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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
MATERNIDADE ENCARCERADA
Autora:
Supervisora:
Departamento de Sociologia
MATERNIDADE ENCARCERADA
Autora:
____________________________
Supervisora:
Departamento de Sociologia
MATERNIDADE ENCARCERADA
Autora:
____________________________
Supervisora:
O Júri
Eu, Selinah Tapua Simango, declaro por minha honra que esta monografia nunca foi
apresentada para a obtenção de qualquer grau ou num outro âmbito e que ela constitui o
resultado do meu labor individual, estando indicadas na bibliografia as fontes por mim
usadas. Esta monografia é apresentada em cumprimento parcial dos requisitos para o grau de
Licenciatura em Sociologia, Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo
Mondlane.
__________________________________
i
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho, com muito carinho, aos meus pais, Natalia e Lutero, que me ensinaram
a ser persistente. E às mulheres reclusas que mesmo presas irradiam um sorriso de esperança.
ii
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à Deus pelo dom da vida, por me ter proporcionado o seu
infinito poder, por me permitir sabedoria nestes 5 anos e por todas as suas bênçãos que me
concedeu nesse processo de busca incessante do conhecimento.
Aos meus pais (Natália “Mami poderosa” e Lutero) o que seria de mim sem vocês? O meu
agradecimento do fundo de mim, por me terem feito está mulher e graças a vós sei o “ABC”
da vida. Agradeço igualmente por me terem dado a possibilidade de poder sentar numa
carteira e hoje poder escrever estas linhas da minha monografia.
À minha irmã, Winnie, por ter me inspirado que só com academia nos tornamos
verdadeiramente homens e mulheres, tenho somente a agradecê-la.
Agradeço à Dra. Elenna por ter aceite “viajar” comigo nestas trilhas sociológicas, pelos
debates incessantes, pelo empenho generoso em me ajudar, pelas leituras atentas ao meu
trabalho, redireccionando meus desvios e indicando os melhores caminhos metodológicos,
com observações precisas e oportuníssimas.
Meu grande amigo, muitíssimo obrigado pelo apoio moral que sempre me deste, Vander
(143), obrigado pelos conselhos e pelo incentivo que sempre serviram de catalisadores para
minha vida.
iii
EPÍGRAFE
A mulher reclusa
Foge dos actos do sol
Esconde-se em fumaças
E não ouve mais os grilos
Que se abraçam com pernas
De violino.
A mulher reclusa
Não ouve o estralar do canário
Nem a chuva caindo nas telhas
Ouve só um mesmo som
O som de um desespero
Em dó maior.
A mulher reclusa
Tem os punhos soltos
E a alma prisioneira
Os passos curtos
E os vôos caídos
Como anjo sem céu.
iv
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa visa compreender o exercício da maternidade por parte das
reclusas do Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela. Para proceder ao nosso problema,
partimos do pressuposto segundo o qual na prisão se estabelecem normas e valores ao
exercício da maternidade; nesse sentido, essas normas e práticas não permitem que as mães
cuidem dos seus filhos à luz das experiências e do conhecimento que trazem.
Portanto, apesar da situação que as mães reclusas se encontram condicionadas, exercem a sua
maternidade, individual ou colectivamente, segundo as suas convicções; amenizando desta
forma os efeitos negativos a que os seus filhos estão submetidos pelo facto de estarem com
elas.
Para a execução da pesquisa preconizamos o uso da abordagem qualitativa pois está pesquisa
pretendia auferir percepções no que diz respeito, a prática da maternidade no recinto prisional
e como alicerce deste, fizemos o uso do levantamento bibliográfico, entrevistas e observação
directa.
Neste sentido, concluímos que o exercício da maternidade ocorre por meio do encontro
dialéctico entre as dimensões objectivas (da cadeia) e subjectivas (das mães-reclusas), o que
lhes permite, à medida que seguem as regras internas para o cumprir a pena, cuidarem dos
seus filhos da mesma forma que os cuidariam fora da prisão.
v
Abstract
The present research aims to understand the exercise of motherhood by the inmates of the
Center for Women's Solitude Ndlavela. To proceed to our problem, we assume whereby in
prison are established norms and values to the exercise of motherhood; accordingly, these
standards and practices do not allow mothers to care for their children in the light of
experience and knowledge they bring.
Therefore, despite the situation that the inmates are mothers conditioned, have their
maternity, individually or collectively, according to their convictions; thus reducing the
negative effects that their children are referred by the fact that they are with them.
For the implementation of the research we recommend the use of qualitative research
approach as it is intended to obtain perceptions with regard to maternity practice in the prison
grounds and as the foundation of this , we made use of literature , interviews and direct
observation.
We turn to Michel Foucault 's theory , Microphysics of Power (2007 ) , which allowed us to
consider the prison space as an autonomous field where impose speeches from legislative to
tame the prisoners and this way , we seek to understand how the practice unfolds from the
motherhood in Solitude Center Women's Ndlavela .
In this sense, we concluded that the motherhood takes place through the dialectic between the
objective dimension of the prision and subjective dimension of the mothers prisoners, in up
standing in a certain measure in which they obey the internal rules to fullfill the prision term
in order to materialise the careing of their children as if they were out of the prision.
vi
Índice
Declaração de honra ............................................................................................................................... i3
Dedicatória ............................................................................................................................................ ii3
Agradecimentos ................................................................................................................................... iii3
Epígrafe ................................................................................................................................................ iv3
Resumo ................................................................................................................................................. v3
Abstract ................................................................................................................................................ vi3
Introdução ............................................................................................................................................... 3
CAPÍTULO I- Da Contextualização à revisão da literatura ................................................................... 5
1.1. Da literatura à busca da compreensão do fenómeno em estudo ................................................... 8
1.2. Formulação do Problema de pesquisa ........................................................................................ 14
CAPÍTULO II-Enquadramento teórico e conceptual ........................................................................... 17
2.1. Quadro teórico ........................................................................................................................... 17
2.2. Operacionalização dos conceitos ............................................................................................... 19
2.2.1. Discurso .............................................................................................................................. 19
2.2.2. Biopoder .............................................................................................................................. 21
2.2.3. Maternidade ........................................................................................................................ 21
2.3. Modelo de Análise ..................................................................................................................... 22
CAPÍTULO III- Metodologia ............................................................................................................... 23
3.1. Caminhos percorridos para analisar a Maternidade Encarcerada .............................................. 23
3.2. Método de Abordagem e Procedimento..................................................................................... 23
3.3. Técnicas e instrumentos de recolhas de dados ........................................................................... 24
3.4. Entrada no campo: Descrição de Campo de Pesquisa ............................................................... 24
3.5. Grupo alvo ................................................................................................................................. 25
3.6.Questões éticas ............................................................................................................................ 26
3.7. Confidencialidade ...................................................................................................................... 26
3.8. Constrangimentos da Pesquisa e Forma de Superação .............................................................. 26
CAPÍTULO IV-Maternidade e o Centro de Reclusão .......................................................................... 28
4.1. Descrição do Perfil Sociodemográficos ..................................................................................... 28
4.1.1.Reclusas do Centro de Ndlavela .......................................................................................... 28
4.1.2. Funcionárias do Centro de Ndlavela ................................................................................... 31
4.2. Normatização do quotidiano das presas no Centro de Ndlavela ................................................ 31
4.3. Percepções Sociais sobre o Ser Mãe .......................................................................................... 36
4.3.1. O ideal do Ser Mãe: cuidar da família e dos seus filhos ..................................................... 37
1
4.3.2. A dualidade do ser mãe no Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela ............................. 38
4.4. Práticas da Maternidade no Centro de Reclusão ........................................................................ 40
BIBLIOGRÁFIA .................................................................................................................................. 47
ANEXOS .............................................................................................................................................. 49
2
Introdução
A liberdade de um indivíduo torna-se privada quando comete um crime; e consequentemente
advêm muitos prejuízos em sua vida. Esta situação é notavelmente grave quando se trata de
uma mulher-mãe com crianças ainda em idade tenra ou que a situação a obrigue a conviver
com elas na prisão. E de alguma forma, a culpa da mãe é compartilhada com os filhos.
Ora, a convivência das mães com os seus filhos nos Centros de Reclusão levanta um debate
acesso e transversal; em que alguns autores, por um lado, severamente rebatem a situação de
as mulheres conviverem com os seus filhos nos Centros de Reclusão Feminino e,
diferentemente daqueles, outros afirmam que essa convivência é benéfica; pois acarreta
consigo aspectos positivos como o vínculo de afectividade.
E como alicerce para este, desenhamos os objectivos específicos que consistem em descrever
o perfil sociodemográfico das reclusas da cadeia feminina de Ndlavela; pretendemos
igualmente identificar as normas e as formas de controle, na instituição prisional, impostos às
mulheres relativamente ao exercício da sua maternidade, assim como constrangimentos
decorrentes desta imposição; descrever as representações das mulheres sobre a maternidade,
as suas práticas adoptadas para desempenhar o papel de mãe dentro do centro prisional e
comparar as representações acerca da maternidade com as suas práticas.
Os conceitos que são usados na pesquisa são biopoder, discurso e maternidade. O primeiro
conceito é invocado na pesquisa na medida em que procura-se perceber as normas impostas
no recinto prisional como uma instituição social. Relativamente ao segundo conceito, a
mesma procura compreender de que forma o discurso influencia a prática da maternidade.
Sob o ponto de vista sociológico, a pesquisa é pertinente porque afecta um grupo social, e
isso permite - à luz dos pressupostos sociológicos - observar o exercício da maternidade no
centro de Reclusão feminino de Ndlavela, a partir também da teoria micro-social; e por outro
lado, contribuirá significativamente para a área de maternidade e recinto prisional devido a
fraca existência de trabalhos nesta perspectiva de análise. Consideramos também que terá
relevância teórica porque as mulheres reinventam novas formas de maternidade o que permiti
a construção de novas formas de abordagens.
4
CAPÍTULO I- Da Contextualização à revisão da literatura
Para compreender a realidade das mulheres dentro da prisão, torna-se pertinente retonarmos
aos primórdios da criação destes centros de reclusão numa primeira fase a nível internacional,
e depois olhando especificamente para o contexto Moçambicano. Assim, de acordo com
Canto (2000) as instituições penais foram criadas pelo Estado devido à exigência do próprio
homem, pela necessidade de um ordenamento coercitivo que assegurasse a paz e a
tranquilidade em sua convivência com os demais seres humanos. Trata-se de uma imposição
do próprio relacionamento inerente ao contrato social.
De acordo com Giddens (1998), quase todas as aldeias tinham prisões locais, mas estas eram
normalmente muito pequenas e sem capacidade para mais de três ou quatro reclusos. O autor
aponta que estas prisões eram igualmente usadas como locais para acalmar indivíduos
embriagados durante o período da noite.
De acordo com Canto (2000), actualmente, os centros prisionais são basicamente um sistema
punitivo, onde a finalidade do encarceramento passa a ser o de isolar e recuperar o infractor.
Para este autor, o cárcere é observado como sendo, capaz de fazer adoecer seus hóspedes e
matá-los antes da hora, simples acessório de um processo punitivo baseado no tormento
físico, é substituído pela ideia de um estabelecimento público, severo e capaz de ressocializar
quem o comete.
Relativamente ao primeiro período, o sistema prisional segundo Pinto e Alberto (1955), tinha
como base legal o decreto-lei 26.643, de 28 de Maio de 1936, com algumas modificações no
que tange o sistema prisional introduzidas a 29 de Dezembro de 1954, pelo decreto-lei
39.997.
5
Para Mahomed e Massai (2001), este sistema reflectia a filosofia totalitária de governação
cumprindo na maior parte a filosofia do regime da época1. A política adoptada foi a de
construir penitenciárias no ultramar para encarcerar indígenas e também como forma de
limpar a sociedade portuguesa das escorias sociais e dos indesejáveis: os opositores políticos
ao regime fascista e alguns presos de delito comum.
Nessa perspectiva, Mahomed e Massai (2001) são unânimes em afirmar que neste primeiro
período, eram aplicadas as penas de decreto, transformando o ultramar numa espécie de
colônia penal que servia à metrópole. Ainda dentro do sistema prisional, introduzido pelo
regime jurídico de 1954 em Moçambique, a lei previa a remuneração do trabalho do recluso
como forma de estímulo e de constituição de pecúlio que lhe facilitasse a sua inserção social,
permitindo-lhe desta forma reestabelecer-se nos primeiros tempos da sua restituição à
liberdade. (Mahomed e Massai, 2001).
De acordo com a visão de Hamela (2011), foram extinguidas das classificações das prisões
três tipos e instituíram dois tipos principais: cadeia de delitos políticos que agrupava os anti-
fascistas da metrópole e revolucionários nacionalistas do povo da colônia e cadeia para
delitos civis, que eram constituídas por reclusos que cometessem crimes comuns (roubo).
O segundo período - pós-independência - foi demasiado desastroso; pelo que a guerra civil
deixou Moçambique num caos autêntico, como é o caso de ausência de infra-estruturas,
escassez de quadros com formação acadêmica superior no geral, mais especificamente
juristas. O que tornou o País vulnerável ao surgimento de criminosos. (Hamela, 2011).
No que diz respeito às medidas adoptadas com vista a reorganizar o sistema prisional, há que
destacar o decreto-lei 15⁄74, de 21 de Novembro, do Governo de transição que culminava
com a introdução da primeira medida que visava a ocupação do recluso. (Hamela, 2011).
Este decreto seria o primeiro passo para a implementação duma política de regeneração dos
condenados à penas de privação da liberdade por meio de trabalho, pois permitia que os
reclusos condenados pudessem trabalhar fora das prisões em empresas estatais e privadas,
mediante um contrato entre a entidade empregadora e o sistema prisional. (idem).
E por último, concernente ao sistema prisional actual, comecemo-lo por explicar aquando da
independência em 1975 (mil novecentos e setenta e cinco). O país passou por diversas
alterações e a consequente perda dos técnicos de educação prisional, as guerras com a
1
Naquela época estava em vigor o Fascismo em Portugal.
6
Rodésia do Sul e Guerra civil que culminou com a destruição e encerramento de inúmeras
cadeias, resultando assim em aglomeração dos reclusos nas celas (idem).
De forma a permitir uma melhor exequibilidade do presente trabalho, importa recorrer aos
estudos que ilucidam o facto da permanência das reclusas com o seus filhos. Assim,
Kurowsky (1990) refere que o local de habitação do conjunto para mãe e filhos dentro da
prisão surgiu para que as mães pudessem permanecer com seus filhos durante o período da
amamentação, visto que é uma fase de suma importância no desenvolvimento da criança.
Além disto, muitas das reclusas não tinham alguém com quem deixassem os seus filhos.
De acordo com as normas internacionais, o Centro de Reclusão feminino deve ser um local
onde existam condições de modo a albergar as crianças, estimulando o seu desenvolvimento.
Para Santana (2004), esse ambiente real deve oferecer um trabalho multidisciplinar com
actividades psicopedagógicas, além de oferecer estimulação, alimentação adequada e
assistência à saúde, para que assim a criança possa desenvolver todas as suas capacidades.
Contudo, o Centro de Reclusão feminino coloca um desafio para as mulheres que são levadas
a conjugar o seu papel de mães e de reclusas da mesma forma. Pois, à medida que a mulher
procura exercer a sua maternidade, é obrigada a cumprir com os deveres e obrigações do
recinto prisional (actividades das brigadas e cuidar dos seus filhos), construíndo-se assim
como mãe-reclusa.
2
Diploma que foi criado no dia 22 de Setembro de 1999, de numero de 102/1999 para a criação de um
estabelecimento prisional feminino .
7
1.1. Da literatura à busca da compreensão do fenómeno em estudo
Nesta secção do trabalho procederemos à revisão da literatura que vai culminar com a
construção do nosso problema. À vista disso, apresentaremos estudos acadêmicos realizados
em torno do fenômeno em análise para compreender a perspectiva de alguns autores face a
este fenómeno, já facto em Moçambique.
Os estudos que serão aqui apresentados estão divididos em três abordagens: a primeira
defende a permanência de reclusas com seus filhos no recinto prisional alegadamente porque
constitui um benefício para ambos; a segunda observa que a permanência de mulheres
reclusas com seus filhos no recinto prisional traz efeitos negativos para a criança; e por
último, a abordagem que tem como alicerce a ideia segundo a qual a maternidade é
constructo social.
No que tange a primeira abordagem, encontramos autores como Kurowski (1990), Spitz
(1983) Bowbly (1951) e por fim, Stella (2009), que de uma forma geral defendem a
necessidade das mulheres permanecerem com seus filhos no recinto prisional.
Kurowski (1990) desenvolveu um estudo a partir das creches do recinto prisional de São
Paulo, de modo a captar o quotidiano das crianças que habitam com as suas mães no recinto
prisional. Desta forma, a autora tinha como objetivo central analisar o quotidiano das crianças
que vivem no recinto prisional.
A autora afirma que a primeira fase da vida da criança é infantil, cuja relação afectiva com a
mãe é muito importante para o seu desenvolvimento motor e psicológico, o que faz com que
haja necessidade delas permanecerem junto de suas mães. Kurowski (1990) afirma ainda que
o benefício existe de igual modo para as mães que se encontram com os seus filhos nos
Centros de Reclusão.
Para esta autora, as crianças que permanecem distantes dos seus progenitores tendem a
desenvolver múltiplos distúrbios psiconeuróticos e de personalidade com um reflexo na vida
adulta, em virtude de uma falha que é causada pela ausência dos seus progenitores na
infância. Deste modo, o convívio da dupla “mãe-filho” no período inicial da vida é extrema
necessidade.
8
De acordo com Spitz (1983), a ligação de mãe-filho torna-se a forma mais viável do processo
de socialização de qualquer indivíduo, onde o vínculo afectivo tende a manter um próximo do
outro.
Nesta ordem de ideias, Spitz (1983) alega que quando, por qualquer razão, a dupla (mãe-
filho) se separa, cada um deles procurará o outro a fim de reatar a proximidade. Qualquer
tentativa de os separar, por parte de terceiros, encontrará vigorosa resistência, sendo que
também a relação da mãe com o filho é muito importante para o desenvolvimento sócio
emocional da criança. Este autor vai ainda mais longe, ao afirmar que a presença da criança
no recinto prisional encoraja a reclusa a cumprir a pena.
É notável que autores como Kurowski (1990) e Spitz (1983) apresentam ideias similares para
sustentar os seus argumentos. Ambos afirmam que a Infância é um período em que as
crianças precisam da presença dos seus progenitores pelo facto de estabelecer uma estrutura
básica para o desenvolvimento posterior; e uma vez que é neste período em que a maior parte
das capacidades são adquiridas, “uma criatura competente (…) com um repertório de
comportamentos sociais verdadeiramente espantoso – comportamentos para interagi (Spitz
(1983:17).
Bowlby (2002) realizou um trabalho acerca de crianças delinquentes e sem afecto (sem a
presença de figura materna) onde constatou que as crianças que ficam distantes dos seus
progenitores tendiam a desenvolver comportamentos agressivos e delinquentes, tornando-se
por isso necessária a permanência das crianças junto das suas mães. Portanto, a criança sofre
uma série de problemas com a privação materna (cuidados parentais, relação afectiva e
contínua de mãe-filho).
O objetivo do seu estudo cinge-se na analisa das crianças que crescem com ausência da figura
materna Bowbly (2002). Na mesma linha de reflexão, Bowlby (2002) frisa que o amor e a
afeição que a reclusa tem perante o seu filho oferece uma gama sempre renovada, rica e
variada de experiências vitais. O que torna essas experiências tão importantes para a criança é
o facto de que elas são interligadas, enriquecidas e caracterizadas pelo afecto materno e onde
para Bowlby (2002) “a criança responde afectivamente a esse acfecto”(Bowlby, 2012:12).
A última autora que nos interessa trazer nesta abordagem é Stella (2009), esta realizou uma
pesquisa num recinto prisional feminino do Rio de Janeiro com uma amostra composta por
quatro rapazes e duas raparigas, que moram com suas mães em recinto prisional. Tinha como
objetivo reflectir sobre o processo de socialização dos filhos de mulheres presas a fim de
compreender a influência do aprisionamento materno e do seu impacto social.
9
Neste estudo, a autora constatou que não se deve separar a criança da sua mãe, mesmo que
isso signifique a sua permanência na cadeia, sobretudo numa fase precoce da vida, cuja
relação afectiva com a mãe é muito importante para o seu desenvolvimento motor e
psicológico.
Para Stella (2009), as crianças precisam permanecer junto dos seus progenitores de modo a
que possam ter um desenvolvimento saudável, partindo do pressuposto de que a relação de
mãe-filho é um elemento de extrema importância para os primeiros anos de vida dos
indivíduos.
É notório nos estudos acima que a dupla (mãe-filho) é indispensável para a mãe na medida
em que a encoraja a cumprir a sua pena. Pois, tendo o filho próximo de si, sente-se motivada
para cumprir a pena. Esta proximidade é também benéfica para o filho, pois este precisa da
sua mãe para o seu desenvolvimento. Contudo, nem todos os autores que estudaram esta
relação dentro do recinto prisional vêm às coisas desta forma.
A segunda abordagem apresenta os seguintes autores, Voegeli (2003), Viafore (2005), Cunha
(1994), Sarkin (2008) e Samakaya (2003). Estes autores partilham uma visão negativa da
permanência de crianças junto das suas mães no recinto prisional. O argumento destes autores
é de que a presença das crianças no recinto prisional pode trazer consequências maléficas no
desenvolvimento destas mesmas crianças, pelo facto de viverem num contexto prisional,
fechado e susceptível a prática de violências.
Voegile (1992) efectuou uma pesquisa no Rio Grande do Sul, onde o foco era a violência no
recinto prisional. O estudo foi realizado no recinto prisional de Madre Peletier. Parte do
princípio de que o recinto prisional é um espaço que acolhe diferentes formas de violência, e
não pode constituir um espaço onde se possa desenvolver uma socialização eficaz de
crianças.
Neste fio de pensamento é de referir que autora ilustra no seu estudo a discrepância no
desenvolvimento entre uma criança “livre” e uma criança que vive atrás das grades de um
sistema prisional; onde afirma que no estudo é nítido o que representa essa perda da relação
com o mundo exterior, onde a criança que permanece no recinto prisional tende a
desenvolver a sensação de fracasso perante a outra criança que vive no mundo exterior.
Por sua vez, Viafore (2005) desenvolveu um estudo na cadeia do Rio Grande do Sul, onde
aborda a situação das gestantes naquele recinto prisional e advoga que após o nascimento das
crianças é necessário que estas sejam retiradas do recinto prisional alegando que este sítio não
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é lugar de vivência para crianças. O objectivo do estudo cingiu-se na compreensão da
situação da gestante reclusa no recinto prisional, tendo como foco as dificuldades das
mesmas.
Viafore (2005) partilha a mesma ideia apresentada por Viogeli (1992) segundo a qual a
criança no centro prisional modifica seus modos de viver, desenvolvendo comportamentos
agressivos que terá como consequência a “convivência anormal” por parte desta criança. Na
visão de Vifore (2005), a permanência da criança no centro prisional é tida como dolorosa e
difícil para a mulher reclusa, uma vez que esta fica com sentimento de culpabilidade e
ressentimento.
A situação da maternidade nos centros prisionais foi também objecto de análise de Cunha
(1994). Realizou uma pesquisa em Portugal, com uma amostra de seis mães reclusas que
residem com seus filhos. Neste estudo, Cunha (1994) tinha como objetivo construir uma
teoria sobre o comportamento maternal de mães que convivem com os seus filhos.
Cunha (1994) sublinha que a relação mãe-criança está submetida à lógica e regras que regem
a dinâmica prisional e onde o centro prisional é, provavelmente, o único meio que estas
crianças conhecerão num período da sua vida, e em que a qualidade das experiências vividas
por elas torna-se crucial e determinante.
Ainda na mesma abordagem, Sarkin (2008) desenvolveu um estudo em torno das prisões no
continente africano, onde alega que as prisões neste continente são consideradas as piores do
mundo, no que concerne à violência, superlotação e vários outros problemas. A partir deste
fio condutor, desenhou como objetivo do seu estudo a análise do desenvolvimento histórico
das prisões africanas, desde os tempos coloniais bem como, a descrição do recinto prisional
feminino em Harare.
Para Sarkin (2008), as prisões africanas encontram-se em condições precárias o que dificulta
a própria habitação dos reclusos, este autor argumenta que: “as prisões em África são
consideradas como sendo as piores do mundo, no que concerne à violência, superlotação e
11
vários outros problemas. Muitas estão em condições deficientes e suas práticas estão em
conflito com os padrões de direitos humano” (Sarkin, 2008:22).
Entretanto, no seio deste cenário as mulheres são as mais visadas devido à sua característica
“frágil”. Segundo Sarkin (2008), o sofrimento das mulheres e crianças nas prisões africanas
tem sido amplamente ignorado tanto por estudiosos quanto pelos formuladores da política
penal de vários países africanos.
Samakaya (2003) desenvolve o seu estudo a partir de uma pesquisa realizada em um sistema
prisional feminino em Harare (Zimbabwe), onde constata que as mulheres naquele recinto
prisional habitam em mesmas celas com os homens; o que torna a situação desta mulher
extremamente difícil e vulnerável ao abuso sexual. Desta maneira, o objetivo da pesquisa
consistia em captar o quotidiano das mulheres no recinto prisional a partir de uma perspectiva
de género.
Ainda sob o ponto de vista Samakaya (2003), alguns sistemas prisionais em África, tais como
Chikuburi localizada em Zimbabwe, proporcionam instalações específicas para
encarceramento de mulheres, mas na maioria parte dos países, elas ficam nas mesmas
instalações que os homens.
A terceira abordagem apresenta os seguintes autores, Scavone (2001), Araújo & Moura
(2004) e Granja et al (2013). Para estes autores a maternidade é algo construído socialmente
onde as mulheres de acordo com o contexto espacial e social reproduzem o exercício da
maternidade. O argumento destes autores baseia-se em torno de construção social da
maternidade onde os mesmos advogam que as mulheres constroem a maternidade a partir de
um vasto leque concedido pela sociedade que a rodeia.
Scavone (2001) realizou um trabalho com intuíto de trazer uma abordagem sociológica no
que tange às transformações dos padrões e experiências contemporâneas da maternidade,
onde o objetivo central era o de abordar a maternidade como um fenómeno social marcado
pelas desigualdades sociais.
Para esta autora a maternidade tem estado a sofrer diversas alterações devido ao advento da
industrialização e a urbanização, onde Scavone (2001) conclui que actualmente a sociedade
12
tem estado a enfrentar um período de transição para um novo modelo de família e
maternidade, cujo substrato é o ideal de equidade na responsabilidade parental que ainda está
longe de ser alcançado, apesar dos avanços.
Por seu turno, Araújo & Moura (2004) desenvolveram um estudo que visa compreender o
exercício da maternidade numa era moderna. Afirmam que as condições econômicas das
mulheres permitiram a concepção de novas formas da maternidade. O objetivo do estudo
girava em torno da naturalização de conceitos e práticas relacionadas à maternidade e aos
cuidados maternos. A sua construção social associa-se às modificações pelas quais a família
tem passado na Europa e no Brasil.
Araújo e Moura (2005) partilham a mesma ideia apresentada por Scavone (2001) segundo a
qual as mulheres tendem a construir o seu modelo de maternidade devido ao aparecimento do
processo de industrialização que acarretou consigo o ingresso da mulher na educação formal,
mercado de trabalho que permitiu que esta mesma mulher tivesse um nível de lucidez maior,
factores estes que são apontados pelos autores acima como sendo os que propiciaram a
criação de novos moldes de maternidade.
Por último, Granja et al (2013) desenvolveu um estudo com objetivo de explorar o conceito
de maternidade através das narrativas de pais e mães reclusas e buscando perceber o exercício
da maternidade no contexto prisional. Desta forma, os diversos autores que compõem este
estudo defendem o pressuposto de que as mulheres reclusas - não obstante a ausência de um
espaço doméstico devido à reclusão – não põe em causa as suas relações maternas.
Podemos perceber a partir da ultima abordagem aqui trazida que a ideia de construção social
se encontra melhor ilustrada na ultima obra (Granja et al,2013), onde para estes autores as
mulheres reclusas autocriam o exercício da maternidade mesmo num contexto prisional,
sem passar a linha limite das regras normativas do recinto prisional.
13
1.2. Formulação do Problema de pesquisa
Para facilitar a nossa colocação destes estudos, dividimo-los em três grupos. No primeiro
encontramos autores como Kurowski (1990), Spitz (1983), Bowlby (1951), Stella (2009).
De acordo com Kurowski (1990), a fase infantil é a primeira da vida da criança; em que o
afecto da mãe é muito importante para o seu desenvolvimento motor e psicológico, o que faz
com que haja necessidade delas permanecerem junto de suas mães. Esta convivência permite
as mães cumprirem a pena com poucos problemas. Se as crianças forem mantidas longe das
suas mães podem desenvolver múltiplos distúrbios psiconeuróticos e de personalidade, com
um reflexo na vida adulta, em virtude de uma falha que é causada pela ausência dos seus
progenitores na infância.
No mesmo sentido, Spitz (1983) afirma que a dupla mãe-filho não se pode separar, sendo que
qualquer tentativa de terceiros em os separar encontrará vigorosa resistência; o que mostra
que a relação de mãe com o filho é muito importante para o desenvolvimento sócio
emocional da criança. A semelhança do autor anterior, este afirma que a presença da criança
no recinto prisional encoraja a reclusa no cumprimento da pena uma vez que tem próximo de
si seu filho.
O lado negativo da separação entre mãe e filho é bem explorado por Bowlby (2002), que
constata que as crianças que ficam distantes dos seus progenitores tendiam a desenvolver
comportamentos agressivos e delinquentes, pois é necessária a permanência das crianças
junto às suas mães, de modo a que as crianças não se tornem “agressivas”.
Neste estudo, esta autora constatou que não se deve separar a criança da sua mãe, mesmo que
isso signifique a sua permanência na cadeia, sobretudo numa fase infantil da vida, cuja
relação afectiva com a mãe é muito importante para o seu desenvolvimento motor e
psicológico. As crianças precisam permanecer junto dos seus progenitores de modo a que
possam ter um desenvolvimento saudável. (Stella, 2009).
As crianças são assim concebidas como pessoas que, independentemente das circunstâncias
em que as suas mães se encontrem, necessitam da presença e de cuidado das suas mães para
que possam apresentar um desenvolvimento saudável.
Os autores que defendem este posicionamento ignoram por completo a influência do contexto
institucional na forma como ocorre a relação mãe-filho, assumindo que a mãe está em
condições de oferecer os cuidados necessário a fase da infantilidade, o que não constitui
verdade.
14
Esta influência, no contexto prisional e na relação entre mãe-filho, é demonstrado por alguns
autores que destacam aspectos negativos decorrentes do facto dessa relação decorrer na
prisão. Para tal, identificamos autores como, Voegile (1992) Viafore (2005), Sarkin (2008) e
Cunha (1994). Para o primeiro, o facto de o recinto prisional ser um espaço que acolhe
diferentes formas de violência não pode constituir um espaço onde se possa desenvolver uma
eficaz socialização de crianças. A defesa desta constatação passa pela comparação dentre
uma criança livre e outra atrás das grades, e isso mostra que a segunda vive numa sensação de
fracasso, tendo perdido ligação com o mundo exterior.
Segundo Viafore (2005), é preciso que, após o nascimento das crianças, elas sejam retiradas
do recinto prisional, alegando que não é lugar para as crianças viverem, visto que aqui estão
sujeitas a uma convivência anormal que pode resultar na construção de um sentimento de
culpa por parte da mãe. Este sentimento de culpa é, para Cunha (1994), resultado da
incompatibilidade entre as duas condições – ser mãe e estar presa, que resulta da dificuldade
que as mulheres reclusas encontram em “poder” educar os seus filhos com base nas regras
instituídas no recinto prisional, uma vez que estão diante de um sistema de repreensão.
Esta dificuldade agrava-se, para Sarkin (2008), na realidade africana, onde encontramos
prisões caracterizadas pela sua degradação física, falta de condições para oferecer condições
agradáveis as criancas, o que requer maior dedicação e sacrifício das mães. Na ausência
destas condições, torna-se necessário não deixar as crianças com as mães na prisão, pois se
torna um mal para a primeira e um peso para última.
Enquanto os autores da primeira posição se limitam a olhar para a relação mãe e filho, os
autores desta segunda abordagem têm a vantagem de considerar o contexto prisional e as
condições que esta apresenta. É dentro destes contextos que as mães exercem a sua
maternidade e vivem o dilema das influências susceptíveis de serem exercidas sobre si e
sobre os seus. Esta perspectiva pode ter o seu lado positivo como dizemos anteriormente,
contudo, peca no facto de desconsiderar a perspectiva da mãe no sentido de reconhecer que
no final de tudo é esta que exerce a maternidade.
Os autores desta perspectiva advogam ainda que o recinto prisional apresenta discursos sobre
o exercício da maternidade que tomam em consideração o facto das mães e seus filhos
estarem encarcerados, o que pode minimizar as influências negativas.
Assim, é importante olhar para as mães como pessoas capazes de construir e reconstruir a
concepção de maternidade. É o que procuram demonstrar autores da terceira perspectiva
como Araújo e Moura (2005), Scavone (2001) e Granja et al (2013). Os primeiros autores
15
afirmam que as mulheres constroem o seu modelo de maternidade em função do processo de
industrialização que levou a sua inserção no mercado do trabalho.
No que diz respeito ao contexto prisional, Granja et al (2013) afirmam que as mulheres
reclusas, estando em um contexto caracterizado por restrições controlo penal, auto-constroem
através de estratégias e negociações sem necessariamente ignorar o quadro jurídico-legal do
recinto prisional. Deste modo, o exercício da maternidade é uma auto-construção das
mulheres que passam o limite das regras normativas do recinto prisional.
Pelas limitações das duas primeiras abordagens, nos aliamos a terceira perspectiva
apresentada por Araújo e Moura (2005), Scavone (2001) e Granja et al (2013) para
defendermos que o exercício da maternidade na prisão ocorre dentro de uma relação
dialéctica entre as normas desta instituição e a vontade das mulheres de materializar o seu
ideal de mãe. Apesar do mérito dessa perspectiva, compreendermos a necessidade de
relativizar a realidade do contexto prisional, em função das suas condições, do sistema
coercitivo aplicado, assim como das experiências das próprias mães no que tange ao exercício
da maternidade.
É nesta ordem de ideias que compreendemos ser relevante e necessário olhar para a cadeia de
Ndlavela, como uma instituição autónoma cujo sistema normativo exerce uma força sobre as
reclusas para o exercício da sua maternidade.
16
CAPÍTULO II-Enquadramento teórico e conceptual
2.1. Quadro teórico
Este capítulo está reservado para orientação teórica e conceptual da pesquisa. Neste trabalho
recorremos à teoria de Michel Foucault (2001), Microfísica do Poder, esta teoria permitiu
explicar o nosso objecto de análise na medida em que, a partir dos conceitos de
discurso,biopoder e maternidade será possível compreender como as reclusas desenvolvem
as suas práticas de maternidade.
As análises trazidas por Foucault (2001) buscam explicação nos saberes através das relações
de poder, que são inclusas em um discurso. Segundo Foucault (2001) o poder não é algo que
se encontra historicamente formado e dominado por determinado grupo ou instituição mas
sim, o poder encontra-se em uma rede de relações, que por sua vez geram saberes, discursos
de verdade, que perpetuam dentro da sociedade e navegam por essa rede social de relações de
poder, não estando sobre o comando de um poder central.
Foucault (2001) é considerado como um dos autores responsáveis pela viragem analítica da
forma como analisa o discurso e a sua função dentro da sociedade. Extrapolando uma visão
puramente da linguística. Este autor propõe uma perspectiva que considera o discurso não
como um meio do exercício do poder, mas sim como próprio poder. Pois, quando articulamos
um discurso significa que estamos a exercer algum poder sobre os outros dentro de um
campo delimitado pelo próprio discurso.
A partir desta premissa, Foucault propõe analisar as relações discursivas entre os actores em
diferentes domínios da sociedade, tomando como base a ideia da enunciação discursiva como
o conjunto de enunciados que podem estar associados a um mesmo sistema de regras. Sendo
assim, o discurso é entendido como um conjunto de enunciados pertencentes a uma mesma
formação discursiva, o que nos leva a afirmar que as palavras mudam de sentido quando
passam de uma formação discursiva para outro (Foucault, 2001).
Esta perspectiva possibilita a associação de um conjunto de discursos que, a prior, com base
num olhar superficial, nos podem parecer dispersos numa base de grelha normativa. A
realidade para qual olhamos está dispersa; mas, quando a concebemos como discursos,
pretendemos encontrar uma unidade que está por detrás dela. Assim, podemos buscar nas
práticas aparentemente dispersas do recinto prisional os enunciados discursivos que nos
possibilitem alcançar a sua unidade e compreender o corpo normativo adjacente para saber se
as reclusas são condicionadas ou não.
17
O quadro de Foucault (2001), oferece-nos uma perspectiva com base na qual olhamos para o
recinto prisional como uma totalidade internamente coerente; pois, o discurso sobre o qual o
autor faz alusão está voltado para a constituição de um campo autónomo - visto que os
discursos ganham sua autonomia depois de serem aprovados numa espécie de teste
institucional -com regras de argumento dialéctico, interrogatório inquisitório, ou confirmação
empírica.
Foucault (2007) introduz a perspectiva do discurso como controle dos indivíduos. Trata-se de
um tipo de discurso que determina as condições do seu funcionamento e de se impor aos
indivíduos.
O discurso como controlo sobre os indivíduos num campo autónomo incide sobre todas as
dimensões da vida deles, buscando entrar e definir os seus mínimos detalhes ao longo das
suas práticas. Para descrever esta forma de actuação o autor traz o conceito de biopoder. Este
conceito não pode ser visto como descrevendo lutas de forças com objectivos de atingir
objectivos definidos, mas como mecanismo e estratégias de relações discursivas a partir das
quais se delimitam as possibilidades de realização e de existência de uma realidade.
Definindo o que dever ser dito, o que pode ser e quando pode ser dito, o conceito de discurso
descreve a realidade do recinto prisional, sendo que as mulheres encarceradas não podem
desenvolver quaisquer práticas que coloquem em causa a ordem que se pretende conservar e
reproduzir dentro deste espaço. É este propósito que isso nos possibilitou olhar para a
imposição de normas às reclusas e a sua uniformização, impedindo a manifestação de prática
individual e contraditória.
O quadro teórico de Foucault apresentado, em alguns dos seus pontos, constitui uma base
sólida a partir da qual podemos abordar a realidade do recinto prisional de Ndlavela. Os três
conceitos de discurso e biopoder reflectem dimensões de uma mesma realidade
dialecticamente dinamizada. A noção de discurso permite a descrição das práticas e normas
desenvolvidas dentro do recinto prisional por parte das reclusas, assim como dos
funcionários; assumindo que integram, sob ponto de vista da sua formação, uma mesma
unidade que lhe dá origem. Por isso, somos levados a superar o que é imediatamente falado
para apreender o que está implícito nas respostas obtidas ao longo das entrevistas.
O conceito de biopoder leva-nos a perceber o discurso como uma forma de disciplinar que
determina os movimentos mínimos exercidos pelas mulheres dentro do recinto prisional,
sendo que a rotinização leva a domesticar as dimensões de toda a conduta das reclusas. E o
conceito de ordem, associado ao anterior, dá-nos a possibilidade de olharmos para as práticas
de maternidade como o que está predefinido. Porém, não assumimos estes conceitos de forma
determinista uma vez que os dados nos levaram a assumir que dentro da reprodução da ordem
existem possibilidade de autonomia por parte dos indivíduos.
2.2.1. Discurso
Pelo facto de estarmos a dar-nos com uma realidade na qual consideramos que o discurso
constitui o elemento intermédio na relação entre os actores sociais envolvidos, procuramos
19
definir e operacionalizar este conceito tendo como base as perspectivas de Cardoso (2010) e
Foucault (1969).
Cardoso (2010) recorre a Fairclough (2001) para assumir uma perspectiva segundo a qual o
discurso aparece como uso da linguagem e como prática social; não podendo ser visto como
uma actividade individual de variáveis situacionais. Segundo o autor, o discurso constitui os
sujeitos sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crenças.
Esta perspectiva encontra na sintaxe e na semântica a base das formações discursivas. Deste
modo, a sintaxe discursiva tem certa autonomia em relação às formações sociais e é o campo
da manipulação consciente; ou seja, você escolhe como organizar seu discurso. Por outro
lado, a semântica discursiva depende mais directamente de factores sociais e é o campo das
determinações inconscientes (embora o sujeito possa fazer algumas escolhas conscientes);
pois, os elementos semânticos usados nos discursos de determinada época constituem uma
maneira de ver de uma dada formação social. A semântica discursiva é, portanto, o campo da
determinação ideológica (Cardoso, 2010, p. 125).
A contribuição destes autores levam-nos a construir uma definição de discursos que melhor
se aplica aos nossos objectivos e a realidade em estudo. Deste modo, definimos discurso
como construções e práticas a partir das quais se orientam ou condicionam os
20
comportamentos sociais dentro de um campo onde os indivíduos se encontram a desenvolver
as suas relações sociais.
2.2.2. Biopoder
A noção de biopoder é aqui concebida e discutida a partir da perspectiva de Foucault, autor
responsável pela sua construção teórica. De acordo com este autor, para além de sanções e
punições, os Estados exercem controlo sobre as populações de maneira positiva, definindo
modos de pensamento e de comportamento e normalizando grupos sociais distintos.
É com base neste princípio de controlo positivo que o autor traz uma concepção de poder que
se situa em algum lugar entre o direito e a verdade. Foucault está preocupado com o modo
através do qual se exerce poder - o "como do poder", conforme ele mesmo explica. Em outras
palavras, isso equivale a compreender os mecanismos do poder balizados entre os limites
impostos pelo direito, dum lado - com suas regras formais delimitadoras, e de outro, pela
verdade que conduzem e reconduzem novamente ao poder.
Esta identificação do poder com a produção da verdade permite a superação de um poder que
se situa ao nível de enunciados verbais sem a pretensão de estabelecer uma ordem, isto é, de
discursos neutros. Deste modo, biopoder é a forma de poder manifestar a imposição
discursiva com a pretensão de domesticar as condutas dos indivíduos e reproduzir uma
ordem, na medida em que se busca corresponder por parte de todos.
2.2.3. Maternidade
O conceito de maternidade tem sido actualmente bastante discutido em diversos fóruns e foi
ganhando diversas formas de concepção ao longo do tempo. De acordo com Leal (1995), o
conceito de maternidade é percebido como sendo à lógica ancestral de que o feminino se
cumpre no materno, isto é, como se o materno não fosse uma possibilidade do feminino mas
o feminino nele mesmo.
Desta forma, esta autora ressalta a ideia de que a maternidade vem sendo cada vez mais uma
opção entre outras na vida da mulher, o que nos encaminha para uma maior distância da
relação directa entre Maternidade e Feminino. De acordo com Scavone (2001), a maternidade
continua sendo afirmada como um elemento muito forte ligado a cultura e identidade
feminina e a ligação com o corpo e a natureza.
21
2.3. Modelo de Análise
22
CAPÍTULO III- Metodologia
3.1. Caminhos percorridos para analisar a Maternidade Encarcerada
Este capítulo está reservado a apresentação da metodologia, desta feita buscamos os
caminhos percorridos para alcançar os objectivos traçados, portanto, buscar compreender a
maternidade no Centro de Reclusão feminino de Ndlavela.
A luz do nosso trabalho, o método nos permitiu observar as reclusas como sendo actores
socias capazes de construir e interpretam o seu mundo social, no que diz respeito a ao
fenómeno em estudo.
23
3.3. Técnicas e instrumentos de recolhas de dados
As técnicas que foram aplicadas no processo de recolha de informação são: levantamento
bibliográfico, as entrevistas e a observação directa.
Quanto a segunda técnica usada as entrevistas, onde as questões foram dirigidas as reclusas e
as funcionárias do centro. Onde para estas primeiras procurou-se perceber o seu dia-a-dia, as
actividades que por elas são levadas a cabo e buscou-se ainda compreender as informações
relativas às práticas adoptadas por estas mulheres face a maternidade. E quanto aos
funcionários as questões visavam auferir as regras impostas e bem como o cumprimento
destas por parte das reclusas. Estas entrevistas foram possíveis através da aplicação de um
guião de entrevista, composto por perguntas abertas, abrindo sempre espaço para questões de
insistência.Assim, a entrevista apresentou-se como uma forma de interacção social, em que
buscamos colectar dados, no que concerne a relação entre o recinto prisional e a maternidade.
Usámos também a observação directa (no Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela), o que
nos permitiu verificar in loco a interacção entre criança-mãe, de modo a captar de forma
concisa a questão em análise, a partir da observação nos foi possível observar as respostas
dadas e assim, fazer uma confrontação directa com a realidade. Relativamente à observação
directa, a mesma permitiu fazer uma observação sobre o quotidiano das reclusas e dos seus
filhos, suas interacções e organização das actividades que desenvolvem.
24
Este centro prisional tem a capacidade de albergar 300 prisioneiras e actualmente possui 124
prisioneiras, das quais 89 estão condenadas e 35 detidas, aguardando o seu julgamento. Ela é
constituída por um bloco Administrativo, onde funciona a direcção deste centro, a secretária,
o Centro de Controle Penal, os serviços sociais e recursos humanos. É composto por celas,
um centro de saúde, uma escolinha, oficina de artesanato, escola e cozinha.
O grupo alvo do nosso trabalho é composto por 9 mulheres reclusas, que vivem na situação
de mulheres presas e habitam com os seus filhos no recinto prisional, e 6 funcionárias do
centro responsáveis pelo cumprimento das regras do recinto prisional.
No que diz respeito à selecção das reclusas, fizemos o uso da amostragem do tipo intencional
onde segundo () assim, seleccionamos o número de mulheres nas condições pretendidas, isto
é, mulheres que vivem na prisão com seus filhos. Em relação às funcionárias, o critério foi
semelhante ao das mulheres reclusas, propusemo-nos a trabalhar com as funcionárias
responsáveis pela rotina deste grupo de mulheres reclusas.
3
Horários estabelecidos para entrada bem como para a saída
25
3.6.Questões éticas
De acordo com Collona (2009), o “roteiro ético” contém o consentimento informado, pela
privacidade e confidencialidade. Desta maneira, as entrevistas também foram efectuadas
apenas com o consentimento das mulheres reclusas.
O debate em análise, por ter como foco as mulheres reclusas e os seus filhos, tivemos de
respeitar as perspectivas do informante, na medida em que quando as mulheres reclusas se
encontravam a desempenhar algum trabalho específico, do recinto, tínhamos que interromper,
o processo de entrevista e retomar quando estás regressassem. Desta forma tínhamos que
adequar o estudo à realidade.
3.7. Confidencialidade
Para realizarmos o trabalho no Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela, tivemos que
adoptar algumas medidas a fim de preservar algumas confidencialidades, quer dos dados quer
dos seus actores.
Nos depoimentos registámos nomes fictícios para proteger a identidade e a origem das
informantes. Sobre a forma de tratamento dos dados, a instituição não permitiu o uso
gravadores; assim, criamos diário de campo onde a informação foi processada no mesmo dia
após o término de cada entrevista.
Enfrentamos dificuldades no processo das entrevistas com as mulheres reclusas por se tratar
de um assunto delicado que deixava o nosso grupo alvo “emocionado”; foi um dos momentos
mais difíceis do trabalho de campo.
A outra dificuldade diz respeito às actividades diárias realizadas por estas mulheres, que são
obrigatórias, tanto que, quase todas as vezes coincidiam com a realização das entrevistas,
onde muitas das vezes tínhamos que interromper a entrevista de modo a dar lugar a execução
do trabalho diário.
26
Como forma de superação, privilegiamos o diálogo que tinha com intuíto garantir uma breve
explanação do propósito da nossa visita, que se cingia apenas para fins académicos e não para
aspectos institucionais do recinto; desta forma às nossas entrevistadas, as reclusas e as
funcionárias sentiram-se mais a vontade.
27
CAPÍTULO IV-Maternidade e o Centro de Reclusão
Apresentamos e discutimos ao longo das páginas anteriores os pontos básicos que
alicerçaram todo o trabalho, dos princípios teóricos aos metodológicos. Neste capítulo
introduzimos a leitura dos dados obtidos no campo, na qual desenvolvemos a sua análise e
apresentação. Este capítulo encontra-se subdividido em quatro subcapítulos: no primeiro,
apresentamos a descrição do perfil sociodemográfico das entrevistadas; no segundo, as regras
impostas as mães dentro da prisão; no terceiro, a percepção que as reclusas têm do ser mãe
dentro e fora da prisão; e, no quarto, as práticas de maternidade levadas a cabo pelas reclusas
dentro da prisão.
28
Os níveis académicos explicam a falta duma profissão formal. Como na variável anterior, só
no caso da mulher com profissão formal é que encontramos o nível superior, especificamente
o bacharel, as outras mulheres não foram para além de 8ª classe: uma está na situação de
nunca ter estudado, outra foi até a 4a classe, somente 5a classe, outras duas a 6a classe e as
restantes não concluíram a 7ª e 8ª classe.
No que diz respeito a província de origem, encontramos apenas uma que vem de fora da zona
Central de Moçambique: Sofala. As outras são da zona Sul com maior incidência para
Inhambane, província de origem de 4 reclusas, seguida de Maputo com 3 e, por fim, Gaza,
representada por uma.
A maior parte das mulheres, antes da sua prisão, encontravam-se a residir na sua província de
origem. As três oriundas de Maputo viviam nos bairros da Coop, Magoanine e Ferroviário.
Das quatro mulheres oriundas de Inhambane, três encontravam-se a residir em Vilanculos,
Zavala e Cumbana. O mesmo constatamos sobre a reclusa que vem de Sofala, encontrava-se
a residir em Maringué. Em duas situações em que encontrámos mulheres vindas de fora, que
se encontravam a viver em Maputo, uma é oriunda de Inhambane e outra de Manjakaze, em
Gaza. Abaixo apresentamos uma tabela que contém a descrição do perfil sociodemográfico
das reclusas.
Em forma de sumula podemos auferir que as mulheres reclusas entrevistadas possuem uma
heteroginiedade em termos de idades, o que revela que o trabalho foi realizado com
diferentes extractos etários, no que tange ao nível de escolaridade é pertinente afirmar que as
entrevistadas na sua maioria delas não tiveram acesso a uma educação formal por um longo
período.
29
Tabela 1: Descrição do perfil-sociodemográfico das reclusas
Mães Idade Estado civil Filhos Profissão Ocupação Nível de Naturalidade Residência
Entrev. escolaridade
30
4.1.2. Funcionárias do Centro de Ndlavela
No que tange ao perfil sociodemográfico das funcionárias da prisão de Ndlavela, começando
também pela idade, verificamos que a situação é oposta a encontrada nas reclusas. Só uma
funcionária com uma idade de 26 se encontra na faixa etária de jovem, e as restantes cinco
com uma idade mínima de 37 e máxima de 54.
Estas funcionárias apresentam quatro categorias quanto ao seu estado civil: uma viúva, uma
casada, outra na vida marital e as restantes três solteiras.
Encontrámos igual número de categorias, no que diz respeito ao número de filhos das
funcionárias. Uma com um filho, duas com dois filhos, outras duas com três. Tivemos um
caso particular, por sinal a funcionária mais velha, com 54 anos de idade com 12 filhos.
Os níveis académicos apresentados por estas funcionárias variam do nível básico (10aclasse),
médio (12aclasse), apresentados por três funcionárias, e superior. No que diz respeito ao nível
superior uma das entrevistadas encontra-se ainda a frequentar, sendo que a outra já licenciou
no curso de sociologia.
A funcionária mais nova, é que apresenta o tempo mínimo de trabalho dentro do recinto
prisional de Ndlavela, com um período de dois anos. As restantes funcionárias encontram-se
a trabalhar nesta instituição prisional a 4, 12, 14, 15 e 17 anos. Assim, os dados revelam que
o tempo mínimo é de dois anos e o máximo é de 17 anos.
Encerramos este perfil com as províncias de origem e residência. Quanto a primeira variável,
de acordo com os dados, as trabalhadoras de Ndlavela vêm de diferentes partes do país, pois
encontramos os que são naturais de Maputo, Quelimane, Inhambane e Nampula. Porém,
todas se encontram a residir na província e Cidade de Maputo nos bairros Albazine, Zimpeto,
Magoanine e Matola.
31
funciona como uma instituição que exerce uma acção directa de normalização do
comportamento dos reclusos, submetendo-os a uma rotina que permite exercer o máximo de
poder sobre eles.
O recinto prisional de Ndlavela, como outra instituição prisional qualquer, é, antes de tudo,
um conjunto de normas e regras que regem o comportamento de todos os integrantes deste
espaço, incluindo os próprios funcionários. Porém, às prisioneiras, com base na ideia de
ressocialização, é imposto um discurso exercício de poder - tendo como finalidade ditar o
comportamento.
Os dados recolhidos revelam que as reclusas são submetidas a uma mesma rotina diária; em
que se lhes impõem um conjunto de actividades para realizar numa sequência lógica, desde
manhã até ao início da tarde - quando são recolhidas de volta para as suas celas:
Elas acordam logo cedo, cuidam dos seus filhos (dão banho), e as portas das celas são
abertas as 7horas, tem que disponibilizar pequeno-almoço para o seu filho, deixam as
crianças na escolinha, vão as brigadas e por volta das 11 vão busca-los, aquelas que
não tem actividades ficam com seus filhos, dão almoço, e o sino toca para entrarem
na cela(Agente correccional, 54 anos de idade).
De acordo com Foucault (2004), sendo a prisão um espaço de correcção, necessita de definir
e impor tempo de forma pontual em cada momento e lugar. A colocação em série das
actividades sucessivas permite um controle detalhado e intervenção pontual, seja para
determinar ou corrigir. Deste modo, a cronometração rigorosa do tempo diário das reclusas
admite o seu uso racional por meio da distribuição de actividade em cada intervalo de tempo.
32
Esta é a forma como se exerce o poder no centro prisional de Ndlavela sobre as reclusas.
Controlando o tempo e distribuindo as actividades em seus intervalos não só insere as
reclusas em quadros específicos como facilita o controlo - o que seria difícil se cada uma
delas se dispersasse à utilização do seu tempo em função de suas próprias iniciativas.
O acordar a 7horas e cuidar dos seus filhos até 11horas - no período em que se devem dirigir
às brigadas quando são escaladas para as actividades diárias - significa uma forma de o
sistema prisional exercer o seu poder sobre as reclusas e controlar os movimentos destas
dentro deste espaço, podendo assim, verificar a pequena e simples infracção.
Dar banho aos seus filhos duas vezes ao dia, cuidar bem das celas onde ficam com seus
filhos, levar a creche, nesse tempo de frio pôr camisola, ensinar os filhos a não mexer coisas
das outras reclusas e dar comida a criança (Agente correccional, 54 anos de idade).
A primeira regra para todas as reclusas é obedecer todos os chefes, tudo que dizem deve
cumprir, a segunda cuidar dos seus filhos, dar banho, manter a criança limpa, as crianças
não podem mexer coisas das outras reclusas, levar à escolinha e dar todas as refeições as
crianças (Agente de reabilitação e inserção social das reclusas, 26 anos de idade).
No que diz respeito aos cuidados dos filhos, podemos constatar que se impõem que as mães
dos bebes (reclusas) são obrigadas a manter a higiene dos seus filhos, garantir as suas
refeições e ensinar-lhes a não mexer nas coisas das outras reclusas. Nos discursos
institucionais do recinto prisional estabelece-se e/ou definem-se práticas para garantir os
cuidados dos filhos e o tempo de exercer estas práticas.
As reclusas são interditadas de cuidar dos seus filhos quando acharem conveniente, com o
risco de imposição de sanções sob este grupo de reclusas que desobedecem os moldes
impostos no centro. E definem-se os cuidados de forma livre e autónoma. Antes, qualquer
acto de liberdade que possam ter neste sentido, se existe, só pode ser levado à cabo dentro
dos limites preestabelecidos e impostos a todas as reclusas independentemente de sua
existência subjectiva.
33
reclusas e que funcionavam como mecanismos de imposição da ordem interna. As presas
sentem-se obrigadas a seguir essas regras sob pena de ver o seu processo apontado como
disciplinar e distanciar-se da possibilidade de uma liberdade condicional. (Figueiredo et al,
2010).
Por exemplo uma reclusa afirma que “nós temos regras que os chefes nos mandam e temos
que fazer para reduzir a pena”. Com isto, releva-se que as actividades, mais do que
ressocializarem as reclusas, visam garantir a ordem interna.
Do mesmo modo Foucault (2007) observa que o funcionamento do discurso garante que as
pessoas não possam dizer o que quiser, como quiser e quando quiser. Podemos observar que
as mães reclusas não se podem comportar, conceber os cuidados dos seus filhos como e
quando quiserem; sendo que quando se comportam de forma diferente das prescritas e
impostas, pelas funcionárias responsáveis do centro prisional, são imediatamente vistas como
desviantes e como uma ameaça a ordem interna.
Quase todas regras são cumpridas, uma e outra reclusa é que é rebelde não faz as actividades
das brigadas. Algumas não fazem como deve ser a limpeza das celas e não levam as crianças
as escolinha (Agente correccional, 54 anos de idade).
No geral elas cumprem todas porque tem medo das sanções, poucas não cuidam dos filhos e
não os deixam limpos, elas acham que podem fazer as coisas quando quiserem enquanto aqui
dentro elas têm de cumprir com o que está estabelecido se não consideramos como um acto
de indisciplina (Chefe da cultura, 54 anos de idade).
Bobbio (2001) afirmou que nenhum sistema pode ser absolutamente ditatorial ao ponto de
impedir que espíritos críticos e democráticos venham a emergir, no número mínimo que seja.
Recorrendo as estas palavras, podemos afirmar que nenhum sistema prisional pode ser tão
normativo ao ponto de impedir que venha a emergir comportamentos que contradigam a
ordem que se pretende impor, como encontra-se ilustrado no depoimento acima exposto.
Nestas situações, é compreensível que o campo que aparentemente pode ser assumido como
conservando uma ordem de extremidade se apresente como um espaço heterogéneo, no qual
as regras e normas (discursos) vindas de cima encontram predisposições vindas de baixo e
34
que as confrontam e contornam - garantindo uma homogeneidade comportamental na forma
de estar e ser das reclusas.
Apesar de as mulheres reclusas reconhecerem como necessidade cuidar dos seus filhos –
como veremos nos próximos subcapítulos – elas não o fazem, por vezes, quando lhes é
imposto pelas funcionárias prisionais. Faltar com certos cuidados para com seu filhos e não
proceder à manutenção da higiene das celas são comportamentos apontados como que
desviando as normas da cadeia de Ndlavela.
Deste modo, as normas podem ganhar elasticidade, e serem reinterpretadas em função dos
outros elementos pré-construídos pelos indivíduos. As reclusas podem assim compreender
que as regras de cuidados de filhos contradizem os seus conhecimentos sobre o exercício da
maternidade; sobretudo, à luz de experiências passadas, pelo que optam por se opor ao que
lhes é imposto. O que aparece como um acto de indisciplina, sob ponto de vista da ordem
institucional pode ser comportamento disciplinado, do ponto de vista do exercício da
maternidade. Veremos adiante como uma reclusa afirma não ser correcto dar banho ao filho
na hora da manhã imposta pelas funcionárias.
O sistema carcerário tem uma capacidade de prevenção por meio da administração de normas
e regras, determinando que estas sejam cumpridas dentro dos limites estabelecidos; porém, a
consciência da possibilidade da sua transgressão faz com que tenham, igualmente, a
capacidade de remediar - reprimindo qualquer transgressão das normas e regras sem que o
objectivo seja realmente de sancionar a infracção.
35
Fazemos palestras com as reclusas, outras vezes mandamos cartas a direcção,
mandamos capinar e em casos mais graves entram na Cela Disciplinar” (Agente
correccional, 38 anos de idade).
A ordem é imposta a partir da punição, punimos quem transgride as regras (54 anos
de idade, Agente correccional).
Chamamos atenção conversando com elas e em casos mais graves metemos na Cela
disciplinar (Agente de cadeia, 37 anos de idade).
Podemos constatar nos funcionários de Ndlavela, ao procurarem cumprir com as suas funções
de controlo, que se misturam diferentes tecnologias de papéis de comportamento, como as do
juiz, quando se decidi sobre a sanção a aplicar a cada transgressão; a de professor, quando se
procura ensinar por meio de palestras, e as de pai, quando se busca fazer o uso do diálogo.
Por meio da mistura destas diferentes técnicas de controlo, a instituição prisional busca
garantir a eficácia e eficiência na manutenção das mulheres dentro dos padrões normativos.
Em pequenos actos de diálogo e conselhos, as mulheres vêem o exercício da sua maternidade
sendo desenvolvida dentro de limites prescritos.
O cumprimento das funções das funcionárias não lhes impede de avaliar as possibilidades do
exercício pleno da maternidade, por parte das reclusas, sobre a sua jurisdição; pelo que
encontrámos funcionárias que afirmam que as reclusas “não têm tempo de dar carinho aos
filhos, tudo está cronometrado; crianças ficam doentes sem ter remédios; tem que impor
regras às suas crianças, traçando-as a determinadas horas” (Agente Correccional, 38 anos
de idade).
Podemos constatar que a cadeia de Ndlavela, na qualidade de uma instituição prisional com
função de ressocializar, controla as reclusas através de diferentes técnicas, em que o discurso
institucional é imposto às mulheres para o exercício da sua maternidade dentro do tempo
estipulado.
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4.3.1. O ideal do Ser Mãe: cuidar da família e dos seus filhos
Em muitas situações os papéis da mães e de mulheres da família estão intimamente ligados,
que se torna impossível exercer um sem necessariamente o outro. Contrariamente há autores
como Matos (2009) afirmando que estes papéis foram delegados a mulheres no âmbito das
relações de género, reflectindo sua submissão a dominação masculina. White (2010) defende
que estes papéis são tão honrosos quanto outros papéis que podem ser desempenhados por
um homem, pelo que mesmo em situações de luta pela igualdade de género, com seu
parceiro, não podem prescindir do seu cumprimento.
É o que podemos interpretar dos dados obtidos junto das reclusas, quando interrogadas sobre
a percepção que elas têm do que é ser mãe. Com base nestes dados podemos constatar que as
mulheres concebem o ser mãe a partir do amor pelos filhos e pela família no geral, e têm
orgulho ou sentem-se honradas em desempenhar esses papéis:
Para mim ser mãe é ser mulher trabalhadora, forte, corajosa que entende as
dificuldades dos seus filhos e também deve dar amor e cuidar de toda sua família
como a mulher de casa (Entrevistada 1, 24 anos de idade).
Ser mãe para mim é tudo, ser mulher e transmitir alegria considero-me uma mulher
feliz por ser mãe porque ter alguém que me completa e eu completo a essa pessoa,
isso me satisfaz bastante. Ser mãe é sentir amor por alguém desde a gestação até a
vida toda, ser mãe é sentir amor que vem dentro de mim que gerei. É algo
extraordinário excepcional. Boa mãe é aquela que sabe ensinar o seu filho a coisa boa
e a coisa má, boa mãe é aquela mulher que transmite bons conselhos aos seus filho
para nunca cometer algo de errado e vir parar aqui (cadeia) (Entrevistada 5, 42 anos
de idade).
Podemos deste modo afirmar que nas categorias se ajustam sem nenhuma contradição: o
cuidar dos filhos e o família. No que diz respeito ao cuidar dos filhos, a transmissão do amor,
de valores são alguns dos princípios que regem a maternidade. Para White (2010), a obra da
mulher na educação de filhos é, em todos os sentidos, uma actividade nobre e honrosa dentro
da sociedade; pois é neste acto onde se molda o carácter dos indivíduos para que tenham a
capacidade de transcender na vida.
De acordo Simões (2012), o cuidar dos filhos e da família são papéis que as mulheres vêm
abandonando ou mudando a forma de o exercer, uma vez que a sua entrada no mercado de
trabalho provoca alterações na organização e estrutura do funcionamento familiar. Deste
modo, mesmo que sejam actividades honrosas, conservam hoje no âmbito do dever ser, isto é,
como um “tipo ideal” – para recorrer aos termos cunhados por Weber.
37
Afirmamos tratar-se de uma forma ideal de conceber a mãe como forma de mostrar que se
distancia da realidade das reclusas entrevistadas. Esta percepção seria simplesmente a
reprodução do discurso dominante no campo familiar. É importante para o nosso estudo,
porque nos permite interpretar a base a partir da qual as mulheres avaliam o ser mãe no
recinto prisional, como veremos no subcapítulo a seguir.
Deste modo, o ser mãe dentro da prisão implica a conjugação entre a ideia que trazem de ser
mãe fora da prisão e o ser mãe dentro dos moldes impostos na prisão. De acordo com
Foucault (2007), é da própria natureza dos espaços nos quais actuam que se impõe o discurso
para lidar com elementos exteriores que os indivíduos trazem consigo.
De acordo com os dados, as reclusas concebem o ser mãe como uma existência dualista
caracterizada entre o “dever ser” e o “ser”, sob o ponto de vista do conhecimento que trazem.
Portanto, na prisão elas são obrigadas a aprender outras formas de ser mãe:
Ser mãe aqui não e tarefa fácil, é ter dupla personalidade porque nós sofremos,
passamos por necessidades. É doloroso teu filho ver um brinquedo com filho de outra
reclusa e pedir para que você compre e não saber responder, e muito difícil ser mãe
aqui na prisão (Entrevistada 1, 24 anos de idade).
É difícil ser mãe na cadeia, você e o teu filho comerem arroz e feijão todos os dias
cansa essa vida, só sabe quem já passou pela cadeia. Você quer ser uma boa mãe para
o seu filho mas não pode por esta presa e tem que cumprir com as regras da prisão se
não vai ser punida ou vão te tirar o filho (Entrevistada 8,30 anos de idade).
A construção da mãe ideal resulta das experiências das reclusas fora da prisão, constituindo
assim a sua subjectividade. Contudo, somos levados a recordar que a prisão é uma instituição
total, que pela sua lógica de funcionamento provoca a “mortificação do Eu” (Goffman, 2007)
e por meio dos seus “regulamentos administrativos de controlo dos indivíduos”. (Costa, 2004,
p. 50). Assim, as mulheres sentem que são interditadas de manifestar o seu “Eu” na educação
dos seus filhos, tendo que lhes educar de acordo com princípios que lhes são rigorosamente
exteriores.
Com isto não queremos dizer que as mães não sabem que os seus filhos têm de comer, ir à
creche, alimentar, tomar banho, ter cuidados médicos, antes, estamos a afirmar que cada mãe,
em função de suas experiências, sabe onde e como lhe dar banho e alimentar-lhe.
Há diferença entre ser mãe aqui na cadeia e em casa, na minha casa fico a vontade
faço minhas coisas como eu bem entendo e aqui não, tenho que obedecer as regras
dos chefes (Entrevistada 6, 30 anos de idade).
É muito diferente ser mãe aqui e ser mãe lá fora, por exemplo aqui minha filha fica
com febres constipada se estivesse em casa não seria assim, porque as 6horas eu sou
obrigada a tirar minha filha para fora da cela e se estivéssemos em casa não seria
assim (Entrevistada 2,32 anos de idade).
Neste subcapítulo buscamos analisar dados que nos possibilitam perceber de que forma o
exercício da maternidade por parte das reclusas é levado a cabo dentro dos moldes
determinados pelo discurso imposto no Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela. Podemos
afirmar que no Centro vislumbram-se duas praticas que são adoptadas pelas reclusas face ao
exercício da maternidade, onde por um lado as mães-reclusas exercem a maternidade a partir
das regras estabelecidas pelo recinto prisional onde por outro lado, as mães-reclusas
desenvolvem a pratica da maternidade a partir da criação de espaços privados de modo a
materializar o ideal de mae.
A sequência das actividades e sua divisão cronológica deixa as reclusas com um tempo
específico para poderem ficar com seus filhos sem que estejam dentro das celas. Vimos
anteriormente que as reclusas têm primeiramente o período que vai das 7horas, quando saem
das celas até às 11horas quando vão as brigadas, e só depois de concluir com as actividades
rotineiras cuidam dos seus filhos. Portanto, é dentro destes intervalos que as mães são
obrigadas cuidar dos seus filhos visto que, cuidar dos filhos é um imperativo dentro do
Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela.
Os dados mostram que as mães procuram exercer a sua maternidade dentro dos limites
impostos ao nível interno, como podemos constatar a partir de alguns depoimentos:
Trabalhar muito, deixar bebe limpo, arrumar cela, hora para tudo, silencio depois das
22 horas, mesmo se teu filho quer brincar tens que mandar calar para não fazer
barulho para outras mães e bebes (Entrevistada 8,30 anos de idade).
Acordamos cedo, antes de irmos a machamba, temos de dar banho a criança, dar
comida criança, lavar as roupas que temos para lavar, levar na escolinha e depois
entramos na cela. Temos que fazer tudo pelo menos o que mandam as funcionárias
porque se não vão se zangar connosco (Entrevistada 4,32 anos de idade).
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O não cumprimento desses cuidados para com os seus filhos constitui uma infracção que
carece pelo menos de uma chamada de atenção. As mães não podem construir uma rotina de
forma autónoma para si e para o seu filho. As regras e normas são claras. Dentro de um
período determinado as mães são obrigadas a fazer certos cuidados para os seus filhos. Esta
imposição não deixa espaço para que as mães manifestem a sua subjectividade ao cuidar do
seu filho.
Quando questionadas sobre o que têm feito para garantir o cumprimento das regras dentro da
prisão no que tange aos cuidados a dar aos seus filhos, as reclusas afirmam “manter limpo o
meu filho, dar de comer, lavar roupa, levar a escolinha”. Este discurso reproduz-se
continuamente nas falas e práticas de todas as reclusas. Por isso, observamos que é sob a
materialização destas actividades que as reclusas são consideradas boas mães dentro do
recinto prisional.
Sob ponto de vista objectivo, as mães têm de realizar todos os cuidados que lhes são impostos
dentro da prisão para com o seu filho, dentro do tempo que lhes é disponibilizado: existe uma
hora específica de entrar na creche, limpar o ambiente onde elas ficam e dar de comer antes
de estar na hora de creche. Neste contexto, existe uma pressão objectiva que exerce poder
sobre as mães por meios de discursos: “você não está a cuidar de sua criança; você não deu
banho a sua criança”.
Sob ponto de vista subjectivo, as mães trazem consigo uma outra experiência baseada nos
princípios do que é bom para uma criança, quando se deve dar determinados cuidados, com,
que nível de liberdade elas precisam. Assim, as mães procuram materializar estes princípios
dentro do tempo e de espaço que os limites objectivos lhes possibilitam.
Nestas circunstâncias, a realidade revela que o poder é exercido, em função do poder de que o
recinto prisional dispõe, por meio das suas diferentes tecnologias de gestão, como as regras
administrativas, as sanções, as palestras internas. Nesse sentido, a dimensão discursiva
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objectivo suprime em grande parte a manifestação da subjectividade das crianças, como
assim afirma Foucault (2004).
Nos casos que observamos, a situação é contrária. As mães são obrigadas a dividir o tempo
fora das celas entre o trabalho da brigada e os cuidados da criança, o que em grande medida
constrange o seu aproveitamento qualitativo. Neste contexto, as reclusas são impostas a ser
ao mesmo tempo mães e presas, como reconhece uma a (Entrevistada 7, com 34 anos de
idade) ao afirmar que “aqui somos duas pessoas, mamã e presa”.
Contra a sua vontade, as mães sentem-se obrigadas a dar cuidado em determinada hora do
dia, o que na sua percepção não é adequado para as crianças. Este sentimento é manifestado
por uma reclusa que afirma que é obrigada a dar banho ao seu filho logo de manha, às vezes
em dias de temperaturas baixas:
É muito diferente ser mãe aqui e ser mãe lá fora, por exemplo, aqui minha filha fica
com febres, constipação… se estivesse em casa não seria assim. Aqui as 7horas eu
sou obrigada a tirar minha filha para fora da cela e dar banho. Se estivéssemos em
casa não seria assim” (Entrevistada 4, 32anos de idade).
A preocupação com a saúde dos seus filhos é uma apreciação qualitativa dos cuidados.
Contudo, dentro dos limites impostos pelo sistema, as mães procuram amenizar os efeitos
negativos da sua reclusão sobre os seus filhos dando-lhes o mínimo da sua subjectividade,
que o cárcere lhes permite dar, como podemos constatar nos depoimentos abaixo:
Quando estou com meu filho fico triste porque primeiro as condições daqui não são
fáceis e segundo porque penso muito na dor que ele sente, por estar aqui neste sítio.
Procuro brincar com ele, cantar as musica que aprende na escolinha (Entrevistada
7,34 anos de idade).
Procuro brincar, conversar e por a minha filha muito ao colo. Procurava estar sempre
perto dela fazer brincadeiras e conversar (Entrevistada 5, 42 anos de idade).
Quando estou com meu filho procuro brincar para aliviar a minha dor como reclusa
eu mais outras reclusas procuramos inventar brincadeiras aqui na cela para estas
crianças não sentirem a dor de estar nesta cadeia (Entrevistada 3, 26 anos de idade).
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As mulheres procuram construir espaços “privados” nos quais podem garantir o mínimo da
realização da maternidade com base no modelo de mãe por elas construído. Pois duas, são
estratégias adoptadas pelas mães para garantir que dentro do cumprimento dos imperativos
normativos da instituição prisional possam garantir aos seus filhos o mínimo que poderiam
garantir caso se encontrassem em liberdade nos seus lares.
A primeira estratégia é dar carinho ao seu filho, brincar, conversar, ao longo dos cuidados
básicos exigidos pelas funcionárias da cadeia de Ndlavela, o que é feito fora da cela quando
estas são abertas. Aqui, a relação de mãe para filho é directa, sem a intervenção de terceiros.
Importa ressaltarmos que as possibilidades de transmitir carinho, amor e brincar com seu
filho são limitadas, pelas possibilidades de aproveitamento quantitativo e qualitativo
objectivamente impostos.
A segunda estratégia é a criação mútua de espaços de diversão e distracção dos seus filhos, o
que ocorre dentro das celas depois de período da recolha. As mães criam espaços de
interacção e trocas simbólicas entre elas e seus filhos de modo a reproduzirem e partilharem
suas experiências subjectivas no que diz respeito ao exercício da maternidade. Porém, mesmo
nestas situações, as regras estão presentes, pois o tempo para brincadeira é limitado, porque
existe uma hora específica em que se exige o silêncio absoluto. É o que afirma uma das mãe
quando reclama não poder continuar a brincar com a sua filha.
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De acordo com Foucault (2007), o poder da instituição prisional manifesta-se por meio do
discurso normativo que gera e impõe um conjunto de práticas; para o presente caso, são
práticas da maternidade dentro do recinto prisional. Apesar de este discurso conseguir impor-
se às reclusas é importante, na perspectiva do autor, ter em mente que o poder se manifesta
no campo específico no qual forças opostas entram em jogo. Assim, o discurso hegemónico,
na busca de criação e imposição de uma ordem, depara com outras manifestações discursivas
que se procuram manifestar.
Deste modo, sendo que as reclusas trazem consigo um discurso a partir do qual concebiam a
prática da maternidade, procuram sempre, sob discurso hegemónico prisional, abrir espaços
para exercer a maternidade de acordo com seus interesses. Estes espaços abertos são os finais
de semana, como podemos ver nos depoimentos das próprias reclusas:
Tem muita diferença porque no final da semana, fico mais tempo com meu filho e
não tenho muito trabalho como no meio da semana. Aproveitamos para cuidar melhor
dos nossos filhos, dar banho as horas que quisermos, criar mais brincadeiras, fazer um
pouco do que podíamos fazer se estivéssemos fora ( Entrevistada 6,30 anos de idade).
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pela própria instituição, não sendo nenhuma estratégia de fuga às normas desenvolvidas pelas
prisioneiras.
Considerações Finais
No trabalho que desenvolvemos olhamos para a cadeia de Ndlavela como uma instituição
prisional autónomo nos termos de Michel Foucault. Esta apresenta um discurso dominante
que se impõe às mulheres que se encontram presas, procurando normativizar todas as
actividades e práticas que estas desenvolvem dentro da prisão. Foi neste sentido que olhámos
para a prática da maternidade a partir do encontro entre os discursos institucionais e a
vontade de ser mãe ideal definida pelas presas.
O método hipotético-dedutivo foi fundamental para que pudéssemos materializar este estudo
e avaliar a validade do argumento do qual partimos. Assumimos como pressupostos que o
exercício de maternidade dentro da prisão só pode ser compreendido como resultado do
encontro entre as dimensões subjectivas e objectivas. Porém, considerando o poder do
discurso prisional, para responder à questão de como as reclusas exercem a sua maternidade.
Construímos a hipótese segundo a qual o recinto prisional exerce uma pressão directa nesta
prática a partir das regras discursivas estabelecidas; fazendo com que todas as presas
desempenhem o papel de mãe-reclusa em simultâneo.
Os dados obtidos e discutidos permitiram-nos testar esta hipótese assim como alcançar os
objectivos definidos, se não vejamos. Ao procurarmos descrever a normativização do
quotidiano das presas, na cadeia de Ndlavela, constatamos que as reclusas são submetidas à
uma rotinização do seu quotidiano, na qual as actividades a serem desenvolvidas estão
devidamente distribuídas em intervalos de tempo e integradas numa continuidade
logicamente sequenciada. As reclusas não podem deste modo, fazer o que quiser, quando
quiser, como quiser e onde quiser.
Os dados mostraram que é dentro deste quadro normativo que são impostas às reclusas
cuidados a ter com os seus filhos. O discurso prisional estabelece para as mães o que devem
fazer com os seus filhos, como devem fazer e a que horas devem o fazer, construindo de
forma obrigatória as normas e valores sobre quais assenta o exercício da maternidade na
prisão. As mães são obrigadas a manter a higiene dos seus filhos pela manhã, garantir a sua
alimentação, levar a creche e dedicar-se ao trabalho prisional.
Algumas das práticas de maternidade, as reclusas desenvolvem contra sua vontade, pois não
concordam mas têm de cumprir de modo a amenizar a pena. De acordo com os dados, o
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descontentamento das reclusas em relação algumas práticas resulta da avaliação que fazem,
em função das percepções sociais do ser mãe que constroem. Portanto, foi-nos possível
construir duas categorias de percepções sociais. Uma idealista - na qual a mãe é vista como a
dona da família e quem cuida dos filhos - e a outra que se refere a realidade concreta do
centro prisional a partir da qual se concebe a mãe como uma dualidade. O discurso da cadeia
de Ndlavela dá origem a uma mãe-reclusa, que tem que se dividir entre o exercício da
maternidade e o cumprimento dos imperativos das instituições onde se encontram
encarceradas.
Esta dualidade reflecte uma realidade em que o ser mãe não deixa de ser totalmente abafado
pelo ser reclusa, assim como o ser reclusa não é abafado pela materialização do ser mãe
idealmente construída. Nem o discurso prisional se impõe absolutamente - definindo todas as
práticas de maternidade das reclusas - assim como nem estão materializadas ao seu critério de
ser mãe ideal; cuidando do seu filho de acordo com suas convicções. Ora, o que ocorre é o
encontro entre a realidade objectiva da instituição e subjectiva das reclusas.
Dentro das normas impostas na prisão, as mães encontram espaços onde podem desenvolver
algumas práticas garantem alguns cuidados para as crianças e amenizam os efeitos negativos
do encarceramento. Os dados mostram que durante a sua permanência nas celas, procuram
brincar com seus filhos, oferecer carinho e carícias. Deste modo, de uma forma conjunta as
reclusas-mães constrõem e partilham espaços de autonomia no que tange ao exercício da
maternidade.
Podemos inferir assim, que os dados interpretados corroboram parcialmente com a nossa
hipótese, visto que as mães reclusas não só reproduzem as normas prisionais para o exercício
da sua maternidade como reproduzem o conhecimento que trazem consigo de suas
experiencias passadas adquiridas antes da entrada destas mulheres no centro prisional. Assim,
é apropriado falarmos de autonomia limitada pelo discurso dentro dos moldes prisionais.
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LAKATOS, Eva Maria,Et Al. 2006. Sociologia Geral; 7ª Ed;Atlas Editora; São Paulo.
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ANEXOS
Guião de Entrevista dirigida as reclusas
Guião de entrevista semi-estruturada, dirigido a mulheres que vivem no centro prisional
feminino de Ndlavela, com intuíto de captar a relação existente entre a maternidade e o
Centro de Reclusão Feminino de Ndlavela. As respostas dadas serão tratadas com
confidencialidade e a entrevista terá duração de aproximadamente 30 minutos.
1.Idade
2.Estado civil
3.Filhos
4.Profissão
5.Ocupação
6.Habilitações Literárias
7.Naturalidade
8.Residência
4. Que aspectos diferenciam o ser mãe fora da prisão e o ser mãe dentro da prisão?
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Práticas do ser mãe no recinto prisional
1.Como é o seu dia-dia neste Centro de Reclusão?
3. Quando esta com o seu o filho o que procura fazer como mãe?
7. Quando o seu filho não obedeçe, o que você faz para que ele cumpra?
11. O que gostaria de fazer como mãe que não pode porque esta no Centro de Reclusão?
12. Quais as regras que as mães são obrigadas a cumprir no Centro de Reclusão?
14. Quando não cumpre uma regra imposta no recinto o que acontece?
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Guião de Entrevista dirigida as Funcionárias
2.Estado civil
3.Filhos
4.Profissão
6.Habilitações Literárias
7.Naturalidade
8.Residência
9. Formação profissional
4. Quais são as regras que são impostas as reclusas e aos seus filhos?
10. Quais são as vantagens que as reclusas têm de estar com seus filhos?
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