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Revista Brasileira de Terapia

e-ISSN: 1982-3541 Comportamental e Cognitiva

Análise do comportamento para além

ARTIGO CONCEITUAL | CONCEPTUAL ARTICLES| ARTÍCULOS CONCEPTUALES


do rótulo de ciência natural
Behavior analysis beyond the natural science label

Análisis de la conducta más allá del rotulo de ciencia natural

RESUMO: A análise do comportamento é comumente ro-


tulada como uma ciência natural, mas poucas vezes as jus-
tificativas para esta vinculação são apresentadas. Com ob-
jetivo de discutir critérios e implicações da atribuição deste
rótulo à análise do comportamento, foram analisados textos
de analistas do comportamento que defenderam esta classi-
ficação. Identificou-se que os critérios não eram suficiente-
mente claros para justificar esta rotulação, em detrimento de
outras, e que eram ignoradas suas possíveis implicações in-
desejáveis. Por fim, o entendimento da análise do compor- Marcos Spector Azoubel 1*
tamento para além do rótulo de ciência natural pode ajudar 1
  PUC SP
a desfazer incompreensões, a evidenciar a diversidade das Correspondente
investigações analítico-comportamentais e a propiciar seu * mazoubel@gmail.com
diálogo com outras disciplinas. Laboratório de Psicologia Experimental,
Palavras-chave: behaviorismo radical; ciência natural; ciên­ PUC-SP, Rua Bartira, 387, Perdizes, São
Paulo-SP. CEP: 05009-000.
cia social; comportamentalismo; Skinner.

ABSTRACT: Behavior analysis is commonly labeled as


a natural science but seldom the justifications for this con- Dados do Artigo
nection are presented. In order to discuss criteria and impli- DOI: 10.31505/rbtcc.v21i2.1216
cations of assigning this label to behavior analysis, we ana- Recebido: 19 de Dezembro de 2018
lyzed behavior analysts’ texts that defended this classification. Revisado: 10 de Julho de 2019
The research found that the criteria were not clear enough to Aprovado: 20 de Agosto de 2019
justify this labeling, unlike others, and that the possible un- Agência de Fomento: PNPD/CAPES
desirable implications were ignored. At last, understanding (n. de processo: 88882.315359/2013-01)
behavior analysis as a field beyond the label of natural sci- Como citar este documento
ence label may help undo misunderstandings, evidence the Azoubel, M.S. (2019). Análise do
diversity of behavior-analytical investigations, and provide comportamento para além do rótulo
de ciência natural. Revista Brasileira de
its dialogue with other disciplines. Terapia Comportamental e Cognitiva,
Keywords: behaviorism; methodology; natural science; rad- 21(2), 232-245, doi: https://10.31505/
rbtcc.v21i2.1216
ical behaviorism; Skinner; social science.

RESUMEN: El análisis de la conducta es comúnmente eti-


quetado como una ciencia natural, pero raras veces las jus- É permitido compartilhar e adaptar. Deve dar o crédito
apropriado, não pode usar para fins comerciais.
tificaciones para esta vinculación son presentadas. Con el

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objetivo de discutir criterios e implicaciones de la asignación de esta etiqueta al análisis de la


coonducta, se analizaron textos de analistas del comportamiento que defendieron esta clasifica-
ción. Por fin, el entendimiento de la análisis de la conducta más allá del rótulo de ciencia natu-
ral puede ayudar a deshacer incomprensiones, a evidenciar la diversidad de las investigaciones
analítico-comportamentales y a propiciar su diálogo con otras disciplinas.
Palabras clave: ciencia natural; ciencia social; conductismo; conductismo radical; Skinner.

N 
vestigar quais são seus objetivos – que po-
o senso comum e na mídia popular, afirma- dem ser diferentes daquilo que geralmente
ções embasadas em conhecimentos cien- se consideram ser seus objetivos – ou repre-
tíficos costumam denotar uma confiabilidade sentados como tais, e podemos investigar os
especial. Por conta do reconhecimento que as meios usados para conseguir estes objetivos
e o grau de sucesso conseguido. Não se se-
ciências possuem, é comum que diversas áreas
gue disso que nenhuma área do conhecimen-
de conhecimento se auto intitulem “ciências”. to possa ser criticada. Podemos tentar qual-
São exemplos relativamente recentes as clas- quer área do conhecimento criticando seus
sificações: Ciência Bibliotecária, Ciência Ad- objetivos, criticando a propriedade dos méto-
ministrativa, Ciência do Discurso, Ciência Flo- dos usados para atingir esses objetivos, con-
frontando-a com meios alternativos e supe-
restal, Ciência de Laticínios, Ciência de Carne
riores de atingir os mesmos objetivos e assim
e Ciência Mortuária. (Chalmers, 1982/2014) por diante. Desse ponto de vista não preci-
Há, entretanto, uma pluralidade de objetos samos de uma categoria geral “ciência”, em
estudados e de métodos utilizados pelas diver- relação à qual alguma área do conhecimen-
sas áreas de produção de conhecimento que se to pode ser aclamada como ciência ou difa-
mada como não sendo ciência. (Chalmers,
intitulam ciências, de forma que o rótulo “ci-
1982/2014, p. 210)
ência” pode compreender uma ampla gama de
sentidos. Dada tal diversidade, variados auto- De acordo com Chalmers (1982/2014), as
res empenharam-se em delimitar o que é e o ciências são empreendimentos voltados à des-
que não é ciência, com base em diferentes cri- crição do mundo com base em diversos objeti-
térios (e.g., Kuhn, 1962; Popper, 1934/2002). vos e por meio de variados métodos. A alterna-
Contrapondo-se a essas classificações, Chal- tiva apresentada por ele diz respeito à avaliação
mers (1982/2014) afirmou que as delimita- das áreas de produção de conhecimento cien-
ções costumam mostrar-se limitadas, visto que tífico com base em análises de seus princípios
é comum deixarem de fora diversas formas de e de suas práticas. Esta é uma oposição à ava-
produção de conhecimento que se mostraram liação das mesmas baseadas em critérios ge-
produtivas durante a história. Em vista disso, rais para “a ciência”.
o autor afirmou que as tentativas de responder Devido à diversidade teórico-metodológi-
à questão “o que é ciência, afinal?” são proble- ca existente nos ramos que se designam cien-
máticas, pois elas supõem que exista uma cate- tíficos, foram criados sistemas classificatórios
goria geral de ciência, e sugeriu uma alternati- de ciências, dentre os quais destaca-se a di-
va considerada por ele como mais produtiva. cotomia entre ciências naturais e ciências so-
De acordo com o autor: ciais (Gil, 2008). Distintos critérios são utili-
zados para classificar as áreas de produção de
Cada área do conhecimento pode ser anali- conhecimento como ciências naturais ou ciên-
sada por aquilo que é. Ou seja, podemos in- cias sociais, normalmente levando em conside-

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ração seus objetos de estudo e seus métodos. mentos são desenvolvidos nos sujeitos, a partir
Entre as múltiplas possibilidades de classifica- de suas interações com o meio social, de ma-
ção, alguns autores afirmaram que, a partir de neira independente de aspectos biológicos. A
seus objetos de estudo, as ciências naturais po- principal consequência negativa desse modo
dem ser compreendidas como aquelas que in- de enxergar o mundo, ainda segundo os auto-
vestigam fatos e fenômenos da natureza, descre- res, é a cisão entre as ciências sociais e as ci-
vendo leis da natureza (Gil, 2008; McAllister, ências naturais, que cria obstáculos ao diálogo
1997) ou relações temporais entre eventos fí- produtivo entre as disciplinas científicas. A par-
sicos (James, 1892). Por sua vez, as ciências tir dessa discussão, os autores defendem uma
sociais poderiam ser entendidas como as dis- visão integrada de ciência, incluindo as áreas
ciplinas que estudam o homem e a sociedade de produção de conhecimento tradicionalmen-
(Gil, 2008), as interconexões sociais (Elias, te entendidas como ciências sociais e como
1970/2008) ou a realidade social, compreendi- ciên­cias naturais. Com a integração das ciên-
da como o conjunto de eventos sociais e cultu- cias, a questão dos rótulos, entre outras possí-
rais (Schutz, 1954). veis questões, seria eliminada, de acordo com
As diferentes formas de entender o mundo a argumentação dos autores.
acarretam em diferentes posições metodológi- Outra forma de compreender a proposta di-
cas: uma parte dos autores acredita que existe visão entre ciências sociais e naturais foi apre-
uma fronteira natural que divide os eventos do sentada por Staddon (2017). O autor argumen-
mundo entre “eventos da natureza” e “eventos tou não haver razão para dividi-las com base
humanos e sociais”, que implicaria na necessi- em supostas fronteiras naturais. As diferenças
dade de métodos de estudo distintos, enquanto entre as ciências sociais e as ciências naturais
outro grupo de autores defende a existência de residiriam em três principais questões, natu-
um contínuo, que permite a utilização de mé- ralmente impostas às ciências sociais, mas que
todos semelhantes para o estudo de fenômenos não costumam atingir as ciências naturais: (1)
chamados de naturais e sociais (Schutz, 1954). a realização de estudos experimentais com hu-
Apesar disso, assim como não há um único manos levanta variados problemas éticos que
método a partir do qual seja possível delimitar impossibilitam a manipulação de diversas va-
o que é ciência (Chalmers, 1982/2014), não é riáveis importantes (e.g., não é possível avaliar
possível delimitar as ciências naturais e sociais o efeito de certos estímulos aversivos sobre o
com base nos métodos utilizados, pois diver- comportamento de humanos); (2) a impossibi-
sas disciplinas agrupadas sob o rótulo de ciên- lidade de colocar em prática certos experimen-
cias sociais utilizam métodos tradicionalmen- tos que forneceriam dados importantes para
te utilizados pelas ciências naturais (Tooby & compreensão de assuntos sociais faz com que
Cosmides, 1992), como a experimentação, a cientistas sociais “dependam fortemente de es-
quantificação e o uso de modelos matemáticos. tudos correlacionais” (Staddon, 2017, p. 53),
Destaca-se que, recentemente, propostas de produzidos, por exemplo, por estudos epide-
integração entre as ciências têm ganhado for- miológicos ou questionários, que não permi-
ça entre cientistas sociais (Derksen, 2005). De tem identificar causalidade entre eventos; (3)
acordo com Tooby e Cosmides (1992), as ci- o tempo para que certas variáveis produzam
ências sociais têm adotado, tradicionalmente, efeitos pode ser muito longo, o que dificulta a
uma visão dualista do mundo, que divide a na- avaliação das relações causais entre as variá-
tureza em aspectos biológicos e aspectos cultu- veis (e.g., uma mudança no currículo escolar
rais, segundo a qual o modo como comporta- pode ter efeitos bastante atrasados). Essas di-

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ficuldades produzem diversas diferenças em tos científicos socialmente relevantes. Em sua


relação à precisão, à testabilidade e à valida- opinião, um parâmetro mais relevante para se
de das teorias das ciências naturais e das ciên- analisar, diferenciar e avaliar a produção de co-
cias sociais. Dessa maneira, as diferenças ad- nhecimento científico é com base na sua capa-
vêm de dificuldades práticas, não de questões cidade de habilitar mudanças no mundo.
conceituais ou de fronteiras naturais que sepa- Strapasson e Carrara (2008) chamaram aten-
ram o mundo entre fenômenos sociais e fenô- ção para os perigos da atribuição de rótulos e
menos naturais. adjetivos a teorias psicológicas. Segundo eles,
Esses autores (Staddon, 2017; Tooby & Cos- essas classificações podem ser confusas, pois
mides, 1992) ilustram que outras posições, que os sistemas classificatórios agrupam sob um
não assumem necessariamente a tradicional di- mesmo rótulo elementos que possuem algu-
cotomia entre ciências naturais e ciências so- ma característica em comum, mas podem pro-
ciais, estão presentes na literatura. Porém, cabe duzir a tendência de considerar que há seme-
notar que Tooby e Cosmides (1992), apesar de lhança com relação a outras características, que
afirmarem que as ciências naturais produziram são, por sua vez, distintas. Pessoa Jr. (2009) in-
“uma combinação robusta de coerência lógica, dicou que termos utilizados na Filosofia (e.g.,
descrição causal, poder explicativo e testabili- dogmatismo, empirismo e naturalismo) têm
dade” (p. 19) e discutirem sobre a possível in- seus sentidos modificados ao longo da histó-
tegração entre as ciências naturais e sociais, não ria e de acordo com a comunidade que os em-
apresentam uma definição explícita de ciência prega, produzindo falta de compreensão entre
natural. Da mesma maneira, a discussão apre- diferentes escolas filosóficas. É viável afirmar
sentada por Staddon (2017) tampouco é acom- que na Psicologia essas questões também po-
panhada por uma definição explícita do que foi dem causar incorreções.
compreendido como ciência natural. É possí- As divergências quanto aos critérios e às de-
vel que isso ilustre o fato de os termos “ciên- finições para classificação das ciências entre
cia natural” e “ciência social” serem utilizados naturais e sociais produzem dificuldades para
conforme variados critérios, por diversos moti- classificá-las. Gil (2008) afirmou que a diver-
vos e para designar grande variedade de áreas sidade de ciências com características ora se-
de produção de conhecimento (cf. Gil, 2008; melhantes, ora diferentes, faz com que nenhum
Marr, 2009; Risjord, 2014) e, por vezes, sem a dos sistemas classificatórios se mostre absolu-
devida justificativa para tal uso. tamente satisfatório. Este problema é especial-
Da mesma forma que ocorre nas áreas que mente notado na Psicologia, visto que apre-
se autodenominam científicas, que utilizam tal senta elementos que a aproximam às ciências
rótulo para provocar maior confiabilidade (cf. naturais e elementos que a aproximam às ci-
Chalmers, 1982/2014), é comum que se atribua ências sociais.
maior credibilidade às ciências naturais, possi- A análise do comportamento, abordagem
velmente por conta do sucesso produzido pe- psicológica embasada na filosofia do behavio-
los estudos da Física, frente às outras classifi- rismo radical (Skinner, 1974), também possui
cações de ciência, e, por isto, autores buscam variados problemas e procedimentos de pesqui-
rotular suas áreas de produção de conhecimen- sa, que caracterizam a sua produção de conhe-
to sob o rótulo “ciência natural” (Stehr, 2009). cimento científico. De acordo com Tourinho e
Contudo, Stehr (2009) afirmou que as distin- Sério (2010), de forma geral, as investigações
ções entre tais classificações gerais de ciências da análise do comportamento costumam estar
reduzem a capacidade de avaliar conhecimen- compreendidas entre três eixos principais: inves-

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tigação básica de processos comportamentais, de ciências sociais. Malagodi (1986) defen-


produções reflexivas ou metacientíficas e inter- deu que a falta de atenção dada pelos analistas
venções voltadas para a solução de problemas do comportamento às possíveis relações entre
humanos. De modo semelhante ao que ocorre a análise do comportamento e as ciências so-
em outras áreas científicas, analistas do com- ciais pode ter atravancado as contribuições da
portamento têm se dedicado à classificação da análise do comportamento para a compreensão
análise do comportamento com base em diver- de questões culturais e para a resolução de pro-
sos critérios (e.g., Hayes & Brownstein, 1986; blemas culturais. Em sua opinião, a falta de in-
Jonhston & Pennypacker, 1993; Marr, 2009). tegração entre as disciplinas se deve à estrutu-
A despeito da existência de diversas difi- ra do meio acadêmico, que enfatiza fronteiras
culdades para classificações das ciências, Marr que separam as ciências comportamentais, bio-
(2009) afirmou que a rotulação da análise do lógicas e sociais. Para favorecer a integração
comportamento como uma ciência natural tal- entre as ciências, o autor afirma ser necessário
vez seja a mais recorrente entre analistas do o reconhecimento de que as fronteiras entre as
comportamento. Ainda que esteja presente em disciplinas não são inerentes aos objetos de es-
diversos textos escritos por analistas do com- tudo dessas disciplinas; pelo contrário, elas cos-
portamento, é comum que esta rotulação não tumam ser “barreiras artificiais construídas por
seja explicitamente justificada (e.g., Baum, guardiões de territórios acadêmicos que, infe-
2005; Catania, 2013). lizmente, frequentemente têm sido mais bem
É possível que a atribuição do rótulo de ciên- sucedidos em fraturar as linhas da natureza do
cia natural tenha contribuído para a construção que em identificar linhas naturais de fratura”
de concepções equivocadas sobre a análise do (Malagodi, 1986, p. 15).
comportamento. De acordo com Andery (2010)1, Por conta dessas possíveis implicações inde-
é provável que esta rotulação tenha implicado sejáveis e das dificuldades envolvidas na vin-
culação da análise do comportamento com as
em interpretações – não necessariamen- ciências naturais, a despeito de outras, torna-
te “autorizadas” pelo trabalho de Skinner -se importante examinar esta questão. Assim,
– que valorizavam ou até mesmo chancela-
vam apenas a pesquisa experimental como o objetivo deste trabalho é discutir sobre cri-
modelo de pesquisa aceitável e que acaba- térios e implicações da atribuição do rótulo de
ram por possibilitar ou por servir de funda- “ciência natural” para a análise do comporta-
mento para interpretações errôneas de que a mento. Para tal, serão apresentadas algumas
análise do comportamento seria uma ciência
posições de analistas do comportamento que
comprometida com posições antiteóricas, ou
com posições positivistas, neopositivistas ou classificam a análise do comportamento como
operacionistas. (p. 316) uma ciência natural e algumas possíveis clas-
sificações alternativas a esta, segundo as quais
Além disso, talvez a vinculação da análise a análise do comportamento pode ser adjetiva-
do comportamento com as ciências naturais di- da de diferentes maneiras.
ficulte ou, ao menos, não propicie a sua integra-
ção com as disciplinas agrupadas sob o rótulo A utilização do rótulo “ciência
natural” para classificar a análise do
1 Cabe salientar que Andery (2010) não defendeu que comportamento
as ciências naturais chancelam a experimentação
como único meio para produção de conhecimento,
mas apenas apontou que essa poderia ser uma A fim de identificar se Skinner define a aná-
interpretação equivocada. lise do comportamento como uma ciência natu-

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ral e se são apresentadas justificativas do autor A análise dos trechos selecionados permi-
para tal classificação, em detrimento de outras, tiu identificar algumas características do que
foram buscadas ocorrências da expressão natu- Skinner considera uma ciência natural. Estes
ral science (ciência natural) em versões digita- aspectos estão presentes no trecho em que ele
lizadas de 11 de seus livros (Ferster & Skinner, apresenta algo mais próximo de uma proposi-
1957; Skinner, 1938/2016, 1953/2005, 1957, ção de critérios para delimitação de uma ciên-
1959/1999, 1968, 1969, 1971, 1974, 1978, cia natural:
1989). Foram excluídos da análise, por consi-
derar que fugiam do escopo do trabalho, seus Behavioristas são algumas vezes acusados de
livros autobiográficos (Skinner, 1976, 1979, idolatria; diz-se que cultuam a ciência e to-
mam emprestados os aparatos da ciência sim-
1983), seu livro que apresenta trechos de seus plesmente para parecerem científicos. Esta é
cadernos (Skinner, 1980) e seu livro sobre o uma crítica bastante comum a todas as ciên-
planejamento da velhice (Skinner & Vaughan, cias sociais ou comportamentais; meramente
1983). É importante frisar que o objetivo des- contar ou medir é entendido como imitar as
ciências naturais. Mas é difícil encontrar al-
ta análise foi apenas ilustrar a questão da rotu-
gum sinal disso na história da análise expe-
lação da análise do comportamento como ci- rimental do comportamento. Estudos iniciais
ência natural para Skinner. usaram equipamentos simples, e os dados fo-
Os procedimentos utilizados para ilustrar ram relatados da maneira mais simples pos-
a posição de Skinner sobre a classificação da sível. A suposição subjacente de que o com-
portamento era ordenado e não caprichoso
análise do comportamento como uma ciên-
dificilmente poderia ser entendida como ten-
cia natural possuem diversas limitações. Por do sido adotada para fins honoríficos. Estabe-
exemplo, é possível que Skinner tenha apre- lecer as dimensões do comportamento e va-
sentado discussões sobre o assunto em outras riáveis relacionadas, insistir na previsão e no
publicações não incluídas na presente seleção, controle, usar matemática quando a quantifi-
cação permite [ênfase adicionada]—Esses fo-
como em seus artigos publicados em periódi-
ram os passos essenciais ao invés de uma fa-
cos científicos, e que a delimitação de apenas chada. (Skinner, 1974, pp. 232-233)
uma palavra-chave para busca em seus livros
(Natural Science) pode ter omitido resultados O uso de equipamentos simples, análises de
importantes. dados simples, a crença na existência de ordem,
O termo foi encontrado em 33 parágrafos, a insistência na previsão e no controle e o uso
em quatro das oito obras analisadas (i.e., Skin- de quantificações matemáticas parecem ser ca-
ner, 1953/2005, 1957, 1959/1999, 1969, 1974). racterísticas da análise do comportamento que
Dentre estes parágrafos, nove deles apresenta- a aproximam das ciências naturais.
vam o termo em outro contexto (e.g., citação a Em outros trechos (Skinner, 1959/1999), o
outros autores que falaram sobre ciências na- autor afirma que a probabilidade de resposta
turais), que não da classificação da análise do como objeto de estudo, o delineamento experi-
comportamento, e foram excluídos das análi- mental de sujeito único como método e a análi-
ses. Assim, foram analisados 24 trechos pre- se por meio de curvas acumuladas são capazes
sentes nos livros Science and Human Beha- de produzir dados rigorosos, compatíveis com
vior (Skinner, 1953/2005), Cumulative Record as ciências naturais. Ainda assim, não é apre-
(Skinner, 1959/1999), Verbal Behavior (Skin- sentada uma definição clara de ciência natural:
ner, 1957), Contingencies of Reinforcement
(Skinner, 1969) e About Behaviorism (Skin- Talvez o suficiente tenha sido dito, contu-
ner, 1974). do, para argumentar que ao voltarmo-nos

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para a probabilidade de resposta ou, mais


imediatamente, para frequência de respos- quaisquer propriedade particulares que reque-
tas nós encontramos um dado que se com- rem métodos únicos ou tipos especiais de co-
porta de forma ordenada sob grande varie- nhecimento” (Skinner, 1953/2005, pp. 35-36).
dade de condições. Tal dado produz o tipo Skinner indicou que os métodos utilizados
de análise rigorosa que merece um lugar nas
pelas ciências naturais poderiam contribuir para
ciências naturais. Diversos recursos não de-
vem ser menosprezados. A maioria dos re- a compreensão de fenômenos sociais (Skinner,
gistros aqui reproduzidos relatam o compor- 1953/2005, 1957), incluindo comportamen-
tamento de sujeitos individuais; eles não são to ético, social e verbal e podendo contribuir
o produto estatístico de um “organismo mé- para as ciências sociais. Nesta linha, opôs-se a
dio”. Mudanças no comportamento são me-
algumas concepções de “ciências sociais” que
didas continuamente durante grande número
de sessões experimentais. Elas muitas vezes entendem a existência de naturezas distintas
revelam mudanças ocorrendo dentro de al- (não-físicas) presentes nos fenômenos sociais
guns segundos que seriam perdidas por qual- e verbais e que demandam métodos especiais
quer procedimento que meramente utilizasse de investigação:
amostras de tempos em tempos. As proprie-
dades das mudanças vistas nas curvas cumu-
as ciências sociais são comumente compre-
lativas não podem ser plenamente avaliadas
endidas como fundamentalmente diferentes
na observação não-instrumental do compor-
das ciências naturais e não preocupadas com
tamento. A reprodutibilidade de espécie para
os mesmos tipos de regularidades. Predição
espécie é um produto do método. Ao escolher
e controle podem ser perdidos em favor da
estímulos, respostas e reforçadores apropria-
"interpretação" ou outras formas de compre-
dos para a espécie estudada, nós eliminamos
ensão. Mas os tipos de atividades intelectuais
as fontes de diversas diferenças entre espé-
exemplificadas pelos julgamentos de valor,
cies. (Skinner, 1959/1999, p. 130)
pela intuição ou pela interpretação nunca fo-
ram estabelecidas claramente, nem demons-
Foram também identificados argumentos traram qualquer capacidade para mudar a si-
que apontam a incompatibilidade entre as ex- tuação atual. (Skinner, 1953/2005, p. 8)
plicações de uma ciência natural e as explica-
ções mentalistas, entendidas como atribuição Salienta-se que a sua oposição não foi di-
de causalidade de um evento físico a um even- recionada às ciências sociais de forma geral,
to interno ou um constructo não observável que mas à noção de que exista uma suposta dife-
possui natureza não-física, e explicações teleo- rença entre ciências sociais, que seriam com-
lógicas, que consistem na atribuição de causa- patíveis com a noção de liberdade pessoal, e
lidade de eventos presentes a eventos futuros ciências naturais, que investigariam regulari-
(Skinner, 1953/2005, 1957, 1959/1999). As- dades entre eventos do mundo. O autor ainda
sim, a análise do comportamento, por não uti- apontou a incapacidade de áreas de produção
lizar explicações mentalistas e teleológicas, e do conhecimento que adotam essa dicotomia
por defender posição monista, em contraponto entre eventos sociais e eventos naturais produ-
ao dualismo mente-corpo, que entende que to- zirem conhecimentos que auxiliem na transfor-
dos os fenômenos do mundo têm propriedade mação do mundo.
física, se aproximaria das ciências naturais. A Foi identificada também uma indicação da
visão monista permitiria que os eventos priva- análise do comportamento, enquanto o estudo
dos, incluídos os sentimentos e o pensamento, do comportamento dos organismos, como par-
fossem estudados adequadamente numa ciência te da biologia selecionista, beneficiando-se de
natural do comportamento. Para isso, “Nós não métodos tradicionais da biologia na produção
podemos assumir que o comportamento possui de conhecimento (Skinner, 1969):

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Behaviorismo, com ênfase na última sílaba, tivo" ou "propósito" são geralmente redutí-
não é o estudo científico do comportamen- veis a afirmações sobre o condicionamento
to, mas uma filosofia da ciência preocupada operante, e apenas uma ligeira mudança é
com seu objeto de estudo e os métodos da necessária para coloca-las no âmbito de uma
psicologia. Se psicologia é uma ciência da ciência natural. (Skinner, 1953/2005, p. 87)
vida mental–da mente, da experiência cons-
ciente–então ela deve desenvolver e defen-
der uma metodologia especial, o que ainda Aparentemente, a sua concepção de ciên-
não foi feito com sucesso. Se ela é, por outro cia natural não se baseia numa fronteira en-
lado, uma ciência do comportamento dos or- tre eventos da natureza e eventos sociais, mas
ganismos, humano ou não, então ela é parte numa visão de que os fenômenos sociais tam-
da biologia, uma ciência natural para a qual
bém são naturais, compostos da mesma natu-
métodos testados e altamente bem-sucedidos
estão disponíveis. A questão básica não é a reza física. Estariam assim incluídas na sua
natureza do material do qual o mundo é fei- proposição de ciências naturais os fenômenos
to ou se ele é composto de uma matéria ou humanos e sociais.
duas, mas sim as dimensões das coisas estu- Ao contrário do que ocorreu nos trechos da
dadas pela psicologia e os métodos relevan-
obra de Skinner analisados, alguns autores pro-
tes para eles. (p. 221)
curaram delimitar explicitamente os motivos
Apesar de apresentar algumas característi- pelos quais a análise do comportamento de-
cas do que entende como uma ciência natural, veria ser caracterizada como uma ciência na-
nos 24 trechos analisados Skinner não oferece tural. A seguir são apresentados alguns traba-
explicitamente uma definição de ciência natu- lhos de autores que discutiram explicitamente
ral e nem de ciência social, mas apenas alguns essa questão.
elementos que caracterizam a análise do com- Conforme Jonhston e Pennypacker (1993),
portamento, entendida como uma ciência na- que avaliam a análise do comportamento como
tural. Nos trechos em que Skinner apresenta a uma ciência natural, a tentativa de classificar as
sua visão de ciência natural não há indícios de ciências por meio dos seus métodos não seria
que esteja opondo-se às ciências sociais de for- possível devido à grande variedade metodoló-
ma geral, mas sim à visão da necessidade de gica existente nas diferentes disciplinas cientí-
uma ciência social com métodos necessaria- ficas. Eles propõem que a delimitação seja fei-
mente distintos das outras ciências. A sua posi- ta com base nos objetos de estudo das variadas
ção é feita num contexto de antagonismo entre ciências: as ciências naturais teriam objetos de
análise do comportamento e outras disciplinas estudo que possuem natureza física, explican-
com abordagens mentalistas e/ou teleológicas: do a ocorrência de eventos físicos com base em
outros eventos físicos, e as ciências sociais pos-
Não é correto dizer que o reforçamento ope- suiriam objetos de estudo que envolvem fenô-
rante “fortalece a resposta precedida por ele.” menos de outra natureza, explicando fenôme-
A resposta já ocorreu e não pode ser modifi-
cada. O que é modificada é a probabilidade nos físicos com base em constructos mentais.
futura de respostas da mesma classe. . . Não Segundo os autores, são implicações da ado-
há, portanto, nenhuma violação do princípio ção de objetos de estudo não físicos: o enco-
fundamental da ciência que exclui as "causas rajamento de métodos de pesquisa com estra-
finais". Mas este princípio é violado quan-
tégias de medidas indiretas (e.g., avaliação do
do se afirma que o comportamento está sob
o controle de um "incentivo" ou "objetivo" desempenho em testes de lógica como medida
que o organismo ainda não alcançou ou um de um constructo chamado inteligência) e uma
"propósito" que ainda não cumpriu. As de- presumida incapacidade, por parte das ciências
clarações que utilizam palavras como "incen- sociais, de produzir tecnologias úteis.

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA ALÉM DO RÓTULO DE CIÊNCIA NATURAL • AZOUBEL, M.S.

Supostamente, a delimitação de ciências na- do comportamento poder se beneficiar dos mo-


turais com base em seus objetos de estudo tor- delos matemáticos produzidos pela Biologia.
naria mais viável a classificação (cf. Jonhston Outras possíveis implicações de a comu-
& Pennypacker, 1993). No entanto, alguns ca- nidade analítico-comportamental assumir-se
sos podem exemplificar o quanto esta proposta como uma ciência natural são apontadas por
continua problemática. Por exemplo, de acordo Marr (2009): esta classificação pode aumen-
com Pessoa Jr. (2006), o materialismo dialéti- tar as chances de a análise do comportamento
co é entendido como contendo uma visão de beneficiar teoricamente e metodologicamen-
mundo materialista, “tese naturalista e realista te outras disciplinas e ser beneficiada por elas.
de que tudo o que existe são entidades mate- Além disso, se a análise do comportamento for
riais” (p. 3), de forma que caberia aos materia- classificada como uma ciência natural é pos-
listas históricos o título de cientistas naturais, sível que a formação acadêmica dos analistas
se adotados os critérios de Jonhston e Penny- do comportamento foque em conhecimentos
packer (1993). sobre ciências básicas (i.e. Física, Biologia e
Por outro lado, Skinner (1974) atribui a di- Química), sobre princípios matemáticos e so-
versas abordagens tradicionalmente entendidas bre experimentação e análise rigorosas, como
como ciências naturais (e.g., behaviorismo me- acontece na formação de outros cientistas na-
todológico, psicofísica e neuropsicologia) o ró- turais. Tais conhecimentos favoreceriam o diá-
tulo de “falso monismo”, por tratar eventos pri- logo entre as disciplinas. Segundo ele, a forma-
vados como possuindo outra natureza. Então, de ção do analista do comportamento é deficitária
acordo com a classificação de Jonhston e Pen- nestes aspectos.
nypacker (1993) tais abordagens poderiam ser Em contraposição aos argumentos de Marr
compreendidas como ciências sociais, mesmo (2009), é possível afirmar que a base da justi-
que não estejam necessariamente interessadas ficativa utilizada por ele para aproximar a aná-
no estudo de interações sociais. Desta forma, lise do comportamento da biologia (i.e., a exis-
a delimitação baseada na natureza dos objetos tência de benefícios mútuos e implicações na
de estudo, adotando a dicotomia proposta por formação do analista do comportamento) e,
Jonhston e Pennypacker (1993), não parece fa- com isto, das ciências naturais, pode também
cilitar a divisão entre as ciências sociais e na- ser aplicada para as relações com outras ci-
turais, visto que mistura áreas de produção do ências normalmente compreendidas como ci-
conhecimento relacionadas com as ciências na- ências sociais. Por exemplo, Guerin (1994a)
turais e inclui áreas comumente classificadas argumentou que algo semelhante pode ocor-
como ciências sociais. rer ao se entender as relações entre análise do
Por sua vez, Marr (2009) aproximou a análi- comportamento e as ciências sociais, pois ela
se do comportamento das ciências naturais, so- pode beneficiar e ser beneficiada no intercâm-
bretudo da biologia, com base em algumas ca- bio com a psicologia social, com a sociologia
racterísticas em comum entre estas disciplinas e com outras ciências ditas sociais. O autor su-
e nas implicações que assumir-se como ciên- geriu que é possível classificar de forma pro-
cia natural podem produzir para a comunida- dutiva a análise do comportamento como uma
de analítico-comportamental. De acordo com ciência social:
o autor, o comportamento deve ser entendido
como uma classe que compõe o conjunto do fe- a análise do comportamento revela-se um
nômeno geral estudado pela biologia. Outro as- terreno benéfico para os cientistas sociais.
A maior parte das misteriosas qualidades da
pecto ressaltado pelo autor é o fato de a análise

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA ALÉM DO RÓTULO DE CIÊNCIA NATURAL • AZOUBEL, M.S.

vida humana, como comportamento sim-


bólico, subjetividade, pensamento, influên- naturais quanto com disciplinas tradicionalmen-
cia espiritual, mente, mente Zen, identida- te filiadas às ciências sociais (Malagodi, 1986).
de própria, autoconhecimento, significado
e gramática linguística, consciência, cren- Considerações Finais
ças e atitudes não desaparecem na análise
do comportamento como se elas nunca ti-
vessem existido, mas realmente se mostram Indo além da possibilidade da análise do
como controladas por fatores sociais (pa- comportamento poder ser classificada tanto
drões de influência da comunidade verbal). como uma ciência social e natural, a pluralida-
Eles se tornam eventos sociais essenciais e, de de estudos e métodos da análise do compor-
portanto, fornecem uma verdadeira ciência
tamento permite que ela possa ainda ser consi-
social [ênfase adicionada], e ajudam a argu-
mentar contra as interpretações individualis- derada: uma ciência humana3, pois se interessa
tas de algumas psicologias sociais. (Guerin, no comportamento humano, mesmo quando
1994a, pp. 16-17)2 estuda o comportamento animal (cf. Skinner,
1938); uma ciência biológica, dado que pos-
De forma alinhada a estas considerações, o sui uma perspectiva selecionista que é aplicá-
arcabouço teórico da análise do comportamen- vel às investigações sobre os seres vivos (An-
to pode contribuir para a compreensão de fe- dery, 2010; Marr, 2009; Skinner, 1981); uma
nômenos sociais e, como uma via de mão du- ciência contextualista, no sentido em que um
pla, a análise do comportamento pode receber evento comportamental só pode ser estudado
contribuições teórico-metodológicas de outras numa unidade de análise (contingência compor-
áreas que investigam esses fenômenos. Neste tamental) que envolve relações espaciais e tem-
último caso, por exemplo, Guerin (1994b) es- porais com outros eventos (Hayes & Browns-
tabeleceu relações entre a noção de represen- tein, 1986; Skinner, 1953, 1974); e uma ciência
tação social e os conceitos analítico-compor- histórica, em razão de os comportamentos hu-
tamentais; Glenn (1988) propôs o conceito de manos serem produtos de suas histórias filoge-
metacontingências em diálogo com o materia- nética, ontogenética e social (Donahoe, 1993;
lismo cultural de Marvin Harris. Skinner, 1981). Para além destas classifica-
Se tomado como objeto de estudo o comporta- ções, talvez a análise do comportamento pos-
mento, entendido como relação entre organismo sa se adequar ainda a outras classificações de
e ambiente, que é determinado pelas histórias de ciência (e.g., ciência da educação).
seleção pelas consequências nos níveis filogené- Cada uma dessas possibilidades de classifi-
tico, ontogenético e cultural (Skinner, 1981), de- cação carrega suas implicações. Reflexões sobre
corre-se então que, para sua adequada compre- essas propostas de classificação poderiam ser
ensão, são necessárias informações advindas do produtivas para ampliar o debate aqui proposto.
estudo da seleção natural, da seleção ontogenéti- A análise do comportamento pode ser enten-
ca e da seleção cultural. Assim, a análise do com- dida, então, como uma ciência ampla e multifa-
portamento pode beneficiar-se do diálogo tanto cetada, classificável conforme diversos rótulos.
com áreas normalmente vinculadas às ciências Desta forma, é possível se questionar sobre a
relevância de classificá-la conforme tais rotu-
2 A análise do comportamento se estabeleceu,
desde seus primórdios, como uma ciência do lações de ciências. Afinal, essas divisões pare-
comportamento de organismos individuais (cf. cem servir para enquadrar as práticas analítico-
Skinner, 1938). A apresentação desta citação não
visa questionar seu objeto de estudo, mas apontar 3 A leitura de Dilthey (1970/2010) pode embasar
para possíveis implicações de sua rotulação como discussões sobre a separação entre ciências naturais
uma ciência social. e ciências do espírito (ou humanidades).

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA ALÉM DO RÓTULO DE CIÊNCIA NATURAL • AZOUBEL, M.S.

-comportamentais dentro de certos limites que as outras formas de produção de conhecimen-


terminam deixando de fora aspectos relevantes to científico se demonstrarem efetivas é a re-
do fenômeno que se propõe estudar. É possível flexão sobre seu objeto de estudo, seus obje-
que, ao invés de se engajar na difícil tarefa de tivos, seus métodos e a demonstração de sua
limitar sua prática científica em algum molde capacidade de produzir conhecimento transfor-
arbitrário, seja mais produtivo para o analista mador do mundo, ao invés de fazê-lo a partir
do comportamento discutir sobre seu objeto e de certas classificações gerais de ciência. Afi-
seus métodos de estudo para produzir atuação nal, ainda há diversas divergências em relação
mais efetiva no mundo. Entende-se, do ponto a questões sobre seu objeto de estudo, seus ob-
de vista behaviorista radical, efetividade como jetivos e seus métodos dentro da comunidade
ação que cumpra com os objetivos de prever, que carecem de esclarecimento. Caminhar na
controlar e interpretar os fenômenos descritos direção de solucionar ou minimizar essas ques-
pelas leis científicas (Skinner, 1974). tões pode tornar a análise do comportamento
É possível que as classificações dos diver- mais eficaz e produtiva.
sos tipos de ciência tenham sido produzidas Essa posição não está necessariamente ali-
por princípios didáticos e/ou vinculadas a ca- nhada com propostas de integração entre ci-
racterísticas de um determinado contexto his- ências naturais e ciências sociais (cf. Tooby &
tórico de produção de conhecimento. Porém, Cosmides, 1992). Talvez, como afirmado por
ao menos para o caso da análise do comporta- Derksen (2005), em contraposição a Tooby e
mento, a pluralidade de classificações com as Cosmides (1992), integrar todas as ciências não
quais esta ciência se aproxima permite afirmar seja a maneira de produzir maior compreensão
que considerá-la apenas como uma ciência na- do mundo. Afinal, as diferentes ciências, den-
tural, por exemplo, pode induzir algumas con- tro de certas fronteiras historicamente estabe-
cepções equivocadas e inutilmente antagonis- lecidas, não estabelecidas a partir de supostas
tas, como a noção errônea de que a análise do fraturas na natureza, têm produzido teorias e
comportamento estuda apenas o comportamen- interpretações importantes e conflitantes entre
to em laboratório, ou que estudos teórico-con- si. Dessa maneira, para lidar com o isolamen-
ceituais não podem se adequar aos seus méto- to entre as ciências, o autor (Derksen, 2005)
dos. Dessa forma, mesmo para fins didáticos, propõe o incentivo a colaborações interdisci-
parece ser melhor expor e discutir questões me- plinares e a confrontações entre diferentes pro-
todológicas sem rótulos, enfatizando o caráter postas, em vez da integração entre as ciências.
amplo da análise do comportamento. Seguindo esta linha, a proposta não é rom-
Outra possibilidade é que a ênfase no rótulo per todas as fronteiras que separam a análise do
“ciência natural”, em detrimento de outros pos- comportamento de outras disciplinas tradicio-
síveis, se deva à concepção de que este sugira nalmente classificadas como ciências naturais,
maior rigor e sucesso do que outros (cf. Stehr, ciências sociais, ciências humanas, entre outras
2009). Porém, um exame mais aprofundado possíveis classificações, mas manter-se como
das classificações das ciências permite identi- uma ciência com objetivos, métodos e pressu-
ficar que há grande diversidade de práticas ca- postos filosóficos próprios, sem rotular-se con-
tegorizadas como ciências naturais e que nem forme rótulos que podem trazer interpretações
todas elas serão necessariamente bem-sucedi- equivocadas ou propiciar o isolamento. Novos
das e que há ciências sociais bem sucedidas. trabalhos, que sintetizassem o debate contem-
Uma alternativa possivelmente mais produ- porâneo sobre a possibilidade de integração en-
tiva para a análise do comportamento e para tre as ciências, propiciariam bases importantes

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA ALÉM DO RÓTULO DE CIÊNCIA NATURAL • AZOUBEL, M.S.

para as discussões apresentadas aqui. à análise do comportamento, reflita sobre sua


O presente ensaio pretendeu questionar al- pertinência, suas justificativas e suas implica-
guns problemas relativos às caracterizações ções. As tentativas de classificações como for-
com base em certos sistemas classificatórios ma de determinar sua qualidade, numa forma
de ciência, mas os argumentos apresentados de idealização das ciências em geral e das ciên-
aqui não invalidam o fato de que, para algu- cias naturais, estas sim, foram rejeitadas aqui.
mas situações, ainda poder ser útil classificar  
a análise do comportamento como uma coisa Referências
ou outra. Podem existir, por exemplo, implica-
ções políticas e econômicas, como a liberação Andery, M. A. P. A. (2010). Métodos de pesquisa
de mais verbas para estudos das ciências natu- em análise do comportamento. Psicologia,
rais, que não foram abordadas aqui. A comuni- 21(2), 313-342. https://doi.org/10.1590/
dade analítico-comportamental pode se bene- s0103-65642010000200006
ficiar de estudos mais sistemáticos e de novas Baum, W.M. (2005). Understanding behavio-
reflexões sobre o assunto. A breve análise aqui rism (2a ed.). Malden, MA: Blackwell.
apresentada dos trechos, presentes em alguns https://doi.org/10.1002/9781119143673
livros de Skinner, em que o autor trata sobre Catania, A. C. (2013). A natural science of beha-
ciências naturais, pode servir como um mode- vior. Review of General Psychology, 17(2),
lo que auxilie próximas pesquisas. 133-139. https://doi.org/10.1037/a0033026
Cabe ainda ressaltar que a discussão aqui Chalmers, A. F. (2014). O que é Ciência, afi-
apresentada resvala em tópicos importantes, que nal? (2a ed., Raul Fiker, trad.). São Paulo:
auxiliariam a subsidiar as discussões propos- Brasiliense. (Original publicado em 1982)
tas aqui, mas que não foram diretamente abor- Derksen, M. (2005). Against integration: Why
dados: um exame da possibilidade de uma de- evolution cannot unify the social sciences.
finição analítico-comportamental de ciência e Theory & Psychology, 15(2), 139-162. ht-
de ciência natural e uma discussão sobre mo- tps://doi.org/10.1177/0959354305051360
delos de causalidade e de métodos nas diferen- Dilthey, W. (2010). A construção do mundo
tes ciências (cf. Killeen, 2001, 2013; Staddon, histórico nas ciências humanas. São Pau-
2017). Discussões sobre as definições de ciên- lo: Unesp. (Trabalho original publicado
cia e sobre a necessidade de sistemas classifi- em 1970).
catórios, de maneira geral, são tópicos que se Elias, N. (2008). Introdução à Sociologia. Lis-
relacionam e podem auxiliar numa compreen- boa: Edições 70. (Original publicado em
são mais ampla da questão da rotulação da aná- 1970)
lise do comportamento como uma ciência na- Ferster, C. B., & Skinner, B. F. (1957). Sche-
tural. Ampliar o debate com base nestes temas dules of reinforcement. New York, NY:
pode ser um caminho produtivo. Appleton-Century-Crofts. https://doi.
Por fim, a posição aqui apresentada não vi- org/10.1037/10627-000
sou rejeitar todas as tentativas de classificações Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pes-
de ciência, mas indicar a existência de dificul- quisa social. (6a. ed.). São Paulo: Edito-
dades e de possíveis implicações indesejadas ra Atlas SA.
para a classificação da análise do comportamen- Glenn, S. S. (1988). Contingencies and meta-
to como uma ciência natural. Acima de tudo, contingencies: Toward a synthesis of beha-
é importante que o analista do comportamen- vior analysis and cultural materialism. The
to, antes de aplicar o rótulo “ciência natural” Behavior Analyst, 11(2), 161–179.

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