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É quase impossível ler e compreender as múltiplas referências astronómicas de Camões nos Lusíadas sem perceber um pouco de
astronomia medieval, e seria impossível a Camões, escrever o que escreveu, se não possuísse o domínio dos conceitos da difícil
cosmologia da época. Tal como é típico do Renascimento, Camões convocou para a sua obra, todo o conhecimento, quer científico
quer erudito, da época. A doutrina de Ptolomeu, que Camões usa na sua obra, não foi uma pura fantasia, foi uma verdadeira teoria
científica, que se prestava admiravelmente aos cálculos astronómicos, e se manteve enquanto esteve de acordo com os resultados das
observações. Esta só foi abandonada com os "aperfeiçoamentos" de Copérnico, Keppler e Newton cujos trabalhos marcaram as
transformações sucessivas da ciência astronómica. Assim, a astronomia presente em Os Lusíadas ou na Obra de Camões representa a
ciência do seu tempo, que Camões adquiriu com o seu "honesto estudo". As indicações astronómicas são sempre feitas pelo poeta
numa forma bela e concisa, e com perfeito rigor.
O professor Silviano Santiago (1996, p. 390) explica que, em Os lusíadas, "a máquina do mundo é a soma dos conhecimentos
divinos e sobrenaturais entregues a seres de carne-e-osso, durante a sua própria existência (...)", tendo "a função de elevar os
navegadores portugueses, meros seres humanos, à altura de deuses." Ao se sentirem deuses, "vaidosos de fama e glória", os
portugueses iniciaram um processo brutal de extermínio indígena; instalaram o sistema escravocrata que ecoa até hoje no país;
saquearam toda a nossa riqueza que conseguiram; colonizaram a nossa mentalidade.
A MÁQUINA DO MUNDO - serve como uma espécie de recompesa pelos feitos portuguesas. Função: elevar os portugueses à altura
dos deuses
Baco temia tal questão: "Temo / Que do mar e do céu em poucos anos / Venham deuses a ser, e nós humanos"
Cupido, sob as instâncias de Têtis: "Os deuses faz descer ao vil terreno, / e os humanos subir ao céu sereno"
A Ilha dos Amores: o maravilhoso real. " Não se trata de uma ou outra nota erótica a condimentar a narrativa: é uma tensão
permanente, ressumante a cada pretexto, distendendo-se e repousando finalmente na ilha de Vénus, coroamento do poema, a ilha
Afortunada, a utopia onde Camões transfigura a sua mais aguda percepção do maravilhoso real, o maravilhoso do amor. A Ilha dá a
imagem de um possível regresso ao Éden bíblico, através de um desejo sensual que, por mediação das ninfas e de Tétis, se ergue
até a uma visão transparente de toda a máquina do mundo - vista de fora, num arrebatamento de gnose mística."
A presença do Maravilhoso pagão: "A expressão sugestiva e nobilitante deste pan-erotismo é uma das razões profundas do
maravilhoso pagão de Os Lusíadas. O mito antigo, ao assumir esta função, extra-orbita da simples alegoria. Dá corpo visível a um
impulso não racionalizado, é a antropomorfização imaginosa de uma força vital. Neste sentido o maravilhoso pagão não se reduz a um
ornamento retórico; compraz a curiosidade do Poeta, faminto de todas as apetências de amor e violência que não se cansa de registrar
em anedotas míticas ou históricas, portuguesas ou antigas."
Segundo Antônio José Saraiva: "os deuses são dotados de paixões, ódios, simpatias, enternecimento e cólera que nós geralmente
atribuímos aos homens de carne e osso [...] ao passo que os homens são, ao contrário disso, hirtos vultos, agarrados ao leme de sua
missão histórica, sem respiração humana, impassíveis." Ele continua: Vasco da Gama e os portuguesas precisavam se tornar míticos
para habitar uma epoéia.
Em "Os Lusíadas", temos uma epopeia coletiva
"O maravilhoso pagão tem origem na antiga Grécia, onde se cria uma religião em que os deuses, embora sendo seres superiores,
têm características muito semelhantes ao homem, na medida em que também eles amam, sofrem, discutem, descem do Olimpo (sua
morada celestial) e convivem com os homens. As forças da natureza são identificadas com deuses, sendo estes que as animam,
lhes dão vida. A introdução do maravilhoso é uma característica das epopeias clássicas. O maravilhoso tem como função simbólica:
a) alegoria de enaltecimento do grande feito português (prova disso são as dificuldades que os nautas tiveram que vencer);
b) o destino e os deuses queriam o êxito dos portugueses (os portugueses estavam predestinados para estas façanhas);
c) o maravilhoso pagão e o maravilhoso cristão fundem-se para insinuarem esta predestinação dos portugueses.
Entre deuses e homens há uma espécie de semi-deuses, são aqueles que têm qualidades acima do vulgar e que são protegidos
pelas divindades. Os portugueses assumem n' Os Lusíadas o papel de semi-deuses."
"Os marinheiros portugueses mantêm com as divindades uma relação amorosa total, onde se inclui, necessariamente, a consumação
física, sexual, do amor; logo, os marinheiros ascendem, sem dúvida, ao plano divino, mas, ao mesmo tempo, as deusas a quem se unem
como que descem, por seu tumo, ao plano humano, numa convergência de indiscutível alcance estético, mas também actancial, onde o
amor e a mulher desempenham papel determinante. Nessa ilha paradisíaca, urn dos momentos de maior originalidade camoniana, os
marinheiros terão acesso ao conhecimento do futuro; e também esse processo distingue as duas epopéias."
"Diz Helder Macedo, e com razão, que "o amor é para Camões causa primeira, processo existencial e propósito último de toda a
humana demanda pela transformação do apetite em razão e da razão em conhecimento. Donde, as leis do novo mundo serão, por certo,
as leis de Vênus: "urn Amor sem limites institucionais, natural e, sobretudo, universalmente regenerador"; urn amor que "funciona,
também, como via de gnose e nobilitação suprema. A ser assim, a Ilha dos Amores será a prova suprema de tudo isso, numa afirmação
que Virgílio jamais poderia subscrever. Em suma, em Camões, é o amor que faz a união entre épica e lírica."