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Gestão da Água
Organização
Rubem La Laina Porto
São Paulo
2012
Governo do Estado de São Paulo
Geraldo Alckmin
Governador
Bruno Covas
Secretário do Meio Ambiente
Edson Giriboni
Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos
Walter Tesch
Coordenadoria de Recursos Hídricos – FEHIDRO
Colaboradores
Ana Cristina Pasini da Costa – diretora da Cetesb
Gerôncio Rocha – Assessor
João Wagner Silva Alves – setor de questões globais da Cetesb
Nelson Menegon Júnior – diretor de divisão da Cetesb
Lurdes Maria Torres da Silva Maluf – técnica da CPLA/SMA
Autores Responsáveis
Arisvaldo V. Méllo Jr. – Caps. 2,5, 7 e 8
Joaquin Ignacio Bonnecarrere Garcia – Caps. 9 e 10
Joseph Harari – Cap. 11
Kamel Zahed Filho – Caps. 3 e 4 Apoio material didático
Ricardo Hirata – Cap. 6 Carla Voltarelli Franco da Silva
Rubem La Laina Porto – Caps. 1 e 12 Daniela Mendes Rossi
João Rafael Bergamaschi Tercini
Colaboradores Luciana Capuano Mascarenhas
Ana Maciel de Carvalho – Cap. 6 Mariana Pereira Guimarães
Ana Paula Zubiaurre Brites – Caps. 9 e 10 Sara Martins Pion
André Schardong – Cap. 8
Bruno Pagnoccheschi – Caps. 1 e 12 Elaboração de figuras
Silvana Susko Marcellini – Cap. 7 Letícia Yoshimoto Simionato
ESCOLA POLITÉCNICA
DA UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO
©Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 2012
As opiniões, interpretações e conclusões aqui apresentadas são dos autores e não devem ser atribuídas à
Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
É permitida a reprodução total ou parcial do texto deste documento, desde que citada a fonte.
Equipe Editorial:
Produção:
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN 978-85-62693-10-6
Esta publicação contou com o apoio financeiro do FEHIDRO – Fundo Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo
Sumário
Apresentação Fundamentos para a gestão da água ......................................................................................7
APRESENTAÇÃO
A água é uma só. Água da chuva, água dos rios e lagos, água subterrânea, água do oceano. Há um
ciclo hidrológico natural que une todas as formas de ocorrência da água e mantém o equilíbrio dos ecossis-
temas.
Hoje em dia, os recursos hídricos atravessam uma fase crítica, pressionados pela urbanização crescen-
te, pela industrialização e pelo consumo demasiado na atividade agrícola. A verdade é que o mais importante
e indispensável recurso natural do planeta requer toda atenção. Essencial à vida, a água exige políticas corre-
tas e ousadas para garantir seu uso sustentável.
Este livro trata dos fundamentos sobre a circulação, utilização e conservação dos recursos hídricos.
Os quatro primeiros capítulos abordam a importância da água e a influência do clima no ciclo hidrológico.
Seguem-se dois capítulos específicos sobre as águas subterrâneas e superficiais, mostrando sua inter-
relação natural. Os capítulos finais tratam da qualidade das águas e dos fatores causadores de sua degradação.
Escrito por professores da Universidade de São Paulo, a obra enfatiza os aspectos conceituais sobre
a condição da água, em estilo acessível a todos os que se interessam ou participam de seu uso sustentável.
Na origem, a obra foi concebida como uma base teórica comum aos membros dos colegiados de
gestão de recursos hídricos – comitês de bacia, câmaras técnicas, conselhos e entidades afins, e, em especial,
as Prefeituras Municipais. O projeto prevê a edição de um segundo volume focado nos aspectos e problemas
da gestão da água.
O livro agora pertence ao público. Os organizadores desejam ressaltar a parceria entre os órgãos da
administração pública e da universidade em benefício da sociedade.
Capítulo 1
10
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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Para se ter uma ideia da precocidade da reflexão brasileira sobre a água, basta observar que, numa
época em que os problemas ambientais não contavam, no contexto legal e normativo, com os cuidados que se
consideram hoje, o Código de Águas já chamava a atenção, por meio da introdução do princípio do poluidor/
pagador, para algo que viria a se transformar, décadas depois, na principal preocupação nacional no campo
da água: a poluição.
Os avanços consignados pelo Código das Águas de 1934, no entanto, não tiveram consequências
institucionais correspondentes nas décadas seguintes. A esse respeito, o documento GEO Brasil Recursos
Hídricos (ANA, 2007) [1], produzido para avaliar os desdobramentos e marcar as celebrações dos dez anos de
promulgação da Lei 9.433/1997, apresenta um detalhado histórico da gestão dos recursos hídricos no Brasil,
compreendida em quatro fases históricas marcantes: a) do surgimento da atividade industrial no país aos mar-
cos legais aplicáveis aos recursos hídricos (Código de Águas e Constituição Federal de 1934); b) do Código de
Águas à institucionalização de instrumentos de gestão; c) dos Comitês Executivos de Estudos Integrados de
Bacias Hidrográficas à promulgação da Constituição de 1988; e, d) da Constituição de 1988 aos dias atuais
- este último período, dada a importância e centralidade em relação aos objetivos da presente publicação, jus-
tifica um maior aprofundamento sobre o histórico recente dos fatos e da dinâmica do atual Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).
No âmbito do Estado de São Paulo foi muito importante a iniciativa do Prof. Lucas Nogueira Garcez
ao criar o Departamento de Águas e Energia Elétrica-DAEE, pela Lei 1350 de dezembro de 1950. Registre-
se que o DAEE foi inspirado no Tennesse Valley Authority- TVA, autarquia federal americana. É importante
notar também que dentro do DAEE foram criados três Serviços de Vales (Tietê, Paraíba do Sul e Ribeira),
para promover o aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos destas regiões. A criação destes serviços já
antecipava, portanto, o conceito de gerenciamento por bacias hidrográficas. Embora àquela época o conceito
de gerenciamento integrado não fosse totalmente claro e estabelecido, o DAEE liderou, entre 1964 e 1968, a
elaboração do estudo “Desenvolvimento Global dos Recursos Hídricos das Bacias do Alto Tietê e Cubatão”,
conhecido por “Relatório Hibrace”. Este estudo considerava integradamente, dentro das condições e limita-
ções que prevaleciam à época, as questões de inundação, abastecimento, coleta de esgotos e tratamento de
efluentes da região das bacias do Alto Tietê, Cubatão e Piracicaba. Embora os valores ambientais somente fos-
sem assimilados mais amplamente pela sociedade na década de 70, o Relatório Hibrace avançava uma serie
de questões atuais como a preocupação com vazões ecológicas e qualidade das águas em rios e reservatórios.
Passo decisivo para a organização institucional e o gerenciamento dos recursos hídricos do Estado
foi a criação, em 1968 pelo Decreto Estadual 50.079, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo –
CETESB, responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de
poluição, com a preocupação fundamental de preservar e recuperar a qualidade das águas, do ar e do solo. A
criação da CETESB e, mais tarde da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, trouxe de forma
definitiva a questão ambiental ao cenário do gerenciamento de recursos hídricos do Estado, que até então
preocupava-se principalmente com os aspectos quantitativos do recurso. Além disso, a criação destas duas
entidades teve como consequência a adoção de abordagens mais amplas da questão dos recursos hídricos e
abriu caminho para a implantação do conceito de gerenciamento integrado destes recursos.
A fase histórica que sucede à promulgação da Constituição de 1988 é a que mais se presta para uma
abordagem no contexto do presente trabalho.
Os trabalhos da referida Constituição se deram num contexto em que o país estava ainda impactado
pelos acontecimentos políticos que se iniciaram na década de 1960, com o Golpe Militar, e buscava um novo
direcionamento no rumo do fortalecimento da democracia. Do ponto de vista institucional, os recursos hídri-
cos ainda se ressentiam das transformações que consolidaram o desenvolvimento do setor elétrico, a partir da
criação do Ministério de Minas e Energia, da Eletrobrás e do Departamento Nacional da Produção Mineral
1 GEO Brasil: recursos hídricos. Ministério do Meio Ambiente; Agência Nacional de Águas; Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente. Brasília: MMA; ANA, 2007.
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INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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(DNPM), cujo Serviço de Águas foi posteriormente transformado no Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica (DNAEE), que passou a acumular funções de guardião do Código de Águas e responsável
pelos serviços de energia elétrica a cargo da União.
Não obstante a dubiedade do órgão no papel simultâneo de gestor das águas e de emissor das con-
cessões do setor elétrico que mais interferia, na época, com o regime dos cursos d’água brasileiros, o DNAEE,
por meio de sua Divisão de Controle de Recursos Hídricos (DCRH), desempenhou um importante papel no
início da implementação do conceito de comitês de bacia, baseado em estudos prospectivos de demanda [2].
Foi também a DCRH que, à época, iniciou os primeiros contatos com entes governamentais france-
ses, no sentido de conhecer o sistema de gerenciamento ali operado, o que culminou no estabelecimento de
laços de cooperação que resultaram na forte influência do sistema francês de gerenciamento nas propostas
concebidas para o caso brasileiro.
É interessante notar que, ao mesmo tempo, diversos estados da federação também se preocupavam
com estas questões e até precederam as ações federais. É o caso do Estado de São Paulo que, em 1987, criou
o seu Conselho Estadual de Recursos Hídricos e iniciou o seu primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos.
Data deste ano também a elaboração do projeto de lei da Política Estadual e do Sistema Estadual de Geren-
ciamento Integrado dos Recursos Hídricos- SIGRHI.
A Constituição de 1988, ao determinar ao Poder Executivo, em uma de suas disposições transitórias,
a elaboração de uma proposta de sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, a ser submetida ao Con-
gresso Nacional, foi a grande promotora das alterações de que hoje se vale o Estado brasileiro para a gestão
dos recursos hídricos.
Em novembro de 1991, foi encaminhado ao Congresso Nacional projeto de lei que propunha a cria-
ção da política e do sistema de gerenciamento de recursos hídricos. A proposta inicial foi concebida de forma
centralizadora, com poucos avanços no que se referia à participação da sociedade nas discussões do setor. No
entanto, no processo de discussão do referido projeto de Lei foi possível introduzir no texto daquele projeto
conceitos mais inovadores que viriam a garantir, a um só tempo, o caráter descentralizado do sistema de ges-
tão proposto e a característica participativa, no que se refere ao processo decisório.
Em 1995, é criada a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), vinculada ao Ministério do Meio Am-
biente, com a atribuição de dinamizar a discussão da Política Nacional dos Recursos Hídricos, bem como
acompanhar e monitorar sua implementação. A partir da criação da SRH, foi acelerado o processo de discus-
são nacional que culminou com a promulgação da Lei 9.433, em janeiro de 1997, que criou a Política Nacio-
nal de Recursos Hídricos e instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)
[3], após quatro anos de intensos debates que mobilizaram toda a sociedade brasileira.
Desde então, os avanços vêm se observando de forma mais acelerada, fazendo, inclusive, valer alguns
dos princípios do Código de Águas de 1934 que nunca puderam ser devidamente regulamentados, a exemplo
dos princípios do consumidor-pagador e do poluidor-pagador, incorporados pela lei 9.433/1997.
Em 2000, é criada a Agência Nacional de Águas (ANA), encarregada da implementação do SIN-
GREH e dos processos de alocação de água nos rios de dominialidade da União. Paralelamente, estrutura-se
o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, comitês de bacias de rios de dominialidade da União, a imple-
mentação dos instrumentos de gestão preconizados na Lei 9.433/97, e a elaboração do Plano Nacional de
Recursos Hídricos e dos planos de bacias.
Nos quinze anos decorridos desde a promulgação da Lei 9.433/97, o país avançou mais em termos de
gestão dos recursos hídricos do que nos 45 anos que separaram o Código de Águas da referida lei.
2 Essa oportunidade surgiu por ocasião do Acordo de Cooperação da União com o Estado de São Paulo, voltado à melhoria das condições
sanitárias da bacia do Alto Tietê. Esse acordo permitiu a criação de um comitê deliberativo para equacionar os problemas existentes. Com
o êxito do acordo, a experiência foi reproduzida no cenário nacional, em bacias de rios de dominialidade da União, o que, em que pesem
as diferenças de composição e operação, se constituiu no embrião dos comitês de bacia hoje existentes.
3 O SINGREH é composto pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, pela Agência Nacional de Águas, pelos Conselhos de Recursos
Hídricos dos Estados e do Distrito Federal, pelos Comitês de Bacias Hidrográficas (União - Estados), pelos Órgãos do Poder Público dos
Estados e dos Municípios encarregados dos recursos hídricos e pelas Agências de Água.
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INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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Também do ponto de vista da cobrança pelo uso dos recursos hídricos cabe ressaltar os destaques.
Esse instrumento, exercido na calha de rios de dominialidade da União nas bacias dos rios Paraíba do Sul,
Piracicaba, Capivari e Jundiaí, Doce e São Francisco, encontra-se em pleno exercício, logrando, após os
necessários acertos legais e normativos, o repasse integral dos quantitativos arrecadados pela União para
as bacias hidrográficas que os geraram, através de contratos de gestão para instituições credenciadas como
agências de bacia.
O modelo paulista
A Lei 7.663 de 30 de dezembro de 1991 que implantou o Sistema Paulista, constitui o principal marco
legal do Sistema e duas décadas depois de sua promulgação encontra-se em pleno vigor, sem que qualquer
alteração fosse introduzida em seu texto original.
O caráter da lei é tipicamente multidisciplinar. Seu texto procura articular, equilibradamente, prin-
cípios, instrumentos e órgãos de coordenação e participação especialmente criados para garantir o funciona-
mento do Sistema.
5 BARTH, Flávio Terra. A recente experiência brasileira de gerenciamento de recursos hídricos. Cadernos FUNDAP no. 20. São Paulo, 1999
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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Instrumentos
Em seu Capítulo II a lei define os três instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos: (a)
outorga de direitos de uso dos recursos hídricos, (b) a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e (c) o rateio
de custos.
É de se notar também que o princípio III ao reconhecer o valor econômico da água, consagra o prin-
cípio “usuário – pagador” no Sistema Paulista.
6. efetuar o enquadramento de corpos d’água em classes de uso preponderante, com base nas propostas dos
Comitês de Bacias Hidrográficas – CBHs, compatibilizando-as em relação às repercussões interbacias e
arbitrando os eventuais conflitos decorrentes;
7. decidir, originariamente, os conflitos entre os Comitês de Bacias Hidrográficas, com recurso ao Chefe do
Poder Executivo, em último grau, conforme dispuser o regulamento.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas devem deliberar, no nível regional, sobre os temas abaixo:
1. aprovar a proposta da bacia hidrográfica, para integrar o Plano Estadual de Recursos Hídricos e suas
atualizações;
2. aprovar a proposta de programas anuais e plurianuais de aplicação de recursos financeiros em serviços
e obras de interesse para o gerenciamento dos recursos hídricos em particular os referidos no artigo 4.º
desta Lei, quando relacionados com recursos hídricos;
3. aprovar a proposta do plano de utilização, conservação, proteção e recuperação dos recursos hídricos da
bacia hidrográfica, em especial o enquadramento dos corpos d’água em classes de uso preponderantes,
com o apoio de audiências públicas;
4. promover entendimento, cooperação e eventual conciliação entre os usuários dos recursos hídricos;
5. promover estudos, divulgação e debates, dos programas prioritários de serviços e obras a serem realiza-
dos no interesse da coletividade;
6. apreciar, até 31 de março de cada ano, relatório sobre “A Situação dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica”.
Atualmente o Estado de São Paulo conta com 25 Comitês de Bacias Hidrográficas em pleno exercício,
sendo quatro de rios de dominialidade da União, a saber: CBH do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, CBH do
Paraíba do Sul, CBH do Grande e CBH do Paranapanema. Os comitês de rios de dominialidade do Estado
de São Paulo são os seguintes: CBH da Baixada Santista, CBH da Serra da Mantiqueira, CBH do Alto Para-
napanema, CBH do Alto Tietê, CBH do Baixo Pardo-Grande, CBH do Baixo Tietê, CBH do Litoral Norte,
CBH do Médio Paranapanema, CBH do Paraíba do Sul, CBH do Pontal do Paranapanema, CBH do Ribeira
de Iguape e Litoral, CBH do Rio Mogi-Guaçu, CBH do Rio Pardo, CBH do São José dos Dourados, CBH do
Sapucaí-Mirim e Grande, CBH do Tietê/Jacaré, CBH do Tietê-Batalha, CBH dos Rios Aguapeí e Peixe, CBH
dos Rios Sorocaba e Médio Tietê e CBH dos Rios Turvo e Grande.
O sistema paulista prevê também a criação de Agencias de Bacia, com funções executivas e, para
tanto, dispõe:
Nas bacias hidrográficas, onde os problemas relacionados aos recursos hídricos assim o justificarem, por decisão
do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica e aprovação do Conselho de Recursos Hídricos, poderá ser criada um entidade
jurídica, com estrutura administrativa e financeira própria, denominada Agência de Bacia.
Outro importante componente do sistema paulista é o FEHIDRO, Fundo Estadual de Recursos Hí-
dricos, também criado pela Lei 7663. Seu objetivo é o de dar suporte financeiro à implantação e operação
do Sistema. Os principais recursos deste Fundo provêm da compensação financeira recolhida ao Estado pelo
setor elétrico. O Estado destina 70% deste recolhimento ao Fundo. Faz parte do Fundo também a totalidade
dos valores obtidos com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Os recursos oriundos da cobrança devem
aplicados obrigatoriamente nas bacias em que foram originados, em atividades previstas nos planos de bacia.
O FEHIDRO foi uma decisão inovadora do sistema paulista e teve uma importância histórica, pois,
a decisão de destinar parte da compensação financeira recolhida ao Estado pelo setor elétrico para este fim,
tornou possível a implantação inicial do sistema e deu tempo às bacias para que fosse discutido e preparado
o processo de cobrança pelo uso da água.
Desde o início de sua operação, em 1995, até os dias de hoje os números apresentados pelo FEHI-
DRO são expressivos. Neste período foram contratados 4665 projetos no montante de aproximadamente 550
milhões de reais. Certamente tenderá a aumentar o investimento total, uma vez que os valores arrecadados
pela cobrança pelo uso da água tendem a crescer.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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Estes valores não são suficientes para financiar grandes obras de infraestrutura, mas são significativos
e importantes para dar suporte a atividades de gestão. Este conceito era constantemente reafirmado pelo
engenheiro Flavio Terra Barth quando dizia “a finalidade mais nobre do FEHIDRO é melhorar a qualidade
do nosso processo decisório na área de recursos hídricos”.
A Figura 1 mostra esquematicamente a articulação dos diversos componente do SIGRH.
(bacias do rio Grande, Mogi Guaçu, Pardo, Sapucaí Mirim e Piracicaba) Paraná (bacias dos rios Paranapane-
ma e Ribeira de Iguape) e Rio de Janeiro (bacia do rio Paraíba do Sul que também contém áreas no território
do Estado de Minas Gerais).
Há nessas bacias, portanto, cursos d’água superficiais de domínio da União (rios de divisa ou que per-
correm mais de um Estado), do Estado de São Paulo (rios que nascem e morrem no território paulista, como
o Turvo, afluente do rio Grande) e dos outros Estados mencionados. As águas subterrâneas são de domínio
do Estado em que estão subjacentes.
É preciso atentar para o uso indiscriminado das águas subterrâneas por particulares, em especial nos
ambientes urbanos, e pelas deseconomias que isso pode provocar. O poder público investe vultosas somas para
disponibilizar água tratada a seus habitantes e, em geral, não há uma observância adequada do uso das águas
subterrâneas. Perde o poder público e, por extensão, a população, nos dois aspectos: os investimentos para
oferecer água tratada podem ser excessivos e o acervo de águas disponível para aproveitamento pode diminuir.
Poucas cidades brasileiras dispõem, hoje, de regras claras e vigentes para a coibição dessas práticas autofágicas.
No que se refere à consideração do país, como um todo, outro desafio importante salta à vista. Diz
respeito à necessidade de adaptação da legislação de recursos hídricos à realidade de algumas das regiões,
a exemplo do Nordeste semiárido e da Amazônia. Na Política Nacional de Recursos Hídricos, seu sistema e
instrumentos foram concebidos com base em exemplos exitosos de países que enfrentavam há mais tempo os
desafios da gestão integrada de recursos hídricos, como a França, cujo sistema de gestão de recursos hídricos
ainda hoje é considerado um dos mais exitosos. No entanto, ao buscar inspiração num país desenvolvido e
densamente ocupado, o Brasil privilegiou o enfrentamento de situações típicas do processo acelerado de de-
senvolvimento, característico de suas regiões Sudeste e Sul, onde os preocupantes panoramas qualitativos de
seus rios exigiam uma efetiva intervenção da administração pública.
Ao se concentrar nas regiões mais desenvolvidas do país, o desenho da Política Nacional de Recursos
Hídricos e de seu sistema de gerenciamento desconsiderou algumas situações para as quais ainda se requerem
adaptações para que os instrumentos da política e os elementos do SINGREH possam ser aplicados de forma
eficiente. No semiárido nordestino, por exemplo, o conceito de bacia hidrográfica, básico para as interven-
ções de regulação e alocação de água, é de difícil percepção e utilização, dada a grande quantidade de rios
intermitentes, nos quais a água flui apenas na estação das chuvas. Não parece razoável, portanto, esperar
uma adesão a esse conceito para a construção da institucionalidade necessária ao gerenciamento dos recursos
hídricos. Faz mais sentido remeter o gerenciamento às obras de reservação, essas sim aptas a se valerem dos
processos alocativos e de controle.
O resultado, no nível local, é que as organizações da sociedade surgidas em torno da infraestrutura
hídrica existente têm mais condições de exercer uma gestão adequada do que os eventuais colegiados de
bacias hidrográficas, mais distantes da realidade imediata dos usuários de água. Para grandes extensões ter-
ritoriais, no entanto, o conceito de bacia pode ser utilizado, desde que se respeitem os níveis existentes de
organização dos usuários e da sociedade.
As bacias hidrográficas da região amazônica, por outro lado, revelam as enormes dificuldades de se
conceber os comitês de bacias hidrográficas preconizados na legislação federal ou estadual. A extraordinária
extensão territorial das bacias hidrográficas daquela região, associada à relativamente baixa densidade de-
mográfica e à ausência ou precariedade dos meios de transporte entre os diferentes segmentos dessas bacias,
faz com que eventuais comitês de bacias careçam da visão de conjunto necessária à deliberação sobre as ações
de gestão. Além disso, a exuberância das vazões observadas deixa clara a relativa ausência de conflitos entre
usuários, da forma como ocorrem nas regiões mais ocupadas e desenvolvidas.
Os problemas, nessa região, são de outra natureza e se referem, em geral, à utilização das águas da-
quelas bacias para a geração de energia hidrelétrica, para o transporte fluvial e/ou para a implementação de
grandes obras de mineração ou de colonização e assentamento, não raro com expressivos impactos ambientais
e sociais. Para a região amazônica, torna-se fundamental a existência de planos estratégicos de bacias que sina-
lizem, com a antecedência necessária, os problemas que poderão advir da implementação de grandes obras,
permitindo às instâncias regionais e estaduais de promoção do desenvolvimento examinar e opinar acerca dos
potenciais riscos de conflito entre setores no que se refere ao uso dos recursos hídricos dessas bacias.
O curioso é que, mesmo no âmbito de instituições do Governo federal, não há a sinergia esperada
nessa área, o que reforça a necessidade da visão estratégica que os planos de bacias podem oferecer. A esse
respeito, é interessante observar que, recentemente, com o início dos trabalhos de elaboração do Plano Estra-
tégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas, detectou-se a pouca sinergia
que resultaria entre a geração de energia elétrica dos empreendimentos estudados pelo setor elétrico para
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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os rios Teles Pires e Tapajós, e o potencial de estabelecimento de uma hidrovia que permitisse o escoamento
da produção de grãos da região Centro-Oeste. Ponderou-se que, se os empreendimentos hidrelétricos pre-
vistos naquelas bacias pudessem considerar a possibilidade da implantação de uma hidrovia, grande parte
da produção do Centro-Oeste poderia ser escoada por via fluvial até o porto de Santarém, de onde poderia
ser embarcada para destinos europeus e asiáticos por meio de cargueiros transatlânticos, com tempo e custos
sensivelmente menores do que aqueles atualmente em uso, que implicam transporte rodoviário por milhares
de quilômetros até os portos de Santos e Paranaguá.
Esse fato remete para uma das grandes preocupações relativas ao gerenciamento integrada dos re-
cursos hídricos: a assimetria entre os setores usuários de recursos hídricos pode criar situações irreversíveis,
comprometendo o uso múltiplo dos recursos hídricos, premissa da legislação que orienta a temática. Isso
deriva do fato de que os setores usuários de recursos hídricos trabalham com horizontes de planejamento
bastante diversos, segundo o propósito de suas intervenções e a capacidade técnica instalada. O setor elétrico,
por exemplo, por força da magnitude dos investimentos necessários, do longo tempo de maturação exigido
por seus empreendimentos, e da capacidade técnica instalada em suas subsidiárias e coligadas, trabalha com
grande antecedência, quando comparado a setores como o de transporte fluvial.
Além disso, a legislação de recursos hídricos refere-se apenas à elaboração de planos de recursos hídri-
cos para as bacias onde já exista uma institucionalidade mínima assegurada, a exemplo da formação dos respec-
tivos comitês de bacia. Nesse contexto, criou-se um paradoxo para a Região Amazônica: o Conselho Nacional
de Recursos Hídricos, instância deliberativa das iniciativas relativas às bacias de rios de dominialidade da União,
não pode, na visão de alguns conselheiros, aprovar planos na ausência de comitês e, por outro lado, não deve,
na visão de outros, aprovar a constituição de comitês onde não existam evidências de uso conflitivo das águas.
Esses assuntos são, hoje, arbitrados caso a caso, mas é consenso entre os especialistas que devam ser
objeto de regulamentação, tendo em vista os grandes custos de transação envolvidos.
As situações destacadas demonstram que o modelo sistêmico do gerenciamento de recursos hídricos
adotado para todo o país ainda se encontra em fase de aperfeiçoamento, não obstante os enormes avanços al-
cançados desde o início de sua implementação. Os desafios apontados, em nenhum momento, questionam os
postulados e as premissas do modelo, nem preconizam sua revisão. Apenas apontam que, dada a diversidade
do país e os diferentes níveis de comprometimento dos recursos hídricos ao longo de seu território, é razoável
pensar-se em visões múltiplas e cuidados de adaptação que ainda não estão dados.
Há relativo consenso quanto à necessidade da revisão da lei de recursos hídricos no rumo do aperfei-
çoamento do modelo brasileiro de gestão, embora não tenha havido, por parte do Poder Executivo, a criação
dos espaços de oportunidade onde essas questões pudessem ser discutidas, gerando propostas a serem enca-
minhadas aos legisladores. A opção sempre presente é de tratar as aparentes inconsistências num interminá-
vel caso a caso que remete à exaustiva repetição de argumentos dos diferentes lados das questões.
Por outro lado, iniciativas mais consistentes de cooperação no âmbito do SINGREH, a exemplo de
reuniões específicas e regionais para a discussão de novas propostas, hoje ainda tímidas e restritas a questões
pontuais, poderão acelerar processos, fazendo com que os potenciais problemas encontrados na legislação ga-
nhem a dimensão experimental necessária para fortalecer argumentos em prol dos aperfeiçoamentos legais.
No que se refere às questões que envolvem os estados federados, ressalta-se a inexistência de com-
promissos políticos de caráter mais abrangente, voltados à concertação desses entes federados no exercício
de suas competências comuns.
A reversão desse quadro de carências, inconsistências e contradições é condição fundamental para
que se continue avançando na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, em especial, diante
da condição de dupla dominialidade das águas interiores, e da enorme interface e interdependência existente
entre o universo de atuação do SINGREH e dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos
– SEGREHs.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
22
Além disso, e o que é mais importante, permite acesso a diferentes fundos de recursos financeiros
do âmbito da União Europeia, o que, em última análise viabiliza a equalização da ação regional em prol da
conservação e preservação dos corpos de água, sejam eles nacionais ou transfronteiriços.
Constitui, até o presente, o único instrumento regional de grande alcance no atingimento de ob-
jetivos comuns e, nessa condição, pode servir de exemplo para outras regiões do planeta e mesmo a países
continentais como o Brasil, organizados em unidades federativas.
A expectativa é que se fortaleçam os laços de cooperação com a União Europeia de forma a permitir
que a experiência da Diretiva-Quadro frutifique no país, dando concretude às intenções de efetiva implemen-
tação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
25
Capítulo 2
26
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
27
1. INTRODUÇÃO
A manutenção da qualidade ambiental é essencial para o bem estar do homem, o desenvolvimento
socioeconômico, bem como para a preservação e a diversidade dos ecossistemas. A água assume papel de
grande importância em vários usos, produtos e serviços do quais o homem toma proveito.
Nas últimas décadas tem ocorrido aumento da demanda pelos serviços de abastecimento público
e industrial, de irrigação, de controle dos eventos críticos associados às secas e às enchentes, de geração de
energia, de navegação, de recreação, de saneamento e de manutenção de ecossistemas aquáticos e ribeirinhos.
A ONU (2011) estima que no mundo existam um bilhão de pessoas que não tem acesso a um supri-
mento suficiente de água, definido como uma fonte que assegure 20 litros por pessoa por dia numa distância
máxima de 1 km. Inclui-se entre as causas do inadequado suprimento de água o uso ineficiente, a degradação
da água pela poluição e a superexploração das reservas subterrâneas.
Melhores condições de atendimento das demandas em termos quantitativos e qualitativos podem
ser alcançadas se forem considerados os princípios de Dublin de 1992 em que: a) os recursos hídricos são
essenciais para sustentar a vida, o desenvolvimento e o ambiente, mas são vulneráveis e finitos; b) o desenvol-
vimento e a gestão dos recursos hídricos devem ser realizados de modo participativo, envolvendo usuários,
planejadores e tomadores de decisão em todos os níveis; c) a mulher representa um papel importante na
provisão, manejo e salvaguarda de água; e d) a água tem valor econômico em todos os usos competitivos e
deve ser reconhecida como bem econômico.
O desafio a ser enfrentado é saber como usar a água em um ambiente de incerteza em relação à
oferta e a demanda, à demanda crescente, à tendência de aumento dos conflitos entre os múltiplos usos, e
da necessidade de melhorar a qualidade da água dos rios, lagos e aquíferos. Estas questões têm sido motivo
de preocupação de profissionais e instituições responsáveis pela gestão e planejamento dos recursos hídricos
em todo o planeta.
Neste capítulo será apresentada uma abordagem geral sobre a disponibilidade hídrica no planeta,
analisando mais de perto sua ocorrência no Brasil e especialmente no Estado de São Paulo, onde serão ava-
liados os principais usos. A importância da água para a manutenção de ecossistemas e para a produção será
discutida depois das informações sobre disponibilidades e demandas de água.
2. ÁGUA NA NATUREZA
Na natureza a ocorrência da água, em seus estados sólido, líquido e gasoso, resulta de complexas in-
terações entre processos atmosféricos, superficiais e subsuperficiais que afetam sua distribuição e qualidade.
As variáveis que compõem o ciclo hidrológico diferem em qualidade química e bioquímica, variabilidade es-
pacial e temporal, resiliência, vulnerabilidade às pressões causadas pelo homem e pelas mudanças climáticas,
susceptibilidade à poluição, e capacidade de uso com sustentabilidade. Estas características causam grandes
modificações no ciclo global da água e é fonte de crise de abastecimento em muitas bacias.
A estimativa da disponibilidade hídrica em escala global é difícil de determinar devido à complexa
inter-relação dos componentes do ciclo hidrológico e a falta de dados representativos para quantificar as fon-
tes e suas mudanças. De acordo com Patra (2001) uma estimativa da quantidade total de água no mundo está
em torno de 1400 x 106 km3 dos quais 96,56% está contida nos oceanos. A Tabela 1 apresenta a estimativa
da quantidade de água nas diversas fontes no planeta. A água disponível nos lagos, rios e na atmosfera (água
precipitável) representa apenas 0,0142% de toda a água existente no planeta. A água doce superficial que
pode ser utilizada dessas fontes para abastecimento e produção é muito pequena em termos proporcionais.
Embora uma grande quantidade de água passe pela atmosfera, o conteúdo de água neste sistema em qual-
quer instante é pequeno. A maior parte da água doce (69,61%) está contida no gelo polar ou em geleiras. A
água retida em organismos biológicos (animais e plantas) representa 0,003% do total da água doce.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
28
A distribuição de água no planeta mantém um balanço perfeito para manter a vida na terra.
Variações na precipitação e na demanda evaporativa da atmosfera limitam geofisicamente a disponibili-
dade hídrica. A Tabela 2 apresenta uma estimativa de fluxo anual precipitado e evaporado, o acesso ao
suprimento de água renovável e a população servida em várias partes do mundo. A América Latina é a
região mais abundante em água com um terço do escoamento superficial. A Ásia representa um quarto
do escoamento superficial seguida pelos países componentes da Organização de Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (OCDE), principalmente América do Norte, Oeste Europeu e Oceania, com 20%
do escoamento global. A região com maior limitação hídrica é o Oriente Médio e o Norte da África com
1% do escoamento global. Nesta região chove pouco e a maior parte da precipitação (86%) é transferida
para a atmosfera por meio da evapotranspiração.
Na região do Leste Europeu, Cáucaso e Ásia Central 45% dos recursos hídricos renováveis são
acessíveis ao homem. Na América Latina 66% da população pode se servir do escoamento superficial de
água. De modo geral, 75% do escoamento anual total são acessíveis ao homem e, segundo Vörösmart
(2009), esta quantidade de água atende 80% da população do mundo (4,9 bilhões de pessoas). Aproxi-
madamente 20% das pessoas não são servidas pelos recursos hídricos renováveis e são abastecidas por
aquíferos com exploração antiga, transferência entre bacias e dessalinização da água do mar. Mais de
1 bilhão de pessoas vivendo em áreas áridas e semiáridas do mundo têm acesso a pouco ou nenhum
recurso hídrico renovável.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
29
Tabela 2 - Estimativa e acesso do suprimento de água renovável, e população servida de água doce em 2000.
Leste Europeu, Oriente Médio África
América Total
Indicador Ásia Cáucaso1 e Ásia e Norte da Sub OCDE2
Latina global
Central África Saara
Área (106 km2) 20,9 21,9 20,7 11,8 24,3 33,8 133
Precipitação total
21,6 9,2 30,6 1,8 19,9 22,4 106
(106 km3/ano)
Evaporação
55 27 27 86 78 64 63
(% da precipitação)
Suprimento de água
renovável total 9,8 4,0 13,2 0,25 4,4 8,1 39,6
(103 km3/ano) [25] [10] [33] [1] [11] [20] [100]
[% do escoamento global]
Suprimento de água
renovável acessível ao 9,3 1,8 8,7 0,24 4,1 5,6 29,7
homem (103 km3/ano) [95] [45] [66] [96] [93] [69] [75]
[% do total de água renovável]
1-Região da Europa oriental e da Ásia ocidental, entre o mar Negro e o mar Cáspio; 2-Organização de Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (34 paíse que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado).
Fonte: Fekete et al. (2002) apud Vörösmart (2009).
30
A Tabela 4 apresenta a disponibilidade hídrica do Estado de São Paulo das Unidades de Gerenciamento
de Recursos Hídricos (UGRHI), definidas na Lei Estadual nº 9.034/94 (Figura 1). A vazão média anual (vazão de
longo período – QLP) produzida nas unidades de gerenciamento de recursos hídricos no Estado de São Paulo é
de 3.120 m3.s-1. Considerando as vazões produzidas fora dos limites do Estado e que escoam para dentro do
seu território, a vazão é elevada para 9.800 m3.s-1. Esta situação eleva a vazão específica média de 12,6 para
39,5 l.s-1.km-2 demonstrando que o Estado deve manter uma política de integração do gerenciamento dos re-
cursos hídricos com os Estados vizinhos. As bacias dos rios Pardo, Piracicaba, Sapucaí, Mogi-Guaçu e Ribeira
de Iguape são exemplos desta condição no Estado de São Paulo.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
31
Os reservatórios subterrâneos são as mais estáveis e confiáveis fontes de água doce em função da grande
ocorrência no planeta. Os aquíferos são recarregados por meio da percolação da água através do solo proveniente
da chuva, escoamento superficial, irrigação e outros usos. Segundo Vörösmart (2009), aproximadamente 90% da
descarga de água subterrânea do mundo alimenta os rios representando cerca de 30% do escoamento superficial
global. A maioria dos sistemas aquíferos apresentam grandes volumes armazenados e elevado tempo de resiliência
(tempo médio que a água permanece armazenada). Por causa destas características os recursos hídricos subterrâ-
neos são muito menos afetados pelas flutuações climáticas de curto prazo do que os recursos hídricos superficiais.
Portanto pode-se dizer que os reservatórios subterrâneos adicionam persistência e estabilidade ao sistema hidroló-
gico terrestre e possibilita que o homem, a fauna e a flora sobrevivam durante longos períodos secos.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
32
33
Figura 2 - Produção de água para consumo humano por tipo de captação no Estado de São Paulo, em 2003.
Fonte: SEADE (2011).
A captação de água subterrânea para abastecimento público predomina nas UGRHIs do oeste do Es-
tado, beneficiando-se da farta disponibilidade de água de excelente qualidade proporcionada pelos aquíferos
Bauru e Guarani, importantes reservas estratégicas de água subterrânea. A Figura 2 mostra que nesta região
282 municípios são totalmente abastecidos com água subterrânea e que 55 municípios são predominante-
mente ou parcialmente abastecidos por este manancial. Em 2003, época do estudo, estes municípios apresen-
tavam uma população de 16,5 milhões de habitantes dos quais 92% viviam em área urbana (SEADE, 2011).
Na bacia do Rio Pardo (UGRHI 4) nove municípios são totalmente abastecidos com água do aquífero
Guarani. Segundo Santos et al. (2008), é captado um volume total anual de 140,18 hm3.ano-1, representando
18% do volume anual da recarga ativa calculada para a bacia. Segundo a autora a extração excessiva tem pro-
vocado contínuo rebaixamento do nível dinâmico do aquífero notadamente na área urbana de Ribeirão Preto.
34
A demanda global de água para 2007, prevista em SÃO PAULO (2006), foi de 453,7 m3.s-1, dos quais
30,3% foram para abastecimento urbano, 30,5% para abastecimento industrial e 39,2% para irrigação. Desta-
ca-se a UGRHI 6-Alto Tietê com a maior demanda global (90,23 m3.s-1) representando 20% da demanda do
Estado. A predominância da demanda requerida nesta unidade é para abastecimento urbano (78,9%). Con-
siderando as 10 UGRHIs industrializadas ou em processo de industrialização a demanda global representou
331,72 m3.s-1 (73,1% da demanda do Estado). As bacias de uso agrícola apresentaram uma demanda global
de 78,25 m3.s-1 (17,2% da demanda do Estado). O restante da demanda global (43,76 m3.s-1 representando
9,7% da demanda total) ocorreu nas bacias classificadas como de conservação.
A relação entre a demanda global e a disponibilidade hídrica total (60 m3.s-1 subterrânea + 3.120 m3.s-
1 vazão superficial média de longo período) indica que as retiradas representam 14,3% da disponibilidade. De
acordo com ANA (2005) esta condição de atendimento é considerada preocupante. Com uma população de
41.841.069 habitantes (SEADE, 2011), o Estado apresenta uma disponibilidade de água per capita de 2.383
m3.hab-1.dia-1, valor menor que o volume de água estimado pela ONU (2.500 m3.hab-1.dia-1) como suficiente para
a vida em comunidade nos ecossistemas aquáticos e para o exercício das atividades humanas, sociais e econômicas.
Considerando a vazão total outorgada explorada dos aquíferos (60 m3.s-1) e a demanda global de
água (453,7 m3.s-1), verifica-se que 86,7% da produção de água provem de mananciais superficiais. A cap-
tação superficial prevalece nas unidades do leste do Estado, que estão assentadas sobre aquíferos de baixa
produtividade. Nas UGRHIs em que o uso predominante é o industrial são utilizados os recursos hídricos
superficiais. Estas bacias concentram a maior parte da população do Estado, apresentam intensos processos
de urbanização e de poluição.
Embora a disponibilidade hídrica superficial total, expressa pela Q7,10 (Tabela 4), seja maior que a
demanda global, em algumas bacias a relação disponibilidade e demanda ultrapassou ou está próxima da
unidade, o que significa uma situação crítica de abastecimento. Na UGRHI 6-Alto Tietê a relação em 2000
era de 4,32 (demanda global de 86,42 m3.s-1 e Q7,10 de 20 m3.s-1). Nas UGRHIs 5–PCJ, 8–Sapucaí/Grande, 9–
Mogi-Guaçu e 10–Tietê Sorocaba, essa relação foi superior a 0,8. Os níveis mais críticos são atenuados graças
ao uso de águas subterrâneas, das águas superficiais provenientes de partes de bacias interestaduais situadas
fora do Estado e por meio de transferências de água entre as UGRHIs.
35
O aporte de poluentes proveniente de efluente urbano, industrial e agrícola, afeta a qualidade dos recursos
hídricos superficiais e subterrâneos podendo causar indisponibilidade.
Em 2010, a somatória da carga remanescente (carga poluidora que efetivamente são lançadas nos
corpos hídricos após passarem pelos sistemas de tratamento de efluentes), lançada nos corpos hídricos pelos
645 municípios do Estado de São Paulo, foi de aproximadamente 1.200 ton DBO.dia-1. A porcentagem de
coleta e de tratamento de esgoto doméstico foi, respectivamente, 87 e 51%. Treze municípios da Região Me-
tropolitana de São Paulo lançam uma carga de esgoto no Rio Tietê de 491,4 ton DBO.dia-1. DBO significa
Demanda Bioquímica de Oxigênio e representa a quantidade de oxigênio consumida por microorganismos
para transformar compostos orgânicos em produtos finais estáveis (CO2, sulfatos, fosfato, amônia, nitratos,
etc.). A DBO normalmente é considerada como a quantidade de oxigênio consumido durante um determi-
nado período de tempo (5 dias) numa temperatura de incubação de 20°C. Por esta razão este indicador de
qualidade da água é frequentemente referido como DBO5,20.
O índice médio de coleta e tratabilidade de esgotos da população urbana dos municípios (ICTEM)
foi igual a 5 (CETESB, 2011). O ICTEM retrata uma situação que leva em consideração a efetiva remoção
da carga orgânica, isto é, a carga orgânica potencial gerada pela população urbana, sem deixar, entretanto,
de observar a importância de outros elementos que compõem um sistema de tratamento de esgotos, como a
coleta e o afastamento. Além disso, considera também o atendimento à legislação quanto à eficiência de re-
moção (superior a 80% da carga orgânica) e a conformidade com os padrões de qualidade do corpo receptor
dos efluentes.
Embora tenha ocorrido um aumento do percentual de tratamento dos esgotos domésticos no Estado
desde 2005, influenciado pela elevação do índice de tratamento nas UGRHIs mais populosas, o desempenho
médio pode ser considerado modesto em relação à eficiência de remoção de carga orgânica e aos padrões de
qualidade do corpo receptor dos efluentes nos rios.
CETESB (2011) determinou os percentuais de resultados desconformes na rede básica de monito-
ramento dos rios com relação aos padrões de lançamento estabelecidos para a Classe 2 da Resolução Co-
nama 357/05. Essa resolução dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o
seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras
providências. Águas enquadradas na Classe 2 são destinadas ao abastecimento para consumo humano, após
tratamento convencional; à proteção das comunidades aquáticas; à recreação de contato primário; à irrigação
de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa
vir a ter contato direto; e à aquicultura e à atividade de pesca.
Foi verificado que 42% dos resultados de Ferro dissolvido, Alumínio dissolvido e Manganês total
foram desconformes em relação à Classe 2 indicando que processos erosivos, causados entre diversos fatores
por chuvas intensas e diminuição da mata ciliar, podem estar carreando solo para os corpos d’água. Poluen-
tes associados aos lançamentos de efluentes industriais como Metais pesados (Zinco, Cádmio, Mercúrio e
Chumbo), Fluoreto e Sulfato apresentaram pequeno número de resultados desconformes, sendo que grande
parte desses resultados foram obtidos em corpos d’água enquadrados na Classe 4. As desconformidades das
variáveis Clorofila-a (12%) e Número de Células de Cianobactérias (23%) indicam a presença de um grande
número de algas nos corpos d’água podendo estar relacionada à disponibilidade de nutrientes, como Fósforo
e Nitrogênio.
O Oxigênio Dissolvido na água apresentou 31% de desconformidade em relação à Classe 2 e a To-
xicidade, determinada pelo ensaio ecotoxicológico com Ceriodaphnia dubia, também apresentou efeito tóxico
crônico em 22% dos pontos monitorados no Estado. O ensaio ecotoxicológico é realizado para determinar o
efeito deletério de agentes físicos ou químicos a diversos organismos aquáticos.
O Índice de Estado Trófico (IET) tem por finalidade classificar os corpos d’água em diferentes graus
de trofia, ou seja, avalia a qualidade da água quanto ao enriquecimento por nutriente e seu efeito relacionado
ao crescimento excessivo de algas e cianobactérias. Os dados citados evidenciam um comprometimento da
vida aquática nas UGRHIs industrializadas. Nessas unidades 61% dos pontos monitorados apresentaram con-
dições Eutrófica (59,5 < IET ≤ 63,5), Supereutrófica (63,5 < IET ≤ 67,5) e Hipereutrófica (IET > 67,5). A
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
36
condição Eutrófica refere-se a corpos de água com elevada produtividade, comparada ao nível natural básico,
de baixa transparência, em geral afetados por atividades antrópicas, em que ocorrem alterações indesejáveis
na qualidade da água e interferências nos usos múltiplos. As condições subsequentes indicam maior enrique-
cimento por nutrientes. Na condição Hipereutrófica os corpos de água são afetados significativamente pelas
elevadas concentrações de matéria orgânica e nutrientes, podendo ocorrer episódios de florações tóxicas e
mortandade de peixes, com comprometimento acentuado nos seus usos. A condição Supereutrófica é inter-
mediária às condições Eutrófica e Hipereutrófica.
A preocupação com as UGRHIs com características preponderantemente agropecuárias, em indus-
trialização e conservadas não é desprezível uma vez que em 26, 23 e 22% dos pontos apresentaram ambientes
eutrofizados. Segundo CETESB (2011) as mortandades de peixes ocorridas devido à contaminação dos cor-
pos d’água, causadas tanto por esgoto doméstico como por substâncias tóxicas, têm aumentado no período
de 2005 a 2010.
Segundo CETESB (2010) as águas subterrâneas do Estado de São Paulo ainda são de boa qualidade.
Os parâmetros nitrato, crômio, fluoreto e bário foram os que apresentaram desconformidades mais frequen-
tes, no período de 2007 a 2009, em relação aos valores de intervenção, principalmente no aquífero Bauru.
Este fato é preocupante uma vez que este manancial é largamente utilizado para abastecimento público.
Coliformes totais e bactérias heterotróficas apresentaram sistematicamente valores em desconformidade com
os padrões nacionais de potabilidade definidos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 518/04), no mesmo
período, em todas as UGRHIs.
Há evidências de que a atividade humana está afetando a qualidade dos recursos hídricos em escala
global. Segundo MEA (2005), desde 1960 o ser humano já duplicou o fluxo de nitrogênio reativo (biologica-
mente disponível) e triplicou o fluxo de fósforo nos continentes e estima-se que o fluxo global de nitrogênio
para os ecossistemas costeiros aumente de 10 a 20% até 2030, sendo que quase todo esse aumento ocorrerá
em países em desenvolvimento. Fluxos excessivos de nitrogênio contribuem para a eutrofização de ecossis-
temas de água doce. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2006b), no Brasil, a falta de
saneamento na zona urbana vem acarretando elevadas concentrações de nitrato, bactérias patogênicas e vírus
na água subterrânea.
A qualidade da água deve ser analisada de modo não dissociado da quantidade de água que escoa nos
rios por causa do efeito de diluição que pode ocorrer. Portanto a vazão do rio, bem como a sua sazonalidade,
é um aspecto importante porque pode determinar a qualidade do meio aquático. Vazão ambiental é defini-
da neste capítulo como um regime de fluxo a ser mantido nos sistemas hídricos (rio, várzea e zona costeira)
necessário para permitir a manutenção dos ecossistemas e seus serviços. Este conceito enfatiza a importância
da gestão dos recursos hídricos que possibilitem estratégias a obtenção dos meios de subsistência dos ecossis-
temas sem degradá-lo.
Segundo Björklund et al. (2009), no mundo, a capacidade para alcançar a sustentabilidade ambiental
melhorou, mas continua a ser restringida por uma incompleta compreensão do impacto da poluição e da
resiliência dos ecossistemas, inadequado monitoramento dos impactos negativos do uso da água e fragilida-
des institucionais que impedem a implementação efetiva de instrumentos legais em muitos países, sobretudo
naqueles em desenvolvimento.
O programa mundial de avaliação da água (WWAP, 2009) entende que o gerenciamento dos recursos
hídricos superficiais e subterrâneos, integrado ao planejamento de outros setores produtivos e à governança é
a chave para alcançar o desenvolvimento sustentado. O atendimento às demandas de água requer, portanto,
o conhecimento das condicionantes para a utilização sustentável dos recursos hídricos, organizando o uso do
território em conformidade com sua capacidade de suporte. Nestas condições, tornam-se imprescindíveis a
realização da gestão integrada dos recursos hídricos.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
37
5. CONCLUSÃO
O volume de água doce superficial no planeta é de apenas 0,0142% do total de água disponível em
outras fontes. Em termos absolutos esta pequena porcentagem representa cerca de 200.000 km³, o que signifi-
ca uma quantidade média de aproximadamente 29.000 m3 para cada um dos 7 bilhões habitantes do planeta.
Assim, fica claro que análises baseadas em valores médios costumam ser pouco significativas. Existem regiões
que apresentam abundância, como a América Latina, e regiões que apresentam escassez de água, como o
Oriente Médio e o Norte da África. O Brasil dispõe de boa oferta hídrica, especialmente na bacia Amazôni-
ca, porém em regiões onde o clima é desfavorável ou a população é numerosa, existem graves problemas de
disponibilidade. É o caso de algumas bacias do Estado de São Paulo onde as vazões já são insuficientes para
o abastecimento das demandas.
O país e o Estado de São Paulo dispõem de grandes mananciais de água subterrânea, podendo se
destacar os aquíferos Bauru e Guarani. Entretanto, a extração excessiva tem provocado o rebaixamento do
nível em algumas regiões, por exemplo, na bacia do rio Pardo.
O produto Interno Bruto de São Paulo representa uma parcela significativa no PIB nacional o que
implica numa grande demanda por água e em graves problemas de poluição de rios. Nas bacias industrializa-
das a quantidade de esgoto doméstico e industrial lançados nos rios assume enormes proporções. Nas bacias
rurais e urbanas a eutrofização dos rios ocorre devido ao aporte de nutrientes transportados dos campos
agrícolas para os rios e devido ao efluente de esgoto doméstico.
Fornecer água a toda a população, em quantidade e qualidade compatível com os usos a que se
destina, é um objetivo que depende menos da disponibilidade da água e mais da gestão eficaz do recurso.
A implantação de um sistema de gestão capaz de atingir este objetivo, de forma sustentável a longo prazo,
constitui tarefa complexa que exige esforço e dedicação de toda a sociedade. Esta complexidade advém do
caráter multidisciplinar do processo de gestão, de serem imprescindíveis a adoção de abordagens integradas,
da necessidade de se contar com recursos humanos bem preparados e dedicados, além da necessidade funda-
mental de se dispor de instituições politica e administrativamente robustas e eficientes.
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Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
38
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Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO
39
BACIA HIDROGRÁFICA
Capítulo 3
40
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
41
Bacia hidrográfica é uma determinada área de terreno que drena água, partículas de solo e material
dissolvido para um ponto de saída comum, situado ao longo de um rio, riacho ou ribeirão (Figura 1).
Quando se trata de grandes rios, como o Amazonas, o Nilo, o Reno, O Mississipi e outros, o conceito leigo
consiste em associar a bacia hidrográfica desses rios nos locais da sua foz, junto aos mares ou oceanos. Do ponto de
vista hidrológico e de engenharia, quando se define um ponto em uma seção de um curso de água, automaticamente
está se associando uma bacia hidrográfica, ou seja, uma área a montante dessa seção que drena para ela. Dessa forma,
existem infinitas bacias hidrográficas no mundo. A definição de sua seção de saída está sempre associada a um inte-
resse de um projeto, de um planejamento ou de gestão da sua área de drenagem (ou bacia hidrográfica).
Em geral, define-se o contorno da bacia hidrográfica pelo divisor topográfico (Figura 2). O divisor
topográfico é um polígono imaginário. Se a precipitação cair dentro do polígono, o escoamento superficial
direto gerado será conduzido até a seção do rio junto à saída da bacia hidrográfica. Os pontos do terreno
pertencentes ao divisor topográfico possuem maiores elevações do que os pontos da rede de drenagem, en-
tretanto, é possível que existam pontos mais altos dentro da bacia hidrográfica.
42
Em alguns casos, define-se o divisor geológico da bacia hidrográfica (Figura 3), em função das camadas
impermeáveis do subsolo, que podem conduzir a água infiltrada para uma região externa a que seria considerada
como sendo da bacia, pelo conceito do divisor topográfico. Em bacias pequenas, a diferença de áreas pode ser
significativa.
A delimitação do divisor topográfico da bacia hidrográfica pode ser feito sobre plantas topográficas
planialtimétricas, sobre imagens de satélite ou aerofotogramétricas ou similares. O traçado pode ser obtido
à mão ou com auxílio de ferramentas de desenho ou aplicativos de geoprocessamento (Figura 4). O Cálculo
da área da bacia pode ser feito com planímetros (forma antiga) ou com auxílio das ferramentas de desenho
eletrônico ou de geoprocessamento.
Figura 4 - Delimitação da bacia hidrográfica em planta plani-altimétrica (a) e com auxílio de ferramenta de geoprocessamento (b)
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
43
Em bacias onde há alterações antrópicas, o divisor de águas de uma bacia pode ser alterado por cons-
truções como estradas, aterros e redes de drenagem artificial.
A rede de drenagem das bacias naturais é constituída por cursos de água classificados como: pere-
nes, intermitentes e efêmeros, de acordo com a permanência do escoamento. Os cursos perenes são aqueles
que possuem sempre um fluxo d’água mesmo nos períodos de estiagem normal. Os cursos intermitentes
são os que possuem fluxo d’água normal em grande parte do tempo, porém tornam-se secos nas estiagens
mais severas seja por evaporação acentuada, seja por infiltração nas camadas subjacentes ao leito. Os cur-
sos efêmeros, são aqueles que apresentam fluxo d’água somente nos períodos de chuvas e um pouco após.
Os cursos perenes normalmente são alimentados pelo escoamento subterrâneo que garante suas vazões
mínimas. Os cursos intermitentes normalmente situam-se em áreas onde as condições geológicas sejam
desfavoráveis à existência de escoamento subterrâneo. Os cursos efêmeros, em geral, têm seus leitos aci-
ma do nível do lençol subterrâneo razão por que não podem receber sua contribuição. Os grandes cursos
d’água normalmente são perenes, enquanto que os cursos efêmeros por outro lado, na maioria das vezes
são cursos muito pequenos.
Em bacias hidrográficas urbanas, há que se considerar, também, a rede artificial de drenagem, com-
posta pela microdrenagem e pela macrodrenagem (canais artificiais, túneis de transposição, galerias).
Uma vez definida a bacia hidrográfica, através de seu divisor e sua rede de drenagem, é importante
obter as suas características fisiográficas. Entende-se por características fisiográficas, a área da bacia, a sua
forma, a declividade dos rios e terrenos da bacia, o tipo e uso de solo, a densidade da rede de drenagem, entre
outros. A importância dessas características é poder comparar dados de vazões de bacias vizinhas com os seus
e correlacioná-los com os seus, para uma análise de consistência. Em algumas situações, na inexistência de
dados na bacia em estudo, faz-se necessário transpor dados de bacias vizinhas, com as mesmas características
climáticas, com os devidos ajustes em função das diferenças fisiográficas delas. Pode-se, também, a partir de
várias bacias de uma região climaticamente homogênea, definir equações empíricas, que relacionem vazões
mínimas, médias ou máximas com as características fisiográficas das bacias. Outra aplicação muito importan-
te é a análise da resposta da bacia a chuvas, em situações futuras, de planejamento ou projeto, quando suas
características fisiográficas sofrerem alterações antrópicas. É o caso de análise de bacias que sofrem processos
de impermeabilização devido à urbanização.
As características fisiográficas mais utilizadas nas análises das bacias são: área, forma, uso e tipo de
solo, declividade dos terrenos, elevação, declividade dos cursos d’água, ordem dos cursos d’água, e densidade
de drenagem.
A área da bacia influencia diretamente o volume de água recebido da precipitação e transformado
em escoamento nos rios da bacia. As vazões médias nas saídas das bacias hidrográficas de um período longo
de dados apresentam uma relação de proporcionalidade com sua área de drenagem. Muitas vezes, para se
comparar bacias diferentes, pode-se utilizar o conceito de vazão específica, que é a razão entre a vazão e a
área de drenagem da bacia, normalmente expressa em L/s/km2. As vazões mínimas anuais, expressas como
vazões específicas são maiores nas grandes bacias, porque existe uma complementaridade hidrológica. Quan-
do não há chuva em uma parte da bacia, pode estar ocorrendo chuva em outra parte. As vazões máximas,
também analisadas como vazões específicas possuem valores menores nas grandes bacias, porque durante a
transformação da chuva no escoamento sobre a bacia, há um armazenamento temporário do volume de água
precipitado, para a formação das lâminas de água de escoamento, que provoca um abatimento nos valores
das vazões máximas.
A forma da bacia, retirando-se o efeito das outras características, influencia o tempo de concentração
da bacia hidrográfica. Esse tempo é o necessário para que toda a bacia, após uma chuva uniforme sobre a
bacia, passe a contribuir na seção de saída da bacia. As bacias mais alongadas possuem comprimentos do rio
principal maior e, portanto, têm tempos de concentração maiores do que as bacias mais circulares (Figura 5).
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
44
Para se fazer análise de correlação de parâmetros de forma com vazões, é necessário transformar
a avaliação qualitativa da forma da bacia em um indicador. Existem vários indicadores. O mais antigo é
o coeficiente de forma ou índice de Gravelius, expresso como a razão entre a largura média da bacia e o
comprimento axial da mesma. O comprimento axial é medido da saída da bacia até seu ponto mais remoto,
seguindo-se as grandes curvas do rio principal (não se consideram as curvas dos meandros). A largura média
é obtida dividindo-se a área da bacia em faixas perpendiculares, onde o polígono formado pela união dos
pontos extremos dessas perpendiculares se aproxime da forma da bacia real. O índice de compacidade (kc)
é definido como sendo a relação entre o perímetro da bacia e a circunferência do círculo de área igual à da
bacia. Como o círculo é a figura geométrica plana que possui o menor perímetro para uma dada área interna,
esse índice nunca será menor que 1 (um). Bacias que se aproximam geometricamente de um círculo terão um
menor tempo de concentração que bacias mais alongadas, portanto, menores valores de kc indicam maior
potencialidade de produção de picos de enchentes elevados, se as demais características fisiográficas não
interferirem na análise.
O tipo de solo de uma bacia (e a condição de umidade do solo) influencia na quantidade de água
precipitada que é infiltrada no solo da bacia. Bacias com solos mais impermeáveis, como os solos argilosos
favorecem o aumento do escoamento da água da chuva sobre o solo, aumenta os volumes do escoamento
superficial direto e, consequentemente, provocam maiores vazões nos cursos de água para uma mesma chuva
que seria observada numa bacia mais permeável, com solos mais arenosos.
O NRCS – Natural Resources Conservation Service (Serviço de Proteção de Recursos Naturais) do
dos EUA classificou os solos em quatro grupos, de acordo com o teor de argila do solo. Para um tipo de solo,
pode haver diferentes usos, que podem também influenciar a capacidade de infiltração do solo (solos arados,
solos compactados etc). Através dessa classificação, considerando também a umidade do solo no início de um
evento chuvoso, o NRCS formulou um método, para o cálculo da chuva excedente, a partir de uma precipi-
tação, denominado Método do SCS (Soil Conservation Service, nome anterior do NRCS).
Os tipos de solo da camada superior do solo e das partes inferiores do subsolo influenciam na veloci-
dade de infiltração profunda (percolação), na capacidade de armazenamento de água no subsolo e na veloci-
dade do fluxo de água infiltrada que retorna aos cursos de água. Essas características conduzem a diferentes
potencialidades de produção de água subterrânea de uma bacia e nas vazões subterrâneas (ou vazões básicas)
oriundas da parte do subsolo que alimentam os cursos de água que podem manter o fluxo de vazões nos rios,
mesmo na ausência de chuvas.
A declividade dos terrenos da bacia hidrográfica é determinante na velocidade do escoamento da
água pela superfície e, portanto, condiciona o tempo de concentração da bacia. Quanto maior for a decli-
vidade da bacia, menor será o tempo de concentração e maior será o pico de uma vazão de cheia para uma
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
45
dada chuva. A declividade da bacia também influencia na capacidade de infiltração do solo, pois menores
velocidades de escoamento propiciam maiores oportunidades de infiltração das águas precipitadas.
A definição da característica de declividade de uma bacia pode ser dada por um valor médio ou por
uma curva de frequência das declividades ao longo da bacia. As declividades pontuais na bacia são obtidas
pela aplicação de uma malha virtual sobre ela (Figura 6), onde em cada vértice da malha se calcula a decli-
vidade do terreno, desenhando-se a um segmento de reta (linha de maior declive que passa pelo vértice)
perpendicular às duas curvas de nível, anterior e posterior à cota do vértice. A declividade do vértice será a
diferença de cotas das curvas de nível dividida pelo comprimento desse segmento de reta. Alternativamente,
pode aplicar uma malha triangular irregular (TIN) sobre a bacia e obter as declividades dos vértices. Esses
cálculos podem ser feitos, com o auxílio de aplicativos de sistemas de informações geográficas (SIG).
A velocidade de escoamento da água de um rio cresce com a raiz quadrada da declividade dos canais
fluviais (Equação de Chézy). Assim, os hidrogramas de enchentes serão tanto mais pronunciados e estreitos,
quanto maiores forem as declividades dos canais.
Para se definir a declividade de um curso de água, pode-se fazer seu perfil longitudinal. Um primei-
ro valor aproximado da declividade de um curso d’água entre dois pontos pode ser obtido pelo quociente
entre a diferença de suas cotas extremas e sua extensão horizontal ( Figura 7a). Uma maior aproximação da
declividade média calculada pode ser obtida, ajustando-se uma reta média ao perfil longitudinal do curso
de água e, então, se aplica a primeira definição às diferenças de cotas da reta média (Figura 7b). A terceira
definição consiste em se basear na premissa da relação entre velocidade e declividade e admitir que o tempo
de translado real seja igual ao tempo de transalado por uma reta equivalente ao curso de água (Figura 7c).
A elevação média da bacia pode ser obtida da mesma forma que a declividade média da bacia,
associando-se elevações aos vértices de uma malha quadrada ou triangular irregular sobre a bacia. Pode-se
também representar a curva de frequências das elevações dos vértices (curva hipsométrica).
Em função das características geológicas da bacia hidrográfica, a rede de drenagem pode assumir
diferentes formas.. A forma dendrítica (Figura 8a) é a mais comum, a drenagem retangular (figura 8b) é ca-
racterística de solos rochosos fraturados, onde a drenagem segue o padrão das fraturas, a drenagem em trelia
(figura 8c) ocorre em bacias com vales e colinas alternados e a forma radial (figura 8d) ocorre em grandes
cumes isolados, como vulcões.
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
46
A densidade de drenagem de uma bacia pode ser medida com o indicador densidade de drenagem.
É a relação do comprimento total dos cursos de água da bacia dividido pela área da bacia. Quando uma bacia
recebe uma chuva com distribuição uniforme e possui uma alta densidade de drenagem, o tempo de concen-
tração é reduzido, pela facilidade de escoamento na rede de drenagem. O pico do hidrograma gerado será
elevado e o tempo total de subida e descida do hidrograma será reduzido (Figura 9). Em bacias com solos
arenosos, em geral, a densidade de drenagem é menor e, em geral, com rios profundos. Em bacias rochosas
de alta declividade, em geral, há uma rede mais densa com rios menores, favorecendo a redução do tempo
de concentração.
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
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48
de água na porção de montante da bacia hidrográfica causará um afastamento mais rápido das águas dessa
região, mas prejudicará a população ribeirinha de jusante que terá prejuízos maiores e mais frequentes.
Embora a bacia hidrográfica seja a menor unidade espacial de gerenciamento de recursos hídricos,
muitas vezes, é necessário um planejamento integrado que envolva duas ou mais bacias hidrográficas. É o
caso das reversões de bacias hidrográficas, em que tanto a quantidade como a qualidade da água são afetadas
pelas retiradas ou pelos afluxos desses volumes. São questões que causam impactos significativos na opinião
pública, pelos efeitos sobre a qualidade de vida das pessoas. Exemplos não faltam: reversão da bacia do Rio
São Francisco, reversão da Bacia do Rio Piracicaba para a bacia do Alto Tietê e outros.
Para que esses conflitos possam ser resolvidos ou, ao menos minorados, é necessário que se crie um
arcabouço legal e institucional para o gerenciamento dos recursos hídricos, acompanhado do uso de tecnolo-
gias atuais e profissionais capacitados de várias formações e um ambiente próprio para as negociações.
A Política Estadual de Recursos Hídricos Paulista instituída pela Lei Estadual 7663, de 30/12/1991,
dividiu o Estado de São Paulo em unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHI). Atualmente
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA
49
são 22 unidades, conforme apresentado na Figura 11, onde são apresentadas algumas de suas características,
entre elas a relação demanda/disponibilidade e as principais bacias hidrográficas que as compõem.
A partir da Lei das Águas, Lei 9433, de 8/01/1997, a bacia hidrográfica é definida como a unidade
territorial de implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerencia-
mento de Recursos Hídricos. A partir daí, foi criada uma estrutura legal e institucional (criação da Agência
Nacional de Águas - ANA, conselhos estaduais de recursos hídricos, agências de água, comitês de bacia).
A gestão do uso dos recursos hídricos é feita, atualmente, no âmbito de Bacias Hidrográficas. No Estado
de São Paulo, os principais conflitos de uso dos recursos hídricos ocorrem principalmente nas bacias industrializa-
das situadas a Leste, em especial as do Alto Tietê, do Piracicaba-Capivari-Jundiaí, do Sorocaba, do Paraíba do Sul
e do Mogi-Guaçu. O fator fundamental da geração de conflito é a poluição das águas que passam a ter padrões
inadequados para os usos mais exigentes ou a necessidade crescente de água para a produção e para a população.
As grandes reversões de águas entre bacias como a do sistema Pinheiros-Billings-Cubatão, através
do qual as águas do Alto Tietê são revertidas para a Baixada Santista, em casos de inundações em São Paulo
e a do sistema Cantareira, que importa águas das cabeceiras do rio Piracicaba para abastecimento da Região
Metropolitana da Grande São Paulo (RMSP), são exemplos de conflitos inter-regionais.
O abastecimento da RMSP a partir do reservatório Billings (que também alimenta a Usina de Hen-
ry Borden, em Cubatão) precisa conciliar-se com o controle de cheias do Rio Pinheiros e com a geração de
energia elétrica.
A reversão de águas da bacia do Rio Piracicaba para o Alto Tietê para o abastecimento de cerca de
45% da população da RMSP implica na diminuição da água na bacia do Rio Piracicaba, cuja comunidade se
vê no direito de reivindicar retribuição financeira pelo seu fornecimento.
A negociação entre as partes interessadas se faz através dos Comitês de Bacias Hidrográficas, com a
interveniência da Agência Nacional de Águas (ANA), quando a bacia hidrográfica for Federal.
Com o crescimento das áreas das Regiões Metropolitanas, tem-se observado em algumas regiões do
mundo, e São Paulo é um exemplo, conflitos reais ou potenciais pela aproximação entre regiões metropolita-
nas. É o caso das Regiões Metropolitanas de São Paulo, da Baixada Santista e de Campinas, denominada de
Macrometrópole Paulista, que exige um planejamento regional integrado de seus recursos hídricos.
“Esses conflitos podem ser objeto de estudos de engenharia e de modelos matemáticos para orientar
e balizar decisões. Mas serão insuficientes, se não considerarem os componentes e os fatores sociais, econômi-
cos e ambientais que não podem ser quantificados como o valor da energia elétrica gerada.
Um dos grandes desafios dos profissionais de recursos hídricos é, com certeza, como enfrentar esses
conflitos e viabilizar as soluções encontradas” (Barth, sem data).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, F. Z. de et al. Gestão dos recursos hídricos no estado de São Paulo. I Simpósio de Recursos
Hídricos do Norte e Centro-Oeste. Cuiabá 2007. Disponível em: <http://www.abrh.org.br/novo/i_simp_
rec_hidric_norte_centro_oeste86.pdf. >. Acesso em: 26 dez. 2011.
Basic Hydrology. Watershed. The Comet Program. University Corporation for Atmospheric Research. Boul-
der, CO, EUA e NOAA NWS National Oceanic and Atmospheric Administration - National Weather Ser-
vice. Disponível em: <http://www.meted.ucar.edu/broadcastmet/watershed/index.htm>. Acesso em: 26
dez. 2011.
BARTH, F. T. Conceitos Básicos e Fundamentos. Água e recursos hídricos. (Não publicado) 1999.
BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS -
Resolução Nº 32, de 15 de outubro de 2003. Diário oficial da União. 17/12/2003.
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O Ciclo Hidrológico é o fenômeno global de circulação da água entre a superfície terrestre e a at-
mosfera, impulsionado fundamentalmente pela energia solar, associada à gravidade e à rotação da Terra. A
representação pictórica do ciclo hidrológico é muito importante para se associar os fenômenos físicos que
ocorrem durante os processos de transformação da água de uma fase a outra na natureza (Figura 1). Até me-
ados do século XVII, pensava-se que as águas provenientes das minas (nascentes) não poderiam ser produtos
da precipitação em vista de dois postulados: a quantidade de água precipitada não era suficiente e a superfí-
cie da Terra era bastante impermeável, para não permitir a infiltração das águas pluviais. Leonardo da Vinci
(1452-1519) e Bernard Palissy (1509-89), respectivamente na Itália e França, lançaram a semente da teoria
da infiltração e o conceito do ciclo hidrológico, como hoje é conhecido. Pierre Perrault (1608-80) utilizou
um instrumental muito rude para fazer a primeira constatação de campo do fenômeno da transformação de
chuva em vazão. Com medidas de três anos de precipitação, ele estimou a vazão do rio Sena (França) como
sendo 1/6 da precipitação. É, pois, uma primeira abordagem quantitativa do ciclo hidrológico.
Desde, então, o ciclo da água na natureza foi sendo estudado em seus detalhes, com base em coletas
de dados, em conceitos empíricos e, posteriormente, em teorizações, quando possível.
Do ponto de vista quantitativo, interessa saber quanto de água se pode contar para uma determi-
nada necessidade em uma região ou quanto de água se deve afastar para se proteger dos fenômenos das
inundações, na atualidade ou em projetos futuros. Como as quantidades envolvidas em cada fase do ciclo
hidrológico podem se alterar no tempo, em função das alterações antrópicas na natureza, é preciso conhecer
os relacionamentos de cada fase do ciclo com as demais e como elas podem ser influenciadas pelas alterações
do meio ambiente.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
54
O ciclo hidrológico pode ser abordado, então, por uma forma mais sistêmica, onde se procura modelar
a natureza com elementos que possam ser quantificados e equacionados. A Figura 2 mostra uma apresentação
comum em cálculos hidrológicos (“Hidrologia é a ciência que trata da água da Terra, sua ocorrência, circulação
e distribuição, suas propriedades físicas e químicas, e suas reações com o meio ambiente, incluindo suas relações
com a vida.” - United States Federal Council for Science and Technology, Comittee for Scientific Hidrology, 1962).
Os cálculos devem permitir representar os dois processos gerais do ciclo hidrológico: os fluxos de trans-
ferência da água entre as fases e os volumes armazenados em cada uma delas. Em uma primeira aproximação,
em nível global, podem-se estimar esses valores, conforme pode ser visto na tabela 1, adaptada de World Water
Balance and Water Resources of the Earth (UNESCO, 1978), que identifica os volumes armazenados em cada
parcela do globo terrestre.
Volumes
Região Hidrográfica % do Total
(1015 m3)
Geleiras 25 1,81
55
Nota-se, que essa primeira versão geral dos armazenamentos, identifica a pequena parcela relativa
de água doce disponível para o consumo dos seres vivos. A Figura 3 ilustra os fluxos de transferência entre
as fases do ciclo hidrológico, permitindo avaliar as primeiras relações quantitativas. Assim, pode-se observar
a importância da evaporação e da transpiração das plantas, que representam cerca de 70% do volume preci-
pitado sobre as áreas dos continentes. Essas relações quantitativas entre as fases do ciclo hidrológico quando
colocadas em uma única expressão numérica formam o que se denomina de balanço hídrico.
Essas relações de transferência podem ser um pouco mais detalhadas, por exemplo, através de um
balanço hídrico anual definido para os continentes (Tabela 2).
Precipitação (Km³) 6587 30724 20743 7144 15561 27965 2376 111100
Evaporação (Km³) 3761 18519 17334 4750 9721 16926 389 71400
Escoamento superficial
2826 12205 3409 2394 5840 11039 1987 39700
(Km³)
Precipitação (mm) 657 696 696 803 645 1564 169 746
Evaporação (mm) 375 420 582 534 403 946 28 480
Escoamento superficial (mm) 282 277 114 269 242 617 141 267
Fonte: Baumgartner e Reichel, 1975, em Mook,. 2000.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
56
Nessa tabela, nota-se que os valores dos volumes podem ser divididos pelas áreas respectivas, para
resultar em valores expressos em unidades de altura equivalente.
Na tabela 3, há um detalhamento maior dos balanços hídricos, por regiões hidrográficas do Brasil.
Nota-se a variabilidade espacial das quantidades de precipitação, evaporação e escoamento superficial ao
redor do Brasil e do mundo. Isto implica que, em aplicações práticas, é necessário conhecer o balanço hídrico
em uma área específica de interesse, a qual se define como sendo a bacia hidrográfica.
Vazão
Vazão Vazão Vazã
Região Área Precipitação Evap. Precipitação Evap. Média
média média Med./
hidrográfica (Km²) (mm/ano) (mm/ano) (m³/s) (m³/s) (% do
(mm/ano) (m³ /s) Prec.(%) Brasil)
57
as posições mais profundas, que é denominada de percolação profunda, ficará armazenada temporariamente
nos vazios entre os grãos que compõem a estrutura subterrânea da bacia, saturando essa região denominada de
zona saturada do solo. A interface entre a camada saturada e a chamada zona não saturada ou aerada do solo é
o que se conhece por lençol freático. Quando o lençol freático está acima do nível de água do curso de água há
uma contribuição da água armazenada no solo, denominada escoamento básico ou subterrâneo (Esub), que se
somará ao escoamento superficial direto, formando o escoamento superficial (Q).
Outra parcela da precipitação volta para a atmosfera, na forma de vapor de água, pela evaporação
das superfícies ou pela transpiração das plantas. A esse conjunto de perda de água da bacia hidrográfica para
a atmosfera denomina-se evapotranspiração.
Quando se observa o armazenamento de água subterrânea entre dois instantes (ano, mês...), verifica-
se que o nível do lençol freático pode ter sido alterado. Se houver um acúmulo no período, essa variação (DS)
é positiva, caso contrário, será negativa.
Em um período de observação, pode-se fazer um balanço entre a água que entra na bacia hidrográfi-
ca (P) e a que sai da bacia (Q e E), sendo a diferença o valor da variação do armazenamento da água subter-
rânea. Isto pode ser colocado na forma da equação 1.
P = Q + E + DS 1
Quando se analisa um período longo de dados de uma bacia hidrográfica (vários anos), observa-se
que os valores das variações do armazenamento subterrâneo oscilam de valores negativos a positivos ao longo
do tempo, enquanto os valores das precipitações, das vazões superficiais e das evapotranspirações são sempre
positivos. Dessa forma, nesse longo período de tempo, o valor médio da variação do armazenamento sub-
terrâneo torna-se desprezível face aos demais valores, permitindo que a equação 1 possa ser escrita na forma
simplificada da equação 2:
Pm = Qm + Em 2
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Essa equação simplificada foi utilizada para a apresentação dos balanços hídricos apresentados nas
tabelas 2 e 3. Em uma bacia hidrográfica, permite estimar o valor da evapotranspiração média na bacia em
um período de tempo em que se dispõe apenas de dados de precipitações e vazões observadas, por exemplo.
Para aplicações mais específicas, como análise de cheias, é necessário que estude as relações de transfor-
mações das fases com mais detalhes. Para isto, serão abordadas as fases de ciclo de forma individual, mas sem
se esquecer de que esta divisão é apenas didática e que todas elas estão relacionadas dinamicamente entre si.
PRECIPITAÇÃO
O fenômeno da precipitação é o elemento alimentador da fase terrestre do ciclo hidrológico, impor-
tante para os processos de escoamento superficial direto, infiltração, evaporação, transpiração, recarga de
aquíferos, vazão básica dos rios e outros.
Quando se faz um estudo de planejamento de longo prazo do uso de uma ou mais bacias hidrográ-
ficas, a precipitação é utilizada como um dado fixo, que não sofre influências diretas das alterações antrópi-
cas provocadas no meio. As alterações do uso do solo, por exemplo, sobre as vazões escoadas, poderão ser
avaliadas por modelos matemáticos que transformam as chuvas em vazões, e que consideram as variações de
infiltração em função da área impermeável da bacia.
Nos projetos de drenagem, os dados de precipitação serão os fatores condicionantes para o dimensio-
namento das obras e conduzirão a resultados mais seguros quanto melhor for sua definição.
A precipitação é originada pela condensação do vapor de água presente na atmosfera para o estado
líquido ou sólido, dependendo das temperaturas e das condições durante a queda das partículas de água
pode ocorrer sob a forma líquida ou sólida da água, sob diversas formas: chuva, neve, garoa, granizo, orvalho
e geada. A palavra chuva é usada especificamente para indicara a queda de água em estado líquido. A neve
é formada pela cristalização (sublimação) do vapor d’água à temperatura abaixo de 0°C. O granizo consiste
em pelotas arredondadas e duras de gelo, ou de gelo e neve compacta., que podem ter efeito destrutivo sobre
plantações ou sobre construções, em áreas urbanas.
Existem formações, que embora sejam conhecidas como formas de precipitação, são, na verdade, resul-
tantes da condensação do vapor d’água presente na atmosfera sobre as superfícies sólidas, como o orvalho e a
geada . O orvalho é criado quando o ar, em contato com uma superfície sólida fria, sofre um resfriamento abaixo
de certa temperatura, dita ponto de orvalho. Se este ponto de orvalho for inferior a 0°C, forma-se a geada.
De forma geral as chuvas são formadas pela condensação do vapor de água na alta atmosfera e pelo
crescimento desses pequenos núcleos em torno de aerossóis, poeiras suspensas no ar, pela atração iônica entre as
partículas de água e por choques aleatórios que provocam a junção de duas ou mais partículas. À medida que essas
partículas crescem de dimensão, ocorre um desequilíbrio entre as forças de sustentação do ar (empuxo) e a força
gravidade. Dessa forma, as partículas já aglomeradas caem sobre a superfície da Terra. Durante esse percurso,
arrastam outras partículas consigo ou se dividem e voltam a ficar suspensas no ar. Os núcleos de condensação têm
dimensões da ordem de 0,2 µm ( 0,2 x 10-6m) e as gotas de chuva têm dimensões da ordem de 2000µm (2 mm).
O que leva o ar úmido ser elevado à alta atmosfera? Basicamente, podem ser citados três fenômenos,
que provocam essa ascensão e que definem os três tipos principais de chuvas.
Quando uma massa de ar frio e uma massa de ar quente se encontram (Figura 5) , a massa de ar mais
frio penetra sob a massa de ar quente, no formato de cunha. Essa ascensão frontal provoca a elevação da mas-
sa de ar mais quente para elevações maiores, carregando consigo o vapor de água que será condensado nas
nuvens. Essas chuvas frontais, também denominadas de chuvas ciclônicas são típicas na região Sul e Sudeste
do Brasil, na época de inverno. São chuvas que cobrem vastas extensões e que podem ter longas durações.
O volume médio de água precipitada, expresso em termos de altura equivalente (volume de chuva
dividido pela área que recebe a chuva) por unidade de tempo da duração da chuva é a intensidade média da
chuva. Nesse tipo de chuva, as intensidades costumam ser baixas. Seus impactos sobre as bacias maiores são
significativos, pois podem provocar a elevação do nível de água dos grandes rios (grandes bacias hidrográficas).
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
59
A convergência horizontal ocorre quando a pressão e o vento agem para concentrar a afluência de
ar em uma área particular, tal como uma área de baixa pressão. Tipicamente, no verão, a camada de ar em
contato com o solo recebe o calor emitido pelo solo e tende a ficar mais quente que as camadas superiores,
após o período de maior insolação. A convergência de ar provoca um desequilíbrio entre a massa de ar mais
aquecida junto ao solo e a camada superior, fazendo com que a camada de ar mais quente (e a umidade nele
contida) suba rapidamente para a alta atmosfera (Figura 6), formando correntes de convecção verticais. Essas
chuvas chamadas de convectivas (ou de verão) possuem, em geral, pequenas durações e grandes intensidades,
atuando em áreas restritas (círculos com raios da ordem de 5 a 12 km). Pela rapidez do processo e sua alta
intensidade, são as chuvas mais críticas para as pequenas bacias, pois causam as elevações rápidas das vazões
dos pequenos córregos e rios, responsáveis pelas inundações críticas, especialmente em áreas urbanas.
A ascensão orográfica ocorre quando o ar fluindo na direção de uma barreira orográfica (isto é, uma
montanha) é forçado a subir para passar sobre ela e faz com que a umidade do ar seja elevada para uma
condição própria para sua condensação. É uma condição típica de bacias serranas próximas ao oceano, que
recebem a umidade do ar gerada pela evaporação da água do oceano, através dos ventos que empurram as
massas de ar úmido em direção ao continente. Essas chuvas são importantes quando se trata de regiões ser-
ranas, pois o pequeno tempo para que a água precipitada seja conduzida até os canais naturais e a grande
declividade desses canais, levam a crescimentos vultosos das vazões nos canais, ou geram grandes velocidades
do escoamento da água sobre os terrenos, favorecendo processos erosivos na bacia. É comum se ver rompi-
mentos de bueiros sob estradas de ferro e rodovias ou enxurradas com grandes volumes de material sólido
(erodido da bacia), que causam enormes prejuízos.
As medições das chuvas são feitas com pluviômetros e pluviógrafos. O pluviômetro é um recipiente
padronizado que recolhe a água da chuva. Diariamente, um observador coleta a água em uma proveta gradu-
ada. O valor do volume coletado, dividido pela área de coleta do pluviômetro é a altura de chuva equivalente
precipitada entre o instante da leitura e o instante da leitura anterior. Na figura 8, está esquematizado um
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
60
pluviômetro tipo Paulista e sua instalação. O pluviógrafo registra as chuvas de forma contínua no tempo.
Deve ser utilizado quando se necessita conhecer as intensidades das chuvas, como nos estudos de drenagem
urbana, por exemplo.
61
Há vários princípios de registro, mas os mais utilizados são o de bóia (Figura 9) e o de caçamba bas-
culante. O detalhe da figura 9 mostra o princípio do registro no papel, que gera o pluviograma. À medida
que o reservatório coleta a água da chuva, uma bóia associada a uma pena registra a altura equivalente da
chuva coletada, enquanto o cilindro onde está o papel gira com uma velocidade angular constante (uma volta
por dia, uma volta por semana...). Quando o volume acumulado atinge uma altura equivalente de 10mm de
chuva, todo o volume é sifonado. O gráfico do pluviograma (Figura 10) apresenta nesse instante, uma queda
abrupta, voltando ao zero da escala no papel.
No pluviógrafo de caçamba (Figura 11), cada vez que um dos dois recipientes fica cheio, ele verte e
provoca um giro em um eixo acoplado a um contato elétrico. Este equipamento é utilizado em sistemas de
transmissão de dados em tempo real, onde os impulsos de liga e desliga são transmitidos a uma central.
A chuva registrada no pluviograma pode ser também representada pelo hietograma (Figura 12), que
representa o total precipitado em intervalos discretos ao longo da duração de uma chuva, ou em períodos de
análise que podem envolver vários eventos chuvosos (mensal, anual).
A chuva registrada em posto pluviométrico representa a chuva que cai na região a seu redor. Entre-
tanto, essa representatividade tem limite, pois as chuvas não caem de forma uniforme em grandes áreas. As-
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
62
sim, para se definir uma chuva média sobre uma bacia hidrográfica, que possui vários postos em seu interior e
em seus arredores, é necessário fazer uma médias das chuvas registradas nos postos. A média aritmética pode
ser utilizada, se houver apenas pequenas variações (da ordem de 10%) entre os valores. Nos outros casos, uma
média ponderada pode ser utilizada, onde a ponderação é a área de influência de cada posto. Existem dois
métodos clássicos: o polígono de Thiessen e as isoietas (linhas de mesma precipitação). No método de Thies-
sen (Figura 13), admite-se que as áreas de influência são aquelas mais próximas dos postos, limitadas pelas
mediatrizes dos segmentos que unem os postos. No método das isoietas (Figura 14), as áreas de influência são
aquelas situadas entre duas isoietas consecutivas.
Pm= P1*A1+P2*A2+P3*A3
A1 +A2 +A3
Figura 13 - Cálculo da chuva média pelo método Figura 14 - Cálculo da chuva média
dos polígonos de Thiessen pelo método das isoietas
Além da variação espacial das chuvas, deve-se considerar sua variação sazonal. Dependendo do clima
de uma região, essas chuvas distribuem-se ao longo do ano de forma específica. Assim, em regiões de clima
tropical, são marcantes dois períodos do ano, denominados de semestre seco e semestre úmido. Os meses
são classificados como pertencentes ao semestre úmido, se a precipitação média de longo período do mês for
maior do que a precipitação média mensal do ano (precipitação total do ano média de longo período, divi-
dida por 12). Assim na região sudeste do Brasil, definem-se os semestres úmido e seco, de outubro a março e
de abril a setembro, respectivamente. Para as análises hidrológicas, utiliza-se o conceito de ano hidrológico,
que compreende o período de outubro de um ano a setembro do ano seguinte.
Figura 15 - Relação entre intensidade média, duração e frequência de ocorrência de chuvas intensas.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
63
Nos estudos de afastamento das águas, seja em drenagem urbana ou em estudos de controle de cheias
em reservatórios de regularização, as chuvas intensas possuem uma importância fundamental, porque geram
as vazões críticas de análises desses casos. Uma chuva intensa é aquela que concentra um grande volume de
água precipitado em um intervalo de tempo. A variação da intensidade de uma chuva intensa ao longo de
sua duração é um dos condicionantes do formato do hidrograma gerado e, consequentemente, da máxima
vazão do hidrograma. Não existe uma distribuição temporal fixa da intensidade da chuva intensa ao longo de
sua duração, mas varia de uma chuva a outra e de um local a outro. Alguns autores procuram ajustar algum
comportamento padrão, para permitir a criação de hietogramas hipotéticos, que serão utilizados como base
em estudos hidrológicos. Algumas características podem ser observadas, como o fato das intensidades médias
das chuvas diminuírem com o aumento da duração total da chuva. Chuvas mais raras de ocorrerem possuem
intensidades maiores. Essa raridade é quantificada pelo chamado período de retorno, que é o intervalo médio,
em anos, que um evento é igualado ou superado. O inverso do período de retorno é a frequência de excedência
do evento. Com base em séries longas de observações de chuvas intensas, é possível relacionar as intensidades
médias das chuvas com sua duração e seu período de retorno (Figura 15). Pfafstetter, em 1957 foi o pioneiro, no
Brasil, a definir equações de chuvas intensas para 98 localidades, que dispunham de dados de pluviógrafos. Es-
sas equações são conhecidas, também, como relações IDF, pois relacionam a intensidade média de uma chuva,
com sua duração e sua frequência de excedência (em geral, substituída nas fórmulas pelo período de retorno).
Encontram-se diversas formas nessas equações, mas a mais usual é a expressa pela equação 3:
K.Tm
i= R
3
(t + t0)n
Local K m t0 n
Com as equações IDF, pode-se estimar o total precipitado ou a intensidade média para uma certa
chuva de projeto, associada a uma duração e a um período de retorno. Para se definir a variação da intensida-
de da chuva ao longo de sua duração, alguns métodos podem ser utilizados, como o do hietograma triangular,
o método dos blocos alternados, o método de Huff, o de Chicago (Keifer e Chu) e outros.
No método do hietograma triangular, admite-se que a intensidade da chuva cresça linearmente do seu iní-
cio até o instante de intensidade máxima e decresça linearmente até seu final. O instante da intensidade máxima.
Estudos feitos por alguns autores nos EUA, indicam que esse instante varia de 0,32 a 0,45 (chamado coeficiente de
avanço da chuva) da duração total da chuva. Na tabela 5 e figura 16, está exemplificado um hietograma triangular
de projeto com período de retorno de 50 anos, utilizando-se a equação IDF da cidade de São Paulo. Foi adotado
um coeficiente de avanço de 0,5 para comparação com o hietograma de blocos alternados da tabela 6 e figura 17.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
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No método dos blocos alternados, admite-se que a intensidade máxima da chuva ocorra na metade
de sua duração e os valores vão decrescendo de forma alternada em intervalos posteriores e anteriores ao
intervalo central da chuva.
Tabela 5 - Montagem do hietograma triangular
Figura 18 - Variação da intensidade de uma chuva intensa com sua área de atuação.
Fonte: USWB, 1961.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
65
EVAPORAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO
Evaporação é a transformação da água do estado líquido para o de vapor, a partir de uma superfície
líquida, solo nu ou vegetação sobre solo (Figura 19).
A Transpiração é a evaporação que ocorre das folhas das plantas, através das aberturas dos estômatos
(Figura 20).
Como é praticamente impossível se distinguir o vapor d´água proveniente da evaporação da água
no solo e da transpiração das plantas, a evapotranspiração é definida como sendo o processo simultâneo de
transferência de água para a atmosfera pelos dois fenômenos.
66
67
Quando não se dispõe de medidas diretas, pode-se estimar a evaporação potencial, a partir de equa-
ções empíricas ou teóricas.
Ea = B. v2 .(1 - ur)/p 4
A fórmula de Penman pode ser considerada a mais completa, pois além de considerar as hipóteses
das fórmulas de transferência de massa, considera as limitações de energia disponível para a evaporação. Faz
um balanço de energia, considerando todas as radiações incidentes e refletidas em uma superfície líquida.
Uma forma simplificada da equação de Penman, proposta pela Organização Meteorológica Mundial é dada
na equação 5:
5
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68
onde:
E= Evaporação (mm/dia)
L = calor latente de vaporização (59 cal/cm2.mm)
Rt= radiação no topo da atmosfera (cal/cm2.dia)
p = fração do dia com brilho solar
r= fator de albedo
σ= constante de Stefan-Boltzman = 1.19 x 107 cal/cm2.dia
T= temperatura absoluta (K)
ed = pressão de vapor a 2 m de altura (mm.Hg)
A evapotranspiração depende, além dos fatores que influenciam a evaporação, do tipo de cultura que
está cobrindo a superfície de uma bacia e o estágio de desenvolvimento dessa planta. Se houver restrição de
umidade do solo que impeça a planta de absorver água para seu processo fisiológico, a evapotranspiração
também será limitada, por consequência.
A medida direta da evapotranspiração é feita por lisímetros, normalmente em centros de pesquisa
agrícola. Os lisímetros são volumes definidos por um vaso enterrado no solo, onde se planta certa cultura e se
avalia, através do balanço hídrico deste vaso, a perda de água para a atmosfera. Quando se planta uma grama
padrão, obtém-se dos lisímetros a evapotranspiração de referência (ET0). Quando se planta outra cultura,
obtém-se a evapotranspiração potencial, que será referenciada à evapotranspiração de referência, através de
um fator multiplicativo, chamado de coeficiente de cultura, que varia para cada cultura e para cada estágio
de desenvolvimento dessa cultura. Esses coeficientes, resultados de observações de lisímetros podem ser en-
contrados em livros e manuais de agricultura.
Os lisímetros podem ser de dois tipos: de percolação e de pesagem. O lisímetro de percolação (figura
23) consiste em um tanque enterrado com as dimensões mínimas de 1,5 m de diâmetro por 1,0 m de altura, no
solo, com a sua borda superior 5 cm acima da superfície do solo. No fundo do tanque, coloca-se uma camada
de mais ou menos 10 cm de brita coberta com uma camada de areia grossa, onde se coloca uma tubulação para
drenar a água percolada no tanque. No balanço hídrico do tanque, deve ser considerada a variação da umidade
do solo do tanque, que pode ser avaliada pelas medidas da umidade do solo a diferentes profundidades. Entre-
tanto, como essas medidas não são muito precisas na maioria das vezes, determina-se a evapotranspiração em
períodos suficientemente longos para que a variação da umidade no solo seja desprezível face à evapotranspira-
ção. Em geral, as medidas são feitas em períodos de, no mínimo, duas semanas e, mais frequentemente de um
mês. O lisímetro de pesagem (figura 24) consiste no mesmo tipo de tanque enterrado, apenas que fica apoiado
sobre uma balança. A variação da umidade do solo é determinada, diretamente pela balança, resultando em
valores mais precisos, quando se deseja medições em intervalos menores (horários ou diários).
Capítulo 4
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balança
(a) (b)
A determinação indireta da evapotranspiração pode ser feita com as fórmulas vistas para o cálculo
da evaporação, com a inclusão de fatores de correção para levara em conta o tipo e os estágio de desenvolvi-
mento da cultura.
Existem muitas fórmulas empíricas para o cálculo da evapotranspiração: de Thornthwaite, de Har-
greaves, de Papadakis, de Hamon, de Blaney Criddle etc. A título de exemplo, mostra-se na equação 6, a
fórmula de Blaney Criddle, para estimar a evapotranspiração potencial em períodos mensais:
onde :
Os valores estimados de evapotranspiração potencial são utilizados para serem comparados com o
volume de água disponível para certa plantação, em função da chuva efetiva da área (chuva infiltrada que fica
disponível para as plantas na região radicular). Quando há um déficit de oferta, este deve ser reposto através
de um sistema de irrigação complementar.
A evapotranspiração real pode ser obtida diretamente do balanço hídrico de uma bacia, a partir dos
dados de precipitação sobre a bacia e da vazão registrada na saída da bacia, como já foi visto anteriormente.
INTERCEPTAÇÃO
A parcela da chuva que cai sobre as folhas ou galhos das plantas é conhecida por interceptação (Figu-
ra 25). O volume retido depende muito do tipo de planta. A água é retida até que ela goteje diretamente no
solo ou escoe pelos galhos e caule. Uma parcela é novamente evaporada após o término da chuva. A intercep-
tação reduz o escoamento superficial direto e protege o solo contra erosão.
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Para efeitos de análises da interceptação de uma determinada área define-se: a precipitação incidente
(P) sendo o total de chuva acima das copas; a precipitação interna (Pi) – chuva que atravessa o dossel e atinge
o solo; o escoamento pelo tronco (Et) das árvores em direção ao solo; e a precipitação efetiva (Pe – chuva que
atinge o solo). (HELVEY & PATRIC, 1965b apud LIMA, 2000). A figura 26 mostra uma os equipamentos
para medir a precipitação interna e o escoamento pelo tronco em uma área experimental.
Segundo Lima (in Carvalho, F., Assunção, H. F.e Scopel, I, 2009), o balanço do processo de intercep-
tação da chuva por uma floresta pode ser expresso pela equação 7:
P = Pi + Et + S + E 7
onde:
S = capacidade de retenção da copa (quantidade de água que pode ser retida temporariamente na copa
antes do início dos processos Pi e Et);
E = evaporação da água retida na copa (inclui a evaporação que ocorre durante a duração da chuva, e, ces-
sada a chuva, a evaporação de S).
(a) (b)
Figura 26 - (a) Instalação para coleta da precipitação interna (Pi), em Cunha (SP).
(b) Esquemas de Coletor do escoamento pelo tronco.
Fonte: Rocha, H. R.
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71
Os fatores que mais influenciam na quantidade de água interceptada são: a intensidade da precipita-
ção, a altura total da precipitação, as precipitações antecedentes, o tipo de vegetação, a densidade da vegeta-
ção, o estágio de crescimento das plantas, a estação do ano e a velocidade do vento. A tabela 7 indica alguns
limites de perdas acumuladas para alguns tipos de cobertura vegetal.
Na figura 27, nota-se que a perda por interceptação diminui com a altura e a intensidade da chuva.
Nessa mesma figura, pode-se inferir que o total interceptado, para a faixa de precipitações apresentadas varia
de cerca de 3 a 4,5mm.
Figura 27 - Perdas por interceptação em função do total precipitado e intensidade da chuva. Adaptado de Wells e Blake,
1972. Publicado no Journal of Climate de 1999.
Fonte: Rocha, H. R.
Capítulo 4
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72
A tabela 8 mostra o balanço entre P, Pi, Et e I, para alguns tipos de coberturas vegetais, a partir da
compilação de trabalhos de vários autores.
Em ecossistemas florestais, usualmente, para pequenos volumes precipitados (0,3 a 0,5 mm), 100% é
interceptado. Para chuvas superiores a 1 mm, de 10 a 40% podem ficar retidos pela vegetação. Com relação
às chuvas com diferentes intensidades, se observa que para o mesmo total precipitado, a interceptação dimi-
nui com o aumento da intensidade. Precipitações precedidas por períodos de um mínimo de 24 horas sem
ocorrência de chuva, acarretam uma curva de precipitação-interceptação diferente de ocorrência precedida
por condições úmidas.
Nas florestas urbanas no Maciço da Tijuca (RJ), a interceptação foi estimada em 11%. Em Cubatão
(SP), em floresta degrada por poluição atmosférica se obteve valores entorno de 28% de interceptação. Num
conglomerado florestal preservado, esse valor foi de 34% .
Em termos gerais, pode-se dizer que em florestas tropicais 75 a 96% da precipitação incidente trans-
formam-se em precipitação interna, entre 1 a 2% é convertida em escoamento superficial pelo tronco e em
torno de 4 e 24% é em média interceptada pelas copas das árvores. (MIRANDA, R. A. C. de, 2011).”
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
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Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO
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Capítulo 5
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Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
77
1. INTRODUÇÃO
Clima é a representação das condições meteorológicas associadas às variações aleatórias médias de
temperatura, precipitação, vento, umidade do ar e pressão atmosférica, ao longo de um período de tempo
que vai de meses a milhões de anos, sendo o período clássico considerado o de 30 anos.
Existe, portanto, uma diferença básica entre tempo e clima. Tempo reflete as condições meteorológi-
cas que variam ao longo do dia. Enquanto que clima representa as condições médias em uma longa duração.
Este conceito abrange extremos diários e sazonais dentro de uma área específica. Ao comentar sobre clima
deve-se, portanto, considerar a localização, a altitude e referir-se a área de abrangência. Uma pequena região
climática próxima ao solo pode ser denominada de microclima. O clima de uma pequena área da superfície
da Terra, que pode alcançar poucos hectares e até vários quilômetros quadrados, e abranger florestas, vales,
zonas litorâneas e urbanas, pode ser denominado de mesoclima. O clima em grandes áreas, abrangendo um
estado ou um país pode ser chamado de macroclima. E o clima em todo o planeta Terra é geralmente referido
a clima global.
Os fatores que controlam a ocorrência das regiões climáticas no planeta são: intensidade de radiação
solar que varia com a latitude, distribuição de terra e de água, correntes oceânicas, ventos predominantes,
posicionamento de áreas de alta e de baixa pressão atmosférica, barreiras de montanhas e altitude. Os efeitos
desses controladores definem os padrões de temperatura e precipitação global, bem como as várias regiões
climáticas em todo o mundo (Ahrens, 2003).
Mudança climática é uma alteração no sistema climático causado por alterações dos fatores que con-
trolam o clima ou por alterações externas naturais ou atividades antropogênicas (Le Treut et al., 2007). A
variabilidade natural é uma característica do clima global e ocorre em longa ou curta escala de tempo. Alguns
cientistas acreditam que essas oscilações climáticas não são fenômenos aleatórios, mas eventos controlados
por forças ou fontes de energia da própria Terra ou de corpos planetários do sistema solar.
Segundo Ahrens (2003) o clima na Terra está sempre mudando, alternando períodos glaciares com
períodos mais quentes. Os glaciares talvez tenham avançado dez vezes durante os últimos 2 milhões de anos.
Durante os períodos mais quentes (interglaciais), a temperatura média global foi ligeiramente mais elevada
do que a observada no presente. Atualmente, a cobertura glacial cobre apenas 10% da superfície de terra do
planeta ocupando um volume de aproximadamente 25 milhões km3. Áreas baixas poderiam ser inundadas
com elevações de temperatura e o consequente derretimento do gelo.
Embora muitos fatores influenciem o clima, muitos autores tem atribuído à atividade humana papel
importante no aquecimento nos últimos 50 anos. Projeções do clima futuro são moldadas por mudanças
fundamentais de energia térmica na Terra, em particular o aumento da intensidade do efeito estufa que
aprisiona calor na superfície da Terra que é determinado pelo aumento de CO2 e outros gases na atmosfera
(Le Treut et al., 2007).
O significativo aumento da variabilidade climática interanual tem sido relacionado à mudança do
ciclo hidrológico em larga escala, tal como: aumento do conteúdo de vapor d’água na atmosfera, alteração no
padrão de precipitação (intensidade e extremos), alterações de umidade do solo e do escoamento superficial
(Bates et al., 2008). Essas mudanças podem trazer sérias consequências sociais e ambientais. Inundações e
secas estão hoje entre os riscos naturais mais prejudiciais. As inundações e as secas são os mais significativos
tipos de desastre em termos de vidas humanas. Do ponto de vista econômico alterações no ciclo hidrológico
poderão determinar maiores pressões sobre os sistemas hidrológicos e prejuízos na indústria, para o abaste-
cimento público e para a agricultura (Wild e Liepert, 2010).
As oscilações climáticas desencadearam eventos que influenciaram a formação dos ecossistemas,
a distribuição das espécies no planeta e nortearam o desenvolvimento da humanidade. Segundo Blainey
(2008), em 20000 a.C. as temperaturas em todos os lugares eram muito mais baixas do que as de hoje e a
espécie humana estava confinada a um continente maciço, sem separação por mares, onde essa única massa
de terra era palco de quase todas as atividades humanas.
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
78
Por volta de 15000 a.C. o clima tornou-se gradativamente mais quente, ocorreram elevações na va-
zão dos grandes rios, no fluxo de sedimentos, na precipitação anual de chuvas nas terras áridas e no nível
dos mares. Os sedimentos finos depositados nas planícies que acabariam por tornar-se o berço do que hoje
se chama civilização. A elevação do nível dos mares estava quase completa em 8000 a.C. Este foi o evento
mais extraordinário na história humana durante os últimos 100 mil anos porque desencadeou uma profunda
transformação e uma explosão populacional (Blainey, 2008).
Neste capítulo serão comentadas as causas prováveis da mudança climática atual, os impactos no ciclo
hidrológico e as consequencias para os recursos hídricos.
também é seletivo para a radiação ultravioleta. A radiação emitida, principalmente pelo vapor d’água e CO2,
é irradiada em todas as direções. A porção de energia irradiada em direção a superfície da Terra é absorvida
aquecendo o solo. Por sua vez a Terra emite radiação infravermelha que aquece a baixa atmosfera. Neste caso
o vapor d’água e o CO2 além de absorverem e emitirem radiação também agem como camada isolante em
torno da Terra, impedindo que parte da radiação infravermelha escape para o espaço. Consequentemente
a superfície da Terra e a baixa atmosfera são mais quentes do que deveriam ser se a absorção seletiva não
existisse. Este fenômeno natural é conhecido como efeito estufa atmosférico em alusão à casa de vegetação em
que o vidro permite a entrada da radiação visível, mas inibe a saída da radiação infravermelha. Este fenôme-
no mantem a temperatura do planeta em níveis adequados para que os seres vivos sobrevivam.
A atividade humana contribui para alterar a concentração e a distribuição dos aerossóis e dos gases
que causam o efeito estufa atmosférico. As principais atividades humanas causadoras do aumento destes ga-
ses são a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento, as queimadas agrícolas e os incêndios florestais.
Segundo Le Treut et al. (2007), a quantidade de CO2 na atmosfera aumentou 35% na era industrial trazendo
substanciais implicações no clima. Contudo, nos anos recentes, o aumento da concentração de outros gases
como CH4, N2O e clorofluorcarbono (CFC) tem apresentado um efeito semelhante ao CO2 quando analisado
coletivamente. Uma única molécula de CFC-12 na atmosfera absorve radiação infravermelha equivalente a
10.000 moléculas de CO2 (Ahrens, 2003).
Acréscimo e retirada de grandes áreas florestadas afetam o albedo (refletividade) e a rugosidade ae-
rodinâmica que por sua vez interfere na transferência de energia, água e outros materiais dentro do sistema
climático. Reduções na cobertura de gelo e neve podem diminuir o albedo e causar o aumento de tempera-
tura no inverno em áreas de latitude elevada no hemisfério norte.
A dinâmica interna de alguns sistemas climáticos afeta o modelo de circulação atmosférico global.
As fontes mais importantes causadoras da variabilidade no clima, numa escala de tempo mais curta, são o El
Niño/Oscilação Sudeste (ENOS), a Oscilação do Atlântico Norte e as mudanças da temperatura da superfície
do mar (Ahrens, 2003).
El Niño é o nome dado ao aquecimento anômalo da água da superfície do oceano Pacífico tropical,
na região leste, próxima à costa do Peru e do Equador. Estes episódios de aquecimento extremo ocorrem em
intervalos irregulares de dois a sete anos. O fenômeno oposto é chamado de La Niña. Nesta região também
ocorre uma elevação da pressão atmosférica no oeste do Pacífico e uma diminuição na pressão no leste do
Pacífico gerando fortes ventos que sopram de oeste para leste e podem deslocar grandes massas de água. Este
mecanismo é chamado de Oscilação Sudeste. Embora cada evento apresente suas características próprias,
devido à simultaneidade de ocorrência eles são analisados de forma conjunta (Ahrens, 2003).
De acordo com Trenberth et al. (2007), eventos de ENOS envolvem grandes trocas de calor entre o
oceano e a atmosfera afetando a temperatura média global. O evento ocorrido em 1997-1998 foi o maior já
registrado em termos de anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) e a temperatura média global
em 1998 foi a maior já registrada até 2005. Segundo Trenberth et al. (2007), o ENOS está associado com seca
na Indonésia, no nordeste da Austrália e na região nordeste do Brasil (com início em julho), e com excesso de
chuva na costa oeste da América do Sul e na região sudeste do Brasil (com início em novembro). A partir de
1976 os eventos de El Niño têm sido mais fortes e mais numerosos.
Os mecanismos e a habilidade de previsão do ENOS ainda estão em discussão. Ainda não está claro
como o ENOS muda, ou interage, com uma mudança climática (Le Treut et al., 2007).
No norte do oceano Atlântico existe um modelo de oscilação da pressão atmosférica superficial se-
melhante à que ocorre no Pacífico, chamada de Oscilação do Norte do Atlântico (ONA). Este fenômeno afeta
o clima na Europa e na América do Norte. No inverno quando a pressão atmosférica se eleva na vizinhança
da latitude 60oN (região de baixa pressão da Groenlândia) e quando diminui na vizinhança da latitude 30oN
(região de alta pressão das Bermudas) os invernos no norte Europeu e no nordeste dos Estados Unidos são
extremamente frios.
Em meados da década de 1990 descobriu-se que a temperatura da superfície do oceano Pacífico se
inverte em períodos de 20 a 30 anos. Este fenômeno é chamado de Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) e
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
80
apresenta duas fases cujas temperaturas da superfície da água são maiores ou menores que a média. Durante
a fase quente ocorre o aquecimento da água na região equatorial e resfriamento da água na região central
do norte do Pacífico. Esta situação causa invernos mais quentes e secos no noroeste da América do Norte e
mais frios e úmido no sul dos Estados Unidos. Na fase fria ocorre o resfriamento da água ao longo da costa
da América do Norte e aquecimento desde o Japão até o norte do Pacífico. Esta situação causa uma inversão
do clima nos locais afetados. Outros sistemas de circulação atmosférica e suas conexões com o oceano são
detalhados por Ahrens (2003) e Trenberth et al. (2007).
para permitir a separação da variabilidade antrópica e natural, melhorando assim a capacidade de detectar
e atribuir mudanças climáticas antropogênicas.
Uma questão prática relevante é saber quais as implicações futuras que a mudança climática exerce
sobre o ciclo hidrológico e nos sistemas hidrológicos tais como: mudança no padrão de precipitação (intensi-
dade e extremos), elevação da evaporação, mudanças na umidade do solo e no escoamento superficial. Segun-
do Bates et al. (2008) existe uma significativa variabilidade interanual e em décadas em todos os componentes
do ciclo hidrológico. As projeções hidrológicas são dificultadas pelas incertezas na variabilidade dos sistemas
climáticos, das emissões futuras de gases de efeito estufa e aerossóis, na translação dessas emissões simuladas
pelos modelos climáticos globais, dos modelos hidrológicos, das grandes diferenças regionais e das limitações
da cobertura espacial e temporal da rede de monitoramento de dados. Stott et al. (2010) comentam que a
precipitação e a temperatura regional são afetados pela variação da circulação atmosférica, por exemplo o
ONA, além de outros fatores tais como mudança no uso do solo, irrigação e construção de reservatórios.
Figura 1 - Projeções do aquecimento global da superfície realizada por modelos de circulação oceano-atmosfera.
Fonte: IPCC (2007).
Projeções feitas por vários modelos mostram aumento global das médias de vapor d’água, evapora-
ção e precipitação para o século 21 (Figura 2). Os modelos sugerem um aumento da precipitação em latitudes
elevadas no inverno e no verão, nos oceanos tropicais, no sul da Ásia de junho a agosto, na Austrália e no leste
da África de dezembro a fevereiro. Nessas áreas o acréscimo na precipitação anual foi maior ou igual a 20%
(Figura 3). Enquanto que em latitudes médias existe uma previsão de decréscimo da precipitação de junho a
agosto, especialmente na América Central e Mediterrâneo (Figura 2). Nessas áreas o decréscimo na precipi-
tação anual pode chegar a 20% ou menos (Figura 3). A previsão para o Brasil é de aumento da precipitação
anual praticamente em todo o país no verão (dezembro a fevereiro), exceto no extremo norte e na costa leste,
e decréscimo nas regiões nordeste, nordeste e centro-oeste no período de inverno (junho a agosto), conforme
pode ser observado na Figura 2. No Brasil a precipitação anual média poderá se elevar em até 10% nas áreas
de acréscimo e reduzir em até 15% nas áreas de decréscimo (Figura 3).
Segundo Bates et al. (2008) é muito provável que precipitações intensas se tornem mais frequentes
particularmente nas áreas tropicais e de altas latitudes onde a precipitação média deverá aumentar. O risco
de inundações aumentará porque existe a tendência das precipitações ocorrerem em eventos intensos interca-
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
82
lados entre períodos mais longos de baixa intensidade. Segundo Kron e Berz (2007) o número de catástrofes
causadas por grandes inundações ocorridas no planeta, no período de 1996 a 2005, é duas vezes maior do
que as ocorridas no período de 1950 a 1980, enquanto que as perdas relacionadas aumentaram cinco vezes. É
importante ressaltar que as inundações e suas consequências não dependem apenas das vazões, mas também
da ocupação do solo cujo controle e os prejuízos decorrentes dependem da sociedade.
Figura 2 - Mudança na precipitação média estimada por 15 modelos para dezembro a fevereiro (esquerda) e junho a julho
(direita), para o cenário A1B, para o período 2080-2099 em relação ao período 1980-1999.
Fonte: Bates et al. (2008).
A projeção da evaporação média global muda de modo semelhante à mudança no balanço de pre-
cipitação global, mas a relação não é evidente para em escala local devido ao transporte do vapor d’água na
atmosfera. A evaporação aumenta muito sobre os oceanos tropicais e nas altas latitudes (Figura 3).
Sobre os continentes a tendência de mudança da precipitação é equilibrada pela evaporação e pelo
escoamento superficial. Em escala global, o conteúdo de vapor d’água na atmosfera deverá aumentar em
resposta ao aumento da temperatura, favorecendo o aquecimento do clima uma vez que o vapor d’água é um
gás causador do efeito estufa (Bates et al., 2008).
Os modelos de circulação global oceano-atmosfera preveem risco de seca nas regiões norte subtro-
pical e nas latitudes médias. Em todos os continentes existem grandes extensões de terra em que a umidade
do solo é reduzida. Em algumas dessas áreas o escoamento superficial também é reduzido. Essas regiões
apresentam déficit porque a elevada evaporação compensa o aumento das precipitações. No leste da África,
na Ásia central há perspectiva de aumento da umidade do solo. De acordo com a previsão dos modelos uma
área significativa do território brasileiro apresenta risco de seca (Figura 3). De acordo com Bates et al. (2008)
o aumento da demanda evaporativa da atmosfera causará impacto no escoamento superficial, na umidade do
solo, no balanço hídrico dos reservatórios, no nível de água subterrânea e na salinização de aquíferos rasos.
O escoamento superficial tende a reduzir no norte da Europa e aumentar no sudeste da Ásia e nas
altas latitudes. As estimativas de escoamento anual foram feitas por modelos globais e não permitem uma
estimativa precisa do escoamento para uma pequena escala temporal e espacial. Porém em áreas onde a pre-
cipitação e o escoamento são muito baixos, pequenas mudanças no escoamento podem ser extremamente
prejudiciais.
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
83
Figura 3 - Mudança % na precipitação média anual (a), umidade do solo (b), escoamento superficial (c) e evaporação (d),
estimada por 15 modelos, para o cenário A1B, para o período 2080-2099 em relação ao período 1980-1999.
Fonte: Bates et al. (2008).
5. CONCLUSÕES
As causas da mudança climática podem ser naturais ou causadas por atividades antropogênicas. For-
ças ou fontes de energia da própria Terra ou de corpos planetários do sistema solar controlam o clima global
que pode ocorrer em longa ou curta escala de tempo. A atividade humana modifica a concentração de gases
de efeito estufa e aerossóis na atmosfera e a cobertura do solo. Esses fatores afetam o balanço de energia do
sistema climático que por sua vez ocasionam as mudanças climáticas.
A temperatura média global da superfície aumentou 0,65oC ± 0,2oC no século 20 e a projeção esti-
mada para o século 21 é de aumento para alguns cenários de crescimento populacional e desenvolvimento
econômico. Modelos climáticos indicam aumento das médias de vapor d’água, evaporação e precipitação em
todo o planeta. No Brasil, a precipitação anual média poderá se elevar em até 10% nas áreas úmidas e reduzir
em até 15% na região do semiárido. Tendência semelhante ocorre para o escoamento superficial e uma área
significativa do território brasileiro apresenta risco de seca.
Nas últimas décadas foram observadas mudanças em muitas variáveis relacionadas à água, mas ainda
não é possível atribuir com certeza as causas dessas mudanças a fenômenos naturais ou antropogênicos. As
projeções futuras sobre precipitação, escoamento superficial e umidade do solo, para a escala regional, estão
sujeitas à grandes incertezas. Contudo, é preciso encarar o problema da influência das mudanças climáticas
na hidrologia de forma realista adotando práticas de manejo dos recursos hídricos e procedimentos de adap-
tação ao excesso ou a escassez de água.
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INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
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Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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HIDROGEOLOGIA E OS RECURSOS
HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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1. O QUE É HIDROGEOLOGIA?
A hidrogeologia é a parte da ciência geológica que estuda a água subterrânea, ou seja, aquela que ocorre
abaixo da superfície terrestre, e a sua relação com o ciclo hidrológico. A chuva que precipita e que não é evapo-
transpirada ou interceptada pode seguir dois caminhos: se infiltrar no solo, alimentando o escoamento subter-
râneo, ou escoar pela superfície até atingir um corpo de água superficial, como rios, lagos ou o mar (Figura 1a).
A porção de água que se infiltra percola descendentemente pelos espaços vazios do solo e do material
geológico, influenciada pela gravidade e outras forças (incluindo as de pressão e capilares), até atingir uma
zona onde todos os espaços porosos estão preenchidos com água, chamada de zona saturada. Enquanto nesse
processo de percolação o fluxo tem sentido majoritariamente vertical, na zona saturada o movimento da água
através da rocha ou sedimento é predominantemente horizontal. Tanto o processo de percolação como de flu-
xo na zona saturada são caracterizados por velocidades bastante reduzidas, da ordem de centímetros por dia.
Essa zona saturada pode caracterizar um aquífero, desde que, conforme um reservatório subterrâneo
de água, apresente suficiente permeabilidade e porosidade interconectada e permita uma extração economi-
camente viável.
A precipitação da água da chuva é a fonte principal de recarga natural de um aquífero, entretanto, a
sua alimentação também ocorre com águas provenientes de rios, lagos ou de outros aquíferos. Já a descarga é
aquela água que sai do aquífero e geralmente está associada a um corpo de água superficial ou a outro aquífero.
A circulação das águas no ciclo hidrológico, entre diferentes compartimentos, como rios, lagos, at-
mosfera e aquíferos desempenha um importante papel para a natureza, inclusive a manutenção de biomas
sensíveis, e para a sociedade e suas atividades econômicas. A descarga de um aquífero a um rio, por exemplo,
é fundamental para dar perenidade à drenagem, sobretudo em época de estiagem, pois aquela conforma seu
fluxo de base (Figura 1b).
A análise de um diagrama de um rio genérico (Figura 2) permite avaliar a contribuição da descarga
de um aquífero no seu fluxo total. Nota-se que durante a estiagem, é essa vazão de base que mantém o rio
fluindo e desempenhando seu papel na manutenção de água e sustentação de seu ecossistema.
Em cidades, o fluxo de base garante ademais que haja diluição do esgoto, mantendo a qualidade das
águas do rio ou mesmo permitindo que o rio transporte sedimentos e outros detritos, evitando o assoreamen-
to e enchentes. Já a descarga de aquíferos em fundos do mar, junto à linha da costa, pode permitir a susten-
tação de um ecossistema específico, pois essas águas reduzem a salinidade das águas marinhas. Em regiões
desérticas, muitos dos oásis se mantem ativos, devido à descarga de águas subterrâneas de fluxos regionais.
Da mesma forma, bombeamentos excessivos de um aquífero podem secar rios e outros corpos de água ou
mesmo induzir que águas contaminadas de rios adentrem o aquífero.
(a) (b)
Figura 1 - Ciclo hidrológico. 1a) Água subterrânea no ciclo hidrológico geral; 1b) Interação água subterrânea e superficial.
Fonte: Freeze & Cherry (1979)
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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Figura 2 - Hidrograma e sua separação, indicando os diferentes componentes da vazão de um rio após um período de chuva.
Fonte: (figura 3.6 do Fetter, 2001: applied hydrogeology)
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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Na agricultura os usos são mais modestos, pois somente agora as águas subterrâneas estão sendo usa-
das com mais frequência para a irrigação de culturas de maior valor agregado, como frutas para exportação
ou mesmo no abastecimento de indústrias associadas à agroindústria, como a cana de açúcar e a citricultura.
Entretanto, segundo o último censo agropecuário, declarou-se que existam mais de 410 mil poços tubulares
nas áreas rurais do país. No Brasil, estima-se que haja um milhão de captações.
Em bacias como a do Alto Tietê onde o abastecimento público se faz por fontes superficiais, através
de um complexo sistema de reservatórios, as águas subterrâneas são amplamente usadas para o suprimento
complementar de água, através de 12 mil poços extraindo 10 m3/s. Embora essa vazão não represente mais
de 15 % da demanda de água, ela é essencial, pois os sistemas de abastecimento não podem prescindir destas
vazões.
3. A ÁGUA EM SUBSUPERFÍCIE
3. 1 Perfil hidrogeológico
Ao se escavar o solo até atingir a água subterrânea é possível verificar que nas porções mais rasas o
material geológico não se encontra completamente preenchido por água. Nessa zona, conhecida como não
saturada ou vadosa (Figura 4), os espaços porosos apresentam preenchimentos variáveis de água e ar. Esta
relação é conhecida como umidade. Com o aumento da profundidade da escavação a umidade do solo au-
menta, até a saturação, ou seja, quando todos os poros estão preenchidos por água.
Verificando-se atentamente os poros entre os grãos do material geológico, é possível notar que, em-
bora totalmente preenchidos por água, esta não escoa pela parede do furo escavado. Este fenômeno ocorre
porque as forças capilares são maiores que a da gravidade. Esta zona é conhecida como franja capilar. A par-
tir deste nível, se continuar a escavação, observa-se que a água sai dos poros e escoa pela parede do furo. Essa
zona, conhecida como saturada, é onde ocorre o aquífero. O limite entre a franja capilar e a zona saturada é
conhecido como nível de água ou nível freático.
Figura 5 - Aquífero de porosidade primária (a); e secundária (b: fraturado e c: por dissolução).
Lençol freático
Infiltração e recarga
O aquífero confinado é limitado no topo e na base por aquicludes e aquitardes (Figura 7). Neste
caso, o aquífero está submetido a uma pressão maior que a atmosférica, devido à existência de uma camada
confinante. Devido a este confinamento, o nível de água do aquífero pode estar em uma posição superior ao
topo do mesmo. Se o nível ocorre acima da superfície, o poço é chamado de artesiano1 ou jorrante. A recarga
desse tipo de aquífero é realizada pela porção aflorante (ou quando ele é livre) ou por drenança vertical de
unidades geológicas sobrepostas.
O aquífero semiconfinado é semelhante ao confinado, porém uma das camadas que o confina apre-
senta uma permeabilidade que permite a infiltração (ou drenança vertical) com alguma facilidade.
aquífero
livre
Aquífero confinado
Poço não artesiano
Camadas menos
permeáveis Poço artesiano
1 Poços artesianos referem-se a aqueles onde há jorrância da água através do furo ou seja, quando o nível potenciométrico do aquífero é superior
à superfície do terreno em um dado ponto. Entretanto, o termo também é usado popularmente (embora incorretamente) como sinônimo de
poço tubular. Já o termo poço semiartesiano, nessa acepção popular, refere-se a poços tubulares de profundidades não superiores a 80-100 m.
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RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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ρg
K=k
µ
nef = Vv
Vt
Figura 9 - Exemplo de mapa hidrogeológico do Estado de São Paulo, mostrando as diferentes unidades aquíferas e suas
características mais importantes.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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Figura 10 - Exemplo de mapa potenciométrico de um aquífero livre, mostrando as linhas potenciométricas, os sentidos de
fluxo e a relação com corpos de água superficial.
Fonte: USEPA, 1989
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HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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Rotativa
Método de
Percussão Rotopneumática
Perfuração Circulação direta de Circulação indireta
lama de lama
Rochas duras,
sedimentos
Rochas duras e Rochas duras ou
Material geológico consolidados e Sedimentos diversos
sedimentos diversos sedimentos coesos
sedimentos suaves
(eventualmente)
Profundidade média Centenas de metros Milhares de metros Centenas de metros Centenas de metros
Poços tubulares são obras de engenharia e como tais precisam, para a sua execução, de um responsá-
vel técnico, geólogo ou engenheiro. O poço tubular tem várias partes (Figura 11) para garantir que a água seja
extraída do aquífero de forma a não contaminá-lo e que a extração seja a mais eficiente possível. Isso particu-
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HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
101
larmente é importante, pois o gasto de energia em extrair a água é o item que mais encarece a produção de
água de um aquífero. A extração de água se faz geralmente por uma bomba elétrica submersa, embora haja
outros sistemas, como as bombas de eixo prolongado, os sistemas de compressor (ou air lift), etc.
É importante que os poços tenham, para a sua proteção contra problemas mais comuns de conta-
minação (micro-organismos patogênicos), uma laje de proteção, cimentação sanitária (até preferencialmente
15m, com 3 polegadas de espaço anular) e tubo de proteção sanitária (Figura 11). Há normas da ABNT (NBR
12.212 – Projeto de poço tubular para captação de água subterrânea e NBR 12.244 – Construção de poço tu-
bular para captação de água subterrânea) que auxiliam na boa construção de poços. Embora isso não previna
a contaminação do aquífero, um poço construído corretamente evita que poluentes superficiais adentrem no
aquífero, utilizando-os como um caminho preferencial.
Da mesma forma, poços abandonados também podem servir de conduto preferencial a contaminação
da superfície ou de porções superficiais do aquífero para o seu interior. Assim, tanto como a construção do
poço, o seu abandono também deve ser feito com critérios técnicos adequados.
Poços tubulares ou mesmo cacimbas exigem manutenção periódica. Neste momento, uma avaliação
da eficiência do poço e do próprio aquífero deve ser feita por um técnico a fim de identificar problemas. Uma
excelente publicação que deve ser consultada é o de Rocha & Jorba (2007).
A maior ou menor produção de um poço depende de suas características de construção e das pro-
priedades hidráulicas do aquífero. No primeiro grupo, citam-se: um bom projeto; uma boa construção, com
uso de material adequado, sobretudo lama de perfuração sintética e uma boa seleção de filtros e pré-filtros,
quando for o caso; uma perfilagem geofísica, quando essa exigir. No segundo grupo, estão associados a uma
boa locação do poço e as características hidrogeológicas do meio, particularmente a espessura saturada do
aquífero e sua condutividade hidráulica, no caso de meios de porosidade primária, e encontrar boas fraturas,
no caso dos aquíferos de porosidade secundária.
A avaliação da produção de um poço deve ser feita através de um teste de bombeamento, onde os
níveis de água (nível dinâmico) do poço bombeado e também de poços de observação no entorno são regis-
trados ao longo do tempo. Há basicamente dois tipos de testes:
a) de vazão máxima, onde uma vazão fixa é extraída continuamente de um poço por um período superior a
24 horas, mas que em aquíferos livres pode ser superior a 48 horas. Este teste serve para avaliar as carac-
terísticas do aquífero, como a definição de transmissividade (T) e coeficiente de armazenamento (S);
T: transmissividade (L2/T)
K: condutividade hidráulica (L/T)
b: espessura saturada do aquífero (L)
S: armazenamento (adimensional)
V: volume total de água extraído do aquífero (L3)
A: área do aquífero sob regime de bombeamento (L2)
∆h: redução na carga hidráulica (L)
b) escalonado, quando o poço é submetido a vários regimes de bombeamento. Cada etapa geralmente tem
duração de 2 a 6 horas. O objetivo desse teste é o de estabelecer o regime de extração mais adequado às
características do aquífero e do perfil construtivo do poço. Neste caso, se busca a eficiência da extração de
água do poço.
Capítulo 6
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RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
102
Em oposição à vazão segura há o termo superexplotação22. Este pode ser caracterizado como a ex-
tração não sustentável e que causa pelo menos um dos seguintes problemas: a) exaustão do aquífero, ou seja,
o aquífero terá níveis tão baixos que será impossível tecnicamente extrair água de forma convencional; b)
redução ecologicamente insustentável dos fluxos de base dos corpos de água superficial, como rios, áreas
alagadas e lagos, com problemas ou não a sua vida aquática e de fito-freáticas; c) subsidência do terreno, ou
seja, o afundamento devido a problemas de acomodamento do solo (compactação) ou falta de sustentação em
terrenos cársticos; d) indução de intrusão salina, devido a indução de águas não potáveis do mar ou de outros
aquíferos contaminados, pelo bombeamento de poços; e) aumento insustentável dos custos de explotação do
aquífero, pelo aprofundamento dos níveis de água e/ou necessidade de aprofundamento do poço e troca de
equipamentos de bombeamento devido a fortes interferências hidráulicas (Figura 12); e f) falta de equidade
social, causada quando um grande usuário reduz os níveis do aquífero além da profundidade dos poços de
pequenos usuários.
Interferências hidráulicas entre poços vizinhos podem aprofundar os níveis de água, tornando a
explotação proibitiva. Finalmente, é necessário, além de conhecer todos os poços perfurados por meio da
outorga do poço, reconhecer usos prioritários do recurso e avaliar aspectos de equidade social também na
composição da vazão segura ou sustentável para um aquífero.
Figura 12 - Interferência hidráulica causada pelo bombeamento de um poço em outros poços na região.
(Foster et al 2010).
2 Explotação: quer se distinguir exploração de explotação. Assim como na exploração mineral, o primeiro termo é relacionado ao ato de
buscar um aquífero, para se reconhecer e identificar a sua potencialidade. Já o segundo termo, refere-se à extração ao seu uso econômico.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
104
Para se chegar à vazão sustentável é necessário entender as funções do aquífero, a relação deste com
o ciclo hidrológico e quem são os usuários do recurso hídrico. Em um aquífero livre, essa vazão não deveria
superar a recarga e o mínimo de fluxo de base para a manutenção das funções dos corpos de água superficiais
na época de estiagem. Este fluxo de base pode ter como referência a vazão Q7,103, mas poderia ser uma fração
desta em alguns casos.
Já no caso de intrusão salina em áreas costeiras, haveria a necessidade de se estabelecer com mais
cautela essas vazões de extração, pois essa intrusão ocorre em resposta ao aumento da extração de água no
aquífero (Figura 13). Entretanto, mesmo que tais preceitos sejam cumpridos, pode haver problemas de su-
perexplotação. É necessário, então, estabelecer o preço da água subterrânea extraída (custo de extração e
amortização dos investimentos) e compará-la ao custo de outras fontes de água.
Figura 13 - A intrusão salina ocorre quando há um desequilíbrio entre as águas do mar e a descarga das águas subterrâneas doces.
Quando a avaliação envolve toda uma bacia hidrográfica e as outras componentes do ciclo hidroló-
gico são consideradas para o abastecimento, é importante analisar as vazões totais disponíveis, incluindo as
águas de rios, lagos e do próprio aquífero. É um erro muito comum que os órgãos gestores do recurso acabem
autorizando a extração de água de aquíferos e de rios de forma independente, o que resulta muitas vezes em
contar com a água duas vezes, quando na verdade deve se considerar que é apenas um recurso.
3 Q7,10 é a vazão mínima de um rio que se mantém durante 7 dias seguidos, com recorrência de 10 anos.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
105
No caso de aquíferos confinados, em que a água tenha idades de circulação maiores que 20 mil anos,
não é possível estabelecer uma vazão segura a partir da recarga, pois a reposição é muito demorada. Assim,
no caso de águas fósseis, não se pode estabelecer uma vazão sustentável, mas ao menos planejada. Nesse caso,
deve-se calcular o total de água passível de explotação, estabelecer um regime planejado e otimizado de ex-
trações e monitorar continuamente as perdas de níveis do aquífero, calculando periodicamente a resposta do
meio às extrações, a fim de reduzir os impactos negativos da exaustão do aquífero. Neste tipo de regime de
extração há uma verdadeira mineração do aquífero. O melhor exemplo deste caso de explotação no Estado
de São Paulo é aquele associado à porção fortemente confinada do Sistema Aquífero Guarani.
Muito embora haja problemas de superexplotação em algumas localidades no Brasil, incluindo Ribei-
rão Preto e Recife, as águas subterrâneas são ainda pouco utilizadas frente ao seu grande potencial. Os recur-
sos hídricos subterrâneos são, portanto, uma opção para o aumento da segurança hídrica no abastecimento
público e de serviços, das indústrias e da agricultura.
O uso integrado das águas superficiais e subterrâneas permitirá tirar proveito das características
complementares do recurso nestes dois meios. Assim, enquanto os rios fornecem uma grande quantidade
instantânea de água, os aquíferos a armazenam (Tabela 3), desta forma, na época de estiagem o empreendi-
mento poderá ser abastecido pelo recurso subterrâneo e, na época de chuvas, com águas superficiais, sendo
que seu excesso recarrega o aquífero.
indústria
culturas comerciais
tipo 3 ou
intensivas, geralmente
qualquer todos os resíduos
resíduo operações Cobertura da rede de monoculturas em solos
atividade industriais tipo 3,
industrial tipo em campos esgoto inferior a 25% bem drenados, em climas
que qualquer efluente
Elevado 3, resíduo de petróleo, e densidade popula- úmidos ou com baixa
manuseie (exceto esgoto
de origem mineração de cional superior a 100 eficiência de irrigação,
> 100kg/d residencial) se a
desconhecida metais pessoas/há pasto intensivo em
de produtos área > 5ha
campos intensamente
químicos
fertilizados
perigosos
postos de
chuva > 500 gasolina,
mm/a com algumas
esgoto residencial vias de
resíduos atividades de
se a área > 5ha, transporte
residenciais/ indústria mineração/
Moderado demais casos com tráfico intermediário entre elevado e reduzido
agroindustriais/ tipo 2 extração de
industriais tipo não relacionados regular de
materiais
1, ou todos os acima ou abaixo produtos
inertes
demais casos químicos
perigosos
chuva < 500 rotação das culturas,
águas residuais
mm/a com cobertura da rede de terras para pasto exten-
residenciais,
resíduos esgoto superior a 75% sivo, sistemas de cultivo
indústria mistas, urbanas,
Reduzido residenciais/ cemitérios e densidade popula- ecológico, plantações
agroindustriais/ tipo 1 agroindustriais e
cional inferior a 550 com alta eficiência de ir-
industriais de mineração de
pessoas/há rigação em regiões áridas
tipo 1 não metálicos
e semiáridas
* solos contaminados de indústrias abandonadas devem ter a mesma classificação que a da própria indústria
Indústrias Tipo 1: madeireiras, manufaturas de alimentos e bebidas, destilarias de álcool e açúcar,
processamento de materiais não metálicos.
Indústrias Tipo 2: fábricas de borracha, fábricas de papel e celulose, indústrias têxteis, fábricas de
fertilizantes, usinas elétricas, fábricas de detergente e sabão.
Indústrias Tipo 3: oficinas de engenharia, refinarias de gás/petróleo, fábricas de produtos químicos/
farmacêuticos/plásticos/pesticidas, curtumes, indústrias eletrônicas, processamento
de metal
Fonte: Foster et al 2002.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
107
Assim como a gestão da quantidade deve avaliar o quanto é possível extrair de água de um aquífero,
a gestão de qualidade está associada ao controle das atividades humanas que, pelo manejo ou disposição de
resíduos ou efluentes, acabam por contaminar os aquíferos. A filosofia que deve nortear o controle das ati-
vidades deve priorizar aquelas que necessitam maior atenção ambiental de outras, onde essa atenção pode
ser postergada. Garantir um controle de todas as atividades antrópicas no mesmo nível de exigência é pouco
lógico e financeiramente problemático.
É possível reconhecer, portanto, três situações relacionadas às atividades potencialmente contami-
nantes e ao planejamento de uso territorial, visando a gestão dos aquíferos (Figura 14):
a) Contaminação do aquífero conhecida: neste caso um estudo prévio comprovou que há um ou mais casos
de contaminação. Assim, é importante estabelecer quais os impactos que estas atividades estão causando
no aquífero e principalmente nas fontes de abastecimento público de água, seguida de uma avaliação de
riscos ambientais e à saúde humana. Caso se prove a existência deste risco, uma das seguintes ações poderá
ser tomada: abandono dos poços afetados; remediação do aquífero ou o monitoramento continuado do
problema no aquífero. Em todos os casos é necessário que a fonte de contaminação cesse;
b) Áreas com atividades potencialmente contaminantes existentes: neste caso a presença de atividades an-
trópicas está causando perigo de degradação de um aquífero ou de uma fonte de captação de água. O
perigo de contaminação é entendido como a interação entre a vulnerabilidade natural de um aquífero à
poluição e a presença de uma atividade potencial de contaminação (Figura 15). A vulnerabilidade é uma
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
108
Figura 15 - Esquema conceitual de avaliação de perigo de contaminação dos recursos hídricos subterrâneos, a partir da
interação entre cargas contaminantes potenciais e vulnerabilidade de aquíferos à poluição.
Fonte: Foster & Hirata (1988).
c) Instalação de novas atividades potencialmente contaminantes: neste caso é necessária, previamente à ins-
talação da atividade, uma avaliação dos impactos possíveis, considerando o ambiente e particularmente as
águas subterrâneas. Cartografias de vulnerabilidade e a proximidade de poços de abastecimento público
poderiam ser utilizadas para auxiliar nestes estudos. O perigo de contaminar o aquífero ou um poço im-
portante poderia ser o critério para a não instalação da atividade ou de alteração do projeto de instalação
da atividade a fim de reduzir esse perigo.
Em todos os casos, devido às incertezas inerentes à complexidade geológica dos aquíferos, é sempre
recomendável o monitoramento das águas subterrâneas, a fim de garantir a manutenção de sua qualidade,
bem como permitir alterações em projetos e manejos a tempo de evitar problemas mais sérios. Esse procedi-
mento adaptativo, que permite ajustes das atividades à medida que haja mais informações da hidrogeologia
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
109
Em conclusão, a proteção das águas subterrâneas deve cuidar integralmente dos aspectos de quali-
dade, através do entendimento das vulnerabilidades do aquífero à contaminação e do reconhecimento das
principais mananciais de água para abastecimento público que se deve proteger; e da quantidade, através da
caracterização das potencialidades aquíferas, incluindo a estimação de suas recargas e armazenamentos, e da
identificação das áreas de maior demanda presente ou futura. A experiência tem mostrado que um programa
de proteção para ser eficiente não pode prescindir da participação da sociedade, pois o gerenciamento de
milhares de poços não ocorre, se os maiores interessados na sua proteção, que são os usuários, não forem
realmente considerados nas ações de gestão.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLER, L.; BENNET, T.; LEHR, J.H. AND PETTY, R.J. DRASTIC: a standardized system for evaluating
groundwater pollution potencial using hydrogeological setting. U.S.EPA Report 600/2-85/018, 1987.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
110
111
ÁGUAS SUPERFICIAIS
Capítulo 7
112
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
113
1. INTRODUÇÃO
Entende-se por escoamento superficial a quantidade total de água que aparece em uma determinada
seção de uma bacia hidrográfica. Esta quantidade pode ter origem no chamado escoamento superficial di-
reto, escoamento básico ou subsuperficial, termos que serão definidos adiante neste capítulo. O escoamento
superficial representa a resposta aos processos hidrológicos que ocorrem na bacia, e variam no espaço e no
tempo. Esta variação depende principalmente da distribuição espacial e das oscilações sazonais e intraanuais
da precipitação. A precipitação que cai sobre a terra pode se infiltrar no solo ou escoar sobre a superfície, pela
rede de canais naturais, até alcançar os canais maiores por onde fluem as maiores vazões. Quando a inten-
sidade da chuva excede a capacidade de infiltração do solo, a água é armazenada em pequenas depressões.
Quando a lâmina de água formada na superfície é suficiente para transpor os obtáculos, o escoamento se
inicia em direção a cotas mais baixas. Parte da água que infiltrou será retida nas camadas superiores do solo
por forças capilares e daí retornará à atmosfera pelos processos de evaporação e transpiração dos vegetais.
A parte restante percolará para camadas mais profundas do solo e poderá retornar lentamente à rede hi-
drográfica ou ficar armazenada dinamicamente em camadas mais profundas. A Figura 1 ilustra os processos
discutidos acima.
Além da variabilidade das precipitações, outros fatores como topografia, solo, geologia vegetação,
uso do solo e a rede de drenagem natural influenciam os resultados dos processos hidrológicos. Estes fatores
variam de acordo com as características físicas da bacia e até mesmo dentro da mesma bacia (Sing, 1992),
conforme apresentado no capítulo sobre bacia hidrográfica. Diferentes combinações desses fatores resultam
em diferentes respostas da bacia ao escoamento superficial.
Conhecer a possibilidade de ocorrência no tempo e no espaço do escoamento da água em uma bacia
hidrográfica é importante para a solução de problemas relacionados às múltiplas demandas sociais e econô-
micas, ao dimensionamento de estruturas hidráulicas, às medidas contingenciais para controle de inunda-
ções, a operação de reservatórios e ao gerenciamento dos sistemas de recursos hídricos, de uma forma geral.
Neste capítulo serão apresentadas as características do escoamento superficial, metodologias de de-
terminação e a descrição quantitativa de sua ocorrência.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
114
2. FONTES E RIOS
A parcela da água que não infiltra no solo e que não fica retida na vegetação e em superfícies imper-
meáveis escoa pela superfície do solo, aflui aos rios e destes para o mar. A água que escoa superficialmente e
aquela que percola pelas camadas subterrâneas concentram-se como água doce em lagos e rios. Entretanto
nem toda esta água flui para os rios. Parte dela infiltra-se nas profundezas do solo e abastece os aquíferos
(rocha saturada da subsuperfície), que armazena enormes quantidades de água doce por longos períodos de
tempo. Muito mais água é armazenada nos oceanos, na neve e nas geleiras, por longos períodos de tempo.
Estes armazenamentos de água alimentam o escoamento superficial em períodos climáticos diferenciados.
Em regiões de clima quente a água evaporada dos oceanos se precipita nos continentes e origina o escoa-
mento superficial. Em regiões de clima frio o escoamento nos rios vem do derretimento da neve e do gelo.
Alguma infiltração permanece próxima à superfície da terra e pode voltar para corpos de água su-
perfíciais (e do oceano) como descarga da água do lençol subterrâneo que emerge como fontes de água doce.
Segundo o United States Geological Survey (USGS, 2012) as fontes se formam em qualquer tipo de rocha,
mas são mais comumente encontradas em pedra calcária ou dolomita que se racham e se dissolvem formando
espaços por onde a água flui. Se o escoamento for horizontal, ele pode atingir a superfície do solo resultando
em uma fonte de água doce.
Em regiões onde há atividade vulcânica recente a água é aquecida pelo contato com as rochas quentes
abaixo da superfície. Estas fontes são chamadas de termais. As rochas se tornam quentes com o aumento da
profundidade e se a água profunda atingir uma rachadura que ofereça uma passagem para a superfície da
terra, a mesma poderá produzir uma fonte termal. As fontes mornas ocorrem ao redor do mundo e podem
mesmo coexistir com icebergs (USGS, 2012). No Brasil podem ser encontradas fontes termais nos estados de
Santa Catarina (Piratuba, Gravatal, Santo Amaro da Imperatriz, Itá, Águas Mornas e Treze Tílias), Goiás (Rio
Quente, Caldas Novas), Rio Grande do Sul (Marcelino Ramos e Nova Prata), Rio Grande do Norte (Mossoró),
Paraná (Iretama e Foz do Iguaçu), Minas Gerais (Araxá, Conceição das Alagoas) e São Paulo (Olímpia, Águas
de Lindóia e Águas de São Pedro).
115
A Figura 3 apresenta os escoamentos típicos que ocorrem numa bacia dado uma chuva. A parcela
da precipitação igual ao volume do escoamento superficial direto é chamada de chuva excedente. Os pontos
indicados marcam condições específicas do escoamento. O ponto A marca o início do escoamento superficial.
O ponto B marca uma mudança de inflexão do escoamento superficial após o ponto de vazão máxima na
fase de recessão e representa o início do escoamento subsuperficial. O ponto C marca o fim do escoamento
superficial direto.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
116
Os rios são classificados de acordo com a influência do escoamento básico sobre a vazão ou a localiza-
ção do nível do aquífero para todo o comprimento ou em qualquer trecho do rio (Singh, 1992). Rios perenes
são os que apresentam escoamento durante todo o ano, exceto durante secas extremamente severas. Na esta-
ção seca, o escoamento dos rios perenes é mantido pelo escoamento básico. O fundo do canal está abaixo do
nível do aquífero e a água escoa para o rio. No estado de São Paulo prevalecem os rios perenes e nem mesmo
durante secas severas o escoamento chega a ser interrompido. Apenas pequenos córregos e fontes, situados
em regiões de geologia desfavorável, chegam a secar durante estiagens prolongadas.
Rios intermitentes são os que apresentam o leito do canal posicionado ora abaixo ora acima do nível
do aquífero. Quando o nível do aquífero está abaixo do leito do rio, o canal está seco. Caso contrário, há es-
coamento de água. O nível do aquífero sobe e desce em resposta à recarga ocasionada pela precipitação. Rios
efêmeros são os que apresentam escoamento somente durante a estação chuvosa. O leito desses rios está sem-
pre acima do nível do aquífero e por esta razão a água do canal infiltra quando há escoamento alimentando
o escoamento básico. Rios muito extensos podem mudar de perene para intermitente e deste para efêmero
ao longo do seu curso. Rios efêmeros e intermitentes são comuns no sertão nordestino e suas ocorrências se
devem principalmente ao regime de chuvas, às altas taxas de evaporação e subsolos cristalinos, que não são
favoráveis ao armazenamento e escoamento de grandes quantidades de água.
A forma e as características do escoamento podem ser representadas ao longo do tempo conforme
ilustrado na Figura 4. Em jargão técnico este gráfico se chama hidrograma. O tempo de pico é o decorrido
desde o início da ascensão até o pico do hidrograma (ponto P). Este valor é determinado pelas características
físicas da bacia, da chuva e de uso e ocupação do solo. O tempo de base corresponde à duração do escoa-
mento. O tempo de atraso, ou retardamento, pode ser representado pelo tempo decorrido entre o centro de
massa da chuva e o pico do escoamento.
A chuva excedente uniformemente distribuída em toda a bacia produz um escoamento que se con-
centra na saída da bacia, também chamado de exutório. Após esta chuva, o tempo necessário para que toda a
bacia passe a contribuir na seção de saída da bacia é chamado de tempo de concentração. É sempre preferível
utilizar o método cinemático para os trechos canalizados da bacia porque as velocidades do escoamento de-
pendem das características dos diversos trechos por onde a água escoa.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
117
A estimativa do tempo de concentração pelo método cinemático pode ser feita somando-se os tem-
pos dos escoamentos superficiais (tes) em terrenos de pastagens, agricultura, ruas, canais, valas, galerias, etc.,
conforme a equação 1. Os tempos de escoamento superficial são obtidos pela relação entre o comprimento e a
velocidade conforme a equação 2. A velocidade pode ser determinada pela equação de Manning (equação 3).
em que tes é o tempo do escoamento superficial (s), L é o comprimento considerado (m), V é a velocidade
da água (m/s), tc é o tempo de concentração (s), R é o raio hidráulico (m) definido pela relação entre a área
da seção transversal ao escoamento (A – m2) e o perímetro molhado (P – m), S é a declividade (m/m) e n é o
coeficiente de rugosidade de Manning (valores típicos são apresentados na Tabela 1).
Como é difícil obter os dados para este método, normalmente são utilizadas equações empíricas que
costumam apresentar resultados discrepantes entre si, porque foram determinadas em diferentes condições.
Devem ser preferidas aquelas que foram especificamente determinadas para o caso em estudo e sobre as quais
existam algumas experiências. Na Tabela 2 é apresentada duas equações para determinar tempos de concen-
tração para bacias agrícolas e urbanas. O volume do escoamento superficial direto é dado pelo produto da área
de drenagem e a altura de chuva excedente nas mesmas unidades, ou pela área sob a curva APC da Figura 4.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
118
Planície de inundação
Pastagem 0,035
Campos de cultivo agrícola 0,040
Campo com arbustos e ervas daninhas 0,050
Campo com arbustos densos 0,070
Campo com árvores densas 0,100
Canal natural
Limpo com curso retilíneo 0,030
Limpo e sinuoso 0,040
Sinuoso e com ervas daninhas e empoçamentos 0,050
Arbustos e árvores pesadas 0,100
Canal revestido
Concreto 0,012
Fundo de cascalho lados de concreto 0,020
Fundo de cascalho com lados de argamassa 0,023
Fundo de cascalho com lados de pedra bruta 0,033
Fonte: Chow et al. (1988).
119
A área de drenagem (A) é altamente relacionada ao escoamento (Q). A equação representa esta rela-
ção, em que x e y são parâmetros. A magnitude de x depende da chuva e de outros parâmetros da bacia, e y
varia com a vazão. Q pode ser representada pela vazão média, máxima ou mínima anual. Para vazões médias
y ≅ 1, para vazões elevadas y < 1 e para vazões baixas y > 1. Em bacias grandes o escoamento demora a alcan-
çar o exutório, o pico da vazão é menor e fluxo é mantido durante um maior período.
Q= xAy 4
A forma da bacia afeta o pico do escoamento. Bacias alongadas apresentam escoamento com menores
picos e maiores durações do que bacias compactas de mesma área. A Figura 5a mostra o comportamento do
escoamento para uma bacia alongada, a Figura 5b para uma bacia compacta e a Figura 5c para uma bacia
parcialmente alongada e parcialmente compacta. A Tabela 3 apresenta alguns parâmetros de análise das
características físicas de uma bacia hidrográfica. Quanto maior o coeficiente de compacidade mais irregular
é a bacia e menor a tendência de enchentes. Quanto mais alongada a bacia, menor será o fator de forma e
menor a tendência de enchentes. As declividades da bacia e dos rios afetam a velocidade do escoamento e o
potencial erosivo. Quanto maior a declividade mais antecipado será o pico do hidrograma. Quanto maior a
densidade de drenagem, mais rápido será o escoamento na bacia.
Mais detalhes sobre as características físicas da bacia hidrográfica são apresentados no capítulo sobre
bacia hidrográfica.
120
Coeficiente de compacida-
≥1
de (Strahler, 1964)
Densidade de drenagem
Declividade equivalente
do rio (Laurenson, 1962)
Declividade da bacia
Lr – comprimentos dos rios (m), A – área da bacia (km2), P – perímetro da bacia (km), Li – comprimento do trecho do rio (m),
Si – declividade do trecho do rio.
Mudanças no uso do solo, com exceção de reservatórios e derivações, geralmente aumentam a quan-
tidade do escoamento em uma bacia. Urbanização, desflorestamento, agricultura, construção de estradas,
retificação de rios e outras intervenções realizadas na bacia aumentam o escoamento. Os impactos princi-
pais, devido à urbanização, são o aumento do pico da vazão de cheia, a antecipação no tempo desta vazão
máxima e o aumento do volume do escoamento superficial. A título ilustrativo é apresentado um exemplo
apresentado em Vendrame e Lopes (2005). Os autores mostraram os efeitos da urbanização na bacia do Rio
Pararangaba, afluente do Rio Paraíba do Sul, no município de São José dos Campos, SP. A bacia possui área
de 75,64 Km2, correspondendo a 6,8% da área total da cidade. Os resultados da análise estão apresentados na
Tabela 4. As condições C1, C2 e C3 ilustram um processo de impermeabilização do solo bastante significativo,
onde o tempo de concentração é reduzido mais que a metade. Observa-se um aumento considerável da vazão
máxima para qualquer período de retorno simulado. O hidrograma apresentado mostra que a vazão de pico
é incrementada e antecipada de acordo com a intensidade da urbanização.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
121
Tabela 4 - Parâmetros indicativos da característica do escoamento e hidrograma gerado para período de retorno de 10 anos,
para diferentes cenários de urbanização.
Parâmetro C1 C2 C3
Cenários: C1 – Pré-urbanização, C2 – Urbanização atual, C3 – urbanização futura, Tc - Tempo de concentração, Ai - área imper-
meável, Taxa imp. – taxa de impermeabilização, Qm – vazão máxima, Tr – período de retorno
5. MEDIÇÃO DA VAZÃO
São vários os métodos utilizados para a obtenção da vazão em uma seção de rio. A escolha do méto-
do a ser empregado depende das condições do escoamento, dos equipamentos e materiais disponíveis e das
condições operacionais para a medição.
Cd – coeficiente de descarga, L – largura do vertedor, H – altura da lâmina d’água sobre a crista do vertedor, θ - ângulo do vertice
do vertedor, w – largura da seção contraída, y – altura d’água (carga) na seção de montante
Fonte: Mays, 2001.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
122
5
Este método pode ser usado para estimar vazões elevadas quando o rio extravasa o leito normal do
rio. Nestas condições pode-se tomar por referência marcas deixadas pelas enchentes no curso do rio para
estimar a declividade da água e os demais parâmetros da equação. O n pode variar de 0,02 a 0,1 para canal
natural, dependendo da rugosidade do canal e a profundidade da lâmina d’água. Quanto maior a distância
entre as duas seções mais precisa é a estimativa da vazão. Patra (2001) recomenda que a distância seja 100
vezes a profundidade da inundação. Que a diferença de nível seja de no mínimo 20 cm e que devem se usar
valores médios dos parâmetros da equação 5.
Figura 6 - Distribuição da velocidade em uma seção do rio. Figura 7 - Molinete hidráulico com corpo, hélices e haste.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
123
profundidades requer uma lâmina d’água maior que 0,6 m. Os principais requisitos a serem observados na
medição com molinete são: o número de verticais adequado, evitar correntes inclinadas, rapidez na medição
para evitar variação do nível d’água, evitar vibração e inclinação do molinete na hora da medição.
O método do flutuador consiste em determinar a velocidade de deslocamento de um objeto flutu-
ante medindo o tempo necessário para que o mesmo se desloque em um comprimento conhecido do rio.
Este método é muito utilizado devido a sua simplicidade e baixo custo, uma vez que dispensa a aquisição de
equipamentos sofisticados. A velocidade média da seção é obtida com cinco medidas da velocidade superficial
multiplicado por um fator de correção podendo variar de 0,55 para cotas mais altas e 0,8 para cotas mais bai-
xas (Lobo, 2002). Para aplicação deste método deve-se escolher um local do rio com trecho retilíneo, margens
paralelas, declividade do leito relativamente constante e profundidade uniforme no sentido longitudinal. Os
flutuadores podem ser de madeira, metálico ou de plástico, e de vários formatos (superficiais, lastreados e de
bastão), mas devem apresentar estabilidade e boa visibilidade.
A determinação da velocidade da água com flutuador não é recomendada quando o objetivo é a precisão.
Mauro et al. (2004) obtiveram um erro de 14,8% na vazão quando a velocidade da água foi medida com flutuador
para uma vazão típica de 0,028 m3/s. Almeida Júnior et al. (2010) constataram boa correlação (R2 = 78%) entre as
velocidades obtidas com flutuador e com molinete na faixa entre 0,13 a 0,35 m/s em rios da região noroeste de São
Paulo. Para velocidades compreendidas no intervalo de 0,35 e 0,72 m/s a correlação foi ruim (R2 = 0,32).
Outro método de medição da velocidade do escoamento é com o correntômetro acústico de efeito
Doppler (Acoustic Doppler Current Profiler – ADCP) que determina a velocidade do fluxo em perfis verticais.
O aparelho emite uma frequência de onda sonora (600 kHz) a uma velocidade de 1400 a 1570 m/s que ao ser
refletida por partículas em suspensão na água e do leito do rio sofre alteração em seu comprimento de onda
(modificando a frequência). O sinal de retorno é usado para estimar o deslocamento relativo das partículas
em suspensão e leito do rio em relação à fonte. Como a velocidade das partículas em suspensão é a mesma
do fluxo do rio, obtém-se a velocidade do fluxo (RDI, 2001). O equipamento se desloca na seção transversal
do rio e registra automaticamente as velocidades, as áreas das células da seção transversal ao fluxo da água e
a vazão do rio. Carvalho (2008) comprovou a eficiência e precisão deste método no rio Araguaia, em Goiás.
Dividindo-se a seção transversal do rio em subseções e determinando-se a velocidade média em cada
uma delas pode-se determinar a vazão pela equação 6, em que Vi é a velocidade média e Ai é a área da sub-
seção i (i = 1,..., n).
124
A mistura do traçador na água depende das dimensões geométricas da seção do rio, vazão e das con-
dições do fluxo. Para pequenas bacias de monatnha o comprimento do trecho pode ser de 1 km e para rios
largos de planície o comprimento deve ser de 100 km para garantir uma boa mistura do traçador.
125
Figura 9 - Posto fluviométrico com réguas limnimétricas. Figura 10 - Medidor de nível com ultrassom.
A curva-chave é obtida relacionando o nível d’água (no eixo da ordenada) e a vazão (no eixo da
abscissa) resultando numa curva parabólica (Figura 11) que pode ser expressa pela equação 9. A curva-chave
representa o efeito da geometria da seção com os parâmetros hidráulicos do fluxo. Aplicando logaritmo a
equação 9 obtém-se a equação 10.
10
em que Q é a vazão (m3/s), H é o nível da água (m), Ho é um parâmetro que representa a leitura do nível para a
vazão zero, e a e b são constantes da curva-chave. H0 pode assumir valores positivos ou negativos, dependendo
da posição do zero da escala com relação ao fundo do rio.
As constantes a e b podem ser obtidas pelo método dos mínimos quadrados, mas Ho deve ser calculado
antecipadamente por tentativa e erro ou analiticamente. A partir da curva Q x H são selecionados três valores de
vazão de modo que Q1/Q2 = Q2/Q3. Os valores correspondentes do nível são H1, H2 e H3. Pela equação 9 obtêm-
se as equações 11 e 12. Um procedimento alternativo para determinar os parâmetros a, b e Ho é por otimização.
A ferramenta Solver do Excel poderá ser utilizada para este propósito.
11
12
126
Em algumas seções é necessário estabelecer relações descontínuas entre a vazão e o nível para melhor
representar as alterações da forma da seção a partir de um determinado nível onde a seção é mais larga. As
curvas-chave apresentadas na Figura 11 foram plotadas para diferentes trechos em dois períodos para o posto
4D-009, no Rio Atibaia, município de Paulinia, SIGRH (2012).
O conjunto de pontos (Q, H) usados para determinação da curva-chave não contempla todos os níveis
possíveis e normalmente é necessário realizar a extrapolação de dados para vazões extremas.
A extrapolação das vazões mais altas ou mais baixas pode ser feita por alguns métodos (Patra, 2001
e Singh, 1992). Pode-se utilizar a equação 5 calculando-se o valor de AR2/3 para toda a seção transversal do
posto e plotando-se um gráfico N x AR2/3 com o melhor ajuste dos pontos. Assumindo-se que é constante
para todos os níveis e vazões, este valor é calculado pela equação 5 para o valor observado mais elevado da
vazão. Para determinar a vazão de cheia a ser extrapolada entra com o valor do nível correspondente à cheia
no gráfico (Figura 12). Como é conhecido, Q pode ser calculada pela equação 5.
Um posto de medição de nível deve ser instalado em local de fácil acesso, a seção do rio deve ser
estável (não erodível) e de forma regular, em trecho retilíneo e com declividade constante possibilitando que
o escoamento seja uniforme, com velocidades de fluxo entre 0,2 e 2 m/s.
Período 15/12/1983 a 22/08/1991
Trecho a b Ho
0.95≤H≤1.69 21 1.23 0.95
1.69<H≤1.88 36 1.28 1.2
1.88<H≤10 42 1.68 1.2
Período 23/08/1991 a 31/05/2000
Parâmetros
Trecho a b Ho
1.4≤H≤1.89 27.2 1.22 1.4
1.89<H≤10 42 1.68 1.43
Figura 11 - Curvas-chave do Rio Atibaia para diferentes períodos.
127
13
14
Probabilidade condicional. Para dois eventos A e B, sendo A a vazão anual menor que 50 m3/s e B a vazão
no ano seguinte ser menor que 50 m3/s. O evento que A e B ocorrem em anos sucessivos com vazão menor
que 50 m3/s é a interceção dos eventos A ∩ B. A probabilidade que B ocorra dado que A já tenha ocorrido é
chamada de probabilidade condicional P(BǀA). A probabilidade conjunta que ambos os eventos A e B ocorre-
rão é P(A∩B) = P(B|A).P(A) e consequentemente:
15
128
A probabilidade dessa ocorrência é chamada de risco (R) e é dada pela equação 19. Admitindo-se que o risco
permitido de um projeto falhar em 40 anos, o período de retorno da vazão de projeto deveria ser: 0,05 =
1 – (1 – 1/T)40, ou seja, T = 780 anos.
16
17
18
19
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS
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Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
131
Capítulo 8
132
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
133
1. INTRODUÇÃO
O conhecimento da disponibilidade hídrica de uma bacia hidrográfica, e de sua variabilidade, é fun-
damental para a instrução de processos de gestão dos recursos hídricos segundo os instrumentos previstos
na legislação. Esta informação associada ao conhecimento dos aspectos bióticos e abióticos dos ecossistemas
aquáticos e ribeirinhos é crucial para a conservação do meio ambiente, para a definição do regime de vazão
ecológica e para o estabelecimento das condições adequadas à sustentabilidade do uso dos recursos naturais
como um todo.
O balanço entre disponibilidades e demandas hídricas é a base para se realizar a alocação de água
que permita níveis de garantia elevados de atendimento às demandas. As múltiplas demandas afetam de
maneira diferente o regime hidrológico. Os usos que retiram água do rio, tais como abastecimento público,
industrial e irrigação, reduzem a disponibilidade para jusante. Os usos que não retiram água, mas alteram a
variabilidade das vazões, tais como a geração de energia hidrelétrica que armazenam águas em reservatórios.
Neste capítulo serão apresentados para a estimativa da disponibilidade hídrica, conceitos de vazão de
referência, vazão regularizada, vazão ecológica e balanço hídrico. A aplicação desses conceitos e metodologias
é útil à escolha das melhores alternativas de uso dos recursos hídricos e ambientais.
2. FLUVIOGRAMAS
Os fluviogramas ou hidrogramas são a representação das vazões ao longo do tempo, obtidas a partir
de alguma das formas de medição discutidas no capítulo anterior. A forma mais comum de cálculo é a in-
ferência indireta, onde, a partir da leitura dos níveis dos corpos d’água, a vazão é determinada através das
chamadas curvas-chave, que relacionam a cota com a vazão. O fluviograma descreve o comportamento da
vazão no tempo, mas não fornece indicativo da probabilidade de sua ocorrência.
A Figura 1 apresenta um gráfico de um hidrograma típico. Neste exemplo é apresentado o hidro-
grama de vazões médias mensais do Rio Guarapiranga na entrada do reservatório no período de janeiro de
1930 a dezembro de 1993. A partir deste, é possível obter o hidrograma com médias mensais e/ou anuais.
O intervalo de tempo entre medições (valores de vazão) dependerá do tipo de estudo a ser realizado. Em
situações críticas como o monitoramento de bacias urbanas (que em geral possuem áreas menores) sujeitas a
inundações, é mais adequado e recomendado utilizar um intervalo de tempo menor que um dia, adequado ao
nível de resposta necessária para a condição de enchente eminente. Nestas situações é comum a utilização de
instrumentos automáticos de monitoramento de níveis/vazões e intervalos de tempo entre medições variam
de intervalo horário até 5 minutos.
Uma limitação da curva de permanência é que as probabilidades de ocorrências dos eventos hidroló-
gicos considerados críticos estão restritas a série de dados observados. Para que as informações obtidas da cur-
va sejam confiáveis é necessário que a série de dados observados seja suficientemente longa e representativa.
Para resolver este problema pode-se ajustar uma função matemática que apresente uma aderência
satisfatória aos dados observados. Estas funções são chamadas de distribuições de probabilidades e, uma vez
ajustadas, permitem que se faça alguma extrapolação dos trechos extremos da curva de frequência (regiões de
máximos e mínimos). No Brasil é usual a utilização da distribuição de Gauss, também chamada Distribuição
Normal, para representar variáveis hidrológicas com grande intervalo de observação, por exemplo, médias
anuais de precipitação ou vazão. Por outro lado variáveis observadas em intervalos mensais ou diários são re-
presentadas com maior ajuste por distribuições assimétricas (por exemplo, distribuição Log Normal ou distri-
buição de Gumbel). Com estas curvas, valores de vazões extremas, associados a períodos de retorno elevados
poderão ser determinados. As distribuições de probabilidade não serão tratadas neste texto.
A curva de permanência é muito utilizada na sua forma adimensional quando não se dispõe de dados
em quantidade e qualidade suficiente na bacia de interesse. A forma de proceder nestes casos, geralmente
segue os seguintes passos:
1. Em uma bacia que disponha de informações suficientes, obtém-se a curva de permanência adimensional
dividindo o eixo Y das vazões pela vazão média da serie histórica (Figura 3).
2. Estima-se a vazão média da bacia com carência de dados. A vazão média de longo prazo é uma variável
hidrológica bastante estável podendo, portanto, ser obtida com poucos dados ou mesmo por correlação
com bacias vizinhas.
3. Multiplica-se o Eixo Y das vazões adimensionalizadas pela vazão média da bacia de interesse e obtém-se a
curva de permanência da bacia com carência de dados.
Tabela 1 - Exemplo de cálculo de curva de duração utilizando intervalos de classe para o Rio Guarapiranga.
Usualmente os órgãos gestores brasileiros não utilizam todas as informações fornecidas pelas curvas
permanência e adotam um só valor de vazão como base para seus estudos e decisões. Trata-se da chamada
vazão de referência, que na Resolução CONAMA 357 de 17/03/2005 é definida como segue:
“Vazão do corpo hídrico utilizada como base para o processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo das
águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA e do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGRH”.
O Departamento de Águas e Energia e Energia Elétrica do Estado de São Paulo também baseia
sua atuação como órgão outorgante no conceito de vazão de referência em obediência à Lei Nº 9.034, de
27/12/1994 que em seu artigo 130 diz:
“II - a vazão de referência para orientar a outorga de direitos de uso de recursos hídricos será calcula-
da com base na média mínima de 7 (sete) dias consecutivos e 10 (dez) anos de período de retorno e nas vazões
regularizadas por reservatórios, descontadas as perdas por infiltração, evaporação ou por outros processos físicos,
decorrentes da utilização das águas e as reversões de bacias hidrográficas”;
A vazão de referência usualmente é um dos pontos da parte baixa da curva de permanência ou um
valor calculado por uma distribuição estatística de extremos. Como exemplo do primeiro caso, cita-se a Agên-
cia Nacional de Águas que adota como referência para concessão de outorgas a vazão igualada ou excedida
em 95% do tempo (usualmente grafada como Q95%). Em outras palavras, em 5% do tempo o curso de água
não terá disponibilidade de atender a todas as outorgas concedidas ao mesmo tempo.
O Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo adota a metade da vazão mí-
nima média de 7 dias com 10 anos de período de retorno (Q7,10) como sendo o limite máximo que pode ser
outorgado em um curso de água para uso consuntivo. Este critério significa que, se a vazão do rio atingir
valores menores que a Q7,10, não será possível atender a todas as outorgas concedidas.
Note-se que, quaisquer que sejam as vazões adotadas, sempre existem probabilidades de falhas. Os
riscos associados a estas probabilidades dependem de fatores econômicos, ambientais e sociais e são de difícil
quantificação. Os valores adotados no Brasil refletem políticas cautelosas dos órgãos gestores, que procuram
prevenir a degradação de nossos recursos. Em algumas regiões, entretanto, os critérios gerais implícitos nas
vazões de referência podem não atender ao aproveitamento mais racional e sustentável dos recursos da bacia.
Neste caso, medidas adicionais de gestão devem ser adotadas.
As vazões de referência associadas com probabilidades de excedência (Q50, Q90, Q95, etc.) podem ser
facilmente obtidas da curva de permanência determinada para a série de vazões utilizadas como exemplo.
Nota-se pelo formato e disposição da curva da Figura 2 que, quanto maior a probabilidade de excedência,
menor será a vazão. Ou seja, a vazão que é excedida 95% do tempo é menor que a Q50, por exemplo.
Tomando-se como exemplo a curva de duração da Figura 3, é possível determinar as vazões de refe-
rência graficamente e que são apresentadas na Tabela 2.
50 10.1
80 6.0
85 5.9
90 5.5
95 4.6
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
139
n
i =1 Qi 1
Q=
n
5. VAZÕES REGULARIZADAS
A regularização de vazões consiste em armazenar as reservas hídricas durante o período chuvoso para
utilizá-las, gradativamente, na complementação das demandas hídricas no período de estiagem. O estudo de
dimensionamento de reservatório de regularização depende da variabilidade das vazões afluentes, de como
as demandas hídricas serão solicitadas, do grau de atendimento das mesmas e, evidentemente, de possíveis
perdas hídricas por evaporação ou por qualquer outro processo. A garantia de atendimento das demandas
está relacionada com estes aspectos. A garantia é estimada pela diferença entre o atendimento sem falha e
com falha [G(%)=100 (-Nf /Nt ).100 ], sendo Nf o número de meses em que houve déficit e Nt o número total de
meses simulados.
Quando as vazões regularizadas aproximam-se da vazão média os volumes úteis dos reservatórios
ficam cada vez maiores para ganhos pequenos da vazão regularizada. Esse conceito é chamado de grau de
regularização. Quando o grau de regularização é elevado o custo de construção do reservatório é maior,
agravam-se os problemas de desapropriações e relocações, e causa maiores impactos ambientais.
O critério de dimensionamento de reservatórios deve ser o de fornecer uma vazão regularizada com
uma determinada garantia de atendimento, ou seja, admite-se uma vazão inferior à requerida durante uma
percentagem do tempo. A vazão regularizada também é função da integração do reservatório em um sistema
maior, das condições de operação do reservatório isolado e em conjunto com outros reservatórios, e dos usos
múltiplos.
O volume útil e a vazão regularizada podem ser obtidos por modelo que simule a operação do reser-
vatório que pode ser representada pela equação da continuidade (equação 2), em que Vf é o volume no final
do mês, Vi é o volume no início do mês, Va é o volume afluente ao reservatório, Ve é o volume evaporado, Vd é
o volume fornecido para atendimento às demandas, e Vex é o volume extravasado.
Vf= Vi + Va - Ve - Vd - Vex 2
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
140
Podem-se utilizar dados que representam médias mensais das variáveis para cada mês de uma série
de longo período. Outros dados necessários são os que representam as características do reservatório, por
exemplo, o volume máximo normal, o volume mínimo, a curva cota-área-volume e as regras operativas. O
modelo pode ser executado para diversos valores de vazão fornecida para as demandas para determinados
volumes úteis para obter a garantias de atendimentos das demandas.
Os reservatórios podem apresentar diferentes condições operacionais, podendo operar a fio d’água,
quando os volumes afluentes são iguais aos defluentes, ou em regime de regularização, quando os volumes
acumulados no período de cheia e liberados no período de estiagem. Neste caso as vazões máximas naturais
são reduzidas e as vazões mínimas naturais são elevadas. Dependendo da capacidade e da sua posição na rede
de fluxo da bacia o reservatório pode apresentar regularização mensal, anual ou plurianual.
As vazões afluentes médias e as regularizadas pelos reservatórios das bacias dos rios Tietê, Paranapane-
ma e Paraná são apresentadas na Tabela 3. Verifica-se que o grau de regularização assegurado pelos reservató-
rios é de 61,8%, 62,8% e 60,3% da vazão média nas respectivas bacias dos rios Tietê, Paranapanema e Paraná.
Tabela 3 - Vazão regularizada pelos principais reservatórios das bacias dos rios Tietê, Paranapanema e Paraná.
Área de Vazão
Vazão média Grau de
Bacia Rio Reservatório drenagem regularizada
(m3/s) regularização (%)
(km2) (m3/s)
Guarapiranga Guarapiranga 631 12 7 58
Pinheiros Pedreira (Billings) 560 19 19 100
Tietê Ponte Nova 320 8 8 100
Tietê Edgar de Souza 4844 105 42 40
Tietê Barra Bonita 33156 435 205 47
Tietê
Tietê Bariri 36708 486 261 54
Tietê Ibitinga 44923 581 300 52
Tietê Promissão 58106 699 383 55
Tietê Nova Avanhandava 62727 747 385 52
Tietê Três Irmãos 71221 797 480 60
Paranapanema Jurumirim 17891 220 161 73
Paranapanema Piraju 18336 225 163 72
Paranapanema Chavantes 27769 338 240 71
Paranapanema Ourinhos 28160 342 240 70
Paranapanema Paranapanema Canoas II 39531 459 243 53
Paranapanema Canoas I 41276 477 243 51
Paranapanema Capivara 84715 1077 658 61
Paranapanema Taguaruçu 88707 1137 672 59
Paranapanema Rosana 100799 1281 702 55
Paraná Porto Primavera 571855 7130 4368 61
Paraná Olha Solteira 377195 5243 3400 65
Paraná
Paraná Souza Dias (Jupiá) 476797 6341 3880 61
Paraná Itaipu 823555 10027 5370 54
Fonte: ANA (2007)
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
141
De acordo com Junk et al. (1989), em países de clima tropical a sazonalidade das vazões fluviais é a
variável que atua de modo mais decisivo no comportamento do ecossistema aquático e da zona de transição
terrestre e aquática. Nesta zona que ora se apresenta inundada ora emersa (conforme a sazonalidade das
inundações) ocorre a conexão entre o rio e as fontes de recursos biológicos localizadas nas margens e nas
várzeas. Segundo Bayley (1995) os principais agentes associados ao processo sazonal são a vegetação, os nu-
trientes, os detritos e os sedimentos.
Em águas doces tropicais, os peixes respondem à elevação do nível da água mais que às chuvas locais,
movendo-se para habitats aquáticos recentemente alagados em planícies que antes estavam secas. O aumento
da velocidade da água pode ser sucedido por uma queda suave da sua temperatura e elevação da turbidez,
juntamente com alterações químicas (concentração de íons conservativos, níveis de oxigênio dissolvido, de
compostos nitrogenados, de fósforo, de ácidos húmicos, entre outras). Onde esses efeitos flutuam sazonal-
mente, eles são geralmente não catastróficos e a vida aquática está adaptada a tirar vantagem das condições
de cheias (Lowe-McConnell, 1999).
Segundo Lowe-McConnell (1999) quanto maior a sazonalidade do ambiente, mais marcantes são
algumas das características da ictiofauna: as populações flutuam grandemente por migrações e por multipli-
cação rápida, a desova sazonal se dá em resposta rápida ao suprimento de nutrientes, a razão entre produção
e biomassa é alta, a seleção predominante dá-se por agentes abióticos e bióticos. O ciclo de vida da ictiofauna
de rios tropicais está intimamente relacionado às flutuações dos níveis da água, que afetam todos os aspectos
da biologia dos peixes, seu alimento, movimentações, crescimento e épocas de reprodução.
A construção de reservatórios resulta em benefícios inquestionáveis, atendendo as demandas hídricas,
a produção de alimentos, energia, lazer, etc. Segundo Biemans et al. (2011), durante o século 20 houve um
aumento significativo (40%) da captação de água superficial para irrigação em todo o planeta devido à cons-
trução de grandes reservatórios. No entanto, os mesmos trazem como consequência a alteração do regime
fluvial à jusante, resultando em impactos cujas magnitudes dependem das características ambientais locais.
A interrupção da sazonalidade natural dos regimes de escoamento dos cursos d’água pela execução
de barramentos tem sido sistematicamente avaliada em termos dos impactos causados ao ambiente fluvial
em vários países, razão pela qual algumas políticas de recursos hídricos e leis de águas têm inserido nas suas
diretrizes a obrigatoriedade de estabelecimento de vazões ecológicas que levem em conta a preservação do
regime hidrológico dos cursos d’água, por ocasião da elaboração de planos de bacia e do planejamento de
uso dos recursos hídricos. Esse é o caso, por exemplo, da Espanha (Criado et al., 2000), da África do Sul (Jor-
danova et al., 2002) e da Austrália (Maheswaran e Deen, 2000).
regime hidrológico em que são consideradas características de magnitude, tempo, duração, frequência e taxa
de mudança para manter a biodiversidade e a integridade dos ecossistemas aquáticos (Richter et al., 1997). O
método FTA - Flow Translucency Approach consiste no escalonamento decrescente das vazões naturais enquanto
mantém níveis similares da variabilidade das vazões para conseguir o regime recomendado (Gippel, 2001).
De modo geral, os métodos hidrológicos estabelecem uma vazão mínima calculada com base em uma
estatística da série de vazões no local, sem analisar o aspecto ambiental e/ou benefícios e impactos ao ecossis-
tema. Este método apresenta a vantagem de ser de fácil aplicação.
Os métodos hidráulicos procuram relacionar as características do escoamento, tais como perímetro
molhado, profundidade máxima e velocidade do fluxo, com a necessidade da biota aquática, apresentando
uma evolução em relação ao método hidrológico. No entanto, estes métodos requerem a determinação de
relações específicas entre parâmetros hidráulicos e ecológicos para cada região em estudo. Estes dados são
raros devido à dificuldade para obtê-los.
Os métodos de simulação de habitats usam relações explícitas entre a conveniência do habitat e parâ-
metros hidráulicos (Bovee, 1982). Essas relações são obtidas curvas índices que relacionam a distribuição da po-
pulação de uma determinada espécie com as características físicas do habitat (velocidade de fluxo, profundidade
da água, composição do substrato, cobertura, etc.). Esta metodologia foi inicialmente desenvolvida no Colora-
do, EUA, no fim dos anos 1970 e é mundialmente conhecida como IFIM - Instream Incremental Flow Methodology.
Os métodos holísticos buscam a vazão ambiental do ecossistema ribeirinho como um todo sem focar
uma espécie específica. Eles requerem conhecimento multidisciplinar de hidrologia, condições hidráulicas
para a conveniência dos habitats, geomorfologia, qualidade da água, vegetação de ambientes aquáticos e
ribeirinhos, peixes, macro invertebrados, vertebrados, etc. Nesta metodologia é importante identificar a mag-
nitude dos eventos de vazões críticas e como os mesmos influenciam a ecologia do ecossistema.
King e Louw (1998) propuseram a metodologia de construção em blocos (BBM - Building Block Me-
thodology) que é baseada em dados ecológicos, da geomorfologia fluvial, da hidrologia e da hidráulica para
identificar a complexidade das diferenças dos eventos de fluxo requeridas à manutenção da biota na região
ribeirinha e seus habitats, bem como seus processos geomorfológicos e biológicos.
Brown e King (2000) sugeriram uma metodologia heurística denominada DRIFT (Downstream Res-
ponse to Imposed Flow Transformations) que envolve uma interação de processos biofísicos baseado em cenários
analisando as consequências de reduções progressivas no fluxo e nas condições socioeconômicas.
Arthington et al. (2006) propuseram uma aproximação genérica para relacionar as alterações do
fluxo, baseado em dados de estações fluviométrica ou gerados por meio de modelos, com as condições eco-
lógicas medidas em cada classe do rio. A metodologia pode orientar o manejo do fluxo em distintas regiões
fisiográficas e ecológicas fundamentais para a resolução de conflitos sobre o uso dos recursos hídricos e para
a manutenção da biodiversidade e dos bens ecológicos essenciais dos ecossistemas aquáticos.
Kaurish e Younos (2007) desenvolveram um índice padronizado que usa a resposta biológica como
escala para avaliar a qualidade da água do rio. As respostas biológicas dos organismos aquáticos a cada parâ-
metro de qualidade da água foram morte da vida prolífica, crescimento e reprodução, sendo cada uma classi-
ficada em sete respostas biológicas prováveis. As sete categorias de respostas são relacionadas a sete categorias
narrativas de avaliação da qualidade da água a qual é assinalado uma classificação numérica de 1 (letal) a 7
(excepcional). Todas as concentrações dos parâmetros são normalizadas para se obter um índice padronizado
geral que indica o grau de severidade da qualidade da água em diferentes seções do rio. Os autores destacam
que o índice apresenta a vantagem de traduzir a complexidade dos fatores que afetam a vida aquática em uma
apresentação holística mais compreensiva.
Estudos comparativos desenvolvidos por Belzile et al. (1997) demonstraram que o método hidrológi-
co que utiliza a vazão Q7,10 resulta em magnitudes de vazões inferiores àquelas calculadas por outras técnicas.
Os mesmo estudos indicaram que as vazões com permanência de 90% resultam em impactos significativos na
ictiofauna.
Desta forma, a utilização de métodos hidrológicos ou importados de outras regiões com fauna aquá-
tica e regime fluvial diferenciado resulta em significativos riscos ambientais (King et al., 1999).
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
144
No Brasil, as vazões ecológicas têm sido estabelecidas pelos órgãos ambientais como parte das li-
cenças de instalação e operação. As vazões ecológicas que têm sido praticadas pelos órgãos ambientais são
definidas principalmente pelo grupo dos métodos hidrológicos.
Entretanto, é preciso ressaltar que a aplicação desses métodos deve levar em conta o regime de vazões
compreendendo a sua sazonalidade e não ficar restrito a definição um valor único de vazão mínima (Collis-
chonn, et al., 2005).
Não se pode esquecer a importância do escoamento básico (água subterrânea) para o atendimento às
demandas e para o equilíbrio ambiental do ecossistema. A perenidade dos rios, lagos e várzeas são mantidas
em parte pela contribuição dos aquíferos. A exploração desenfreada deste recurso poderá comprometer a
manutenção de fluxos apropriados dos rios e dos ecossistemas associados.
Q n + Q r + Q s -Q d ≥ Q e 3
Para as águas subterrâneas, a ANA adota o balanço considerando a relação entre a vazão de retirada
para os usos consuntivos (demanda potencial), na área de recarga do aquífero, e a vazão explotável. Esse
indicador aponta a possibilidade, ou não, das águas subterrâneas atenderem a demanda total (ANA, 2007).
Segundo a ANA (2007), a relação entre as demandas e a disponibilidade dos recursos hídricos apre-
senta um quadro pelo menos preocupante nas bacias próximas aos centros urbanos. Nos rios Sapucaí, Turvo
e Pardo, afluentes do rio Grande, a situação é preocupante, bem como o Rio Mogi-Guaçu que apresenta situ-
ação crítica. Os Rios Piracicaba e Tietê apresentam situação muito crítica.
O capítulo 2 deste livro detalha a disponibilidade e a demanda de água na unidade de gerenciamento
de recursos hídricos de São Paulo. Embora a disponibilidade hídrica superficial total, expressa pela Q7,10,
seja maior que a demanda global, em algumas bacias a relação entre a demanda e a disponibilidade ultrapas-
sou ou está próxima da unidade, o que significa uma situação crítica de abastecimento.
Nas bacias em que as retiradas superam a disponibilidade hídrica a dimensionamento da vazão eco-
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
147
lógica é ainda mais difícil. A proximidade com grandes centros urbanos agrava o problema devido ao com-
prometimento da qualidade das águas. Esta situação implica no aumento do custo de tratamento da água e
consequentemente causa restrições para de implantação da vazão ecológica.
A avaliação das demandas e a elaboração de estudos de disponibilidade hídrica na bacia hidrográfica
são informações fundamentais para que sejam definidas regras específicas de uso da água que possibilitem a
garantia de atendimento a todos os usuários existentes, podendo-se inclusive prever eventuais condições de
racionamento.
Cruz e Tucci (2008) destacam que a toda a autorização para o uso da água está associada a uma
garantia e a um risco de não atendimento da demanda. Por consequência, a outorga concedida pelo poder
público não representa a garantia absoluta e pode ser cancelada em períodos de estiagem que está vinculado
às vazões mínimas.
O órgão gestor outorgante de recursos hídricos tem a responsabilidade de induzir o uso adequado
da água, de orientar as melhores estratégias, bem como de estabelecer uma gestão de risco de racionamento
quando necessário for. Por outro lado, o usuário deve conscientizar-se em fazer o uso racional da água, estar
disposto a realizar a gestão negociada da água e aprender a conviver e com os riscos de não atendimento
integral inerente a cada tipo de uso.
Deve-se também considerar a sazonalidade na caracterização da disponibilidade hídrica como es-
tratégia de aprimoramento da informação para definir valores mais realistas para as vazões outorgáveis e
ecológicas em função dos diferentes períodos de oferta de água.
A execução do balanço hídrico requer informações hidrológicas e de demandas de vários usos e
também de uma ferramenta de cálculo que promova eficiência e agilidade ao processo de análise. Este instru-
mento técnico é fundamental para o planejamento e a gestão de recursos hídricos e para o desenvolvimento
de projetos em vários segmentos da economia e do meio ambiente.
O cadastro de usuários possui, entre outros atributos, a vazão outorgada, o tipo de outorga (captação
ou lançamento) e as coordenadas do ponto de captação ou lançamento.
O critério para as vazões de referência são escolhidos numa tela do SSD específica para esta função
(Figura 6). Nela o operador do SSD tem a liberdade de escolher entre uma vazão com uma determinada pro-
babilidade de ocorrência, por exemplo, a Q95, ou a vazão mínima de 7 dias para um determinado Período de
Retorno, por exemplo, a Q7,10. Além disso, o operador também pode escolher que fração dessa vazão deverá
ser considerada, por exemplo: metade da Q7,10 ou 80% da Q95. Esses critérios de escolha valem tanto para a
vazão natural disponível quanto para a vazão mínima a ser deixada a jusante do uso.
Uma vez fornecidos esses dados, o programa monta e resolve a rede hidráulica formada pelos trechos
de rios pertencentes à bacia em estudo, calculando as vazões naturais através do estudo de regionalização de
vazões e fazendo o balanço hídrico em função das captações e lançamentos dos usuários ao longo dessa rede.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
149
Terminado o cálculo, é apresentada na tela uma planilha com os resultados do balanço hídrico (Fi-
gura 7). Além dessa planilha detalhada, pode-se escolher também uma planilha resumo e uma visualização
gráfica do perfil de vazões ao longo de um rio ou trechos de rio (Figura 8). Também é possível a visualização
de um mapa temático, onde os máximos déficits de vazão nas sub-bacias são mostrados no mapa na forma de
uma escala de cores (Figura 9).
Além do cálculo do balanço hídrico, feito com usos já existentes e cadastrados, o SSD, permite a
análise do efeito causado pela inclusão de um ou mais usos na bacia em estudo. A inclusão de um novo uso
pode ser feita através de um clique na tela (na posição estimada do uso) ou através do fornecimento das co-
ordenadas geográficas desse novo uso.
Após a inclusão de um novo uso, toda a bacia é recalculada e o SSD mostra na forma de textos e
gráficos o impacto causado por essa inclusão (Figura 10). Desta forma, é possível imediatamente saber qual a
vazão máxima que pode ser dada para uma outorga de captação de forma a não prejudicar os usos a jusante
desse novo uso em estudo.
Para que um operador possa usar o SSD, ele precisa ser cadastrado pelo administrador. Esse processo
de cadastramento cria o nome de login, a senha e permite ao administrador definir os direitos de gravação
e alteração dos dados para cada operador cadastrado. Um operador pode criar cenários próprios, onde suas
hipóteses de usos na bacia são exclusivas, não interferindo no cálculo realizado por outros operadores que
também estejam usando o SSD.
8. CONCLUSÕES
A disponibilidade hídrica, sua variabilidade no tempo e no espaço, é fundamental para atender os
múltiplos usos e para manter a integridade de ecossistemas aquáticos e ribeirinhos. A descrição das vazões
no tempo, por meio de fluviogramas, e a estimativa das vazões de referência, por meio de curvas de perma-
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
152
nência, são métodos que auxiliam o conhecimento de vazões de referência importante para a definição de
critérios de outorga de direito de uso da água e de vazão ecológica.
A concepção da vazão ecológica está intimamente relacionada aos princípios de sustentabilidade am-
biental que envolve uma série de ações relacionadas não apenas aos aspectos hidrológicos (curvas de duração,
vazões de referência e regularizadas), mas também ao conhecimento das características dos ecossistemas, ao
uso e ocupação do solo, à gestão de resíduos sólidos e das políticas definidas pelo setor elétrico, de sanea-
mento e de irrigação. O conhecimento da disponibilidade hídrica e das demandas na bacia e dados da biota,
compreendendo aspectos bióticos e abióticos dos ecossistemas aquáticos e ribeirinhos, é condição essencial à
determinação da vazão ecológica.
A integração entre as políticas dos diferentes setores facilitará a efetiva implantação da vazão ecológi-
ca. A legislação existente nas áreas de recursos hídricos, meio ambiente, e setores afins são suficientes para dar
o suporte necessário à definição do regime de vazões ecológicas, mas é preciso superar o desafio de utilizá-las
articuladamente.
O balanço entre disponibilidade de demanda hídrica é desfavorável em algumas bacias do Estado
de São Paulo. As vazões retiradas superam a disponibilidade hídrica, particularmente no Alto Tietê, no Rio
Piracicaba e em alguns afluentes do Rio Grande. Grandes demandas em regiões metropolitanas, o consumo
excessivo na irrigação e a poluição da água potencializam os conflitos pelo uso da água para atendimento das
múltiplas demandas e a da vazão ecológica.
O balanço hídrico das bacias pode ser facilitado com o uso de uma ferramenta de cálculo que pro-
mova eficiência e agilidade ao processo de análise. O órgão gestor de recursos hídricos (DAEE) dispõe de
um sistema de suporte a decisão para calcular o balanço hídrico nas bacias visando a análise de pedidos de
outorga. Esta ferramenta contribuirá para aperfeiçoar o planejamento e a gestão de recursos hídricos e de
meio ambiente no Estado de São Paulo.
A regularização da vazão é uma das soluções adotadas para aumentar a disponibilidade hídrica. En-
tretanto, os reservatórios podem provocar alterações no regime hidrológico, diminuindo as vazões máximas
e elevando as mínimas, e na qualidade das águas.
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158
Figura 1 - Ciclo integrado de utilização do recurso hídrico como fonte de abastecimento e assimilador de efluentes
Fonte: Adaptado de Tsutiya (2006)
A seguir serão abordados fatores importantes relacionados à poluição das águas, formas de estimar
as cargas poluidoras, indicadores de qualidade da água, padrões de qualidade e as formas de tratamento da
água e do esgoto. Estes fatores formam um ciclo de utilização da água (captação corpo d´água – tratamento
da água – uso – tratamento do esgoto – lançamento corpo receptor – captação corpo d´água). Ressalta-se que
neste ciclo o corpo d´água e o corpo receptor são o mesmo, por isso é importante que o gerenciamento das
técnicas de tratamento e o atendimento aos padrões especificados sejam mantidos tendo em vista o desenvol-
vimento sustentável do meio como um todo.
Cabe destacar que a poluição é uma decorrência do desenvolvimento urbano, principalmente, devi-
do aos lançamentos de esgoto domésticos e industriais não tratados. A poluição e a degradação dos corpos
d’água agravam-se próximo aos centros urbanos, onde o processo de urbanização ocorre de maneira desor-
denada, e as consequências deste processo são: a inexistência de saneamento ambiental, ausência de serviços
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
159
indispensáveis à vida da população, ocupação de áreas inadequadas, destruição de recursos de valor ecológi-
co, poluição do meio ambiente, habitações em condições precárias. Desta forma, pode-se dizer que a falta de
planejamento consiste em uma das maiores causas de poluição dos rios.
Outros impactos causados pela urbanização, tão importantes quanto os aspectos quantitativos, estão
relacionados com o aumento na produção de sedimentos, degradação da qualidade da água drenada pelos
esgotos pluviais e a contaminação dos aquíferos.
As fontes poluidoras podem ser classificadas em duas formas básicas: poluição pontual e poluição
difusa.
Na poluição pontual os poluentes atingem os corpos d’água de maneira concentrada no espaço,
sendo sua localização e quantificação facilmente identificada, consequentemente, seus efeitos são melhores
mensurados e controlados. Os efluentes domésticos e industriais são exemplos típicos de fontes geradoras da
poluição pontual.
Na poluição difusa os poluentes atingem os corpos d’água distribuídos ao longo de sua extensão, sen-
do difícil a identificação de sua origem e, como consequência, tem-se o difícil estabelecimento de processos
apropriados para seu controle. As principais fontes geradoras de poluição difusa são: deposição atmosférica,
desgaste da pavimentação, veículos, restos de vegetação, lixo e poeira, dejetos de animais, derramamentos,
erosão e lançamentos irregulares de esgoto doméstico. Esta poluição caracteriza-se por estar associada a
eventos de precipitação, sendo uma parcela transportada pela própria água da chuva e outra arrastada pelo
escoamento superficial.
Um dos grandes desafios atuais na gestão da qualidade ambiental é obter o equilíbrio entre as ati-
vidades que geram o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, este desafio tem sido
traduzido através do conceito de desenvolvimento sustentável, o qual visa suprir as necessidades da geração
atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações.
A qualidade da água é uma resultante dos processos que ocorrem sobre a superfície da bacia hidro-
gráfica. Nesses processos estão incluídas as atividades para atender as necessidades humanas, dentre elas
podem ser citadas a produção de alimentos e vestimentas, moradias, transportes, infraestrutura urbana,
produção industrial, etc.
Os principais impactos que interferem na qualidade da água estão relacionados com as alterações do
uso e ocupação do solo em áreas urbanas e rurais. Estas mudanças são os resultados do aumento populacio-
nal, economia local e regional, turismo, recreação e outros.
O uso e ocupação do solo tem forte interferência sobre a qualidade da água, pois intensifica a remo-
ção da vegetação, a erosão, a impermeabilização do solo e a produção de carga difusa e de esgoto doméstico
e industrial. O resultado disso é visualizado através do assoreamento de rios, deterioração da qualidade da
água, alterações estéticas, desequilíbrio ecológico, aumento das inundações e de doenças de veiculação hí-
drica, etc.
No meio rural outros usos como, agricultura, pecuária, piscicultura, silvicultura causam impactos
sobre a qualidade das águas superficiais, pois estas atividades caracterizam-se por realizar modificação na
paisagem, supressão de vegetação original para plantação de monoculturas e o lançamento de defensivos
agrícolas e fertilizantes no solo e na água. Estas alterações e lançamentos ocasionam a poluição dos corpos
d’água receptores.
Como comentado anteriormente, os poluentes que afetam a qualidade da água dos corpos hídricos
advêm de fontes pontuais e difusas. Desse modo, a gestão da qualidade da água não depende apenas do
tratamento de esgoto, seja industrial ou doméstico, mas também de um manejo efetivo das atividades desen-
volvidas no âmbito da bacia hidrográfica, considerando as necessidades da população e as características e
vulnerabilidades da região, de modo a garantir a sustentabilidade da bacia.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
160
Os desenvolvimentos urbanos e rurais resultam na remoção de extensas áreas de vegetação para im-
plantação de empreendimentos imobiliários, estabelecimento de culturas agrícolas e pastagens.
A supressão da vegetação desencadeia uma série de alterações no solo, água e ar. Sua retirada pode
acarretar em alterações na evapotranspiração, modificando as taxas de precipitação e consequente mudança
sobre o ciclo hidrológico e produção de água de uma determinada bacia.
A remoção da vegetação afeta a qualidade da água uma vez que torna os corpos d’água vulnerável ao
aporte de carga poluente, da mesma maneira que intensifica o carreamento de poluentes pelo solo descober-
to ou impermeabilizado. A impermeabilização do solo aumenta o escoamento superficial e a velocidade do
escoamento, gerando maior capacidade de arraste e, portanto, maiores cargas poluidoras atingem os corpos
d’água.
Outro impacto característico da remoção da cobertura vegetal é a intensificação dos processos ero-
sivos, os quais são responsáveis pelo assoreamento de rios e lagos. O assoreamento diminui a capacidade
de escoamento dos rios, aumenta a frequência e intensidade das inundações e afeta a qualidade da água,
tornando-a turva e imprópria para consumo. Deste modo, pode-se dizer que a cobertura vegetal tem influ-
ência direta no processo de erosão, na qualidade da água, na proteção de mananciais e na produção de água.
Erosão
Outro problema que afeta a qualidade da água, relacionado às atividades que alteram a cobertura
natural do solo, é o aumento das taxas de erosão e transporte de sedimentos.
Nas áreas rurais, a erosão ocorre devido ao manejo inadequado das áreas agrícolas, que em alguns
casos atinge as margens dos rios, reduzindo drasticamente a vegetação nativa que antes protegiam suas mar-
gens.
Em áreas urbanas, o aumento das taxas de erosão e transporte de sedimentos ocorrem devido à
instalação de novos empreendimentos, abertura de avenidas, loteamentos, etc. Como consequência desse
processo tem-se o assoreamento dos corpos d’água, ocasionando alterações das características hidráulicas,
aumento das áreas inundadas, mudanças dos ecossistemas aquáticos e a deterioração dos aspectos estéticos e
da qualidade da água dos corpos hídricos.
O transporte excessivo de sedimentos é talvez a forma mais visível de poluição difusa. O sedimento
por si só já se constitui em poluente por afetar a vida aquática com o aumento da turbidez e redução da
transparência da água. Outro fator importante de ser observado é a capacidade do sedimento em transportar
outros poluentes por eles adsorvidos, tais como metais, amônia, fertilizantes e outros tóxicos como pesticidas
e bifenilos policlorados (PCB’s). A consequência desse transporte de poluentes é o aumento significativo da
concentração de sólidos e nutrientes na água dos mananciais.
A gestão de recursos hídricos tem entre seus objetivos dispor de água na quantidade e qualidade
adequada para atender aos usos pretendidos. Em contrapartida, tem-se o desenvolvimento urbano e rural,
manifestados pela alteração de uso e ocupação do solo, gerando um excedente de cargas poluidoras que
atingem os corpos d’água.
Desse modo, a identificação das fontes geradoras da poluição torna-se de relevante importância para
a avaliação correta do seu potencial poluidor, dos impactos gerados e também para a identificação de medi-
das de controle adequadas.
As principais fontes de cargas pontuais são os efluentes domésticos e industriais. A poluição pontual
é de fácil identificação e seu controle ocorre através do tratamento de esgoto gerado.
Poluentes difusos são lançados de maneira distribuída e se caracterizam pela dificuldade de identifi-
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
161
car sua origem e consequentemente seu controle. A carga difusa é proveniente do escoamento superficial de
áreas agrícolas e urbanas, sendo que o último apresenta-se associado à drenagem pluvial urbana.
O controle da carga difusa se dá a partir de um conjunto de medidas, as chamadas Melhores Práticas
de Manejo (Best Management Practices – BMP’s). Esse controle é constituído de medidas não estruturais,
com foco na prevenção e controle da emissão dos poluentes, e medidas estruturais, que propiciam a redução
ou remoção dos poluentes do escoamento.
A geração de carga poluidora é uma consequência inevitável do desenvolvimento, portanto, torna-se
de fundamental importância para a gestão da qualidade da água o estabelecimento de uma estratégia de ma-
nejo, princípios e metodologias que proporcionem a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão
ambiental e do uso e ocupação do solo, conforme preconiza a Lei das Águas (Lei nº 9.433/1997).
Determinar o aporte de carga poluidora não é uma tarefa fácil, pois os valores de carga poluidora lan-
çadas no corpo hídrico variam ao longo do tempo e do espaço, o que torna necessário um acompanhamento
da qualidade do corpo receptor.
162
• Escoamento industrial
• Escoamento superficial
a. Físicos - são facilmente mensuráveis, sendo alguns apenas detectáveis pelos sentidos do homem.
i. Temperatura: indica a intensidade de calor. É um parâmetro importante, pois elevações da tem-
peratura aumentam as taxas das reações físicas, químicas e biológicas, diminuem a solubilidade de
oxigênio dissolvido. Elevações da temperatura podem causar a destruição de ecossistemas naturais.
ii. Sabor e odor: o sabor é uma interação entre o gosto (salgado, doce, azedo e amargo) e o odor (sen-
sação olfativa). Resultam de causas naturais (algas, vegetação em decomposição, bactérias, fungos,
compostos orgânicos) e artificiais (esgotos domésticos e industriais). Não representam risco à saúde,
mas causam rejeição de uso pela população.
iii. Cor: a coloração da água é resultante da presença de sólidos dissolvidos. Pode ser causada pelo ferro
ou manganês, pela decomposição da matéria orgânica e algas ou pela introdução de esgotos indus-
triais e domésticos.
iv. Turbidez: representa a interferência da passagem de luz através da água. A turbidez deve-se à pre-
sença de sólidos em suspensão na água, conferidos por partículas de rocha, algas, micro-organismos
e pela presença de esgotos domésticos e industriais.
v. Sólidos:
Sólidos em suspensão: resíduo que permanece num filtro de asbesto após filtragem da amostra. Po-
dem ser divididos em:
- Sólidos sedimentáveis: sedimentam após um período t de repouso da amostra
- Sólidos não sedimentáveis: somente podem ser removidos por processos de coagulação, floculação
e decantação.
Sólidos dissolvidos: material que passa através do filtro. Representam a matéria em solução ou em
estado coloidal presente na amostra de efluente.
vi. Vazão: volume de água que atravessa determinada seção transversal por unidade de tempo.
b. Químicos: as características químicas das águas são de grande importância, pois a presença de alguns ele-
mentos ou compostos químicos pode interferir no uso de certas técnicas de tratamento.
i. pH (potencial hidrogeniônico): sugere o grau de concentração de íons hidrogênio H+ em uma so-
lução. Indica se uma água é ácida (pH inferior a 7), neutra (pH igual a 7) ou alcalina (pH maior do
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
163
que 7). O pH tem influência sobre as etapas de tratamento da água (coagulação e grau de incrusta-
bilidade/corrosividade) e no- controle da operação de estações de tratamento de esgotos (digestão
anaeróbia).
ii. Alcalinidade: causada por sais alcalinos, principalmente de sódio e cálcio; mede a capacidade da
água de neutralizar os ácidos; em teores elevados, pode proporcionar sabor desagradável à água, tem
influência nos processos de tratamento da água.
iii. Dureza: resulta da presença de sais alcalinos terrosos (cálcio e magnésio). Causa sabor desagradável
e efeitos laxativos; reduz a formação da espuma do sabão, aumentando o seu consumo; provoca in-
crustações nas tubulações e caldeiras.
iv. Cloretos: provêm da dissolução de minerais ou da intrusão de águas do mar; podem, também, ocor-
rer da presença de esgotos domésticos ou industriais; em altas concentrações, conferem sabor salgado
à água ou propriedades laxativas.
v. Ferro e manganês: podem originar-se da dissolução de compostos do solo ou de despejos industriais;
causam coloração avermelhada à água, no caso do ferro, ou marrom, no caso do manganês; conferem
sabor metálico à água; as águas ferruginosas favorecem o desenvolvimento das ferrobactérias, que
causam maus odores e coloração à água e obstruem as canalizações.
vi. Nitrogênio: o nitrogênio pode estar presente na água sob várias formas: molecular, amônia, nitrito,
nitrato. É indispensável ao crescimento de algas, quando em excesso, pode ocasionar um exagera-
do desenvolvimento desses organismos, fenômeno conhecido como eutrofização. O nitrato na água
pode causar a metemoglobinemia. A amônia é tóxica aos peixes;
O aumento do nitrogênio na água está associado à presença de esgotos domésticos, industriais e ferti-
lizantes. A forma predominante do nitrogênio pode fornecer o estágio da poluição: poluição recente
está associada ao nitrogênio orgânico ou amônia, enquanto que a poluição mais remota está associada
ao nitrogênio na forma de nitrato.
vii. Fósforo: encontra-se na água nas formas de ortofosfato, polifosfato e fósforo orgânico; é essencial
para o crescimento de algas e quando em excesso causa a eutrofização; suas principais fontes são: dis-
solução de compostos do solo; decomposição da matéria orgânica, esgotos domésticos e industriais;
fertilizantes; detergentes; excrementos de animais.
viii. Fluoretos: os fluoretos têm ação benéfica de prevenção da cárie dentária; em concentrações mais eleva-
das, podem provocar alterações da estrutura óssea ou a fluorose dentária (manchas escuras nos dentes).
ix. Oxigênio Dissolvido (OD): é indispensável aos organismos aeróbios; águas com baixos teores de
oxigênio dissolvido indicam que receberam matéria orgânica; a decomposição da matéria orgânica
por bactérias aeróbias é, geralmente, acompanhada pelo consumo e redução do oxigênio dissolvido
da água; dependendo da capacidade de autodepuração do manancial, o teor de oxigênio dissolvido
pode alcançar valores muito baixos, ou zero, extinguindo-se os organismos aquáticos aeróbios. O
oxigênio dissolvido é o principal parâmetro de caracterização dos efeitos da poluição da água.
x. Matéria Orgânica: tem primordial importância na caracterização da qualidade da água, pois é causa-
dora do principal problema de poluição das águas, o consumo de oxigênio dissolvido pelos micror-
ganismos para a decomposição da matéria orgânica. Geralmente, são utilizados dois indicadores do
teor de matéria orgânica na água: Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de
Oxigênio (DQO).
• Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) é a quantidade de oxigênio necessária à oxidação da ma-
téria orgânica por ação de bactérias aeróbias. Representa, portanto, a quantidade de oxigênio que seria
necessário fornecer às bactérias aeróbias, para consumirem a matéria orgânica presente (água ou esgoto).
• Demanda Química de Oxigênio (DQO): é a quantidade de oxigênio necessária à oxidação da ma-
téria orgânica, através de um agente químico.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
164
c. Biológicos: As características biológicas da água são usadas para descrever a presença de organismos mi-
crobiológicos e elementos patogênicos.
165
Define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras. Os padrões estabelecidos por esta Resolu-
ção encontram-se na Tabela 1.
Balneabilidade –
Padrões para o corpo d’água
categoria
Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento.
Esta Resolução classifica as águas doces, salobras e salinas do Território Nacional, segundo a qualidade reque-
rida para os seus usos preponderantes, em treze classes de qualidade.
A Resolução CONAMA nº 357/2005 estabelece as condições e os padrões de qualidade da água para
as treze classes definidas, os quais visam atender aos usos pretendidos. Em seu Art. 38, § 2º, fica definido que
em bacias hidrográficas onde a condição de qualidade dos corpos de água esteja em desacordo com os usos
preponderantes pretendidos, deverão ser estabelecidas metas obrigatórias, intermediárias e final, de melho-
ria da qualidade da água para efetivação dos respectivos enquadramentos, excetuados nos parâmetros que
excedam aos limites devido às condições naturais.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
166
Uma forma de definir a qualidade das águas dos corpos d’água é o enquadramento dos corpos hí-
dricos em classes, as quais são definidas em função dos usos pretendidos. A partir dos usos são estabelecidos
critérios ou condições a serem atendidos.
167
CLASSE USO
168
O tratamento convencional pode não ser suficiente para tornar a água livre de substâncias nocivas
para consumo, o que implica na adoção de técnicas complementares de tratamento de água para abasteci-
mento.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
169
A utilização dos corpos d’água para afastar os dejetos é uma técnica adotada desde as primeiras civi-
lizações. Com a intensificação do uso começaram a surgir as doenças de veiculação hídrica e aumentaram os
problemas relacionados à degradação da qualidade da água e os impactos ao meio ambiente.
Com isso surgiram as restrições sanitárias para o lançamento de esgoto nos corpos receptores, onde
são exigidos padrões toleráveis em função das características do corpo hídrico (vazão e capacidade de auto-
depuração), dos usos da água e a legislação ambiental.
O tratamento do esgoto tem como objetivo:
• Prevenir e reduzir a propagação de doenças transmissíveis causadas por micro-organismos patogênicos
• Conservar as fontes de abastecimento de água para seu uso
• Preservar a fauna e flora aquáticas
• Evitar o crescimento desordenado das plantas aquáticas
• Decompor a matéria orgânica para evitar gases mal cheirosos
A escolha do processo de tratamento deve basear-se nos padrões ambientais estabelecidos para o
corpo receptor, tendo em vista a proteção do meio ambiente e da saúde pública.
Cabe destacar a nível legal a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938 de 31 de
agosto de 1981) que estabelece entre seus instrumentos:
• O estabelecimento de padrões de qualidade ambiental.
• A avaliação dos impactos ambientais.
• O licenciamento de atividades poluidoras.
Os objetivos destes instrumentos é que o lançamento do esgoto tratado mantenha e preserve o aspec-
to estético, a vida aquática e a saúde pública.
Ainda neste enfoque, ressalta-se a Resolução CONAMA nº 430/11 que estabelece as condições, parâ-
metros, padrões e diretrizes para gestão do lançamento de efluentes em corpos de água receptores.
Assim sendo, a análise das medidas de controle da poluição deve obedecer as exigências legais em
função da capacidade de tratamento de cada sistema, como também deve ser analisados os custos de implan-
tação, operação e manutenção de cada alternativa para se obter a efetivação das medidas adotadas.
Os seguintes fatores devem ser observados na seleção das alternativas de tratamento de esgoto:
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
170
171
A seleção de medidas de tratamento de esgoto deve ser realizada através da análise dos processos de
tratamento a serem adotados, uma vez que existem diversas alternativas disponíveis envolvendo diferentes
fatores intervenientes. Esta análise, juntamente com os custos de implantação, operação e manutenção, é
fundamental para a efetivação das metas estabelecidas.
A adoção de um processo e sistema de tratamento de esgoto deve seguir alguns critérios de seleção,
tendo em vista a obtenção dos objetivos desejados e a exequibilidade das medidas propostas. Dentre os fatores
que devem ser considerados na adoção de um sistema de tratamento podem ser mencionados:
• Impactos ambientais no corpo receptor do esgoto tratado, analisado através da qualidade final do efluente
gerado pela estação de tratamento de esgoto visando atender as especificações locais;
• Principais poluentes a serem removidos (matéria orgânica, nutrientes, patogênicos, etc.);
• Nível de tratamento e eficiência de remoção de poluente;
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
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173
Desta forma, pode-se dizer que a análise entre os diferentes sistemas de tratamento com suas respecti-
vas características deve ser baseada não somente em aspectos técnicos, mas também em aspectos econômicos,
os quais viabilizem o alcance da meta pretendida.
A qualidade da água é uma resultante dos processos que ocorrem sobre a superfície da bacia hidro-
gráfica, sejam eles de ordem natural ou devido às atividades humanas. Com o crescimento urbano os pro-
blemas relacionados à poluição hídrica agravaram-se, e para garantir que a população tenha acesso a água
de qualidade surgiram as legislações impondo condições mínimas necessárias para a utilização da água, os
chamados padrões de qualidade.
Dentro destas legislações destaca-se a Portaria do Ministério da Saúde nº 2914 /2011, que estabelece
os padrões de potabilidade da água para consumo. Em função dos padrões definidos por esta Portaria são
selecionados processos de tratamento da água que atendam os valores exigidos por lei.
Outra legislação que merece destaque é a Resolução CONAMA 357/05 que estabelece a classificação
dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como a Resolução CONAMA
430/11 que define condições e padrões para o lançamento de efluentes.
O enquadramento é o estabelecimento de meta ou objetivo de qualidade da água (classe) a ser alcan-
çado ou mantido em um segmento de corpo de água, de acordo com os usos preponderantes pretendidos,
ao longo do tempo. Os objetivos de qualidade da água equivalem aos usos a serem sustentados, onde cada
uso implica em diferentes requisitos de qualidade, que deverá se alcançado ou mantido ao longo do tempo.
A partir da Resolução CONAMA 357/05 define-se a adequabilidade de uso de um corpo hídrico para
atender aos usos pretendidos considerando as medidas disponíveis de tratamento, tanto de água quanto de
esgoto. Este instrumento é um processo de planejamento entre o uso da água, o zoneamento de atividades e
o estabelecimento de medidas para o controle da poluição.
Uma questão decisória na seleção das medidas de controle da poluição são os custos de implantação,
operação e manutenção de cada sistema de tratamento. Esta análise é fundamental para a efetivação dos
resultados pretendidos.
Como visto, o foco deste Capítulo foi a qualidade da água superficial tanto no que se refere aos fatores
que alteram suas condições naturais quanto as medidas disponíveis para remover os poluentes aderidos a ela.
A gestão da qualidade da água necessita de uma base sólida de informações sobre o comportamento
atual e tendencial dos corpos hídricos. Esta base consolida-se através da ampliação das redes de monitora-
mento. A qualidade da água é representativa do momento hidrológico sobre o qual a qualidade foi determi-
nada, por isso é fundamental a avaliação integrada de qualidade e quantidade de água.
Destaca-se ainda que a efetivação da gestão da qualidade da água está diretamente relacionada com
a integração dos instrumentos de gestão de recursos hídricos e ambiental.
2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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____. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Política Nacional de Recursos Hídricos.
Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Brasília, 1997.
____. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 274, de
29 de novembro de 2004. Brasília, 2004.
____. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 430, de
13 de maio de 2011. Brasília, 2011.
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QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
174
____. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 357, de
17 de março de 2005. Brasília, 2005.
____. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde
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Ambiental - UFMG, 2005. v. 1. 452 p
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QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL
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AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
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1. INTRODUÇÃO
Os cursos d’água são rios, córregos, canais e outras formações geográficas em que a água se move de
um determinado local para outro. Estes vêm sendo utilizados pelo homem para o atendimento das necessida-
des básicas como a dessedentação, preparo de alimento e higiene pessoal. Para atender a essas necessidades,
a água deve apresentar qualidade compatível com o uso, para não representar riscos para a saúde humana. A
qualidade da água na natureza também afeta o ecossistema de que todos os organismos vivos dependem. Os
corpos d’ água, além do suprimento das necessidades de consumo, também assumem a finalidade de assimi-
lação e transporte dos despejos e resíduos de processos produtivos, funcionando como receptor de efluentes
domésticos, industriais e agrícolas.
O grande número de indústrias instaladas próximas aos centros urbanos, aliados ao aumento da
população, e a expansão das áreas de produção agrícolas agravam os problemas relacionados à poluição. Do
ponto de vista da qualidade da água, a proteção dos recursos hídricos depende de medidas disciplinadoras
do uso do solo e do gerenciamento integrado de todas as atividades da bacia.
O uso indiscriminado dos recursos hídricos degrada a qualidade dos corpos d’água, sendo necessária
a aplicação de programas de monitoramento e gestão da qualidade da água, para que o corpo hídrico possa
ser utilizado sem que ocorra a degradação do mesmo em níveis que prejudiquem os ecossistemas que dele
dependam.
O entendimento dos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem no corpo receptor em de-
corrência do despejo de efluentes é de extrema importância para a gestão de qualidade da água. Ao longo dos
anos diversos modelos de simulação foram desenvolvidos para auxiliar na previsão dos impactos da qualidade
da água, o que permite a análise de alternativas de despoluição hídrica e políticas de gestão da qualidade da
água que possam ser postas em prática.
Este capítulo apresenta os princípios de modelagem de qualidade da água, também aborda o pro-
blema da poluição da água relacionada com o lançamento de efluentes nos corpos hídricos e como ocorre o
processo de autodepuração no corpo receptor.
ração dos seres que consomem a matéria orgânica. O processo se completa com a reposição desse oxigênio.
O processo pode ser dissociado em duas etapas: decomposição e reaeração. Na decomposição ocorre
o consumo de oxigênio dissolvido na água pelas bactérias decompositoras para a estabilização da matéria
orgânica, a este consumo dá-se o nome de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). Quando cessa a decom-
posição, diz-se que a matéria orgânica foi estabilizada.
A reaeração ocorre durante a decomposição, há um decréscimo nas concentrações de oxigênio dis-
solvido na água devido à respiração dos seres que consomem a matéria orgânica. A recuperação do oxigênio
dissolvido se dá através de trocas atmosféricas e fotossíntese.
A DBO não deve ser vista como um poluente, mas como um indicador da qualidade da água, pois
indica a quantidade de oxigênio requerido no processo de decomposição da matéria orgânica presente na
água. Braga et al. (2005) explicam que a matéria orgânica não deve ser vista como um poluente, porém, seu
despejo realizado de forma descontrolada no meio aquático pode produzir um desequilíbrio entre o consumo
de oxigênio e a reaeração, o que pode trazer danos aos seres aeróbios que vivem no meio aquático.
No processo de autodepuração existe um equilíbrio entre as fontes de consumo e as fontes de produ-
ção de oxigênio. Segundo Von Sperling (2005), os principais fenômenos interagentes no consumo e produção
de oxigênio são:
Consumo de Oxigênio:
a. A oxidação da matéria orgânica é o processo nos quais elétrons são removidos de uma substância, aumen-
tando o seu estado de oxidação. O processo de oxidação da matéria orgânica tem início no momento em
que as bactérias reagem com OD (oxigênio dissolvido na água). A reação tem como produto moléculas
mais simples (CO2, H2O). A oxidação de compostos orgânicos é uma reação muito útil no processo de tra-
tamento de efluentes (esgotos). Devido à ação oxidante de bactérias aeróbicas (bactéria que se desenvolve
somente na presença de oxigênio) é possível converter a água impura em água própria para o consumo.
Segundo Von Sperling (2005) a oxidação da matéria orgânica corresponde ao principal fator de consumo
de oxigênio. O consumo de oxigênio dissolvido se deve à respiração dos micro-organismos decomposito-
res, principalmente as bactérias heterotróficas aeróbicas.
b. A nitrificação é um processo que produz nitratos a partir do amoníaco (NH3). Este processo é realizado
por bactérias (bactérias nitrificantes) em dois passos: numa primeira fase o amoníaco é convertido em
nitritos (NO2-) e numa segunda fase (através de outro tipo de bactérias nitrificantes) os nitritos são conver-
tidos em nitratos (NO3-) prontos a ser assimilados pelas plantas. Nas duas fases ocorre o consumo de oxi-
gênio nas reações, sendo este consumo denominado como demanda nitrogenada. A demanda nitrogenada
também é conhecida como demanda de segundo estágio por ocorrer após as reações de desoxigenação
carbonácea. A ocorrência de nitrificação depende de fatores adicionais, além da presença da amônia, os
mais importantes são: presença de uma quantidade adequada de bactérias de nitrificação, pH próximo de
8 e oxigênio suficiente (entre 1 a 2 mg/L).
c. A demanda bentônica é a demanda de oxigênio originada pelo lodo de fundo e também é conhecida como
demanda de oxigênio pelo sedimento. A sedimentação da matéria orgânica em suspensão forma lodo de
fundo, onde ocorrem processos anaeróbios para sua estabilização. Estes processos anaeróbios ocorrem
devido à dificuldade de penetração de oxigênio na camada de lodo. Segundo Von Sperling (2005) a reação
de conversão da matéria orgânica conduz à forma oxidada de gás carbônico e à forma reduzida de metano,
sendo esta forma de conversão, por ser anaeróbia, não implica em consumo de oxigênio. Porém na parte
superior do lodo ocorre estabilização aeróbia, resultando na remoção da DBO e no consumo de oxigênio,
este processo ocorre devido ao acesso ao oxigênio da massa líquida sobrenadante.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
179
Braga et al. (2005) define esses trechos como zonas de autodepuração e os divide em:
• Zona de águas limpas - caracterizada pela elevada concentração de oxigênio dissolvido e a preservação da
vida aquática. Região localizada fora da influência de despejos (a montante do lançamento de efluentes ou
após a zona de recuperação);
• Zona de degradação - caracterizada por uma diminuição inicial na concentração de oxigênio dissolvido,
localizada no primeiro trecho à jusante do ponto de lançamento;
• Zona de decomposição ativa - região onde a concentração de oxigênio dissolvido atinge o valor mínimo e
a vida aquática é predominada por bactérias e fungos (anaeróbicos);
• Zona de recuperação - região onde se inicia a etapa de restabelecimento do equilíbrio anterior à poluição,
com presença de vida aquática superior.
O balanço de massa quantitativo e qualitativo deve ser realizado nos pontos de interesse (confluência
entre dois corpos d’água, locais de despejo e efluentes). O cálculo pode ser realizado através de métodos sim-
plificados como a mistura completa, este tipo de análise apesar de ser simplificado possui algumas vantagens.
Isso significa que todas as demandas, lançamentos e demais informações podem ser agrupadas por sub-bacia,
facilitando a análise dos resultados e o cruzamento de informações. O nível de detalhamento da bacia deve
ser analisado de forma individual, em função dos dados disponíveis e dos pontos de interesse para obtenção
de informações e resultados. Não é possível determinar um tamanho fixo ou padrão para as sub-bacias, a
discretização da bacia deve ser analisada em função dos dados de entrada (demandas, lançamentos, pontos
de monitoramento, características hidráulicas dos trechos, séries de vazões naturais, entre outros) e dos locais
onde se desejam obter resultados.
As análises mais complexas que consideram a dispersão dos poluentes introduzem o comprimento de
mistura como um fator importante para a modelagem da qualidade da água.
O comprimento de mistura ou zona de mistura corresponde à distância entre o ponto de lançamento
do efluente tratado e o ponto em que o rio atinge uma mistura homogênea. A Resolução Conama 357/2005
define zona de mistura como sendo a região do corpo receptor onde ocorre a diluição inicial de um efluente.
Em seu Art. 33, a Resolução Conama 357/2005 prevê a desobediência ao enquadramento estabeleci-
do para determinado corpo d´água, desde que não comprometam os usos previstos para o corpo de água e
estabelece que a extensão e as concentrações de substâncias na zona de mistura deverão ser objeto de estudo,
nos termos determinados pelo órgão ambiental competente. Dessa maneira, evidencia-se a necessidade de
desenvolver estudos para delimitação do comprimento de mistura, nos termos determinados pelo órgão
ambiental competente, de forma a evitar o comprometimento dos usos previstos designados para cada classe.
Para melhor entendimento do comprimento de mistura descreve-se que o transporte de massa se dá
pelos processos de advecção, difusão e dispersão. Na advecção predominam os processos de transporte pelo
campo das velocidades do fluido. Na difusão o transporte ocorre pelo movimento aleatório das moléculas,
independente da velocidade do fluido. A dispersão é o efeito conjunto da difusão e da advecção.
O comprimento de mistura é descrito pelo comprimento longitudinal necessário para obter a mis-
tura lateral completa ao longo da seção transversal do rio. Para isso considera-se o coeficiente de dispersão
transversal obtido pela equação apresentada por Fischer (1979) em Chapra (1997).
• Lançamento na margem:
O comprimento da zona de mistura ganha importância quando se avalia que após esta área o corpo
receptor deve estar livre de substâncias que possam causar toxicidade à vida aquática, de substâncias que
possam sedimentar e causar assoreamento, substância que possam causar alteração não desejada na cor, odor
sabor e turbidez. A zona de mistura deve ser analisada para autorização de lançamento de despejos em rios,
lagos ou no oceano, emissários submarinos. A zona de mistura não pode comprometer o corpo hídrico.
A seguir será apresentado de forma esquemática como o balanço de massa pode ser realizado consi-
derando mistura completa. A Figura 2 ilustra de forma simplificada as etapas do balanço do exutório de uma
sub-bacia ou área de interesse, para a qual se deseja obter resultados.
Onde:
QM - vazões de montante da sub-bacia, provenientes do acúmulo das vazões das sub-bacias de montante da
seção de interesse;
CM - concentrações das vazões de montante, provenientes das concentrações resultantes das sub-bacias de
montante;
CM’ - concentrações das vazões de montante decaídas ao longo do trecho do rio;
QN - vazões naturais da sub-bacia, proveniente dos escoamentos superficiais e subterrâneos;
CN - concentrações das vazões naturais da sub-bacia, provenientes dos usos dos solos;
QL - vazões de lançamentos na sub-bacia, provenientes de retornos de captações, esgotos, indústrias, etc;
CL - concentrações dos lançamentos na sub-bacia;
QC - vazões de captações, provenientes dos atendimentos das demandas;
CC - concentrações das captações;
QJ - vazões de jusante da sub-bacia, provenientes do resultado do balanço hídrico da sub-bacia;
CJ - concentrações de jusante.
Os usuários devem ser hierarquizados na bacia na ordem correta de sua localização, o que introduz
maior precisão para a modelagem de quantidade e qualidade da água. Assim, as informações hidrológicas
da bacia respeitam a discretização das sub-bacias e a sua localização espacial, onde as vazões da sub-bacia de
montante se propagam para jusante na seguinte sequência:
a) No primeiro estágio são calculadas as vazões (QM) e as concentrações (CM) de montante, que equivalem,
respectivamente, às vazões na entrada da sub-bacia propagadas pelo trecho do rio e as concentrações dos
parâmetros da análise considerando os decaimentos das concentrações calculados pelo modelo de quali-
dade da água;
b) No segundo estágio são calculadas e adicionadas as vazões (QNat) e as concentrações (CNat) oriundas das
vazões naturais geradas na bacia com pré-determinados usos dos solos, em mistura instantânea completa.
Na continuação deste estágio são acrescidas as vazões (QEflu) e as concentrações (CEflu) dos lançamentos de
efluentes, também através de mistura instantânea completa;
c) No terceiro estágio, são retiradas as vazões (QD) com as concentrações (CD) das captações ou demandas.
d) No quarto estágio são determinadas as vazões (QJ) e as concentrações (CJ) propagadas para a bacia de
jusante.
O modelo tem a capacidade de operar o reservatório a partir de sua curva cota-área-volume e uma
prioridade atribuída ao volume meta a ser atingido. Esta prioridade competirá com as demais demandas do
sistema. O modelo não calcula o abatimento de carga no interior do reservatório, considerando apenas o
balanço entre cargas através de uma mistura completa.
Nas equações acima foram apresentados os cálculos para o balanço nos pontos de controle, sendo
necessário ainda discutir como ocorre o processo de decaimento dos poluentes. A seguir serão apresentados
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
183
os equacionamentos para obtenção dos parâmetros de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e oxigênio
dissolvido (OD).
A DBO foi escolhida por ser um parâmetro analisado no processo de outorga de efluentes e o OD por
ser um bom indicador da qualidade ambiental do corpo hídrico. Outros fatores que interferem no processo
de autodepuração são a temperatura, a concentração de saturação do oxigênio dissolvido na água, a veloci-
dade da água e a profundidade do escoamento.
A DBO é determinada através da equação abaixo, a qual representa o decaimento da matéria orgâ-
nica no trecho de rio considerado.
Sendo:
Lo : concentração inicial da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L);
SL : taxa da fonte distribuída da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (g/m3/dia);
kr : taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia);
t : tempo decorrido (dia);
L : concentração final da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L).
O comportamento do oxigênio dissolvido no trecho pode ser obtido a partir da seguinte equação.
Sendo:
D0 : déficit inicial de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L);
L0 : concentração inicial da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L);
R : taxa volumétrica da respiração das plantas (g/m3/dia);
P : taxa volumétrica da fotossíntese das plantas (g/m3/dia);
SL : taxa da fonte distribuída da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (g/m3/dia);
S´B : taxa superficial da demanda de oxigênio pelo sedimento (g/m2/dia);
ka : taxa de reaeração (1/dia);
kd : taxa de decomposição da matéria orgânica (1/dia);
kr : taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia);
H : profundidade média (m);
t : tempo decorrido (dia);
D : déficit final de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L).
Para que o modelo de simulação reproduza corretamente o perfil do parâmetro analisado, devem
ser adotados valores adequados para os coeficientes ka, kd e ks. A determinação destes valores pode ser um
processo exaustivo, devido ao grande número de combinações possíveis. Este processo é denominado de
calibração do modelo.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
184
A taxa de remoção total de matéria orgânica (kr) está relacionada com a matéria orgânica presente.
No caso de um esgoto bruto lançado em um corpo receptor a taxa de remoção de matéria orgânica será
maior quando comparado com o lançamento de um esgoto que já passou por processo de tratamento, pois
no esgoto bruto haverá maior quantidade de matéria orgânica disponível para ser removida. O valor de kr
pode ser obtido da composição da taxa de decomposição da matéria orgânica (kd) e da taxa de sedimentação
da matéria orgânica (ks)
kr= kd + ks
Sendo:
kd: taxa de decomposição da matéria orgânica (1/dia);
ks: taxa de sedimentação da matéria orgânica (1/dia);
kr: taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia).
Von Sperling (2005) apresenta faixas de valores recomendados para a taxa de remoção de matéria
orgânica (Kr).
Origem Kr (dia-1)
O coeficiente ou taxa de reaeração (1/dia) é um parâmetro bastante sensível o que introduz uma
maior dificuldade na sua determinação.
Faixa de utilização pode ser dada pelo gráfico a
O’Connor & Dobbins:
seguir.
Churchill:
Sendo:
U: velocidade (m/s);
H: profundidade (m);
ka: taxa de reaeração do corpo hídrico (1/dia).
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
185
Sendo:
h : altitude (m);
T : temperatura (°C);
C : concentração de cloreto (mg/L);
osat : concentração de saturação do oxigênio dissolvido (mg/L).
D= osat - o
Sendo:
osat : concentração de saturação do oxigênio dissolvido (mg/L);
o : concentração do oxigênio dissolvido (mg/L);
D : déficit de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L).
As taxas variam com a temperatura e podem ser corrigidas com base na seguinte equação:
Sendo:
k20 : taxa na temperatura de 20°C (1/dia);
θ : coeficiente de correção da temperatura;
T : temperatura (°C);
kT : taxa na temperatura T (1/dia).
O déficit crítico ocorre em um determinado tempo após o lançamento do efluente no corpo receptor,
o tempo crítico pode ser obtido pela equação abaixo:
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
186
Sendo:
Do : déficit inicial de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L);
Lo : concentração inicial da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L);
ka : taxa de reaeração (1/dia);
kd : taxa de decomposição da matéria orgânica (1/dia);
kr : taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia);
tc : tempo para ocorrência do déficit crítico de concentração do oxigênio dissolvido (dia).
balanço de massa dos constituintes, bem como dados climatológicos, geográficos, fatores de correção de tem-
peratura, entre outros. É um modelo unidimensional de estado permanente, baseado na solução de equações
diferenciais de advecção-dispersão, em todos os seus termos, por um esquema implícito de diferenças finitas,
aplicável a rios dendríticos e de boa mistura (Brown & Barnwell, 1987).
Teixeira (2004) apresentou uma relação dos modelos de qualidade de água mais utilizados mundial-
mente. A Tabela 1 apresenta alguns destes modelos.
QUAL-II
Modelos Ecológicos
Como dados de entrada, os modelos de qualidade da água, geralmente, incluem características hi-
dráulicas e hidrológicas, matriz de fontes de poluição, incluindo a localização de captações e lançamentos com
suas respectivas características de vazão e concentração de poluentes. Também precisam ser informadas aos
modelos as taxas de decomposição, reaeração e de transformações para que os resultados sejam produzidos.
A utilização de modelos de qualidade da água para corpos d’água esbarra na disponibilidade de
dados como o cadastro de usuários da água (captações e lançamentos), que permitem determinar o balanço
quantitativo e a matriz de poluição de uma bacia. Outro ponto de grande relevância para a modelagem é
o monitoramento de qualidade da água, o qual permite determinar o estado atual do corpo d’água e o seu
histórico ao longo dos anos, possibilitando analisar o comportamento dos parâmetros de qualidade da água
e realizar a calibração dos modelos de qualidade.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
188
frequência de amostragem é alta, variando de diária até mensal, por um período de tempo determinado.
• Vigilância – Nesta modalidade incluem-se as observações efetuadas em locais onde a qualidade das águas
é de fundamental importância para um determinado uso (especialmente para consumo humano) ou em
locais críticos em termos de poluição associada ao uso da água. Neste caso é necessário um monitoramento
praticamente em tempo real, o que pressupõe a utilização de aparelhos automáticos de medição, o que
limita os tipos de parâmetros monitorados. Entretanto, um bom acompanhamento dos parâmetros pH,
oxigênio dissolvido e condutividade elétrica, já permitem identificar alterações associadas a ações antrópi-
cas, configurando um alerta para a tomada de providências.
• De Conformidade – Nesta modalidade incluem-se as observações feitas pelos usuários dos recursos hídri-
cos (automonitoramento) em atendimento a requisitos legais presentes nos marcos regulatórios (Portaria
no 2914/11 do Ministério da Saúde, Resolução nº 357/05 do CONAMA), nas condicionantes das licenças
ambientais e nos termos de outorga. Tanto a periodicidade quanto os parâmetros monitorados são deter-
minados pelos órgãos competentes.
O monitoramento ainda pode ser classificado segundo o tipo de coleta como monitoramento con-
vencional, onde as amostras são coletadas manualmente, e monitoramento com equipamentos automáticos.
A Figura 3 ilustra o monitoramento convencional com a coleta da garrafa com amostra de água.
• IQA – Índice de Qualidade das Águas (este índice tem caráter mais generalista) e pode ser utilizado para
avaliar os níveis de poluição por esgoto doméstico;
• IAP – Índice de Qualidade das Águas para fins de abastecimento público;
• IET – Índice de Estado Trófico;
• IVA – Índice de Qualidade das Águas para proteção da vida aquática. Esse índice é complementado pelos
Índices de Comunidades Aquáticas (ICF, ICZ e ICB);
• IB – índice de Balneabilidade.
Outra importante função dos dados de monitoramento de qualidade da água (séries históricas) é
servirem de base para a calibração de modelos de qualidade da água. Estes dados podem ser organizados e re-
presentados na forma de gráficos “Box-plot”, o qual mostra os valores extremos (máximo e mínimo), a região
que contém 50% dos dados (1º quartil e 3º quartil) e a mediana. Um modelo de qualidade da água considera-
se calibrado quando o perfil simulado fica contido na região com 50% dos dados entre o 1º e o 3º quartil,
buscando sua aproximação com a mediana dos dados. A Figura 6 apresenta um exemplo de “Box-plot”.
Figura 7 - Evolução do número de pontos da Rede de Monitoramento de Qualidade das Águas Subterrâneas
Fonte: CETESB, 2010)
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
193
Observa-se na figura acima que entre os anos de 1995 a 1997 a rede foi ampliada para 142 pontos.
Com a inclusão desses novos postos outros aquíferos passaram a ser monitorados: aquíferos Taubaté, Tubarão
e Pré-Cambriano.
O monitoramento tem como finalidade conhecer as características e a qualidade das águas dos aquí-
feros; estabelecer valores de referência de qualidade; avaliar as tendências das concentrações das substâncias
monitoradas ao longo do tempo, permitindo verificar os principais contaminantes; identificar áreas com alte-
rações de qualidade; e subsidiar as ações de prevenção e controle da poluição do solo e da água subterrânea.
Portanto, o monitoramento está estruturado de modo a atender não apenas à caracterização da qualidade das
águas subterrâneas brutas, como também aos seguintes objetivos (CETESB, 2010):
• Estabelecer Valores de Referência de Qualidade – VRQ para cada substância de interesse, por Aquífero;
• Avaliar as tendências das concentrações das substâncias monitoradas, em períodos de 10 anos;
• Identificar áreas com alterações de qualidade;
• Subsidiar as ações de prevenção e controle da poluição do solo e da água subterrânea, junto às Agências
Ambientais;
• Avaliar a eficácia dessas ações ao longo do tempo;
• Subsidiar as ações de gestão da qualidade do recurso hídrico subterrâneo junto aos Comitês de Bacia Hi-
drográficas - CBHs; e
• Subsidiar a classificação dos aquíferos, visando seu enquadramento, de acordo com a Resolução Conama nº
396/06.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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râneas no Brasil – Caderno de Recursos Hídricos 5 - Agência Nacional de Águas, Superintendência de
Planejamento de Recursos Hídricos, Brasília-DF.
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BARROS, M.T.L. (Org.). Plano de Bacia Urbana: Relatório Final. São Paulo: CT-HIDRO, FINEP, CNPq,
FUSP, EPUSP, 2005.
BRAGA, B. et al Introdução à engenharia ambiental, 2 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2005.
BRITES, A. P. Z. Avaliação da Qualidade da Água e dos Resíduos Sólidos no Sistema de Drenagem Urbana.
2005. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal, Santa Maria, Santa Maria, 2005.
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CETESB, Qualidade das Águas Superficiais no Estado de São Paulo 2007-2009. Série Relatórios, Governo
do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente, 2010.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
194
CETESB, Relatório de qualidade das águas subterrâneas do estado de São Paulo: 2007-2009 [recurso eletrô-
nico] / Equipe técnica Rosângela Pacini Modesto [et al.]. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/solo/
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águas e ao tratamento de esgotos.. 3. ed. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Am-
biental - UFMG, 2005. v. 1. 452 p.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
195
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO
AMBIENTAL DE ZONAS COSTEIRAS
Capítulo 11
196
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
197
1. INTRODUÇÃO
A Zona Costeira é definida, segundo o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC II), como
o “espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos ambientais, e abrangendo
uma faixa marítima e uma faixa terrestre”. Trata-se da borda oceânica de continentes e ilhas, sob influência
conjunta de processos marinhos e terrestres, gerando ambientes com características específicas e identidade
própria. A Zona Costeira é portanto constituída por uma faixa marítima, o mar territorial, com limite de 12
milhas náuticas (cerca de 22,2 km), e uma faixa terrestre, compreendendo o território dos municípios quali-
ficados como costeiros (segundo critérios estabelecidos pelo PNGC).
Já a Zona Costeira e Marinha inclui a área desde os limites dos Municípios da faixa costeira até as
200 milhas náuticas (cerca de 370 km), incluindo as áreas em torno do Atol das Rocas, dos arquipélagos de
Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo e das Ilhas de Trindade e Martin Vaz (ver Figura 2.5).
A Zona Costeira, de largura variável, se estende por cerca de 7400 km em linha contínua ou 10800
km se considerados todos os recortes e reentrâncias naturais da costa brasileira; abrange 17 estados, 13 das
27 capitais brasileiras, e um total de 395 municípios. Na zona costeira vivem, aproximadamente, 40 milhões
de habitantes, perfazendo cerca de um quarto da população brasileira; sua densidade demográfica média é
de 87 hab./km2, sendo que a média brasileira é de 17 hab./km2; como informação complementar, cerca de
metade da população brasileira reside numa faixa de 200 km de distância ao mar (MMA, 2010).
A Zona Costeira brasileira possui enorme abrangência latitudinal, fazendo com que haja ampla va-
riedade climática e geomorfológica, com enorme diversidade de ecossistemas, como praias, banhados e áreas
alagadas, estuários, restingas, manguezais, costões rochosos, lagunas, marismas e dunas; esses ecossistemas
abrigam inúmeras espécies de flora e fauna, mas são muitas vezes sujeitos a inúmeras pressões antrópicas.
Os ambientes costeiros possuem características únicas de abrigo e suporte à reprodução e à alimen-
tação nas fases iniciais de muitas espécies que habitam o oceano, constituindo fator decisivo na conservação
ambiental e manutenção da biodiversidade; ao mesmo tempo, esses ambientes possuem uma gama de fun-
ções ecológicas, como intrusões salinas, erosão costeira, reciclagem de nutrientes, pesca intensiva, receptáculo
de poluentes, entre outros.
Outros fatores que afetam o comportamento ambiental das zonas costeiras são as mudanças climá-
ticas oriundas do aquecimento global, que provocam elevação do nível médio do mar e a inundação de
planícies e baixios, além de alterar a fauna e a flora, como recifes de corais, em geral frágeis e de limitada
capacidade de adaptação a alterações das condições ambientais.
Comissão Coordenadora dos Assuntos da Organização Marítima Internacional (CCA-IMO), enquanto que a
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) acompanha e analisa os atos e a legislação referen-
tes ao transporte aquaviário, incluindo a legislação internacional pertinente (https://www.ccaimo.mar.mil.br/
convencoes_e_codigos/convencoes) .
Apesar da concorrência com outras formas de transporte, principalmente o aéreo para pessoas e o
rodoviário para cargas, além do ferroviário, o transporte marítimo tem vantagens de baixo custo e facilidades
de operação com grandes volumes, como por exemplo veículos automotores e petróleo. Mas o transporte
marítimo pode englobar todo o tipo de carga, como produtos químicos, alimentos, areias, cereais e minérios.
O uso de petroleiros gigantes e navios porta contêiners tem facilitado sobremaneira o transporte de grandes
volumes (Figura 2.1), envolvendo automação das operações de carga e descarga e redução da permanência
das embarcações em portos, diminuindo assim os custos envolvidos.
Figura 2.1 - Navio da classe Boxer no mar, com rampas lateral e de ré; esse tipo de embarcação pode transportar mais de
500 contêiners.
Por outro lado, sistemas de fiscalização são essenciais para garantir não somente a segurança de nave-
gação, mas também coibir práticas ilegais, como contrabando de mercadorias, transporte proibido de animais
e uso indevido das águas de lastro (que podem promover a bioinvasão de organismos exóticos, causando
sérios danos aos ecossistemas costeiros).
2.2 Pesca
A pesca é uma atividade milenar, de enorme importância como geradora de alimentos e bens para
vários segmentos econômicos, como a industrialização e a comercialização do pescado. Além do caráter eco-
nômico / comercial, a pesca apresenta também aspectos científicos, de subsistência, esportivos e de lazer. A
pesca marítima (no mar territorial, na plataforma continental ou em áreas de alto mar) difere da pesca con-
tinental (em águas interiores) em vários aspectos, especialmente em relação à conservação do pescado e seu
processamento. Por outro lado, a pesca requer rígidas medidas regulatórias, como o respeito ao defeso (época
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
199
de desenvolvimento das larvas) e a proibição de técnicas predatórias, como a pesca de arrasto (MMA, 2006a).
Especial atenção deve ser voltada a áreas que constituem berçários de peixes e crustáceos, visto que sua des-
truição provoca enormes prejuízos à cadeia alimentar e ao equilíbrio do meio ambiente. Em zonas costeiras e
marinhas, o tipo de fundo, seja de areias, argila, rocha ou cascalho, tem muita importância na determinação
da natureza das comunidades bentônicas e na densidade populacional dos respectivos grupos dominantes.
O Brasil, que passou de uma fase de pesca essencialmente artesanal (na década de 60) para uma fase
industrial moderna (após a década de 80), ainda possui enormes limitações na produção de pescado, com to-
tais de captura menores que vários países de menor extensão costeira e economia menos desenvolvida (Figura
2.2). Ainda sim, há o problema da sobrepesca de várias espécies no litoral brasileiro, tanto de peixes como
frutos do mar, cuja reposição de estoques requer pesquisa científica de ponta (Ibama, 2008).
Figura 2.2 - Produção da pesca extrativa no Brasil (marinha e continental, em toneladas), de 1950 a 2010
Fonte: MPA, 2010.
2.3 Aquicultura
Atualmente, a criação de espécies em fazendas marinhas (maricultura) e em tanques de água doce
(piscicultura) requer tecnologia desenvolvida e se tornou atividade altamente lucrativa, além de colaborar
na produção de alimentos (com valor nutricional controlado). Outra especialidade é a carnicicultura, para a
criação de camarões. Essas atividades constituem alternativa à pesca, geralmente envolvendo custos menores
e ação menos predatória.
Ainda sim, podem ser considerados diversos impactos da criação de espécies em fazendas marinhas
e tanques, como por exemplo: o lançamento de efluentes em águas de uso público (com alta concentração
de matéria orgânica em suspensão e nutrientes), o surgimento e a disseminação de doenças, rações de baixa
qualidade (com elevadas concentrações de fósforo), perda da cobertura vegetal, redução de áreas de proteção,
salinização do solo onde estão instalados os cultivos e possibilidade de introdução de espécies exóticas. Além
disso, existe uma problemática com relação aos manguezais, por serem devastados para a implantação das
fazendas de camarão. O impacto biológico é enorme, já que as inúmeras espécies que ali habitam e se repro-
duzem simplesmente perdem seu espaço vital. Com o tempo, este impacto afeta também o homem. O que
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
200
se tem a fazer para minimizar esses impactos ambientais é tomar medidas que possam tornar o cultivo mais
sustentável, bem como realizar ações mitigadoras. Formas mais ecológicas de cultivos contemplam o uso de
macrófitas, bioflocos, rações de qualidade, entre outros. O tratamento dos efluentes por marcrófitas aquáticas
ameniza os impactos sobre os ecossistemas aquáticos,diminuindo os nutrientes (como N e P) disponíveis na
água. O sistema de bioflocos consiste na manipulação de bactérias heterotróficas que estão presentes natural-
mente nos ambientes aquáticos, capazes de assimilar compostos nitrogenados, transformando-os em proteína
bacteriana com adição de fontes extras de carbono. De qualquer forma, atualmente, praticamente metade da
produção mundial e brasileira de pescado provém da aquicultura (Figura 2.3), que ainda apresenta grande
tendência de crescimento (Carvalho et al, 2009)
Figura 2.3 - Produção da aquicultura no Brasil (marinha e continental, em toneladas), de 1950 a 2010
Fonte: (MPA, 2010).
O ponto essencial é que a aquicultura requer conhecimento tecnológico de ponta, referente à regulagem
dos sistemas de irrigação e drenagem, criação de larvas, adubação da água, processamento dos produtos e seu
armazenamento, lançamento de efluentes, bem como o controle de espécies invasivas, além de parasitas e pragas.
Finalmente, a aquicultura pode ser muito útil no repovoamento de áreas marinhas, a partir da criação
em laboratórios de desovas de animais marinhos.
O petróleo é um recurso natural abundante, porém sua extração envolve elevados custos e estudos
complexos, principalmente em áreas costeiras e marinhas. É atualmente a principal fonte de energia e serve
como base para fabricação dos mais variados produtos, dentre os quais destacam-se gasolina, querosene, GLP,
óleos combustíveis, combustível de aviação, benzinas, óleo diesel, óleos lubrificantes, alcatrão, polímeros plás-
ticos, parafina, produtos asfálticos, nafta petroquímica, solventes e até mesmo medicamentos.
Após a crise petrolífera mundial de 1973, o Brasil modificou sua estratégia de exploração petrolí-
fera, que até então priorizava parcerias internacionais e a exploração de campos mais rentáveis no exterior.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
201
Naquela época o Brasil importava 90% do petróleo que consumia e o novo patamar internacional de preços
tornou mais interessante explorar petróleo nas áreas de maior custo do país, incluindo o alto mar. Em 1974,
foram descobertos indícios de petróleo na Bacia de Campos, confirmados com a perfuração do primeiro poço
em 1976. Desde então esta região tornou-se a principal região petrolífera do país, chegando a responder por
mais de 2/3 do consumo nacional até o início dos anos 1990, e ultrapassando 90% da produção petrolífera
nacional nos anos 2000.
Em 2007 foi descoberto petróleo na camada denominada Pré-sal, que posteriormente se configurou
como um grande campo petrolífero, estendendo-se ao longo de 800 km na costa brasileira, do Estado do
Espírito Santo ao de Santa Catarina, abaixo de espessa camada de sal (rocha salina) e englobando as bacias
sedimentares do Espírito Santo, de Campos e de Santos. O primeiro óleo do pré-sal foi extraído em 2008 e a
produção comercial passou a ser realizada desde 2010.
Apesar da enorme importância econômica desta fonte de energia, a extração de petróleo na Zona
Costeira e Marinha apresenta enormes dificuldades operacionais e riscos, especialmente a possibilidade de
acidentes em macro escala, que podem atingir grande parte da cadeia alimentar do oceano, com enormes
repercussões ambientais e econômicas (Figura 2.4).
Figura 2.4 - Rebocadores da Marinha do Brasil prestam socorro à plataforma de petróleo que adernou na Baía da Guanabara,
em 29 de abril de 2012
Fonte: (foto da Agência de Notícias O Estado de São Paulo).
Além do petróleo, há diversos minerais marinhos com potencial de exploração no Brasil (Figura 2.5),
como sal-gema, potássio, enxofre, gipsita, carvão mineral, zircão e os sedimentos fosfatados. Além disso, nó-
dulos metálicos ocorrem em regiões profundas ao largo da margem continental e extensas reservas de areias
terrígenas e sedimentos calcários, formados principalmente por algas, ocorrem desde a costa do Pará até o
Espírito Santo.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
202
Entretanto, no Brasil, com exceção do petróleo, a exploração de recursos minerais marinhos tem sido
pontual e descontínua, restringindo-se à extração de areias para regeneração de praias e extração localizada
de conchas e algas calcárias (Souza & Martins, 2008).
Na mineração de áreas continentais, além da extração do mineral desejado, são produzidos rejeitos
oriundos de túneis e galerias que são construídos para facilitar o acesso às jazidas. Esses rejeitos podem ser
armazenados em áreas continentais, provocando modificações na paisagem costeira, ou, alternativamente,
podem ser despejados no mar.
As atividades de mineração no mar podem causar diversos tipos de impactos ambientais aos ecossis-
temas marinhos, principalmente devido à destruição de habitats, que é um dos principais fatores que causam
o declínio do número de espécies em todo o globo. Além de interferir diretamente no fundo submarino, as
atividades de mineração podem causar um aumento da turbidez da água, com consequências para a produ-
tividade primária local. Podem introduzir e promover a liberação de nutrientes, causando a eutrofização, e
também a introdução de substâncias tóxicas que, quando incorporadas à biota, alteram o crescimento, a taxa
de reprodução e a sobrevivência das espécies, podendo afetar também a pesca. Além dos prejuízos ecológicos,
a mineração no mar pode prejudicar o turismo e atividades recreativas.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
203
A dessalinização da água do mar é utilizada em regiões onde a água doce é escassa ou de difícil
acesso, como no Oriente Médio, na Austrália e no Caribe (para consumo humano, irrigação ou até mesmo
recuperação de lençóis freáticos exageradamente explorados); também é usada em pequena escala, em navios
transatlânticos e submarinos (para a tripulação de navios que ficam meses no mar ou para exploradores e
cientistas que promovem pesquisas em regiões desprovidas de água doce); algumas vezes o processo produz
sal de cozinha como subproduto (Fischetti, 2007).
Na natureza, a dessalinização é um processo contínuo e natural, alimentador do ciclo hidrológico,
que se comporta como um sistema físico, fechado, sequencial e dinâmico. Devido à ação da energia solar,
ocorre a evaporação de um grande volume de água dos oceanos, dos mares e dos continentes. Os sais perma-
necem na solução e os vapores, por condensação, vão formar as nuvens, as quais originam as chuvas e outras
formas de precipitação. Esta água doce volta aos oceanos e mares, alimentando os rios, os lagos, as lagoas e
os mares, onde reassimilam uma nova carga salina. Por necessidade de sobrevivência, o homem desenvolveu
métodos e técnicas de dessalinização das águas com elevado conteúdo salino para obter água doce (Figura
2.6). Em todo o mundo são adotados quatro métodos diferentes para promover a conversão da água salgada
em doce: a osmose inversa, a destilação multiestágios, a dessalinização térmica e o método por congelamento.
Figura 2.6 - Maior usina de dessalinização do mundo, inaugurada em fevereiro de 2011 na cidade de Hadera (Israel), à beira
do Mediterrâneo, a um custo de US$ 500 milhões, com produção estimada de 127 milhões de metros cúbicos de
água por ano.
Revista Fonte: (foto da Revisa Planeta, de maio de 2011)
O principal problema das tecnologias de dessalinização é conseguir diminuir o custo final da água
doce, para que esta possa estar disponível em grandes quantidades. De fato, a dessalinização em macro escala
em geral consome grande quantidade de energia e depende de plantas de produção caras e específicas. Por-
tanto, é sempre mais cara, em relação a água doce de rios ou subterrânea. De qualquer forma, pelo que há de
experiência internacional, é viável, tecnicamente e economicamente, a instalação de usinas de dessalinização
para atender a demanda de água potável das cidades litorâneas brasileiras.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
204
Os oceanos desempenham papel muito importante na formação do clima global e, ao mesmo tem-
po, são uma fonte potencial de energia renovável e limpa para futuras gerações humanas, podendo assim
minimizar os efeitos danosos das atuais fontes energéticas, como o efeito estufa e o acúmulo de resíduos
nucleares. Consequentemente, a busca por alternativas energéticas marinhas que causem menos impactos ao
meio-ambiente passou a ser um desafio aos cientistas e uma opção estratégica das nações. Evidentemente, há
restrições quanto ao uso de grandes áreas dos oceanos, em vista de atividades de pesca, navegação, turismo,
lazer, entre outros; mas a maior dificuldade se encontra na obtenção de eficiência e viabilidade econômica dos
empreendimentos, considerando sua implantação em ambientes agressivos e de acesso muitas vezes difícil
(Harari et al., 2009).
Os oceanos podem produzir dois tipos de energia: a térmica, a partir do calor do sol, e a mecânica,
pela ação de ondas e marés. Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra, constituindo eficientes
coletores solares; como a energia do sol aquece a camada da superfície muito mais do que as águas profundas
do oceano, esta diferença de temperaturas gera energia (sistemas OTEC – Ocean Thermal Energy Conver-
sion). A energia mecânica é diferente da térmica: as ondas são impulsionadas principalmente pelos ventos e
as marés são geradas pela atração gravitacional do Sol e da Lua, ambas envolvendo grandes quantidades de
energias cinética e potencial que podem ser convertidas em eletricidade. Em geral, ondas e marés são fontes
de energia intermitentes, enquanto que a energia térmica do oceano é contínua (Figura 2.7).
Há outras possibilidades de extração de energia nos oceanos, porém atualmente são muito pouco
exploradas, como por exemplo a que se encontra nas correntes marítimas (exceto as correntes de maré), que
são devidas principalmente a ventos e variações de densidade da água do mar. Muitas regiões no oceano
apresentam fluxos relativamente constantes e em sentido único; embora as correntes tenham velocidades
bem menores que os ventos, a água tem densidade bem maior que o ar, de modo que as correntes carregam
consigo energias maiores. Entretanto, em virtude de grandes dificuldades técnicas, como por exemplo na
estabilidade de posicionamento das turbinas, a extração de energia a partir de correntes (quase) permanentes
ainda se encontra em estágio experimental.
A costa leste - nordeste brasileira possui gradientes de temperatura adequados para os sistemas
OTEC, por ser uma área tropical (com a vantagem da proximidade ao continente); a costa sul possui valores
elevados de altura significativa das ondas, por influência dos sistemas atmosféricos extra-tropicais; e o norte
do país apresenta ressonância das marés semi-diurnas no Atlântico Tropical.
Com cerca de 8.000 km de costa marítima, o Brasil ainda investe pouco nos sistemas de extração de
energia dos oceanos, e não se tem conhecimento de projetos com sistemas OTEC, embora haja projetos pi-
loto para extração de energia a partir de ondas e marés. Em termos de energia das ondas, os Estados de Rio
Grande do Sul e Santa Catarina são os que apresentam melhores condições, com as maiores alturas de onda,
embora tenham grande variação sazonal; por outro lado, nos Estados de Ceará e Rio Grande do Norte, devi-
do aos ventos alíseos, se tem ondas praticamente constantes ao longo de todo o ano (embora menores que no
Sul). Quanto à energia de marés no Brasil, há alguns locais adequados à construção de usinas maré-motriz,
como na foz do rio Mearim (Maranhão), na foz do Tocantins (Pará) e na foz da margem esquerda do Amazo-
nas (Amapá); nesses locais, o impacto ambiental seria mínimo, pois as águas represadas pelas barragens não
inundariam terras novas, apenas aquelas que a própria maré já cobre. No país, grandes alturas (ranges) de
maré são observadas em São Luís, na Baia de São Marcos (MA, com 6,8 m) e em Igarapé do Inferno, na Ilha
de Marajó (AP, com 11,5 m), mas nestas regiões a topografia do litoral não favorece a construção de reserva-
tórios, o que exigirá dos brasileiros vencer um grande desafio científico e tecnológico para o aproveitamento
econômico de sua energia.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
205
Figura 2.7 - Fotos aéreas da usina maré motriz de La Rance, França, em operação desde novembro de 1966, com 24 turbinas
e capacidade de geração de 240 MegaWatts (valor de pico).
Figura 2.8 - Simulação numérica das concentrações médias de coliformes (NMP/100ml), em escala logarítmica, referentes ao mês
de abril de 2006, na superfície, a partir do emissário submarino de esgotos de Santos (esq) e número de horas no mês
em que a região ficou sob influência de concentração igual ou superior a 100 Coliformes (NMP/100mL) (dir).
Outro aspecto de enorme importância da poluição marinha é seu efeito em terra, quando as cor-
rentes marinhas transportam para as proximidades do continente águas contaminadas, que podem atingir
praias, costões, manguezais e rios, prejudicando assim a qualidade das águas interiores e a cadeia alimentar
em ecossistemas continentais.
A implantação de portos, marinas e piers em geral contribui significativamente para as atividades econô-
micas, mas pode vir a impactar o meio ambiente, através da alteração da circulação das águas costeiras, erosão em
áreas próximas, geração de poluição por acidentes e atividades portuárias, tráfego excessivo no continente, etc ...
Ao longo do litoral brasileiro se encontram os mais variados tipos de sistemas costeiros, como dunas,
manguezais, falésias e praias arenosas. Estas últimas têm destaque especial, devido a suas finalidades turís-
ticas e também por sua fragilidade ambiental. Nas praias, as ondas depositam e retrabalham os sedimentos
(em geral areia rica em quartzo), desde áreas emersas (linhas de vegetação, bases de dunas, etc ...) até áreas
submersas (tipicamente entre 6 e 8 m de profundidade).
Os sedimentos são levados pelos rios para as linhas de costa e, uma vez no domínio marítimo, passam
a ser transportados por correntes originadas na ação de ondas, ventos e marés – é a dinâmica sedimentar cos-
teira. Numa praia em equilíbrio, o volume de areia que entra equivale ao volume que sai; se houver excesso
de entrada, se tem progradação (avanço da praia em direção ao mar); e se houve excesso de saída de areia,
resulta em erosão da praia (recuo da praia em direção ao continente).
A erosão costeira é, portanto, um processo de reequilíbrio da linha da costa devido ao fato da praia
perder mais sedimentos do que recebe. Em geral, elevações do nível médio do mar são associadas a processos
erosivos, os quais prevalecem até que novos padrões de equilíbrio sejam atingidos. Diversos fatores causam a
erosão costeira, como por exemplo instabilidades naturais das desembocaduras fluviais, variações na incidên-
cia de ondas, efeitos de marés, ressacas devidas a frentes frias intensas, além das variações climáticas globais
e intervenções antrópicas (uso e ocupação do solo, obras urbanas, etc ...) (MMA, 2006).
De fato, obras de engenharia muitas vezes têm impactos acentuados na deriva litorânea de sedimen-
tos, principalmente obras rígidas como diques transversais à linha da costa (espigões), que acabam barrando
o transporte natural de areia e, por consequência, produzindo déficit de sedimentos nas praias à retaguarda,
como em Recife e Olinda (PE) e em São Vicente (SP) (Figura 2.10). Outras intervenções humanas que afetam
o equilíbrio sedimentar são alterações em rios, com a construção de barragens e reservatórios, que retém o
aporte sedimentar à linha da costa, como no caso do Rio São Francisco (BA) e Rio Paraíba do Sul (RJ).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
208
Uma das formas de recuperar áreas afetadas pela erosão costeira é a engorda de praias, que consis-
te na adição de areia para aumento da faixa praial, e que depende de jazidas de areia com características
adequadas (granulometria). Outro aspecto importante nessa solução é que ela deve ser acompanhada por
medidas que eliminem as causas da erosão, caso contrário, a diminuição ou mesmo o desaparecimento das
praias volta a ocorrer (Goya, 2009).
Figura 2.10 - Vista da perda da faixa praial em São Vicente (São Paulo, Brasil)
O transporte de sedimentos na Zona Costeira afeta não apenas as praias e linhas de costa, mas pode
ser muito importante na geomorfologia costeira (distribuição da batimetria); de fato, processos de sedimen-
tação (acúmulo de sedimentos) em certas áreas podem vir a afetar a segurança de navegação e o atracamento
de embarcações com grandes calados. Nesses casos, operações de dragagem são realizadas, com a retirada de
materiais depositados no fundo e aumento de profundidade da lâmina d’água. Novamente vários aspectos
técnicos devem ser considerados nas operações de dragagem, especialmente a estabilidade do fundo e a es-
colha dos locais de descarte dos materiais dragados (que podem ser em terra, mas em geral são oceânicos).
Tanto as dragagens como as deposições de materiais podem vir a afetar a ecologia dos respectivos sítios, o que
requer estudos de hidrodinâmica, química e biologia, em conjunto com a geologia costeira.
Figura 2.12 - Iate navegando no Canal do Porto de Santos, defronte à Fortaleza da Barra (Guarujá, SP, Brasil).
Por outro lado, o turismo muitas vezes causa impactos significativos na faixa costeira, como por
exemplo: ocupação rápida e desordenada, destruição e degradação de ecossistemas (devido a desmatamento,
remoção de dunas e manguezais, retirada de areia, alteração de paisagens, etc ...), ameaças à biodiversidade
terrestre e marinha, elevação dos níveis de poluição (tanto em cursos d’água como no mar) e redução na dis-
ponibilidade de água doce (em função do aumento da demanda).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
210
Os ecossistemas costeiros são classificados como 1) costões rochosos, 2) lagunas costeiras, estuários
e deltas, 3) manguezais e marismas, 4) praias arenosas e lodosas, 5) recifes de coral e 6) restingas e dunas.
Os componentes dos ecossistemas são bióticos e abióticos e incluem o solo, a água, as plantas e os
animais; as interações entre os componentes são chamadas funções e incluem os ciclos biogeoquímicos de
nutrientes e intercâmbios entre as águas de superfície e subterrâneas; funções ecológicas proporcionam pre-
venção de inundações, reciclagem de poluentes, retenção de nutrientes, exportação de bio-massa, etc ...; os
atributos dos ecossistemas são as diversidades de espécies e cultural; e os produtos são os recursos utilizados
pelo homem, seja diretamente (recursos pesqueiros e vegetais) ou indiretamente (turismo, recreação e pesqui-
sa científica); os tensores dos ecossistemas são as atividades do homem que podem produzir impactos nega-
tivos, como por exemplo derramamentos de óleos e petróleo, pesca predatória, tráfego terrestre e marítimo,
remoção de areia, agricultura, etc ....
A preservação dos ecossistemas costeiros permite duas abordagens: o desenvolvimento do conhecimen-
to científico e a educação ambiental. Essas abordagens requerem a implantação de programas de manejo costei-
ro, com a conscientização das populações sobre exploração sustentável e conservação ambiental (CNIO, 1998).
É necessário considerar que os ecossistemas costeiros incluem tanto os organismos vivos como o am-
biente abiótico numa unidade funcional. Devido a sua riqueza biológica, esses ecossistemas são os grandes
berçários naturais, tanto de espécies locais como espécies do oceano profundo (pelágicas), que migram para
as áreas costeiras durante a fase reprodutiva. A fauna e a flora dos ecossistemas possuem valor inestimável,
constituindo “ativos ambientais” e “prestadores de serviços ambientais”.
Os maiores desafios na preservação ambiental se encontram nos processos de urbanização e indus-
trialização, poluição (atmosférica, continental e marinha), exploração excessiva dos recursos, entre outros.
Por outro lado, a existência de “áreas de conservação” evita a perda de ecossistemas e reduz sua de-
gradação pela exploração predatória, apesar dos conflitos que, muitas vezes, ocorrem entre os gestores e as
populações tradicionais. Uma das chaves para a proteção ambiental é a aplicação de práticas de manejo am-
bientalmente corretas, o que ajuda a controlar as alterações impostas pelas atividades humanas. As soluções
adotadas devem ser preventivas e levar em consideração as variáveis social, econômica e ecológica, com base
em conhecimentos dos sistemas biológicos e dos processos físicos.
Ao lado da prevenção, a melhor forma de preservação se encontra na educação ambiental. O ensino
de práticas conservacionistas, especialmente direcionadas a jovens, através de palestras, cursos e excursões
ecológicas, incluindo a capacitação e o emprego de “agentes conservacionistas” ou “monitores ambientais”,
proporciona a necessária conscientização das populações para a importância da conservação ambiental (Fi-
gura 2.13).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
211
A beleza e a qualidade de vida de várias zonas costeiras atraem o interesse de ocupação e incremen-
tam o turismo, com a criação de arranha-ceús, conjuntos habitacionais luxuosos, hotéis e resorts de alto
padrão (Figura 2.14). Por outro lado, muitas vezes a ocupação é desordenada, gerando bairros periféricos de
baixo nível social, sem serviços essenciais de água, luz e esgoto (Ribeiro, 2009).
Figura 2.14 - Vista da Praia de Pitangueiras, no Guarujá (São Paulo, SP, Brasil) e sua ocupação imobiliária.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
212
Caiçara é uma palavra de origem tupi que refere-se aos habitantes das zonas litorâneas, que vivem da
pesca e agricultura de subsistência (Figura 2.15). As comunidades caiçaras nasceram a partir do século XVI,
da miscigenação de brancos de origem portuguesa com grupos indígenas das regiões litorâneas do Estado de
São Paulo (tupinambás), além do aporte de negros libertos que se afastaram das influências das áreas urbanas
(cidades e vilas).
Figura 2.15 - Caiçaras preparando rede de pesca, na Praia Branca (Guarujá, SP).
Em geral, os impactos ambientais negativos se dão sobre o meio físico (a atmosfera e os corpos
d’água), a fauna e a flora, a saúde e o bem estar da população, as atividades socioeconômicas, as paisagens e
o patrimônio histórico - cultural. Podem envolver portanto:
4. redução da qualidade dos solos e dos recursos hídricos (incluindo águas costeiras),
5. alterações nos padrões de circulação atmosférica e hídrica (fluvial e costeira),
6. disposição inadequada de resíduos sólidos e efluentes,
7. degradação ou mesmo supressão da vegetação,
8. alterações e perdas de habitats da fauna,
9. proliferação de pragas,insetos e vetores de doenças,
10. invasão de organismos exóticos,
11. redução das taxas fotossintéticas,
12. degradação de paisagens,
13. invasão de áreas de preservação ambiental,
14. redução de renda e de empregos,
15. alterações nos perfis urbanos,
16. modificações dos padrões imobiliários,
17. alterações nos sistemas viários e de transporte em geral,
18. prejuízos às atividades de lazer e turismo,
19. interferências nas populações nativas e culturas tradicionais,
20. geração de conflitos sociais,
21. perda de valores éticos, morais e religiosos,
22. disseminação de moléstias infecto-contagiosas,
23. interferências nos patrimônios arqueológicos e
24. descaracterização de marcos históricos.
Visando o monitoramento e a preservação da qualidade ambiental, as avaliações de impactos ambien-
tais em zonas costeiras devem envolver os aspectos a seguir listados.
3.1 Descrição dos empreendimentos e das tecnologias empregadas e sua situação frente à legislação
ambiental; divulgação dos objetivos e justificativas dos empreendimentos, no contexto de sua locali-
zação e inserção regional; descrição dos procedimentos em casos de acidentes e emergências.
3.2 Verificação dos procedimentos de licenciamento das obras e atividades, segundo as legislações
federal, estadual e municipal, incluindo as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(CONAMA) e dos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. A verificação dos procedimentos
legais é relativa a
históricos, trabalhos acadêmicos, etc ...) e análises de alta qualidade e precisão (através de testes
laboratoriais, modelos matemáticos, técnicas estatísticas, etc ...). O diagnóstico ambiental deve
também delimitar as três áreas de influência do empreendimento, progressivamente em escala, da
maior para a menor, a saber: área diretamente afetada (ADA), área de influência direta (AID) e área
de influência indireta (AII). Essa delimitação deve considerar potenciais impactos, associados direta
ou indiretamente ao empreendimento O diagnostico, nessas escalas, deve considerar aqueles fatores
que potencialmente sofrerão impactos associados ao empreendimento, embora possa vir também a
requerer um diagnóstico mais detalhado e completo da região, devido a potenciais interações entre
um empreendimento e seu entorno.
3.4 Elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA – RIMA),
de forma análoga ao Diagnóstico Ambiental, mas agora caracterizando as alterações nas condições
vigentes em função das atividades em operação ou já executadas.
Meio físico:
Figura 4.1 - Estatística mensal da temperatura do ar na superfície, a partir dos dados de reanálise do modelo atmosférico
global do NCEP / NCAR, para a posição 24º S 46,35º W, de 1980 a 2009 (valores mensais: mínimas, médias –
desvio padrão, médias, médias + desvio padrão e máximas).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
215
4.2 Avaliação da qualidade do ar: levantamentos das emissões atmosféricas e seus impactos, nas três
áreas de influência do empreendimento (ADA, AID e AII).
4.3 Estimativa dos níveis de ruído e vibração: realização de medições de níveis sonoros no entorno
da área de empreendimento, especialmente em locais críticos, como hospitais, centros de saúde,
escolas, áreas residenciais, etc ...; essas medições devem ser realizadas tanto na situação anterior às
intervenções, para subsidiar a modelagem do que pode vir a acontecer com a entrada em operação
do empreendimento, bem como durante e após as intevenções.
4.5 Caracterização geológica, englobando as principais unidades estratigráficas, suas feições estruturais
e grau de intemperismo.
4.6 Estudos de Pedologia, para a descrição e mapeamento das classes de solos e respectivos graus de
erodibilidade, visando a preservação de áreas (como os manguezais, ver Figura 4.2), bem como o uso
da terra para agricultura e outras formas de exploração.
4.7 Levantamentos de Hidrologia e Hidrogeologia, com a caracterização das águas interiores e costei-
ras, lençóis freáticos, distribuições de propriedades (ver Figura 4.3), variações do nível do mar, etc ...
Figura 4.3 - Resultados de modelo para a salinidade da água na Baixada Santista, no inverno (escala de cores representa a
salinidade em ups).
Fonte: Ribeiro (2012).
4.8 Análise da Oceanografia física e hidrodinâmica costeira: com descrição dos sistemas de correntes, ondas,
marés e nível médio do mar, através de medições e modelos numéricos (ver Figura 4.4), considerando suas
variabilidades espaciais e temporais (Harari et al, 2007); são consideradas escalas espaciais desde poucos
metros até milhares de quilômetros e escalas de tempo diária, mensal, sazonal, anual, decadal, secular, etc ...
Figura 4.4 - Correntes instantâneas na superfície (m/s) no estuário de Santos, para 04:00 GMT do dia 11 e 16:00 GMT do dia
20 de janeiro de 2009.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
217
4.9 Estudos de Oceanografia geológica: com levantamentos batimétricos e dos tipos de fundo (bancos
arenosos, fundos rochosos, etc ...), análise dos processos de transporte de sedimentos ao longo da
costa e definição das regiões potenciais para deposição e erosão costeira (Rodrigues et al, 2003).
Utilização de modelos numéricos para simulações em computador do transporte de materiais, de
alterações de batimetria e da evolução da linha da costa (Ver Figura 4.5).
Figura 4.5 - Mapa de correntes na superfície e de concentração média na coluna d’água de argila, para o dia 27 de janeiro de
2009 às 04:00 horas, a partir de resultado de modelo de dispersão de materiais em suspensão.
4.10 Caracterização da qualidade da água, com análises físico-químicas de amostragens de água em locais
críticos e próximo a fontes poluidoras (ver Figuras 4.6 e 4.7). Implantação de modelos matemáticos
e físicos da dispersão de poluentes nos meios aquáticos.
Figura 4.6 - Porcentagem anual de qualidade na classificação das praias de Santos e São Vicente.
Fonte: CETESB (2009).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
218
Figura 4.7 - Resultados do modelo numérico para a distribuição de oxigênio dissolvido no verão (escala de cores representa
a concentração, em mg/l).
Fonte: Ribeiro (2012)
4.11 Identificação de interferências de outras obras costeiras, como dragagens e construções (de portos,
piers, marinas, etc ...) próximas ao empreendimento proposto, visando caracterizar potenciais siner-
gias ou conflitos, como por exemplo a estabilidade de áreas costeiras, a possibilidade de formação de
áreas com águas estagnadas, etc ....
Meio biótico:
4.12 Levantamento da biota terrestre: mapeamento e descrição da cobertura vegetal nas áreas de influ-
ência do empreendimento (ADA, AID e AII); caracterização da fauna terrestre, seus habitats, distri-
buição geográfica e diversidade. Obtenção de informações sobre a conservação dos ecossistemas e a
integridade dos processes ecológicos. Identificação e mapeamento das áreas degradadas e descrição
da dinâmica de fragmentação de habitats, discutindo impactos na biota.
4.13 Levantamento da biota aquática, caracterizando habitats, distribuição geográfica e diversidade dos
organismos planctônicos, nectônicos e bentônicos (ver Figura 4.8). Obtenção de informações sobre a
riqueza e abundância de espécies da biota, ressaltando as espécies raras, endêmicas, migratórias, com
risco de extinção e exóticas. Estimativa de possíveis impactos dos empreendimentos nos estoques pes-
queiros e comunidades aquáticas em geral, relacionando-os com a qualidade da água, assoreamento,
etc ...(Neff, 1979).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
219
Figura 4.8 - Variações temporais de densidade (indivíduos por 0,15 m2), biomassa (g / 0,15 m2) e riqueza (número de espécies)
de poliquetas, nas Baías de Picinguaba e Ubatumirim
Fonte: (litoral Norte do Estado de São Paulo, 23°22’S 44°53’W), segundo Petti & Nonato (2000).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
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220
4.14 Delimitação das Unidades de Conservação e análise de seus Planos de Manejo, indicando se os em-
preendimentos podem vir a afetar, temporariamente ou permanentemente, os ecossistemas das áreas
de preservação e seu entorno.
4.15 Seleção de bioindicadores, espécies ou grupos de espécies que poderão ser utilizados como indica-
dores de alterações da qualidade ambiental nas áreas de influência dos empreendimentos. Realização
de testes de toxicidade e ecotoxicidade (Prosperi, 2002) (ver Figura 4.9).
4.16 Levantamento de possíveis pragas e vetores de doenças presentes na região de interesse, que po-
dem vir a afetar a saúde e o bem estar humano.
4.18 Obtenção de informações sobre as características gerais de habitação (existência de conjuntos ha-
bitacionais, sub-moradias, etc ...), redes de educação e saúde (percentuais da população coberta),
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
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221
infra-estrutura de serviços públicos (saneamento básico, coleta de lixo, etc ...), vias e meios de trans-
porte (estradas e ferrovias, rotas de navegação, etc ...). Estimativa se os empreendimentos podem vir
a afetar de forma significativa os padrões de habitação, serviços e transporte das populações.
4.19 Relacionamento das atividades econômicas e produtivas em geral, níveis de tecnologia alcançados
por cada setor produtivo (agrícola, industrial, comercial e de serviços) e importância da economia
informal. Estabelecimento das relações econômicas da região com os empreendimentos. Relaciona-
mento das principais atividades e locais de turismo e lazer, terrestre e aquático, e suas relações com a
economia local e regional. Identificação e caracterização de organizações sociais e culturais (ONGs,
sindicatos, associações de moradores e de pescadores, clubes esportivos, etc ...).
4.20 Obtenção de informações sobre sítios históricos e arqueológicos, museus e locais de atividades
artísticas e culturais, bem como áreas de beleza cênica e patrimônios da humanidade.
4.21 Análise integrada dos meios físico, biótico, sócio – econômico e cultural, ressaltando suas inter-
relações, a dinâmica ambiental e as influências dos empreendimentos. Avaliação geral dos impactos
ambientais, identificação de passivos ambientais e proposição de ações de recuperação de áreas e
ecossistemas impactados. Estabelecimento de medidas compensatórias e mitigadoras de danos am-
bientais. Análise de políticas governamentais para as áreas de interesse e dos planos de ocupação e
preservação.
Figura 4.10 - Distribuição da cobertura de redes de água e esgoto na bacia estuarina de Santos – São Vicente.
(Fonte: Sampaio et al., 2008).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
222
Finalizando a relação dos estudos ambientais sugeridos, é importante frisar que em tais estudos de-
vem constar as técnicas e metodologias adotadas, as fontes de informação, os pontos e períodos de coletas de
dados, a precisão das medições, os critérios de interpretação das análises, a magnitude e a importância rela-
tiva dos efeitos considerados, os cronogramas de recuperação ambiental, a bibliografia consultada e a relação
dos técnicos e cientistas envolvidos nos estudos.
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derança, fundamentais para dar concretude às iniciativas do Poder Público. Para isso, é fundamental que as
diferentes instâncias do Poder Público se articulem em torno de benefícios comuns factíveis de virem a ser
atingidos por meio de intervenções de engenharia por parte das diferentes áreas que interagem com o uso e
a preservação das águas.
Paralelamente, caberá às instâncias acadêmicas e de pesquisa a disponibilização de modelos e instru-
mentos que permitam aos diferentes atores presentes no processo decisório dos recursos hídricos vislumbrar
soluções factíveis no tempo e na perspectiva econômica dos agentes públicos, de forma a qualificar suas in-
tervenções.
No que se refere aos ajustes necessários à institucionalidade dos recursos hídricos no Brasil, para dar
mais celeridade à implementação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
é importante examinar as perspectivas de construção de um pacto nacional que equalize e dê a musculatura
necessária aos órgãos estaduais encarregados pelo gerenciamento dos recursos hídricos.
Até o presente, inspirado no desenvolvimento da Diretiva-Quadro Europeia da Água, o Governo
federal vem desenvolvendo estudos para a formulação de um Pacto Nacional pela Gestão das Águas, cujo
objetivo é a construção de compromissos entre os entes federados, visando à superação de desafios comuns
e à promoção do uso múltiplo e sustentável dos recursos hídricos, sobretudo em bacias compartilhadas.
Esse objetivo maior desdobra-se em outros dois mais específicos: 1) promoção da efetiva articulação entre
os processos de gestão das águas e de regulação dos seus usos, conduzidos nas esferas nacional e estadual; e
2) fortalecimento do modelo brasileiro de governança das águas, integrado, descentralizado e participativo.
Segundo a proposta em construção para a implementação do Pacto, os seguintes elementos estru-
turantes deverão ser considerados: a) Mapa de gestão, entendido como o resultado da visão de cada estado
sobre seus desafios futuros no que se refere à gestão de seus recursos hídricos, que, em seu conjunto, definirá
um quadro maior para o país; b) pontos de controle, elemento fundamental para a pactuação de metas quali-
quantitativas dos rios brasileiros, em especial os que atravessam fronteiras estaduais, em cujos pontos de inter-
seção dos domínios deverão existir compromissos dos entes federados envolvidos, inclusive com rebatimento
sobre políticas setoriais; c) instrumentos de gestão harmonizados, que, paralelamente ao fortalecimento das
secretarias e dos órgãos gestores, possam ser trabalhados de forma conjunta para se identificar e corrigir pos-
síveis descontinuidades ou desconexões na transição dos domínios de gerenciamento dos recursos hídricos;
e d) articulação setorial, já que os setores usuários desempenham papel fundamental no contexto da gestão
das águas e, embora sujeitos aos processos técnicos e administrativos das autorizações e concessões públicas,
esses setores têm, em geral, grande autonomia no que se refere à definição de seus planos de intervenção,
sem que a União ou os estados federados exerçam o desejado papel de mediação, por meio de planos de
desenvolvimento regional.
Nesse sentido, três mecanismos estão sendo considerados para dar sustentação à proposta do Pacto
desejado: 1) definição de critérios de criticidade das bacias hidrográficas e do conjunto mínimo de instrumen-
tos de gestão e pessoal técnico correspondente a esse nível de criticidade, considerando que as bacias com
baixos níveis de criticidade requerem apenas instrumentos básicos de gestão e um contingente de pessoal
menor, enquanto que para bacias de criticidade elevada são requeridos instrumentos mais complexos e um
contingente de pessoal mais numeroso e qualificado; 2) definição dos pontos de controle e das metas quali-
quantitativas, na qual os pontos de controle deverão ser negociados entre o Governo federal e os estados, bem
como os parâmetros básicos do controle em cada ponto; e 3) pagamento por resultados, para que, na medida
em que os instrumentos de gestão são implementados em cada estado, segundo a criticidade/complexidade
requerida, a unidade da Federação possa receber, após aferidos os resultados, um valor definido a título de
pagamento por resultados, correspondente aos custos estimados para a manutenção da qualidade exigida.
É de se esperar que, com a concretização desse pacto possam ser criadas as condições adequadas para
uma implementação mais célere da Política de Recursos Hídricos do país e do Sistema Nacional de Gerencia-
mento de Recursos Hídricos, conduzindo-os ao patamar que todos almejam.
No que se refere mais especificamente ao Sistema Paulista, a avaliação de duas décadas de existência
do Sistema mostra um inegável progresso em relação à situação que prevalecia antes da vigência da Lei 7663.
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As mudanças ocorreram em muitas áreas e efetivamente melhoraram a qualidade da gestão, bem como a
atitude da sociedade e do governo a respeito dos recursos hídricos.
Duas décadas de existência da Lei 7663 constituem tempo suficiente para consolidar uma perspectiva
histórica e amadurecer uma visão crítica da notável e excitante experiência paulista. O Estado de São Paulo
dispõe de uma lei fiel aos princípios modernos de gerenciamento de recursos hídricos. Esta lei articula todas
as suas partes de forma coerente e criou instituições importantes para garantir a consecução dos seus objeti-
vos. Todas estas instituições estão hoje em pleno funcionamento embora com níveis de eficiência desiguais.
Em que pesem estes aspectos positivos, é consenso no meio especializado que o sistema poderia
ser mais eficaz. É natural e compreensível que um sistema que privilegia a descentralização e a participação
pública apresente certo grau de dispersão, conflitos de interesses e dificuldades para a tomada de decisões.
Por outro lado, há que se reconhecer que os esforços dedicados a administrar estas situações, adversas têm se
mostrado insuficientes.
Outra questão que necessita de maiores esforços de gestão é a operação do FEHIDRO. Os números
aqui apresentados são notáveis. Deve-se notar, entretanto, que o valor médio dos projetos financiados é de
aproximadamente 120 mil reais e 64% do total de projetos contratados são inferiores a 100 mil reais. Tais nú-
meros afetam a eficácia do sistema uma vez que, com tal dispersão, é muito difícil atacar problemas regionais
em busca de soluções que beneficiem a bacia hidrográfica como um todo. Acresce ainda que os intrincados
processos administrativos adotados pelo Fundo contribuem para alongar o tempo de execução dos projetos e
também merecem esforços com vistas a sua racionalização.