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FUNDAMENTOS HISTORIOGRÁFICOS PARA A COMPREENSÃO DOS

ESCRITOS HISTÓRICOS LATINO-AMERICANOS SOBRE O BRASIL


Cláudio Kuczkowski
Instituto Federal do Rio Grande do Sul – Campus Sertão
claudiokuczkowski@yahoo.com.br

Resumo: O comprometimento maior deste trabalho prende-se à constituição de uma


base teórica para outro estudo, ou seja, a inclusão de uma historiografia latino-
americana externa ao Brasil enquanto possibilidade de análise da história nacional. Para
tanto se faz necessária a organização de alguns parâmetros no contexto da teoria
historiográfica a fim de que orientem as comparações entre os historiadores das cátedras
universitárias latino-americanas ocupadas por profissionais não-brasileiros. Se, em um
segundo momento visa-se a sistematização do pensamento historiográfico sobre o Brasil
no restante da América Latina, agora é preciso definir pontos de apoio para tais
comparações. É nisso que se empenha a presente apreciação: discutir, estabelecer
alicerces conjecturais para uma comparação posterior.
Palavras-chave: teoria histórica, brasilianismo, América Latina.

Introdução
Quem deseja compreender do que trata a historiografia tem que entrar em
acordo com a pluralidade dos tipos1.
O texto intenta a constituição de bases no campo da teoria histórica para a
compreensão do pensamento historiográfico predominante entre os historiadores
brasilianistas da América Latina. A partir do tema “Fundamentos historiográficos para a
compreensão dos escritos históricos latino-americanos sobre o Brasil”, estabelece-se
como objetivos específicos: a) delinear axiomas-padrão para a compreensão dos olhares
externos à história brasileira; b) discutir os conceitos de história, historiografia, teoria da
história, historiador e/ou mesmo o de conceito e; c) estabelecer critérios de consideração
às diferentes formas de produção históricas.

1
MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Trad. de Maria Beatriz
Borba Florenzano. Bauru-SP: EDUSC, 2004. (Coleção História)
Entre as hipóteses primárias encontra-se, em primeiro lugar, a convicção de que
algumas características consideradas, principalmente entre aquelas áreas do
conhecimento mais tradicionais, como “subjetividades”, podem ser reconhecidas através
de uma reconstituição exógena ao olhar do historiador, ou seja, o exame de diferentes
autores e respectivas obras permite ao analista ir além até mesmo daquilo que o próprio
produtor pretendia confessar no momento da devida efetivação e, em segundo lugar, o
enquadramento da produção em determinadas condições contextuais cria mecanismos
indutivos capazes de demonstrar estruturas históricas dantes imperceptíveis.
As justificativas para essa iniciativa contemplam a apropriação ou rejeição de
idéias correntes como a possibilidade de uniformização do pensamento histórico latino-
americano, a carência de cientificidade em alguns escritos da história produzida
externamente ao Brasil, embora internamente à América Latina e a necessidade de uma
maior sistematização do conhecimento em algumas disciplinas do conhecimento, a
constar, a história teorizada. Em outros termos, é o brasilianismo historiográfico no
subcontinente americano a ser posto [futuramente] em discussão, tarefa para a qual se
torna imprescindível o estabelecimento de critérios objetivos, motivo dessa discussão.
Assim, consideradas as diversas instâncias de um projeto de pesquisa, institui-se
aqui a primeira delas, a instrumentalização teórica para as apreciações das tendências
em e na produção historiográfica institucionalizada sobre o Brasil na América Latina no
início do século XXI. Por questões metodológicas, essa parte do trabalho está
distribuída em três seções: na primeira, predispõem-se discussões em torno das questões
conceituais; na segunda, preconiza-se apresentar sistemática e resumidamente alguns
dos indicadores gerais do pensamento historiográfico das grandes correntes ou escolas
de teoria e, na terceira, a instituição de parâmetros arbitrários para o norteamento das
atividades comparativo-analíticas.

A construção de conceitos e o exemplo América Latina


Pensar sobre a produção do conhecimento histórico acarreta certa
pragmaticidade. Independente do objeto de pesquisa, existem algumas questões
universais do ofício do historiador que devem ser postas em pauta antes mesmo do
início das atividades de observação. O exemplo mais comum a ser citado é a questão
dos conceitos, ou seja, embora, em alguns casos haja certa resistência em discutir os
delimitadores conceituais, delineadores da produção historiográfica, e o empenho esteja
voltado diretamente às novas descobertas ou focalizado no objeto a ser abordado, a
utilização discricionária de conceitos advindos de outras disciplinas do conhecimento
ou mesmo a confusão entre as expressões conceito e palavra conduzem a falhas na
organização de dados, informações ou ainda na construção do conhecimento.
Tornar a pesquisa prática não pode se confundir com encaminhamento direto ao
objeto, evento, fato, estrutura e/ou conjuntura a que apontam as notas do pesquisador.
Ao contrário, instituir normas para o caminho a ser percorrido durante a investigação,
daí o procedimento planejado e criterioso, importa em significar previamente algumas
concepções em torno da temática, entretanto isso não possa representar estaticidade ou
uniformização em contato com o empírico a ser estudado. As resignificações também
compõem uma categoria a ser almejada no desenhar inicial. Sinteticamente, trata-se de
estabelecer posturas previamente elencadas a fim de clarificar ao próprio examinador o
que pode ou não ser considerado enquanto pretensa aproximação das diferentes
realidades passadas.
O debate em torno da esfera conceitual exige algumas convicções, entre as quais
se estabelecem: a) a natureza da História é parcial, ou seja, não existem verdades
absolutas; b) a teoria é manejada conforme o método proposto; c) o conceito deve estar
articulado ao seu próprio tempo e; d) a História é processual e conseqüentemente sofre
interferências. Em termos gerais, significa ingressar em um ambiente de movimento que
envolve concepções abertas a mudanças constantes, nos olhares do observador e
decorrentemente nos rumos da verificação. Essa flexibilidade torna-se a linha mestra da
atuação investigativa.
A respeito desse tópico, Reinhart Koselleck2 desenvolve sua abordagem teórica
em seis pontos que acredita poderem ser a base para uma “história dos conceitos”. No
primeiro discute a ideia de que, embora toda palavra possua um sentido e, portanto,
remeta a um conteúdo, diferentemente do conceito, a representação léxica de palavra é
limitada, não exige uma teorização específica e o entendimento exige menor nível
reflexivo. Para ilustrar algumas daquelas palavras que mereceriam o status de conceito,

2
KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 134-156.
o autor apresenta exemplos como Revolução, História, Classe, Ordem e Sociedade, os
quais, segundo ele sugerem imediatamente associações, e estas “pressupõem um
mínimo de sentido comum, (minimal Bedeutungsgehalt), uma pré-aceitação de que se
trata de palavras importantes e significativas”3.
Num segundo ponto, Koselleck apresenta a tese de que “todo conceito é sempre
concomitantemente Fato (Faktor) e Indicador (Indikator)”4, ou seja, não é possível
reduzir o conceito a um fenômeno lingüístico, uma vez que este indica algo situável
para além da língua. Acredita ainda que assumir tal postura seria como reduzir a
História a uma espécie de hermenêutica. Nessa interpretação o espaço reservado ao
historiador encontra seus limites no reconhecimento de termos, expressões, palavras
e/ou conceitos através dos tempos, desprezando quase que totalmente o potencial dos
fatos históricos em si mesmos.
O terceiro ponto defendido por Koselleck está relacionado à relevância do
contexto em que determinado conceito é usado, onde elementos como a língua podem
determinar decidir, em certas ocasiões, pela utilização ou não de um conceito uma vez
que somente assim estaria garantida a inteligibilidade de algumas realidades históricas.
De outra forma, trata-se se eleger aquilo que diz [ou não] respeito ao conceito,
estabelecer critérios seletivos a fim de que o objeto seja mantido alterando-se “apenas a
perspectiva em relação a ele”, como ocorre no exemplo do fotógrafo fornecido pelo
autor: “para tirar uma fotografia posso ajustar minha máquina de acordo com a distância
do objeto a ser fotografado: a perspectiva (se de mais perto ou de mais longe) vai me
obrigar a um foco diferente”5.
Um quarto ponto estabelece que “todo conceito só pode enquanto tal ser pensado
e falado/expressado uma única vez. O que significa dizer que sua formulação
teórico/abstrata relaciona-se a uma situação concreta que é única”6. A observação final
dessa formulação contém a idéia de uma variação temporal no conceito, respeitada a
permanência da palavra e alterados os conteúdos por ela assinalados. O que é decisivo,
escreve Koselleck, “é que o uso pragmático da língua é sempre único. Eu falo uma

3
Ibid., p. 134-135.
4
Ibid., p. 136.
5
KOSELLECK, 1992, p. 136-137.
6
Ibid., p. 138.
única vez aqui e agora, procurando convencê-los do que penso; a vocês e não àqueles
que não me ouvem”7.
Contexto, local, tempo, língua e/ou aspectos culturais são algumas das
exterioridades definidoras do significado conceitual de uma expressão ou palavra, o
mesmo ocorrendo com as concepções teórico-metodológicas norteadoras das pesquisas
históricas. A própria concepção de tempo encobre-se nesses exames, donde se origina o
juízo de Koselleck da necessidade de conhecimento semântico comum entre o criador
de um conceito e o seu intérprete/usuário. Nas palavras do autor:
Eu só posso ser compreendido se um mínimo de repetição da semântica
estiver pressuposto. E assim os senhores têm uma outra possibilidade da
história, a ser pensada não apenas de forma linear sucessiva. Devemos partir
teoricamente da possibilidade de que em cada uso pragmático da língua
(Sprachpragmatik), que é sempre sincrônico, e relativo a uma situação
específica, esteja contida também uma diacronia. Toda sincronia contém
sempre uma diacronia presente na semântica, indicando temporalidades
diversas que não posso alterar8.

Nesse sentido poder-se-ia visualizar o conceito de América Latina, aqui


preconizado para situar o leitor espaço-temporalmente naquilo que será o objeto de
estudo orientado pelas presentes bases teóricas. Alain Rouquié9, na tentativa de
conceituar “América Latina”, desenvolveu seu trabalho eliminando a falta de rigor
presente na utilização corriqueira da expressão, na maior parte do Mundo e na
nomenclatura internacional. Culturalmente, não acredita ser possível falar em “América
Latina”, pois teríamos que admitir a Guiana e Belize (de fala inglesa) e o Suriname (de
fala neerlandesa) como latinos, ou mesmo o caso de Quebec, localizado fora de tal
espaço físico e nem por isso menos latino e/ou americano.
Outro fator que destaca é a possibilidade de “pensar em descobrir uma
identidade subcontinental forte, tecida de solidariedades diversas, quer se refiram a uma
cultura comum ou a laços de outra natureza”10, mas ocorre que a diversidade das nações

7
Ibid., p. 140.
8
KOSELLECK, 1992, p. 141.
9
ROUQUIÉ, Alain. O Extremo-Ocidente: introdução à América Latina. São Paulo: EDUSP, 1991.
(Coleção Base – v. 1).
10
Ibid., p. 22.
latino-americanas pode depreciar essa alegação. As expressões diversas como “Ibero-
América”, “Américas Latinas” e “Indo-América” também são desconstruídas por Alain
Rouquié, ou por não contemplar a toda diversidade ou porque acentuam uma dimensão
em detrimento de outras11. Como a definição procurada não recobre integralmente as
“realidades multiformes” e em transformação, Rouquié prefere, por comodidade,
utilizar a mesma expressão, no entanto consciente de que:
América Latina existe, mas apenas por oposição e de fora. O que significa
que os ‘latino-americanos’, enquanto categoria, não representam nenhuma
realidade tangível, além de vagas extrapolações ou de generalizações
inconsistentes. O que significa igualmente que o termo possui uma dimensão
oculta que lhe completa a acepção12.
De forma mais exata, no entanto, Rouquié13 busca novas formas de identificação
para justificar sua opção pela permanência, no debate, da expressão usual “América
Latina”. Em tal fundamentação se encontram:
• as marcas da colonização espanhola e portuguesa, em contraposição à
América Anglo-saxônica;
• independentemente da “riqueza e prosperidade”, todas as nações ocupam “o
mesmo lugar no crivo Norte-Sul”;
• todos os países são produtores “de matérias-primas e de bens alimentares”,
recebendo tecnologias, capitais e modelos culturais do exterior14.
Em linhas gerais, a América Latina é “Periférica”15 como um todo,
indiferentemente das proporções variadas em que se apresentam.
Um segundo item identificador dos países latino-americanos seria o
pertencimento cultural ao Ocidente, através do caráter ‘europeu’ adquirido, em grande
parte, pela colonização, conseqüentemente importante ao social e econômico. A
“América Latina” aparece como o “Terceiro Mundo do Ocidente ou o Ocidente do
Terceiro Mundo”, em síntese, uma “justaposição dos dois”16.

11
O SELA e o BID incluem entre os Estados latino-americanos, Trinidad-Tobago, as Bahamas e a
Guiana, motivo que leva o autor a perfilar ‘outra América’, de caráter marcadamente socioeconômico e
geopolítico. Ibid., p. 24.
12
Ibid., p. 23-24.
13
Ibid., p. 24.
14
ROUQUIÉ, 1991, p. 24.
15
Ibid., p. 24-25.
16
Ibid., p. 26.
O terceiro fator que identifica a América Latina é uma espécie de “relativa
unidade de destino”, aproximadora de tais regiões políticas. Estudando o que chama
“Paralelismos das Evoluções Históricas”, Rouquié17 desenvolve a idéia de que há uma
“relativa unidade de destino” entre os países da América Latina e, com o intuito de
organizar a explanação, sinteticamente divide-a em três períodos: no primeiro, os
Estados recém-emancipados que ainda não estabeleceram uma “nova ordem”, após o
desligamento da etapa colonial; no segundo, de 1850 a 1880, se dá a entrada do
“subcontinente” na ‘ordem neocolonial’, ou seja, “as sociedades se integram ao
mercado internacional”; finalmente, de 1880 a 1930, ocorre o apogeu da “nova ordem”,
com relação aos países do “subcontinente”, que “traz em si a ilusão de um progresso
indefinido, no quadro de uma dependência consentida por seus beneficiários locais e
racionalizada em nome da teoria das vantagens comparativas”. Ainda que de forma
superficial, o autor acredita existirem “trajetórias paralelas” com períodos discerníveis e
fenômenos comuns ultrapassando as fronteiras.
Na mesma obra, Rouquié18 evoca, ainda, três pontos comuns entre as sociedades
latino-americanas, os quais considera distinguidores de outras regiões do mundo
desenvolvido ou subdesenvolvido. São eles: “a concentração da propriedade da terra;
(...) a singularidade dos processos de modernização e, (...) a amplitude dos contrastes
regionais”19, possibilitando assim, além da constituição de um conceito delimitador de
necessidade prévia à pesquisa, uma posterior a identificação da pluralidade semântico-
prática que pode ser encontrada em denominações aparentemente corriqueiras.
Em suma, não é possível definir “América Latina” a partir de um único
paradigma, independentemente do nível ou campo de onde proceda. Porém, a
consciência de tal complexidade é pilar fundamental para a construção teórico-
metodológica de um estudo científico. Para isso, seguir-se-á os apontes sobre as
possibilidades de conceituar América Latina diante das simetrias e assimetrias nela
contidas, conforme identificação de Alain Rouquié20, reforçada pela idéia de uma
América Latina como representação, simbolicamente constituída para fins de análise.

17
Ibid., p. 26-27.
18
Ibid., p. 27.
19
ROUQUIÉ, 1991, p. 28-29.
20
Ibid., p. 22-29 passim.
A fim de que fundamente a proposta inicial, na qual se procurará entender os
rumos da produção historiográfica latino-americana no século XXI, considera-se
“América Latina” como espaço formado, através dos tempos, pelo contato entre o
colonizador pioneiro, o escravo e as diferentes etnias nativas, acrescidos dos diferentes
grupos imigrantes contemporâneos. Não limitada fisicamente, mas sim, traçada social,
econômica, política e culturalmente como condição dos limites históricos, externa e
internamente constituídos, admitindo-se características apoiadas na diversidade e, ao
mesmo tempo apresentando, de acordo com Alain Rouquié, “uma dimensão oculta” que
possibilita sua acepção21.
Após o arquétipo, retornemos aos motes de Koselleck. No quinto ponto o autor
argumenta em torno da uma suposta necessidade de mensuração da diacronia apontada
na tese anterior e o faz de maneira a auxiliar quando se pretende desenvolver o trabalho
empírico. Para tanto, as fontes básicas são três: a) aquelas próprias do cotidiano,
normalmente ligadas a fatos específicos [ex., artigos de jornais]; b) aquelas ligadas aos
dicionários ou enciclopédias e que permitem comparações, possivelmente delatoras de
nuances através das “inovações de sentido” e; c) aqueles textos inalterados através das
contínuas edições, portanto clássicos [ex., Bíblia]22. Todavia, cabe a ressalva
permanente feita pelo autor de que o propósito não é invadir o campo profundo da
linguagem ou limitar-se a uma “análise do discurso”, afirmação a qual conduz a um
último ponto de sua apresentação.
Finalmente, Koselleck afirma haver a necessidade de “acomodação da realidade
a mesma linguagem”, ou seja, conforme as situações mudam, imperam novas
submissões identificatórias entre linguagem e o “conjunto ortodoxo de conceitos e
categorias” específicas. Para que se possa “perguntar às fontes textuais o que elas
indicam em relação à história concreta e que qualidades possuiriam para coproduzirem
história enquanto texto”23, impõe-se, do ponto de vista teórico mais rigoroso, a
separação analítica entre originadores informativos escritos e a história “real”, evitando
a utilização ingênua dos conceitos.

21
Ibid., p. 24.
22
KOSELLECK, 1992, p. 143-144.
23
KOSELLECK, 1992, p. 145.
Entre os principais conceitos interpostos à produção historiográfica, além da
própria concepção daquilo que vem a ser um conceito, estão os de história,
historiografia, teoria da história, historiador, fato e tempo históricos, todos interligados.
A hipótese em andamento é a de que a base para essas definições decorre da opção em
termos de corrente de pensamento a que o historiador tende a se filiar, advindo daí os
questionamentos que faz [refaz] aos objetos de pesquisa, as representações do
pesquisador sobre esse mesmo objeto ou ainda o que se poderia denominar postura do
researcher24 diante do fato.
Em síntese, o uso de um conceito encontra-se limitado por uma série de
singularidades. Estas podem variar indo de questões relativas à assincronias até
influências espaciais. Perpassando manipulações individuais ou coletivas. Absorvidas
em construções historiográficas direcionadas para fins estabelecidos previamente, as
conceituações se colocam na condição de estarem explícitas no trabalho do historiador.
Se, por um lado, podem parecer devidamente iluminados os traços intelectuais ao
próprio pesquisador, por outro, impera o direito de relativizar essas posturas através de
releituras intensas de outros cientistas. O garantidor de cientificidade encontra-se
exatamente em tornar público e testável as investigações a que nos propomos.

Escolas de pensamento
Hoje - fins do século XX e início do XXI - mais do que nunca, com a
multiplicidade de meios tecnológicos e diante da intensa produção de informações,
estruturou-se um sistema de fácil acesso aos diferentes dados, acompanhado
paralelamente por uma maior necessidade de seleção daquilo que se pretende por
conhecimento. A história, entendida como ciência preocupada com a interpretação das
realidades atravessadas pela humanidade, empenhada na reconstrução aproximada dos
fatos passados - uma vez que se relativiza o conceito de verdade absoluta - migra suas
explicações entre o macro e o micro, entre o produtor e o produzido, o organizante e o
organizado, tendo como foco o homem e sua respectiva atuação coletiva, portanto,
social.

24
Especialista/pesquisador.
Ao mesmo tempo em que reconstitui a história política, social, econômica e
cultural dos seus congêneres, o historiador passa a ser observado, em primeira instância,
pela sua sociedade - com a qual interage - e em um segundo instante por especialistas de
áreas afins, com as quais está contextualizado. Assim, surge a teoria da história: campo
de análise historiográfica empenhado em compreender as conjecturas da escrita
histórica. Mais do que isso, possibilidade de reafirmação da história como ciência,
submetida a metodologias e critérios sistemáticos, afastando-a do campo de estudos
contemplativos naquilo que concerne à própria essência enquanto ciência
No esforço que os historiadores fazem em explicar, além de narrar os
acontecimentos, Ferraz25 recorda que toda obra escrita sobre o passado pode variar de
acordo com: as fontes documentais utilizadas; os pressupostos teóricos que presidiram a
escolha dos documentos; os métodos de pesquisa dessa documentação, ou seja, como
essas fontes documentais foram usadas e finalmente, quais interpretações foram
extraídas dessas fontes documentais. Posições as quais nem todas as correntes
historiográficas concordam, influenciando através dos tempos, àqueles que, de forma
consciente ou irrefletida, apoderam-se delas como parâmetros para suas práticas de
escrita histórica.
O tema – fundamentos historiográficos para a compreensão dos escritos
históricos latino-americanos sobre o Brasil, apresenta a particularidade de considerar a
presença de teorias historiográficas clássicas (metódica/materialista/escola-novista) nas
práticas investigativas dos historiadores brasilianistas latino-americanos, estes
caracterizados para fins de delimitação como: 1) filiados às cátedras e/ou núcleos
universitários; 2) atuantes na América Latina; 3) estar em vida atualmente e, 4) possuir
formação específica na área de conhecimento histórico.
Respeitada a ordem cronológica de auto-estabelecimento das referidas correntes
e visualizada a necessidade de definição dos conceitos dessas escolas com relação ao
fator histórico, organizar-se-ia a seguir uma síntese sobre a Escola Positivista, seguida
pelo Marxismo até desembocar nos Annales para fins de análise dos respectivos
historiadores brasilianistas, atividade a qual apenas fazemos referência em função das
limitações dessas discussões nesse espaço.

25
FERRAZ, Francisco César Alves. Historiografia. Londrina: UNOPAR. 10 de agosto de 2007. Aula
ministrada ao discentes da Universidade Norte do Paraná.
a) Positivismo ou Escola Metódica
O chamado Positivismo ou Escola Metódica, como também é conhecido, surge
no início do século XIX com as idéias do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857).
Inicialmente, contrário às concepções iluministas, propõe uma história científica,
baseada em um tipo de estudo minucioso, evitando especulações, menos dependente dos
sujeitos e mais fiel aos documentos escritos, como a única forma de se chegar a
constituir uma “física social”.
Ao entendimento do pensamento Comteano26, pelo menos no que tange às
interpretações sociais da filosofia positivista, fazem-se essenciais três de seus trabalhos:
“Reorganizar a Sociedade”27, “Curso de Filosofia Positiva” e “Discurso Preliminar
sobre o Conjunto do Positivismo”. Juntamente a essas obras, cabe destacar ainda o seu
“Catecismo Positivista”, o qual, como obra da maturidade Comteana, embora de enredo
religioso, ocupa posição singular na compreensão de suas reflexões.
Em geral, o Positivismo não se dedica exclusivamente ao estudo da história e
nem o pretende. Ocorre que, em função do contexto no qual tem origem, dos
posicionamentos favoráveis à valorização do estudo do passado, da proposta singular de
produção e interpretação do conhecimento e do uso freqüente de seus preceitos sobre e
na história, torna-se componente fundamental de análise historiográfica, aliás,
características comuns também ao Marxismo.
b) Marxismo ou Materialismo Histórico
O Marxismo ou Materialismo Histórico, nascido com Karl Marx (1818-1883) e
Friedrich Engels (1820-1895) não surgiu apenas como uma filosofia de história, mas,
sobretudo, uma proposta de ação política articulada a uma concepção global da história
da humanidade. De acordo com Fernandes28, “o Materialismo Histórico sistematiza uma
concepção de história articulada à prática revolucionária”, para mudar o presente.
Assim, a história da humanidade é concebida a partir da luta de classes possibilitada

26
COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva; Discurso Preliminar sobre o Conjunto do
Positivismo; Catecismo Positivista. Trad. de José Artur Giannotti e Miguel Lemos. 5ª.ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1991. (coleção Os Pensadores)
27
COMTE, Augusto. Reorganizar a Sociedade. Tradução de Antônio Geraldo da Silva. São Paulo:
Escala, s/d. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 18).
28
FERNANDES, Florestan (org.). Karl Marx, Friederich Engles: história. São Paulo: Ática, 1984.
através da compreensão dos elementos de interação: “situação histórica do proletariado;
consciência de classe revolucionária; e ciência da história”29.
Contrariamente ao Positivismo, no Materialismo o historiador ocupa lugar de
sujeito no processo sobre o qual escreve – produto histórico de seu meio, agente de
mudanças e, por isso, capaz de transformação. Segundo Fernandes “Marx e Engels
eliminam o arraigamento estático da história, que excluía o sujeito-investigador do
circuito histórico e convertia o passado em um santuário de arquivos e documentos”30.
Portador de uma mensagem de transformação social e não apenas de
entendimento do mundo, critica sistematicamente o capitalismo afirmando ser
impossível mudar somente a “estrutura” econômica – base de suas discussões - e sim
todas as formas de pensar. Focalizados a história e o presente em processo, traça-se a
partir dos fatos econômicos mais relevantes, a análise do emaranhado de causas e
efeitos históricos independentes incutindo na história a discussão de aspectos empíricos
e teóricos na observação científica, funde-se a “história dos eventos” e a “conjuntura”
das instituições e dos diferentes processos.
Pierre Vilar31 em uma interpretação do pensamento marxista acredita que antes
de fazer história o homem deve se confrontar com certas condições contextuais tendo
como base o domínio do homem sobre a natureza, cabendo ao historiador mensurar
facilidades e dificuldades oferecidas por esta – descartada a possibilidade de história
sem geografia ou vice-versa. O historiador deve confrontar-se com as relações humanas
organizadas: instituições, legislações, princípios e práticas do direito, por vezes julgados
pelos homens como princípios dados32.
O Materialismo Histórico33, enquanto teoria da história marxista, discerne “as
determinações casuais que governam a estrutura e a direção da mudança histórica”34
uma vez que, se a história pode apresentar uma teoria geral, isto ainda está por ser
descoberto e não estabelecido. A preocupação com uma história que explique o porquê

29
Ibid., 1984, p. 34.
30
Ibid., p. 14.
31
VILAR, Pierre. Marx e a história. In: HOBSBAWM, Eric (org.). História do Marxismo: O Marxismo
no Tempo de Marx. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Nemésio Salles. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983. p. 91-126.
32
Ibid., 1983, p. 93.
33
WRIGHT, Erik Olin. Reconstruindo o marxismo: ensaios sobre a exploração e teoria da história.
Trad. de Pedrinho Guareschi. Petrópolis: Vozes, 1993.
34
Ibid., 1993, p. 95.
conduz à busca da compreensão inteiriça das situações. Nesse processo, o historiador,
por estar julgando posteriormente ao fato reduz as incertezas através do raciocínio e da
informação, colocando os problemas no tempo e no espaço – estrutura e conjuntura35.
Em síntese, a contribuição da concepção materialista e dialética à história,
confere ao historiador a capacidade de observar o presente em formação e o futuro a
partir de uma perspectiva estrutural uma vez que a realidade encontra-se embasada no
conjunto das relações humanas próximas ou distantes no passado, dissecada pela
observação, análise e interpretação; apontes esses que auxiliam igualmente na
constituição do pensamento do movimento dos Annales.
c) Escola dos Annales/Nova História
O movimento dos Annales nasce com a revista Annales d’Histoire Économique
et Sociale, publicada pela primeira vez em 1929, sob a direção dos historiadores Marc
Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956). Inicialmente ostenta críticas às
abordagens tradicionais da história e propõe um novo modelo de história científica.
Contra a hegemonia do político, reforça a idéia de uma “história totalizante” e de
transformação.
Combatendo a “história diplomática” e/ou institucional concentrada em um fator
único e incentivando a interdisciplinaridade e conseqüente relacionamento flexível com
outras disciplinas, Bloch e Febvre estruturam a crítica às narrativas políticas sem análise
nem articulação de causas econômicas, sociais e culturais. Considerada a história como
ação humana no tempo, transforma o próprio homem em objeto de análise, lembrada
sua condição social, grupal ou coletiva no respectivo tempo – contexto.
Partindo de “problemas”36 do tempo presente, o homem busca respostas para
suas angústias, medos, desilusões e ansiedades no passado e por isso, os historiadores
devem formular hipóteses a partir de seus objetos de investigação, embora não
necessariamente ligadas a períodos temporais específicos. O historiador “é um
construtor, recortador, leitor e intérprete de processos históricos”37.
Em suas formas gerais os historiadores dos Annales acreditam no caráter
científico da história, entretanto não de maneira pronta, absoluta, imutável e sim como

35
Ibid., p. 118.
36
REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em História. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
37
Ibid., 2000, p. 24.
uma “ciência em construção” 38 preocupada com os aspectos coletivos, sociais e cíclicos
do sócio-histórico39 e não necessariamente manifestando-se publicamente enquanto
agente de um ou outro grupo político.
Consideradas as complexas relações que se impõe ao estudo de um ou outro
movimento teórico-historiográfico, Burke observa: “nomear apenas as mais importantes
contribuições da história dos Annales significa escrever uma lista por si só
impressionante história-problema, história comparativa, história psicológica, geo-
história da longa duração, história serial, antropologia histórica”40 onde as relações entre
os homens e a natureza são concebidas como complementares e recíprocas.
E, uma vez respeitadas as contribuições teóricas de outros personagens,
considerada a hipótese de minimizar ao máximo as análises valorativas e maximizado o
objeto a partir do ponto de vista científico, assume-se de maneira consciente certo
reducionismo teórico ao tornar correlatos Materialismo e Marxismo, Positivismo e
Escola Metódica, bem como aproximar Annales com Nova História na qual, para não
incorrer em erros históricos caberia tese especificamente tratando essas questões,
especialmente se lembrados os caminhos percorridos pelos textos, do momento de suas
produções até as posteriores interpretações, considerados pontos como escritos inéditos,
apontamentos e minutas preparatórias, traduções, etc.

Parâmetros para um norteamento de atividades comparativo analítico – um título


de conclusão
Conhecidas as condições de objetividade em um trabalho científico em história,
e tomadas algumas orientações do campo mais geral das ciências sociais, estabelecem-
se alguns critérios para uma mensuração das atividades dos brasilianistas latino-
americanos conforme delimitação temática anterior. No total, contudo se reconheça a
arbitrariedade de tais modelos, os mesmos referenciam os caminhos da pesquisa,
ampliando e autorizando as críticas ao estudo. Ao mesmo tempo, servem de guia à
investigação, abrem-se à altercação teórica, exatamente o fundamento principal desse
debate.
38
CARDOSO, Ciro Flamarion. Ensaios Racionalistas. Filosofia, Ciências Naturais e História. Rio de
Janeiro: Campus, 1993.
39
Ibid., 1993, p. 95.
40
BURKE, 1997, 126.
No todo são seis alvos de observação aqueles considerados elementares no
processo de compreensão do pensamento histórico brasilianista latino-americano: 1. A
concepção de tempo; 2. O entendimento da relação objeto-observador e vice-versa; 3.
Os tipos de fontes utilizadas; 4. A noção de conceito e as lógicas históricas; 5. A
amplitude delimitativa do “fato” ou “evento” e; 6. A auto-identificação de
pertencimento a uma e/ou outra escola de pensamento.
Prospectos para uma historiografia no século XXI englobam a idéia de
separação-integração presente/passado implícita em todos os procedimentos de pesquisa
sobre o tempo decorrido. Autorizam a hipótese de que a singularidade está exatamente
na pluralidade firmada [ou inexistente] entre as escolas próprias da América Latina.
Considerado o fato de que os historiadores possuem, assim como os países do
subcontinente latino-americano, “trajetórias paralelas”, origina-se a afirmação de que se
traduzem uns aos outros de forma a gerar pouca ou nenhuma originalidade no plano
geral de suas críticas incorrendo em uma espécie de “niilismo intelectual”.
Concluindo, arrisca-se afirmar existirem singularidades na produção histórica
brasilianista latino-americana e, até mesmo possa-se reconhecer teorias exclusivas
nessas investigações a ponto de identificar escolas de pensamento peculiares à América
Latina. Resolvidas as questões relativas a aventuras uniformizadoras e respeitadas as
diferentes individualidades dos historiadores strictu sensu, tendente-se a resgatar o que
cada historiador adota como princípio, desde a definição de sua tarefa através do tempo
até aspectos pertinentes em sua formação.

Referências bibliográficas
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historiografia. Trad. de Nilo Odalia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
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