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A invenção da paixão

Hilário Franco Júnior


especial para a Folha

O século 12 foi um dos mais dinâmicos e criativos da história do Ocidente. Ao longo


dele a população européia passou de (cifras expressivas para a época) 4,5 milhões de
habitantes para quase 6 milhões, surgiram dezenas de novas cidades, a produção
agrícola e artesanal cresceu muito, foram adotadas e desenvolvidas diversas inovações
científicas e técnicas, recuperaram-se e revalorizaram-se variados elementos literários,
filosóficos e artísticos da cultura greco-latina (daí se falar em Renascimento do século
12), nasceram as universidades, depois de longa gestação as línguas vernáculas
consolidaram-se e -sem contradição com o elemento anterior- o latim conheceu uma
qualidade literária somente igualada muitos séculos antes, na época de Cícero e Virgílio.
E, já se propôs mesmo, "o amor foi uma invenção do século 12". Na verdade, essa
definição de um estudioso de fins do século 19 estava muito baseada nas semelhanças
que via entre o amor romântico de sua própria época e as características do amor do
século 12. Este, para os dias de hoje, parece bem diferente do sentimento que se tende a
considerar terreno, carnal, igualitário. Ele resultava das especulações e experiências da
corrente mística do cristianismo e das convenções e práticas da vassalidade nas cortes
feudais.

Paixão natural
São as regras dessa segunda vertente -amor entre aristocratas, daí "amor cortês", amor
entre cortesãos, amor entre pessoas da corte- que o clérigo André, capelão da condessa
Maria de Champagne, registrou e comentou numa obra elaborada em latim
provavelmente entre 1181 e 1186. Texto curioso, escrito por um homem da Igreja que
não ficou, porém, imune ao amor humano e confessa mesmo ter sido "tocado pelo amor
a uma mulher notável". De outro lado, mais coerentemente com sua condição clerical,
ele trata seu tema de forma escolástica, dedutiva, com rigor retórico e filosófico. É
efetivamente um tratado sobre o amor, não uma narrativa poética sobre ele, como por
exemplo as diversas versões contemporâneas de Tristão e Isolda. O texto de André
Capelão está dividido em três partes. Na primeira, a mais longa, ele começa por definir
o amor, "paixão natural que nasce da beleza do outro sexo e da lembrança obsedante
dessa beleza". Aí a palavra-chave parecer ser "natural", entendida, é claro, segundo os
valores de sua época e de sua própria condição social: "O amor só pode existir entre
pessoas do sexo oposto"; é preciso possuir recursos materiais para amar, porque
(citando Ovídio) "a pobreza não tem com que nutrir o amor"; este é algo para jovens,
pois aos homens depois dos 60 anos e às mulheres depois dos 50 resta apenas "o
consolo de beber e comer"; os amantes devem ser nobres, se não de sangue, pelo menos
de espírito.

O superior e o inferior
Assim, com essas características André revela o que lhe parece a natureza profunda do
amor, ser fonte de todas as virtudes. É por isso que ele cresce diante de dificuldades,
sobretudo da protelação da posse física, pois o prazer da "parte superior" do corpo é
inesgotável e o da "parte inferior" é saciável e portanto extinguível. É por isso também
que ele deve ser leal.
Essa é a questão central da segunda parte do "Tratado", na qual é discutida a
manutenção do amor. Para exemplificar diferentes situações a respeito, André Capelão
recorre a 21 dos famosos julgamentos nos quais grandes damas (dentre elas a rainha
Eleonor da Aquitânia, a condessa Maria de Champagne e a condessa de Flandres)
arbitravam desentendimentos amorosos. Dessas decisões ele extrai as curiosas 31 regras
do amor, que se do ponto de vista atual são ou óbvias ("o amor sempre aumenta ou
diminui") ou equivocadas ("o amor conhecido por todos dura pouco") ou moralistas ("a
conquista fácil desvaloriza o amor"), do ponto de vista do historiador são muito ricas
para a compreensão da forma de sentir e pensar daquela época.
Na terceira parte, enfim, ele trata da condenação do amor. Curiosamente, enquanto na
primeira parte André Capelão dissera não haver amor no casamento (idéia reforçada na
segunda parte por um veredicto do Tribunal do Amor), agora anatematiza o adultério. O
antifeminismo típico dos clérigos medievais -e que já aflorara várias vezes nos capítulos
anteriores- torna-se explícito, bem como o correspondente machismo: "Se nos homens
os erros do amor ou da luxúria são tolerados devido ao atrevimento de seu sexo, nas
mulheres eles são considerados pecados vergonhosos".
Em suma, há no conjunto aparentes contradições e ambiguidades que levam os
especialistas a divergirem muito quanto à melhor interpretação da obra: era um "mea
culpa" intelectualizado de um clérigo misógino arrependido de seus erros passados? Era
uma visão irônica da vida cortesã e do papel nela exercido pelas mulheres? Era uma
obra encomendada por uma poderosa patrona para legitimar as transformações sociais
da época? Era o resultado da evolução do pensamento de um homem colocado, de um
lado, perante as restrições cristãs ao sexo, de outro lado, diante das tentações do
ambiente sensual das cortes feudais que ele frequentava? Qualquer que seja a resposta,
deve-se considerar que o "Tratado" demorou a se tornar conhecido fora do círculo
restrito no qual e para o qual foi criado. E algumas vezes foi muito malvisto, tanto que
em 1277 chegou a ser condenado pelo bispo de Paris.
De qualquer forma, é inegável que se trata de um texto importante para melhor
compreendermos a evolução de um aspecto central da cultura ocidental, e assim só
podemos aplaudir sua publicação em português. Como, aliás, de outros textos medievais
que fazem parte da mesma coleção lançada pela Ed. Martins Fontes. Mas há que
lamentar uma opção editorial, sem dúvida mais barata e mais rápida, porém menos
rigorosa: traduzir o texto não a partir de seu original latino, e sim de uma tradução
francesa. O que temos, portanto, é uma retradução, um texto de segunda mão, embora a
edição francesa utilizada seja bastante confiável e dotada de interessantes e
esclarecedoras notas (felizmente colocadas na edição brasileira ao pé de cada página, e
não desconfortavelmente reunidas no fim do livro, como é habitual hoje em dia).

Tratado do Amor Cortês


392 págs., R$ 27,50 de André Capelão. Tradução de Ivone Benedetti. Ed. Martins Fontes (r. Conselheiro
Ramalho, 330, CEP 01325-000, SP, tel. 0/ xx/11/239-3677).

Hilário Franco Júnior é professor de história medieval na USP e autor, entre outros, de "O Ano 1000 -
Tempo de Medo ou de Esperança?" e "Cocanha" (Companhia das Letras).

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