Sei sulla pagina 1di 20

https://leitor.expresso.

pt/semanario/semanario2455/html/revista-e/-e/quem-e-rui-pinto-
16 de Novembro de 2019 – Revista “E”, jornal “Expresso”

Quem é

Rui Pinto
Expôs os segredos da indústria do
Fac ebookTwitterE-M ail

futebol. Quis alertar a sociedade para


os negócios sujos e a corrupção, mas
acabou preso após um jogo do gato e
do rato com a Polícia Judiciária que se
arrastou mais de 3 anos. Aos 31 anos,
enclausurado numa cela de seis
metros quadrados, tem o seu futuro
nas mãos da juíza que instruiu o
processo e-Toupeira. O mesmo que
precipitou a sua detenção
TEXTO MIGUEL PRADO

Estamos em junho. Há três meses em prisão preventiva


no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária,
em Lisboa, Rui Pinto há muito que não toca num
computador. Desde que foi detido, em janeiro, ainda em
Budapeste, que ficou sem os seus pertences. Mas hoje é
dia de os recuperar. E com eles as memórias dos tempos
em que se movia livremente na capital húngara. O
inspetor José Amador entrega a Rui Pinto a sua mochila,
uma Eastpak cinzenta, bem como uma mala de viagem,
dois casacos com capuz, uma máquina de cortar cabelo,
um envelope com medicamentos, uma embalagem de
rebuçados Halls e um chocolate Snickers, confiscados a
Rui Pinto em Budapeste.
Rui Pinto reavê também os seus produtos de higiene
pessoal, um cadeado, um envelope com 45 mil florins (o
equivalente a 137 euros) e uma pasta com uma edição da
“New Yorker”. Preso na cela 42, num espaço de dois
metros de largura por três de comprimento, o recluso
2019/00764 tem os movimentos limitados. Só meses mais
tarde, depois do despacho de acusação que lhe imputaria
147 crimes, é que Rui Pinto ganharia direito a conviver
com alguns reclusos no pátio da prisão e a jogar pingue-
pongue

Na cela, com visitas limitadas à família e advogados, Rui


Pinto foi registando num caderno a sua experiência de
reclusão. Um diário que Rui guardava debaixo da cama e
que lhe seria apreendido na tarde de 30 de agosto, numa
busca liderada pelo inspetor José Amador, na presença da
advogada Luísa Teixeira da Mota. Que desde logo lavra o
seu protesto, argumentando que a apreensão “excede
manifestamente o âmbito da busca”. A recolha do caderno
tinha sido aprovada pelo juiz Carlos Alexandre, para o
Ministério Público verificar se a escrita coincidia com a de
um pequeno papel encontrado em janeiro no seu
apartamento, em Budapeste. Na véspera Rui Pinto tinha
recusado realizar um exame grafológico na Polícia
Judiciária.

Preso, com a sensação de ter todo um sistema judicial


virado contra si, Rui Pinto não está desligado da
atualidade. Tem acesso aos quatro canais em sinal aberto.
E à informação que lhe é trazida pelas parcas visitas que
lhe são permitidas. Ana Gomes foi uma dessas visitas. “Na
última vez que o vi estava indignado por terem ido à cela
apanhar o diário”, conta a ex-eurodeputada ao Expresso.

“É um rapaz muito inteligente, anormalmente culto para a


idade dele”, elogia Ana Gomes. “Ele é um rapaz culto, está
a ler, diz que tem sido bem tratado. Pediu-me alguns
livros, que eu lhe levei”, conta Ana Gomes. Rui Pinto vai
lendo o que tem à disposição na biblioteca da prisão e os
livros que recebe de fora. Sobretudo de história e combate
à corrupção. “Ele é forte psicologicamente”, diz a antiga
eurodeputada. Ana Gomes tem sido uma das suas maiores
defensoras na praça pública. Garante que não quer
branquear o seu passado, mas diz ficar “doente” com a
inércia das autoridades nacionais para obter a sua
colaboração.

Budapeste Rui Pinto foi viver para a capital da Hungria em 2015. Foi lá
que foi entrevistado e fotografado pela “Der Spiegel” em fevereiro deste
ano, em prisão domiciliáriaMARIA FECK
Rui Pinto já colaborou com o Ministério Público francês
antes de ser detido, tendo fornecido às autoridades
gaulesas mais de 12 milhões de documentos. França
classificou-o como denunciante e chegou a prever incluí-lo
num programa de proteção de testemunhas, antes de ele
ser extraditado para Portugal. As autoridades francesas,
aliás, criaram uma colaboração europeia com nove países,
coordenada pelo Eurojust, estando essa investigação a
trabalhar os dados de Rui Pinto até hoje.

“Se ele cometeu crimes, a Justiça terá de decidir sobre


isso. Mas mesmo que tenha cometido crimes fez serviço
público, expôs criminalidade organizada e
branqueamento de capitais”, avalia Ana Gomes. “O único
crime dos 147 de que é acusado que podia justificar a
prisão preventiva é a extorsão na forma tentada. Mas
quantas pessoas estiveram detidas preventivamente em
Portugal por extorsão nos últimos 20 ou 30 anos? Tenho
falado com amigos advogados e ninguém conhece um
caso”, diz ainda Ana Gomes. “Isto é altamente seletivo e
destinado a punir e silenciar este denunciante”, lamenta.

Há uma semana, o advogado Francisco Teixeira da Mota


levou à Rádio Renascença uma mensagem de Rui Pinto,
onde este aceitava que alguns dos seus atos possam ser
considerados ilegais. “Mas não posso aceitar esta
perseguição e esta postura violenta e vingativa por parte
do Estado português”, desabafava. Com o passar do
tempo, foi saindo reforçada a desconfiança de Rui Pinto
face às autoridades portuguesas. Em fevereiro deste ano,
em prisão domiciliária em Budapeste, Rui deu uma
entrevista à “Der Spiegel”, Mediapart e NDR, meios que, à
semelhança do Expresso, integram o consórcio
jornalístico EIC — European Investigative Collaborations.
Foi a primeira e única entrevista que deu depois de ter
sido detido. E já então manifestava os receios de ser
extraditado para Lisboa.

“Tenho quase a certeza de que não terei um julgamento


justo em Portugal. O sistema judicial português não é
inteiramente independente; existem muitos interesses
escondidos. Claro que há procuradores e juízes que levam
o seu trabalho a sério. Mas a máfia do futebol está em
todo o lado. Querem passar a mensagem de que ninguém
se deve meter com eles”, desabafava então Rui Pinto.
“Estou nervoso, porque posso ser alvo de ataques,
principalmente por parte de adeptos do Benfica. Desde o
outono passado que recebo inúmeras ameaças de morte
através do Facebook. Quando me reuni com os
investigadores franceses, mostrei-lhes as ameaças.
Disseram-me que devia levar as ameaças muito a sério.
Tenho medo de se entrar numa prisão portuguesa,
principalmente em Lisboa, não sair de lá vivo”,
acrescentou.

Desde então uma conta em seu nome na rede social


Twitter, que soma milhares de seguidores, vem
partilhando informações sobre a sua detenção e fazendo
críticas à atuação das autoridades portuguesas. A 24 de
julho essa conta de Rui Pinto no Twitter denunciava uma
“campanha de intoxicação da opinião pública, construída
com base em violações seletivas do segredo de Justiça,
misturadas com calúnia e difamação”. Rui Pinto queixava-
se que essa campanha visava “branquear a falência moral
das instituições judiciais”, que “de forma habilidosa
protegem os mecanismos da grande corrupção e evasão
fiscal (muito para lá do mundo do futebol)”.

Mas quem é Rui Pinto? Um hacker ou pirata informático,


como acusa o Ministério Público? Um denunciante
ou whistleblower, como consideram os seus defensores?
Aos 31 anos, ganhou um lugar no espaço mediático,
logrou a admiração dos que advogam maior transparência
e integridade nos negócios do futebol e tornou-se um alvo
a abater para todos os que viram as suas caixas de correio
eletrónico devassadas e os seus segredos profissionais
expostos na praça pública.

DE GAIA A BUDAPESTE
Nascido a 20 de outubro de 1988 em Vila Nova de Gaia,
Rui Pinto aprendeu a ler e a escrever aos quatro anos. Na
escola “levava um avanço em relação às outras crianças”,
como o próprio contou à “Der Spiegel”, mas isso não se
viria a traduzir num desempenho excecional mais à frente.
“Era muito bom a história. Por outro lado, a matemática,
química e física era um desastre”, explicou Rui Pinto.

Ainda antes de entrar na escola primária começou a


interessar-se por futebol. Desenhava as cenas dos jogos e
as camisolas, escrevia algumas das palavras que ouvia dos
comentadores. “O meu pai não ficou muito contente.
Disse-me que não podia ser fanático com o futebol,
porque o jogo poderia destruir a minha vida”, contou na
entrevista de fevereiro.

Rui Pinto cresceu com o Futebol Clube do Porto no


coração. Mas não seria apenas o futebol a marcar para
sempre a sua vida. A mãe estava sempre em casa, mas o
pai, designer de calçado, viajava muito pela Europa. Aos
11 anos Rui perdeu a mãe, vítima de cancro. Durante a
doença, enraivecido, andava muito à pancada na escola.
Mas era também algo conflituoso com os professores. “Por
vezes, estas discussões ficavam fora de controlo, porque
eu não sabia parar. Até hoje”, revelou Rui Pinto quando
falou em fevereiro à “Der Spiegel”.

Rui Pinto frequentou o curso de História na Faculdade de


Letras da Universidade do Porto, mas não completou a
licenciatura. Entre fevereiro e julho de 2013 fez um
semestre de Erasmus em Budapeste. Apaixonou-se pela
capital húngara, pela sua luz, pelo Danúbio, pelos castelos
e pontes. Aí voltou, para viver, a partir de 2015. Pelo meio,
a sua primeira experiência conhecida no cibercrime.
Rui Pinto perdeu a mãe aos 11 anos.
Adepto do Futebol Clube do Porto,
interessa-se por História e pelo
combate à corrupção. Lê os livros
da prisão e os que recebe nas visitas
Rui não tem nenhum curso na área da informática. Mas
em 2013 desviou quase 357 mil dólares do Caledonian
Bank, das ilhas Caimão. Um desfalque que fez de si
arguido no processo 7541/13.8, no âmbito do qual
conheceu o advogado Aníbal Pinto. Segundo escreveu a
revista “Sábado”, o jovem, então com 25 anos, usou um
servidor da Universidade do Porto para entrar no sistema
informático do Caledonian Bank. Em setembro de 2013
entrou na conta de um cliente e fez uma primeira
transferência de cerca de 47 mil dólares para uma conta
sua no Deutsche Bank em Lisboa. No mês seguinte
transferiu outros 310 mil dólares de um outro cliente (a
empresa NetJets, segundo a “Sábado”) para a mesma
conta no Deutsche Bank.

Em 2014, o jovem e o banco chegariam a um acordo, com


o português a devolver os montantes desviados. “No final,
não recebi nenhum dinheiro desse banco. Não é que tenha
roubado o dinheiro, essa não é a verdadeira história”,
apontou em fevereiro à “Der Spiegel”, sem, contudo,
esclarecer o que aconteceu, invocando um acordo de
confidencialidade. Justificou o ataque ao Caledonian com
o interesse em perceber o sistema das empresas offshore,
no quadro de uma crise financeira que levou muitas
pessoas em Portugal a perder as suas poupanças de um
dia para o outro.
Rui Pinto diz ter descoberto “exemplos de como retirar
quantias enormes de um país e transferir o dinheiro para
contas em vários paraísos fiscais”. “Quanto mais
investigava, mais percebia a injustiça”, contou em
fevereiro.

Fechado o dossiê do Caledonian Bank, em fevereiro de


2015 Rui Pinto emigrou para a capital húngara. Segundo o
Ministério Público, ficou a viver num apartamento
arrendado na rua Szovetseg Utca, num segundo piso de
um edifício a dois quilómetros do Danúbio. Mas em maio
deste ano, ao ser interrogado em Lisboa, Rui Pinto
apontou uma outra morada.

Em Budapeste, pouco tempo bastou para que o jovem


iniciasse o projeto que abalaria o futebol europeu,
revelando alguns dos seus maiores segredos e pondo a nu
o uso de paraísos fiscais por parte de futebolistas,
treinadores e empresários.

FOOTBALL LEAKS: O ANO ZERO


O Football Leaks seria, a partir de 2015, um dossiê
problemático para toda uma constelação de atores do
futebol europeu. Expôs os contratos de trabalho de
diversos jogadores, revelou as cláusulas mais absurdas
entre clubes e futebolistas, mostrou quanto ganhavam os
intermediários nesses contratos e trouxe a público
negócios e acordos que violavam algumas das regras do
futebol europeu. Mas como foi possível?

O Ministério Público imputa a Rui Pinto todos os acessos


indevidos a sistemas informáticos que levaram à
divulgação dos segredos da indústria futebolística. “Pelo
menos a partir do início do ano de 2015 e até 16 de janeiro
de 2019 o arguido Rui Pinto muniu-se de conhecimentos
técnicos e de equipamentos adequados que lhe
permitiram aceder, de forma não autorizada, a sistemas
informáticos e a caixas de correio eletrónico de terceiros”,
lê-se no despacho de acusação.

Recuemos quatro anos. O Football Leaks nasce a 29 de


setembro de 2015 como um blogue na plataforma
“Livejournal”, ao qual está associada uma conta de e-
mail do provedor russo Yandex. A primeira mensagem
apresenta as motivações: “Este projeto visa divulgar a
parte oculta do futebol. Infelizmente, o desporto que tanto
amamos está podre e é altura de dizer basta.” O autor
dizia aceitar doações. “Porque adquirir todo este material
levou-me imenso tempo, e é sempre bonito contribuir”,
podia ler-se no texto de abertura.
Muito do que então começou a ser publicado resultou,
segundo o Ministério Público, de acessos ilegítimos de Rui
Pinto a vários sistemas informáticos, entre os quais os do
Sporting e do fundo de investimento Doyen. Rui assume
ter colaborado com o Football Leaks, mas nega a autoria
das intrusões que permitiram extrair o vasto acervo de
documentos que acabaram no domínio público.

“É um coletivo de fontes, de whistleblowers, e não existiu


intromissão não autorizada em sistemas informáticos,
pelo menos minhas. Eu não tive nenhuma intromissão em
sistemas informáticos de entidades nacionais ou
internacionais”, declarou Rui Pinto ao ser interrogado em
Lisboa em maio deste ano. Meses antes, em entrevista à
“Der Spiegel”, Rui Pinto já tinha defendido uma ideia
semelhante. “Não sou o único envolvido. Ao longo do
tempo, mais e novas fontes foram aparecendo e
partilhando material comigo e a base de dados foi
crescendo”, defendeu-se.

Detenção O jovem português foi preso em Budapeste a 16 de janeiro.


Ficou em prisão domiciliaria, até ser extraditado para Portugal, em
marçoFERENC ISZA/AFP VIA GETTY IMAGES
Mas não é esse o entendimento do Ministério Público
(MP), que imputa a Rui Pinto a autoria das intrusões nos
sistemas do Sporting e da Doyen, ainda em 2015, entre
outros ataques. O MP relata que entre 20 de julho e 30 de
setembro desse ano Rui Pinto entrou nas caixas de correio
de dezenas de funcionários do Sporting, a partir de
endereços IP situados em Budapeste, na morada que as
autoridades dizem ter sido de Rui Pinto e também a partir
de um IP da Universidade do Porto, ao qual o português
ainda teria acesso. Segundo o MP, a 22 de setembro Rui
Pinto também promoveu um conjunto de ataques aos
servidores do Sporting que deixaram os funcionários do
clube sem acesso aos e-mails durante três dias. Dois dias
antes tinha ocorrido uma outra intrusão no sistema
informático da Doyen, em Londres, a partir do mesmo IP
de Budapeste usado nos ataques ao Sporting.
Assim, a 29 de setembro de 2015, surgia no blogue
Football Leaks um alegado contrato de empréstimo do
futebolista Mitroglou entre os ingleses do Fulham e o
Sporting. No dia seguinte, outros contratos entre o
Sporting e o Marítimo relativos aos futebolistas Danilo
Pereira e Marega. E ainda o contrato de trabalho entre os
leões e o treinador Jorge Jesus. A 1 de outubro seria a vez
de a Doyen ser exposta. Vários contratos seus envolvendo
o Sporting e o Benfica caíam no domínio público.

A publicação dos segredos do futebol avançava a uma


velocidade vertiginosa. A imprensa portuguesa
amplificava o impacto das revelações. Alguém se tinha
intrometido, de forma incómoda, nos negócios da bola.
Até que quem se sentiu incomodado se começou a mexer.

A PJ ENTRA EM CAMPO
A 3 de outubro de 2015, 48 horas depois das primeiras
revelações, chega à caixa de correio do então presidente
executivo da Doyen, o português Nélio Lucas, um
misterioso e-mail assinado por Artem Lobuzov, com um
aviso: “A fuga é bem maior do que imagina.” A mensagem
aludia a “artimanhas feitas no Banco Carregosa ao abrir
uma conta quase sem documentação”, negócios
simulando contratos de prospeção de jogadores (scouting)
envolvendo o Futebol Clube do Porto, a Vela Management
(empresa maltesa de Nélio Lucas) e a Energy Soccer (de
Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente do clube).
No último parágrafo podia ler-se que “muito mais pode
aparecer online”. “Certamente não deve querer isso, não
é? Mas podemos conversar.” O e-mail marcou o início de
uma troca de correspondência entre Nélio Lucas e Rui
Pinto, na altura disfarçado sob a identidade de “Artem
Lobuzov”. Essa correspondência veio a culminar com um
apelo a uma “doação generosa”, entre meio milhão e um
milhão de euros, para que cessasse a divulgação de
documentos da Doyen.
No próprio dia de receção desse e-mail a Doyen, através
da sociedade de advogados Vieira de Almeida, apresentou
uma queixa contra incertos no Departamento de
Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa. A 7 de
outubro também a Polícia Judiciária (PJ) recebe uma
denúncia de extorsão, apresentada por Nélio Lucas e pela
Doyen. Uma semana antes a PJ tinha recebido outra
denúncia, por acesso ilegítimo, apresentada pelo Sporting.
Nélio Lucas entrega à PJ o seu iPhone, para uma perícia.
E dois dias depois o advogado de Nélio Lucas, Pedro
Henriques, informa a PJ sobre a identidade do advogado
que estaria a representar Artem Lobuzov, encaminhando
um e-mail aos inspetores José Amador (que conduziu
toda a investigação nos últimos quatro anos) e Rogério
Bravo (especialista em cibercrime na PJ).
Rui Pinto tinha contactado o advogado Aníbal Pinto (que
já o defendera no processo do Caledonian Bank) para o
representar nas negociações com a Doyen. A partir de 15
de outubro os telefones de Aníbal Pinto ficaram sob
escuta. A Doyen, que tinha sede em Londres, mostrou-se
disponível para negociar um acordo para estancar as
revelações no Football Leaks. Na verdade, fê-lo apenas
para, em articulação com a PJ, tentar descobrir a real
identidade de Artem Lobuzov.

No processo de Rui Pinto no DCIAP


há diversos elementos de prova,
desde os telefones apreendidos em
Budapeste aos registos de acessos
ilegítimos a várias entidades, como
a FPF
Rui Pinto rapidamente soube disso. A 17 de outubro
escreveu a Nélio Lucas. “Há de facto uma tentativa da
Doyen e do seu advogado Pedro [Henriques] em descobrir
todos os dados de tráfego para os passar para a Polícia
Judiciária”, pode ler-se num e-mail que enviou ao líder da
Doyen. “Tenho na minha posse uma cópia do documento
escrito pelo seu advogado, autenticado pela PJ de Lisboa,
enviado para o Yandex com o nome do processo e tudo”,
assegurava.
A 21 de outubro de 2015, ao fim de múltiplos contactos
por e-mail e SMS, os advogados de Nélio Lucas (Pedro
Henriques) e de Rui Pinto (Aníbal Pinto) encontram-se na
estação de serviço da A5, em Oeiras. O encontro começa
pouco antes das 16h, no restaurante Pans&Company
daquela área de serviço, no sentido Lisboa-Cascais. Estava
também presente Nélio Lucas. O objetivo era firmar um
acordo e os termos de pagamento pela Doyen. Aníbal
Pinto não sabia, mas o encontro estava a ser vigiado e
gravado pela PJ, que monitorizou tudo o que então foi
conversado. Incluindo a confissão de Aníbal Pinto de que
conhecia o autor de Football Leaks de um outro processo-
crime no Porto, relacionado com um acesso a contas
bancárias nas Ilhas Caimão. Foi o suficiente para levar a
PJ a concluir, a 28 de outubro de 2015, que Artem
Lobuzov era na realidade Rui Pinto.
A Doyen acabaria por não fechar qualquer acordo com Rui
Pinto. A 9 de novembro Aníbal Pinto anuncia a Rui Pinto
o seu afastamento e deixa um conselho: “Não insistas em
receber dinheiro, desiste e evita problemas, pois a PJ vai
chegar a ti, vais ser preso e não te posso ajudar.” No dia
seguinte Rui Pinto escreve a Nélio Lucas que “acusações
de ameaças ou extorsão são claramente abusivas”.
“Admito que cometi um erro e não estou interessado em
receber um cêntimo, por isso vou entregar pessoalmente
nos próximos dias a documentação no DCIAP”, lê-se
também nesse e-mail.
Rui Pinto não mais voltou a contactar com Nélio Lucas.
Mas no blogue Football Leaks prosseguiu a publicação de
contratos da Doyen e outros documentos.

Hoje, além dos crimes de acesso ilegítimo e violação de


correspondência, Rui Pinto é acusado de um crime de
extorsão na forma tentada, relativamente à Doyen. O
arguido nega que fosse sua intenção ficar com o dinheiro.
Defende que apenas quis testar o presidente da Doyen
para saber até onde estava disponível a ir para impedir a
revelação dos segredos da empresa. “Tentei falar com o
Nélio Lucas, encostá-lo à parede para que ele se descaísse
e confirmasse as ilegalidades que na minha opinião
cometeu”, declarou Rui Pinto no interrogatório em Lisboa
em maio deste ano. E contou o mesmo a Ana Gomes.
“Disse que tinha sido uma parvoíce, que era miúdo, que
queria era experimentar os tipos. Pareceu-me uma
explicação convincente”, afirma a antiga eurodeputada.

CABEÇA A PRÉMIO
Enquanto o blogue Football Leaks continuava com as
publicações, Rui Pinto tinha a cabeça a prémio. A Doyen,
controlada por investidores cazaques (a família Arif), era
uma das empresas mais ativas na Europa nos negócios do
futebol. Não tinha a influência do superagente Jorge
Mendes, mas movimentava com relativa facilidade os
capitais necessários para apoiar necessidades de
tesouraria dos clubes.

Fundos como a Doyen ocuparam um lugar que a banca


comercial não podia ocupar. Na ressaca da crise
económica global, os grandes bancos não podiam expor-se
a um negócio tão arriscado como o futebol. Mas os clubes
de média e grande dimensão continuavam a precisar de
engenhosas soluções financeiras para continuarem a
contratar craques para cada nova época.

A Doyen tornou-se uma referência no financiamento de


vários clubes, como o Porto, Sporting e Benfica, mas
também o Atlético de Madrid, PSV Eindhoven, entre
outros, ajudando-os a contratar futebolistas sem
precisarem de adquirir a totalidade dos respetivos direitos
económicos. Ver os seus segredos comerciais expostos na
praça pública não era seguramente bom para a empresa.

Nélio Lucas estava furioso. E não deixou de o mostrar a


Rui Pinto, quando este era ainda e apenas Artem Lobuzov.
“Vai-me fazer gastar dinheiro e vai-se ficar a rir de mim
mas nunca mais vai dormir descansado... nem caminhará
na rua livremente. Pode ser que nem eu nem os meus
amigos tenhamos a sorte de o encontrar um dia mas Deus
encontrará. O que você fez não [se] faz. Ainda por cima é
um cobarde que se esconde atrás de um teclado”, escreveu
Nélio Lucas num e-mail de 17 de outubro de 2015.
Rapidamente o misterioso autor do Football Leaks entrou
no radar europeu do cibercrime. A 22 de outubro o
inspetor-chefe Rogério Bravo pede aos serviços da PJ para
solicitarem a cooperação da Europol e da Interpol. Desde
outubro de 2015 que as autoridades portuguesas sabiam
que o alvo era Rui Pinto. Mas levariam mais de quatro
anos a conseguir apanhá-lo.

Quando, já detido em Budapeste, deu a sua entrevista à


“Der Spiegel”, Rui Pinto garantiu que sempre morou em
Budapeste. “Vivia uma vida perfeitamente normal”,
descreveu. Mas também assumiu que viajava muito.

Em 2016 o Ministério Público foi tentando localizar Rui


Pinto. Solicitou a colaboração das autoridades russas,
para verificar quem, e em que localização, tinha registado
o e-mail de Artem Lobuzov. Pediu informação ao Twitter,
Facebook e Microsoft. Mas não era fácil. A Microsoft, por
exemplo, respondeu que só poderia facultar à Justiça
portuguesa dados de contas registadas em Portugal. A
informação que a PJ tinha era que as contas de e-
mail associadas às revelações do Football Leaks foram
acedidas a partir de uma rede, denominada TOR, que
permite aos utilizadores navegar na internet de forma
completamente anónima.

O CERCO A APERTAR
Em março de 2016 Rui Pinto vê pela primeira vez o seu
nome exposto publicamente. Um blogue na internet
atribuía-lhe a autoria do Football Leaks, identificando-o
como um jovem de 27 anos a residir num país da Europa
de Leste e publicando uma fotografia sua, com alguns
dados pessoais. Também a relação com o advogado Aníbal
Pinto era exposta. O blogue Football Leaks de imediato
negou estar associado a Rui Pinto.

O Ministério Público já tinha enviado pedidos de


cooperação para a Rússia, Irlanda, Dinamarca e Hungria.
A investigação seguia o seu curso. Mas não com a rapidez
desejada pela Doyen, que até abril de 2016 continuou a
ver os seus contratos e e-mails expostos na internet. A
Doyen queria ter acesso ao processo, mas este permanecia
em segredo de Justiça.
É em meados de 2016 que as autoridades portuguesas
obtêm da Hungria informação crucial para a localização
de Rui Pinto. Budapeste faculta, em junho de 2016, o
endereço associado ao IP de onde tinham sido feitos os
acessos aos sistemas informáticos do Sporting e da Doyen,
com uma morada associada a um cidadão de
nacionalidade húngara de 46 anos.

Durante meses não houve mais revelações do Football


Leaks, até que no final de novembro o consórcio EIC, de
que o Expresso faz parte, avançou com novos elementos,
revelando a existência de estruturas empresariais em
paraísos fiscais que vinham sendo usadas por vários
nomes do mundo do futebol, como Cristiano Ronaldo,
José Mourinho e Jorge Mendes, para pagar menos
impostos. Na sua maior parte, os casos então revelados
pelo EIC estavam associados a infrações tributárias sob
investigação em Espanha. Em 2018, antes de rumar à
Juventus, Ronaldo aceitou pagar ao Fisco espanhol mais
de 18 milhões de euros para encerrar o diferendo que o
Football Leaks revelou.
Rui Pinto permanecia em Budapeste. Em Lisboa, a
investigação avançava devagar. Em meados de 2017 o
inquérito do MP levava quase 1500 páginas de autos e
encerrava o seu sexto volume. O MP ainda estava a
receber traduções da documentação enviada pelas
autoridades russas.

No final de 2018, a Polícia


Judiciária colocou sob escuta os
telefones da família de Rui Pinto e
acedeu aos seus dados bancários.
Foi assim que descobriram que em
janeiro o pai dele ia viajar para a
Hungria
Os autos do processo de Rui Pinto, consultados pelo
Expresso, revelam que a 29 de março de 2018 o MP
aprova a criação de uma equipa de magistrados para
“proceder à investigação dos inquéritos nos quais estejam
em causa crimes praticados no âmbito da atividade de
competição desportiva de futebol e de crimes com estes
conexos”. Mas não são conhecidos os desenvolvimentos
dessa investigação. O último relatório de combate à fraude
e evasão fiscal detalha as ações da Autoridade Tributária
no âmbito de casos mediáticos, como o Swiss Leaks, Malta
Files e Panama Papers. Mas é omisso quanto ao Football
Leaks.
O MP sentia estar cada vez mais perto de Rui Pinto. E a 12
de outubro de 2018 a procuradora Patrícia Barão pede ao
Banco de Portugal que identifique todas as contas
bancárias do pai e da irmã de Rui Pinto, pedindo ainda ao
Tribunal de Instrução Criminal a aprovação de escutas aos
dois familiares, bem como a aprovação de buscas
domiciliárias no endereço de Budapeste associado ao IP
por via do qual tinham sido atacados os sistemas da
Doyen e do Sporting.

Os dados das contas bancárias do pai e da irmã de Rui


Pinto chegariam ao Ministério Público em novembro de
2018, sendo então expostos nos autos do processo (que
este ano deixou de estar sob segredo de Justiça). Em
dezembro a PJ viria a descobrir que o pai de Rui Pinto
tinha viagem do Porto para Budapeste a 15 de janeiro de
2019, com regresso marcado para 29 de janeiro.

O processo de Rui Pinto entrava num momento


determinante, que aceleraria após uma série de
documentos da sociedade de advogados PLMJ serem
despejados na internet, no blogue Mercado de Benfica, a
partir de novembro de 2018. Segundo o despacho de
acusação, foi Rui Pinto quem publicou naquela página os
ficheiros áudio das inquirições e depoimentos no âmbito
do processo e-Toupeira (que investigou a obtenção de
informação privilegiada pelo Benfica sobre vários
processos judiciais). O carregamento de diversos
documentos relacionados com o e-Toupeira prosseguiu
até janeiro de 2019.

A 16 de janeiro de 2019 Rui Pinto foi detido em


Budapeste, ficando em prisão domiciliária na capital
húngara. A polícia apreendeu-lhe três telemóveis, mais de
uma dezena de discos rígidos, um portátil MacBook,
várias pen USB, entre outro material. Em março Rui Pinto
seria extraditado, ficando em prisão preventiva, até hoje.
Até à sua acusação como responsável por 147 crimes
(extorsão, acesso ilegítimo, violação de correspondência e
sabotagem informática), a PJ e o MP foram explorando
parte do material encontrado no seu apartamento em
Budapeste.

Nessas diligências, o MP concluiu que Rui Pinto não só


entrou, em 2015, nos sistemas da Doyen e do Sporting,
como prosseguiu, daí em diante, com acessos a diversas
entidades, dentro e fora do futebol. Num dos seus discos
foram encontradas centenas de caixas de e-mail, de clubes
de futebol, de sociedades de advogados, da Federação
Portuguesa de Futebol e também da Procuradoria-Geral
da República, entre outras instituições.
Rui Pinto há muito que não confia nas autoridades
portuguesas. Chegou a oferecer cooperação à Autoridade
Tributária em janeiro, mas o Fisco português, que já lhe
tinha pedido ajuda quando ele era apenas e só Artem
Lobuzov, não lhe respondeu. Rui Pinto e os seus
advogados invocam nulidades várias no processo.
Argumentam também que no que respeita à Doyen não
pode haver julgamento em Portugal, porque nenhuma das
partes estava em Portugal à data dos factos.

A defesa de Rui Pinto pediu a abertura de instrução, na


esperança de a maior parte das acusações do Ministério
Público possam cair por terra, sem julgamento. O debate
instrutório começará a 12 de dezembro. E será liderado
pela juíza Cláudia Pina, que conduziu diversos casos
mediáticos, entre os quais o e-Toupeira. Um processo que
acabou, há um ano, exposto na internet, na última grande
cartada de Rui Pinto antes de ser preso em Budapeste.

Rui Pinto, com um curso de História por completar,


quatro anos de revelações sobre os meandros do futebol e
dos seus negócios, continua a ver whistleblowing onde
muitos veem pirataria informática. Admira Edward
Snowden, reconhece-se como delator, mas é visto pelos
seus críticos como mero cibercriminoso. Quem é Rui
Pinto? A sua vida dava um filme.

Potrebbero piacerti anche