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21/08/2015 “Minha vagina é poderosa”, diz homem trans ativista — CartaCapital

Sociedade
Trans

“Minha vagina é poderosa”, diz homem trans ativista
por Marsílea Gombata — publicado 20/08/2015 05h12

Ícone LGBT, Buck Angel vem ao Brasil em novembro para questionar o conceito de
gênero

Buck Angel vem ao Brasil em novembro para conferência internacional

Um garanhão. Uma vagina. Ao contrário do que a cena pode
sugerir, o primeiro não cobiçará a segunda, mas a exibirá como
troféu. A vagina, afinal, é parte do corpo do garanhão, que resiste há anos a quaisquer tentativas de retirá­la
para dar espaço a um pênis. O garanhão, no caso, é o americano Buck Angel, ativista, produtor de filmes
adultos, ícone LGBT e uma das maiores vozes de homens trans do mundo.

A coragem que o levou a não abdicar de sua vagina em meio às transformações hormonais pelas quais
decidiu passar rendeu a Buck diversos prêmios, como o Feminist Porn Award (2012), e o traz ao Brasil para
compartilhar sua experiência com a comunidade trans na 1ª Conferência Internacional [SSEX BBOX] & Mix
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Brasil, entre os dias 18 e 22 de novembro, dentro do 23o Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade,
quando ele ministra também um workshop.

“Me sinto muito empoderado pelo fato de ter vivido como mulher antes de me tornar homem, e minha vagina
me capacita para entender certas coisas mais do que um homem que nasceu com pênis”, explica em
entrevista à CartaCapital. 

O processo de aceitação, ele reconhece, é uma trajetória penosa. Buck lembra de ver as transformações da
puberdade como uma traição de seu corpo. “Eu começava a bater nos meus seios para tentar impedi­los de
crescer”, conta. “Comecei a beber muito, usar drogas, tentei me matar. Ninguém me falou que eu poderia ser
um homem. As pessoas achavam que eu era doente e deveria ir para o hospital.” 

Se hoje a comunidade trans ainda sofre para se fazer respeitada, ele alerta, quem tem responsabilidade em
reverter esse quadro, assim como o recorde de crimes homofóbicos e contra transexuais no Brasil, é o
próprio governo. “Seu governo tem de se envolver e entender o significado de direitos humanos. Somos
humanos e temos o direito de viver.”

CartaCapital – O que é gênero?

Buck Angel – Essa é uma grande questão e agora, mais do que nunca, difícil de se responder. Acredito que
hoje gênero pode ser expresso de muitas maneiras e não apenas nas de homem ou mulher. Algumas
pessoas não sentem que são apenas homens, por exemplo, mas homem e mulher. Outras não sentem que
aquela terminologia representa a maneira como veem seu corpo. Então, gênero, hoje, para mim, é expresso
pelo indivíduo e não por padrões de comunidades. O gênero não pode ser expresso apenas pelas genitais. 

CC – Você, através de sua história e ativismo, criou o grupo dos homens com vagina. Um homem com
vagina é diferente de um homem com pênis?

BA – Sim, a principal razão pela qual somos diferentes de homens que nasceram com pênis é termos uma
perspectiva diferente do mundo. Muitos de nós crescemos mulher e, após a transição, escolhemos manter
nossa vagina. Eu posso dizer por mim: me sinto muito empoderado pelo fato de ter vivido como mulher antes
de me tornar homem, e minha vagina me capacita para entender certas coisas mais do que um homem que
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nasceu com pênis.

Acredito que minha identidade não é apenas minha vagina, e sinto que muitos dos homens com pênis têm
sua identidade atrelada a ele, porque é como os homens são criados. Um pênis é muito poderoso para o
homem, mas, para mim é a minha vagina que é poderosa. E ela não é toda a minha identidade, mas parte
dela.

CC – Você costuma dizer que se sente um garanhão com vagina.
Como é isso?

BA – O que quero dizer é que me sinto muito poderoso. Acredito
que, por nunca ter me sentido como mulher com minha vagina, foi
através do meu crescimento como homem que entendi que ela é
parte do meu corpo e tenho de aprender a amá­la, pois não vou ter
um pênis. Eu tive de aprender a aceitar minha vagina, e isso se
tornou um ponto muito específico de transição em minha vida, para
que eu pudesse ser dono de mim mesmo. Eu me sinto um garanhão
mesmo, me sinto muito poderoso. 

CC – Você sente atração por homens e mulheres? Em uma transa
com homem, define como sexo gay? Por outro lado, se transasse
com mulher seria uma transa heterossexual? Como isso pode ser
definido?

BA – Eu faço sexo com homem e mulher, sou bissexual. Quando eu faço sexo com um homem, sim, é sexo
gay. Alguns argumentam que não se trata de sexo gay, pois eu tenho uma vagina e então seria sexo hétero.
Isso não é verdade, pois eu sou um homem, só que com uma vagina. Quando estou com uma mulher, estou
tendo uma relação heterossexual, ainda que muitos digam que se trata de sexo lésbico.

Eu estou tentando quebrar essas ideias sobre o que significa ser homossexual, homem, mulher. Por que a
gente sempre tem de estar dentro de determinadas caixinhas e dizer, por exemplo, “eu sou um homem gay,
que gosta de outros homens gays”? Por que não podemos ser apenas seres humanos, que gostam de
pessoas? É para isso que estou lutando: para que as pessoas parem de se rotular.

CC – Por que você nunca pensou em implantar um pênis?

BA – Na verdade, eu quis ter um pênis, no início da minha transição, há mais de vinte anos. À época, não
havia muita informação com médicos ou na internet, então tive de descobrir como poderia ter um. Para mim
foi importante quando percebi que não teria um pênis. Não gostei da forma como seria realizada a cirurgia,
não gostei do fato de haver muita chances de eu perder o meu orgasmo e a sensibilidade em meus genitais.
Se eu escolhesse ter um pênis não seria algo funcional. Para mim, eu tive de olhar: o que é mais importante?
E a resposta é sexo, eu amo sexo. Então eu decidi que não teria um pênis.

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CC – Como foi o processo de transição de Susan para Buck?

BA – Eu sempre me senti muito muito homem, minha vida sempre foi
muito masculina. Aos 15 anos, meus seios começaram a crescer, e
isso criou muitos problemas para mim. Comecei a beber muito, usar
drogas, tentei me matar. Ninguém me falou que eu poderia ser um
homem, não era como é hoje.

As pessoas antes achavam que eu era doente e deveria ir para o
hospital, passar por avaliações psiquiátricas, porque elas não me
entendiam. Eu era identificado como uma mulher gay, mas não
estava feliz com isso. Aos 20 anos, percebi que queria fazer uma
mudança de sexo e comecei o processo de mudar o meu corpo e a
tomar testosterona. Tive uma terapeuta em Los Angeles que se
tornou um instrumento fundamental para eu me encontrar como sou
hoje. Por causa dessa mulher eu consegui ver que não era louco.

CC – Em outras ocasiões você lembra ter se sentido traído por seu corpo na puberdade. Qual a imagem que
mais o chocou nessa época?

BA – A imagem que mais me chocou foi a dos meus seios. Quando meus seios começaram a crescer eu
pegava as minhas mãos fechadas e começava a bater neles para tentar impedi­los de crescer. Minha mãe
olhava aquilo e dizia: “O que você está fazendo?”, e eu gritava: “Eu não quero isso, não quero ter esses
seios”. E ela: “Mas você é uma garota, tem de tê­los”. Até que comecei a detestar meu corpo demais... Ele
fazia eu me sentir uma mulher, e eu nunca havia me sentido assim. É destruidor para os trans se sentirem
traídos por seu corpo.

CC – Muitos diziam que você não seria homem até ter um pênis. Mas você mesmo percebeu que isso não o
torna um homem. O que é ser homem, afinal?

BA – Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares! Se eu encontrasse a resposta para essa pergunta, eu seria
Deus, porque não é possível encontrar uma determinada resposta a ela. Eu poderia dizer por mim, mas o
que me faz homem é diferente do que é para os outros. Acho que homem que nasce biologicamente homem
tem uma ideia diferente do que é ser homem. Minha ideia do que é ser homem é ser vulnerável, amoroso,
amar a mim mesmo e entender que somos humanos. Eu acho que temos de retreinar os homens para que
sejam mais respeitosos. Não é só porque você é um homem que é a coisa mais importante desse mundo, e
acredito que muitos homens pensem assim.

CC – Como enxerga as tentativas da mídia de tratar o tema da transexualidade, às vezes de maneira
preconceituosa, como recentemente aconteceu com você no talk show do Jô Soares? 

BA – Foi horrível, mas o engraçado é que isso acontece o tempo todo comigo. Porque as pessoas olham
para mim e fazem piada. Mas quando estão falando de mim, colocando minha foto para outros verem, sinto
que estou educando. Por que não me levam para o programa e discutimos isso para todo o Brasil? Por que
fizeram piada de mim? Porque não me entenderam. E é assim que as pessoas reagem àquilo que não
entendem: riem daquilo. Quero ir ao programa quando eu estiver no Brasil para discutir com eles e mudar

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suas opiniões sobre isso. Garanto que pedirão desculpas para mim.

CC – Uma de suas mensagens enquanto ativista é tentar fazer com que as pessoas pensem fora de
caixinhas normativas, de hetero, homossexual etc. Como fazer isso se desde o nascer somos bombardeados
com atividades, cores e assuntos destinados para meninos, meninas, gays, lésbicas etc?

BA – O que sempre digo às pessoas é: saiam ao mundo de forma autêntica como são e parem de ficar
assustadas com o que falam sobre vocês. É a única maneira de a gente começar a mudar e de as pessoas
começarem a perceber que não há caixinhas, criaram essas caixas e agora temos de descriá­las. Nós,
enquanto trans, temos uma oportunidade agora de fazer uma grande mudança no mundo, mas não se
conformando com ideias normativas. Não se trata de ser trans ou não, mas de uma evolução sobre gênero e
sexualidade. É a oportunidade de fazer o mundo um lugar melhor.

CC – Que tipo de manifestação você recebe em suas redes sociais e como as monitora?

BA –  Tenho sorte de ter muitos fãs ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Eu não acredito quantos fãs
tenho no Brasil, sou como uma estrela aí. No caso do programa do Jô Soares, todo mundo começou a tuitar,
a colocar no meu Facebook, e eu comecei a ler. Mas isso acontece comigo o tempo todo. As pessoas
mandam citações sobre mim, administro as redes o tempo todo, traduzo quando preciso.

CC – O Brasil é campeão mundial em crimes homofóbicos e também contra transexuais. Você pensa em
falar sobre isso quando vier a São Paulo, em novembro, para a 1ª Conferência Internacional [SSEX BBOX] &
Mix Brasil?

BA – Quero falar sobre como as pessoas podem se mobilizar para chegar até o governo e mudar isso.
Temos de falar sobre o seu país e o ódio contra a comunidade LGBT. Para mim, é louco o Brasil ter a mais
alta taxa de assassinato de trans em todo o mundo. Esse tema tem de ser levado de maneira mais séria, e
essa é uma das razões que me fazem ir para aí, pois me sinto instado a ajudar essa comunidade.

E sei que minha voz tem algum peso. A comunidade de homens trans apenas agora está ficando conhecida
no mundo. Eu tenho amigos no Brasil, mas eles não têm tanto apoio. Acho que nos próximos anos a
comunidade de homens trans no Brasil ganhará grande visibilidade. Mas, antes, quem tem o principal papel
para mudar isso é o seu governo. Seu governo tem de se envolver e entender o significado de direitos
humanos. Somos humanos e temos direito de viver.

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CC – Essa será a sua primeira vez no Brasil? O que espera daqui? Como produtor e ator de filmes adultos,
você planeja filmar algo por aqui?

BA – Sim, terei apenas uma semana aí, mas será muito importante e transformador participar de uma
conferência que tende a causar muitas mudanças em seu país. E se eu tiver tempo, vou querer filmar.
Encontrei, por exemplo, um homem trans cuja parceira é uma mulher trans, e eles querem fazer um filme
para mim. Isso será incrível! E também queria uns garotos brasileiros para meus filmes. Seria demais!

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