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Terra e Território:
A luta dos povos para permanecerem no campo
Alumeia é uma publicação da
Comissão Pastoral da Terra Bahia,
organismo ligado à Comissão para
o Serviço da Caridade, da Justiça
e da Paz, da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB)
COORDENAÇÃO
Abeltânia de Souza Santos
Gilmar Santos
Luciano Bernardi
Terezinha Maria Foppa
REALIZAÇÃO
Comissão Pastoral da Terra Bahia
APOIO
Fundo Nacional da Solidariedade
EXPEDIENTE
Colaboração: Ana Paula Alves, Beniezio
Eduardo, João Marques, Nancy Cardoso,
Sumário
Thomas Bauer, Tatiana Emilia Dias Gomes
Pesquisa e Fotos: Agentes CPT BA 05 Artigos
Edição: Assessoria de Comunicação CPT BA
Projeto Gráfico, Editoração e Impressão: Da tensão social à conveniência e
Autor Visual Design Gráfico oportunidade: os caminhos político-
Tiragem: 1.500 exemplares
jurídicos trilhados pela obtenção de
ISSN 2318-6496
terras para a reforma agrária no Brasil
18 Matéria
Comunidades lutam para
defender seus territórios
29 Depoimentos
Everalda; Josileide; João Ferreira;
Maria Inês e Dom Mauro
Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo APRESENTAÇÃO
Apresentação
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APRESENTAÇÃO Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
Apresentação
N
este ano de 2015 a Comissão Pas- ses dos proprietários estes podem se eximir
toral da Terra completa 30 anos de de uma ação direta.
publicações do Caderno de Confli- Esta segunda edição da Alumeia trata sobre
tos no Campo Brasil. A mais recente Terra e Território: A luta dos povos para perma-
publicação, referente ao ano de 2014, aponta necerem no campo. Como acontece o enfren-
que ocorreram 1.286 conflitos no campo no país, tamento aos projetos de capital e aos empre-
envolvendo mais de 80 mil pessoas. Na Bahia, fo- endimentos que se mostram como progresso
ram registrados 103 conflitos no campo, sendo e geradores de empregos para a região, ao
76 conflitos por Terra, envolvendo 1.940 famílias. mesmo tempo em que expulsam moradores
O Caderno de Conflitos no Campo Brasil se de suas casas.
propõe a registrar os conflitos em que estão Trazemos relatos de moradores de comunida-
envolvidas pessoas e famílias de trabalhadores des que resistem há mais de 30 anos para se
e trabalhadoras do campo, e as mais diversas manterem em seu território, como no município
categorias de camponeses do país. Nestes 30 de Casa Nova, e comunidades de Caetité que
anos foram registrados 29.609 conflitos no cam- enfrentam as obras da Ferrovia de Integração
po, destes 23.079 são conflitos por terra. Oeste-Leste.
Outro dado que se destaca da violência contra A força das mulheres trabalhadoras rurais tam-
os homens e mulheres do campo é o do núme- bém é mostrada nessa edição. Como se organi-
ro de famílias despejadas, cresceu quase 92%. zaram em movimentos e como têm enfrentado
Foram 6.358 famílias despejadas em 2013 e os projetos de capital no Oeste do Estado. Além
12.188 em 2014. No Nordeste o número passou disso, um dos nossos artigos fala do papel da
de 1.769 para 4.174. mulher na luta no campo a partir de relatos
da Bíblia. Como ela era vista e que funções
Cresceu também o número de famílias amea-
desempenhava.
çadas de despejo, que passou de 19.250 para
Contamos também com depoimentos de mo-
29.280, um aumento de 52%. O número de
radores impactados com a construção do Porto
famílias ameaçadas de expulsão foi de 22.698
Sul, em Ilhéus.
para 23.061 e o de famílias que viveram sob a
mira de pistoleiros de 13.638 para 17.695. Em Esperamos que essa edição sirva de reflexão
contrapartida, o número de famílias expul- sobre as diversas formas de resistência das
sas diminuiu de 1.144 em 2013, para 963 em camponesas e camponeses da Bahia.
2014. Este dado sinaliza que quando é maior a Boa leitura e muitas luzes!
ação do poder público na defesa dos interes- As/os agentes da CPT Bahia
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
Da tensão social
à conveniência e
oportunidade:
OS CAMINHOS POLÍTICO-JURÍDICOS TRILHADOS PELA OBTENÇÃO
DE TERRAS PARA A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
Tatiana Emilia Dias Gomes*
Q
e lhe dá um aspecto mais sombrio.
uais ideias influenciaram as con-
cepções sobre obtenção de ter- De um modo geral, o assentamento de traba-
ras pelo Estado para a reforma lhadores sem terra com condições de produção
agrária no Brasil? Quais transfor- e acesso a direitos sociais sempre permaneceu
mações vêm ocorrendo nas propostas de obten- aquém das reivindicações dos movimentos
ção de terras para reforma agrária realizada nas sociais organizados, resultado da combinação
últimas décadas? Incidir sobre a concentração de um patronato rural fortalecido, de governos
fundiária foi um elemento importante para os atrelados a seus interesses e de uma questio-
sucessivos governos federais? Deixou de ser? nável demanda mundial pelo aumento da pro-
dução de alimentos.
A concentração fundiária no Brasil é muito
elevada. Pelo menos, desde os anos ses-
senta, o índice de Gini da concentração se
mantem no mesmo patamar – 0,8 (com
pequenas variações).
Muito embora as raízes que explicam essa in-
tensa concentração sejam bastante profundas,
o que nos remete ao estatuto do solo brasileiro
desde os tempos coloniais e imperiais, com
destaque para as relações entre escravismo,
direito de propriedade privada e sistema finan-
ceiro, é importante não perder de vista que as
escolhas e decisões políticas do presente e de Tupinambás lutam por território
Moradores são despejados para instalação do projeto de irrigação, em Ponto Novo (BA) (esq.). Manifestantes reivindicam maior
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
A OBTENÇÃO DE
TERRAS PARA A
REFORMA AGRÁRIA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
A Constituição Federal resultante do fim da
ditadura militar-empresarial, promulgada em
1988, derivou de intensas lutas políticas e dispu-
tas interpretativas pelo seu conteúdo escrito. A
redação da Constituição atual é um amálgama
dos distintos interesses que influenciaram os(as)
parlamentares constituintes, interesses confli-
tantes entre si em grande medida, e o assunto
atenção para a agricultura familiar no Grito da Terra (dir.).
reforma agrária não escapou dessa disputa.
do e na Caatinga) para o avanço da fronteira As diversas lutas ocorridas pelo Brasil afora,
agrícola. A reforma agrária se confunde com a pelo menos desde as Ligas Camponesas, reivin-
colonização (MEDEIROS, 1993). dicando acesso à terra para os camponeses e
A reforma agrária aparece apenas como medida camponesas sem-terra atingiram um alto grau
residual naquelas áreas reconhecidas como de organização e mobilização popular. Os mo-
de tensão social. E a obtenção de terras para vimentos sociais gestados nesse ambiente po-
a reforma agrária deve acontecer de maneira lítico de esperança conseguiram imprimir a sua
gradual, parcelar, isto é, imóvel por imóvel, e marca no texto constitucional, muito embora
excessivamente onerosa ao orçamento público. essa marca tenha sido esmaecida pela oposição
Ocupação do MPA
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ARTIGO Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
dos setores patronais que excluiu a propriedade III. Observância das disposições que regulam
considerada produtiva da desapropriação para as relações de trabalho e;
fins de reforma agrária. IV. Exploração que favoreça o bem-estar dos
A ideia de obter terras apenas onde houvesse proprietários e dos trabalhadores. Na prá-
tensão social, como propunha o Estatuto da tica dos gestores públicos, o requisito “uso
Terra, foi substituída por outra: a obtenção de adequado e racional” acabou prevalecendo
terras deveria ocorrer onde houvesse latifúndio para a obtenção de terras para a reforma
improdutivo. agrária, em detrimento dos outros três.
Muito embora, desde 1934, as Constituições Propriedade que não cumpre a função social
Federais fizessem referência ao bem estar so- deve ser desapropriada para fins de reforma
cial como elemento constitutivo do direito de agrária. Eis o mandamento constitucional. No
propriedade, é na Constituição Federal de 1988 entanto, a racionalidade que inspira a obtenção
onde houve um maior detalhamento desse de terras para a reforma agrária continuou a
elemento, agora chamado função social da mesma do Estatuto da Terra: parcelar, imóvel
propriedade. por imóvel, gradual (a regulamentação do capí-
A função social se concretiza quando atendidos, tulo constitucional dividiu o procedimento em
simultaneamente, quatro requisitos: duas fases, uma administrativa e uma judicial),
e excessivamente onerosa aos cofres públicos,
I. Aproveitamento racional e adequado;
com a indenização do proprietário sendo paga
II. Utilização adequada dos recursos natu- em títulos da dívida agrária pelo valor da terra
rais disponíveis e preservação do meio nua e, em dinheiro pelo valor das benfeitorias
ambiente; úteis e necessárias.
Comunidade de
Ilhota mobilizada
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
condições de produção e vida para isso, du- de Combate à Pobreza. (MARTINS, 2004)
rante a era FHC, tomou corpo uma proposta A “reforma agrária de mercado” foi amplamente
de obtenção de terras em que o Estado abdi- questionada e combatida pelos movimentos e
cava o seu poder de desapropriar o latifúndio organizações populares, mas continuou a ser
improdutivo. executada nos governos seguintes.
Comunidade de
Ilhota mobilizada
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ARTIGO Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
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ARTIGO Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
Em 8 de julho de 2015, foi publicada no Diário Ofi- Ademais, aponta que no âmbito do Ministério
cial da União nova portaria de n.º 243, revogan- do Desenvolvimento Agrário, o processo ad-
do a portaria n.º 7. A portaria n.º 243/2015 indica ministrativo de desapropriação será objeto de,
que as diretrizes que orientam a obtenção de além de outros elementos de ordem técnica,
terras para a reforma agrária são: o encurtamen- de um juízo de oportunidade e conveniência
to, a rapidez e a eficiência dos procedimentos, da autoridade administrativa do órgão. Dessa
a conciliação dos interesses públicos do Estado forma, concentra-se na figura do gestor decidir,
e a viabilidade econômica dos assentamentos. a partir de critérios muito abertos e elásticos,
Essa última diretriz articula-se com a ideia de dando margem a possíveis arbitrariedades e
“nova rota” e de impedir a criação de novas fa- violação do direito à terra de milhões de tra-
velas rurais com os recursos públicos do Estado. balhadores sem terra.
Essa nova portaria estabelece como parâmetro A obtenção de terras para a reforma agrária
de priorização para vistoria de imóveis para fins no molde estatal que, desde sua concepção,
de reforma agrária, após pesquisa das Superin- se mostrou ineficiente para atender às lutas
tendências Regionais do INCRA e/ou indicação e reivindicações justas, legítimas e urgentes
de organização representativa de trabalhadores: dos camponeses e camponesas do Brasil, na
I. Indicativos de descumprimento da sua conjuntura atual, sofre intensos processos de
função social; II. Os imóveis constantes no demolição, ocultados por portarias adminis-
Cadastro de Empregadores que tenham trativas que não ganham a visibilidade neces-
mantido trabalhadores em condições aná- sária para provocar reações mais expressivas e
logas à de escravo; III. As terras públicas, seguem desrespeitando as conquistas legais.
desde que apresentem viabilidade para a
implantação de projetos de assentamento;
IV. Os imóveis rurais de maior dimensão e
aqueles ofertados para a compra e venda
de que trata o Decreto nº 433, de 1992; e V.
Localização em área de influência de outros
assentamentos ou centros consumidores.
REFERÊNCIAS
MEDEIROS, Leonilde Servolo. Reforma Agrária: concepções, contro-
vérsias e questões, 1993.
SABOURIN, Eric. Reforma Agrária no Brasil: considerações sobre os
debates atuais. Revista Estudos Agricultura e Sociedade, Rio de
Janeiro, n.º 2, 2008, p. 151-184.
MARTINS, Mônica Dias (org.). O Banco Mundial e a Terra: ofensiva e
resistência na América Latina, África e Ásia. São Paulo: Viramundo, 2004.
VARGAS, Pepe; GUEDES, Carlos. A Nova Rota da Reforma Agrária
no Brasil. Folha de São Paulo, 3 de março de 2013.
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
Mulheres na luta
por terra e território
marcadas para
desaparecer?
Nancy Cardoso*
PARA CONTAR A HISTÓRIA DAS MULHERES NAS LUTAS POR TERRA E TERRITÓRIO
A GENTE PRECISA PERGUNTAR: QUEM CONTA? O QUE CONTA? MAS TAMBÉM:
O QUE NÃO SE CONTA? O QUE FICOU ESCONDIDO? É QUE OS DOCUMENTOS,
OS RELATOS, AS ATAS E O DISCURSO TÊM SIDO UM PRIVILÉGIO DOS HOMENS
E AS MULHERES FICAM ESCONDIDAS NO NÚMERO DE FAMÍLIAS ENVOLVIDAS,
NA BASE DOS MOVIMENTOS DE MASSA E NAS AÇÕES COTIDIANAS DE RESISTIR.
COMO ESCREVER UMA HISTÓRIA DAS MULHERES?
MARCADA PARA
DESAPARECER: AS
MULHERES ESTAVAM NAS
LIGAS CAMPONESAS?
A
partir de 1945, comunidades
camponesas em Pernambuco se
organizam na forma de ligas e
associações rurais sob influência
do Partido Comunista Brasileiro. As motivações
assistencialistas iniciais logo foram abandona-
das por conta dos conflitos surgidos com os
senhores de engenhos e latifundiários da região
preocupados com o caráter associativo das ligas.
Em 1948, com a ilegalidade do Partido Comunis-
ta, as ligas foram fragilizadas na sua liderança e
poucas resistiram até o período de 1954 – uma
exceção é a Liga Camponesa da Iputinga, diri-
gida por José dos Prazeres em Pernambuco.
Tida como uma mulher que não se enquadrava, Elizabeth Teixeira chegou a liderar 30 mil homens e mulheres na Liga Camponesa de Sapé
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
política na rua. Foi reduzida a ‘mulher de Até que o cineasta Eduardo Coutinho, 17 anos
comunista que quer mandar nos homens’, depois, em 1981, volta para recuperar e continu-
pois comandava centenas de camponeses
ar o filme sobre as Ligas e reencontra Elizabeth.
nas tentativas de negociações com latifun-
diários em conflitos de terra. Enfim, são vá- A história recontada pelo filme recupera a im-
rias leituras que explicitam de uma forma portância de Elizabeth e das mulheres. Este
acentuada essa dificuldade que os homens tempo de silêncio e a recuperação posterior
têm de reconhecer a liderança feminina. Daí
criam um espaço de possibilidade para que
talvez, a ideia desse lugar social que insistem
a história das mulheres apareça. E tem sido
em lhe dar, a de viúva de João Pedro Teixei-
ra e não a Elizabeth presidente das Ligas”.
assim que os movimentos de mulheres e uma
(Fala da historiadora e pesquisadora Maria historiografia feminista insistem em recontar
do Socorro Rangel, em entrevista ao site do as histórias, fazendo a crítica da versão oficial,
MDA, publicada em 27/03/2005.) mesmo aquela dos movimentos e seus líderes.
Com o Golpe Militar de 1964, o movimento cam- Elizabeth termina a entrevista dizendo com
ponês foi desarticulado e perseguido. Elizabeth suas palavras:
foi presa, interrogada e quando liberada pelo
“A luta é que não para. A mesma necessi-
exército fugiu para o Rio Grande do Norte levan- dade de 64 está plantada, ela não fugiu um
do só um dos filhos. Permaneceu clandestina milímetro. A mesma necessidade está na
por 17 anos, até a abertura política, em 1979. fisionomia do operário, do homem do campo
Já havia sido dada como morta pela repressão e do estudante. A luta que não pode parar.
política quando, em 1981, apareceu no filme Ca- Enquanto se diz que tem fome e salário de
bra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. miséria, o povo tem que lutar. Quem é que
não luta por melhores dias de vida? Tem
Elizabeth também estava marcada para desapa-
que lutar. Quem tem condições, quem tem
recer da história, ela e todas as outras que foram sua boa vida que fique aí. Eu, como venho
ativas na luta e também sofreram perseguição sofrendo, eu tenho que lutar e tenho peito
da ditadura militar... Mas elas estavam marcadas de dizer: é preciso mudar o regime, é preciso
também pelo silêncio da história dos homens. que o povo lute”.
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ARTIGO Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo ARTIGO
O único respiro que este texto apresenta é uma Mas elas estão presentes e resistentes, numa du-
pequena referência na conclusão. Como na pla jornada de libertação: pela terra e o território,
história de Elizabeth Teixeira, um pequeno de- por elas mesmas e por uma comunidade de iguais.
talhe da edição do material, libera o texto para A luta de libertação da terra e do território no
recuperar a memória das mulheres para além âmbito mais amplo da luta de classes no Bra-
do silêncio e da subordinação: sil, precisa ser também espaço e oportunidade
“E o povo não partiu enquanto Miriam não para a reformatação dos mecanismos de poder
voltou para o acampamento” (Números 12, 15) no âmbito dos povos e suas culturas, superan-
do a masculinização e o envelhecimento que
O povo esperou por Miriam porque se alimen-
ameaçam a recriação da capacidade de luta.
tava na caminhada e na luta pelos sonhos e
As mazelas da dominação patriarcal-colonial
visões das mulheres. Este fragmento revela
e a moldura familiar do capitalismo destruidor
que Miriam/as mulheres estavam presentes
não podem ser desculpas para a defesa das
e atuantes, caminhavam juntas para a terra
contradições internas e do machismo nas lutas
prometida. E o povo não partiu! Esperou por
e organizações populares.
Miriam porque precisava dela, reconhecia sua
liderança mesmo em meio às contradições do Com esperança afirmamos:
movimento e dos poderes de exclusão. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta
pela terra e por território vem afirmando
Assim, temos que evitar uma visão idealizada
sujeitos como sem terra, quilombolas, indí-
e superficial sobre as mulheres da Bíblia e a
genas, extrativistas, pescadores artesanais,
luta pela terra: somente com instrumental de
quebradeiras, comunidades tradicionais,
análise feminista e articulando com as lutas agricultores familiares, camponeses, traba-
concretas das mulheres hoje, o texto bíblico lhadores e trabalhadoras rurais e demais
pode contribuir para uma espiritualidade de povos do campo, das águas e das florestas.
crítica e criatividade de comunidades de iguais! Neste processo de constituição de sujei-
tos políticos, afirmam-se as mulheres e
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MATERIA Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
Comunidades
lutam para defender
seus territórios
João Marques e Beniezio Eduardo*
O
Entre os anos de 2008 e 2009 o povo de Areia
lema das mais de 360 famílias cam- Grande mostrou outra vez fez sua força, ao
ponesas do território de fundo de resistir a uma reintegração de posse equivo-
pasto Areia Grande, no município cada concedida pelo juiz Eduardo Padilha a
de Casa Nova-BA é revelador: “Re- dois grileiros. No ato de resistência, o campo-
sistir para existir”. E elas têm resistido a sucessivas nês José Braga, conhecido como Zé de Antero,
grilagens de terra, desde a década de 1980. foi assassinado.
Nessa época, as trabalhadoras e trabalhadores Até hoje o crime não foi esclarecido, mas a organi-
tiveram que enfrentar peixes graúdos: um grupo zação das famílias do território continua e motiva
de empresários chegou a instalar uma fábrica cha- outras comunidades de fundo de pasto da região.
mada Camaragibe nas terras do fundo de pasto, Atualmente, as famílias são representadas
mas as famílias não arredaram pé. Pouco tempo pela Associação das Comunidades de Fundo
depois, descobriu-se que o empreendimento de Pasto de Casa Nova (Unasfp), presidida pelo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo MATERIA
PRODUÇÃO
A prática de uso comum do território de Areia
Grande reúne quatro comunidades: Melancia,
Salina da Brinca, Jurema e Riacho Grande. Jun-
tas, possuem produção agropecuária considerá-
Jovens de Areia Grande
vel. “Tem ano que a gente tira até 60 toneladas
de mel”, afirma o camponês Ivo de Castro.
Na localidade, há também cerca de 20 mil ca-
beças de cabra e bode, além de 4 mil de gado.
E as mulheres também geram renda na região,
como explica Estelina Rocha: “Hoje, graças a
Deus, nós já temos uma casa de beneficia-
mento da mandioca, que conseguimos com
muita luta”, disse.
Mulheres Areia Grande
O território de Areia Grande também é um es-
paço de tradição. Todo ano ocorrem diversos
festejos populares, entre eles a roda de São
Gonçalo, que é um momento festivo e religio-
so sempre motivado pelo pagamento de uma
promessa, e também a Festa da Mandioca em
homenagem à produção agrícola, comemorada
há quase 15 anos.
Derrubada da casa de Zé de Assim como Areia Grande, comunidade de Curral Velho
Antero em Areia Grande se organiza para resistir
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MATERIA Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo MATERIA
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MATERIA Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
Desafios da
juventude camponesa
Beniezio Eduardo*
F
ábio Santos de Souza tem 19 Integrante do Movimento de Trabalhadores As-
anos e é coordenador de Juven- sentados e Acampados (CETA Bahia), ele conta
tude do Assentamento Terra de que os jovens que ficam são aqueles que têm
Santa Cruz, em Santa Luzia-BA. alguma forma de sobrevivência.
Jovem e morador do campo, ele reconhece
José Miguel Jesus dos Santos, também de 19
que boa parte dos seus colegas vão embo-
ra para outras cidades e centros urbanos em anos, vive na Comunidade do Valão, em Ilhéus,
busca de alternativas para ganhar dinheiro. localidade impactada pelas obras da Ferrovia
“Muitos não conseguem sequer chegar ao se- de Integração Oeste-Leste (Fiol), Rodovia e Por-
gundo grau na escola e vão embora tentar to Sul, e também aponta a falta de emprego
um emprego nas cidades grandes”, confessa. como o principal obstáculo para manter os
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MATERIA Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo MATERIA
Projetos do capital
no oeste baiano e seus
impactos na vida das
mulheres camponesas
Ana Paula Alves*
A
criaram um espaço próprio de diálogos sobre
s mulheres desempenham suas realidades como mulher do campo e seus
um papel social fundamen- direitos por documentação, saúde e tantos
tal no contexto da luta pelo outros assuntos. Esse movimento foi peça fun-
direito à terra e ao território. damental para o surgimento do Movimento de
Elas são, numericamente, parte significativa Mulheres Camponesas Nacional.
da população do campo e desempenham
Luzia da Silva Santos, 56 anos, membro do MMUC,
importantes funções para a garantia dos
conta que o Movimento foi muito importante
modelos de desenvolvimento sustentável.
para sua comunidade. “O grupo ajudou muitas
Para reunir forças, no Oeste da Bahia, mais mulheres a se libertarem, a se verem como
precisamente nos municípios de Santa Maria pessoa, a sair da escravidão. Mas dependeu de
da Vitória e São Félix do Coribe, as mulheres cada uma de nós para que esse movimento pu-
criaram, há mais de 20 anos, o Movimento de desse surgir e foi um grande aprendizado”, disse.
Mulheres Unidas na Caminhada (MMUC).
Ela, que também faz parte da direção do Sindi-
A região, que tem como principal bioma o Cerra- cato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
do, é uma das maiores fronteiras agrícolas do país (STR) de Santa Maria da Vitória e São Félix do
e há décadas vem sofrendo conflitos por terra e Coribe, comenta: “Nesses 20 anos muitas coisas
território, por possuir áreas de muitas riquezas surgiram, saímos da cozinha e da garra dos ma-
naturais e abrigar comunidades tradicionais de ridos e dos filhos para participar de outros espa-
fundo e fecho de pasto, quilombos, pescadores, ços e lutar por nossos direitos, mas sabemos que
assentados, acampados, ribeirinhos e indígenas. foi apenas um passo, pois o machismo continua”.
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo MATERIA
Aliene Barbosa 27
MATERIA Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo MATERIA
DEPOIMENTOS
PELO DIREITO
DE PERMANECER
NO CAMPO
A LUTA PELA TERRA NO BRASIL,
JÁ HÁ ALGUNS ANOS, GANHA
NOVOS CONTORNOS, A PARTIR
DE VELHAS PRÁTICAS. MAIS DO
QUE LUTAR PELA CONQUISTA
DA TERRA, VÁRIOS POVOS SE
VEEM OBRIGADOS A LUTAR
PARA PERMANECEREM EM
TERRAS QUE JÁ OCUPAM. ESSE
É O CASO DAS COMUNIDADES
IMPACTADAS PELA CONSTRUÇÃO
DO PORTO SUL, EM ILHÉUS.
A CHEGADA DESSE GRANDE
EMPREENDIMENTO AMEAÇA,
PRINCIPALMENTE, A
MANUTENÇÃO E O ACESSO AOS
“...As pessoas de idade, RECURSOS NATURAIS. AS FONTES
nascidas e criadas DE ÁGUA CORREM O RISCO DE
aqui convivendo com a SEREM EXTINTAS E AS TERRAS
natureza, não vão saber SÃO INVADIDAS POR EMPRESAS
viver na cidade...” QUE NÃO SE PREOCUPAM EM
RESPEITAR OS POVOS QUE
NELAS VIVEM E PRODUZEM.
VOCÊ, LEITOR, É CONVIDADO
A CONHECER ALGUMAS
DESSAS HISTÓRIAS!
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DEPOIMENTOS Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo
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Terra e Território: A luta dos povos para permanecerem no campo DEPOIMENTOS
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“A maldição dos recursos naturais
não é destino, é escolha.”
Joseph Stiglitz
Realização:
Apoio: