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Alba Zaluar
Rio de Janeiro State University
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All content following this page was uploaded by Alba Zaluar on 29 January 2016.
CULTURA e
APRENDIZAGEM
Uma pesquisa em laboratório, dois grupos de ra-
tos geneticamente muito semelhantes: metade
deles é criada em um ambiente com obstáculos e
brinquedos; os demais, em um local pobre em es-
tímulos. Quando testados em tarefas em que é
preciso aprender algo (como o caminho para chegar
até um alimento), o primeiro grupo apresenta me-
lhor desempenho. Outra linha crescente de estudos
aponta o impacto de experiências estressantes na
infância, como violência física e psicológica, sobre
as redes neurais. O mesmo ocorre com má nutrição
e exposição a poluentes.
Quais as relações desses achados com a edu-
cação? Muitas, a começar pelos impactos que um
baixo índice econômico pode ter sobre a aprendiza-
gem escolar. Por isso, o social não deve ser descon-
siderado quando tratamos do biológico. O primeiro
texto deste especial é resultado da colaboração
entre uma neurocientista e uma antropóloga –
Marília Guimarães e Alba Zaluar – e discute as
complexas relações entre cultura e aprendizagem.
O segundo, assinado por pesquisadoras do Labora-
tório de Estereótipos, Identidade e Pertencimento
(SIBL) da Universidade de Washington e por uma
das maiores autoridades do mundo em desenvolvimento socioemocional de crianças, An-
© ISTOCKPHOTO
drew Meltzoff, aponta os efeitos dos preconceitos de gênero sobre o interesse das meninas
em cursar ciências exatas, oferecendo preciosos insights sobre a origem desses estereótipos
e sobre como a escola pode trabalhar essas percepções. (Da redação).
44 NEUROEDUCAÇÃO
NEUROEDUCAÇÃO 45
ESPECIAL
A neurociência
encontra a
antropologia
Como separar as influências genéticas da experiência
do indivíduo? O velho dilema nature x nurture
(natureza x criação) há muito intriga antropólogos e
neurobiólogos – um diálogo entre essas disciplinas é
essencial para compreender o ciclo perverso de pobreza e
subdesenvolvimento do cérebro
46 NEUROEDUCAÇÃO
Córtex
Corpo caloso
Ponte
Cerebelo
Medula
© ISTOCKPHOTO
NEUROEDUCAÇÃO 47
Tais dados devem ser saudados
pelos que acompanharam o de-
bate sobre a suposta inferioridade
intelectual, medida em quociente
de inteligência (QI) por pesquisa-
dores em décadas anteriores, que
terminou em teorias racistas sobre
a inferioridade dos negros. Embora
ainda estejam pesquisando a for-
mação do cérebro humano, esses
pesquisadores de estudos recentes
não se referem ao contingente de
DNA diferenciado entre raças, mas
a possíveis modificações epigenéti-
cas, ou seja, que não alteram a sequ-
ência gênica, mas regulam os genes
que podem ser ativados e desativa-
dos diante de estímulos externos e
internos do organismo.
Comparando a área de superfície
do córtex entre pessoas, neurobió-
logos descobriram que tamanhos
diferentes podem estar correlacio-
nados com o desempenho cogniti- futuro. Se assim fosse, os pobres es- cada vez mais inclinados a suspeitar
vo. O mesmo estudo citado acima tariam diante de um círculo vicioso, que o ambiente tem um papel pre-
mostrou que as crianças de baixo em que crescer em uma família de ponderante nessas diferenças. Outro
SSE têm área menor do córtex e baixo SSE praticamente determina exemplo da importância de medir
apresentam pior performance em que a criança será um adulto per- a atividade neuronal é o estudo do
tarefas de linguagem, tomada de tencente a baixo SSE. A mobilidade sistema auditivo nos contrastantes
decisões e em memória e leitura. social ascendente ou a conquista de contextos socioeconômicos que o
Outro estudo da década de 1990 educação superior e profissão bem afetam diferentemente. A riqueza
nos EUA mostrou que crianças de remunerada seriam impossíveis, o acústica do ambiente interfere na
3 anos criadas por pais “profissio- que é desmentido pelos índices al- habilidade de ouvir e pode, se incre-
nais”, ou seja, com educação supe- tos de mobilidade em vários países mentada, promover a recuperação
rior, falavam em média o dobro de ocidentais e orientais. do processamento auditivo cortical.
palavras diferentes do que crianças Experimentos de neurocientistas Ter ouvido para as notas musicais,
da mesma idade de famílias cujos com animais podem trazer pistas por exemplo, não é algo dependen-
pais recebiam ajuda do Estado, ou mais matizadas sobre a dimensão do te apenas do equipamento genético
seja, eram pobres. papel do que denominam ambiente. individual, mas é capacidade adqui-
Se por um lado esse corpo de Animais isogênicos (geneticamen- rida na aprendizagem advinda do
evidências indica uma relação cau- te muito semelhantes) criados em próprio ato de tocar ou fazer música.
sal entre tais fatores e o desenvolvi- ambientes enriquecidos com obstá- É preciso, pois, cautela ao avaliar
mento do cérebro da criança, por culos, brinquedos etc. têm desem- o desempenho cognitivo diferencia-
outro sugere que essas diferenças no penho em tarefas de aprendizado do de pessoas que vivem em contex-
funcionamento do cérebro predis- muito melhor do que aqueles que tos sociais muito diversificados, os
põem os indivíduos a determinado crescem em locais sem esses estímu- quais não se reduzem à renda das
sucesso socioeconômico e conse- los. Por esses e outros dados expe- famílias das quais fazem parte. Pode
quentemente a determinado SSE no rimentais, os neurocientistas estão ser, por exemplo, que essas crianças
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ESPECIAL
mudanças significativas nas neurobiólogos) sem que encontrem Porém, há abordagens teóricas
habilidades cognitivas e melhora uma resposta definitiva para essa divergentes entre a neurociência e
dos indicadores de saúde tensão, que sempre retorna na vida a antropologia, visto que na última
não se põe o indivíduo num ambien-
te previamente organizado do qual
NÃO BASTA ESTUDAR APENAS O recebe estímulos, mas em redes de
FUNCIONAMENTO DO CÉREBRO: É PRECISO interação social em que, como resul-
tado das trocas simbólicas e mate-
CONSIDERAR O CONTEXTO SOCIAL POR riais entre as pessoas nelas presentes,
o ambiente pode ter significados ou
ONDE PASSAM OS CATALISADORES DO
cenários diferentes. Partindo-se do
RECONHECIMENTO E DA RECOMPENSA ponto de vista comum de que o cé-
rebro (ou a mente, termo mais usa-
do por antropólogos) é o mediador
dessa interação entre o organismo
que têm vocabulário inferior sejam dos seres humanos em diversas cul- individual (ou a pessoa, expressão
mais capazes de lidar com situações turas. Antropólogos admitem a en- também mais frequente na antro-
práticas surgidas na convivência so- trada do que um deles chamou “o pologia) e o ambiente (ou com o
cial na sua vizinhança. Jogos sociais convidado inesperado”: o espírito contexto social, idem) que possibi-
e esportivos, assim como brinca- humano, o cérebro, cujos mistérios lita o tráfego bidirecional que nos
deiras infantis, que desenvolvem a não conseguiram desvendar. constitui como humanos, há claras
coordenação motora e habilidades Já na neurociência, é factu- diferenças teóricas que precisam ser
variadas, também são estímulos im- al a ideia de que o cérebro está no mais bem discutidas.
portantes para o desenvolvimento centro da interação entre a pessoa Sem dúvida, a atividade neural
do córtex cerebral. Sendo assim, é e o mundo, do qual se torna o me- depende tanto do organismo indi-
preciso ir além da renda e pesquisar diador. Por um lado, sabemos que vidual quanto do ambiente socio-
em que vizinhanças essas crianças grande parte do desenvolvimento cultural. Mas é preciso esclarecer
pobres moram e quais são os equi- do cérebro depende das experiên- como se conceitua cada um deles e
pamentos e espaços de conviviali- cias vividas pelo indivíduo e, por como se concebe a interação bidi-
NEUROEDUCAÇÃO 49
recional entre eles. No debate atual A estimulação
na neuroantropologia, ainda fazem cognitiva em
sucesso as teorias antropológicas já casa parece
associada
pouco usadas do estruturalismo, do ao número
culturalismo e do funcionalismo. Na de livros,
antropologia contemporânea, não computadores,
se faz mais comparação reduzida viagens e
a poucos traços entre o que seria a comunicação
cultura ocidental (individualista) e a parental
cultura oriental (relacional e coleti-
vista). Ao contrário, as culturas não
são sistemas rígidos ou definidos
com limites claros, mas arranjos di-
nâmicos de ordens e de conflitos, de
acordos e de tensões constitutivas,
como a tensão entre os interesses e
paixões individuais e os bens cole-
tivos. As formas de recompensa no
cérebro individual são, portanto,
múltiplas e contextuais, surgindo da
interação interpessoal e social.
Também não se põe mais o indi-
© ISTOCKPHOTO
víduo ou o seu self no centro da re-
flexão justamente porque os selves
sociais, de um mesmo indivíduo,
são múltiplos e contextualmente de-
finidos ou negociados na interação. esses fatores ambientais poderiam se comunicarão tanto verbalmen-
Essa busca insaciável pela ordem ser divididos em: pré-natais, cuida- te e tenderão a ser mais abusivos e
e organização simbólica está bem do parental, estimulação cognitiva agressivos. O exemplo do número
mais relativizada nos tempos da in- etc. O desenvolvimento pré-natal de palavras faladas por crianças de
certeza, da desagregação social, da incluiria fatores como: nutrição da 3 anos reflete bem isso: as crianças
precariedade do emprego e do pro- mãe, cuidados médicos, uso de dro- de baixo SSE, nessas condições que
cesso de globalização, que também gas de abuso, maior estresse durante não se reduzem à baixa renda, são
é cultural. A pobreza hoje está mar- a gravidez, maior chance de infec- expostas a menos palavras por não
cada por todos esses processos que ção, partos prematuros e menor ta- haver tanta comunicação entre elas
tornaram a vida na família e na vi- manho fetal (os dois últimos mais e seus cuidadores. Já a estimulação
zinhança mais desagregada, menos frequentes na população de baixo cognitiva em casa parece ser in-
estimulante e mais estressante para SSE nas condições atuais da preca- fluenciada pelo número de livros (e
pais e filhos. riedade no emprego e maior frouxi- outras fontes literárias), computado-
dão nos laços sociais). A questão do res, viagens e comunicação parental.
VIOLÊNCIA NA INFÂNCIA cuidado parental é bem complexa e No entanto, não se pode desprezar o
A neurociência pode ter um pa- difícil de ser mensurada para com- papel dos genes associados a alguns
pel crucial na definição de quais são provar hipóteses. Segundo estudos fenótipos comportamentais nem da
os contextos sociais que mais pre- já feitos, pais mais estressados, de- interação entre esses genes e o am-
judicam o desenvolvimento do cé- primidos e que trabalham muitas biente, pois experiências similares
rebro, especialmente entre os mais horas terão menor interação com podem produzir diferentes efeitos
pobres. No que se refere às capa- os filhos e, consequentemente, não dependendo da pessoa. Esses efeitos
cidades escolares de aprendizado, serão consistentes na disciplina, não possíveis adicionam mais um nível
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ESPECIAL
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52 NEUROEDUCAÇÃO
ESPECIAL
Sobre meninas e
ciências exatas
Estereótipos culturais podem afastar mulheres
do universo da computação. A escola pode
ajudar a desconstruir percepções que interferem
negativamente no interesse por essa área
NEUROEDUCAÇÃO 53
por tecnologia e com inte-
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gramação ou a manifestar interesse mos três meios principais de expo- te e antissocial. Alunos do ensino
em carreiras na ciência da compu- sição a estereótipos: mídia, contato médio relatam que suas ideias sobre
tação. Com isso, a área perde uma com profissionais da área e sensação as características que esses profissio-
grande população feminina que não de pertencimento. nais devem ter são mais influencia-
chega sequer a estudar inicialmente o das pela mídia do que por qualquer
tema, quem dirá escolhê-lo para cur- O QUE ESTÁ NA MÍDIA outra fonte. Para investigar até que
sar a faculdade. Fechar essa lacuna Nos Estados Unidos, filmes popu- ponto a exposição aos canais de co-
de gênero demandará medidas para lares e programas de televisão, como municação interferem nos interesses,
atrair as meninas para esses campos. The Big Bang Theory e Silicon Valley, pedimos a universitárias que lessem
A maioria dos estudantes do en- costumam retratar os cientistas da um entre dois artigos científicos fal-
sino médio não frequenta aulas so- computação como homens, brancos, sos. O primeiro afirmava que cien-
bre ciência da computação e não tem socialmente inábeis e obcecados por tistas da computação se encaixavam
experiência direta na área. Assim, o tecnologia. A exemplo do persona- nos estereótipos atuais, enquanto o
que muitos conhecem sobre a área é gem Sheldon, do primeiro seriado: outro mostrava que os profissionais
baseado no senso comum. Destaca- excessivamente metódico, inteligen- da área mudaram e já não seguiam o
ESTEREÓTIPOS
CULTURAIS
Sobre pessoas
socialmente isoladas e focadas em
tecnologia
Participação das
meninas nas ciências
da computação
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NEUROEDUCAÇÃO 55
licenciatura na área) e os dividimos
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em dois grupos. Então, pedimos que
cada turma se dirigisse a uma sala
de aula de ciência da computação. O
primeiro ambiente havia sido deco-
rado com objetos clichês associados
à ciência, como cartazes do filme
Star Trek, livros de ficção científica e
latas de refrigerante; o segundo, com
pôsteres de natureza, revistas neu-
tras e garrafas de água. Observamos
que mulheres que entraram nesse úl-
timo ambiente demonstraram maior
interesse no campo do que aquelas
que visitaram a sala cheia de figuras
mesmo padrão. As mulheres estereotipadas. Esses elementos não
que entraram em contato com afetaram os homens. O mesmo pa-
esse último se mostraram mais drão foi observado em relação a au-
interessada no campo do que las virtuais. Por que o lugar com ob-
aquelas que leram o primeiro ou as
que não receberam nenhum artigo. GEEK OU NERD: O DICIONÁRIO
Transformar a imagem que fazemos
desse campo pode, portanto, ajudar a OXFORD DEFINE OS TERMOS COMO
aumentar o interesse delas.
SINÔNIMOS – PESSOAS QUE NÃO SABEM
PROFISSIONAIS REAIS SE COMPORTAR EM SITUAÇÕES SOCIAIS
Cientistas da computação que
personificam esses estereótipos po- E SE INTERESSAM POR COMPUTADORES
dem desencorajar as mulheres a
entrar na área. Pedimos a algumas
universitárias que conversassem bre- sobre seu grau de interesse na área. jetos clichês desestimulou mais elas
vemente em uma sala com atores ou Resultado: as que interagiram com do que eles? As mulheres tiveram
atrizes contratados por nós que afir- aqueles com comportamento clichê menor sensação de pertencimento
mavam ter licenciatura em ciência da se mostraram menos interessadas nesse ambiente em relação ao outro.
computação. As conversas giraram em ciência da computação do que Diferentemente, os homens, na sala
em torno de informações básicas (por as que conversaram com os outros com conteúdo associado à ciência,
exemplo, idade, profissão, hobbies). participantes, independentemente demonstraram igual ou maior sen-
Metade dos atores e atrizes in- do sexo. Os efeitos permaneceram sação de pertencimento.
terpretou os cientistas da maneira por duas semanas. Logo o que mais Alunos do ensino médio, sob
mais estereotipada possível, tanto na as influenciou não foi o gênero, e sim o mesmo contexto, também mos-
aparência como nas ideias: usavam o grau de adesão aos estereótipos. tram efeitos semelhantes em rela-
óculos e camisetas com frases como ção ao interesse. As meninas eram
“Codifico, logo existo” e comenta- SENSAÇÃO DE PERTENCIAMENTO mais propensas a escolher uma sala
vam animadamente jogos de vide- Lugares que retratam a área como de aula sem estereótipos (68%), en-
ogame. A outra parte não: vestiam mais compatível com características quanto os meninos não mostraram
jeans, roupas básicas e diziam gostar relacionadas aos homens tendem preferência (48%). Assim como suas
de sair com os amigos. Em seguida, a atrair menos mulheres. Selecio- colegas de faculdade, as garotas sen-
as participantes foram questionadas namos outros universitários (sem tiram que se enquadravam menos do
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ESPECIAL
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