, Patrocínio, An-
com a sintaxe que em- meiros a dedicar maior dré Rebouças ilustram a
basa as crenças estéti- atenção ao tema; Basti- busca da imprensa e da
co-filosóficas do seu au- de4, Brookshaw5, Raba- tribuna como forma de
tor ou autores. Assim, o saa6, Sayers7 são nomes fazer ouvidas as reivin-
que é escolhido para ser que podem ser apontados dicações negras do sécu-
lembrado ou esquecido como marcos deste tipo lo. Já no século XX, so-
varia de acordo com a de estudo, seguidos por frendo as conseqüências
performance que se de- Clóvis Moura, Oswaldo da exclusão programada
seja apresentar e com os de Camargo, Benedita e crescente do mercado
objetivos e metodologia Damasceno dentre vá- de trabalho e da vida
pedagógicos do discurso rios outros que se debru- social brasileira, inte-
identitário qualquer que çaram sobre a história da lectuais, funcionários e
seja ele. Entendo que textualidade no Brasil operários afro-descen-
alguns autores podem procurando identificar dentes reuniram-se em
ser lidos e inseridos em momentos significativos torno de jornais e asso-
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ciações com o intuito de Querino lista intelectuais visitas realizadas por
promover confraterni- famosos e professores nomes atuantes da vida
zações, cursos, festas na anônimos afrodescenden- afro-americana, inten-
tentativa de romper as tes que se destacaram nas sificaram as reflexões
barreiras da política cul- suas áreas de trabalho, sobre as suas produções.
tural da época. O Mene- fazendo um breve resu- O Jornal Quilombo, diri-
lick, Clarim da Alvora- mo de suas biografias. gido por Abdias do Nas-
da e a Voz da raça são Um trabalho importan- cimento volta-se para “
exemplares de momentos te para aqueles que dese- definir” o teatro negro” e
em que os afro-brasilei- jam construir um elenco produções culturais ou-
ros organizaram-se para de afro-descendentes tras também com o mes-
produzir textos e intervir que resgate o papel ne- mo designativo. Neste
na textualidade e na po- gro como sujeito político intuito publica na edição
lítica cultural brasileira. cultural. de janeiro de 1950, nú-
Em Salvador, a história Para além da impor- mero 5, parte do texto de
registra, as atividades do tância como registro his- Sartre, Orfeu Negro, em
professor Manuel Que- tórico, tal genealogia da tradução feita por Iro-
rino que, em 1918, en- textualidade afro-brasi- nides Rodrigues, nome
tre outras atividades que leira exerce o papel fun- sempre citado quando se
desenvolve, escreve para damental de constituir lu- fala das produções e do
o VI Congresso Brasilei- gares de memória funda- movimento negro nas dé-
ro de Geografia, realiza- mentais como estímulo à cadas inciais do século
do em Belo Horizonte, o ação dos escritores e lei- XX.. Ainda enfatizando
texto intitulado “ O colo- tores mais jovens. Assim, os trânsitos entre as pro-
no preto como factor da podemos dizer que com duções e as reflexões dos
civilização brasileira” . os fatos pesquisados até afro-descendentes via-
Organizado em seis o momento podemos fa- bilizadas pelo Atlântico
capítulos, o texto fala da lar de uma tradição textu- Negro, o mesmo Jornal
colonização, da chegada al de autoria de afro-bra- Quilombo publica, no nú-
dos africanos ao Brasil, sileiros que se constrói mero 7-8, anúncio do nú-
com destaque para os co- gradativamente com a mero 7 da Presença Afri-
nhecimentos que o refe- “ descoberta “ de autores cana - revista cultural do
rido grupo trazia e que que não estão na frente mundo negro, o anúncio
utilizou e adaptou ás con- de cena dos veículos de está escrito em francês e
dições de que dispunha legitimação dos cânones com endereço para com-
no período em que este- literários no Brasil. pra em Paris. De fato, o
ve escravizado. O traba- Os escritores e inte- Quilombo é um exemplar
lho de Manuel Querino lectuais afro-brasileiros, eloqüente dos circuitos
representa um esforço depois que os movimen- do Atlântico Negro que
para constituir exemplos tos políticos e literários acontecem nos meados
positivos de participação dos Estados Unidos e da do século XX, haja vista
do negro na produção de França propagaram-se no a quantidade de registros
riqueza do país. Em A Brasil através de tradu- de visitas de intelectuais
raça africana, no capítu- ções e versões publica- e artistas negros e a gran-
lo intitulado “Os homens das na imprensa negra e de quantidade de textos e
de cor preta na história”, como conseqüência das informações ou palestras
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proferidas por afro-ame- O escritor Cuti, en- Mesmo os negros que en-
ricanos e outros estran- tendo que cabe á litera- traram para a história da
geiros que se debruçam tura o papel de resgate literatura branca não es-
sobre temas relativos á da história e cultura do caparam dessa condição,
vida e culturas de ori- negro no Brasil afirma: já que nunca deixaram
gem africana. de ser fisicamente negros
Depois do Jornal Qui- “a literatura negra e portanto, sujeitos a to-
lombo os escritores e não é só uma questão das as condições que se
intelectuais afro-brasi- de pele, é uma questão impõe aos oprimidos em
leiros dão continuida- de mergulhar em deter- geral.” ( Reflexões p.50)
de à tradição de fundar minados sentimentos de
grupos, jornais e revis- nacionalidade enraiza- Márcio Barbosa e Es-
tas como os Cadernos de dos na própria história meralda Ribeiro, na apre-
Cultura da Associação do Africano no Brasil e sentação dos Cadernos
Cultural do Negro, Con- sua descendência, tra- Negros 25, destacam a
gressos de Negro, Afro- zendo um lado do Brasil preocupação estética e
Latina América, Revista que é camuflado” CN7. as “ alegrias e dores pró-
Tição em Porto Alegre, p.6 prias do seres humanos”
Jornal Abertura em São Em livro intitulado como elementos básicos
Paulo, Jornal do Movi- Reflexões sobre a litera- da constituição do texto
mento Negro Unificado, tura brasileira, de 1985 literário mas destacam a
o grupo Gens , os Cader- Márcio Barbosa também diferença instalada pelos
nos Negros, a antologia propõe uma definição: poema afro-brasileiros:
Quilombo de palavras “ sua capacidade de
entre outros. “Eis, portanto, a es- dar visibilidade às mar-
A partir da segunda pecificidade da litera- cas culturais e existen-
metade do século XX tura negra no Brasil: é ciais que identificam os
podemos falar de auto- uma arte feita a partir descendentes de africa-
res com Ruth Guima- de uma perspectiva do nos neste país.”
rães, Muniz Sodré, Joel dominado, do oprimido. (CN 25, p. 11)
Rufino dos Santos, Geni
Guimarães, Cuti, Con-
ceição Evaristo, Edmil-
son Pereira, Adão Ven-
tura, outros escritores
que produzem textos
sobre aspectos da tradi-
ção histórico-cultural de
origem africana no Bra-
sil, ou sobre aspectos do
cotidiano do afro-brasi-
leiro ou ainda levantam
em seus textos questões
sobre o que entendem
por literatura afro-brasi-
leira ou literatura negra.
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A poeta e romancista dos afrodescendentes, da poesia negra investe
Conceição Evaristo res- são a eles mais atinentes. em outra temática, pro-
salta a possibilidade de O poeta Cuti, escolhe cura calma e finamente
descoberta fornecida pelo em alguns momentos er- resgatar aspectos da cul-
ato da escrita: “ escrever guer sua pele como sím- tura e memória afro-bra-
é dar movimento à dan- bolo identitário individu- sileiras. Recorrem aos
ça-canto que meu corpo al e coletivo. Como ilus- museus, aos arquivos,
não executa. a poesia é tra o poema “Porto-me às bibliotecas e princi-
a senha que invento para estandarte”
poder acessar o mundo”
CN 25 p.35 Minha bandeira minha
pele
Já Para Oubi Inaê ki-
buko não me cabe hastear-me
“A literatura consi- em dias de parada
tui-se de Palavras crista- após um século da
linas que semeiam cami- hipócrita liberdade
nhos no solo da vivência vigiada
entre negros,brancos e minha bandeira minha
outras etnias ao serem pele
regadas pelas águas do
respeito,conhecimento, não vou enrolar-me,
auto-estima, consciência, contudo
autocrítica, solidarieda- e num canto
de...” p.141 acobertar-me de versos palmente aos arquivos
vivos da tradição oral.
A longa citação de re- minha bandeira minha Onde estão guardados
flexões diferenciadas ela- pele nos acervos do narrador
boradas por autores afro- fincado estou na terra tradicional cantadores e
brasileiros tem por meta que me pertenço contadores, relíquias das
registrar a diversidade de fatal seria desertar-me tradições das congadas,
concepções de literatura alvuras não nos servem do candomblé, dos ori-
afro-brasileira entre es- como abrigo kis, dos contos. – O que
critores que se definem miçangas de lágrimas não deixa de se revestir
como afro-brasileiros. enfeitam o país também de uma função
Vemos, através dos das procissões e social. Os poetas fazem
depoimentos que os es- carnavais da experiência vivencia-
critores citados definem minha bandeira minha da e transmitida de pai
a literatura negra como pele para filho um processo de
mergulhada na experiên- de resto é gingar com os constante reconfiguração
cia de vida dos afro-bra- temporais e preservação simultâne-
sileiros – literatura com a (CUTI, Sanga, p.46) as de tradições seculares
marca das tradições, pro- Se vários escritores in- uma teia de palavras con-
blemas, situações e expe- sistem explicitamente na cretas e palavras sentidas
riências culturais que se histórica função social da como sugere Antônio dos
não são exclusividades literatura, outra vertente crioulos:
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ra que circu- “ De mãe”:
lam os valores
simbólicos das O cuidado da minha po-
tradições da esia
sociedades que aprendi foi de mãe
não têm na es- mulher de pôr reparo
crita a sua prin- nas coisas
cipal forma de e de assuntar a vida
transmissão de (...)
saberes.
Os poetas Foi mãe que me fez
afro-brasilei- sentir
ros retomam a as flores amassadas
memória com debaixo das pedras
tema de poesia os corpos vazios
relida em uma rente às calçadas
clave contem- e me ensinou, insisto,
porânea que foi ela
não apaga o a fazer da palavra
seu tom de re- artifício
sistência e pre- arte e ofício
servação iden- do meu canto
Há palavras reais. titária e interessa-se da minha fala.
Inútil escrever sem elas. em criar outras vias de (CN 25 p.36-7)
A poesia entre cãs e preservação e/ou resga-
bichos te da tradição. A poesia A poesia de crítica so-
é também palavra. de Edmilson Pereira e a cial, espada ativa na luta
Mas o texto captura de Jaime Sodré, os con- contra o racismo, a ex-
é o rastro tos de Mestre Didi, entre clusão, as desigualdades
de carros indo, outros, podem ser lidos sociais, poesia que sem
sem os bois. como parte desta verten- abandono da explora-
A poesia comparece te da poesia afro-brasi- ção das potencialidades
para nomear o mundo leira expressivas da língua,
( Águas de contendas, A poesia entendida investe em fazer da pa-
1998 p. 2) como trabalho de esca- lavra um instrumento de
A tradição oral, mui- vação lírica, fincada na reivindicação de cidada-
tas vezes desprestigia- beleza e na memória e nia. Existe ainda poesia
da, é o instrumento pelo resultado de um apren- mais voltada para a relei-
qual a tradição africana dizado criativo das tradi- tura das tradições, acre-
transmitiu e transmite a ções que se transmitem ditam ser esta uma outra
vasta riqueza de saberes. de geração a geração e forma de luta, apresen-
É na alegria do contato que terá como resultado tar para afro-brasileiros
propiciado pela narração a preservação e atualiza- e não, a diversidade de
oral de episódios e lições ção de cantos e contos aspectos culturais que
de vida, entre os grupos como sugere a p poeta estiveram obliterados
africanos e da diáspo- Conceição Evaristo em pela tradição ocidental.
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Outra ainda, propõe-se a origem africana. Não se fossem a ela restritos.
resgatar a história do ne- acredito, portanto, que Literatura oral, literatu-
gro no Brasil, seleciona e a literatura, como alma, ra popular, ensaios, crô-
organiza os fatos históri- não tem cor. É sabido que nicas foram ´por muito
cos, os heróis esquecidos a literatura, em sua histó- tempo tachados de me-
e querem apontar a parti- ria na tradição ocidental nores, senão excluídos
cipação ativa dos negros foi vista sim como arte dos jardins das Musas.
e afrodescendentes na universal que tratava de As mudanças políticas
construção da comuni- temas igualmente univer- e sociais, as transforma-
dade imaginada Brasil. sais, leia-se ocidentais ou ções tecnológicas e da in-
Mas o escritor afro-bra- ocidentalizados. Com a dústria cultural abalaram
sileiro fala também de proliferação dos discur- o pedestal da literatura
si, seus anseios, amores, sos nacionais, aceitou-se e ela se viu obrigada a
dissabores e ,como toda que, mantendo o caráter conviver com as “marcas
e qualquer literatura, pas- universal, a arte literária sujas” da vida. Dos seus
seia por várias temáticas abordasse também aspec- lugares desprestigiados,
e seus textos não podem tos da história particular mulheres, afro-brasilei-
ser reduzidos a uma te- dos povos...Podemos ras/os, homosexuais,
mática única. dizer que as literaturas analfabetos juntamente a
Entretanto, escritores nacionais passam a ser cultura de massa e a cul-
há que recusam explici- a partir da constituição tura popular atacaram o
tamente qualquer qua- de temáticas, linguagens campo literário e reivin-
lificativo que enfatize o e personagens nacionais dicaram para si a pos-
lugar étnico de onde fa- que foram aceitos e in- sibilidade de tematizar,
lam, advogam o caráter centivados pela crítica da no interior deste campo,
“incolor” da literatura e época. Analisada sob uma questões e problemas so-
da arte. Mas como fazê- perspectiva aurática, in- ciais e passaram a confe-
lo se desde os antigos tocável . mesmo em tem- rir qualificações de etnia
a arte tem sido descri- pos da reprodutibilidade, e gênero, por exemplo, à
ta como trazendo em si de que fala Benjamim, a literatura.
marcas premeditadas e as literatura não se desvestiu O poeta Solano Trin-
inconscientes das vivên- de uma posição senhorial. dade faz uma “Advertên-
cias de seus autores? Imbuída de que lhe cabia cia.” No seu poema
Falar de literatura ne- a função de selecionar
gra deve pressupor, no leitores, imbuída de que Há poetas que só fazem
meu entendimento, duas o hermetismo garantiria versos de amor
questões centrais.... O o acesso de pouco, fosse Há poetas herméticos
lugar de quem fala, seja pela inacessibilidade da concretistas
um lugar étnico de per- leitura/escrita, fosse pela Enquanto se fabricam
tença ou de adoção, por- dificuldade econômica, Bombas atômicas e de
tanto, sem essecialismos, excluiu de seu campo a hidrogênio
e aliado a isto um debru- literatura oral e todos ou- Enquanto se preparam
çar-se sobre os arquivos tros “ impuros” usos de Exércitos para a guerra
da história do negro recursos expressivos e Enquanto a fome estiola
passada ou presente e/ estilísticos que a sua lin- os povos...
ou sobre as culturas de guagem assumiu como Depois eles farão versos
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de pavor e de remorso produção que resulta de lando de si, de suas fa-
E não escaparão ao experiências vivenciais mílias, da história de
castigo diferenciadas nenhum seu grupo e rasuram a
Porque a guerra traço de homogeneidade. pretensa universalidade/
e a fome Se existem aqueles que ocidentalidade da arte
Também os atingirão vêem na literatura um es- literária. Estabelecen-
E os poetas cairão no paço para a denúncia das do uma agenda temática
esquecimento desigualdades sociais e que atenda ás suas de-
suas vinculaçõs étnicas, mandas e jogue com o
Os afro-brasileiros já ou como arma de com- doce e útil, a faca e flor,
vinham de há muito insta- bate contra o racismo e a o riso e a raiva, a ale-
lando um desconforto na exclusão; existem outros gria e a dor, a memória
produção textual brasilei- que com lirismo e ou- e o presente, como fa-
ra através da produção de tro tipo de sensibilidade, zem todas as expressões
textos jornalísticos e lite- combatem de outra for- artísticas.
rários que debruçavam-se ma, resgatam uma me- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
sobre suas histórias e a mória quase esquecida
cultura, dialogando com dos cantos religiosos, dos CADERNOS NEGROS: poemas afro-
um tradição político-rei- cânticos míticos, das fes- brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2004,n. 25
e 27.
vindicatória ou com as tas e outars tradições que CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito:
tradições popular e an- se reconfiguraram na di- apontamentos sobre a presença do negro na
tropológica, escritores áspora e que hoje resistem literatura brasileira. São Paulo: Imprensa Oficial,
nascidos afro-brasileiros, nos textos inscritos nas 1987.
CUTI.Sanga. Belo Horizonte : Mazza,
adotando ou recusando memórias dos velhos, nas 2002.
a designação produzem recordações ás vezes im- QUILOMBHOJE. Reflexões sobre a literatura
textos nos quais as mar- precisas dos mais jovens, afro-brasileira.São Paulo: Conselho
cas de uma posição di- nos antigos casarios e nas de Participação e desenvolvimento da
Comunidade Negra, 1985.
ferenciada na sociedade ruínas das pequenas cida- Quilombo: vida, problemas e aspirações
brasileira, pululam aqui e des e vilas que guardam do negro. São Paulo: FUSP e Editora 34,
ali..Não podemos de falar segredos imemoriais. 2003 ( ed. facslimilar n.1 a 10))
de literatura negra como Assim os escritores SOUZA, Florentina. Afro-descendência em
Cadernos Negros e Jornal do MNU. Belo
essencialização, nem po- e escritoras de origem Horizonte: Autêntica, 2005.
demos atribuir a uma afro-brasileira vão fa-
1 - DENIS, Ferdinand Resumo da história literária do Brasil In: CÈSAR, Gulilhermino. Historiadores e críticos do
romantismo: 1 a contribuição européia: crítica e história literária. São Paulo:EDUSP, 1978, p.37-82.
2 - GARRET, Almeida. A restauração das letras em Portugal e no Brasil em meados do século XVIII In: CÈSAR,
Gulilhermino. Historiadores e críticos do romantismo: 1 a contribuição européia: crítica e história literária. São
Paulo:EDUSP, 1978, p. 87-92.
NOTAS

3 - BHABHA em seu livro Local da cultura observa que “ na produção da nação como naaraçãio ocorre uma
cisão entre a temporalidade continuística, cumulativa, do pedagógico e a estratégia repetitiva, recorrente do
performativo. É através deste processo de cisão que a ambivalência conceitual da sociedade moderna se torna
o lugar de escrever a nação. “ (BHABHA,1998,p.207
4 - BASITDE, Roger. Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1972 (1a ed.1944)
5 - BROOKSHAW, David. Raça & cor na literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983
6 - RABASSA, Gregory. O negro na ficção brasileira . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1965( publicado nos
EEUU em 1954)
7 - SAYERS. O negro na literatura brasileira. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1958

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