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REVISÃO REVIEW 2023

Fatores de proteção relacionados à promoção


de resiliência em pessoas que vivem
com HIV/AIDS

Protective factors and resilience in people


living with HIV/AIDS

Fernanda Torres de Carvalho 1,2


Normanda Araujo de Morais 1,3
Sílvia Helena Koller 1,3
Cesar Augusto Piccinini 1,2

Abstract O HIV/AIDS (vírus da imunodeficiência humana/


síndrome da imunodeficiência adquirida) é uma
1 Instituto de Psicologia,
The aim of this theoretical review was to articu- infecção que atingiu o estágio de pandemia no
Universidade Federal do Rio
late the resilience concept with key aspects in the mundo 1, apresentando-se no Brasil como uma
Grande do Sul, Porto Alegre,
Brasil. lives of people living with HIV/AIDS. We empha- epidemia de proporções preocupantes 2. Desde
2 Grupo de Interação
size the analysis of protective factors traditionally o seu surgimento, na década de 1980, vêm-se ob-
Social, Desenvolvimento e
Psicopatologia, Porto Alegre,
related to resilience (personal characteristics and servando os fenômenos de heterossexualização,
Brasil. social and affective support networks). The re- feminização, interiorização e pauperização da
3 Centro de Estudos
viewed studies show important protective factors epidemia 3,4, o que demonstra que a infecção não
Psicológicos sobre Meninos e
Meninas em Situação de Rua, that contribute to the health and well-being of está mais restrita ao que se considerava como
Porto Alegre, Brasil. people with HIV/AIDS, such as cognitive coping grupos de risco (homossexuais, usuários de dro-
and acceptance of their HIV status, family par- gas injetáveis e profissionais do sexo, por exem-
Correspondência
F. T. Carvalho ticipation in treatment and family support, the plo), atingindo a população de forma geral 5,6.
Instituto de Psicologia, role of governmental and nongovernmental in- Concomitante à disseminação do HIV/AIDS
Universidade Federal do na população ao longo dos anos, novas opções
stitutions, and religious beliefs. The concept of re-
Rio Grande do Sul.
Rua Ramiro Barcelos silience defined as a dynamic process that allows de tratamento foram sendo desenvolvidas, o que
2600/111, Porto Alegre, RS human beings to overcome adversities is essential aumentou a sobrevida e a melhora da qualidade
90035-006, Brasil.
for understanding HIV infection and treatment de vida dos atingidos 7,8. Nesse contexto, se a pre-
torresdecarvalho@yahoo.com.br
of AIDS patients. It helps decrease stigmatization ocupação no início da epidemia era a iminência
and prejudice towards the disease and patients. It de morte logo após o diagnóstico, atualmente,
also helps alter the notion that living with AIDS soma-se ao medo da morte a necessidade de
is incompatible with well-being and quality of reestruturação da vida, a fim de conviver com a
life and fosters the creation of new HIV/AIDS pre- presença do vírus no organismo. Os avanços no
vention and treatment perspectives. diagnóstico e tratamento do HIV/AIDS vêm tor-
nando essa infecção cada vez mais semelhante
HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Re- às doenças definidas como crônicas 9, e, confor-
view Literature me Siegel & Lekas 9, esses avanços geraram um
impacto considerável na vida dos portadores de
HIV/AIDS, diminuindo o temor sobre a iminên-
cia da morte e possibilitando a permanência de
relações sociais, de trabalho, de lazer e afetivas
na vida.

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Pesquisas exaustivas vêm demonstrando o dos estudos. Em um segundo momento, foram


impacto negativo do vírus sobre a vida das pes- acrescentados os termos fatores de proteção
soas, contribuindo, assim, para o avanço dos (protective factors) e fatores de risco psicossociais
conhecimentos nessa área. No entanto, igual (psychosocial factors), tendo em vista que alguns
preocupação não tem sido dada à investigação artigos encontrados mencionavam o termo re-
dos fatores de proteção no desenvolvimento dos siliência sem aprofundar o conceito ou sem que
pacientes com HIV/AIDS, os quais podem estar este fizesse parte dos objetivos do trabalho. Por
contribuindo para a saúde, bem-estar, qualidade fim, foram acrescentados os termos apoio social
de vida e resiliência desses indivíduos. (social support), apoio familiar (family support)
Desde o momento da infecção até o surgi- e aspectos sociais (social issues), mantendo-se
mento de algum sintoma, podem transcorrer me- constante o termo HIV/AIDS.
ses ou anos, sendo esse intervalo difícil de definir. Por intermédio deste procedimento, reuniu-
O tempo médio de desenvolvimento de sinto- se um conjunto de 68 artigos e capítulos de livros
mas tem sido de cinco a oito anos, porém existem nacionais e internacionais. Para fins de análise
pessoas infectadas há 15 anos ou mais que nun- desse material, utilizaram-se os pressupostos de
ca tiveram complicações de saúde por causa do Masten & Garmezy 10, no que se refere aos fato-
HIV/AIDS. O que existe de diferente nessas pes- res promotores de resiliência (atributos disposi-
soas? Que possíveis fatores de proteção podem cionais das pessoas, laços afetivos no contexto
estar envolvidos? Sabe-se que questões como a familiar e outros contextos e sistemas de suporte
adesão ao tratamento ou a presença de subtipos social). Foram, então, feitas leituras e discussão
virais resistentes a drogas são importantes nesse sistemática de todos os textos disponíveis, com
processo. Porém, resta a necessidade de se co- destaque para os principais achados e evidências
nhecerem os aspectos psicossociais envolvidos, que corroborassem as categorias propostas por
tanto na adesão ao tratamento, como na aquisi- Masten & Garmezy, a fim de identificar poten-
ção de comportamentos que podem contribuir ciais fatores de proteção para pessoas que vivem
para aumentar as resistências do organismo, re- com HIV/AIDS. Dessa forma, o que antes apa-
tardando a manifestação da doença. recia de forma isolada em outros textos, neste
Na área da psicologia, a investigação sobre os artigo é reunido e articulado sob a perspectiva de
fatores de proteção e resiliência têm sido feitas fatores de proteção que podem contribuir para a
no estudo do desenvolvimento humano, parti- promoção de resiliência.
cularmente com populações consideradas sob A seguir, serão inicialmente introduzidos os
risco. Nesses casos, busca-se compreender o que conceitos de resiliência e de fatores de risco e pro-
está envolvido quando situações de adversida- teção para que, em seguida, sejam apresentadas
de são vivenciadas e superadas pelos indivíduos. e discutidas as evidências derivadas da literatura
Esse campo teórico desenvolveu o conceito de sobre as categorias de Masten & Garmezy 10.
resiliência como o potencial saudável que alguns
indivíduos apresentam em situações de possi-
bilidade de doença. Poderia, então, a resiliência Resiliência
dos portadores de HIV/AIDS contribuir para sua
adesão ao tratamento e qualidade de vida? Há pouco mais de vinte anos, o tema da resiliên-
Visando a uma maior compreensão dessas cia vem se constituindo como uma área de inte-
questões, o presente artigo busca, a partir da resse e pesquisa na psicologia. A partir do final
revisão da literatura, articular o conceito de re- da década de 1990, sobretudo, as publicações
siliência com questões da realidade de vida de sobre esse tema ganharam mais ênfase por parte
pessoas portadoras de HIV/AIDS. Em especial, dos pesquisadores da psicologia, principalmente
será enfatizada a análise dos fatores de proteção daqueles que trabalham com populações em si-
tradicionalmente mencionados na literatura co- tuações de risco (vítimas de violência, crianças e
mo promotores de resiliência (características in- adolescentes em situação de rua, entre outros). A
dividuais e rede de apoio social e afetiva), a partir ênfase desses estudos, por sua vez, esteve muito
da devida articulação e contextualização com os centrada no desenvolvimento de crianças e ado-
fatores de risco vivenciados por pessoas portado- lescentes, tendência que continua ainda hoje,
ras de HIV ou com AIDS. embora com menor intensidade.
Para a realização deste artigo, foi feita uma Inicialmente, o estudo da resiliência foi pro-
revisão exaustiva nas principais bases de dados posto pela física e sua definição estava relacio-
(PsycInfo, MEDLINE, SciELO, Biblioteca Virtual nada à capacidade de um material recobrar o
de Saúde, BIREME), utilizando-se inicialmen- seu estado anterior, depois de ter passado por
te os termos resiliência (resilience) e HIV/AIDS alguma deformação 11,12. Ao ser incorporada pe-
(HIV/SIDA), sem restrição à data de publicação la ciência psicológica, a resiliência passou a ser

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RESILIÊNCIA E HIV/AIDS 2025

vista como o conceito que explicaria o porquê Fatores de risco e proteção


de, mesmo em situações de adversidades sociais,
econômicas e psicológicas, alguns indivíduos A definição de resiliência, a partir da compre-
conseguirem sobreviver e alcançar o bem-estar ensão da interação do indivíduo com o seu am-
em suas vidas, enquanto outros não o obtinham biente, implica o entendimento dinâmico dos
10,13,14,15,16,17. chamados fatores de risco e proteção. Os fatores
A princípio e, principalmente, em virtude da de risco são os eventos de vida que, quando pre-
transposição desse conceito da física para a psi- sentes, aumentam a probabilidade de o indiví-
cologia, a definição do termo resiliência esteve duo apresentar problemas físicos, psicológicos
muito relacionada à idéia de “invulnerabilida- e sociais. Já os fatores de proteção referem-se às
de” (resistência absoluta ao estresse) e de “adap- influências que modificam, melhoram ou alte-
tação”. No entanto, essas concepções têm sido ram respostas pessoais a determinados riscos de
fortemente criticadas por causa do seu caráter desadaptação 12,23.
estático e absoluto, optando-se por uma visão Tanto no conceito de fatores de risco, quan-
mais dialética e processual da resiliência 11,12. to no de proteção, a literatura tem destacado a
De acordo com esta perspectiva, mais do que necessidade de se enfatizar uma abordagem de
recobrar um estado anterior após uma situação “processos”. Ou seja, a priori, nenhuma variável
de estresse/trauma, a resiliência, no contexto é fator de risco ou proteção, uma vez que qual-
humano, implica “superação” da dificuldade quer fator pode, potencialmente, ser de risco em
enfrentada, possibilitando uma re-significação uma situação e protetor em outra, dependen-
e/ou a construção de novos caminhos diante da do justamente da relação estabelecida entre as
adversidade. Trata-se, então, de uma capacidade variáveis individuais e o contexto sócio-am-
a ser construída ao longo do processo de desen- biental 12,23. Dessa forma, as pesquisas sobre
volvimento humano. Portanto, de acordo com resiliência se voltam ao estudo dos mecanismos
Junqueira & Deslandes 18 (p. 233), resiliência é específicos através dos quais determinadas va-
entendida como uma “reafirmação da capacida- riáveis produziram resultados particulares 15,17.
de humana de superar adversidades e situações Além disso, os fatores de risco e proteção serão
potencialmente traumáticas”. assim considerados conforme a percepção de
Além disso, resiliência não é uma caracterís- cada indivíduo 19. Isso porque um fator pode ser
tica estática, mas um processo, que não é ativado considerado como “de risco” em um contexto
para toda e qualquer situação, nem a todo mo- e situação específica, enquanto em outro con-
mento, como por vezes aparecia na idéia original texto, ou mesmo, em um momento diferente no
associada à invulnerabilidade. Assim, entende-se tempo, ser considerado “de proteção”.
que a resiliência não é um processo linear nem Sobre os fatores de risco, é importante des-
estanque, visto que um indivíduo pode se apre- tacar que a resiliência aparece em situações que
sentar como resiliente diante de uma situação expõem ao risco. Portanto, sem “risco, adversida-
e, posteriormente, não o ser diante de outra si- de ou situação estressora” não se pode falar em
tuação e, eventualmente, até mesmo diante da resiliência. De acordo com Cowan et al. 24, have-
mesma situação 19. Com isso, entende-se que re- ria três formas pelas quais os indivíduos podem
siliência não implica atingir um estado de bem- superar a situação de risco: (i) eles podem não ter
estar constante. O entrejogo das variáveis indivi- vivenciado muitas das experiências estressantes
duais e contextuais configurará constantemente que tendem a ser associadas com o risco; (ii) eles
a maior ou menor capacidade de cada pessoa, em podem desenvolver habilidades de enfrentamen-
momentos específicos, de lidar de forma positiva to para contra-atacar o risco e responder com
com a adversidade, não sucumbindo a ela 16. mudanças que cancelam o impacto negativo do
As bases da resiliência são tanto constitucio- risco e o fazem avançar a novos níveis de adap-
nais quanto ambientais, não havendo, por con- tação e (iii) eles podem dispor de algum fator de
seguinte, uma quantidade fixa, mas, sim, que va- proteção que diminua o impacto do risco.
ria de acordo com as circunstâncias. A resiliência O presente artigo destaca, em especial, esse
é entendida, portanto, não somente como uma último ponto, ao buscar compreender os possí-
característica do indivíduo, como uma capaci- veis fatores de proteção no enfrentamento da in-
dade inata, herdada por alguns “privilegiados”, fecção pelo HIV/AIDS. De fato, a literatura psico-
mas também como parte da interação dinâmica lógica tem sido fortemente marcada pelo estudo
existente entre as características individuais e a do “risco” e suas conseqüências negativas ao de-
complexidade do contexto social 12,18,20,21,22. senvolvimento humano 19,25. Dessa forma, é mais
comum a existência de estudos sobre os eventos
negativos que aumentam a probabilidade de re-
sultados negativos da infecção pelo HIV/AIDS

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na vida das pessoas (abandono do tratamento, pessoas movem-se constantemente “para dentro
violência doméstica em decorrência de revela- e para fora” de situações de risco, criando, as-
ção de diagnóstico, preconceito, estigmatização, sim, diferentes estados de adaptação psicológica.
abuso de drogas, por exemplo) do que o foco so- Nesse processo de busca de adaptação, por sua
bre fatores de proteção, cuja presença pode estar vez, os chamados fatores de proteção exercem
contribuindo para o desenvolvimento de respos- um papel fundamental, uma vez que são eles os
tas positivas por parte dos indivíduos. responsáveis por diminuir a probabilidade de
Contudo, a partir do movimento da denomi- um resultado negativo ou indesejável acontecer
nada Psicologia Positiva, sobretudo a partir do diante da presença do risco.
ano 2000, uma nova preocupação tem sido trazi- De acordo com Eckenrode & Gore 32, os fato-
da aos estudos da psicologia e, particularmente, res de proteção podem ser classificados em dois
da resiliência 19,22,26,27,28,29. Trata-se de compre- grupos: (i) pessoais e (ii) recursos do ambiente.
ender os fatores e processos que promovem o Masten & Garmezy 10, pioneiros no estudo da
desenvolvimento psicológico sadio e quais os resiliência, por sua vez, subdividem os recursos
aspectos que são responsáveis por fortalecer e do ambiente em dois subgrupos, dando especial
construir competências nos indivíduos. Essa no- destaque ao papel da rede de apoio social e tam-
va perspectiva, como se vê, encoraja o foco nos bém afetiva das pessoas para a promoção de re-
estudos sobre os fatores de proteção, sobretudo siliência. Dessa forma, identificaram três classes
para se desenvolverem estratégias de prevenção de fatores de proteção: (i) os atributos disposicio-
mais eficazes. nais das pessoas; (ii) os laços afetivos no sistema
Essas estratégias, de acordo com Robinson 30, familiar e/ou em outros contextos que ofereçam
deveriam consistir tanto na evitação do risco, co- suporte emocional em momentos de estresse e
mo na promoção de um funcionamento psicoló- (iii) os sistemas de suporte social, seja na escola,
gico mais saudável após a exposição ao mesmo. no trabalho, nos centros religiosos, no serviço de
Nesse sentido, além de ser protetor ao indivíduo saúde, que propiciem competência e determi-
evitar situações que o exponham ao risco, pode- nação individual e um sistema de crenças para
ria ser também protetora a experiência do risco a vida. Verifica-se, portanto, que há semelhança
e a reconstrução psicológica que tal experiência entre definições de diversos autores, que abor-
proporcionasse. Essa concepção parece refletir dam os fatores de proteção com base nas variá-
a realidade de alguns indivíduos portadores de veis individuais/pessoais e ambientais. Todavia,
HIV/AIDS, como é o caso de homens que relatam a subdivisão proposta entre rede de apoio social
terem passado a levar uma vida mais saudável, e rede de apoio afetiva é bastante pertinente, pois
após o diagnóstico; ou de mulheres que estavam a presença da primeira não implica necessaria-
afastadas de tratamento e que o retomaram em mente a segunda. Além do mais, dado o estigma
virtude de uma gravidez 31. É como se a soroposi- vinculado à questão do HIV/AIDS na sociedade
tividade, sendo uma experiência extremamente atual, ressalta-se a necessidade de haver maior
marcante, mesmo que potencialmente adversa, clareza sobre o papel que as redes podem ter na
gerasse em alguns casos a transformação dos vida dessas pessoas e na forma como estas lidam
hábitos de vida. Cuidados com a saúde (física, com a sua situação de infecção.
mental e espiritual) passaram a fazer parte da
rotina de pessoas que, antes do diagnóstico de
HIV/AIDS, informaram não ter esse tipo de pre- Resiliência e HIV/AIDS
ocupação.
Ainda baseada no modelo da doença, a psico- Poucos são os estudos que relacionam resiliên-
logia tem muito a avançar nos estudos e pesqui- cia e fatores de risco e proteção com a infecção
sas sobre prevenção 28. Diante disso, Seligman pelo HIV/AIDS. Embora alguns estudos tratem
& Csikszentmihalyi 28 defendem uma mudança de aspectos relacionados à promoção de resili-
de paradigma, de modo que a prevenção vies- ência (suporte social familiar, principalmente),
se de uma perspectiva focada na construção de a relação que é feita com a resiliência é bastante
competências e não na correção de fraquezas superficial e indireta 33,34. Ademais, termos co-
ou fragilidades. A necessidade de se enfatizar o mo “adaptação psicológica” e “enfretamento” são
estudo dos fatores de proteção sustenta-se, tam- mais freqüentes nesses estudos que o conceito
bém, na afirmação de Cowan et al. 24, segundo de resiliência 35,36,37. Este último, por sua vez, é
a qual não é interessante relacionar eventos de mencionado apenas tangencialmente, pouco
vida estressantes a resultados adversos físicos e definido e problematizado, não parecendo ser o
psicológicos, porque “os fatores de risco ocorrem foco principal dos artigos 33,34,35,36,37.
muito mais freqüentemente que os resultados dis- Uma possível justificativa para essa lacuna é
funcionais” 24 (p. 7). Em adição, na vida real, as que a infecção pelo HIV/AIDS é um fenômeno

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relativamente recente, assim como os estudos e enfrentamento (coping) da infecção, geralmente


pesquisas acerca da resiliência. Incorporado re- conceituadas como o conjunto de esforços reali-
centemente à psicologia, esse conceito precisa zado pelos indivíduos para lidar com demandas
de um pouco mais de tempo para ser absorvido geradas por situações de estresse. Por exemplo,
pelas ciências biológicas e da saúde. Mesmo na o enfrentamento cognitivo e a aceitação da rea-
psicologia, área em que o conceito é mais conhe- lidade da infecção aparecem como um possível
cido, poucos são os colegas que se dedicam ao fator de proteção, na medida em que se associa a
estudo de HIV/AIDS; conseqüentemente, a re- uma melhor qualidade de vida e a um menor sen-
siliência não tem sido investigada no contexto timento de estresse 41. Para os autores, trata-se de
dessa infecção, no qual o enfoque é ainda predo- um processo de aceitação ativa, que facilita a mo-
minantemente biológico e médico. Apresenta-se, bilização da pessoa em direção à tomada de ati-
a seguir, a revisão dos estudos sobre potenciais tudes em relação aos desafios encontrados. Isso
fatores de proteção relacionados à promoção de é importante, porque estratégias que envolvem
resiliência em pacientes portadores de HIV/AIDS, evitação ou negação da infecção são as descritas
dividindo-os a partir da proposição de Masten & como mais associadas a sofrimento psicológico 42
Garmezy 10, a saber: atributos disposicionais das e a baixos índices de qualidade de vida 41.
pessoas, laços afetivos no contexto familiar e ou- O sentimento de auto-eficácia para adesão
tros contextos e sistemas de suporte social. ao tratamento também tem sido descrito como
um fator importante para a saúde dos portadores
do HIV/AIDS. A crença na capacidade de aderir
Atributos disposicionais das pessoas aos anti-retrovirais e a confiança nos seus bene-
fícios estiveram associadas a melhor qualidade
A primeira classe de fatores de proteção promoto- de vida e melhor saúde física de pacientes 43.
res de resiliência diz respeito aos atributos pesso- Em adição, os autores verificaram que indivídu-
ais 10. De maneira geral, estudos sobre resiliência os mais jovens e com maior escolarização ten-
em diversas populações têm mostrado que uma diam a ter maior confiança nos benefícios da
pessoa desencadeia um processo de resiliência terapia anti-retroviral e sentiam-se mais capazes
quando apresenta senso de auto-eficácia, senso de aderir a ela.
de humor, força para responsabilizar-se por ou- Contudo, algumas pessoas não conseguem
tros ou ser parte de um esforço comunitário mais assimilar o resultado positivo para HIV/AIDS e
amplo, além de possuir capacidades intelectuais, podem precisar de um tempo para assumir uma
como, por exemplo, o potencial para insight 38. postura mais ativa diante de sua infecção 44. Sen-
Masten & Garmezy 10 também mencionam fa- do assim, podem-se identificar pessoas que ne-
tores como o nível de atividade e sociabilidade gam o próprio resultado 45,46, que duvidam da
da pessoa, a auto-estima e a autonomia. Tais ca- seriedade do teste diagnóstico 47 ou que têm di-
racterísticas, porém, não implicam obrigatoria- ficuldade de tomar para si a responsabilidade da
mente resiliência, uma vez que é preciso avaliar infecção 48. Essa negação pode ser uma fuga da
outras variáveis contextuais e os fatores de risco realidade, como uma tentativa do indivíduo de
em cada situação. Além disso, como são caracte- se adaptar a sua nova situação. Assim, enquanto
rísticas pessoais, apresentam-se sob diferentes ocorre esse processo, a pessoa deixa de buscar
formas de expressão para cada indivíduo. auxílio para sua saúde física e emocional, o que
Estudos com portadores de HIV/AIDS apre- diminui a sua rede de apoio 41. Um aspecto im-
sentam alguns fatores individuais que podem in- portante nessa reação inicial à infecção é o medo
fluenciar a saúde dessas pessoas. A análise de Au do estigma social da doença, que modifica e res-
et al. 39 sugeriu associação entre a saúde física e a tringe a vida dos envolvidos 46. Por todos esses
psicológica dos pacientes, o que, para os autores, motivos, a infecção tende a aumentar o estresse
permite um entendimento integral da infecção. na vida dos indivíduos, estando a estratégia de
Ulla & Remor 40 consideraram as variáveis psico- negação associada à percepção da vida como um
lógicas como co-fatores para a competência do evento altamente estressante 41.
sistema imunológico e, conseqüentemente, para Em conjunto, esses estudos mostram que,
a evolução do vírus no organismo. Esses estudos no contexto do HIV/AIDS, as diferenças indivi-
vêm indicando a influência do estresse, dos esti- duais podem servir como fatores tanto de risco,
los de enfrentamento utilizados pelos indivíduos quanto de proteção. A reação em face da soro-
e dos hábitos de vida sobre o curso de desenvol- positividade e as atitudes e comportamentos dos
vimento da AIDS. indivíduos a partir daí parecem se constituir em
De maneira geral, os estudos investigam os importantes fatores que precisam ser considera-
aspectos psicológicos e as interfaces com a saú- dos para a promoção da saúde e da qualidade de
de física a partir da avaliação das estratégias de vida desses pacientes.

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2028 Carvalho FT et al.

Laços afetivos no sistema familiar ou solitário. De uma forma geral, os indivíduos de-
outros contextos senvolvem crenças de que, se revelarem seu diag-
nóstico, não serão mais aceitos pela família, que
Estes fatores de proteção dizem respeito às rela- ficarão sós e abandonados 46 e que serão motivo
ções afetivas dentro do sistema familiar ou que de vergonha para seus familiares 46,57.
envolve outras pessoas 10. Encontra-se, nesse Além disso, a revelação a membros da família
caso, o relacionamento familiar, entre amigos ou a amigos apresenta particularidades que vêm
e a vida social em sua micro-estrutura. Trata-se sendo descritas na literatura. Em um estudo com
de possíveis fontes de apoio emocional que um homens e mulheres soropositivos norte-ameri-
indivíduo pode acessar em situações de adver- canos, os participantes referiram que os amigos
sidade e que podem contribuir para que se es- para os quais revelaram o diagnóstico oferece-
tabeleça a resiliência. Muitos são os estudos que ram maior apoio do que os familiares que foram
demonstram a importância desse fator na vida informados 50. Ainda, esses portadores tendiam a
dos portadores de HIV/AIDS. A família e os ami- revelar mais a pessoas da família extensa do que
gos se constituem em expressivos fatores de pro- à família nuclear. Considerando os familiares de
teção àqueles que precisam enfrentar a infecção. grau mais próximo, os pais e irmãos do sexo mas-
Diante disso, algumas considerações sobre a im- culino foram percebidos como pessoas que ofe-
portância da família e dos amigos serão apresen- reciam menos apoio, o que fazia com que a parti-
tadas a seguir, juntamente com considerações cipação ocorresse mais por parte das mães e das
sobre o contexto microssocial dos indivíduos. irmãs. Esses dados sugerem que as pessoas pro-
Já no recebimento do diagnóstico, o apoio fa- curadas para a revelação sobre a soropositividade
miliar parece ser importante. Ao se imaginarem são aquelas identificadas como potencialmente
recebendo resultado positivo para HIV/AIDS, apoiadoras, e que membros mais próximos da
pacientes de uma clínica geral mencionaram que família podem não ser as principais escolhas.
gostariam que alguém da família também fos- Além da família e amigos, outra relação pró-
se avisado 49. Em alguns casos, a revelação do xima e afetiva pode ser a do psicólogo-paciente.
diagnóstico a familiares próximos esteve asso- Turner 38 menciona o papel da terapia e da alian-
ciada à maior percepção de apoio proveniente ça terapêutica entre paciente e terapeuta como
dessas relações 50. Ademais, o apoio social vem uma importante fonte de promoção de resiliên-
sendo descrito como associado a menor sofri- cia. Isso acontece em virtude de o terapeuta re-
mento psicológico, menor freqüência de sinto- presentar uma figura de confiança e apoio para o
mas psiquiátricos 51, além de a menores índices cliente. Em adição, o espaço da terapia favorece
de ansiedade e depressão e melhor qualidade de a afirmação da experiência trazida pelo pacien-
vida 52. Mulheres que afirmaram receber apoio te, sendo um espaço de descoberta de “recursos
de suas famílias apresentaram menores índices e capacidades” e de fortalecimento dessas “for-
de estresse e sentimento de solidão 53. Ainda, a ças”, por meio das características individuais e
participação de familiares em grupos de apoio, dos recursos externos. Junqueira & Deslandes 18
mesmo que seja difícil para a família lidar com o ressaltam também o lugar de destaque exercido
diagnóstico de HIV/AIDS em um de seus mem- pelas relações microssociais em saúde. As auto-
bros, vem sendo identificada como algo positivo ras destacam esse espaço como promotores em
para o tratamento dos pacientes 52. potencial de resiliência, através do estabeleci-
Com o avanço do tratamento para AIDS, mento de vínculo e confiança entre os diferentes
tornou-se extremamente importante que os pa- profissionais de saúde e os pacientes.
cientes tenham uma boa adesão aos esquemas De forma geral, os estudos deixam clara a
terapêuticos, a fim de que estes sejam efetivos importância da família para a saúde de pessoas
7,54,55. Essa adesão, entretanto, até o momento, portadoras de HIV/AIDS. Em especial, o apoio de
não vem sendo sempre satisfatória 7. Nesse con- pessoas próximas parece ser um fator de prote-
texto, o apoio social e familiar parece ser um fator ção aos soropositivos, mas isso também pode ser
importante, já que a adesão pode exigir a reorga- estendido aos amigos e profissionais de saúde.
nização da vida diária e até a revelação da soro-
positividade às pessoas mais próximas 56.
Considerando que a família é a principal fon- Sistemas de suporte social
te de apoio para soropositivos 47, afastar-se desse
contato pode ser prejudicial. O que ocorre em Os sistemas de suporte fazem parte de um âmbi-
alguns casos é que o medo do preconceito e do to mais amplo da vida das pessoas 10. Trata-se das
isolamento faz com que os portadores evitem re- relações estabelecidas com a escola, o trabalho,
velar o diagnóstico a familiares. Com isso, o en- centros religiosos ou instituições de saúde. A fim
frentamento da infecção torna-se um processo de promoverem fatores de proteção aos indiví-

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RESILIÊNCIA E HIV/AIDS 2029

duos, essas instâncias precisam propiciar a com- se ainda diversos estudos salientando o quanto a
petência e a determinação individuais. vida social das pessoas portadoras de HIV/AIDS
Alguns fatores têm sido descritos como de pode ficar prejudicada. Isso se dá principalmente
proteção aos indivíduos para a vida em socieda- pela presença do preconceito e da estigmatiza-
de. No contexto brasileiro, um desses fatores é a ção 31,61,62,63,64. Mesmo com o passar dos anos
estrutura de centros de saúde disponível na rede e com as transformações nas características da
pública. O Brasil tem sido um país modelo na epidemia, ainda é forte o impacto social negativo
luta contra a AIDS, com o oferecimento de trata- gerado pelo HIV. Os portadores do vírus seguem
mento gratuito na sua rede de saúde. Centros de sendo uma população estigmatizada, vivencian-
referência no atendimento à infecção e à AIDS do diversos tipos de preconceito 31,62,63. Concei-
estão disponíveis aos pacientes, tanto para diag- tualmente, o estigma é atribuído pela sociedade
nóstico como para tratamento, com distribuição àquele que apresenta um “desvio”, ou uma dife-
gratuita de medicamentos anti-retrovirais. Cen- rença indesejável 64. Socialmente, dentre outras
tros de pré-natal de referência têm conseguido conotações, a AIDS tem sido entendida como
diminuir a taxa de transmissão materno-infantil punição a comportamentos imorais, despertan-
do HIV para índices inferiores a 3% 58. Nos úl- do preconceito. Nessa medida, em alguns casos,
timos anos, o Brasil ampliou a distribuição de enfrentar a estigmatização e o preconceito pode
medicamentos, prolongando a vida das pessoas, parecer mais difícil do que enfrentar a infecção
diminuindo as taxas de mortalidade 59. Mesmo do ponto de vista de saúde física 63.
que a situação não seja a ideal, o serviço prestado Mulheres portadoras de HIV/AIDS têm men-
é de boa qualidade, sendo um modelo de aten- cionado que temem e vivenciam preconceito 65.
dimento internacionalmente reconhecido. Além Com isso, pode surgir a dificuldade de colocação
do mais, a legislação brasileira prevê a proteção profissional 62, além dos problemas familiares 66
ao indivíduo portador do vírus, dando direito e daqueles ligados à maternidade 31,65,67,68,69.
à privacidade quanto ao diagnóstico, proibin- Todos esses aspectos constituem o que vem
do a exigência de testes de HIV para admissão sendo descrito como a morte civil e social dos
em empregos, bem como a demissão por causa soropositivos 57,63. Essa morte simbólica é vivida
da soropositividade. Muitos desses avanços na pelo indivíduo a partir da redução de seus direi-
legislação são resultados de uma ação forte de tos como cidadão, com dificuldades no trabalho,
organizações não-governamentais (ONGs) que, desemprego, discriminação, isolamento, entre
desde o início da epidemia, se mantêm ativas, outros fatores 45.
no intuito de proteger a saúde e a cidadania dos Como pode ser visto, os sistemas de apoio
portadores do HIV/AIDS. A partir da década de social podem ser bastante protetores aos indiví-
1990, as diversas ONGs que surgiram voltadas a duos portadores de HIV/AIDS. Reforça-se nisso
essa área trouxeram ações e um discurso de so- a importância de esses sistemas auxiliarem na
lidariedade, com crítica ao sentimento de pena e dissolução do preconceito e da discriminação.
ao preconceito e estigmatização 60. Em particular, destaca-se a importância da rede
Outro fator de proteção aos indivíduos porta- de saúde disponível a essas pessoas, com o ofere-
dores de HIV/AIDS pode ser a religiosidade, que cimento de diagnóstico, tratamento e prevenção
tem se mostrado como um aspecto que pode ser primária, secundária e terciária, que contribuem
intensificado a partir da vivência da soropositivi- para a promoção de saúde desses pacientes.
dade. Prado et al. 42, entrevistando mulheres bra- Além disso, ressalta-se o papel das ONGs, da le-
sileiras, verificaram que o envolvimento religioso gislação brasileira e ainda da religiosidade nesse
esteve relacionado a estratégias mais ativas de processo.
enfrentamento da infecção e a maiores índices
de apoio social. Para os autores, o envolvimento
religioso pode servir como um mecanismo de re- Considerações finais
dução do processo de enfrentamento de evitação
(negação) e, conseqüentemente, de prevenção O presente artigo teve como objetivo examinar a
do sofrimento psicológico. Ademais, a religiosi- relevância do conceito de resiliência no contexto
dade foi indicada como fonte de apoio a mães 61 da infecção pelo HIV/AIDS, com destaque pa-
e a gestantes portadoras de HIV/AIDS 31. Como ra os possíveis fatores de proteção, os quais, nos
fonte de interpretação para os acontecimentos estudos revisados, revelaram-se importantes,
da vida, a religiosidade pode representar apoio contribuindo para a saúde geral e para o bem-
para o enfrentamento das dificuldades e para a estar das pessoas portadoras de HIV/AIDS. Entre
mudança de atitudes. eles, destacam-se o enfrentamento cognitivo e a
Apesar desses avanços sociais e dos fatores de aceitação da infecção; a participação da família
proteção mencionados na literatura, encontram- no tratamento e como fonte de apoio afetivo; o

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2030 Carvalho FT et al.

papel das organizações governamentais e não- de fatores de proteção e de resiliência, conside-


governamentais e a religiosidade. Isso sugere que rando o papel de extrema importância desses
indivíduos soropositivos para HIV podem supe- profissionais para os portadores dessa infecção.
rar a adversidade trazida pela infecção com uma A concepção de resiliência contribui para acabar
boa qualidade de vida, e esse bom desempenho com o estigma e preconceito em relação à doen-
num contexto extremamente difícil pode ser, en- ça e desmistifica a questão de que bem-estar e
tão, característico de pessoas resilientes. qualidade de vida são estados contraditórios e
Espera-se que o presente estudo ofereça uma incongruentes com a vida das pessoas infecta-
primeira sistematização do conceito de resiliên- das. Em adição, oferece uma nova perspectiva
cia e sua articulação com a situação de infecção no campo da prevenção (primária, secundária
pelo HIV/AIDS. Os fatores de proteção apresen- ou terciária) ao focar no reforço das competên-
tados ao longo do artigo não devem ser tomados cias humanas. Esta nova visão, de acordo com
de forma descontextualizada, e, sim, com base Morais & Koller 19, resgata uma concepção de
em uma análise que considere cada pessoa nas ser humano como alguém que busca a sua feli-
suas características individuais e na sua rede cidade, bem-estar e saúde, tendo todo potencial
de relações sociais e afetivas. Além disso, esses para desenvolver estratégias para conseguir esse
fatores de proteção devem ser vistos sempre na objetivo. A situação de infecção pelo HIV/AIDS
relação com os fatores de risco que engendram a pode ser de extrema adversidade, mas pode ser
situação de adversidade a ser superada. ressignificada e até vivida como fonte potencial
Tendo em vista a definição de resiliência co- para a mudança e para novas oportunidades
mo a “capacidade do ser humano de superar ad- diante da vida. Por fim, salienta-se que a pro-
versidades”, esta deve ser uma compreensão es- moção de resiliência, além de ser importante no
sencial a ser incorporada no entendimento da in- contexto de HIV/AIDS, como buscou demons-
fecção e tratamento de pacientes com HIV/AIDS. trar o presente artigo, é de grande importância
Nesse contexto, é fundamental a participação em outros contextos, a fim de que se promova a
de todos os profissionais de saúde na promoção saúde integral das pessoas.

Resumo

Este artigo busca, com base na revisão da literatura, como uma “capacidade do ser humano de superar ad-
articular o conceito de resiliência com questões da rea- versidades” é essencial ao entendimento da infecção e
lidade de vida de pessoas portadoras de HIV/AIDS. Em tratamento de pacientes com HIV/AIDS. Isso contribui
especial, será enfatizada a análise dos fatores de pro- para acabar com o estigma e preconceito em relação à
teção tradicionalmente descritos como promotores de doença e aos seus portadores. Essa perspectiva desmis-
resiliência (características individuais e rede de apoio tifica a questão de que bem-estar e qualidade de vida
social e afetiva). Os estudos revisados revelam que exis- são estados contraditórios à vida das pessoas infecta-
tem importantes fatores de proteção, que contribuem das, além de contribuir para a elaboração de novas
para a saúde e bem-estar dos portadores de HIV/AIDS, perspectivas de prevenção e tratamento da infecção
entre eles o enfrentamento cognitivo e a aceitação da por HIV/AIDS.
infecção; a participação da família no tratamento e
como fonte de apoio afetivo; o papel das organizações HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Litera-
governamentais e não-governamentais e a religiosi- tura de Revisão
dade. Acredita-se que a compreensão da resiliência

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RESILIÊNCIA E HIV/AIDS 2031

Colaboradores

As autoras F. T. Carvalho e N. A. Morais fizeram, con-


juntamente, o levantamento de literatura e a escrita da
versão inicial do artigo. Os autores S. H. Koller e C. A.
Piccinini fizeram revisões sistemáticas do texto, para a
construção da versão final.

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Recebido em 13/Jul/2006
Versão final reapresentada em 02/Mar/2007
Aprovado em 19/Abr/2007

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