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Fundamentos para a

Gestão da Água
Organização
Rubem La Laina Porto

São Paulo
2012
Governo do Estado de São Paulo

Geraldo Alckmin
Governador

Bruno Covas
Secretário do Meio Ambiente

Edson Giriboni
Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos

Cristina Maria do Amaral Azevedo


Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais

Walter Tesch
Coordenadoria de Recursos Hídricos – FEHIDRO

Rosa Maria Mancini


Programa Pacto das Águas – Assessoria da SMA

Universidade de São Paulo

Prof. Dr. João Grandino Rodas


Reitor

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

Prof. Dr. José Roberto Cardoso


Diretor

Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental

Prof. Dr. Mario Thadeu Leme de Barros


Chefe de Departamento
Fundamentos para a
Gestão da Água
Organização
Rubem La Laina Porto

Secretaria do Meio Ambiente


Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos
Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais

Universidade de São Paulo


Escola Politécnica da USP
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental

Equipe Técnica da Secretaria do Meio Ambiente


Rosa Maria Mancini – Coordenadora do Trabalho
Neusa Maria Marcondes Viana de Assis – Responsável Técnica
Maria Therezinha Pinto Alves – Responsável Administrativa e Financeira

Colaboradores
Ana Cristina Pasini da Costa – diretora da Cetesb
Gerôncio Rocha – Assessor
João Wagner Silva Alves – setor de questões globais da Cetesb
Nelson Menegon Júnior – diretor de divisão da Cetesb
Lurdes Maria Torres da Silva Maluf – técnica da CPLA/SMA

Equipe da Escola Politécnica da USP


Prof. Dr. Rubem La Laina Porto – Editor
Silvana Susko Marcellini - Coordenadora

Autores Responsáveis
Arisvaldo V. Méllo Jr. – Caps. 2,5, 7 e 8
Joaquin Ignacio Bonnecarrere Garcia – Caps. 9 e 10
Joseph Harari – Cap. 11
Kamel Zahed Filho – Caps. 3 e 4 Apoio material didático
Ricardo Hirata – Cap. 6 Carla Voltarelli Franco da Silva
Rubem La Laina Porto – Caps. 1 e 12 Daniela Mendes Rossi
João Rafael Bergamaschi Tercini
Colaboradores Luciana Capuano Mascarenhas
Ana Maciel de Carvalho – Cap. 6 Mariana Pereira Guimarães
Ana Paula Zubiaurre Brites – Caps. 9 e 10 Sara Martins Pion
André Schardong – Cap. 8
Bruno Pagnoccheschi – Caps. 1 e 12 Elaboração de figuras
Silvana Susko Marcellini – Cap. 7 Letícia Yoshimoto Simionato

ESCOLA POLITÉCNICA
DA UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO
©Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 2012
As opiniões, interpretações e conclusões aqui apresentadas são dos autores e não devem ser atribuídas à
Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
É permitida a reprodução total ou parcial do texto deste documento, desde que citada a fonte.

Equipe Editorial:

Supervisão Editorial: Rubem La Laina Porto e Silvana Susko Marcellini


Elaboração dos Originais: Escola Politécnica da USP
Revisão dos Originais: Escola Politécnica da USP

Produção:

CD.G Casa de Soluções e Editora


Projeto Gráfico – Ana Elena Salvi, Gregor Osipoff
Capa – Ana Elena Salvi, Gregor Osipoff
Editoração Eletrônica – CD.G
Assistente – Rodrigo Rojas
Revisão – Silvana Susko Marcellini

FICHA CATALOGRÁFICA

Fundamentos para gestão da água / coord. por Rubem La


Laina Porto. -- São Paulo : s.n., 2012.
p. 232

ISBN 978-85-62693-10-6

1. Água (Gerenciamento) 2. Bacia hidrográfica 3. Águas


subterrâneas 4. Qualidade da água I. Porto, Rubem La Laina
CDU 628.1
556.51
556.3
628.16

Esta publicação contou com o apoio financeiro do FEHIDRO – Fundo Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo
Sumário
Apresentação Fundamentos para a gestão da água ......................................................................................7

Capitulo 1 Introdução ao Gerenciamento de Recursos Hídricos .............................................11

Capítulo 2 Água para a Vida e para a Produção ...................................................................................27

Capítulo 3 Bacia Hidrográfica .........................................................................................................................41

Capítulo 4 Ciclo Hidrológico............................................................................................................................53

Capítulo 5 Influência do Clima no Ciclo Hidrológico e suas Consequências


para o Atendimento às Demandas ........................................................................................77

Capítulo 6 Hidrogeologia e os Recursos Hídricos Subterrâneos ..............................................89

Capítulo 7 Águas Superficiais ........................................................................................................................113

Capítulo 8 Variabilidade das vazões, balanço hídrico e vazão ambiental ...........................133

Capítulo 9 Qualidade da água superficial ..............................................................................................157

Capítulo 10 Autodepuração, monitoramento e qualidade da água subterrânea ..............177

Capítulo 11 Exploração e Monitoramento Ambiental de Zonas Costeiras...........................197

Capítulo 12 Conclusões e Recomendações ...............................................................................................227


7

APRESENTAÇÃO

Fundamentos para a gestão da água

A água é uma só. Água da chuva, água dos rios e lagos, água subterrânea, água do oceano. Há um
ciclo hidrológico natural que une todas as formas de ocorrência da água e mantém o equilíbrio dos ecossis-
temas.

Hoje em dia, os recursos hídricos atravessam uma fase crítica, pressionados pela urbanização crescen-
te, pela industrialização e pelo consumo demasiado na atividade agrícola. A verdade é que o mais importante
e indispensável recurso natural do planeta requer toda atenção. Essencial à vida, a água exige políticas corre-
tas e ousadas para garantir seu uso sustentável.

Este livro trata dos fundamentos sobre a circulação, utilização e conservação dos recursos hídricos.
Os quatro primeiros capítulos abordam a importância da água e a influência do clima no ciclo hidrológico.

Seguem-se dois capítulos específicos sobre as águas subterrâneas e superficiais, mostrando sua inter-
relação natural. Os capítulos finais tratam da qualidade das águas e dos fatores causadores de sua degradação.

Escrito por professores da Universidade de São Paulo, a obra enfatiza os aspectos conceituais sobre
a condição da água, em estilo acessível a todos os que se interessam ou participam de seu uso sustentável.

Na origem, a obra foi concebida como uma base teórica comum aos membros dos colegiados de
gestão de recursos hídricos – comitês de bacia, câmaras técnicas, conselhos e entidades afins, e, em especial,
as Prefeituras Municipais. O projeto prevê a edição de um segundo volume focado nos aspectos e problemas
da gestão da água.

O livro agora pertence ao público. Os organizadores desejam ressaltar a parceria entre os órgãos da
administração pública e da universidade em benefício da sociedade.

Bruno Covas Edson Giriboni


Secretário do Meio Ambiente Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO DE
RECURSOS HÍDRICOS

Capítulo 1
10
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
11

1.1 OBJETIVOS E PREMISSAS


O principal objetivo desta publicação é apoiar os esforços das secretarias estaduais do Meio Ambiente
e de Saneamento e Recursos Hídricos para gerenciar de forma racional e sustentável os Recursos Hídricos
do Estado de São Paulo, principalmente no que se refere à capacitação e formação de pessoal. O presente
volume enfatiza aspectos tecnológicos da área de recursos hídricos e destina-se a todos aqueles que desejem
adquirir conhecimentos básicos em diversas áreas fundamentais para uma atuação segura e eficaz neste setor.
Considerou-se, entretanto, que, para colocar os leitores no devido contexto, haveria necessidade de elaborar
o presente capítulo introdutório sobre aspectos gerais do gerenciamento de recursos hídricos.
Note-se também que o gerenciamento de recursos hídricos no Brasil e nos Estados é realizado sob a
égide de dois ordenamentos institucionais e legais: o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídri-
cos e os Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Tal dicotomia é decorrência do regime
de dominialidade de nossos cursos de água, consagrado pela Constituição Brasileira de 1988. Em termos
práticos, isto significa que, em questão de metros, um curso de água pode mudar do domínio estadual para
o federal e passar a ser submetido a sistemas de gerenciamento diferentes, com todas as implicações decor-
rentes de tal passagem.
Entretanto, “a água é uma só”, como bem enfatiza a apresentação deste texto. Trata-se de uma afir-
mação clara, simples e, principalmente, correta, cuja decorrência imediata é o conceito, hoje amplamente
aceito, da necessidade de gerenciar os recursos hídricos de forma integrada. Por esta razão este capítulo trata
dos Sistemas Federal e Estadual, uma vez que o conhecimento de ambos é essencial para o desenvolvimento
de uma atuação profícua competente nesta área.

1.2 INTRODUÇÃO AO CONCEITO


O termo gerenciamento, aplicado a recursos hídricos, pode ser definido como um subconjunto da go-
vernança, conceito amplo e que implica a existência de conjuntos de sistemas políticos, sociais, econômicos e
administrativos que afetam, direta ou indiretamente, a administração, o uso, consumo, impacto, preservação
e serviços, entre outros aspectos relativos a esses recursos.
Entende-se que esse gerenciamento deva ser institucionalizado por meio de políticas e sistemas, que
definiam e deem consequência aos papéis de governos, sociedade civil e setor privado, nos âmbitos nacional,
regional e global.
Nesse aspecto, pode-se afirmar que, no Brasil, após décadas de discussões e negociações, logrou-se
construir um sólido arcabouço legal, dotado de modernos fundamentos para a gestão das águas, entre os
quais o da ação descentralizada, que permite a participação do Poder Público, em seus diferentes níveis de
atuação, dos usuários e das comunidades.
A Constituição brasileira de 1988 ao estabelecer a repartição de competência sobre os recursos hí-
dricos entre a União e os Estados, inclusive no que se refere à dominialidade das águas, condicionou que o
sistema brasileiro de governança das águas envolvesse, como elementos estruturantes, além da esfera federal,
os níveis das bacias hidrográficas e dos Estados federados.

1.3 UM BREVE HISTÓRICO DA INSTITUCIONALIDADE


BRASILEIRA E PAULISTA
O Brasil foi extremamente precoce nas questões relativas à administração da água, em especial no
que se refere ao papel do Estado. Já em 1934, o país passou a contar com o Código de Águas, instrumento le-
gal que introduziu os principais conceitos de dominialidade e da relação público/privada para aquele recurso.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
12

Para se ter uma ideia da precocidade da reflexão brasileira sobre a água, basta observar que, numa
época em que os problemas ambientais não contavam, no contexto legal e normativo, com os cuidados que se
consideram hoje, o Código de Águas já chamava a atenção, por meio da introdução do princípio do poluidor/
pagador, para algo que viria a se transformar, décadas depois, na principal preocupação nacional no campo
da água: a poluição.
Os avanços consignados pelo Código das Águas de 1934, no entanto, não tiveram consequências
institucionais correspondentes nas décadas seguintes. A esse respeito, o documento GEO Brasil Recursos
Hídricos (ANA, 2007) [1], produzido para avaliar os desdobramentos e marcar as celebrações dos dez anos de
promulgação da Lei 9.433/1997, apresenta um detalhado histórico da gestão dos recursos hídricos no Brasil,
compreendida em quatro fases históricas marcantes: a) do surgimento da atividade industrial no país aos mar-
cos legais aplicáveis aos recursos hídricos (Código de Águas e Constituição Federal de 1934); b) do Código de
Águas à institucionalização de instrumentos de gestão; c) dos Comitês Executivos de Estudos Integrados de
Bacias Hidrográficas à promulgação da Constituição de 1988; e, d) da Constituição de 1988 aos dias atuais
- este último período, dada a importância e centralidade em relação aos objetivos da presente publicação, jus-
tifica um maior aprofundamento sobre o histórico recente dos fatos e da dinâmica do atual Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).
No âmbito do Estado de São Paulo foi muito importante a iniciativa do Prof. Lucas Nogueira Garcez
ao criar o Departamento de Águas e Energia Elétrica-DAEE, pela Lei 1350 de dezembro de 1950. Registre-
se que o DAEE foi inspirado no Tennesse Valley Authority- TVA, autarquia federal americana. É importante
notar também que dentro do DAEE foram criados três Serviços de Vales (Tietê, Paraíba do Sul e Ribeira),
para promover o aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos destas regiões. A criação destes serviços já
antecipava, portanto, o conceito de gerenciamento por bacias hidrográficas. Embora àquela época o conceito
de gerenciamento integrado não fosse totalmente claro e estabelecido, o DAEE liderou, entre 1964 e 1968, a
elaboração do estudo “Desenvolvimento Global dos Recursos Hídricos das Bacias do Alto Tietê e Cubatão”,
conhecido por “Relatório Hibrace”. Este estudo considerava integradamente, dentro das condições e limita-
ções que prevaleciam à época, as questões de inundação, abastecimento, coleta de esgotos e tratamento de
efluentes da região das bacias do Alto Tietê, Cubatão e Piracicaba. Embora os valores ambientais somente fos-
sem assimilados mais amplamente pela sociedade na década de 70, o Relatório Hibrace avançava uma serie
de questões atuais como a preocupação com vazões ecológicas e qualidade das águas em rios e reservatórios.
Passo decisivo para a organização institucional e o gerenciamento dos recursos hídricos do Estado
foi a criação, em 1968 pelo Decreto Estadual 50.079, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo –
CETESB, responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de
poluição, com a preocupação fundamental de preservar e recuperar a qualidade das águas, do ar e do solo. A
criação da CETESB e, mais tarde da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, trouxe de forma
definitiva a questão ambiental ao cenário do gerenciamento de recursos hídricos do Estado, que até então
preocupava-se principalmente com os aspectos quantitativos do recurso. Além disso, a criação destas duas
entidades teve como consequência a adoção de abordagens mais amplas da questão dos recursos hídricos e
abriu caminho para a implantação do conceito de gerenciamento integrado destes recursos.
A fase histórica que sucede à promulgação da Constituição de 1988 é a que mais se presta para uma
abordagem no contexto do presente trabalho.
Os trabalhos da referida Constituição se deram num contexto em que o país estava ainda impactado
pelos acontecimentos políticos que se iniciaram na década de 1960, com o Golpe Militar, e buscava um novo
direcionamento no rumo do fortalecimento da democracia. Do ponto de vista institucional, os recursos hídri-
cos ainda se ressentiam das transformações que consolidaram o desenvolvimento do setor elétrico, a partir da
criação do Ministério de Minas e Energia, da Eletrobrás e do Departamento Nacional da Produção Mineral
1 GEO Brasil: recursos hídricos. Ministério do Meio Ambiente; Agência Nacional de Águas; Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente. Brasília: MMA; ANA, 2007.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
13

(DNPM), cujo Serviço de Águas foi posteriormente transformado no Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica (DNAEE), que passou a acumular funções de guardião do Código de Águas e responsável
pelos serviços de energia elétrica a cargo da União.
Não obstante a dubiedade do órgão no papel simultâneo de gestor das águas e de emissor das con-
cessões do setor elétrico que mais interferia, na época, com o regime dos cursos d’água brasileiros, o DNAEE,
por meio de sua Divisão de Controle de Recursos Hídricos (DCRH), desempenhou um importante papel no
início da implementação do conceito de comitês de bacia, baseado em estudos prospectivos de demanda [2].
Foi também a DCRH que, à época, iniciou os primeiros contatos com entes governamentais france-
ses, no sentido de conhecer o sistema de gerenciamento ali operado, o que culminou no estabelecimento de
laços de cooperação que resultaram na forte influência do sistema francês de gerenciamento nas propostas
concebidas para o caso brasileiro.
É interessante notar que, ao mesmo tempo, diversos estados da federação também se preocupavam
com estas questões e até precederam as ações federais. É o caso do Estado de São Paulo que, em 1987, criou
o seu Conselho Estadual de Recursos Hídricos e iniciou o seu primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos.
Data deste ano também a elaboração do projeto de lei da Política Estadual e do Sistema Estadual de Geren-
ciamento Integrado dos Recursos Hídricos- SIGRHI.
A Constituição de 1988, ao determinar ao Poder Executivo, em uma de suas disposições transitórias,
a elaboração de uma proposta de sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, a ser submetida ao Con-
gresso Nacional, foi a grande promotora das alterações de que hoje se vale o Estado brasileiro para a gestão
dos recursos hídricos.
Em novembro de 1991, foi encaminhado ao Congresso Nacional projeto de lei que propunha a cria-
ção da política e do sistema de gerenciamento de recursos hídricos. A proposta inicial foi concebida de forma
centralizadora, com poucos avanços no que se referia à participação da sociedade nas discussões do setor. No
entanto, no processo de discussão do referido projeto de Lei foi possível introduzir no texto daquele projeto
conceitos mais inovadores que viriam a garantir, a um só tempo, o caráter descentralizado do sistema de ges-
tão proposto e a característica participativa, no que se refere ao processo decisório.
Em 1995, é criada a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), vinculada ao Ministério do Meio Am-
biente, com a atribuição de dinamizar a discussão da Política Nacional dos Recursos Hídricos, bem como
acompanhar e monitorar sua implementação. A partir da criação da SRH, foi acelerado o processo de discus-
são nacional que culminou com a promulgação da Lei 9.433, em janeiro de 1997, que criou a Política Nacio-
nal de Recursos Hídricos e instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)
[3], após quatro anos de intensos debates que mobilizaram toda a sociedade brasileira.
Desde então, os avanços vêm se observando de forma mais acelerada, fazendo, inclusive, valer alguns
dos princípios do Código de Águas de 1934 que nunca puderam ser devidamente regulamentados, a exemplo
dos princípios do consumidor-pagador e do poluidor-pagador, incorporados pela lei 9.433/1997.
Em 2000, é criada a Agência Nacional de Águas (ANA), encarregada da implementação do SIN-
GREH e dos processos de alocação de água nos rios de dominialidade da União. Paralelamente, estrutura-se
o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, comitês de bacias de rios de dominialidade da União, a imple-
mentação dos instrumentos de gestão preconizados na Lei 9.433/97, e a elaboração do Plano Nacional de
Recursos Hídricos e dos planos de bacias.
Nos quinze anos decorridos desde a promulgação da Lei 9.433/97, o país avançou mais em termos de
gestão dos recursos hídricos do que nos 45 anos que separaram o Código de Águas da referida lei.
2 Essa oportunidade surgiu por ocasião do Acordo de Cooperação da União com o Estado de São Paulo, voltado à melhoria das condições
sanitárias da bacia do Alto Tietê. Esse acordo permitiu a criação de um comitê deliberativo para equacionar os problemas existentes. Com
o êxito do acordo, a experiência foi reproduzida no cenário nacional, em bacias de rios de dominialidade da União, o que, em que pesem
as diferenças de composição e operação, se constituiu no embrião dos comitês de bacia hoje existentes.
3 O SINGREH é composto pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, pela Agência Nacional de Águas, pelos Conselhos de Recursos
Hídricos dos Estados e do Distrito Federal, pelos Comitês de Bacias Hidrográficas (União - Estados), pelos Órgãos do Poder Público dos
Estados e dos Municípios encarregados dos recursos hídricos e pelas Agências de Água.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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Esse avanço se deveu a um enorme conjunto de circunstâncias que, a exemplo do crescimento da


conscientização da finitude do recurso água e da importância da boa gestão de sua quantidade e qualidade,
fizeram com que a água fosse incluída entre os assuntos prioritários da agenda política do século XX, circuns-
tâncias que ganharam ainda mais força neste século XXI.
Ressalta-se que o papel dos estados federados foi crucial para que o sistema recém-criado avançasse
com celeridade. Nesse contexto, o Estado de São Paulo despontou como Unidade Federativa que mais con-
tribuiu para esse avanço, já que, em sua condição de unidade mais avançada do ponto de vista econômico,
também detinha a primazia no enfrentamento das situações mais críticas, seja no combate à poluição, em
especial hídrica, seja concepção de propostas de usos múltiplos e de disciplinamento de atividades que se
valiam da água como insumo básico.

1.4 O QUADRO ATUAL DA GOVERNABILIDADE E DA GOVERNANÇA


DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL
Atualmente, o Brasil conta um sólido arcabouço legal, dotado de modernos fundamentos para a ges-
tão das águas, em especial o da gestão descentralizada que permite a participação do Poder Público, em seus
diferentes níveis de atuação, dos usuários e da sociedade em geral.
A Constituição brasileira estabeleceu a repartição de dominialidade das águas entre a União e os
estados, prevendo que a gestão na bacia hidrográfica se dê pela articulação entre os atores desses níveis. Por
essa razão, o sistema brasileiro de governança/gerenciamento das águas envolve, além da esfera federal, os
estados federados, onde diferentes instituições gestoras devem harmonizar seus procedimentos para a que a
gestão dos recursos hídricos possa ser exercida de forma integrada.
No ápice do arcabouço institucional situa-se o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e, nos esta-
dos, os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, que disciplinam procedimentos e arbitram situações de
conflito. Paralelamente, existem instalados cerca de 150 comitês de bacia estaduais e interestaduais em dife-
rentes regiões do país, os quais deliberam, no âmbito dessas bacias, sobre os planos de recursos hídricos e as
prioridades de ações requeridas.
Esse conjunto, que configura o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIN-
GREH, juntamente com os instrumentos de gestão definidos em lei [4], encontram-se em plena vigência em
todo o país, não obstante as diferenças relativas à institucionalidade e à capacidade técnica instalada em cada
estado, que, em alguma medida, ainda requerem aperfeiçoamento.
Nos últimos anos, instrumentos como a outorga de uso dos recursos hídricos, os sistemas de infor-
mação, os planos estaduais e de bacias e os processos de enquadramento dos rios em classe de uso ganharam
escala e densidade em todos os estados da federação e passaram a ser exercidos com base nas com mesmas
premissas e com metodologias assemelhadas o que tem garantido intercomunicação, gerando processos factí-
veis de serem comparados. Ressalte-se que essa conquista não é trivial, em se tratando de um país continental
como o Brasil.
Do ponto de vista do financiamento desse processo de gerenciamento, destaca-se a existência de fun-
dos de recursos hídricos na maioria dos estados, a maior parte deles alimentados por recursos provenientes
da compensação financeira destinada aos estados pelo setor elétrico, acrescidos de recursos provenientes
da cobrança pelo uso das águas de rios de dominialidade desses estados, além das multas e emolumentos
pertinentes ao setor de recursos hídricos e mesmo de recursos orçamentários dos próprios estados. Embora
a forma como esses fundos têm dispendido recursos em apoio aos processos de gestão de recursos hídricos
varie bastante de estado para estado, é certo que representam um aporte fundamental para o gerenciamento
atualmente exercido.
4 São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, de acordo com a Lei no. 9.433/97: a) os Planos de Recursos Hídricos; b) o
enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; c) a outorga dos direitos de uso de recursos
hídricos; d) a cobrança pelo uso de recursos hídricos; e e) o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
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Também do ponto de vista da cobrança pelo uso dos recursos hídricos cabe ressaltar os destaques.
Esse instrumento, exercido na calha de rios de dominialidade da União nas bacias dos rios Paraíba do Sul,
Piracicaba, Capivari e Jundiaí, Doce e São Francisco, encontra-se em pleno exercício, logrando, após os
necessários acertos legais e normativos, o repasse integral dos quantitativos arrecadados pela União para
as bacias hidrográficas que os geraram, através de contratos de gestão para instituições credenciadas como
agências de bacia.

1.5 O SISTEMA PAULISTA DE RECURSOS HÍDRICOS


1.5.1 Breve Histórico
De acordo com Flávio Terra Barth [5], o gerenciamento de recursos hídricos teve um grande impulso,
a partir de 1983 no Estado de São Paulo, com a descentralização do Departamento de Águas e Energia Elé-
trica – DAEE, mediante a criação de Diretorias de Bacias Hidrográficas, efetivada em 1985.
Posteriormente, em 1987, foi criado o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e, em 1988, promul-
gada a Lei no. 6.134 que dispunha sobre a preservação das águas subterrâneas. No início de 1991 foi aprova-
do o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos e no final daquele ano, promulgada a Lei no. 7.663, que
estabeleceu a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos
Hídricos – SIGRH. Seguiu-se a adaptação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos à nova lei e a regula-
mentação do Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO.

O modelo paulista
A Lei 7.663 de 30 de dezembro de 1991 que implantou o Sistema Paulista, constitui o principal marco
legal do Sistema e duas décadas depois de sua promulgação encontra-se em pleno vigor, sem que qualquer
alteração fosse introduzida em seu texto original.
O caráter da lei é tipicamente multidisciplinar. Seu texto procura articular, equilibradamente, prin-
cípios, instrumentos e órgãos de coordenação e participação especialmente criados para garantir o funciona-
mento do Sistema.

Os princípios adotados pela Lei 7663.


O modelo paulista baseia-se em sete princípios que, pela sua importância, são reproduzidos textual-
mente, de acordo com o artigo 3º da lei.
I gerenciamento descentralizado, participativo e integrado, sem dissociação dos aspectos quantitativos e qualitativos e
das fases meteórica, superficial e subterrânea do ciclo hidrológico;
II adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento e gerenciamento;
III reconhecimento do recurso hídrico como um bem público, de valor econômico, cuja utilização deve ser cobrada, ob-
servados os aspectos de quantidade, qualidade e as peculiaridades das bacias hidrográficas;
IV rateio do custo das obras de aproveitamento múltiplo de interesse comum ou coletivo, entre os beneficiados;
V combate e prevenção das causas e dos efeitos adversos da poluição, das inundações, das estiagens, da erosão do solo
e do assoreamento dos corpos d’água;
VI compensação aos municípios afetados por áreas inundadas resultantes da implantação de reservatório e por restrições
impostas pelas leis de proteção de recursos hídricos;
VII compatibilização do gerenciamento dos recursos hídricos com o desenvolvimento regional e com a proteção do meio ambiente.
É mais usual encontrar-se a citação dos três primeiros princípios como sendo básicos. Entretanto
todos eles são essenciais na medida em que conferem completude, robustez e coerência ao Sistema.

5 BARTH, Flávio Terra. A recente experiência brasileira de gerenciamento de recursos hídricos. Cadernos FUNDAP no. 20. São Paulo, 1999
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
16

Instrumentos
Em seu Capítulo II a lei define os três instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos: (a)
outorga de direitos de uso dos recursos hídricos, (b) a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e (c) o rateio
de custos.
É de se notar também que o princípio III ao reconhecer o valor econômico da água, consagra o prin-
cípio “usuário – pagador” no Sistema Paulista.

Plano Estadual de Recursos Hídricos


O Plano Estadual de Recursos Hídricos é frequentemente entendido como um dos instrumentos da
lei, mas, na lei paulista constitui-se na em um dos pilares do sistema. O Capítulo III, nos artigos que vão do
16º ao 20º, trata especificamente do Plano, sua função e seus detalhes.
O texto do Artigo 16º fornece, além de conferir a condição de lei ao documento, diretrizes para sua formu-
lação, como reproduzido abaixo:
O Estado instituirá, por Lei, com atualizações periódicas, o Plano Estadual de Recursos Hídricos - PERH -
tomando por base os planos de bacias hidrográficas, nas normas relativas à proteção do meio ambiente, as diretrizes do
planejamento e gerenciamento ambientais... :
Os artigos que se seguem dão orientações mais específicas sobre o conteúdo do Plano. Fica bastante
evidente, pela leitura cuidadosa do texto, a grande importância que o legislador desejou atribuir a este com-
ponente da Política Estadual de Recursos Hídricos,
São ainda partes do modelo paulista os planos de recursos hídricos, no âmbito de cada bacia hidro-
gráfica, o sistema institucional de gerenciamento, mediante colegiados deliberativos, centrais e descentraliza-
dos, e o Fundo Estadual de Recursos Hídricos - FEHIDRO.
É digna de nota a preocupação da Política com duas questões essenciais para todos os sistemas de gestão: a
avaliação de resultados e a transparência. O artigo 19° diz textualmente:
Para avaliação da eficácia do Plano Estadual de Recursos Hídricos e dos Planos de Bacias Hidrográficas, o Poder
Executivo fará publicar relatório anual sobre a “Situação dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo” e relatórios sobre
a “Situação dos Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas”, de cada bacia hidrográfica objetivando dar transparência
à administração pública e subsídios às ações dos Poderes Executivo e Legislativo de âmbito municipal, estadual e federal.

Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SIGRH


O sistema paulista consagra os princípios da descentralização e participação pública, pela criação de
órgãos de Coordenação e Integração Participativa, quais sejam o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e
os Comitês de Bacias Hidrográficas. De acordo com a Lei, estes últimos podem ser criados nas unidades hi-
drográficas estabelecidas pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos. Estes órgãos têm objetivos estratégicos e
competências consultivas e deliberativas. São órgãos colegiados em que o estado, os municípios e a sociedade
civil estão representados em igual número.
O CRH é o órgão central de mais alta instancia no sistema paulista e cabe a este colegiado:
1. discutir e aprovar propostas de projetos de Lei referentes ao Plano Estadual de Recursos Hídricos, assim
como as que devam ser incluídas nos projetos de Lei sobre o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias
e orçamento anual do Estado;
2. aprovar o relatório sobre a “Situação dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo”;
3. exercer funções normativas e deliberativas relativas à formulação, implantação e acompanhamento da
Política Estadual de Recursos Hídricos;
4. estabelecer critérios e normas relativas ao rateio, entre os beneficiados, dos custos das obras de uso múl-
tiplo dos recursos hídricos ou de interesse comum ou coletivo;
5. estabelecer diretrizes para a formulação de programas anuais e plurianuais de aplicação de recursos do
Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO;
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
17

6. efetuar o enquadramento de corpos d’água em classes de uso preponderante, com base nas propostas dos
Comitês de Bacias Hidrográficas – CBHs, compatibilizando-as em relação às repercussões interbacias e
arbitrando os eventuais conflitos decorrentes;
7. decidir, originariamente, os conflitos entre os Comitês de Bacias Hidrográficas, com recurso ao Chefe do
Poder Executivo, em último grau, conforme dispuser o regulamento.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas devem deliberar, no nível regional, sobre os temas abaixo:

1. aprovar a proposta da bacia hidrográfica, para integrar o Plano Estadual de Recursos Hídricos e suas
atualizações;
2. aprovar a proposta de programas anuais e plurianuais de aplicação de recursos financeiros em serviços
e obras de interesse para o gerenciamento dos recursos hídricos em particular os referidos no artigo 4.º
desta Lei, quando relacionados com recursos hídricos;
3. aprovar a proposta do plano de utilização, conservação, proteção e recuperação dos recursos hídricos da
bacia hidrográfica, em especial o enquadramento dos corpos d’água em classes de uso preponderantes,
com o apoio de audiências públicas;
4. promover entendimento, cooperação e eventual conciliação entre os usuários dos recursos hídricos;
5. promover estudos, divulgação e debates, dos programas prioritários de serviços e obras a serem realiza-
dos no interesse da coletividade;
6. apreciar, até 31 de março de cada ano, relatório sobre “A Situação dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica”.

Atualmente o Estado de São Paulo conta com 25 Comitês de Bacias Hidrográficas em pleno exercício,
sendo quatro de rios de dominialidade da União, a saber: CBH do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, CBH do
Paraíba do Sul, CBH do Grande e CBH do Paranapanema. Os comitês de rios de dominialidade do Estado
de São Paulo são os seguintes: CBH da Baixada Santista, CBH da Serra da Mantiqueira, CBH do Alto Para-
napanema, CBH do Alto Tietê, CBH do Baixo Pardo-Grande, CBH do Baixo Tietê, CBH do Litoral Norte,
CBH do Médio Paranapanema, CBH do Paraíba do Sul, CBH do Pontal do Paranapanema, CBH do Ribeira
de Iguape e Litoral, CBH do Rio Mogi-Guaçu, CBH do Rio Pardo, CBH do São José dos Dourados, CBH do
Sapucaí-Mirim e Grande, CBH do Tietê/Jacaré, CBH do Tietê-Batalha, CBH dos Rios Aguapeí e Peixe, CBH
dos Rios Sorocaba e Médio Tietê e CBH dos Rios Turvo e Grande.
O sistema paulista prevê também a criação de Agencias de Bacia, com funções executivas e, para
tanto, dispõe:
Nas bacias hidrográficas, onde os problemas relacionados aos recursos hídricos assim o justificarem, por decisão
do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica e aprovação do Conselho de Recursos Hídricos, poderá ser criada um entidade
jurídica, com estrutura administrativa e financeira própria, denominada Agência de Bacia.
Outro importante componente do sistema paulista é o FEHIDRO, Fundo Estadual de Recursos Hí-
dricos, também criado pela Lei 7663. Seu objetivo é o de dar suporte financeiro à implantação e operação
do Sistema. Os principais recursos deste Fundo provêm da compensação financeira recolhida ao Estado pelo
setor elétrico. O Estado destina 70% deste recolhimento ao Fundo. Faz parte do Fundo também a totalidade
dos valores obtidos com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Os recursos oriundos da cobrança devem
aplicados obrigatoriamente nas bacias em que foram originados, em atividades previstas nos planos de bacia.
O FEHIDRO foi uma decisão inovadora do sistema paulista e teve uma importância histórica, pois,
a decisão de destinar parte da compensação financeira recolhida ao Estado pelo setor elétrico para este fim,
tornou possível a implantação inicial do sistema e deu tempo às bacias para que fosse discutido e preparado
o processo de cobrança pelo uso da água.
Desde o início de sua operação, em 1995, até os dias de hoje os números apresentados pelo FEHI-
DRO são expressivos. Neste período foram contratados 4665 projetos no montante de aproximadamente 550
milhões de reais. Certamente tenderá a aumentar o investimento total, uma vez que os valores arrecadados
pela cobrança pelo uso da água tendem a crescer.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
18

Estes valores não são suficientes para financiar grandes obras de infraestrutura, mas são significativos
e importantes para dar suporte a atividades de gestão. Este conceito era constantemente reafirmado pelo
engenheiro Flavio Terra Barth quando dizia “a finalidade mais nobre do FEHIDRO é melhorar a qualidade
do nosso processo decisório na área de recursos hídricos”.
A Figura 1 mostra esquematicamente a articulação dos diversos componente do SIGRH.

Figura 1 - Articulação dos componentes do Sistema Estadual de Recursos Hídricos

Necessidade de articulação com a União e Estados vizinhos


Como visto, o Estado de São Paulo compartilha bacias hidrográficas com os Estados de Minas Gerais
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
19

(bacias do rio Grande, Mogi Guaçu, Pardo, Sapucaí Mirim e Piracicaba) Paraná (bacias dos rios Paranapane-
ma e Ribeira de Iguape) e Rio de Janeiro (bacia do rio Paraíba do Sul que também contém áreas no território
do Estado de Minas Gerais).
Há nessas bacias, portanto, cursos d’água superficiais de domínio da União (rios de divisa ou que per-
correm mais de um Estado), do Estado de São Paulo (rios que nascem e morrem no território paulista, como
o Turvo, afluente do rio Grande) e dos outros Estados mencionados. As águas subterrâneas são de domínio
do Estado em que estão subjacentes.

1.6 OS DESAFIOS DA GESTÃO INTEGRADA E ALGUMAS


CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Embora haja muito que celebrar no que se refere ao arcabouço legal e os avanços registrados, restam
enormes desafios a serem vencidos no que se refere ao objetivo de se atingir um gerenciamento efetivamente
integrado. Esses desafios se referem a questões de grande complexidade que merecerão ainda enormes esfor-
ços para serem superadas: integração da gestão de águas com a gestão ambiental; integração dos aspectos de
quantidade e qualidade; integração da gestão dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos; e, principal-
mente, à integração da política de recursos hídricos com as políticas setoriais.
Perpassando todos esses aspectos, ressalta-se a constatação de que esses processos integrativos serão
tão mais exitosos quanto mais preparados estiverem os representantes dessas diferentes temáticas e setores a
quem caberá, em última instância, o desenho e a implementação das estratégias e dinâmicas que deverão ser
equacionadas. Nesse cenário, as iniciativas de capacitação são fundamentais. Capacitação nos aspectos técni-
cos e processuais relativos a cada área do conhecimento e, em especial, capacitação nas diferentes formas de
ação integrada que possam levar ao maior benefício público no que se refere ao uso das águas.
Quanto à integração da gestão das águas com a gestão ambiental, os desafios são mais perceptíveis
nas interfaces dos processos de licenciamento, característicos da gestão ambiental, e de outorga de uso dos
recursos hídricos, específicos da gestão das águas. Faz-se necessário, nesse particular, dotar os processos de
maior clareza no que se refere aos limites do alcance dos instrumentos, à cronologia dos processos, assim
como aos parâmetros e atividades a serem considerados na obtenção dessas autorizações.
O mais preocupante nesses processos diz respeito à abrangência espacial dos empreendimentos. No
caso dos recursos hídricos, há consenso entre os especialistas de que, para efeito dos estudos de outorga de
uso dos recursos hídricos, se deveria buscar uma forma de considerar o conjunto das intervenções de deter-
minado setor no âmbito das bacias hidrográficas. O exame de empreendimentos caso a caso, em distintas
ocasiões, dificulta – e até mesmo impede – a definição adequada das alternativas de mitigação dos efeitos
negativos desses empreendimentos. Naturalmente, isso será mais efetivo para setores como o elétrico, cujos
empreendimentos são autorizados e licenciados em movimentos conexos.
Do ponto de vista da visão integrada dos aspectos quantitativos e qualitativos dos recursos hídricos,
também há que se avançar. Se o exame dos empreendimentos a serem licenciados pudesse ser feito de forma
articulada, os avanços em termos de maximização dos ganhos e de exigências de adaptação de projetos e/ou
de mitigação de seus efeitos negativos certamente seriam mais tangíveis e efetivos.
Quanto às questões relativas aos usos das águas superficiais e subterrâneas, também há muito a ser
feito. Embora se reconheça que as condições de governabilidade nessa temática estão dadas, em especial no
que se refere à competência dos estados, garantida pela Constituição de 1988, há grandes indefinições de
como deve ser observada o gerenciamento integrado desses dois sistemas. As águas superficiais, assim como
as subterrâneas, representam estágios da ocorrência da água no ciclo hidrológico. São etapas do ciclo hidro-
lógico umbilicalmente associadas e, graças à conectividade natural do processo hídrico, essas águas se alteram
pela infiltração e pela ressurgência, e devem ser administradas em estrita observância mútua, de forma a se
obter resultados mais coerentes, otimizados e ajustados para o alcance do maior benefício comum.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
20

É preciso atentar para o uso indiscriminado das águas subterrâneas por particulares, em especial nos
ambientes urbanos, e pelas deseconomias que isso pode provocar. O poder público investe vultosas somas para
disponibilizar água tratada a seus habitantes e, em geral, não há uma observância adequada do uso das águas
subterrâneas. Perde o poder público e, por extensão, a população, nos dois aspectos: os investimentos para
oferecer água tratada podem ser excessivos e o acervo de águas disponível para aproveitamento pode diminuir.
Poucas cidades brasileiras dispõem, hoje, de regras claras e vigentes para a coibição dessas práticas autofágicas.
No que se refere à consideração do país, como um todo, outro desafio importante salta à vista. Diz
respeito à necessidade de adaptação da legislação de recursos hídricos à realidade de algumas das regiões,
a exemplo do Nordeste semiárido e da Amazônia. Na Política Nacional de Recursos Hídricos, seu sistema e
instrumentos foram concebidos com base em exemplos exitosos de países que enfrentavam há mais tempo os
desafios da gestão integrada de recursos hídricos, como a França, cujo sistema de gestão de recursos hídricos
ainda hoje é considerado um dos mais exitosos. No entanto, ao buscar inspiração num país desenvolvido e
densamente ocupado, o Brasil privilegiou o enfrentamento de situações típicas do processo acelerado de de-
senvolvimento, característico de suas regiões Sudeste e Sul, onde os preocupantes panoramas qualitativos de
seus rios exigiam uma efetiva intervenção da administração pública.
Ao se concentrar nas regiões mais desenvolvidas do país, o desenho da Política Nacional de Recursos
Hídricos e de seu sistema de gerenciamento desconsiderou algumas situações para as quais ainda se requerem
adaptações para que os instrumentos da política e os elementos do SINGREH possam ser aplicados de forma
eficiente. No semiárido nordestino, por exemplo, o conceito de bacia hidrográfica, básico para as interven-
ções de regulação e alocação de água, é de difícil percepção e utilização, dada a grande quantidade de rios
intermitentes, nos quais a água flui apenas na estação das chuvas. Não parece razoável, portanto, esperar
uma adesão a esse conceito para a construção da institucionalidade necessária ao gerenciamento dos recursos
hídricos. Faz mais sentido remeter o gerenciamento às obras de reservação, essas sim aptas a se valerem dos
processos alocativos e de controle.
O resultado, no nível local, é que as organizações da sociedade surgidas em torno da infraestrutura
hídrica existente têm mais condições de exercer uma gestão adequada do que os eventuais colegiados de
bacias hidrográficas, mais distantes da realidade imediata dos usuários de água. Para grandes extensões ter-
ritoriais, no entanto, o conceito de bacia pode ser utilizado, desde que se respeitem os níveis existentes de
organização dos usuários e da sociedade.
As bacias hidrográficas da região amazônica, por outro lado, revelam as enormes dificuldades de se
conceber os comitês de bacias hidrográficas preconizados na legislação federal ou estadual. A extraordinária
extensão territorial das bacias hidrográficas daquela região, associada à relativamente baixa densidade de-
mográfica e à ausência ou precariedade dos meios de transporte entre os diferentes segmentos dessas bacias,
faz com que eventuais comitês de bacias careçam da visão de conjunto necessária à deliberação sobre as ações
de gestão. Além disso, a exuberância das vazões observadas deixa clara a relativa ausência de conflitos entre
usuários, da forma como ocorrem nas regiões mais ocupadas e desenvolvidas.
Os problemas, nessa região, são de outra natureza e se referem, em geral, à utilização das águas da-
quelas bacias para a geração de energia hidrelétrica, para o transporte fluvial e/ou para a implementação de
grandes obras de mineração ou de colonização e assentamento, não raro com expressivos impactos ambientais
e sociais. Para a região amazônica, torna-se fundamental a existência de planos estratégicos de bacias que sina-
lizem, com a antecedência necessária, os problemas que poderão advir da implementação de grandes obras,
permitindo às instâncias regionais e estaduais de promoção do desenvolvimento examinar e opinar acerca dos
potenciais riscos de conflito entre setores no que se refere ao uso dos recursos hídricos dessas bacias.
O curioso é que, mesmo no âmbito de instituições do Governo federal, não há a sinergia esperada
nessa área, o que reforça a necessidade da visão estratégica que os planos de bacias podem oferecer. A esse
respeito, é interessante observar que, recentemente, com o início dos trabalhos de elaboração do Plano Estra-
tégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas, detectou-se a pouca sinergia
que resultaria entre a geração de energia elétrica dos empreendimentos estudados pelo setor elétrico para
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
21

os rios Teles Pires e Tapajós, e o potencial de estabelecimento de uma hidrovia que permitisse o escoamento
da produção de grãos da região Centro-Oeste. Ponderou-se que, se os empreendimentos hidrelétricos pre-
vistos naquelas bacias pudessem considerar a possibilidade da implantação de uma hidrovia, grande parte
da produção do Centro-Oeste poderia ser escoada por via fluvial até o porto de Santarém, de onde poderia
ser embarcada para destinos europeus e asiáticos por meio de cargueiros transatlânticos, com tempo e custos
sensivelmente menores do que aqueles atualmente em uso, que implicam transporte rodoviário por milhares
de quilômetros até os portos de Santos e Paranaguá.
Esse fato remete para uma das grandes preocupações relativas ao gerenciamento integrada dos re-
cursos hídricos: a assimetria entre os setores usuários de recursos hídricos pode criar situações irreversíveis,
comprometendo o uso múltiplo dos recursos hídricos, premissa da legislação que orienta a temática. Isso
deriva do fato de que os setores usuários de recursos hídricos trabalham com horizontes de planejamento
bastante diversos, segundo o propósito de suas intervenções e a capacidade técnica instalada. O setor elétrico,
por exemplo, por força da magnitude dos investimentos necessários, do longo tempo de maturação exigido
por seus empreendimentos, e da capacidade técnica instalada em suas subsidiárias e coligadas, trabalha com
grande antecedência, quando comparado a setores como o de transporte fluvial.
Além disso, a legislação de recursos hídricos refere-se apenas à elaboração de planos de recursos hídri-
cos para as bacias onde já exista uma institucionalidade mínima assegurada, a exemplo da formação dos respec-
tivos comitês de bacia. Nesse contexto, criou-se um paradoxo para a Região Amazônica: o Conselho Nacional
de Recursos Hídricos, instância deliberativa das iniciativas relativas às bacias de rios de dominialidade da União,
não pode, na visão de alguns conselheiros, aprovar planos na ausência de comitês e, por outro lado, não deve,
na visão de outros, aprovar a constituição de comitês onde não existam evidências de uso conflitivo das águas.
Esses assuntos são, hoje, arbitrados caso a caso, mas é consenso entre os especialistas que devam ser
objeto de regulamentação, tendo em vista os grandes custos de transação envolvidos.
As situações destacadas demonstram que o modelo sistêmico do gerenciamento de recursos hídricos
adotado para todo o país ainda se encontra em fase de aperfeiçoamento, não obstante os enormes avanços al-
cançados desde o início de sua implementação. Os desafios apontados, em nenhum momento, questionam os
postulados e as premissas do modelo, nem preconizam sua revisão. Apenas apontam que, dada a diversidade
do país e os diferentes níveis de comprometimento dos recursos hídricos ao longo de seu território, é razoável
pensar-se em visões múltiplas e cuidados de adaptação que ainda não estão dados.
Há relativo consenso quanto à necessidade da revisão da lei de recursos hídricos no rumo do aperfei-
çoamento do modelo brasileiro de gestão, embora não tenha havido, por parte do Poder Executivo, a criação
dos espaços de oportunidade onde essas questões pudessem ser discutidas, gerando propostas a serem enca-
minhadas aos legisladores. A opção sempre presente é de tratar as aparentes inconsistências num interminá-
vel caso a caso que remete à exaustiva repetição de argumentos dos diferentes lados das questões.
Por outro lado, iniciativas mais consistentes de cooperação no âmbito do SINGREH, a exemplo de
reuniões específicas e regionais para a discussão de novas propostas, hoje ainda tímidas e restritas a questões
pontuais, poderão acelerar processos, fazendo com que os potenciais problemas encontrados na legislação ga-
nhem a dimensão experimental necessária para fortalecer argumentos em prol dos aperfeiçoamentos legais.
No que se refere às questões que envolvem os estados federados, ressalta-se a inexistência de com-
promissos políticos de caráter mais abrangente, voltados à concertação desses entes federados no exercício
de suas competências comuns.
A reversão desse quadro de carências, inconsistências e contradições é condição fundamental para
que se continue avançando na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, em especial, diante
da condição de dupla dominialidade das águas interiores, e da enorme interface e interdependência existente
entre o universo de atuação do SINGREH e dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos
– SEGREHs.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
22

1.7 A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL


Dentre as experiências de gerenciamento no cenário internacional, a que provavelmente mais chama
a atenção pela similitude com o ambiente institucional brasileiro é a Diretiva-Quadro da Água da União Eu-
ropeia. Essa similitude alcança até mesmo o número de Estados-Membros, que somam 27, o mesmo número
de unidades federativas. Embora não se constitua indicador consistente, o número de constituintes dá uma
clara noção da complexidade e dificuldade inerentes a um processo de pactuação e convergência.
A seguir encontram-se descritas algumas informações sobre essa iniciativa, assim como considerações
sobre as perspectivas de adaptação ao cenário brasileiro de recursos hídricos.
A Diretiva Quadro no domínio da água (DQA), entrou em vigor em 22 de dezembro de 2000 pela
União Européia, e estabeleceu um quadro jurídico com vistas a garantir quantidades de águas suficientes e
de boa qualidade em toda a Europa.
Os principais objetivos estabelecidos na oportunidade foram os seguintes: a) alargar a proteção das
águas a todos os recursos hídricos: águas de superfície e costeiras e águas subterrâneas; b) obter, até 2015,
uma boa qualidade para todas as águas; c) basear a gestão das águas nas bacias hidrográficas; d) combinar
valores-limite de emissão e normas de qualidade ambiental; e) assegurar que os preços da água oferecem
incentivos adequados para que os consumidores utilizem eficientemente os recursos hídricos; f) envolver os
cidadãos de forma mais estrita; e g) racionalizar a legislação.
No que se refere à implementação desta diretiva foram mencionadas as seguintes temáticas prioritá-
rias: a) transposição da DQA nas legislações nacionais; b) definição das bacias hidrográficas; c) designação das
autoridades competentes; d) avaliação ambiental e econômica do uso da água e dos níveis de recuperação dos
custos; e) controle das fontes poluidoras (tratamento de águas residuais urbanas, poluição das águas subterrâ-
neas e de superfície causada por fertilizantes usados pelo setor agrícola); f) desenvolvimento de indicadores
para o enquadramento dos corpos da água em classe segundo o uso; g) instrumentos econômicos exigidos
pela DQA: cobrança pelo uso da água, recuperação de custos dos serviços hídricos, custos ambientais e dos
recursos, principio do poluidor-pagador; h) sistema nacional de avaliação e classificação ecológica que servira
de base para definir o “bom estado ecológico” dos corpos de água; i) avaliação do estado quantativo das águas
subterrâneas; j) processo participatório; k) compartilhamento de boas práticas; l) cooperação internacional
nas águas transfronteiriças; m) integração da política da água com política de outros setores, em particular
com setores que dependem do uso de recursos hídricos: agricultura, indústria, energia, transporte, entre
outros; n) riscos causados pelas mudanças climáticas e por eventos críticos: enchentes, secas; o) estratégia
Comum de Implementação; e p) desenvolvimento do Sistema de Informação sobre a água para a Europa.
Ao se observar os objetivos estabelecidos para a Diretiva-Quadro Europeia, salta à vista o peso rela-
tivo das questões ditas ambientais. Ao considerar essa diretiva como elemento inspirador para um eventual
pacto no ambiente institucional brasileiro, as afirmações de que não há como comparar países europeus aos
latino-americanos, se contrapõem os argumentos de Francisco Nunes Correa [6]: “Os instrumentos servem uma
política da água e essa política assenta em vários pressupostos. Esses pressupostos podem corresponder a uma atitude mais
preocupada com o crescimento econômico ou mais preocupada com a preservação dos valores ambientais, admitindo-se todo
o tipo de posições intermediárias. Importa sublinhar, contudo, que posições aparentemente antagônicas no curto prazo,
podem ser conciliáveis no médio ou longo prazo. É com uma lógica de longo prazo que a Diretiva-Quadro estabelece como
grande objetivo a boa qualidade ecológica de todas as massas de água do território europeu.”
Além disso, a Diretiva-Quadro Europeia prima pela pluralidade das abordagens, o que permite a
consideração simultânea de diferentes níveis de organização dos Estados-Membros. Considera a diversidade
dos instrumentos de gerenciamento, a exemplo daqueles de comando e controle e dos econômicos, respeita
a capacidade de aperfeiçoamento institucional dos países, assim como a perspectiva de implementação dos
objetivos preconizados.
6 Francisco Nunes Correa. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia. In:
Revista de Gestão de Água da América Latina – REGA. Vol.2 no.2 – (jul/dez 2005)
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AO GERENCIAMENTO
DE RECURSOS HÍDRICOS
23

Além disso, e o que é mais importante, permite acesso a diferentes fundos de recursos financeiros
do âmbito da União Europeia, o que, em última análise viabiliza a equalização da ação regional em prol da
conservação e preservação dos corpos de água, sejam eles nacionais ou transfronteiriços.
Constitui, até o presente, o único instrumento regional de grande alcance no atingimento de ob-
jetivos comuns e, nessa condição, pode servir de exemplo para outras regiões do planeta e mesmo a países
continentais como o Brasil, organizados em unidades federativas.
A expectativa é que se fortaleçam os laços de cooperação com a União Europeia de forma a permitir
que a experiência da Diretiva-Quadro frutifique no país, dando concretude às intenções de efetiva implemen-
tação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

1.8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARTH, F. T.. A recente experiência brasileira de gerenciamento de recursos hídricos. Cadernos FUNDAP
n. 20. São Paulo, 1996.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente; Agência Nacional de Águas. Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente. Gestão dos recursos hídricos no Brasil: evolução e “estado da arte”. GEO BRASIL: re-
cursos hídricos. Brasília, 2007.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente; Agência Nacional de Águas. Pacto nacional pela gestão das águas:
construindo uma visão nacional. Documento Base (Interno). Brasília, 2012.
CORREA, F. N.. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da
União Europeia. Revista de Gestão de Água da América Latina – REGA. v.2, n.2 , jul/dez 2005.
LOBATO DA COSTA, F. J. Estratégias de gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil: áreas de cooperação
com o Banco Mundial. Série Água Brasil no. 1. Banco Mundial. Brasília. 2003.
PAGNOCCHESCHI, B. Governabilidade e governança das águas no Brasil. In: Moura, A. M. (Org.) Gover-
nança ambiental no Brasil – instituições, atores e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2012. (no prelo).
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

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ÁGUA PARA A VIDA E


PARA A PRODUÇÃO

Capítulo 2
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Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

27

1. INTRODUÇÃO
A manutenção da qualidade ambiental é essencial para o bem estar do homem, o desenvolvimento
socioeconômico, bem como para a preservação e a diversidade dos ecossistemas. A água assume papel de
grande importância em vários usos, produtos e serviços do quais o homem toma proveito.
Nas últimas décadas tem ocorrido aumento da demanda pelos serviços de abastecimento público
e industrial, de irrigação, de controle dos eventos críticos associados às secas e às enchentes, de geração de
energia, de navegação, de recreação, de saneamento e de manutenção de ecossistemas aquáticos e ribeirinhos.
A ONU (2011) estima que no mundo existam um bilhão de pessoas que não tem acesso a um supri-
mento suficiente de água, definido como uma fonte que assegure 20 litros por pessoa por dia numa distância
máxima de 1 km. Inclui-se entre as causas do inadequado suprimento de água o uso ineficiente, a degradação
da água pela poluição e a superexploração das reservas subterrâneas.
Melhores condições de atendimento das demandas em termos quantitativos e qualitativos podem
ser alcançadas se forem considerados os princípios de Dublin de 1992 em que: a) os recursos hídricos são
essenciais para sustentar a vida, o desenvolvimento e o ambiente, mas são vulneráveis e finitos; b) o desenvol-
vimento e a gestão dos recursos hídricos devem ser realizados de modo participativo, envolvendo usuários,
planejadores e tomadores de decisão em todos os níveis; c) a mulher representa um papel importante na
provisão, manejo e salvaguarda de água; e d) a água tem valor econômico em todos os usos competitivos e
deve ser reconhecida como bem econômico.
O desafio a ser enfrentado é saber como usar a água em um ambiente de incerteza em relação à
oferta e a demanda, à demanda crescente, à tendência de aumento dos conflitos entre os múltiplos usos, e
da necessidade de melhorar a qualidade da água dos rios, lagos e aquíferos. Estas questões têm sido motivo
de preocupação de profissionais e instituições responsáveis pela gestão e planejamento dos recursos hídricos
em todo o planeta.
Neste capítulo será apresentada uma abordagem geral sobre a disponibilidade hídrica no planeta,
analisando mais de perto sua ocorrência no Brasil e especialmente no Estado de São Paulo, onde serão ava-
liados os principais usos. A importância da água para a manutenção de ecossistemas e para a produção será
discutida depois das informações sobre disponibilidades e demandas de água.

2. ÁGUA NA NATUREZA
Na natureza a ocorrência da água, em seus estados sólido, líquido e gasoso, resulta de complexas in-
terações entre processos atmosféricos, superficiais e subsuperficiais que afetam sua distribuição e qualidade.
As variáveis que compõem o ciclo hidrológico diferem em qualidade química e bioquímica, variabilidade es-
pacial e temporal, resiliência, vulnerabilidade às pressões causadas pelo homem e pelas mudanças climáticas,
susceptibilidade à poluição, e capacidade de uso com sustentabilidade. Estas características causam grandes
modificações no ciclo global da água e é fonte de crise de abastecimento em muitas bacias.
A estimativa da disponibilidade hídrica em escala global é difícil de determinar devido à complexa
inter-relação dos componentes do ciclo hidrológico e a falta de dados representativos para quantificar as fon-
tes e suas mudanças. De acordo com Patra (2001) uma estimativa da quantidade total de água no mundo está
em torno de 1400 x 106 km3 dos quais 96,56% está contida nos oceanos. A Tabela 1 apresenta a estimativa
da quantidade de água nas diversas fontes no planeta. A água disponível nos lagos, rios e na atmosfera (água
precipitável) representa apenas 0,0142% de toda a água existente no planeta. A água doce superficial que
pode ser utilizada dessas fontes para abastecimento e produção é muito pequena em termos proporcionais.
Embora uma grande quantidade de água passe pela atmosfera, o conteúdo de água neste sistema em qual-
quer instante é pequeno. A maior parte da água doce (69,61%) está contida no gelo polar ou em geleiras. A
água retida em organismos biológicos (animais e plantas) representa 0,003% do total da água doce.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

28

Tabela 1 - Estimativa da quantidade de água no mundo.

Fonte % do total de água Volume de água (km3) % do total de água doce

Oceanos 96,564 1351,9 x 106

Geleiras 1,730 24,22 x 106 69,61

Lagos 0,0130 0,18 x 106 0,261

Rios 0,0002 0,0028 x 106 0,006

Atmosfera 0,0010 0,014 x 106 0,040

Água subterrânea 1,6899 23,65 x 106 30

Umidade do solo 0,0010 0,014 x 106 0,050

Pântanos e charcos 0,0008 0,11 x 106 0,030

Biologia 0,0001 0,0014 x 106 0,003


Total 100 1400 x 106 100
Fonte: Patra (2001)

A distribuição de água no planeta mantém um balanço perfeito para manter a vida na terra.
Variações na precipitação e na demanda evaporativa da atmosfera limitam geofisicamente a disponibili-
dade hídrica. A Tabela 2 apresenta uma estimativa de fluxo anual precipitado e evaporado, o acesso ao
suprimento de água renovável e a população servida em várias partes do mundo. A América Latina é a
região mais abundante em água com um terço do escoamento superficial. A Ásia representa um quarto
do escoamento superficial seguida pelos países componentes da Organização de Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (OCDE), principalmente América do Norte, Oeste Europeu e Oceania, com 20%
do escoamento global. A região com maior limitação hídrica é o Oriente Médio e o Norte da África com
1% do escoamento global. Nesta região chove pouco e a maior parte da precipitação (86%) é transferida
para a atmosfera por meio da evapotranspiração.
Na região do Leste Europeu, Cáucaso e Ásia Central 45% dos recursos hídricos renováveis são
acessíveis ao homem. Na América Latina 66% da população pode se servir do escoamento superficial de
água. De modo geral, 75% do escoamento anual total são acessíveis ao homem e, segundo Vörösmart
(2009), esta quantidade de água atende 80% da população do mundo (4,9 bilhões de pessoas). Aproxi-
madamente 20% das pessoas não são servidas pelos recursos hídricos renováveis e são abastecidas por
aquíferos com exploração antiga, transferência entre bacias e dessalinização da água do mar. Mais de
1 bilhão de pessoas vivendo em áreas áridas e semiáridas do mundo têm acesso a pouco ou nenhum
recurso hídrico renovável.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

29

Tabela 2 - Estimativa e acesso do suprimento de água renovável, e população servida de água doce em 2000.
Leste Europeu, Oriente Médio África
América Total
Indicador Ásia Cáucaso1 e Ásia e Norte da Sub OCDE2
Latina global
Central África Saara

Área (106 km2) 20,9 21,9 20,7 11,8 24,3 33,8 133

Precipitação total
21,6 9,2 30,6 1,8 19,9 22,4 106
(106 km3/ano)

Evaporação
55 27 27 86 78 64 63
(% da precipitação)

Suprimento de água
renovável total 9,8 4,0 13,2 0,25 4,4 8,1 39,6
(103 km3/ano) [25] [10] [33] [1] [11] [20] [100]
[% do escoamento global]

Suprimento de água
renovável acessível ao 9,3 1,8 8,7 0,24 4,1 5,6 29,7
homem (103 km3/ano) [95] [45] [66] [96] [93] [69] [75]
[% do total de água renovável]
1-Região da Europa oriental e da Ásia ocidental, entre o mar Negro e o mar Cáspio; 2-Organização de Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (34 paíse que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado).
Fonte: Fekete et al. (2002) apud Vörösmart (2009).

A disponibilidade hídrica das regiões hidrográficas do Brasil está apresentada na Tabela 3. A


vazão média anual no território brasileiro de 179.433 m3.s-1 (5.658,6 km3.ano-1) corresponde a 14,3% da
disponibilidade de água renovável total mundial (39,6 x 106 km3.ano-1, Tabela 1). As maiores disponibi-
lidades hídricas superficiais ocorrem na região da Amazônia, representando 73,5% da vazão média do
país considerando apenas o território brasileiro, na região do Tocantins/Araguaia com 7,6% e na região
do Paraná com 6,4%. As menores disponibilidades ocorrem nas regiões do Parnaíba, do Atlântico Nor-
deste Oriental e do Atlântico Leste.
A vazão específica média representa a vazão por quilômetro quadrado de área da bacia. A vazão
específica média do país é de 21,02 l.s-1.km-2 porém há uma grande variação entre as regiões hidrográ-
ficas com valores muito baixos nas regiões do Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, Atlântico Leste e
do São Francisco, e regiões com vazões elevadas como as regiões da Amazônia, Uruguai e Atlântico Sul.
A distribuição desigual da oferta hídrica superficial se dá em função das variações climáticas que deter-
minam a sazonalidade do regime de chuvas nas diferentes regiões hidrográficas do país. Apesar de o
Brasil apresentar grande oferta de água em termos globais, existem regiões com escassez de água, como
o Nordeste, e regiões com abundância, como a bacia Amazônica. A baixa vazão específica observada na
região hidrográfica do Paraguai (Pantanal) revela que esta região pouco contribui com a vazão e que a
abundância de água na área é proveniente de outras bacias de planalto.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

30

Tabela 3 - Vazões médias e mínimas das regiões hidrográficas brasileiras.

Área Vazão média Vazão específica média Vazão mínima


Região Hidrográfica
(km2) (m3.s-1) (l.s-1.km-2) Q95%1 (m3.s-1)

Amazônia (Brasil) 3.869.953 131.947 34,09 73.748

Amazônia (estrangeiro) 2.200.000 86.321 39,24 -

Amazônia (Total) 6.069.933 218.268 35,96 -

Tocantins/Araguaia 921.921 13.624 14,78 2.550

Atlântico Nordeste Ocidental 274.301 2.683 9,78 328

Atlântico Nordeste Oriental 286.802 779 2,72 32

Atlântico Leste 388.160 1.492 3,84 253

Atlântico Sudeste 214.629 3.179 14,81 989

Atlântico Sul 187.522 4.174 22,26 624

Parnaíba 333.056 763 2,29 294

São Francisco 638.576 2.850 4,46 854

Uruguai (Brasil) 174.533 4.121 23,61 391

Uruguai (estrangeiro) 37.000 878 23,73 -

Uruguai (Total) 211.533 4.999 23,63 -

Paraná 879.873 11.453 13,02 4.647

Paraguai (Brasil) 363.446 2.368 6,51 785

Paraguai (estrangeiro) 118.000 595 5,04 -

Paraguai (Total) 481.446 2.963 6,15 -

Brasil 8.532.772 179.433 21,02 85.495

1-Vazão mínima de 95% de permanência no tempo.


Fonte: BRASIL (2006a).

A Tabela 4 apresenta a disponibilidade hídrica do Estado de São Paulo das Unidades de Gerenciamento
de Recursos Hídricos (UGRHI), definidas na Lei Estadual nº 9.034/94 (Figura 1). A vazão média anual (vazão de
longo período – QLP) produzida nas unidades de gerenciamento de recursos hídricos no Estado de São Paulo é
de 3.120 m3.s-1. Considerando as vazões produzidas fora dos limites do Estado e que escoam para dentro do
seu território, a vazão é elevada para 9.800 m3.s-1. Esta situação eleva a vazão específica média de 12,6 para
39,5 l.s-1.km-2 demonstrando que o Estado deve manter uma política de integração do gerenciamento dos re-
cursos hídricos com os Estados vizinhos. As bacias dos rios Pardo, Piracicaba, Sapucaí, Mogi-Guaçu e Ribeira
de Iguape são exemplos desta condição no Estado de São Paulo.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

31

Tabela 4 - Disponibilidade hídrica no Estado de São Paulo.


Unidade de Gerenciamento Área (km2) QLP1 (m3.s-1) Vazões mínimas (m3.s-1)
(UGRHI) Q7,102 Q95%3
1. Mantiqueira 675 22 7 10
2. Paraíba do Sul 14.444 216 72 93
3. Litoral Norte 1.948 107 27 39
4. Pardo 8.993 139 30 44
5. Piracicaba/Capivari/Jundiaí 14.178 172 43 65
6. Alto Tietê 5.868 84 20 31
7. Baixada Santista 2.818 155 38 58
8. Sapucaí/Grande 9.125 146 28 46
9. Mogi-Guaçu 15.004 199 48 72
10. Tietê/Sorocaba 11.829 107 22 39
11. Ribeira de Iguape/Litoral Sul 17.068 526 162 229
12. Baixo Pardo/Grande 7.249 87 21 31
13. Tietê/Jacaré 11.749 97 40 50
14. Alto Paranapanema 22.689 255 84 114
15. Turvo/Grande 15.925 121 26 39
16. Tietê/Batalha 13.149 98 31 40
17. Médio Paranapanema 16.749 155 65 82
18. São José dos Dourados 6.783 51 12 16
19. Baixo Tietê 15.588 113 27 36
20. Aguapeí 13.196 97 28 41
21. Peixe 10.769 82 29 38
22. Pontal do Paranapanema 12.395 92 34 47
Total 248.209 3.120 893 1.259
1–Vazão média de longo período calculada pela média de séries históricas longas; 2–Vazão mínima média de 7 dias consecu-
tivos e 10 anos de período de retorno; 3-Vazão que é igualada ou superada em 95% do tempo.
Fonte: SÃO PAULO (2006).

Os reservatórios subterrâneos são as mais estáveis e confiáveis fontes de água doce em função da grande
ocorrência no planeta. Os aquíferos são recarregados por meio da percolação da água através do solo proveniente
da chuva, escoamento superficial, irrigação e outros usos. Segundo Vörösmart (2009), aproximadamente 90% da
descarga de água subterrânea do mundo alimenta os rios representando cerca de 30% do escoamento superficial
global. A maioria dos sistemas aquíferos apresentam grandes volumes armazenados e elevado tempo de resiliência
(tempo médio que a água permanece armazenada). Por causa destas características os recursos hídricos subterrâ-
neos são muito menos afetados pelas flutuações climáticas de curto prazo do que os recursos hídricos superficiais.
Portanto pode-se dizer que os reservatórios subterrâneos adicionam persistência e estabilidade ao sistema hidroló-
gico terrestre e possibilita que o homem, a fauna e a flora sobrevivam durante longos períodos secos.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

32

Fgura 1 - Unidades de gerenciamento de recursos hídricos do Estado de São Paulo.


Fonte (SEADE, 2011).

As informações sobre armazenamento de água subterrânea são escassas e imprecisas em função da


dificuldade e elevado custo requeridos para explorar e acessar os reservatórios de água subterrâneos. Entre-
tanto, segundo estimativas recentes, ocorridas nas duas últimas décadas, os recursos subterrâneos renováveis
representam 2.091 m3 por pessoa por ano, aproximadamente um terço do recurso renovável total per capita.
Este recurso tem uma contribuição substancial para o abastecimento, contribuindo com 20 a 50% do abaste-
cimento hídrico municipal (Vörösmart, 2009).
Os volumes de recarga de aquíferos podem variar consideravelmente de um ano para o outro em
resposta às mudanças climáticas podendo afetar a disponibilidade de água subterrânea em locais com carac-
terísticas específicas de solo de aquífero. Lettenmaier et al. (2009) citam estudos de simulação hidrológica
realizados por Van Roosmalen et al. (2007) no qual o efeito combinado da elevação da precipitação, da tem-
peratura e da evapotranspiração potencial contribuem para elevar a recarga, o armazenamento e a descarga
do aquífero em solos arenosos e praticamente não causariam alterações em solos argilosos.
A água subterrânea desempenha um importante papel no desenvolvimento social e econômico do
Brasil. Segundo o BRASIL (2006a) 15,6% dos domicílios do país utilizam exclusivamente mananciais subter-
râneos, mais de 70% das cidades dos Estados do Maranhão e do Piauí utilizam água de poços, as comunidades
rurais na região do semiárido nordestino e várias capitais da região são abastecidas com água subterrânea,
além de representar potencial turístico em várias outras regiões.
No Estado de São Paulo importantes cidades são abastecidas por mananciais subterrâneos. As águas sub-
terrâneas apresentam uma vazão total explorável da ordem de 330 m³/s, sendo a demanda atual de 60 m³/s. 62%
dos municípios são total ou parcialmente abastecidos por água subterrânea, atendendo a uma população de 5,5
milhões de pessoas (SÃO PAULO, 2011). Em 13 (4, 8, 9, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22) das 22 UGRHIs os
recursos hídricos subterrâneos é a fonte prioritária para abastecimento público (SÃO PAULO, 2006).
O valor aproximado da vazão total explorada de mananciais subterrâneos, baseado no cadastro de
outorga até 2004 (SÃO PAULO, 2006), foi de 41,8 m3/s dos quais 22,5 m3/s são utilizados para abastecimento
público. A estimativa da vazão total retirada de aquíferos em 2004 era maior que o valor mencionado porque
apenas 7.800 dos 30.000 poços tinham sido outorgados. As maiores extrações de água de aquífero ocorreram
nas UGRHIs do Alto Tietê (7,9 m3.s-1), Turvo/Grande (5,5 m3.s-1), Mogi-Guaçu (4,8 m3.s-1), Pardo (4,4 m3.s-1)
e Paraíba do Sul (3,6 m3.s-1).
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

33

Figura 2 - Produção de água para consumo humano por tipo de captação no Estado de São Paulo, em 2003.
Fonte: SEADE (2011).

A captação de água subterrânea para abastecimento público predomina nas UGRHIs do oeste do Es-
tado, beneficiando-se da farta disponibilidade de água de excelente qualidade proporcionada pelos aquíferos
Bauru e Guarani, importantes reservas estratégicas de água subterrânea. A Figura 2 mostra que nesta região
282 municípios são totalmente abastecidos com água subterrânea e que 55 municípios são predominante-
mente ou parcialmente abastecidos por este manancial. Em 2003, época do estudo, estes municípios apresen-
tavam uma população de 16,5 milhões de habitantes dos quais 92% viviam em área urbana (SEADE, 2011).
Na bacia do Rio Pardo (UGRHI 4) nove municípios são totalmente abastecidos com água do aquífero
Guarani. Segundo Santos et al. (2008), é captado um volume total anual de 140,18 hm3.ano-1, representando
18% do volume anual da recarga ativa calculada para a bacia. Segundo a autora a extração excessiva tem pro-
vocado contínuo rebaixamento do nível dinâmico do aquífero notadamente na área urbana de Ribeirão Preto.

3. ÁGUA CAPTADA PARA OS DIVERSOS USOS


NO ESTADO DE SÃO PAULO
As características associadas à produção e ao desenvolvimento das UGRHIs estão apresentadas na
Tabela 3. Cinco UGRHIs (2, 5, 6, 7 e 10) apresentam grande desenvolvimento do setor industrial e estão lo-
calizadas na parte leste do Estado onde se localizam as três regiões metropolitanas paulistas, correspondendo
a 20% da área total do Estado, onde estão concentradas 73% da população e as maiores densidades popula-
cionais (2.775 hab.km-2 para o Alto Tietê e média de 568 hab.km-2). Outras cinco (4, 8, 9, 12 e 13) apresentam
um menor nível de industrialização cuja distribuição ocorre do centro ao norte, sempre a leste de Bauru, fora
da zona de aproveitamento do aquífero de Bauru. Quatro UGRHIs (1, 3, 11 e 14) apresentam importantes
passivos ambientais e ocupam 17% da área do Estado. As oito restantes (15 a 22) têm como principal ativida-
de econômica a agropecuária. Elas estão localizadas na região oeste e abrangem 41% da área territorial do
Estado (SÃO PAULO, 2006 e SEADE, 2011).
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

34

A demanda global de água para 2007, prevista em SÃO PAULO (2006), foi de 453,7 m3.s-1, dos quais
30,3% foram para abastecimento urbano, 30,5% para abastecimento industrial e 39,2% para irrigação. Desta-
ca-se a UGRHI 6-Alto Tietê com a maior demanda global (90,23 m3.s-1) representando 20% da demanda do
Estado. A predominância da demanda requerida nesta unidade é para abastecimento urbano (78,9%). Con-
siderando as 10 UGRHIs industrializadas ou em processo de industrialização a demanda global representou
331,72 m3.s-1 (73,1% da demanda do Estado). As bacias de uso agrícola apresentaram uma demanda global
de 78,25 m3.s-1 (17,2% da demanda do Estado). O restante da demanda global (43,76 m3.s-1 representando
9,7% da demanda total) ocorreu nas bacias classificadas como de conservação.
A relação entre a demanda global e a disponibilidade hídrica total (60 m3.s-1 subterrânea + 3.120 m3.s-
1 vazão superficial média de longo período) indica que as retiradas representam 14,3% da disponibilidade. De

acordo com ANA (2005) esta condição de atendimento é considerada preocupante. Com uma população de
41.841.069 habitantes (SEADE, 2011), o Estado apresenta uma disponibilidade de água per capita de 2.383
m3.hab-1.dia-1, valor menor que o volume de água estimado pela ONU (2.500 m3.hab-1.dia-1) como suficiente para
a vida em comunidade nos ecossistemas aquáticos e para o exercício das atividades humanas, sociais e econômicas.
Considerando a vazão total outorgada explorada dos aquíferos (60 m3.s-1) e a demanda global de
água (453,7 m3.s-1), verifica-se que 86,7% da produção de água provem de mananciais superficiais. A cap-
tação superficial prevalece nas unidades do leste do Estado, que estão assentadas sobre aquíferos de baixa
produtividade. Nas UGRHIs em que o uso predominante é o industrial são utilizados os recursos hídricos
superficiais. Estas bacias concentram a maior parte da população do Estado, apresentam intensos processos
de urbanização e de poluição.
Embora a disponibilidade hídrica superficial total, expressa pela Q7,10 (Tabela 4), seja maior que a
demanda global, em algumas bacias a relação disponibilidade e demanda ultrapassou ou está próxima da
unidade, o que significa uma situação crítica de abastecimento. Na UGRHI 6-Alto Tietê a relação em 2000
era de 4,32 (demanda global de 86,42 m3.s-1 e Q7,10 de 20 m3.s-1). Nas UGRHIs 5–PCJ, 8–Sapucaí/Grande, 9–
Mogi-Guaçu e 10–Tietê Sorocaba, essa relação foi superior a 0,8. Os níveis mais críticos são atenuados graças
ao uso de águas subterrâneas, das águas superficiais provenientes de partes de bacias interestaduais situadas
fora do Estado e por meio de transferências de água entre as UGRHIs.

4. IMPORTÂNCIA DA ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO


Água é essencial para a satisfação das necessidades fundamentais do homem, para a manutenção dos
ecossistemas e para sustentar o desenvolvimento. A produção de alimentos, energia, condições sanitárias ade-
quadas e sustentabilidade ambiental são alguns dos benefícios da água. Entretanto a crescente demanda por
alimentos, o crescimento da população e sua concentração em áreas urbanas e o desenvolvimento industrial
têm forçado as cidades a buscarem água em locais cada vez mais distantes bem como ao maior uso de água na
agricultura irrigada. Em muitas vezes provocando situações de conflito entre múltiplos usos.
Em 2009 o PIB brasileiro alcançou um total de R$ 3239,4 bilhões. A participação do Estado de São
Paulo no PIB nacional por setor de atividade foi: 9,39% para agricultura, 35,31% para indústria e 33,48%
para serviços. O valor adicionado bruto total das atividades do Estado representou 32,61% do PIB nacional
(IBGE, 2011). Os dados econômicos indicam que, em termos globais, São Paulo representa a maior parcela
do crescimento econômico do país. As consequências são a grande demanda de água e problemas de compro-
metimento da qualidade das águas para abastecimento público devido ao lançamento de efluentes (esgotos
domésticos e efluentes industriais não tratados) e pelas atividades agrícolas com uso intensivo de insumos
químicos e grande erosão dos solos (SÃO PAULO, 2006). Em algumas UGRHIs o desenvolvimento trouxe um
crescimento populacional cuja demanda ultrapassou ou está próxima de ultrapassar a disponibilidade local.
Os rios são meios naturais de transporte de nutrientes, matéria orgânica e sedimentos. O transporte
dos produtos químicos do solo da bacia para os rios pode constituir em fonte de poluição dos corpos hídricos.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

35

O aporte de poluentes proveniente de efluente urbano, industrial e agrícola, afeta a qualidade dos recursos
hídricos superficiais e subterrâneos podendo causar indisponibilidade.
Em 2010, a somatória da carga remanescente (carga poluidora que efetivamente são lançadas nos
corpos hídricos após passarem pelos sistemas de tratamento de efluentes), lançada nos corpos hídricos pelos
645 municípios do Estado de São Paulo, foi de aproximadamente 1.200 ton DBO.dia-1. A porcentagem de
coleta e de tratamento de esgoto doméstico foi, respectivamente, 87 e 51%. Treze municípios da Região Me-
tropolitana de São Paulo lançam uma carga de esgoto no Rio Tietê de 491,4 ton DBO.dia-1. DBO significa
Demanda Bioquímica de Oxigênio e representa a quantidade de oxigênio consumida por microorganismos
para transformar compostos orgânicos em produtos finais estáveis (CO2, sulfatos, fosfato, amônia, nitratos,
etc.). A DBO normalmente é considerada como a quantidade de oxigênio consumido durante um determi-
nado período de tempo (5 dias) numa temperatura de incubação de 20°C. Por esta razão este indicador de
qualidade da água é frequentemente referido como DBO5,20.
O índice médio de coleta e tratabilidade de esgotos da população urbana dos municípios (ICTEM)
foi igual a 5 (CETESB, 2011). O ICTEM retrata uma situação que leva em consideração a efetiva remoção
da carga orgânica, isto é, a carga orgânica potencial gerada pela população urbana, sem deixar, entretanto,
de observar a importância de outros elementos que compõem um sistema de tratamento de esgotos, como a
coleta e o afastamento. Além disso, considera também o atendimento à legislação quanto à eficiência de re-
moção (superior a 80% da carga orgânica) e a conformidade com os padrões de qualidade do corpo receptor
dos efluentes.
Embora tenha ocorrido um aumento do percentual de tratamento dos esgotos domésticos no Estado
desde 2005, influenciado pela elevação do índice de tratamento nas UGRHIs mais populosas, o desempenho
médio pode ser considerado modesto em relação à eficiência de remoção de carga orgânica e aos padrões de
qualidade do corpo receptor dos efluentes nos rios.
CETESB (2011) determinou os percentuais de resultados desconformes na rede básica de monito-
ramento dos rios com relação aos padrões de lançamento estabelecidos para a Classe 2 da Resolução Co-
nama 357/05. Essa resolução dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o
seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras
providências. Águas enquadradas na Classe 2 são destinadas ao abastecimento para consumo humano, após
tratamento convencional; à proteção das comunidades aquáticas; à recreação de contato primário; à irrigação
de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa
vir a ter contato direto; e à aquicultura e à atividade de pesca.
Foi verificado que 42% dos resultados de Ferro dissolvido, Alumínio dissolvido e Manganês total
foram desconformes em relação à Classe 2 indicando que processos erosivos, causados entre diversos fatores
por chuvas intensas e diminuição da mata ciliar, podem estar carreando solo para os corpos d’água. Poluen-
tes associados aos lançamentos de efluentes industriais como Metais pesados (Zinco, Cádmio, Mercúrio e
Chumbo), Fluoreto e Sulfato apresentaram pequeno número de resultados desconformes, sendo que grande
parte desses resultados foram obtidos em corpos d’água enquadrados na Classe 4. As desconformidades das
variáveis Clorofila-a (12%) e Número de Células de Cianobactérias (23%) indicam a presença de um grande
número de algas nos corpos d’água podendo estar relacionada à disponibilidade de nutrientes, como Fósforo
e Nitrogênio.
O Oxigênio Dissolvido na água apresentou 31% de desconformidade em relação à Classe 2 e a To-
xicidade, determinada pelo ensaio ecotoxicológico com Ceriodaphnia dubia, também apresentou efeito tóxico
crônico em 22% dos pontos monitorados no Estado. O ensaio ecotoxicológico é realizado para determinar o
efeito deletério de agentes físicos ou químicos a diversos organismos aquáticos.
O Índice de Estado Trófico (IET) tem por finalidade classificar os corpos d’água em diferentes graus
de trofia, ou seja, avalia a qualidade da água quanto ao enriquecimento por nutriente e seu efeito relacionado
ao crescimento excessivo de algas e cianobactérias. Os dados citados evidenciam um comprometimento da
vida aquática nas UGRHIs industrializadas. Nessas unidades 61% dos pontos monitorados apresentaram con-
dições Eutrófica (59,5 < IET ≤ 63,5), Supereutrófica (63,5 < IET ≤ 67,5) e Hipereutrófica (IET > 67,5). A
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

36

condição Eutrófica refere-se a corpos de água com elevada produtividade, comparada ao nível natural básico,
de baixa transparência, em geral afetados por atividades antrópicas, em que ocorrem alterações indesejáveis
na qualidade da água e interferências nos usos múltiplos. As condições subsequentes indicam maior enrique-
cimento por nutrientes. Na condição Hipereutrófica os corpos de água são afetados significativamente pelas
elevadas concentrações de matéria orgânica e nutrientes, podendo ocorrer episódios de florações tóxicas e
mortandade de peixes, com comprometimento acentuado nos seus usos. A condição Supereutrófica é inter-
mediária às condições Eutrófica e Hipereutrófica.
A preocupação com as UGRHIs com características preponderantemente agropecuárias, em indus-
trialização e conservadas não é desprezível uma vez que em 26, 23 e 22% dos pontos apresentaram ambientes
eutrofizados. Segundo CETESB (2011) as mortandades de peixes ocorridas devido à contaminação dos cor-
pos d’água, causadas tanto por esgoto doméstico como por substâncias tóxicas, têm aumentado no período
de 2005 a 2010.
Segundo CETESB (2010) as águas subterrâneas do Estado de São Paulo ainda são de boa qualidade.
Os parâmetros nitrato, crômio, fluoreto e bário foram os que apresentaram desconformidades mais frequen-
tes, no período de 2007 a 2009, em relação aos valores de intervenção, principalmente no aquífero Bauru.
Este fato é preocupante uma vez que este manancial é largamente utilizado para abastecimento público.
Coliformes totais e bactérias heterotróficas apresentaram sistematicamente valores em desconformidade com
os padrões nacionais de potabilidade definidos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 518/04), no mesmo
período, em todas as UGRHIs.
Há evidências de que a atividade humana está afetando a qualidade dos recursos hídricos em escala
global. Segundo MEA (2005), desde 1960 o ser humano já duplicou o fluxo de nitrogênio reativo (biologica-
mente disponível) e triplicou o fluxo de fósforo nos continentes e estima-se que o fluxo global de nitrogênio
para os ecossistemas costeiros aumente de 10 a 20% até 2030, sendo que quase todo esse aumento ocorrerá
em países em desenvolvimento. Fluxos excessivos de nitrogênio contribuem para a eutrofização de ecossis-
temas de água doce. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2006b), no Brasil, a falta de
saneamento na zona urbana vem acarretando elevadas concentrações de nitrato, bactérias patogênicas e vírus
na água subterrânea.
A qualidade da água deve ser analisada de modo não dissociado da quantidade de água que escoa nos
rios por causa do efeito de diluição que pode ocorrer. Portanto a vazão do rio, bem como a sua sazonalidade,
é um aspecto importante porque pode determinar a qualidade do meio aquático. Vazão ambiental é defini-
da neste capítulo como um regime de fluxo a ser mantido nos sistemas hídricos (rio, várzea e zona costeira)
necessário para permitir a manutenção dos ecossistemas e seus serviços. Este conceito enfatiza a importância
da gestão dos recursos hídricos que possibilitem estratégias a obtenção dos meios de subsistência dos ecossis-
temas sem degradá-lo.
Segundo Björklund et al. (2009), no mundo, a capacidade para alcançar a sustentabilidade ambiental
melhorou, mas continua a ser restringida por uma incompleta compreensão do impacto da poluição e da
resiliência dos ecossistemas, inadequado monitoramento dos impactos negativos do uso da água e fragilida-
des institucionais que impedem a implementação efetiva de instrumentos legais em muitos países, sobretudo
naqueles em desenvolvimento.
O programa mundial de avaliação da água (WWAP, 2009) entende que o gerenciamento dos recursos
hídricos superficiais e subterrâneos, integrado ao planejamento de outros setores produtivos e à governança é
a chave para alcançar o desenvolvimento sustentado. O atendimento às demandas de água requer, portanto,
o conhecimento das condicionantes para a utilização sustentável dos recursos hídricos, organizando o uso do
território em conformidade com sua capacidade de suporte. Nestas condições, tornam-se imprescindíveis a
realização da gestão integrada dos recursos hídricos.
Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

37

5. CONCLUSÃO
O volume de água doce superficial no planeta é de apenas 0,0142% do total de água disponível em
outras fontes. Em termos absolutos esta pequena porcentagem representa cerca de 200.000 km³, o que signifi-
ca uma quantidade média de aproximadamente 29.000 m3 para cada um dos 7 bilhões habitantes do planeta.
Assim, fica claro que análises baseadas em valores médios costumam ser pouco significativas. Existem regiões
que apresentam abundância, como a América Latina, e regiões que apresentam escassez de água, como o
Oriente Médio e o Norte da África. O Brasil dispõe de boa oferta hídrica, especialmente na bacia Amazôni-
ca, porém em regiões onde o clima é desfavorável ou a população é numerosa, existem graves problemas de
disponibilidade. É o caso de algumas bacias do Estado de São Paulo onde as vazões já são insuficientes para
o abastecimento das demandas.
O país e o Estado de São Paulo dispõem de grandes mananciais de água subterrânea, podendo se
destacar os aquíferos Bauru e Guarani. Entretanto, a extração excessiva tem provocado o rebaixamento do
nível em algumas regiões, por exemplo, na bacia do rio Pardo.
O produto Interno Bruto de São Paulo representa uma parcela significativa no PIB nacional o que
implica numa grande demanda por água e em graves problemas de poluição de rios. Nas bacias industrializa-
das a quantidade de esgoto doméstico e industrial lançados nos rios assume enormes proporções. Nas bacias
rurais e urbanas a eutrofização dos rios ocorre devido ao aporte de nutrientes transportados dos campos
agrícolas para os rios e devido ao efluente de esgoto doméstico.
Fornecer água a toda a população, em quantidade e qualidade compatível com os usos a que se
destina, é um objetivo que depende menos da disponibilidade da água e mais da gestão eficaz do recurso.
A implantação de um sistema de gestão capaz de atingir este objetivo, de forma sustentável a longo prazo,
constitui tarefa complexa que exige esforço e dedicação de toda a sociedade. Esta complexidade advém do
caráter multidisciplinar do processo de gestão, de serem imprescindíveis a adoção de abordagens integradas,
da necessidade de se contar com recursos humanos bem preparados e dedicados, além da necessidade funda-
mental de se dispor de instituições politica e administrativamente robustas e eficientes.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

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Capítulo 2
ÁGUA PARA A VIDA E PARA A PRODUÇÃO

39

BACIA HIDROGRÁFICA

Capítulo 3
40
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

41

Bacia hidrográfica é uma determinada área de terreno que drena água, partículas de solo e material
dissolvido para um ponto de saída comum, situado ao longo de um rio, riacho ou ribeirão (Figura 1).
Quando se trata de grandes rios, como o Amazonas, o Nilo, o Reno, O Mississipi e outros, o conceito leigo
consiste em associar a bacia hidrográfica desses rios nos locais da sua foz, junto aos mares ou oceanos. Do ponto de
vista hidrológico e de engenharia, quando se define um ponto em uma seção de um curso de água, automaticamente
está se associando uma bacia hidrográfica, ou seja, uma área a montante dessa seção que drena para ela. Dessa forma,
existem infinitas bacias hidrográficas no mundo. A definição de sua seção de saída está sempre associada a um inte-
resse de um projeto, de um planejamento ou de gestão da sua área de drenagem (ou bacia hidrográfica).

Figura 1 - Desenho esquemático de uma bacia hidrográfica

Em geral, define-se o contorno da bacia hidrográfica pelo divisor topográfico (Figura 2). O divisor
topográfico é um polígono imaginário. Se a precipitação cair dentro do polígono, o escoamento superficial
direto gerado será conduzido até a seção do rio junto à saída da bacia hidrográfica. Os pontos do terreno
pertencentes ao divisor topográfico possuem maiores elevações do que os pontos da rede de drenagem, en-
tretanto, é possível que existam pontos mais altos dentro da bacia hidrográfica.

Figura 2 - Divisor topográfico da bacia hidrográfica


Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

42

Em alguns casos, define-se o divisor geológico da bacia hidrográfica (Figura 3), em função das camadas
impermeáveis do subsolo, que podem conduzir a água infiltrada para uma região externa a que seria considerada
como sendo da bacia, pelo conceito do divisor topográfico. Em bacias pequenas, a diferença de áreas pode ser
significativa.

Figura 3 - Diferença entre divisor topográfico e geológico de uma bacia hidrográfica.

A delimitação do divisor topográfico da bacia hidrográfica pode ser feito sobre plantas topográficas
planialtimétricas, sobre imagens de satélite ou aerofotogramétricas ou similares. O traçado pode ser obtido
à mão ou com auxílio de ferramentas de desenho ou aplicativos de geoprocessamento (Figura 4). O Cálculo
da área da bacia pode ser feito com planímetros (forma antiga) ou com auxílio das ferramentas de desenho
eletrônico ou de geoprocessamento.

Figura 4 - Delimitação da bacia hidrográfica em planta plani-altimétrica (a) e com auxílio de ferramenta de geoprocessamento (b)
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

43

Em bacias onde há alterações antrópicas, o divisor de águas de uma bacia pode ser alterado por cons-
truções como estradas, aterros e redes de drenagem artificial.
A rede de drenagem das bacias naturais é constituída por cursos de água classificados como: pere-
nes, intermitentes e efêmeros, de acordo com a permanência do escoamento. Os cursos perenes são aqueles
que possuem sempre um fluxo d’água mesmo nos períodos de estiagem normal. Os cursos intermitentes
são os que possuem fluxo d’água normal em grande parte do tempo, porém tornam-se secos nas estiagens
mais severas seja por evaporação acentuada, seja por infiltração nas camadas subjacentes ao leito. Os cur-
sos efêmeros, são aqueles que apresentam fluxo d’água somente nos períodos de chuvas e um pouco após.
Os cursos perenes normalmente são alimentados pelo escoamento subterrâneo que garante suas vazões
mínimas. Os cursos intermitentes normalmente situam-se em áreas onde as condições geológicas sejam
desfavoráveis à existência de escoamento subterrâneo. Os cursos efêmeros, em geral, têm seus leitos aci-
ma do nível do lençol subterrâneo razão por que não podem receber sua contribuição. Os grandes cursos
d’água normalmente são perenes, enquanto que os cursos efêmeros por outro lado, na maioria das vezes
são cursos muito pequenos.
Em bacias hidrográficas urbanas, há que se considerar, também, a rede artificial de drenagem, com-
posta pela microdrenagem e pela macrodrenagem (canais artificiais, túneis de transposição, galerias).
Uma vez definida a bacia hidrográfica, através de seu divisor e sua rede de drenagem, é importante
obter as suas características fisiográficas. Entende-se por características fisiográficas, a área da bacia, a sua
forma, a declividade dos rios e terrenos da bacia, o tipo e uso de solo, a densidade da rede de drenagem, entre
outros. A importância dessas características é poder comparar dados de vazões de bacias vizinhas com os seus
e correlacioná-los com os seus, para uma análise de consistência. Em algumas situações, na inexistência de
dados na bacia em estudo, faz-se necessário transpor dados de bacias vizinhas, com as mesmas características
climáticas, com os devidos ajustes em função das diferenças fisiográficas delas. Pode-se, também, a partir de
várias bacias de uma região climaticamente homogênea, definir equações empíricas, que relacionem vazões
mínimas, médias ou máximas com as características fisiográficas das bacias. Outra aplicação muito importan-
te é a análise da resposta da bacia a chuvas, em situações futuras, de planejamento ou projeto, quando suas
características fisiográficas sofrerem alterações antrópicas. É o caso de análise de bacias que sofrem processos
de impermeabilização devido à urbanização.
As características fisiográficas mais utilizadas nas análises das bacias são: área, forma, uso e tipo de
solo, declividade dos terrenos, elevação, declividade dos cursos d’água, ordem dos cursos d’água, e densidade
de drenagem.
A área da bacia influencia diretamente o volume de água recebido da precipitação e transformado
em escoamento nos rios da bacia. As vazões médias nas saídas das bacias hidrográficas de um período longo
de dados apresentam uma relação de proporcionalidade com sua área de drenagem. Muitas vezes, para se
comparar bacias diferentes, pode-se utilizar o conceito de vazão específica, que é a razão entre a vazão e a
área de drenagem da bacia, normalmente expressa em L/s/km2. As vazões mínimas anuais, expressas como
vazões específicas são maiores nas grandes bacias, porque existe uma complementaridade hidrológica. Quan-
do não há chuva em uma parte da bacia, pode estar ocorrendo chuva em outra parte. As vazões máximas,
também analisadas como vazões específicas possuem valores menores nas grandes bacias, porque durante a
transformação da chuva no escoamento sobre a bacia, há um armazenamento temporário do volume de água
precipitado, para a formação das lâminas de água de escoamento, que provoca um abatimento nos valores
das vazões máximas.
A forma da bacia, retirando-se o efeito das outras características, influencia o tempo de concentração
da bacia hidrográfica. Esse tempo é o necessário para que toda a bacia, após uma chuva uniforme sobre a
bacia, passe a contribuir na seção de saída da bacia. As bacias mais alongadas possuem comprimentos do rio
principal maior e, portanto, têm tempos de concentração maiores do que as bacias mais circulares (Figura 5).
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

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Figura 5 - Influência da forma da bacia sobre o tempo de concentração.

Para se fazer análise de correlação de parâmetros de forma com vazões, é necessário transformar
a avaliação qualitativa da forma da bacia em um indicador. Existem vários indicadores. O mais antigo é
o coeficiente de forma ou índice de Gravelius, expresso como a razão entre a largura média da bacia e o
comprimento axial da mesma. O comprimento axial é medido da saída da bacia até seu ponto mais remoto,
seguindo-se as grandes curvas do rio principal (não se consideram as curvas dos meandros). A largura média
é obtida dividindo-se a área da bacia em faixas perpendiculares, onde o polígono formado pela união dos
pontos extremos dessas perpendiculares se aproxime da forma da bacia real. O índice de compacidade (kc)
é definido como sendo a relação entre o perímetro da bacia e a circunferência do círculo de área igual à da
bacia. Como o círculo é a figura geométrica plana que possui o menor perímetro para uma dada área interna,
esse índice nunca será menor que 1 (um). Bacias que se aproximam geometricamente de um círculo terão um
menor tempo de concentração que bacias mais alongadas, portanto, menores valores de kc indicam maior
potencialidade de produção de picos de enchentes elevados, se as demais características fisiográficas não
interferirem na análise.
O tipo de solo de uma bacia (e a condição de umidade do solo) influencia na quantidade de água
precipitada que é infiltrada no solo da bacia. Bacias com solos mais impermeáveis, como os solos argilosos
favorecem o aumento do escoamento da água da chuva sobre o solo, aumenta os volumes do escoamento
superficial direto e, consequentemente, provocam maiores vazões nos cursos de água para uma mesma chuva
que seria observada numa bacia mais permeável, com solos mais arenosos.
O NRCS – Natural Resources Conservation Service (Serviço de Proteção de Recursos Naturais) do
dos EUA classificou os solos em quatro grupos, de acordo com o teor de argila do solo. Para um tipo de solo,
pode haver diferentes usos, que podem também influenciar a capacidade de infiltração do solo (solos arados,
solos compactados etc). Através dessa classificação, considerando também a umidade do solo no início de um
evento chuvoso, o NRCS formulou um método, para o cálculo da chuva excedente, a partir de uma precipi-
tação, denominado Método do SCS (Soil Conservation Service, nome anterior do NRCS).
Os tipos de solo da camada superior do solo e das partes inferiores do subsolo influenciam na veloci-
dade de infiltração profunda (percolação), na capacidade de armazenamento de água no subsolo e na veloci-
dade do fluxo de água infiltrada que retorna aos cursos de água. Essas características conduzem a diferentes
potencialidades de produção de água subterrânea de uma bacia e nas vazões subterrâneas (ou vazões básicas)
oriundas da parte do subsolo que alimentam os cursos de água que podem manter o fluxo de vazões nos rios,
mesmo na ausência de chuvas.
A declividade dos terrenos da bacia hidrográfica é determinante na velocidade do escoamento da
água pela superfície e, portanto, condiciona o tempo de concentração da bacia. Quanto maior for a decli-
vidade da bacia, menor será o tempo de concentração e maior será o pico de uma vazão de cheia para uma
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

45

dada chuva. A declividade da bacia também influencia na capacidade de infiltração do solo, pois menores
velocidades de escoamento propiciam maiores oportunidades de infiltração das águas precipitadas.
A definição da característica de declividade de uma bacia pode ser dada por um valor médio ou por
uma curva de frequência das declividades ao longo da bacia. As declividades pontuais na bacia são obtidas
pela aplicação de uma malha virtual sobre ela (Figura 6), onde em cada vértice da malha se calcula a decli-
vidade do terreno, desenhando-se a um segmento de reta (linha de maior declive que passa pelo vértice)
perpendicular às duas curvas de nível, anterior e posterior à cota do vértice. A declividade do vértice será a
diferença de cotas das curvas de nível dividida pelo comprimento desse segmento de reta. Alternativamente,
pode aplicar uma malha triangular irregular (TIN) sobre a bacia e obter as declividades dos vértices. Esses
cálculos podem ser feitos, com o auxílio de aplicativos de sistemas de informações geográficas (SIG).

Figura 6 - Cálculo da declividade de um ponto do terreno da bacia.

A velocidade de escoamento da água de um rio cresce com a raiz quadrada da declividade dos canais
fluviais (Equação de Chézy). Assim, os hidrogramas de enchentes serão tanto mais pronunciados e estreitos,
quanto maiores forem as declividades dos canais.
Para se definir a declividade de um curso de água, pode-se fazer seu perfil longitudinal. Um primei-
ro valor aproximado da declividade de um curso d’água entre dois pontos pode ser obtido pelo quociente
entre a diferença de suas cotas extremas e sua extensão horizontal ( Figura 7a). Uma maior aproximação da
declividade média calculada pode ser obtida, ajustando-se uma reta média ao perfil longitudinal do curso
de água e, então, se aplica a primeira definição às diferenças de cotas da reta média (Figura 7b). A terceira
definição consiste em se basear na premissa da relação entre velocidade e declividade e admitir que o tempo
de translado real seja igual ao tempo de transalado por uma reta equivalente ao curso de água (Figura 7c).
A elevação média da bacia pode ser obtida da mesma forma que a declividade média da bacia,
associando-se elevações aos vértices de uma malha quadrada ou triangular irregular sobre a bacia. Pode-se
também representar a curva de frequências das elevações dos vértices (curva hipsométrica).
Em função das características geológicas da bacia hidrográfica, a rede de drenagem pode assumir
diferentes formas.. A forma dendrítica (Figura 8a) é a mais comum, a drenagem retangular (figura 8b) é ca-
racterística de solos rochosos fraturados, onde a drenagem segue o padrão das fraturas, a drenagem em trelia
(figura 8c) ocorre em bacias com vales e colinas alternados e a forma radial (figura 8d) ocorre em grandes
cumes isolados, como vulcões.
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

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Figura 7 - Formas de cálculo da declividade média de um rio.

Figura 8 - Formas de redes de drenagem

A densidade de drenagem de uma bacia pode ser medida com o indicador densidade de drenagem.
É a relação do comprimento total dos cursos de água da bacia dividido pela área da bacia. Quando uma bacia
recebe uma chuva com distribuição uniforme e possui uma alta densidade de drenagem, o tempo de concen-
tração é reduzido, pela facilidade de escoamento na rede de drenagem. O pico do hidrograma gerado será
elevado e o tempo total de subida e descida do hidrograma será reduzido (Figura 9). Em bacias com solos
arenosos, em geral, a densidade de drenagem é menor e, em geral, com rios profundos. Em bacias rochosas
de alta declividade, em geral, há uma rede mais densa com rios menores, favorecendo a redução do tempo
de concentração.
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

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Figura 9 - Influência da densidade de drenagem na forma do hidrograma de cheia

Um outro indicativo do porte da rede de drenagem de uma


bacia é o índice ou ordem dos cursos de água (Figura 10). A classificação
dos rios, por segmentos, quanto à ordem reflete o grau de ramificação
ou bifurcação dentro de uma bacia. Os cursos de água maiores possuem
seus tributários, que por sua vez pos- suem outros até que se chegue aos
minúsculos cursos de água das nas- centes. Os canais que não possuem
tributários são considerados de pri- meira ordem. Quando dois canais de
primeira ordem se unem, é formado um segmento de segunda ordem. A
união de dois segmentos de rios de mesma ordem resulta em um trecho
de ordem imediatamente superior; quando dois segmentos de rios de
ordens diferentes se unem, formam um segmento de rio com a ordem do
maior dos dois.
Figura 10 - Ordem dos cursos de água.

A BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNIDADE DE RECURSOS HÍDRICOS


A Bacia Hidrográfica é a menor unidade espacial de gerenciamento dos recursos hídricos. Os
diversos usos da água levam a conflitos, que devem ser resolvidos no âmbito da bacia ou em algumas
vezes com as relações entre usuários da bacia e de bacias vizinhas, quando obras de transposição obrigam
a consideração de múltiplas bacias. Alguns usos da água são ditos consuntivos, isto é, quando retornam à
bacia hidrográfica um volume menor do que aquele que foi retirado, como é o caso dos abastecimentos
urbanos e industriais e a irrigação (com perdas por evaporação e uso da planta). Outros usos são não-
consuntivos, como a navegação e a geração de energia em usinas hidrelétricas. Alguns consumos tem a
característica de alterar a qualidade da água, como é caso do retorno das águas servidas nas cidades ou
das área agrícolas, com fertilizantes ou pesticidas. Em função de um balanço entre as disponibilidades de
água com a qualidade compatível com os usos e as demandas de água, pode-se ter situações de escassez
ou de abundância.
Para resolver os conflitos, é necessário, inicialmente, se fazer um diagnóstico de quantidade e de quali-
dade da água. A bacia hidrográfica é o elemento natural que se pode fazer um balanço hídrico do ciclo hidro-
lógico, que permite avaliar quantitativamente as parcelas do ciclo e um balanço demanda – disponibilidade,
confrontando-se as somas das demandas dos usuários da bacia com as vazões disponíveis ao longo do tempo.
Quando se trata das questões de macro-drenagem, a ação efetuada dentro da bacia pode afetar
diretamente a população de uma porção dessa bacia, favoravelmente ou não. Uma retificação de um curso
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

48

de água na porção de montante da bacia hidrográfica causará um afastamento mais rápido das águas dessa
região, mas prejudicará a população ribeirinha de jusante que terá prejuízos maiores e mais frequentes.
Embora a bacia hidrográfica seja a menor unidade espacial de gerenciamento de recursos hídricos,
muitas vezes, é necessário um planejamento integrado que envolva duas ou mais bacias hidrográficas. É o
caso das reversões de bacias hidrográficas, em que tanto a quantidade como a qualidade da água são afetadas
pelas retiradas ou pelos afluxos desses volumes. São questões que causam impactos significativos na opinião
pública, pelos efeitos sobre a qualidade de vida das pessoas. Exemplos não faltam: reversão da bacia do Rio
São Francisco, reversão da Bacia do Rio Piracicaba para a bacia do Alto Tietê e outros.
Para que esses conflitos possam ser resolvidos ou, ao menos minorados, é necessário que se crie um
arcabouço legal e institucional para o gerenciamento dos recursos hídricos, acompanhado do uso de tecnolo-
gias atuais e profissionais capacitados de várias formações e um ambiente próprio para as negociações.
A Política Estadual de Recursos Hídricos Paulista instituída pela Lei Estadual 7663, de 30/12/1991,
dividiu o Estado de São Paulo em unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHI). Atualmente
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

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são 22 unidades, conforme apresentado na Figura 11, onde são apresentadas algumas de suas características,
entre elas a relação demanda/disponibilidade e as principais bacias hidrográficas que as compõem.
A partir da Lei das Águas, Lei 9433, de 8/01/1997, a bacia hidrográfica é definida como a unidade
territorial de implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerencia-
mento de Recursos Hídricos. A partir daí, foi criada uma estrutura legal e institucional (criação da Agência
Nacional de Águas - ANA, conselhos estaduais de recursos hídricos, agências de água, comitês de bacia).
A gestão do uso dos recursos hídricos é feita, atualmente, no âmbito de Bacias Hidrográficas. No Estado
de São Paulo, os principais conflitos de uso dos recursos hídricos ocorrem principalmente nas bacias industrializa-
das situadas a Leste, em especial as do Alto Tietê, do Piracicaba-Capivari-Jundiaí, do Sorocaba, do Paraíba do Sul
e do Mogi-Guaçu. O fator fundamental da geração de conflito é a poluição das águas que passam a ter padrões
inadequados para os usos mais exigentes ou a necessidade crescente de água para a produção e para a população.
As grandes reversões de águas entre bacias como a do sistema Pinheiros-Billings-Cubatão, através
do qual as águas do Alto Tietê são revertidas para a Baixada Santista, em casos de inundações em São Paulo
e a do sistema Cantareira, que importa águas das cabeceiras do rio Piracicaba para abastecimento da Região
Metropolitana da Grande São Paulo (RMSP), são exemplos de conflitos inter-regionais.
O abastecimento da RMSP a partir do reservatório Billings (que também alimenta a Usina de Hen-
ry Borden, em Cubatão) precisa conciliar-se com o controle de cheias do Rio Pinheiros e com a geração de
energia elétrica.
A reversão de águas da bacia do Rio Piracicaba para o Alto Tietê para o abastecimento de cerca de
45% da população da RMSP implica na diminuição da água na bacia do Rio Piracicaba, cuja comunidade se
vê no direito de reivindicar retribuição financeira pelo seu fornecimento.
A negociação entre as partes interessadas se faz através dos Comitês de Bacias Hidrográficas, com a
interveniência da Agência Nacional de Águas (ANA), quando a bacia hidrográfica for Federal.
Com o crescimento das áreas das Regiões Metropolitanas, tem-se observado em algumas regiões do
mundo, e São Paulo é um exemplo, conflitos reais ou potenciais pela aproximação entre regiões metropolita-
nas. É o caso das Regiões Metropolitanas de São Paulo, da Baixada Santista e de Campinas, denominada de
Macrometrópole Paulista, que exige um planejamento regional integrado de seus recursos hídricos.
“Esses conflitos podem ser objeto de estudos de engenharia e de modelos matemáticos para orientar
e balizar decisões. Mas serão insuficientes, se não considerarem os componentes e os fatores sociais, econômi-
cos e ambientais que não podem ser quantificados como o valor da energia elétrica gerada.
Um dos grandes desafios dos profissionais de recursos hídricos é, com certeza, como enfrentar esses
conflitos e viabilizar as soluções encontradas” (Barth, sem data).

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BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS -
Resolução Nº 32, de 15 de outubro de 2003. Diário oficial da União. 17/12/2003.
Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

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PORTO, R. L. L; ZAHED FILHO, K. - Apresentações de aulas do curso PHD2307 - Hidrologia aplicada. São
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Capítulo 3
BACIA HIDROGRÁFICA

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CICLO HIDROLÓGICO

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Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

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O Ciclo Hidrológico é o fenômeno global de circulação da água entre a superfície terrestre e a at-
mosfera, impulsionado fundamentalmente pela energia solar, associada à gravidade e à rotação da Terra. A
representação pictórica do ciclo hidrológico é muito importante para se associar os fenômenos físicos que
ocorrem durante os processos de transformação da água de uma fase a outra na natureza (Figura 1). Até me-
ados do século XVII, pensava-se que as águas provenientes das minas (nascentes) não poderiam ser produtos
da precipitação em vista de dois postulados: a quantidade de água precipitada não era suficiente e a superfí-
cie da Terra era bastante impermeável, para não permitir a infiltração das águas pluviais. Leonardo da Vinci
(1452-1519) e Bernard Palissy (1509-89), respectivamente na Itália e França, lançaram a semente da teoria
da infiltração e o conceito do ciclo hidrológico, como hoje é conhecido. Pierre Perrault (1608-80) utilizou
um instrumental muito rude para fazer a primeira constatação de campo do fenômeno da transformação de
chuva em vazão. Com medidas de três anos de precipitação, ele estimou a vazão do rio Sena (França) como
sendo 1/6 da precipitação. É, pois, uma primeira abordagem quantitativa do ciclo hidrológico.

Figura 1 - Representação pictórica do ciclo hidrológico.


(Fonte: Ahrens, 1994).

Desde, então, o ciclo da água na natureza foi sendo estudado em seus detalhes, com base em coletas
de dados, em conceitos empíricos e, posteriormente, em teorizações, quando possível.
Do ponto de vista quantitativo, interessa saber quanto de água se pode contar para uma determi-
nada necessidade em uma região ou quanto de água se deve afastar para se proteger dos fenômenos das
inundações, na atualidade ou em projetos futuros. Como as quantidades envolvidas em cada fase do ciclo
hidrológico podem se alterar no tempo, em função das alterações antrópicas na natureza, é preciso conhecer
os relacionamentos de cada fase do ciclo com as demais e como elas podem ser influenciadas pelas alterações
do meio ambiente.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

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O ciclo hidrológico pode ser abordado, então, por uma forma mais sistêmica, onde se procura modelar
a natureza com elementos que possam ser quantificados e equacionados. A Figura 2 mostra uma apresentação
comum em cálculos hidrológicos (“Hidrologia é a ciência que trata da água da Terra, sua ocorrência, circulação
e distribuição, suas propriedades físicas e químicas, e suas reações com o meio ambiente, incluindo suas relações
com a vida.” - United States Federal Council for Science and Technology, Comittee for Scientific Hidrology, 1962).

Figura 2 - Representação sistêmica do ciclo hidrológico.

Os cálculos devem permitir representar os dois processos gerais do ciclo hidrológico: os fluxos de trans-
ferência da água entre as fases e os volumes armazenados em cada uma delas. Em uma primeira aproximação,
em nível global, podem-se estimar esses valores, conforme pode ser visto na tabela 1, adaptada de World Water
Balance and Water Resources of the Earth (UNESCO, 1978), que identifica os volumes armazenados em cada
parcela do globo terrestre.

Tabela 1 - Parcelas de volumes de água na Terra

Volumes
Região Hidrográfica % do Total
(1015 m3)

Oceanos 1350 97,57

Geleiras 25 1,81

Água Subterrânea 8,4 0,61

Rios e Lagos 0,2 0,014

Atmosfera 0,013 9,40E-04

Biosfera 0,0006 4,30E-05

Fonte: Chow, Maidmente & Mays, 1988.


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Nota-se, que essa primeira versão geral dos armazenamentos, identifica a pequena parcela relativa
de água doce disponível para o consumo dos seres vivos. A Figura 3 ilustra os fluxos de transferência entre
as fases do ciclo hidrológico, permitindo avaliar as primeiras relações quantitativas. Assim, pode-se observar
a importância da evaporação e da transpiração das plantas, que representam cerca de 70% do volume preci-
pitado sobre as áreas dos continentes. Essas relações quantitativas entre as fases do ciclo hidrológico quando
colocadas em uma única expressão numérica formam o que se denomina de balanço hídrico.

Figura 3 - Volumes de transferência do ciclo hidrológico global.


Fonte:https://www.connectedwaters.unsw.edu.au/resources/fact/water_resources.htm

Essas relações de transferência podem ser um pouco mais detalhadas, por exemplo, através de um
balanço hídrico anual definido para os continentes (Tabela 2).

Tabela 2 - Balanço Hídrico Anual nos continentes.


América
América Total
Europa Ásia África Austrália do Norte/ Antártica
do Sul Continentes
Central
Área (1000 Km²) 10025 44133 29785 8895 24120 17884 14062 148904

Precipitação (Km³) 6587 30724 20743 7144 15561 27965 2376 111100
Evaporação (Km³) 3761 18519 17334 4750 9721 16926 389 71400
Escoamento superficial
2826 12205 3409 2394 5840 11039 1987 39700
(Km³)

Precipitação (mm) 657 696 696 803 645 1564 169 746
Evaporação (mm) 375 420 582 534 403 946 28 480
Escoamento superficial (mm) 282 277 114 269 242 617 141 267
Fonte: Baumgartner e Reichel, 1975, em Mook,. 2000.
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Nessa tabela, nota-se que os valores dos volumes podem ser divididos pelas áreas respectivas, para
resultar em valores expressos em unidades de altura equivalente.
Na tabela 3, há um detalhamento maior dos balanços hídricos, por regiões hidrográficas do Brasil.
Nota-se a variabilidade espacial das quantidades de precipitação, evaporação e escoamento superficial ao
redor do Brasil e do mundo. Isto implica que, em aplicações práticas, é necessário conhecer o balanço hídrico
em uma área específica de interesse, a qual se define como sendo a bacia hidrográfica.

Tabela 3 - Balanço hídrico anual nas regiões hidrográfica do Brasil.

Vazão
Vazão Vazão Vazã
Região Área Precipitação Evap. Precipitação Evap. Média
média média Med./
hidrográfica (Km²) (mm/ano) (mm/ano) (m³/s) (m³/s) (% do
(mm/ano) (m³ /s) Prec.(%) Brasil)

Amazônica 3.869.953 2.239 1075 1164 274.760 131.947 142.813 48 73,5


Tocantins/
921.921 1.837 466 1371 53.703 13.624 40.079 25 7,6
Araguaia
Atlãntico
Nordeste 274.301 1.790 308 1482 15.569 2.683 12.886 17 1,5
Ocidental
Parnaíba 333.056 1.117 72 1045 11.797 763 11.034 6 0,4
Atlântico
Nordeste 286.802 1.218 86 1132 11.077 779 10.298 7 0,4
Oriental
São Francisco 638.576 1.037 141 896 20.998 2.850 18.148 14 1,6
Atlântico
388.160 1.058 121 937 13.022 1.492 11.530 11 0,8
Leste
Atlântico
214.629 1.349 467 882 9.181 3.179 6.002 35 1,8
Sudeste
Atlântico Sul 187.522 1.568 702 866 9.324 4.174 5.150 45 2,3
Uruguai 174.533 1.785 745 1040 9.879 4.121 5.758 42 2,3
Paraná 879.873 1.511 410 1101 42.158 11.453 30.705 27 6,4
Paraguai 363.446 1.398 205 1193 16.112 2.368 13.744 15 1,3
Brasil 8.532.772 1.797 663 1134 486.219 179.433 306.786 37 100,00
Fonte: Matos et al, 2005.

BALANÇO HÍDRICO DE UMA BACIA HIDROGRÁFICA


O balanço hídrico em uma bacia hidrográfica, normalmente, é feito com base em informações hidro-
lógicas, coletadas e armazenadas por uma série de anos consecutivos, a qual se denomina de série histórica
de dados. Na figura 4, está representado um corte de uma bacia hidrográfica hipotética, onde estão represen-
tados de forma simplificada os elementos necessários para a análise do balanço hídrico.
A precipitação (P) que ocorre na área de contribuição da bacia hidrográfica em certo período de tempo,
transforma-se em escoamento superficial direto (Esd) pela bacia que será conduzido pela superfície do solo e pe-
los rios até a saída da bacia hidrográfica. Outra parte será infiltrada no solo da bacia. A parcela que infiltra para
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CICLO HIDROLÓGICO

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as posições mais profundas, que é denominada de percolação profunda, ficará armazenada temporariamente
nos vazios entre os grãos que compõem a estrutura subterrânea da bacia, saturando essa região denominada de
zona saturada do solo. A interface entre a camada saturada e a chamada zona não saturada ou aerada do solo é
o que se conhece por lençol freático. Quando o lençol freático está acima do nível de água do curso de água há
uma contribuição da água armazenada no solo, denominada escoamento básico ou subterrâneo (Esub), que se
somará ao escoamento superficial direto, formando o escoamento superficial (Q).
Outra parcela da precipitação volta para a atmosfera, na forma de vapor de água, pela evaporação
das superfícies ou pela transpiração das plantas. A esse conjunto de perda de água da bacia hidrográfica para
a atmosfera denomina-se evapotranspiração.

Figura 4 - Corte de uma bacia hidrográfica hipotética.

Quando se observa o armazenamento de água subterrânea entre dois instantes (ano, mês...), verifica-
se que o nível do lençol freático pode ter sido alterado. Se houver um acúmulo no período, essa variação (DS)
é positiva, caso contrário, será negativa.
Em um período de observação, pode-se fazer um balanço entre a água que entra na bacia hidrográfi-
ca (P) e a que sai da bacia (Q e E), sendo a diferença o valor da variação do armazenamento da água subter-
rânea. Isto pode ser colocado na forma da equação 1.
P = Q + E + DS 1

Quando se analisa um período longo de dados de uma bacia hidrográfica (vários anos), observa-se
que os valores das variações do armazenamento subterrâneo oscilam de valores negativos a positivos ao longo
do tempo, enquanto os valores das precipitações, das vazões superficiais e das evapotranspirações são sempre
positivos. Dessa forma, nesse longo período de tempo, o valor médio da variação do armazenamento sub-
terrâneo torna-se desprezível face aos demais valores, permitindo que a equação 1 possa ser escrita na forma
simplificada da equação 2:

Pm = Qm + Em 2

Onde Pm, Qm e Em são, respectivamente os valores médios, no período, da precipitação, da vazão


superficial e da evapotranspiração.
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CICLO HIDROLÓGICO

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Essa equação simplificada foi utilizada para a apresentação dos balanços hídricos apresentados nas
tabelas 2 e 3. Em uma bacia hidrográfica, permite estimar o valor da evapotranspiração média na bacia em
um período de tempo em que se dispõe apenas de dados de precipitações e vazões observadas, por exemplo.
Para aplicações mais específicas, como análise de cheias, é necessário que estude as relações de transfor-
mações das fases com mais detalhes. Para isto, serão abordadas as fases de ciclo de forma individual, mas sem
se esquecer de que esta divisão é apenas didática e que todas elas estão relacionadas dinamicamente entre si.

PRECIPITAÇÃO
O fenômeno da precipitação é o elemento alimentador da fase terrestre do ciclo hidrológico, impor-
tante para os processos de escoamento superficial direto, infiltração, evaporação, transpiração, recarga de
aquíferos, vazão básica dos rios e outros.
Quando se faz um estudo de planejamento de longo prazo do uso de uma ou mais bacias hidrográ-
ficas, a precipitação é utilizada como um dado fixo, que não sofre influências diretas das alterações antrópi-
cas provocadas no meio. As alterações do uso do solo, por exemplo, sobre as vazões escoadas, poderão ser
avaliadas por modelos matemáticos que transformam as chuvas em vazões, e que consideram as variações de
infiltração em função da área impermeável da bacia.
Nos projetos de drenagem, os dados de precipitação serão os fatores condicionantes para o dimensio-
namento das obras e conduzirão a resultados mais seguros quanto melhor for sua definição.
A precipitação é originada pela condensação do vapor de água presente na atmosfera para o estado
líquido ou sólido, dependendo das temperaturas e das condições durante a queda das partículas de água
pode ocorrer sob a forma líquida ou sólida da água, sob diversas formas: chuva, neve, garoa, granizo, orvalho
e geada. A palavra chuva é usada especificamente para indicara a queda de água em estado líquido. A neve
é formada pela cristalização (sublimação) do vapor d’água à temperatura abaixo de 0°C. O granizo consiste
em pelotas arredondadas e duras de gelo, ou de gelo e neve compacta., que podem ter efeito destrutivo sobre
plantações ou sobre construções, em áreas urbanas.
Existem formações, que embora sejam conhecidas como formas de precipitação, são, na verdade, resul-
tantes da condensação do vapor d’água presente na atmosfera sobre as superfícies sólidas, como o orvalho e a
geada . O orvalho é criado quando o ar, em contato com uma superfície sólida fria, sofre um resfriamento abaixo
de certa temperatura, dita ponto de orvalho. Se este ponto de orvalho for inferior a 0°C, forma-se a geada.
De forma geral as chuvas são formadas pela condensação do vapor de água na alta atmosfera e pelo
crescimento desses pequenos núcleos em torno de aerossóis, poeiras suspensas no ar, pela atração iônica entre as
partículas de água e por choques aleatórios que provocam a junção de duas ou mais partículas. À medida que essas
partículas crescem de dimensão, ocorre um desequilíbrio entre as forças de sustentação do ar (empuxo) e a força
gravidade. Dessa forma, as partículas já aglomeradas caem sobre a superfície da Terra. Durante esse percurso,
arrastam outras partículas consigo ou se dividem e voltam a ficar suspensas no ar. Os núcleos de condensação têm
dimensões da ordem de 0,2 µm ( 0,2 x 10-6m) e as gotas de chuva têm dimensões da ordem de 2000µm (2 mm).
O que leva o ar úmido ser elevado à alta atmosfera? Basicamente, podem ser citados três fenômenos,
que provocam essa ascensão e que definem os três tipos principais de chuvas.
Quando uma massa de ar frio e uma massa de ar quente se encontram (Figura 5) , a massa de ar mais
frio penetra sob a massa de ar quente, no formato de cunha. Essa ascensão frontal provoca a elevação da mas-
sa de ar mais quente para elevações maiores, carregando consigo o vapor de água que será condensado nas
nuvens. Essas chuvas frontais, também denominadas de chuvas ciclônicas são típicas na região Sul e Sudeste
do Brasil, na época de inverno. São chuvas que cobrem vastas extensões e que podem ter longas durações.
O volume médio de água precipitada, expresso em termos de altura equivalente (volume de chuva
dividido pela área que recebe a chuva) por unidade de tempo da duração da chuva é a intensidade média da
chuva. Nesse tipo de chuva, as intensidades costumam ser baixas. Seus impactos sobre as bacias maiores são
significativos, pois podem provocar a elevação do nível de água dos grandes rios (grandes bacias hidrográficas).
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A convergência horizontal ocorre quando a pressão e o vento agem para concentrar a afluência de
ar em uma área particular, tal como uma área de baixa pressão. Tipicamente, no verão, a camada de ar em
contato com o solo recebe o calor emitido pelo solo e tende a ficar mais quente que as camadas superiores,
após o período de maior insolação. A convergência de ar provoca um desequilíbrio entre a massa de ar mais
aquecida junto ao solo e a camada superior, fazendo com que a camada de ar mais quente (e a umidade nele
contida) suba rapidamente para a alta atmosfera (Figura 6), formando correntes de convecção verticais. Essas
chuvas chamadas de convectivas (ou de verão) possuem, em geral, pequenas durações e grandes intensidades,
atuando em áreas restritas (círculos com raios da ordem de 5 a 12 km). Pela rapidez do processo e sua alta
intensidade, são as chuvas mais críticas para as pequenas bacias, pois causam as elevações rápidas das vazões
dos pequenos córregos e rios, responsáveis pelas inundações críticas, especialmente em áreas urbanas.

Figura 5 - Representação esquemática das frentes quente e fria.


Adaptado de http://njscuba.net/biology/misc_waves_weather.html

A ascensão orográfica ocorre quando o ar fluindo na direção de uma barreira orográfica (isto é, uma
montanha) é forçado a subir para passar sobre ela e faz com que a umidade do ar seja elevada para uma
condição própria para sua condensação. É uma condição típica de bacias serranas próximas ao oceano, que
recebem a umidade do ar gerada pela evaporação da água do oceano, através dos ventos que empurram as
massas de ar úmido em direção ao continente. Essas chuvas são importantes quando se trata de regiões ser-
ranas, pois o pequeno tempo para que a água precipitada seja conduzida até os canais naturais e a grande
declividade desses canais, levam a crescimentos vultosos das vazões nos canais, ou geram grandes velocidades
do escoamento da água sobre os terrenos, favorecendo processos erosivos na bacia. É comum se ver rompi-
mentos de bueiros sob estradas de ferro e rodovias ou enxurradas com grandes volumes de material sólido
(erodido da bacia), que causam enormes prejuízos.
As medições das chuvas são feitas com pluviômetros e pluviógrafos. O pluviômetro é um recipiente
padronizado que recolhe a água da chuva. Diariamente, um observador coleta a água em uma proveta gradu-
ada. O valor do volume coletado, dividido pela área de coleta do pluviômetro é a altura de chuva equivalente
precipitada entre o instante da leitura e o instante da leitura anterior. Na figura 8, está esquematizado um
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CICLO HIDROLÓGICO

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pluviômetro tipo Paulista e sua instalação. O pluviógrafo registra as chuvas de forma contínua no tempo.
Deve ser utilizado quando se necessita conhecer as intensidades das chuvas, como nos estudos de drenagem
urbana, por exemplo.

Figura 6 - Formação das chuvas convectivas. Figura 7 - Formação de chuva orográfica.


Fonte: Ahrens, 1994 http://geoconceicao.blogspot.com.br/2010_07_01_archive.html

Figura 8 - Pluviômetro tipo Paulista


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Há vários princípios de registro, mas os mais utilizados são o de bóia (Figura 9) e o de caçamba bas-
culante. O detalhe da figura 9 mostra o princípio do registro no papel, que gera o pluviograma. À medida
que o reservatório coleta a água da chuva, uma bóia associada a uma pena registra a altura equivalente da
chuva coletada, enquanto o cilindro onde está o papel gira com uma velocidade angular constante (uma volta
por dia, uma volta por semana...). Quando o volume acumulado atinge uma altura equivalente de 10mm de
chuva, todo o volume é sifonado. O gráfico do pluviograma (Figura 10) apresenta nesse instante, uma queda
abrupta, voltando ao zero da escala no papel.

Figura 9 - Pluviógrafo de bóia Figura 10 - Pluviograma

No pluviógrafo de caçamba (Figura 11), cada vez que um dos dois recipientes fica cheio, ele verte e
provoca um giro em um eixo acoplado a um contato elétrico. Este equipamento é utilizado em sistemas de
transmissão de dados em tempo real, onde os impulsos de liga e desliga são transmitidos a uma central.

Figura 11 - Pluviógrafo de caçamba Figura 12 - Exemplo de um pluviograma

A chuva registrada no pluviograma pode ser também representada pelo hietograma (Figura 12), que
representa o total precipitado em intervalos discretos ao longo da duração de uma chuva, ou em períodos de
análise que podem envolver vários eventos chuvosos (mensal, anual).
A chuva registrada em posto pluviométrico representa a chuva que cai na região a seu redor. Entre-
tanto, essa representatividade tem limite, pois as chuvas não caem de forma uniforme em grandes áreas. As-
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sim, para se definir uma chuva média sobre uma bacia hidrográfica, que possui vários postos em seu interior e
em seus arredores, é necessário fazer uma médias das chuvas registradas nos postos. A média aritmética pode
ser utilizada, se houver apenas pequenas variações (da ordem de 10%) entre os valores. Nos outros casos, uma
média ponderada pode ser utilizada, onde a ponderação é a área de influência de cada posto. Existem dois
métodos clássicos: o polígono de Thiessen e as isoietas (linhas de mesma precipitação). No método de Thies-
sen (Figura 13), admite-se que as áreas de influência são aquelas mais próximas dos postos, limitadas pelas
mediatrizes dos segmentos que unem os postos. No método das isoietas (Figura 14), as áreas de influência são
aquelas situadas entre duas isoietas consecutivas.

Pm= P1*A1+P2*A2+P3*A3
A1 +A2 +A3

Figura 13 - Cálculo da chuva média pelo método Figura 14 - Cálculo da chuva média
dos polígonos de Thiessen pelo método das isoietas

Além da variação espacial das chuvas, deve-se considerar sua variação sazonal. Dependendo do clima
de uma região, essas chuvas distribuem-se ao longo do ano de forma específica. Assim, em regiões de clima
tropical, são marcantes dois períodos do ano, denominados de semestre seco e semestre úmido. Os meses
são classificados como pertencentes ao semestre úmido, se a precipitação média de longo período do mês for
maior do que a precipitação média mensal do ano (precipitação total do ano média de longo período, divi-
dida por 12). Assim na região sudeste do Brasil, definem-se os semestres úmido e seco, de outubro a março e
de abril a setembro, respectivamente. Para as análises hidrológicas, utiliza-se o conceito de ano hidrológico,
que compreende o período de outubro de um ano a setembro do ano seguinte.

Figura 15 - Relação entre intensidade média, duração e frequência de ocorrência de chuvas intensas.
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Nos estudos de afastamento das águas, seja em drenagem urbana ou em estudos de controle de cheias
em reservatórios de regularização, as chuvas intensas possuem uma importância fundamental, porque geram
as vazões críticas de análises desses casos. Uma chuva intensa é aquela que concentra um grande volume de
água precipitado em um intervalo de tempo. A variação da intensidade de uma chuva intensa ao longo de
sua duração é um dos condicionantes do formato do hidrograma gerado e, consequentemente, da máxima
vazão do hidrograma. Não existe uma distribuição temporal fixa da intensidade da chuva intensa ao longo de
sua duração, mas varia de uma chuva a outra e de um local a outro. Alguns autores procuram ajustar algum
comportamento padrão, para permitir a criação de hietogramas hipotéticos, que serão utilizados como base
em estudos hidrológicos. Algumas características podem ser observadas, como o fato das intensidades médias
das chuvas diminuírem com o aumento da duração total da chuva. Chuvas mais raras de ocorrerem possuem
intensidades maiores. Essa raridade é quantificada pelo chamado período de retorno, que é o intervalo médio,
em anos, que um evento é igualado ou superado. O inverso do período de retorno é a frequência de excedência
do evento. Com base em séries longas de observações de chuvas intensas, é possível relacionar as intensidades
médias das chuvas com sua duração e seu período de retorno (Figura 15). Pfafstetter, em 1957 foi o pioneiro, no
Brasil, a definir equações de chuvas intensas para 98 localidades, que dispunham de dados de pluviógrafos. Es-
sas equações são conhecidas, também, como relações IDF, pois relacionam a intensidade média de uma chuva,
com sua duração e sua frequência de excedência (em geral, substituída nas fórmulas pelo período de retorno).
Encontram-se diversas formas nessas equações, mas a mais usual é a expressa pela equação 3:

K.Tm
i= R
3
(t + t0)n

Onde: i é a intensidade média da chuva, em mm/min;


t é a duração da chuva, em minutos;
Tr é o período de recorrência, em anos;
m,n, to e K são parâmetros relativos ao ajuste da equação, variáveis para cada local.
A tabela 4 apresenta alguns exemplos para algumas capitais brasileiras.

Tabela 4 - Exemplos de equações de chuvas intensas (IDF)

Local K m t0 n

São Paulo 57,71 0,172 22 1,025


Curitiba 20,65 0,150 20 0,740
Rio de Janeiro 99,154 0,217 26 0,840
Belo Horizonte 24,131 0,100 20 0,840

Com as equações IDF, pode-se estimar o total precipitado ou a intensidade média para uma certa
chuva de projeto, associada a uma duração e a um período de retorno. Para se definir a variação da intensida-
de da chuva ao longo de sua duração, alguns métodos podem ser utilizados, como o do hietograma triangular,
o método dos blocos alternados, o método de Huff, o de Chicago (Keifer e Chu) e outros.
No método do hietograma triangular, admite-se que a intensidade da chuva cresça linearmente do seu iní-
cio até o instante de intensidade máxima e decresça linearmente até seu final. O instante da intensidade máxima.
Estudos feitos por alguns autores nos EUA, indicam que esse instante varia de 0,32 a 0,45 (chamado coeficiente de
avanço da chuva) da duração total da chuva. Na tabela 5 e figura 16, está exemplificado um hietograma triangular
de projeto com período de retorno de 50 anos, utilizando-se a equação IDF da cidade de São Paulo. Foi adotado
um coeficiente de avanço de 0,5 para comparação com o hietograma de blocos alternados da tabela 6 e figura 17.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

64

No método dos blocos alternados, admite-se que a intensidade máxima da chuva ocorra na metade
de sua duração e os valores vão decrescendo de forma alternada em intervalos posteriores e anteriores ao
intervalo central da chuva.
Tabela 5 - Montagem do hietograma triangular

Figura 16 - Hietograma triangular


Tabela 6 - Montagem do hietograma de blocos alternados

Figura 17 - Hietograma de blocos alternados

Figura 18 - Variação da intensidade de uma chuva intensa com sua área de atuação.
Fonte: USWB, 1961.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

65

Os hietogramas de projeto procuram representar a chuva em um ponto da bacia hidrográfica, à seme-


lhança do que se observa em um posto pluviográfico. Deve ser salientado que a intensidade da chuva decresce
quando se consideram áreas maiores em torno de um posto pluviográfico. A figura 18 ilustra as curvas obtidas
pelo US Weather Bureau, para algumas regiões dos EUA. As curvas estão parametrizadas pela duração da
chuva. Nota-se que chuvas de maiores durações tem maior uniformidade espacial que as chuvas de pequena
duração (efeito das chuvas ciclônicas ou de frente).

EVAPORAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO
Evaporação é a transformação da água do estado líquido para o de vapor, a partir de uma superfície
líquida, solo nu ou vegetação sobre solo (Figura 19).

Eg = Evaporação de superfícies com neve ou glaciais;


Ei = Evaporação de água interceptada em coberturas
vegetais ou em construções;
Ed = Evaporação de água não infiltrada em depressões do
solo.
Ew = Evaporação de superfícies de água;

Figura 19 - Superfícies de evaporação.


Fonte: (Vicaire)

A Transpiração é a evaporação que ocorre das folhas das plantas, através das aberturas dos estômatos
(Figura 20).
Como é praticamente impossível se distinguir o vapor d´água proveniente da evaporação da água
no solo e da transpiração das plantas, a evapotranspiração é definida como sendo o processo simultâneo de
transferência de água para a atmosfera pelos dois fenômenos.

Figura 20 - Transpiração das plantas.


Fonte: (Vicaire)
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

66

As taxas de evaporação, transpiração e evapotranspiração são dadas em unidades de altura divididas


por unidade de tempo: mm/dia, mm/mês etc.
Antes de entrar nos detalhes do processo de evapotranspiração, deve-se enfatizar sua importância
no ciclo hidrológico. De toda a precipitação que ocorre sobre os continentes, 57% evapora, enquanto que nos
oceanos a evaporação corresponde a 112% do total precipitado. Em uma região semi-árida, cerca de 96% da
precipitação total anual pode evaporar.
Nos projetos agrícolas, a definição precisa do volume perdido de água para a atmosfera pela evapo-
transpiração condicionará os projetos de irrigação.
Em projetos de reservatórios, a perda adicional de água por evaporação pela área inundada deve
ser considerada como uma variável importante na definição de seu volume, pois representa uma retirada de
vazão que se soma à vazão de saída do reservatório, para efeito de seu balanço hídrico.
Algumas definições importantes nos estudos de evapotranspiração são:
Evaporação potencial é a taxa de evaporação de uma superfície extensa de água sob determinadas
condições atmosféricas (função da temperatura, da umidade, do vento, da insolação).
Evapotranspiração potencial (ETp) é a perda de água de uma superfície vegetada, em qualquer es-
tágio de desenvolvimento, em condições não restritivas de umidade no solo. Representa a máxima perda de
água da cultura.
Evapotranspiração de referência (ETo) é a perda de água de uma superfície totalmente coberta com
grama, em fase de crescimento ativo, bem suprida de umidade, no centro de uma área tampão irrigada.
Evapotranspiração real (ETr) é a perda de água de uma superfície vegetada em quaisquer condições
de vegetação e suprimento de água. É o valor real obtido no balanço hídrico de uma bacia, por exemplo.
Os principais fatores que condicionam as taxas de evaporação são: a natureza da superfície de evapo-
ração (água, solo nu, solo vegetado), a quantidade de energia recebida pela superfície (que depende da sua
localização geográfica, da cobertura de nuvens e da época do ano), o elemento favorecedor do transporte do
vapor de água para afastá-lo da região de evaporação (ventos e corrente ascensionais), a umidade relativa do
ar (expressa como uma porcentagem da pressão de vapor de água existente na atmosfera sobre a pressão de
saturação do vapor de água na temperatura local), que representa a capacidade da atmosfera em absorver
com maior ou menor facilidade o vapor de água evaporado de uma superfície.
Além desses fatores, para a evapotranspiração devem ser considerados: o tipo de cobertura vegetal da
superfície, o estágio de desenvolvimento das culturas agrícolas, pois em cada fase de seu desenvolvimento, seu
consumo de água é variável e a água que sobra para transpiração pelas folhas também varia e a umidade dispo-
nível no solo na região radicular das plantas, que pode favorecer ou dificultar a absorção de água pelas plantas.
A evaporação potencial pode ser estimada a partir de medidas em estações hidrometeorológicas,
através de equipamentos como o tanque de evaporação e os evaporógrafos. O tanque de evaporação mais co-
mum é o tanque Classe A (figura 21). Faz-se leituras do nível da água, em alguns horários definidos do dia, de
forma que a redução do nível de água pode ser entendida como a evaporação ocorrida entre as duas leituras.
Pelo aquecimento em suas paredes laterais, os valores registrados são superiores àqueles que seriam observa-
dos em um reservatório de grandes dimensões. Normalmente, os valores de evaporação desses reservatórios
são da ordem de 75% dos valores registrados no Tanque Classe A. Há outros modelos de tanque, como o
tanque de 20m2 de área, que fica enterrado com a superfície da água ao nível do solo, que procura eliminar o
efeito da insolação na parede lateral. O evaporógrafo (Figura 22) procura representar a evaporação à sombra.
Consiste em uma balança de prato, com associação a um registrador contínuo (papel ou digital). Quando a
massa de água existente no prato evapora, o fiel da balança se desloca, registrando essa variação de massa no
sistema registrador.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

67

Figura 21- Tanque Classe A Figura 22- Evaporógrafo.


Fonte: (US Weather Bureau) Foto: Waldir Patrício da Silva. Sabesp

Quando não se dispõe de medidas diretas, pode-se estimar a evaporação potencial, a partir de equa-
ções empíricas ou teóricas.

A fórmula de Thornthwaite-Holzman (1939) é baseada no princípio de transferência de massa. Ad-


mite que exista energia suficiente para a evaporação e que o parâmetro limitante seja a velocidade do vento.
A expressão matemática é dada pela equação 4:

Ea = B. v2 .(1 - ur)/p 4

Onde: Ea é a evaporação potencial de uma superfície líquida


v2 é a velocidade do vento medida a 2 m acima do solo
ur é a umidade relativa do ar.
p é a pressão atmosférica.

A expressão de Thornthwaite-Holzman mostra a relação direta da evaporação com a velocidade dos


ventos.

A fórmula de Penman pode ser considerada a mais completa, pois além de considerar as hipóteses
das fórmulas de transferência de massa, considera as limitações de energia disponível para a evaporação. Faz
um balanço de energia, considerando todas as radiações incidentes e refletidas em uma superfície líquida.
Uma forma simplificada da equação de Penman, proposta pela Organização Meteorológica Mundial é dada
na equação 5:

5
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

68

onde:
E= Evaporação (mm/dia)
L = calor latente de vaporização (59 cal/cm2.mm)
Rt= radiação no topo da atmosfera (cal/cm2.dia)
p = fração do dia com brilho solar
r= fator de albedo
σ= constante de Stefan-Boltzman = 1.19 x 107 cal/cm2.dia
T= temperatura absoluta (K)
ed = pressão de vapor a 2 m de altura (mm.Hg)
A evapotranspiração depende, além dos fatores que influenciam a evaporação, do tipo de cultura que
está cobrindo a superfície de uma bacia e o estágio de desenvolvimento dessa planta. Se houver restrição de
umidade do solo que impeça a planta de absorver água para seu processo fisiológico, a evapotranspiração
também será limitada, por consequência.
A medida direta da evapotranspiração é feita por lisímetros, normalmente em centros de pesquisa
agrícola. Os lisímetros são volumes definidos por um vaso enterrado no solo, onde se planta certa cultura e se
avalia, através do balanço hídrico deste vaso, a perda de água para a atmosfera. Quando se planta uma grama
padrão, obtém-se dos lisímetros a evapotranspiração de referência (ET0). Quando se planta outra cultura,
obtém-se a evapotranspiração potencial, que será referenciada à evapotranspiração de referência, através de
um fator multiplicativo, chamado de coeficiente de cultura, que varia para cada cultura e para cada estágio
de desenvolvimento dessa cultura. Esses coeficientes, resultados de observações de lisímetros podem ser en-
contrados em livros e manuais de agricultura.

Figura 23 - Lisímetro de Drenagem ou percolação. Esquema (a) e imagem (b).


Fonte: (USP – ESALQ)

Os lisímetros podem ser de dois tipos: de percolação e de pesagem. O lisímetro de percolação (figura
23) consiste em um tanque enterrado com as dimensões mínimas de 1,5 m de diâmetro por 1,0 m de altura, no
solo, com a sua borda superior 5 cm acima da superfície do solo. No fundo do tanque, coloca-se uma camada
de mais ou menos 10 cm de brita coberta com uma camada de areia grossa, onde se coloca uma tubulação para
drenar a água percolada no tanque. No balanço hídrico do tanque, deve ser considerada a variação da umidade
do solo do tanque, que pode ser avaliada pelas medidas da umidade do solo a diferentes profundidades. Entre-
tanto, como essas medidas não são muito precisas na maioria das vezes, determina-se a evapotranspiração em
períodos suficientemente longos para que a variação da umidade no solo seja desprezível face à evapotranspira-
ção. Em geral, as medidas são feitas em períodos de, no mínimo, duas semanas e, mais frequentemente de um
mês. O lisímetro de pesagem (figura 24) consiste no mesmo tipo de tanque enterrado, apenas que fica apoiado
sobre uma balança. A variação da umidade do solo é determinada, diretamente pela balança, resultando em
valores mais precisos, quando se deseja medições em intervalos menores (horários ou diários).
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

69

balança
(a) (b)

Figura 24 - Lisímetro de Pesagem. Esquema (a) e imagem (b).


Fonte: (a) The Comet Program (b) EDH/IAC

A determinação indireta da evapotranspiração pode ser feita com as fórmulas vistas para o cálculo
da evaporação, com a inclusão de fatores de correção para levara em conta o tipo e os estágio de desenvolvi-
mento da cultura.
Existem muitas fórmulas empíricas para o cálculo da evapotranspiração: de Thornthwaite, de Har-
greaves, de Papadakis, de Hamon, de Blaney Criddle etc. A título de exemplo, mostra-se na equação 6, a
fórmula de Blaney Criddle, para estimar a evapotranspiração potencial em períodos mensais:

ETP = K*p*(0.46*t + 8.13) 6

onde :

ETP = Uso consuntivo da cultura, em mm/mês


K = coeficiente de cultura, adimensional, depende do tipo e estágio de crescimento da cultura.
p = porcentagem mensal de horas de insolação em relação ao total anual ( em %).
t = temperatura média mensal do ar, em º C.

Os valores estimados de evapotranspiração potencial são utilizados para serem comparados com o
volume de água disponível para certa plantação, em função da chuva efetiva da área (chuva infiltrada que fica
disponível para as plantas na região radicular). Quando há um déficit de oferta, este deve ser reposto através
de um sistema de irrigação complementar.
A evapotranspiração real pode ser obtida diretamente do balanço hídrico de uma bacia, a partir dos
dados de precipitação sobre a bacia e da vazão registrada na saída da bacia, como já foi visto anteriormente.

INTERCEPTAÇÃO
A parcela da chuva que cai sobre as folhas ou galhos das plantas é conhecida por interceptação (Figu-
ra 25). O volume retido depende muito do tipo de planta. A água é retida até que ela goteje diretamente no
solo ou escoe pelos galhos e caule. Uma parcela é novamente evaporada após o término da chuva. A intercep-
tação reduz o escoamento superficial direto e protege o solo contra erosão.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

70

Figure 25 - Água interceptada por uma folha.


Fonte: M. Marzot FAO

Para efeitos de análises da interceptação de uma determinada área define-se: a precipitação incidente
(P) sendo o total de chuva acima das copas; a precipitação interna (Pi) – chuva que atravessa o dossel e atinge
o solo; o escoamento pelo tronco (Et) das árvores em direção ao solo; e a precipitação efetiva (Pe – chuva que
atinge o solo). (HELVEY & PATRIC, 1965b apud LIMA, 2000). A figura 26 mostra uma os equipamentos
para medir a precipitação interna e o escoamento pelo tronco em uma área experimental.
Segundo Lima (in Carvalho, F., Assunção, H. F.e Scopel, I, 2009), o balanço do processo de intercep-
tação da chuva por uma floresta pode ser expresso pela equação 7:

P = Pi + Et + S + E 7

onde:
S = capacidade de retenção da copa (quantidade de água que pode ser retida temporariamente na copa
antes do início dos processos Pi e Et);
E = evaporação da água retida na copa (inclui a evaporação que ocorre durante a duração da chuva, e, ces-
sada a chuva, a evaporação de S).

(a) (b)

Figura 26 - (a) Instalação para coleta da precipitação interna (Pi), em Cunha (SP).
(b) Esquemas de Coletor do escoamento pelo tronco.
Fonte: Rocha, H. R.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

71

Os fatores que mais influenciam na quantidade de água interceptada são: a intensidade da precipita-
ção, a altura total da precipitação, as precipitações antecedentes, o tipo de vegetação, a densidade da vegeta-
ção, o estágio de crescimento das plantas, a estação do ano e a velocidade do vento. A tabela 7 indica alguns
limites de perdas acumuladas para alguns tipos de cobertura vegetal.

Cobertura Capacidade Máxima de Interceptação - mm

Campo, prado 2,50

Floresta ou mato 3,75

Floresta ou mato densos 5,00

Na figura 27, nota-se que a perda por interceptação diminui com a altura e a intensidade da chuva.
Nessa mesma figura, pode-se inferir que o total interceptado, para a faixa de precipitações apresentadas varia
de cerca de 3 a 4,5mm.

Figura 27 - Perdas por interceptação em função do total precipitado e intensidade da chuva. Adaptado de Wells e Blake,
1972. Publicado no Journal of Climate de 1999.
Fonte: Rocha, H. R.
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

72

A tabela 8 mostra o balanço entre P, Pi, Et e I, para alguns tipos de coberturas vegetais, a partir da
compilação de trabalhos de vários autores.

Tabela 8 - Balanço de P, Pi, Et e I para algumas coberturas vegetais.


Pi Et I
Cobertura Fonte
% em relação a P
12.6 Floresta secundária - BA Santos, E.S.
12.2 Cacau-cabruca - BA Santos, E.S.
10.6 Eucalipto Rennó, C. D.
78-91 0.3 - 1.8 8.9 - 25.6 Floresta Amazônica intacta Ferreira et al (2005) (Acta Amazônica)
- - 32 Pinus sylvestris (Inglatera 4000 ind/ha, 7m)
18-50 Florestas coníferas Rakhmanov (1966), Rutter (1975)
Florestas decíduas mistas
15-25 Rakhmanov (1966), Rutter (1975)
(Hnorte)
88 4 18 Consórcio agrícola Dijk (2000)
84 4 12 Eucaliptus salignaea Lima 1976 (Piracicaba, SP)
90 3 7 Pinus caribaea caribaea Lima 1976 (Piracicaba, SP)
88 - 12 Pinus oocarpa Lima 1983 (Brasil 1000 ind/ha, 20m)
88 - 12 Pinus caribaea hondurensis Lima 1983 (Brasil 1000 ind/ha, 20m)
73 - Cerradão Lima 1983
Mata Atlântica (secundária,
80 2 18 Oliveira Jr (2005)
estágio inicial de crescimento)
81.2 0.2 18.6 Mata atlântica Arcova, F. C. S.
57 43.3 Angico Pinto, L. V. A.
72.3 28.2 Eucalipto novo Pinto, L. V. A.
73.6 33.7 Eucalipto velho Pinto, L. V. A.

Em ecossistemas florestais, usualmente, para pequenos volumes precipitados (0,3 a 0,5 mm), 100% é
interceptado. Para chuvas superiores a 1 mm, de 10 a 40% podem ficar retidos pela vegetação. Com relação
às chuvas com diferentes intensidades, se observa que para o mesmo total precipitado, a interceptação dimi-
nui com o aumento da intensidade. Precipitações precedidas por períodos de um mínimo de 24 horas sem
ocorrência de chuva, acarretam uma curva de precipitação-interceptação diferente de ocorrência precedida
por condições úmidas.
Nas florestas urbanas no Maciço da Tijuca (RJ), a interceptação foi estimada em 11%. Em Cubatão
(SP), em floresta degrada por poluição atmosférica se obteve valores entorno de 28% de interceptação. Num
conglomerado florestal preservado, esse valor foi de 34% .
Em termos gerais, pode-se dizer que em florestas tropicais 75 a 96% da precipitação incidente trans-
formam-se em precipitação interna, entre 1 a 2% é convertida em escoamento superficial pelo tronco e em
torno de 4 e 24% é em média interceptada pelas copas das árvores. (MIRANDA, R. A. C. de, 2011).”
Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

73

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Capítulo 4
CICLO HIDROLÓGICO

75

INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO


HIDROLÓGICO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS

Capítulo 5
76
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
77

1. INTRODUÇÃO
Clima é a representação das condições meteorológicas associadas às variações aleatórias médias de
temperatura, precipitação, vento, umidade do ar e pressão atmosférica, ao longo de um período de tempo
que vai de meses a milhões de anos, sendo o período clássico considerado o de 30 anos.
Existe, portanto, uma diferença básica entre tempo e clima. Tempo reflete as condições meteorológi-
cas que variam ao longo do dia. Enquanto que clima representa as condições médias em uma longa duração.
Este conceito abrange extremos diários e sazonais dentro de uma área específica. Ao comentar sobre clima
deve-se, portanto, considerar a localização, a altitude e referir-se a área de abrangência. Uma pequena região
climática próxima ao solo pode ser denominada de microclima. O clima de uma pequena área da superfície
da Terra, que pode alcançar poucos hectares e até vários quilômetros quadrados, e abranger florestas, vales,
zonas litorâneas e urbanas, pode ser denominado de mesoclima. O clima em grandes áreas, abrangendo um
estado ou um país pode ser chamado de macroclima. E o clima em todo o planeta Terra é geralmente referido
a clima global.
Os fatores que controlam a ocorrência das regiões climáticas no planeta são: intensidade de radiação
solar que varia com a latitude, distribuição de terra e de água, correntes oceânicas, ventos predominantes,
posicionamento de áreas de alta e de baixa pressão atmosférica, barreiras de montanhas e altitude. Os efeitos
desses controladores definem os padrões de temperatura e precipitação global, bem como as várias regiões
climáticas em todo o mundo (Ahrens, 2003).
Mudança climática é uma alteração no sistema climático causado por alterações dos fatores que con-
trolam o clima ou por alterações externas naturais ou atividades antropogênicas (Le Treut et al., 2007). A
variabilidade natural é uma característica do clima global e ocorre em longa ou curta escala de tempo. Alguns
cientistas acreditam que essas oscilações climáticas não são fenômenos aleatórios, mas eventos controlados
por forças ou fontes de energia da própria Terra ou de corpos planetários do sistema solar.
Segundo Ahrens (2003) o clima na Terra está sempre mudando, alternando períodos glaciares com
períodos mais quentes. Os glaciares talvez tenham avançado dez vezes durante os últimos 2 milhões de anos.
Durante os períodos mais quentes (interglaciais), a temperatura média global foi ligeiramente mais elevada
do que a observada no presente. Atualmente, a cobertura glacial cobre apenas 10% da superfície de terra do
planeta ocupando um volume de aproximadamente 25 milhões km3. Áreas baixas poderiam ser inundadas
com elevações de temperatura e o consequente derretimento do gelo.
Embora muitos fatores influenciem o clima, muitos autores tem atribuído à atividade humana papel
importante no aquecimento nos últimos 50 anos. Projeções do clima futuro são moldadas por mudanças
fundamentais de energia térmica na Terra, em particular o aumento da intensidade do efeito estufa que
aprisiona calor na superfície da Terra que é determinado pelo aumento de CO2 e outros gases na atmosfera
(Le Treut et al., 2007).
O significativo aumento da variabilidade climática interanual tem sido relacionado à mudança do
ciclo hidrológico em larga escala, tal como: aumento do conteúdo de vapor d’água na atmosfera, alteração no
padrão de precipitação (intensidade e extremos), alterações de umidade do solo e do escoamento superficial
(Bates et al., 2008). Essas mudanças podem trazer sérias consequências sociais e ambientais. Inundações e
secas estão hoje entre os riscos naturais mais prejudiciais. As inundações e as secas são os mais significativos
tipos de desastre em termos de vidas humanas. Do ponto de vista econômico alterações no ciclo hidrológico
poderão determinar maiores pressões sobre os sistemas hidrológicos e prejuízos na indústria, para o abaste-
cimento público e para a agricultura (Wild e Liepert, 2010).
As oscilações climáticas desencadearam eventos que influenciaram a formação dos ecossistemas,
a distribuição das espécies no planeta e nortearam o desenvolvimento da humanidade. Segundo Blainey
(2008), em 20000 a.C. as temperaturas em todos os lugares eram muito mais baixas do que as de hoje e a
espécie humana estava confinada a um continente maciço, sem separação por mares, onde essa única massa
de terra era palco de quase todas as atividades humanas.
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
78

Por volta de 15000 a.C. o clima tornou-se gradativamente mais quente, ocorreram elevações na va-
zão dos grandes rios, no fluxo de sedimentos, na precipitação anual de chuvas nas terras áridas e no nível
dos mares. Os sedimentos finos depositados nas planícies que acabariam por tornar-se o berço do que hoje
se chama civilização. A elevação do nível dos mares estava quase completa em 8000 a.C. Este foi o evento
mais extraordinário na história humana durante os últimos 100 mil anos porque desencadeou uma profunda
transformação e uma explosão populacional (Blainey, 2008).
Neste capítulo serão comentadas as causas prováveis da mudança climática atual, os impactos no ciclo
hidrológico e as consequencias para os recursos hídricos.

2. POSSÍVEIS CAUSAS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


O balanço entre a entrada e a saída de energia no sistema terra-atmosfera determina o clima global.
As interações que ocorrem no sistema são complexas e alterações no balanço de energia podem provocar
mudanças no clima. Algumas teorias têm sido apresentadas para justificar as mudanças climáticas. Entre elas
podem ser citadas tempestades solares, variações cíclicas na órbita da Terra, a movimentação das placas tec-
tônicas, atividades vulcânicas, aumento da concentração dos gases que provocam o efeito estufa, alteração na
superfície da Terra e a dinâmica interna do sistema climático (Ahrens, 2003; Mavi e Tupper, 2004).
Alterações no contorno da órbita da Terra em torno do Sol (excentricidade), oscilação periódica de
direção (a cada 23.000 anos) e da inclinação (a cada 41.000 anos) do eixo de rotação da Terra em relação ao
Sol influenciam na quantidade de radiação recebida na superfície da Terra e podem provocar variações pe-
riódicas no clima. Há evidencias de que este efeito tem relação com a ocorrência sequencial das eras glaciais
e a alternância de períodos mais quentes e mais frios. As tempestades magnéticas que ocorrem na superfície
do Sol, também chamadas de manchas solares, ocorrem em número e tamanho máximos a cada 11 anos.
Durante estes períodos o Sol emite 0,1% mais energia do que em períodos de emissão mínima corresponden-
do a uma variação de 0,2 W.m-2 na irradiação solar (Le Treut et al., 2007). Segundo Ahrens (2003) recentes
observações sugerem que mudanças no brilho do Sol poderia explicar parte do aquecimento global durante
o último século. Entretanto, a influência do aumento da incidência dos raios cósmicos, especialmente da
radiação ultravioleta, na camada de ozônio localizada na estratosfera, na circulação da troposfera ainda não
é suficientemente conhecida para atribuir este fator como a principal causa da mudança de temperatura (Le
Treut et al., 2007).
A lenta movimentação das placas tectônicas pode alterar o leito dos oceanos e a paisagem dos con-
tinentes. Durante o passado geológico a distribuição geográfica da massa da Terra, que era concentrada na
média e alta latitude, favoreceu a reflexão da radiação solar ocorrida nos oceanos provocando resfriamento.
O movimento das placas também pode influenciar as correntes marinhas que poderia alterar o transporte de
calor das baixas para as altas latitudes e alterar correntes de vento e o clima global.
Erupções vulcânicas ejetam partículas de cinza, poeira e gases tóxicos na atmosfera, chamados aeros-
sóis. Os gases, especialmente o SO2, combinam com o vapor d’água na estratosfera produzindo partículas de
ácido sulfúrico que, quando agregadas, formam densas camadas de neblina. Essa neblina pode permanecer
na estratosfera por vários anos absorvendo e refletindo a radiação solar. A absorção da radiação de onda curta
do Sol somada à radiação de onda longa da superfície da Terra aquece a baixa estratosfera. A reflexão da ra-
diação solar tende a resfriar o ar na superfície da Terra principalmente no hemisfério onde a erupção ocorre.
Alguns gases presentes na atmosfera absorvem e emitem somente radiação de certos comprimentos
de onda. A lei de Kirchhoff diz que bons absorvedores são bons emissores de um particular comprimento
de onda, e pobres absorvedores são pobres emissores para o mesmo comprimento de onda. O vapor d’água
(H2O) e o dióxido de carbono (CO2) são grandes absorvedores de radiação infravermelha e pobres absorve-
dores de radiação solar visível. Outros menos importantes absorvedores seletivos da radiação infravermelha
são o óxido de nitrogênio (N2O), o metano (CH4) e o ozônio (O3) que é mais abundante na estratosfera e
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
79

também é seletivo para a radiação ultravioleta. A radiação emitida, principalmente pelo vapor d’água e CO2,
é irradiada em todas as direções. A porção de energia irradiada em direção a superfície da Terra é absorvida
aquecendo o solo. Por sua vez a Terra emite radiação infravermelha que aquece a baixa atmosfera. Neste caso
o vapor d’água e o CO2 além de absorverem e emitirem radiação também agem como camada isolante em
torno da Terra, impedindo que parte da radiação infravermelha escape para o espaço. Consequentemente
a superfície da Terra e a baixa atmosfera são mais quentes do que deveriam ser se a absorção seletiva não
existisse. Este fenômeno natural é conhecido como efeito estufa atmosférico em alusão à casa de vegetação em
que o vidro permite a entrada da radiação visível, mas inibe a saída da radiação infravermelha. Este fenôme-
no mantem a temperatura do planeta em níveis adequados para que os seres vivos sobrevivam.
A atividade humana contribui para alterar a concentração e a distribuição dos aerossóis e dos gases
que causam o efeito estufa atmosférico. As principais atividades humanas causadoras do aumento destes ga-
ses são a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento, as queimadas agrícolas e os incêndios florestais.
Segundo Le Treut et al. (2007), a quantidade de CO2 na atmosfera aumentou 35% na era industrial trazendo
substanciais implicações no clima. Contudo, nos anos recentes, o aumento da concentração de outros gases
como CH4, N2O e clorofluorcarbono (CFC) tem apresentado um efeito semelhante ao CO2 quando analisado
coletivamente. Uma única molécula de CFC-12 na atmosfera absorve radiação infravermelha equivalente a
10.000 moléculas de CO2 (Ahrens, 2003).
Acréscimo e retirada de grandes áreas florestadas afetam o albedo (refletividade) e a rugosidade ae-
rodinâmica que por sua vez interfere na transferência de energia, água e outros materiais dentro do sistema
climático. Reduções na cobertura de gelo e neve podem diminuir o albedo e causar o aumento de tempera-
tura no inverno em áreas de latitude elevada no hemisfério norte.
A dinâmica interna de alguns sistemas climáticos afeta o modelo de circulação atmosférico global.
As fontes mais importantes causadoras da variabilidade no clima, numa escala de tempo mais curta, são o El
Niño/Oscilação Sudeste (ENOS), a Oscilação do Atlântico Norte e as mudanças da temperatura da superfície
do mar (Ahrens, 2003).
El Niño é o nome dado ao aquecimento anômalo da água da superfície do oceano Pacífico tropical,
na região leste, próxima à costa do Peru e do Equador. Estes episódios de aquecimento extremo ocorrem em
intervalos irregulares de dois a sete anos. O fenômeno oposto é chamado de La Niña. Nesta região também
ocorre uma elevação da pressão atmosférica no oeste do Pacífico e uma diminuição na pressão no leste do
Pacífico gerando fortes ventos que sopram de oeste para leste e podem deslocar grandes massas de água. Este
mecanismo é chamado de Oscilação Sudeste. Embora cada evento apresente suas características próprias,
devido à simultaneidade de ocorrência eles são analisados de forma conjunta (Ahrens, 2003).
De acordo com Trenberth et al. (2007), eventos de ENOS envolvem grandes trocas de calor entre o
oceano e a atmosfera afetando a temperatura média global. O evento ocorrido em 1997-1998 foi o maior já
registrado em termos de anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) e a temperatura média global
em 1998 foi a maior já registrada até 2005. Segundo Trenberth et al. (2007), o ENOS está associado com seca
na Indonésia, no nordeste da Austrália e na região nordeste do Brasil (com início em julho), e com excesso de
chuva na costa oeste da América do Sul e na região sudeste do Brasil (com início em novembro). A partir de
1976 os eventos de El Niño têm sido mais fortes e mais numerosos.
Os mecanismos e a habilidade de previsão do ENOS ainda estão em discussão. Ainda não está claro
como o ENOS muda, ou interage, com uma mudança climática (Le Treut et al., 2007).
No norte do oceano Atlântico existe um modelo de oscilação da pressão atmosférica superficial se-
melhante à que ocorre no Pacífico, chamada de Oscilação do Norte do Atlântico (ONA). Este fenômeno afeta
o clima na Europa e na América do Norte. No inverno quando a pressão atmosférica se eleva na vizinhança
da latitude 60oN (região de baixa pressão da Groenlândia) e quando diminui na vizinhança da latitude 30oN
(região de alta pressão das Bermudas) os invernos no norte Europeu e no nordeste dos Estados Unidos são
extremamente frios.
Em meados da década de 1990 descobriu-se que a temperatura da superfície do oceano Pacífico se
inverte em períodos de 20 a 30 anos. Este fenômeno é chamado de Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) e
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
80

apresenta duas fases cujas temperaturas da superfície da água são maiores ou menores que a média. Durante
a fase quente ocorre o aquecimento da água na região equatorial e resfriamento da água na região central
do norte do Pacífico. Esta situação causa invernos mais quentes e secos no noroeste da América do Norte e
mais frios e úmido no sul dos Estados Unidos. Na fase fria ocorre o resfriamento da água ao longo da costa
da América do Norte e aquecimento desde o Japão até o norte do Pacífico. Esta situação causa uma inversão
do clima nos locais afetados. Outros sistemas de circulação atmosférica e suas conexões com o oceano são
detalhados por Ahrens (2003) e Trenberth et al. (2007).

3. EVIDÊNCIAS E INFLUÊNCIA DAS MUDANÇAS


CLIMÁTICAS NO CICLO HIDROLÓGICO
De acordo com o quarto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climá-
ticas (IPCC, 2007) existem evidências inequívocas do aquecimento do clima, baseadas em dados observados
e em modelos climáticos (modelo de circulação geral oceano-atmosfera). Segundo o IPCC (2007), a mudança
é atribuída à influência da atividade humana que modifica a concentração de gases de efeito estufa - GEE
(CO2, CH4, N2O e halocarbonos), os aerossóis e a cobertura da Terra, alteram o balanço de energia do sistema
climático e são direcionadores das mudanças climáticas.
Segundo Trenberth et al. (2007) a temperatura média global da superfície aumentou 0,65oC ± 0,2oC
no período de 1901 a 2005. IPCC (2007) realizaram uma estimativa do aumento de temperatura global
projetada para o século 21 segundo alguns cenários (A1, A2, B1 e B2) que exploram caminhos alternativos
de desenvolvimento, cobrindo uma ampla gama de projeções demográficas, econômicas e tecnológicas que
representam forças direcionadoras e resultantes de emissões de gases de efeito estufa. Os resultados estão
apresentados na Figura 1.
O cenário A1 assume um mundo em crescimento econômico muito rápido, uma população global
que atinge o pico em meados do século 21 e rápida introdução de tecnologias novas e mais eficientes. A1 é
dividido em três grupos que descrevem direções alternativas de mudança tecnológica: A1FI com uso intenso
de combustível fóssil, A1T com uso de fontes de energia não fóssil e A1B com uso balanceado de todas as
fontes. O cenário B1 assume uma economia mundial integrada, com menor crescimento econômico em A1 e
com uma população global de 8,5 bilhões até 2050. Enquanto que os cenários A2 e B2 assumem uma menor
globalização e cooperação, uma população esperada de 10,4 bilhões para B2 e 15 bilhões para A2 até 2100.
Todos os cenários admitem que a sociedade seja mais influente do que hoje, o Produto Interno Bruto mundial
em 2100 seja de 10 a 26 vezes maior que o de hoje e a tecnologia representa uma força direcionadora tão
importante quanto o desenvolvimento demográfico e o desenvolvimento econômico.
Na Figura 1, as linhas sólidas indicam médias globais de aquecimento dos cenários simulados e as
barras a direita do gráfico indicam a melhor estimativa (linha sólida dentro de cada barra) e a provável ex-
tensão em cada cenário para 2090-2099 relacionado a 1980-1999. Observa-se que todos os cenários estimam
uma maior elevação da temperatura do que ocorreria se a concentração dos gases de efeito estufa perma-
necesse constante em relação à do ano 2000. A maior elevação da temperatura global da superfície ocorreu
para o cenário A1FI que se caracteriza pelo forte desenvolvimento econômico e uso intensivo de combustíveis
fósseis.
As barras à esquerda na Figura 1 mostram uma grande variação na estimativa do aquecimento glo-
bal da Terra em cada cenário. Este resultado revela que as interações entre a Terra e sua atmosfera são tão
complexas que é difícil provar com precisão que a tendência no aquecimento é devida primariamente ao
aumento da concentração de gases de efeito estufa. De acordo com Le Treut et al. (2007), o clima da Terra
é caracterizado por muitos modos de variabilidade, envolvendo a atmosfera e o oceano, e também a crios-
fera e a biosfera. Compreender os processos físicos envolvidos na variabilidade interanual do clima global
é fundamental para melhorar a capacidade dos cientistas de prever com precisão as mudanças climáticas e
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
81

para permitir a separação da variabilidade antrópica e natural, melhorando assim a capacidade de detectar
e atribuir mudanças climáticas antropogênicas.
Uma questão prática relevante é saber quais as implicações futuras que a mudança climática exerce
sobre o ciclo hidrológico e nos sistemas hidrológicos tais como: mudança no padrão de precipitação (intensi-
dade e extremos), elevação da evaporação, mudanças na umidade do solo e no escoamento superficial. Segun-
do Bates et al. (2008) existe uma significativa variabilidade interanual e em décadas em todos os componentes
do ciclo hidrológico. As projeções hidrológicas são dificultadas pelas incertezas na variabilidade dos sistemas
climáticos, das emissões futuras de gases de efeito estufa e aerossóis, na translação dessas emissões simuladas
pelos modelos climáticos globais, dos modelos hidrológicos, das grandes diferenças regionais e das limitações
da cobertura espacial e temporal da rede de monitoramento de dados. Stott et al. (2010) comentam que a
precipitação e a temperatura regional são afetados pela variação da circulação atmosférica, por exemplo o
ONA, além de outros fatores tais como mudança no uso do solo, irrigação e construção de reservatórios.

Figura 1 - Projeções do aquecimento global da superfície realizada por modelos de circulação oceano-atmosfera.
Fonte: IPCC (2007).

Projeções feitas por vários modelos mostram aumento global das médias de vapor d’água, evapora-
ção e precipitação para o século 21 (Figura 2). Os modelos sugerem um aumento da precipitação em latitudes
elevadas no inverno e no verão, nos oceanos tropicais, no sul da Ásia de junho a agosto, na Austrália e no leste
da África de dezembro a fevereiro. Nessas áreas o acréscimo na precipitação anual foi maior ou igual a 20%
(Figura 3). Enquanto que em latitudes médias existe uma previsão de decréscimo da precipitação de junho a
agosto, especialmente na América Central e Mediterrâneo (Figura 2). Nessas áreas o decréscimo na precipi-
tação anual pode chegar a 20% ou menos (Figura 3). A previsão para o Brasil é de aumento da precipitação
anual praticamente em todo o país no verão (dezembro a fevereiro), exceto no extremo norte e na costa leste,
e decréscimo nas regiões nordeste, nordeste e centro-oeste no período de inverno (junho a agosto), conforme
pode ser observado na Figura 2. No Brasil a precipitação anual média poderá se elevar em até 10% nas áreas
de acréscimo e reduzir em até 15% nas áreas de decréscimo (Figura 3).
Segundo Bates et al. (2008) é muito provável que precipitações intensas se tornem mais frequentes
particularmente nas áreas tropicais e de altas latitudes onde a precipitação média deverá aumentar. O risco
de inundações aumentará porque existe a tendência das precipitações ocorrerem em eventos intensos interca-
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
82

lados entre períodos mais longos de baixa intensidade. Segundo Kron e Berz (2007) o número de catástrofes
causadas por grandes inundações ocorridas no planeta, no período de 1996 a 2005, é duas vezes maior do
que as ocorridas no período de 1950 a 1980, enquanto que as perdas relacionadas aumentaram cinco vezes. É
importante ressaltar que as inundações e suas consequências não dependem apenas das vazões, mas também
da ocupação do solo cujo controle e os prejuízos decorrentes dependem da sociedade.

Precipitação A1B: 2080-2099 DJF Precipitação A1B: 2080-2099 JJA

(mm dia -1) (mm dia -1)

Figura 2 - Mudança na precipitação média estimada por 15 modelos para dezembro a fevereiro (esquerda) e junho a julho
(direita), para o cenário A1B, para o período 2080-2099 em relação ao período 1980-1999.
Fonte: Bates et al. (2008).

A projeção da evaporação média global muda de modo semelhante à mudança no balanço de pre-
cipitação global, mas a relação não é evidente para em escala local devido ao transporte do vapor d’água na
atmosfera. A evaporação aumenta muito sobre os oceanos tropicais e nas altas latitudes (Figura 3).
Sobre os continentes a tendência de mudança da precipitação é equilibrada pela evaporação e pelo
escoamento superficial. Em escala global, o conteúdo de vapor d’água na atmosfera deverá aumentar em
resposta ao aumento da temperatura, favorecendo o aquecimento do clima uma vez que o vapor d’água é um
gás causador do efeito estufa (Bates et al., 2008).
Os modelos de circulação global oceano-atmosfera preveem risco de seca nas regiões norte subtro-
pical e nas latitudes médias. Em todos os continentes existem grandes extensões de terra em que a umidade
do solo é reduzida. Em algumas dessas áreas o escoamento superficial também é reduzido. Essas regiões
apresentam déficit porque a elevada evaporação compensa o aumento das precipitações. No leste da África,
na Ásia central há perspectiva de aumento da umidade do solo. De acordo com a previsão dos modelos uma
área significativa do território brasileiro apresenta risco de seca (Figura 3). De acordo com Bates et al. (2008)
o aumento da demanda evaporativa da atmosfera causará impacto no escoamento superficial, na umidade do
solo, no balanço hídrico dos reservatórios, no nível de água subterrânea e na salinização de aquíferos rasos.
O escoamento superficial tende a reduzir no norte da Europa e aumentar no sudeste da Ásia e nas
altas latitudes. As estimativas de escoamento anual foram feitas por modelos globais e não permitem uma
estimativa precisa do escoamento para uma pequena escala temporal e espacial. Porém em áreas onde a pre-
cipitação e o escoamento são muito baixos, pequenas mudanças no escoamento podem ser extremamente
prejudiciais.
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
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a) Precipitação b) Umidade do solo

c) Escoamento superficial d) Evaporação

Figura 3 - Mudança % na precipitação média anual (a), umidade do solo (b), escoamento superficial (c) e evaporação (d),
estimada por 15 modelos, para o cenário A1B, para o período 2080-2099 em relação ao período 1980-1999.
Fonte: Bates et al. (2008).

4. CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS


Como discutido no item anterior, existe uma tendência muito provável da variabilidade da precipi-
tação aumentar, as inundações tornarem-se mais frequentes e as secas ocorrerem mais cedo do que normal-
mente ocorrem. Em termos estatísticos isto significa que as variâncias das series hidrológicas de precipitações
e vazões devem aumentar. Os impactos provocados por inundações e secas podem ser mitigados com inves-
timentos em infraestrutura apropriada e por meio de mudanças no manejo da água e no uso e ocupação do
solo, mas a implementação de tais medidas envolve custos monetários, sociais e ambientais, além de requerer
procedimentos adequados para negociação de potenciais conflitos entre interesses de diferentes grupos de
usuários da água.
O aumento do escoamento superficial em algumas bacias poderá não aumentar a disponibilidade
hídrica se o escoamento adicional for concentrado na estação úmida. O aumento da intensidade da precipi-
tação poderá resultar no aumento de turbidez e na carga de nutrientes e patógenos para os recursos hídricos
superficiais elevando o custo de tratamento da água.
Capítulo 5
INFLUÊNCIA DO CLIMA NO CICLO HIDROLÓGICO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA O ATENDIMENTO ÀS DEMANDAS
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Temperaturas mais elevadas e o aumento da variabilidade de precipitação, em geral, podem levar ao


aumento da demanda de irrigação, mesmo se a precipitação total durante o período de desenvolvimento da
planta permaneça o mesmo. Segundo Bates et al. (2008), diferentes modelos climáticos projetaram diferentes
mudanças na demanda de irrigação líquida mundial. A estimativa é de aumento da extensão da demanda de
1 a 3% para 2020 e de 2 a 7% para 2070. O maior incremento ocorreu para o cenário de emissão B2 em que
a economia apresenta crescimento intermediário e soluções regionais e locais de governança para proteção
ambiental e equidade social. Döll (2002) observou um aumento da demanda global de irrigação líquida de 5
a 8% até 2070, podendo chegar a +15% no sudeste da Ásia.
Finalmente, é importante reconhecer que os recursos hídricos e os sistemas de produção poderão
ser criticamente afetados nas próximas décadas pelas interações simultâneas dos direcionadores climáticos
e socioeconômicos. Desta forma, os gestores de sistemas de recursos hídricos devem considerar diferentes
aproximações para projeto e análise de sistemas e métodos estruturais (aumento da capacidade de armazena-
mento de água, transferência de água entre bacias, dessalinização e uso de água subterrânea) e não estrutu-
rais (adaptação de demanda, legislação e organização de usuários) como medida de adaptação aos impactos
provocados pelas mudanças climáticas.

5. CONCLUSÕES
As causas da mudança climática podem ser naturais ou causadas por atividades antropogênicas. For-
ças ou fontes de energia da própria Terra ou de corpos planetários do sistema solar controlam o clima global
que pode ocorrer em longa ou curta escala de tempo. A atividade humana modifica a concentração de gases
de efeito estufa e aerossóis na atmosfera e a cobertura do solo. Esses fatores afetam o balanço de energia do
sistema climático que por sua vez ocasionam as mudanças climáticas.
A temperatura média global da superfície aumentou 0,65oC ± 0,2oC no século 20 e a projeção esti-
mada para o século 21 é de aumento para alguns cenários de crescimento populacional e desenvolvimento
econômico. Modelos climáticos indicam aumento das médias de vapor d’água, evaporação e precipitação em
todo o planeta. No Brasil, a precipitação anual média poderá se elevar em até 10% nas áreas úmidas e reduzir
em até 15% na região do semiárido. Tendência semelhante ocorre para o escoamento superficial e uma área
significativa do território brasileiro apresenta risco de seca.
Nas últimas décadas foram observadas mudanças em muitas variáveis relacionadas à água, mas ainda
não é possível atribuir com certeza as causas dessas mudanças a fenômenos naturais ou antropogênicos. As
projeções futuras sobre precipitação, escoamento superficial e umidade do solo, para a escala regional, estão
sujeitas à grandes incertezas. Contudo, é preciso encarar o problema da influência das mudanças climáticas
na hidrologia de forma realista adotando práticas de manejo dos recursos hídricos e procedimentos de adap-
tação ao excesso ou a escassez de água.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
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HIDROGEOLOGIA E OS RECURSOS
HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS

Capítulo 6
88
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
89

1. O QUE É HIDROGEOLOGIA?
A hidrogeologia é a parte da ciência geológica que estuda a água subterrânea, ou seja, aquela que ocorre
abaixo da superfície terrestre, e a sua relação com o ciclo hidrológico. A chuva que precipita e que não é evapo-
transpirada ou interceptada pode seguir dois caminhos: se infiltrar no solo, alimentando o escoamento subter-
râneo, ou escoar pela superfície até atingir um corpo de água superficial, como rios, lagos ou o mar (Figura 1a).
A porção de água que se infiltra percola descendentemente pelos espaços vazios do solo e do material
geológico, influenciada pela gravidade e outras forças (incluindo as de pressão e capilares), até atingir uma
zona onde todos os espaços porosos estão preenchidos com água, chamada de zona saturada. Enquanto nesse
processo de percolação o fluxo tem sentido majoritariamente vertical, na zona saturada o movimento da água
através da rocha ou sedimento é predominantemente horizontal. Tanto o processo de percolação como de flu-
xo na zona saturada são caracterizados por velocidades bastante reduzidas, da ordem de centímetros por dia.
Essa zona saturada pode caracterizar um aquífero, desde que, conforme um reservatório subterrâneo
de água, apresente suficiente permeabilidade e porosidade interconectada e permita uma extração economi-
camente viável.
A precipitação da água da chuva é a fonte principal de recarga natural de um aquífero, entretanto, a
sua alimentação também ocorre com águas provenientes de rios, lagos ou de outros aquíferos. Já a descarga é
aquela água que sai do aquífero e geralmente está associada a um corpo de água superficial ou a outro aquífero.
A circulação das águas no ciclo hidrológico, entre diferentes compartimentos, como rios, lagos, at-
mosfera e aquíferos desempenha um importante papel para a natureza, inclusive a manutenção de biomas
sensíveis, e para a sociedade e suas atividades econômicas. A descarga de um aquífero a um rio, por exemplo,
é fundamental para dar perenidade à drenagem, sobretudo em época de estiagem, pois aquela conforma seu
fluxo de base (Figura 1b).
A análise de um diagrama de um rio genérico (Figura 2) permite avaliar a contribuição da descarga
de um aquífero no seu fluxo total. Nota-se que durante a estiagem, é essa vazão de base que mantém o rio
fluindo e desempenhando seu papel na manutenção de água e sustentação de seu ecossistema.
Em cidades, o fluxo de base garante ademais que haja diluição do esgoto, mantendo a qualidade das
águas do rio ou mesmo permitindo que o rio transporte sedimentos e outros detritos, evitando o assoreamen-
to e enchentes. Já a descarga de aquíferos em fundos do mar, junto à linha da costa, pode permitir a susten-
tação de um ecossistema específico, pois essas águas reduzem a salinidade das águas marinhas. Em regiões
desérticas, muitos dos oásis se mantem ativos, devido à descarga de águas subterrâneas de fluxos regionais.
Da mesma forma, bombeamentos excessivos de um aquífero podem secar rios e outros corpos de água ou
mesmo induzir que águas contaminadas de rios adentrem o aquífero.

(a) (b)

Figura 1 - Ciclo hidrológico. 1a) Água subterrânea no ciclo hidrológico geral; 1b) Interação água subterrânea e superficial.
Fonte: Freeze & Cherry (1979)
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
90

Figura 2 - Hidrograma e sua separação, indicando os diferentes componentes da vazão de um rio após um período de chuva.
Fonte: (figura 3.6 do Fetter, 2001: applied hydrogeology)
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
91

As áreas de recarga e descarga permitem identificar os divisores de drenagem do fluxo subterrâneo.


Mas pelo fato dos divisores serem hidráulicos e não associados a uma topografia fixa, esses podem se modifi-
car ao longo do tempo, em resposta a recarga ou mesmo ao bombeamento do aquífero (Figura 3).

Figura 3 - Fluxos locais e regionais e seus divisores de drenagem subterrânea em aquíferos.

2. IMPORTÂNCIA DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NO BRASIL


A água subterrânea representa 97% da água doce e líquida existente no ciclo hidrológico no pla-
neta. As águas de rios, lagos e umidade do solo compõem outros 3%. Essa característica dos aquíferos
de armazenar uma gigantesca quantidade de água é de vital importância para a superação de muitos
problemas associados a longos períodos de estiagem, que poderão ser agravados por mudanças climáticas.
Mais da metade dos municípios brasileiros usam em alguma medida águas provindas das reservas
subterrâneas, sendo que 15,6% dos domicílios do país utilizam exclusivamente esse recurso. Nos estados eco-
nomicamente mais desenvolvidos, as águas subterrâneas participam de 70 a 90% do abastecimento público de
cidades e 95% das indústrias já vem utilizando poços (Freire et al., 1998). Cerca de 90% das cidades do Paraná e
Rio Grande do Sul são supridos total ou parcialmente por águas subterrâneas. No Piauí, o percentual é superior
a 80%. No Maranhão, este número supera 70% das cidades (Tucci & Cabral, 2003) e no Estado de São Paulo,
cerca de 80% dos municípios são tem algum nível de dependência das águas subterrâneas (CETESB, 2010).
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
92

Na agricultura os usos são mais modestos, pois somente agora as águas subterrâneas estão sendo usa-
das com mais frequência para a irrigação de culturas de maior valor agregado, como frutas para exportação
ou mesmo no abastecimento de indústrias associadas à agroindústria, como a cana de açúcar e a citricultura.
Entretanto, segundo o último censo agropecuário, declarou-se que existam mais de 410 mil poços tubulares
nas áreas rurais do país. No Brasil, estima-se que haja um milhão de captações.
Em bacias como a do Alto Tietê onde o abastecimento público se faz por fontes superficiais, através
de um complexo sistema de reservatórios, as águas subterrâneas são amplamente usadas para o suprimento
complementar de água, através de 12 mil poços extraindo 10 m3/s. Embora essa vazão não represente mais
de 15 % da demanda de água, ela é essencial, pois os sistemas de abastecimento não podem prescindir destas
vazões.

3. A ÁGUA EM SUBSUPERFÍCIE

3. 1 Perfil hidrogeológico
Ao se escavar o solo até atingir a água subterrânea é possível verificar que nas porções mais rasas o
material geológico não se encontra completamente preenchido por água. Nessa zona, conhecida como não
saturada ou vadosa (Figura 4), os espaços porosos apresentam preenchimentos variáveis de água e ar. Esta
relação é conhecida como umidade. Com o aumento da profundidade da escavação a umidade do solo au-
menta, até a saturação, ou seja, quando todos os poros estão preenchidos por água.
Verificando-se atentamente os poros entre os grãos do material geológico, é possível notar que, em-
bora totalmente preenchidos por água, esta não escoa pela parede do furo escavado. Este fenômeno ocorre
porque as forças capilares são maiores que a da gravidade. Esta zona é conhecida como franja capilar. A par-
tir deste nível, se continuar a escavação, observa-se que a água sai dos poros e escoa pela parede do furo. Essa
zona, conhecida como saturada, é onde ocorre o aquífero. O limite entre a franja capilar e a zona saturada é
conhecido como nível de água ou nível freático.

Figura 4 - Zona não saturada (vadosa), franja capilar e zona saturada.


Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
93

3.2 Aquíferos, aquitardes e aquicludes


As águas subterrâneas ocorrem dentro de poros. A relação entre o volume de vazios e o volume total
do material geológico é conhecida como porosidade. O processo de formação das rochas influencia o tipo de
porosidade, podendo ser primária ou secundária, quando os espaços são formados concomitantemente ou
posteriormente à formação da rocha (Figura 5).

Figura 5 - Aquífero de porosidade primária (a); e secundária (b: fraturado e c: por dissolução).

A porosidade primária é característica de aquíferos granulares, e está associada às rochas sedimen-


tares (arenitos, argilitos, etc.) e sedimentos não consolidados (areias, cascalhos etc.) constituídos de grãos
minerais. Nesses aquíferos a água percola e permanece, temporariamente, armazenada nos vazios ou poros
entre os grãos. Já a porosidade secundária é característica de rochas originariamente de baixa permeabilida-
de e que por eventos posteriores, como tectônicos (ligados ao aquífero fraturado) ou dissolução (ligados ao
aquífero cárstico) criam poros que permitem o armazenamento e a transmissão de água.
Outra classificação que o material geológico, como rocha e sedimento, pode receber está associada a
sua permeabilidade, ou seja, a facilidade que um fluido tem em atravessar o material geológico. Assim, este
pode conformar um aquífero, quando permite a transmissão e o armazenamento de água em seu interior; um
aquitarde, quando armazena, mas a transmite de forma muito reduzida; e o aquiclude, quando a transmissão
e o armazenamento são muito baixos.
Já a geometria de camadas mais permeáveis (aquíferos) e menos permeáveis (aquitardes e aquicludes)
define os aquíferos quanto a sua hidráulica, em livres, semiconfinados e confinados.
O aquífero livre (Figura 6) está mais próximo à superfície, ou seja, a unidade geológica aflora na su-
perfície. Neste aquífero a zona saturada tem contato direto com a zona não saturada, ficando o nível freático
(superfície superior da zona de saturação) submetido à pressão atmosférica. Assim, a água que infiltra no solo
atravessa a zona não saturada e recarrega diretamente o aquífero livre.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
94

Lençol freático
Infiltração e recarga

Fluxo de água subterrânea

Figura 6 - Aquífero livre e a sua relação com o rio.

O aquífero confinado é limitado no topo e na base por aquicludes e aquitardes (Figura 7). Neste
caso, o aquífero está submetido a uma pressão maior que a atmosférica, devido à existência de uma camada
confinante. Devido a este confinamento, o nível de água do aquífero pode estar em uma posição superior ao
topo do mesmo. Se o nível ocorre acima da superfície, o poço é chamado de artesiano1 ou jorrante. A recarga
desse tipo de aquífero é realizada pela porção aflorante (ou quando ele é livre) ou por drenança vertical de
unidades geológicas sobrepostas.

O aquífero semiconfinado é semelhante ao confinado, porém uma das camadas que o confina apre-
senta uma permeabilidade que permite a infiltração (ou drenança vertical) com alguma facilidade.

Porção livre ou área de afloramento


(região onde ocorre a recarga) do Superfície
aquífero confinado ou nível freático potenciométrica
Altura do nível da água
na área de recarga
Poço comum

aquífero
livre
Aquífero confinado
Poço não artesiano
Camadas menos
permeáveis Poço artesiano

Figura 7 - Aquíferos confinado e livre e ]suas relações.


Fonte: Karman (2000).

1 Poços artesianos referem-se a aqueles onde há jorrância da água através do furo ou seja, quando o nível potenciométrico do aquífero é superior
à superfície do terreno em um dado ponto. Entretanto, o termo também é usado popularmente (embora incorretamente) como sinônimo de
poço tubular. Já o termo poço semiartesiano, nessa acepção popular, refere-se a poços tubulares de profundidades não superiores a 80-100 m.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
95

4 O MOVIMENTO DA ÁGUA SUBTERRÂNEA


4.1 Lei de Darcy
Apesar de a água subterrânea apresentar, de uma maneira geral, lentas velocidades de circulação nos
aquíferos, ela está sempre em movimento. Este movimento está condicionado por vários fatores, como: posi-
ção relativa entre as zonas de recarga e descarga, clima e características do material geológico.
Esses fatores foram estudados, no século XIX, pelo engenheiro hidráulico francês, Henry Darcy, re-
sultando em uma das mais importantes leis da hidrogeologia, a lei de Darcy.
O experimento de Darcy (Figura 8) mostrou que o fluxo de água (q), que passa através de um cilindro
preenchido por areia, calculado pela relação entre a vazão (Q) e área da seção do cilindro (A), é diretamente
proporcional ao gradiente hidráulico (i) e inversamente proporcional à diferença de carga hidráulica (∆h):

Figura 8 - Experimento de Henry Darcy e as bases para a sua lei.


Fonte: Freeze & Cherry (1979).
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
96

Q ∆h , sendo que ∆h/∆l = i


q= =K
A ∆l
q: fluxo (L/T)
Q: vazão (L³/T)
A: área de seção do cilindro (L²)
K: condutividade hidráulica (L/T)
∆h: diferença de carga hidráulica (h1-h2) (L)
∆l: comprimento ou distância (L)
i: gradiente hidráulico (L/L)

Na lei de Darcy, a constante de proporcionalidade é a condutividade hidráulica (K). No passado, a


condutividade hidráulica era sinônimo de permeabilidade, mas com a necessidade de se distinguir a água de
outros fluidos, como os contaminantes não solúveis (solventes clorados ou combustíveis), fez com que hou-
vesse a necessidade de reconhecer a relação entre as duas grandezas:

ρg
K=k
µ

K: condutividade hidráulica (L/T)


k: permeabilidade intrínseca (L2)
ρ: densidade do fluido (M/L3)
g: gravidade (L/T2)
µ: viscosidade do fluido (M/LT ou cp)

Assim, a permeabilidade intrínseca depende apenas do material geológico e a condutividade hi-


dráulica tanto do material como do fluido que o percola. A condutividade hidráulica é uma das grandezas da
natureza que mais variam (Tabela 1).
A água que circula o faz pelos espaços porosos interconectados. Assim, para se calcular a velocidade
real média da água no aquífero é necessário considerar a porosidade efetiva (nef) que é definida pela relação:

nef = Vv
Vt

nef: porosidade efetiva (adimensional)


Vv: volume de vazios interconectados (L3)
Vt: volume total do material geológico (L3)

Assim, a velocidade real (Vr) será definida por:


q
Vr = n
ef

Vr: velocidade real (L/T)


q: fluxo (L/T)
nef: porosidade efetiva (adimensional)
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
97

Tabela 1 - Valores de condutividade hidráulica para meios geológicos mais comuns.

Fonte: Freeze & Cherry (1979).

4.2 Cartografia hidrogeológica


A cartografia hidrogeológica é uma maneira de abordar e representar as informações relacionadas
às águas subterrâneas no espaço, associando diferentes aspectos hidráulicos do aquífero, como forma de
ocorrência, distribuição do potencial hidráulico e produção de poços, tipos de aquíferos associados com as
características geológicas, através de mapas potenciométricos, mapas de produtividade aquífera, mapas de
zonas hidroquímicas, dentre outros.
O mapa hidrogeológico (Figura 9) é aquele que descreve as características hidráulicas e, algumas
vezes, hidroquímicas dos diferentes aquíferos. Tal mapa é muito útil para entender as relações hidráulicas
entre unidades e sua distribuição espacial; as características hidráulicas dos aquíferos, como a vazão média
por poço; a transmissividade e o armazenamento.
Um mapa igualmente muito útil é o potenciométrico (Figura 10) que é uma representação da distri-
buição das cargas hidráulicas em um aquífero, ou seja, a “topografia” dos níveis de água. Através desse mapa
é possível definir o sentido do fluxo das águas subterrâneas, os divisores de drenagem subterrânea, as relações
entre as águas subterrâneas e superficiais, bem como identificar onde a geologia apresenta menor ou maior
condutividade hidráulica ou espessura. Um mapa potenciométrico corresponde, portanto, a uma represen-
tação cartográfica com informações de cargas hidráulicas, suas linhas equipotenciais traçadas e indicações de
linhas de fluxo.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
98

Figura 9 - Exemplo de mapa hidrogeológico do Estado de São Paulo, mostrando as diferentes unidades aquíferas e suas
características mais importantes.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
99

Figura 10 - Exemplo de mapa potenciométrico de um aquífero livre, mostrando as linhas potenciométricas, os sentidos de
fluxo e a relação com corpos de água superficial.
Fonte: USEPA, 1989
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
100

5. APROVEITAMENTO HÍDRICO SUBTERRÂNEO


5.1 Poços tubulares e cacimbas
Os poços são a forma mais comum de obtenção de água subterrânea, a outra são as nascentes. Os
poços podem ser classificados em cacimbas ou escavados e tubulares. Um poço tubular é uma obra de capta-
ção de água subterrânea executada com uma máquina específica, mediante uma perfuração vertical. Já uma
cacimba tem grande diâmetro (tipicamente maior que 1,2 m) e é escavado manualmente.
O método construtivo de poços vai depender das características reológicas do material geológico, se
coeso, como rochas ígneas, metamórficas e algumas sedimentares; ou não coeso, como as rochas sedimenta-
res, sedimentos e solos. O método mais comum, no primeiro caso, é o rotopneumático, e o mais raramente
e em desuso, o percussivo. Já no segundo caso, o método rotativo com circulação de lama é o mais adequado
(Tabela 2).

Tabela 2 - Métodos de perfuração de poços tubulares e suas características.

Rotativa
Método de
Percussão Rotopneumática
Perfuração Circulação direta de Circulação indireta
lama de lama
Rochas duras,
sedimentos
Rochas duras e Rochas duras ou
Material geológico consolidados e Sedimentos diversos
sedimentos diversos sedimentos coesos
sedimentos suaves
(eventualmente)
Profundidade média Centenas de metros Milhares de metros Centenas de metros Centenas de metros

De 4”-14” Até 40” (<1000 mm)


Diâmetros médios Até 26” (<660 mm) Até 12” (<305 mm)
(100-300mm) normalmente até 24”
Velocidade da
Lenta Rápida Rápida Muito Rápida
perfuração
Capacitação Pessoal Média-alta Muito alta Alta Alta
Nível de
Moderadamente
complexidade Complexo Complexo Altamente Complexo
complexo
técnica
Custo da perfuração Médio Muito alto Moderadamente alto Muito alto

5.2 Perfil construtivo de um poço tubular

Poços tubulares são obras de engenharia e como tais precisam, para a sua execução, de um responsá-
vel técnico, geólogo ou engenheiro. O poço tubular tem várias partes (Figura 11) para garantir que a água seja
extraída do aquífero de forma a não contaminá-lo e que a extração seja a mais eficiente possível. Isso particu-
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
101

larmente é importante, pois o gasto de energia em extrair a água é o item que mais encarece a produção de
água de um aquífero. A extração de água se faz geralmente por uma bomba elétrica submersa, embora haja
outros sistemas, como as bombas de eixo prolongado, os sistemas de compressor (ou air lift), etc.
É importante que os poços tenham, para a sua proteção contra problemas mais comuns de conta-
minação (micro-organismos patogênicos), uma laje de proteção, cimentação sanitária (até preferencialmente
15m, com 3 polegadas de espaço anular) e tubo de proteção sanitária (Figura 11). Há normas da ABNT (NBR
12.212 – Projeto de poço tubular para captação de água subterrânea e NBR 12.244 – Construção de poço tu-
bular para captação de água subterrânea) que auxiliam na boa construção de poços. Embora isso não previna
a contaminação do aquífero, um poço construído corretamente evita que poluentes superficiais adentrem no
aquífero, utilizando-os como um caminho preferencial.
Da mesma forma, poços abandonados também podem servir de conduto preferencial a contaminação
da superfície ou de porções superficiais do aquífero para o seu interior. Assim, tanto como a construção do
poço, o seu abandono também deve ser feito com critérios técnicos adequados.
Poços tubulares ou mesmo cacimbas exigem manutenção periódica. Neste momento, uma avaliação
da eficiência do poço e do próprio aquífero deve ser feita por um técnico a fim de identificar problemas. Uma
excelente publicação que deve ser consultada é o de Rocha & Jorba (2007).
A maior ou menor produção de um poço depende de suas características de construção e das pro-
priedades hidráulicas do aquífero. No primeiro grupo, citam-se: um bom projeto; uma boa construção, com
uso de material adequado, sobretudo lama de perfuração sintética e uma boa seleção de filtros e pré-filtros,
quando for o caso; uma perfilagem geofísica, quando essa exigir. No segundo grupo, estão associados a uma
boa locação do poço e as características hidrogeológicas do meio, particularmente a espessura saturada do
aquífero e sua condutividade hidráulica, no caso de meios de porosidade primária, e encontrar boas fraturas,
no caso dos aquíferos de porosidade secundária.
A avaliação da produção de um poço deve ser feita através de um teste de bombeamento, onde os
níveis de água (nível dinâmico) do poço bombeado e também de poços de observação no entorno são regis-
trados ao longo do tempo. Há basicamente dois tipos de testes:
a) de vazão máxima, onde uma vazão fixa é extraída continuamente de um poço por um período superior a
24 horas, mas que em aquíferos livres pode ser superior a 48 horas. Este teste serve para avaliar as carac-
terísticas do aquífero, como a definição de transmissividade (T) e coeficiente de armazenamento (S);

T: transmissividade (L2/T)
K: condutividade hidráulica (L/T)
b: espessura saturada do aquífero (L)
S: armazenamento (adimensional)
V: volume total de água extraído do aquífero (L3)
A: área do aquífero sob regime de bombeamento (L2)
∆h: redução na carga hidráulica (L)

b) escalonado, quando o poço é submetido a vários regimes de bombeamento. Cada etapa geralmente tem
duração de 2 a 6 horas. O objetivo desse teste é o de estabelecer o regime de extração mais adequado às
características do aquífero e do perfil construtivo do poço. Neste caso, se busca a eficiência da extração de
água do poço.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
102

Figura 11 - Construção de poços tubulares profundos em aquífero sedimentar e fraturado.

6 MANEJO DOS RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS

6.1 Disponibilidade e vazão segura


Quanto de água pode ser extraída de um aquífero? E de um poço? Por qual período de tempo? A
resposta a estas perguntas é complexa e exige avaliar o aquífero e a própria extração em vários aspectos.
Obviamente, a vazão extraída de um poço ou de vários poços em um aquífero deverá ser feita de forma pla-
nejada a não comprometê-lo em sua sustentabilidade e em sua qualidade. Essa vazão sustentável é chamada
também de vazão segura (safe yield).
Sabe-se, porém, que toda extração de água de um poço causa algum rebaixamento no aquífero, mas
esse rebaixamento pode ser considerado um problema quando essas reduções de níveis superam limites acei-
táveis, causando prejuízos ao aquífero, ao ambiente ou à economia.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
103

Em oposição à vazão segura há o termo superexplotação22. Este pode ser caracterizado como a ex-
tração não sustentável e que causa pelo menos um dos seguintes problemas: a) exaustão do aquífero, ou seja,
o aquífero terá níveis tão baixos que será impossível tecnicamente extrair água de forma convencional; b)
redução ecologicamente insustentável dos fluxos de base dos corpos de água superficial, como rios, áreas
alagadas e lagos, com problemas ou não a sua vida aquática e de fito-freáticas; c) subsidência do terreno, ou
seja, o afundamento devido a problemas de acomodamento do solo (compactação) ou falta de sustentação em
terrenos cársticos; d) indução de intrusão salina, devido a indução de águas não potáveis do mar ou de outros
aquíferos contaminados, pelo bombeamento de poços; e) aumento insustentável dos custos de explotação do
aquífero, pelo aprofundamento dos níveis de água e/ou necessidade de aprofundamento do poço e troca de
equipamentos de bombeamento devido a fortes interferências hidráulicas (Figura 12); e f) falta de equidade
social, causada quando um grande usuário reduz os níveis do aquífero além da profundidade dos poços de
pequenos usuários.
Interferências hidráulicas entre poços vizinhos podem aprofundar os níveis de água, tornando a
explotação proibitiva. Finalmente, é necessário, além de conhecer todos os poços perfurados por meio da
outorga do poço, reconhecer usos prioritários do recurso e avaliar aspectos de equidade social também na
composição da vazão segura ou sustentável para um aquífero.

Figura 12 - Interferência hidráulica causada pelo bombeamento de um poço em outros poços na região.
(Foster et al 2010).

2 Explotação: quer se distinguir exploração de explotação. Assim como na exploração mineral, o primeiro termo é relacionado ao ato de
buscar um aquífero, para se reconhecer e identificar a sua potencialidade. Já o segundo termo, refere-se à extração ao seu uso econômico.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
104

Para se chegar à vazão sustentável é necessário entender as funções do aquífero, a relação deste com
o ciclo hidrológico e quem são os usuários do recurso hídrico. Em um aquífero livre, essa vazão não deveria
superar a recarga e o mínimo de fluxo de base para a manutenção das funções dos corpos de água superficiais
na época de estiagem. Este fluxo de base pode ter como referência a vazão Q7,103, mas poderia ser uma fração
desta em alguns casos.
Já no caso de intrusão salina em áreas costeiras, haveria a necessidade de se estabelecer com mais
cautela essas vazões de extração, pois essa intrusão ocorre em resposta ao aumento da extração de água no
aquífero (Figura 13). Entretanto, mesmo que tais preceitos sejam cumpridos, pode haver problemas de su-
perexplotação. É necessário, então, estabelecer o preço da água subterrânea extraída (custo de extração e
amortização dos investimentos) e compará-la ao custo de outras fontes de água.

Figura 13 - A intrusão salina ocorre quando há um desequilíbrio entre as águas do mar e a descarga das águas subterrâneas doces.

Quando a avaliação envolve toda uma bacia hidrográfica e as outras componentes do ciclo hidroló-
gico são consideradas para o abastecimento, é importante analisar as vazões totais disponíveis, incluindo as
águas de rios, lagos e do próprio aquífero. É um erro muito comum que os órgãos gestores do recurso acabem
autorizando a extração de água de aquíferos e de rios de forma independente, o que resulta muitas vezes em
contar com a água duas vezes, quando na verdade deve se considerar que é apenas um recurso.
3 Q7,10 é a vazão mínima de um rio que se mantém durante 7 dias seguidos, com recorrência de 10 anos.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
105

No caso de aquíferos confinados, em que a água tenha idades de circulação maiores que 20 mil anos,
não é possível estabelecer uma vazão segura a partir da recarga, pois a reposição é muito demorada. Assim,
no caso de águas fósseis, não se pode estabelecer uma vazão sustentável, mas ao menos planejada. Nesse caso,
deve-se calcular o total de água passível de explotação, estabelecer um regime planejado e otimizado de ex-
trações e monitorar continuamente as perdas de níveis do aquífero, calculando periodicamente a resposta do
meio às extrações, a fim de reduzir os impactos negativos da exaustão do aquífero. Neste tipo de regime de
extração há uma verdadeira mineração do aquífero. O melhor exemplo deste caso de explotação no Estado
de São Paulo é aquele associado à porção fortemente confinada do Sistema Aquífero Guarani.
Muito embora haja problemas de superexplotação em algumas localidades no Brasil, incluindo Ribei-
rão Preto e Recife, as águas subterrâneas são ainda pouco utilizadas frente ao seu grande potencial. Os recur-
sos hídricos subterrâneos são, portanto, uma opção para o aumento da segurança hídrica no abastecimento
público e de serviços, das indústrias e da agricultura.
O uso integrado das águas superficiais e subterrâneas permitirá tirar proveito das características
complementares do recurso nestes dois meios. Assim, enquanto os rios fornecem uma grande quantidade
instantânea de água, os aquíferos a armazenam (Tabela 3), desta forma, na época de estiagem o empreendi-
mento poderá ser abastecido pelo recurso subterrâneo e, na época de chuvas, com águas superficiais, sendo
que seu excesso recarrega o aquífero.

Tabela 3 - Comparação entre água superficial e subterrânea.

Água superficial Água subterrânea


Movimento Rápido Lento
É possível vê-la em seu estado Não é possível vê-la em seu
Visão
original estado original
Conhecimento da população Maior Menor
Variações sazonais Maior Menor
Quantidade de água armazenada Menor Maior

Quantidade de água disponível


Maior Menor
instantaneamente

Quantidade de sais minerais Menor Maior


Custo de explotação para pequenas e médias Menor
Maior
demandas
Exigência de tratamento da água para
Sim Não
distribuição
Vulnerabilidade à contaminação Maior Menor

Facilidade de remediação Maior Menor

Recarga Rápida Lenta

Vazão de explotação Maior Menor


Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
106

6.2 Vulnerabilidade e o perigo de contaminação


de aquíferos e poços
Assim como a água que infiltra no subsolo, o contaminante que atinge o solo também penetra em
subsuperfície. O perfil de solo e a própria zona não saturada são eficientes na degradação de muitos con-
taminantes, sobretudo aquelas associadas à matéria orgânica e aos micro-organismos patogênicos. Muitos
metais, embora não sejam eliminados nessas zonas, são fortemente adsorvidos na matéria sólida e pouco se
movimentam em condições hidrogeoquímicas naturais, o mesmo ocorre para os solventes clorados na maté-
ria orgânica do solo. Entretanto, a depender do tipo de material geológico e das condições de confinamento
do aquífero, outras substâncias podem atingir a zona saturada do aquífero.
Diversas atividades antrópicas podem contaminar os aquíferos (Tabela 4). Há aquelas associadas à má
construção de poços; ao não adequado manejo da explotação, que induz água de baixa qualidade de outras
porções aquíferas; e às contaminações de origem natural. Embora essas contaminações sejam igualmente
importantes são as degradações de aquíferos, associadas ao manejo inadequado de efluentes líquidos e de
resíduos sólidos ou mesmo estocagem irregular de matéria prima ou produto final de uma atividade humana,
que mais preocupam os gestores ambientais.
Tabela 4 - Classificação dos problemas de qualidade das águas subterrâneas.

POTENCIAL FONTES DE CONTAMINAÇÃO PONTUAL FONTES DE CONTAMINAÇÃO DIFUSA


DE GERAR
CONTAMINANTE deposição mineração e
áreas lagoas de águas outras FONTE DE CONTAMINAÇÃO
NO SUBSOLO de resíduos exploração de
industriais residuais (urbanas) Saneamento In situ Práticas agrícolas
sólidos petróleo

indústria
culturas comerciais
tipo 3 ou
intensivas, geralmente
qualquer todos os resíduos
resíduo operações Cobertura da rede de monoculturas em solos
atividade industriais tipo 3,
industrial tipo em campos esgoto inferior a 25% bem drenados, em climas
que qualquer efluente
Elevado 3, resíduo de petróleo, e densidade popula- úmidos ou com baixa
manuseie (exceto esgoto
de origem mineração de cional superior a 100 eficiência de irrigação,
> 100kg/d residencial) se a
desconhecida metais pessoas/há pasto intensivo em
de produtos área > 5ha
campos intensamente
químicos
fertilizados
perigosos

postos de
chuva > 500 gasolina,
mm/a com algumas
esgoto residencial vias de
resíduos atividades de
se a área > 5ha, transporte
residenciais/ indústria mineração/
Moderado demais casos com tráfico intermediário entre elevado e reduzido
agroindustriais/ tipo 2 extração de
industriais tipo não relacionados regular de
materiais
1, ou todos os acima ou abaixo produtos
inertes
demais casos químicos
perigosos
chuva < 500 rotação das culturas,
águas residuais
mm/a com cobertura da rede de terras para pasto exten-
residenciais,
resíduos esgoto superior a 75% sivo, sistemas de cultivo
indústria mistas, urbanas,
Reduzido residenciais/ cemitérios e densidade popula- ecológico, plantações
agroindustriais/ tipo 1 agroindustriais e
cional inferior a 550 com alta eficiência de ir-
industriais de mineração de
pessoas/há rigação em regiões áridas
tipo 1 não metálicos
e semiáridas
* solos contaminados de indústrias abandonadas devem ter a mesma classificação que a da própria indústria
Indústrias Tipo 1: madeireiras, manufaturas de alimentos e bebidas, destilarias de álcool e açúcar,
processamento de materiais não metálicos.
Indústrias Tipo 2: fábricas de borracha, fábricas de papel e celulose, indústrias têxteis, fábricas de
fertilizantes, usinas elétricas, fábricas de detergente e sabão.
Indústrias Tipo 3: oficinas de engenharia, refinarias de gás/petróleo, fábricas de produtos químicos/
farmacêuticos/plásticos/pesticidas, curtumes, indústrias eletrônicas, processamento
de metal
Fonte: Foster et al 2002.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
107

Assim como a gestão da quantidade deve avaliar o quanto é possível extrair de água de um aquífero,
a gestão de qualidade está associada ao controle das atividades humanas que, pelo manejo ou disposição de
resíduos ou efluentes, acabam por contaminar os aquíferos. A filosofia que deve nortear o controle das ati-
vidades deve priorizar aquelas que necessitam maior atenção ambiental de outras, onde essa atenção pode
ser postergada. Garantir um controle de todas as atividades antrópicas no mesmo nível de exigência é pouco
lógico e financeiramente problemático.
É possível reconhecer, portanto, três situações relacionadas às atividades potencialmente contami-
nantes e ao planejamento de uso territorial, visando a gestão dos aquíferos (Figura 14):

Figura 14 - Avaliação e controle dos perigos de contaminação das águas subterrâneas.


Fonte: Foster et al 2002.

a) Contaminação do aquífero conhecida: neste caso um estudo prévio comprovou que há um ou mais casos
de contaminação. Assim, é importante estabelecer quais os impactos que estas atividades estão causando
no aquífero e principalmente nas fontes de abastecimento público de água, seguida de uma avaliação de
riscos ambientais e à saúde humana. Caso se prove a existência deste risco, uma das seguintes ações poderá
ser tomada: abandono dos poços afetados; remediação do aquífero ou o monitoramento continuado do
problema no aquífero. Em todos os casos é necessário que a fonte de contaminação cesse;
b) Áreas com atividades potencialmente contaminantes existentes: neste caso a presença de atividades an-
trópicas está causando perigo de degradação de um aquífero ou de uma fonte de captação de água. O
perigo de contaminação é entendido como a interação entre a vulnerabilidade natural de um aquífero à
poluição e a presença de uma atividade potencial de contaminação (Figura 15). A vulnerabilidade é uma
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
108

propriedade física do aquífero e se relaciona à maior ou menor suscetibilidade de um contaminante, ge-


rado pela atividade antrópica, ser degradado (geralmente até concentrações abaixo dos padrões máximos
permitidos de potabilidade) a depender das características litológicas (Foster & Hirata 1988). Embora haja
limitações no estabelecimento da vulnerabilidade de um aquífero é possível delimitá-la usando técnicas
de cartografia hidrogeológica (Foster & Hirata 1988, Foster et al 2002). Há vários métodos, mas os mais
empregados na América Latina são o DRASTIC (Aller et al 1987) e o GOD (Foster & Hirata 1988). Os
estudos para a comprovação da existência de contaminação deveriam ser dirigidos às áreas mais vulnerá-
veis ocupadas por atividades de maior potencial contaminador, ou seja, aquelas que apresentam maiores
perigos de degradação;

Figura 15 - Esquema conceitual de avaliação de perigo de contaminação dos recursos hídricos subterrâneos, a partir da
interação entre cargas contaminantes potenciais e vulnerabilidade de aquíferos à poluição.
Fonte: Foster & Hirata (1988).

c) Instalação de novas atividades potencialmente contaminantes: neste caso é necessária, previamente à ins-
talação da atividade, uma avaliação dos impactos possíveis, considerando o ambiente e particularmente as
águas subterrâneas. Cartografias de vulnerabilidade e a proximidade de poços de abastecimento público
poderiam ser utilizadas para auxiliar nestes estudos. O perigo de contaminar o aquífero ou um poço im-
portante poderia ser o critério para a não instalação da atividade ou de alteração do projeto de instalação
da atividade a fim de reduzir esse perigo.
Em todos os casos, devido às incertezas inerentes à complexidade geológica dos aquíferos, é sempre
recomendável o monitoramento das águas subterrâneas, a fim de garantir a manutenção de sua qualidade,
bem como permitir alterações em projetos e manejos a tempo de evitar problemas mais sérios. Esse procedi-
mento adaptativo, que permite ajustes das atividades à medida que haja mais informações da hidrogeologia
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
109

e da própria atividade potencialmente contaminante, dá mais flexibilidade ao manejo ambiental, necessário


para adequar as atividades à capacidade dos aquíferos.
O procedimento anterior não garante, por si, a proteção de poços de abastecimento público. Assim,
é necessário, de forma complementar, estabelecer perímetros de proteção de poços (PPP). Tal procedimento
baseia-se no controle da ocupação territorial dentro da área de recarga do aquífero, associada ao poço que se
quer proteger (Figura 16), ou seja, a área. A técnica de PPP é a mais utilizada em todo o mundo como forma
de proteção das águas subterrâneas.

Figura 16 - Perímetro de proteção de um poço de abastecimento público


Fonte: Foster & Hirata 1988.

Em conclusão, a proteção das águas subterrâneas deve cuidar integralmente dos aspectos de quali-
dade, através do entendimento das vulnerabilidades do aquífero à contaminação e do reconhecimento das
principais mananciais de água para abastecimento público que se deve proteger; e da quantidade, através da
caracterização das potencialidades aquíferas, incluindo a estimação de suas recargas e armazenamentos, e da
identificação das áreas de maior demanda presente ou futura. A experiência tem mostrado que um programa
de proteção para ser eficiente não pode prescindir da participação da sociedade, pois o gerenciamento de
milhares de poços não ocorre, se os maiores interessados na sua proteção, que são os usuários, não forem
realmente considerados nas ações de gestão.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLER, L.; BENNET, T.; LEHR, J.H. AND PETTY, R.J. DRASTIC: a standardized system for evaluating
groundwater pollution potencial using hydrogeological setting. U.S.EPA Report 600/2-85/018, 1987.
Capítulo 6
HIDROGEOLOGIA E OS
RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS
110

CETESB – COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL. Relatório de Qualidade


das Águas subterrâneas do Estado de São Paulo 2007-2009. São Paulo: Cetesb, 2010.
FETTER, C.W. Applied Hydrogeology (4th ed.), Prentice-Hall, Upper Saddle River, New Jersey, 2001. 598p.
FOSTER, S. S. D.; HIRATA, R. Groundwater pollution risk assessment: a methodology using available data.
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FREEZE, R. A. e CHERRY, J. A. Groundwater. New Jersey: Prentice – Hall. 1979. 604 p.
FREIRE, C.C., PEREIRA, J.S., KIRCHHEIN, R. A Importância da gestão dos recursos hídricos subterrâ-
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Gramado. CDROM
ROCHA, G. A. (Coord.) Mapa de águas subterrâneas do Estado de São Paulo - escala 1:1.000.000. São
Paulo: DAEE/ IG/ IPT/ CPRM, 2005. 119 p.
ROCHA, G. A.; JORBA, A.F. Manual de operação e manutenção de poços. São Paulo, DAEE, 3ª Ed., 2007. 95 p.
TUCCI, C.E.M.; CABRAL, J. 2003. Qualidade da Água Subterrânea. Centro de Gestão de Estudos Estraté-
gicos. 53 p.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

111

ÁGUAS SUPERFICIAIS

Capítulo 7
112
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

113

1. INTRODUÇÃO
Entende-se por escoamento superficial a quantidade total de água que aparece em uma determinada
seção de uma bacia hidrográfica. Esta quantidade pode ter origem no chamado escoamento superficial di-
reto, escoamento básico ou subsuperficial, termos que serão definidos adiante neste capítulo. O escoamento
superficial representa a resposta aos processos hidrológicos que ocorrem na bacia, e variam no espaço e no
tempo. Esta variação depende principalmente da distribuição espacial e das oscilações sazonais e intraanuais
da precipitação. A precipitação que cai sobre a terra pode se infiltrar no solo ou escoar sobre a superfície, pela
rede de canais naturais, até alcançar os canais maiores por onde fluem as maiores vazões. Quando a inten-
sidade da chuva excede a capacidade de infiltração do solo, a água é armazenada em pequenas depressões.
Quando a lâmina de água formada na superfície é suficiente para transpor os obtáculos, o escoamento se
inicia em direção a cotas mais baixas. Parte da água que infiltrou será retida nas camadas superiores do solo
por forças capilares e daí retornará à atmosfera pelos processos de evaporação e transpiração dos vegetais.
A parte restante percolará para camadas mais profundas do solo e poderá retornar lentamente à rede hi-
drográfica ou ficar armazenada dinamicamente em camadas mais profundas. A Figura 1 ilustra os processos
discutidos acima.

Figura 1 - Processos que influem no escoamento superficial.

Além da variabilidade das precipitações, outros fatores como topografia, solo, geologia vegetação,
uso do solo e a rede de drenagem natural influenciam os resultados dos processos hidrológicos. Estes fatores
variam de acordo com as características físicas da bacia e até mesmo dentro da mesma bacia (Sing, 1992),
conforme apresentado no capítulo sobre bacia hidrográfica. Diferentes combinações desses fatores resultam
em diferentes respostas da bacia ao escoamento superficial.
Conhecer a possibilidade de ocorrência no tempo e no espaço do escoamento da água em uma bacia
hidrográfica é importante para a solução de problemas relacionados às múltiplas demandas sociais e econô-
micas, ao dimensionamento de estruturas hidráulicas, às medidas contingenciais para controle de inunda-
ções, a operação de reservatórios e ao gerenciamento dos sistemas de recursos hídricos, de uma forma geral.
Neste capítulo serão apresentadas as características do escoamento superficial, metodologias de de-
terminação e a descrição quantitativa de sua ocorrência.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

114

2. FONTES E RIOS
A parcela da água que não infiltra no solo e que não fica retida na vegetação e em superfícies imper-
meáveis escoa pela superfície do solo, aflui aos rios e destes para o mar. A água que escoa superficialmente e
aquela que percola pelas camadas subterrâneas concentram-se como água doce em lagos e rios. Entretanto
nem toda esta água flui para os rios. Parte dela infiltra-se nas profundezas do solo e abastece os aquíferos
(rocha saturada da subsuperfície), que armazena enormes quantidades de água doce por longos períodos de
tempo. Muito mais água é armazenada nos oceanos, na neve e nas geleiras, por longos períodos de tempo.
Estes armazenamentos de água alimentam o escoamento superficial em períodos climáticos diferenciados.
Em regiões de clima quente a água evaporada dos oceanos se precipita nos continentes e origina o escoa-
mento superficial. Em regiões de clima frio o escoamento nos rios vem do derretimento da neve e do gelo.
Alguma infiltração permanece próxima à superfície da terra e pode voltar para corpos de água su-
perfíciais (e do oceano) como descarga da água do lençol subterrâneo que emerge como fontes de água doce.
Segundo o United States Geological Survey (USGS, 2012) as fontes se formam em qualquer tipo de rocha,
mas são mais comumente encontradas em pedra calcária ou dolomita que se racham e se dissolvem formando
espaços por onde a água flui. Se o escoamento for horizontal, ele pode atingir a superfície do solo resultando
em uma fonte de água doce.
Em regiões onde há atividade vulcânica recente a água é aquecida pelo contato com as rochas quentes
abaixo da superfície. Estas fontes são chamadas de termais. As rochas se tornam quentes com o aumento da
profundidade e se a água profunda atingir uma rachadura que ofereça uma passagem para a superfície da
terra, a mesma poderá produzir uma fonte termal. As fontes mornas ocorrem ao redor do mundo e podem
mesmo coexistir com icebergs (USGS, 2012). No Brasil podem ser encontradas fontes termais nos estados de
Santa Catarina (Piratuba, Gravatal, Santo Amaro da Imperatriz, Itá, Águas Mornas e Treze Tílias), Goiás (Rio
Quente, Caldas Novas), Rio Grande do Sul (Marcelino Ramos e Nova Prata), Rio Grande do Norte (Mossoró),
Paraná (Iretama e Foz do Iguaçu), Minas Gerais (Araxá, Conceição das Alagoas) e São Paulo (Olímpia, Águas
de Lindóia e Águas de São Pedro).

3. CARACTERÍSTICA DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL


A água que escoa sobre a superfície do solo para os canais de drenagem natural é chamada de escoa-
mento superficial (Figura 2a). Este escoamento é o principal responsável pela rápida ascenção do hidrograma
e pela vazão de pico dado um evento de chuva. Uma parte da precipitação infiltra no solo e se move lateral-
mente pode retornar a superfície antes de alcançar o aquífero. Este escoamento é chamado de subsuperficial
e pode ocorrer em condições que favoreçam a infiltração da água no solo (Figura 2b). O escoamento subsu-
perficial está sujeito a maiores resistências do que o escoamento superficial por isso é mais lento, podendo
persistir por mais tempo depois que o escoamento superficial tenha passado. Parte da água que infiltra no
solo alcança o aquífero e pode se mover lateralmente até os canais de drenagem. Este escoamento é chamado
de básico e apresenta um fluxo muito mais lento do que o superficial e por isso não afeta o pico da vazão
originada de um evento de chuva (Figura 2c).
A soma do escoamento superficial e do subsuperficial resulta no escoamento superficial direto. Como
estes dois componentes se movem mais rápido do que o escoamento básico eles normalmente são considera-
dos conjuntamente.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

115

Figura 2 - Componentes do escoamento.

A Figura 3 apresenta os escoamentos típicos que ocorrem numa bacia dado uma chuva. A parcela
da precipitação igual ao volume do escoamento superficial direto é chamada de chuva excedente. Os pontos
indicados marcam condições específicas do escoamento. O ponto A marca o início do escoamento superficial.
O ponto B marca uma mudança de inflexão do escoamento superficial após o ponto de vazão máxima na
fase de recessão e representa o início do escoamento subsuperficial. O ponto C marca o fim do escoamento
superficial direto.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

116

Figura 3 - Chuva e hidrograma dos escoamentos representativos na bacia.

Os rios são classificados de acordo com a influência do escoamento básico sobre a vazão ou a localiza-
ção do nível do aquífero para todo o comprimento ou em qualquer trecho do rio (Singh, 1992). Rios perenes
são os que apresentam escoamento durante todo o ano, exceto durante secas extremamente severas. Na esta-
ção seca, o escoamento dos rios perenes é mantido pelo escoamento básico. O fundo do canal está abaixo do
nível do aquífero e a água escoa para o rio. No estado de São Paulo prevalecem os rios perenes e nem mesmo
durante secas severas o escoamento chega a ser interrompido. Apenas pequenos córregos e fontes, situados
em regiões de geologia desfavorável, chegam a secar durante estiagens prolongadas.
Rios intermitentes são os que apresentam o leito do canal posicionado ora abaixo ora acima do nível
do aquífero. Quando o nível do aquífero está abaixo do leito do rio, o canal está seco. Caso contrário, há es-
coamento de água. O nível do aquífero sobe e desce em resposta à recarga ocasionada pela precipitação. Rios
efêmeros são os que apresentam escoamento somente durante a estação chuvosa. O leito desses rios está sem-
pre acima do nível do aquífero e por esta razão a água do canal infiltra quando há escoamento alimentando
o escoamento básico. Rios muito extensos podem mudar de perene para intermitente e deste para efêmero
ao longo do seu curso. Rios efêmeros e intermitentes são comuns no sertão nordestino e suas ocorrências se
devem principalmente ao regime de chuvas, às altas taxas de evaporação e subsolos cristalinos, que não são
favoráveis ao armazenamento e escoamento de grandes quantidades de água.
A forma e as características do escoamento podem ser representadas ao longo do tempo conforme
ilustrado na Figura 4. Em jargão técnico este gráfico se chama hidrograma. O tempo de pico é o decorrido
desde o início da ascensão até o pico do hidrograma (ponto P). Este valor é determinado pelas características
físicas da bacia, da chuva e de uso e ocupação do solo. O tempo de base corresponde à duração do escoa-
mento. O tempo de atraso, ou retardamento, pode ser representado pelo tempo decorrido entre o centro de
massa da chuva e o pico do escoamento.
A chuva excedente uniformemente distribuída em toda a bacia produz um escoamento que se con-
centra na saída da bacia, também chamado de exutório. Após esta chuva, o tempo necessário para que toda a
bacia passe a contribuir na seção de saída da bacia é chamado de tempo de concentração. É sempre preferível
utilizar o método cinemático para os trechos canalizados da bacia porque as velocidades do escoamento de-
pendem das características dos diversos trechos por onde a água escoa.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

117

Figura 4 - Tempos de resposta do hidrograma do escoamento superficial direto.

A estimativa do tempo de concentração pelo método cinemático pode ser feita somando-se os tem-
pos dos escoamentos superficiais (tes) em terrenos de pastagens, agricultura, ruas, canais, valas, galerias, etc.,
conforme a equação 1. Os tempos de escoamento superficial são obtidos pela relação entre o comprimento e a
velocidade conforme a equação 2. A velocidade pode ser determinada pela equação de Manning (equação 3).

em que tes é o tempo do escoamento superficial (s), L é o comprimento considerado (m), V é a velocidade
da água (m/s), tc é o tempo de concentração (s), R é o raio hidráulico (m) definido pela relação entre a área
da seção transversal ao escoamento (A – m2) e o perímetro molhado (P – m), S é a declividade (m/m) e n é o
coeficiente de rugosidade de Manning (valores típicos são apresentados na Tabela 1).
Como é difícil obter os dados para este método, normalmente são utilizadas equações empíricas que
costumam apresentar resultados discrepantes entre si, porque foram determinadas em diferentes condições.
Devem ser preferidas aquelas que foram especificamente determinadas para o caso em estudo e sobre as quais
existam algumas experiências. Na Tabela 2 é apresentada duas equações para determinar tempos de concen-
tração para bacias agrícolas e urbanas. O volume do escoamento superficial direto é dado pelo produto da área
de drenagem e a altura de chuva excedente nas mesmas unidades, ou pela área sob a curva APC da Figura 4.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

118

Tabela 1 - Coeficientes de rugosidade de Manning para várias superfícies e condições de escoamentos.


Uso do solo/ Condição do escoamento n de Manning

Planície de inundação
Pastagem 0,035
Campos de cultivo agrícola 0,040
Campo com arbustos e ervas daninhas 0,050
Campo com arbustos densos 0,070
Campo com árvores densas 0,100
Canal natural
Limpo com curso retilíneo 0,030
Limpo e sinuoso 0,040
Sinuoso e com ervas daninhas e empoçamentos 0,050
Arbustos e árvores pesadas 0,100
Canal revestido
Concreto 0,012
Fundo de cascalho lados de concreto 0,020
Fundo de cascalho com lados de argamassa 0,023
Fundo de cascalho com lados de pedra bruta 0,033
Fonte: Chow et al. (1988).

Tabela 2 - Equações para estimativa do tempo de concentração.

Autor Equação Unidades Aplicação

tc (horas), L(km), Pequenas bacias agrícolas


Kirpich (1940)
S(m/m) com área até 80 ha

Bacias urbanas de com


tc (min, L (km), Ai
Germano et al. (1998) área de drenagem de 1,86
(km2)
a 106,7 km2
L – comprimento do rio, S – declividade do rio, Ai – área impermeável na bacia

4. FATORES QUE AFETAM O ESCOAMENTO


Alguns fatores influenciam o escoamento na bacia: a) as características físicas da bacia, b) as caracte-
rísticas da chuva, e c) o uso e ocupação do solo.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

119

4.1 Características físicas da bacia

A área de drenagem (A) é altamente relacionada ao escoamento (Q). A equação representa esta rela-
ção, em que x e y são parâmetros. A magnitude de x depende da chuva e de outros parâmetros da bacia, e y
varia com a vazão. Q pode ser representada pela vazão média, máxima ou mínima anual. Para vazões médias
y ≅ 1, para vazões elevadas y < 1 e para vazões baixas y > 1. Em bacias grandes o escoamento demora a alcan-
çar o exutório, o pico da vazão é menor e fluxo é mantido durante um maior período.

Q= xAy 4

A forma da bacia afeta o pico do escoamento. Bacias alongadas apresentam escoamento com menores
picos e maiores durações do que bacias compactas de mesma área. A Figura 5a mostra o comportamento do
escoamento para uma bacia alongada, a Figura 5b para uma bacia compacta e a Figura 5c para uma bacia
parcialmente alongada e parcialmente compacta. A Tabela 3 apresenta alguns parâmetros de análise das
características físicas de uma bacia hidrográfica. Quanto maior o coeficiente de compacidade mais irregular
é a bacia e menor a tendência de enchentes. Quanto mais alongada a bacia, menor será o fator de forma e
menor a tendência de enchentes. As declividades da bacia e dos rios afetam a velocidade do escoamento e o
potencial erosivo. Quanto maior a declividade mais antecipado será o pico do hidrograma. Quanto maior a
densidade de drenagem, mais rápido será o escoamento na bacia.

Mais detalhes sobre as características físicas da bacia hidrográfica são apresentados no capítulo sobre
bacia hidrográfica.

Figura 5 - Efeito da forma da bacia no hidrograma do escoamento superficial.


Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

120

Tabela 3 - Características físicas da bacia hidrográfica.

Parâmetro Definição Equação Valor

Fator de forma (Horton,


<1
1932)

Coeficiente de compacida-
≥1
de (Strahler, 1964)

Densidade de drenagem

Declividade equivalente
do rio (Laurenson, 1962)

Declividade da bacia

Lr – comprimentos dos rios (m), A – área da bacia (km2), P – perímetro da bacia (km), Li – comprimento do trecho do rio (m),
Si – declividade do trecho do rio.

4.2 Características da chuva


O efeito da distribuição da chuva na bacia afeta o escoamento. Uma chuva que cai sobre a extremi-
dade de jusante da bacia terá um maior pico de vazão com uma acentuada subida do hidrograma do que a
mesma chuva que cai sobre a extremidade montante da bacia. Na última situação o mesmo volume escoado
terá de percorrer toda a área de drenagem da bacia até chegar à saída. Além da distribuição, a altura, a in-
tensidade, a duração e a distribuição temporal são características importantes para a forma do hidrograma
do escoamento superficial.

4.3 Uso e ocupação do solo

Mudanças no uso do solo, com exceção de reservatórios e derivações, geralmente aumentam a quan-
tidade do escoamento em uma bacia. Urbanização, desflorestamento, agricultura, construção de estradas,
retificação de rios e outras intervenções realizadas na bacia aumentam o escoamento. Os impactos princi-
pais, devido à urbanização, são o aumento do pico da vazão de cheia, a antecipação no tempo desta vazão
máxima e o aumento do volume do escoamento superficial. A título ilustrativo é apresentado um exemplo
apresentado em Vendrame e Lopes (2005). Os autores mostraram os efeitos da urbanização na bacia do Rio
Pararangaba, afluente do Rio Paraíba do Sul, no município de São José dos Campos, SP. A bacia possui área
de 75,64 Km2, correspondendo a 6,8% da área total da cidade. Os resultados da análise estão apresentados na
Tabela 4. As condições C1, C2 e C3 ilustram um processo de impermeabilização do solo bastante significativo,
onde o tempo de concentração é reduzido mais que a metade. Observa-se um aumento considerável da vazão
máxima para qualquer período de retorno simulado. O hidrograma apresentado mostra que a vazão de pico
é incrementada e antecipada de acordo com a intensidade da urbanização.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

121

Tabela 4 - Parâmetros indicativos da característica do escoamento e hidrograma gerado para período de retorno de 10 anos,
para diferentes cenários de urbanização.

Parâmetro C1 C2 C3

Tc (horas) 15,23 6,27 5,07


Ai (km2) 0,76 18,63 41,14
Taxa imp (%) - 25,91 56,54
Qm (m3/s) Tr = 10 anos 100,6 129,9 181,7
Qm (m3/s) Tr = 25 anos 143,0 175,0 230,9
Qm (m3/s) Tr = 50 anos 178,2 212,9 270,4

Cenários: C1 – Pré-urbanização, C2 – Urbanização atual, C3 – urbanização futura, Tc - Tempo de concentração, Ai - área imper-
meável, Taxa imp. – taxa de impermeabilização, Qm – vazão máxima, Tr – período de retorno

5. MEDIÇÃO DA VAZÃO
São vários os métodos utilizados para a obtenção da vazão em uma seção de rio. A escolha do méto-
do a ser empregado depende das condições do escoamento, dos equipamentos e materiais disponíveis e das
condições operacionais para a medição.

5.1 Medição com estruturas hidráulicas


Este método usa o nível da superfície da água que passa por uma seção de controle de uma estrutura
hidráulica para determinar a vazão. As equações utilizadas são obtidas para cada tipo de estrutura. A Tabela
5 apresenta algumas equações para algumas estruturas hidráulicas que poderão ser construídas em pequenos
rios ou podem aproveitar estruturas construídas para outros propósitos.

Tabela 5 - Estruturas e equações para cálculo de vazão

Estrutura Equação Parâmetros

Vertedor Retangular Cd (0,58 a 0,7); L


(soleira delgada) (m); H (m)

Vertedor Triangular Cd (0,6 a 0,69); θ


(soleira delgada) (grau); H (m)

Calha Parshall w (m); y (m)

Cd – coeficiente de descarga, L – largura do vertedor, H – altura da lâmina d’água sobre a crista do vertedor, θ - ângulo do vertice
do vertedor, w – largura da seção contraída, y – altura d’água (carga) na seção de montante
Fonte: Mays, 2001.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

122

5.2 Método área-declividade


Neste método a vazão é calculada por meio da equação de canais abertos conhecendo-se a inclinação
da lâmina d’água em um dado comprimento do rio, a área e o perímetro da seção transversal ao fluxo, e a
rugosidade do trecho considerado. A equação de Manning pode ser utilizada (equação 5) em que n é o coe-
ficiente de rugosidade, A é a área da seção (m2), R é o raio hidráulico (A/P) sendo P o perímetro molhado da
seção (m), S é a declividade da linha d’água entre dois pontos (m/m) e Q é a vazão (m3/s).

5
Este método pode ser usado para estimar vazões elevadas quando o rio extravasa o leito normal do
rio. Nestas condições pode-se tomar por referência marcas deixadas pelas enchentes no curso do rio para
estimar a declividade da água e os demais parâmetros da equação. O n pode variar de 0,02 a 0,1 para canal
natural, dependendo da rugosidade do canal e a profundidade da lâmina d’água. Quanto maior a distância
entre as duas seções mais precisa é a estimativa da vazão. Patra (2001) recomenda que a distância seja 100
vezes a profundidade da inundação. Que a diferença de nível seja de no mínimo 20 cm e que devem se usar
valores médios dos parâmetros da equação 5.

5.3 Método área-velocidade


Este método requer a medida da velocidade da água e a correspondente área da seção transversal
do rio. A velocidade pode ser medida por meio de correntômetro ou molinete, flutuadores e ou pelo método
ultrassônico. A distribuição da velocidade na seção varia com a profundidade e com a proximidade do leito
do canal. O perfil vertical da velocidade da água na seção representado na figura 6 sugere que a mesma deva
ser medida em várias verticais da seção e também em diferentes profundidades para conseguir uma boa es-
timativa da velocidade média (Vm). O instrumento usado para esta finalidade é o correntômetro ou molinete
hidráulico composto de corpo, hélices e haste (Figura 7).
A velocidade do fluxo movimenta as hélices estabelecendo uma rotação cuja medida é registrada por
um contador de giro ligado ao corpo por meio de um cabo. Todo o conjunto é preso por uma haste de susten-
tação. O número de rotações registrado em cada profundidade é transformada em velocidade pela equação
do molinete (V = a + bN) em que N é o número de rotações por segundo, V é a velocidade (m/s) e a e b são
constantes obtidas para cada modelo de molinete por meio de calibração. Segundo Patra (2001) quando Vm
= V.6h o erro associado é de ± 5% e quando Vm = 0,5 (V.2h + V.8h) o erro cai para ± 2%. O cálculo com duas

Figura 6 - Distribuição da velocidade em uma seção do rio. Figura 7 - Molinete hidráulico com corpo, hélices e haste.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

123

profundidades requer uma lâmina d’água maior que 0,6 m. Os principais requisitos a serem observados na
medição com molinete são: o número de verticais adequado, evitar correntes inclinadas, rapidez na medição
para evitar variação do nível d’água, evitar vibração e inclinação do molinete na hora da medição.
O método do flutuador consiste em determinar a velocidade de deslocamento de um objeto flutu-
ante medindo o tempo necessário para que o mesmo se desloque em um comprimento conhecido do rio.
Este método é muito utilizado devido a sua simplicidade e baixo custo, uma vez que dispensa a aquisição de
equipamentos sofisticados. A velocidade média da seção é obtida com cinco medidas da velocidade superficial
multiplicado por um fator de correção podendo variar de 0,55 para cotas mais altas e 0,8 para cotas mais bai-
xas (Lobo, 2002). Para aplicação deste método deve-se escolher um local do rio com trecho retilíneo, margens
paralelas, declividade do leito relativamente constante e profundidade uniforme no sentido longitudinal. Os
flutuadores podem ser de madeira, metálico ou de plástico, e de vários formatos (superficiais, lastreados e de
bastão), mas devem apresentar estabilidade e boa visibilidade.
A determinação da velocidade da água com flutuador não é recomendada quando o objetivo é a precisão.
Mauro et al. (2004) obtiveram um erro de 14,8% na vazão quando a velocidade da água foi medida com flutuador
para uma vazão típica de 0,028 m3/s. Almeida Júnior et al. (2010) constataram boa correlação (R2 = 78%) entre as
velocidades obtidas com flutuador e com molinete na faixa entre 0,13 a 0,35 m/s em rios da região noroeste de São
Paulo. Para velocidades compreendidas no intervalo de 0,35 e 0,72 m/s a correlação foi ruim (R2 = 0,32).
Outro método de medição da velocidade do escoamento é com o correntômetro acústico de efeito
Doppler (Acoustic Doppler Current Profiler – ADCP) que determina a velocidade do fluxo em perfis verticais.
O aparelho emite uma frequência de onda sonora (600 kHz) a uma velocidade de 1400 a 1570 m/s que ao ser
refletida por partículas em suspensão na água e do leito do rio sofre alteração em seu comprimento de onda
(modificando a frequência). O sinal de retorno é usado para estimar o deslocamento relativo das partículas
em suspensão e leito do rio em relação à fonte. Como a velocidade das partículas em suspensão é a mesma
do fluxo do rio, obtém-se a velocidade do fluxo (RDI, 2001). O equipamento se desloca na seção transversal
do rio e registra automaticamente as velocidades, as áreas das células da seção transversal ao fluxo da água e
a vazão do rio. Carvalho (2008) comprovou a eficiência e precisão deste método no rio Araguaia, em Goiás.
Dividindo-se a seção transversal do rio em subseções e determinando-se a velocidade média em cada
uma delas pode-se determinar a vazão pela equação 6, em que Vi é a velocidade média e Ai é a área da sub-
seção i (i = 1,..., n).

Figura 8 - Velocidades e área das subseções transversais ao deslocamento da água.


Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

124

5.4 Método químico ou da diluição


Este método utiliza um traçador (sal, corante ou material radioativo) de concentração C1 colocado
a uma vazão constante q1 na seção transversal de montante. Numa seção localizada a jusante é colocado um
par de eletrodos para medir a concentração C2, a salinidade da água se o traçador utilizado for sal, ou é co-
letada amostra para análise da concentração do traçador. O traçador não deve reagir com a água, paredes do
canal e com a vegetação, e não deve evaporar. Admite-se que o regime do fluxo é permanente e seguindo o
princípio da conservação de massa, a concentração do traçador entre as duas seções é dada pela equação 7,
em que Co é a concentração inicial do traçador antes da injeção de C1 e Q é a vazão inicial do rio. Isolando
Q resulta na equação 8.

A mistura do traçador na água depende das dimensões geométricas da seção do rio, vazão e das con-
dições do fluxo. Para pequenas bacias de monatnha o comprimento do trecho pode ser de 1 km e para rios
largos de planície o comprimento deve ser de 100 km para garantir uma boa mistura do traçador.

6. RELAÇÃO ENTRE NÍVEL DA ÁGUA E VAZÃO


As medições diretas da vazão são trabalhosas e apresentam elevados custos operacionais. Para facilitar
a determinação da vazão geralmente é utilizada uma curva representativa da relação entre a vazão e o nível
da água. Esta relação é chamada de curva-chave. A vazão pode ser facilmente obtida realizando-se a leitura
do nível na régua para posteriormente calcular a vazão correspondente.
O nível refere-se a uma elevação da superfície da água, referenciado a um datum arbritário ou ao
nível médio do mar. O nível pode ser medido por uma régua limnimétrica instalada na seção do rio em vá-
rios lances para cobrir a elevação máxima da linha d’água na seção do rio. Os lances são sobrepostos a fim
de proporcionar leituras correspondentes à mesma referência de nível. O primeiro lance da régua deve ser
posicionado na seção de modo que seja capaz de medir o nível mínimo da água na estação seca. A régua pode
ser fixada a uma estaca de madeira ou metal, ou a alguma estrutura permanente (pilar de ponte, atracador,
estação elevatória, etc). O local onde está instalada a régua na seção do rio é chamado de posto fluviométrico
(Figura 9) cuja leitura dos dados é manual. A leitura do nível é feita por um observador com frequência defini-
da pelo órgão operador do posto, geralmente uma ou duas vezes ao dia. Em geral a precisão das observações
é centimétrica.
O nível pode ser medido continuamente por meio de algum dispositivo que registra mecânica ou ele-
tronicamente o nível. Os equipamentos mais comuns são os linígrafos de bolha, de boia e os sensores (pressão
ou ultrassônico). Os medidores que usam sensores ultrassom emite um pulso sonoro e recebe o retorno da
interface. O intervalo de tempo entre emissão e retorno é determinado e é associado ao nível da água, con-
forme ilustrado na Figura 10. Postos que realizam a medição contínua do nível são chamados de fluviográficos
e geralmente dispõem de instrumentos eletrônicos para armazenamento e transmissão remota dos dados.
Estes instrumentos são particularmente úteis para o registro de níveis durante cheias em que avisos de alerta
podem ser dados quando o nível da água atingir limites de extravasamento do canal.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

125

Figura 9 - Posto fluviométrico com réguas limnimétricas. Figura 10 - Medidor de nível com ultrassom.

A curva-chave é obtida relacionando o nível d’água (no eixo da ordenada) e a vazão (no eixo da
abscissa) resultando numa curva parabólica (Figura 11) que pode ser expressa pela equação 9. A curva-chave
representa o efeito da geometria da seção com os parâmetros hidráulicos do fluxo. Aplicando logaritmo a
equação 9 obtém-se a equação 10.

10

em que Q é a vazão (m3/s), H é o nível da água (m), Ho é um parâmetro que representa a leitura do nível para a
vazão zero, e a e b são constantes da curva-chave. H0 pode assumir valores positivos ou negativos, dependendo
da posição do zero da escala com relação ao fundo do rio.
As constantes a e b podem ser obtidas pelo método dos mínimos quadrados, mas Ho deve ser calculado
antecipadamente por tentativa e erro ou analiticamente. A partir da curva Q x H são selecionados três valores de
vazão de modo que Q1/Q2 = Q2/Q3. Os valores correspondentes do nível são H1, H2 e H3. Pela equação 9 obtêm-
se as equações 11 e 12. Um procedimento alternativo para determinar os parâmetros a, b e Ho é por otimização.
A ferramenta Solver do Excel poderá ser utilizada para este propósito.

11

12

Uma vez determinados os parâmetros da equação 9 os mesmos permanecerão razoavelmente cons-


tantes ao longo do tempo desde que as características geométricas da seção não variem. O acúmulo das
pequenas variações das características da seção ao longo dos anos faz com que a relação determinada seja
associada a um período de validade. Alterações na geometria da seção ou na declividade do rio geradas por
erosões ou assoreamento ao longo do tempo causam mudanças na velocidade do escoamento e nas relações
entre área, raio hidráulico e profundidade, afetando a relação Q x H.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

126

Em algumas seções é necessário estabelecer relações descontínuas entre a vazão e o nível para melhor
representar as alterações da forma da seção a partir de um determinado nível onde a seção é mais larga. As
curvas-chave apresentadas na Figura 11 foram plotadas para diferentes trechos em dois períodos para o posto
4D-009, no Rio Atibaia, município de Paulinia, SIGRH (2012).
O conjunto de pontos (Q, H) usados para determinação da curva-chave não contempla todos os níveis
possíveis e normalmente é necessário realizar a extrapolação de dados para vazões extremas.
A extrapolação das vazões mais altas ou mais baixas pode ser feita por alguns métodos (Patra, 2001
e Singh, 1992). Pode-se utilizar a equação 5 calculando-se o valor de AR2/3 para toda a seção transversal do
posto e plotando-se um gráfico N x AR2/3 com o melhor ajuste dos pontos. Assumindo-se que é constante
para todos os níveis e vazões, este valor é calculado pela equação 5 para o valor observado mais elevado da
vazão. Para determinar a vazão de cheia a ser extrapolada entra com o valor do nível correspondente à cheia
no gráfico (Figura 12). Como é conhecido, Q pode ser calculada pela equação 5.
Um posto de medição de nível deve ser instalado em local de fácil acesso, a seção do rio deve ser
estável (não erodível) e de forma regular, em trecho retilíneo e com declividade constante possibilitando que
o escoamento seja uniforme, com velocidades de fluxo entre 0,2 e 2 m/s.
Período 15/12/1983 a 22/08/1991
Trecho a b Ho
0.95≤H≤1.69 21 1.23 0.95
1.69<H≤1.88 36 1.28 1.2
1.88<H≤10 42 1.68 1.2
Período 23/08/1991 a 31/05/2000
Parâmetros
Trecho a b Ho
1.4≤H≤1.89 27.2 1.22 1.4
1.89<H≤10 42 1.68 1.43
Figura 11 - Curvas-chave do Rio Atibaia para diferentes períodos.

Figura 12 - Relação entre AR2/3 e o nível para extrapolação da curva-chave.


Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

127

7. PROBABILIDADE E PERÍODO DE RETORNO


Os eventos hidrológicos extremos associados às secas e às cheias são usualmente investigados pela
análise de dados observados. A análise de probabilidade é útil para saber a magnitude dos eventos extremos
de modo que suas chances de ocorrência no tempo podem ser preditas. Estas informações são importantes
para a gestão e o planejamento de recursos hídricos.
Dado uma série de observações de uma variável hidrológica, por exemplo, vazão mensal de um pos-
to fluviométrico, pode-se determinar a probabilidade da vazão ser menor do que um determinado valor ou
entre um valor e outro.
O conjunto de observações x1, x2,..., xm da variável hidrológica é chamado de amostra. Para uma
amostra de m observações do evento A com mA valores, a frequência relativa de A é mA/m. Quanto maior o
tamanho da amostra melhor a estimativa da probabilidade do evento. A análise de probabilidades obedece
aos seguintes princípios:
Probabilidade total. Se uma amostra do evento A apresenta A1, A2,..., Am elementos, a soma das pro-
babilidades de todos os resultados possíveis é calculada pela equação 13. A probabilidade de um é maior ou
igual a zero e menor ou igual a 1.

13

1. Complementariedade. Se A é o complemento de A então:

14

Probabilidade condicional. Para dois eventos A e B, sendo A a vazão anual menor que 50 m3/s e B a vazão
no ano seguinte ser menor que 50 m3/s. O evento que A e B ocorrem em anos sucessivos com vazão menor
que 50 m3/s é a interceção dos eventos A ∩ B. A probabilidade que B ocorra dado que A já tenha ocorrido é
chamada de probabilidade condicional P(BǀA). A probabilidade conjunta que ambos os eventos A e B ocorre-
rão é P(A∩B) = P(B|A).P(A) e consequentemente:

15

Se a ocorrência de B não depende da ocorrência de A os eventos são chamados independentes e


P(B|A) = P(B) e P(A∩B) = P(A).P(B). A noção de eventos independentes é fundamental para a interpretação
de dados hidrológicos sequenciais. Se os dados são independentes eles poderão ser analisados sem considerar
a ordem de ocorrência. Mas se os mesmos não forem independentes (observações correlacionadas), os méto-
dos estatísticos requeridos são mais complicados.
Período de retorno ou intervalo de recorrência (T) é o intervalo de tempo médio no qual um evento
hidrológico extremo de uma dada magnitude será igualado ou excedido no mínimo uma vez a cada ano. Su-
pondo que a probabilidade do evento seja 0,25, isso significa que a possibilidade desse evento ocorrer todo
ano é 25%. Em outras palavras, considerando a vida útil de um projeto de 100 anos, cheias dessa magnitude
poderão ocorrer em pelo menos 25 vezes, ou seja, uma vez a cada quatro anos (100/25 = 4 anos).
Assim o período de retorno é o inverso da probabilidade (equação 16). A probabilidade de não ocor-
rência em um ano é seu complemento (equação 17) e em n anos essa probabilidade é dada pela equação 18.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

128

A probabilidade dessa ocorrência é chamada de risco (R) e é dada pela equação 19. Admitindo-se que o risco
permitido de um projeto falhar em 40 anos, o período de retorno da vazão de projeto deveria ser: 0,05 =
1 – (1 – 1/T)40, ou seja, T = 780 anos.

16

17

18

19

8. USOS CONSUNTIVOS E NÃO CONSUNTIVOS DA ÁGUA


Diz-se que o uso da água ocorre quando determinada atividade afeta as condições naturais das águas
superficiais ou subterrâneas. Os usos múltiplos da água podem ser consuntivos ou não consuntivos.
Uso consuntivo da água ocorre quando durante o seu uso é retirada uma determinada quantidade
de água do curso d´água e depois de utilizada é devolvida ao curso d´água uma quantidade menor, ou seja,
parte da água retirada é consumida durante o seu uso. Alguns exemplos de usos consuntivos são para fins de
abastecimento público, irrigação, dessedentação animal, processos industriais, entre outros.
Segundo publicado pela ANA (2012), o maior uso consuntivo no Brasil é para fins de irrigação, que
corresponde a 54% do total, seguido do uso para fins de abastecimento humano urbano, com 22%.
Uso não consuntivo da água ocorre quando durante o seu uso é retirada uma determinada quan-
tidade de água do curso d´água e depois de utilizada é devolvida ao curso d´água praticamente a mesma
quantidade, ou seja, a água não é consumida durante o seu uso. Alguns exemplos de usos não consuntivos
são: aquicultura, navegação, recreação e geração de energia hidrelétrica. No Brasil o uso não consuntivo de
maior expressão é para fins de geração de enegia hidrelétrica.
O capítulo sobre a importância da água apresenta a situação das águas captadas para os diversos usos
no Estado de São Paulo.
O diagnóstico de uma bacia hidrográfica em termos de disponibilidade hídrica é realizado através do
balanço entre a oferta de água e as demandas quantitativas (captações e derivações), ou usos consuntivos, e
demandas qualitativas, para diluição de efluentes (lançamentos de efluentes).

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANA. Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: Informe 2012. Ed Especial,
215 p, 2012.
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Brasileira de Geografia Física, v. 1, n. 1, p. 73-85, 2008.
CHOW, V.T.; MAIDMENT, D.R.; MAYS, L.W. Applied hydrology. McGraw-Hill. 1988. 572p.
Capítulo 7
ÁGUAS SUPERFICIAIS

129

D’ALMEIDA JUNIOR, A.J.C.; HERNANDEZ, F.B.T.; FRANCO, R.A.M.; ZOCOLER, J.L. Medição de ve-
locidade e vazão em cursos d’água: molinete hidrométrico versus método do flutuador. In: Congresso
Nacional de Irrigação e Drenagem, 20. Anais... Águas de Frutal, MG. 2010.
GERMANO, A.; TUCCI, C.E.M.; SILVEIRA, A.L.L. Estimativa dos parâmetros do modelo IPH II para algu-
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HORTON, R.E. Drainage basin characteristics. Transactions American Geophysical Union, v. 13, p.350-
361, 1932.
KIRPICH, Z.P. Time of concentration of small agricultural watersheds. Civil Engineering, v. 10, p. 362, 1940.
LAURENSON, E.M. Hydrograph synthesis by runoff routing. Report n. 66. Water Research Laboratory.
University of New South Wales. 1962.
LOBO, G.A. Medição de vazão em cheias de bacias urbanas e rurais com molinetes hidrométricos e flutua-
dores superficiais. São Paulo, 2002. 140p. Tese (Doutorado) Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2002.
MAURO F.; VANZELA, L.S.; HERNANDEZ, F.B.T. Determinação dos erros envolvidos nas medições de
vazão pelo método do flutuador integrador e do vertedor triangular. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
ENGENHARIA AGRÍCOLA, 32. Anais... São Pedro, SP. 2004.
MAYS, L.W. Water resources engineering. John Wiley & Sons, Inc. 2001. 761p.
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SIGRH. Sistema de Informações para o Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Banco
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REMOTO, 12. Anais... Goiânia. INPE. p. 2555-2562. 2005.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
131

VARIABILIDADE DAS VAZÕES, BALANÇO


HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL

Capítulo 8
132
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
133

1. INTRODUÇÃO
O conhecimento da disponibilidade hídrica de uma bacia hidrográfica, e de sua variabilidade, é fun-
damental para a instrução de processos de gestão dos recursos hídricos segundo os instrumentos previstos
na legislação. Esta informação associada ao conhecimento dos aspectos bióticos e abióticos dos ecossistemas
aquáticos e ribeirinhos é crucial para a conservação do meio ambiente, para a definição do regime de vazão
ecológica e para o estabelecimento das condições adequadas à sustentabilidade do uso dos recursos naturais
como um todo.
O balanço entre disponibilidades e demandas hídricas é a base para se realizar a alocação de água
que permita níveis de garantia elevados de atendimento às demandas. As múltiplas demandas afetam de
maneira diferente o regime hidrológico. Os usos que retiram água do rio, tais como abastecimento público,
industrial e irrigação, reduzem a disponibilidade para jusante. Os usos que não retiram água, mas alteram a
variabilidade das vazões, tais como a geração de energia hidrelétrica que armazenam águas em reservatórios.
Neste capítulo serão apresentados para a estimativa da disponibilidade hídrica, conceitos de vazão de
referência, vazão regularizada, vazão ecológica e balanço hídrico. A aplicação desses conceitos e metodologias
é útil à escolha das melhores alternativas de uso dos recursos hídricos e ambientais.

2. FLUVIOGRAMAS
Os fluviogramas ou hidrogramas são a representação das vazões ao longo do tempo, obtidas a partir
de alguma das formas de medição discutidas no capítulo anterior. A forma mais comum de cálculo é a in-
ferência indireta, onde, a partir da leitura dos níveis dos corpos d’água, a vazão é determinada através das
chamadas curvas-chave, que relacionam a cota com a vazão. O fluviograma descreve o comportamento da
vazão no tempo, mas não fornece indicativo da probabilidade de sua ocorrência.
A Figura 1 apresenta um gráfico de um hidrograma típico. Neste exemplo é apresentado o hidro-
grama de vazões médias mensais do Rio Guarapiranga na entrada do reservatório no período de janeiro de
1930 a dezembro de 1993. A partir deste, é possível obter o hidrograma com médias mensais e/ou anuais.
O intervalo de tempo entre medições (valores de vazão) dependerá do tipo de estudo a ser realizado. Em
situações críticas como o monitoramento de bacias urbanas (que em geral possuem áreas menores) sujeitas a
inundações, é mais adequado e recomendado utilizar um intervalo de tempo menor que um dia, adequado ao
nível de resposta necessária para a condição de enchente eminente. Nestas situações é comum a utilização de
instrumentos automáticos de monitoramento de níveis/vazões e intervalos de tempo entre medições variam
de intervalo horário até 5 minutos.

3. CURVA DE PERMANÊNCIA OU DE DURAÇÃO


A curva de duração ou curva de permanência é uma indicação da frequência que uma vazão ocorre (é
igualada ou superada) em um curso d’água (rio, córrego, etc). A curva de permanência é construída a partir
das séries de vazões (hidrogramas ou fluviogramas), que são a representação das vazões ao longo do tempo.
As curvas de permanência são amplamente utilizadas no gerenciamento de recursos hídricos em setores
como gerenciamento da qualidade da água, estudos de potencial energético, irrigação, sedimentologia, entre
outros (Cruz e Tucci, 2008). Em muitos estados brasileiros a disponibilidade hídrica, utilizada como um im-
portante critério de concessão de outorga é determinada a partir das curvas de permanência que fornecem as
chamadas vazões de referência. Um exemplo de curva de permanência é apresentado na Figura 2, associada
ao seu hidrograma apresentado na Figura 1.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
134

Figura 1 - Exemplo de um hidrograma típico de um curso d’água.

Figura 2 - Exemplo de uma curva de duração típica.


Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
135

Uma limitação da curva de permanência é que as probabilidades de ocorrências dos eventos hidroló-
gicos considerados críticos estão restritas a série de dados observados. Para que as informações obtidas da cur-
va sejam confiáveis é necessário que a série de dados observados seja suficientemente longa e representativa.
Para resolver este problema pode-se ajustar uma função matemática que apresente uma aderência
satisfatória aos dados observados. Estas funções são chamadas de distribuições de probabilidades e, uma vez
ajustadas, permitem que se faça alguma extrapolação dos trechos extremos da curva de frequência (regiões de
máximos e mínimos). No Brasil é usual a utilização da distribuição de Gauss, também chamada Distribuição
Normal, para representar variáveis hidrológicas com grande intervalo de observação, por exemplo, médias
anuais de precipitação ou vazão. Por outro lado variáveis observadas em intervalos mensais ou diários são re-
presentadas com maior ajuste por distribuições assimétricas (por exemplo, distribuição Log Normal ou distri-
buição de Gumbel). Com estas curvas, valores de vazões extremas, associados a períodos de retorno elevados
poderão ser determinados. As distribuições de probabilidade não serão tratadas neste texto.
A curva de permanência é muito utilizada na sua forma adimensional quando não se dispõe de dados
em quantidade e qualidade suficiente na bacia de interesse. A forma de proceder nestes casos, geralmente
segue os seguintes passos:
1. Em uma bacia que disponha de informações suficientes, obtém-se a curva de permanência adimensional
dividindo o eixo Y das vazões pela vazão média da serie histórica (Figura 3).
2. Estima-se a vazão média da bacia com carência de dados. A vazão média de longo prazo é uma variável
hidrológica bastante estável podendo, portanto, ser obtida com poucos dados ou mesmo por correlação
com bacias vizinhas.
3. Multiplica-se o Eixo Y das vazões adimensionalizadas pela vazão média da bacia de interesse e obtém-se a
curva de permanência da bacia com carência de dados.

Figura 3 - Curva de permanência adimensional do Rio Guarapiranga.


Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
136

3.1 Determinação da curva de permanência


A curva de permanência ou duração pode ser determinada classificando-se os valores de vazões da
série estudada em intervalos de classe. Como orientação geral adota-se o número de intervalos de classe como
sendo N0,5, onde N é o número de elementos da amostra. Uma vez definido o número de intervalos, calcula-
se a amplitude (em termos de vazão) de cada intervalo de classe a partir do valor máximo e mínimo da série.
Faz-se a contagem de ocorrências de valores de vazão em cada intervalo e determina-se a sua frequência (Nº
de Ocorrências/N). Finalmente, para determinar a curva de duração, basta acumular as frequências calcula-
das no passo anterior. Um exemplo deste procedimento é apresentado na Tabela 1. A Figura 4 apresenta a
curva de duração obtida pelo método descrito acima.
Existem outras formas de determinar as curvas de permanência para calcular as vazões de referência,
sendo que uma delas é pela utilização de planilhas eletrônicas na qual os dados devem ser ordenados de for-
ma decrescente e atribuindo a cada um uma frequência (acumulada) relativa à sua posição na série ordenada.
A curva de permanência é usualmente determinada considerando todo o período de dados da série
histórica. Segundo Cruz e Tucci (2008) este procedimento não contempla os efeitos da sazonalidade ao longo
de cada ano e a variação interanual. Os autores recomendam determinar a curva para cada mês do ano com
todos os anos da série de modo a distinguir os condicionantes mensais de sazonalidade.

Tabela 1 - Exemplo de cálculo de curva de duração utilizando intervalos de classe para o Rio Guarapiranga.

Intervalo de Classes Número de Frequência


Número de Frequência no Frequência Acumu-
(m3/s) Ocorrências acumulada de
Ocorrências Intervalo (%) lada no Intervalo (%)
Acumuladas excedência (%)
0.00 1.50 0 0 0.0 0.0 100
1.50 3.00 3 3 0.4 0.4 99.6
3.00 4.50 35 38 4.6 4.9 95.1
4.50 6.00 82 120 10.7 15.6 84.4
6.00 7.50 105 225 13.7 29.3 70.7
7.50 9.00 93 318 12.1 41.4 58.6
9.00 10.50 93 411 12.1 53.5 46.5
10.50 12.00 72 483 9.4 62.9 37.1
12.00 13.50 64 547 8.3 71.2 28.8
13.50 15.00 38 585 4.9 76.2 23.8
15.00 16.50 28 613 3.6 79.8 20.2
16.50 18.00 29 642 3.8 83.6 16.4
18.00 19.50 20 662 2.6 86.2 13,8
19.50 21.00 23 685 3.0 89.2 10,8
21.00 22.50 15 700 2.0 91.1 8,9
22.50 24.00 19 719 2.5 93.6 6,4
24.00 25.50 19 738 2.5 96.1 3,9
25.50 27.00 12 750 1.6 97.7 2,3
27.00 28.50 6 756 0.8 98.4 1,6
28.50 30.00 2 758 0.3 98.7 1,3
30.00 31.50 3 761 0.4 99.1 0,9
31.50 33.00 0 761 0.0 99.1 0,9
33.00 34.50 0 761 0.0 99.1 0,9
34.50 36.00 0 761 0.0 99.1 0,9
36.00 37.50 2 763 0.3 99.3 0,7
37.50 39.00 2 765 0.3 99.6 0,4
39.00 40.50 2 767 0.3 99.9 0,1
40.50 42.00 0 767 0.0 99.9 0,1
42.00 43.50 0 767 0.0 99.9 0,1
43.50 45.00 0 767 0.0 99.9 0,1
45.00 46.50 1 768 0.1 100.0 0
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
137

Figura 4 - Curva de duração obtida utilizando intervalos de classe.

4. VAZÕES DE REFERÊNCIA E VAZÕES MÍNIMAS


As vazões de referência e vazões mínimas são bastante utilizadas pelos órgãos reguladores de recursos
hídricos como critério para concessão de direito de uso de água. Em geral cada estado brasileiro adota como
critério, parcelas desses valores de vazão como máximo outorgável, sendo que a vazão remanescente desem-
penha o papel de vazão ambiental ou ecológica. Para mais detalhes e os critérios adotados por diferentes
estados brasileiros, recomenda-se consultar Mendez (2007).

4.1 Vazões de Referência


Como visto acima, as vazões dos rios estão sempre associadas a uma certa probabilidade de serem
igualadas ou excedidas ou, em outras palavras, a uma permanência no tempo. Estas informações são sinteti-
zadas nas chamadas curvas de permanência ou curvas de duração.
Estas curvas constituem o principal fundamento hidrológico para uma série de estudos e decisões a
respeito do aproveitamento e gerenciamento de recursos hídricos como, por exemplo, produção de energia
em uma usina hidrelétrica, navegação fluvial, enquadramento dos cursos de água segundo suas classes de uso,
outorgas de direito de uso de recursos hídricos, licenciamento ambiental e outras.
As curvas de permanência fornecem pares de informações, cada par constituído de uma vazão e sua
probabilidade de ocorrência. Qual dos pares deve se escolhido depende dos objetivos e das particularidades
de cada caso.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
138

Usualmente os órgãos gestores brasileiros não utilizam todas as informações fornecidas pelas curvas
permanência e adotam um só valor de vazão como base para seus estudos e decisões. Trata-se da chamada
vazão de referência, que na Resolução CONAMA 357 de 17/03/2005 é definida como segue:
“Vazão do corpo hídrico utilizada como base para o processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo das
águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA e do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGRH”.
O Departamento de Águas e Energia e Energia Elétrica do Estado de São Paulo também baseia
sua atuação como órgão outorgante no conceito de vazão de referência em obediência à Lei Nº 9.034, de
27/12/1994 que em seu artigo 130 diz:
“II - a vazão de referência para orientar a outorga de direitos de uso de recursos hídricos será calcula-
da com base na média mínima de 7 (sete) dias consecutivos e 10 (dez) anos de período de retorno e nas vazões
regularizadas por reservatórios, descontadas as perdas por infiltração, evaporação ou por outros processos físicos,
decorrentes da utilização das águas e as reversões de bacias hidrográficas”;
A vazão de referência usualmente é um dos pontos da parte baixa da curva de permanência ou um
valor calculado por uma distribuição estatística de extremos. Como exemplo do primeiro caso, cita-se a Agên-
cia Nacional de Águas que adota como referência para concessão de outorgas a vazão igualada ou excedida
em 95% do tempo (usualmente grafada como Q95%). Em outras palavras, em 5% do tempo o curso de água
não terá disponibilidade de atender a todas as outorgas concedidas ao mesmo tempo.
O Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo adota a metade da vazão mí-
nima média de 7 dias com 10 anos de período de retorno (Q7,10) como sendo o limite máximo que pode ser
outorgado em um curso de água para uso consuntivo. Este critério significa que, se a vazão do rio atingir
valores menores que a Q7,10, não será possível atender a todas as outorgas concedidas.
Note-se que, quaisquer que sejam as vazões adotadas, sempre existem probabilidades de falhas. Os
riscos associados a estas probabilidades dependem de fatores econômicos, ambientais e sociais e são de difícil
quantificação. Os valores adotados no Brasil refletem políticas cautelosas dos órgãos gestores, que procuram
prevenir a degradação de nossos recursos. Em algumas regiões, entretanto, os critérios gerais implícitos nas
vazões de referência podem não atender ao aproveitamento mais racional e sustentável dos recursos da bacia.
Neste caso, medidas adicionais de gestão devem ser adotadas.
As vazões de referência associadas com probabilidades de excedência (Q50, Q90, Q95, etc.) podem ser
facilmente obtidas da curva de permanência determinada para a série de vazões utilizadas como exemplo.
Nota-se pelo formato e disposição da curva da Figura 2 que, quanto maior a probabilidade de excedência,
menor será a vazão. Ou seja, a vazão que é excedida 95% do tempo é menor que a Q50, por exemplo.
Tomando-se como exemplo a curva de duração da Figura 3, é possível determinar as vazões de refe-
rência graficamente e que são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2 - Vazões de referência do Rio Guarapiranga determinadas graficamente.

Frequência (%) Vazão (m3/s)

50 10.1
80 6.0
85 5.9
90 5.5
95 4.6
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
139

4.2 Vazões mínimas: Q7,10


Assim como as vazões de referência, a vazão mínima Q7,10 é bastante utilizada como critério para con-
cessão de direitos de uso de água. Diferente das vazões de referência, a Q7,10 é definida como a vazão mínima
de 7 dias com período de retorno de 10 anos. Nota-se imediatamente a partir deste conceito que é necessário
uma análise estatística da série de vazões para determinar o valor da Q7,10.
Para calcular a Q7,10 é preciso selecionar uma série histórica de vazões diárias de i anos (preferen-
cialmente i ≥30 anos). Para cada um dos i ano calculam-se as médias de 7 dias (Q7) mínimas observadas. Da
série de i valores, com todos os anos da série, ajusta-se uma distribuição de probabilidade para obter a Q7,T.

4.3 Vazões médias e Medianas


A mediana é definida como vazão Q50, ou seja, com 50% de chance de excedência que pode ser obtida
da curva de permanência. A vazão média é calculada conforme equação 1 abaixo.

n
i =1 Qi 1
Q=
n

em que n é o número de elementos da amostra e Qi é a vazão (m3/s) de cada elemento da amostra.

5. VAZÕES REGULARIZADAS
A regularização de vazões consiste em armazenar as reservas hídricas durante o período chuvoso para
utilizá-las, gradativamente, na complementação das demandas hídricas no período de estiagem. O estudo de
dimensionamento de reservatório de regularização depende da variabilidade das vazões afluentes, de como
as demandas hídricas serão solicitadas, do grau de atendimento das mesmas e, evidentemente, de possíveis
perdas hídricas por evaporação ou por qualquer outro processo. A garantia de atendimento das demandas
está relacionada com estes aspectos. A garantia é estimada pela diferença entre o atendimento sem falha e
com falha [G(%)=100 (-Nf /Nt ).100 ], sendo Nf o número de meses em que houve déficit e Nt o número total de
meses simulados.
Quando as vazões regularizadas aproximam-se da vazão média os volumes úteis dos reservatórios
ficam cada vez maiores para ganhos pequenos da vazão regularizada. Esse conceito é chamado de grau de
regularização. Quando o grau de regularização é elevado o custo de construção do reservatório é maior,
agravam-se os problemas de desapropriações e relocações, e causa maiores impactos ambientais.
O critério de dimensionamento de reservatórios deve ser o de fornecer uma vazão regularizada com
uma determinada garantia de atendimento, ou seja, admite-se uma vazão inferior à requerida durante uma
percentagem do tempo. A vazão regularizada também é função da integração do reservatório em um sistema
maior, das condições de operação do reservatório isolado e em conjunto com outros reservatórios, e dos usos
múltiplos.
O volume útil e a vazão regularizada podem ser obtidos por modelo que simule a operação do reser-
vatório que pode ser representada pela equação da continuidade (equação 2), em que Vf é o volume no final
do mês, Vi é o volume no início do mês, Va é o volume afluente ao reservatório, Ve é o volume evaporado, Vd é
o volume fornecido para atendimento às demandas, e Vex é o volume extravasado.

Vf= Vi + Va - Ve - Vd - Vex 2
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
140

Podem-se utilizar dados que representam médias mensais das variáveis para cada mês de uma série
de longo período. Outros dados necessários são os que representam as características do reservatório, por
exemplo, o volume máximo normal, o volume mínimo, a curva cota-área-volume e as regras operativas. O
modelo pode ser executado para diversos valores de vazão fornecida para as demandas para determinados
volumes úteis para obter a garantias de atendimentos das demandas.
Os reservatórios podem apresentar diferentes condições operacionais, podendo operar a fio d’água,
quando os volumes afluentes são iguais aos defluentes, ou em regime de regularização, quando os volumes
acumulados no período de cheia e liberados no período de estiagem. Neste caso as vazões máximas naturais
são reduzidas e as vazões mínimas naturais são elevadas. Dependendo da capacidade e da sua posição na rede
de fluxo da bacia o reservatório pode apresentar regularização mensal, anual ou plurianual.
As vazões afluentes médias e as regularizadas pelos reservatórios das bacias dos rios Tietê, Paranapane-
ma e Paraná são apresentadas na Tabela 3. Verifica-se que o grau de regularização assegurado pelos reservató-
rios é de 61,8%, 62,8% e 60,3% da vazão média nas respectivas bacias dos rios Tietê, Paranapanema e Paraná.

Tabela 3 - Vazão regularizada pelos principais reservatórios das bacias dos rios Tietê, Paranapanema e Paraná.
Área de Vazão
Vazão média Grau de
Bacia Rio Reservatório drenagem regularizada
(m3/s) regularização (%)
(km2) (m3/s)
Guarapiranga Guarapiranga 631 12 7 58
Pinheiros Pedreira (Billings) 560 19 19 100
Tietê Ponte Nova 320 8 8 100
Tietê Edgar de Souza 4844 105 42 40
Tietê Barra Bonita 33156 435 205 47
Tietê
Tietê Bariri 36708 486 261 54
Tietê Ibitinga 44923 581 300 52
Tietê Promissão 58106 699 383 55
Tietê Nova Avanhandava 62727 747 385 52
Tietê Três Irmãos 71221 797 480 60
Paranapanema Jurumirim 17891 220 161 73
Paranapanema Piraju 18336 225 163 72
Paranapanema Chavantes 27769 338 240 71
Paranapanema Ourinhos 28160 342 240 70
Paranapanema Paranapanema Canoas II 39531 459 243 53
Paranapanema Canoas I 41276 477 243 51
Paranapanema Capivara 84715 1077 658 61
Paranapanema Taguaruçu 88707 1137 672 59
Paranapanema Rosana 100799 1281 702 55
Paraná Porto Primavera 571855 7130 4368 61
Paraná Olha Solteira 377195 5243 3400 65
Paraná
Paraná Souza Dias (Jupiá) 476797 6341 3880 61
Paraná Itaipu 823555 10027 5370 54
Fonte: ANA (2007)
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
141

O dimensionamento do volume útil de um reservatório deve ser realizado considerando a relação de


troca entre o volume de água requerido e a garantia de atendimento associado a este valor. Também devem
ser considerados aspectos ambientais e econômicos.
Os reservatórios contribuem para aumentar a oferta hídrica na bacia, mas por outro lado alteram a
quantidade, a qualidade e o regime das águas existentes nos rios. A alteração da qualidade da água ocorre
devido à alteração das características hidráulicas do escoamento, tais como a redução das velocidades de fluxo
e o aumento dos tempos de residência da água.
Outros impactos sobre a qualidade da água é a concentração de sedimentos com consequente redu-
ção da turbidez, a salinização em regiões de elevada evaporação e o crescimento desequilibrado da concentra-
ção de algas gerado pelo aumento da concentração de nutrientes (eutrofização) reduzindo a concentração de
oxigênio dissolvido. A qualidade da água ainda pode ser alterada em função da circulação da água provocada
pela estratificação térmica. Esses problemas podem restringir os usos dos recursos hídricos dependentes da
vazão regularizada.
Os impactos ambientais sobre os ecossistemas aquáticos provocados pela construção de reservatórios
são causados pela alteração do regime hidrológico, principalmente nas vazões mínimas importantes para a
definição da vazão ecológica.

6. VAZÃO ECOLÓGICA OU AMBIENTAL


Água em quantidade e qualidade é condição fundamental para suprir as necessidades dos seres vivos
de um ecossistema. Essas duas características estão intimamente relacionadas. A qualidade da água depende
da quantidade de água existente para dissolver, diluir e transportar as substâncias benéficas e maléficas para
os seres vivos (Braga et al., 2002).
A poluição dos corpos hídricos, os processos causadores das mudanças climáticas, a superexploração
dos recursos naturais, o desmatamento, a urbanização e o mau uso do solo na agricultura, construção de
reservatórios, canalização de rios, provocados pelo homem, causam desequilíbrio entre oferta e demanda de
água fazendo com que muitas bacias apresentem estresse hídrico, (Malmqvist e Rundle, 2002, Vörösmarty et
al., 2000, Rosenberg, et al., 2000). Alterações no regime natural dos rios podem causar enormes impactos ao
equilíbrio dos ecossistemas aquáticos e áreas ribeirinhas resultando na perda e fragmentação de habitats, na
redução de conectividade do rio com a zona ripária (Harrison et al., 2004).
Conhecer as relações de causa e efeito entre o escoamento da água e a flora e fauna aquáticas e ribei-
rinhas é de fundamental importância para a preservação dos corpos hídricos. Conciliar o atendimento das
múltiplas demandas e as necessidades ambientais por água é o grande desafio a ser enfrentado no gerencia-
mento dos recursos hídricos e ambientais nas bacias hidrográficas.
É importante lembrar que as alterações nas características do escoamento abrangem aspectos hidro-
lógicos, hidráulicos, geomorfológicos, físicos, químicos e biológicos que afetam funções ecológicas e o ciclo
de energia e nutrientes determinantes para as cadeias alimentares dos ecossistemas em diferentes condições
de fluxo.
Segundo Cruz (2005) vazão ecológica é aquela necessária à manutenção do ciclo de vida das espécies
da fauna e da flora associados ao curso d’água nos leitos maiores e menores. Fica claro que a variação intra-
anual das vazões em um rio estabelece um regime fluvial essencial para a preservação do meio ambiente
aquático e ribeirinho. A mudança do regime fluvial causa impactos ambientais na fauna e flora e, indireta-
mente, no homem uma vez que alteram as condições socioeconômicas. Quando se considera este conceito
mais amplo, abrangendo as demandas humanas e ambientais, a vazão é chamada de ambiental (Medeiros et
al., 2006).
O conjunto de seres animais e vegetais de um ecossistema (biota) é afetado por alterações dos pa-
râmetros físicos e químicos indicadores da qualidade da água e revelando alterações na saúde rio no longo
prazo. Portanto, o impacto na biota é uma medida mais realista do nível de degradação do rio.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
142

De acordo com Junk et al. (1989), em países de clima tropical a sazonalidade das vazões fluviais é a
variável que atua de modo mais decisivo no comportamento do ecossistema aquático e da zona de transição
terrestre e aquática. Nesta zona que ora se apresenta inundada ora emersa (conforme a sazonalidade das
inundações) ocorre a conexão entre o rio e as fontes de recursos biológicos localizadas nas margens e nas
várzeas. Segundo Bayley (1995) os principais agentes associados ao processo sazonal são a vegetação, os nu-
trientes, os detritos e os sedimentos.
Em águas doces tropicais, os peixes respondem à elevação do nível da água mais que às chuvas locais,
movendo-se para habitats aquáticos recentemente alagados em planícies que antes estavam secas. O aumento
da velocidade da água pode ser sucedido por uma queda suave da sua temperatura e elevação da turbidez,
juntamente com alterações químicas (concentração de íons conservativos, níveis de oxigênio dissolvido, de
compostos nitrogenados, de fósforo, de ácidos húmicos, entre outras). Onde esses efeitos flutuam sazonal-
mente, eles são geralmente não catastróficos e a vida aquática está adaptada a tirar vantagem das condições
de cheias (Lowe-McConnell, 1999).
Segundo Lowe-McConnell (1999) quanto maior a sazonalidade do ambiente, mais marcantes são
algumas das características da ictiofauna: as populações flutuam grandemente por migrações e por multipli-
cação rápida, a desova sazonal se dá em resposta rápida ao suprimento de nutrientes, a razão entre produção
e biomassa é alta, a seleção predominante dá-se por agentes abióticos e bióticos. O ciclo de vida da ictiofauna
de rios tropicais está intimamente relacionado às flutuações dos níveis da água, que afetam todos os aspectos
da biologia dos peixes, seu alimento, movimentações, crescimento e épocas de reprodução.
A construção de reservatórios resulta em benefícios inquestionáveis, atendendo as demandas hídricas,
a produção de alimentos, energia, lazer, etc. Segundo Biemans et al. (2011), durante o século 20 houve um
aumento significativo (40%) da captação de água superficial para irrigação em todo o planeta devido à cons-
trução de grandes reservatórios. No entanto, os mesmos trazem como consequência a alteração do regime
fluvial à jusante, resultando em impactos cujas magnitudes dependem das características ambientais locais.
A interrupção da sazonalidade natural dos regimes de escoamento dos cursos d’água pela execução
de barramentos tem sido sistematicamente avaliada em termos dos impactos causados ao ambiente fluvial
em vários países, razão pela qual algumas políticas de recursos hídricos e leis de águas têm inserido nas suas
diretrizes a obrigatoriedade de estabelecimento de vazões ecológicas que levem em conta a preservação do
regime hidrológico dos cursos d’água, por ocasião da elaboração de planos de bacia e do planejamento de
uso dos recursos hídricos. Esse é o caso, por exemplo, da Espanha (Criado et al., 2000), da África do Sul (Jor-
danova et al., 2002) e da Austrália (Maheswaran e Deen, 2000).

6.1 Metodologias de avaliação da vazão ecológica


Várias metodologias foram propostas para avaliar a vazão ambiental de rios (Tharme, 2003). As me-
todologias podem ser classificadas de acordo com seus princípios em métodos hidrológicos, hidráulicos, de
simulação de habitats e holísticos. Os trabalhos de Sarmento e Pelissari (1999) e Benetti et al. (2003) e Vin-
cent (2006) apresentam o estado da arte destas metodologias. Neste capítulo é apresentada uma abordagem
resumida das principais metodologias.
Os métodos hidrológicos são baseados numa percentagem da vazão média de longo prazo. Um dos
primeiros métodos foi o Tennant ou Montana baseado em dados de rios do norte dos Estados Unidos (Ten-
nant, 1976). O critério de qualidade é associado a um percentual da vazão, por exemplo, 10% da vazão média
anual é o valor usualmente tomado como limitante para que espécies nativas sejam prejudicadas pela falta de
habitats adequados, acima de 60% a situação é ótima.
As curvas de duração ou de permanência podem ser usadas para definir a vazão mínima que é igua-
lada ou excedida. Valores característicos são a Q95 e a Q7,10. Outra abordagem é aquela que considera a con-
dição mais próxima possível do regime natural de fluxo como referência considerando as restrições impostas
pelos usos da água. O método RVA - Range of Variability Approach baseia-se na variação intra e interanual do
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
143

regime hidrológico em que são consideradas características de magnitude, tempo, duração, frequência e taxa
de mudança para manter a biodiversidade e a integridade dos ecossistemas aquáticos (Richter et al., 1997). O
método FTA - Flow Translucency Approach consiste no escalonamento decrescente das vazões naturais enquanto
mantém níveis similares da variabilidade das vazões para conseguir o regime recomendado (Gippel, 2001).
De modo geral, os métodos hidrológicos estabelecem uma vazão mínima calculada com base em uma
estatística da série de vazões no local, sem analisar o aspecto ambiental e/ou benefícios e impactos ao ecossis-
tema. Este método apresenta a vantagem de ser de fácil aplicação.
Os métodos hidráulicos procuram relacionar as características do escoamento, tais como perímetro
molhado, profundidade máxima e velocidade do fluxo, com a necessidade da biota aquática, apresentando
uma evolução em relação ao método hidrológico. No entanto, estes métodos requerem a determinação de
relações específicas entre parâmetros hidráulicos e ecológicos para cada região em estudo. Estes dados são
raros devido à dificuldade para obtê-los.
Os métodos de simulação de habitats usam relações explícitas entre a conveniência do habitat e parâ-
metros hidráulicos (Bovee, 1982). Essas relações são obtidas curvas índices que relacionam a distribuição da po-
pulação de uma determinada espécie com as características físicas do habitat (velocidade de fluxo, profundidade
da água, composição do substrato, cobertura, etc.). Esta metodologia foi inicialmente desenvolvida no Colora-
do, EUA, no fim dos anos 1970 e é mundialmente conhecida como IFIM - Instream Incremental Flow Methodology.
Os métodos holísticos buscam a vazão ambiental do ecossistema ribeirinho como um todo sem focar
uma espécie específica. Eles requerem conhecimento multidisciplinar de hidrologia, condições hidráulicas
para a conveniência dos habitats, geomorfologia, qualidade da água, vegetação de ambientes aquáticos e
ribeirinhos, peixes, macro invertebrados, vertebrados, etc. Nesta metodologia é importante identificar a mag-
nitude dos eventos de vazões críticas e como os mesmos influenciam a ecologia do ecossistema.
King e Louw (1998) propuseram a metodologia de construção em blocos (BBM - Building Block Me-
thodology) que é baseada em dados ecológicos, da geomorfologia fluvial, da hidrologia e da hidráulica para
identificar a complexidade das diferenças dos eventos de fluxo requeridas à manutenção da biota na região
ribeirinha e seus habitats, bem como seus processos geomorfológicos e biológicos.
Brown e King (2000) sugeriram uma metodologia heurística denominada DRIFT (Downstream Res-
ponse to Imposed Flow Transformations) que envolve uma interação de processos biofísicos baseado em cenários
analisando as consequências de reduções progressivas no fluxo e nas condições socioeconômicas.
Arthington et al. (2006) propuseram uma aproximação genérica para relacionar as alterações do
fluxo, baseado em dados de estações fluviométrica ou gerados por meio de modelos, com as condições eco-
lógicas medidas em cada classe do rio. A metodologia pode orientar o manejo do fluxo em distintas regiões
fisiográficas e ecológicas fundamentais para a resolução de conflitos sobre o uso dos recursos hídricos e para
a manutenção da biodiversidade e dos bens ecológicos essenciais dos ecossistemas aquáticos.
Kaurish e Younos (2007) desenvolveram um índice padronizado que usa a resposta biológica como
escala para avaliar a qualidade da água do rio. As respostas biológicas dos organismos aquáticos a cada parâ-
metro de qualidade da água foram morte da vida prolífica, crescimento e reprodução, sendo cada uma classi-
ficada em sete respostas biológicas prováveis. As sete categorias de respostas são relacionadas a sete categorias
narrativas de avaliação da qualidade da água a qual é assinalado uma classificação numérica de 1 (letal) a 7
(excepcional). Todas as concentrações dos parâmetros são normalizadas para se obter um índice padronizado
geral que indica o grau de severidade da qualidade da água em diferentes seções do rio. Os autores destacam
que o índice apresenta a vantagem de traduzir a complexidade dos fatores que afetam a vida aquática em uma
apresentação holística mais compreensiva.
Estudos comparativos desenvolvidos por Belzile et al. (1997) demonstraram que o método hidrológi-
co que utiliza a vazão Q7,10 resulta em magnitudes de vazões inferiores àquelas calculadas por outras técnicas.
Os mesmo estudos indicaram que as vazões com permanência de 90% resultam em impactos significativos na
ictiofauna.
Desta forma, a utilização de métodos hidrológicos ou importados de outras regiões com fauna aquá-
tica e regime fluvial diferenciado resulta em significativos riscos ambientais (King et al., 1999).
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
144

No Brasil, as vazões ecológicas têm sido estabelecidas pelos órgãos ambientais como parte das li-
cenças de instalação e operação. As vazões ecológicas que têm sido praticadas pelos órgãos ambientais são
definidas principalmente pelo grupo dos métodos hidrológicos.
Entretanto, é preciso ressaltar que a aplicação desses métodos deve levar em conta o regime de vazões
compreendendo a sua sazonalidade e não ficar restrito a definição um valor único de vazão mínima (Collis-
chonn, et al., 2005).
Não se pode esquecer a importância do escoamento básico (água subterrânea) para o atendimento às
demandas e para o equilíbrio ambiental do ecossistema. A perenidade dos rios, lagos e várzeas são mantidas
em parte pela contribuição dos aquíferos. A exploração desenfreada deste recurso poderá comprometer a
manutenção de fluxos apropriados dos rios e dos ecossistemas associados.

6.2 Base legal


O Brasil tem aperfeiçoado a legislação para melhor atender as questões relacionadas à gestão de
recursos hídricos e ao meio ambiente. As leis adotadas nestes setores devem funcionar de forma conjunta, a
fim de proporcionar as condições necessárias para o gerenciamento dos recursos hídricos e o manejo do meio
ambiente. Esta situação torna-se evidente no licenciamento ambiental. Em vários Estados da federação, inclu-
sive no Estado de São Paulo, os órgãos ambientais exigem a outorga de uso da água como parte do processo
de licenciamento ambiental de vários empreendimentos que necessitarem intervir em recursos hídricos para
a sua implantação.
A Resolução Conjunta no 1/2005, emitida pela Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria de Ener-
gia, Recursos Hídricos e Saneamento de São Paulo, estabeleceu procedimentos para a integração das autori-
zações ou licenças ambientais com as outorgas de recursos hídricos entre os órgãos e entidades componentes
do Sistema Estadual de Meio Ambiente e do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos. De
acordo com esta resolução a outorga de recursos hídricos é pré-requisito para a licença prévia, de instalação
e de operação.
A outorga de direito de uso de recursos hídricos é um dos instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos, instituída pela Lei Federal nº 9.433/1997. O licenciamento de atividades, efetiva ou po-
tencialmente poluidoras, é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei
Federal nº 6.938/1981.
A Lei Federal no 6.938/1981 visou controlar o lançamento no meio ambiente de poluentes, proibindo
o lançamento em níveis nocivos ou perigosos para os seres humanos e outras formas de vida.
A Lei Federal no 9.433/1997 regulamenta a política nacional de recursos hídricos e o órgão respon-
sável pelo gerenciamento e pelo planejamento do setor. Um dos objetivos dessa política é assegurar à atual
e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respec-
tivos usos. E uma das diretrizes gerais de ação é a gestão sistemática da água sem dissociação dos aspectos
de quantidade e qualidade. Os principais instrumentos de gestão dos recursos hídricos previsto na lei são o
enquadramento dos corpos de água em classes de uso, a outorga de direito de uso da água e o plano de bacia.
De acordo com a Resolução CONAMA nº 237/97, e o licenciamento ambiental é o procedimento
administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, a instalação, a ampliação e a
operação de empreendimentos e atividades que utilizam recursos ambientais considerados efetiva ou poten-
cialmente poluidoras, ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
Outras Resoluções do CONAMA tratam de disciplinar o licenciamento ambiental para atividades
de setores específicos. A Resolução nº 279/2001 estabelece procedimentos para licenciamento ambiental
simplificado de empreendimentos elétricos com pequeno potencial de impacto ambiental. A Resolução nº
284/2001 dispõe sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação. A Resolução nº 289/2001 estabe-
lece diretrizes para o licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrária. E Resolução
nº 312/2002 dispõe sobre licenciamento ambiental dos empreendimentos de carcinicultura na zona costeira.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
145

A Resolução CONAMA nº 357/2005 e suas atualizações estabelecem a classificação dos corpos de


água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lan-
çamento de efluentes nos corpos de água a uma vazão de referência. Nesta resolução a vazão de referência é
definida como a vazão do corpo hídrico utilizada como base para o processo de gestão, tendo em vista o uso
múltiplo das águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNA-
MA) e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).
Apesar de serem sistemas diferentes, é importante que haja integração e articulação entre a autori-
dade outorgante de recursos hídricos e o órgão ambiental licenciador, com a finalidade de compartilhar in-
formações e compatibilizar procedimentos de análise e de decisão em suas esferas de competência, conforme
estabelecido pela Resolução no 65/2006, do Concelho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).
A definição da vazão de referência é delegada aos comitês de bacias hidrográficas. Contudo, a vazão
de referência refere-se à capacidade mínima de diluição dos efluentes para manter os rios dentro de uma de-
terminada classe de uso. Na Resolução CONAMA nº 357/2005 não está claramente definida a vazão mínima
a ser mantida no rio para a proteção do ecossistema aquático.
O enquadramento dos corpos de água é o estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcan-
çado ou mantido em um segmento de corpo de água ao longo do tempo. O enquadramento busca assegurar
às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas e a diminuir os custos de
combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. Isso envolve a participação da socie-
dade que deve opinar sobre as metas de qualidade a serem atendidas e as prioridades de uso.
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA, 2007) o enquadramento é referência para os demais
instrumentos de gestão de recursos hídricos e instrumentos de gestão ambiental (licenciamento e monito-
ramento), sendo um importante elo entre as duas áreas. Além disso, constitui importante mecanismo para
a proteção da saúde pública, de indicação de tratamento da água e de controle do uso e ocupação do solo.
Os procedimentos previstos na legislação brasileira seguem os objetivos gerais do manejo integrado
dos recursos hídricos (Integrated Water Resources Management – IWRM) que, segundo Radif (1999) e Jewitt
(2002), se baseia na percepção de que a água é parte do ecossistema e se constitui em um bem social e econô-
mico cuja quantidade e qualidade determinam a natureza de sua utilização.
Embora a Resolução CONAMA nº 357/2005 preveja metas finais de qualidade da água a serem alcan-
çadas, podem-se fixar metas progressivas intermediárias obrigatórias para sua efetivação. Aspectos econômi-
cos (limitações de recursos financeiros), tecnológicos (aparecimento de novas tecnologias), sociais (mudanças
de tendência de crescimento e desenvolvimento) e operacionais (mudanças nos prazos de execução de obra)
atribuem um caráter dinâmico ao enquadramento. Neste contexto a implantação da gestão ambiental e da
qualidade da água no Brasil exigirá um grande esforço em termos institucionais, técnicos e de participação
social.
Apesar do enquadramento dos corpos de água existir no Brasil há trinta anos, ainda é muito pequena
a implantação deste instrumento no país (ANA, 2007). Pode-se dizer que este problema reflete a dificuldade
da aplicação prática do regime de vazões ecológicas ou ambientais nas bacias hidrográficas. Os principais
problemas que caracteriza este cenário são a falta de capacitação técnica, de monitoramento das variáveis
ambientais, de metodologia de análise que considere a complexidade do ecossistema e de ações de gestão.

7. BALANÇO ENTRE DEMANDA E DISPONIBILIDADE


O equilíbrio disponibilidade e demanda de água nas bacias é condição básica para a gestão dos re-
cursos hídricos e a preservação dos ecossistemas. As disponibilidades representam toda a água efetivamente
disponível em termos quantitativos e qualitativos, considerando mananciais superficiais e subterrâneos. Em
bacias onde existem reservatórios deve-se considerar as vazões regularizadas pelo sistema de reservatórios.
Condições sustentáveis de uso da água são verificadas quando a equação 3 é alcançada.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
146

Q n + Q r + Q s -Q d ≥ Q e 3

em que Qn é a vazão natural, Qr é a vazão regularizada, Qs é a vazão retirada de mananciais subterrâneos, Qd


é a vazão para atendimento às múltiplas demandas e Qe é a vazão ecológica ou ambiental.
Desta forma a disponibilidade máxima de água devem orientar as outorgas pelo uso da água na bacia
respeitando os critérios de prioridade previstos na legislação (Lei Federal no 9433/97), na qual estabelecem
que o abastecimento humano e a dessedentação animal devem ser priorizados sobre os demais usos.
O critério utilizado para outorga no Estado de São Paulo é de 50% da Q7,10 (Lei Estadual no
9.034/1994). O critério utilizado para usos insignificantes é 5 m3/dia para captação superficial, extrações
subterrâneas ou lançamentos de efluentes em corpos d’água, isoladamente ou e conjunto, em um mesmo
curso d’água ou em um mesmo aquífero, e 5.000 m3 para acumulação superficial decorrentes de escavação em
várzea e 3.000 m3 para acumulações formadas por barramentos (Decreto no 32.955/1991 e Portaria DAEE no
2.292/2006). Portanto a vazão natural citada na equação 2 é a vazão de referência segundo o critério adotado.
No estudo sobre disponibilidade de demanda dos recursos hídricos nas regiões hidrográficas do
Brasil a ANA adota como um dos três indicadores a razão entre a vazão de retirada para os usos consuntivos
e a disponibilidade hídrica para refletir a situação real de utilização dos recursos hídricos. Em rios sem regu-
larização é considerada a vazão de estiagem (a vazão com permanência de 95%). Em rios com regularização é
considerada a vazão regularizada somada ao incremento de vazão com permanência de 95%. A Classificação
da situação segundo este indicador é apresentada na Tabela 4.

Tabela 4 - Faixas de classificação do indicador do balanço entre disponibilidade e demanda.

Faixa (%) Classificação Significado

Pouca ou nenhuma atividade de gerenciamento é necessária.


<5 Excelente
A água é considerada um bem livre
Pode ocorrer necessidade de gerenciamento para solução de
5 a 10 Confortável
problemas locais de abastecimento
A atividade de gerenciamento é indispensável, exigindo a
10 a 20 Preocupante
realização de investimentos médios
Exige intensa atividade de gerenciamento e grandes
20 a 40 Crítica
investimentos

> 40 Muito Crítica


Fonte: Adaptado de ANA (2007).

Para as águas subterrâneas, a ANA adota o balanço considerando a relação entre a vazão de retirada
para os usos consuntivos (demanda potencial), na área de recarga do aquífero, e a vazão explotável. Esse
indicador aponta a possibilidade, ou não, das águas subterrâneas atenderem a demanda total (ANA, 2007).
Segundo a ANA (2007), a relação entre as demandas e a disponibilidade dos recursos hídricos apre-
senta um quadro pelo menos preocupante nas bacias próximas aos centros urbanos. Nos rios Sapucaí, Turvo
e Pardo, afluentes do rio Grande, a situação é preocupante, bem como o Rio Mogi-Guaçu que apresenta situ-
ação crítica. Os Rios Piracicaba e Tietê apresentam situação muito crítica.
O capítulo 2 deste livro detalha a disponibilidade e a demanda de água na unidade de gerenciamento
de recursos hídricos de São Paulo. Embora a disponibilidade hídrica superficial total, expressa pela Q7,10,
seja maior que a demanda global, em algumas bacias a relação entre a demanda e a disponibilidade ultrapas-
sou ou está próxima da unidade, o que significa uma situação crítica de abastecimento.
Nas bacias em que as retiradas superam a disponibilidade hídrica a dimensionamento da vazão eco-
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
147

lógica é ainda mais difícil. A proximidade com grandes centros urbanos agrava o problema devido ao com-
prometimento da qualidade das águas. Esta situação implica no aumento do custo de tratamento da água e
consequentemente causa restrições para de implantação da vazão ecológica.
A avaliação das demandas e a elaboração de estudos de disponibilidade hídrica na bacia hidrográfica
são informações fundamentais para que sejam definidas regras específicas de uso da água que possibilitem a
garantia de atendimento a todos os usuários existentes, podendo-se inclusive prever eventuais condições de
racionamento.
Cruz e Tucci (2008) destacam que a toda a autorização para o uso da água está associada a uma
garantia e a um risco de não atendimento da demanda. Por consequência, a outorga concedida pelo poder
público não representa a garantia absoluta e pode ser cancelada em períodos de estiagem que está vinculado
às vazões mínimas.
O órgão gestor outorgante de recursos hídricos tem a responsabilidade de induzir o uso adequado
da água, de orientar as melhores estratégias, bem como de estabelecer uma gestão de risco de racionamento
quando necessário for. Por outro lado, o usuário deve conscientizar-se em fazer o uso racional da água, estar
disposto a realizar a gestão negociada da água e aprender a conviver e com os riscos de não atendimento
integral inerente a cada tipo de uso.
Deve-se também considerar a sazonalidade na caracterização da disponibilidade hídrica como es-
tratégia de aprimoramento da informação para definir valores mais realistas para as vazões outorgáveis e
ecológicas em função dos diferentes períodos de oferta de água.
A execução do balanço hídrico requer informações hidrológicas e de demandas de vários usos e
também de uma ferramenta de cálculo que promova eficiência e agilidade ao processo de análise. Este instru-
mento técnico é fundamental para o planejamento e a gestão de recursos hídricos e para o desenvolvimento
de projetos em vários segmentos da economia e do meio ambiente.

7.1 Sistema de Suporte a Decisão para outorga


A execução do balanço entre disponibilidade e demandas hídricas é imprescindível para análise de
processos de outorga. Em sistemas hidrológicos grandes e complexos o nível de dificuldade desta tarefa pode
ser grande. Ferramentas computacionais desenvolvidas para manipular dados e informações são úteis para
facilitar a análise desses sistemas de recursos hídricos. As ferramentas de gerenciamento de banco de dados
e modelos matemáticos, agrupadas em uma interface gráfica formam um programa computacional denomi-
nado Sistema de Suporte a Decisão (SSD).
O Laboratório de Sistemas de Suporte a Decisões, do Departamento de Engenharia Hidráulica e
Ambiental, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, desenvolveu para o DAEE um SSD para con-
cessão de outorga de uso da água (FCTH, 2011). O sistema executa de uma forma rápida e eficiente o balanço
hídrico de um conjunto de sub-bacias. As principais características do SSD-Outorga serão apresentadas usan-
do como caso de estudo a bacia do Rio Pitangueiras. Contudo, o sistema pode ser aplicado em qualquer bacia.
Os dados de entrada são: a base geográfica da bacia, dividida em suas respectivas sub-bacias, o ca-
dastro dos usuários, de onde serão retiradas as vazões outorgadas e seus respectivos pontos de captação ou
lançamento, e o critério adotado para a escolha da vazão natural disponível e da vazão mínima a ser garantida
a jusante. A tela principal do sistema é apresentada na Figura 5.
A base geográfica é formada pelos arquivos das sub-bacias (polígonos), no formato padrão “shape” da
ESRI, e dos trechos de rio (linhas). Cada sub-bacia possui um único trecho de rio, identificado com o mesmo
número da sub-bacia que o contém, conforme pode ser observado na Figura 5.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
148

Figura 5 - Tela principal mostrando as sub-bacias e a hidrografia da bacia em estudo.


Fonte: FCTH (2011).

O cadastro de usuários possui, entre outros atributos, a vazão outorgada, o tipo de outorga (captação
ou lançamento) e as coordenadas do ponto de captação ou lançamento.
O critério para as vazões de referência são escolhidos numa tela do SSD específica para esta função
(Figura 6). Nela o operador do SSD tem a liberdade de escolher entre uma vazão com uma determinada pro-
babilidade de ocorrência, por exemplo, a Q95, ou a vazão mínima de 7 dias para um determinado Período de
Retorno, por exemplo, a Q7,10. Além disso, o operador também pode escolher que fração dessa vazão deverá
ser considerada, por exemplo: metade da Q7,10 ou 80% da Q95. Esses critérios de escolha valem tanto para a
vazão natural disponível quanto para a vazão mínima a ser deixada a jusante do uso.
Uma vez fornecidos esses dados, o programa monta e resolve a rede hidráulica formada pelos trechos
de rios pertencentes à bacia em estudo, calculando as vazões naturais através do estudo de regionalização de
vazões e fazendo o balanço hídrico em função das captações e lançamentos dos usuários ao longo dessa rede.
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
149

Figura 6 - Tela para escolha das vazões de referência.


Fonte: FCTH (2011).

Terminado o cálculo, é apresentada na tela uma planilha com os resultados do balanço hídrico (Fi-
gura 7). Além dessa planilha detalhada, pode-se escolher também uma planilha resumo e uma visualização
gráfica do perfil de vazões ao longo de um rio ou trechos de rio (Figura 8). Também é possível a visualização
de um mapa temático, onde os máximos déficits de vazão nas sub-bacias são mostrados no mapa na forma de
uma escala de cores (Figura 9).

Figura 7 - Planilha detalhada dos resultados do balanço hídrico.


Fonte: FCTH (2011).
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
150

Figura 8 - Planilha resumo do balanço hídrico.


Fonte: FCTH (2011).

Figura 9 - Mapa temático dos máximos déficits nas sub-bacias.


Fonte: FCTH (2011).
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
151

Além do cálculo do balanço hídrico, feito com usos já existentes e cadastrados, o SSD, permite a
análise do efeito causado pela inclusão de um ou mais usos na bacia em estudo. A inclusão de um novo uso
pode ser feita através de um clique na tela (na posição estimada do uso) ou através do fornecimento das co-
ordenadas geográficas desse novo uso.
Após a inclusão de um novo uso, toda a bacia é recalculada e o SSD mostra na forma de textos e
gráficos o impacto causado por essa inclusão (Figura 10). Desta forma, é possível imediatamente saber qual a
vazão máxima que pode ser dada para uma outorga de captação de forma a não prejudicar os usos a jusante
desse novo uso em estudo.
Para que um operador possa usar o SSD, ele precisa ser cadastrado pelo administrador. Esse processo
de cadastramento cria o nome de login, a senha e permite ao administrador definir os direitos de gravação
e alteração dos dados para cada operador cadastrado. Um operador pode criar cenários próprios, onde suas
hipóteses de usos na bacia são exclusivas, não interferindo no cálculo realizado por outros operadores que
também estejam usando o SSD.

Figura 10 - Tela para inclusão dos dados de um novo uso.


Fonte: FCTH (2011).

8. CONCLUSÕES
A disponibilidade hídrica, sua variabilidade no tempo e no espaço, é fundamental para atender os
múltiplos usos e para manter a integridade de ecossistemas aquáticos e ribeirinhos. A descrição das vazões
no tempo, por meio de fluviogramas, e a estimativa das vazões de referência, por meio de curvas de perma-
Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
152

nência, são métodos que auxiliam o conhecimento de vazões de referência importante para a definição de
critérios de outorga de direito de uso da água e de vazão ecológica.
A concepção da vazão ecológica está intimamente relacionada aos princípios de sustentabilidade am-
biental que envolve uma série de ações relacionadas não apenas aos aspectos hidrológicos (curvas de duração,
vazões de referência e regularizadas), mas também ao conhecimento das características dos ecossistemas, ao
uso e ocupação do solo, à gestão de resíduos sólidos e das políticas definidas pelo setor elétrico, de sanea-
mento e de irrigação. O conhecimento da disponibilidade hídrica e das demandas na bacia e dados da biota,
compreendendo aspectos bióticos e abióticos dos ecossistemas aquáticos e ribeirinhos, é condição essencial à
determinação da vazão ecológica.
A integração entre as políticas dos diferentes setores facilitará a efetiva implantação da vazão ecológi-
ca. A legislação existente nas áreas de recursos hídricos, meio ambiente, e setores afins são suficientes para dar
o suporte necessário à definição do regime de vazões ecológicas, mas é preciso superar o desafio de utilizá-las
articuladamente.
O balanço entre disponibilidade de demanda hídrica é desfavorável em algumas bacias do Estado
de São Paulo. As vazões retiradas superam a disponibilidade hídrica, particularmente no Alto Tietê, no Rio
Piracicaba e em alguns afluentes do Rio Grande. Grandes demandas em regiões metropolitanas, o consumo
excessivo na irrigação e a poluição da água potencializam os conflitos pelo uso da água para atendimento das
múltiplas demandas e a da vazão ecológica.
O balanço hídrico das bacias pode ser facilitado com o uso de uma ferramenta de cálculo que pro-
mova eficiência e agilidade ao processo de análise. O órgão gestor de recursos hídricos (DAEE) dispõe de
um sistema de suporte a decisão para calcular o balanço hídrico nas bacias visando a análise de pedidos de
outorga. Esta ferramenta contribuirá para aperfeiçoar o planejamento e a gestão de recursos hídricos e de
meio ambiente no Estado de São Paulo.
A regularização da vazão é uma das soluções adotadas para aumentar a disponibilidade hídrica. En-
tretanto, os reservatórios podem provocar alterações no regime hidrológico, diminuindo as vazões máximas
e elevando as mínimas, e na qualidade das águas.

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Capítulo 8
VARIABILIDADE DAS VAZÕES,
BALANÇO HÍDRICO E VAZÃO AMBIENTAL
155

QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

Capítulo 9
156
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

157

1. QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL


A demanda pelo recurso natural água é cada vez maior, tanto em quantidade quanto em qualidade,
para atender o acentuado crescimento demográfico, a manutenção da vida dos ecossistemas e o próprio de-
senvolvimento econômico sustentável da bacia hidrográfica.
A distribuição da água na Terra é desigual e ainda sua quantidade varia no tempo e no espaço, carac-
terizando as regiões secas e úmidas, assim como as estações secas e chuvosas.
A água circula sobre a Terra entre seus diversos componentes, fenômeno este conhecido como ciclo
hidrológico, onde estão presentes os seguintes mecanismos de transferência: precipitação, escoamento su-
perficial, infiltração, evaporação e transpiração. Esses processos são responsáveis por manter o equilíbrio no
sistema hidrológico do planeta.
A qualidade da água é definida a partir de suas propriedades de solvente e pela sua capacidade de
transportar partículas, caracterizando a água pela sua capacidade de incorporar diversas impurezas, por isso,
a água mesmo em suas condições naturais não é pura. Em virtude dessas propriedades é importante entender
os mecanismos de circulação da água na Terra.
A qualidade da água é resultante dos processos que ocorrem sobre a superfície da bacia hidrográfica
e tem forte dependência com as características naturais da bacia hidrográfica, como tipo de solo, vegetação e
clima, assim como, com as atividades antrópicas.
A água na natureza apresenta uma série de compostos dissolvidos que se aderem a ela através da
atmosfera, solos, rochas e pela decomposição da matéria orgânica. Estes compostos são responsáveis pelas
características da água mesmo em seu estado natural.
Como visto a água disponível para uso sofre alterações de qualidade em virtude de fatores naturais
e antropológicos. Desta forma, torna-se necessário conhecer os poluentes que causam estas alterações e que
são capazes de prejudicar os usos pretendidos, assim como, identificar as fontes geradoras de poluição e as
cargas poluidoras.
Em virtude da degradação da qualidade da água dos corpos hídricos foram estipulados padrões de
qualidade da água, através de legislações, que definem valores limites para os parâmetros de qualidade da
água admissíveis para os usos pretendidos e também para o lançamento de efluentes em corpos receptores.
Para obter os padrões de qualidade estabelecidos para atender aos usos são adotadas técnicas de
tratamento para a água bruta, tendo em vista a remoção de poluentes para torna-la adequada aos usos. Do
mesmo modo, são aplicadas técnicas de tratamento de efluentes industriais e sanitários, tendo como objetivo
a remoção de poluentes que venham a causar danos aos corpos hídricos receptores, os quais podem vir a
servir como manancial de abastecimento a jusante.
A Figura 1 ilustra o ciclo integrado de utilização do recurso hídrico como fonte de abastecimento
de água e ao mesmo tempo assimilador de efluentes tratados. Essa Figura justifica a necessidade do estabe-
lecimento de padrões de qualidade para o manancial que atenderá aos usos e para os efluentes que serão
lançados no corpo receptor.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

158

Figura 1 - Ciclo integrado de utilização do recurso hídrico como fonte de abastecimento e assimilador de efluentes
Fonte: Adaptado de Tsutiya (2006)

A seguir serão abordados fatores importantes relacionados à poluição das águas, formas de estimar
as cargas poluidoras, indicadores de qualidade da água, padrões de qualidade e as formas de tratamento da
água e do esgoto. Estes fatores formam um ciclo de utilização da água (captação corpo d´água – tratamento
da água – uso – tratamento do esgoto – lançamento corpo receptor – captação corpo d´água). Ressalta-se que
neste ciclo o corpo d´água e o corpo receptor são o mesmo, por isso é importante que o gerenciamento das
técnicas de tratamento e o atendimento aos padrões especificados sejam mantidos tendo em vista o desenvol-
vimento sustentável do meio como um todo.

1.1 Poluição das águas


O termo “poluição” pode ser utilizado para caracterizar uma alteração na qualidade de um recurso
natural provocada pela adição de substâncias que venham a prejudicar os usos desse recurso.
Em se tratando de poluição da água a Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Po-
lítica Nacional do Meio Ambiente, define poluição nos seguintes termos :
Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a. prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;


b. criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c. afetem desfavoravelmente a biota;
d. afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e. lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Cabe destacar que a poluição é uma decorrência do desenvolvimento urbano, principalmente, devi-
do aos lançamentos de esgoto domésticos e industriais não tratados. A poluição e a degradação dos corpos
d’água agravam-se próximo aos centros urbanos, onde o processo de urbanização ocorre de maneira desor-
denada, e as consequências deste processo são: a inexistência de saneamento ambiental, ausência de serviços
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

159

indispensáveis à vida da população, ocupação de áreas inadequadas, destruição de recursos de valor ecológi-
co, poluição do meio ambiente, habitações em condições precárias. Desta forma, pode-se dizer que a falta de
planejamento consiste em uma das maiores causas de poluição dos rios.
Outros impactos causados pela urbanização, tão importantes quanto os aspectos quantitativos, estão
relacionados com o aumento na produção de sedimentos, degradação da qualidade da água drenada pelos
esgotos pluviais e a contaminação dos aquíferos.
As fontes poluidoras podem ser classificadas em duas formas básicas: poluição pontual e poluição
difusa.
Na poluição pontual os poluentes atingem os corpos d’água de maneira concentrada no espaço,
sendo sua localização e quantificação facilmente identificada, consequentemente, seus efeitos são melhores
mensurados e controlados. Os efluentes domésticos e industriais são exemplos típicos de fontes geradoras da
poluição pontual.
Na poluição difusa os poluentes atingem os corpos d’água distribuídos ao longo de sua extensão, sen-
do difícil a identificação de sua origem e, como consequência, tem-se o difícil estabelecimento de processos
apropriados para seu controle. As principais fontes geradoras de poluição difusa são: deposição atmosférica,
desgaste da pavimentação, veículos, restos de vegetação, lixo e poeira, dejetos de animais, derramamentos,
erosão e lançamentos irregulares de esgoto doméstico. Esta poluição caracteriza-se por estar associada a
eventos de precipitação, sendo uma parcela transportada pela própria água da chuva e outra arrastada pelo
escoamento superficial.

1.1.1 Fatores que interferem na qualidade das águas

Um dos grandes desafios atuais na gestão da qualidade ambiental é obter o equilíbrio entre as ati-
vidades que geram o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, este desafio tem sido
traduzido através do conceito de desenvolvimento sustentável, o qual visa suprir as necessidades da geração
atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações.
A qualidade da água é uma resultante dos processos que ocorrem sobre a superfície da bacia hidro-
gráfica. Nesses processos estão incluídas as atividades para atender as necessidades humanas, dentre elas
podem ser citadas a produção de alimentos e vestimentas, moradias, transportes, infraestrutura urbana,
produção industrial, etc.
Os principais impactos que interferem na qualidade da água estão relacionados com as alterações do
uso e ocupação do solo em áreas urbanas e rurais. Estas mudanças são os resultados do aumento populacio-
nal, economia local e regional, turismo, recreação e outros.
O uso e ocupação do solo tem forte interferência sobre a qualidade da água, pois intensifica a remo-
ção da vegetação, a erosão, a impermeabilização do solo e a produção de carga difusa e de esgoto doméstico
e industrial. O resultado disso é visualizado através do assoreamento de rios, deterioração da qualidade da
água, alterações estéticas, desequilíbrio ecológico, aumento das inundações e de doenças de veiculação hí-
drica, etc.
No meio rural outros usos como, agricultura, pecuária, piscicultura, silvicultura causam impactos
sobre a qualidade das águas superficiais, pois estas atividades caracterizam-se por realizar modificação na
paisagem, supressão de vegetação original para plantação de monoculturas e o lançamento de defensivos
agrícolas e fertilizantes no solo e na água. Estas alterações e lançamentos ocasionam a poluição dos corpos
d’água receptores.
Como comentado anteriormente, os poluentes que afetam a qualidade da água dos corpos hídricos
advêm de fontes pontuais e difusas. Desse modo, a gestão da qualidade da água não depende apenas do
tratamento de esgoto, seja industrial ou doméstico, mas também de um manejo efetivo das atividades desen-
volvidas no âmbito da bacia hidrográfica, considerando as necessidades da população e as características e
vulnerabilidades da região, de modo a garantir a sustentabilidade da bacia.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

160

Impactos da remoção da vegetação sobre a qualidade da água

Os desenvolvimentos urbanos e rurais resultam na remoção de extensas áreas de vegetação para im-
plantação de empreendimentos imobiliários, estabelecimento de culturas agrícolas e pastagens.
A supressão da vegetação desencadeia uma série de alterações no solo, água e ar. Sua retirada pode
acarretar em alterações na evapotranspiração, modificando as taxas de precipitação e consequente mudança
sobre o ciclo hidrológico e produção de água de uma determinada bacia.
A remoção da vegetação afeta a qualidade da água uma vez que torna os corpos d’água vulnerável ao
aporte de carga poluente, da mesma maneira que intensifica o carreamento de poluentes pelo solo descober-
to ou impermeabilizado. A impermeabilização do solo aumenta o escoamento superficial e a velocidade do
escoamento, gerando maior capacidade de arraste e, portanto, maiores cargas poluidoras atingem os corpos
d’água.
Outro impacto característico da remoção da cobertura vegetal é a intensificação dos processos ero-
sivos, os quais são responsáveis pelo assoreamento de rios e lagos. O assoreamento diminui a capacidade
de escoamento dos rios, aumenta a frequência e intensidade das inundações e afeta a qualidade da água,
tornando-a turva e imprópria para consumo. Deste modo, pode-se dizer que a cobertura vegetal tem influ-
ência direta no processo de erosão, na qualidade da água, na proteção de mananciais e na produção de água.

Erosão

Outro problema que afeta a qualidade da água, relacionado às atividades que alteram a cobertura
natural do solo, é o aumento das taxas de erosão e transporte de sedimentos.
Nas áreas rurais, a erosão ocorre devido ao manejo inadequado das áreas agrícolas, que em alguns
casos atinge as margens dos rios, reduzindo drasticamente a vegetação nativa que antes protegiam suas mar-
gens.
Em áreas urbanas, o aumento das taxas de erosão e transporte de sedimentos ocorrem devido à
instalação de novos empreendimentos, abertura de avenidas, loteamentos, etc. Como consequência desse
processo tem-se o assoreamento dos corpos d’água, ocasionando alterações das características hidráulicas,
aumento das áreas inundadas, mudanças dos ecossistemas aquáticos e a deterioração dos aspectos estéticos e
da qualidade da água dos corpos hídricos.
O transporte excessivo de sedimentos é talvez a forma mais visível de poluição difusa. O sedimento
por si só já se constitui em poluente por afetar a vida aquática com o aumento da turbidez e redução da
transparência da água. Outro fator importante de ser observado é a capacidade do sedimento em transportar
outros poluentes por eles adsorvidos, tais como metais, amônia, fertilizantes e outros tóxicos como pesticidas
e bifenilos policlorados (PCB’s). A consequência desse transporte de poluentes é o aumento significativo da
concentração de sólidos e nutrientes na água dos mananciais.

Geração de cargas poluidoras

A gestão de recursos hídricos tem entre seus objetivos dispor de água na quantidade e qualidade
adequada para atender aos usos pretendidos. Em contrapartida, tem-se o desenvolvimento urbano e rural,
manifestados pela alteração de uso e ocupação do solo, gerando um excedente de cargas poluidoras que
atingem os corpos d’água.
Desse modo, a identificação das fontes geradoras da poluição torna-se de relevante importância para
a avaliação correta do seu potencial poluidor, dos impactos gerados e também para a identificação de medi-
das de controle adequadas.
As principais fontes de cargas pontuais são os efluentes domésticos e industriais. A poluição pontual
é de fácil identificação e seu controle ocorre através do tratamento de esgoto gerado.
Poluentes difusos são lançados de maneira distribuída e se caracterizam pela dificuldade de identifi-
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

161

car sua origem e consequentemente seu controle. A carga difusa é proveniente do escoamento superficial de
áreas agrícolas e urbanas, sendo que o último apresenta-se associado à drenagem pluvial urbana.
O controle da carga difusa se dá a partir de um conjunto de medidas, as chamadas Melhores Práticas
de Manejo (Best Management Practices – BMP’s). Esse controle é constituído de medidas não estruturais,
com foco na prevenção e controle da emissão dos poluentes, e medidas estruturais, que propiciam a redução
ou remoção dos poluentes do escoamento.
A geração de carga poluidora é uma consequência inevitável do desenvolvimento, portanto, torna-se
de fundamental importância para a gestão da qualidade da água o estabelecimento de uma estratégia de ma-
nejo, princípios e metodologias que proporcionem a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão
ambiental e do uso e ocupação do solo, conforme preconiza a Lei das Águas (Lei nº 9.433/1997).

Dentre os impactos sobre a qualidade da água estão:


• Alterações estéticas;
• Depósitos de sedimentos;
• Depleção da concentração de oxigênio dissolvido;
• Contaminação por organismos patogênicos;
• Eutrofização; e
• Danos devido à presença de tóxicos.

Determinar o aporte de carga poluidora não é uma tarefa fácil, pois os valores de carga poluidora lan-
çadas no corpo hídrico variam ao longo do tempo e do espaço, o que torna necessário um acompanhamento
da qualidade do corpo receptor.

1.2 Medição e estimativas de carga poluidora


O monitoramento sistemático é um dos principais instrumentos utilizados para a quantificação das
cargas poluidoras afluentes aos corpos d’água. O monitoramento baseia-se no acompanhamento contínuo
dos aspectos quantitativos e qualitativos das águas. Para tal são necessários levantamentos de campo, obten-
ção de amostras de água, análises laboratoriais, medição de vazão e outros.
O monitoramento produz informações sobre as características dos corpos d’água, sendo considerado
como um dos fatores determinantes no processo de gestão de recursos hídricos e ambiental, uma vez que
propicia uma percepção sistemática e integrada da realidade da bacia hidrográfica.
Com base nos dados do monitoramento obtém-se a quantificação dos poluentes afluentes aos corpos
d’água, a qual é expressa em termos de carga.
A carga poluente é expressa em função da massa poluente transportada por unidade de tempo (kg/d).
A seguir são apresentados exemplos do cálculo da carga poluente em função da origem dos poluentes.

• Esgoto doméstico e industrial


Contribuição * Vazão
Carga
1000

• Esgoto doméstico não tratado ou bruto

População (hab) - Carga per capita


Carga
1000
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

162

• Escoamento industrial

Carga= Contribuição por unidade produzida * produção

• Escoamento superficial

Carga Contribuição por unidade de área * área (km2)

As equações para estimativa de carga do escoamento industrial e do escoamento superficial represen-


tam a produção de carga geral de longo período, desse modo, não são consideradas as variáveis hidrológicas.

1.3 Indicadores de qualidade de água


A qualidade das águas é representada por um conjunto de parâmetros de natureza química, física e
biológica. Estes parâmetros são utilizados para avaliar as características da água.

a. Físicos - são facilmente mensuráveis, sendo alguns apenas detectáveis pelos sentidos do homem.
i. Temperatura: indica a intensidade de calor. É um parâmetro importante, pois elevações da tem-
peratura aumentam as taxas das reações físicas, químicas e biológicas, diminuem a solubilidade de
oxigênio dissolvido. Elevações da temperatura podem causar a destruição de ecossistemas naturais.
ii. Sabor e odor: o sabor é uma interação entre o gosto (salgado, doce, azedo e amargo) e o odor (sen-
sação olfativa). Resultam de causas naturais (algas, vegetação em decomposição, bactérias, fungos,
compostos orgânicos) e artificiais (esgotos domésticos e industriais). Não representam risco à saúde,
mas causam rejeição de uso pela população.
iii. Cor: a coloração da água é resultante da presença de sólidos dissolvidos. Pode ser causada pelo ferro
ou manganês, pela decomposição da matéria orgânica e algas ou pela introdução de esgotos indus-
triais e domésticos.
iv. Turbidez: representa a interferência da passagem de luz através da água. A turbidez deve-se à pre-
sença de sólidos em suspensão na água, conferidos por partículas de rocha, algas, micro-organismos
e pela presença de esgotos domésticos e industriais.
v. Sólidos:
Sólidos em suspensão: resíduo que permanece num filtro de asbesto após filtragem da amostra. Po-
dem ser divididos em:
- Sólidos sedimentáveis: sedimentam após um período t de repouso da amostra
- Sólidos não sedimentáveis: somente podem ser removidos por processos de coagulação, floculação
e decantação.
Sólidos dissolvidos: material que passa através do filtro. Representam a matéria em solução ou em
estado coloidal presente na amostra de efluente.
vi. Vazão: volume de água que atravessa determinada seção transversal por unidade de tempo.

b. Químicos: as características químicas das águas são de grande importância, pois a presença de alguns ele-
mentos ou compostos químicos pode interferir no uso de certas técnicas de tratamento.
i. pH (potencial hidrogeniônico): sugere o grau de concentração de íons hidrogênio H+ em uma so-
lução. Indica se uma água é ácida (pH inferior a 7), neutra (pH igual a 7) ou alcalina (pH maior do
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

163

que 7). O pH tem influência sobre as etapas de tratamento da água (coagulação e grau de incrusta-
bilidade/corrosividade) e no- controle da operação de estações de tratamento de esgotos (digestão
anaeróbia).
ii. Alcalinidade: causada por sais alcalinos, principalmente de sódio e cálcio; mede a capacidade da
água de neutralizar os ácidos; em teores elevados, pode proporcionar sabor desagradável à água, tem
influência nos processos de tratamento da água.
iii. Dureza: resulta da presença de sais alcalinos terrosos (cálcio e magnésio). Causa sabor desagradável
e efeitos laxativos; reduz a formação da espuma do sabão, aumentando o seu consumo; provoca in-
crustações nas tubulações e caldeiras.
iv. Cloretos: provêm da dissolução de minerais ou da intrusão de águas do mar; podem, também, ocor-
rer da presença de esgotos domésticos ou industriais; em altas concentrações, conferem sabor salgado
à água ou propriedades laxativas.
v. Ferro e manganês: podem originar-se da dissolução de compostos do solo ou de despejos industriais;
causam coloração avermelhada à água, no caso do ferro, ou marrom, no caso do manganês; conferem
sabor metálico à água; as águas ferruginosas favorecem o desenvolvimento das ferrobactérias, que
causam maus odores e coloração à água e obstruem as canalizações.
vi. Nitrogênio: o nitrogênio pode estar presente na água sob várias formas: molecular, amônia, nitrito,
nitrato. É indispensável ao crescimento de algas, quando em excesso, pode ocasionar um exagera-
do desenvolvimento desses organismos, fenômeno conhecido como eutrofização. O nitrato na água
pode causar a metemoglobinemia. A amônia é tóxica aos peixes;
O aumento do nitrogênio na água está associado à presença de esgotos domésticos, industriais e ferti-
lizantes. A forma predominante do nitrogênio pode fornecer o estágio da poluição: poluição recente
está associada ao nitrogênio orgânico ou amônia, enquanto que a poluição mais remota está associada
ao nitrogênio na forma de nitrato.
vii. Fósforo: encontra-se na água nas formas de ortofosfato, polifosfato e fósforo orgânico; é essencial
para o crescimento de algas e quando em excesso causa a eutrofização; suas principais fontes são: dis-
solução de compostos do solo; decomposição da matéria orgânica, esgotos domésticos e industriais;
fertilizantes; detergentes; excrementos de animais.
viii. Fluoretos: os fluoretos têm ação benéfica de prevenção da cárie dentária; em concentrações mais eleva-
das, podem provocar alterações da estrutura óssea ou a fluorose dentária (manchas escuras nos dentes).
ix. Oxigênio Dissolvido (OD): é indispensável aos organismos aeróbios; águas com baixos teores de
oxigênio dissolvido indicam que receberam matéria orgânica; a decomposição da matéria orgânica
por bactérias aeróbias é, geralmente, acompanhada pelo consumo e redução do oxigênio dissolvido
da água; dependendo da capacidade de autodepuração do manancial, o teor de oxigênio dissolvido
pode alcançar valores muito baixos, ou zero, extinguindo-se os organismos aquáticos aeróbios. O
oxigênio dissolvido é o principal parâmetro de caracterização dos efeitos da poluição da água.
x. Matéria Orgânica: tem primordial importância na caracterização da qualidade da água, pois é causa-
dora do principal problema de poluição das águas, o consumo de oxigênio dissolvido pelos micror-
ganismos para a decomposição da matéria orgânica. Geralmente, são utilizados dois indicadores do
teor de matéria orgânica na água: Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de
Oxigênio (DQO).
• Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) é a quantidade de oxigênio necessária à oxidação da ma-
téria orgânica por ação de bactérias aeróbias. Representa, portanto, a quantidade de oxigênio que seria
necessário fornecer às bactérias aeróbias, para consumirem a matéria orgânica presente (água ou esgoto).
• Demanda Química de Oxigênio (DQO): é a quantidade de oxigênio necessária à oxidação da ma-
téria orgânica, através de um agente químico.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

164

c. Biológicos: As características biológicas da água são usadas para descrever a presença de organismos mi-
crobiológicos e elementos patogênicos.

i. Coliformes: são indicadores de presença de microrganismos patogênicos na água. Os coliformes ter-


motolerantes existem em grande quantidade nas fezes humanas e, quando encontrados na água,
significa que a mesma recebeu esgotos domésticos, podendo conter microrganismos causadores de
doenças.
ii. Algas: as algas desempenham um importante papel no ambiente aquático, sendo responsáveis pela
produção de grande parte do oxigênio dissolvido do meio. Em grandes quantidades trazem alguns
inconvenientes à água como sabor e odor, toxidez, turbidez e cor, assim como, levar a redução do
oxigênio dissolvido para a decomposição de sua matéria orgânica quando mortas.

1.4 Padrões de qualidade da água


Os teores máximos de impurezas permitidos na água são estabelecidos em função dos seus usos. Esses
teores constituem os padrões de qualidade, os quais são fixados a fim de garantir que a água a ser utilizada
para determinado uso não contenha impurezas que venham a prejudicá-lo, ou ainda, para o caso do lança-
mento de efluentes, que estes não venham a causar dano ao meio ambiente.
É importante destacar a diferença entre critérios e padrões de qualidade da água. O primeiro trata
de valores máximos toleráveis que garantem os usos pretendidos da água definidos para condições genéricas
de exposição. O critério torna-se um padrão quando citado em uma legislação, para seu estabelecimento são
necessários estudos toxicológicos adequados.
Os critérios de qualidade de água são estabelecidos individualmente por cada tipo de uso, sendo eles:
consumo humano, recreação, dessedentação de animais, irrigação, proteção da vida aquática e aquicultura.
Os padrões de qualidade das águas expressam características de ordem física, química e biológica
desejáveis nas águas em função dos usos preponderantes. Tendo em vista a proteção dos corpos d’água fo-
ram instituídas restrições legais para a manutenção das características físicas, químicas e biológicas dentro de
certos limites.
Os padrões e critérios de qualidade da água na legislação brasileira são produzidos tendo em vista
atender aos usos da água, como abastecimento público, balneabilidade, irrigação, pesca, dentre outros. Tais
usos são protegidos pelos padrões fixados pelas seguintes legislações: Portaria do Ministério da Saúde nº
2914/11, Resolução CONAMA nº 274/2000, Resolução CONAMA nº 357/2005.
A legislação brasileira também assegura a preservação dos usos e principalmente do meio ambiente
através da Resolução CONAMA nº 430/11 que estabelece padrões para o lançamento de efluentes.

1.4.1 Portaria do Ministério da Saúde nº 2914/2011


Estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da
água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.
A portaria MS nº 2914 /2011 estabelece as competências e responsabilidades por parte de quem
produz a água, no caso, os sistemas de abastecimento de água e de soluções alternativas; exigências aplicáveis
aos sistemas e soluções alternativas coletivas de abastecimento de água para consumo humano; os padrões de
potabilidade; os planos de amostragem; penalidades, e outros.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

165

1.4.2 Resolução CONAMA nº 274/2000

Define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras. Os padrões estabelecidos por esta Resolu-
ção encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 - Padrões de balneabilidade.

Balneabilidade –
Padrões para o corpo d’água
categoria

Excelente Máximo de 250 CF/100ml 1 ou 200 EC/100ml 3 ou 25 Enterococos/100ml 4 em 80%


ou mais das amostras das cinco semanas anteriores.
Muito Boa Máximo de 500 CF/100ml 1 ou 400 EC/100ml 3 ou 50 Enterococos/100ml 4 em 80%
Própria
ou mais das amostras das cinco semanas anteriores.
Satisfatória Máximo de 1000 CF/100ml 1 ou 800 EC/100ml 3 ou 100 Enterococos/100ml 4 em 80%
ou mais das amostras das cinco semanas anteriores.
a) Não atendimento aos critérios estabelecidos para as águas próprias.
Imprópria
b) Incidência elevada ou anormal, na região, de enfermidades transmissíveis por via
hídrica, indicadas pelas autoridades sanitárias.
c) Valor obtido na última amostragem for superior a 2500 CF/100ml 1 (termotolerantes)
ou 2000 EC/100ml 3 ou 400 Enterococos/100 ml.
d) Presença de resíduos ou despejos, sólidos ou líquidos, inclusive esgotos sanitários,
óleos, graxas e outras substâncias, capazes de oferecer risco à saúde ou tornar
desagradável a recreação.
e) pH < 6,0 ou pH > 9,0 (águas doces), à exceção das condições naturais.
f) Floração de algas ou outros organismos, até que se comprove que não oferecem riscos
à saúde humana.
h) Outros fatores que contraindiquem, temporária ou permanentemente, o exercício
da recreação de contato primário.
(1) Coliformes Fecais, (2) Coliformes Totais, (3) Escherichia coli e (4) Os padrões referentes aos enterococos aplicam-se somente
às águas marinhas.
Fonte: Resolução CONAMA nº 274/2000.

1.4.3 Resolução CONAMA nº 357/2005

Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento.
Esta Resolução classifica as águas doces, salobras e salinas do Território Nacional, segundo a qualidade reque-
rida para os seus usos preponderantes, em treze classes de qualidade.
A Resolução CONAMA nº 357/2005 estabelece as condições e os padrões de qualidade da água para
as treze classes definidas, os quais visam atender aos usos pretendidos. Em seu Art. 38, § 2º, fica definido que
em bacias hidrográficas onde a condição de qualidade dos corpos de água esteja em desacordo com os usos
preponderantes pretendidos, deverão ser estabelecidas metas obrigatórias, intermediárias e final, de melho-
ria da qualidade da água para efetivação dos respectivos enquadramentos, excetuados nos parâmetros que
excedam aos limites devido às condições naturais.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

166

Uma forma de definir a qualidade das águas dos corpos d’água é o enquadramento dos corpos hí-
dricos em classes, as quais são definidas em função dos usos pretendidos. A partir dos usos são estabelecidos
critérios ou condições a serem atendidos.

1.4.4 Resolução CONAMA nº 430/11


A Resolução CONAMA nº 430/11 dispõe sobre condições, parâmetros, padrões e diretrizes para ges-
tão do lançamento de efluentes em corpos de água receptores, alterando parcialmente e complementando a
Resolução CONAMA nº 357/05. Esta Resolução estabelece que os efluentes de qualquer fonte poluidora so-
mente poderão ser lançados, direta ou indiretamente, nos corpos de água, após o devido tratamento e desde
que obedeçam às condições, padrões e exigências dispostos nesta Resolução e em outras normas aplicáveis.
Destaca também que os efluentes não poderão conferir ao corpo de água características em desacordo com as
metas obrigatórias progressivas, intermediárias e final, do seu enquadramento.
Esta Resolução estabelece, em seu Art. 18, que o efluente não deverá causar ou possuir potencial para
causar efeitos tóxicos aos organismos aquáticos no corpo receptor, de acordo com os critérios de ecotoxicidade
estabelecidos pelo órgão ambiental competente. Ainda no Art. 23 fica definido que os efluentes de sistemas de
tratamento de esgotos sanitários poderão ser objeto de teste de ecotoxicidade no caso de interferência de efluentes
com características potencialmente tóxicas ao corpo receptor, a critério do órgão ambiental competente.
Segundo Art. 18, § 1º, os critérios de ecotoxicidade devem se basear em resultados de ensaios eco-
toxicológicos aceitos pelo órgão ambiental, realizados no efluente, utilizando organismos aquáticos de pelo
menos dois níveis tróficos diferentes.
O teste de ecotoxicidade é utilizado para detectar e avaliar a capacidade de um agente tóxico provo-
car efeito nocivo, utilizando bioindicadores dos grandes grupos de uma cadeia ecológica.
Esses testes em efluentes de sistemas de tratamento de esgotos sanitários subsidiam ações de gestão
da bacia contribuinte aos referidos sistemas, indicando a necessidade de controle nas fontes geradoras de
efluentes com características potencialmente tóxicas ao corpo receptor (Art. 23, § 1).
Segundo Art. 24, os responsáveis pelas fontes poluidoras dos recursos hídricos deverão realizar o au-
tomonitoramento para controle e acompanhamento periódico dos efluentes lançados nos corpos receptores,
com base em amostragem representativa dos mesmos.
No Art. 27 da presente Lei, fica estabelecido que as fontes potencial ou efetivamente poluidoras dos
recursos hídricos deverão buscar práticas de gestão de efluentes com vistas ao uso eficiente da água, à aplica-
ção de técnicas para redução da geração e melhoria da qualidade de efluentes gerados e, sempre que possível
e adequado, proceder à reutilização.

1.5 Classes de enquadramento


Os usos da água possuem diferentes requisitos de qualidade. As águas com maior qualidade permi-
tem a existência de usos mais exigentes, enquanto águas com pior qualidade permitem apenas os usos menos
exigentes. Uma forma de definir critérios ou condições a serem atendidos pelos corpos d’água é estabelecer a
classificação das águas em função dos seus usos, a qual recebe o nome de enquadramento dos corpos d’água.
O enquadramento, segundo a Resolução CONAMA n° 357/05, é o estabelecimento de meta ou obje-
tivo de qualidade da água (classe) a ser alcançado ou mantido em um segmento de corpo de água, de acordo
com os usos preponderantes pretendidos, ao longo do tempo. Este instrumento visa: “assegurar às águas
qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas; e diminuir os custos de combate à
poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes”.
O enquadramento dos corpos d’água é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos
fundamental para o gerenciamento de recursos hídricos e para planejamento ambiental, definido pela Lei 9433/97.
A Resolução CONAMA nº 357/2005 estabeleceu 13 classes para os corpos d’água, sendo 5 de águas
doces, 4 de águas salobras e 4 de águas salinas. A Tabela 2 mostra os usos da água compatível com os padrões
estabelecidos para as classes de águas.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

167

Tabela 2 - Classe de enquadramento em função dos usos da água.

CLASSE USO

Abastecimento para consumo humano, com desinfecção;


Especial À preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas;
À preservação de ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral.

Abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado;


À proteção das comunidades aquáticas
À recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho;
1
À irrigação de hortaliças consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que
sejam ingeridas cruas;
ÁGUAS DOCES

À proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas.


Abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional;
À proteção das comunidades aquáticas;
À recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho;
2
À irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins e campos de esporte e lazer, com
os quais o público possa vir a ter contato direto;
À aquicultura e à atividade de pesca.
Abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado;
À irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras;
3 À pesca amadora;
À recreação de contato secundário;
À dessedentação de animais.
À navegação;
4
À harmonia paisagística.
À preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas;
Especial
À preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral.
ÁGUAS SALINAS

À proteção das comunidades aquáticas;


1 À recreação de contato primário;
À aquicultura e à atividade de pesca.
À pesca amadora;
2
À recreação de contato secundário.
À navegação;
3
À harmonia paisagística.
À preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas;
Especial
À preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral.
ÁGUAS SALOBRAS

À proteção das comunidades aquáticas;


À recreação de contato primário;
À aquicultura e à atividade de pesca;
1
Ao abastecimento para consumo humano após tratamento convencional ou avançado;
À irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e
a irrigação de parques, jardins, campos de esporte e lazer.
À pesca amadora;
2
À recreação de contato secundário.
À navegação;
3
À harmonia paisagística.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

168

1.6 Tratamento de água


O desenvolvimento das cidades sem planejamento, a ocupação desordenada das áreas de mananciais
e margens de rios, assim como o desenvolvimento industrial, tem acarretado em crescentes cargas poluidoras
afluentes aos corpos d’água, que servem como fonte de abastecimento de água. Desta forma, para atender
a necessidade de água para uso foram desenvolvidas e aprimoradas técnicas de tratamento da água para
consumo.
A seleção do tipo de tecnologia de tratamento a ser utilizada deve considerar a qualidade da água
bruta, pois estas podem interferir na eficiência das estações de tratamento e, consequentemente, causar riscos
à saúde pública.
A técnica adotada deve cumprir o padrão de potabilidade estabelecido pela Portaria 2914 de 2011
do Ministério da Saúde.
As técnicas de tratamento d’água mostram-se capaz de remover poluentes de águas muito poluídas,
no entanto, é preciso considerar que o risco e os custos de tratamento desta água são muito elevados.
Tendo em vista estes riscos, a Resolução CONAMA 357/05 classifica as águas doce, salobras e salga-
das, estabelecendo os limites máximos dos parâmetros de qualidade da água para cada classe. As classes visam
compatibilizar a qualidade da água adequada ao uso pretendido.
Para o abastecimento público podem ser utilizados rios de classe especial (após desinfecção), classe 1
(após tratamento simplificado), classe 2 (após tratamento convencional) e classe 3 (após tratamento conven-
cional ou avançado). Rios de classe 4 são impróprios para tal uso.

1.6.1 Tratamento de Água Convencional


O tratamento convencional contempla uma série de etapas, sendo elas:
• Pré-cloração – na chegada da água à estação é adicionado cloro para facilitar a retirada de matéria orgânica
e metais.
• Pré-alcalinização – na etapa seguinte a água recebe cal ou soda para ajustar o pH aos valores necessários
para as fases seguintes do tratamento.
• Coagulação – Nesta fase é feita a remoção das partículas de sujeira através de uma mistura rápida de sulfato
de alumínio ou cloreto férrico que irão aglomerar os resíduos formando flocos.
• Floculação – Após a coagulação, a água é movimentada lentamente para que as partículas se aglomerem
formando partículas maiores, denominadas de flocos.
• Decantação – Neste processo, os flocos formados irão se separar da água e ficaram armazenados no fundo
dos tanques (decantadores).
• Filtração – Logo depois, a água atravessa filtros constituídos por camadas de areia, antracito e cascalho que
irão reter a sujeira que restou da fase de decantação.
• Pós-alcalinização – Em seguida, é feita a correção final do pH da água, para evitar a corrosão ou incrustação
das tubulações.
• Desinfecção – É feita uma última adição de cloro para eliminar possíveis bactérias e vírus e garantir que ela
continue assim nas redes de distribuição e nos reservatórios.
• Correção do pH – Esta etapa é realizada para evitar a corrosão ou a incrustação das canalizações.
• Fluoretação – Nesta fase é adicionado flúor à agua para auxiliar na redução da incidência de cárie dentária
na população.

O tratamento convencional pode não ser suficiente para tornar a água livre de substâncias nocivas
para consumo, o que implica na adoção de técnicas complementares de tratamento de água para abasteci-
mento.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

169

1.6.2 Tratamento de Água Avançado

As técnicas tratamento avançado são desenvolvidas para remover os poluentes “remanescentes” do


tratamento convencional, entre estes poluentes podem ser citados os compostos orgânicos e inorgânicos, sub-
produtos da desinfecção, microrganismos e aspectos estéticos (ferro, manganês, odor, sabor, turbidez, etc.).
O tratamento avançado conta com uma série de unidades que são incorporadas ao tratamento con-
vencional, dentre as quais estão:
• Agentes oxidantes – reagem com os compostos orgânicos e organismos patogênicos presentes na água.
• Adsorção por carvão ativado – útil na remoção de cloro residual.
• Processos de separação por membranas - são eficientes na remoção de bactérias e vírus, compostos orgâni-
cos dissolvidos, substâncias inorgânicas, cor, odor, metais, dureza, etc.
• Radiação ultravioleta – eficiente na remoção dos organismos patogênicos.
• Troca iônica – técnica utilizada para remover a dureza e metais da água.

1.7 Tratamento de efluentes

A utilização dos corpos d’água para afastar os dejetos é uma técnica adotada desde as primeiras civi-
lizações. Com a intensificação do uso começaram a surgir as doenças de veiculação hídrica e aumentaram os
problemas relacionados à degradação da qualidade da água e os impactos ao meio ambiente.
Com isso surgiram as restrições sanitárias para o lançamento de esgoto nos corpos receptores, onde
são exigidos padrões toleráveis em função das características do corpo hídrico (vazão e capacidade de auto-
depuração), dos usos da água e a legislação ambiental.
O tratamento do esgoto tem como objetivo:
• Prevenir e reduzir a propagação de doenças transmissíveis causadas por micro-organismos patogênicos
• Conservar as fontes de abastecimento de água para seu uso
• Preservar a fauna e flora aquáticas
• Evitar o crescimento desordenado das plantas aquáticas
• Decompor a matéria orgânica para evitar gases mal cheirosos
A escolha do processo de tratamento deve basear-se nos padrões ambientais estabelecidos para o
corpo receptor, tendo em vista a proteção do meio ambiente e da saúde pública.
Cabe destacar a nível legal a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938 de 31 de
agosto de 1981) que estabelece entre seus instrumentos:
• O estabelecimento de padrões de qualidade ambiental.
• A avaliação dos impactos ambientais.
• O licenciamento de atividades poluidoras.
Os objetivos destes instrumentos é que o lançamento do esgoto tratado mantenha e preserve o aspec-
to estético, a vida aquática e a saúde pública.
Ainda neste enfoque, ressalta-se a Resolução CONAMA nº 430/11 que estabelece as condições, parâ-
metros, padrões e diretrizes para gestão do lançamento de efluentes em corpos de água receptores.
Assim sendo, a análise das medidas de controle da poluição deve obedecer as exigências legais em
função da capacidade de tratamento de cada sistema, como também deve ser analisados os custos de implan-
tação, operação e manutenção de cada alternativa para se obter a efetivação das medidas adotadas.
Os seguintes fatores devem ser observados na seleção das alternativas de tratamento de esgoto:
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

170

• Características do esgoto, tais como vazão e os principais poluentes a serem tratados.


• Características do corpo receptor.
• Requisitos exigidos para o lançamento.
Com base nestas informações devem ser selecionadas as alternativas capazes de produzir um efluente
compatível com os padrões de lançamento.
O processo de tratamento é formado por uma série de operações unitárias, tendo em vista a remoção
de substâncias indesejáveis ou a transformação dessas substâncias em outras mais aceitáveis. Merecem desta-
ques as seguintes operações unitárias empregadas nos sistemas de tratamento:
• Troca de gás – trata da adição de gás ou ar ao esgoto para manter as condições aeróbias.
• Gradeamento – objetiva a remoção do material flutuante e a matéria em suspensão menor que as aberturas
das grades.
• Sedimentação – operação que diminui a capacidade de carreamento e de erosão da água até que as partí-
culas em suspensão sedimentem pela ação da gravidade.
• Flotação – operação pela qual a capacidade de carreamento da água é diminuída e sua capacidade de em-
puxo é aumentada, levando as partículas para a superfície.
• Coagulação química – caracteriza-se pela adição de substâncias químicas formadoras de flocos ao esgoto
com a finalidade de se juntar com a matéria em suspensão. A união das partículas formam os flocos que
sedimentam melhor.
• Precipitação química – operação pela qual substâncias dissolvidas são retiradas dos sólidos, as substâncias
adicionadas são solúveis e reagem com as substâncias químicas do esgoto.
• Filtração – nesta operação os fenômenos de coar, de sedimentação e de contato se combinam para transfor-
mar a matéria em suspensão para grãos de areia, carvão ou outro material granular, de onde será removida.
• Desinfecção – operação que inativa os organismos infecciosos em potencial.
• Oxidação biológica – operação pela qual os microrganismos decompõem a matéria orgânica contida no
esgoto e transforma substâncias complexas em substâncias mais simples.

1.7.1 Processos do Tratamento de Esgoto

O tratamento de esgoto pode se dar por meio químico, físico e biológico.


a. Processo químico
Utiliza produtos químicos e dificilmente são adotados isoladamente. A utilização dos produtos químicos
tem sido a principal causa de sua menor aplicação. É adotado quando os processos físicos e biológicos não
atendem ou não atuam eficientemente nas características que se pretende reduzir ou remover. Dentre os
processos químicos podem ser citados: coagulação e floculação, precipitação química, oxidação química, etc.
b. Processo físico
Predominam os fenômenos físicos para remoção das substâncias fisicamente separáveis. Caracterizam-se
nesse processo a remoção de sólidos grosseiros, sedimentáveis e flutuantes.
c. Processo biológico
Este processo se caracteriza pela dependência da ação dos microrganismos presentes no esgoto. O pro-
cesso biológico procura reproduzir os fenômenos biológicos observados na natureza, de tal forma que se
torne possível dentro de uma área e tempo economicamente justificável.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

171

1.7.2 Etapas do Tratamento de Esgoto

O funcionamento de uma Estação de Tratamento de Efluente (ETE) compreende basicamente as


seguintes etapas:
a. Tratamento preliminar
Destina-se a remoção de sólidos grosseiros e areia através de mecanismos físicos, tais como grades ou
peneiras, desarenadores e dispositivos de medição de vazão (equalizadores). Nesta fase, o esgoto é prepa-
rado para as fases de tratamento subsequentes.
b. Tratamento primário
O principal objetivo desta etapa de tratamento é a remoção de sólidos em suspensão sedimentáveis, sóli-
dos flutuantes, assim como uma pequena parte da matéria orgânica, utilizando-se de mecanismos físicos
de remoção de poluentes, geralmente são utilizados tanques de decantação. A eficiência na remoção de
sólidos e de matéria orgânica pode ser obtida através da adição de agentes coagulantes, recebendo, desta
forma, o nome de tratamento primário avançado.
c. Tratamento secundário
Responsável por remover grande parte da matéria orgânica e eventualmente parte de nutrientes, a re-
moção ocorre através de mecanismos biológicos. O processo biológico pode ser dividido em aeróbio e
anaeróbio, alguns processos se dão em meio anôxico. Esse tipo de tratamento ainda pode ser dividido em
função da forma em que os microrganismos encontram-se no sistema:
• Em suspensão no líquido: sistemas de lodo ativado, lagoas de estabilização, reatores em sequência, di-
gestores, etc.
• Aderidos em material inerte: filtros biológicos, filtros de alta carga, filtros anaeróbios, biofiltros, etc.
O tratamento biológico consiste no controle das condições do ambiente necessárias para o crescimento
dos organismos presentes.
d. Tratamento terciário
Tem como finalidade a remoção complementar de matéria orgânica, nutrientes, poluentes especí-
ficos e a desinfecção dos esgotos tratados. O processo de remoção consiste de mecanismos físico-químicos.
Podem ser citadas as seguintes etapas: filtração, cloração ou ozonização para a remoção de bactérias, absorção
por carvão ativado, e outros processos de absorção química para a remoção de cor, redução de espuma e de
sólidos inorgânicos tais como: eletrodiálise, osmose reversa e troca iônica.

1.8. Seleção dos Processos e Sistemas de Tratamento

A seleção de medidas de tratamento de esgoto deve ser realizada através da análise dos processos de
tratamento a serem adotados, uma vez que existem diversas alternativas disponíveis envolvendo diferentes
fatores intervenientes. Esta análise, juntamente com os custos de implantação, operação e manutenção, é
fundamental para a efetivação das metas estabelecidas.
A adoção de um processo e sistema de tratamento de esgoto deve seguir alguns critérios de seleção,
tendo em vista a obtenção dos objetivos desejados e a exequibilidade das medidas propostas. Dentre os fatores
que devem ser considerados na adoção de um sistema de tratamento podem ser mencionados:
• Impactos ambientais no corpo receptor do esgoto tratado, analisado através da qualidade final do efluente
gerado pela estação de tratamento de esgoto visando atender as especificações locais;
• Principais poluentes a serem removidos (matéria orgânica, nutrientes, patogênicos, etc.);
• Nível de tratamento e eficiência de remoção de poluente;
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

172

• Área necessária para a implantação do sistema;


• Geração de lodo a ser disposto;
• Necessidade de mão-de-obra especializada e consumo de energia elétrica para a operação;
• Custo de implantação e operacional.
Ressalta-se a importância de considerar esta série de fatores, entre outros, na seleção das alternativas
de despoluição hídrica, uma vez que estes poderão interferir na obtenção dos resultados desejados, seja em
função da aplicabilidade, funcionamento, operação, eficiência do processo, necessidade de mão de obra qua-
lificada para operar o sistema, etc.
A Tabela 3 indica as eficiências médias dos sistemas de tratamento na remoção de DBO, nitrogênio
(N) e fósforo (P). Observa-se que quanto maior a eficiência do sistema de tratamento de esgoto na remoção
dos poluentes, maiores são os custos envolvidos no processo. Isso justifica a necessidade de análise integrada
entre a qualidade do efluente compatível para atender os padrões de lançamento e os investimentos disponí-
veis para a implantação do sistema de tratamento.

Tabela 3 - Eficiências de remoção de poluentes a partir de sistemas de tratamento de esgoto.

Tipo Remoção de Remoção Remoção Custo*


Sistema de Tratamento
Tratamento DBO (%) de N (%) de P (%) (R$/hab)

1 Tratamento primário convencional 30 20 15 1,5 - 2,5


1 Tratamento primário avançado 60 25 75 8,0 - 15
2 Lagoa anaeróbia seguida de lagoa facultativa 80 50 30 2,0 – 4,0
2 UASB seguido de lodo ativado 88 50 30 7,0 - 12
2 UASB seguido de biofiltro aerado submerso 88 50 30 7,0 - 12
2 Lodo ativado convencional 89 50 30 10 - 20
2 Lodo ativado por aeração prolongada 94 50 30 10 - 20
2 Lodo ativado por batelada 94 50 30 10 - 20
Lagoa anaeróbia seguida de lagoa facultativa e de lagoa
3 83 50 60 2,5 – 5,0
de maturação
Lagoa anaeróbia seguida de lagoa facultativa e de lagoa
3 83 83 55 3,5 – 6,0
de alta taxa
3 UASB seguido de flotação por ar dissolvido 88 25 82 6,0 – 9,0
3 UASB seguido de lagoa de polimento 82 60 60 4,5 – 7,0
Lodo ativado convencional com remoção biológica de
3 89 80 30 10 - 22
Nitrogênio

Lodo ativado convencional com remoção biológica de


3 89 80 82 15 - 25
Nitrogênio e Fósforo

3 Lodo ativado convencional com filtração terciária 96 50 55 15 - 25

3 Biofiltro aerado submerso com remoção biológica de N 92 80 30 8,0 - 15


*Custos com data base 2004.
Fonte: Adaptada de von Sperling (2005) e Jordão & Pessôa (2005).
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

173

Desta forma, pode-se dizer que a análise entre os diferentes sistemas de tratamento com suas respecti-
vas características deve ser baseada não somente em aspectos técnicos, mas também em aspectos econômicos,
os quais viabilizem o alcance da meta pretendida.

1.9 Integração entre qualidade, quantidade e usos da água

A qualidade da água é uma resultante dos processos que ocorrem sobre a superfície da bacia hidro-
gráfica, sejam eles de ordem natural ou devido às atividades humanas. Com o crescimento urbano os pro-
blemas relacionados à poluição hídrica agravaram-se, e para garantir que a população tenha acesso a água
de qualidade surgiram as legislações impondo condições mínimas necessárias para a utilização da água, os
chamados padrões de qualidade.
Dentro destas legislações destaca-se a Portaria do Ministério da Saúde nº 2914 /2011, que estabelece
os padrões de potabilidade da água para consumo. Em função dos padrões definidos por esta Portaria são
selecionados processos de tratamento da água que atendam os valores exigidos por lei.
Outra legislação que merece destaque é a Resolução CONAMA 357/05 que estabelece a classificação
dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como a Resolução CONAMA
430/11 que define condições e padrões para o lançamento de efluentes.
O enquadramento é o estabelecimento de meta ou objetivo de qualidade da água (classe) a ser alcan-
çado ou mantido em um segmento de corpo de água, de acordo com os usos preponderantes pretendidos,
ao longo do tempo. Os objetivos de qualidade da água equivalem aos usos a serem sustentados, onde cada
uso implica em diferentes requisitos de qualidade, que deverá se alcançado ou mantido ao longo do tempo.
A partir da Resolução CONAMA 357/05 define-se a adequabilidade de uso de um corpo hídrico para
atender aos usos pretendidos considerando as medidas disponíveis de tratamento, tanto de água quanto de
esgoto. Este instrumento é um processo de planejamento entre o uso da água, o zoneamento de atividades e
o estabelecimento de medidas para o controle da poluição.
Uma questão decisória na seleção das medidas de controle da poluição são os custos de implantação,
operação e manutenção de cada sistema de tratamento. Esta análise é fundamental para a efetivação dos
resultados pretendidos.
Como visto, o foco deste Capítulo foi a qualidade da água superficial tanto no que se refere aos fatores
que alteram suas condições naturais quanto as medidas disponíveis para remover os poluentes aderidos a ela.
A gestão da qualidade da água necessita de uma base sólida de informações sobre o comportamento
atual e tendencial dos corpos hídricos. Esta base consolida-se através da ampliação das redes de monitora-
mento. A qualidade da água é representativa do momento hidrológico sobre o qual a qualidade foi determi-
nada, por isso é fundamental a avaliação integrada de qualidade e quantidade de água.
Destaca-se ainda que a efetivação da gestão da qualidade da água está diretamente relacionada com
a integração dos instrumentos de gestão de recursos hídricos e ambiental.

2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília, 1981.
____. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Política Nacional de Recursos Hídricos.
Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Brasília, 1997.
____. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 274, de
29 de novembro de 2004. Brasília, 2004.
____. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 430, de
13 de maio de 2011. Brasília, 2011.
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

174

____. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 357, de
17 de março de 2005. Brasília, 2005.
____. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde
Ambiental. Portaria do Ministério da Saúde n. 2914, de 12 de dezembro de 2011.
DI BERNARDO, L. Métodos e técnicas de tratamento de água. ABES, v. 1 e 2, 1ª Edição, 1993.
JORDÃO, E. D.; PESSÔA, C. A. Tratamento de Esgotos Domésticos. 40ª Edição, Rio de Janeiro, 2005, 932 p.
METCALF & EDDY. Wastewater engineering: treatment, disposal and reuse. McGraw-Hill. 4ª Edição. 2002.
PIVELI, R. P. ; KATO, M. T. . Qualidade das Águas e Poluição: Aspectos Físico-Químicos. 01. ed. São Paulo/
SP: ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2005. v. 01. 285 p.
TSUTIYA, M. T.. Abastecimento de Água. São Paulo: USP. Departamento de Engenharia Hidráulica e Sani-
tária da Escola Politécnica, 2006.
VON SPERLING, M. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias. Introdução à qualidade
das águas e ao tratamento de esgotos.. 3. ed. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental - UFMG, 2005. v. 1. 452 p
Capítulo 9
QUALIDADE DA ÁGUA SUPERFICIAL

175

AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA

Capítulo 10
176
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
177

1. INTRODUÇÃO
Os cursos d’água são rios, córregos, canais e outras formações geográficas em que a água se move de
um determinado local para outro. Estes vêm sendo utilizados pelo homem para o atendimento das necessida-
des básicas como a dessedentação, preparo de alimento e higiene pessoal. Para atender a essas necessidades,
a água deve apresentar qualidade compatível com o uso, para não representar riscos para a saúde humana. A
qualidade da água na natureza também afeta o ecossistema de que todos os organismos vivos dependem. Os
corpos d’ água, além do suprimento das necessidades de consumo, também assumem a finalidade de assimi-
lação e transporte dos despejos e resíduos de processos produtivos, funcionando como receptor de efluentes
domésticos, industriais e agrícolas.
O grande número de indústrias instaladas próximas aos centros urbanos, aliados ao aumento da
população, e a expansão das áreas de produção agrícolas agravam os problemas relacionados à poluição. Do
ponto de vista da qualidade da água, a proteção dos recursos hídricos depende de medidas disciplinadoras
do uso do solo e do gerenciamento integrado de todas as atividades da bacia.
O uso indiscriminado dos recursos hídricos degrada a qualidade dos corpos d’água, sendo necessária
a aplicação de programas de monitoramento e gestão da qualidade da água, para que o corpo hídrico possa
ser utilizado sem que ocorra a degradação do mesmo em níveis que prejudiquem os ecossistemas que dele
dependam.
O entendimento dos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem no corpo receptor em de-
corrência do despejo de efluentes é de extrema importância para a gestão de qualidade da água. Ao longo dos
anos diversos modelos de simulação foram desenvolvidos para auxiliar na previsão dos impactos da qualidade
da água, o que permite a análise de alternativas de despoluição hídrica e políticas de gestão da qualidade da
água que possam ser postas em prática.
Este capítulo apresenta os princípios de modelagem de qualidade da água, também aborda o pro-
blema da poluição da água relacionada com o lançamento de efluentes nos corpos hídricos e como ocorre o
processo de autodepuração no corpo receptor.

2. AUTODEPURAÇÃO E NOÇÕES BÁSICAS DE MODELAGEM


MATEMÁTICA DE ASSIMILAÇÃO DA POLUIÇÃO EM CORPOS
D’ÁGUA
Poluição é a introdução direta ou indireta, pelo homem, de substâncias ou energia no ambiente, pro-
vocando um efeito negativo no seu equilíbrio, causando assim danos na saúde humana, nos seres vivos e no
ecossistema ali presente.
Em virtude da crescente poluição dos rios, em função do lançamento de efluentes domésticos, indus-
triais, agrícolas e as cargas de origem difusa, faz-se necessário a busca incessante por maiores esforços para
o controle dessa poluição. Uma das formas de se controlar essa poluição é justamente estudar e conhecer
a capacidade de assimilação de cada corpo hídrico. Esta capacidade de assimilação representa o aporte de
carga poluidora que um corpo d’água pode receber sem que perca qualidade de vida para os seres vivos que
dele dependem. A estimativa da quantidade de efluentes que cada rio é capaz de receber, sem que suas carac-
terísticas naturais sejam prejudicadas, está diretamente relacionada com o processo de autodepuração, o qual
permite determinar qual é a capacidade de assimilação de um rio ou curso d’água.
No processo de autodepuração a matéria é consumida por bactérias e outros micro-organismos aeró-
bios que transformam compostos orgânicos das cadeias mais complexas, em cadeias mais simples. Ocorre que
durante a decomposição, há um decréscimo na concentração de oxigênio dissolvido na água devido à respi-
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AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
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ração dos seres que consomem a matéria orgânica. O processo se completa com a reposição desse oxigênio.
O processo pode ser dissociado em duas etapas: decomposição e reaeração. Na decomposição ocorre
o consumo de oxigênio dissolvido na água pelas bactérias decompositoras para a estabilização da matéria
orgânica, a este consumo dá-se o nome de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). Quando cessa a decom-
posição, diz-se que a matéria orgânica foi estabilizada.
A reaeração ocorre durante a decomposição, há um decréscimo nas concentrações de oxigênio dis-
solvido na água devido à respiração dos seres que consomem a matéria orgânica. A recuperação do oxigênio
dissolvido se dá através de trocas atmosféricas e fotossíntese.
A DBO não deve ser vista como um poluente, mas como um indicador da qualidade da água, pois
indica a quantidade de oxigênio requerido no processo de decomposição da matéria orgânica presente na
água. Braga et al. (2005) explicam que a matéria orgânica não deve ser vista como um poluente, porém, seu
despejo realizado de forma descontrolada no meio aquático pode produzir um desequilíbrio entre o consumo
de oxigênio e a reaeração, o que pode trazer danos aos seres aeróbios que vivem no meio aquático.
No processo de autodepuração existe um equilíbrio entre as fontes de consumo e as fontes de produ-
ção de oxigênio. Segundo Von Sperling (2005), os principais fenômenos interagentes no consumo e produção
de oxigênio são:

Consumo de Oxigênio:

a. A oxidação da matéria orgânica é o processo nos quais elétrons são removidos de uma substância, aumen-
tando o seu estado de oxidação. O processo de oxidação da matéria orgânica tem início no momento em
que as bactérias reagem com OD (oxigênio dissolvido na água). A reação tem como produto moléculas
mais simples (CO2, H2O). A oxidação de compostos orgânicos é uma reação muito útil no processo de tra-
tamento de efluentes (esgotos). Devido à ação oxidante de bactérias aeróbicas (bactéria que se desenvolve
somente na presença de oxigênio) é possível converter a água impura em água própria para o consumo.
Segundo Von Sperling (2005) a oxidação da matéria orgânica corresponde ao principal fator de consumo
de oxigênio. O consumo de oxigênio dissolvido se deve à respiração dos micro-organismos decomposito-
res, principalmente as bactérias heterotróficas aeróbicas.
b. A nitrificação é um processo que produz nitratos a partir do amoníaco (NH3). Este processo é realizado
por bactérias (bactérias nitrificantes) em dois passos: numa primeira fase o amoníaco é convertido em
nitritos (NO2-) e numa segunda fase (através de outro tipo de bactérias nitrificantes) os nitritos são conver-
tidos em nitratos (NO3-) prontos a ser assimilados pelas plantas. Nas duas fases ocorre o consumo de oxi-
gênio nas reações, sendo este consumo denominado como demanda nitrogenada. A demanda nitrogenada
também é conhecida como demanda de segundo estágio por ocorrer após as reações de desoxigenação
carbonácea. A ocorrência de nitrificação depende de fatores adicionais, além da presença da amônia, os
mais importantes são: presença de uma quantidade adequada de bactérias de nitrificação, pH próximo de
8 e oxigênio suficiente (entre 1 a 2 mg/L).
c. A demanda bentônica é a demanda de oxigênio originada pelo lodo de fundo e também é conhecida como
demanda de oxigênio pelo sedimento. A sedimentação da matéria orgânica em suspensão forma lodo de
fundo, onde ocorrem processos anaeróbios para sua estabilização. Estes processos anaeróbios ocorrem
devido à dificuldade de penetração de oxigênio na camada de lodo. Segundo Von Sperling (2005) a reação
de conversão da matéria orgânica conduz à forma oxidada de gás carbônico e à forma reduzida de metano,
sendo esta forma de conversão, por ser anaeróbia, não implica em consumo de oxigênio. Porém na parte
superior do lodo ocorre estabilização aeróbia, resultando na remoção da DBO e no consumo de oxigênio,
este processo ocorre devido ao acesso ao oxigênio da massa líquida sobrenadante.
Capítulo 10
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Na produção de oxigênio são:


a. A reaeração atmosférica é a troca de moléculas de gases entre a superfície do liquido e o gás. Este fenôme-
no físico ocorre quando a líquido não está saturado, assim existe um déficit de oxigênio dissolvido o que
permite que haja uma obsorção de oxigênio pela massa líquida. Os processos de difusão são os responsá-
veis pela transferência de oxigênio da fase gasosa para a líquida;
b. A fotossíntese é o principal processo utilizado pelos seres autotróficos para a síntese de matéria orgânica, sendo
característica dos organismos clorofilados. O processo se realiza somente em presença de energia luminosa.
Quando a taxa de consumo é superior a taxa de produção, a concentração de oxigênio tende a de-
crescer, ocorrendo o inverso quando a taxa de consumo é inferior à taxa de produção.
O oxigênio dissolvido (OD) é um parâmetro importante para a análise de qualidade de corpo d’água,
pois seu nível de concentração é um bom indicador das condições ambientais do corpo hídrico. A análise des-
te parâmetro é fundamental especialmente quando o corpo hídrico está enquadrado em classe 4, para qual a
legislação ambiental não estabelece a concentração limite para o parâmetro DBO. No entanto, uma vez que
o consumo de oxigênio para decomposição da matéria orgânica pode levar a déficits de OD, ao estabelecer
um limite mínimo para o oxigênio dissolvido a carga de DBO não deve exceder valores que ao ponto que o
consumo de oxigênio exceda os limites mínimos de OD estipulados para a classe de enquadramento.
O processo de assimilação da carga poluidora pelo corpo d´água e manutenção das condições de
qualidade da água pode ser exemplificado conforme segue. Um despejo, com vazão Qdis e concentração po-
luente Cdesp, ao ser lançado no rio exige uma vazão de diluição Qdil para que a concentração limite Clim da
classe de enquadramento não seja excedida. Esta vazão de diluição deve ficar indisponível para outros usos,
o que reduz a capacidade de assimilação do curso de água para diluir outros despejos.
A Figura 1 ilustra o lançamento de um despejo, contendo uma substância não conservativa. Observa-
se, no gráfico dos parâmetros OD e DBO, a alteração da qualidade da água em função do lançamento do
efluente e a recuperação das condições iniciais de qualidade à medida que a carga é assimilada pelo corpo hí-
drico. Na Figura, é possível visualizar o volume de diluição necessário para manter a classe de enquadramen-
to na seção de lançamento, da mesma forma, pode ser observado que o volume é gradativamente reduzido
para jusante em função da capacidade de autodepuração do corpo hídrico. O volume anteriormente utilizado
para a diluição vai sendo disponibilizado para novos usos.

Figura 1 - Lançamento de efluente na seção do rio


Fonte: (Garcia, 2011).
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Braga et al. (2005) define esses trechos como zonas de autodepuração e os divide em:
• Zona de águas limpas - caracterizada pela elevada concentração de oxigênio dissolvido e a preservação da
vida aquática. Região localizada fora da influência de despejos (a montante do lançamento de efluentes ou
após a zona de recuperação);
• Zona de degradação - caracterizada por uma diminuição inicial na concentração de oxigênio dissolvido,
localizada no primeiro trecho à jusante do ponto de lançamento;
• Zona de decomposição ativa - região onde a concentração de oxigênio dissolvido atinge o valor mínimo e
a vida aquática é predominada por bactérias e fungos (anaeróbicos);
• Zona de recuperação - região onde se inicia a etapa de restabelecimento do equilíbrio anterior à poluição,
com presença de vida aquática superior.
O balanço de massa quantitativo e qualitativo deve ser realizado nos pontos de interesse (confluência
entre dois corpos d’água, locais de despejo e efluentes). O cálculo pode ser realizado através de métodos sim-
plificados como a mistura completa, este tipo de análise apesar de ser simplificado possui algumas vantagens.
Isso significa que todas as demandas, lançamentos e demais informações podem ser agrupadas por sub-bacia,
facilitando a análise dos resultados e o cruzamento de informações. O nível de detalhamento da bacia deve
ser analisado de forma individual, em função dos dados disponíveis e dos pontos de interesse para obtenção
de informações e resultados. Não é possível determinar um tamanho fixo ou padrão para as sub-bacias, a
discretização da bacia deve ser analisada em função dos dados de entrada (demandas, lançamentos, pontos
de monitoramento, características hidráulicas dos trechos, séries de vazões naturais, entre outros) e dos locais
onde se desejam obter resultados.
As análises mais complexas que consideram a dispersão dos poluentes introduzem o comprimento de
mistura como um fator importante para a modelagem da qualidade da água.
O comprimento de mistura ou zona de mistura corresponde à distância entre o ponto de lançamento
do efluente tratado e o ponto em que o rio atinge uma mistura homogênea. A Resolução Conama 357/2005
define zona de mistura como sendo a região do corpo receptor onde ocorre a diluição inicial de um efluente.
Em seu Art. 33, a Resolução Conama 357/2005 prevê a desobediência ao enquadramento estabeleci-
do para determinado corpo d´água, desde que não comprometam os usos previstos para o corpo de água e
estabelece que a extensão e as concentrações de substâncias na zona de mistura deverão ser objeto de estudo,
nos termos determinados pelo órgão ambiental competente. Dessa maneira, evidencia-se a necessidade de
desenvolver estudos para delimitação do comprimento de mistura, nos termos determinados pelo órgão
ambiental competente, de forma a evitar o comprometimento dos usos previstos designados para cada classe.
Para melhor entendimento do comprimento de mistura descreve-se que o transporte de massa se dá
pelos processos de advecção, difusão e dispersão. Na advecção predominam os processos de transporte pelo
campo das velocidades do fluido. Na difusão o transporte ocorre pelo movimento aleatório das moléculas,
independente da velocidade do fluido. A dispersão é o efeito conjunto da difusão e da advecção.
O comprimento de mistura é descrito pelo comprimento longitudinal necessário para obter a mis-
tura lateral completa ao longo da seção transversal do rio. Para isso considera-se o coeficiente de dispersão
transversal obtido pela equação apresentada por Fischer (1979) em Chapra (1997).

Onde: H é a profundidade em m; U* representa a velocidade crítica, em m/s, obtida através da se-


guinte equação.
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Onde: g é a aceleração da gravidade, em m/s², e S a declividade (adimensional).


A dispersão transversal é utilizada para calcular o comprimento de mistura após o lançamento do
efluente segundo sua localização no canal. Nesse caso, são consideradas duas hipóteses de lançamento, na
margem e no centro do canal.

• Lançamento na margem:

• Lançamento no centro do canal:

Onde: B é a largura em m; H a profundidade em m; U a velocidade em m/s.

O comprimento da zona de mistura ganha importância quando se avalia que após esta área o corpo
receptor deve estar livre de substâncias que possam causar toxicidade à vida aquática, de substâncias que
possam sedimentar e causar assoreamento, substância que possam causar alteração não desejada na cor, odor
sabor e turbidez. A zona de mistura deve ser analisada para autorização de lançamento de despejos em rios,
lagos ou no oceano, emissários submarinos. A zona de mistura não pode comprometer o corpo hídrico.
A seguir será apresentado de forma esquemática como o balanço de massa pode ser realizado consi-
derando mistura completa. A Figura 2 ilustra de forma simplificada as etapas do balanço do exutório de uma
sub-bacia ou área de interesse, para a qual se deseja obter resultados.

Figura 2 - Esquema do balanço de quantidade e qualidade em um ponto de interesse


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Onde:
QM - vazões de montante da sub-bacia, provenientes do acúmulo das vazões das sub-bacias de montante da
seção de interesse;
CM - concentrações das vazões de montante, provenientes das concentrações resultantes das sub-bacias de
montante;
CM’ - concentrações das vazões de montante decaídas ao longo do trecho do rio;
QN - vazões naturais da sub-bacia, proveniente dos escoamentos superficiais e subterrâneos;
CN - concentrações das vazões naturais da sub-bacia, provenientes dos usos dos solos;
QL - vazões de lançamentos na sub-bacia, provenientes de retornos de captações, esgotos, indústrias, etc;
CL - concentrações dos lançamentos na sub-bacia;
QC - vazões de captações, provenientes dos atendimentos das demandas;
CC - concentrações das captações;
QJ - vazões de jusante da sub-bacia, provenientes do resultado do balanço hídrico da sub-bacia;
CJ - concentrações de jusante.

Os usuários devem ser hierarquizados na bacia na ordem correta de sua localização, o que introduz
maior precisão para a modelagem de quantidade e qualidade da água. Assim, as informações hidrológicas
da bacia respeitam a discretização das sub-bacias e a sua localização espacial, onde as vazões da sub-bacia de
montante se propagam para jusante na seguinte sequência:
a) No primeiro estágio são calculadas as vazões (QM) e as concentrações (CM) de montante, que equivalem,
respectivamente, às vazões na entrada da sub-bacia propagadas pelo trecho do rio e as concentrações dos
parâmetros da análise considerando os decaimentos das concentrações calculados pelo modelo de quali-
dade da água;
b) No segundo estágio são calculadas e adicionadas as vazões (QNat) e as concentrações (CNat) oriundas das
vazões naturais geradas na bacia com pré-determinados usos dos solos, em mistura instantânea completa.
Na continuação deste estágio são acrescidas as vazões (QEflu) e as concentrações (CEflu) dos lançamentos de
efluentes, também através de mistura instantânea completa;
c) No terceiro estágio, são retiradas as vazões (QD) com as concentrações (CD) das captações ou demandas.
d) No quarto estágio são determinadas as vazões (QJ) e as concentrações (CJ) propagadas para a bacia de
jusante.

O modelo tem a capacidade de operar o reservatório a partir de sua curva cota-área-volume e uma
prioridade atribuída ao volume meta a ser atingido. Esta prioridade competirá com as demais demandas do
sistema. O modelo não calcula o abatimento de carga no interior do reservatório, considerando apenas o
balanço entre cargas através de uma mistura completa.

QJ= QM + QNat + QEflu. - Q .D Onde:


QEflu e CEflu representam a vazão e a concentração do
efluente, respectivamente;
QNat e CNat representam a vazão e a concentração natural
QEflu. CEflu. + QNat. CNat. + (QM - QD) CM afluente, respectivamente; e
CJ=
QRio e CRio representam a vazão e a concentração do rio,
QEflu. + QNat. + (QM - QD) respectivamente.

Nas equações acima foram apresentados os cálculos para o balanço nos pontos de controle, sendo
necessário ainda discutir como ocorre o processo de decaimento dos poluentes. A seguir serão apresentados
Capítulo 10
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os equacionamentos para obtenção dos parâmetros de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e oxigênio
dissolvido (OD).
A DBO foi escolhida por ser um parâmetro analisado no processo de outorga de efluentes e o OD por
ser um bom indicador da qualidade ambiental do corpo hídrico. Outros fatores que interferem no processo
de autodepuração são a temperatura, a concentração de saturação do oxigênio dissolvido na água, a veloci-
dade da água e a profundidade do escoamento.
A DBO é determinada através da equação abaixo, a qual representa o decaimento da matéria orgâ-
nica no trecho de rio considerado.

Sendo:
Lo : concentração inicial da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L);
SL : taxa da fonte distribuída da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (g/m3/dia);
kr : taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia);
t : tempo decorrido (dia);
L : concentração final da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L).

O comportamento do oxigênio dissolvido no trecho pode ser obtido a partir da seguinte equação.

Sendo:
D0 : déficit inicial de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L);
L0 : concentração inicial da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L);
R : taxa volumétrica da respiração das plantas (g/m3/dia);
P : taxa volumétrica da fotossíntese das plantas (g/m3/dia);
SL : taxa da fonte distribuída da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (g/m3/dia);
S´B : taxa superficial da demanda de oxigênio pelo sedimento (g/m2/dia);
ka : taxa de reaeração (1/dia);
kd : taxa de decomposição da matéria orgânica (1/dia);
kr : taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia);
H : profundidade média (m);
t : tempo decorrido (dia);
D : déficit final de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L).

Para que o modelo de simulação reproduza corretamente o perfil do parâmetro analisado, devem
ser adotados valores adequados para os coeficientes ka, kd e ks. A determinação destes valores pode ser um
processo exaustivo, devido ao grande número de combinações possíveis. Este processo é denominado de
calibração do modelo.
Capítulo 10
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2.1.1 Taxas de Depleção

A taxa de remoção total de matéria orgânica (kr) está relacionada com a matéria orgânica presente.
No caso de um esgoto bruto lançado em um corpo receptor a taxa de remoção de matéria orgânica será
maior quando comparado com o lançamento de um esgoto que já passou por processo de tratamento, pois
no esgoto bruto haverá maior quantidade de matéria orgânica disponível para ser removida. O valor de kr
pode ser obtido da composição da taxa de decomposição da matéria orgânica (kd) e da taxa de sedimentação
da matéria orgânica (ks)

kr= kd + ks

Sendo:
kd: taxa de decomposição da matéria orgânica (1/dia);
ks: taxa de sedimentação da matéria orgânica (1/dia);
kr: taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia).

Von Sperling (2005) apresenta faixas de valores recomendados para a taxa de remoção de matéria
orgânica (Kr).

Origem Kr (dia-1)

Esgoto bruto concentrado 0,35 – 0,45


Esgoto bruto de baixa concentração 0,30 – 0,40
Efluente primário 0,30 – 0,40
Efluente secundário 0,12 – 0,24
Curso d’água com águas limpas 0,08 – 0,20

O coeficiente ou taxa de reaeração (1/dia) é um parâmetro bastante sensível o que introduz uma
maior dificuldade na sua determinação.
Faixa de utilização pode ser dada pelo gráfico a
O’Connor & Dobbins:
seguir.

Churchill:

Owens & Gibbs:

Sendo:
U: velocidade (m/s);
H: profundidade (m);
ka: taxa de reaeração do corpo hídrico (1/dia).
Capítulo 10
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2.1.2 Concentração de Saturação do Oxigênio Dissolvido

A concentração de saturação do oxigênio em águas naturais é da ordem de 10mg/L, entretanto vários


fatores ambientais podem alterar esse valor. Do ponto de vista de modelagem de qualidade da água esses
fatores são: temperatura, salinidade e as variações na pressão devido à altitude.
A correção para a concentração de saturação considerando estes fatores do oxigênio é apresentada
a seguir.

Sendo:
h : altitude (m);
T : temperatura (°C);
C : concentração de cloreto (mg/L);
osat : concentração de saturação do oxigênio dissolvido (mg/L).

2.1.3 Déficit de Concentração do Oxigênio Dissolvido

D= osat - o

Sendo:
osat : concentração de saturação do oxigênio dissolvido (mg/L);
o : concentração do oxigênio dissolvido (mg/L);
D : déficit de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L).

2.1.4 Correção pela Temperatura

As taxas variam com a temperatura e podem ser corrigidas com base na seguinte equação:

kT= k20 * θT-20

Sendo:
k20 : taxa na temperatura de 20°C (1/dia);
θ : coeficiente de correção da temperatura;
T : temperatura (°C);
kT : taxa na temperatura T (1/dia).

2.1.5 Instante da Ocorrência do Déficit Crítico

O déficit crítico ocorre em um determinado tempo após o lançamento do efluente no corpo receptor,
o tempo crítico pode ser obtido pela equação abaixo:
Capítulo 10
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Sendo:
Do : déficit inicial de concentração do oxigênio dissolvido (mg/L);
Lo : concentração inicial da demanda bioquímica carbonácea de oxigênio (mg/L);
ka : taxa de reaeração (1/dia);
kd : taxa de decomposição da matéria orgânica (1/dia);
kr : taxa de remoção total da matéria orgânica (1/dia);
tc : tempo para ocorrência do déficit crítico de concentração do oxigênio dissolvido (dia).

O processo de autodepuração está associado à capacidade de assimilação da carga poluente pelo


corpo hídrico, o que justifica a necessidade de monitoramento integrado de quantidade e qualidade, uma vez
que a quantidade de vazão disponível influencia na capacidade de diluição do poluente. O processo ocorre
na seguinte forma, os despejos causam uma degradação que se propaga ao longo do rio até que este tenha
capacidade de assimilar a carga poluidora. Desta forma, se as substâncias lançadas não forem conservativas
o processo de autodepuração contribuirá para o aumento das disponibilidades para os demais usuários de
água na bacia hidrográfica.

3. MODELO MATEMÁTICO DE QUALIDADE DA ÁGUA


A escolha de um modelo para simular as condições de qualidade da água num sistema de rios e reser-
vatórios depende das características do sistema, do nível de precisão desejado, dos dados disponíveis e da dis-
ponibilidade de metodologias para representar os processos identificados. As características que diferenciam
o escoamento em rios, dos reservatórios e lagos são a velocidade e a profundidade do fluxo (Tucci, 1998). O
modelo analítico de Streeter-Phelps, desenvolvido em 1925, foi um dos primeiros modelos de simulação da
qualidade da água em rios. A partir daí, pesquisadores vêm aprimorando esta técnica de previsão do com-
portamento dos corpos d’água, com o objetivo de avaliar os impactos negativos decorrentes das atividades
humanas.
O transporte de substâncias ao longo do tempo e do espaço, em um sistema hídrico, está sujeito a
processos físicos, químicos e biológicos, sendo que o mesmo ocorre devido à advecção, difusão e dispersão.
Quando o transporte de uma substância é resultante do gradiente do escoamento chama-se advecção. Quan-
do a variação da concentração é com base no gradiente da própria substância (resultado do movimento mole-
cular de um ponto de alta para baixa concentração) é o processo de difusão. O efeito da flutuação turbulenta
sobre a concentração recebe o nome de dispersão (Tucci, 1998).
Um dos modelos de qualidade d’água em rios mais utilizado para análise e gestão da qualidade da
água é o modelo QUAL2E (Brown & Barnwell, 1987). O QUAL2E possibilita a simulação de variáveis, com
detalhamento dos processos físicos, químicos e biológicos que interagem no corpo hídrico. O modelo simu-
la de maneira espacial (regime não uniforme) 15 constituintes indicativos de qualidade de água, podendo
a simulação ser realizada com todos ou apenas um dos constituintes, sendo eles: oxigênio dissolvido (OD),
demanda bioquímica de oxigênio (DBO), temperatura, alga e clorofila a, nitrogênio orgânico, nitrogênio
amoniacal, nitrito, nitrato, fósforo orgânico, fósforo dissolvido, coliformes, um constituinte não conservativo
(arbitrário) e três constituintes conservativos.
O QUAL2E utiliza a condição de regime permanente não uniforme, com fluxo unidirecional. Possui
uma interface gráfica que permite ao usuário entrar com diferentes valores aos parâmetros envolvidos no
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balanço de massa dos constituintes, bem como dados climatológicos, geográficos, fatores de correção de tem-
peratura, entre outros. É um modelo unidimensional de estado permanente, baseado na solução de equações
diferenciais de advecção-dispersão, em todos os seus termos, por um esquema implícito de diferenças finitas,
aplicável a rios dendríticos e de boa mistura (Brown & Barnwell, 1987).
Teixeira (2004) apresentou uma relação dos modelos de qualidade de água mais utilizados mundial-
mente. A Tabela 1 apresenta alguns destes modelos.

Tabela 1 - Modelos Matemáticos de Qualidade de Água

Tipo Modelo Sigla Origem

Indiana State Board of Health


Streeter-Phelps
Bloomington, Indiana
Integração
Analítica

Modelo de escoamento para estado US Environmental Protection


SNSIM
constante Agency, Region II, New York
Modelos Químicos

Hydroscience, Inc., Westwood, New


Modelo de escoamento simplificado SSM
Jersey

Modelo de Qualidade Automático AUTO-QUAL US Environmental Protection


Integração
Numérica

Modelo de Qualidade da Água de Waters Resources Engineers,


EPARES
Reservatórios Austin, Texas
Modelo de Qualidade da Água US Environmental Protection
FEDBAKO3
(HARO3 modificado) Agency, Region II, New York
Modelo de Qualidade de Água Water Resources Engineers, Walnut
Integração Numérica

QUAL-II
Modelos Ecológicos

(QUAL-I modificado) Creek, California


Department of Civil Engineering,
Modelo de fitoplânctons em lagos LAKE-I
Manhattan College, New York
US Army Corps of Engineers,
Qualidade de Água em Sistemas de
WQRR HEC5 Hydrologic Engineering Center,
rios-reservatórios
Davis, California
Fonte: Adaptado de Teixeira (2004)

Como dados de entrada, os modelos de qualidade da água, geralmente, incluem características hi-
dráulicas e hidrológicas, matriz de fontes de poluição, incluindo a localização de captações e lançamentos com
suas respectivas características de vazão e concentração de poluentes. Também precisam ser informadas aos
modelos as taxas de decomposição, reaeração e de transformações para que os resultados sejam produzidos.
A utilização de modelos de qualidade da água para corpos d’água esbarra na disponibilidade de
dados como o cadastro de usuários da água (captações e lançamentos), que permitem determinar o balanço
quantitativo e a matriz de poluição de uma bacia. Outro ponto de grande relevância para a modelagem é
o monitoramento de qualidade da água, o qual permite determinar o estado atual do corpo d’água e o seu
histórico ao longo dos anos, possibilitando analisar o comportamento dos parâmetros de qualidade da água
e realizar a calibração dos modelos de qualidade.
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4. MONITORAMENTO DE QUALIDADE DA ÁGUA


Monitoramento pode ser descrito como o acompanhamento de determinadas características de um
sistema. No caso do monitoramento de qualidade da água em corpos hídricos são realizadas medições de
vazão e coletadas amostras de água, as quais são submetidas a análises laboratoriais.
O monitoramento da qualidade das águas fornece informações para subsidiar a tomada de decisões
na bacia hidrográfica. A definição da rede de monitoramento deve levar em consideração os objetivos do
monitoramento, dentre os quais se destacam:

• Descrever estado atual e tendências dos corpos d’água


• Avaliação dos impactos decorrentes da urbanização
• Modelagem matemática
• Planejamento da bacia
• Acompanhamento
• Fiscalização

Definidos os objetivos do monitoramento são definidos os locais, a frequência de amostragem e as


variáveis que serão observadas.
Em áreas urbanas, o monitoramento pode ser realizado para diferentes finalidades, como o acom-
panhamento de longo prazo, planejamento da bacia, avaliação dos impactos a partir de diferentes tipos de
urbanização e avaliação da carga difusa.
Segundo a CETESB (2011), os principais objetivos do monitoramento de qualidade da água são:
• Fazer um diagnóstico da qualidade das águas superficiais do Estado avaliando sua conformidade com a
legislação ambiental.
• Avaliar a evolução temporal da qualidade das águas superficiais do Estado.
• Identificar áreas prioritárias para o controle da poluição das águas, como trechos de rios e estuários onde
a qualidade de água possa estar mais degradada, possibilitando ações preventivas e corretivas da CETESB
e de outros órgãos.
• Subsidiar o diagnóstico e controle da qualidade das águas doces utilizadas para o abastecimento público,
verificando se suas características são compatíveis com o tratamento existente, bem como para os múltiplos
usos.
• Dar subsídio técnico para a execução dos Planos de Bacia e Relatórios de Situação dos Recursos Hídricos,
para a cobrança do uso da água e para o estudo do enquadramento dos corpos hídricos.
• Fornecer subsídios para a implementação da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007).

Segundo ANA (2009) as redes de monitoramento podem ser classificadas em:


• Monitoramento básico – Realizado em pontos estratégicos para acompanhamento da evolução da qualida-
de das águas, identificação de tendências e apoio a elaboração de diagnósticos. Além disso, os resultados
obtidos no monitoramento permitem a identificação de locais onde é necessário um maior detalhamento.
A frequência deste tipo de monitoramento acompanha os ciclos hidrológicos, ou seja, geralmente varia de
uma frequência mínima trimestral até uma frequência mensal. Os parâmetros monitorados nesta moda-
lidade devem estar relacionados com o tipo de uso e ocupação da bacia contribuinte a estação e com os
objetivos da rede. Sendo assim, tanto a localização das estações quanto os parâmetros monitorados devem
ser reavaliados periodicamente.
• Inventários – Esta modalidade compreende observações associadas à avaliação intensiva de um espectro
mais ou menos amplo de parâmetros com o objetivo de estabelecer um diagnóstico da qualidade das águas
de um trecho específico de curso d’água. Esta avaliação pode estar associada ao acompanhamento de
ações limitadas no tempo (por exemplo, implantação de empreendimentos hidrelétricos). No inventário a
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
189

frequência de amostragem é alta, variando de diária até mensal, por um período de tempo determinado.
• Vigilância – Nesta modalidade incluem-se as observações efetuadas em locais onde a qualidade das águas
é de fundamental importância para um determinado uso (especialmente para consumo humano) ou em
locais críticos em termos de poluição associada ao uso da água. Neste caso é necessário um monitoramento
praticamente em tempo real, o que pressupõe a utilização de aparelhos automáticos de medição, o que
limita os tipos de parâmetros monitorados. Entretanto, um bom acompanhamento dos parâmetros pH,
oxigênio dissolvido e condutividade elétrica, já permitem identificar alterações associadas a ações antrópi-
cas, configurando um alerta para a tomada de providências.
• De Conformidade – Nesta modalidade incluem-se as observações feitas pelos usuários dos recursos hídri-
cos (automonitoramento) em atendimento a requisitos legais presentes nos marcos regulatórios (Portaria
no 2914/11 do Ministério da Saúde, Resolução nº 357/05 do CONAMA), nas condicionantes das licenças
ambientais e nos termos de outorga. Tanto a periodicidade quanto os parâmetros monitorados são deter-
minados pelos órgãos competentes.
O monitoramento ainda pode ser classificado segundo o tipo de coleta como monitoramento con-
vencional, onde as amostras são coletadas manualmente, e monitoramento com equipamentos automáticos.
A Figura 3 ilustra o monitoramento convencional com a coleta da garrafa com amostra de água.

Figura 3 - Monitoramento convencional


Fonte: Porto, 2008

A Figura 4 apresenta o monitoramento com equipamentos automáticos para a coleta de amostra de


água. Este tipo de monitoramento é característico para quanto se deseja obter amostras de água na passagem
da onda de cheia resultante dos eventos de chuva.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
190

Figura 4 - Monitoramento com equipamentos automáticos


Fonte: Brites, 2005

No monitoramento da qualidade da água também são utilizadas sondas multiparamétricas, as quais


podem fornecer, em campo, os seguintes parâmetros de qualidade: temperatura, OD, Condutividade, pH,
Potencial Oxi-Redutor, Amônia, Nitrato, Cloreto, Clorofila, luz. Um exemplo de uma sonda automática pode
ser visualizado na Figura 5.

Figura 5 - Sonda automática de qualidade da água


Fonte: Barros et al. 2005

Os dados obtidos no monitoramento devem ser trabalhados e inseridos dentro de um contexto de


sistema de informações, onde os dados possam ser acessados publicamente, dando suporte a estudos e análises
para a tomada de decisão. Uma maneira clara e de fácil entendimento para apresentação dos dados do moni-
toramento é através dos índices de qualidade da água. A seguir são citados alguns dos índices mais conhecidos:
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
191

• IQA – Índice de Qualidade das Águas (este índice tem caráter mais generalista) e pode ser utilizado para
avaliar os níveis de poluição por esgoto doméstico;
• IAP – Índice de Qualidade das Águas para fins de abastecimento público;
• IET – Índice de Estado Trófico;
• IVA – Índice de Qualidade das Águas para proteção da vida aquática. Esse índice é complementado pelos
Índices de Comunidades Aquáticas (ICF, ICZ e ICB);
• IB – índice de Balneabilidade.

Outra importante função dos dados de monitoramento de qualidade da água (séries históricas) é
servirem de base para a calibração de modelos de qualidade da água. Estes dados podem ser organizados e re-
presentados na forma de gráficos “Box-plot”, o qual mostra os valores extremos (máximo e mínimo), a região
que contém 50% dos dados (1º quartil e 3º quartil) e a mediana. Um modelo de qualidade da água considera-
se calibrado quando o perfil simulado fica contido na região com 50% dos dados entre o 1º e o 3º quartil,
buscando sua aproximação com a mediana dos dados. A Figura 6 apresenta um exemplo de “Box-plot”.

Figura 6 - Apresentação do Box-Plot e suas características.

No processo de calibração de modelos de qualidade da água torna-se importante que o valor da


concentração do parâmetro de qualidade esteja associado ao da vazão, de forma que seja possível determinar
a carga de poluentes. Assim, os gráficos “Box-Plot” podem ser construídos para a série toda, incluindo os
diferentes regimes hidrológicos, o que pode ser útil no processo de modelagem da qualidade da água.
Desse modo, ressalta-se o importante papel do monitoramento integrado da quantidade e qualidade
da água para o processo de gestão, uma vez que o monitoramento fornece uma base sólida de informações
sobre o comportamento atual e tendencial dos corpos hídricos, sem o qual não é possível aplicar as medidas
de gestão.
O monitoramento integrado da qualidade e quantidade de água apresenta um importante papel
para a gestão da qualidade da água, no desenvolvimento de alternativas a partir de um diagnóstico seguro e
na alimentação de ferramentas que auxiliem o processo decisório, por isso os dados obtidos devem ser con-
fiáveis e seguros.
Assim sendo, é fundamental para o processo de gestão a melhoria e ampliação das redes de monito-
ramento que permitam a efetivação da gestão de recursos hídricos no país.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
192

4. QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA


As águas subterrâneas, segundo a Constituição Federal, são de domínio do Estado e, por isso, as ini-
ciativas de monitoramento têm partido de algumas unidades da federação (ZOBY, 2008).
A gestão da qualidade das águas subterrâneas é considerada na legislação federal por meio de duas
resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. A Resolução nº 15, de 2001, estabelece que os Esta-
dos devem orientar os municípios sobre as diretrizes de gestão integrada das águas subterrâneas, propondo
mecanismos de estímulo à proteção das áreas de recarga dos aquíferos. A Resolução nº 22, de 2002, afirma
que os planos de bacia devem explicitar medidas de prevenção, proteção, conservação e recuperação dos
aquíferos, sendo que a criação de áreas de uso restritivo poderá ser adotada como medida para alcance dos
objetivos propostos (ANA, 2007).
A informação sobre a qualidade da água subterrânea ainda é esparsa ou mesmo inexistente em várias
bacias. São raros os estudos em escala regional que sistematizem os dados disponíveis. Poucas unidades da
federação possuem redes de monitoramento, e a maioria das existentes teve sua operação iniciada recente-
mente (ANA, 2007).
A rede estadual de monitoramento ambiental das águas subterrâneas foi implementada pela CE-
TESB em 1990, com acompanhamento sistemático de poços utilizados para abastecimento público localiza-
dos no Aquífero Guarani e Aquífero Bauru e, posteriormente, no Serra Geral, e a realização anual de duas
campanhas de amostragem. A implementação da rede de monitoramento de qualidade da água subterrânea
tornou-se necessária considerando-se a crescente importância atribuída a esse bem, como reserva estratégica
complementar ao abastecimento por águas superficiais. A ampliação do número de poços monitorados e do
número de parâmetros analisados ocorreu nos anos seguintes de modo a adequar a rede para avaliação da
qualidade da água subterrânea frente ao desenvolvimento econômico do estado e informações necessárias
ao licenciamento ambiental. A Figura 7 apresenta a evolução do número de postos de monitoramento de
qualidade das águas subterrâneas.

Figura 7 - Evolução do número de pontos da Rede de Monitoramento de Qualidade das Águas Subterrâneas
Fonte: CETESB, 2010)
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
193

Observa-se na figura acima que entre os anos de 1995 a 1997 a rede foi ampliada para 142 pontos.
Com a inclusão desses novos postos outros aquíferos passaram a ser monitorados: aquíferos Taubaté, Tubarão
e Pré-Cambriano.
O monitoramento tem como finalidade conhecer as características e a qualidade das águas dos aquí-
feros; estabelecer valores de referência de qualidade; avaliar as tendências das concentrações das substâncias
monitoradas ao longo do tempo, permitindo verificar os principais contaminantes; identificar áreas com alte-
rações de qualidade; e subsidiar as ações de prevenção e controle da poluição do solo e da água subterrânea.
Portanto, o monitoramento está estruturado de modo a atender não apenas à caracterização da qualidade das
águas subterrâneas brutas, como também aos seguintes objetivos (CETESB, 2010):
• Estabelecer Valores de Referência de Qualidade – VRQ para cada substância de interesse, por Aquífero;
• Avaliar as tendências das concentrações das substâncias monitoradas, em períodos de 10 anos;
• Identificar áreas com alterações de qualidade;
• Subsidiar as ações de prevenção e controle da poluição do solo e da água subterrânea, junto às Agências
Ambientais;
• Avaliar a eficácia dessas ações ao longo do tempo;
• Subsidiar as ações de gestão da qualidade do recurso hídrico subterrâneo junto aos Comitês de Bacia Hi-
drográficas - CBHs; e
• Subsidiar a classificação dos aquíferos, visando seu enquadramento, de acordo com a Resolução Conama nº
396/06.

A vulnerabilidade de um aquífero à poluição significa sua maior ou menor susceptibilidade de ser


afetado por uma carga contaminante. As principais fontes de contaminação de aquíferos está relacionado
as atividades antrópicas, como: construção de poços, saneamento, resíduos sólidos, agricultura, indústrias,
postos de combustível, mineração e cemitérios. Assim, pode se dizer que os estudos de proteção das águas
subterrâneas dependem diretamente das atividades antrópicas e, portanto, só se tornarão efetivos se forem
incorporados aos planos diretores de uso e de ocupação dos solos dos municípios (ANA, 2007).

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANA (2007), Panorama do Enquadramento dos Corpos d’Água e Panorama da Qualidade das Águas Subter-
râneas no Brasil – Caderno de Recursos Hídricos 5 - Agência Nacional de Águas, Superintendência de
Planejamento de Recursos Hídricos, Brasília-DF.
ANA (2009), Portas da Qualidade das Águas - Agência Nacional de Águas, Disponível em: <http://pnqa.ana.
gov.br/rede/rede_monitoramento.aspx>. Acesso em: 19 jul 2012.
BARROS, M.T.L. (Org.). Plano de Bacia Urbana: Relatório Final. São Paulo: CT-HIDRO, FINEP, CNPq,
FUSP, EPUSP, 2005.
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BRITES, A. P. Z. Avaliação da Qualidade da Água e dos Resíduos Sólidos no Sistema de Drenagem Urbana.
2005. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal, Santa Maria, Santa Maria, 2005.
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CETESB, Qualidade das Águas Superficiais no Estado de São Paulo 2007-2009. Série Relatórios, Governo
do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente, 2010.
Capítulo 10
AUTODEPURAÇÃO, MONITORAMENTO E
QUALIDADE DA ÁGUA SUBTERRÂNEA
194

CETESB, Relatório de qualidade das águas subterrâneas do estado de São Paulo: 2007-2009 [recurso eletrô-
nico] / Equipe técnica Rosângela Pacini Modesto [et al.]. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/solo/
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VON SPERLING, M. Princípios do tratamento biológico de águas residuárias. Introdução à qualidade das
águas e ao tratamento de esgotos.. 3. ed. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Am-
biental - UFMG, 2005. v. 1. 452 p.
Capítulo 11
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DE ZONAS COSTEIRAS
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EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO
AMBIENTAL DE ZONAS COSTEIRAS

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DE ZONAS COSTEIRAS
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1. INTRODUÇÃO
A Zona Costeira é definida, segundo o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC II), como
o “espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos ambientais, e abrangendo
uma faixa marítima e uma faixa terrestre”. Trata-se da borda oceânica de continentes e ilhas, sob influência
conjunta de processos marinhos e terrestres, gerando ambientes com características específicas e identidade
própria. A Zona Costeira é portanto constituída por uma faixa marítima, o mar territorial, com limite de 12
milhas náuticas (cerca de 22,2 km), e uma faixa terrestre, compreendendo o território dos municípios quali-
ficados como costeiros (segundo critérios estabelecidos pelo PNGC).
Já a Zona Costeira e Marinha inclui a área desde os limites dos Municípios da faixa costeira até as
200 milhas náuticas (cerca de 370 km), incluindo as áreas em torno do Atol das Rocas, dos arquipélagos de
Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo e das Ilhas de Trindade e Martin Vaz (ver Figura 2.5).
A Zona Costeira, de largura variável, se estende por cerca de 7400 km em linha contínua ou 10800
km se considerados todos os recortes e reentrâncias naturais da costa brasileira; abrange 17 estados, 13 das
27 capitais brasileiras, e um total de 395 municípios. Na zona costeira vivem, aproximadamente, 40 milhões
de habitantes, perfazendo cerca de um quarto da população brasileira; sua densidade demográfica média é
de 87 hab./km2, sendo que a média brasileira é de 17 hab./km2; como informação complementar, cerca de
metade da população brasileira reside numa faixa de 200 km de distância ao mar (MMA, 2010).
A Zona Costeira brasileira possui enorme abrangência latitudinal, fazendo com que haja ampla va-
riedade climática e geomorfológica, com enorme diversidade de ecossistemas, como praias, banhados e áreas
alagadas, estuários, restingas, manguezais, costões rochosos, lagunas, marismas e dunas; esses ecossistemas
abrigam inúmeras espécies de flora e fauna, mas são muitas vezes sujeitos a inúmeras pressões antrópicas.
Os ambientes costeiros possuem características únicas de abrigo e suporte à reprodução e à alimen-
tação nas fases iniciais de muitas espécies que habitam o oceano, constituindo fator decisivo na conservação
ambiental e manutenção da biodiversidade; ao mesmo tempo, esses ambientes possuem uma gama de fun-
ções ecológicas, como intrusões salinas, erosão costeira, reciclagem de nutrientes, pesca intensiva, receptáculo
de poluentes, entre outros.
Outros fatores que afetam o comportamento ambiental das zonas costeiras são as mudanças climá-
ticas oriundas do aquecimento global, que provocam elevação do nível médio do mar e a inundação de
planícies e baixios, além de alterar a fauna e a flora, como recifes de corais, em geral frágeis e de limitada
capacidade de adaptação a alterações das condições ambientais.

2. FORMAS DE EXPLORAÇÃO DA ZONA COSTEIRA


No início do presente trabalho foi demonstrada a extensão da zona costeira brasileira e sua importân-
cia econômico - social e ambiental. A seguir, serão apresentadas as diversas formas de exploração desta zona
costeira e da zona marinha adjacente.

2.1 Navegação e transporte marítimo


As discussões internacionais sobre assuntos relacionados ao transporte aquaviário ocorrem no âmbito
da Organização Marítima Internacional (IMO - International Maritime Organization), agência especializada
da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem como objetivo promover um transporte aquaviário se-
guro, eficiente e sustentável, através da cooperação internacional. Para que esse objetivo seja alcançado, são
adotadas normas internacionais sobre segurança marítima, eficiência da navegação e prevenção e controle
da poluição por navios. O Brasil, como membro da IMO, participa da cooperação internacional através da
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
198

Comissão Coordenadora dos Assuntos da Organização Marítima Internacional (CCA-IMO), enquanto que a
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) acompanha e analisa os atos e a legislação referen-
tes ao transporte aquaviário, incluindo a legislação internacional pertinente (https://www.ccaimo.mar.mil.br/
convencoes_e_codigos/convencoes) .
Apesar da concorrência com outras formas de transporte, principalmente o aéreo para pessoas e o
rodoviário para cargas, além do ferroviário, o transporte marítimo tem vantagens de baixo custo e facilidades
de operação com grandes volumes, como por exemplo veículos automotores e petróleo. Mas o transporte
marítimo pode englobar todo o tipo de carga, como produtos químicos, alimentos, areias, cereais e minérios.
O uso de petroleiros gigantes e navios porta contêiners tem facilitado sobremaneira o transporte de grandes
volumes (Figura 2.1), envolvendo automação das operações de carga e descarga e redução da permanência
das embarcações em portos, diminuindo assim os custos envolvidos.

Figura 2.1 - Navio da classe Boxer no mar, com rampas lateral e de ré; esse tipo de embarcação pode transportar mais de
500 contêiners.

Por outro lado, sistemas de fiscalização são essenciais para garantir não somente a segurança de nave-
gação, mas também coibir práticas ilegais, como contrabando de mercadorias, transporte proibido de animais
e uso indevido das águas de lastro (que podem promover a bioinvasão de organismos exóticos, causando
sérios danos aos ecossistemas costeiros).

2.2 Pesca

A pesca é uma atividade milenar, de enorme importância como geradora de alimentos e bens para
vários segmentos econômicos, como a industrialização e a comercialização do pescado. Além do caráter eco-
nômico / comercial, a pesca apresenta também aspectos científicos, de subsistência, esportivos e de lazer. A
pesca marítima (no mar territorial, na plataforma continental ou em áreas de alto mar) difere da pesca con-
tinental (em águas interiores) em vários aspectos, especialmente em relação à conservação do pescado e seu
processamento. Por outro lado, a pesca requer rígidas medidas regulatórias, como o respeito ao defeso (época
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
199

de desenvolvimento das larvas) e a proibição de técnicas predatórias, como a pesca de arrasto (MMA, 2006a).
Especial atenção deve ser voltada a áreas que constituem berçários de peixes e crustáceos, visto que sua des-
truição provoca enormes prejuízos à cadeia alimentar e ao equilíbrio do meio ambiente. Em zonas costeiras e
marinhas, o tipo de fundo, seja de areias, argila, rocha ou cascalho, tem muita importância na determinação
da natureza das comunidades bentônicas e na densidade populacional dos respectivos grupos dominantes.
O Brasil, que passou de uma fase de pesca essencialmente artesanal (na década de 60) para uma fase
industrial moderna (após a década de 80), ainda possui enormes limitações na produção de pescado, com to-
tais de captura menores que vários países de menor extensão costeira e economia menos desenvolvida (Figura
2.2). Ainda sim, há o problema da sobrepesca de várias espécies no litoral brasileiro, tanto de peixes como
frutos do mar, cuja reposição de estoques requer pesquisa científica de ponta (Ibama, 2008).

Figura 2.2 - Produção da pesca extrativa no Brasil (marinha e continental, em toneladas), de 1950 a 2010
Fonte: MPA, 2010.

2.3 Aquicultura
Atualmente, a criação de espécies em fazendas marinhas (maricultura) e em tanques de água doce
(piscicultura) requer tecnologia desenvolvida e se tornou atividade altamente lucrativa, além de colaborar
na produção de alimentos (com valor nutricional controlado). Outra especialidade é a carnicicultura, para a
criação de camarões. Essas atividades constituem alternativa à pesca, geralmente envolvendo custos menores
e ação menos predatória.
Ainda sim, podem ser considerados diversos impactos da criação de espécies em fazendas marinhas
e tanques, como por exemplo: o lançamento de efluentes em águas de uso público (com alta concentração
de matéria orgânica em suspensão e nutrientes), o surgimento e a disseminação de doenças, rações de baixa
qualidade (com elevadas concentrações de fósforo), perda da cobertura vegetal, redução de áreas de proteção,
salinização do solo onde estão instalados os cultivos e possibilidade de introdução de espécies exóticas. Além
disso, existe uma problemática com relação aos manguezais, por serem devastados para a implantação das
fazendas de camarão. O impacto biológico é enorme, já que as inúmeras espécies que ali habitam e se repro-
duzem simplesmente perdem seu espaço vital. Com o tempo, este impacto afeta também o homem. O que
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
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se tem a fazer para minimizar esses impactos ambientais é tomar medidas que possam tornar o cultivo mais
sustentável, bem como realizar ações mitigadoras. Formas mais ecológicas de cultivos contemplam o uso de
macrófitas, bioflocos, rações de qualidade, entre outros. O tratamento dos efluentes por marcrófitas aquáticas
ameniza os impactos sobre os ecossistemas aquáticos,diminuindo os nutrientes (como N e P) disponíveis na
água. O sistema de bioflocos consiste na manipulação de bactérias heterotróficas que estão presentes natural-
mente nos ambientes aquáticos, capazes de assimilar compostos nitrogenados, transformando-os em proteína
bacteriana com adição de fontes extras de carbono. De qualquer forma, atualmente, praticamente metade da
produção mundial e brasileira de pescado provém da aquicultura (Figura 2.3), que ainda apresenta grande
tendência de crescimento (Carvalho et al, 2009)

Figura 2.3 - Produção da aquicultura no Brasil (marinha e continental, em toneladas), de 1950 a 2010
Fonte: (MPA, 2010).

O ponto essencial é que a aquicultura requer conhecimento tecnológico de ponta, referente à regulagem
dos sistemas de irrigação e drenagem, criação de larvas, adubação da água, processamento dos produtos e seu
armazenamento, lançamento de efluentes, bem como o controle de espécies invasivas, além de parasitas e pragas.
Finalmente, a aquicultura pode ser muito útil no repovoamento de áreas marinhas, a partir da criação
em laboratórios de desovas de animais marinhos.

2.4 Extração de petróleo

O petróleo é um recurso natural abundante, porém sua extração envolve elevados custos e estudos
complexos, principalmente em áreas costeiras e marinhas. É atualmente a principal fonte de energia e serve
como base para fabricação dos mais variados produtos, dentre os quais destacam-se gasolina, querosene, GLP,
óleos combustíveis, combustível de aviação, benzinas, óleo diesel, óleos lubrificantes, alcatrão, polímeros plás-
ticos, parafina, produtos asfálticos, nafta petroquímica, solventes e até mesmo medicamentos.
Após a crise petrolífera mundial de 1973, o Brasil modificou sua estratégia de exploração petrolí-
fera, que até então priorizava parcerias internacionais e a exploração de campos mais rentáveis no exterior.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
201

Naquela época o Brasil importava 90% do petróleo que consumia e o novo patamar internacional de preços
tornou mais interessante explorar petróleo nas áreas de maior custo do país, incluindo o alto mar. Em 1974,
foram descobertos indícios de petróleo na Bacia de Campos, confirmados com a perfuração do primeiro poço
em 1976. Desde então esta região tornou-se a principal região petrolífera do país, chegando a responder por
mais de 2/3 do consumo nacional até o início dos anos 1990, e ultrapassando 90% da produção petrolífera
nacional nos anos 2000.
Em 2007 foi descoberto petróleo na camada denominada Pré-sal, que posteriormente se configurou
como um grande campo petrolífero, estendendo-se ao longo de 800 km na costa brasileira, do Estado do
Espírito Santo ao de Santa Catarina, abaixo de espessa camada de sal (rocha salina) e englobando as bacias
sedimentares do Espírito Santo, de Campos e de Santos. O primeiro óleo do pré-sal foi extraído em 2008 e a
produção comercial passou a ser realizada desde 2010.
Apesar da enorme importância econômica desta fonte de energia, a extração de petróleo na Zona
Costeira e Marinha apresenta enormes dificuldades operacionais e riscos, especialmente a possibilidade de
acidentes em macro escala, que podem atingir grande parte da cadeia alimentar do oceano, com enormes
repercussões ambientais e econômicas (Figura 2.4).

Figura 2.4 - Rebocadores da Marinha do Brasil prestam socorro à plataforma de petróleo que adernou na Baía da Guanabara,
em 29 de abril de 2012
Fonte: (foto da Agência de Notícias O Estado de São Paulo).

Além da extração, o processamento de petróleo em refinarias para a obtenção de derivados requer a


construção e operação de grandes complexos industriais, muitas vezes na zona costeira, os quais promovem
grande desenvolvimento econômico, mas podem também provocar danos ao meio ambiente, por conta dos
resíduos e efluentes envolvidos.

2.5 Extração de recursos minerais

Além do petróleo, há diversos minerais marinhos com potencial de exploração no Brasil (Figura 2.5),
como sal-gema, potássio, enxofre, gipsita, carvão mineral, zircão e os sedimentos fosfatados. Além disso, nó-
dulos metálicos ocorrem em regiões profundas ao largo da margem continental e extensas reservas de areias
terrígenas e sedimentos calcários, formados principalmente por algas, ocorrem desde a costa do Pará até o
Espírito Santo.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
202

Figura 2.5 - Mapeamento das riquezas minerais marinhas do Brasil


Fonte: (Remplac / Unesp Ciência).

Entretanto, no Brasil, com exceção do petróleo, a exploração de recursos minerais marinhos tem sido
pontual e descontínua, restringindo-se à extração de areias para regeneração de praias e extração localizada
de conchas e algas calcárias (Souza & Martins, 2008).
Na mineração de áreas continentais, além da extração do mineral desejado, são produzidos rejeitos
oriundos de túneis e galerias que são construídos para facilitar o acesso às jazidas. Esses rejeitos podem ser
armazenados em áreas continentais, provocando modificações na paisagem costeira, ou, alternativamente,
podem ser despejados no mar.
As atividades de mineração no mar podem causar diversos tipos de impactos ambientais aos ecossis-
temas marinhos, principalmente devido à destruição de habitats, que é um dos principais fatores que causam
o declínio do número de espécies em todo o globo. Além de interferir diretamente no fundo submarino, as
atividades de mineração podem causar um aumento da turbidez da água, com consequências para a produ-
tividade primária local. Podem introduzir e promover a liberação de nutrientes, causando a eutrofização, e
também a introdução de substâncias tóxicas que, quando incorporadas à biota, alteram o crescimento, a taxa
de reprodução e a sobrevivência das espécies, podendo afetar também a pesca. Além dos prejuízos ecológicos,
a mineração no mar pode prejudicar o turismo e atividades recreativas.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
203

2.6 Extração de água dessanilizada

A dessalinização da água do mar é utilizada em regiões onde a água doce é escassa ou de difícil
acesso, como no Oriente Médio, na Austrália e no Caribe (para consumo humano, irrigação ou até mesmo
recuperação de lençóis freáticos exageradamente explorados); também é usada em pequena escala, em navios
transatlânticos e submarinos (para a tripulação de navios que ficam meses no mar ou para exploradores e
cientistas que promovem pesquisas em regiões desprovidas de água doce); algumas vezes o processo produz
sal de cozinha como subproduto (Fischetti, 2007).
Na natureza, a dessalinização é um processo contínuo e natural, alimentador do ciclo hidrológico,
que se comporta como um sistema físico, fechado, sequencial e dinâmico. Devido à ação da energia solar,
ocorre a evaporação de um grande volume de água dos oceanos, dos mares e dos continentes. Os sais perma-
necem na solução e os vapores, por condensação, vão formar as nuvens, as quais originam as chuvas e outras
formas de precipitação. Esta água doce volta aos oceanos e mares, alimentando os rios, os lagos, as lagoas e
os mares, onde reassimilam uma nova carga salina. Por necessidade de sobrevivência, o homem desenvolveu
métodos e técnicas de dessalinização das águas com elevado conteúdo salino para obter água doce (Figura
2.6). Em todo o mundo são adotados quatro métodos diferentes para promover a conversão da água salgada
em doce: a osmose inversa, a destilação multiestágios, a dessalinização térmica e o método por congelamento.

Figura 2.6 - Maior usina de dessalinização do mundo, inaugurada em fevereiro de 2011 na cidade de Hadera (Israel), à beira
do Mediterrâneo, a um custo de US$ 500 milhões, com produção estimada de 127 milhões de metros cúbicos de
água por ano.
Revista Fonte: (foto da Revisa Planeta, de maio de 2011)

O principal problema das tecnologias de dessalinização é conseguir diminuir o custo final da água
doce, para que esta possa estar disponível em grandes quantidades. De fato, a dessalinização em macro escala
em geral consome grande quantidade de energia e depende de plantas de produção caras e específicas. Por-
tanto, é sempre mais cara, em relação a água doce de rios ou subterrânea. De qualquer forma, pelo que há de
experiência internacional, é viável, tecnicamente e economicamente, a instalação de usinas de dessalinização
para atender a demanda de água potável das cidades litorâneas brasileiras.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
204

2.7 Extração de energia


(de ondas, marés e gradientes térmicos)

Os oceanos desempenham papel muito importante na formação do clima global e, ao mesmo tem-
po, são uma fonte potencial de energia renovável e limpa para futuras gerações humanas, podendo assim
minimizar os efeitos danosos das atuais fontes energéticas, como o efeito estufa e o acúmulo de resíduos
nucleares. Consequentemente, a busca por alternativas energéticas marinhas que causem menos impactos ao
meio-ambiente passou a ser um desafio aos cientistas e uma opção estratégica das nações. Evidentemente, há
restrições quanto ao uso de grandes áreas dos oceanos, em vista de atividades de pesca, navegação, turismo,
lazer, entre outros; mas a maior dificuldade se encontra na obtenção de eficiência e viabilidade econômica dos
empreendimentos, considerando sua implantação em ambientes agressivos e de acesso muitas vezes difícil
(Harari et al., 2009).
Os oceanos podem produzir dois tipos de energia: a térmica, a partir do calor do sol, e a mecânica,
pela ação de ondas e marés. Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra, constituindo eficientes
coletores solares; como a energia do sol aquece a camada da superfície muito mais do que as águas profundas
do oceano, esta diferença de temperaturas gera energia (sistemas OTEC – Ocean Thermal Energy Conver-
sion). A energia mecânica é diferente da térmica: as ondas são impulsionadas principalmente pelos ventos e
as marés são geradas pela atração gravitacional do Sol e da Lua, ambas envolvendo grandes quantidades de
energias cinética e potencial que podem ser convertidas em eletricidade. Em geral, ondas e marés são fontes
de energia intermitentes, enquanto que a energia térmica do oceano é contínua (Figura 2.7).
Há outras possibilidades de extração de energia nos oceanos, porém atualmente são muito pouco
exploradas, como por exemplo a que se encontra nas correntes marítimas (exceto as correntes de maré), que
são devidas principalmente a ventos e variações de densidade da água do mar. Muitas regiões no oceano
apresentam fluxos relativamente constantes e em sentido único; embora as correntes tenham velocidades
bem menores que os ventos, a água tem densidade bem maior que o ar, de modo que as correntes carregam
consigo energias maiores. Entretanto, em virtude de grandes dificuldades técnicas, como por exemplo na
estabilidade de posicionamento das turbinas, a extração de energia a partir de correntes (quase) permanentes
ainda se encontra em estágio experimental.
A costa leste - nordeste brasileira possui gradientes de temperatura adequados para os sistemas
OTEC, por ser uma área tropical (com a vantagem da proximidade ao continente); a costa sul possui valores
elevados de altura significativa das ondas, por influência dos sistemas atmosféricos extra-tropicais; e o norte
do país apresenta ressonância das marés semi-diurnas no Atlântico Tropical.
Com cerca de 8.000 km de costa marítima, o Brasil ainda investe pouco nos sistemas de extração de
energia dos oceanos, e não se tem conhecimento de projetos com sistemas OTEC, embora haja projetos pi-
loto para extração de energia a partir de ondas e marés. Em termos de energia das ondas, os Estados de Rio
Grande do Sul e Santa Catarina são os que apresentam melhores condições, com as maiores alturas de onda,
embora tenham grande variação sazonal; por outro lado, nos Estados de Ceará e Rio Grande do Norte, devi-
do aos ventos alíseos, se tem ondas praticamente constantes ao longo de todo o ano (embora menores que no
Sul). Quanto à energia de marés no Brasil, há alguns locais adequados à construção de usinas maré-motriz,
como na foz do rio Mearim (Maranhão), na foz do Tocantins (Pará) e na foz da margem esquerda do Amazo-
nas (Amapá); nesses locais, o impacto ambiental seria mínimo, pois as águas represadas pelas barragens não
inundariam terras novas, apenas aquelas que a própria maré já cobre. No país, grandes alturas (ranges) de
maré são observadas em São Luís, na Baia de São Marcos (MA, com 6,8 m) e em Igarapé do Inferno, na Ilha
de Marajó (AP, com 11,5 m), mas nestas regiões a topografia do litoral não favorece a construção de reserva-
tórios, o que exigirá dos brasileiros vencer um grande desafio científico e tecnológico para o aproveitamento
econômico de sua energia.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
205

Figura 2.7 - Fotos aéreas da usina maré motriz de La Rance, França, em operação desde novembro de 1966, com 24 turbinas
e capacidade de geração de 240 MegaWatts (valor de pico).

2.8 Despejo de esgotos e poluentes


(por emissários submarinos e outras formas)
Poluição marinha é definida como a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias
ou energia no meio marinho, as quais provocam efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos, riscos à
saúde do homem, alteração da qualidade da água do mar e deterioração dos locais de recreio. Os principais
contaminantes que adentram o meio marinho são o esgoto sanitário, metais pesados, óleos, lixos, etc ... As
principais fontes de poluição são instalações industriais (como complexos químicos e petroquímicos), centrais
de tratamento de águas residuais, construções (de estruturas, portos ou urbanas), operações portuárias e de
transbordo, mineração costeira (areia e cascalho), modificação de habitats (dragagens e aterros), aquicultura,
resíduos sólidos e hospitalares, entre outros.
Dentre os poluentes que adentram os mares e oceanos, esgostos sanitários e industriais tem impor-
tância especial, em virtude dos grandes volumes envolvidos, especialmente nas proximidades de grandes cen-
tros urbanos e industriais. Uma das soluções adotadas para minimizar os efeitos desses poluentes se encontra
na uilização de emissários submarinos, os quais contam com tubulações para lançamento dos esgotos no mar
a uma certa distância da linha da costa, aproveitando-se a elevada capacidade de auto-depuração das águas
marinhas, que promovem a diluição, a dispersão e o decaimento de cargas poluentes. Atualmente, os emis-
sários submarinos são considerados complementares e integrados aos sistemas de tratamento e disposição de
esgotos sanitários das cidades litorâneas, com funcionamento simples e eficiente, geralmente precedido por
um interceptor de esgotos e por um emissário terrestre (SMA, 2006).
No Brasil, existem algumas dezenas de emissários submarinos e sub-fluviais, entre os quais os de
Ipanema, Barra da Tijuca e Rio das Ostras (RJ), Fortaleza (CE), dois em Maceió (AL), Aracaju (SE), Salvador
(BA), Vitória (ES) e Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande (SP).
Para o cálculo da diluição, dispersão e decaimento bacteriano ou químico são utilizados modelos
matemáticos (Figura 2.8) e, eventualmente, também modelos físicos.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
206

Figura 2.8 - Simulação numérica das concentrações médias de coliformes (NMP/100ml), em escala logarítmica, referentes ao mês
de abril de 2006, na superfície, a partir do emissário submarino de esgotos de Santos (esq) e número de horas no mês
em que a região ficou sob influência de concentração igual ou superior a 100 Coliformes (NMP/100mL) (dir).

Outro aspecto de enorme importância da poluição marinha é seu efeito em terra, quando as cor-
rentes marinhas transportam para as proximidades do continente águas contaminadas, que podem atingir
praias, costões, manguezais e rios, prejudicando assim a qualidade das águas interiores e a cadeia alimentar
em ecossistemas continentais.

2.9 Implantação de portos, marinas e piers

Normalmente os cálculos de estruturas portuárias para atracação de barcos em segurança, como


plataformas, quebra-mares, molhes e bacias de evolução, são efetuados por especialistas em engenharia hi-
dráulica, utilizando-se de modelos matemáticos em computadores e de modelos físicos em laboratórios de
hidráulica marítima.
Para a construção de um porto são indispensáveis: canais de águas profundas (dependendo dos
calados das embarcações), proteção contra o vento e ondas, bem como fácil acesso a estradas e/ou ferrovias.
Ademais, os portos são alvo de várias políticas integradas de Qualidade, Ambiente, Segurança e Saúde no
Trabalho, de forma a assegurar a plena satisfação dos seus usuários.
Os principais portos brasileiros são: o Porto de Santos (SP), o maior porto nacional e o mais movi-
mentado da América Latina, do Rio de Janeiro (RJ), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Itajaí (SC), Vitória
(ES), Salvador (BA), Suape (PE), Angra dos Reis (RJ), Maceió (AL), Manaus (AM, porto fluvial), Belém (PA,
outro porto fluvial), entre outros.
Além de portos, outra forma de atracação de embarcações, voltada a barcos de pequeno porte e de
lazer, especialmente iates, são as marinas (Figura 2.9). Sua construção em áreas costeiras também requer uma
série de precauções e bom planejamento, visto que envolvem diversas alternativas em termos de tipos de
utilização (recreio, turismo, pesca ou trabalho), formas de resguardo das embarcações e tipos de amarração
(estacas, correntes, tirantes, etc ...), obras de engenharia para acesso marítimo e proteção (quebra-ondas,
canais de acesso, etc ...) e infra-estrutura no continente (rodovias e ferrovias, hotéis e restaurantes, piers de
acesso aos barcos, etc ...).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
207

Figura 2.9 - Vistas da Marina da Glória (Rio de Janeiro, RJ, Brasil).

A implantação de portos, marinas e piers em geral contribui significativamente para as atividades econô-
micas, mas pode vir a impactar o meio ambiente, através da alteração da circulação das águas costeiras, erosão em
áreas próximas, geração de poluição por acidentes e atividades portuárias, tráfego excessivo no continente, etc ...

2.10 Realização de obras de manutenção e recuperação


(engorda de praias e dragagens)

Ao longo do litoral brasileiro se encontram os mais variados tipos de sistemas costeiros, como dunas,
manguezais, falésias e praias arenosas. Estas últimas têm destaque especial, devido a suas finalidades turís-
ticas e também por sua fragilidade ambiental. Nas praias, as ondas depositam e retrabalham os sedimentos
(em geral areia rica em quartzo), desde áreas emersas (linhas de vegetação, bases de dunas, etc ...) até áreas
submersas (tipicamente entre 6 e 8 m de profundidade).
Os sedimentos são levados pelos rios para as linhas de costa e, uma vez no domínio marítimo, passam
a ser transportados por correntes originadas na ação de ondas, ventos e marés – é a dinâmica sedimentar cos-
teira. Numa praia em equilíbrio, o volume de areia que entra equivale ao volume que sai; se houver excesso
de entrada, se tem progradação (avanço da praia em direção ao mar); e se houve excesso de saída de areia,
resulta em erosão da praia (recuo da praia em direção ao continente).
A erosão costeira é, portanto, um processo de reequilíbrio da linha da costa devido ao fato da praia
perder mais sedimentos do que recebe. Em geral, elevações do nível médio do mar são associadas a processos
erosivos, os quais prevalecem até que novos padrões de equilíbrio sejam atingidos. Diversos fatores causam a
erosão costeira, como por exemplo instabilidades naturais das desembocaduras fluviais, variações na incidên-
cia de ondas, efeitos de marés, ressacas devidas a frentes frias intensas, além das variações climáticas globais
e intervenções antrópicas (uso e ocupação do solo, obras urbanas, etc ...) (MMA, 2006).
De fato, obras de engenharia muitas vezes têm impactos acentuados na deriva litorânea de sedimen-
tos, principalmente obras rígidas como diques transversais à linha da costa (espigões), que acabam barrando
o transporte natural de areia e, por consequência, produzindo déficit de sedimentos nas praias à retaguarda,
como em Recife e Olinda (PE) e em São Vicente (SP) (Figura 2.10). Outras intervenções humanas que afetam
o equilíbrio sedimentar são alterações em rios, com a construção de barragens e reservatórios, que retém o
aporte sedimentar à linha da costa, como no caso do Rio São Francisco (BA) e Rio Paraíba do Sul (RJ).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
208

Uma das formas de recuperar áreas afetadas pela erosão costeira é a engorda de praias, que consis-
te na adição de areia para aumento da faixa praial, e que depende de jazidas de areia com características
adequadas (granulometria). Outro aspecto importante nessa solução é que ela deve ser acompanhada por
medidas que eliminem as causas da erosão, caso contrário, a diminuição ou mesmo o desaparecimento das
praias volta a ocorrer (Goya, 2009).

Figura 2.10 - Vista da perda da faixa praial em São Vicente (São Paulo, Brasil)

O transporte de sedimentos na Zona Costeira afeta não apenas as praias e linhas de costa, mas pode
ser muito importante na geomorfologia costeira (distribuição da batimetria); de fato, processos de sedimen-
tação (acúmulo de sedimentos) em certas áreas podem vir a afetar a segurança de navegação e o atracamento
de embarcações com grandes calados. Nesses casos, operações de dragagem são realizadas, com a retirada de
materiais depositados no fundo e aumento de profundidade da lâmina d’água. Novamente vários aspectos
técnicos devem ser considerados nas operações de dragagem, especialmente a estabilidade do fundo e a es-
colha dos locais de descarte dos materiais dragados (que podem ser em terra, mas em geral são oceânicos).
Tanto as dragagens como as deposições de materiais podem vir a afetar a ecologia dos respectivos sítios, o que
requer estudos de hidrodinâmica, química e biologia, em conjunto com a geologia costeira.

2.11 Atividades militares


Operações militares são parte integrante de atividades na zona costeira, centradas em Bases e Distri-
tos Navais, e envolvendo a navegação e atracação de grandes embarcações, como porta-aviões, submarinos,
fragatas, etc ... (Figura 2.11), treinamentos militares (exercícios navais, desembarque de tropas, socorro e
salvamento), restrição de acesso a certas áreas (devido à presença de munição e materiais perigosos), entre
outros.
Essas atividades podem vir a ter grande influência em vastas áreas costeiras, envolvendo a ocupação
de regiões importantes sob aspectos ecológico e turístico, a proibição de atividades civis (como navegação de
recreio e pesca), riscos de acidentes (em navegação ou com armamentos e munição), entre outros.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
209

Figura 2.11 - Porta aviões São Paulo navegando na Baía da Guanabara.

2.12 Turismo e lazer (praias, iatismo, etc ...)

Pode-se dividir o turismo como o da zona litorânea (principalmente em praias) e o de navegação


(desde barcos pequenos até iates e grandes navios de cruzeiros turísticos).
O turismo tem se tornado, cada vez mais, atividade socioeconômica de enorme importância, envolven-
do uso intensivo de mão de obra, implantação e operação de hotéis, desenvolvimento de meios de transporte,
otimização de formas de abastecimento, segurança de turistas, etc ... Ademais, tem reflexos positivos na saúde,
ao incentivar a prática de vários esportes, como surf, mergulho, pesca, navegação a vela, etc ... (Figura 2.12).

Figura 2.12 - Iate navegando no Canal do Porto de Santos, defronte à Fortaleza da Barra (Guarujá, SP, Brasil).

Por outro lado, o turismo muitas vezes causa impactos significativos na faixa costeira, como por
exemplo: ocupação rápida e desordenada, destruição e degradação de ecossistemas (devido a desmatamento,
remoção de dunas e manguezais, retirada de areia, alteração de paisagens, etc ...), ameaças à biodiversidade
terrestre e marinha, elevação dos níveis de poluição (tanto em cursos d’água como no mar) e redução na dis-
ponibilidade de água doce (em função do aumento da demanda).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
210

De qualquer forma, os benefícios de um turismo adequadamente planejado e gerenciado compen-


sam, em muito, eventuais impactos negativos. Por exemplo, praias muito procuradas acabam por forçar as
autoridades a adotar medidas de monitoramento e controle da qualidade das águas, de modo a evitar sua
contaminação.

2.13 Preservação de ecossistemas e educação ambiental

Os ecossistemas costeiros são classificados como 1) costões rochosos, 2) lagunas costeiras, estuários
e deltas, 3) manguezais e marismas, 4) praias arenosas e lodosas, 5) recifes de coral e 6) restingas e dunas.
Os componentes dos ecossistemas são bióticos e abióticos e incluem o solo, a água, as plantas e os
animais; as interações entre os componentes são chamadas funções e incluem os ciclos biogeoquímicos de
nutrientes e intercâmbios entre as águas de superfície e subterrâneas; funções ecológicas proporcionam pre-
venção de inundações, reciclagem de poluentes, retenção de nutrientes, exportação de bio-massa, etc ...; os
atributos dos ecossistemas são as diversidades de espécies e cultural; e os produtos são os recursos utilizados
pelo homem, seja diretamente (recursos pesqueiros e vegetais) ou indiretamente (turismo, recreação e pesqui-
sa científica); os tensores dos ecossistemas são as atividades do homem que podem produzir impactos nega-
tivos, como por exemplo derramamentos de óleos e petróleo, pesca predatória, tráfego terrestre e marítimo,
remoção de areia, agricultura, etc ....
A preservação dos ecossistemas costeiros permite duas abordagens: o desenvolvimento do conhecimen-
to científico e a educação ambiental. Essas abordagens requerem a implantação de programas de manejo costei-
ro, com a conscientização das populações sobre exploração sustentável e conservação ambiental (CNIO, 1998).
É necessário considerar que os ecossistemas costeiros incluem tanto os organismos vivos como o am-
biente abiótico numa unidade funcional. Devido a sua riqueza biológica, esses ecossistemas são os grandes
berçários naturais, tanto de espécies locais como espécies do oceano profundo (pelágicas), que migram para
as áreas costeiras durante a fase reprodutiva. A fauna e a flora dos ecossistemas possuem valor inestimável,
constituindo “ativos ambientais” e “prestadores de serviços ambientais”.
Os maiores desafios na preservação ambiental se encontram nos processos de urbanização e indus-
trialização, poluição (atmosférica, continental e marinha), exploração excessiva dos recursos, entre outros.
Por outro lado, a existência de “áreas de conservação” evita a perda de ecossistemas e reduz sua de-
gradação pela exploração predatória, apesar dos conflitos que, muitas vezes, ocorrem entre os gestores e as
populações tradicionais. Uma das chaves para a proteção ambiental é a aplicação de práticas de manejo am-
bientalmente corretas, o que ajuda a controlar as alterações impostas pelas atividades humanas. As soluções
adotadas devem ser preventivas e levar em consideração as variáveis social, econômica e ecológica, com base
em conhecimentos dos sistemas biológicos e dos processos físicos.
Ao lado da prevenção, a melhor forma de preservação se encontra na educação ambiental. O ensino
de práticas conservacionistas, especialmente direcionadas a jovens, através de palestras, cursos e excursões
ecológicas, incluindo a capacitação e o emprego de “agentes conservacionistas” ou “monitores ambientais”,
proporciona a necessária conscientização das populações para a importância da conservação ambiental (Fi-
gura 2.13).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
211

Figura 2.13 - Limpeza de praia em dia de divulgação de educação ambiental.

2.14 Especulação imobiliária

A beleza e a qualidade de vida de várias zonas costeiras atraem o interesse de ocupação e incremen-
tam o turismo, com a criação de arranha-ceús, conjuntos habitacionais luxuosos, hotéis e resorts de alto
padrão (Figura 2.14). Por outro lado, muitas vezes a ocupação é desordenada, gerando bairros periféricos de
baixo nível social, sem serviços essenciais de água, luz e esgoto (Ribeiro, 2009).

Figura 2.14 - Vista da Praia de Pitangueiras, no Guarujá (São Paulo, SP, Brasil) e sua ocupação imobiliária.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
212

2.15 Preservação de comunidades litorâneas, seus modos


de vida e tradições

Caiçara é uma palavra de origem tupi que refere-se aos habitantes das zonas litorâneas, que vivem da
pesca e agricultura de subsistência (Figura 2.15). As comunidades caiçaras nasceram a partir do século XVI,
da miscigenação de brancos de origem portuguesa com grupos indígenas das regiões litorâneas do Estado de
São Paulo (tupinambás), além do aporte de negros libertos que se afastaram das influências das áreas urbanas
(cidades e vilas).

Figura 2.15 - Caiçaras preparando rede de pesca, na Praia Branca (Guarujá, SP).

Desde os colonizadores e a ocupação do território nacional pelos seus descendentes, comunidades


indígenas e caiçaras sofrem pressões de especuladores urbanos, forçando o abandono dos locais onde vivem,
para a construção de hotéis de luxo e até mesmo o isolamento de praias, que passam a ter o acesso controlado
pelos novos donos.
A conservação de zonas costeiras deve portanto também contemplar o apoio à sobrevivência e preser-
vação das comunidades litorâneas, seus modos de vida e tradições, que são parte integrante dos ecossistemas
(Diegues, 2005).
3- Impactos, monitoramento e preservação da zona costeira
A avaliação de impactos ambientais tem por objetivo identificar, quantificar, explicar, analisar, prever
e divulgar os efeitos de um projeto, programa, plano ou uma atividade sobre ecossistemas naturais ou urba-
nos, visando sua preservação e o bem estar humano. Esta atividade pode ser apenas planejada, em implanta-
ção, em operação ou já executada, e a avaliação ambiental tem também a finalidade de apresentar alternativas
a atividades impactantes, visando a minimização de impactos negativos, bem como fornecer recomendações
e medidas mitigadoras desses impactos.

Em geral, os impactos ambientais negativos se dão sobre o meio físico (a atmosfera e os corpos
d’água), a fauna e a flora, a saúde e o bem estar da população, as atividades socioeconômicas, as paisagens e
o patrimônio histórico - cultural. Podem envolver portanto:

1. poluição do ar, da terra e das águas,


2. elevação dos níveis de ruído e vibratórios,
3. ocorrência de processos erosivos e de assoreamento devido a modificações na dinâmica sedimentar,
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
213

4. redução da qualidade dos solos e dos recursos hídricos (incluindo águas costeiras),
5. alterações nos padrões de circulação atmosférica e hídrica (fluvial e costeira),
6. disposição inadequada de resíduos sólidos e efluentes,
7. degradação ou mesmo supressão da vegetação,
8. alterações e perdas de habitats da fauna,
9. proliferação de pragas,insetos e vetores de doenças,
10. invasão de organismos exóticos,
11. redução das taxas fotossintéticas,
12. degradação de paisagens,
13. invasão de áreas de preservação ambiental,
14. redução de renda e de empregos,
15. alterações nos perfis urbanos,
16. modificações dos padrões imobiliários,
17. alterações nos sistemas viários e de transporte em geral,
18. prejuízos às atividades de lazer e turismo,
19. interferências nas populações nativas e culturas tradicionais,
20. geração de conflitos sociais,
21. perda de valores éticos, morais e religiosos,
22. disseminação de moléstias infecto-contagiosas,
23. interferências nos patrimônios arqueológicos e
24. descaracterização de marcos históricos.
Visando o monitoramento e a preservação da qualidade ambiental, as avaliações de impactos ambien-
tais em zonas costeiras devem envolver os aspectos a seguir listados.

3.1 Descrição dos empreendimentos e das tecnologias empregadas e sua situação frente à legislação
ambiental; divulgação dos objetivos e justificativas dos empreendimentos, no contexto de sua locali-
zação e inserção regional; descrição dos procedimentos em casos de acidentes e emergências.

3.2 Verificação dos procedimentos de licenciamento das obras e atividades, segundo as legislações
federal, estadual e municipal, incluindo as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(CONAMA) e dos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. A verificação dos procedimentos
legais é relativa a

1. respeito às resoluções do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e as referentes a


áreas de preservação permanente;
2. prevenção, controle e fiscalização da poluição;
3. formas de operação (exploração de portos e atividades portuárias, utilização de áreas de recreação,
exploração de pesca e aquicultura, etc ...);
4. inserção no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), considerando as regras de uso e
ocupação da zona costeira, bem como os critérios de gestão da orla costeira;
5. ações de prospecção e resgate do patrimônio arqueológico e
6. utilização, proteção e conservação de recursos ambientais.

3.3 Elaboração de Diagnóstico Ambiental (DA), caracterizando as condições vigentes na área do


empreendimento ou atividade impactante antes de sua implementação, nos aspectos físico,
biótico, histórico e sócio – econômico. Neste diagnóstico devem ser consideradas informações das
mais variadas fontes (como medições diretas, bancos de dados, imagens de satélites, documentos
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
214

históricos, trabalhos acadêmicos, etc ...) e análises de alta qualidade e precisão (através de testes
laboratoriais, modelos matemáticos, técnicas estatísticas, etc ...). O diagnóstico ambiental deve
também delimitar as três áreas de influência do empreendimento, progressivamente em escala, da
maior para a menor, a saber: área diretamente afetada (ADA), área de influência direta (AID) e área
de influência indireta (AII). Essa delimitação deve considerar potenciais impactos, associados direta
ou indiretamente ao empreendimento O diagnostico, nessas escalas, deve considerar aqueles fatores
que potencialmente sofrerão impactos associados ao empreendimento, embora possa vir também a
requerer um diagnóstico mais detalhado e completo da região, devido a potenciais interações entre
um empreendimento e seu entorno.
3.4 Elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA – RIMA),
de forma análoga ao Diagnóstico Ambiental, mas agora caracterizando as alterações nas condições
vigentes em função das atividades em operação ou já executadas.

4 FORMAS DE ELABORAÇÃO DO DA E DO EIA – RIMA


Como visto acima, os diagnósticos ambientais e os estudos de impactos ambientais em zonas costeiras
devem contemplar componentes físicos, bióticos, históricos e sócio – econômicos; devem contemplar tanto
medições de campo como análises laboratoriais e modelos computacionais; e devem também procurar esta-
belecer relações de causa e efeito entre os processos envolvidos. Dessa forma, os principais aspectos a serem
considerados nos diagnósticos e estudos são a seguir fornecidos.

Meio físico:

4.1 Levantamentos de clima e meteorologia: caracterização dos campos de temperatura, umidade,


pluviosidade, pressão e vento. Verificação das condições médias e extremas e das variabilidades
sazonais dos parâmetros atmosféricos (Harari et al, 2008) – ver exemplo na Figura 4.1.

Figura 4.1 - Estatística mensal da temperatura do ar na superfície, a partir dos dados de reanálise do modelo atmosférico
global do NCEP / NCAR, para a posição 24º S 46,35º W, de 1980 a 2009 (valores mensais: mínimas, médias –
desvio padrão, médias, médias + desvio padrão e máximas).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
215

4.2 Avaliação da qualidade do ar: levantamentos das emissões atmosféricas e seus impactos, nas três
áreas de influência do empreendimento (ADA, AID e AII).
4.3 Estimativa dos níveis de ruído e vibração: realização de medições de níveis sonoros no entorno
da área de empreendimento, especialmente em locais críticos, como hospitais, centros de saúde,
escolas, áreas residenciais, etc ...; essas medições devem ser realizadas tanto na situação anterior às
intervenções, para subsidiar a modelagem do que pode vir a acontecer com a entrada em operação
do empreendimento, bem como durante e após as intevenções.

4.4 Descrição geomorfológica, compreendendo as formas de relevo, presença e propensão a erosão ou


assoreamento, etc ...

4.5 Caracterização geológica, englobando as principais unidades estratigráficas, suas feições estruturais
e grau de intemperismo.
4.6 Estudos de Pedologia, para a descrição e mapeamento das classes de solos e respectivos graus de
erodibilidade, visando a preservação de áreas (como os manguezais, ver Figura 4.2), bem como o uso
da terra para agricultura e outras formas de exploração.

Figura 4.2 - Áreas de manguezal (verde) na Baixada Santista.


Fonte: Sampaio et al. (2009)
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
216

4.7 Levantamentos de Hidrologia e Hidrogeologia, com a caracterização das águas interiores e costei-
ras, lençóis freáticos, distribuições de propriedades (ver Figura 4.3), variações do nível do mar, etc ...

Figura 4.3 - Resultados de modelo para a salinidade da água na Baixada Santista, no inverno (escala de cores representa a
salinidade em ups).
Fonte: Ribeiro (2012).

4.8 Análise da Oceanografia física e hidrodinâmica costeira: com descrição dos sistemas de correntes, ondas,
marés e nível médio do mar, através de medições e modelos numéricos (ver Figura 4.4), considerando suas
variabilidades espaciais e temporais (Harari et al, 2007); são consideradas escalas espaciais desde poucos
metros até milhares de quilômetros e escalas de tempo diária, mensal, sazonal, anual, decadal, secular, etc ...

Figura 4.4 - Correntes instantâneas na superfície (m/s) no estuário de Santos, para 04:00 GMT do dia 11 e 16:00 GMT do dia
20 de janeiro de 2009.
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
217

4.9 Estudos de Oceanografia geológica: com levantamentos batimétricos e dos tipos de fundo (bancos
arenosos, fundos rochosos, etc ...), análise dos processos de transporte de sedimentos ao longo da
costa e definição das regiões potenciais para deposição e erosão costeira (Rodrigues et al, 2003).
Utilização de modelos numéricos para simulações em computador do transporte de materiais, de
alterações de batimetria e da evolução da linha da costa (Ver Figura 4.5).

Figura 4.5 - Mapa de correntes na superfície e de concentração média na coluna d’água de argila, para o dia 27 de janeiro de
2009 às 04:00 horas, a partir de resultado de modelo de dispersão de materiais em suspensão.

4.10 Caracterização da qualidade da água, com análises físico-químicas de amostragens de água em locais
críticos e próximo a fontes poluidoras (ver Figuras 4.6 e 4.7). Implantação de modelos matemáticos
e físicos da dispersão de poluentes nos meios aquáticos.

Figura 4.6 - Porcentagem anual de qualidade na classificação das praias de Santos e São Vicente.
Fonte: CETESB (2009).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
218

Figura 4.7 - Resultados do modelo numérico para a distribuição de oxigênio dissolvido no verão (escala de cores representa
a concentração, em mg/l).
Fonte: Ribeiro (2012)

4.11 Identificação de interferências de outras obras costeiras, como dragagens e construções (de portos,
piers, marinas, etc ...) próximas ao empreendimento proposto, visando caracterizar potenciais siner-
gias ou conflitos, como por exemplo a estabilidade de áreas costeiras, a possibilidade de formação de
áreas com águas estagnadas, etc ....

Meio biótico:

4.12 Levantamento da biota terrestre: mapeamento e descrição da cobertura vegetal nas áreas de influ-
ência do empreendimento (ADA, AID e AII); caracterização da fauna terrestre, seus habitats, distri-
buição geográfica e diversidade. Obtenção de informações sobre a conservação dos ecossistemas e a
integridade dos processes ecológicos. Identificação e mapeamento das áreas degradadas e descrição
da dinâmica de fragmentação de habitats, discutindo impactos na biota.
4.13 Levantamento da biota aquática, caracterizando habitats, distribuição geográfica e diversidade dos
organismos planctônicos, nectônicos e bentônicos (ver Figura 4.8). Obtenção de informações sobre a
riqueza e abundância de espécies da biota, ressaltando as espécies raras, endêmicas, migratórias, com
risco de extinção e exóticas. Estimativa de possíveis impactos dos empreendimentos nos estoques pes-
queiros e comunidades aquáticas em geral, relacionando-os com a qualidade da água, assoreamento,
etc ...(Neff, 1979).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
219

Figura 4.8 - Variações temporais de densidade (indivíduos por 0,15 m2), biomassa (g / 0,15 m2) e riqueza (número de espécies)
de poliquetas, nas Baías de Picinguaba e Ubatumirim
Fonte: (litoral Norte do Estado de São Paulo, 23°22’S 44°53’W), segundo Petti & Nonato (2000).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
220

4.14 Delimitação das Unidades de Conservação e análise de seus Planos de Manejo, indicando se os em-
preendimentos podem vir a afetar, temporariamente ou permanentemente, os ecossistemas das áreas
de preservação e seu entorno.

4.15 Seleção de bioindicadores, espécies ou grupos de espécies que poderão ser utilizados como indica-
dores de alterações da qualidade ambiental nas áreas de influência dos empreendimentos. Realização
de testes de toxicidade e ecotoxicidade (Prosperi, 2002) (ver Figura 4.9).

Figura 4.9 - Frequências de toxicidade medidas nos sedimentos do estuário de Santos


Fonte: Sousa et al. (2008).

4.16 Levantamento de possíveis pragas e vetores de doenças presentes na região de interesse, que po-
dem vir a afetar a saúde e o bem estar humano.

Meios sócio – econômico e histórico – cultural:

4.17 Caracterização da população, considerando demografia, níveis de renda, aglomerações urbanas e


rurais, fluxos migratórios e zoneamentos existentes. Levantamento de informações sobre as popula-
ções tradicionais, como pescadores artesanais, coletores de moluscos e crustáceos, etc ... e seus níveis
de sustento.

4.18 Obtenção de informações sobre as características gerais de habitação (existência de conjuntos ha-
bitacionais, sub-moradias, etc ...), redes de educação e saúde (percentuais da população coberta),
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
221

infra-estrutura de serviços públicos (saneamento básico, coleta de lixo, etc ...), vias e meios de trans-
porte (estradas e ferrovias, rotas de navegação, etc ...). Estimativa se os empreendimentos podem vir
a afetar de forma significativa os padrões de habitação, serviços e transporte das populações.

4.19 Relacionamento das atividades econômicas e produtivas em geral, níveis de tecnologia alcançados
por cada setor produtivo (agrícola, industrial, comercial e de serviços) e importância da economia
informal. Estabelecimento das relações econômicas da região com os empreendimentos. Relaciona-
mento das principais atividades e locais de turismo e lazer, terrestre e aquático, e suas relações com a
economia local e regional. Identificação e caracterização de organizações sociais e culturais (ONGs,
sindicatos, associações de moradores e de pescadores, clubes esportivos, etc ...).

4.20 Obtenção de informações sobre sítios históricos e arqueológicos, museus e locais de atividades
artísticas e culturais, bem como áreas de beleza cênica e patrimônios da humanidade.

Análise integrada e recuperação de ecossistemas:

4.21 Análise integrada dos meios físico, biótico, sócio – econômico e cultural, ressaltando suas inter-
relações, a dinâmica ambiental e as influências dos empreendimentos. Avaliação geral dos impactos
ambientais, identificação de passivos ambientais e proposição de ações de recuperação de áreas e
ecossistemas impactados. Estabelecimento de medidas compensatórias e mitigadoras de danos am-
bientais. Análise de políticas governamentais para as áreas de interesse e dos planos de ocupação e
preservação.

Figura 4.10 - Distribuição da cobertura de redes de água e esgoto na bacia estuarina de Santos – São Vicente.
(Fonte: Sampaio et al., 2008).
Capítulo 11
EXPLORAÇÃO E MONITORAMENTO AMBIENTAL
DE ZONAS COSTEIRAS
222

4.22 Proposição de planos de controle ambiental, considerando o monitoramento contínuo da qualidade


do ar, das águas e dos sedimentos, da biota terrestre e da biota aquática. Estabelecimento de progra-
mas de gestão ambiental dos empreendimentos, recuperação de áreas degradadas, reposição de pas-
sivos ambientais, gerenciamento de resíduos sólidos, controle de efluentes e poluentes, controle de
vetores de moléstias, emergências para casos de acidentes, educação ambiental, comunicação social e
manutenção dos valores históricos, culturais, artísticos e paisagísticos.

Finalizando a relação dos estudos ambientais sugeridos, é importante frisar que em tais estudos de-
vem constar as técnicas e metodologias adotadas, as fontes de informação, os pontos e períodos de coletas de
dados, a precisão das medições, os critérios de interpretação das análises, a magnitude e a importância rela-
tiva dos efeitos considerados, os cronogramas de recuperação ambiental, a bibliografia consultada e a relação
dos técnicos e cientistas envolvidos nos estudos.

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Capítulo 12
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

225

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Capítulo 12
226
Capítulo 12
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

227

É fundamental o entendimento de que o gerenciamento de recursos hídricos não deve bastar a si


mesmo, a partir das premissas e das dinâmicas definidas, e sim constituir-se num processo que permita à
sociedade uma atualização permanente de seus procedimentos de forma a adequá-los às demandas impostas
pelos novos conhecimentos e pelas novas necessidades que se colocam no rumo do desenvolvimento e da
promoção da proteção ambiental.
Nesse contexto, o advento da mudança do clima é um excelente exemplo da necessidade de adapta-
ção e aperfeiçoamento do gerenciamento dos recursos hídricos. Para o enfrentamento desse fenômeno será
necessário, por exemplo, aperfeiçoar o monitoramento da incidência e da frequência de ocorrência das chu-
vas e vazões, assim como desenhar e calibrar modelos matemáticos que permitam estimar os aportes futuros
desses valores, inserindo-os nos planos de bacias.
Essas providências serão fundamentais para todas as etapas que compõem o gerenciamento, incidin-
do, de forma mais pungente, naquelas que subsidiam os processos de outorga de uso dos recursos hídricos,
que em geral referem-se a períodos longos de utilização e naquelas de dimensionamento de obras hidráu-
licas, sejam elas de abastecimento, geração de energia, controle de cheias, ou mesmo aquelas referentes aos
sistemas de drenagem urbana.
No rumo do aperfeiçoamento dos processos de gerenciamento é também importante que se insiram
como ferramentas de planejamento associadas às mudanças do clima, a complementação dos planos de re-
cursos hídricos porventura existentes, ou mesmo a elaboração de planos de adaptação. Essas providências
seriam fundamentais para o Estado de São Paulo, um dos únicos do país que conta com metas específicas
relativas às emissões fixadas em lei, o que denota a existência de preocupações com a temática.
Também no que se refere à integração dos diferentes sistemas que se valem da água como insumo ou
como elemento estrutural, se faz necessário conceber processos integrativos mais eficientes. O gerenciamento
de recursos hídricos deve evoluir para além das questões alocativas triviais, alcançando a perspectiva de in-
teração com elementos do planejamento regional e mesmo urbano. Para isso será necessário fazer com que
os colegiados específicos de cada temática associada a recursos hídricos interajam de forma mais eficiente. A
administração das águas subterrâneas deve se fazer mais integrada à administração das águas superficiais e a
do gerenciamento de bacias hidrográficas à da gestão costeira, etc.
Embora esses fatores integrativos sejam mais da governabilidade das instituições estaduais, os entes
e representantes dos diferentes colegiados e setores usuários, e aqueles da sociedade civil, têm um papel fun-
damental na promoção dessa integração. É das demandas que surjam desses representantes que poderão ser
viabilizadas as oportunidades de sinergismo e integração.
É nesse cenário que a capacitação ganha importância e densidade. Capacitar em recursos hídricos
não se trata apenas de oferecer informações técnicas. Essas são fundamentais e imprescindíveis. Mas, mais
que isso, trata-se de transmitir aos capacitandos a consciência da necessidade de superação das barreiras típi-
cas da administração pública. Entidades diferentes, lógicas decisórias incompatíveis entre setores, falta de um
planejamento voltado ao maior benefício público global etc. Nesse emaranhado institucional é comum ob-
servar-se discussões bizarras, pautadas pela defesa intransigente de argumentos setoriais que não resistiriam
a uma análise lógica da ótica do benefício comum. Ambientalistas que se recusam a aceitar limites factíveis e
possíveis das interferências de engenharia. Desenvolvimentistas que se recusam a perceber a importância dos
cuidados ambientais. Tudo isso num clima de disputa que pouca relação guarda com o bom senso.
Se os indivíduos envolvidos nesses processos não contarem com o discernimento necessário, de pouco
valerão os conhecimentos específicos. Por outro lado, a recíproca é verdadeira, o que justifica documentos
como o presente, pleno de dados e informações que permitirão a construção de argumentos sólidos nas dis-
cussões pertinentes.
A capacitação nesses termos, associada a esforços de integração que são prerrogativas exclusivas da
administração pública, poderá permitir a construção de cenários mais propícios ao trabalho integrado, com
inequívocos benefícios comuns.
Conclui-se que a capacitação em gerenciamento de recursos hídricos deve privilegiar, por um lado,
os aspectos técnicos relativos às diferentes vertentes da temática e, por outro, a participação cidadã e de li-
Capítulo 12
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

228

derança, fundamentais para dar concretude às iniciativas do Poder Público. Para isso, é fundamental que as
diferentes instâncias do Poder Público se articulem em torno de benefícios comuns factíveis de virem a ser
atingidos por meio de intervenções de engenharia por parte das diferentes áreas que interagem com o uso e
a preservação das águas.
Paralelamente, caberá às instâncias acadêmicas e de pesquisa a disponibilização de modelos e instru-
mentos que permitam aos diferentes atores presentes no processo decisório dos recursos hídricos vislumbrar
soluções factíveis no tempo e na perspectiva econômica dos agentes públicos, de forma a qualificar suas in-
tervenções.
No que se refere aos ajustes necessários à institucionalidade dos recursos hídricos no Brasil, para dar
mais celeridade à implementação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
é importante examinar as perspectivas de construção de um pacto nacional que equalize e dê a musculatura
necessária aos órgãos estaduais encarregados pelo gerenciamento dos recursos hídricos.
Até o presente, inspirado no desenvolvimento da Diretiva-Quadro Europeia da Água, o Governo
federal vem desenvolvendo estudos para a formulação de um Pacto Nacional pela Gestão das Águas, cujo
objetivo é a construção de compromissos entre os entes federados, visando à superação de desafios comuns
e à promoção do uso múltiplo e sustentável dos recursos hídricos, sobretudo em bacias compartilhadas.
Esse objetivo maior desdobra-se em outros dois mais específicos: 1) promoção da efetiva articulação entre
os processos de gestão das águas e de regulação dos seus usos, conduzidos nas esferas nacional e estadual; e
2) fortalecimento do modelo brasileiro de governança das águas, integrado, descentralizado e participativo.
Segundo a proposta em construção para a implementação do Pacto, os seguintes elementos estru-
turantes deverão ser considerados: a) Mapa de gestão, entendido como o resultado da visão de cada estado
sobre seus desafios futuros no que se refere à gestão de seus recursos hídricos, que, em seu conjunto, definirá
um quadro maior para o país; b) pontos de controle, elemento fundamental para a pactuação de metas quali-
quantitativas dos rios brasileiros, em especial os que atravessam fronteiras estaduais, em cujos pontos de inter-
seção dos domínios deverão existir compromissos dos entes federados envolvidos, inclusive com rebatimento
sobre políticas setoriais; c) instrumentos de gestão harmonizados, que, paralelamente ao fortalecimento das
secretarias e dos órgãos gestores, possam ser trabalhados de forma conjunta para se identificar e corrigir pos-
síveis descontinuidades ou desconexões na transição dos domínios de gerenciamento dos recursos hídricos;
e d) articulação setorial, já que os setores usuários desempenham papel fundamental no contexto da gestão
das águas e, embora sujeitos aos processos técnicos e administrativos das autorizações e concessões públicas,
esses setores têm, em geral, grande autonomia no que se refere à definição de seus planos de intervenção,
sem que a União ou os estados federados exerçam o desejado papel de mediação, por meio de planos de
desenvolvimento regional.
Nesse sentido, três mecanismos estão sendo considerados para dar sustentação à proposta do Pacto
desejado: 1) definição de critérios de criticidade das bacias hidrográficas e do conjunto mínimo de instrumen-
tos de gestão e pessoal técnico correspondente a esse nível de criticidade, considerando que as bacias com
baixos níveis de criticidade requerem apenas instrumentos básicos de gestão e um contingente de pessoal
menor, enquanto que para bacias de criticidade elevada são requeridos instrumentos mais complexos e um
contingente de pessoal mais numeroso e qualificado; 2) definição dos pontos de controle e das metas quali-
quantitativas, na qual os pontos de controle deverão ser negociados entre o Governo federal e os estados, bem
como os parâmetros básicos do controle em cada ponto; e 3) pagamento por resultados, para que, na medida
em que os instrumentos de gestão são implementados em cada estado, segundo a criticidade/complexidade
requerida, a unidade da Federação possa receber, após aferidos os resultados, um valor definido a título de
pagamento por resultados, correspondente aos custos estimados para a manutenção da qualidade exigida.
É de se esperar que, com a concretização desse pacto possam ser criadas as condições adequadas para
uma implementação mais célere da Política de Recursos Hídricos do país e do Sistema Nacional de Gerencia-
mento de Recursos Hídricos, conduzindo-os ao patamar que todos almejam.
No que se refere mais especificamente ao Sistema Paulista, a avaliação de duas décadas de existência
do Sistema mostra um inegável progresso em relação à situação que prevalecia antes da vigência da Lei 7663.
Capítulo 12
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

229

As mudanças ocorreram em muitas áreas e efetivamente melhoraram a qualidade da gestão, bem como a
atitude da sociedade e do governo a respeito dos recursos hídricos.
Duas décadas de existência da Lei 7663 constituem tempo suficiente para consolidar uma perspectiva
histórica e amadurecer uma visão crítica da notável e excitante experiência paulista. O Estado de São Paulo
dispõe de uma lei fiel aos princípios modernos de gerenciamento de recursos hídricos. Esta lei articula todas
as suas partes de forma coerente e criou instituições importantes para garantir a consecução dos seus objeti-
vos. Todas estas instituições estão hoje em pleno funcionamento embora com níveis de eficiência desiguais.
Em que pesem estes aspectos positivos, é consenso no meio especializado que o sistema poderia
ser mais eficaz. É natural e compreensível que um sistema que privilegia a descentralização e a participação
pública apresente certo grau de dispersão, conflitos de interesses e dificuldades para a tomada de decisões.
Por outro lado, há que se reconhecer que os esforços dedicados a administrar estas situações, adversas têm se
mostrado insuficientes.
Outra questão que necessita de maiores esforços de gestão é a operação do FEHIDRO. Os números
aqui apresentados são notáveis. Deve-se notar, entretanto, que o valor médio dos projetos financiados é de
aproximadamente 120 mil reais e 64% do total de projetos contratados são inferiores a 100 mil reais. Tais nú-
meros afetam a eficácia do sistema uma vez que, com tal dispersão, é muito difícil atacar problemas regionais
em busca de soluções que beneficiem a bacia hidrográfica como um todo. Acresce ainda que os intrincados
processos administrativos adotados pelo Fundo contribuem para alongar o tempo de execução dos projetos e
também merecem esforços com vistas a sua racionalização.

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