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ditadura-mas-nunca-vi-um-periodo-tao-assustador-como-este-na-educacao

Publicado em NOVA ESCOLA 10 de Janeiro | 2019

Entrevista

“Vivi o Estado Novo e passei pela


ditadura, mas nunca vi um
período tão assustador como este
na Educação”
Uma das maiores autoridades em Alfabetização, Magda Soares considera as
ideias do novo governo um retrocesso sobre o tema
Laís Semis
Magda Soares: “Promover o método fônico é mais do que um retrocesso: é um atraso de 50
anos na Educação no Brasil” Foto: Ronaldo Guimarães

Magda Becker Soares tem 86 anos e não costuma perder o sono à toa. Recuperando-se de uma
cirurgia delicada, uma das maiores autoridades brasileiras em Alfabetização diz que nem mesmo o fato
de encarar a mesa de cirurgia a deixou preocupada. “Mas quando saiu o anúncio sobre essa Secretaria
de Alfabetização com o Carlos Nadalim, eu passei noites e noites em claro. Não conseguia dormir. Não
sei o que vai ser”, diz a professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das
criadoras da Faculdade de Educação nessa instituição.

Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), ela tem uma longa trajetória entre
escolas e universidades. Magda introduziu no Brasil o conceito de letramento e, entre livros
acadêmicos e didáticos, publicou mais de 40 títulos. Seu último livro, “Alfabetização: a questão dos
métodos”, levou o Prêmio Jabuti de melhor livro de Educação e Pedagogia e também de não-ficção do
ano de 2017. Ainda hoje, Magda mantém contato com escolas e professores trabalhando
voluntariamente com o desenvolvimento profissional de alfabetizadores na rede municipal de Lagoa
Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde há 11 anos lidera o Núcleo de Alfabetização e
Letramento. Parte desse trabalho no município foi registrado em uma série de vídeos produzida pela
Atta Mídia e Educação com financiamento da Fundação Lemann, mantenedora de NOVA ESCOLA, e que
pode ser conferida aqui.

LEIA MAIS O que pensa Ricardo Vélez Rodríguez, o novo ministro da Educação

Em 2018, as ideias de Magda foram alvo de críticas pelo recém-nomeado secretário de Alfabetização
do Ministério da Educação (MEC), Carlos Nadalim, pasta criada pelo novo ministro da Educação,
Ricardo Vélez Rodríguez. Para Nadalim, o letramento seria o “vilão da alfabetização”. “É preciso ir muito
além das letrinhas, dos grafemas. Você está certa [Magda]. Mas o fato, Doutora Magda, é que as nossas
crianças não estão aprendendo nem isso”, diz ele em um dos vídeos de seu canal “Como Educar seus
Filhos”, no YouTube.

Nadalim é formado em Direito, com especializações em História e Teorias da Arte e Filosofia Moderna e
Contemporânea, além de ser mestre em Educação. É coordenador pedagógico na escola Mundo do
Balão Mágico, que é de sua família, em Londrina (PR). A instituição, que de acordo com o Censo Escolar
2017 contava com 12 funcionários, 47 alunos na pré-escola e 94 estudantes do 1º ao 5º ano, foi uma
das três ganhadoras do prêmio Darcy Ribeiro de Educação em 2018, por indicação do deputado
federal Diego Garcia (PODEMOS/PR).

LEIA MAIS 8 mitos sobre a Alfabetização

Em entrevista exclusiva à NOVA ESCOLA, Magda Soares fala sobre as críticas ao seu trabalho, tece
considerações sobre a existência de uma secretaria dedicada às políticas de alfabetização, avalia a
proposta de um Brasil que alfabetize apenas usando o método fônico e comenta sobre os equívocos
frequentemente cometidos quando o assunto é alfabetização.

Alfabetizar é uma questão de método? Há muitos professores que relatam usar mais de um
método no processo de alfabetização e mesmo considerando um deles “melhor”, eles dizem que
nem sempre funciona com toda a turma. Você acredita que há um único método que seja o
“modelo ideal” e que possa atender a heterogeneidade de uma sala de aula no Brasil de hoje?

Alfabetização não é uma questão de método. O grande equívoco na área de Alfabetização é que,
historicamente, sempre se considerou que alfabetização era uma questão de método. Isso é um
equívoco porque nenhuma outra disciplina – Geografia, História, Ciências e Matemática – trata de um
só método. São campos de conhecimento que o professor deve conhecer bem para saber como agir
para transformar esse conhecimento em um objeto do qual o aluno possa se apropriar. Nós temos
mudado de método a todo momento ao longo das décadas e nunca conseguimos resolver nosso
problema de alfabetizar todas as crianças ou, pelo menos, a maioria delas no tempo certo. Os
professores alfabetizadores sempre perguntam: que método usar? E eles são tão espertos e lúcidos
que falam “Eu uso o método eclético”. Ou seja, eles misturam vários e tiram de cada um aquilo que
está dando certo para seus alunos.

Existe um consenso internacional sobre um método que funcione para todo um país ou para a
maioria deles? Ou isso varia muito de língua para língua?

Eu considero que nos outros países, pelo menos nos mais avançados, essa questão do método já está
superada. Como eu achava que também estava superada entre nós – até que esse governo começou a
dar declarações extremamente perigosas. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve por muito tempo a
chamada “Guerra do Métodos”, que era fundamentalmente entre o método global e o método fônico,
como se fossem duas coisas que se opusessem. Praticamente, essa guerra já está vencida nos Estados
Unidos. Há algum tempo não vejo nas bibliografias uma discussão sobre essa questão. Na Finlândia,
que é tida como uma das melhores nações do mundo na Educação, se você perguntar qual é o método
que eles usam para alfabetizar, você não consegue uma resposta pra isso. Não é o método, a questão
está em outro lugar.

Que lugar seria esse?


Com essa posição de achar que a questão era só de como fazer, deixou-se de lado o que é aprender a
ler na escrita. Esse é o ponto importante. As pesquisas e teorias a respeito de como a criança aprende
um objeto – no caso, a língua escrita, extremamente abstrata – é um objeto cultural. Isso se justifica
também porque as teorias psicológicas e linguísticas demoraram a se voltar para essa questão dos
processos cognitivos e linguísticos por meio dos quais a criança se apropria desse objeto que é a língua
escrita. A questão continua a ser tratada como se fosse uma questão da Pedagogia – e não é só da
Pedagogia. Pedagogia entra depois que você tem fundamentos para definir como a criança aprende e,
portanto, como eu, enquanto professora, vou ensinar. Essa é a posição moderna e atual e devemos
isso ao grande desenvolvimento da ciência linguística a partir do momento em que considerou
também as teorias psicológicas, principalmente a Psicogênese, que é chamada incorretamente de
Construtivismo e agora falam no “método construtivista”, há escolas que se dizem construtivistas... Isso
distorce inteiramente a questão porque é uma teoria que virou um método.

Vídeo: https://www.youtube.com/embed/aovD7Kq-Dmg

A própria Emília Ferreiro [que desenvolveu a Psicogênese da língua escrita] reage bravamente contra
isso, reforçando que ela não propõe um método. Ela estudou o desenvolvimento psicogênico da
criança na interação com a língua escrita. Mas isso não é suficiente. Você tem as teorias cognitivas
propriamente para entender quais são as alterações cognitivas que a criança desenvolve ou precisa
desenvolver para entender a língua escrita, que depende primeiro da criança descobrir uma coisa que
a humanidade levou milhares de anos para descobrir: que a gente pode registrar, visualizar os sons da
língua, ao invés de desenhar. Esse é o elemento fundamental da criança no processo de alfabetização.
Quando se fala em método fônico, dá-se um salto enorme em cima de etapas que a criança precisa
passar até esse ponto – que eu diria que é quase o ponto final – de relacionar a letra com o som. Antes
disso, ela precisaria ver que o som ou o que a gente fala pode ser transformado em tracinhos no papel.
Esse é o ponto chave.

A maior parte das crianças que são classificadas como tendo “dificuldade de aprendizagem” na
alfabetização – e eu tenho experiência pessoal de pesquisa – é de crianças que ainda não descobriram,
não se deram conta porque ninguém as ajudou a ver que a gente escreve o som das palavras. Quando
você fala em método, você tem que considerar todas essas teorias linguísticas, psicogenéticas e
articular porque a criança vivencia tudo isso ao mesmo tempo quando está aprendendo a língua
escrita. No meu último livro, “Alfabetização: a questão dos métodos”, eu acabo o livro falando isso: a
questão não é ter método para alfabetizar. A questão é alfabetizar com método. E alfabetizar com
método exige o conhecimento de como a criança aprende cognitivamente, como se dá o
desenvolvimento psicogenético, em que momento você pode entrar com cada um dos aspectos da
alfabetização, o que é esse objeto linguístico.

Há uma visão no imaginário de muitos brasileiros que as cartilhas deram conta do processo de
alfabetização no passado e que os métodos utilizados hoje são ineficazes e produzem
analfabetos. Sua trajetória profissional na escola começou em 1953 e segue até hoje
acompanhando a rede municipal de Lagoa Santa (MG). Como a senhora enxerga essa questão de
um passado que alfabetizava “mais” ou “melhor”?

Isso é uma ilusão. Dois principais fatores explicam essa nostalgia do passado: uma é que a escola
pública servia às classes médias e altas. Não havia ainda a conquista da Educação pelas camadas
populares. Eram crianças que já tinham em casa um ambiente alfabetizador, acesso a materiais
escritos, pais e mães alfabetizados, famílias que desde cedo iam ensinando a criança a ler. Todas essas
etapas precedem a aprendizagem das relações fonema-grafema já eram muito desenvolvidas em casa.
Isso acontece até hoje. São as camadas sociais mais privilegiadas que tiram os primeiros lugares no
Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e entram nas universidades mais facilmente.

"É uma ilusão dizer que no passado a alfabetização era


melhor ou que as crianças aprendiam mais"
Uma segunda questão é que mesmo quando a escola começou a servir às camadas populares nos
anos 1960, 1970 – o que é recente –, numerosas pesquisas da época mostraram que as crianças
repetiram o 1º ano diversas vezes até aprender. Não porque o professor a cada ano mudasse as
práticas para resolver os problemas que a criança estava enfrentando. Ele só repetia a cartilha até que
o aluno aprendesse. Em uma pesquisa, eu tive a experiência de encontrar uma criança que estava há
11 anos repetindo o 1º ano. Várias estavam há três, quatros anos repetindo a mesma série até
conseguirem aprender – era isso ou desistiam da escola. Sergio Costa Ribeiro [pioneiro na abordagem
de temas como repetência e medição da qualidade do ensino no Brasil] tem pesquisas que
demonstram estatisticamente as questões da repetência e evasão nesse período. Quando as pessoas
falam que “antigamente aprendiam” é porque pertenciam a camadas sociais mais favorecidas e,
portanto, já traziam um contexto cultural que avançava a compreensão da língua escrita ou porque
ficaram na escola repetindo até que conseguissem aprender ou desistissem da escola. É uma ilusão
dizer que no passado a alfabetização era melhor ou que as crianças aprendiam mais. Não é verdade.

A briga de métodos de alfabetização ganhou destaque recentemente no campo das políticas


públicas. Carlos Nadalim, o secretário de Alfabetização do MEC, critica o letramento (que ele
considera um “vilão” da alfabetização), e faz referências críticas diretamente também ao seu
trabalho – partindo da ideia de que se a criança não consegue nem aprender as letras, ela não
teria condições de se alfabetizar num contexto social. Como a senhora enxerga essas críticas?

Estou com 86 anos e entrei na Educação quando estava com menos de 20 anos. Estou pelejando há
décadas. Já passei por várias fases, mas nunca nesse tempo todo – e olha que eu, como aluna, vivi o
Estado Novo e passei, já como professora, pela ditadura – e nunca vi um período tão assustador como
esse de agora na Educação. Nós temos um ministro inexperiente e que nomeia um secretário de
alfabetização com experiência mínima na área. O próprio secretário declarou que sua experiência vem
de uma escola de família, pequena e com poucos alunos e que ele criou um método baseado no
método fônico. Com isso, ele vira um especialista em Educação? Com a quantidade de pesquisas
desenvolvidas só nos últimos anos em várias áreas do conhecimento sobre alfabetização? Para falar a
verdade, eu fiquei muito revoltada. Fiquei indignada. Não por ele ter me mencionado – isso tudo bem.
Mas pela ignorância e pela ingenuidade. Eu estou muito assustada com o que pode vir pela frente.

"Uma coisa é discordar a partir de uma pequena


experiência em uma escola privada de família com meia
dúzia de alunos. Outra coisa é discordar quando você
está em um processo de aprendizagem da língua escrita
como eu estou, desenvolvendo há 11 anos em uma rede
pública inteira"
O secretário diz que discorda de mim. Mas uma coisa é discordar a partir de uma pequena experiência
em uma escola privada de família com meia dúzia de alunos. Outra coisa é discordar quando você está
em um processo de aprendizagem da língua escrita como eu estou, desenvolvendo há 11 anos em
uma rede pública inteira. Não é só em uma escolinha, não. São 25 escolas, todas desenvolvendo
alfabetização com um sucesso significativo. Eu tenho as crianças alfabetizadas, frequentemente, no fim
da Educação Infantil. E, certamente, no 1º ou no máximo no 2º ano do Ensino Fundamental. Tem um
momento em que elas aprendem a relação fonema-grafema [método fônico], mas vão muito além
disso.

O atual secretário Nadalim ataca, com frequência, outros métodos como o global e o chamado
construtivista, que para ele seriam dominantes nas escolas brasileiras e, portanto, a causa dos
péssimos resultados de alfabetização. Entre as prioridades da pasta que lidera está banir
métodos comumente associados à teoria construtivista e promover o fônico. Na sua visão, quais
são as limitações e quais poderiam ser os impactos de uma medida como essa?

Isso é mais do que um retrocesso, é um atraso de 50 anos na Educação no Brasil. No que diz respeito
ao método fônico, realmente, há um momento no processo de alfabetização da aprendizagem na
língua escrita pela criança em que, sim, ela tem que dominar as relações das letras com os sons que
representam porque isso é fundamental da língua escrita. Mas transformaram isso em fazer a criança
conhecer e pronunciar os fonemas, uma coisa que, linguisticamente, é absolutamente impossível.
Ninguém consegue pronunciar os fonemas consonantais, só as vogais – você consegue falar A-E-I-O-U.
Mas vai pronunciar um P, um B, um F. São letras que representam fonemas que não se pronunciam
isoladamente sem apoio de uma vogal. E, de acordo com o método [de Nadalim], isso seria possível.
Não é um método fônico. Há um momento no processo de aprendizagem da criança que ela está
pronta para identificar essas relações, não pronunciar. Esse é um ponto, o método fônico tal qual
como é concebido, é linguisticamente equivocado.

"Outra coisa que tem que ser combatida é a oposição


entre método fônico e construtivismo. Essa é uma
oposição impossível porque não são coisas que se
opõem"
Outra coisa que tem que ser combatida é a oposição entre método fônico e construtivismo. Essa é uma
oposição impossível porque não são coisas que se opõem. Construtivismo é uma teoria que vem lá de
Piaget, não é invenção da Emília Ferreiro, é uma teoria em que a criança constrói o conhecimento e a
interação com esse objeto de conhecimento. Piaget trabalhou principalmente com aspectos da
Matemática e de Ciências. O que Emília Ferreiro fez foi usar essa teoria para a língua escrita, o que
Piaget não tinha feito. Emília Ferreiro mostrou que a criança vai descobrindo o que é a língua escrita e
esse descobrir é construir o conhecimento. Olhando do ponto de vista pedagógico, não é deixar a
criança solta para construir conhecimento. O papel do educador é orientar a criança na construção
desse conhecimento, como acontece na Matemática, nas Ciências ou como deveria acontecer em
qualquer outra matéria. Dizer que construtivismo é uma oposição ao método fônico é um erro lógico
que o Ministro da Educação, que se diz filósofo, comete.

Escolas e professores que se dizem “construtivistas” são aqueles que levam em conta que a criança
aprende a língua escrita tendo bases para essa aprendizagem desde o momento que descobre que
escrever não é desenhar. Se você pede a uma criança de 3 ou 4 anos para escrever “casa”, ela desenha
uma casa e acha que escreveu. Ela precisa entender que quando lhe pedem para escrever casa, o que
será escrito são os sons da palavra casa. Esse é um processo complicado. A criança vai passando por
esse processo, entendendo, com a orientação e a intervenção de um professor. Esse processo de
alfabetização não precisa ter nome, chamar de construtivismo. Aos poucos, a criança aprende a
interação com a língua escrita, entende que aquelas marquinhas que estão no livro são palavras, como
as que a professora está falando ou as que estão no livro. Eles interpretam mal a alfabetização [no
construtivismo].

Essa mudança, de banir técnicas ligadas ao construtivismo, poderia ser ser vista com um caráter
“ideológico” – pensando, por exemplo, na associação entre construtivismo e Paulo Freire,
educador que, segundo o programa de governo de Jair Bolsonaro (PSL), deveria ser expurgado
das escolas?

Ideológico todo mundo é. Eles [o atual governo] falam de ideologia como se fosse algo que alguns
assumissem, outros não. Não há nada mais ideológico do que esse governo que está assumindo
agora. Todo o grupo tem ideologia. Mas depende do que você entende como ideologia. A ignorância
desse grupo que vai nos dirigir agora é tão grande, que eles pensam que ideologia é uma coisa
negativa, um jeito de você atacar o outro. Tudo no mundo é ideológico porque todos nós agimos de
acordo com certos princípios e convicções. Só que no campo do ensino da Alfabetização, estamos
falando de um ensino fundamentado em evidências científicas. Essa é a concepção atual da Educação
nos países que têm desenvolvido pesquisas e procurado evidências científicas para mostrar como a
criança aprende para o alfabetizador acompanhar esse processo de aprendizagem da criança e agir da
melhor maneira. Uma coisa é a ideologia e outra são as evidências científicas. A ideologia é mais o que
te orienta na vida do ponto de vista em relação aos outros, em termos de moral, de convicções, de
religião. Mas no ensino é uma base científica que não tem a ver com ideologias da pessoa. É uma base
de evidências científicas.

"Tudo no mundo é ideológico porque todos nós agimos


de acordo com certos princípios e convicções. Só que no
campo do ensino da Alfabetização, estamos falando de
um ensino fundamentado em evidências científicas"
Levei quatro anos escrevendo “Alfabetização: a questão dos métodos” porque meu objetivo era buscar
em todas as fontes possíveis, nacionais e internacionais, as evidências científicas sobre o processo de
aprendizagem da língua escrita pelas crianças. As evidências são muitas e de várias naturezas:
psicologia, psicogenética, linguística, fonologia... é preciso articular tudo isso para chegar à conclusão
que eu te falei: não é uma questão de método. É uma questão que até agora esse ministério não
tocou: a formação do professor. A formação do alfabetizador no Brasil é absolutamente inadequada.
Digo mais: ela não existe. Professores, nos cursos de Pedagogia não discutem os fundamentos da
alfabetização, não discutem como a criança aprende e, portanto, como se deve ensinar. Meu sonho
era ter um novo governo que colocasse como foco central investir na formação dos alfabetizadores.
Não é discutir método, não é discutir ideologia, Escola Sem Partido. Tudo isso é de outra natureza.

Dados brasileiros mostram que realmente temos muito a avançar no que diz respeito à
alfabetização. O que falta para o país alfabetizar bem as suas crianças é realmente mudar a
formação de professores ou há outras questões que ainda precisamos resolver?

Basicamente, é a formação do professor. Eu sonharia com um curso especificamente de formação para


Educação Infantil e séries iniciais na área de alfabetização e letramento. O letramento é justamente
esse envolvimento da criança com o mundo da escrita. A formação inicial precisaria ser pensada como
algo completamente diferente do que é. E a formação continuada tem sido muito ineficaz em todos os
governos anteriores. São cursos que não consideram o que é fundamental: a interação das teorias com
as práticas dos professores. Essa foi a grande descoberta que eu fiz depois de décadas e décadas,
formando professores na UFMG, quando eu me envolvi no trabalho voluntário [com uma rede de
ensino em Lagoa Santa]. Eu queria ver por que a gente formava, formava e nada melhorava. Decidi me
envolver no trabalho de uma rede municipal. E me envolver mesmo: estar lá nas escolas, com os
professores, com as crianças e fazendo o que eu chamo de desenvolvimento profissional dos
professores, que é diferente de formação continuada. Formação continuada são esses cursos – alguns
até de carga horária longa – mas que você não tem condições de interagir com as práticas dos
professores. Tem que ser um movimento diferente. Se a gente não mexer aí, tudo vai continuar igual –
ou piorar se eles treinarem os professores para o método fônico, porque aí continuaremos o fracasso
da alfabetização.

A criação de uma subpasta no MEC dedicada à Alfabetização, na sua opinião, pode contribuir
para o avanço e melhoria da alfabetização no país?

Em princípio, eu acho uma boa ideia ter um departamento exclusivamente para cuidar da
alfabetização porque antes integrava a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão (Secadi), que envolvia várias outros temas - e que foi desmontada. O que também não me
parece uma coisa boa coisa, já que outros aspectos, além da alfabetização, vão ficar em segundo plano
ou nenhum. Mas agregaria termos uma secretaria que entendesse do que é preciso fazer e que tivesse
uma visão clara de experiências que foram construídas e do que já se fez na área.

A sra. acredita que se a Secretaria de Alfabetização tivesse sido criada há mais tempo teria
gerado um avanço na aprendizagem?

Com certeza. Na época do Fernando Henrique Cardoso [1995-2003 ], com o então ministro Paulo
Renato, houve uma preocupação grande com a alfabetização, mas na linha chamada construtivista,
com pessoas muito sectárias em uma certa linha, o que também não adiantou muito. Só criou esse
mito de um método construtivista e de escolas construtivistas. De qualquer maneira, foi um período
de preocupação [com o tema]. Se tivéssemos uma secretaria voltada especificamente para a
alfabetização, mas com boa formação no tema, seria um avanço, uma novidade muito bem-vinda. Em
nenhum governo, nem do Fernando Henrique nem do PT, houve um movimento articulado, sério e
bem orientado para resolver a questão da alfabetização nesse país.

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