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| E-ISSN 1808-2599 |
Música independente
no século XXI: percalços,
conquistas e desafios
Éverly Pegoraro
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.15, n.2, maio/ago. 2012.
Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011. 420p.
iniciativa. As reconfigurações do mercado musical
das últimas décadas abriram novos horizontes
para quem trabalha nesse universo. Mas junto com
as possibilidades, vieram novos desafios. Dentro
ou fora do mainstream, o processo de transição
e reestruturação do business musical aponta
uma rede cada vez mais complexa com rupturas
e fissuras nos padrões hegemônicos, mostrando
alternativas criativas dos atores envolvidos,
possibilitando mais participação de artistas e
consumidores na busca por interação, visibilidade
e sustentabilidade.
musical, pois os limites são flexíveis e ainda de uma indústria fora do âmbito das majors, cuja
representam importantes referências para os participação das classes populares na produção
atores sociais desse setor. Assim, é necessário e no consumo representa um fator primordial.
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compreender a independência no mercado musical O autor atesta uma experiência musical mais
como um conceito maleável, para não engessá- integrada à vida social com o rompimento de
lo ou estigmatizá-lo, o que poderia induzir a fronteiras sociais. Um importante ator nesse
estereótipos em um contexto altamente complexo. processo, com papel mais ativo e participativo,
Até mesmo porque há conexões (diretas ou é o consumidor. Esse assunto é abordado por
indiretas) entre indies e majors, como apontam Juan Ignacio Gallego, que sustenta o argumento
vários autores dessa coletânea. de que os próprios usuários se transformam em
agentes de prescrição musical. As alterações
Além disso, o contexto de reconfigurações não potencializadas, sobretudo pela web 2.0, e
significa que “tudo são rosas” para quem anda assinaladas pelo autor concedem aos usuários
pelos caminhos da música. Os textos selecionados novas capacidades de acesso e difusão musical,
por Herschmann configuram um balanço originando novos modelos de negócios pela
equilibrado de conquistas, desafios, crises e internet e facilitando o desenvolvimento de
percalços, sem partir de uma visão ingênua ou micromídias e selos independentes.
heróica sobre ser independente.
Na segunda seção da primeira parte do livro, os
Dessa forma, a música independente serve como autores abordam as relações entre majors e indies.
eixo temático central para as duas partes nas Keith Negus argumenta que, para entender os
quais a obra é dividida. Na primeira, os autores rumos do rap e suas delineações enquanto gênero
apresentam pesquisas realizadas na Europa, musical e prática cultural é preciso compreendê-
nos Estados Unidos e na América Latina, lo também como negócio, um complexo jogo entre
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selos pequenos, grandes companhias e a “rua”. autores mostram que esse gênero musical incita
Aliás, esta última desempenhando papel primordial reflexões sobre questões profundas, como etnia e
para o marketing do gênero e, simultaneamente, democracia racial.
para reunir informações sobre mercados e
consumidores aos escritórios centrais do “negócio”. A segunda parte da obra é dedicada ao
O texto traduzido faz parte do seu referencial livro delineamento do cenário musical independente
Music genres and corporate cultures. no Brasil. Na primeira seção, Leonardo de
Marchi e Marcelo Kischinhevsky refletem sobre a
Um dos grandes desafios das independentes é reintermediação dos negócios da música a partir
justamente conseguir sustentabilidade. Luis de diferentes agentes. Ambos os textos reiteram 3/7
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união de forças através do associativismo tem das gravadoras independentes brasileiras em
sido uma forma de conquistar espaço num uma indústria fonográfica em rede. A partir
mercado altamente competitivo e controlado do contexto de transformações pelos quais o
pelas multinacionais. Na sequência, Micael negócio da música vem passando, o autor mostra
Herschmann aponta que uma tendência que as relações entre os envolvidos na produção
inusitada tem conquistado o business da música musical não são equilibradas, porém mais
entre o universo indie e major: os games flexíveis. As gravadoras passam a ser prestadoras
musicais. O crescente interesse do público não de serviço para os artistas. Assim, produtores
mais limitado a jovens e adolescentes por esse independentes assumem um papel estratégico,
tipo de entretenimento possibilita um modelo trabalhando com diversos tipos de artistas,
alternativo para o setor, novas possibilidades enquanto as grandes gravadoras se concentram
para artistas e bandas, além de sinalizar em uns poucos músicos de forte apelo comercial.
tendências para a compreensão das próprias Kischinhevsky, por sua vez, analisa as relações
culturas urbanas musicais. E para finalizar esta entre as gravadoras independentes e as
seção, Wayne Marshall, Raquel Rivera e Debora emissoras de rádio, no que se refere à promoção
Hernandez apresentam o reggaeton, ressaltando de artistas e músicas nas suas programações.
não apenas a sua dimensão econômica, mas Através de enquete realizada entre diretores,
social também, reforçando os argumentos de gerentes e coordenadores de programação,
que as mais diversas manifestações musicais o autor aponta fatores que interferem (e até
não podem ser compreendidas tão somente a prejudicam) a diversidade nas seleções de
partir da dualidade entretenimento/consumo. Os conteúdo musical.
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A próxima seção do livro comprova a riqueza e Do Recife para o estado do Rio de Janeiro:
multiplicidade cultural/musical do país, numa Micael Herschmann apresenta as ruas que
verdadeira viagem por cinco curiosos circuitos cantam em Conservatória através do peculiar
e cenas em diferentes regiões brasileiras. O fio movimento seresteiro que acabou sedimentando
central que conduz os textos é mostrar como os um polo turístico local, em um ambiente musical
agentes envolvidos nessas dinâmicas aproveitam caracterizado por afetividade e engajamento.
e se adéquam a condições econômicas regionais O autor argumenta que a mobilização e a
na busca por sustentabilidade. O tecnobrega sociabilidade que marcam os seresteiros do
do Pará e o forró do Amazonas servem de município são um exemplo claro da razão
ponto de partida para Olívia Bandeira de Melo sensível que os une, como diria Michel Maffesoli. 4/7
e Oona Castro mostrarem como as tecnologias São o idealismo, a paixão e os afetos deles e
digitais propiciam alterações nas estruturas dos visitantes que vêm garantindo o intenso
do negócio da música. As autoras argumentam desenvolvimento local. Ao mesmo tempo, reiteram
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que tais mudanças possibilitam novas formas a crescente “revaloração” das “experiências”.
de produção, distribuição e consumo adaptadas Ainda no Rio de Janeiro, Cíntia SanMartin
às condições regionais, assim fortalecendo Fernandes analisa um espaço físico em que a
cenas e facilitando o acesso do público a uma experiência musical também se torna o amálgama
diversidade cultural diferente da oferecida pelos de sociabilidades. A autora percorreu as ruas
mercados hegemônicos. do conhecido Polo da Praça XV, no centro da
cidade, e constatou a reinvenção daquele espaço
A próxima parada é no Recife, onde Felipe urbano e sua respectiva revitalização financeira. A
Trotta reflete sobre as contradições do forró música ao vivo, especialmente o samba e o choro,
contemporâneo a partir do paradoxo da tradição passaram a fazer parte do conjunto de bares e
rural manifesta em solo urbano. O autor mostra restaurantes daquele ambiente, representando
de que forma, no mercado independente do uma alternativa para artistas exibirem seu
forro pé de serra, a tradição é usada como trabalho. Nesse contexto, a experiência musical
argumento discursivo de valoração simbólica se torna um elemento central de ressignificação
para justificar investimentos públicos e urbana e comercial, comprovando que aquelas
privados nesse segmento. Entretanto, o autor ruas são espaços que conjugam relações
sinaliza que tal contexto discursivo, apoiado econômicas e socioculturais comunitárias, como
pelo financiamento público, acaba por reificar sustenta Fernandes.
uma visão congelada de tradição, segregando
práticas artísticas e culturais que poderiam ter A última parada é no funk carioca, com Simone
grande aceitação popular. Pereira de Sá e Gabriela Miranda. Elas abordam
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aspectos da cadeia de produção, circulação e das redes sociais as posiciona bem próximas do seu
consumo desse gênero musical, demonstrando potencial público pré-adolescente e oportuniza que
que, apesar das especificidades de cada um, há seus fãs se tornem curadores on line.
aproximações entre o funk, o tecnobrega do Pará
e o forró eletrônico do nordeste. As práticas de Na sequência de artigos, o Grupo Musicultura traz
negócios relativamente sustentáveis e autônomas uma interessante pesquisa sobre gostos musicais
do funk articulam uma rede de DJs, MCs e a dos moradores da Maré o maior conjunto de favelas
comunidade de frequentadores dos bailes. As do Rio de Janeiro, propiciando dados quantitativos
autoras problematizam elementos desse processo, e qualitativos sobre consumo e circulação de
como as estratégias de comercialização da música, música naquele local. Trata-se dos resultados de 5/7
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Musicultura é um coletivo de jovens pesquisadores,
A última seção da segunda parte do livro refere-se a maioria moradores da Maré. São estudantes do
às perspectivas e aos desafios para a produção e ensino médio de escolas públicas, da Universidade
o consumo musical. Adriana Amaral e João Pedro Federal do Rio de Janeiro das mais diversas áreas
Wizniewsky Amaral analisam as estratégias de de estudo e voluntários que se reuniram para
divulgação pelas redes sociais de dois grupos do pesquisar as práticas e experiências musicais na
happy rock, termo que conceitua o rock colorido comunidade, dialogando com a mesma temática
pós-emo, direcionado principalmente a um público no Rio de Janeiro e na própria contemporaneidade
entre 10 e 15 anos. Os autores apresentam o estilo como um todo. Além de ampliar as possibilidades de
como representante de um novo modelo de rock leitura e reflexão sobre o assunto, muitos resultados
independente, que se foca tanto na comunicação apontam dados inusitados e que contradizem
via mídias sociais quanto no próprio mercado. Nas algumas afirmações generalizantes ou simplificadas
duas bandas gaúchas escolhidas para análise, sobre consumo musical entre as populações de
Amaral e Wizniewsky Amaral sinalizam a utilização baixa renda.
de estratégias que caracterizam um hibridismo
de posicionamento mercadológico, mesclando um E, para fechar uma sucessão de artigos
discurso de independência com ações típicas do instigantes sobre as novas tendências da música
mainstream. Dessa forma, ao mesmo tempo em independente, Jeder Janotti Junior, Suzana Maria
que participam de grandes festivais, as bandas se Dias Gonçalves e Victor de Almeida Nobre Pires
vinculam a selos independentes e disponibilizam nos apresentam o emblemático exemplo do cantor
conteúdo musical para download. O uso intenso Wado, cuja trajetória é uma espécie de síntese das
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políticas públicas de fomento à produção cultural,
argumentam os autores. Como eles relatam,
Wado mostra que é “possível ser alguém, mesmo
que com reconhecimento restrito, morando nas
periferias dos centros em que se localizam as
grandes indústrias culturais”. Ou, nas próprias
palavras de sua canção, ele é o exemplo de quem
“aperta o botão e faz funcionar a reforma agrária
do ar”. Essa é, aliás, uma característica acentuada
do mercado musical no início de século XXI:
artistas que conseguem certa legitimidade para o
seu trabalho, ainda que distantes das “paradas de
sucesso nacionais” ou dos grandes selos.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.15, n.2, maio/ago. 2012.
Eduardo Peñuela Cañizal, Universidade Paulista, Brasil Mauro Pereira Porto, Tulane University, Estados Unidos
Eduardo Vicente, Universidade de São Paulo, Brasil Mirna Feitoza Pereira, Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Eneus Trindade, Universidade de São Paulo, Brasil Nilda Aparecida Jacks, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Florence Dravet, Universidade Católica de Brasília, Brasil Osvando J. de Morais, Universidade de Sorocaba, Brasil
Gelson Santana, Universidade Anhembi/Morumbi, Brasil Potiguara Mendes Silveira Jr, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Gislene da Silva, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Renato Cordeiro Gomes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Guillermo Orozco Gómez, Universidad de Guadalajara Robert K Logan, University of Toronto, Canadá
Gustavo Daudt Fischer, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Ronaldo George Helal, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Hector Ospina, Universidad de Manizales, Colômbia Rose Melo Rocha, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Herom Vargas, Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil Rossana Reguillo, Instituto de Estudos Superiores do Ocidente, Mexico
Inês Vitorino, Universidade Federal do Ceará, Brasil Rousiley Celi Moreira Maia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Jay David Bolter, Georgia Institute of Technology Sebastião Guilherme Albano da Costa, Universidade Federal do Rio Grande
Jeder Silveira Janotti Junior, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil do Norte, Brasil
John DH Downing, University of Texas at Austin, Estados Unidos Simone Maria Andrade Pereira de Sá, Universidade Federal Fluminense, Brasil
José Afonso da Silva Junior, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Tiago Quiroga Fausto Neto, Universidade de Brasília, Brasil
José Carlos Rodrigues, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil Suzete Venturelli, Universidade de Brasília, Brasil
José Luiz Aidar Prado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Valerio Fuenzalida Fernández, Puc-Chile, Chile
Kelly Cristina de Souza Prudêncio, Universidade Federal do Paraná, Brasil. Veneza Mayora Ronsini, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Laan Mendes Barros, Universidade Metodista de São Paulo, Brasil Vera Regina Veiga França, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil