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DEUS É UM VÍRUS

Renato Zamora Flores


Por que existe a matéria ao invés do nada?
Uma pergunta simplória como esta mostra que a existência de Deus está longe de ser
um problema resolvido para os cientistas e para todos aqueles que não tiveram um
contato direto com a divindade e, por isso, não foram abençoados com um tipo de
crença que prescinde de justificativas: a fé.
Para aqueles sem fé, parece muito difícil chegar-se a Deus pelo raciocínio.

A religião não costuma ser, para a maioria dos cientistas, um bom investimento. A fé
não faz as pesquisas científicas mais adequadas, ainda que possa fazê-las mais
éticas, e não costuma facilitar a interpretação dos dados.
Há, para os pesquisadores, duas atitudes possíveis. A primeira é ignorar o assunto e
recusar-se a discuti-lo já que, seriamente, não modificará, exceto para pior, qualquer
estudo científico.
Ainda que haja muitos relatos em contrário, as divindades não parecem exercer
muitas atividades no cotidiano das pessoas. Claro, restam inúmeros relatos de casos;
uma aparição divina (vista por poucos e crentes) aqui, uma cura miraculosa
(usualmente avaliada de modo precário em seus aspectos médicos) ali...
Sobre provas testemunhais, o filósofo inglês David Hume tem uma frase muito
interessante: "O testemunho de um fato milagroso só poderá ser levado em conta se
o fato de quem o testemunhar ou relatar estar enganado for um evento ainda mais
milagroso". Assim, milagres eventuais são adequados para, talvez, fortificar a fé dos
mais simples, mas não suficientes para garantir cientificamente que uma divindade
tenha ação entre nós.
A outra posição, com mais curiosidade, é refletir e pesquisar o porquê de existirem
tantas religiões e tantas pessoas se apegam a elas ferreamente. Apegam-se tanto a
crenças em paraísos e imortalidade que chegam a matar umas as outras em diversas
partes do mundo, supostamente por orientação e em nome de um Deus piedoso e
bom. A existência de mais de um credo faz com que percebamos, se examinarmos os
textos religiosos com mais cuidado, que a ética de "amar seu vizinho como a si
mesmo" é fundamentalmente restrita aos membros da seita.
A divindade, também, não parece ser tão bondosa assim. Veja o que Charles Darwin
pensava de sua piedade: "Não posso convencer-me de que um Deus benéfico e
onipotente tenha criado as Ichneumonidae, com a intenção expressa de que estas
buscassem o seu alimento no corpo vivo das lagartas."
Ichneumonidae é uma família de vespas que colocam seus ovos em lagartas, após
paralisá-las com uma espetada do ferrão em um gânglio nervoso. A pobre lagarta é
devorada viva pelas larvas da vespa, que se nutrem de sua gordura e fluídos
corporais. À luz da seleção natural o fenômeno é tão simples de se explicar como
outras formas de parasitoses nos seres humanos, muitas delas tratáveis com
eficiência pela Medicina.

Por que motivo será que, apesar de existirem até pronto-socorro de milagres, não foi
possível incorporar nenhuma cura de origem divina ao nosso arsenal terapêutico?
Com tantos seres espirituais a opinarem sobre problemas de seres humanos é
surpreendentemente escassa a lista de contribuições para as ciências. Seria possível
concluir que não só os cientistas entendem pouco de seres imateriais como estes,
praticamente, desconhecem a ciência.
Uma proposta bastante criativa sobre o sobrenatural é a de que Deus seria um vírus,
não um vírus material, mas uma idéia-vírus. O conceito todo, desenvolvido por alguns
biólogos do comportamento, é de que as idéias podem infectar os cérebros, ou as
mentes, do mesmo modo que os vírus e bactérias podem infectar um corpo.
Note que existem, neste momento, vários genomas virais residindo em seu DNA e
milhões de bactérias em seu trato gastro-intestinal e na sua pele. Alguns não lhe
causam mal, ocupando o espaço onde poderiam crescer microorganismos
patológicos, e outros, têm, ainda, um papel benéfico no metabolismo, como a
produção de vitamina K. Você não é um único ser, é um agregado biológico de
bilhares deles, dez bactérias para cada célula do corpo.
Os vírus têm apenas um objetivo: replicar-se. Injetam o seu material genético em uma
célula viva e usam a maquinaria celular para fazer mais cópias de si mesmo.

Voltando às idéias, a crença na divindade deveria trazer várias vantagens para os


nossos ancestrais, que podem ser úteis ainda hoje: aumentam a união dos membros
do grupo, aumentam sua resistência ao estresse e, mais diretamente, aumentam o
número de filhos.
Pelos mesmos processos da seleção natural, que fez crescer o pescoço da girafa,
tornou insetos resistentes ao DDT e criou o bicho-pau, a crença em Deus favoreceria
não só a vantagem numérica dos proprietários das mentes crentes sobre aqueles não-
crentes como, ainda, faria mais cópias de si, em novas mentes, por ser uma idéia útil.
O conteúdo da crença é irrelevante, pois como disse o pai da sociobiologia, Edward
Wilson, a mente humana evoluiu para acreditar em deuses, não evoluiu para
acreditar na biologia.
Na medida em que uma pessoa crê em um ser divino que o protege, pensa estar em
melhores condições de proteção que os demais e pode calcular o número de filhos de
maneira um pouco mais otimista. Uma das pesquisas de nossa equipe sugere que há
uma relação de cerca de 20% entre a religiosidade de uma pessoa (independente do
tipo de crença), e o número de filhos que pretende ter durante a vida. Outra, realizada
na vila Cruzeiro do Sul, mostrou que mulheres que têm religião declarada apresentam
70% a mais de filhos do que aquelas que não declaram religião.
A crença de que o mundo é justo, por uma ação divina, tem conseqüências patéticas
no pensamento popular. Pesquisas realizadas desde a década de 70 têm mostrado
que as pessoas muito religiosas acreditam que os vencedores de prêmios de loteria
devem ser melhores do que os demais, já que receberam esta benesse. Pior,
acreditam que aqueles menos afortunados na sociedade fizeram, de algum modo, por
merecer, quer nesta vida, quer em outra. Aliás, esta é uma crença comum entre
espíritas de menor conhecimento de sua doutrina.

Bem, em todas as religiões podemos encontrar pessoas surpreendentes, como Chico


Xavier, Madre Teresa, D. Helder Câmara e muitos outros. Estudos comportamentais
mostram, de modo geral, que a religião não parece melhorar os indivíduos. Aqueles
que colocam um alto valor na salvação divina costumam ser os mais conservadores,
mais ávidos pelo status quo e menos empáticos com as minorias do que os indivíduos
menos preocupados com a ação de Deus.

Entretanto, há uma questão divina importante na interpretação do Universo. O que


existia antes do Big-bang, a explosão inicial que formou o nosso Universo há cerca de
15 bilhões de anos?
Os físicos não sabem ao certo e as hipóteses feitas por eles não são mais
substanciadas do que uma que afirme que Deus causou a explosão. Como vivemos
em um mundo onde um evento é sempre precedido de um ou mais que o causaram, é
quase uma impossibilidade mental que algo tenha surgido do nada. Então há, pelo
menos, um local onde Deus de fato poderia estar: do lado de fora do Universo. Ele o
criou e o deixou seguir seu caminho.
Pode parecer supérfluo, mas se Deus está fora do Universo, segundo a cosmologia
contemporânea não pode ter ação dentro dele, do mesmo modo que não podemos ter
ação em um buraco negro, estando fora dele. Logo, peticionar-lhe, por meio de
orações, para que tome decisão em favor desta ou daquela situação não teria efeito
prático algum.
Os resultados acumulados até agora mostram que, de modo geral, a evolução do
Universo não parece ter um propósito. Ele parece seguir um conjunto de regras físicas
mais ou menos invariáveis. Para os físicos, em relação ao Universo, como para os
biólogos, em relação à vida, não há por que não se maravilhar frente à complexidade
dos fenômenos. Não é necessário, porém, recorrer-se a um Deus dentro dos limites
internos do Universo. A natureza é auto-suficiente em termos de explicações.
Por isso, orar pode trazer benefícios a quem ora, mas não é razoável esperar-se que
trará algum recurso externo, quer para você, quer para terceiros. É como praticar
exercícios físicos: não é obrigatório que seja útil a você, mas pode ser até que sim.
Pesquisas mostram que a religiosidade e a devoção diminuem o risco de depressão e
do uso excessivo de álcool e outras drogas. Rezar por alguém, entretanto, não parece
ter efeito nenhum.
Em um certo momento da história evolutiva deste planeta, eclode a vida, cuja
definição é um pouco complicada já que não há substância, objeto ou forças especiais
que possam ser identificadas com a vida. De uma maneira bem geral, ela é um
processo químico de auto-replicação. Formas produzindo formas muito parecidas de
si. A função da vida, para os biólogos, não é louvar ou espelhar a divindade de algum
modo. A função da vida é, apenas, de continuar existindo e se multiplicando.
Não parece ser um evento extremamente raro, dado às condições adequadas de
temperatura e pressão e características químicas de um planeta. Por isso devem
existir em outros planetas e as mais recentes descobertas da exobiologia sugerem a
possibilidade de vida, em nosso sistema solar, não apenas em Marte, mas também em
luas de Saturno ou Júpiter. Como afirma o filósofo da ciência Charbel El-Hani, da
UFBA: uma definição de vida deve ser não vitalista, não fazendo qualquer referência a
energias ou poderes vitais ocultos, forças sobrenaturais, etc. Ou seja, os biólogos
também não necessitam e não desejam que o conceito da divindade seja
acrescentado a seus modelos, prescindem de Deus para explicar a vida, a evolução
dos seres vivos e a mente humana.
O problema da utilidade e/ou função de Deus é, em certo sentido, semelhante ao
problema de qual é a função da alma em um corpo. Como as neurociências mostram,
todas as funções mentais estão localizadas no cérebro e não podemos distinguir um
corpo com alma de um que esteja sem alma, pois não há uma propriedade física que
lhe possa ser atribuída.
Se Deus parasse de existir, como iríamos notar a sua falta, se não há indícios de sua
ação, exceto para aqueles que se comunicam com ele diretamente?
Um deles teria, obrigatoriamente, de nos informar, pois o Cosmo, com os dados
atualmente disponíveis, continuaria o mesmo.
Assim, aproveitando as idéias de um professor de teologia americano: não há dúvidas
de que Deus existe. Importante é saber onde. Dentro ou fora do Universo? Para
muitos cientistas, caso esteja do lado de dentro, talvez sua morada seja apenas a
mente dos fiéis.
Renato Zamora Flores é Professor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. - Texto originalmente
publicado no jornal Zero Hora, Caderno Cultura, 29 de janeiro de 2000, p. 2-3.

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