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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Reginaldo Andrade Silva Estrela

CAMINHOS DA LIBERDADE EM ALAGOINHAS E INHAMBUPE


(1871-1888)

Alagoinhas, 2018
Reginaldo Andrade Silva Estrela

CAMINHOS DA LIBERDADE EM ALAGOINHAS E INHAMBUPE


(1871-1888)

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História, do
Departamento de Educação – Campus II,
Alagoinhas, da Universidade do Estado da
Bahia, como requisito para obtenção do
grau de Mestre em História, sob orientação
da Prof.ª Dr.ª Kátia Lorena Novais
Almeida.

Alagoinhas, 2018
Reginaldo Andrade Silva Estrela

CAMINHOS DA LIBERDADE EM ALAGOINHAS E INHAMBUPE


(1871-1888)

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado da Bahia –
Campus II como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.

Banca examinadora:

Profa. Dra. Kátia Lorena Novais Almeida – Orientadora


Universidade do Estado da Bahia–UNEB /Campus II - Alagoinhas

Profa. Dra. Elciene Azevedo – Examinadora


Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS

Prof. Dr. Robério Santos Souza – Examinador


Universidade do Estado da Bahia–UNEB /Campus II – Alagoinhas

Suplente:

Prof. Dra. Maria Elisa Lemos Nunes da Silva


Universidade do Estado da Bahia–UNEB /Campus II - Alagoinhas

Alagoinhas, 2018
FICHA CATALOGRÁFICA

E82c Estrela, Reginaldo Andrade Silva.

Caminhos da liberdade em Alagoinhas e Inhambupe (1871-1888)./


Reginaldo Andrade Silva Estrela – Alagoinhas, 2018.

130f. il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.


Departamento de Educação. Mestrado em História.
FICHA CATALOGRÁFICA
Orientador: Prof.ª Dr.ª Kátia Lorena Novais Almeida.

1. Brasil – História (Lei 2.040, 28 de setembro de 1871). 2.


Escravidão – Bahia – História- Século XIX. 3. Liberdade – Bahia –
História – Século XIX. I. Almeida, Kátia Lorena Novais. II.
Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. III.
Título.

CDD 326.098142

Biblioteca do Campus II / Uneb


Bibliotecária: Iza Christina P. de A. Costa - CRB: 5/1042
A dona “Jovem” (in memoriam), minha mãe, incansável lutadora.
A “Rui” (in memoriam), irmão-amigo de todas as horas.
AGRADECIMENTOS

O caminhar até aqui não foi solitário, pois ao longo da estrada pude contar com um
amigo capaz de me carregar toda vez que o caminho se tornava árduo demais. Por isso, muito
obrigado Deus, pela companhia constante.

Contei também com pessoas que me apoiaram de diferentes maneiras,


compreendendo minha quase abdução pelos livros, documentos, computador... os quais me
transportavam para o Oitocentos e descortinavam as histórias da História da Escravidão,
inquietando-me cada vez mais e fazendo com que, por vezes – muitas vezes – estivesse
ausente.

Obrigado, de todo coração, à minha família, a começar por Jovelina Estrela, minha
doce e sempre lembrada mãe (in memoriam), que plantou em mim o desejo de ser e saber,
apesar de ela mesma quase não ler e escrever. Meus filhos, Pedro Gabriel e Régis Matheus
que, do seu lugar de criança e adolescente, respectivamente, compreenderam a necessidade de
ausentar-me durante esse período de construção desse trabalho – foi por vocês, meus amores!
Mônica, minha companheira de todas as horas, que muito contribuiu como leitora atenta dos
textos produzidos, e, juntamente com os meninos, foram os mais penalizados, ficando sem
férias, viagens, passeios e programas em família, ao longo desse período.

Fazer os recortes necessários, buscar as fontes precisas, tabelar os dados encontrados,


ler, analisar, comparar, escrever, deletar, escrever de novo... nada disso resultaria nesse
trabalho se não fosse a prontidão da professora Kátia Lorena Novais Almeida em orientar-me!
Agradeço-a imensamente, pois, com a habilidade de quem conhece a importância da pesquisa,
me norteava os passos, levando-me a refazer o caminho com determinação e, ao mesmo
tempo, com leveza nos dias em que a vida tratou de me estagnar com suas intempéries – uma
cirurgia inesperada para a retirada de um câncer e a morte súbita de meu irmão/amigo Rui –
saudade eterna.

Visando a minha continuidade no Programa era preciso passar pela qualificação e,


nesse momento, contei com as contribuições da professora Elciene Azevedo e do professor
Robério Souza, os quais se propuseram a analisar o meu caminhar até ali e indicar os
próximos e possíveis passos a serem dados a partir de então. Agora retorno a eles, esperando
ter percorrido o caminho proposto, agradecendo a participação na banca de defesa dessa
dissertação.

Para construir esse caminho muitos foram aqueles que dividiram comigo
conhecimento e me incitaram a buscá-lo, propondo leituras e discussões que hoje fazem parte
do meu arcabouço de referências. Foram eles os meus professores, a quem digo obrigado por
socializar o conhecimento. Nessa construção, contei também com o apoio dos colegas Edson
Silva, Marcelo Silva e Márcia Souza que anterior a mim, realizaram pesquisas referentes ao
mesmo período e espaços, e de bom grado compartilharam fontes, me auxiliando na
construção desse trabalho.

Facilitar o acesso a documentos ficou a cargo dos funcionários do Arquivo Público


do Estado da Bahia (APEB), do Fórum Desembargador Ezequiel Pondé e do Cartório do 1º
Tabelionato de Notas de Alagoinhas, na pessoa da tabeliã Valnísia Oliveira de Souza
Calazans, que solicitamente acolheram meus pedidos e se empenharam em trazer aquilo que
eu precisava. Não posso deixar de agradecer aos funcionários do Programa de Mestrado da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), pela atenção dispensada nos momentos
necessários.

Passaria horas escrevendo os nomes de pessoas que colaboraram de alguma forma


para que eu pudesse dizer: Ufa, Cheguei! Irmãos, sogros, cunhados, sobrinhos, amigos,
colegas de trabalho e de turma... obrigado por torcerem pela minha conquista de hoje,
acreditando na minha capacidade de ir além do que eu mesmo, muitas vezes, duvidei. Suas
palavras de força e incentivo me fizeram ousar alçar um voo antes jamais imaginado.

Então, gratidão a todos que comigo compartilharam essa jornada, na minha história
de vida, e que, em ver-me sorrindo, sorriram, chorando, choraram, conquistando,
conquistaram e agora podem dizer: valeu a pena cada passo dado em direção ao sonho
realizado.
RESUMO

Esta dissertação analisa a aplicação da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, nos municípios
de Alagoinhas e Inhambupe, Bahia, apresentando o contexto social e econômico dessas
localidades, partindo das experiências dos escravizados que acionaram a justiça nas últimas
décadas da escravidão para conseguir a liberdade. Identifica os caminhos utilizados pelos
cativos na luta cotidiana pela alforria, discutindo as novas possibilidades de manumissões
implantadas e os embates entre senhores e escravos, gerados pelos conflitos de interesses.
Processos cíveis, cartas de liberdade, correspondências das Câmaras e dos juízes, falas e
relatórios dos presidentes da província, ofícios, petições e jornais fazem parte do diversificado
leque de documentos analisados na pesquisa.

Palavras-Chave: Lei de 1871. Liberdade. Justiça. Escravidão. Ações de liberdade.


ABSTRACT

This dissertation analyzes he application of the Law 2040, of September 28, 1871, in the
towns of Alagoinhas and Inhambupe, Bahia, presenting the social and economic contexto of
these localities through the experiences of the enslaved ones who took legal actions in the late
years of the slave system (1871 - 1888) to achieve freedom. It identifies the paths used by the
captives in the daily struggle for affranchisement, discussing the new possibilities of
manumission implanted and the clashes between masters and slaves, caused by conflicts of
interests. Civil cases, letters of liberty, correspondence of Chambers and judges, statements
and reports of the presidentes of the province, oficial letters, petitions and newspapers are part
of the diverse range of documents analyzed in this research.

Keywords: Law of 1871. Freedom. Justice. Slavery. Actions of freedom.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Figura 1: Carta Topográfica e Administrativa da Província da Bahia, 1848 (detalhe)............25

Figura 2: Registro de matrícula de Conrado............................................................................ 52

Tabela 1: Posse em escravos em Inhambupe, segundo a Lista de Classificação do Fundo de

Emancipação, 1882-1886..........................................................................................................30

Tabela 2: População de Inhambupe, considerada em relação às profissões, por categoria e

condição jurídica.......................................................................................................................40

Tabela 3: População de Alagoinhas, considerada em relação às profissões, por categoria e

condição jurídica...................................................................................................................... 43

Tabela4: População livre e escrava nos municípios de Alagoinhas e Inhambupe, 1872.........49

Tabela 5: População por gênero e condição jurídica, Alagoinhas e Inhambupe, 1872............55

Tabela 6: Classificação por cor e gênero da população de Alagoinhas, 1872..........................56

Tabela 7: Classificação por cor e gênero da população de Inhambupe, 1872..........................57

Tabela 8: Registro e tipo de alforria em Inhambupe por década..............................................67

Tabela 9: Registro e tipo de alforria em Alagoinhas por década..............................................68

Tabela 10:Tipo de alforria por sexo do alforriado em Inhambupe, 1871 – 1888.....................69

Tabela 11: Tipo das alforrias por sexo do alforriado em Alagoinhas, 1872 – 1888................ 71
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

APEB – Arquivo Público da Bahia

BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

FIGAM – Fundação Iraci Gama

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I: ECONOMIA E SOCIEDADE EM ALAGOINHAS E INHAMBUPE,
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX............................................................................. 21
Inhambupe: da formação do povoado à sociedade escravista na segunda metade do século
XIX...........................................................................................................................................22
Alagoinhas: da formação do povoado à criação da vila após a ilegalidade do tráfico............ 32
O universo do trabalho nos municípios de Alagoinhas e Inhambupe......................................39

CAPÍTULO 2: ESCRAVIDÃO E ALFORRIA NOS MUNICÍPIOS DE ALAGOINHAS E


INHAMBUPE.......................................................................................................................... 47
Inhambupe e Alagoinhas: percursos iniciais até a contagem do recenseamento de
1872..........................................................................................................................................47

A demografia da população escrava no Recenseamento de 1872........................................... 54

Alforrias em Alagoinhas e Inhambupe.................................................................................... 63


Libertos com o auxílio do Fundo de Emancipação................................................................. 74

CAPÍTULO 3: A LEI 2.040 E OS CAMINHOS DA LIBERDADE EM ALAGOINHAS E


INHAMBUPE...........................................................................................................................79
Novas possibilidades de liberdade a partir da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871............. 79
A matrícula dos escravos: o regulamento para a matrícula especial dos escravos e dos filhos
livres de mulher escrava............................................................................................................82

Propriedade versus liberdade: conflitos entre senhores e escravos.......................................... 86


A formação do pecúlio e o arbitramento.................................................................................. 96
Liberto por abandono............................................................................................................. 102
A lei de 1871 e o questionamento ao domínio senhorial....................................................... 104
A filiação desconhecida: a africana Benedicta e o juiz Antonio Ferreira Velloso................ 112
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 120

ARQUIVOS E FONTES....................................................................................................... 122


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA....................................................................................... 125
13

INTRODUÇÃO

A Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, há muito tem sido discutida pela


historiografia sobre a escravidão no Brasil. Uma vertente dessa historiografia aponta que alei
foi elaborada com a intenção de prolongar a escravidão, por meio de uma libertação lenta,
gradual e indenizatória, com a continuidade do poder senhorial sobre os cativos e uma
consequente dependência desses, após serem libertos. Por outro lado, a historiografia também
tem demonstrado que, contrariando as intenções do Estado e dos senhores, a Lei 2.040foi
utilizada pelos escravizados como um caminho possível para obter a liberdade. Este trabalho
intitulado Caminhos para a liberdade em Alagoinhas e Inhambupe (1871-1888) tem como
tema a Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871. Interessa-nos compreender como essa lei foi
acionada pelos escravizados de Alagoinhas e Inhambupe, a fim de conseguir a liberdade. As
Leis emancipacionistas têm sido estudadas pela historiografia da escravidão no Brasil desde
ao menos a década de 1990, a exemplo dos trabalhos de Sidney Chalhoub, Elciene Azevedo e
Joseli Mendonça. 1 Para a província da Bahia, destacamos os trabalhos de Ricardo Caires da
Silva, Isabel Cristina Ferreira dos Reis e José Pereira de Santana Neto, porém, no que diz
respeito aos municípios de Alagoinhas e Inhambupe, ainda desconhecemos muitos dos
percalços enfrentados pela população escravizada ao acionar essa lei. 2

O espaço social aqui estudado, Alagoinhas e Inhambupe, eram municípios de


economias periféricas em relação às áreas mais dinâmicas da província da Bahia. Inhambupe
tornou-se uma freguesia ainda no período colonial e, administrativa e politicamente, passou
por várias mudanças sendo a mais importante ter sido alçada a vila em 1802. Dentre os
distritos que compunha a vila de Inhambupe, estava o de Alagoinhas, que ficou sob a sua
jurisdição até 1852, quando se tornou vila. Assim, a história dessas localidades esteve
conectada por muito tempo, gerando interdependência política, econômica e social o que
justifica analisá-los neste trabalho.
1
Cf. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990; AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz Gama na
imperial cidade de São Paulo. Campinas, SP: Editora da Unicamp / Centro de Pesquisa em História Social da
Cultura, 1999; MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis: a Lei dos Sexagenários e os caminhos da
abolição no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp / Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999.
2
SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. “Os escravos vão à justiça: a resistência escrava através das ações de liberdade.
Bahia, século XIX.” (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2000); REIS, Isabel
Cristina Ferreira dos. “A Família Negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888.” (Tese de Doutorado em
História, Universidade Estadual de Campinas, 2007); NETO, José Pereira de Santana. “A alforria nos termos e
limites da lei: o Fundo de Emancipação na Bahia (1871-1888)”. (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade Federal da Bahia, 2012).
14

Segundo Robert Conrad, em Os últimos anos da escravatura no Brasil, a lei de 1871


foi criada por conta do declínio do sistema escravista no mundo ocidental e, sobretudo, pela
libertação de escravos nos impérios português, francês, dinamarquês e dos Estados Unidos. 3
As autoridades brasileiras viram-se obrigadas a elaborar uma lei que tivesse objetivos
emancipacionistas, sem, contudo, deixar de ressaltar que a ideia central deveria ser a
manutenção do sistema, com uma gradual e indenizatória transformação para o trabalho livre,
a fim de garantir o direito da propriedade escrava e atender às condições mundiais, pois o
Brasil era visto como atrasado por se tratar do último país das Américas a permanecer com o
“estigma colonial da escravatura”.

No entanto, ressalta Conrad, depois de uma década de aplicação dessa lei, ficou
evidente o seu fracasso, até para aqueles que eram a favor da escravidão, devido à ineficiência
dos órgãos públicos e também pela “má fé e falta de patriotismo” dos proprietários, mesmo
diante de todos os privilégios que ela lhes proporcionara. 4 Apesar de a Lei 2.040, de 28 de
setembro de 1871 não ter obtido resultados satisfatórios no cumprimento de seu intento
emancipatório e de prolongar a abolição, contribuiu para o início do desmantelamento da
escravidão e para trazer à tona as discussões acerca das suas injustiças, proporcionando uma
maior consciência da população sobre os revezes do escravismo.

A década de 1980 foi muito rica para a historiografia sobre a escravidão no Brasil.
Os historiadores que discutiam o tema foram fortemente influenciados pela obra de E. P.
Thompson e, a partir de então, a literatura sobre a escravidão passou a perceber o escravizado
como sujeito da história, capaz de agir autonomamente, tomando decisões, atuando
estrategicamente dentro do sistema, desconstruindo o pensamento freireano de que as relações
entre senhores e escravos eram harmoniosas.5 Ao contrário, havia um antagonismo de classes,
os que mandavam e os que obedeciam, uma política de domínio e controle que garantia a
subordinação dos dependente. 6
Segundo Thompson, “o paternalismo era não só
responsabilidade efetiva como teatro e gesto, e que, longe de uma relação calorosa, familiar,
face a face, podemos observar uma ensaiada técnica de domínio”. 7 Ou ainda, conforme
Chalhoub, “uma política de domínio na qual a vontade senhorial é inviolável, e na qual os
3
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850 – 1888. Tradução de Fernando de Castro
Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 88.
4
CONRAD. Os últimos anos da escravatura no Brasil, p. 89. Idem, p. 145.
5
LARA, Silvia H. “Blowin in The Wind”: Thompson e a experiência negra no Brasil. Projeto História.
12(1995), pp. 43-56.
6
CHALLOUB. Sidney, Machado de Assis: Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 49.
7
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, p. 62.
15

trabalhadores e os subordinados em geral só podem se posicionar como dependentes em


relação a essa vontade soberana”.8 Chalhoub foi um dos defensores da teoria do escravo como
sujeito da história, contrapondo-se à “teoria do escravo-coisa” o que influenciou sua
interpretação sobre a Lei 2.040.9 Para o autor, a lei reconheceu alguns direitos costumeiros e
acatou alguns objetivos pelos quais os escravizados lutavam há muito tempo, a exemplo do
pecúlio. 10 Chalhoub ainda ressalta que a lei de 28 de setembro de 1871 foi uma conquista dos
11
escravos, contribuindo significativamente para o processo de abolição na Corte.
Acreditamos ter sido também fundamental para o processo de libertação dos escravos em todo
o país, como têm apontado os recentes estudos sobre o tema para diversas localidades do
Brasil monárquico.12

Ao analisar as ações cíveis em que os escravos recorreram à justiça na província da


Bahia, Ricardo Silva corrobora as interpretações de Chalhoub afirmando que a lei em questão
incorporou certos costumes, como o direito ao pecúlio, permitindo que os cativos
conseguissem a liberdade sem o consentimento senhorial, pois anteriormente a ela, os
conflitos judiciais entre senhores e escravos eram interpretados com base no Direito
Costumeiro, nas Ordenações Filipinas e no Direito Romano. Silva destaca a ausência de
matrícula por parte do senhor, como uma nova possibilidade utilizada pelos escravizados para
recorrerem à justiça, a fim de que tivessem sua condição de pessoa livre reconhecida. 13

Em Caminhos e descaminhos da abolição, Silva, ao avaliar o impacto da Lei 2.040, de


28 de setembro de 1871, no cotidiano dos escravos baianos, reconheceu que funcionaram
certos princípios da política de alforria do sistema escravista brasileiro que atuaram bem até a
vigência do tráfico africano. Após a proibição do tráfico, em 1850, os cativos já haviam
adquirido o direito costumeiro em acumular pecúlio, o que lhes possibilitava acionar “a
Justiça para superar as dificuldades advindas da concessão das manumissões e da ameaça de
serem engajados no tráfico intra e interprovincial”. O uso da lei configurou-se em uma

8
CHALLOUB. Sidney, Machado de Assis, p. 46.
9
Cf. CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 38.
10
CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 159.
11
CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 161.
12
As pesquisas sobre a Lei do Ventre Livre cobrem várias partes do Brasil e confirmam que os escravos
acionaram a justiça para serem libertos. Ver, entre outros, CHALLOUB. Visões da liberdade; XAVIER, Regina
Lima. A conquista da liberdade. Libertos em Campinas na segunda metade do século XIX. Campinas: Área de
Publicações CMU/UNICAMP, 1996; SILVA. “Os escravos vão à justiça”; GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da
ambiguidade, as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro:
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008; ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Alforrias em Rio de Contas –
Bahia século XIX. Salvador: EDUFBA, 2012.
13
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 8
16

garantia de luta para dar cabo à escravidão, ainda que essa tenha sido gerada com a finalidade
de uma transformação lenta e gradual do trabalho escravo para o livre, “formando libertos
ordeiros e disciplinados”, servindo também para desgastar o “poder moral dos senhores e do
próprio regime escravista na Bahia”. 14

Os historiadores Isabel Reis e José Pereira Neto também abordaram a aplicação da Lei
2.040 na Bahia, e em especial o Fundo de Emancipação. Reis, em A família negra no tempo
da escravidão, apresenta as experiências de busca da alforria pelas famílias escravas na Bahia
no período de 1871-1888, fazendo um recorte muito interessante sobre a utilização do fundo
de emancipação pelos escravizados de Inhambupe para conseguir a liberdade, com base no
livro de classificação de escravos para a libertação no município. 15 Em A alforria nos termos
e limites da lei: o fundo de emancipação na Bahia, Santana Neto analisa a gestão do fundo de
emancipação na província da Bahia, artigo terceiro da lei de 1871, a partir da utilização de um
leque variado de fontes que possibilitaram ao autor investigar a estruturação das instituições
necessárias para sua implantação e discutir a intervenção e apropriação da lei pelos diversos
atores sociais envolvidos.16

Os trabalhos de Silva, Reis e Santana Neto são de grande importância para a


compreensão das últimas décadas da escravidão na província da Bahia, mas acreditamos que
os contextos específicos de Alagoinhas e Inhambupe merecem atenção. Em estudo pioneiro
sobre a escravidão em Alagoinhas, Janaína Laís Lima Amorim analisou as relações de
compadrio entre os escravos africanos na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, entre
1818-1850. Sua pesquisa possibilitou conhecer o perfil da população escrava do povoado,
como também compreender a formação dos laços espirituais da comunidade escrava no
período anterior à criação da vila. 17 Outro estudo importante para compreendermos a
escravidão em Alagoinhas é o de Aline Soraia Saraiva Nascimento, que estudou a família
escrava em Alagoinhas a partir da análise de uma família senhorial, a família Leal. A autora
acompanhou a estabilidade dos laços familiares construído pelos escravizados privilegiando o

14
SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. “Caminhos e descaminhos da abolição. Escravos, senhores e direitos nas
últimas décadas da escravidão (Bahia, 1850-1888)”. (Tese de doutorado em História, Universidade Federal do
Paraná, 2007), p. 151.
15
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 245 - 262.
16
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”.
17
AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo
Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado
da Bahia, 2015).
17

momento da morte daquela família senhorial, momento da partilha dos bens. 18 Outro trabalho
relevante para a compreensão da sociedade escravista que se formou em Alagoinhas ao longo
do século XIX é o de Monalisa Pereira Matos, que estudou as alforrias no município de
Alagoinhas entre 1871e1888. Além de analisar o processo da alforria tendo como fonte
privilegiada as cartas de alforria, a autora também se preocupou em compreender a influência
da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871, para alcançar esse intento.19

O trabalho de Antônio Hertes Santana, Conflitos pela propriedade e reordenamento


do trabalho em Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890), assim como essa dissertação, também
analisou as sociedades escravistas de Inhambupe e Alagoinhas nos seus aspectos econômicos
e sociais. 20 Já Edson Pereira da Silva, em sua dissertação de mestrado O preço da liberdade:
experiências de escravos e libertos na vila de Inhambupe – Bahia (1870 – 1888), analisou as
experiências de vida de escravos e libertos em Inhambupe, identificando as dificuldades
enfrentadas para conseguir a liberdade. 21 Os trabalhos desses autores ajudam a entender a
dinâmica social e as relações cotidianas das sociedades escravistas de Alagoinhas e
Inhambupe, mostrando o que conectava os dois municípios e a natureza da escravidão que ali
se estabeleceu. A despeito da importância desses trabalhos, consideramos que há lacunas no
que diz respeito à visibilidade dos escravizados que mobilizaram a lei de 1871, aspecto que
esse trabalho pretende minorar.

Assim, analisaremos nesta dissertação a recepção e aplicação da Lei 2.040, de 28 de


setembro de 1871, em Alagoinhas e Inhambupe, apresentando aspectos da economia e
sociedade dessas localidades que permite discutir os caminhos utilizados pelos escravos para
obter a alforria, por meio da utilização dos processos cíveis a partir da Lei 2.040. Discutimos
as possibilidades de alforria após a Lei de 1871, a exemplo da ausência de matrícula e, como a
lei atuou para a conservação de direitos adquiridos, a legitimação do pecúlio e o fundo de
emancipação, passando pela Lei do Sexagenário, até chegar a 1888, por ocasião da abolição
da escravidão no Brasil.

18
NASCIMENTO, Aline Soraia Saraiva. “A família escrava na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas: uma
análise longitudinal”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015).
19
MATOS, Monalisa Silva Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”. (Trabalho de Conclusão de Curso
em História, Universidade do Estado da Bahia, 2016).
20
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do
trabalho em Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015).
21
SILVA, Edson Pereira da. “O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na vila de Inhambupe –
Bahia (1870 – 1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017).
18

A análise da aplicação dessa lei permite entender o “apagar das luzes” da escravidão
no Brasil, no final do século XIX, bem como perceber, por meio das experiências dos
escravizados, as concepções que foram construídas e reconstruídas nos caminhos para a
liberdade em municípios como Alagoinhas e Inhambupe. Mesmo assim, é possível afirmar
que a sociedade desses lugares, em sua maioria, empregava a mão de obra livre, mas ainda
utilizava a prestação de serviços dos escravos para desenvolver as diversas atividades
econômicas existentes. Partindo desse pressuposto, pode-se salientar que existiam
particularidades da realidade dessas sociedades, as quais se assemelhavam em alguns
aspectos, mas divergiam em outros, mostrando que possuíam uma dinâmica própria, como
demonstram os estudos de Keite Lima e Robério Souza sobre Alagoinhas. 22

Qual era o perfil demográfico de Alagoinhas e Inhambupe quando da promulgação


da Lei2.040? Como os escravos, em Alagoinhas e Inhambupe, utilizaram a lei de 1871 para
conseguirem a alforria? De que maneira essa legislação interferiu na relação entre senhores e
escravos nos referidos municípios? De que forma os escravos articulavam suas redes de
conhecimento para conseguirem pecúlio e curadores? Quem eram esses indivíduos que
argumentavam a favor da liberdade e, muitas vezes, questionavam a legitimidade da
propriedade escrava? Responder a essas questões é o que se propõe a narrativa dessa
dissertação.

As questões formuladas serão analisadas a partir do conceito de experiência de


Thompson. Ele aponta a história como o palco das ações sociais onde essas experiências são
construídas a partir das relações empreendidas entre as classes sociais. Segundo Sílvia Lara:
“as relações históricas são construídas por homens e mulheres num movimento constante,
tecidas por lutas, conflitos, resistências e acomodações, cheias de ambuiguidades”. 23 Assim, a
documentação revela os conflitos de interesses dos atores sociais, ressaltando que o campo
jurídico configura-se no lugar onde os diferentes sujeitos históricos expressaram seus
interesses conflitantes.24
Entre as fontes utilizadas para conhecer as experiências dos indivíduos escravizados
em Alagoinhas e Inhambupe, destacamos 12 processos cíveis localizados no acervo do Fórum
22
LIMA, Keite M. S. do Nascimento. “Entre a ferrovia e o comércio: urbanização e vida urbana em Alagoinhas
(1868- 1929)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2010); SOUZA, Robério
Santos. Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892 -1909). Salvador:
Edufba/Fapesp, 2011.
23
LARA, Silva Hunold. “‘Blowin’ in the Wind: E. P. Thompson e a experiência negra no Brasil”. In: Projeto
História. São Paulo: vol. 12, out, p. 43-56, 1995.
24
Ver TOMPSON. E. P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987;
THOMPSON. Costumes em comum.
19

Des. Ezequiel Pondé na cidade de Alagoinhas, e no Arquivo Público da Bahia. A importância


das ações de liberdade foi destacada por Keila Grinberg, que chama a atenção para a
historiografia que interpreta o papel destas como cruciais na perda de legitimidade da
escravidão no Brasil. 25 As ações de liberdade possibilitam o acesso a diversos aspectos do
cotidiano dos escravos, podendo-se extrair tanto informações quantitativas quanto
qualitativas.26 Além dessa documentação, analisamos 128 cartas de alforrias, encontradas nos
livros de notas de Inhambupe sob a guarda do Arquivo Público da Bahia, que alforriou 140
cativos entre1871 a 1888. Estas fontes apresentam várias informações sobre o perfil do
alforriado, bem como o tipo de alforria concedida, além de explicitar quando houve influência
da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871.27Analisamos ainda as correspondências das Câmaras
de Alagoinhas e Inhambupe e as correspondências dos juízes dessas localidades. Jornais do
período também foi alvo da nossa atenção. Essa documentação possibilitou apreender as
interpretações de escravos, senhores e advogados sobre a lei de 1871 e seus Decretos, além do
conhecimento da movimentação administrativa da aplicação da lei, bem como avaliar os
problemas e desdobramentos acerca do desempenho dos envolvidos na consecução, ou não,
da liberdade para os escravizados.

Nessa perspectiva, essa dissertação foi estruturada em três capítulos. No primeiro,


intitulado Economia e Sociedade em Alagoinhas e Inhambupe, segunda metade do Século
XIX, contextualiza-se, historicamente, Alagoinhas e Inhambupe, buscando entender a
dinâmica da escravidão que ali vicejava na segunda metade do século XIX. No segundo
capítulo, Escravidão e alforria nos municípios de Alagoinhas e Inhambupe analisam-se,
demograficamente a população de Alagoinhas e Inhambupe, apresentando algumas variáveis
do perfil dessa população, mobilizando o censo de 1872. Tecem-se algumas reflexões
acercada concessão de alforrias nesses municípios, destacando as experiências dos cativos no
processo a partir da análise de cartas de liberdade e, discutem-se ainda sobre as alforrias
concedidas pelo fundo de emancipação nessas localidades, destacando algumas histórias de
escravos que mobilizaram o artigo 3º da Lei 2.040, de 1871, regulamentado pelo Decreto
5.135, de 13 de novembro de 1872.

25
GRINBERG, Keila. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”. In: LARA, Silvia Hunold;
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas-
SP: Editora UNICAMP, 2006, p. 103.
26
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 3
27
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p. 23
20

As experiências dos escravizados em busca da liberdade em Alagoinhas e


Inhambupe, são discutidas no terceiro capítulo, A Lei 2.040 e os Caminhos da liberdade em
Alagoinhas e Inhambupe, tendo como fonte privilegiada as ações de liberdade e escravidão.
Procuramos compreender como os escravizados, libertos e senhores mobilizaram a Lei 2.040,
a exemplo. Ausência de matrícula dos escravos, domínio senhorial, conflitos entre
proprietários e cativos e filiação desconhecida são algumas das questões que emergem destes
documentos e são debatidas ao longo do capítulo. Outras fontes, tais como as cartas de
alforria, petições diversas a respeito da aplicação da lei e jornais, adensam a análise das
experiências desses diversos atores socais. O diálogo entre elas e a historiografia sobre o
tema, possibilita apreender as singularidades e semelhanças entre Alagoinhas, Inhambupe e
outras localidades da província da Bahia e do Brasil.
21

CAPÍTULO I

ECONOMIA E SOCIEDADE EM ALAGOINHAS E INHAMBUPE,


SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

A historiografia da escravidão tem demonstrado que a promulgação da Lei nº 2.040,


de 28 de setembro de 1871, contribuiu de forma significativa para ampliar o número de
alforrias a partir de processos movidos pela população escravizada em várias províncias do
Império. Guardadas as peculiaridades, essa foi uma realidade tanto nos centros urbanos como
Salvador quanto em municípios de economias periféricas, como Alagoinhas e Inhambupe. Os
cativos estavam inseridos nessas sociedades como mão de obra ativa, embora ali o seu
percentual fosse reduzido em relação às regiões economicamente mais dinâmicas da
província. Por meio das ocupações que exerciam, os escravos desses municípios conseguiam
acumular pecúlio com o qual criavam expectativas de alforria e, quando as negociações com
seus senhores falhavam, muitos deles acionaram a justiça utilizando-se da referida lei que
amparava tais pretensões. O objetivo deste trabalho é compreender as circunstâncias em que
os escravos desses dois municípios recorreram à justiça. Antes, porém, apresentaremos neste
capítulo os espaços socioeconômicos em que esses escravos viveram, para melhor entender o
contexto de suas reivindicações.

Alagoinhas e Inhambupe localizam-se ao norte do Recôncavo baiano, região com


morros, tabuleiros, penhascos e planícies que apresentam, em sua maior parte, “solos de
origem cretácea formados de misturas variadas de argila e areia” que podem ser pesados ou
leves.1 No norte dessa região, em várias partes, eram encontrados os solos mais pesados – os
massapés e salões – ideais para o cultivo da cana-de-açúcar. Conforme Bert Barickman, “a
distribuição de massapés e salões teve, de fato, grande influência na geografia da indústria
açucareira no Recôncavo”. 2 Essas localidades tiveram participação nessa indústria, sem,
contudo, configurarem-se em uma região monocultora do produto. Barickman criticou a
ênfase dada ao sistema de monocultura como única fonte de renda e sobrevivência no
Recôncavo baiano, tendo em vista que eram cultivados vários gêneros de subsistência para
atender ao mercado interno e externo, ressaltando a importância da produção de fumo e

1
BARICKMAN. B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 36-39.
2
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 36
22

farinha de mandioca, que envolvia a mão de obra escrava e livre. 3 Segundo Durval Aguiar,
Alagoinhas e Inhambupe eram espaços aprazíveis, com rios de águas salubres e potáveis,
clima agradável e sadio, terras férteis e propícias para a lavoura e criação de gado. 4 O
desenvolvimento dos dois municípios deu-se com a agricultura, com cultivo de vários
produtos que utilizavam tanto a mão de obra livre quanto a escrava. Neste trabalho, não nos
ocuparemos do trabalhador livre, mas, oportunamente, demonstraremos a sua importância
quantitativa nas sociedades aqui analisadas.

Inhambupe: da formação do povoado à sociedade escravista na segunda metade do


século XIX

O município de Inhambupe no século XIX compreendia um território mais amplo do


que a atual cidade de Inhambupe. Distante de Salvador 153 quilômetros, o povoado
desenvolveu-se a partir da catequese dos índios, entre 1572 e 1582, pelo padre jesuíta José de
Anchieta que encontrou uma aldeia indígena à “margem esquerda de um braço do rio do
Inhambupe, denominado rio Inhambupe de Cima”. 5 Os jesuítas, logo após colonizar o lugar,
estabeleceram-se com um colégio na freguesia de Água Fria e enviaram o fidalgo português
Alexandre Vaz Gouveia para tomar posse da localidade, construindo habitações e a capela de
Nossa Senhora da Conceição, retirando os nativos e substituindo-os por seus colonos.6

Em 1624, o governador-geral Diogo de Mendonça Furtado, concedeu a um marechal


da Casa da Torre dos Garcia d’Ávila uma sesmaria de seis léguas de terras que ficava entre os
rios Inhambupe e Subaúma, onde o marechal se estabeleceu, construiu casas e erigiu a Igreja
do Divino Espírito Santo do Inhambupe, surgindo ali uma nova comunidade. As terras férteis
e apropriadas para a lavoura e criação de gado tornaram-se fator de atração de novos colonos
e suas famílias que, contando com a mão de obra escrava, desenvolveram a localidade. Pelo
fato de pertencer à Casa da Torre, a Capela do Divino Espírito Santo do Inhambupe passou a
fazer parte da freguesia de Santo Amaro de Ipitanga. Ao perceber o progresso da Capela, os
jesuítas de Água Fria reivindicaram e obtiveram, em 1718, de D. Sebastião Monteiro da Vide,

3
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 43-44.
4
AGUIAR, Durval Viera de. Descrições práticas da Província da Bahia com declaração de todas as distâncias
intermediárias das cidades, vilas e povoações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 88.
5
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios”.
6
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios”.
23

o desmembramento de Santo Amaro de Ipitanga e posterior anexação à freguesia de Água


Fria.7

Segundo o vigário encomendado, Joaquim de Sant’Anna, em 1757a freguesia do


Divino Espírito Santo do Sertão de Inhambupe distava de norte a sul 16 léguas e do nascente
ao poente 20 léguas pouco mais ou menos; limitava-se ao sul com o rio Catu; ao norte, com a
freguesia do Itapecuru; ao nascente, com as freguesias de Itapecuru e Inhambupe da Praia e;
ao poente, com a freguesia de Água Fria. Era privilegiada por ser entrecortada pelos rios
Inhambupe, Catu, Quericó e Subaúma e pelos riachos Aramari, Prata, Quericó Mirim, Sauípe
e Estevão. Essa hidrografia privilegiada favorecia a agricultura e o transporte de passageiros,
pois “[...] usa-se de canoa para o progresso dos viadores; porque correm arrebatados, e
profundos com a cópia das águas, que levam, que totalmente proíbem o trânsito de pê”. 8 A
freguesia era composta por 139 fazendas e sítios que, consequentemente, denominavam as
localidades onde residiam os paroquianos e as terras em que cultivavam suas lavouras. 9 O
vigário destacou as três capelas que se situavam na freguesia: a de Santo Antônio das
Lagoinhas, que distava oito léguas da igreja Matriz; a de Nossa Senhora dos Prazeres, que
ficava também a oito léguas e; a de Nossa Senhora da Conceição do Sobrado, com a distância
de sete léguas. O padre contabilizou 2.558 almas que formavam o corpo da referida
freguesia. 10

Em 22 de fevereiro de 1798, Joaquim Antônio Gonzaga, ouvidor da Comarca de


Água Fria, a pedido dos moradores, enviou um ofício a D. Fernando José de Portugal,
informando a situação da freguesia de Inhambupe e a necessidade de elevá-la à condição de
vila para a boa administração da Justiça, por conta do aumento da povoação, àquela altura
com aproximadamente 906 fogos e 5.981 pessoas de confissão, 3 capelas filiais e “nos seus
distritos muitos lavradores de tabaco, com fábricas de vinte, de trinta e de quarenta

7
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios.
8
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (doravante BNRJ). Relação da Freguesia do Divino Espírito Santo do
Sertão do Inhambupe de Cima, apresentada pelo vigário encomendado Joaquim de Sant’Anna. Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XXXI, p. 225. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_031_1909.pdf>. Acesso em 11/11/2017.
9
Vale ressaltar que ao relacionar esses lugares, percebem-se alguns nomes repetidos. Não se sabe se foi erro do
vigário ou se realmente existia duplicidade de denominação desses locais. “Relação da Freguesia do Divino”,
BNRJ, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XXXI, p. 225. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_031_1909.pdf>. Acesso em 11/11/2017, p. 226.
10
“Relação da Freguesia do Divino”, BNRJ, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XXXI, p. 225.
Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_031_1909.pdf>. Acesso em: 11/11/2017.
24

escravos”. 11 Assim, em aproximadamente quatro décadas a população duplicou, talvez em


decorrência do ressurgimento do açúcar após a revolta escrava em São Domingos que
desestruturou a lavoura na ilha, mas possibilitou o aumento das exportações de açúcar na
capitania da Bahia, o revigoramento do comércio de escravos com a África e, dessa forma,
novos investimentos na cultura do tabaco.12 Em resposta, o então príncipe regente de Portugal
e Algarves, D. João, por meio de Carta Régia datada de 26 de junho de 1801, elevou a
freguesia à condição de vila “[...] pelo que nesta conformidade vos ordeno que assim
procedais na criação da nova vila, e a esse fim se vos remete cópia da sobredita informação do
ouvidor[...]”, mandou ainda que fosse expedido o alvará de criação da vila com as
formalidades e declarações necessárias, “[...] ficando a nova vila com o termo que até agora
forma o distrito daquela freguesia declarado na informação do ouvidor [...]”. 13

Francisco da Cunha Meneses, em oficio ao Rei de Portugal, datado de 13 de junho de


1802, informou os limites geográficos e a população da nova vila do Inhambupe de Cima,
após o desmembramento da vila de São João de Água Fria. De acordo com o documento o seu
distrito ficou assim distribuído:

[...]com vinte e seis léguas de longitude, dezoito de latitude, mil duzentos e oitenta
fogos, e mais de seis mil e oitocentos habitantes. Divide-se ao nascente com a
freguesia do Itapicuru da Praia do termo da vila Abadia, no lugar chamado
Mocambo [...] e sítio dos Sete Paus; ao poente com a freguesia da vila de São João
de Água Fria na fazenda da Alagoa, que foi de Diogo Campos; ao norte com a
freguesia de Nossa Senhora de Nazaré da vila do Itapicuru de Cima, no lugar
chamado Nambi Genipapo, e tabuleiro do sobrado do engenho das Varas Brancas;
ao sul com a freguesia de São Pedro de Sauípe da Torre de Garcia D’Avila.14

Meneses destacou ainda, que não fora anexado arraial algum por não haver vizinhos nem
fazendas e engenhos, conforme apontou o ouvidor Joaquim Gonzaga, em carta que solicitava
a separação das localidades, pelos motivos já explicitados.

11
CARTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João] sobre à criação da vila de Inhambupe de
cima. Lisboa, 22 de abril de 1800. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU doravante) -Bahia, cx. 217, D.15196;
BNRJ. Ofício do ouvidor da comarca a D. Fernando José de Portugal sobre situação da freguesia de Inhambupe
de cima e necessidade de aí ser erigida uma vila. Manuscrito. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000496/mssp0000496.pdf>. Acesso
em: 11/11/2017.
12
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo:
Companhia da Letras, 1988, p. 284.
13
Percebe-se uma divergência de datas quanto à elevação da freguesia do Inhambupe de cima à condição de vila
entre o texto de Durval Aguiar e a Carta Régia. Aguiar afirma que a vila de Inhambupe foi criada em 1728, já a
Carta Régia apresenta a data de 1801. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB, doravante). Colonial e
provincial, (microfilmado). Filme 55, flash 02 – 1800 a 1801 – livro 9, documento 52.
14
BNRJ. Oficio de Francisco da Cunha e Meneses a S.A.R. sobre a divisão da freguesia de Inhambupe e
Comarca de Água Fria. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000197/mssp0000197.pdf>. Acesso
em: 11/11/2017.
25

Ao longo do século XIX, os limites geográficos entre os povoados foram se


reorganizando à medida em que, administrativamente, eram alçados de povoado a vila. Este
também foi o caso da freguesia de Nossa Senhora do Monte do Itapicuru da Praia, termo de
Nossa Senhora da Abadia do Rio Real de Baixo, que fazia divisa ao nascente, com a vila de
Inhambupe. Em petição datada de 28 de setembro de 1806 à autoridade régia, o Dr. Luís
Tomás Navarro de Campos argumentou que a freguesia era populosa, contava com “mil e
trezentos e tantos fogos” e cinco mil almas, além de possuir embarcações próprias, engenhos
de mediana grandeza e o povo muito dado à lavoura. A freguesia possuía também uma boa
Igreja Matriz. 15 Assim, as diversas localidades do Sertão de Cima mudaram de status –
capela, freguesia/ povoado, vila, cidade – ganhando novas configurações políticas,
geográficas e econômicas e organizando-se política e administrativamente.

Figura 1: Carta Topográfica e Administrativa da Província da Bahia, 1848 (detalhe)

Fonte: VILLIERS DE L'ILE-ADAM, J. de. Carta topographica e administrativa da província de Bahia.


[S.l.]: Firmin-Didot, 1848. Disponível em: http://www.objdigital.bn.br/. Acesso em: 15/03/2018.

A carta topográfica e administrativa da província da Bahia, elaborada por Villiers de


L’Ile-Adam, em 1848, informa que Inhambupe era cabeça da comarca e compreendia as vilas
de: Inhambupe, Sant’Anna da Serrinha, Purificação, Pedrão, Ouriçangas e Conde. Em 24 de
março de 1869, a presidência da província, por meio da diretoria geral da Bahia, publicou um
mapa contendo os nomes dos inspetores de paróquia designados para as várias comarcas,
dentre as quais, a comarca de Inhambupe, que compreendia as freguesias de Inhambupe,

15
BNRJ. Informação sobre a pretendida elevação de vila a freguesia de N. S. do Monte do Itapicuru da Praia da
Bahia. Inhambupe: [s.n.]. Disponível em:
<<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000282/mssp0000282.pdf>. Acesso
em: 11/11/2017.
26

Purificação, Pedrão, Coração de Maria, Prazeres, Aporá, Serrinha e Alagoinhas. Naquela


ocasião, o inspetor da paróquia de Inhambupe era o dr. Cândido José de Figueiredo.16
Em 9 de dezembro de 1871, a presidência da província publicou um mapa com
informações sobre a comarca de Inhambupe que foi enviado para o ministério da justiça. No
ano anterior, havia sido criada na secretaria de governo uma seção de estatística com a
finalidade de efetuar um recenseamento geral da província. Para se cumprir os objetivos
expediram-se instruções para a criação de comissões municipais e paroquiais, mas, apesar do
ato oficial, foram poucos os que enviaram os mapas, impossibilitando que as informações de
1870 fossem emitidas. A partir dos dados coletados, a seção de estatística produziu dois
mapas, “[...]um da divisão judiciária, por comarca, termo, município e distrito de paz; e outro
pela importância de seu foro, afim de se fazer a designação de vilas e cidades que devem ser
cabeças de comarcas, segundo a novíssima reforma judiciária”. 17 Além desses mapas
elaborou-se um relatório informando que Inhambupe era uma comarca de Primeira Entrância,
distante da capital 29 léguas, com uma área aproximada de 448 léguas e renda provincial de
15:357$137 réis. A comarca tinha sob a sua jurisdição três vilas – com termos de juízes
municipais – Inhambupe, Alagoinhas e Entre Rios –, oito distritos com 283 eleitores e 14.810
votantes. No relatório consta ainda a informação de que a comarca era “central, distante 9
léguas do ponto terminal da via férrea (Alagoinhas), comunica diretamente com a capital
menos de 12 horas”.18 O Almanak Administrativo, Comercial e Industrial da Província da
Bahia para o ano de 1873, informa que a Comarca de Inhambupe compreendia os municípios
de Inhambupe, Purificação e Alagoinhas. Naquela ocasião, o juiz de direito da comarca era
Antônio Luiz Affonso de Carvalho e os juízes municipal e de órfãos em Inhambupe eram o
dr. José Pedreira França e, em Alagoinhas, Pedro Carneiro da Silva, sendo Manoel de Araujo
Góes o promotor público. 19 Já o mapa das províncias elaborado em 1876, informa que
Inhambupe continuava como cabeça da comarca e compreendia os termos de Inhambupe,
Entre Rios e Alagoinhas. Cabe lembrar que as vilas ora mencionadas eram sedes de seus

16
Relatório de Presidentes da Província. Documentos anexos ao relatório apresentado a Assembleia Legislativa
da Bahia pelo excelentíssimo senhor Barão de São Lourenço em 11/04/1869. Disponível em: <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia>. Acesso em: 20/12/2017.
17
Relatório de Presidentes da Província. Fala de abertura do excelentíssimo senhor desembargador João Antônio
de Araujo Freitas Henriques, da Assembleia Provincial da Bahia, em 1 de março de 1872. Disponível em:
<http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia>. Acesso em: 20/12/2017.
18
O documento não informa os nomes das três vilas nem cita os oito distritos. Relatório de Presidentes da
Província. Fala de abertura do excelentíssimo senhor desembargador João Antônio de Araujo Freitas Henriques,
da Assembleia Provincial da Bahia, em 1 de março de 1872. Disponível em: <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia>. Acesso em: 20/12/2017.
19
PIMENTA, Altino Rodrigues. Almanak Administrativo, Comercial e Industrial da Província da Bahia, para o
ano de 1873. Bahia: Typografia de Oliveira Mendes, 1872, pp. 51-58.
27

respectivos municípios, divididos em distritos e com autonomia administrativa, a exemplo de


Alagoinhas. Assim, cada uma das vilas e sede administrativa de seus respectivos municípios
era dividida em povoados e sede de paróquias.
A expressiva diferença entre o número de eleitores e de votantes estava relacionada à
condição social do indivíduo no Brasil Imperial. Aldrin Castellucci, citando Francisco
Belisário Soares de Souza, representante da elite na província da Bahia afirma que, “para ele,
só uma parte do povo – aquela que fosse proprietária e escolarizada – estava apta a valorizar e
sustentar a cidadania política, no que estava em sintonia perfeita com o pensamento das elites
políticas e econômicas do ocidente”. 20 Cabe lembrar que a Constituição de 1824 excluiu
grande parte da população do processo eleitoral, tendo em vista que apenas uma diminuta
parcela era detentora de propriedade e escolaridade, naquele contexto marcado pela
escravidão.21 Os votantes eram homens livres e libertos com renda mínima de 100 mil réis
que atuavam nas eleições primárias. Aos eleitores, por sua vez, vedava-se a participação de
libertos, restringindo o voto em eleições secundárias e o direito de eleger-se a cargos
administrativos aos homens livres, com renda superior a 200 mil réis.22 Portanto, a exigência
de renda e condição jurídica configurava-se em alargamento de votantes e consequente
diminuição do número de eleitores na sociedade do Império do Brasil.
Do ponto de vista econômico, segundo Edson Ferreira da Silva, havia em Inhambupe
um comércio ativo dos gêneros de primeiras necessidades, tanto para subsistência quanto para
serem comercializados em localidades como Salvador, Santo Amaro e Cachoeira. 23 Na feira
local, os produtos mais vendidos eram farinha de mandioca, milho, feijão, arroz, carne,
açúcar, café, sal e azeite, que advinham da produção local, e também de vendedores de outras
localidades, sendo autuados conforme as posturas municipais:

Todos os vendeiros que trouxerem seus gêneros a vender nesta vila e nas povoações
de seu termo pagarão para o município da Câmara uma multa na forma seguinte: por
cada uma carga de fumo, sendo do termo desta vila, pagarão oitenta réis, e sendo de
fora trezentos e vinte réis; pagarão de farinha, milho, feijão, arroz e outros
quaisquer gêneros medíveis e pesáveis quarenta réis, pena de ao contrário fazendo
perderem o terço do que trouxerem para pagamento da multa, e a (ilegível), e isto e

20 O autor analisa o envolvimento dos trabalhadores com a política no Brasil imperial, mais especificamente a
classe operária de Salvador, destacando a sua inserção nos pleitos eleitorais da segunda metade do século XIX,
cf. CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. “Muitos votantes e poucos eleitores: a difícil conquista da
cidadania operária no Brasil Império (Salvador, 1850 -1881)”. Varia História. [online]. 2014, vol. 30, nº 52, pp.
184-206.
21
Cf. CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL, 25 demarço de 1824, artigos 90 a 97.
22
MATTA, Kátia Sausenda. “Votantes ou eleitores? Os impasses da participação política local no início do
oitocentos (1827-1828)”. In: Anais do XVIII ENCONTRO REGIONAL – ANPUH – Dimensões do poder na
História, 2013, Ouro Preto/MG. Anais... Ouro Preto: Editora EDUFOP, 2013, 1-12 (Anais eletrônicos).
23
SILVA, Edson Pereira da. “O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na vila de Inhambupe –
Bahia (1870 – 1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017),p. 60.
28

em atenção aos cômodos, que a custo da Câmara se lhes tem feito, outro sim que
nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condição que seja possa atravessar os
gêneros que se encaminharem as ditas terras [...].24

O município também se destacava na criação e comércio de gado. A criação de gado cabrum e


ovelhum era permitida na vila e suas povoações, desde que os proprietários recolhessem os
animais todas as tardes, sob pena de serem apreendidos e recolhidos ao curral público, caso
não cumprissem as determinações e de onde não sairiam sem o pagamento de um réis por
cabeça. O comércio de carne era praticado com a licença da Câmara nos matadouros públicos
e particulares e nos açougues particulares da vila.25 Segundo Antônio Hertes Santana, havia
preocupação da Câmara de Inhambupe com o dia e horário para o abate do gado destinado ao
consumo da população. Para tanto foi criado uma postura determinando que esse abate
acontecesse no mesmo dia da feira, porque “pernoitando ele no curral, [o gado] fica
descansando e a carne melhor”, também os compradores de fora poderiam adquirir a carne
que precisavam e chegar a tempo de tratá-la. 26 Assim, a agricultura e a pecuária eram as
principais atividades econômicas da vila de Inhambupe. 27

Segundo Barickman, os municípios localizados ao norte do Recôncavo como


Inhambupe, Itapicuru e Abadia, por terem um clima mais seco, eram mais propícios para a
plantação do algodão, no entanto, “[...] os principais centros da lavoura algodoeira na Bahia
situavam-se em Caetité, Rio de Contas, Jacobina e Bom Jesus dos Meiras, municípios do
sertão, muito distantes de Salvador”.28 Ou seja, apesar de contar com solo e clima apropriados
para a plantação de algodão, Inhambupe não figurava na lista dos principais produtores desse
produto na Província da Bahia. Entre outras razões, certamente por falta de mais
investimentos. Outro dado importante trazido pelo autor refere-se aos números de engenhos
identificados ao norte do Recôncavo, mais especificamente Inhambupe, Alagoinhas e
Itapicuru. Segundo informou, em 1818 eram 3 engenhos; em 1829, 22; em 1842, 54 e; em
1873, 54.29 Contudo, ao analisar a mesma fonte de Barickman, isto é, o Livro de matrícula de
engenhos da Bahia, Gemina Lima identificou “[...] um total de 52 engenhos registrados e

24
Arquivo Público do Estado da Bahia (doravante APEB). Colonial e Provincial. Posturas de Inhambupe, maço
857, 1831 - 1887.
25
APEB. Colonial e Provincial. “Posturas de Inhambupe”, maço 857, 1831 - 1887.
26
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho em
Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, 2015), p. 32.
27
LIMA, Gemima de Sousa. “Tecendo a liberdade: libertos no pós emancipação em Inhambupe (1880-
1890)”.(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017), p. 16.
28
BERICKMAN. Um contraponto baiano, p. 60.
29
BERICKMAN. Um contraponto baiano, p. 80.
29

espalhados na região de Inhambupe, no ano de 1807”. 30 Em sua pesquisa, a autora ressaltou a


importância econômica da vila de Inhambupe, tendo em vista que possuía um expressivo
número de engenhos, fazendas e sítios. Janaína Amorim, analisando a documentação de
Alagoinhas concluiu que, no período de 1820 a 1853, havia 16 engenhos na freguesia de
Santo Antônio das Alagoinhas, e cogitou a possibilidade de esse número ser maior, uma vez
que engenhos como Velho e Contigua, que pertenciam, respectivamente, a José da Silva
Paranhos e Francisca Xavier da Rocha, registrados nos assentos de batismos, não foram
relacionados na matrícula de engenho. 31

A produção agrícola de Inhambupe abastecia os mercados da região e o excedente


era exportado. Segundo Santana, as Câmaras municipais de Inhambupe e Alagoinhas
editaram posturas obrigando os lavradores a plantar cana, café e tabaco como gêneros de
exportação, ressaltando a preocupação das autoridades locais com a economia agrícola, de
fundamental importância para a região, mantida, principalmente, com a mão de obra de
escravos, de libertos ou livres pobres. 32 A partir de 1850, os legisladores municipais
regulamentaram as terras agrícolas buscando a preservação da economia açucareira e
fumageira, consideradas as mais importantes da região. A regulamentação efetuada pela
Câmara, provavelmente foi pautada na Lei de Terras de 1850 que substituiu o sistema
colonial de concessão de terras. No entanto, essa legislação mostrou-se pouco eficaz para
controlar a aquisição das terras devolutas por particulares. Segundo Barickman, “poderosos
proprietários tiraram proveito primeiro da absoluta ausência de legislação e, depois, da
implementação pouco rigorosa da Lei de 1850 para aumentar suas propriedades mediante a
apropriação de grandes extensões de terras devolutas”.33

Ao descrever o sítio urbano de Inhambupe, Aguiar, que recolheu informações sobre


o sertão da Bahia entre 1883 e 1888, foi lacônico, limitando-se a informar que a edificação era
antiga, inclusive a igreja Matriz, a praça era espaçosa e a casa da Câmara e da cadeia ocupava
um edifício sólido. Também mencionou a existência de duas escolas de primeiras letras, onde

30
LIMA. “Tecendo a liberdade”, p. 15.
31
AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo
de Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do
Estado da Bahia, 2015), p. 16
32
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho, p. 17.
33
BERICKMAN. Um contraponto baiano, p. 181.
30

estudavam 105 crianças, sendo 64 meninos e 41 meninas. 34 Em outras palavras, a vila de


Inhambupe era um centro administrativo que atendia aos moradores daquele município.

Segundo o Recenseamento de 1872, o município de Inhambupe – que compreendia


as freguesias do Divino Espírito Santo de Inhambupe e Nossa Senhora da Conceição do
Aporá – tinha uma população de 20.840 habitantes, sendo 18.175 livres e 2.665 escravos. 35 A
população na faixa etária entre 11 e 60 anos, portanto, apta ao trabalho no município estava
assim distribuída: 10.943 (86%) livres e 1.799 (14%) escravos. 36 Dessa forma, o percentual de
trabalhadores livres no município era significativamente superior à mão de obra escrava. No
entanto, a grande maioria desses trabalhadores livres era egressa da escravidão – como
veremos no próximo capítulo – e, possivelmente viviam em famílias com diferentes estatutos
jurídicos. Diante de tais dados, pode-se questionar qual era a importância da escravidão no
município de Inhambupe nas décadas de 1870 e 1880? Ao analisar a documentação do Fundo
de Emancipação de Inhambupe, Reis contabilizou 2.057 escravos classificados pelo Fundo de
Emancipação, entre os anos 1882 e 1886, que corresponde a um decréscimo de 23% em
relação ao percentual de escravos recenseados em 1872.37

Tabela 1: Posse em escravos em Inhambupe, segundo a


Lista de Classificação do Fundo de Emancipação, 1882-1886

Escravos classificados pelo Proprietários


Fundo de Emancipação
No %
1 166 36,6
2-4 159 35,1
5-9 79 17,4
10-19 31 6,8
20-29 13 2,9
Acima 30 3 0,7
Sem informação 2 0,4
Total 453 100
Fonte: REIS, Isabel. “A Família Negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888”.
Tese (Doutorado em História), UNICAMP, 2007, p. 256.

34
AGUIAR. Descrições práticas, p. 88.
35
O município de Inhambupe possuía duas freguesias, conforme disposto no Quadro dos municípios da
província da Bahia e suas respectivas freguesias. Cf. Recenseamento da Província da Bahia, 1872, fl. 513.
Discordo de Edson Ferreira da Silva que considerou o município de Inhambupe com três freguesias, incluindo a
freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres de Entre Rios. A referida freguesia foi considerada no Recenseamento
de 1872 como município independente. Cf. SILVA. “O preço da liberdade”, p.40.
36
Análise feita a partir da base de dados agregada pelo CEDEPLAR. Cf.
http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop-72-brasil/. Acesso em
37
REIS. “A Família Negra”, p. 251.
31

Chama a atenção o grande número (71,7%) de pequenos escravistas (entre 1 e 4


escravos) listados em Inhambupe pelo Fundo de Emancipação. Apesar de não ter sido
possível no âmbito deste trabalho fazer uma análise socioeconômica sobre quem eram esses
escravistas e o lugar que ocupavam naquela sociedade, não se crê que fossem senhores de
parcos recursos, até porque naquele contexto as possibilidades de adquirir escravos eram
restritas. Segundo Reis, os escravos listados para a alforria pelo Fundo de Emancipação eram,
em sua grande maioria, ocupados na lavoura (83,5%). Em outras palavras, agregados,
sitiantes, lavradores, médios e grandes proprietários rurais usavam mão de obra escrava na
última década da escravidão em Inhambupe. Os demais escravos eram ocupados em diversas
atividades tanto rurais, a exemplo do vaqueiro, quanto urbanas, caso de sapateiros e alfaiates,
mas em percentual diminuto. 38 Assim, no ambiente mais urbanizado do município havia
poucos escravizados, sendo sua presença maior nas áreas rurais.

Segundo Reis, entre os quatro maiores escravistas de Inhambupe, listados pelo Fundo
de Emancipação estavam o dr. João dos Reis de Souza Dantas, com 93 escravos; o coronel
Maurício José de Souza Dantas, seu irmão, que tinha 81; o coronel Pedro Gomes Leão
Ferreira Velloso, com 74 e; d. Francisca Alexandrina de Vasconcelos, que possuía 30 cativos.
Os Souza Dantas era uma “destacada família da elite baiana, proprietária de terras e escravos
e com intensa participação no cenário político nacional”. 39 De acordo com Santana, outros
grandes proprietários em Inhambupe, foram Bento José de Noronha, dono do Engenho Lagoa
e da Fazenda Canabrava, que possuía 50 bois de carro, 160 cabeças de gado de criar e alguns
cavalos; Bernardo José de Noronha, que possuía bens nos sertões e vilas do centro da
província e Francisco Caetano de Almeida, que tinha engenhos, escravos e fazendas de
gado. 40 Conforme destacou, frequentemente os inventariantes de Inhambupe solicitavam
prorrogação para concluir os inventários, alegando possuir bens nos sertões e vilas do centro
da província, e a dificuldade em juntar, contar e ferrar os gados no prazo estabelecido, a
exemplo do tenente coronel Bernardo José de Noronha e Francisco Caetano de Almeida que
possuíam engenhos, escravos e fazendas de gado em diversas localidades daquele sertão. 41

Para Silva, o coronel Pedro Gomes Ferreira Velloso foi o proprietário do Engenho
Coité, hoje Fazenda Coité, situada às margens do rio Inhambupe, localização estratégica para

38
REIS. “A Família Negra”, p. 249.
39
REIS. “A Família Negra”, p. 256.
40
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do Trabalho”, p. 20-22.
41
O autor afirma que foram pesquisados 3 inventários de Alagoinhas e 14 de Inhambupe, ressaltando que
realizou uma análise qualitativa, o que possibilitou notar quem eram “os poucos ricos da região e o que
possuíam”. SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 18-23.
32

o plantio da cana-de-açúcar e de outros gêneros de primeira necessidade, como arroz, milho,


feijão, mandioca, dentre outros. Silva ressalta que o patriarca da família Ferreira Velloso foi o
idealizador e construtor de uma barragem para represamento de água, utilizada a fim de irrigar
a plantação e mover o moinho de moagem de cana. O coronel Pedro Velloso foi o primeiro a
administrar o engenho, seguido pelo coronel Marcos Leão Velloso, seu filho. 42 Outros
membros da família Velloso, como se verá oportunamente, teve papel destacado na
interpretação das leis emancipacionistas no município de Alagoinhas e em Inhambupe.

A localização geográfica de Inhambupe também favoreceu o comércio de gado,


transformando-o num considerado entreposto comercial entre a capital e o norte da província
baiana, interligando Salvador e Paulo Afonso; a Bahia e o Piauí. A conhecida “Estrada das
Boiadas”, por onde transitavam esses animais, teve fundamental importância para o
desenvolvimento da região, tanto na comercialização de mercadorias como no surgimento de
povoados. O comércio do gado proporcionou a Inhambupe algum destaque e a possibilidade
de abrigar novas atividades econômicas.43 Assim como Inhambupe, Alagoinhas também era
contemplada pelo comércio que transcorria por essa estrada, conforme se verifica na próxima
seção.

Alagoinhas: da formação do povoado à criação da vila após a ilegalidade do tráfico

Como já foi dito, a origem do município de Alagoinhas está entrelaçada com a


história de Inhambupe e esteve sob sua jurisdição eclesiástica e administrativa até o século
XIX.44 O surgimento do povoado de Alagoinhas é anterior a 1747, bem como a capela de
Santo Antônio das Alagoinhas, pois, como consta, entre os anos de 1747 e 1748, Maria
Teixeira de Andrade, moradora no sítio da Capoeira, tinha por hábito confessar-se na dita

42
SILVA. “O preço da liberdade”, p.62.
43
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. “Entre a ferrovia e o comércio: urbanização e a vida urbana em
Alagoinhas (1868 – 1929)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2010), p. 21;
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 11; LIMA. “Tecendo a liberdade”,
pp. 17-18.
44
Segundo o autor da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, “conta a tradição que, em fins do século XVIII,
um sacerdote português, cuja identidade a História não guardou, fundou a capela no sítio em que existe
atualmente, o município de Alagoinhas”. Provavelmente, esse vigário tenha sido Francisco Cardoso, citado no
documento do Tribunal do Santo Ofício.
33

capela com o padre Francisco Cardoso e, anos depois, acusou o padre de assediá-la no
confessionário.45

Subordinada à Matriz do Divino Espírito Santo do Inhambupe, a capela de Santo


Antônio das Alagoinhas foi elevada à freguesia, pelo Alvará de D. João VI, de 7 de novembro
de 1816, atendendo à solicitação feita pelo padre José Rodrigues Pontes. A partir de então,
ganhou autonomia para realizar casamentos, batismos e óbitos.46 Contudo, enquanto povoado,
Alagoinhas continuou dependendo administrativa e juridicamente da vila de Inhambupe no
que se referia a documentos, cuja emissão dependia da sanção da Câmara Municipal, a
exemplo de licença para criar estabelecimentos comerciais, licença para vender nas feiras,
certidão de compra e venda de escravos e imóveis, registro de cartas de alforria, dentre outros
necessários ao atendimento à comunidade de Alagoinhas. A inexistência desse aparato
burocrático obrigava os habitantes a se deslocarem para a vila de Inhambupe que ficava a 8
léguas de distância. 47

Podemos inferir que a distância entre a freguesia e a vila, a exigência de longas


viagens para resolver questões burocráticas, assim como o rápido crescimento ocasionado
pela imigração de pessoas vindas das zonas limítrofes de Inhambupe, Irará e Santo Amaro e o
fato do local ter-se tornado “ponto obrigatório de passagem dos que [se] encaminhavam para
o Norte, cortada por velha estrada de boiadas, a localidade não tardou em prosperar”,
surgindo, assim, um movimento da população, solicitando o desmembramento da freguesia de
Santo Antônio das Alagoinhas da vila de Inhambupe.48 Em 16 de junho de 1852 a freguesia
foi alçada a vila pela Resolução provincial nº 442, confirmada em 1853 pela nova Câmara
Municipal que, a partir de então, passou a ser presidida pelo coronel José Joaquim Leal,
escolhido para o cargo por ter sido o vereador mais bem votado. Os limites foram mantidos,
ficando a nova vila composta por três freguesias: a freguesia de Jesus, Maria e José de Igreja

45
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 28º Caderno de
Solicitantes, p. 32. Amorim também analisou este documento. Cf. AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco
espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”.
(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015), p. 13; NASCIMENTO,
Aline Soraia Saraiva. “A família escrava na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas: uma análise
longitudinal”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015), p. 17;
MATOS, Monalisa Silva Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em
História, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 13. Sobre crimes de solicitação no período colonial, cf.
FERREIRA, Elisangela O. “Mulheres de fonte e rio”: solicitação no confessionário, misoginia e racismo na
Bahia setecentista. Afro-Ásia, 48(2013), pp. 127-171.
46
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 18-19; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 13.
47
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 18.
48
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios brasileiros”, p. 21.
34

Nova (Boa União), a freguesia do Senhor Deus Menino dos Araçás e a freguesia Santo
Antônio das Alagoinhas. 49

Os estudos sobre a região destacam que na primeira metade do século XIX, a


principal atividade econômica do município de Alagoinhas era a agricultura, com o cultivo do
milho, da mandioca, do fumo e da cana de açúcar, produzidos em engenhos, fazendas e sítios,
sendo a criação de gado diminuta. 50 Aline Nascimento ressalta a importância da posição
geográfica da vila para o seu desenvolvimento econômico que, embora inicialmente voltado
para o abastecimento local, depois se transformou em um centro abastecedor por conta da
instalação da ferrovia. 51 Segundo Janaína Amorim e Monalisa Matos, havia pequenos e
médios proprietários possuidores de pequenas e médias escravarias que produziam para
atender às necessidades de subsistência, sendo o excedente comercializado nas feiras locais e
nas circunvizinhanças. 52 De acordo com Matos, a produção do fumo foi importante para
Alagoinhas, pois serviu de argumento para a construção da estrada de Catolé, que
transportaria numerosos fardos de fumo ou tabaco em rama produzidos no município. 53

Em 1875, a Câmara de Alagoinhas informou à presidência da Província que o


município possuía 46 engenhos, sendo 5 movidos a água, 16 por tração animal e 25 a vapor,
mas não possuía máquinas apropriadas para branquear o açúcar.54 Assim, a partir da segunda
metade do século XIX, os principais produtos da indústria agrícola do município continuavam
a ser o açúcar, o tabaco e a farinha. A criação de gado não estava sendo vantajosa, por conta
das “inconstâncias do tempo”. O município estava situado em diversas campinas e era cortado
por diversos rios correntes, com terrenos arenosos, por isso, não se faz preciso de abertura de
novas estradas e nem pontes”.55 Os homens mais abastados cultivavam o açúcar e o tabaco e
os mais pobres a mandioca, o milho, o feijão e outros cereais. 56

49
Cópia da Ata de instalação da nova Câmara Municipal de Alagoinhas, em cumprimento a Resolução
Provincial 442 de 16 de junho de 1852. APEB. Colonial e provincial. Correspondência da Câmara de
Alagoinhas, maço 1241, 1853 -1886.
50
Cf. AMORIM. “O parentesco espiritual”, p. 15; NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 19-20; MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 15-16.
51
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 20.
52
AMORIM. “O parentesco espiritual”, p. 15; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p.15.
53
A fala da autora foi baseada no Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo de 1853. MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 16.
54
FIGAM/CENDOMA. Atas da Câmara Municipal. 1875.
55
APEB. Correspondência da Câmara de Alagoinhas enviada ao presidente da Província. 1853 - 1886, maço
1241.
56
APEB. Correspondência da Câmara de Alagoinhas enviada ao presidente da Província. 1853 - 1886, maço
1241.
35

Segundo Santana, a riqueza em Alagoinhas e Inhambupe estava concentrada nas


mãos de poucas pessoas. 57 Para o autor, alguns proprietários da região garantiram suas
riquezas graças à exploração da mão de obra de homens livres, libertos e escravos, a exemplo
de José Joaquim Leal, proprietário do Engenho Ladeira Grande, Fazenda Poço e Sesmaria do
Madureira. Na segunda metade do século XIX, a família Leal possuía no município de
Alagoinhas 2 engenhos e 11 fazendas, além de casas na vila, e Manoel Pinto da Rocha, era
proprietário do Engenho Velho e das Fazendas Lotanda e Poço Grande, com 120 cabeças de
gado e 19 cavalos. 58 De acordo com Nascimento, a família Leal monopolizava a estrutura
fundiária no município de Alagoinhas, sendo detentora de sete dos 22 engenhos localizados
no arraial de Igreja Nova, área mais próspera desse município. O prestígio da família era tal
que,

Os interesses comerciais da família Leal também se evidenciam na alternância da


feira – dia importante do calendário semanal dos povoados, vilas e cidade – da vila
de Alagoinhas e do povoado de Igreja Nova onde era realizada a comercialização de
produtos. As Posturas Municipais da Câmara entre os anos de 1868 e 1870 indicam
que as feiras da vila de Alagoinhas e do povoado de Igreja Nova não poderiam
ocorrer no mesmo dia, sugerindo a existência de concorrência entre os vendedores
de ambas as localidades.59

Em 1857, a Câmara de Alagoinhas discutiu a questão da criação de gado. Havia um


embate entre criadores e lavradores acerca de qual local dever-se-ia criar ou plantar, se em
terreno aberto ou fechado. Para tentar solucionar a questão foram criadas posturas municipais,
definindo limites e outras determinações a exemplo de onde e como os proprietários deveriam
exercer essas atividades. Não ficaram claros os critérios que foram usados para a elaboração
das posturas, não se sabendo, exatamente, se a geografia, o clima ou outro qualquer. Em
1875, a criação de animais configurava-se na segunda principal atividade econômica do
município, contabilizando 120 fazendas que se dedicavam, exclusivamente, a essa atividade,
produzindo anualmente 2.200 cabeças de bovinos, 280 da raça cavalar, 500 cabrum, 50
muares e 2.000 suínos.60

A construção da estrada de ferro trouxe novos ventos de progresso para Alagoinhas e


região. Segundo Aguiar, até o ano de 1866 a vila “constava apenas de umas quatro casas de
telhas junto ao rio, de um trapiche, das acomodações da estrada de ferro e uma meia dúzia de

57
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, 18-23.
58
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do Trabalho”, p. 20-22.
59
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 31.
60
FIGAM/CENDOMA. Atas da Câmara de Alagoinhas. 1875. Nascimento também analisou as atas da Câmara.
Cf. NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 33-35.
36

casas de palha perto do barracão da dita estrada”.61 O ano de 1863 representou um marco para
Alagoinhas, com a inauguração oficial da primeira estrada de ferro da província da Bahia que
ligava a capital, Salvador, à vila. O rápido crescimento da vila ocorreu por conta da instalação
da estrada de ferro que impulsionou a população a fixar residência em torno da estação, bem
como a mudança de casas comerciais e da feira para o mesmo local. 62 O historiador Robério
Souza ressalta a importância que Alagoinhas adquiriu com a construção da ferrovia, tornando-
se,

com o passar do século XIX, um entroncamento ferroviário de importância na


Bahia. Ponto terminal da via férrea que se iniciava na capital com a companhia
inglesa, Alagoinhas passou a ser epicentro de partida de duas linhas ferroviárias:
uma que a ligava à cidade de Timbó, em busca do Estado de Sergipe, e outra [...]
que levaria seus trilhos até o Rio São Francisco.63

Segundo Souza, a construção do prolongamento da via férrea iniciou-se em 25 de outubro de


1876 e contou com o trabalho de “[...] ajudantes, condutores, escriturários, desenhistas,
contínuos e cento e noventa e quatro trabalhadores, sem especialização, além de
engenheiros”.64 Souza nos informa que não se sabe a procedência dos trabalhadores utilizados
na construção, mas levanta a hipótese de que muitos desses trabalhadores foram empregados
em obras ferroviárias anteriores. 65 Talvez, os trabalhos menos especializados, a exemplo da
limpeza da mata e florestas e da construção dos canteiros das obras, fossem também
executados pelos moradores de Alagoinhas quando da construção do prolongamento que
passou pelo município.66

A expectativa de desenvolvimento urbano e econômico era compartilhada pelos vários


setores da sociedade, levando o então presidente da Câmara, Manoel Teixeira Leal, a solicitar
recursos ao governo da província para a construção de um novo templo da Matriz, já que o
fluxo de pessoas possivelmente aumentaria, devido à circulação de mercadoria. Segundo
Lima,

Ocaso de Alagoinhas é exemplar. A instalação do Prolongamento da Estrada de


Ferro da Bahia ao São Francisco no final do século XIX, que a colocava em
contato com outras cidades do interior baiano, aliada ao adensamento populacional a

61
AGUIAR. Descrições práticas, p. 93.
62
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 57.
63
SOUZA. Robério Santos. Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892 -
1909). Salvador: Edufba/Fapesp, 2011, p. 40.
64
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, pp. 39-40.
65
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 40.
66
Sobre o trabalho no canteiro de obras, cf. SOUZA, Robério S. Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e
nacionais livres, libertos e escravos na construção da primeira ferrovia baiana (1858-1863). Campinas: Ed.
Unicamp, 2016, capítulo 3.
37

torna altamente atrativa para a rede comercial, o que contribuiu para uma expansão
do comércio local. 67

Assim como o comércio, a feira de Alagoinhas estabeleceu-se nas proximidades da “estação


terminal da via férrea” e, conforme determinava o artigo 1º da Postura Municipal, de 05 de
abril de 1870, ocorria aos sábados. 68 A feira configurava-se como lugar de excelentes
oportunidades para negociar os mais diversos produtos e gêneros alimentícios,
proporcionando renda para a população da vila e para vendedores e compradores de outras
freguesias, que careciam de licença para comercializar as suas mercadorias. Por ela passavam
tropeiros e mascates e diversos produtos, evidenciando a importância da feira para o cotidiano
da população de Alagoinhas, dos comerciantes e para o crescimento econômico do
município.69 As atividades da feira eram regulamentadas pela Câmara Municipal por meio das
Posturas, que depois de propostas pelos vereadores, eram enviadas à Assembleia Legislativa
da Província para a sua aprovação antes de serem colocadas em prática. Em caso de não
cumprimento das determinações pelos vendeiros lhes eram aplicadas penalidades. Segundo
uma dessas posturas, “qualquer pessoa que vender os gêneros de primeira necessidade com
pesos e medidas que não forem aferidas no mês de janeiro e revista em julho nesta vila ou
termo, sofrerá a pena de 10 réis ou 8 dias de prisão”. Além da feira da freguesia de
Alagoinhas, acontecia também aos domingos a feira da freguesia de Igreja Nova. 70

Aguiar expressou surpresa com a prosperidade e transformação da vila, questionando


os dados estatísticos da época que contabilizaram apenas 800 fogos e cinco mil almas: “[...]
tudo sob a garantia do mais ou menos, como todas as nossas estatísticas e descrições; pelo que
pode ser duplicado sem exagero”.71 O desenvolvimento foi tão acentuado que proporcionou à
vila, vinte e oito anos depois de sua criação, a elevação à categoria de cidade, em 7 de junho
de 1880, pela Lei provincial nº 1.957. 72 Assim, a ferrovia foi peça fundamental para o
crescimento de Alagoinhas, pois além de proporcionar mudanças do espaço urbano servia de
atração para o estabelecimento de outras atividades. 73 Corroborando com Souza, Lima aponta
que a ferrovia favoreceu o fluxo de pessoas e a abertura de novas casas comerciais para
atender à população, contribuindo significativamente para desenvolver o comércio local.

67
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 77. Colocar em destaque.
68
APEB. Colonial e provincial. Posturas de Alagoinhas, maço 855, 1833-1887.
69 LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 35.
70
APEB. Colonial e provincial. Posturas de Alagoinhas, maço 855, 1833-1887. Idem.
71 AGUIAR. Descrições práticas, p.94.
72 AGUIAR. Descrições práticas, p. 95.
73
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 35.
38

“Enfim, a ferrovia criaria condições capazes de estruturar a economia local e viabilizaria o


desenvolvimento urbano”.74

As transformações por conta da inserção do transporte ferroviário não ficaram


restritas às questões econômicas. As pesquisas de Souza, Lima e Matos apontam para um
desenvolvimento peculiar, com a organização de várias atividades inéditas, com o surgimento
de jornais, escolas, bandas de músicas, praças, iluminação pública e um trânsito maior de
pessoas que favoreceu o comércio e o progresso da cidade. O comércio de Alagoinhas era
“ativo, grande e animado”, transportava para Salvador, por meio da ferrovia, gêneros de
primeiras necessidades, tais como açúcar, farinha, tapioca, feijão, milho, café, fumo, gado,
dentre outros.75 A economia da cidade passou por mudanças, desenvolvendo atividades outras
que, provavelmente, possibilitaram melhores condições de sobrevivência para a população.

Tratando da relação entre a ferrovia, o progresso e os trabalhadores na região, Souza


afirmou que nas vilas e cidades do interior da província por onde passou o transporte
ferroviário alterou-se a fisionomia urbana, “com a construção de estações ferroviárias, a
instalação de fios telegráficos e a edificação de armazéns para mercadorias ao longo da
estrada, além de barracões onde, a princípio, residiam os trabalhadores”. Ademais, pelas
localidades por onde “passaria a estrada de ferro, também ganharam túneis e pontes sobre os
rios”. 76 Dessa forma, a segunda metade do século XIX foi muito significativa para
Alagoinhas, pois a chegada da ferrovia trouxe como consequência várias transformações que
modificaram o cenário urbano e a vida dos moradores da cidade. No entanto, vale enfatizar
que ao longo do século XIX, a agricultura e a pecuária foram os principais meios de
sobrevivência e de produção de riqueza para a população de Alagoinhas e Inhambupe.

Outro ângulo para se mensurar o desenvolvimento de Alagoinhas é o crescimento da


população. Segundo Matos, em 1853, o vigário Antônio Martins da Silva Teles, por ocasião
da instalação da vila de Alagoinhas, anotou em ata a população do município. A população
livre era formada por 3.556 homens; 4.122 mulheres e 3.900 crianças, totalizando 11.578
pessoas, enquanto os escravos somavam 2.982 pessoas, sem distinção de sexo ou faixa etária.
Dessa forma, quando a vila foi criada, a população somava 14.560 pessoas.77 Decorridos 19

74
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio, p. 41.
75
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 35; LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 21, 71 e 113 e MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 17.
76
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 35.
77
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 18 e 19.
39

anos, em 1872, a população do município era formada por 21.739 pessoas, sendo 17.976
livres e 3.763 escravos. Analisando o referido censo, Matos constatou que:

[...] a maior parte da população estava localizada na freguesia de Igreja Nova, com
um total de 51,8%, seguida por Santo Antônio de Alagoinhas, com 30,9% e Araçás,
com 17,3%. Em termos gerais, não existia diferença entre proporção de homens e
mulheres, porém, considerando cada freguesia de forma particular, percebemos que
a proporção de mulheres era um pouco maior em Araçás (51,6% de mulheres) e
Igreja Nova (50,7% de mulheres). No entanto, na freguesia de Santo Antônio das
Alagoinhas o número de homens (livres: 3.038 e cativos: 455) era um pouco maior
que o de mulheres (livres: 2.829 e cativas: 388), provavelmente por conta da
construção da ferrovia e, da necessidade de mão de obra masculina na área voltada
para o comércio.78

Dessa forma, a população do município cresceu significativamente em decorrência da ferrovia


na década de 1860. Ao comparar os dados computados pelo vigário Teles em 1856 com o
Recenseamento de 1872, Matos constatou que houve um crescimento da população livre de
55,3%, e da população escrava de 26,2%. Segundo a autora,

Em 1856 a população escrava correspondia a 20,5% da população do município,


enquanto em 1872 essa proporção era 17,3%. A razão de dependência dos escravos,
- que definimos aqui como sendo a razão entre o número de escravos em relação ao
número de pessoas livres em determinado recorte geográfico –, reduziu de 25,8%
para 20,9%, ou seja, em 1856 havia aproximadamente 26 escravos para cada 100
pessoas livres no município de Alagoinhas, já em 1872 para cada grupo de 100
pessoas livres existiam 21 escravos, demonstrando uma redução da oferta de mão de
obra escrava com o passar dos anos.79

Matos atribuiu o decréscimo da população escrava em Alagoinhas à proibição do tráfico em


1831, e o crescimento da população livre à construção da ferrovia e à seca que assolou
diversas áreas do sertão da província da Bahia, tornando esse um município de grandes
atrativos para homens e mulheres flagelados e/ou em busca de emprego. 80

O universo do trabalho nos municípios de Alagoinhas e Inhambupe

O Recenseamento de 1872 possibilita uma aproximação ao universo do trabalho uma


vez que traz informações acerca das ocupações em Alagoinhas e Inhambupe, com dados sobre
as atividades desenvolvidas nesses municípios, como se vê exposto nas Tabelas 2 e 3. O
censo classificou tais ocupações em profissionais liberais: religiosos (seculares e regulares),
juristas (juízes, advogados, notários e escrivães, procuradores, oficiais de Justiça), médicos,

78
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 21.
79
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 20.
80
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 20-21.
40

cirurgiões, farmacêuticos, parteiras, professores e homens de letras, empregados públicos e


artistas; militares, marítimos, pescadores, capitalistas e proprietários, sem incluí-los em uma
categoria mais ampla; industriais e comerciais: manufatureiros, fabricantes e comerciantes,
guarda livros e caixeiros; manuais e mecânicos: costureiras, operários (canteiros,
calcoteiros, mineiros e cavouqueiros, metais, madeiras, tecidos, edificações, couros e peles,
tinturaria, vestuário, chapéus, calçados); profissões agrícolas: lavradores e criadores; pessoas
assalariadas: criados e jornaleiros e; por fim, a categoria serviços domésticos e os sem
profissão declarada. Para fins de apresentação nas Tabelas 2 e 3 consideram-se capitalistas e
proprietários na categoria industriais e comerciais; e como outros, os militares, marítimos,
criados e jornaleiros.

Tabela 2: População de Inhambupe, considerada em relação às profissões,


por categoria e condição jurídica

Livre Escrava
PROFISSÕES Total Total Total
Homem Mulher Homem Mulher Geral
N % N % N N % % N % N %
Prof. Liberais 37 0,4 6 0,1 43 0,2 43
Outros 20 0,2 0,0 20 0,1 4 0,3 4 0,2 24
Prof. Industriais e
comerciais 139 1,4 89 1,1 228 1,3 228
Prof. Manuais e
Mecânicas 162 1,6 358 4,4 520 2,9 12 0,8 5 0,4 17 0,6 537
Serviços
domésticos 1133 13,9 1133 6,2 56 3,8 36 3,1 92 3,5 1225
Prof. Agrícolas 6005 59,8 713 8,8 6718 37,0 878 59,0 488 41,4 1366 51,3 8.084
Sem profissão 3672 36,6 5841 71,7 9513 52,3 537 36,1 649 55,1 1186 44,5 10.699
Total 10035 100 8144 100 18175 100 1487 100 1178 100 2665 100 20.840
Fonte: Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesso em: 24/03/2016.

As categorias relacionadas às atividades liberais tinham pouca representatividade


numérica em Alagoinhas e Inhambupe, mas eram funções estratégicas, isto é, justiça,
educação e saúde. Para esta pesquisa, importa detalhar a categoria dos juristas, subdivisão da
categoria profissionais liberais, uma vez que eram esses profissionais que atendiam as
demandas da população que buscava seus direitos junto à Justiça. Advogados, oficiais de
justiça e juízes, autuavam e faziam cumprir os trâmites legais dos processos cíveis, que
frequentemente ajudavam os escravos a conseguir suas alforrias. Dentre os 43 profissionais
liberais de Inhambupe, 10 foram classificados como juristas, sendo 3 notários e escrivães, 3
advogados, 1 juiz, 1 procurador e 2 oficiais de justiça. Já em Alagoinhas, dos 69 profissionais
41

liberais, 13 eram juristas, sendo 2 juízes, 1 procurador, 4 oficiais de justiça, 4 notários e


escrivães e 2 advogados.81 Esses profissionais serão retomados adiante, o terceiro capítulo
desta dissertação, com o objetivo de mostrar como eles atuaram auxiliando os escravos na sua
luta por liberdade.82

Em 30 de agosto de 1884, em resposta à circular da presidência da Província da


Bahia, o juiz de direito da comarca de Inhambupe, Cypriano Almeida, informou a composição
das funções do judiciário da vila de Inhambupe:

[...] tenho a dizer que esta comarca se compõe de 2 municípios e são os desta vila e
o de Entre Rios. Ambos têm foro civil, aquele declarado pelos decretos números:
170 de 1842, 280 de1843, 312 de 1843, 1.218 de 1853, 2.240 de 1858, e o lugar da
residência do juiz de direito e do juiz municipal letrado. Tem dois tabeliães do
público judicial e notas, e escrivão do civil, acumulando o de escrivão da
provedoria, e oficial do registro das hipotecas, e tem mais o escrivão privativo de
órfãos e ausentes, servindo interinamente de escrivão do júri e execuções criminais e
da correção, são eles: Elesbão José de Avellar, Bonifácio Gil da Silva, Jacinto
Febronio de Oliveira.83

O juiz Almeida queixou-se da existência de cargos vagos, alegando ser esse o motivo pelo
qual ocorria o acúmulo de funções pelos profissionais existentes. Vale salientar que o escrivão
Jacinto Febronio de Oliveira atuou, em 1874, como curador da crioula Cândida e seu filho
José, em um processo de arbitramento de liberdade que será analisado adiante.

As Tabelas 2 e 3 agregam a população de Inhambupe e Alagoinhas segundo a


profissão e condição jurídica, sendo que algumas atividades, a exemplo das industriais e
comerciais, restringiam-se à população livre que atuavam como manufatureiros e fabricantes,
comerciantes, guarda-livros e caixeiros. Em Inhambupe foram listadas 228 pessoas, sendo
139 homens e 89 mulheres; e, em Alagoinhas, 191 homens e 2 mulheres ocupando as
atividades industriais e comerciantes. Interessante observar que 49 mulheres em Inhambupe e
33 em Araçás ocupavam-se em trabalhos agrupados como manufatura e fabricante,
possivelmente à frente de Engenhos de açúcar, produção de fumo e farinha, fossem solteiras,
viúvas e casadas, enquanto em Alagoinhas não foi listada mulheres com tais ocupações.

81
Inspirei-me em Matos que analisou o censo em relação às ocupações para o município de Alagoinhas. Cf.
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 24.
82
Sobre a atuação da justiça cf. AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial
cidade de São Paulo. Campinas, SP: Editora da Unicamp / Centro de Pesquisa em História Social da Cultura,
1999; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Cenas da abolição: escravos e senhores no Parlamento e na Justiça.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001; SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. “Os escravos vão a justiça: a
resistência escrava através das ações de liberdade. Bahia, século XIX”. (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade Federal da Bahia, 2000).
83
APEB. Correspondência recebida de juízes de Inhambupe. 1851 – 1889. Seção colonial e provincial, maço
2415. (Grifo nosso).
42

Nessa última localidade elas ocupavam-se dos serviços de costura e domésticos, além do
expressivo contingente que trabalhava na lavoura.

As profissões manuais e mecânicas eram atividades exercidas pela população livre e


também pelos escravos. Apesar de pouco representativa nos municípios aqui estudados, é
importante explicitar a distribuição dos livres e escravos em tais ocupações. Entre os livres
em Alagoinhas, o censo computou 351 pessoas, sendo 292 homens ocupados em funções de
ferreiro, sapateiro, marceneiro, carpinteiro etc. e as mulheres aparecem nesta categoria como
costureiras: eram 31 no povoado de Igreja Nova; 17 em Araçás e; 11 na vila de Alagoinhas.
Foram recenseados 13 escravos – homens –, sendo 9 de edificações, 1 em metais, 1 em
vestuário e 2 de calçados. Ao analisar o Recenseamento de 1872 por freguesia no município
de Alagoinhas, Matos constatou que o número de escravos especializados em serviços
manuais era maior nas freguesias de Igreja Nova e de Araçás. Por outro lado, 68 escravos que
exerciam a função de criados e jornaleiros moravam na freguesia de Alagoinhas. A
historiadora atribuiu tal peculiaridade à existência da estrada de ferro e do crescente
desenvolvimento do comércio.84

Encontramos 520 pessoas livres e 17 escravos em ocupações mecânicas e manuais


no município de Inhambupe. Entre os homens livres, as ocupações que mais se destacavam
eram ofícios de sapateiros, carpinteiros, ferreiros e poucos escravos exerciam tais ofícios mais
especializados. A representatividade das mulheres nesta categoria foi expressiva, 69,8%, e o
ofício de costureira se destacou. Empregava, no município de Inhambupe, sobretudo às
mulheres livres: eram 244 em Inhambupe e 65 em Aporá, contra 4 escravas na primeira e 1 na
segunda freguesia. Eram poucos os escravos que possuíam algum tipo de especialização,
realidade também compartilhada por uma expressiva parcela da população livre. O número
informado pelo censo de pessoas sem ocupação é um dado que atesta essa informação.

O censo de 1872 aponta que em Inhambupe os sem profissão correspondiam a


51,3%. Entre os livres, os homens representavam 36,6% e as mulheres 71,7%; entre os
escravos, 36,1% eram homens e 55,1% mulheres. Em Alagoinhas, a população declarada
como sem profissão foi um pouco mais expressiva, isto é, 68,1%. Entre os livres, 42,7% eram
homens e a esmagadora maioria das mulheres, 97,1% foram declaradas sem profissão. Entre
os escravos, 37,7% dos sem profissão eram homens e 55,1% de mulheres. A população
declarada como sem profissão nessas localidades era formada por livres, libertos e escravos,
84
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 21.
43

provavelmente não possuía uma ocupação específica, atuava na lavoura e em outras


atividades que não necessitassem de especialização. Os escravizados sem profissão de
Alagoinhas e Inhambupe trabalhavam, sobretudo, na lavoura, principal atividade produtiva da
região, além de outros trabalhos ligados à agricultura.85

O expressivo percentual de mulheres livres sem profissão em Inhambupe (71,7%) e,


em Alagoinhas (97,1%), pode ser atribuído ao fato de que não tinham conhecimento das
letras, realidade vivida pela maioria da população que não possuía escolarização, como
verificamos nas cartas de alforria e em outras fontes nas quais os senhores faziam constar, na
escrita dos documentos, solicitavam aos escrivães, tabeliães, parentes e outros: “A rogo de
[...] por não saber ler nem escrever”. As mulheres livres cuidavam das tarefas do lar,
atividades que não exigiam instrução, elas tinham menos oportunidades do que os homens na
inserção no mundo das letras. Conforme o censo, em Inhambupe eram 9 professores, sendo 4
homens e 1 mulher na paróquia do Divino Espírito Santo de Inhambupe e 2 homens e 2
mulheres na de Aporá. Para Alagoinhas o censo apresenta 2 mulheres na freguesia Jesus
Maria José de Igreja Nova, 3 homens na de Araçás e na de Santo Antônio das Alagoinhas, 4
homens e 1 mulher, somando um total de 10 professores. O universo de trabalho das
mulheres libertas certamente era muito distinto do das senhoras brancas que cuidavam do lar.
Elas ganhavam as ruas das vilas e povoados da região em busca de trabalho e as que moravam
em sítios e roças trabalhavam na lavoura.

Tabela 3: População de Alagoinhas, considerada em relação às profissões,


por categoria e condição jurídica

Livre Escrava
PROFISSÕES Total Total Total
Homem Mulher Homem Mulher Geral
N % N % N % N % N % N %
Prof. Liberais 63 0,7 6 0,1 69 0,4 69 69
Outros 60 0,7 6 0,1 66 0,4 68 3,7 68 1,8 134
Prof. Industriais e
comerciais 191 3,3 2 0,7 193 1,1 193
Prof. Manuais e
Mecânicas 292 3,3 59 0,7 351 2,0 13 0,7 13 0,3 364
Serviços
domésticos 89 1,0 89 0,5 4 0,2 116 6,2 120 3,2 209
Prof. Agrícolas 4537 50,5 101 1,1 4638 25,8 1116 61,4 206 11,0 1322 35,1 5960
Sem profissão 3838 42,7 8732 97,1 12570 69,9 686 37,7 1554 82,8 2240 59,5 14810
Total 8981 100 8995 100 17976 100 1819 100 1876 100 3763 100 21739
Fonte: cf Tabela 2.

85
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 25.
44

Certamente esse expressivo percentual de homens e mulheres sem profissão buscava


alguma atividade para atender às suas necessidades básicas de sobrevivência. Santana sugere
que os indivíduos nessa condição podiam viver de trabalhos informais, sazonais ou também
atuar na lavoura.86 Ou ainda que os sem profissão “[...] viviam sobre si, com horários e dias
de trabalho alternados, ou até mesmo com ocupações não contempladas pelo censo”. 87
Segundo Robério Souza, não era uma prática incomum a utilização de anúncios na imprensa
com a finalidade de empregar mão de obra livre ou escrava na construção das estradas de
ferro em todo o Império brasileiro. Ainda que a legislação vigente proibisse a contratação de
cativos, “muitos construtores continuavam noticiando – abertamente sem a necessidade de
camuflagem – o engajamento de homens escravizados naquelas obras”. 88 Concordamos com o
autor, tendo em vista que em sua maioria, essas eram pessoas pobres que dependiam de
trabalhos esporádicos para sobreviver.

Em Inhambupe essa população economicamente ativa representava 60,8 %, sendo


que os livres representavam 52,3% e os escravos 8,5%. Já em Alagoinhas, a população
economicamente ativa girava em torno de 51,8%, ficando 42,9% para a população livre e
8,9% para a população escrava. 89 Os números são semelhantes para as duas localidades
levando-nos a inferir o trabalho livre constituía-se na base da economia dessa região, ainda
que utilizasse o trabalho escravo. Assim, os dois municípios diferiam de Santo Amaro, área
açucareira do Recôncavo, que às vésperas da abolição ainda utilizava mão de obra escrava. 90

No documento da Câmara de Alagoinhas, enviado à presidência da província em14


de maio de 1857, os legisladores já discutiam a questão do trabalho assalariado pela falta de
braços escravos, informando a dificuldade dos proprietários em conseguir pessoas livres para
o trabalho assalariado, pois não havia interesse da população livre nessa modalidade de
trabalho, mesmo com a possibilidade de receber um salário “[...] porque a população livre
mostra grande horror a qualquer contrato de serviço”. 91 Segundo Barickman, a população
livre e pobre do Recôncavo evitava o trabalho assalariado de tempo integral, devido ao acesso
a grandes reservas de terras ociosas e não cultivadas que lhes assegurava “uma subsistência
muitas vezes precária, mas ainda assim independente”. O autor ressalta ainda que os senhores
86
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 24.
87
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 24.
88
SOUZA. Trabalhadores dos trilhos, p. 62.
89
Tomamos como base, para calcular a população economicamente ativa de Alagoinhas e Inhambupe às idades
de 11 a 60 anos da população livre e escrava desses municípios.
90
BARICKMAN, Bert. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo
baiano (1850-1881). Afro-Ásia, 21-22 (1998-1999), 177-238.
91
APEB, Colonial e provincial, correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
45

de engenho e lavradores ou recorriam ao emprego da mão de obra cativa, ou então teriam que
se contentar “com a quantidade limitada de trabalho que eles próprios e suas famílias eram
capazes de fornecer” e, quando necessitavam de mão de obra extra por ocasião do plantio e
colheita da safra, alugavam escravos de vizinhos em vez de contratar trabalhadores livres. 92

O censo de 1872 confirma essa realidade quando expõe que apenas 14 pessoas em
Inhambupe ocupavam a categoria criados e jornaleiros que se enquadra no subgrupo dos
assalariados, sendo 11 livres e 3 escravos, por certo escravos de ganho. Em Alagoinhas esse
número foi maior, especificamente na vila, por conta do ambiente mais urbanizado e do
comércio em franca ascensão nas décadas de 1870 e 1880, em decorrência da via férrea ali
construída que atraiu imigrantes e transeuntes. De um total de 124 indivíduos classificados
nessa categoria, 56 eram livres e 68 escravos.

Como dito, a agricultura e a criação de gado eram as principais atividades


econômicas e fonte de sobrevivência da população de Alagoinhas e Inhambupe. Essas foram
as atividades que empregaram um maior número de homens e mulheres tanto livre quanto
escravos, conforme se vê nas Tabelas 2 e 3. A categoria “lavrador”, apresentada no censo de
1872, é muito ampla e não dá conta da complexidade das experiências de trabalho da
população livre, uma vez que compreendia desde o fazendeiro, até o trabalhador despossuído,
mas comumente designado como agregado.93 Os agregados ou domésticos, como classifica
Berickman, trabalhavam nas lavouras e também desempenhavam outros serviços em troca de
casa e comida, viviam juntos sob o mesmo teto, assentavam-se à mesa para as refeições e
atuavam, muitas vezes, nas mesmas atividades desenvolvidas pelos membros da família. “Às
vezes, eram de fato membros da família: parentes mais pobres ou filhos adultos que ainda não
tinham estabelecido seus próprios fogos. Portanto, seria razoável argumentar que os
agregados e domésticos serviam para aumentar o “fundo comum” de mão de obra familiar
disponível na unidade doméstica”. 94

Em Alagoinhas, os lavradores representavam 27%, considerando o total de 21.739


pessoas, e em Inhambupe, 38,2% do total de 20.840 habitantes, atuando em atividades
diversas, que exigiam ou não especialização. Assim, era expressivo o contingente
demográfico que sobrevivia da lavoura, mesmo porque, além dos identificados como
lavradores, havia uma massa populacional classificada como sem profissão, o que não

92
BARICMAN. Um contraponto baiano, p. 221. Idem, Ibidem, p. 217.
93
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 25-27.
94
BARICMAN. Um contraponto baiano, p. 217 – 221.
46

significa sem ocupação, pois esse grupo exercia algum tipo de atividade para sobreviver.
Grande parte dessa massa destinava-se a desenvolver as atividades agrícolas, principalmente
nas lavouras de subsistência. Vale destacar que, dentre os considerados sem profissão, havia
pessoas livres pobres, libertos e escravos que lutavam pela sobrevivência.

A atividade de criador era exercida por homens livres. Em Alagoinhas o censo


contabilizou 116 criadores, constam 87 em Inhambupe. Se a função de criador diz respeito à
propriedade de animais, então, justifica-se esse número tão reduzido, pois a região era
formada, em sua maioria, por pequenos e médios proprietários voltados para a produção
agrícola e os poucos animais que possuíam eram destinados para a sua subsistência e dos seus
comandados. A criação de animais era a segunda principal atividade econômica desenvolvida
nesses municípios. Segundo Santana, possuir terras, gado e escravos eram sinônimos de
riqueza, mas eram poucos os criadores que figuravam como grandes produtores de animais.
Em Inhambupe destacamos o tenente coronel Bernardo José de Noronha, que possuía bens
nos sertões e vilas do centro da província e queixava-se da dificuldade em juntar, contar e
ferrar o gado devido ao tamanho e distâncias entre as suas propriedades, e as famílias Dantas
e Velloso. Em Alagoinhas, a família Leal destacava-se pela quantidade de engenhos e
fazendas que desenvolviam a lavoura e criavam gado no município. 95

Enfim, a formação dos povoados e vilas de Alagoinhas e Inhambupe foi marcada


pela escravidão, embora ali as atividades econômicas não demandassem uma quantidade
significativa de escravos. A despeito de ser uma área economicamente periférica, o trabalho
escravo marcou a sociedade que ali se formou, e para entender a dinâmica social e econômica
na qual estavam os escravos inseridos, faz-se necessário compreender e analisar mais
cuidadosamente a escravidão e os caminhos da liberdade trilhados por homens e mulheres
daqueles municípios.

95
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, pp. 20 – 22; ver também: REIS, “A
Família Negra”, p. 256; NASCIMENTO. “A família escrava”. SILVA; “O preço da liberdade”, p. 62.
47

CAPÍTULO II

ESCRAVIDÃO E ALFORRIA NOS MUNICÍPIOS DE ALAGOINHAS E


INHAMBUPE

Inhambupe e Alagoinhas: percursos iniciais até o recenseamento de 1872

Nas últimas décadas a historiografia da escravidão no Brasil tem refinando as


temáticas em estudo bem como ampliado os espaços anteriormente pouco ou não estudados,
quais sejam, as áreas economicamente periféricas e como elas se conectavam às mais
dinâmicas. Neste sentido, é importante conhecer as relações escravistas que permearam a
sociedade de Inhambupe e Alagoinhas para compreender as suas conexões com o contexto
mais geral da província da Bahia. Essa incursão será feita, principalmente, com os dados do
primeiro recenseamento feito no Império do Brasil. Bert Barickman, ao analisar a população
do Recôncavo às vésperas da abolição, chama a atenção para as divergências do
recenseamento, mas considerou que, apesar de toscas, tais estimativas são importantes, por
sugerir que na década de 1870, os senhores de Engenho empregavam escravos em suas
propriedades. 1 Diego Nones Bissigo discutiu a oposição entre liberdade e escravidão no censo
de 1872, mostrando a problemática dos libertos sob condição e dos africanos ilegalmente
traficados após 1831.2 Assim, a despeito dos problemas que a fonte pode suscitar, os dados
dela extraídos podem descortinar uma gama de possibilidades de análise.

O primeiro recenseamento da população do Império foi feito tardiamente, decorridos


meio século da independência, em 1822, uma vez que as primeiras décadas da construção do
Estado nacional foram permeadas por conflitos, insurreições e revoltas. Assim, conhecer
especificidades do perfil da população das vilas e cidades do Império do Brasil só foi possível
depois do censo de 1872.3 Antes disso, a prática de contabilizar os habitantes de determinado
local acontecia por meio das listas nominativas que foram instituídas em 1756, no Brasil
colonial, por resolução do Marques de Pombal. Segundo Renato Leite Marcondes, a aplicação
1
BARICKMAN, Bert. “Até a véspera: o trabalho escravo e a produção do açúcar no Recôncavo Baiano (1850-
1888)”,Afro-Ásia, n. 21-22(1998/1999), p. 197.
2
BISSIGO, Diego Nones. “O lugar dos africanos na estatística brasileira do século XIX”. Afro-Ásia, 56 (2017),
41-81.
3
Para a análise sobre a população do município de Alagoinhas e Inhambupe consultou-se, além do
Recenseamento do Império do Brazil de 1871, o software pop 72, elaborado pelo Núcleo de Pesquisa em
História Econômica e Demográfica, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Demografia e Economia da
UFMG, ambos disponível online, respectivamente em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/> Acesso em 24/03/2016 e
<http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop72/index.html/>. Acesso em: 21/10/2017.
48

desse método em São Paulo data de 1765. Para fins de recrutamento militar, a Igreja realizava
levantamentos de caráter censitário por meio dos róis de confessionário, “compreendendo até
mesmo a população escrava”. 4 A ênfase dada por Marcondes à população escrava interessa ao
nosso trabalho, sobretudo porque apresenta caminhos metodológicos para perscrutar os
números da população escrava de Alagoinhas e Inhambupe na segunda metade do século
XIX, tendo em vista que, antes do censo de 1872, são pontuais as informações acerca da
população desses municípios. Como foi dito no primeiro capítulo, a freguesia do Divino
Espírito Santo do Inhambupe de Cima, conforme a informação do vigário Joaquim
Sant’Anna, em 1757, contava com 2.558 almas. Vale lembrar que a população da capela de
Santo Antônio das Lagoinhas, que pertencia à referida freguesia estava inclusa nesse
quantitativo.5

Em 1802, a então vila de Inhambupe, por ocasião do seu desmembramento da vila de


São José de Água Fria, possuía mais de 6.800 habitantes, segundo informou o ofício de
Francisco da Cunha Meneses, mas sem distinguir a população por condição jurídica.6 Como
já dito no capítulo anterior, para Alagoinhas, os dados demográficos que se conhece foi
produzido pelo vigário Antônio Martins da Silva Teles que foi anexado à ata de instalação da
Câmara Municipal, em 1853. O vigário computou um total de 14.560 habitantes, com 11.578
pessoas livres, desses, 3.556 eram homens, 4.122 mulheres e 3.900 crianças e uma população
escrava de 2.982 almas. Não foi declarado o sexo das crianças e nem dos escravos. 7

Analisando os registros de batismos da freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas, no


período entre 1827 e 1846, Monalisa Matos encontrou 11.099 pessoas batizadas naquela
freguesia e, destes, 1.978 (18%) eram escravos.8 Janaina Amorim, estudando as relações de
compadrio na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas no período entre 1818 e 1850,

4
MARCONDES, Renato Leite. “Fontes censitárias brasileiras e posse de cativos na década de 1870”. Revista de
Índias, vol. LXXI, n. 251 (2011), p. 232.
5
Até 1852, quando foi elevada à condição de vila, a população de Alagoinhas estava inserida na população de
Inhambupe. BNRJ. “Relação da Freguesia do Divino Espírito Santo do Sertão do Inhambupe de Cima”, p. 225.
6
BNRJ. Oficio de Francisco da Cunha e Meneses a S.A.R. sobre a divisão da freguesia de Inhambupe e
Comarca de Água Fria. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000197/mssp0000197.pdf>. Acesso em
11/11/2017. .
7
Este documento foi analisado por MATOS, Monalisa Silva Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”.
(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 18 e 19. Sobre a ata,
cf. FIGAM/CENDOMA. Ata de instalação da Câmara Municipal de Alagoinhas, 1853.
8
MATOS, Monalisa Pereira. “Escravidão e identidade étnica na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas
(1827-1846)”. In: ANAIS XVIII JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 18 Anos de IC na UNEB: Um
Olhar para o Futuro, 2014, Salvador/BA. Anais... Salvador, UNEB, 2014, p. 643-644 (Anais eletrônicos).
49

baseada nos livros de batismos, contabilizou um total de 2.686 cativos. 9 Em seu trabalho de
conclusão de curso sobre alforrias, entre 1871 e 1888, Matos analisou os dados demográficos
compulsados pelo vigário Teles, no ano de 1856 e os comparou com os dados do
recenseamento de 1872 para Alagoinhas. Segundo a autora, entre 1856 e 1872 a população
cresceu 49,3%, passando de 14.560 para 21.739, ocorrendo um crescimento da população
livre de 55,3% e da população escrava de 26,2%. Em 1872, o percentual de escravos era de
17,3% o que representou um decréscimo dessa população e, consequentemente, uma redução
na mão-de-obra.10 Já Laís Santos, que estudou o tráfico ilegal na Freguesia do Divino Espírito
Santo, entre 1824 a 1840, detectou a existência de 1.267 escravizados entre os que receberam
os primeiros sacramentos do batismo. 11 Mais adiante voltaremos a estes números para
discutirmos a escravidão em Alagoinhas e Inhambupe. Os dados computados pelas autoras
são de grande importância, pois dimensionam, quantitativamente, a escravidão nessas
freguesias desde a primeira metade do Oitocentos.

Tabela4: População livre e escrava nos municípios de Alagoinhas e


Inhambupe, 1872
População
Município Livre Escrava Total
N % N % N %
Alagoinhas
17.976 82,7 3.763 17,3 21.739 100
Inhambupe 18.175 87,2 2.665 12,8 20.840 100
Fonte: Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321. Disponível
em:<http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesso em: 24/03/2016.

Os documentos anteriormente citados para Inhambupe, bem como as informações do


padre Antônio Teles para Alagoinhas, não trouxeram informações acerca dos perfis
populacionais, a exemplo da profissão, estado civil, classificação étnica, entre outros, nem
expuseram dados que informassem sobre as atividades econômicas ali desenvolvidas. É o
censo de 1872 que possibilita conhecer e analisar tais perfis, comparando as duas localidades.
Os dados da Tabela 4 apontam para uma população majoritariamente livre para os dois
municípios e pequeno percentual de escravos. Ao comparar o crescimento da população do
9
AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo
de Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do
Estado da Bahia, 2015), p. 21
10
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 18-26.
11
SANTOS, Laís de Jesus Freitas. “Tráfico ilegal na província da Bahia: estudo de caso sobre a freguesia do
Divino Espírito Santo (1824-1840)”. In: XX JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNEB – Desafios
do século XXI: integração social e sustentável,2016 Salvador/BA. Anais... Salvador, UNEB, 2016, p. 387.
(Anais eletrônicos).
50

município de Alagoinhas entre 1856 e 1872, Matos constatou que houve um crescimento de
49,3% da população como um todo, passando de 14.560 para 21.739, e concluiu que a
população livre (55, 3%) cresceu mais, se comparada com a população escrava (26,2%).
Dessa forma, os números sugerem que a força de trabalho nos municípios ora analisados era
formada, em sua maioria, por homens e mulheres livres.

Podem-se levantar algumas hipóteses para a proeminência da população livre em


Alagoinhas, a exemplo de essa ser uma região que atraiu pequenos agricultores, certamente
egressos do cativeiro. Além disso, o desenvolvimento econômico significativo que ocorreu na
segunda metade do Oitocentos, atraiu emigrantes advindos de outras localidades da província
da Bahia que estavam sendo acometidas pela seca, como salienta o Relatório do Conselho
Interino da Bahia, do ano de 1871: “[...] além de ser uma povoação que se desenvolve
rapidamente, cujos habitantes aumentam todos os dias, procurada ainda por milhares de
infelizes nas repetidas ocasiões da seca[..]”.12 No entanto, foi, possivelmente, o principal fator
de atração dos indivíduos que sofriam com a seca e de outros que buscavam melhores
condições de vida, possivelmente tenha sido a construção da ferrovia e a necessidade de mão
de obra.

Ao comparar os percentuais de escravos apresentados no censo de 1872 para


Alagoinhas (17,3%) e Inhambupe, (12,8%) com os municípios do Recôncavo açucareiro,
Santo Amaro (18,2%) e São Francisco do Conde (8,2%), fumageiro, Cachoeira (16,7%) e
produtor de mandioca, Maragogipe (11,4%), conclui-se que a população escrava de
Inhambupe acompanhava o decréscimo geral da província da Bahia. No entanto, este não foi
o caso de Alagoinhas que manteve o padrão anterior ao período da criação da vila em 1852,
isto é, uma população majoritariamente livre. Ao analisar o censo para diversos municípios do
Recôncavo, Barickman argumentou que pode ter havido uma sub contagem da população
escrava em São Francisco do Conde, área açucareira das mais importantes da província da
Bahia. 13 Comparados aos percentuais apresentados, referentes às populações escravas de
vários distritos do Recôncavo rural, fica evidente que os cativos desses lugares representavam

12
Cf. Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo - Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca
Digital Brasileira, 1871. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader/. Acesso em: 21/06/2018. Ver: MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 20-21.
13
BARICKMAN. “Até a véspera”.
51

grande parte da demografia dessas localidades, portanto, uma dependência maior da mão de
obra escrava. 14

Conforme demonstramos, mesmo que economicamente periféricos, em relação ao


Recôncavo açucareiro, a mão de obra escrava ainda era utilizada em Alagoinhas e Inhambupe,
principalmente na lavoura, apesar de não dependerem exclusivamente dela. Segundo Aguiar,
a vila de Inhambupe “tem se conservado estacionária desde que Alagoinhas começou a
florescer”. 15 Esse florescimento foi determinado por conta da instalação da estrada de ferro
pela empresa Bahia and San Francisco Railway Company. Referindo-se à ampliação da
ferrovia, com a construção da linha “Ramal do Timbó”, Walter Fraga Filho fez menção ao
decreto de 7 de abril de 1883, que determinava que a companhia responsável pela construção
da linha férrea ligando a cidade de Alagoinhas à povoação do Timbó não possuísse escravos
nem os empregassem em outros serviços. O autor não descarta a possibilidade de ter havido
determinações semelhantes a estas em obras anteriores.16

No entanto, Robério Souza argumenta que essas determinações nem sempre foram
cumpridas e sinaliza a utilização de escravos na construção dessa ferrovia. Segundo o
historiador, “[...] é bem provável que muitos negros livres, libertos ou escravos, juntamente
com os estrangeiros, trabalhassem na construção e no funcionamento de estradas de ferro na
Bahia”.17 Assim, apesar da proibição, a historiografia aponta a recorrência à mão de obra de
escravos fugitivos na construção das linhas da estrada de ferro. Conforme Fraga Filho,

As concessões feitas pelo governo provincial para as companhias que faziam as


obras de construção de ferrovias tinham como contrapartida a não contratação de
trabalhadores cativos. Ao empregarem-se naquelas obras como livres, os escravos
fugidos, provavelmente, avaliaram que dificilmente seriam localizados. [...] as obras
de construção de ferrovias tornaram-se locais suspeitos de refúgio de cativos
fugidos.18

É plausível que não apenas os livres e libertos de Alagoinhas e Inhambupe trabalhassem na


construção ou manutenção da ferrovia, mas também os escravos com consentimentos tácitos
dos senhores, ou como fugitivos, se ocupassem de tais atividades. Este pode ter sido o caso de

14
BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 214-215.
15
AGUIAR, Durval Viera de. Descrições práticas da Província da Bahia com declaração de todas as distâncias
intermediárias das cidades, vilas e povoações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 88.
16
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910).
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006, p. 61.
17
SOUZA, Robério Santos. Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892 -
1909). Salvador: Edufba/Fapesp, 2011, p. 60.
18
FRAGA FILHO. Encruzilhada da liberdade, p. 54-55.
52

Conrado, escravo do vigário Antônio Martins da Silva Telles, pároco da freguesia de Jesus,
Maria e José, município de Alagoinhas. 19

O vigário Teles matriculou Conrado em 10 de março de 1887, conforme determinação


da Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871.Cabe observar, que a matrícula era um documento
legal utilizado pelos senhores para provar a sua propriedade e imprescindível em qualquer
situação de conflito e negociação envolvendo escravos, e foi utilizada pelo vigário para
declarar a alforria de Conrado, pois, conforme Christianne Vasconcellos, como “[...]o escravo
estava fugido, decidiu colar ao documento uma fotografia dele. Não havendo campo
destinado à fotografia, esta foi fixada à esquerda do texto que lhe fazia referência”.20

Figura 2: Registro de matrícula de Conrado

Fonte: VASCONCELLOS, Christianne Silva de. “O circuito social da fotografia da gente negra,
Salvador 1860-1916”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2006), p. 30.

A fuga de Conrado sinaliza as tensões que permeavam sua relação com Teles. Ele era
criado do vigário, uma relação próxima e, talvez difícil para ele suportar e, tal qual o crioulo
Basílio, estudado por Souza, Conrado pode ter alimentado expectativas de liberdade

19
PIMENTA, Altino Rodrigues. Almanak Administrativo, Comercial e Industrial da Província da Bahia, para o
ano de 1873. Bahia: Typografia de Oliveira Mendes, 1872, p. 30.
20
VASCONCELLOS, Christianne Silva de. “O circuito social da fotografia da gente negra, Salvador 1860-
1916”. Dissertação (Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2006), pp. 30-34.
53

trabalhando na estrada de ferro, usando a ferrovia como esconderijo. 21 Por outro lado, em uma
época em que a fotografia tornou-se, paulatinamente, instrumento de controle da população, o
vigário utilizou a foto de Conrado para dar visibilidade à sua fuga. 22 Em suporte de carte-de-
visite, Conrado foi fotografado, segundo Vasconcellos, “por um dos mais empreendedores
fotógrafos da época, o alemão Albert Henschel”. 23 Henschel possuía um ateliê em Recife e
Salvador, no final da década de 1860, mas Vasconcelos identificou a produção como posterior
a 1870, quando o fotógrafo abriu ateliês em São Paulo e Rio de Janeiro. Como criado,
Conrado acompanhava o vigário em suas viagens à capital da província e, em uma dessas
ocasiões, visitou o estúdio do fotógrafo. Esta foi, inclusive, a hipótese levantada por
Vasconcellos após a análise da produção da imagem. Vasconcellos também nos informa que
Conrado nasceu em Alagoinhas, no dia 28 de abril de 1860 e, foi levado a pia batismal oito
dias depois. Era filho de Jacob e Maria Joana, escravos de Joaquim Alves de Sá e, foi
batizado no oratório da propriedade do senhor pelo vigário Teles. 24 Conrado foi vendido por
Sá, talvez a Teles, mas não foi possível confirmar essa informação. É provável que a sua
rebeldia tenha se originado pela troca de senhor e culminado na fuga. Ao se dar conta que o
escravo havia escapado dos seus domínios, o vigário pode ter calculado que a foto seria útil
para identificá-lo. Também não foi possível verificar se o vigário anunciou a fuga de Conrado
em algum jornal da capital ou do periódico dominical A verdade, que circulava em
Alagoinhas, o que certamente aconteceu. Assim, em 28 de setembro de 1887, o vigário
resolveu alforriar Conrado:

Desejando comemorar o aniversário jubilar do Santíssimo Padre Leão 13º com um


ato que lhe fosse agradável e sendo como tal lembrado pelo nosso bom Prelado o
Exmo. Senhor Arcebispo Dom Luiz Antônio dos Santos alguma carta de liberdade,
hei por bem libertar o meu criado de nome Conrado, único que me resta com o
vínculo de cativeiro, e que mandei matricular por se achar sem razão foragido. Do
último de dezembro deste ano de 1887 em diante, pode o referido Conrado gozar de
sua liberdade como se de ventre livre nascesse, e designo esse dia por ser o faustoso
quinquagésimo aniversário da elevação do sacerdócio do Grande Pontífice Leão 13º
que ora governa a Igreja de Deus.25

21
SOUZA, Robério S. Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e nacionais livres, libertos e escravos na construção
da primeira ferrovia baiana (1858-1863), Salvador: Edufba/Fapesp, 2011, pp. 63-64. Sobre as visões de
liberdade, cf. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na
corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
22
Sobre a utilização da fotografia como instrumento de controle, cf. LIMA, Solange Ferraz; CARVALHO,
Vânia Carneiro de. Fotografias: usos sociais e historiográficos. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCCA, Tânia
Regina de. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 31-32.
23
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, p. 32.
24
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, p. 33.
25
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, pp. 31-32, grifos meus
54

Conforme determinava o artigo 2º do Decreto nº 4.835, de 11 de dezembro de 1871, a


matricula dos escravos deveriam ser feitas no município em que eles residissem. Em março de
1887, quando Conrado foi matriculado, o vigário aparentemente ainda residia no município de
Alagoinhas. Naquela ocasião, o preto encontrava-se foragido há dois anos, conforme foi
registrado no documento. A matrícula de escravos consistia em um formulário impresso,
preenchido pelo senhor e registrado na coletoria do município, conforme se vê na Figura 4.

Segundo Teles, Conrado era de cor preta, com idade de 24 anos, solteiro, natural de
Alagoinhas, lavrador, filho de Maria Joana. Como não havia um campo específico no
documento para informar a fuga de Conrado, bem como a sua alforria, o vigário registrou-as
no campo observações, ocupando todo o espaço disponível do formulário, inclusive porque,
naquela ocasião, só possuía um escravo. Entre o registro da matrícula de Conrado e sua
alforria passaram-se seis meses. Ao outorgar a alforria, o padre determinou que o filho de
Maria Joana gozasse a sua liberdade a partir do último dia do mês de dezembro de 1887, após
três meses de sua outorga.

A excentricidade do vigário em registrar a alforria de Conrado na cópia da matrícula


que tinha sob seu poder, na prática, não o beneficiou. Sem dúvida, foi um instrumento
inusitado de alforria, comumente outorgada por meio de uma carta de alforria, alforria na pia
batismal, em testamento e inventário post mortem.26 A alforria de Conrado chama a atenção
pelo fato de o vigário Teles, apesar da fuga, àquela altura dos acontecimentos, não descartar a
oportunidade de registrar o domínio que acreditava possuir sobre o preto, valendo-se, para
isto, inclusive do uso de sua imagem, a fim de confirmar o seu discurso. Conforme assegurou
Vasconcellos, “para o escravo nada significou, pois já gozava da liberdade, graças à fuga bem
sucedida. Ademais, a carta de alforria nunca chegou as suas mãos, ficando enterrada no
arquivo eclesiástico”.27

A demografia da população escrava no Recenseamento de 1872

Além do tamanho e da condição jurídica, o recenseamento de 1872 também


possibilita a análise da população por gênero, cor e origem. Conforme se vê na Tabela
abaixo, em Alagoinhas, o número de homens livres era um pouco menor do que o de

26
Sobre as diversas formas de alforria, cf. EISENBERG, Peter. EISENBERG, Peter L. “A carta de alforria e
outras fontes para estudar a alforria no século XIX”. In: ______ Homens esquecidos: escravos e trabalhadores
livres no Brasil, século XVIII e XIX. Campinas. SP: Ed. Unicamp, 1989, pp. 245-254.
27
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, p. 32.
55

mulheres livres e, entre os escravos pendia levemente para os homens escravizados. Já em


Inhambupe, o percentual de homens livres e escravizados foi um pouco superior ao das
mulheres livres e escravizadas.

Tabela 5: População por gênero e condição jurídica, Alagoinhas e Inhambupe, 1872

Homens Mulheres Subtotal


Total
Município Livre Escrava Livre Escrava Livre Escrava
N % N % N % N % N % N % N
Alagoinhas 8.981 49,96 1.887 50,1 8.995 50,04 1.876 49,9 17.976 82,7 3.763 17,3 21.739

Inhambupe 10.034 55,20 1.487 55,8 8.141 44,80 1.178 44,2 18.175 87,2 2.665 12,8 20.840

Fonte: Cf. Tabela 4.

Como se observa na Tabela acima, a população escrava em Alagoinhas era um pouco


maior comparada à de Inhambupe, sendo a diferença maior entre as mulheres. A diferença no
percentual de mulheres entre os escravos para os dois municípios indica que em Inhambupe o
fenômeno da alforria vicejou mais em relação a Alagoinhas? A análise sobre a alforria
realizada no período – 1871 a 1888 – para os municípios estudados apresentam números
semelhantes. Em Alagoinhas, pesquisando as cartas de alforrias registradas no primeiro
Tabelionato de notas, Monalisa Matos encontrou 108 alforriados. Segundo Matos, os livros de
Alagoinhas não estão sequenciados e faltam “registros dos anos de 1871, 1875, 1878, 1886 e
1887”.28 Em Inhambupe encontramos 140 alforrias para o mesmo período. As lacunas nos
livros de Alagoinhas sugerem cautela, uma vez que o número de alforrias pode ter sido maior
do que o contabilizado por Matos. Talvez, o número maior de escravos em Alagoinhas esteja
relacionado ao desenvolvimento econômico ocasionado pela construção da ferrovia e pelo
crescimento do comércio que promoveu o aumento demográfico da localidade.

O Recenseamento também classificou a população por raça, como se vê nas Tabelas


6 e 7, elencando quatro categorias para classificar a população: brancos, pretos, pardos e
caboclos que não esgotavam a terminologia étnico-racial que vigorou no período da
29
escravidão, conforme discutido pela historiografia. Ademais, a documentação sobre

28
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 12.
29
Para uma análise da demografia da escravidão na capitania e província da Bahia, cf. entre outros,
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550- 1835. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988, pp.280-291; ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em
Salvador, 1811-1860. São Paulo: Corrupio, 1988; PARÉS, Luís Nicolau. A formação do candomblé: história e
ritual da nação jeje na Bahia. Campinas, Editora da UNICAMP, 2006, pp. 63-76. ALMEIDA, Kátia Lorena
Novais. Alforrias em Rio de Contas, Bahia – Século XIX.Salvador: Edufba, 2012, pp. 103-115.
56

Alagoinhas e Inhambupe menciona outros termos étnico-raciais em cartas de alforria,


inventários e outros documentos que não aparecem no censo de 1872, tais como: crioulo,
mulato e mestiço, os mais recorrentes. Segundo João José Reis, crioulo foi um vocábulo
empregado antes e ao longo do século XIX,

[...] como definidor do negro nascido no Brasil, para diferenciá-lo do africano, antes
frequentemente referido apenas como preto. Preto agora valia para descrever negro
brasileiro ou africano, o que acredito ser mais um indicio de que a sociedade se
adaptava para conviver com apenas um tipo de negro: aquele nascido no Brasil. 30

Acreditamos que as reflexões sobre os termos crioulo e preto, feitas por Reis para Salvador –
cidade que mais recebeu africanos na província da Bahia ao longo de todo o período da
escravidão –, e apesar das diferenças de contextos da demografia da escravidão em relação a
Alagoinhas e Inhambupe, cuja população escrava, desde a primeira metade do século XIX,
era, sobretudo, crioula nos ajudam a compreender a complexidade do sistema de classificação
racial nos dois últimos municípios. Vale lembrar que a classificação racial era atribuída por
funcionários que produziam os documentos, tanto no domínio da Justiça – escrivães do juízo
municipal e de órfãos – quanto pelos funcionários que analisaram os dados das paróquias – os
padres continuaram anotando uma diversidade de temos étnico raciais ao batizarem e casarem
os escravos – e condensaram as informações no recenseamento da população escrava e livre
em 1872. Ademais, o dicionarista Antônio de Moraes Silva designou preto como o negro
forro ou cativo, não distinguindo a origem. 31 Não é demais lembrar que o vigário Teles
descreveu seu escravo Conrado na matrícula de 1887, como de cor preta, natural de
Alagoinhas. Assim, em Alagoinhas e Inhambupe nas últimas décadas da escravidão, preto
passou também a designar o negro nascido na região.
Tabela 6: Classificação por cor e gênero da população de Alagoinhas

Cor Livre Escrava Total

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher


N % N % N % N % N % N %
Brancos 1.630 18,1 1.571 17,5 - - - - 1.630 15 1.571 14,4
Pardos 5.581 62,2 5.050 56,1 849 45 901 48 6.430 59,1 5.951 54,8
Pretos 1.664 18,5 2.259 25,1 1.038 55 975 52 2.702 24,9 3.234 29,8
Caboclos 106 1,2 115 1,3 106 1 115 1
Total 8.981 100 8.995 100 1.887 100 1.876 100 10.868 100 10.871 100

Fonte: Cf. Tabela 4.

30 O autor pesquisou sobre o trabalho dos escravos e libertos ganhadores de rua que atuavam em Salvador, no
final da década de 1880. REIS, “De olho no canto: trabalho de rua na Bahia na véspera da abolição”. Afro-Ásia,
Salvador, n. 24, p. 233, grifos do autor.
31
SILVA, Antônio de Moraes e. Dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Typografia Lacerdinha, 1789, p. 500,
http://www.ieb.usp.br/online/dicionarios/moraes/, acesso em 15/06/2018.
57

Em Alagoinhas, a maioria dos habitantes livres era formada por pardos, com 59,1%;
seguida pelos pretos, 21,8%; brancos, 17,8%; e, caboclos, 1,3%. Já em Inhambupe, a
população configurava-se da seguinte maneira: 67,7% de pardos; seguida pelos brancos,
22,4%; pretos; 8,1%; e, caboclos, 1,8%. Chama a atenção a diferença no percentual de pretos
nos dois municípios. Enquanto em Alagoinhas o percentual foi de 21,8%, em Inhambupe
apenas 8,1% dos homens livres foram classificados como pretos. Quando se compara a
população escrava dos dois municípios a diferença é menor, mas Alagoinhas supera
Inhambupe. Como explicar essa diferença? A questão é complexa, pois desconhecemos como
o recenseador identificava o recenseado. Por outro lado, a construção da ferrovia em
Alagoinhas atraiu uma população flutuante egressa do cativeiro e, conforme Fraga Filho e
Souza, escravos fugidos, a exemplo de Basílio, conforme abordaremos adiante.

Tabela 7: Classificação por cor e gênero da população de Inhambupe

Livre Escrava Total


Cor
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
N % N % N % N % N % N %
Brancos 2.220 22,1 1.852 22,7 - - - - 2.220 19,3 1.852 19,9
Pardos 6.789 67,7 5.514 67,7 454 30,6 404 34,3 7.243 62,9 5.918 63,5
Pretos 825 8,2 640 7,9 1.033 69,4 774 65,7 1.858 16,1 1.414 15,2
Caboclos 200 2 135 1,7 - - - - 200 1,7 135 1,4
Total 10.034 100 8.141 100 1.487 100 1.178 100 11.521 100 9.319 100
Fonte: Cf. Tabela 4.

Segundo Hebe Mattos, o termo pardo foi utilizado, inicialmente, para indicar a cor
mais clara de alguns escravos e depois para dissociar os mestiços – população livre de
ascendência africana – da experiência do cativeiro, que não se enquadrava na denominação de
preto ou crioulo, consolidando a categoria de “pardo livre”. 32 Vale ressaltar que a população
de pardos livres em Alagoinhas era de 59,1% e de 67,7% em Inhambupe. Ainda segundo
Mattos, ser pardo livre indicava que o indivíduo havia adquirido certa mobilidade social.
Concordamos com a assertiva de Mattos, partindo da premissa de que os pardos livres eram
os filhos de libertos nascidos no Brasil, tornando-se uma categoria definidora de um lugar
social. Eram homens e mulheres que não passaram pelo estigma da escravidão atingindo um
nível de diferenciação dentre as outras categorias, pretendendo ser possuidora de escravos. A
autora, com base na obra de Stuart Schwartz, exemplifica com o Recôncavo Baiano, onde
cerca de 80% dos senhores eram pequenos proprietários que possuíam menos de 10 escravos,

32
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 17.
58

como parte destes eram os descendentes de africanos.33 Podemos aludir que, assim como no
Recôncavo, em Alagoinhas e Inhambupe muitos dos pequenos proprietários de escravos
fossem pardos livres.

Conforme se vê nas Tabelas 6 e 7, a maioria da população dos dois municípios era


predominantemente mestiça, formada por escravos, libertos e livres descendentes de africanos
nascidos no Brasil. Como se sabe, o tráfico transatlântico foi a porta de entrada para a
formação da população escrava no Brasil. A historiografia argumenta que a contínua
importação de homens, mulheres e crianças das várias partes do continente africano, que aqui
foram escravizados, perdurou por mais de três séculos, formando a sociedade escravista que
vigorou até 1888. Convém lembrar que a lei 7 de novembro de 1831 proibiu o tráfico de
escravos mas, foi a Lei Eusébio Queiróz de 1850 que estabeleceu medidas para a repressão do
tráfico de africanos no Império. Contudo, de 1831 a 1850, decorridos quase duas décadas,
segundo Silva, “[...] o tráfico de escravos para o Império não só continuou a ser feito, como
sofreu incremento muito grande [...]”.34 Até 1851, quando o tráfico realmente deu sinais de
falência, já havia chegado centenas de milhares de escravos que entraram ilegalmente no país.
O Recôncavo baiano foi uma das regiões da província da Bahia com maior quantidade de
escravos, contudo, este número variava bastante, dependendo do tamanho da propriedade e do
tipo de lavoura praticada. Segundo Barickman, “senhores de engenho, lavradores de cana e de
fumo e roceiros, todos compravam escravos, mas em quantidades bem diferentes, e os
tamanhos de seus plantéis variavam muitíssimo”. 35 Os engenhos e fazendas que cultivavam e
produziam a monocultura do açúcar possuíam mais escravos do que aquelas propriedades que
desenvolviam as lavouras de fumo e/ou mandioca.

Os municípios de Inhambupe e Alagoinhas, diferente do recôncavo açucareiro, não


possuíam grandes escravarias, caracterizando-se por pequenas e médias propriedades, e, de
igual modo, pequenas e médias posses em escravos. 36 Estudando a origem dos escravos
identificados em 14 inventários post mortem de Alagoinhas, entre 1835 e 1850, Amorim
recolheu dados de 173 cativos. Destes, 73,4% eram de nascidos no Brasil e 17,9% eram
africanos; 8,7% de não identificados. Estudando o mesmo município, entre 1827 e 1846,
Matos pesquisou 11.099 assentos de batismos, entre os quais 1.978 eram escravos recebendo

33
MATTOS. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico, p.18.
34
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 124.
35
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 237.
36
Cf. AMORIM. “O parentesco espiritual”; SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do
trabalho”; NASCIMENTO. “A família escrava na freguesia”; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”.
59

sacramentos e encontrou o seguinte perfil demográfico: 26,5% nascidos no Brasil, 10,5%


trazidos da África e 62,9% sem informação. Segundo ela, a partir de 1831 foram rareando as
informações sobre a origem dos escravos até desaparecer completamente dos registros de
batismos, o que não era de se estranhar, por conta da proibição do tráfico.

Ao analisar os registros de batismos de Inhambupe, entre 1824 e 1840, Laís Santos


encontrou um total de 1.267 escravizados, sendo 88% de nascidos no Brasil, 6,9% de
africanos e 5,1% sem informação sobre a origem. Segundo Amorim, em Alagoinhas, até a
década de 1830, os escravistas faziam a reposição de seus escravos também pela via do tráfico
transatlântico. Todavia, após a lei de 7 de novembro de 1831, aparentemente, adquirir
escravos nesse município ficou mais difícil para os proprietários da região. 37 No conjunto, os
trabalhos sobre Alagoinhas e Inhambupe sugerem que a manutenção e ampliação da
escravidão nesses municípios se deram pela via da reprodução endógena.

A cessação do tráfico em 1850, com a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, afetou


econômica e politicamente todo o Império brasileiro. Até mesmo regiões de economias
periféricas como Alagoinhas e Inhambupe não passaram ilesas a essa realidade. Não é nossa
pretensão aprofundar a discussão sobre o tema, no entanto, faz-se necessário ressaltar a forte
influência do fim do tráfico de escravos para as relações senhor/escravo. Segundo Ricardo
Silva, as exportações diminuíram significativamente na Bahia e ocasionaram a transferência
de milhares de cativos baianos para o sudeste. 38 Barickman por sua vez, assegura que “o
comércio interprovincial de escravos também acelerou o declínio da população servil do
Recôncavo”. 39
Em Alagoinhas e Inhambupe, a população escrava era formada
majoritariamente por nascidos no Brasil. Conforme o censo de 1872, dentre os 105
estrangeiros moradores de Alagoinhas, 100 eram africanos, 2 italianos, 2 portugueses e 1
alemão. Entre os africanos, 66 foram recenseados como escravos e 34 como livres. Em
Inhambupe, dos 134 imigrantes, 129 eram africanos, 4 italianos e 1 inglês. Assim, a grande
maioria dos estrangeiros dos municípios era formada por africanos, sendo 107 escravos e 22
como livres. Como o censo de 1872 não utiliza o termo “africano livre”, não foi possível
identificar se entre os 100 africanos estrangeiros recenseados como homens livres, havia essa
categoria ou a de libertos. Segundo Enidelce Bertin,

37
AMORIM, “Parentesco Espiritual”, p. 22.
38
SILVA. “Os escravos vão a justiça”, p. 40.
39
BARICKMAN. “Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo
Baiano (1850-1881)”. Afro-Ásia, n. 21-22 (1998-1999), p. 193.
60

No Brasil, a categoria dos africanos livres tem origem localizada no complexo


contexto de combate ao tráfico de escravos, mais precisamente a partir do Alvará de
26 de janeiro de 1818, que ratificava os tratados anteriores entre Portugal e
Inglaterra para a cessação do tráfico e definia a criação de comissões mistas que
apreendiam as embarcações e emancipariam os africanos embarcados.40

No entanto, nesse mesmo alvará, o governo português determinou que os africanos


confiscados fossem distribuídos para trabalhar como libertos no serviço público, podendo
também ser alugados a particulares. Ainda ficou estabelecido o prazo de 14 anos de prestação
de serviços pelos africanos, podendo ocorrer o decréscimo de dois anos ou mais para aqueles
que, conforme afirmou Afonso Florence Bandeira, “pela qualidade de seus serviços e
préstimos, demonstrassem merecer pleno direito da sua liberdade”. 41

Bandeira aponta para o rígido controle no ambiente de trabalho a que eram


submetidos os libertos e os mecanismos que “funcionavam como um forte instrumento de
experimentação da política de sujeição pessoal e de formação de camadas de dependentes”. 42
Para aqueles que em momento algum se consideraram escravos, a Lei de 7 de novembro de
1831 veio enfatizar a necessidade de continuar lutando contra as adversidades, acreditando na
efetiva liberdade a que teriam direito. Assim, a valorização dessa especial condição de
africano livre extrapolou “o cotidiano daqueles homens que faziam questão de lembrar que
não eram escravos, tampouco libertos, enfatizando a condição de ter sido ‘sempre livre’”.43
Veremos no último capítulo que nos municípios aqui estudados, alguns africanos também
reivindicaram na Justiça a sua condição de homem livre.

Embora não haja estudos sobre a posse de escravos nesses municípios na segunda
metade do século XIX, o baixo percentual de escravos apresentado no censo de 1872,
provavelmente concentrava-se em mãos de poucos proprietários. Ao analisar os conflitos pela
propriedade e reordenamento do trabalho em Alagoinhas e Inhambupe, entre 1860 e 1890,
Antônio Hertes Gomes de Santana mediu, qualitativamente, o nível dos proprietários dos dois
municípios a partir dos bens listados em 17 inventários post mortem, sendo 3 para Alagoinhas
e 14 para Inhambupe. O autor concluiu que o nível de riqueza do primeiro município era
maior se comparado ao segundo, cujos inventariantes não apresentavam bens em grande

40
BERTIN, Enidelce. “Africanos livres emancipados e a experiência da liberdade controlada”. III ENCONTRO
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL – A experiência dos africanos e seus
descendentes no Brasil, 2007, Florianópolis/SC. Anais... Florianópolis, UFSC, 2007, p. 1 – 7 (Anais eletrônicos),
p. 1.
41
Nesse trabalho o autor discute as diferentes visões de liberdade dos africanos livres. FLORENCE, Afonso
Bandeira. “Entre o cativeiro e a emancipação: a liberdade dos africanos livres no Brasil (1818 – 1864)”.
(Dissertação de Mestrado em História, Universidade federal da Bahia, 2002), p. 7; Idem p. 36.
42
FLORENCE. “Entre o cativeiro e a emancipação”, pp. 36 – 37.
43
BERTIN. “Africanos livres emancipados”, p. 7.
61

quantidade.44 Quantitativamente, os dados analisados são frágeis para ampliar tais conclusões,
uma vez que, se a posse de escravos ainda era sinônimo de riqueza os dois municípios não
diferiam significativamente, conforme se conclui pela análise do censo de 1872 (Tabela 4).

Como já foi dito, em 14 de maio de 1857os representantes da Câmara de Alagoinhas –


José Moreira de Carvalho Rego, Pedro Alves Barbosa, Francisco da Silva, Manoel Joaquim
Ribeiro de Vasconcelos e Francisco de Souza Dantas – em correspondência enviada à
presidência da província, queixaram-se da perda de braços nas lavouras do município, e
alegaram que os prejuízos atingiram todos os produtos cultivados no município, apontava
como causa a falta de escravos, por conta do fim do tráfico.45 Preocupados em como suprir a
ausência dos cativos nos serviços da lavoura, discutiram a possibilidade de contratar homens
livres para o trabalho nos canaviais. Contudo,

Não se tem podido alcançar empenho de gente livre para substituir a falta de braços
escravos, ainda mesmo mediante um valor e vantagens, não se consegue sujeitar-se
aqui o homem livre ao trabalho dos canaviais [...] porque a população livre mostra
grande horror a qualquer contrato de serviço. 46

Ao analisar a região do Recôncavo baiano, Barickman argumentou que na agricultura


predominava o trabalho escravo, apesar de haver uma população livre no campo, por conta da
ausência de oferta de mão de obra confiável, ou seja, de pessoas que se dispusessem a
trabalhar no regime assalariado voluntário, pois preferiam assegurar uma sobrevivência
precária cultivando as grandes reservas de terras ociosas. A população livre e pobre tinha o
acesso à terra, o que lhes garantia a sua independência e a não sujeição aos senhores de
engenho e lavradores do Recôncavo.47 A preocupação dos vereadores em manter a produção
das lavouras em Alagoinhas explica-se pelo fato de representarem ali seus interesses.
Segundo Lima, os legisladores eram os donos de boa parte das propriedades no município . 48

Em outubro de 1856, a Câmara de Inhambupe criou uma postura municipal impondo


uma multa de vinte mil réis sobre aqueles que vendiam escravos para fora do município e
solicitou ao presidente da província que interviesse, pois um ano depois de elaborada a
postura ainda não havia sido aprovada pela Assembleia Legislativa. Solicitavam autorização
para que a referida lei passasse a vigorar provisoriamente. A negociação de escravos estava
sendo colocada “[...]como primeiro ramo de interesse a bem dos traficantes”; ademais,

44
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 19.
45
APEB, Colonial e provincial, correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
46
APEB, Colonial e provincial, correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
47
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 221.
48
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p.33.
62

compravam os escravos sem pagar a meia cisa e sem passar escritura, em lugar desta,
passavam uma procuração “[...]com a qual maliciosamente, figurando-se procuradores
conduzem esses escravos para onde maior vantagem oferece o comércio”. 49

Os vereadores ainda ressaltaram que o comércio e a lavoura de fumo, açúcar,


mandioca, milho e feijão estavam sofrendo com a falta de braços, ou seja, havia interesse em
manter os benefícios que a mão de obra escrava proporcionava. Se por um lado, os
proprietários dependiam do escravizado para a manutenção da lavoura, por outro, muitas
vezes se rendiam ao lucrativo comércio interprovincial. Erivaldo Fagundes Neves constatou
que houve a transferência de escravizados de Caetité para as lavouras de café no Sudeste. Os
traficantes concediam procurações a vendedores a fim de que estes pudessem comercializá-
los. Assim como em Inhambupe, em Caetité e outros municípios, os comerciantes de escravos
burlavam o fisco imperial para não pagar os impostos referentes a comercialização de cativos.
O autor ressalta que essa foi uma prática generalizada em todo o Império pelos comerciantes
interprovinciais usada também, “no mascateamento intra-regional de homens escravizados”.50

No final da década de 1850, a agricultura passou por dificuldades motivadas por


secas e epidemias, porém, segundo correspondência emitida pela Câmara de Alagoinhas, em
cumprimento à circular da presidência da província, de 14 de maio de 1857, que solicitava
informações sobre a sua produção agrícola, a condição alegada da crise da lavoura atribuída à
cessação do tráfico de africanos, que elevou o preço dos escravos, causando a falta de braços.
Como consequência, as fazendas não estavam obtendo lucro e as propriedades apenas
produziam um terço de antes. Alguns dos engenhos de açúcar da freguesia de Jesus, Maria e
José encontrava-se em abandono e quase em ruína. 51

Em 1860, ao responder à presidência da província que solicitava informações sobre a


indústria de mineração, a têxtil e a agrícola, a Câmara de Alagoinhas informou que a
agricultura encontrava-se em dificuldades. Os engenhos que trabalhavam em grande escala, e
que há tempos davam resultados de mais de trinta contos de réis de lucro, achavam-se

49
APEB. Colonial e provincial. Correspondência recebida da Câmara de Inhambupe, maço 1318, 1847-1859.
50
Nessa pesquisa, o autor indicou a transferência de mão de obra escrava de Caetité para o Oeste Paulista.
NEVES, Erivaldo Fagundes. “Sampuleiros traficantes: comércio de escravos no alto sertão da Bahia para o oeste
cafeeiro paulista”. Afro-Ásia, 24 (2000), pp. 97-128.
51
APEB. Colonial e provincial. Correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
63

reduzidos a produzirem a décima parte daquele produto. Segundo o presidente da Câmara, o


principal motivo era a falta de braços.52 Segundo Aline Nascimento,

Em 1872 o número de escravos era maior na Freguesia de Igreja Nova (2.497),


seguida por Alagoinhas (843) e Araçás (423). A partir desses dados, pode-se afirmar
que a maior parte da mão de obra escrava era empregada na produção de gêneros
agrícolas e estava concentrada na freguesia rural de Igreja Nova. Certamente, a
produção agrícola nesta freguesia superava a de Alagoinhas, fazendo com que esta
dependesse de seus produtos, uma vez que a região não os importava como afirma a
mesma ata.53

A autora aponta para a revitalização da economia nesta freguesia, destacando-a dentre as


outras que formavam o município de Alagoinhas. Concordamos com a posição de
Nascimento, pois é possível que entre 1860 e 1872, a referida freguesia tenha conseguido
reverter a situação de outrora.

Para Silva, as relações entre senhores e escravos foram diretamente afetadas pela Lei
de 1850, repercutindo, especialmente, sobre as conquistas de liberdade, pois os senhores já
não tinham mais interesse em negociar a alforria com os cativos, uma vez que, por conta da
elevação dos preços dos escravos, os proprietários lucravam mais com a comercialização
deles no tráfico interprovincial. 54 Certamente as negociações para a alforria também foram
afetadas na segunda metade do Oitocentos em Alagoinhas e Inhambupe, como se depreende
das queixas dos vereadores sobre o declínio da lavoura, sugerindo que a proibição do tráfico
conferiu prejuízos à região. Porém, foge ao escopo deste trabalho a análise da alforria no
período anterior a 1870, mas vejamos as condições em que ocorreram nas últimas décadas da
escravidão.

Alforrias em Alagoinhas e Inhambupe

A redação de uma carta de liberdade é reveladora da prática de alforriar na sociedade


escravista que se formou no Brasil ao longo de todo o período em que vigorou a escravidão. A
manumissão era uma prerrogativa do senhor que tinha a posse do escravo e normalmente
iniciava declarando a sentença “sou senhor e possuidor de um escravo...”, ou ainda
apresentava-se como alguém imbuído de generosidade e benevolência, expressando amor,
caridade e afeto “a qual pelo amor que tenho e por ter criado...”, como declarou a senhora de
Luiza, mulatinha de 11 anos da Fazenda Coqueiro, em Alagoinhas. 55 É possível que realmente

52
APEB. Colonial e provincial. Correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
53
NASCIMENTO. “A família escrava em Santo Antônio das Alagoinhas”, p. 34.
54
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 40.
55
Carta de alforria de Luiza. 1º Tabelionato de Notas em Alagoinhas, Livro de Notas do tabelionato, s/n, 1877,
fl. 68. Agradeço a Edson Silva pela gentileza em compartilhar os livros de notas 15 e 17 do município de
64

existissem esses sentimentos, no entanto, aqui ressaltamos o não escrito nas cartas, ou seja, o
protagonismo do escravizado que lutava, negociava e agia ativamente na busca de sua
liberdade.

A alforria era um direito costumeiro, legalizado por força da Lei 2.040, de 28 de


setembro de 1871, que dentre outras medidas, reconheceu o pecúlio. Nesta seção, reflete-se
sobre a alforria em Alagoinhas e Inhambupe, destacando as experiências dos cativos no
processo, não concebendo essa prática apenas como uma dádiva senhorial. Para isto,
discutiremos os tipos de alforria a partir de 128 cartas que libertaram 140 escravos no
município de Inhambupe, bem como 100 cartas de liberdade que alforriaram 108 escravizados
no município de Alagoinhas. 56 O número de cartas de alforrias encontradas em ambos os
municípios provavelmente estão aquém dos alforriados, pois há varias lacunas nos livros do
Tabelionato de notas de Alagoinhas. Por outro lado, não se pode perder de vista que a alforria
era seletiva e poucos eram os escravos que a alcançavam.

Atualmente, há vários estudos sobre a prática de alforria na província da Bahia, mas


no âmbito desta seção comparam-se os dois municípios com aqueles mais próximos, a fim de
dimensionar os termos aqui estudados. Flaviane Nascimento estudou as alforrias em Feira de
Santana entre 1850 a 1888, e encontrou 435 cartas que libertaram 452 escravos. 57 Também na
região agreste, em Riachão de Jacuípe, Eliete Mota Ferreira analisou 93 alforrias, sendo 52
localizadas em livros de notas, 34 em inventários e 7 em registros de batismos. 58 A diferença
entre as duas localidades é significativa e se explica pelo fato de Nascimento analisar Feira de
Santana e seu termo, isto é, aproximadamente 18 distritos, enquanto Ferreira analisou um dos
distritos que formavam aquele termo. Por outro lado, Feira de Santana difere dos municípios
de Alagoinhas e Inhambupe pelo fato de o primeiro concentrar uma população muito mais
expressiva, inclusive a população escrava.

Inhambupe. O autor computou 160 alforriados no período estudado (1870 – 1888), número diferente do
encontrado por mim (140). A diferença resulta que ele contabilizou 18 anos, enquanto pesquisei 17, isto é, de
1871 - 1888. SILVA, Edson Pereira da. “O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na vila de
Inhambupe – Bahia (1870 – 1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia,
2017).
56
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, 2º capítulo.
57
NASCIMENTO. “Viver por si”, p. 38.
58
Em sua dissertação a autora analisou as experiências de liberdade em Riachão de Jacuípe. FERREIRA, Eliete
Mota. “Nas veredas da Liberdade: experiências de homens e mulheres escravizados no sertão de Riachão do
Jacuípe – Ba, (1850-1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017), p.
78.
65

A escrita da carta de alforria revela as diferentes possibilidades que se apresentavam


para os escravos que conquistavam a liberdade. Marcolina, africana, morava em Inhambupe
quando negociou a sua alforria no ano de 1873 por 400$000 réis. Provavelmente, o valor pago
resultou de economias acumuladas ao longo de vários anos de trabalho, possivelmente na
lavoura, a exemplo da maioria dos escravos daquele município. 59 Já a parda Gertrudes foi
alforriada em 1878, na vila de Alagoinhas, aparentemente sem ônus algum, “a qual poderá de
ora em diante para sempre gozar de plena liberdade, como se de ventre livre nascesse”. 60 Ou
ainda, o escravo Calisto, crioulo, 58 anos, que residia e trabalhava na fazenda dos Patos,
Inhambupe, alforriado com a condição de servir e acompanhar ao senhor até a sua morte. 61

A carta de alforria era um instrumento jurídico utilizado pelo senhor que transferia ao
escravizado a posse e a titularidade da propriedade que tinha sobre ele. 62Para Maria Inês C. de
Oliveira, “libertar-se não significava adquirir novo estatuto legal. Mais do que isto,
significava sobreviver às próprias custas e poder se aproveitar dos espaços permitidos à sua
ascensão na sociedade livre. [...] A porta de ingresso a este novo mundo era a Carta de
Alforria”. 63 A alforria poderia ser onerosa ou gratuita e agregada ou não de condições, e para
ser reconhecida, deveria ser registrada em cartório, no livro de notas do tabelião. Apesar de
não haver obrigatoriedade, o registro era importante para comprovar sua condição jurídica.
Assim, compreende-se a necessidade de os libertos a registrarem a carta em notas, a despeito
do custo que implicava. 64

A historiografia sobre o tema tem demonstrado que a alforria era concedida por meio
de diferentes documentos: livro de batismo, testamento, inventários post mortem, cartas de
alforria registradas nos livros de notas.65 Ademais, outros documentos eram utilizados como
suporte para a alforria, a exemplo da matrícula de Conrado. A alforria era outorgada em vida
ou após a morte do senhor, a exemplo dos “fragmentos da história de Águida”, crioula,

59
Carta de alforria de Marcolina, africana, vila de Inhambupe, 20 de dezembro de 1873. APEB. Seção Colonial e
Provincial. Livro de notas nº 16 de Inhambupe, 1873, fl. 6.
60
Carta de alforria de Gertrudes, vila de Alagoinhas, 23 de abril de 1878. 1º Tabelionato de Notas em
Alagoinhas, Livro de Notas do tabelionato, s/n, 1878, fl. 100.
61
Carta de alforria de Calisto, vila de Inhambupe, 13 de março de 1881. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 19 de Inhambupe, 1881, fl. 16v e 17.
62 Definição de alforria extraída de ALMEIDA, Alforrias em Rio de Contas, p. 60.
63
OLIVEIRA, Maria Inês Cortês. O liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo: Corrupio, 1988, p. 21.
64
Sobre o registro da alforria em cartório, cf. ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Escravos e libertos nas minas
do Rio de Contas: Bahia, século XVIII. Salvador: Edufba, 2018, p. 18.
65
A historiografia sobre a alforria cresceu significativamente nas últimas décadas, inclusive para a Bahia. Cf.
entre outros, MATTOSO, Kátia M. de Queirós. “A propósito de Cartas de Alforria, Bahia 1779-1850”, Anais de
História (1972), nº4, p. 23-52; SCHWARTZ, Stuart. “Alforrias na Bahia”. In: ____. Escravos, roceiros e
rebeldes. Bauru: Edusc, 2001, pp. 171-218; ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas.
66

apontando que a morte do senhor poderia trazer alguns benefícios. Águida foi alforriada em
testamento por José Barbosa da Silva Barros, com a condição de servir a d. Maria Amélia de
Barros Maia, sua filha, durante cinco anos e só após o cumprimento do prazo estabelecido
poderia gozar de liberdade plena. “Assim, a alforria de Águida foi um ato de última vontade
de Barros, que impôs uma condição para que ela se cumprisse”. 66

A carta de alforria é uma fonte que possibilita conhecer o perfil do liberto de


Alagoinhas e Inhambupe, no entanto, diz pouco sobre as estratégias utilizadas pelos escravos
para conseguir a liberdade. Segundo Matos, que analisou as alforrias em Alagoinhas, “é
importante levarmos em consideração que a carta de alforria também se constitui como um
local de memória onde, por vezes, o senhor deixava registrado aspectos do cotidiano e sua
interpretação sobre aquele ato”.67 Assim, ao conceder a carta de alforria, o discurso senhorial
reforçava sua autoridade deixando claro a quem pertencia a prerrogativa daquele ato e o lugar
que cabia ao liberto, isto é, a dependência e subordinação.68 No entanto, a alforria não pode
ser vista apenas como uma dádiva senhorial, mas como uma conquista dos indivíduos
escravizados que desenvolviam táticas que lhes proporcionassem atingir os objetivos de
liberdade. “Negociar melhores condições de sobrevivência e até mesmo a liberdade sob as
circunstâncias do cativeiro exigiu dos cativos obediência, humildade, dependência... bem
como astúcia, sagacidade e imaginação”.69

O documento de alforria era um escrito particular que seguia um protocolo desde ao


menos o final do século XVII.70 Nele o senhor se identificava e declarava a posse do escravo
livre e desembargada de qualquer ônus, seguida do nome do escravo que estava sendo
alforriado, acompanhado da nação/cor/qualidade, às vezes, a filiação, o motivo e/ou a
justificativa da alforria e, se fosse onerosa, o valor da mesma, seguida da declaração do seu
novo estatuto jurídico, a data da outorga, a assinatura das testemunhas e do tabelião e a data
do registro em cartório. Ao longo da segunda metade do século XIX, os textos das cartas
foram sendo simplificados, conforme pontuou Kátia Mattoso.71 Peter Eisenberg afirma que
depois de 1871, por conta da aprovação da Lei 2.040, passou-se a incluir dados da matrícula
instituída por esta lei, tais como o lugar e o “número do escravo no município e na ordem de

66
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 27 – 28.
67
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 28.
68
Cf. CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 23-50.
69
NASCIMENTO, Flaviane Ribeiro. “Viver por si”, p. 57.
70
SCHWARTZ. “Alforrias na Bahia”.
71
Cf. MATTOSO, “A propósito de Cartas”, p. 30-31.
67

relação fornecida por seu senhor”.72 Informações adicionais, como o estado civil do senhor ou
do escravo eram mais raras, mas o local de moradia era frequentemente informado, o que
possibilita analisar a frequência da alforria nas áreas rurais ou urbanas da localidade estudada.

Analisando as cartas de alforria de Alagoinhas, Monalisa Matos percebeu que na


maioria dos casos as informações eram restritas, assim como as cartas de liberdade registradas
em Inhambupe, que muitas vezes apresentavam somente o nome do escravo e do proprietário,
o tipo de alforria e as datas que foram outorgadas e registradas. Ao analisarmos os tipos de
alforria por década (Tabela 8), fica perceptível que na década de 1870, o tabelião de
Inhambupe foi procurado com maior intensidade para registrar documentos de liberdade. A
historiografia vem demonstrando que, nas localidades do interior da província da Bahia, o
aumento das alforrias nesse período deveu-se ao fim do tráfico transatlântico, à aprovação da
Lei 2.040, de 1871, à mudança do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste e ao crescente
movimento abolicionista.73 Cremos que a Lei de 1871 tenha influenciado para esse resultado
em Inhambupe, na medida em que legalizou o pecúlio, possibilitando maior acessibilidade da
liberdade para os cativos, seja por conta das negociações com os senhores na compra de suas
alforrias, ou mesmo por meio de ações na justiça quando falhavam os acordos. No entanto,
ainda que o pecúlio fosse reconhecido enquanto um direito pela lei, a alforria paga foi
diminuta na década de 1870 em Alagoinhas, “com o registro de apenas uma carta no ano de
1874, a de Desíderia, crioula, de 22 anos, escrava de Antônio Januario de Castro e sua mulher
Francisca Helisa de Jesus. Desíderia pagou por sua alforria o valor de 400$000réis”.74

Tabela 8: Registro e tipo de alforria em Inhambupe por década

Tipo de alforria
Década Condicional e Condicional e Incondicional e
Gratuita Total
Paga Não Paga Paga
N % N % N % N % N %
1871-1880 1 50 32 88,9 27 57,4 39 70,9 99 70,7
1881-1888 1 50 4 11,1 20 42,6 16 29,1 41 29,3
Total 2 100 36 100 47 100 55 100 140 100
Fonte: APEB. Seção Colonial e Provincial. Livros de notas de Inhambupe 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 (1871 –
1888).

72
EISENBERG, Peter L. “A carta de alforria e outras fontes para estudar a alforria no século XIX”. In: ______
Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil, século XVIII e XIX. Campinas. SP: Ed. Unicamp,
1989, p. 247.
73
Ver: SILVA. “Os escravos vão à justiça”; PIRES, Maria de Fátima Novaes. “Cartas de Alforria: ‘para não ter
o desgosto de ficar em cativeiro’”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v 26, nº 52, p. 141-174, 2006.
74
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 30.
68

Na década de 1880 ocorreu o movimento inverso. Houve um decréscimo no


percentual em Inhambupe para todos os tipos de alforrias, enquanto em Alagoinhas
intensificou-se a concessão das alforrias pagas como se vê na Tabela 9. Para Matos em
Alagoinhas isso se explica pelo crescimento do movimento abolicionista e a aplicação do
Fundo de Emancipação, instituído pela Lei 2.040, de 1871. 75 Concordamos com a autora,
considerando que, em Alagoinhas, houve 98 alforrias com o auxílio do Fundo de
Emancipação. Em Inhambupe dos 2.057 cativos classificados pelo Fundo, apenas 41 foram
alforriados com esse auxílio. 76 Considerando-se os baixos números de alforriados por meio de
cartas de alforria nas duas últimas décadas em ambos os municípios, o Fundo representou
uma oportunidade para os escravos que almejavam alcançar a liberdade.

Tabela 9: Registro e tipo de alforria em Alagoinhas por década

Tipo de alforria
Sem
Condicional Condicional e Incondicional Informação
Década Gratuita Total
e Paga Não Paga e Paga

N % N % N % N % N % N %

1872-1880 20 58,8 1 2,9 18 47,4 1 100 40 37

1881-1888 1 100 14 41,2 33 97,1 20 52,6 68 63


Total 1 100 34 100 34 100 38 100 1 100 108 100
Fonte: MATOS, Monalisa Pereira. Alforrias em Alagoinhas (1871-1888). (Trabalho de Conclusão de Curso em
História, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 31.

Desde a década de 1970 que os estudos sobre a alforria apontam que as mulheres se
destacaram em relação aos homens e Alagoinhas e Inhambupe (Tabelas 10 e 11) confirmam
este perfil. 77 Do total de alforriados em Alagoinhas, 58,3% eram mulheres e 41,7% homens e,
do contingente de libertos de Inhambupe, 54% eram do sexo feminino e 46% do sexo
masculino. Observa-se que em Alagoinhas, a vantagem das mulheres escravizadas foi maior
quando comparada ao desempenho das que moravam em Inhambupe.

Ao analisar as alforrias em Rio de Contas ao longo do século XIX, Kátia Almeida


constatou que as mulheres levaram vantagem sobre os homens em todos os períodos

75
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 30 – 31.
76
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 246.
77
MATTOSO, “A propósito de Cartas”; OLIVEIRA. O liberto; EISENBERG. “A carta de alforria e outras
fontes”; SCHWARTZ. “Alforrias na Bahia”; ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas.
69

estudados.78 Segundo Flaviane Nascimento, em Feira de Santana, 64,6% das alforrias foram
destinadas às mulheres, entre 1850 e 1888.79Estudando uma das freguesias que formava o
termo de Feira de Santana, Conceição do Jacuípe, Eliete Ferreira detectou que no período de
1850 a 1871, os homens superaram as mulheres, e entre 1871 e 1888, as mulheres lideraram. 80
Almeida justifica que a supremacia feminina não se explica apenas por fatores econômicos,

[...] a mulher, em especial a brasileira, contava com maiores possibilidades de


estabelecer relacionamentos com suas senhoras e senhores, que facilitaram a
obtenção da alforria. Esses laços poderiam decorrer tanto das ocupações por elas
exercidas como domésticas, amas de leite e mucamas, quanto de relações sexuais
mantidas com os senhores. As alforrias tendiam a beneficiar mais as cativas que
conviviam diariamente com a família senhorial.81

Para Matos, em Alagoinhas a vantagem das mulheres em relação aos homens devia-se à
proximidade entre as escravas e os senhores que partilhavam os mesmos espaços de trabalhos
e moradia, geralmente pequenos proprietários que possuíam poucos escravos.82 Concordamos
com a autora e estendemos esse argumento para Inhambupe. Além disso, como afirmou
Lizandra Ferraz, “as alforrias eram também resultado das próprias experiências individuais
estabelecidas entre senhores e escravos, bem como dependiam de outras conjunturas”.83

Tabela 10: Tipo de alforria por sexo do alforriado em Inhambupe,


1871 - 1888
Sexo do Escravo
Tipos de Alforria Homens Mulheres Total
N % N % N %
Condicional e paga 2 3,1 1 1,4
Condicional e não paga 18 28,1 18 24,0 36 25,9
Incondicional e paga 23 35,9 24 32,0 47 33,8
Gratuita 22 34,4 33 44,0 55 39,6
Total 65 100 75 100 140 100
Cf. Tabela 8

Em Inhambupe, as mulheres lideraram na alforria gratuita, enquanto os homens se


destacaram nas incondicionais e pagas, diferentemente de Alagoinhas, onde as mulheres

78
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p.126.
79
NASCIMENTO. “Viver por si”, p. 60.
80
Segundo a autora, de 1850 a 1871, do total de 32 cartas, 14 eram de homens alforriados e 10 referia-se às
mulheres e 8 eram crianças. Já de 1871 a 1888, do total de 58 cartas, as mulheres lideraram com 35 alforrias,
ficando os homens atrás com 21, seguidos pelas crianças com 2. FERREIRA. “Nas veredas da liberdade”, p. 95
81
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, pp. 130 – 134.
82
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 32.
83
FERRAZ, Lizandra Meyer. “Entradas para a liberdade: forma e frequência da alforria em Campinas no século
XIX”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Estadual de Campinas, 2010), p. 130.
70

superaram os homens nas alforrias pagas e gratuitas, em detrimento das condicionais, em sua
maioria atribuída aos homens. 84 A vantagem dos homens nas alforrias condicionais em
Inhambupe assemelha-se com os resultados encontrados por Almeida para Rio de Contas e
por Ferreira para Riachão do Jacuípe. 85 É provável que esse tipo de alforria tenha sido
concedida mais aos homens porque, em sua maioria, atuavam nas lavouras e nos serviços
mais pesados; talvez os senhores quisessem mantê-los sob os seus domínios o máximo de
tempo possível, garantindo mão de obra dada a falta de braços no município segundo os
vereadores da Câmara de Alagoinhas.

O tipo de alforria que predominou em Inhambupe foi a onerosa, com 60,4% do total.
Enquadramos como onerosas também, as cartas condicionais, seguindo o entendimento de
que nesse tipo de carta, mesmo que não fosse efetuado pagamento em dinheiro ou mercadoria,
as condições impostas ao escravizado configuravam-se em uma espécie de pagamento. 86
Nesse sentido, as alforrias onerosas foram assim divididas: 33,8%, em valor monetário;
25,9%, condicionais não pagas e uma condicional e paga. Este foi o caso de João, mulato, 27
anos, que além de pagar 400$000 réis, teria que prestar serviços à d. Joaquina Francisca
Domingas quatro dias da semana até que efetuasse o último pagamento do valor acordado. 87
O documento não informa o tempo que João levou para quitar a dívida. O escravo não pagava
por sua liberdade apenas com o dinheiro, valia-se também de produtos agrícolas ou animais,
como aconteceu com a escrava Joviniana, cabra, solteira, que pertencia a Manoel Ferreira de
Carvalho, “[...] a qual oferecendo-me um carro de fumo e um ano de serviço a começar na
data de hoje [...].88 Outros 55 cativos receberam suas alforrias de forma gratuita, perfazendo
39,6% dos alforriados.

Em Alagoinhas, as cartas onerosas também foram as que mais vicejaram, com 63,9%
do total. Sendo assim, as alforrias onerosas foram divididas em: 31,5%, pagas em moeda
corrente; 31,5%, condicionais não pagas e uma condicional e paga. Outros 38 cativos foram
alforriados de forma gratuita, perfazendo um total de 35,2%.89 Os resultados obtidos para os
dois municípios revelam que a concessão de alforrias não resultava da benevolência e
generosidade do senhor, antes, os escravos tiveram que trabalhar arduamente e negociar, a fim
84
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 32.
85
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p. 134; FERREIRA. “Nas veredas da Liberdade”, p. 95.
86
MATTOSO. “A propósito de Cartas”, p. 46.
87
Carta de Liberdade de João, vila de Inhambupe, 16 de dezembro de 1876. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 16 de Inhambupe, 1876, fl. 100.
88
Carta de liberdade de Joviniana, vila de Inhambupe, 17 de abril de 1888. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 19 de Inhambupe, 1888, fls. 144v e 145. Ver: SILVA. “O preço da liberdade”, p. 115.
89
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 35.
71

de conseguir o valor necessário para pagar por suas manumissões. Nesse sentido, a alforria
seria o produto dos esforços dos cativos para extrair a liberdade dos seus senhores, utilizando-
se de todas as possibilidades para esse fim, a exemplo do Fundo de Emancipação. Essa foi
uma tendência percebida por Almeida para o município de Rio de Contas. Lá, também
prevaleceram as alforrias onerosas, que totalizaram 73,7%, divididas em pagas, 42,4%, e não
pagas condicionais 31,3%.90

Tabela 11: Tipo das alforrias por sexo do alforriado em Alagoinhas,


1872-1888

Sexo do escravo
Tipos de alforria Mulheres Homens Total
N % N % N %
Condicional e paga 1 1,6 - - 1 0,9
Condicional e não paga 16 25,4 18 40 34 31,5
Incondicional e paga 22 34,9 12 26,7 34 31,5
Gratuita 23 36,5 15 33,3 38 35,2
Não informada 1 1,6 1 0,9
Total 63 100 45 100 108 100
Fonte: MATOS, Monalisa Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”. (Trabalho de Conclusão de
Curso em História, UNEB, 2015), p. 32.

Sendo a qualidade/cor e a origem variáveis determinantes do lugar social de um


indivíduo na sociedade escravista no Brasil, a política de alforria também é reveladora dessa
seletividade. Em Inhambupe, 70,9% dos alforriados eram nascidos no Brasil, 3,9% na África
e para 25,2% não havia informação. Em Alagoinhas, conforme Matos, 60,2% dos alforriados
eram nascidos no Brasil, 6,5% na África e o percentual dos não informados ficou em 33,3%.
Assim, nos dois municípios a esmagadora maioria dos libertos era de nascidos no Brasil.
Neste sentido, houve consonância entre a origem do escravizado e do alforriado, pois o censo
de 1872 mostra um percentual elevado de escravos nascidos no Brasil em Inhambupe e
Alagoinhas. A comunidade de escravizados nascidos na África era pequena – 129 africanos,
sendo 117 escravos e 22 livres em Inhambupe e, em Alagoinhas havia 100 africanos, dos
quais 66 eram escravos e 22 livres – a análise das alforrias confirma o baixo percentual de
africanos libertos nesses municípios. 91

Em Alagoinhas, Matos identificou 7 africanos alforriados nas cartas de liberdade,


sendo que em uma delas foi mencionada a nação: “Antônio, africano de nação nagô, 50 anos

90
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p. 75.
91
Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/> Acesso
em 24/03/2016.
72

de idade, escravo de Rita Maria de Vasconcelos, alforriado gratuitamente no ano de 1883”.92


Observa-se que pela idade, Antônio foi escravizado no período de ilegalidade do tráfico.
Alguns escravizados em sua condição procuraram a mediação da Justiça com o respaldo da
Lei 2.040 para adquirir alforria, como se verá no próximo capítulo. Antônio foi um dos cinco
africanos alforriados em Alagoinhas. Como ele, outros dois foram alforriados sem ônus e dois
indenizaram os seus senhores. Das duas mulheres africanas alforriadas, uma o foi
gratuitamente e a outra pagou 150$000 réis por sua alforria.93

Em Inhambupe, dentre os 5 africanos alforriados não houve menção à nação. A


ausência ou a quantidade diminuta de registros da nação dos africanos sugere que a lei de
1831, que proibiu o tráfico transatlântico, pode ter influenciado no cuidado dos senhores ao
registrarem em documentos cartoriais e eclesiásticos a origem dos africanos que chegaram ao
Brasil. 94 Dos cinco africanos alforriados em Inhambupe, três eram homens – Augusto, José e
Gerônimo. O primeiro e o segundo foram libertos gratuitamente por Simão Gomes Ferreira
Velloso, em 1871, e Geraldo de Souza, em 1877, respectivamente, e o terceiro pagou
1:600$000 réis por sua alforria, no ano de1878, a Domingos Dias Velloso que o recebera por
herança dos seus pais, o coronel Pedro Gomes Dias Ferreira Velloso e d. Joaquina Maria
Gomes Velloso. 95 Os Velloso constituíam uma das famílias abastadas de Inhambupe,
proprietários de terras, engenhos e muitos escravos. Entre os membros dessa família,
destacava-se o advogado Antônio Ferreira Velloso, juiz municipal da comarca de Alagoinhas,
conhecedor das leis e, aparentemente, militante da liberdade naquele município. Quanto às
duas mulheres alforriadas, uma foi mediante pagamento e a outra gratuitamente. Marcolina
desembolsou 400$000 réis para garantir a sua liberdade, em 1873, enquanto Antuza foi
alforriada gratuitamente “em atenção ao pedido do meu filho Marcos Muniz Leão Velloso”,
conforme registrou o tenente coronel Marcos Leão Velloso. 96

Chama a atenção o valor da alforria de Gerônimo. Mesmo os engenhos e outras


propriedades possuindo uma variedade de produção econômica como criação de gado,

92
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 34.
93
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 33.
94
AMORIM. “O parentesco espiritual”, 21.
95
Chamou a atenção o valor pago por Guarino em sua alforria. No terceiro capítulo, discutimos um pouco sobre
esse tema quando analisamos a ação de liberdade de Miguel. As cartas não apresentam as idades dos libertos.
Cartas de liberdade de Augusto, José e Gerônimo, africanos, vila de Inhambupe, 26 de agosto 1871, 18 de
fevereiro de 1877 e 7 de dezembro de 1878. APEB. Colonial e Provincial. Livros de notas de Inhambupe, 15,
1871, fl. 125v; 16, 1877, fl. 102v e 103; e 18, 1878, fl. 12v e 13; respectivamente.
96
As cartas não apresentam as idades dos libertos. Cartas de alforria de Marcolina e Antuza, africanas, vila de
Inhambupe. APEB. Colonial e Provincial. Livros de notas de Inhambupe, 16, 1873, fl. 6v e 7; e 19, 1880, fl. 3;
respectivamente.
73

pequenos animais, cana-de-açúcar, etc., o escravo era um dos bens mais valiosos. Edson
Silva, ao analisar as escrituras de compras e vendas de cativos em Inhambupe, concluiu que o
preço médio de um escravo adulto, no período em que Gerônimo negociou a sua alforria
girava em torno de 900$000 réis. É possível que o elevado preço se justificasse por conta da
intensificação do comércio interprovincial que supervalorizou o preço do escravo. O autor
ainda salienta que o alto preço atribuído ao escravizado dificultava seu acesso a alforria,
exigindo mais esforço do cativo para formar o pecúlio.97

Entre os nascidos no Brasil, alguns pagaram valores altos, inclusive as mulheres. Em


1879, segundo Kátia Mattoso, Eugênia, crioula, excelente cozinheira, lavadeira e passadeira,
foi alforriada em Alagoinhas mediante o valor de 1:000$000réis, a despeito de ter sido
avaliada em 1:200$000 réis. 98 Em 1877, Catharina, crioula, e seus filhos Octávio, Primitivo e
Fortunato, também crioulos, da fazenda Camamu de Fora, vila de Inhambupe, foram
alforriados condicionalmente por Joaquina Maria da Silva. 99 A família de Catharina é
ilustrativa de que os crioulos sobressaíram-se dentre os alforriados. Em Inhambupe, do total
de alforriados, 37,1% eram crioulos; seguidos por 20,7% de cabras; 7,9% de mulatos; 7,1%
de pretos e, 2,9% de pardos. Em Alagoinhas, os crioulos também se sobressaíram em relação
aos demais escravizados, totalizando 52,3% dos libertos, seguidos por 21,5% de pardos;
12,3% de cabras, e, 10,8% de mulatos. 100 Cabe observar que, a terminologia étnico-racial
registrada nas cartas de alforria, manteve vocábulos utilizados na primeira metade do século
XIX, diferindo do recenseamento de 1872.101

Pelo exposto, tanto em Alagoinhas quanto em Inhambupe a alforria foi seletiva, mas
como não dispomos de dados relativos à composição étnico-racial dos escravizados em ambos
os municípios, não foi possível concluir quais os grupos com maior probabilidade de ser
alforriado. Não houve grandes disparidades entre os tipos de alforria, mas, cabe observar, que
o destaque ficou por conta das cartas outorgadas gratuitamente. Que experiência de liberdade
foi possível desfrutar com a alforria gratuita ou condicional é um aspecto que será explorado
no próximo capítulo, a partir das ações de liberdade.

97
SILVA. “O preço da liberdade”, p. 66 – 67.
98
MATTOSO, Kátia M. Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 191.
99
Carta de alforria dos escravos Catharina, Octávio, Primitivo e Fortunato, vila de Inhambupe, 17 de fevereiro
de 1877. APEB. Colonial Provincial. Livro de notas 17 de Inhambupe, 1877, fl. 116v.
100
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 34.
101
ALMEIDA. “Alforrias em Rio de Contas”, pp. 115 – 124.
74

Libertos com o auxílio do Fundo de Emancipação

A Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, mais conhecida como Lei do Ventre Livre,
em seu artigo 3º, estabeleceu a criação do Fundo de Emancipação, que deveria reunir recursos
advindos de taxas e impostos cobrados sobre os cativos, loterias, multas e contribuições. Para
a distribuição desses recursos tomariam como base os dados levantados pela matrícula dos
escravos, utilizados pela junta classificadora, que deveria obedecer ao perfil determinado pelo
Decreto nº 5.135, de 13 de novembro de 1872.Entre as regras gerais, a lei evidenciava os
critérios de classificação dos cativos a serem contemplados pelo Fundo, que a família escrava,
isto é, os cativos casados ou solteiros, com ou sem filhos, tinham prioridade.

Conforme Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo, referente ao ano


de 1882, foram libertados na Bahia, pela primeira e segunda cota do Fundo de Emancipação,
1.231 escravos; destes, 30 eram de Alagoinhas.102 Já o Relatório da Presidência da Província
de 1887, dava conta de que na Bahia havia 76.838 cativos matriculados, sendo 3.533 libertos
pelas sete cotas destinadas ao fundo. Em Alagoinhas foram libertos 98 escravos, com a
despesa de 36:773$037 réis, enquanto em Inhambupe foram apenas 41, gastando
27:764$876réis. 103 Isabel Reis computou 2.057 libertandos arrolados para a alforria pelo
Fundo de Emancipação em Inhambupe, destacando que foi a lista com o maior número de
cativos classificados, “distribuídos nas sete categorias, considerando a sua prioridade na
classificação, entre os anos 1882 – 1886”.104 Não dispomos da lista com o total dos arrolados
em Alagoinhas, mas consideramos o número de alforriados (98) para o município foi
expressivo, ocupando a nona posição em relação aos demais municípios da província:
Cachoeira e Curralinho (380), Capital (329), Santo Amaro (150), Feira de Santana (144),
Santo Antônio da Barra (137), Villa de São Francisco (134), Nazareth (121) e Maragogipe
(104). Alagoinhas também se sobressaiu em relação a Sant’Anna do Catu (43), Entre Rios
(42) e Inhambupe (41), municípios limítrofes.105 O fato de Alagoinhas haver alforriado um

102
Fundo de Emancipação 1º e 2º quota. Cf. Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo -
Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira, 1853. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib =130605&pesq=Alagoinhas. Acesso em: 06/06/2016.
103
Falla com que o Ilm.º.e Exm. Conselheiro Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, Presidente da Província,
abriu a 2ª sessão da 26a Legislatura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 4 de outubro de 1887. Bahia,
Typographia da Gazeta da Bahia, 1887. pp. 129-135. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/163/. Acesso.
06/06/2016
104
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 246.
105
Falla com que o Illm.e Exm. Conselheiro Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, Presidente da Província,
abriu a 2ª sessão da 26a Legislatura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 4 de outubro de 1887. Bahia,
Typographia da Gazeta da Bahia, 1887. p. 129-135. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/163/. Acesso.
06/06/2016. Ver também: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, 51; BARBOSA, Hellen Laianne Pires. “Os
75

número maior de escravos, talvez seja explicado por conta de uma ação mais efetiva da justiça
local, com a atuação de advogados e juízes simpatizantes à causa da liberdade, a exemplo do
juiz municipal de órfãos e ausentes de Alagoinhas, o dr. Antônio Ferreira Velloso.

Em correspondência de 14 de janeiro de 1885, o juiz Antônio Ferreira Velloso


informou ao presidente da província sobre a audiência realizada em 20 de dezembro de 1884,
declarando livres 19 escravos, cuja indenização dos senhores foi feita pela 6ª quota do Fundo
de Emancipação do município de Alagoinhas. Em anexo enviou um mapa detalhado, com o
número de ordem, número de matrícula, idade, valor do pecúlio com os juros, as razões
estabelecidas para a pretensão, nome dos senhores, indenização pelo tempo de emancipação e
um quadro minucioso que mostra as prioridades para a libertação desses escravos como, por
exemplo, Margarida, 19 anos, solteira, com um pecúlio de 50$000 réis, pertencia a 2
senhores; Engracia, 35 anos, solteira, com um pecúlio de 52$380réis, tinha filhos ingênuos;
Domingos, 35 anos, solteiro, com um pecúlio de 156$380 réis e com um filho menor;
confirmando o que determinava a regulamentação da lei de 28 de setembro de 1871, pelo
decreto nº. 5.135 de 13 de novembro de 1872, seguindo a ordem de classificação explicitada
na Lei. 106

No entanto, vale ressaltar que a escrava Quitéria, 43 anos, solteira, pertencia a


diversos senhores, não possuía filhos e não tinha pecúlio, também fora listada para ser liberta
pela 6ªquota do Fundo. Os solteiros representaram 68,4% dos cativos citados na lista dos
classificados e os casados 3,6%, dentre os quais destacamos a presença de Antero e Thereza,
escravos de d. Maria Aurelina Leal, uma das famílias mais poderosas da região de
Alagoinhas.107 Da mesma forma, o juiz de órfãos de Inhambupe, o dr Arsênio de Almeida
Araújo Cavalcante, em audiência no dia 16 de maio de 1885, declarou libertos pela 6ª quota
do Fundo de Emancipação 8 escravos classificados pela Junta. Em acordo, o coletor de rendas
gerais e os respectivos senhores combinaram os valores, tendo sido despendida a quantia de
3:641$915 réis, “inclusive, 397$448 réis de pecúlios com que concorreram os escravos,
ficando 7$448 réis de resíduos”. 108

caminhos para a liberdade: estratégias, conflitos e querelas no fundo de emancipação em alagoinhas – (1871-
1887)”. (Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 41.
106
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida de juízes de Alagoinhas, maço 2227, 1885.
107
Sobre os escravos de d. Maria Aurelina Leal, ver: NASCIMENTO. “A família escrava na freguesia de Santo
Antônio das Alagoinhas”, pp. 62-65.
108
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida de juízes de Alagoinhas, maço 2416, 1885.
76

Os oito alforriados de Inhambupe eram casados com cônjuges livres e contribuíram


com pecúlio. José Santana afirma que desde a segunda metade da década de 1870, a partir das
primeiras quotas liberadas do Fundo, os escravos baianos contribuíram com somas em
dinheiro.109 A apresentação de pecúlio aumentava as possibilidades na hora da escolha dos
candidatos à liberdade era: “[...] bastante pertinente no que se refere às características desses
sujeitos e a participação destes na composição do valor necessário à alforria”. Se notarmos
bem, no caso dos cativos casados, o pecúlio era menor do que a quantia paga por Domingos, o
escravo solteiro de Alagoinhas. Os solteiros precisavam oferecer um bom pecúlio para
aumentar a sua chance de conseguir a alforria. 110 Para a formação do pecúlio os cativos
dependiam do consentimento dos senhores; estes, por sua vez, se inicialmente apresentaram
resistência à nova legislação, a partir de 1885, passaram a disputar por ela, visto que brigavam
a fim de verem os seus escravos sendo alcançados pelo Fundo de Emancipação.111

Segundo Sidney Chalhoub, a concessão da alforria estava intrinsecamente ligada à


política de domínio e controle social. 112 “Excluindo as fugas e as ações mais radicais de
resistência, a esperança de liberdade estava atrelada ao tipo de relacionamento que mantivesse
com os seus senhores”. 113 A Lei de 1871 desgastou a autoridade senhorial eabriu novas
possibilidades para a alforria, atrelando as economias angariadas por eles, tendo em vista os
parcos recursos disponibilizados pelo Império para esse fim, através do Fundo de
Emancipação – 1 a 1,7%. Com o orçamento insuficiente, pouquíssimos escravos seriam
beneficiados nas várias províncias e municípios do país, assim, “[...] os libertandos
intervieram em todo Brasil para complementarem a verba estatal e conseguirem as suas
alforrias através da apresentação de pecúlio”.114 Em Alagoinhas não foi diferente, a exemplo
de Arthur, Joaquina e Anna, que contribuíram com somas em dinheiro e foram alforriados
com verbas do Fundo de Emancipação. Em 21 de outubro de 1882, o juiz municipal de órfãos
e ausentes de Alagoinhas, Antônio Ferreira Velloso, em conformidade com o disposto na Lei
2.040, de 28 de setembro de 1871, artigo 3º, e no Decreto 5.135, de 13 de dezembro de 1872,
artigo 4º, procedeu à alforria dos três escravos.115 Arthur, preto africano, da lavoura, com 40

109
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 86.
110
FERREIRA. “Nas veredas da liberdade”. Idem, p. 135.
111
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 227.
112
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 23 – 34.
113
BARBOSA. “Os caminhos para a liberdade”, p. 47.
114
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 84.
115
Artigo 42º do Decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872. “Os juízes de órphãos, em audiência previamente
anunciada, declararão libertos, e por editais os farão constar, todos os escravos que, segundo a ordem de
classificação, possam ser alforriados pela respectiva quota de emancipação; e entrega-lhes-hão suas cartas pelo
intermédio dos senhores; assim como remeterão aos presidentes, nas províncias e ao ministério da agricultura e
77

anos, do domínio do tenente coronel Florindo Lúcio Leal, foi alforriado pela quantia de
1:200$000 réis, dos quais o Fundo de Emancipação indenizou em 1:000$000 réis e ele
contribuiu com 200$000 réis de seu pecúlio, fruto de economias provenientes de muito
esforço e trabalho.116 Joaquina, escrava de Joaquina de Souza Luna, preta, viúva, do serviço
da lavoura, com 45 anos, matriculada com o número de ordem da matrícula 1.949, recebeu a
alforria desembolsando 150$000 réis de suas economias e 200$000 réis do fundo, formando o
montante de 350$000 réis. 117 Já Anna, mulata, 36 anos, viúva, do serviço doméstico,
matriculada com o número geral da ordem 864, escrava do capitão Joaquim Alves de Sá,
alcançou a liberdade pagando 200$000 réis de seu pecúlio e contou com a indenização do
Fundo de Emancipação em 200$000 réis. Seu valor final ficou em 400$000 réis. 118 Como
vimos, o libertando que dispunha de pecúlio levava vantagem, pois era um requisito que lhe
garantia o posicionamento à frente para ser liberto pelo Fundo de Emancipação.

No entanto, nas duas cartas de alforria que encontramos para Inhambupe, os


alforriados não contribuíram com pecúlio. O coronel Maurício José de Souza Dantas,
primeiro suplente do juízo municipal e de órfãos da vila de Inhambupe, em 18 de julho de
1882, em conformidade com o artigo 42 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872,
alforriou a escrava Antônia, matriculada sob o número 1.491, 45 anos de idade, casada com
Germano José Quinteliano, do serviço da lavoura, escrava de João Alves de Azevedo, no
valor de 700$000 réis, por conta do Fundo de Emancipação.119 Já Ambrosio, cabra, de 30
anos, casado com uma forra, de propriedade do capitão Manoel Alves Ferreira Baptista,
também foi manumitido pelo que está disposto no mesmo artigo e decreto, pelo Fundo de
Emancipação, no valor de 1:000$000 réis. 120

Tanto os que foram alforriados em Alagoinhas quanto os de Inhambupe


enquadravam-se na lista das prioridades para alcançarem a alforria via Fundo de

obras públicas, na corte, uma relação em duplicada, a fim de ser ordenado o pagamento, publicando-se os nomes
do senhor e do liberto por edital impresso nas gazetas do lugar e afixado na porta da matriz de cada parochia,
com antecedência de um mez, para garantir direitos de quem quer que os tenha sobre o preço do mesmo liberto”.
Lei 2.040, de 1871 – Lei Rio Branco. Coleção de leis do império do Brasil, Tomo XXXI – parte I, Rio de
Janeiro, Typographia Nacional, 1871, pp. 1062 e 1063.
116
Carta de liberdade de Arhur, Alagoinhas, 21 de outubro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 15; ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 51.
117
Carta de liberdade de Joaquina, Alagoinhas, 25 de outubro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 15; ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 52.
118
Carta de liberdade de Ana, Alagoinhas, 6 de novembro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 15v e 16; ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p.52.
119
Carta de liberdade de Antonia, vila de Inhambupe,18 de julho de 1882. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas 19 de Inhambupe, 1882, fl. 32v.
120
Carta de liberdade de Ambrosio, vila de Inhambupe, 25 de abril de 1884. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas 21 de Inhambupe, 1884, fl. 65v.
78

Emancipação, segundo determinava a legislação vigente. Os solteiros de Alagoinhas


apresentaram pecúlio, já os de Inhambupe eram casados com pessoas livres. Segundo Santana
Neto:

No tocante ao Fundo de Emancipação, mais especificamente, as estratégias dos


escravos foram várias para se apropriarem da lei e se libertarem: Casavam-se para
obterem prioridade na classificação; endereçavam ofícios às autoridades públicas e
entravam com recursos administrativos; acionavam alianças com os
abolicionistas.121

Os escravos estavam cientes da legislação e dos critérios necessários para serem classificados
pelo Fundo de Emancipação, agiam de maneira autônoma e aproveitavam-se das brechas,
implementando astuta e eficazmente as estratégias que lhes proporcionavam a mudança de
sua condição jurídica.

A historiografia que se debruça sobre o tema, inicialmente apontou para o fracasso do


Fundo de Emancipação, afirmando que foi inexpressivo o número dos que alcançaram a
liberdade por esse instrumento. Aqui destacamos que a Lei 2.040 ao instituir o Fundo de
Emancipação possibilitou mudanças, sobretudo quando se observam os embates entre
senhores e escravos que se utilizavam dela para terem os seus objetivos alcançados. Assim, o
Fundo de Emancipação apresentou-se como mais uma possibilidade de luta dos escravos para
conquistarem a alforria, “[...] o fundo funcionou como mais uma brecha no sistema escravista,
utilizada politicamente pelos escravos para conseguir suas liberdades, estando justamente
neste a sua importância [...].122 Quando não era possível negociar a alforria com o senhor ou
acionar o Fundo de Emancipação, os escravos recorreram à Justiça aproveitando-se das novas
possibilidades abertas pela Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, conforme veremos no
capítulo que segue.

121
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 95.
122
BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: 1870 – 1888. Salvador: CEB, 2003, p. 52
79

CAPÍTULO III

A LEI 2.040 E OSCAMINHOS DA LIBERDADE EM ALAGOINHAS E


INHAMBUPE

Os caminhos percorridos entre a escravidão e a liberdade eram árduos, como tem


demonstrado a historiografia da escravidão nas últimas décadas e, em Alagoinhas e
Inhambupe não foi diferente. Nesse capítulo, nos centraremos nas experiências dos
escravizados que reivindicaram as suas alforrias na justiça nas duas últimas décadas em que
vigorou a escravidão no Brasil, período que se destaca pela promulgação de uma legislação
sobre a escravidão. Neste sentido, é importante compreender o contexto em que os escravos
recorreram à justiça e as circunstâncias em que a Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 foi
acionada.

Novas possibilidades de liberdade a partir da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871

As interpretações sobre a Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, não são


unânimes. Para Emília Viotti da Costa e Robert Conrad, a lei não trouxe mudanças
significativas para a vida dos escravos, além de postergar, de fato, a abolição da escravidão. 1
José Murilo de Carvalho, por sua vez, argumenta que a iniciativa da lei coubera à Coroa, mas
não encontrou explicações que justificasse aquela tomada de decisão.2 Segundo o autor, “é
certamente exagerado, em vista da evidência disponível, dizer que a Lei do Ventre Livre foi
resposta às inquietações dos escravos, pois não se conhecem rebeliões de vulto nesse
período”.3 Por sua vez, Ademir Gebara argumentou que o papel da lei foi o de controlar os
escravos e disciplinar a transição das relações de trabalho escravo para o livre. 4

A partir da década de 1980, a historiografia da escravidão passou por transformações


teórico-metodológicas importantes. Sidney Chalhoub foi pioneiro em questionar a abordagem

1
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, pp.
132-146; COSTA, Emília V. Da Senzala à Colônia. 4ª edição, São Paulo: Unesp, 1998, p. 460.
2
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras:a política
imperial. 5ª edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 305.
3
CARVALHO. A construção da ordem, p. 307.
4
GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 72-75.
80

sobre a ineficiência da lei de 28 de setembro de 1871. Para o historiador, essa lei “[...] foi o
reconhecimento legal de uma série de direitos que os escravos haviam adquirido pelo costume
e a aceitação de alguns objetivos das lutas dos negros”.5 Chalhoub chama a atenção tanto para
a legitimação do pecúlio, direito costumeiro largamente praticado no Brasil ao menos desde o
Seiscentos, quanto para a indenização forçada e à liberdade do ventre, embora restringida e
tutelada pelos senhores e/ou Estado, ressaltando o protagonismo dos escravos nesse processo.
Chalhoub inspirou uma série de trabalhos sobre a aplicação e significados da Lei 2.040.
Ricardo Caires da Silva foi pioneiro em estudar os processos cíveis em que os escravos
recorriam à Justiça na província da Bahia. O autor argumentou que, para dimensionar os
significados da lei de 28 de setembro de 1871, era necessário priorizar as querelas judiciais
envolvendo escravos e senhores, tal qual havia feito Chalhoub ao analisar as “visões de
liberdade” dos escravizados na Corte do Rio de Janeiro. 6 Sua dissertação foi tributária da
historiografia que deu visibilidade à voz dos escravos por meio das ações de liberdade e ações
de escravidão que correram nos tribunais do Brasil Imperial.

Até a promulgação da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, as ações cíveis de


liberdade ou escravidão impetradas por escravos ou senhores eram regidas pelos dispositivos
legais das Ordenações Filipinas, Direito Romano e as regras costumeiras. 7 Muitos escravos,
libertos e senhores recorreram à justiça, mediados pela figura de curadores e advogados, que
acionavam essa legislação para justificar o estado de liberdade ou de escravidão. A
historiografia sobre o tema para diversas regiões do Brasil Império revela o protagonismo de
homens e mulheres que, embora na condição de escravos, não deixaram de participar de suas
demandas por liberdade, marcando presença e autonomia no processo de alforria,
barganhavam e dissimulavam, tanto para garantir direitos adquiridos como para alcançar
novos.8

5
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.159.
6
SILVA, Ricardo Tadeu Caires da. “Os escravos vão à Justiça: a resistência escrava através das ações de
liberdade. Bahia, século XIX”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2000), pp.
62-63.
7
Ordenações Filipinas é o resultado da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), ao Código
Manuelino, durante o período da União Ibérica. Continuou vigendo em Portugal ao final da União por
confirmação de D. João IV, bem como vigorou no Brasil até a promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro,
em 1916. ALMEIDA, Cândido Mendes. Código Fhilipino ou Ordenações do Reino de Portugal. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733>. Acesso em 04/07/2017; SILVA. “Os escravos vão à Justiça”,
p. 15.
8
Cf., MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. “Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a
história social da escravidão”. In: Revista Brasileira de História, vol. 8, nº 16, São Paulo (1988); SCHWARTZ,
81

Segundo Keila Grinberg, a fundamentação legal das ações de manutenção da


liberdade e de reescravização na corte do Rio de Janeiro eram a legislação colonial, lei de 6 de
junho de 1755, a Constituição Imperial, artigo 179, e as Ordenações Filipinas, livro 4º, Títulos
11, § 4, e 63. Ao analisar 110 processos judiciais de escravização na Corte de Apelação do
Rio de Janeiro, em períodos distintos entre 1826 e 1870, a historiadora demonstra como esses
instrumentos legais davam conta dos vários assuntos relacionados ao cativeiro e a alforria.
Sua importância era tamanha que mesmo após a Lei de 28 de setembro de 1871, diversos
advogados continuaram fazendo uso dessa legislação para fundamentar suas defesas. 9 No
entanto, isto não significa dar menor importância à Lei 2.040, que representou um divisor de
águas na história da escravidão no Brasil. A historiografia tem demonstrado que apesar de não
haver uma legislação positiva sobre a escravidão antes de 1871, os escravos recorriam à
Justiça tendo ganhos e perdas e, após a lei, essas vitórias cresceram consideravelmente. 10 Para
Silva, os “legisladores tinham perfeitamente em conta que não podiam desprezar aquilo que
os cativos entendiam com sendo seus ‘direitos’”. 11 O historiador observou que muitos artigos
da lei de 1871 contemplaram algumas das reivindicações dos escravos que pleitearam, ao
longo do século XIX, a liberdade na Justiça.

A Lei 2.040 trouxe mudanças significativas para as relações escravistas: os filhos das
escravas, nascidos a partir de então – os ingênuos – estariam livres, porém, ficariam sob a
tutela do senhor até completar 21 anos de idade; instituiu o Fundo de Emancipação, que
libertava os cativos com recursos advindos de impostos sobre propriedade escrava, de loterias,
de multas para quem desrespeitasse a lei, dos orçamentos públicos e de doações e legados
com esse fim. 12 O pecúlio – uma espécie de poupança proveniente de doações, legados e

Stuart B. “A historiografia recente da escravidão brasileira”. In: ______. Escravos, roceiros e rebeldes.
Tradução: Jussara Simões. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
9
GRINBERG, Keila. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”. In: LARA, Silvia H., e
MENDONÇA, Joseli M. N. (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas (SP):
Editora da Unicamp, 2006, p.106-110.
10
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade; MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silencio: os significados da
liberdade no sudeste escravista (Brasil, século XIX) Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013; GRINBERG,
Keila. Liberata: a lei da ambiguidade. As ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século
XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994; MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis: a lei dos
sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1999; SILVA. “Os escravos
vão à justiça”.
11
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 16.
12
Coleção das leis do Império – Câmara dos Deputados – Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871. Disponível
em <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso
em: 06/06/2016.
82

heranças utilizadas para a compra da liberdade – prática costumeira utilizada pelos escravos
com o consentimento do senhor também foi legitimado pela lei. 13

Conforme enfatiza Chalhoub, a lei questionou a política de domínio senhorial que


secularmente vigia no Brasil. 14 O artigo 8º da Lei de 28 de setembro de 1871 determinava que
“o governo mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes no Império,
com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se for
conhecida”. 15 A intenção era fornecer dados essenciais para a efetivação do Fundo de
Emancipação e distribuição das cotas orçamentárias para a divisão proporcional entre as
províncias do país. De igual modo serviria de parâmetro para os presidentes de províncias
cotizar as verbas destinadas pelo governo central aos municípios e vilas. 16

O Decreto nº 4.835, de 1º de dezembro de 1871, regulamentou a matrícula especial


dos escravos e dos filhos livres das escravas. No entanto, o regulamento geral para a execução
da Lei nº 2.040, só foi aprovado um ano depois, em 13 de novembro de 1872, por meio do
Decreto de nº 5.135 que entre outras questões, orientava sobre o registro dos ingênuos, a
matrícula dos escravos, pecúlio, direito à alforria, questões relativas aos contratos de
prestação de serviços com vistas à alforria, associações responsáveis por cuidar e educar os
libertos se os senhores não optassem pela continuidade dos serviços dos ingênuos, e multas e
penas para os envolvidos na administração da lei, caso não cumprissem as suas funções. 17

A matrícula dos escravos: o regulamento para a matrícula especial dos escravos e dos
filhos livres da mulher escrava

O Estado imperial brasileiro instituiu duas matrículas para proceder à contagem da


população escrava. A primeira, como foi dito, estava prevista na Lei de nº 2.040 de 28 de
setembro de 1871, e a segunda foi decorrente da Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885. A

13
Artigo 4º da Lei n.º2.040 de 28 de setembro de 1871. “É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com
o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu
trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo
pecúlio”. Coleção das Leis do Império – Câmara dos Deputados – Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871.
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso em: 06/06/2016.
14
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 47.
15
Coleção das leis do Império – Câmara dos Deputados – Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871. Artigo 8º
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso em: 06/06/2016.
16
SANTANA NETO, José Pereira de. “A alforria nos termos e limites da lei: o Fundo de Emancipação na Bahia
(1871-1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2012), p. 32.
17
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 26.
83

matrícula foi o primeiro passo para a aplicação da Lei 2.040 e, conforme José Santana Neto
tinha a finalidade de quantificar os escravos no Brasil, pois até então estes dados não eram
confiáveis. 18 Ainda em 1871, precisamente no dia 1º de dezembro, foi aprovado o Decreto nº
4.835, que regulava a matrícula especial dos escravos e dos filhos livres de mulher escrava.
Este regulamento orientava os senhores, ou quem os representassem, a matricularem os seus
escravos nas coletorias de rendas do município em que residissem, informando seus nomes,
sexo, cor, idade, estado civil, filiação (se fosse conhecida), aptidão para o trabalho e profissão
do matriculando. O regulamento também orientava a matrícula dos filhos livres das mulheres
escravas e estabelecia o prazo de 1º de abril a 30 de setembro de 1872 para a referida
inscrição, que deveria ser anunciada pelos párocos de cada uma das freguesias do Império do
Brasil por ocasião das missas dominicais e dias santos.19 O regulamento previa o acolhimento
da matrícula fora do prazo até o dia 30 de setembro de 1873, com pagamento de multa. Por
fim, o art. Art. 19º determinava que:

[...]os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados à
matricula até o dia 30 de Setembro de 1873, serão por este facto considerados
libertos, salvo aos mesmos interessados o meio de provarem em ação ordinária, com
citação e audiência dos libertos e de seus curadores: 1º O domínio que têm sobre
eles; 2º Que não houve culpa ou omissão de sua parte em não serem dados à
matrícula dentro dos prazos [...].20

A historiografia da escravidão na Bahia argumenta que muitos escravos não matriculados por
seus senhores recorreram ao juízo ordinário para pleitearem as suas alforrias. Ao analisar o
contexto em que os escravos recorreram à Justiça na Bahia, Silva enfatiza que a não
efetivação da matrícula pelos senhores de escravos no prazo determinado, seja por omissão,
por dificuldades de acesso aos meios legais instituídos ou ainda por incorrerem em alguns
erros ao efetuar o cadastro, acabaram por favorecer os escravos. 21 Nos municípios de
Alagoinhas e Inhambupe, aparentemente, os escravos não aproveitaram a ausência de
matrícula para pleitearem suas alforrias, à exceção de Benedita, o que não significa que não
ocorreram outras alforrias por essa via. Em outras regiões da província da Bahia verificou-se a
existência de várias alforrias sob tal argumento, a exemplo de Mamédio, na vila de Rio das

18
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 31.
19
Cf. Coleção das leis do Império – Câmara dos Deputados – Decreto Nº 4.835, de 1º dezembro de 1871.
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso em: 20/04/2018.
20
Artigo 19 do Decreto 4.385, de 1º de dezembro de 1871.
21
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, pp. 80-90.
84

Éguas, atual Correntina; Felicidade, na vila de Viçosa, Fortunato Ferreira, em Barra do Rio de
Contas e Severino, no povoado do Senhor Bom Jesus, distrito da vila de Rio de Contas.22

No entanto, como ressaltou Silva não eram somente os escravos que ganhavam
processos por falta de matrícula. Em 1878, na vila de Inhambupe, uma ação judicial
envolvendo os escravos Eugênio, Severa, Josefa e Porfírio, teve por desfecho o retorno destes
ao poder do senhor Joaquim Honório Bispo, por determinação do juiz de órfãos. 23 Apesar de
trabalharem na fazenda Areias, distrito de Inhambupe, os escravos, cientes que não foram
matriculados em tempo hábil pelo senhor, “solicitaram suas supostas certidões de matrícula
perante o escrivão da Coletoria Geral”, e confirmando que estas não existiam decidiram
recorrer à Justiça a fim de que Bispo provasse a posse legal que garantia o domínio sobre
eles. 24 Bispo, por sua vez, alegou não haver cumprido as exigências legais por já ter
concedido carta de alforria aos escravos com a condição de estes acompanhá-lo até a sua
morte. Segundo ele, os cativos sabiam da existência da carta, mas se deixaram levar pelos
maus conselhos, agindo de má fé. Feita a perícia ficou constatado que a carta fora concedida
antes do fim do prazo da matrícula, o que também ficou atestado pelo depoimento das
testemunhas apresentadas.

Observa-se que o senhor outorgou a carta de alforria, mas, aparentemente, não a


registrou em cartório, quiçá uma estratégia para exigir bom comportamento dos libertandos.
Por outro lado, os escravizados não se conformaram com o fato de serem libertos imperfeitos,
isto é cumprir a condição de esperar a morte do senhor para entrarem na posse plena de suas
liberdades. Segundo Silva, apesar da idade avançada de Bispo – 70 anos de idade – os
escravos ansiavam por liberdade, e por isso utilizavam-se de todas as possibilidades que
tinham ao seu alcance. O fato de Eugênio, Severa, Josefa e Porfírio residirem em uma fazenda
não foi obstáculo para que se informassem sobre as possibilidades de alforria advindas com a
Lei de 1871. Assim, se para os escravos a falta de matrícula configurou-se em possibilidade
de lograr a liberdade sem ônus, para os senhores transformou-se em problema o seu não
cumprimento.

Como dito, o regulamento da primeira matrícula estabelecia prazos para que fossem
efetuados os registros dos filhos livres das mulheres escravizadas e o não cumprimento

22
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, pp. 118-119; ALMEIDA, Alforrias em Rio de Contas, p. 96.
23
Este processo foi analisado por Ricardo T. Caires da Silva. Cf. SILVA. “Os escravos vão à Justiça”, p. 87.
Não localizei as alforrias de Eugênio, Severa, Josefa e Porfírio nos Livros de Notas do tabelião da vila de
Inhambupe.
24
SILVA. “Os escravos vão à Justiça”, p. 90.
85

implicaria em multas.25 Manoel Ciriaco dos Santos, morador no município de Inhambupe, no


Sítio denominado Saquinho, solicitou ao Presidente da Província, em 19 de julho de 1873,
absolvição da multa de 200$000 réis, por não ter matriculado o ingênuo Jeronymo, filho de
sua escrava Hermenegilda. Santos seguiu o determinado no artigo 43 do Decreto 4.385, que
previa o recurso ao pagamento de multa e, justificando não ter matriculado o ingênuo pois “há
mais de um ano sofre alterações em sua saúde que o tem inibido de ir à vila de Inhambupe [...]
que é um camponês rústico [...] que se houve negligência de sua parte foi somente por
ignorância e de não lhe chegar ao conhecimento [...]”.26

Como previsto no artigo 35 do referido decreto, os proprietários de escravos tinham a


obrigação de renovar a matrícula a cada ano, além de informar à coletoria municipal ou órgão
competente as mudanças ocorridas na situação do escravo, declarando mudança de residência
para fora do município, transferência de domínio ou falecimento do escravizado. 27 Em
Alagoinhas, Maria da Cruz Lima, viúva de Francisco da Silva Neto, foi multada com base
nesse artigo, por não comunicar a transferência de domínio e falecimento do escravo
Martinho. Essa senhora recorreu ao Presidente da província justificando ser mulher, viúva,
sozinha, não tinha filhos e não tinha ciência nem costume de resolver as obrigações referentes
à administração das propriedades. A fonte não informou o valor da multa cobrada, porém, o
decreto estimava um valor que variava entre 10$000 réis a 50$000 réis.28

Manoel Ciriaco e Maria da Cruz Lima são exemplos que demonstram como a lei
atingiu os senhores de escravos nas cidades de Alagoinhas e Inhambupe. Segundo os
historiadores Ricardo Silva, Isabel Reis e José Santana Neto, em várias regiões da província
da Bahia, senhores de escravos reivindicaram absolvição de multas, apresentando as mais
variadas justificativas, inclusive, e muitas vezes, de forma fraudulenta, afim de não serem

25
Artigo 10 do Decreto 4.385, de 1º de dezembro de 1871: “Os funcionários encarregados da matrícula, em
conformidade do art. 8º, logo que, por comunicação da autoridade superior, ou pelo Diário Oficial, tiverem
conhecimento da publicação deste Regulamento, mandarão anunciar pela imprensa, e por editais afixados nos
lugares mais públicos do município, que a matrícula dos escravos, ordenada pelo art. 8º da Lei nº 2040, de 28 de
Setembro do corrente ano, achar-se-á aberta, na respectiva repartição fiscal, desde o dia 1º de Abril até 30 de
Setembro de 1872, devendo ir inserida nos anúncios e editais a íntegra do § 2º do citado art. 8º”; Artigo 33 do
Decreto 4.385 de 1º de dezembro de 1871.
26
Arquivo Público do Estado da Bahia (doravante APEB). Seção Colonial e Provincial. (Escravos: assuntos),
maço 2888, 1875-1878. O documento citado está datado de 19 de julho de 1873, no entanto, encontrava-se nesse
maço com data posterior.
27
Artigo 35 do Decreto 4.385 de 1º de dezembro de 1871.
28
APEB. Seção Colonial e Provincial. Maço 2891. (Escravos: Assuntos) – 1863-1879.
86

penalizados pelo não cumprimento da legislação.29 Se os senhores esforçavam-se em cumprir


a lei a fim de não terem seus direitos de propriedades subtraídos, os escravos, por sua vez,
também corriam atrás de sua liberdade ou manutenção dela, acionando a justiça por meio de
ações de liberdade que lhes possibilitavam lutar pela permanência dos direitos alcançados.

Propriedade versus liberdade: conflitos entre senhores e escravos

Os conflitos decorrentes da liberdade versus propriedade foram recorrentes entre


senhores e escravos nos municípios de Alagoinhas e Inhambupe. No dia 16 de dezembro de
1871, na vila de Alagoinhas, os escravos Estanislau, crioulo, 30 anos; Vicente, cabra, 23 anos;
Manoel, crioulo, 30 anos, e Marciana, mulata, 26 anos, entraram na justiça contra o tenente
Gabriel Ferreira Cordeiro com uma ação de liberdade, reivindicando a não anulação de suas
cartas de alforria. 30 Os libertos pertenceram à dona Isabel Maria de São José, falecida que os
deixaram como herança “de seu casal”, primeiro ao tenente Gabriel Cordeiro, seu marido e,
este falecendo, os herdeiros seriam os parentes da falecida. Segundo os autos do processo,
Thomas Fernandes do Prado e Maria Vitória do Nascimento, irmão e cunhada de dona Isabel
Maria, alegaram terem sido constituídos seus herdeiros por verba testamentária e, como
legítimos senhores e possuidores de Estanislau, Vicente, Manoel e Marciana, passaram-lhes
carta de liberdade, em 20 de fevereiro de 1871, com a condição de os servirem e
acompanharem por 10 anos. Alegaram ainda, que se “[...] não for julgado nulo o testamento
que se apresenta atribuído a nossa irmã e cunhada, ainda assim terá todo vigor a presente carta
de liberdade, visto como nos obrigamos a indenização dos serviços dos mesmos
escravos[...]”.31 É possível que Thomas Prado, por meio da concessão da carta de alforria e
promessas de garantir a liberdade, tenha seduzido os libertandos, induzindo-os a procurarem a
justiça para reivindicarem a manutenção de seus status de libertos.

Na petição inicial, os libertandos também alegaram que o seu benfeitor Thomas


Prado indenizaria o tenente Gabriel Cordeiro pelos serviços que os escravos teriam de prestar,
em virtude do testamento que conferia ao réu o usufruto da herança. Por sua vez, o advogado
de Gabriel Cordeiro argumentou que Thomas não tinha nenhum direito sobre os escravos,
29
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, pp. 80-90; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. “A Família Negra no tempo
da escravidão: Bahia, 1850-1888.” (Tese de Doutorado em História, Universidade Estadual de Campinas, 2007),
p. 194-195; SANTANA NETO. “A alforria nos tempos e limites da lei”, p. 36-37.
30
Ação de Liberdade de Estanislau e outros (autores) versus Gabriel Ferreira Cordeiro (réu). APEB. Seção
Judiciário. Classificação 58/2065/14-1871.
31 Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 3. A referida carta, anexada ao processo, foi registrada em cartório em 29
de dezembro de 1871. Em pesquisa no 1º Tabelionato de notas de Alagoinhas não encontramos os livros de notas
referentes a este ano.
87

porque os herdeiros de Maria Isabel eram “indeterminados não se sabendo quais dos que hoje
existem, existirão na época do falecimento do réu”. 32 Sendo assim, o que garantiria que
Thomas do Prado e sua esposa seriam os herdeiros que sucederiam o tenente Gabriel
Cordeiro? Maria Isabel possuía outros irmãos e sobrinhos. Além disso, alegava que os
escravos estavam em seu poder por tê-los subtraídos e que, por conta da queixa do tenente
Cordeiro contra o cunhado, este foi “pronunciado pelo Juiz da Subdelegacia do 2º Distrito de
Catu (doc. nº 2)”.33 Portanto, segundo o advogado, ele não poderia exercer domínio algum
sobre os escravizados e a carta de alforria concedida por Thomas deveria ser considerada
nula.

O curador dos escravos justificou a ação argumentando que Thomas do Prado ao


conceder a carta de liberdade comprometeu-se a “pagar ao réu o usufruto a que o mesmo tem
durante sua vida”, caso não houvesse anulação do testamento e, que os autores tinham mais
“em seu favor e para as suas garantias a Lei do Elemento Servil, que autorizava a seu
benfeitor e a outro em casos idênticos, conferirem liberdades, sujeito os libertos aos ônus e às
condições das mesmas”. 34 Supõe-se que ele referia-se aos parágrafos 3º e 4º do artigo 4º da
Lei 2.040, também citado pelo advogado Diocleciano Soares Albergaria, por ocasião da
apelação no Tribunal da Relação de Salvador.

[...] É, outrossim, permitido ao escravo, em favor da sua liberdade, contatar com


terceiro a prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos,
mediante o consentimento do senhor e aprovação do juiz de órfãos. O escravo que
pertencer a condôminos, e for libertado por um destes terá direito a sua alforria,
indenizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer.35

Os advogados do tenente Gabriel Cordeiro, Joaquim da Rocha Fiennes e Constâncio Farias de


Brito, respectivamente primeira e segunda instância, justificaram o domínio sobre os escravos
com a verba 8ª do testamento de Maria Isabel, que instituía o cônjuge como seu primeiro
herdeiro e na certidão de matrícula, anexada aos autos, que concedia o título de propriedade
ao réu. Já os curadores Joaquim José da Costa Chaves, na primeira instância e Diocleciano
Albergaria, na segunda, recorreram aos dispositivos da Lei de 28 de setembro de 1871,
apontando Thomas Prado como herdeiro futuro de sua irmã, com autoridade para conferir
carta de liberdade aos escravos; além de se comprometer a indenizar Gabriel Cordeiro pelo
usufruto a que tinha direito. Albergaria ainda ressaltou “[...] a boa intenção do herdeiro futuro,

32
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 13.
33
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 13v.
34
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 57v.
35
Artigo 4º §§ 3º e 4º da Lei 2.040 de 1871.
88

tanto mais, conferindo esse benefício qual o da liberdade que jamais pode ser reprovado em
oposta, principalmente em que toda sociedade tem [se] levantado em alto brado a favor desse
sagrado direito [...]”.36
Durante a tramitação do processo, que se arrastou por pouco mais de dois anos, os
herdeiros de d. Isabel Maria disputaram a quem caberia o direito de propriedade sobre
Estanislau, Vicente, Manoel e Marciana, os quais, representados por seu curador Joaquim
José da Rocha Chaves, mobilizaram a legislação e sua rede de solidariedade para enfrentar o
confronto, apresentando as razões que validariam a liberdade adquirida por meio da carta de
alforria.

Segundo o artigo 7º, § 1º da Lei de 1871, “nas causas em favor da liberdade”, a ação
seria sumária. Se o juiz sentenciasse contrariamente à liberdade, aplicava-se o § 2°: “haverá
apelações ex-officio quando as decisões forem contrárias à liberdade”. Na situação em que o
senhor era o autor do processo, este era considerado ordinário e a favor da escravidão,
portanto, não cabia recurso ex-officio, “sem que, no entanto, às partes seja tolhido o direito de
apelar”. 37 Regina Célia Lima Xavier, ao pesquisar as experiências dos libertos em Campinas,
considerou que ali a tramitação das ações de liberdade foi rápida, sendo que a maior parte das
ações levou até três meses para chegar ao resultado final. 38 Segundo Xavier, os processos
mais demorados, eram aqueles que instauravam debates e embargos e os que foram analisados
à luz do § 2º do artigo 7º e remetidos ao Tribunal da Relação.39 Dos doze processos analisados
para Alagoinhas e Inhambupe, seis tiveram fim em primeira instância e seis foram para o
Tribunal da Relação em Salvador. Na arena dos tribunais o jogo ficou bastante equilibrado,
apresentando cinco vitórias para os escravos, sendo quatro na primeira instância e uma na
segunda. E para os senhores, também cinco vitórias, sendo quatro na segunda instância e uma
na primeira. Assim, quando os escravos recorreram à justiça as oportunidades de alforrias
foram maiores no juízo da primeira instância. Em outros dois processos não foi possível saber
o resultado final.

A ação de manutenção de liberdade de Estanislau, Vicente, Manoel e Marciana foi


considerada improcedente e a carta de liberdade foi anulada em primeira e segunda instância,
em virtude do testamento deixado por d. Maria Isabel que indicava Gabriel Cordeiro como

36
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 74.
37
NEQUETE, Lenine. Escravos & Magistrados no Segundo Reinado: a aplicação da Lei 2.040, de 28 de
setembro de 1871. Brasília: Fundação Petrônio Portella, 1988, p.119.
38
XAVIER, Regina Lima. A conquista da liberdade. Libertos em Campinas na segunda metade do século XIX.
Campinas: Área de Publicações CMU/UNICAMP, 1996,p. 56.
39
XAVIER. A conquista da liberdade, p. 57.
89

seu herdeiro universal. 40 Conforme a lei vigente no Brasil Império, falecendo o homem ou a
mulher casado[a] e não tendo parente até o décimo grau, o[a] viúvo[a] ficaria com a posse dos
bens.41 Para reforçar o argumento de legítimo senhor e possuidor dos escravos demandantes, o
viúvo apresentou certidão de suas matrículas. A certidão foi peça importante para o resultado
da ação que confirmou o seu domínio e propriedade sobre os escravizados. A política de
domínio, presente no imaginário senhorial como vontade inviolável e soberana na qual os
subordinados posicionavam-se como dependentes em relação à sua vontade, foi corroborada
pela Justiça.42

Enquanto o processo tramitava na Justiça, Estanislau, Vicente, Manoel e Marciana,


ficaram sob a proteção de um depositário, de acordo com o rito legal. Contudo, a leitura do
processo demonstra que houve várias trocas de depositários, pois eles reagiam a toda tentativa
de domínio e exploração. Assim, Manoel José do Nascimento, um dos depositários, solicitou
à Justiça mandato de apreensão contra os escravizados, alegando que eles, “seduzidos por
Thomas Fernandes do Prado fugiram e se acham em casa do dito homem onde se apresentam
armados a resistir a qualquer ordem que determine a sua vista para o poder do depositário. 43
Nessa disputa entre propriedade e liberdade, observa-se o protagonismo dos escravizados na
busca da alforria, lutando para garantir direitos que acreditavam possuir, resistindo, fugindo,
fazendo o que estivesse ao seu alcance para atingir os seus objetivos.

Segundo Eduardo Pena, o escravo, ciente de seus direitos costumeiros, passou a


defendê-los mesmo diante das investidas dos senhores na defesa intransigente da propriedade.

[...] os processos jurídicos em defesa da liberdade e outras evidências vêm sendo


sistematicamente levantados e analisados pelos historiadores, mostrando ter havido
um espaço de autonomia e ação por parte dos escravos e libertos na defesa dos

40
Sentença da primeira instância “[...] porque herdeiro de sua mulher é o réu em virtude da verba 8ª do
testamento e apenas por sua morte a herança se transmitirá aos herdeiros parentes dela que existirem a esse
tempo, assim como que no inventário esses escravos foram descritos e avaliados e na partilha aquinhoados ao
réu na sua meação, julgo improcedente a ação, nula a carta de alforria de fl. 3, em que se fundou os autores
escravos do réu[...]”, e no Tribunal da Relação, segunda instância “Acordão em Relação julga improcedente
apelação para o fim de confirmarem como confirmam a sentença apelada de fl. 64 por serem seus fundamentos
conforme aberto e prova dos autos, Bahia, 10 de junho de 1873”.Ação de Liberdade de Estanislau e outros
(autores) versus Gabriel Ferreira Cordeiro (réu). APEB, Seção Judiciário, classificação 58/2065/14 – 1871, fl.
77.
41
A legislação civil portuguesa foi adotada no Brasil independente a partir de uma lei de 20 de outubro de 1823,
fazendo com que passasse a vigorar as Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções do Direito
Português. Ver: MARQUES, Teresa Cristina Novaes; MELO, Hildete Pereira de. A partilha da riqueza na
ordem patriarcal. Anais do XXIX Encontro Nacional de Economia. Disponível em:
http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/20010122, Acesso em 04/07/2017; ver também ALMEIDA.
Código Fhilipino ou Ordenações do Reino de Portugal, p.947.
42
CHALHOUB, Machado de Assis, pp. 44-50.
43
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 15.
90

costumes e direitos alcançados, diante das exigências desmedidas ou da defesa


intransigente do direito de propriedade por parte dos senhores.44

Para Chalhoub, os escravos “aprenderam a fazer valer certos direitos que, mesmo se
compreendidos de maneira flexível, eram conquistas suas que precisavam ser respeitadas
[...]”.45 A historiografia tem demonstrado que desde o século XVIII, os escravos não mediam
esforços para conquistarem e manterem as suas liberdades pelos meios que lhes eram
possíveis. 46

Também podemos questionar quais eram as reais pretensões de Thomas Prado. Será
que estava realmente com boas intenções, envolvido por sentimentos humanitários que
motivavam a libertação dos escravos, como argumentou o curador Albergaria, ou o seu desejo
era aproveitar-se dos seus serviços? Ao acenar com sua rede de proteção a Estanislau,
Vicente, Manoel e Marciana, Prado enquanto escravista não queria romper com a ideologia
paternalista que durante séculos permeou as relações entre senhores e seus escravos no
Brasil. 47 Não é demais lembrar que a carta concedida por ele aos cativos foi com a condição
de os servirem por dez anos.

Apesar de a lei de 28 de setembro de 1871 ter contemplado alguns direitos que os


escravos haviam adquirido pelo costume ela não rompeu, a priori, com a prerrogativa de os
senhores os alforriarem. Como asseverou Chalhoub, “[...] a concentração de poder de alforriar
exclusivamente nas mãos dos senhores fazia parte de uma ampla estratégia de produção de
dependentes, de transformação de ex-escravos em negros libertos ainda fiéis e submissos a
seus proprietários”.48 Vejamos a situação dos filhos livres das mulheres escravizadas, nascidos
após a lei de 28 de setembro de 1871. A lei garantia ao senhor a tutela dos ingênuos até os
oito anos de idade e, após esse período, o senhor/tutor poderia optar entre uma indenização
governamental de 600$000 réis pelas despesas até então assumidas, ou usufruir os serviços do
menor até seus 21 anos de idade. 49

44
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial, escravidão e a lei de 1871. Capinas SP: Editora Unicamp.
2001, p. 27.
45
CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 59.
46 Ver, entre outros: CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 135; LARA, Silva Hunold. Campos da violência:
escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750 - 1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; ALMEIDA,
Kátia Lorena Novais. “A vulnerabilidade da alforria e o recurso à Justiça na Bahia setecentista”. Afro-Ásia, n.
51(2015), p. 73-117.
47
CHALHOUB. Machado de Assis, p. 28.
48
CHALHOUB. Machado de Assis, p. 51.
49
Quando os ingênuos completassem 8 anos, o senhor teria a opção de ficar tutelando o filho da escrava, ou
entregá-lo ao Estado. Caso entregasse, receberia uma indenização de 600$000 réis, se ficasse, se utilizaria dos
serviços até a idade de 21 anos completos. Artigo 1º § 1º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871.
91

No município de Alagoinhas 26% dos escravos registrados no recenseamento de 1872


eram crianças entre 1 a 10 anos de idade, e destas 70,9% residiam na área mais dinâmica do
município, isto é, a freguesia de Jesus, Maria e José, produtora de cana-de-açúcar. 50 O
percentual de crianças na freguesia de Alagoinhas era significativamente menor, 21,6%,
enquanto na freguesia de Araçás era de 7,6%. No município de Inhambupe o percentual de
crianças escravas era de 28%, mas não havia grandes disparidades entre suas duas freguesias
– Inhambupe com 55,7% e Aporá com 44,3%. Poucos senhores no município de Alagoinhas e
Inhambupe renunciaram formalmente ao direito de tutelar as crianças nascidas de ventre livre,
bem como o de usufruir de seus serviços até que atingissem a maioridade. Em Alagoinhas,
encontramos duas crianças nascidas de ventre livre e alforriadas pelos senhores de suas mães.
Thimoteo, pardo, filho da escrava Ana Rosa, escrava de Feliciano Lima, nasceu em 22 de
agosto de 1872 e foi alforriado em 1º de setembro de 1872. Ao outorgar a carta de alforria,
Lima alegou que: “concedo-lhe desde já plena liberdade, cedendo todo direito e parte que
tenho nele, permitido pela lei de vinte e oito de setembro de mil oitocentos e setenta e um art.
1º, 2º, 3º, ficando a dita cria desta data em diante gozando de ampla liberdade”. 51 José, 4 anos
de idade, filho de Felippa, escrava de Antônio de Sá, foi alforriado em 28 de novembro de
1877. 52 Ao outorgar a alforria, Antônio de Sá ressaltou o direito que tinha sobre os seus
serviços, conferido pela lei de 1871.

A lei facultava aos menores poder remir-se de prestar serviços aos senhores, mediante
prévia indenização oferecida por si ou por outrem ao senhor de sua mãe. Em caso de
divergências em relação ao tempo que lhe restava a preencher, o menor seria avaliado e
estabelecido o valor. Lima renunciou aos serviços de Thimoteo mediante indenização e, lhe
concedeu “plena liberdade”, como se nascido de ventre escravo e não livre como determinava
a lei. Em seu discurso, Sá mostrou a restrição da Lei de 28 de setembro de 1871 em
considerar o ventre livre, ao argumentar que “desistiu em favor da liberdade do pardo”, e
depois renunciou ao “direito que tenho dos serviços do referido ingênuo forro, que este desde
a presente data se considere naturalmente livre como se assim nascesse”. 53 Cabe observar
que, o fato de Ana Rosa e Felipa terem permanecido no cativeiro sob o domínio de seus

50
NASCIMENTO, Aline Soraia S. “A família escrava na freguesia de Alagoinhas: uma análise longitudinal”.
(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015).
51
Carta de alforria de Thimoteo, vila de Alagoinhas, 25 de setembro de 1873. 1º Tabelionato de Notas de
Alagoinhas, Livro de Notas do Tabelionato, s/n, 1872, fl. 40 e verso, cf. MATOS, p. 45.
52
Cartas de alforrias de José, vila de Alagoinhas, 15 de março de 1878. 1º Tabelionato de Notas de Alagoinhas,
Livros de Notas do Tabelionato, s/n, 1877, fl. 79 e verso. Ver: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 45.
53
Cartas de alforrias de José, vila de Alagoinhas, 15 de março de 1878. 1º Tabelionato de Notas de Alagoinhas,
Livros de Notas do Tabelionato, s/n, 1877, fl. 79 e verso. Ver: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 45.
92

senhores, na prática, estendia essa condição aos seus filhos. 54 Ao outorgar cartas de alforria
aos ingênuos, Lima e Sá reiteravam o poder que possuía sobre os mesmos e sobre as suas
mães, quiçá para transformá-los em servidores fiéis e submissos. Segundo Robert Conrad, a
maioria dos senhores optou pela tutela dos ingênuos e poucos foram entregues ao Estado. 55
Ao que parece, nos municípios aqui estudados isto também ocorreu, provavelmente porque os
senhores usufruíam do trabalho dessas crianças legalmente livres, amparados pelo domínio
sobre suas mães.

Em Alagoinhas, os senhores também recorreram à Justiça questionando a alforria


conquistada pelos escravos. Era o dia 10 de março de 1877 quando o escrivão Francisco
Siqueira Santos autuou uma petição de Antônio de Azevedo Chaves reivindicando o retorno à
escravidão de João, cabra, alegando que a liberdade concedida por Maria Olindina do
Nascimento Benevides, sua nora, não tinha validade, pois ela não tinha título de propriedade
sobre o escravo e, tampouco, poderia exercer domínio sobre ele. João, cabra, foi cedido por
Chaves ao seu filho Emiliano Benevides de Azevedo que precisava dos seus serviços por
achar-se doente e carente de cuidados, tendo falecido pouco tempo após casar-se. João ficou
em companhia de Maria Olindina, que lhe passou carta de alforria em 1º de janeiro de 1877,
em consideração aos bons serviços prestados, para que gozasse de plena liberdade, como se
de ventre livre tivesse nascido. Como o inventário dos bens de Emiliano não havia sido feito,
o valor do escravo ficaria por conta de sua meação, como consta na carta de liberdade
registrada no 1º Tabelionato de notas de Alagoinhas, em 11 de janeiro de 1877 e no jornal A
Verdade, de 11 de fevereiro de 1877, anexado ao processo.56

Maria Olindina possuía condições legais para alforriar o escravo João, tendo em vista
que não possuía o título de propriedade? Porque a benfeitora de João publicou a carta de
alforria em um periódico do município? Tanto poderia estar agindo motivada por bons
sentimentos em relação ao cabra João, quanto poderia estar produzindo provas para confrontar
o seu sogro por conta de desavenças antigas ou ainda, poderia estar apenas interessada em dar
conhecimento público de suas ações, em um momento em que a escravidão perdia
legitimidade. Enquanto tramitava a ação na Justiça, João foi mantido preso no depósito

54
ZERO, Arethuza. “O preço da liberdade: caminhos da infância tutelada – Rio Claro (1871-1888)”.
(Dissertação de Mestrado em História, Universidade Estadual de Campinas, 2004).
55
CONRAD. Os últimos anos da escravatura, pp. 141-145.
56
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves (autor)versus João Cabra (réu), Alagoinhas. APEB. Seção
Judiciário, classificação 58/2065/16 – 1878. O exemplar do jornal foi anexado aos autos, após a fl. 8.Carta de
alforria de João, cabra, passada por sua senhora d. Maria Olindina do Nascimento Benevides. Livro de Notas do
Tabelião, 1877, fl. 26.
93

público por conta de um mandato de apreensão, assinado pelo juiz de órfãos da vila de
Alagoinhas, José Maria Rocha Carvalho. Da prisão João alegou que:

[...] achando-se preso sem que cometesse o mais leve crime, e apenas depois de
preso soube por terceiras pessoas qual o motivo de sua prisão que tivera lugar a
requerimento de seu primitivo senhor Antônio de Azevedo Chaves, pai do seu dito
senhor falecido a pretexto de querer provar a nulidade de sua carta de liberdade e
como em virtude da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, não possa o suplicante
ser preterido de sua liberdade sem que primeiro seja convencido que a ação
competente de nulidade da sua carta publicada em jornal [...].57

O advogado de João fez referência à publicação da anulação da alforria pelo jornal local,
claramente uma estratégia de Chaves em decorrência da publicidade que Maria Olindina dera
à manumissão. As divergências entre Antônio Chaves e sua nora eram de longa data. Segundo
as testemunhas ouvidas no processo, o autor da ação não aceitou o casamento de Maria
Olindina com o seu filho por ela ser pobre. Chaves também argumentou que sua nora não
tinha bens a ser inventariado, pois o seu marido, Emiliano Azevedo, havia dilapidado os bens
que recebera da legítima materna e, por compaixão, permitiu que o escravo ficasse servindo-a,
após a morte do filho. No entanto, vindo a viúva morar na vila de Alagoinhas, após alguns
meses, Azevedo mandou buscar o cabra João. Estando ele em companhia do autor solicitou
“licença para vir a esta vila a buscar certos objetos que aqui deixara, sendo-lhe a licença
concedida”.58 Foi naquela ocasião que Maria Olindina lhe concedeu a carta de liberdade.

O processo de anulação da alforria de João sugere que os conflitos para determinar a


propriedade e domínio dos escravos em Alagoinhas foram recorrentes. A certidão de
matrícula, aliada a outros documentos, foi imprescindível para que a Justiça anulasse a carta
de liberdade e considerasse a ação procedente. Conforme discutido, a matrícula dos escravos,
ou a falta dela, configurava-se para senhores e escravos, meio para obterem bons resultados
frente a processos judiciais, caso de Antônio Chaves que provou “[...] que pelo documento de
fl. 17 vê-se está matriculado o réu, como pertencente ao A[autor] desde o ano de 1872, sem
que até hoje houvesse reclamação alguma, considerando finalmente que o réu nada provou do
que alegou, julgo nula a carta de liberdade concedida ao réu João Cabra [...]”.59 A sentença do
juiz Ignácio Accioli Almeida foi seguida de apelação, na forma da Lei de 28 de setembro de
1871, balizada no artigo 7º, parágrafo 2º, uma vez que a decisão fora contrária à liberdade.

No Superior Tribunal da Relação da Bahia, o curador de João, Augusto Araújo


Santos, argumentou que o apelante já estava liberto por força da carta de alforria concedida
57
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 8.
58
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 12v.
59
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 51v.
94

por Maria Olindina “[...] e que estando João no gozo de sua liberdade em virtude da carta
aludida, permaneceria no gozo, também, dos direitos civis [...]”.60 Partindo desse pressuposto,
o advogado afirmou que João deveria “ter sido citado ao menos para contestar, ouvir
testemunhas, arrazoar afinal, e por ter ciência da remessa desses autos para o Tribunal
Superior”. Além disso, o curador que defendeu João em primeira instância deixou o processo
correr à revelia dele, sendo que agora era senhor da causa e como tal não poderia ter sofrido a
“extorsão e violência contra ele praticadas e sancionadas pelo juiz a qual consta de fl. 6 e fl.
56”. 61 Mesmo diante do argumento do advogado Augusto Santos, a apelação de João foi
considerada improcedente: “Acórdão em Relação que julgam improcedente a apelação ex-
officio interposta da sentença, assim, para mandar, como mandam que subsista a mesma
sentença por seus proclamantes conforme o direito e aos autos”. Tentou-se ainda embargar o
acórdão, decisão proferida em grau de recurso pelo Colegiado de um Tribunal Superior, mas
não obtiveram sucesso.62 Deveria ocorrer a revogação da liberdade de um indivíduo quando
este já adquirira o status de cidadão? Segundo Grinberg,

[...]se o regime do cativeiro ainda era aceitável, era cada vez mais difícil justificar a
possibilidade de um indivíduo passar da liberdade para a escravidão, principalmente
porque, no Brasil, a conquista da liberdade significava também adquirir direitos de
cidadania. Assim uma alforria revogada implicava não apenas uma escravização,
mas a perda de todos os direitos por parte de um cidadão [...]. 63

Este foi o caso de João que ao retornar à condição de escravo perdeu os direitos civis
adquiridos com a alforria. Segundo a Constituição de 1824, art. 6º, inciso I, eram cidadãos
brasileiros, “os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o
pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua nação”. 64 Ao analisar uma
ação de liberdade cujo objetivo era libertar 32 escravos do eito em Barra Mansa, no ano de
1869, Hebe Mattos destaca que o curador apresentou a seguinte alegação:
[...] O indivíduo, pois, a quem foi concedida a liberdade, não pode mais voltar à
escravidão. Pela manumissão torna-se cidadão, e o cidadão não pode perder, em face
do artigo 7º da Constituição este direito, senão nos três seguintes casos: 1º
naturalização em país estrangeiro; 2º aceitação sem licença do Imperador de
emprego, condecoração ou pensão de qualquer governo estrangeiro; 3º banimento
por Sentença. Fora destes 3 casos não se pode mais perder este direito uma vez

60
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 64v.
61
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 65.
62
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fls. 78v, 90v e 91.
63
GRINBERG. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”, p. 118. O significado de acórdão
foi colhido de: SANTOS. Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.30.
Disponível em: http://www.ceap.br/artigos/ART12082010105651.pdf. Acesso em: 04/07/2017.
64
CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPERIO DO BRAZIL, 1824. Disponível em:
http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1737, acesso em: 31 de jul. 2017.
95

adquirido. É, pois, certo que a Constituição não admite que o liberto tornado
cidadão, possa voltar ao cativeiro.65

Assim, a revogação da liberdade pressupunha também a revogação da cidadania.


Possivelmente, esta tenha sido uma alegação utilizada por vários representantes de libertandos
em todo o país, em processos cíveis que visavam a manutenção da liberdade.

O que significava ser cidadão em Alagoinhas e Inhambupe no final do século XIX?


Quais eram os direitos de um cidadão liberto naquela sociedade? Como foi dito, a
Constituição de 1824 reconheceu os direitos civis aos brasileiros ingênuos ou libertos.
Contudo, conforme Mattos, essa cidadania era restrita, até mesmo no direito mais básico de ir
e vir que dependia da sua condição de liberdade. Quando eram confundidos com cativos, os
libertos poderiam sofrer arbitrariedades, caso não comprovassem a sua condição jurídica. A
autora salienta que nascer ingênuo, isto é, sem o estigma do cativeiro e renda suficiente eram
fatores determinantes para a definição do status de cidadão ativo na sociedade escravista
Imperial. Assim, a manutenção da escravidão legitimava as hierarquias sociais, em que os
brancos ricos eram detentores de direitos e privilégios tanto sociais quanto políticos. 66

Segundo Chalhoub, os dados do censo de 1872 indicam que “42,7% dos habitantes
do país eram indivíduos livres de cor, logo egressos da escravidão e seus descendentes, pretos
e pardos; considerando-se apenas a população negra, 74% dela era livre”. 67 A análise do censo
de 1872 para a província da Bahia indica que pretos e pardos formavam a maioria da
população livre, com 68,5%. Estes percentuais são maiores no município de Alagoinhas,
considerando pretos e pardos na população livre, isto é, 80,9% e, no município de Inhambupe,
onde pretos e pardos somavam 75,8%. 68 Dessa forma, a população livre em Alagoinhas e
Inhambupe era majoritariamente de cor. No entanto, mesmo sendo livres e libertos não era
fácil para os homens e mulheres de cor que ali residiam usufruírem da sua condição de
cidadãos, a exemplo de João, cabra, que viu sua condição de liberto e cidadão ser questionada
e revogada judicialmente.

65
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista, (Brasil Século
XIX). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 186.
66
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, pp. 14-
35.
67
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil escravista. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p. 229
68
Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321; 340-348 e 513. Disponível em:www.ibge.gov.br/.
Acesso em 31 de jul. 2017. As freguesias que formavam o município de Alagoinhas eram: Santo Antônio das
Alagoinhas; Jesus, Maria e José, de Igreja Nova e; Senhor Deus Menino dos Araçás. As freguesias que
formavam o município de Inhambupe eram Divino Espírito Santo de Inhambupe e Nossa Senhora da Conceição
do Aporá. Para uma análise da população do município de Alagoinhas, segundo o censo de 1872, cf. MATOS,
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 18-21.
96

Não é demais lembrar que o dispositivo da revogação da alforria por ingratidão,


previsto nas Ordenações Filipinas, foi revogado pelo parágrafo 9º do artigo 4º da Lei de 28 de
setembro de 1871.69 No entanto, a revogação da alforria sob outras justificativas ainda era
acolhida pela Justiça. O debate em torno da revogação da alforria por ingratidão mobilizou
juristas como Perdigão Malheiro, Antônio Joaquim Ribas e Lourenço Trigo Loureiro, que a
consideravam inadmissível. Para Malheiro, a alforria era como uma restituição da liberdade e
não podia ser anulada, independente dos motivos. Ribas e Loureiro argumentavam que,
somente os libertos imperfeitos poderiam ter as suas liberdades revogadas.70

A Constituição de 1824 “consagrou a liberdade como um direito natural, só tolerando


a escravidão enquanto uma herança do período anterior, em nome do direito de propriedade
[...]”, garantido pelo artigo. 71 Para o senhor, perder um escravo significava perder um
trabalhador e o capital que ele representava, além de ter seu domínio senhorial questionado.72
Antônio de Azevedo Chaves recorreu à Justiça para manter João, cabra como seu escravo. No
embate entre Chaves e a sua nora, a Justiça lhe garantiu o direito de propriedade, confirmando
o domínio senhorial com base no título de propriedade, isto é, a certidão de matrícula. Após
experimentar a liberdade, ainda que por pouco tempo, João se conformou com o retorno ao
cativeiro? Teria ele, por conta da autonomia conquistada, procurado outros meios para tornar-
se um liberto, como por exemplo, constituir pecúlio e assim adquirir a sua liberdade? Não
temos respostas para essas indagações. Contudo, outros escravizados em Alagoinhas e
Inhambupe formaram pecúlio e recorreram à Justiça para concretizar os planos de alforria, o
que nos faz concluir que as decisões judiciais contrárias aos escravos nem sempre eram
acatadas passivamente por estes.

A formação do pecúlio e o arbitramento

O crioulo Hilário, morador na vila de Inhambupe, maior de 60 anos, escravo de Luisa


Maria do Espírito Santo, foi autorizado por ela a pedir esmolas para formar pecúlio para sua
alforria. Hilário conseguiu doações entre as “pessoas caridosas que se compadeceram de seu

69 Artigo 4º § 9º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871. “Fica derrogada a Ord. liv. 4º, tit. 63, na parte que
revoga as alforrias por ingratidão”.
70
GRINBERG. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”, p. 117 e 118. Libertos imperfeitos
eram aqueles que haviam sido alforriados sob condições.
71
MATTOS. Das cores do silêncio, p. 187.
72
Segundo Conrado, esta era a opinião de alguns deputados que se opuseram à Lei do Ventre Livre de 1871. Cf.
CONRADO, Os últimos anos da escravatura, p. 123.
97

cativeiro em idade tão avançada” e entregou tais economias à sua senhora, que lhe prometeu
carta de liberdade em 24 de junho de 1872. A carta seria lavrada após os festejos juninos,
mediante pagamento de 100$000 réis.73 O pecúlio acumulado por Hilário, como já foi dito,
era uma prática costumeira entre os escravos. Conforme Chalhoub, “parecia ser desde muito
tempo a melhor chance de um escravo conseguir a liberdade [...]”. 74 A sanção do pecúlio pela
Lei nº 2.040 foi regulamentada pelo Decreto de nº 5.135, de 13 novembro de 1872. O pecúlio
de Hilário estava de acordo com o determinado pelo artigo 4º da Lei de 1871, isto é, havia
recebido esmolas, com o consentimento de sua senhora e devidamente registrada no cartório
da vila do Inhambupe:

Concedo licença eu Luisa Maria do Espírito Santo, a Hilário, cabra de 60 anos de


idade mesmo ainda em bom estado de trabalhar, e [...] rogos lhe farei sua carta de
liberdade por me apresentar cento e cinquenta mil réis, que sendo seu valor de venda
lhe perdoou cinquenta, a vista do que acima declaro [...] pode tirar suas esmolas de
agora até o festejo de São João em junho vindouro[...].75

Para esmolar Hilário precisou do consentimento de sua senhora, porém, para receber
donativos de seus filhos e outras pessoas e para obter valores advindos do próprio trabalho e
economias, não dependia do consentimento de Luisa Maria. 76 O resultado das doações e
esmolas recebidas por Hilário foi entregue a Luisa, cumprindo o que estava previsto no artigo
49 do Regulamento 5.135:

[...] O pecúlio do escravo será deixado em mão do senhor ou do possuidor, se este o


consentir, salva a hipótese do art. 53, vencendo o juro de 6 % ao ano; e outrossim
poderá, com prévia autorização do juízo de órfãos, ser recolhido pelo mesmo senhor
ou possuidor às estações fiscais, ou a alguma caixa econômica ou banco de
depósitos, que, inspire suficiente confiança.77

Apesar da promessa de alforria e de Hilário ter entregado a quantia arrecadada, ele foi
inventariado e adjudicado pelo herdeiro Jesuíno Esmeraldo de Oliveira, filho de Luiza Maria,
que o vendera ao capitão Manuel Pinto de Carvalho por 150$000 réis. Diante de tal situação,
Hilário recorreu à Justiça para “tratar de sua liberdade pelos meios que a lei lhe permite, não
só por já ter feito algum pagamento, como por que está pronto a apresentar o restante da

73
Ação de Liberdade do crioulo Hilário (autor)versus Pinto de Carvalho (réu), Inhambupe. APEB. Seção
Judiciário, classificação 68/2432/06, 1872.
74
CHALHOUB. Visões da Liberdade, p. 147.
75
Ação de Liberdade do crioulo Hilário, fl. 5.
76
Os trabalhos de Xavier e Azevedo ajudaram a entender como os escravos formavam pecúlio para solicitar o
arbitramento. XAVIER. A conquista da liberdade, p. 74; AZEVEDO, Elciene. Orfeu de carapinha: a trajetória
de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas - SP: Editora Unicamp, 1999.
77
Artigo 49 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
98

quantia porque for avaliado”.78 O processo tramitou no juízo municipal da vila de Inhambupe
seguindo o seu rito judicial. Foram nomeados curador e depositário e escolhidos os
avaliadores para proceder ao arbitramento, reiteradamente remarcado. Ora Hilário estava
doente, ora o árbitro escolhido por ele precisava ausentar-se por diferentes razões. Durante a
tramitação do processou houve a tentativa de diminuir o valor atribuído ao escravo por
ocasião do inventário. Hilário foi inventariado pela quantia de 150$000 réis, valor pago pelo
capitão Carvalho, contudo, no arbitramento, o seu preço caiu para 50$000 réis. Como havia
entregado 23$000 réis à sua senhora, àquela altura falecida, Hilário requereu depositar apenas
27$000 réis para saldar a dívida.

Cabe observar que inicialmente, Hilário não solicitou arbitramento, o que só


aconteceu na segunda petição feita ao juiz Municipal de Inhambupe, Cândido Figueiredo, em
31 de maio de 1873, uma vez que, para requerê-lo, o escravo teria que apresentar em juízo, o
dinheiro ou títulos correspondentes a seu preço razoável. 79 À medida que o representante
oferecesse em juízo um valor razoável para indenizar o senhor e, caso ele não aceitasse, era
necessário nomear três árbitros para fazer a avaliação judicial. A escolha desses árbitros
efetuava-se da seguinte maneira:

[...] o representante do senhor - ou ele próprio - indicava uma lista de três nomes,
dentre os quais o representante do escravo escolhia um; o representante do escravo -
seu curador - apresentava também sua lista tríplice e a outra parte escolhia um dos
nomes indicados; o terceiro árbitro era indicado pelo juiz e não poderia ser recusado
por nenhuma das partes a menos que se provasse a sua suspeição. 80

O advogado de Manoel Pinto de Carvalho, Jacinto Febrônio de Oliveira, baseado no


inventário e no valor pago pelo seu cliente na compra que fizera do escravo, argumentou que
era desnecessária a avaliação “[...] visto como a Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, art.
4º § 2º determina que o preço da alforria seja o da avaliação do inventário quando os escravos
tenham sido neles avaliados [...]”.81 Manoel Carvalho utilizou essa manobra legal, pois queria
resolver a situação a fim de minimizar o seu prejuízo, tendo em vista que o libertando estava
em mãos de Pedro Gomes, seu depositário, motivo pelo qual não poderia usufruir dos seus
serviços. Hilário, por sua vez, utilizou-se das estratégias já mencionadas anteriormente, e

78
Ação de Liberdade do crioulo Hilário, fl. 2.
79
NEQUETE. Escravos e Magistrados, p. 86. O Artigo 4º § 2º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871 diz: “O
escravo que, por meio de seu pecúlio, obtiver meios para indenização de seu valor, tem direito a alforria. Se a
indenização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciais ou nos inventários o preço
da alforria será o da avaliação”.
80
MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis, p. 222 e 223.
81
Ação de Liberdade do crioulo Hilário, fl. 13.
99

protelou o máximo possível o seu arbitramento, a fim de diminuir o valor a ele atribuído. A
estratégia logrou êxito, já que o valor do arbitramento foi reduzido a 50$000 réis, portanto,
um terço da quantia pela qual fora arrolado no inventário.

O capitão Carvalho não se conformou com o desfecho da situação e chamou à


responsabilidade o herdeiro Jesuíno Esmeraldo de Oliveira. Jesuíno Oliveira passou a
responder pela causa, contestando não mais o valor atribuído a Hilário no inventário, mas, a
sua proposta de só completar a quantia arbitrada. Hilário retrocedeu e pagou o valor do
arbitramento, talvez porque não quisesse ver o processo se arrastar por um longo período,
uma vez que obtivera a redução do seu preço. No dia 11 de maio de 1874, Oliveira recebeu o
valor da avaliação de Hilário e lhe passou a carta de liberdade.

Naquele contexto do final da década de 1870, os escravos certamente percebiam que


para conseguir a sua alforria, não precisavam, necessariamente, do consentimento senhorial.
Assim como Hilário, diversos escravos utilizaram de variadas formas de lutas, motivados
pelas experiências acumuladas e transmitidas ao longo dos anos por outros cativos. Ademais,
quando acionavam a Justiça, os escravos contavam muitas vezes com a atuação de juízes e
advogados simpatizantes à questão da liberdade, além da solidariedade de pessoas que
estavam em seu entorno e simpáticos à causa abolicionista. Havia também “as relações que
mantinham com as comunidades negras entre os libertos” que fortalecia os cativos para a
luta.82

O reconhecimento do pecúlio também favoreceu o rito sumário da alforria pelo juiz


de órfãos quando da morte do senhor. Este foi o caso se Thomé, crioulo, solteiro, 41 anos,
escravo da finada Anna Joaquina Luna Novais, matriculado no município de Inhambupe, que
recebeu do jurista Antônio Ferreira Velloso, juiz municipal de órfãos de Alagoinhas, sua carta
de liberdade, mediante pagamento de 450$000 réis, preço de sua avaliação no inventário “que
se procedeu, pelo que de hoje em diante gozará de sua liberdade”. 83 Cabe observar que
Thomé, a despeito de ter sido matriculado no município de Inhambupe, recorreu ao juiz de

82
Azevedo destaca a atuação dos profissionais supracitados em ações cíveis de liberdade impetrada pelos
escravos contra seus senhores, desestruturando assim, “a política de domínio senhorial minando as bases da
ideologia que sustentava o cativeiro”. AZEVEDO, Elciene. “Para além dos tribunais: advogados e escravos no
movimento abolicionista em São Paulo”. In: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (orgs.).
Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas-SP: Editora UNICAMP, 2006, p. 199;
XAVIER. A conquista da liberdade, p.76.
83
Carta de alforria de Thomé, Alagoinhas, 15 de novembro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 16v. Ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 49.
100

órfãos do município vizinho, talvez porque soubesse que ele assumia posição política a favor
da liberdade.84

O rito sumário também foi usado para resolver a situação dos escravos que
pertenciam a condôminos. Em tais situações, o escravo era obrigado a indenizar
individualmente a cada senhor. Em3 de maio de 1884, Claudina, crioula, 50 anos, que
pertencia a um condomínio de senhores, foi alforriada por meio de duas cartas de liberdade
registradas a 14 de maio de 1884, no livro do 1º Tabelionato de notas de Alagoinhas. Segundo
a Lei de 28 de setembro de 1871, art. 4º, § 4º, o escravo que pertencesse a um ou mais
senhores, e fosse libertado por um deles, poderia indenizar os demais no valor que lhes
pertenciam. 85 A escrava Claudina recorreu a essa prerrogativa da lei e indenizou em 150$000
réis a Francisca Maria do Espírito Santo e a Manoel Barbosa de Souza, ficando “[...] sujeita a
pagar-nos com o que tiver pelo que lhe conferimos sua liberdade de que gozará de ora em
diante sem mais condição alguma [...]”. Já na segunda carta de alforria, Manoel Ferreira de
Souza, José Joaquim d’Aragão e Josefina Barbosa d’Aragão receberam de Claudina 100$000
réis da parte que lhes cabia. 86 De acordo com o Decreto de nº 5.135, artigo 38, para se
proceder ao arbitramento de um escravo de propriedade de um condomínio de senhores, fazia-
se necessário escolher um dos condôminos para representar os demais. 87

Em 1884 e 1885, quando os parlamentares discutiam a “questão servil” para a


implantação da lei do Sexagenário, a indenização pela liberdade constituía-se na melhor
forma de respeito ao “direito de propriedade”. Consoante Joseli Mendonça,

[...] Estava no “espírito da lei de 1871” o princípio de que à liberdade deveria


necessariamente corresponder uma indenização. Essa lei, enfim, em todas as formas
de libertação que introduzira, contemplara a indenização: pelo ventre, a prestação de
serviços dos ingênuos; para as demais alforrias, a restituição pecuniária.88

A regra para esse tipo de indenização foi uma realidade até mesmo em vilas distantes dos
principais centros do Império, a exemplo dos processos aqui analisados. Neste sentido, é
interessante dar visibilidade à história da parda Generosa, levada aos tribunais da vila de
Alagoinhas, em 20 de abril de 1877. Generosa era escrava da “interdicta” Mattilde Alves da

84
CHALHOUB. Visões da liberdade, p.108.
85
Artigo 4º § 4º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871. Esse parágrafo da Lei é complementado com o
seguinte: “Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos, em
conformidade do parágrafo antecedente”.
86
Cartas de alforria de Claudina, Alagoinhas, 14 de maio de 1884. 1º Tabelionato de Notas em Alagoinhas,
Livro de Notas do Tabelionato, s/n, 1884, fl. 1v e 3.
87
Artigo 38 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
88
MENDONÇA. Entre a mão e os anéis, p. 223.
101

Silva, tutelada por Innocencio Alves Silva Pereira. De posse de um pecúlio de 350$000 réis,
Generosa acionou a justiça para obter a sua alforria, por meio de uma ação de liberdade,
solicitando que se procedesse ao seu arbitramento e a nomeação de um curador para
representá-la. O senhor José Justino Telles foi o escolhido para o exercício da função. 89

A suplicante alegou que talvez a sua avaliação fosse bem menor do que 350$000
réis, pois ela sofria de uma enfermidade incurável desde tenra idade, atestada pelo dr. Antônio
Britto, conforme documento anexado ao processo. A alegação provavelmente diminuiria o
valor que seria estabelecido pelos árbitros em momento oportuno. Tendo em vista que
Innocencio Pereira, tutor de sua senhora, não residia em Alagoinhas, solicitou que fosse
enviada uma carta precatória para o termo de Santo Amaro, a fim de que o mesmo fosse
citado e se fizesse presente na data da audiência que seria designada pelo juiz municipal e de
órfãos, José Maria da Rocha Carvalho.

Generosa requereu o seu arbitramento com base nos artigos 4º da Lei de 28 de


setembro de 1871 e do artigo 56 e parágrafos, do Decreto de 13 de novembro de 1872, que
tratava da alforria do escravo indenizando o senhor por meio de pecúlio constituído, caso
houvesse acordo ou por arbitramento, caso não houvesse consentimento. 90 A suplicante
cumpriu a legislação, oferecendo o valor provável de sua liberdade e fazendo depósito como a
lei determinava. 91 Por conta da enfermidade incurável que sofria, segundo declarou, pediu
para que se procedesse na forma do §1º do artigo 4º da Lei 2.040, de 1871, “por morte do
escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra
metade se transmitirá aos herdeiros, na forma da lei civil”. 92

Em meio ao processo de arbitramento, Mattilde Alves da Silva faleceu e seus


herdeiros, sobrinhos ainda menores, representados pela tutora Anna da Silva Pereira,
conferiram-lhe carta de alforria. Generosa solicitou à Justiça a suspensão da ação judicial e o
reembolso do valor de 350$000 réis, que havia depositado em juízo. A despeito de o processo
judicial de Generosa ter transcorrido sem sobressaltos, o fato de ter recorrido à Justiça é um
indício de conflitos na relação que mantinha com a sua senhora. Tais conflitos não parecem
ter se estendido aos herdeiros, o que possibilitou negociação que resultaram em uma alforria
sem ônus e pôs fim à sua ação de liberdade.

89
Ação de Liberdade de Generosa (autora)versus D. Mattilde Alves da Silva Pereira (ré), tutelada por
Innocencio Alves Silva Pereira, 1876. Fórum Des. Ezequiel Pondé, Alagoinhas. Série Judiciário.
90
Artigo 56 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
91
Artigo 57 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
92
Artigo 4º § 1º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
102

Liberto por abandono

As histórias de escravos que recorreram à Justiça, ainda que possam parecer


repetitivas ao leitor, têm o mérito de dar visibilidade às experiências dos escravizados que se
empenharam de variadas formas para pôr fim ao cativeiro em que viviam, bem como
demonstram as formas pelas quais utilizaram a lei 2.040 para conseguir a liberdade. Miguel,
escravo de Anna Maria Sacramento, viúva de Manoel Muniz Cardoso, acumulou pecúlio em
suas horas de folga nos domingos e dias santos, com o objetivo de conseguir a sua carta de
alforria. Conforme prometido pela sua senhora, seria alforriado logo que adquirisse
1:100$000 réis, quantia pela qual fora avaliado em inventário, valor considerado vultoso para
um escravo na condição de saúde precária em que se encontrava, podendo dificultar o seu
arbitramento.93 O trabalho feito por Miguel no engenho Burahem, propriedade de Anna no
município de Alagoinhas, lhe possibilitou poupar 300$000 réis e dois cavalos. Ademais, o
escravo também possuía roças alugadas, talvez plantando mandioca, fumo ou alimentos de
subsistência. No entanto, contraiu uma grave enfermidade e d. Anna o desamparou, levando-o
a gastar todas as suas economias no tratamento da doença. 94 Após consumir as economias
adquiridas em vários anos de trabalho, Miguel precisou contar com a boa vontade de
escravizados, libertos e livres, moradores de várias localidades do município de Alagoinhas,
pessoas que faziam parte de sua rede de sociabilidades para, por meio de empréstimos e
esmolas, ajudá-lo com a sua sobrevivência, pois a enfermidade o impedia de trabalhar, como
atestou o médico Demétrio Manoel da Silva, que o atendeu e lhe doou remédios.

Por meio de empréstimos, esmolas e venda de objetos, Miguel conseguiu reunir


290$000 réis que foram oferecidos a Anna Maria por sua alforria. O valor inicialmente foi
aceito por ela. Todavia, a senhora desistiu de alforriá-lo utilizando-se da prerrogativa de
conceder a liberdade quando e se quisesse. Instaurado o conflito, Miguel não teve alternativa
e recorreu à Justiça. Em sua petição inicial, narrou sua história e apresentou uma relação de
testemunhas, a fim de que fosse avaliado nos termos da Lei de 28 de setembro de 1871.

93
Miguel foi avaliado em inventário por 1:100$000 réis, por volta de 1860, por ocasião do falecimento de
Manoel Martins Cardozo, marido de d. Anna Sacramento, isto é, 16 anos antes de acionar a justiça solicitando
arbitramento. Levando-se em consideração o tempo decorrido e sua condição de saúde quando do arbitramento,
sua avaliação, certamente seria mais baixa, justificativa excelente para depreciar o seu preço. Ricardo Silva
discute várias ações de liberdade anteriores a 1871, em que os escravos buscavam fazer com que os senhores
aceitassem receber a quantia de sua avaliação. Apesar de os períodos serem diferentes, a tabela aprovada por
ocasião da Lei do Sexagenário, serve de parâmetro para estimar o valor mais elevado de um escravo menor de 30
anos, isto é, 900$000 réis, o que, provavelmente, não era o caso de Miguel. Ver: MENDONÇA, Entre a mão e
os anéis, p. 270.
94
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardoso (autor)versus D. Anna Maria Sacramento (ré). Fórum Des.
Ezequiel Pondé, Alagoinhas. Série Judiciário. Ver: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 47.
103

Contudo, Miguel não conseguiu produzir provas para confirmar o alegado e sua petição de
alforria foi indeferida, talvez porque as pessoas às quais ele procurou para testemunhar não
quisessem se indispor com a sua proprietária.

A história de Miguel é singular, pois possibilita perceber como era possível formar
pecúlio. Enquanto gozava de boa saúde, Miguel trabalhava aos domingos e dias santos,
possuía cavalos e roças alugadas com as quais produzia uma economia própria. Alguns
historiadores interpretam essa concessão dos senhores aos seus escravos como um mecanismo
de controle, uma forma de sustentar o sistema escravista. 95 Tais atividades econômicas
praticadas pelos escravos se, por um lado, ajudavam a diminuir os custos com a escravaria,
por outro, criava expectativas de liberdade, caso de Miguel que possuía roças e lutava para
adquirir sua alforria. Contudo, ao constatar que um acordo com d. Anna não seria mais
possível Miguel acionou a Justiça, com base no artigo 4º da Lei de 28 de setembro de 1871,
que discorria sobre o pecúlio e arbitramento, bem como no artigo 6º, § 4º, que declarava
libertos os escravos abandonados por seus senhores. 96 Apesar de não ter citado esse parágrafo
em sua petição inicial, no decorrer do processo Miguel queixou-se de que:

[...] No referido ano de 1867 caiu o suplicante gravemente enfermo, e sua senhora (a
suplicada) bem longe de tomar a seu cuidado o tratamento e sustentação do
suplicante, como por ser esse o seu dever, desamparou-o completamente, e em tais
emergências não teve o suplicante outro jeito senão o de lançar mão do seu pecúlio
para tratar-se, gastando até o último real, vendendo roças e animais que possuía,
visto como a moléstia prolongou, e por falta de um tratamento complicou-se o seu
estado de saúde até o presente.97

Em 7 de abril de 1876, o juiz Pedro Carneiro nomeou o cidadão Manuel Fausto Oliveira como
depositário e Joaquim José da Costa Chaves como curador de Miguel e intimou a suplicada e
as testemunhas para a primeira audiência, marcada para o dia 25 de julho de 1876, que não
aconteceu por conta de ausências “[...] pelo juiz, mandou pelo porteiro apregoar o nome dos
citados, e tendo feito deu fé de não terem comparecido[...]”. Até o término do processo não
ocorreu nenhuma audiência. Em 11 de agosto de 1876, Anna Maria reclamava da lentidão do
processo. Segundo consta nos autos, queixava-se de que a ação se arrastava “[...] desde o dia
28 de abril do corrente ano, como já tinham decorrido 99 dias sem que o referido seu escravo

95
REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 28-31.
96
Artigo 6º § 4º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
97
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardozo, fl. 2v, grifo nosso.
104

por seu curador tenha provado em juízo o alegado em sua petição [...]”. Alegava, também, que
era pobre e vivia na dependência do trabalho dos seus escravos. 98

Sua queixa resultou em celeridade na ação, até que o juiz municipal de Alagoinhas, o
dr. Pedro Carneiro, remeteu a causa ao Curador Geral Francisco de Castro Rabello que opinou
“[...]pela improcedência e subsistência da Ação de Liberdade proposta por meio de
arbitramento[...]”. A decisão foi tomada com base em duas razões: a primeira, “[...] a
incompetência do juízo pelo qual foi proposta, visto ser privativo tal processo do Juízo de
Órfãos, conforme determina[va] o Regulamento 5.135, de 13 de novembro de 1872[...]”; e a
segunda justificativa foi “para que tivesse lugar o depósito requerido e se v[iesse] a proceder
ao arbitramento [era] necessário que [se procedesse] na forma do artigo 57 do citado
Regulamento[...]”.99 Este artigo declarava que não poderia requerer arbitramento o escravo
que não exibisse, no mesmo ato em juízo, dinheiro ou títulos de pecúlio, cuja soma não
correspondia a seu preço razoável. O juiz Pedro Carneiro acatou as alegações do Curador
Geral e Miguel teve o seu sonho de liberdade frustrado. Observa-se que algumas sentenças
proferidas em favor ou contra a liberdade em primeira instância era fruto de uma decisão
política dos magistrados que julgavam tais processos. Anna Maria do Sacramento, dona do
engenho Burahem, embora se declarasse pobre, talvez fosse pessoa de poder e prestigio
naquele município.

Miguel não foi o único escravo a alegar abandono dos seus senhores naquele
município. Anna alegou abandono por parte de sua senhora, Amália Joana Othani, desde o
ano de 1879, ocasião em que andava como livre no Hospital da Misericórdia da Bahia. O juiz
Antônio Velloso, então juiz de órfãos em Alagoinhas, aceitou as alegações de Anna e a
considerou livre de toda a escravidão. Ao contrário de Miguel, Anna obteve sucesso em sua
ação judicial, talvez por ter procurado o auxílio de pessoas instruídas para orientá-la sobre a
alforria, conforme ressaltou Matos.100

A lei de 1871 e o questionamento ao domínio senhorial

Era o ano de 1874 quando Cândida, crioula, escrava de Anna Amália de Jesus,
procurou a Justiça alegando maus tratos por parte de sua senhora. Acatada a denúncia,
Cândida foi examinada pela polícia que instaurou “processo crime contra a mesma senhora e

98
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardozo, fl. 13.
99
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardozo, fl. 14v.
100
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 46. Cartas de alforria de Anna. 1º Tabelionato de Notas em
Alagoinhas, Livro de Notas do tabelionato, s/n, 1885, fl. 4 v.
105

o padre Antônio Lourenço Boaventura pelas inúmeras sevícias nela praticada [...]”. 101 A
crioula também alegou em juízo que possuía pecúlio suficiente para requerer a sua liberdade,
solicitando que fosse nomeado curador para representá-la judicialmente, além de depositário,
solicitou que se procedesse a sua avaliação, juntamente com a do seu filho José, com oito
anos de idade.

O processo de avaliação de Cândida e seu filho teve início no dia 14 de outubro de


1874, e no dia seguinte o juiz municipal de órfãos, Camilo Accioli Silva, julgou o
arbitramento.102 Cabe lembrar, que o § 1º do artigo 7º da Lei de 28 de setembro de 1871,
determinava que os processos em favor da liberdade fossem de rito sumário. 103 O juiz de
órfãos nomeou como curador o regente Jacinto Febrônio de Oliveira que posteriormente
ocupara o cargo de escrivão de ausentes da vila de Inhambupe e, para depositário, o cidadão
Amâncio José dos Santos e designou o dia 15 de outubro de 1874 para a avaliação de mãe e
filho. 104 Dado o ritmo sumário da causa, no mesmo dia da petição inicial, Anna Amália de
Jesus foi intimada, e a despeito de não ter sido encontrada, foi citada por meio de vizinhos.
Ainda no dia 14 de outubro foi acionado o curador, tendo procedido ao juramento, conforme
os termos do direito. Os mandados de busca e apreensão foram feitos, primeiro o de Cândida,
conforme relato do oficial de justiça,

[...]às nove horas da noite nesta vila de Inhambupe [...] encontrei no beco das casas
do finado João Meireles, saindo pelo portão, a escrava Cândida, crioula vestida em
trajes e acompanhada de alguns vultos conhecidos, os quais a conduziam com ela
em fuga, em cujo ato me dirigindo a ela apreendi e conduzi com as testemunhas a
casa do cidadão Amâncio José dos Santos, depositário nomeado por este juízo.105

Apreendida em fuga, talvez porque não tivesse expectativa de que fosse ganhar a causa,
Cândida foi levada para o depósito. Em seguida foi feita a apreensão de José, solicitada pela
escrava com a assistência do seu curador e foi declarado pelo oficial Augusto Correia da Silva
Sá que “Anna Amália de Jesus se achava oculta para não entregar o menor José, filho da
libertanda Cândida[...]”. 106 Diante do não comparecimento de Anna Amália, a audiência
aconteceu a sua revelia, sendo ambos avaliados no valor de 500$000 réis. No dia 15 de

101
Arbitramento de liberdade de Cândida (autora) versus Anna Amalia de Jesus (ré), Inhambupe. APEB, Seção
Judiciário, classificação 80/2878/04 – 1874.
102
Carta de alforria de Umbelino, vila de Inhambupe, 18 de março de 1875. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 16 de Inhambupe, 1875, 47 e v.?
103
Artigo 7º § 1º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
104
Documento datado de 30 de agosto de 1884, quando o juiz de direito da comarca de Inhambupe, Cipriano
Almeida Librão informou à presidência da província os funcionários do judiciário com suas respectivas funções.
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-1889.
105
Arbitramento de liberdade de Cândida, idem, fl. 8v.
106
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 12v.
106

outubro de 1874, o dr. Accioli concedeu carta de liberdade judicial a Cândida e a seu filho
José e intimou Anna Amália de Jesus para, no prazo de três dias, resgatar a importância do
arbitramento que se achava recolhida em uma repartição pública.

Na petição inicial, Cândida invocou a Lei de 28 de setembro de 1871, para solicitar o


seu arbitramento juntamente com o do seu filho José, sob a alegação de que possuía pecúlio e
por lei,

[...] tem direito em tal caso, exvi do art. 4º § 2º da Lei de 28 de setembro de 1871,
vem por meio deste, requerer de V. S.ª digne-se nomear-lhe um curador na forma do
art. 58 § 2º do Regulamento de 13 de novembro de 1872 para figurar por sua parte
no arbitramento, para o qual designara dia e hora de conformidade também com o
art. 56 do mesmo regulamento exibe a suplicante no ato o dinheiro de contado
correspondente ao respectivo valor de conformidade também com o art. 57 do dito
Regulamento e como a suplicante tem direito de não separar-se de seu filho menor
de oito anos (Art. 9º ibidem) requer igualmente a avaliação do mesmo [...]. 107

A partir do argumento exposto, Cândida, por intermédio de seu curador José Febrônio,
conseguiu a alforria à revelia de sua senhora. Solicitou e foi atendida pelo juízo de órfãos da
vila de Inhambupe que enviasse carta precatória de diligência citatória para a capital da Bahia,
a fim de notificar a Anna Amália da sentença judicial e de mandar levantar o valor atribuído
pelo arbitramento. Em 22 de outubro de 1874, Anna Amália, representada pelo advogado
João Ferreira Leite, embargou a intimação citatória e a sentença proferida pelo juiz de órfãos,
Camilo Accioli, alegando falta de formalidades na precatória, questionando o tempo utilizado
para cumprir as formalidades legais – 4 dias – e, também, o valor de 500$000 réis, quantia
correspondente à avaliação de Cândida e seu filho José.

Cândida chegou a fazer uma petição solicitando que os embargos não fossem aceitos
por haver passado o prazo, no entanto, não obteve sucesso. Em 23 de novembro de 1874, na
vila do Inhambupe de Cima, José Febrônio, agora procurador da liberta, autuou impugnações
aos embargos, alegando que não havia defeitos na precatória e que esta continha todos os

107
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 2. Os artigos 9º, 56º, 57º, e 58º § 2º do Decreto 5.135 de 13 de
novembro de 1872, estabelecem, respectivamente que: “A mulher escrava, que obtiver sua liberdade, tem o
direito de conduzir consigo os filhos menores de 8 anos (Lei - art. 1º § 4º), os quais ficarão desde logo sujeitos à
legislação comum. Poderá, porém, deixá-los em poder do senhor, se este anuir a ficar com eles (Lei - ibid.); O
escravo que, por meio de seu pecúlio, puder indenizar o seu valor, tem direito à alforria. (Lei - art. 4º § 2º); Não
poderá requerer arbitramento, para execução do art. 4º, § 2º da lei, o escravo que não exibir, no mesmo ato em
juízo, dinheiro ou títulos de pecúlio, cuja soma equivalha ao seu preço razoável. No arbitramento figurará por
parte do escravo um curador nomeado pelo juiz. Quanto ao senhor, ou a quaisquer interessados no valor do
escravo, observar-se-á o disposto no art. 38”.
107

requisitos necessários. Além disso, argumentou que o processo deveria ser sumário e por esse
motivo, não caberia embargos à sentença, somente o recurso de apelação.

Aos 31 dias do mês de dezembro de 1874, por meio de sustentação aos embargos, o
advogado de Anna Amália, pautado pelos artigos e parágrafos da Lei 2.040 e do Decreto
5.135, citados por Cândida em sua petição inicial, contrariou um a um, os argumentos do
procurador, levando o juiz a anular a sentença e, por consequência, sua carta de liberdade e a
do seu filho José. A celeridade da ação, deste modo, prejudicou a defesa da autora, pois levou
a falhas que foram aproveitadas pelo advogado da ré para anular a sentença.

O jurista João Ferreira Leite, procurador de Anna de Jesus, considerou que foram
efetuadas citações em “falso, erradas ou por crassa ignorância ou má fé”. Quando Cândida
solicitou o arbitramento deveria ter em mãos o pecúlio para que fosse apresentado em juízo, a
fim de ser depositado. Segundo o advogado isso não ocorreu, ela apenas citou a lei,
configurando oposição ao artigo 57 do Decreto 5.135, que preconizava: “não poderá requerer
arbitramento, para execução do art. 4º, § 2º da lei, o escravo que não exibir, no mesmo ato em
juízo, dinheiro ou títulos de pecúlio, cuja soma equivalha ao seu preço razoável”. 108 O
advogado alegou também que a libertanda só apresentou o pecúlio após o arbitramento, dando
a entender que ocorreu a liberalidade de terceiros na composição do pecúlio, e para fortalecer
o seu argumento apresentou a decisão do Tribunal da Relação da Corte confirmando a
sentença do juiz de direito de Sabará que foi utilizada como jurisprudência, notificada no
artigo do Jornal O Cruzeiro, de 5 de outubro de 1874.109 O juiz de órfãos de Inhambupe não
justificou a sentença de Cândida e seu filho José pautado no argumento da liberalidade de
terceiros. Em 11 de janeiro de 1875, o juiz Camilo Accioli sentenciou a causa nos seguintes
termos:

[...] Vistos e examinados estes autos, recebo e julgo provados os embargos de fl. 31
opostos à sentença de fl. 18, por sua matéria relevante, e de direito, provado no
ventre dos mesmos autos, para o fim de anular, como anulado tenho todo o presente
processado [...] sem que tivesse sido feita a primeira citação na forma da lei[...]
defeitos da certidão a fl. 4 v. [...] excessos por parte do oficial do respectivo
mandado também de fl. 4, defeitos e excessos que nulificam a diligência procedida
bem como as que lhe seguiram, executadas com atropelo e tumultuariamente.110

108
Artigo 57 do Decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872.
109
Artigo do Jornal O Cruzeiro, de 5 de outubro de 1874, anexado ao arbitramento de liberdade de Cândida, fl.
67.
110
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 68v.
108

Assim, observa-se que o jurista não acolheu a jurisprudência sobre o argumento da


liberalidade de terceiros, considerada por Lenine Nequete como “irracional e monstruosa”.111

Vimos nas seções anteriores a história do escravo Hilário que solicitou licença a sua
senhora para pedir esmolas a fim de constituir pecúlio. Para ser amparado por essa
jurisprudência Hilário só poderia aceitar esmolas para a constituição de parte do pecúlio e
esperar para completar o restante com alguma herança ou com o que, por consentimento de
sua senhora, angariasse com seu trabalho e economias. Se, por ventura, Hilário formasse seu
pecúlio apenas com esmolas, estaria transgredindo o que dispunha o artigo 57º § 1º do
Regulamento, de 13 de novembro de 1872.112 Deste modo, “desde que para a constituição do
pecúlio fosse imprescindível [...] o produto das economias e do trabalho do escravo, tornar-se-
ia letra morta a disposição legal que garante o direito à alforria”. 113

A ação de liberdade de Cândida demonstra que o campo do direito não estava


definido a priori, e que cada causa trazia à tona experiências de embates jurídicos distintos.
Em sua contrariedade, o procurador de Anna Amália contestou o artigo 9º do Regulamento,
que tratava dos filhos livres de mulheres escravas. Segundo João Leite, o filho de Cândida
não era ingênuo, razão pela qual ela solicitou a sua avaliação. Portanto, o juízo acolhendo
“essa apelação desse artigo ao menor escravo ou foi uma caçoada imprópria do caso [...] ou
então foi o resultado de supina ignorância”. 114 Para além dos argumentos expostos acima, o
procurador ainda destacava que a escrava se fez libertar à revelia de sua senhora. O
arbitramento teria sido feito sem a concordância do valor pela senhora e sem o seu
consentimento. Ademais, foram citadas outras falhas processuais que possivelmente
influenciaram a decisão do juiz municipal de órfãos da vila de Inhambupe, em 11 de março de
1875, de anular todo o processo por conta dos excessos, atropelos e tumultos causados nas
diligências.115

Não é difícil perceber que era desejo de Cândida e das pessoas que formaram a sua
rede de solidariedade, uma ação judicial rápida. Todavia, a agilidade com que ocorreu o
processo terminou prejudicando a autora, fazendo com que algumas medidas essenciais

111
NEQUETE. Escravos e Magistrados, p. 91.
112
De acordo com o Artigo 57º § 1ª do Decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872: “não é permitida a
liberalidade de terceiro para a alforria, exceto como elemento para a constituição do pecúlio: e só por meio deste
e por iniciativa do escravo será admitido o exercício do direito à alforria”.
113
NEQUETE. Escravos e Magistrados, p. 93.
114
Arbitramento de liberdade de Cândida, Artigo do Jornal O Cruzeiro de 05 de outubro de 1874, anexado aos
autos do processo, fl. 54 v.
115
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 69.
109

fossem negligenciadas como, por exemplo, atentar-se para o tempo necessário entre uma
petição e outra ou agir corretamente no cumprimento dos mandatos, ou ainda, fazer a primeira
citação como deveria. A celeridade que antes parecia benéfica para a situação de Cândida,
tornou-se desfavorável frente ao resultado obtido em primeira instância. A ação foi para o
Superior Tribunal da Relação que manteve a mesma sentença, anulando as cartas de liberdade
de Cândida e seu filho, “[...] deixou, contudo o direito salvo a mesma escrava para requerer
novo arbitramento[...]”.116

Cândida, por sua vez, retomou a batalha judicial em busca de sua liberdade perante o
juiz municipal e de órfãos, 2º suplente em exercício, o capitão Manoel Alves Ferreira Batista,
requereu – mais uma vez – o seu arbitramento e do seu filho José. O juiz nomeou como
curador o major Theodoro Ferreira Coelho, que solicitou a intimação de Anna Amália de
Jesus para apresentar em juízo os referidos escravos. Quando parecia que os trâmites
correriam normalmente, o 1º suplente, o capitão Tertuliano Carneiro da Silva Ribeiro,
compadre de d. Anna Amália, assumiu “[...] exercício da vara e, sem demora, fez subirem a
sua conclusão os respectivos autos, e desde então jamais permitiu que se pronunciasse o novo
arbitramento[...]”.117

Em 8 de maio de 1877, o curador Capitão Theodoro Coelho autuou uma petição ao


juiz de direito da comarca de Inhambupe, primeiro substituto, Joaquim José dos Reis,
solicitando que se fizesse uma perícia nos livros da Câmara Municipal da vila de Inhambupe,
a fim de comprovar a legalidade, ou não, do juramento do 1º suplente de juiz municipal, o
capitão Tertuliano Ribeiro, pois na ocasião ele afirmou ter tomado posse por procuração,
tendo como seu representante o capitão Manoel Alves Ferreira Batista. Por suspeitar da
ilegalidade de seu exercício no cargo, o curador buscava a sua suspeição pelo fato de ser o
capitão Tertuliano compadre da senhora de Cândida. A perícia realizada pelos tabeliães
Elesbão José de Avelar e Eduardo de Oliveira Dias tinha o objetivo de responder as seguintes
questões:

[...] primeiro, se o termo de juramento que se fizeram ter prestado o primeiro


suplente do juízo municipal capitão Tertuliano Carneiro da Silva Ribeiro se acha[va]
legalmente lavrado; segundo, se nele assinou o vereador da comarca que também se

116
Encontramos documentos referentes a continuação da história da escrava Cândida nas correspondências
enviadas pelos juízes de Inhambupe aos presidentes da província, fragmentados, espalhados nos maços 2413 e
2415. Organizamos por data para contar a luta da crioula Cândida depois da sentença do Superior Tribunal da
Relação. APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415,
1851-1889.
117
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-
1889.
110

fizeram presidente interino tenente Victoriano Ferreira Baptista; terceiro, finalmente


se no mesmo termo assinou o referido primeiro suplente ou alguém por ele
competentemente autorizado por procuração, e se consta no mesmo livro”.118

Depois de examinarem o termo de que se tratava,

[...] declararam os ditos peritos que o referido termo não se achava legalmente
lavrado. Quanto ao segundo se achava respondido com o que declarou no primeiro
quesito. Quanto ao terceiro finalmente que nem no dito termo, e nem em seguida se
achava lançada a procuração de que tratou o referido termo como era necessário para
prova da veracidade do dito, e por isso são de opinião, que não houve juramento e
nem as solenidades exigidas em direito para a validade desse ato.119

Na audiência de 19 de junho de 1877, o curador Theodoro Coelho queria averbar como


suspeito o juiz municipal e de órfãos, 1º suplente, capitão Tertuliano Ribeiro, por ser
compadre da senhora dos ditos escravos. O suspeito passou vista e indeferiu o termo de
requerimento, dizendo que o major Theodoro não poderia fazer mais nada em favor dos
cativos, pois o mesmo estava demitido do cargo de curador. Depois do acontecido, o capitão
Ribeiro se ausentou da vila, levando consigo os autos do processo, sem passar o exercício da
função como era de lei. Em 9 de julho de 1877, Cândida questionou a demissão de seu
curador ao juiz de direito da comarca, solicitando informações acerca da data em que o juiz
fez a conclusão do arbitramento requerido pelos escravos e se havia nomeado outro curador.
O major Theodoro, por sua vez, julgava-se ainda curador dos escravos por considerar ter sido
exonerado ilegalmente. Ademais, tinha ciência de que o juiz não comparecia à vila. A sua
última audiência ocorrera em 23 de junho daquele ano.120

Em 12 de julho de 1877, o capitão Manoel Pinto de Carvalho encaminhou ao


presidente da província uma representação contra “[...]o ilegal procedimento do 1º suplente de
juiz municipal e de órfãos do termo desta vila de Inhambupe capitão Tertuliano Carneiro da
Silva Ribeiro[...]”, expondo todo o acontecido desde o primeiro processo de arbitramento,
quando em primeira instância, Cândida e seu filho receberam carta de alforria –
posteriormente anulada – e foram residir em casa do capitão Manoel Carvalho, em Salvador,
que até então, era depositário do pecúlio de 500$000 réis que Cândida e seu filho utilizaram
para conseguir a liberdade. Naquela data a soma encontrava-se em poder de Anna Amália de
Jesus, que embora tivesse recebido a quantia, apelou para o Tribunal da Relação. Manoel

118
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871-
1881.
119
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871-
1881.
120
As informações contidas nesse parágrafo foram extraídas de documentos do maço 2415. APEB. Seção
Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-1889.
111

Carvalho acusou o juiz Tertuliano Ribeiro de se achar “[...]sob pressão do vigário desta
freguesia Antônio Lourenço Boaventura, amante de Anna Amália de Jesus, com quem vive
sob o mesmo teto e na mais imoral mancebia[...]”. O capitão ressaltou que somente o
presidente da província poderia atuar diante das circunstâncias, providenciando para que
Anna Amália apresentasse em juízo os escravos que estavam ocultos, sofrendo torturas e
castigos, buscando meios para desaparecer com os cativos ou até mesmo serem vendidos para
um lugar bem distante onde não pudessem achar quem promovesse seus direitos nem
reclamassem a injustiça de que estavam sendo vítima. 121

Diante do exposto, o juiz, capitão Tertuliano Ribeiro, em 27 de agosto de 1877, por


determinação do juiz de direito da comarca, promotor público e, por ordem superior do
presidente da província, deveriam, no prazo de cinco dias, fazer diligências e apresentar
Cândida e seu filho José que estavam no serviço da lavoura no engenho Timbozinho, no
termo da vila de Itapicuru,

[...]envidei todos os esforços a fim de serem cumpridas as ordens recebidas. Tive a


satisfação de serem os referidos escravos apresentados a este juízo pela própria
senhora, sem a menor hesitação para proceder-se como me fora ordenado, a um
exame de sanidade na pessoa da escrava que dizia estar seviciada e em cárcere
privado para se lhe obstar o arbitramento de sua liberdade.122

Constituído o juízo pelo 1º suplente Tertuliano Ribeiro, presentes os médicos nomeados para
o referido exame, o delegado e o promotor adjunto, inesperadamente surgiu um grande
número de indivíduos “[...]capitaneados segundo observei, pelo capitão Manoel Pinto de
Carvalho [depositário] e major Theodoro Ferreira [curador], os quais por meio de vozerias e
toda casta de ameaças obrigaram-me a suspender os trabalhos[...]”.123 Em 25 de setembro de
1877, o capitão Tertuliano, ainda no exercício da função de 1º suplente, enviou
correspondência ao presidente da província, solicitando informações com urgência sobre o
requerimento da escrava Cândida, que pedia providências em favor de sua liberdade,
remetendo por cópia o referido requerimento. O 1º suplente, Tertuliano Ribeiro, ficou em
dúvida se atendia a solicitação ou se aguardava a chegada do novo juiz municipal e de órfãos

121
O capitão Manoel Carvalho ofereceu alguns nomes que poderiam testemunhar caso fosse necessário, são eles:
tenente João Cardoso de Araújo, tenente Geraldo Pereira da Rocha, Alferes Francisco José César de Almeida,
Alferes Bento Berillo de Oliveira, Antônio Ferreira Barbosa da Fonseca, João Agrepino de Gouveia Pinto, Pedro
celestino da Silva Pinto e Antônio Pinto Cardoso. APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida
dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-1889.
122
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871 -
1881, s/n
123
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871 -
1881, s/n
112

do município, já nomeado, mas que ainda não tomara posse do cargo. Tendo em vista a
urgência das informações, respondeu o juiz Ribeiro : “[...]entro em dúvida se devo prestar
[informação], sendo [que] neste requerimento fui caluniosamente acusado ou se devo
aguardar que assuma o exercício mencionado para satisfazer o que determinou V. Exª no
citado ofício”. 124

A história de Cândida e seu filho José demonstram as dificuldades pelas quais


passavam os escravos dos poderosos daquele município. Anna Amália de Jesus, senhora de
engenho, mantinha relações próximas com o juiz Ribeiro, o que a favoreceu no processo. O
arbitramento iniciado em 14 de outubro de 1874 passou pelo Superior Tribunal da Relação e
até 25 de setembro de 1877 não havia sido concluído. As expectativas de liberdade de
Cândida foram reiteradamente adiadas por conta da relação conflituosa com Anna Amália,
que não admitiu ter seu domínio senhorial questionado.125 As fontes nos levam a inferir que
Cândida possuía uma rede de solidariedade que possivelmente a amparou e lhe deu forças
para prosseguir com a causa na Justiça. Contudo, não foi possível acompanhar o desfecho
final de sua luta judicial com Anna Amália.

A filiação desconhecida: a africana Benedicta e o juiz Antônio Ferreira Velloso

Em 15 de abril de 1887, o juiz municipal de órfãos e ausentes da cidade de


Alagoinhas, Antonio Ferreira Velloso, publicou no periódico Alagoinhense, que a escrava
africana de nome Benedicta, com 40 anos, solteira, do serviço da lavoura, matriculada em 8
de agosto de 1872,pelo coronel José Emygdio Leal, na relação número 304,sob o número de
ordem 2.231 da matrícula no município e 76 da relação, foi liberta por força da lei de 7 de
novembro de 1831 e pelo fato de seu senhor não ter “matriculado ultimamente a
escravizada”. 126 A cópia da matrícula de Benedicta, anexada à partilha amigável do inventário

124
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871 -
1881, s/n
125
THOMPSON. Costumes em comum, p. 57.
126
O Alagoinhense, Alagoinhas, 28 abr. 1887, nº 275, folha não identificada. APEB. Sessão Colonial e
Provincial.
113

de José Emygdio Leal, em 1884, informava que ela era solteira, natural da Bahia, 11 anos e de
filiação desconhecida.127

Consoante Silva, a filiação desconhecida foi um argumento mobilizado pelos


advogados para libertar os africanos ilegalmente escravizados após a proibição do tráfico em
1831, quando se esgotavam as possibilidades contidas nas leis de 1871 e 1885. O argumento
da filiação desconhecida inviabilizava o reconhecimento da condição de escravo, e foi
desenvolvido inicialmente pelo dr. João Marques, na Corte do Rio de Janeiro, transformado
em jurisprudência e utilizado nos tribunais do Brasil afora. A partir de então, cabia ao senhor
provar a posse legal do escravo, e matrículas como as de Benedicta, anexada ao inventário em
1884, demonstravam a ilegalidade da sua propriedade.128 Benedicta certamente foi uma entre
vários africanos ilegalmente escravizados em Alagoinhas e Inhambupe após 1831.
Provavelmente foi batizada pelo vigário sem informação sobre a sua origem para preservar
José Emygdio Leal, representante de uma das famílias mais abastadas do município de
Alagoinhas e proprietário de engenhos no distrito de Igreja Nova. 129

Segundo Lenine Nequete, Antonio Velloso foi o primeiro juiz da província da Bahia
a aceitar o argumento da “filiação desconhecida”, em sentença julgada em 10 de julho de
1887.130 Contudo, a publicação da sentença de Benedicta no jornal Alagoinhense data de 15
de abril de 1887, sugerindo que talvez aquela fosse a primeira sentença julgada pelo
magistrado sob o referido argumento. Não é demais lembrar que Velloso militava em favor da
liberdade nas sentenças que proferiu no tribunal de primeira instância. Segundo o jornal o
Alagoinhense, Benedicta não foi matriculada, conforme a determinação da Lei nº 3.270, de 28
de setembro de 1885, que renovou a obrigatoriedade da matrícula com o objetivo de controlar
numericamente a população cativa existente no Império brasileiro. Não foi possível acessar os
autos de sua ação de liberdade, mas, a crer no periódico, seu curador também argumentou que
não havia sido matriculada em 1885.

Discordando de Nequete, Jailton Lima Brito argumentou que o primeiro juiz a


aplicar a Lei de 1831 foi Joaquim Antônio de Souza Spínola, juiz da Comarca de Caetité, vila
do Alto Sertão, que julgou sentença em favor da liberdade do africano Isaac, em 20 de

127
Partilha amigável, 1884. Inventário post- mortem de José Joaquim Leal e D. Josepha de Jesus Leal, Doc. 213,
fls. 15v a 16.Fórum Desembargador Ezequiel Pondé.
128
Sobre a mobilização da lei de 7 de novembro de 1831, cf. SILVA, “Os escravos vão à Justiça”, p. 123-143.
129
Cf. NASCIMENTO, “A família escrava”.
130
NEQUETE. Escravos e magistrados, p. 58.
114

outubro de 1885.131 Para Silva, “outros juízes baianos também decidiram favoravelmente aos
escravos assim matriculados [...]” e libertaram africanos importados ilegalmente. 132

O juiz Antônio Ferreira Velloso formou-se pela Faculdade de Direito do Recife no


ano de 1859.133 Os Velloso eram uma das famílias mais abastadas de Inhambupe, mas não foi
possível investigar quem eram os pais do juiz Velloso e sua trajetória como advogado.
Também não foi possível mapear sua relação com o coronel Pedro Gomes Leão Ferreira
Velloso, que teve 74 escravos classificados para serem alforriados pelo Fundo de
Emancipação. 134 Chama a atenção a atuação do juiz Velloso em vários processos de
escravizados no município de Alagoinhas e os embates com proprietários escravistas e
autoridades locais, sendo visível sua militância pela liberdade.

Elciene Azevedo argumenta que nos anos finais da escravidão a ação de juízes e
advogados simpatizantes à causa da liberdade, contribuiu para minar o domínio senhorial.135
Segundo Brito, na província da Bahia três juízes de direito se destacaram na militância em
favor da liberdade dos escravos: Amphilophio Botelho Freire de Carvalho, em Salvador;
Spínola, em Caetité e, Antonio Velloso, em Alagoinhas. Segundo Brito, o juiz Velloso
envolveu-se em conflitos com outras autoridades e escravocratas locais, ao solicitar ao coletor
das Rendas Gerais de Alagoinhas a relação com todos os escravos africanos matriculados no
município e outra com os escravos maiores de 60 anos, a fim de cumprir as leis de 1831 e de
1885, conferindo a liberdade aos que assim tivessem direito a ela. 136

De acordo com Brito, já em 1872 o juiz Velloso atuava em defesa dos escravos,
citando a ação de arbitramento em que o ex-escravo Luiz Nepomuceno foi vendido pelo ex-
senhor, Abílio Pessoa de Andrade Campos, apesar de ter sido alforriado pelo juiz. 137 No
entanto, apesar da militância em defesa da liberdade, Velloso era também um escravocrata.

131
BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: 1870 – 1888. Salvador: CEB, 2003, p. 58.
132
Sobre filiação desconhecida ver também: SILVA, “Os escravos vão à justiça”, p. 150; SANTANA NETO.
“Alforrias nos termos e limites da Lei” p. 99; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 54; BARBOSA, Hellen
Laianne Pires. “Os caminhos para a liberdade: estratégias, conflitos e querelas no fundo de emancipação em
Alagoinhas (1871 – 1888)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia,
2016), p. 51 – 56. Sobre os africanos livres cf. BANDEIRA, Florence Afonso. “Entre o cativeiro e a
emancipação: a liberdade de africanos livres no Brasil (1818-1864)”. (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade Federal da Bahia, 2002), p. 36; REIS, “A família negra”, pp. 127-146.
133
MARTINS, Henrique. Lista Geral de todos os bacharéis e doutores que têm obtido o respectivo grau na
Faculdade de Direito do Recife desde sua fundação em Olinda, no ano de 1828, até o ano de 1931. 2ª edição,
Recife: Typ. Diário da Manhã, 1931, p. 6.
134
REIS. “A família negra”, p. 256-258.
135
AZEVEDO. “Para além dos tribunais”, p. 199.
136
BRITO. A abolição, p. 259.
137
BRITO. A abolição, p. 261-262.
115

Segundo Brito, em um telegrama enviado por ele ao presidente da Província, em 23 de agosto


de 1887, noticiando a alforria de 13 escravos, informou que havia libertado quatro escravos de
sua propriedade, entre os quais um sexagenário e outro por filiação desconhecida. 138 Como se
vê, Velloso era não apenas um escravocrata, mas adquiriu ou herdou escravos ilegalmente
traficados após a lei de 1831. Sua militância em favor da liberdade dos escravos era
oportunista e suas sentenças dirigidas aos seus desafetos, a exemplo da família Leal? A
análise de outros processos pode ajudar a elucidar sua posição.

Em 10 de setembro de 1886, o casal José e Rita, ambos com 44 anos, com uma filha
ingênua, escravos de Pedro Gomes de Carvalho Novais, morador de Araçás, distrito de
Alagoinhas, solicitaram a inclusão de seus nomes para serem libertos pelo Fundo de
Emancipação, pois tinham um pecúlio de 100$000 réis e enquadravam-se nas disposições do
Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872 para serem contemplados por este dispositivo
legal. Porém, eles não foram libertos por esta via, antes, o juiz Velloso, à revelia de Pedro
Gomes, alforriou Rita sem que houvesse tramitado e julgado qualquer ação civil no
judiciário. 139 O Juiz justificou a sua decisão “[...] visto que como foi ela ultimamente
matriculada como de filiação desconhecida, assim, pois, poderá desde já a dita escrava Rita
entrar no pleno gozo de sua liberdade”. 140 Essa decisão não agradou ao senhor de Rita, que
por meio de ofício à presidência da província, em 7 de setembro de 1887, acusou o juiz de
cometer irregularidades e abuso de poder, afirmando que a alforria concedida era irregular,
não tinha efeito jurídico e nenhuma validade legal.

Pedro Gomes relatou ainda que os ditos escravos foram contemplados para serem
libertos pela 7ª cota do Fundo de Emancipação distribuído para o município de Alagoinhas.
Contudo, o dr. Antônio Velloso excluíra o nome de Rita da lista, consequentemente deixando-
o sem a escrava e sem a indenização prevista. Isso era inaceitável para os senhores, pois
significava abrir mão de seu direito à propriedade. Ele também alegou que o juiz não estava
agindo da mesma maneira que procedeu com outros senhores do município, como por
exemplo, com o escravo Constantino, de João Paulo do Nascimento, que também fora
matriculado com a declaração de filiação desconhecida, no entanto, fora liberto com o
dispositivo do Fundo de Emancipação. Pedro Gomes também denunciou que foram libertos

138
BRITO. A abolição, p. 262.
139
APEB. Seção Colonial e Provincial. Judiciário (Escravos: Assuntos). 1873 – 1887, maço, 2897. Brito também
analisou este caso, cf. BRITO, A abolição, p. 261.
140
APEB. Seção Colonial e Provincial. Judiciário (Escravos: Assuntos). 1873 – 1887, maço, 2897.
116

escravos solteiros – Francisca e Januária – em detrimento de Rita e José que eram casados e
com filhos ingênuos livres, que estavam de acordo com as disposições legais.

O juiz Velloso continuou julgando favoravelmente causas sob o argumento da


filiação desconhecida, favorecendo a causa da liberdade em Alagoinhas. Joaquim Ferreira
Moura, morador no engenho Jacaré, situado na freguesia de Igreja Nova, distrito de
Alagoinhas, em 9 de setembro de 1887, acionou a justiça por meio de uma ação de
escravidão, autuando uma petição, opondo-se à sentença proferida pelo juiz Velloso. Após
tomar ciência de que seus escravos Julião e Marcelino foram declarados libertos pelo juiz de
órfãos de Alagoinhas “sob o fundamento de se acharem os mesmos escravos matriculados
com filiação desconhecida e não se conformando o suplicante com semelhante ato, que manda
citar aos ditos libertos” com base no artigo 19 do Decreto nº 4.835, de 1º de dezembro de
1872.141 Julião havia requerido a sua liberdade por ter sido matriculado com filiação ignorada,
de acordo com o julgado na “[...] relação da Corte pelo acórdão de 3 e de 17 de maio do
corrente, declaro pelo presente livre o referido escravizado Julião, o qual poderá desde já
entrar a gozo pleno de sua liberdade [...]”.142

O juiz municipal suplente, major Francisco de Souza Dantas nomeou curador Jayme
Lopes Villas Boas que prestou juramento em 17 de setembro de 1887. O advogado do tenente
coronel Joaquim Moura, Francisco de Souza Dias, argumentou que seu cliente era legítimo
possuidor de Julião e Marcelino, pois herdara os referidos escravos de seu sogro, o major João
de Lima Valverde, falecido, e seu direito de propriedade sobre os réus nunca havia sido
questionado. As testemunhas arroladas pelo advogado de Moura foram os capitães Manoel
Fausto Pereira de Oliveira e Antônio Henrique de Lima Valverde, além de Inocêncio Pereira de
Oliveira e José Apolinário de Argolo Ferreira, certamente eram pessoas de prestígio econômico e
social em Alagoinhas.

O tenente coronel Moura também apresentou certidão de compra e venda do escravo


Marcelino, crioulo, tentando provar que ele era filho da escrava Ignes. Para atestar a
maternidade de Julião convocou outras testemunhas por meio de correspondência enviada
para Ouriçangas, em 15 de outubro de 1887. Em resposta, José Amaro dos Santos afirmou
“conheço o escravo Julião, cabra que V. Sª possui por herança do finado seu sogro[...]” e

141
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura (autor)versus os escravos Julião e Marcelino (réus), 1887,
Seção Judiciário, Fórum Ezequiel Pondé. Alagoinhas, fl 2. Matos também analisou este processo, cf. MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, pp. 53-57.
142
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fls. 9 e verso.
117

ainda “conheci Maria, mulata, brasileira, mãe do dito seu escravo Julião, cabra, e de outros
filhos que estão cativos[...]”. Assim como José Amaro, os demais responderam confirmando a
versão do autor do processo de que, apesar de terem sido matriculados com a declaração de
filiação desconhecida, os escravos eram filhos de mães brasileiras, portanto, com a condição
jurídica de escravos pelo ventre.143

Nas alegações finais, o advogado de Moura respaldou os seus argumentos nas leis de
1871 e 1885, contestando a decisão do Dr. Antônio Velloso de conceder liberdade por filiação
desconhecida. Segundo Dias, a lei de 1871, “em nenhuma de suas disposições, quer da lei,
quer dos regulamentos se estatuiu que fosse considerado livre o escravo cuja filiação deixasse
de ser mencionada pelo seu possuidor, declarando este não o conhecer” e ainda quanto

A nova lei de 28 de setembro de 1885 no seu artigo 1º exige que na nova matrícula
se declare a filiação – se for conhecida – (palavras da lei) e se estabelecendo casos
de liberdade como o de não ter feito no prazo marcado a competente matrícula, não
compreende entre esses casos o de não ser conhecida a filiação. 144

O advogado ressaltou o direito de propriedade como “indiscutível e irrecusável ante os


princípios de direito”, os favores do direito não podiam chegar a tanto, a ponto de conceder a
liberdade. Ele ainda afirmou que o juiz Velloso não observou o que preceituava o direito nas
causas de liberdade: “sem que ao menos houvesse mandado ouvir o A[utor], senhor dos réus
para defender-se” e ainda que “por um simples despacho declarar libertos os mesmos réus”. 145

Em defesa de Julião e Marcelino, o curador Jayme Villas Boas, argumentou: “não


provada a maternidade escrava, não há escravo”. E como provar a maternidade? Segundo o
curador, só com o registro de batismo deveria ser comprovada a filiação e não por meio de
testemunhas como tentou fazer o autor. Em razão disso, a ação deveria ser julgada
improcedente, além do que, deveria ser considerada nula também “porque quando se quiser
chamar a escravidão mais de um indivíduo, embora sejam todos irmãos deve-se propor a ação
dirigidamente a cada um deles”. O autor propôs uma ação conjunta quando deveria ser
independente, logo era nula. 146 Ademais, o curador destacou que só poderia existir a filiação
desconhecida para os africanos escravizados antes da lei de 1831 e, só a estes se referia a lei
de 1885, “quando no art. 1º falando da filiação acrescenta: se for conhecida, porque se assim

143
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 29.
144
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, ibidem, fl. 23v.
145
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 24.
146
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 37, Ibidem fl. 39.
118

não for interpretada a lei, chegar-se-á ao absurdo de que todos podem, dando o seu rol para
matrícula perturbar o estado livre de quem quer que for”. 147

As leis emancipacionistas de 1871 e 1885 foram interpretadas de várias maneiras à


luz dos argumentos de cada uma das partes interessadas. Para Julião e Marcelino importava
que a ação fosse considerada improcedente, a fim de garantir a manutenção da liberdade
concedida pelo juiz Velloso, sob o argumento de filiação desconhecida. Como já foi dito, a lei
de 7 de novembro de 1831 declarou livres todos os escravos vindos de fora do Império e
impôs penas aos importadores dos mesmos. 148 Segundo Silva, na década de 1880 os escravos
passaram a contar com a solidariedade e ajuda do movimento abolicionista que promovera a
liberdade de muitos deles, fazendo uso da legislação disponível, a exemplo da lei de 7 de
novembro de 1831. Os abolicionistas utilizavam o artigo 1º da referida lei e muitos africanos
importados ilegalmente conseguiram a liberdade por meio de ações judiciais inclusive na
Bahia, a exemplo do que ocorreu em Alagoinhas com a escrava Benedicta cuja ação foi
julgada por Velloso. À primeira vista, o posicionamento de Velloso, conforme Brito, fora
oportunista – militando em favor da liberdade dos escravos, utilizando a lei de 1831 – e
hipócrita – possuía escravos adquiridos no período da ilegalidade do tráfico. Contudo, creio
que é preciso compreender melhor as especificidades das relações políticas envolvendo as
famílias abastadas de Inhambupe e Alagoinhas para melhor discernir o posicionamento do
juiz, o que não foi possível no âmbito desta pesquisa.

Em Inhambupe, município de origem da família Velloso, não parece ter sido


frequente ações de liberdade sob o argumento da filiação desconhecida. 149 Jorge, preto, 22
anos, solteiro, escravo de João Calasans de Figueiredo, foi matriculado no distrito de Aporá,
em 7 de junho de 1887, sob número de ordem da matrícula anterior 399, com filiação
desconhecida, motivo que mobilizou o escravo Jorge a acionar a justiça, por meio de ação
sumária de liberdade, alegando:

147
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 37.
148
Lei de 7 de novembro de 1831. Disponível em http://www2.camara.leg.br/: Acesso em 22 de abril de
2018.Sobre a luta empreendida nos tribunais pelos africanos que foram importados ilegalmente depois de 1831 e
seus descendentes para que fossem reconhecidos como “africanos livres”, cf. MAMIGONIAN, Beatriz G. “O
direito de ser africano livre: os escravos e as interpretações da lei de 1831”. In: LARA, Silvia H.; MENDONÇA,
Joseli Maria Nunes (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas-SP: Editora
UNICAMP, 2006, p. 130 – 131.
149
Marília de Jesus Souza estuda, em seu Trabalho de Conclusão de Curso, a família escrava em Inhambupe na
primeira metade do século XIX. Em comunicação oral feita por ocasião do Simpósio Escravidão e liberdade nos
sertões da Bahia: Alagoinhas, Inhambupe e Catu, século XIX, informou que a família Velloso batizou e casou
inúmeros escravos na década de 1820 a 1830.
119

1º que brasileiro só pode ser escravo, tendo nascido de ventre escravo; 2º que o A
nasceu no Brasil; 3º que sua filiação é desconhecida; 4º que não sabendo quem seja
a mãe do A (documento nº 1 certidão de matrícula) a presunção jurídica é que o A
não é escravo: porque a liberdade sempre [...]sendo desconhecida a filiação do
A[utor], dar a ele ser incluído na classificação dos expostos, que a lei os considera
livres...150

Em 2 de setembro de 1887, Antônio Calmon de Britto, juiz de órfãos de Inhambupe, nomeou


Gustavo de Caldas Brito como curador para representar o escravo em seu processo de ação de
liberdade, e como depositário Manoel Estanislau de Sousa. O objetivo de Jorge era provar que
a sua filiação era desconhecida, portanto, incluído como exposto. No entanto, apesar de ser o
autor responsável pelo ônus da prova, ao contrário, foi o réu quem protocolou duas
testemunhas que confirmaram que Jorge era filho de Cirilla, escrava da esposa do falecido
José Correia Sampaio e fora vendida ao capitão Pedro Xavier de Souza, sogro do réu. João
Calasans herdara Jorge, escravo do capitão Xavier de Souza, por ser cabeça do seu casal.

Será que Jorge, de fato, não sabia quem era a sua mãe? Talvez por ter conhecimento
de que a lei de 1831 estava sendo mobilizada por advogados daquele município quis adotar
esta estratégia para conquistar sua liberdade. Por ocasião da inquisição das testemunhas, o
curador de Jorge, o tenente coronel Britto, não contestou as informações, e após a conclusão
do interrogatório ele deu “o processo por encerrado e que nada tinha a alegar mais nem provar
além da intenção que milita a favor do seu curatelado a liberdade, a declaração de filiação
desconhecida” (sic).151 Jorge não foi feliz em seu intento e em 10 de novembro de 1887, o
juiz de Inhambupe, Antônio Calmon de Britto, julgou improcedente a sua ação de liberdade e
remeteu o processo ao Tribunal da Relação de Salvador. O processo passou a tramitar no
Tribunal, até que no dia 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, Jorge tornou-
se um homem livre.

Assim, para muitos escravizados de Alagoinhas, Inhambupe e do Império do Brasil,


a Lei de 28 de setembro de 1871 possibilitou a conquista da alforria. Assim, ausência de
matrícula, legalização do pecúlio e arbitramento foram alguns dos instrumentos legais
mobilizados pelos escravos de Alagoinhas e Inhambupe para conseguirem a liberdade a partir
da Lei de nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Este não foi um caminho fácil, uma vez que
nem todos os que recorreram à Justiça foram vitoriosos, mas, certamente, logrou os seus
êxitos, conforme demonstramos nesta pesquisa.

150
Ação de liberdade de Jorge (autor) versus João Calasans de Figueiredo (réu), Inhambupe. APEB. Seção
Judiciário. Classificação 30/1054/10, 1887, fl. 2.
151
Ação de liberdade de Jorge, fl. 13.
120

CONCLUSÃO

Nesse trabalho analisamos como a Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, foi


mobilizada por escravos, libertos e senhores municípios de Alagoinhas e Inhambupe nas
últimas décadas da escravidão. Adicionalmente, discutimos as alforrias tecendo algumas
reflexões das vivências dos escravizados no processo, destacando aquelas adquiridas pelas
vias judiciais, especialmente por meio da lei de 1871. Antes, porém, buscamos entender o
contexto socioeconômico da região, destacando como funcionava a economia e quem era a
população dessas localidades.

Detectamos por meio das fontes que as atividades econômicas exercidas na região
que determinava a sobrevivência da população eram a agricultura e a criação de animais.
Destacava-se a lavoura de subsistência, sendo o excedente comercializado nas feiras locais e
circunvizinhança. A criação e negociação de animais eram favorecidas por conta da existência
da “Estrada das Boiadas” que interligava a região ao norte da província da Bahia percurso
para a província do Piauí. Vale ressaltar a relevância da estrada de ferro em Alagoinhas,
contribuindo para o desenvolvimento econômico e demográfico da região.

A análise do recenseamento de 1872 permitiu traçar o perfil demográfico dos


escravos nos municípios aqui estudados que, possuíam uma população majoritariamente livre,
sendo que os cativos de Inhambupe formavam 12,8% da população e em Alagoinhas
correspondiam a 17,3%. A massa livre formava a maioria da população economicamente
ativa, sugerindo que os municípios não dependiam exclusivamente da mão de obra escrava.
No que se referem ao gênero, os dois municípios apresentaram um perfil equilibrado entre
homens e mulheres. Dentre os poucos estrangeiros, destacamos uma maior presença de
africanos tanto para um quanto para o outro município. E no que diz respeito à cor,
sobressaíram-se os pardos como maioria da população para essas localidades.

Analisando as ações de liberdade e escravidão e outras fontes encontradas para


Alagoinhas e Inhambupe, percebemos que os cativos acionaram as autoridades judiciais para
mobilizar a Lei 2.040 vislumbrando caminhos para conquistar a liberdade. A ausência de
matrícula, a legalização do pecúlio, o arbitramento e Fundo de Emancipação configuraram-se
em novas possibilidades utilizadas pelos escravizados para enfrentar os seus senhores nos
tribunais. Embora a legislação tivesse sido criada para atender às aspirações senhoriais, não
podemos perder de vista que ela atendeu aos interesses dos escravos na consecução de alguns
121

direitos. A Lei 2.040 determinou a obrigatoriedade da matrícula dos escravos, mas muitos
senhores não cumpriram a determinação legal, deixando de matriculá-los em tempo hábil,
alegando motivos de saúde, moradia em regiões distantes ou por ignorância da lei. Por sua
vez, os cativos aproveitavam-se dessa brecha e solicitavam na justiça a sua liberdade,
baseados no Decreto instituído pela Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.

A referida lei preconizava que para acionar a justiça o escravo deveria possuir um
pecúlio, o que era possível fazer a partir de seu trabalho, legados, doações e heranças. Para
isso, eles contavam com agenciamento de pessoas simpáticas à sua causa, parentes, amigos e
uma rede de solidariedade que lhes fornecia auxílio financeiro e muitas vezes os acoitavam
em ocasiões de fuga. Com a legitimação do pecúlio e do arbitramento, direitos costumeiros
anteriores à lei de 1871, os escravos tiveram ampliados o seu poder de barganha e de
negociação diante da intransigência senhorial, conseguindo muitas vezes reverter o processo
de avaliação por meio de expedientes que não agradavam os senhores, a exemplo da história
de Hilário, do município de Inhambupe, abordada neste trabalho. O fundo de emancipação
também foi importante para a consecução de manumissões nos municípios estudados e,
constituiu-se em mais um caminho para a conquista da liberdade.

A investigação sobre as cartas alforrias de Alagoinhas e Inhambupe, por sua vez,


revelaram algumas histórias de alforriados que, mobilizando a Lei 2.040, acionaram a justiça
para conseguir a liberdade, seja por possuírem pecúlio, para solicitar arbitramento, por causa
do fundo de emancipação, ou por terem sido abandonados pelo senhor. No entanto, as fontes
revelaram que não somente os escravos utilizavam a referida lei para conseguir seus intentos,
os senhores também autuavam ações de escravidão na justiça. Enfim, a Lei 2.040 foi
mobilizada tanto por escravos que a utilizavam como caminho para conquistar a liberdade,
quanto por senhores que buscavam por meio dela a manutenção do cativeiro, conforme foi
demonstrado neste trabalho.
122

ARQUIVOS E FONTES
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Correspondências de Juízes de Alagoinhas, maços 2226 - 2227.
Correspondências de Juízes de Alagoinhas, maços 2410 - 2416.
Série Escravos: Assuntos, maços 2885 - 2887 (fotograma 889)
Série Escravos: Assuntos, maços 2888 - 2900.
Seção Judiciário:

Ações de liberdade de Alagoinhas e Inhambupe.


Livros de Notas de Inhambupe.

Seção Legislativo:

Posturas da Câmara de Alagoinhas.

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Seção Colonial e Provincial:

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