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Formação de

professores a partir de
relatos de experiências:
O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos
Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba
Formação de
professores a partir de
relatos de experiências:
O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos
Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba

Adriana Torres Máximo Monteiro


Alessandra Latalisa de Sá

Belo Horizonte, MG - 2016


Direção do COBAP: Maria Elena Latalisa de Sá
Acompanhamento da redação das práticas pedagógicas: Ana Paula Alves Rodrigues
Revisoras técnicas: Anna Cláudia D’Andrea, Carla Vimercate, Márcia de Assis Fonseca
Projeto gráfico e diagramação: Ivan Latalisa de Sá

Catalogação na Publicação (CIP)

P429 O percurso de formação de professoras a partir de relatos de experiências : o trabalho


pedagógico na educação infantil nos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba
/ Organizadoras Adriana Torres Máximo Monteiro ; Alessandra Latalisa de Sá. – Belo
Horizonte : COBAP, 2016.
150 p. il.

ISBN 978-85-86369-10-0

1. Educação – Minas Gerais 2. Educação infantil – Minas Gerais 3. Currículos 4.


Formação de professores I. Monteiro, Adriana Torres Máximo II. Sá, Alessandra
Latalisa de III. Título

CDD: 370.71
Bibliotecária responsável: Cleide A. Fernandes CRB6/2334
É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação, desde que citada a fonte e que não seja
para venda ou qualquer fim comercial.

Ilustrações: As fotografias contidas nesta publicação foram registradas e selecionadas por


professoras da Educação Infantil de diversas escolas e creches Municipais de Barão de Cocais e Rio
Piracicaba - Minas Gerais.
Foto de capa: Ana Paula Alves Rodrigues
Impressão: Usina do livro
Tiragem: 300
Edição e distribuição: Editora Balão Vermelho, 2016.
“Formação de professores a partir de relatos de experiências: o trabalho pedagógico na
Educação Infantil dos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba”.

Fundação Vale Congresso Brasileiro de Ação


Conselho Curador Pedagógica - COBAP
Presidente
Vania Somavilla Direção
Maria Elena Latalisa de Sá
Conselheiros
Zenaldo Oliveira Coordenação e organização
Luiz Eduardo Lopes Adriana Torres Máximo Monteiro
Marconi Vianna Alessandra Latalisa de Sá
Antonio Padovezi
Ricardo Gruba Acompanhamento da redação das
Ricardo Mendes práticas pedagógicas
Luiz Fernando Landeiro Ana Paula Alves Rodrigues
Luiz Mello Márcia de Assis Fonseca
Alexandre Campanha
Projeto gráfico e diagramação
Conselho Fiscal Ivan Latalisa de Sá
Presidente
Murilo Muller Maio de 2016

Conselheiros
Lino Barbosa Os autores são responsáveis pela escolha e
Benjamin Moro apresentação dos fatos contidos neste livro,
Felipe Peres bem como pelas opiniões nele expressas, que
não são necessariamente as da Fundação
Rodrigo Lauria
Vale, nem comprometem a Organização.
Vera Schneider As indicações de nomes e a apresentação
do material ao longo desta publicação não
Diretora-presidente implicam a manifestação de qualquer opinião
Isis Pagy por parte da Fundação Vale a respeito da
condição jurídica de qualquer país, território,
Diretor-executivo cidade, região ou de suas autoridades,
Luiz Gustavo Gouvêa tampouco da delimitação de suas fronteiras ou
limites.
Relações Intersetoriais
Andreia Rabetim

Educação
Maria Alice Santos
Andreia Prestes
Anna Cláudia D’Andrea
Carla Vimercate
Agradecimentos
Agradecemos a todos os profissionais que
fizeram parte desta produção

Rio Piracicaba: Adriana F. R. Breder de Carvalho, Adriana Gomes de Figueiredo, Aline A.


da Silva, Aline Cristina M. Bareno, Ana Márcia Marinho Costa, Andrea Cristina V.S. Oliveira,
Andréa da Silva, Aparecida Ma. da Conceição Euzébio, Beatriz Aparecida Ferreira, Celia
Maria Cota, Cibele de Freitas Santos, Cirlene Aparecida da Silva, Cleonice Vieira dos Santos,
Cleusa Rita Ferreira Domingues, Dalvelene Cota Carneiro, Dircilene Ma. de Azevedo
Vasconcelos, Edilane Cristina Lopes, Eduarda Diniz Mayrink, Elaine Neide S P. Bueno, Eliana
de Lima Souza, Elisângela Soares da Silva, Erlaine Miranda, Geralda Goreth Soares, Ione
de Morais Bueno, Lúcia Bonifácia R. Ramos, Lúcia Mendes G. Nascimento, Madalena,
Mágna Aparecida Crispim, Maria Aparecida Cota Freitas, Maria Aparecida de Araújo, Maria
Aparecida de Freitas Fraga, Maria Aparecida Donata, Maria Aparecida dos Santos, Maria
Aparecida Ezequiel Silva, Maria Aparecida M. Martins, Maria Aparecida R. V. Caldeira,
Maria da C. Martins, Maria da Consolação A. Costa, Maria da Consolação Mapa, Maria
das Graças de Freitas, Maria Geralda de Abreu, Maria José Caldeira da Costa, Maria Lúcia
S. Ferreira, Marilia da Conceição Pantuza, Marinersi Pessoa C.B. Guimar, Marineth Miranda
dos Santos, Marisa Bueno de Freitas, Marli Aparecida dos P. Torres, Marli Conceição da
Silva, Marta de Oliveira, Milene A. Lima Moreira, Monica Elizabete de Souza, Nadir Viana de
Andrade, Nazareth Coelho dos S. Soares, Patrícia Gonçalves da Costa, Renata da Graças
de Castro, Rosa Magna de Barros M. Vilela, Sheilla R. Caldeira, Simone Catarina, Solange
Maria M. dos Santos, Suelen Cerqueira Barros, Tatiana Silva Guimarães Cota, Tatiany Cota
Lima, Terezinha Cristina Braga, Viviane Cristina P. Lima

Barão de Cocais: Adriana de Lima Brandão, Aguida Nunis Soares de Moraes, Alcione
Gomes Cruz, Alessandra Luzia Nonato Santos, Ana Patricia Fonseca de Lima, Angelida
Aparecida Pereira Santos, Antônia das Dores Malaquias, Aparecida Maria Santos,
Auxiliadora Lucília Pena Gomes, Bruna Diana Dias, Cristiane Pereira de Melo, Cristina
Andreia Nunes dos Santos, Denísia Fonseca Nepomuceno, Ednéa Maria do Santos, Elida
Soares Silva, Eliza Aparecida dos Santos, Elk Soares Silva, Ericka Maria Viegas Carlos Santos,
Estelma Rodrigues Fernandes, Fátima Maria Borges, Flávia Regina Herculno Marques,
Gilmara dos Santos Melo, Gilvânia Bittencourt da Silva, Girlene Magna Simão, Giselda
Conceição Pereira, Grace Louise Botelho, Isaura A. Ribeiro Linhares Reis, Janaina Cristina
Matias, Jussara Fonseca de O. Gonçalves, Kátia Milene de Lima Fonseca, Kenia Lye Araújo
do Carmo, Lourdes Isabel do Carmo, Lourdes Nascimento Lopes, Lúcia Maria de Freitas
Oliveira, Ludvany Roberta O. do Carmo, Madalena de Fatima Rodrigues, Mafiza Vilela
Rodrigues Caldeira, Mara Cristina Almeida Soares, Márcia Fernandes da Silva Santos,
Margaretti S. Bretas Diniz, Margarida Lucianita Carneiro, Maria Aparecida Silva, Maria
das Graças Soares Rodrigues, Maria de Fátima Silva Costa, Maria do Carmo Nunes, Maria
Geralda Monteiro, Maria Isabel de Oliveira, Marilúcia de Araújo e Silva, Marlene de Souza
Dias, Miriam da Silva Marques Soares, Nilza Cássia de Souza Gonçalves, Raquel Fernandes
Lopes, Rita de Almeida Rodrigues, Rosimary Aparecida de Souza Silva, Rubinete Aparecida
Vital, Sabrina Luiza Marques Santos, Silvana Maria da Silva, Silvia Maria do Couto Santos,
Sonia Januária de Oliveira, Uara Priscila Libertino Souza, Vanda da Conceição Ferreira,
Vania Barbosa Carvalho Silva, Vanja Maria Duarte Jácome Arantes.

COBAP: Maria Elena Latalisa, Adriana Torres Máximo Monteiro, Alessandra Latalisa de Sá,
Ana Paula Rodrigues, Kenia Latalisa de Sá, Marcelo Monteiro de Siqueira, Márcia de Assis
Fonseca, Thiago Latalisa de Sá Antunes.

Professoras da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho: Andréa Souza de


Toledo Salles, Bianca Luar, Cláudia Maria Alves Rocha, Renata Vidal Silva, Tucha Catão.
Apresentação
A Fundação Vale tem a Educação como um dos principais pilares de sua atuação social,
com base na premissa de que o ensino gratuito e de qualidade é um direito de todos os
cidadãos.

No Brasil, a Educação Infantil para crianças de 04 e 05 anos passou a ser obrigatória a partir
da Emenda Constitucional 59 de 2009. Com isso, os municípios precisaram se organizar
para ofertar essa etapa da educação básica, que foi definida como responsabilidade
municipal. Essa organização incluiu desde o aumento da oferta de vagas, e a consequente
ampliação das instalações físicas, até a discussão sobre quais as especificidades da
educação na infância e que tipo de formação de profissionais contribui para a qualidade
do atendimento a esse público.

Nesse contexto, a Fundação Vale considera fundamental apoiar os municípios em


processos de formação dos profissionais da Educação Infantil buscando um olhar apurado
sobre a infância e as possibilidades que essa fase da vida oferece. Assim, esperamos
contribuir para que as crianças sejam consideradas em suas necessidades visando seu
melhor desenvolvimento.

A presente publicação retrata o esforço de dois municípios, Barão de Cocais e Rio


Piracicaba, no estado de Minas de Gerais, de registrarem e problematizarem as práticas
cotidianas, à luz de conceitos e discussões promovidas no processo de formação do
projeto de Educação Infantil da Fundação Vale coordenado pelo Congresso Brasileiro de
Ação Pedagógica - COBAP.

Esperamos que a leitura das experiências contribua para que gestores e educadores
possam entender as especificidades da Educação Infantil – e consequentemente ajudar
a fortalecer essa modalidade de ensino – desenvolvendo estratégias que considerem a
criança como um sujeito que merece ser ouvido, respeitado e estimulado.

Bom trabalho a todos!

Fundação Vale
Sumário

Capítulo 1
A proposta de formação - Percursos e desafios.............................................................. 11
Capítulo 2
Contextos educacionais...................................................................................................................... 15
A Educação Infantil em Barão de Cocais.......................................................................................... 15
A Educação Infantil em Rio Piracicaba............................................................................................. 16
Capítulo 3
A escrita como possibilidade de revelação e transformação da
experiência de professoras em sala de aula....................................................................... 19
Capítulo 4
Problematização da prática - Percursos e desafios...................................................... 23
Capítulo 5
As abordagens temáticas e a prática pedagógica dos municípios................ 25
Tema 1
A criança como sujeito do processo educativo........................................................................... 25
Entrevista - A Criança e a Educação Infantil................................................................................... 27
Tema 2
Afetividade e aprendizagem............................................................................................................... 33
Mini-história - O registro da brincadeira: diálogos, afetos, ações e emoções.................. 35
Tema 3
Educar, cuidar e brincar.......................................................................................................................... 40
Relato de Projeto - O cuidar e educar nas brincadeiras de circuito motor......................... 41
Tema 4
A pedagogia da escuta.......................................................................................................................... 51
Relato de projeto - Alimentação Saudável.................................................................................... 53
Tema 5
Avaliação e documentação pedagógica........................................................................................ 60
Mini-história - O trabalho pedagógico compartilhado: a força da parceria...................... 63
Relato de projeto - O que o professor aprende quando
documenta o cotidiano com as crianças......................................................................................... 70
Tema 6
Ambiente educativo................................................................................................................................ 77
Mini-história - Redescoberta de espaços e ambientes educativos....................................... 79
Tema 7
Linguagens................................................................................................................................................ 87
Artes plásticas......................................................................................................................................... 87
Relato de projeto - Aprender e fazer arte com o outro
e a diversificação de propostas....................................................................................................... 89
Linguagem musical.............................................................................................................................. 96
Linguagem matemática...................................................................................................................104
Mini-história - O Jogo das cores....................................................................................................106
Linguagens oral e escrita..................................................................................................................112
Relato de projeto - Projeto salada de frutas:
compartilhando sabores, vivenciando textos..........................................................................114
Tema 8
Projetos....................................................................................................................................................... 125
Relato de projeto - Reflexão sobre projetos a partir da
experiência A metamorfose da lagarta......................................................................................... 127
Capítulo 6
Reflexões finais e desdobramento........................................................................................... 131
Revolvendo o jardim de infância...................................................................................................... 131
A formação em contexto de professores da
educação infantil do município de Barão de Cocais................................................................. 133
Considerações finais..................................................................................................................................... 137
Referência bibliográfica............................................................................................................................. 138
A proposta de formação 1
Percursos e desafios
Adriana Torres Máximo Monteiro1
Alessandra Latalisa de Sá2

Caro(a) Leitor(a),
Esta publicação é parte do projeto desenvolvido pela Fundação Vale, em parceria
com o Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica (COBAP)3 e as Secretarias Municipais de
Educação de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, Minas Gerais, realizado nos anos de 2014 e
2015, com o objetivo de formar professores e gestores da Educação Infantil.
O texto, organizado por Adriana Torres Máximo Monteiro e Alessandra Latalisa de
Sá, é uma produção conjunta, a partir do registro das práticas pedagógicas desenvolvidas
nas escolas locais. Acreditamos que este material representa os 18 meses em que
estivemos empenhadas numa formação em serviço, focada na palavra e na ação das
professoras dos municípios onde o diálogo horizontal entre elas e as formadoras deu o
tom democrático do caminhar deste projeto.
Para assumirmos o desafio de irmos além, era preciso conhecer as realidades locais
para propor outros estudos e análises de práticas. Partir dos saberes já construídos
foi fundamental para que a nossa proposta fizesse sentido e, de fato, promovesse
transformações na práxis das escolas e creches de Educação Infantil.
Vale destacar que essa formação partiu do princípio fundamental de fazer valer
o direito que a criança tem de ser cuidada e educada em um ambiente adequado e
saudável, no qual possa brincar, apoderar-se dos saberes produzidos pela sociedade e
produzir uma cultura própria da infância ao ser protagonista e, dessa maneira, construir
sua identidade como cidadã. E ainda: espera-se que as escolas possam criar situações
educativas para ampliar o universo de conhecimentos, saberes e experiências dessa
criança.
Nessa trajetória, buscou-se promover o aperfeiçoamento da educação oferecida
pelas escolas públicas de Educação Infantil pertencentes aos municípios citados,
além do desenvolvimento de competências e habilidades dos professores e gestores
pedagógicos, visando ao compromisso com a qualidade da educação, especificamente,
dessa etapa da educação básica.
Para tanto, o processo formativo proposto contou com seis estratégias
metodológicas, assim resumidas:
(I) O Seminário de lançamento do projeto de formação foi realizado com a intenção
de conhecer o perfil dos participantes quanto as suas demandas e realidades educacionais.
Na ocasião, expusemos a organização geral do projeto, carga horária a ser certificada
e a proposta desta publicação. As coordenadoras e formadoras participantes foram
apresentadas, e os representantes da Fundação Vale e dos municípios se pronunciaram.

1. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.
2. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.
3. O COBAP é uma organização sem fins lucrativos. Há mais de 20 anos, promove cursos de formação de professores,
congressos e consultorias. Para a presente formação, estão envolvidas a direção, a coordenação, bem como as
professoras da Educação Infantil Balãozinho.
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(II) Os Encontros de formação, grupos temáticos tiveram o objetivo de conduzir
o aprimoramento conceitual e a reflexão da prática pedagógica. Cada grupo temático
contou com duas etapas de formação, em datas distintas, permitindo a realização de
atividades e o aprofundamento teórico e metodológico entre um encontro e outro.
Essa etapa contou ainda com uma formadora referência para acompanhar e
desenvolver atividades presenciais entre um encontro e outro, tais como: avaliar o processo
de formação, observar o ambiente escolar e as atividades realizadas pelos professores,
reunir com gestores para selecionar professores e atividades que se adequariam ao
cenário de discussão, planejar a atividade a ser observada e documentada para reflexão
posterior, estabelecer relações entre as reflexões teóricas e práticas desenvolvidas nos
encontros temáticos e no trabalho na escola local.
Nos encontros, que antecederam aos sábados, os conteúdos trabalhados nos
Grupos Temáticos foram: A criança como sujeito do processo educativo; Afetividade
e aprendizagem; Educar, cuidar e brincar; Avaliação e documentação pedagógica; A
pedagogia da escuta; Ambiente educativo; Projetos; Linguagens, entre elas, Linguagem
musical, Artes plásticas e visuais, Linguagem matemática e Linguagens oral e escrita.
(III) Os Encontros de formação dos gestores pedagógicos, realizados em Belo
Horizonte, no espaço da Escola Balão Vermelho, foram desenvolvidos para acompanhar
professoras em sala e correlacionar o que foi trabalhado nos grupos temáticos, sua
viabilidade e interferência no trabalho pedagógico na escola e a articulação das ações
necessárias para que a rede do município possa oferecer uma Educação Infantil cada vez
melhor. Parte da carga horária desses encontros foi dedicada à observação do trabalho
pedagógico da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho. Ressalta-se que, ao longo
da formação, avaliou-se a importância da participação de professores, especialmente
para ver na prática, por meio das observações, as abordagens teóricas discutidas nos
municípios. Além disso, as gestoras e as professoras presentes foram orientadas e
escutadas nas questões relativas aos registros da prática para a publicação final.
(IV) Produção de material teórico escrito e (V) Publicação. Um dos produtos
previstos neste projeto foi a publicação deste material aqui apresentado, tendo como
referência os eixos temáticos abordados, bem como experiências educativas de cada
município. O objetivo foi o de sistematizar conceitos fundamentais para o trabalho
na educação de crianças de zero a cinco anos, relatar experiências e perspectivas dos
educadores envolvidos e realçar os conhecimentos das realidades social e educativa das
crianças e suas famílias. Com essa abordagem da dimensão local, buscamos reafirmar
o protagonismo dos professores, a valorização das especificidades de cada região e o
enriquecimento da prática pedagógica na Educação Infantil.
Nessa etapa de trabalho, em ações compartilhadas com os professores, os gestores
registraram entrevistas, relatos de mini-histórias e projetos. Tudo isso com o auxílio das
coordenadoras do projeto e de uma profissional que se dedicou ao acompanhamento
desta escrita via e-mail. As avaliações das experiências apresentadas nesta obra foram
realizadas ao longo do projeto de formação, entretanto, parte dela está registrada após
cada relato.
(VI) No Seminário de conclusão, apresentamos a análise comparativa dos dados do
questionário de aproximação da realidade educativa do município realizado no último
encontro com as professoras, discussão dos temas abordados no projeto, por meio de
relatos das práticas pedagógicas contidas nesta publicação. A proposta foi organizarmos
uma atividade aberta à comunidade, com exposição de trabalhos desenvolvidos pelas
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professoras junto de seus alunos, apresentações culturais da região, confraternização e
lançamento desta publicação.
Pela dinâmica do trabalho proposto de uma escrita compartilhada entre profissionais
de diferentes áreas de conhecimento e regiões, esta produção foi elaborada durante o
ano de realização da formação, com a escrita de vários profissionais e participantes4 locais,
de acordo com as temáticas abordadas.
Trata-se, portanto, da documentação de uma vivência, que revela ao mesmo tempo
uma análise histórica com um novo olhar para práticas anteriormente realizadas quanto à
proposição de novas ações pedagógicas, gestadas e analisadas no período deste projeto.
Esta é uma documentação educativa que fornecerá elementos teórico-práticos
das ações voltadas para crianças de zero a cinco anos de idade. É o resultado de um
esforço coletivo, com relatos de experiência registrados por professoras gestoras, que,
com o olhar atento e interlocução de Marcia de Assis Fonseca5 e Ana Paula Rodrigues,6
persistiram e conduziram o fio da meada da escrita reflexiva.
É com muito orgulho que concluímos este trabalho e presenciamos as professoras,
auxiliadas e apoiadas pelas gestoras, abraçando o desafio de escrever e refletir a própria
prática e compartilhá-las com seus pares próximos e leitores distantes, num exercício claro
de empoderamento e apropriação de seus saberes. Nesse conjunto de acontecimentos, a
presente publicação representa uma referência inicial de um longo trabalho que está por
vir, pois educar é um projeto a longo prazo.
Nossa postura foi a de manter uma respeitosa relação com o fazer pedagógico de
cada município, sem atropelos, preservando os valores e as identidades postos em seus
projetos pedagógicos. Um exemplo disso é o uso da nomenclatura tia para se referir à
maneira como as crianças chamam as professoras, realidade tão comum nos variados
contextos da educação infantil.
Apesar de considerarmos as discussões iniciadas por Paulo Freire acerca da
contradição entre ser tia e professora, entendemos que práticas como essas se reproduzem
ao longo dos tempos por força da cultura escolar. Destacamos as implicações dessa
questão, pois ser professora pressupõe estabelecer um laço político, ético, profissional,
interpessoal, social e afetivo, com vistas ao ensino e à aprendizagem das crianças. Ser
tratada pelo próprio nome significa respeitar a professora como sujeito que tem um
nome, uma identidade. Por outro lado, ser tia independe do ano letivo e de uma escola
como espaço definido para acontecer.
Assim, respeitando a preferência das professoras, não insistimos, porém indicamos à
elas o livro Professora sim, tia não, de Paulo Freire, para que possam refletir sobre o tema.
Dessa forma, a situação dialógica de escutar e acompanhar as experiências das
professoras, suas histórias, conhecer as escolas e as crianças nos fazia repensar na condução
do trabalho. Conhecer as culturas locais, aproximar-se da educação do campo, dos valores
quilombolas nos forneceu elementos para também refletirmos sobre a educação das
crianças pequenas pertencentes a esses contextos. O contato íntimo que tanto crianças
como os adultos têm com a natureza, as experiências que trazem sobre os hábitos rurais,
ou como habitantes de pequenos municípios, as suas curiosidades, conhecimentos e
formas de viver foram percebidas e motivaram novos redirecionamentos, como a forma
de selecionar as atividades a serem desenvolvidas nas oficinas práticas.
Outro aspecto relevante é o acesso fácil das famílias às escolas. Como a maioria
reside próximo às elas e em comunidades onde muitos se conhecem, essas condições

4. Embora não conste o registro da prática de todos os profissionais que participaram da formação, de algum modo,
eles estão representados direta ou indiretamente e os nomes citados na sessão de agradecimentos.
5. Neste projeto, teve a função de revisora dos registros de prática produzidos pelas professoras.
6. Neste projeto, foi a Formadora de referência nos municípios e Orientadora da escrita das práticas compartilhadas.
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permitem que se envolvam com as intervenções escolares e os projetos ganhem mais
sentido e força de transformação situada localmente. Essa possibilidade é um anúncio de
que é possível criar uma consonância entre a realidade que acontece fora da escola com
aquela do seu interior.
Faz-se necessário dizer aqui que o compromisso e o entusiasmo de todos, mesmo
diante dos desafios enfrentados ao longo desse percurso, são marcas da dedicação e
persistência dos profissionais da Educação Infantil que, adotando uma visão global de sua
condição de professor, vêm há tempos lutando pela qualidade e pelo reconhecimento
do trabalho pedagógico com a criança de zero a cinco anos.
Por fim, ressaltamos que o presente documento se refere a um momento histórico,
a um conjunto de intervenções propostas neste projeto, ao envolvimento do grupo
de educadores e produzido ao longo desses 18 meses de projeto. Portanto, deverá ser
constantemente lido, criticado, revisto e atualizado.
Coordenadoras da formação e organizadoras desta obra.
Contextos educacionais 2
A Educação Infantil em Barão de Cocais
Mara Cristina Almeida Soares7

O atendimento escolar de crianças de três a cinco anos de idade é uma das


prioridades do município de Barão de Cocais. Temos 13 escolas municipais que ofertam
a Educação Infantil, a um total de 1.020 crianças atendidas pela nossa Rede. Com base
nas exigências dos Parâmetros Nacionais de Qualidade, a Administração Municipal vem
equipando as nossas escolas com recursos pedagógicos, mobiliários, equipamentos
tecnológicos, quadro de pessoal, condições de gestão, dentre outros indicadores
relevantes para esse público. Entretanto, os prédios e espaços físicos existentes, como
não foram projetados para atender à demanda da Educação Infantil e de acessibilidade,
ainda geram problemas que exigem adequações.
A expansão do atendimento, com a inclusão das crianças de zero a dois anos na rede
pública, ainda é uma demanda no município. Assim, com a construção de creches em
tempo integral, que considerem as peculiaridades e necessidades das crianças pequenas,
oferecendo-lhes espaços projetados para tais propostas, esses espaços poderão favorecer
um atendimento educacional de qualidade para as crianças com o desenvolvimento das
capacidades motoras, cognitiva, ética e afetiva por meio das relações interpessoais e da
inserção social.
O acompanhamento das escolas é pautado no contato constante com os diretores
e pedagogas que, com reuniões mensais, relatam as dificuldades, necessidades
pedagógicas e administrativas das escolas. As questões gerais e diversificadas de cada
realidade são delimitadas. Procuramos assessorar cada escola do município nas suas
ações, em rede, com estudos e orientações referendadas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais do MEC e nas Habilidades e Competências a serem desenvolvidas na Educação
Infantil.
Buscamos a qualidade desse atendimento, acompanhando as escolas
individualmente por meio de visitas às salas de aula. Diretores conversam com pedagogas
para contribuir com ajustes do currículo à realidade do ensino no município. Na Casa
do Aprender,8 a pedagoga de cada escola participa de formações tem oportunidade de
discutir com as gestoras uma pauta com assuntos diversos sobre o cotidiano, dificuldades
escolares ou práticas pedagógicas voltadas para a aprendizagem eficaz do aluno. No
momento da formação continuada, a pedagoga repassa o que foi discutido ao professor
da sua escola.
Na formação e capacitação profissional, acontecem discussões relativas à concepção
da educação das crianças pequenas, reflexão sobre a prática, bem como mediações nas
interações e aprendizagens. Nesse processo, surgiu a demanda de aprofundamento
teórico-prático por parte das professoras e gestoras. A partir da parceria Fundação Vale,

7. Professora efetiva da Rede Municipal de Barão de Cocais. Atualmente trabalha na Casa do Aprender de Barão de
Cocais, como coordenadora pedagógica da Rede, como formadora para os diversos segmentos escolares. É graduada
em Pedagogia pela FAE de João Monlevade – MG, Pós-graduada em Tutoria em EAD pela UFMT e em Fundamentos
Didáticos pela Faculdade São Luiz - SP.
8. A Casa do Aprender é um espaço aberto à comunidade que busca promover e valorizar práticas educativas, culturais
e sociais por meio de ações de leitura, brincadeiras e cultura digital. Ela é fruto de uma parceria entre a Secretaria
Municipal de Educação do município e a Fundação Vale.
COBAP e Secretaria Municipal de Educação (SME), nasceu o curso de formação organizado
pela Equipe Pedagógica do COBAP e Escola Balão Vermelho. Juntos, durante os anos de
2014 e 2015, buscamos construir uma formação em contexto para os professores de
Educação Infantil da Rede Municipal. A proposta é um estudo contínuo, que assegure
uma mudança de postura e práticas de sala de aula, visando à melhoria da qualidade nas
ações e reflexões pedagógicas.
Segundo a Secretária de Educação de Barão de Cocais, Aguida Soares Nunis de
Moraes:

A Educação Infantil é uma das etapas mais importantes na formação da


criança. É nessa fase que se estabelecem muitos conceitos imprescindíveis
para as futuras aprendizagens. Foi pensando na responsabilidade da
escola no cuidar e educar, ao recebermos os alunos de três, quatro e
cinco anos, que as escolas do nosso município fortaleceram, por meio de
estudos referentes a essa fase, a sua prática pedagógica.
Em parceria com a Fundação Vale, esse trabalho proporcionou um olhar
mais atento à ludicidade, à aprendizagem por meio do movimento,
da liberdade de expressão, da arte e da construção da autonomia dos
nossos alunos e, consequentemente, de um saber significativo.

Aguida ressalta ainda que “as escolas devem ser agradáveis e que precisamos
despertar nos nossos alunos o prazer de estar na escola, porque nesse espaço é onde
acontece a relação de amizade que se conquista, o gosto pelos estudos e a busca por
um ideal”.
Sabemos da importância de um ambiente onde a criança, sendo escutada, pode
interferir no meio em que vive. Assim, entendemos o brincar como uma atividade
essencial da criança para o conhecimento de si e do outro, para as suas vivências e
descobertas.
Com essa visão, os encontros com as professoras aconteciam aos sábados com
a formadora de referência, Ana Paula, e às sextas-feiras que antecediam os grupos
temáticos, com as gestoras. Os registros da prática com revisões e discussões a distância,
além da possibilidade de observação e discussão da prática de algumas professoras da
Escola Balão Vermelho, em Belo Horizonte, contribuíram com a revisão da concepção de
infância e de criança que até então tínhamos.
Após um ano de formação, ainda teremos material para pensarmos e
redimensionarmos nosso fazer cotidiano na escola e no município. A presente publicação,
além de socializar práticas de algumas escolas em Barão de Cocais, nos possibilitará
conhecer outras e ainda realizarmos novas aprendizagens.

A Educação Infantil em Rio Piracicaba


Nivaldo Inácio de Oliveira9

A Educação Infantil foi introduzida no Brasil com o caráter de assistência social.


Desde os primeiros momentos, já era evidente a fragmentação das concepções do
cuidar (corpo) e do educar (promoção intelectual), hercúleo desafio a ser superado. A

9. Secretário Municipal de Educação de Rio Piracicaba, licenciado em História/UNILEST e especialista em Ensino


Religioso /SINOM.
Constituição de 1988 reconheceu a educação como direito social das crianças e um
dever do Estado, e as inovações introduzidas para a Educação Básica influenciaram as
concepções acerca da Educação Infantil, que foi elevada ao patamar de primeira etapa
desse segmento.
A história da Educação Básica em Rio Piracicaba é marcada também pelos mesmos
desafios e avanços, incluindo a Educação Infantil. O atendimento nesta modalidade
de ensino requer a conjugação de esforços e a alocação de recursos físicos, materiais,
financeiros e humanos, para cumprir a vasta gama de exigências legais e técnicas.
Dados do IBGE/2010 e do DataSus/2012 demonstram que, em dez anos, a
população de zero a cinco anos decresceu no município de Rio Piracicaba. Esse fato foi
levado em consideração na elaboração dos investimentos e planejamentos realizados
pela Secretaria Municipal de Educação. O decréscimo populacional foi um dos fatores
decisivos para promover a nucleação das escolas rurais e o encerramento de turmas
multisseriadas, na busca de mais qualidade de trabalho para os profissionais e melhoria
da assistência prestada às crianças.
A Educação Infantil em Rio Piracicaba está cumprindo a universalização preconizada
no Plano Decenal da Educação para as crianças de quatro a cinco anos de idade. Desafia-
nos diariamente a demanda reprimida de oferta de vagas em creches para atender as
crianças menores de três anos, medida que requer espaços e materiais adequados, bem
como mão de obra qualificada que dê conta de prestar o cuidar e o educar.
A rede pública das escolas municipais conta com seis escolas e duas creches que
atendem crianças de zero a cinco anos. Em 2015, foram matriculadas 485 crianças dessa
faixa etária. Nesse processo, estão incluídas as crianças com necessidades especiais, que
começam a ser atendidas na APAE no primeiro ano de vida, iniciativa que contribui para
o processo de aprendizagem e inclusão social.
Outro grande desafio para o gestor público é promover a qualificação continuada
para os profissionais da educação, incluindo nesse grupo os auxiliares que atuam nas
creches. Quando assumimos a Secretaria Municipal de Educação (2012), percebemos a
necessidade de investir no desenvolvimento profissional dos educadores, conciliando
conhecimento teórico e prática. Acreditamos no investimento educativo por meio de um
processo contínuo, sistematizado e capaz de promover o aperfeiçoamento profissional.
A decisão de implementar a formação foi motivada pelo ideal de um processo reflexivo e
crítico sobre a prática educativa.
Cumpre ressaltar que, no município de Rio Piracicaba, há alguns anos, são olvidados
esforços para propiciar aos profissionais da educação uma formação continuada de
qualidade. Nesse sentido, formações foram possíveis pela iniciativa público-privada da
Prefeitura Municipal com a Fundação Vale. No entanto, faltava ainda uma formação voltada
para os educadores da Educação Infantil. Dessa forma, foi de primordial importância
a conjugação de esforços da Secretaria Municipal de Educação de Rio Piracicaba, a
Fundação Vale e a Equipe do Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica (COBAP).
A obra que ora se apresenta é a materialização do esforço intelectual coletivo e para
nós é motivo de muita honra e orgulho ver que todo o empenho despendido atingiu os
objetivos pretendidos. Reconhecemos em cada escola e creche do município as novas
práticas vivenciadas e aprendidas com a formação.
18
Tecidas as reflexões acima, não nos resta outra missão senão apresentarmos nossos
agradecimentos e homenagens, consignando nossa gratidão a todos aqueles que deram
sua contribuição para o resultado exitoso que foi alcançado.
Inicialmente, nosso agradecimento especial às ajudantes das creches, professoras,
especialistas e gestoras que aceitaram o desafio proposto e assumido com muito respeito
e seriedade. A cada uma de vocês nosso profundo respeito e admiração.
Nossa homenagem especial às formadoras do COBAP, seguras no seu conhecimento
teórico, empoderadas por uma prática consolidada nas salas de aula da Escola Balão
Vermelho de Belo Horizonte e, acima de tudo, de uma simpatia ímpar e contagiante. A
cada uma delas nosso mais caloroso e fraterno abraço.
Nosso agradecimento às coordenadoras do COBAP e dessa formação que, com
muito esmero e pontualidade, realizaram as precisas e necessárias intervenções nos
textos apresentados nessa obra, possibilitando a alquimia perfeita entre teoria e prática.
Nosso muito obrigado à Anna Cláudia D’Andrea, parceira e grande idealizadora
do projeto, na pessoa de quem agradecemos aos gestores da Fundação Vale, parceiros
de longa data, que não medem esforços para promover, em Rio Piracicaba, tão valioso
investimento social na formação continuada de profissionais da Educação.
Finalmente, o sincero agradecimento ao Dr. Gentil Alves Costa, Prefeito Municipal
de Rio Piracicaba, que, no seu segundo mandato (2013/2016), confiou-nos a digna e
desafiante função de conduzir os rumos da Educação. A lembrança desses dias já faz
parte da nossa história.
A escrita como 3
possibilidade de revelação
e transformação da
experiência de professoras
em sala de aula
Márcia de Assis Fonseca10

Há quem diga que escrever é “desnudar-se”. Alguns consideram uma prática difícil,
às vezes desagradável. Já o poeta Pablo Neruda sugere que escrever é fácil: “começa-se
com letra maiúscula, termina com ponto final e no meio colocam-se as ideias”. Porém, o
que o ato da escrita proporciona ao autor que expõe suas ideias e as revela para si próprio
ao torná-las públicas? E ao leitor que se apropria do texto e o interpreta?
Como revisora dos textos produzidos pelas professoras, não apenas me aproximei
da prática de algumas escolas, mas também do processo de qualificação profissional dos
que participaram dessa formação.
As referências conceituais utilizadas se inspiraram na prática aprendida e
transformada com a experiência nas escolas de Reggio Emilia11 que nos convidam a
observar e escutar. Escutar não apenas o que diz a criança, mas o que diz a infância.
A Pedagogia da Escuta12 nos abre os olhos e os ouvidos para uma realidade sempre
existente, mas só recentemente considerada e interpretada.
Disponibilizar-nos a escutar as crianças nos conduz a explorar o que elas dizem
e o que dizem os adultos ou mesmo quando nos calamos ou como falamos. Registrar
as experiências observadas e vivenciadas, iluminadas pela proposta de documentação,
implica mais do que escrever. Exige da professora, além de organizar as ideias em uma
descrição, utilizar fotos, diálogos entre as crianças, intenções e intervenções das situações
que ela pretende comunicar. A escrita começa bem antes da ação de traçar letras. Envolve
uma intenção. A produção mobiliza o autor em algumas escolhas e definições. Observa o
tema, os dados coletados, um planejamento e uma organização que muitas vezes é clara
para quem presenciou os fatos descritos, mas nem sempre tão evidentes para o leitor que
estabelece relações a partir da sua interpretação.
Desse modo, a ação de escrever se torna uma estratégia de revelação, não apenas para
a comunidade, mas para o próprio autor. Passar por esse processo, muitas vezes, conduz a
uma revelação para si mesma de algo que lhe parecia muito conhecido. As professoras se
tornam pesquisadoras de sua sala, das crianças e de suas ações e intervenções. Alternam
da pesquisa para a ação e vice-versa. Além disso, toda documentação se torna uma fonte
indispensável de materiais que nos possibilitam ler e refletir, tanto individual quanto
coletivamente, sobre a experiência que estamos vivendo em sala de aula.

10. Graduada em Psicologia - UFMG, especialização em Educação Pré-Escola-AMAE; Especialização em Orientação e


Supervisão - CEPEMG. Neste projeto, teve a função de revisora dos registros de prática produzidos pelas professoras.
11. Para saber mais, consulte: EDWARDS; GANDINI; FORMAN, (1999).
12. Para saber mais, consulte: KINNEY e WHARTON, (2009).
20
Algumas professoras, assim como as crianças na sua diversidade de interesses e
habilidades, avançam mais do que outras nessa pesquisa e nos seus esforços e métodos.
Às vezes se arriscam e elaboram com mais substância a ponto de uma audiência mais
ampla. Assim, justifica-se a apresentação pública dos textos pelas suas autoras, em um
seminário com uma celebração.
No seminário de abertura, nos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, o
convite para estabelecermos um contato via e-mail, com envio dos textos e das respostas
de sugestões e modificações, foi aceito como uma novidade, mas sem restrições ou
questionamentos. A possibilidade de uma publicação final pareceu atrativa. Dizer sobre
o trabalho que se faz diariamente, inicialmente, não remeteu a um desafio maior do que
o de ser professora.
A proposta lançada foi a de registrar experiências, na estrutura de projetos,
entrevistas ou mini-histórias. Como modelos de referência, oferecemos a elas uma
apostila com o Projeto “O coelho de um olho só”,13 modelos de mini-história14 na Escola
Sant Galdric Bressola, em Perpignan e uma entrevista15 com Bruna Giacopinni: cada
criança é um indivíduo.
Em cada registro de projeto ou mini-história, solicitamos às professoras a descrição
do contexto, das situações de interações, além de definição das características de
aprendizagens visíveis nos projetos. Na entrevista, a gestora elaborou questões que foram
respondidas por um grupo de professoras. Além da escrita, sugerimos-lhes registros com
fotos e falas das crianças nas interações, nas trocas com seus pares e em situações de
aprendizagem, selecionadas e escolhidas pelas professoras com o apoio das gestoras ou
diretoras.
A escolha do tema do que seria escrito, do gênero e dos protagonistas, que por si só
já nos dizem de um ponto de vista do escritor, foi apoiada e fundamentada nos grupos
temáticos aos sábados. A maneira de evidenciar esses momentos, por meio da escrita,
implica organizar um texto cuja descrição fique compreensível na ausência do autor. Para
tanto, um revisor se torna necessário para compartilhar o processo de produção do texto,
tornando-se parceiro e coautor no trabalho.
Como revisora, a busca foi de tornar o texto claro e coeso ao leitor mais distante
da realidade relatada, com o desafio de manter-me fiel aos propósitos da escritora. É
revendo que se apura a qualidade. A participação efetiva das autoras foi uma condição
fundamental para as aprendizagens. A correção ortográfica e os aspectos gramaticais,
por mais desafiadores que sejam, são superados pelo desafio de manter a autenticidade
e proximidade da prática que o texto se propõe a apresentar. As trocas via e-mail de
textos marcados e comentados geraram incômodos, mas também provocações e
aprendizagens.
Nesse processo, coube a mim, como revisora, além de entender o texto, inteirar-me
de conceitos abordados no tema. Alternar o lugar de leitor, leigo ou não, com o lugar de
autor, profissional da área em questão. Compreender e me colocar no lugar do escritor
no seu momento de questionamentos, dúvidas e certezas. Tal condição se aproxima de
uma relação de intimidade que requer coragem: O que retirar do texto? O que modificar
continuando fiel à prática relatada e às intenções do escritor? O que acrescentar para
tornar o texto coerente, coeso e, acima de tudo, reflexivo? Qual o título mais convidativo

13. Para saber mais, consulte: KINNEY e WHARTON, (2009).


14. Para saber mais, consulte: ALTIMIR (2010, p.83-84; 99-101; 118-133).
15. GIACOPINNI B.E. Cada criança é um indivíduo. Disponível em: http://revistaescoal.abril.com.br/formação/
cada=criança-indivíduo-422938.shtml.
21
e adequado ao relato? Tantas questões não se esgotam na primeira leitura. Foram várias
e diversas as revisões e devoluções.
Em nosso primeiro encontro com as gestoras em Belo Horizonte, na Escola Balão
Vermelho, a exposição dos gêneros de entrevistas, mini-histórias ou projetos, o uso
de ferramentas de revisão de texto do programa Word e as datas de envio dos textos
causaram um burburinho na sala e o primeiro grande desconforto.
Os desafios, como a demora nas produções, dificuldade de se eleger quem ficaria
responsável pelos registros, selecionar o material para organizar o texto, demandaram
negociações e definições por parte da coordenação do projeto. Além de tudo isso, passar
por várias revisões recebendo a produção marcada, comentada, questionada, solicitando
mais dados foi um processo que ultrapassou bastante o ato da escrita e nos aproximou
da reflexão que tal ação possibilita.
Os primeiros registros levantaram questões e discussões entre professoras, gestoras,
diretoras e revisora. Mais do que respostas, apontaram-nos caminhos e direções da prática
em sala de aula, da necessidade de clareza das nossas intenções ao intervir e questionar
as crianças, de desenvolver, sempre e cada vez mais, um olhar e uma escuta atenta ao que
fazem e dizem as crianças diante do mundo e da cultura do adulto.
Ao se tornar público, por meio de textos, o que é feito no interior das escolas qual
será a pessoa do discurso, sendo a professora a autora? Os registros fotográficos, além de
demandarem recursos técnicos e tecnológicos, exigem celeridade no “clic” da máquina e
no enquadramento para registrar o momento do encontro, da ação, do olhar.
Das falas das crianças, tão solicitadas, nem todas eram significativas para ilustrar que
aprendemos com o outro e não apenas com o professor. Os receios de serem julgadas e
criticadas chegaram a paralisar algumas professoras. Quem escreve, sem dúvida, oferece
o que tem de melhor. Quem revisa tem o desafio de sugerir o que e como melhor ficaria!
“Elogiar sem bajular e criticar sem ofender” era a nossa meta!
A todas que se prontificaram a participar desse processo de escrita/revisão/reescrita/
revisão até chegar à finalização, devemos o reconhecimento do esforço e da dedicação
nas parcerias e coautorias. Ao primeiro grupo de escritores desses registros, devemos
um aplauso a mais! Foram corajosas e desbravadoras de uma prática de registro pouco
comum nessas escolas. Ofereceram esquemas e sugestões valiosas aos que vieram em
seguida:
– Precisamos da ajuda de colegas para usar o revisor de texto, para formatar, para
enviar por e-mail.
– Para escrever, precisamos de tempo.
– Fotografar e registrar o que fazem e dizem as crianças necessita de ajuda na sala.
– Se você vai ser responsável por escrever um texto nessa formação, registre sua
prática, registre tudo, para ter material com o qual vai trabalhar!
– Discutir o roteiro do texto antes com a formadora de referência, Ana Paula,
esclareceu e deu mais segurança para começar.
A prática de registro, revisão, reflexão demanda intenção, planejamento e
organização dos tempos e espaços da escola de maneira a torná-los ambientes educativos,
espaços de relação onde a criança seja protagonista e os professores mediadores. Essa é
uma formação contínua e gradativa.
As discussões presenciais dos textos e revisões, conjugadas à observação da
experiência das professoras da Escola Balão Vermelho, possibilitaram a tomada de
consciência de que é possível transformar e qualificar a ação pedagógica a partir do
diálogo com a teoria que foi apresentada nos grupos temáticos e textos.
Nesse processo, a escrita é um instrumento muito favorável a uma atitude reflexiva.
Certamente, alguns conceitos e posturas ainda necessitam ser revisitados e, por vezes,
aprofundadas. Diante do prazo de finalização dos textos, optamos por algumas sugestões
de leituras e referências em notas de rodapé. Dessa forma, foi possível manter a coerência
conceitual com a formação e o respeito à realidade das vivências em salas de aula em
questão, que necessitam de mais tempo para mudanças.
Ao finalizar os trabalhos para a publicação proposta pela formação COBAP e
Fundação Vale, em parceria com a SME, me deparei com a seguinte questão: – escrever
a experiência da prática interfere na formação profissional de professores? Concluí que
o ato de escrever nos exige decisões. As escolhas relativas ao conteúdo do que diz e
como age a criança – o que por hora denominamos Pedagogia da Escuta – e escolhas
de como vamos socializar essa escuta nos formam continuamente. Como revisora,
busquei instrumentalizar as Educadoras questionando-as, solicitando-as a se lembrarem
de situações, sugerindo-lhes que, nos próximos registros, ficassem ainda mais atentas às
falas das crianças e ao que podemos aprender com elas!
Como dizemos às crianças “escrever se aprende escrevendo”, repetimos para nós
mesmos a todo o momento: “registrar se aprende registrando”. Essa é uma proposta
de formação que exige persistência, continuidade, troca e renovação. A quem escreve
resta escrever e não falar a respeito do que escreve. Sem sombra de dúvida, a escrita é
um instrumento valioso, não apenas para eternizar momentos, historiar processos, mas
primordialmente para a formação continuada de professores.
Nos relatos a seguir, o leitor terá a possibilidade de conhecer momentos passados
em algumas escolas dos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba. Foram preciosos
conteúdos de discussão, questionamentos, decisões e provavelmente mudanças na
ação das professoras e gestoras que participaram desta proposta. Pretendemos que esse
registro continue sendo material de debates e que possibilite novos aprendizados.
Além do conteúdo escrito e fotografado, o aprendizado das professoras e gestoras,
ao escreverem o que não fica evidenciado nos textos que retratam a sala de aula, se
tornou muito significativo. O processo de revelação da experiência para o autor e para
a comunidade a partir da escrita é a semente que foi lançada. Se regada e cuidada,
certamente trará bons frutos aos profissionais da Educação Infantil com quem muito
aprendemos e a quem ensinamos por meio de trocas constantes como as que nos
formaram.
Problematização da 4
prática
Ana Paula Rodrigues16

Educação é desassossego, é reflexão permanente, é desejar compreender mais e


mais sobre infância, suas delícias, desafios e possibilidades!
Ao longo da minha trajetória profissional, sempre me encantei com as trocas possíveis
durante os encontros de professores de Educação Infantil, em eventos e formação nos
quais pude participar como ouvinte, como ministrante, além de contribuir com relatos
de experiência. Entre uma e outra chance, mostrava minha sala de aula, contava sobre
minhas escolhas, ouvia perguntas, críticas e elogios num constante exercício de reflexão.
Digo tudo isso porque, quando fui convidada para atuar no projeto que gerou a
presente publicação, busquei recursos em cada uma dessas experiências anteriores:
atenção para conhecer educadores e educandos, respeito para entrar nas salas de aula,
escutar sobre as escolhas de cada professora, dialogar, trocar ideias e possibilidades.
Durante os anos que atuei como professora da Educação Infantil, sempre gostei de
compartilhar minha prática e trazer diferentes olhares para dentro da minha sala de aula.
Esse foi um dos caminhos que mais me conduziu a ampliar o olhar e as possibilidades: as
diferentes leituras e olhares sobre minhas escolhas, os questionamentos e as provocações
para avançar...
Ocupar o lugar de Formadora Referência neste projeto exigiu uma postura
minuciosa, de escuta e olhar cuidadosos diante das muitas conversas, perguntas, práticas
assistidas, escolas visitadas... Estar presente nos municípios em dias letivos, presenciar
ações das crianças e professoras e perceber a dinâmica e a rotina propostas me deram
o privilégio e a responsabilidade de registrar, documentar e estabelecer as interlocuções
possíveis entre tudo isso e as reflexões levantadas pelas formadoras.
O esforço foi, a todo momento, manter o respeito às práticas e à cultura locais,
e, ao mesmo tempo, promover um diálogo que pudesse ampliar as possibilidades de
intervenção e do fazer pedagógico. Não se tratava de uma proposta de mudança de
postura. Pelo contrário, o desejo era somar olhares e reflexões, ampliar possibilidades
e dividir o que, na verdade, queríamos multiplicar: a concepção de infância e a criança
como protagonista do seu processo educativo.
Lidar com ajustes no planejamento e na nomenclatura, escutar o que o grupo
de professoras queria dessa formação, buscar nas entrelinhas o que mobilizava
verdadeiramente as educadoras de cada município e reprogramar o uso do tempo na
tentativa de aproveitar cada minuto de trocas e aprendizados foram alguns dos desafios
vividos, com muito orgulho, por nós!
Nos encontros, às sextas-feiras com as gestoras e aos sábados com as professoras
de cada município, meu esforço, durante todo o tempo, era convidar a equipe a somar
experiências. E sabe o que consegui? Aprender! Aprender! Aprender!
Foi assim o que vivemos! A cada encontro um mundo de possibilidades nos era
apresentado: falamos sério, rimos, buscamos jeitos diferentes de dizer a mesma coisa
quantas vezes fossem necessárias, ajustamos nomenclaturas, revisamos bibliografias,

16. Graduada em Psicologia - UFMG, especialização em Educação Pré-Escola-AMAE; Especialização em Orientação e


Supervisão - CEPEMG. Neste projeto, teve a função de revisora dos registros de prática produzidos pelas professoras.
24
cantamos, dançamos, brincamos (e como brincamos!), experimentamos situações e
propostas antes mesmo de compartilhá-las com as crianças, permitimo-nos tentar sem
medo de errar, usamos múltiplas linguagens, documentamos, flexibilizamos o planejado
e ajustamos a proposta cada vez que isso fez sentido, sentimos incômodo e conversamos
sobre eles, saímos do lugar, avançamos e retrocedemos (pois um passo atrás, às vezes,
faz-se necessário) e crescemos como pessoas e educadoras!
Depois de muito bem acolhida em cada um dos municípios, entre um e outro gole
de café, fui aprendendo que sorrisos encurtam distâncias e que flexibilidade aproxima
práticas distintas. Aprendi que, para conquistar a licença para participar do cotidiano do
outro, também precisamos permitir o acesso ao nosso. Que diálogo faz a coragem tomar
conta do medo. Que se mostrar é muito diferente de expor-se e que nada, nada, nada
acrescenta tanto quanto a permissão que damos a nós mesmos de viver, experimentar
e aprender.
Posso afirmar que conheci pessoas e práticas que levarei comigo sempre. Vi e senti
olhares encantados de crianças que me confirmavam a cada segundo o quanto as suas
vivências mudam apenas de endereço.
Desejo verdadeiramente que tenha conseguido contribuir com experiências
próximas às que recebi, de cada sala de aula visitada, de cada cantinho observado das
escolas, de cada provocação, de cada criança que me abordou pelos corredores, de
cada professora que me escutou e me fez escutar! Hoje afirmo que escuto melhor a
infância, que vivo com mais cuidado a Educação Infantil e que assumo, ainda com maior
responsabilidade, o lugar de Formadora que ocupo.
Com a certeza de uma deliciosa parceria, cresci e vi crescer, ouvi relatos de novas
maneiras de atuar a partir dos encontros temáticos, ideias instaladas, espaços modificados.
As crianças e suas ações reveladas em murais são exemplos das mudanças de posturas e
de concepções a que pude assistir enquanto estive ao lado de cada um que me permitiu
atuar e ver atuando.
As abordagens temáticas 5
e a prática pedagógica dos
municípios
Adriana Torres Máximo Monteiro17
Alessandra Latalisa de Sá18

Introdução
Os textos apresentados a seguir têm como objetivo contribuir para o enriquecimento
e aprofundamento do trabalho realizado na Educação Infantil além de provocar a reflexão
da prática, a partir dos atravessamentos teórico-práticos postos nesta proposta formativa.
Acreditamos que a concretude deste material pode orientar discussões e pesquisas
futuras, subsidiando o aprofundamento das ações educativas de gestores, professores e
auxiliares que atuam nesse segmento da educação.
Conforme explicitado, esse conjunto de escritas produzidas pelas professoras, em
parceria com as gestoras, foi ancorado em 11 Grupos Temáticos, abrangendo concepções
educativas relativas à formação das crianças, a diferentes objetos de conhecimento e
linguagens: A criança como sujeito do processo educativo; Afetividade e aprendizagem;
Educar, cuidar e brincar; Avaliação e documentação pedagógica; A pedagogia da escuta;
Ambiente educativo; Projetos; Linguagens, entre elas Linguagem musical, Artes plásticas
e visuais, Linguagem matemática e Linguagens oral e escrita.
Na estrutura dos textos temáticos, as apresentações e reflexões finais foram
elaboradas por Adriana Torres Máximo Monteiro e Alessandra Latalisa de Sá, relacionando-
as aos relatos. Essas escritas, de caráter avaliativo, se basearam na valorização da
consciência da professora sobre sua prática e no entendimento de que a construção
do saber docente não ocorre de modo fragmentado e isolado. Ao contrário, faz-se de
maneira integrada, global e inter-relacional.

Tema 1
A criança como sujeito do processo
educativo
A concepção de criança vista como ator social e sujeito de direitos dotado de
pensamento reflexivo e crítico é o princípio básico que sustenta essa proposta de
formação pedagógica das professoras da Educação Infantil. Nesse sentido, destaca-se
a superação de concepções tradicionais dominantes sobre a infância, que definem as

17. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.
18. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.
26
crianças como seres irresponsáveis, imaturos, incompetentes e meros receptáculos das
determinações postas pelos adultos.
O conceito de criança que guia os princípios das práticas discutidas com as
professoras dos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba define as escolhas nesse
processo de formação. Falamos da criança como sujeito que tem voz e vez, capaz de
tomar decisões, que apreende o mundo à sua maneira, produz conhecimentos e dialoga
com a cultura por meio das interações com seus pares e com os adultos. Essas relações
são mediadas por produtos culturais, como as linguagens, objetos e artefatos.
Para planejar qualquer projeto pedagógico, é fundamental antecipar que a criança
será a protagonista do processo educativo. Essa consciência é revelada na escrita da
professora Marília Pantuza, de Rio Piracicaba. Para ela, é importante conhecer as crianças
para “considerar o que sabem e valorizar os seus saberes como fundamento de novas
aprendizagens”.
Desse modo, as decisões pedagógicas estão atreladas à interpretação que a
professora tem sobre a criança e como ela vive a sua infância. Por isso, uma das ações
educativas fundamentais para essa abordagem é a escuta19 atenta da professora para
que tenha elementos que respeitem a lógica infantil e, assim, possa construir um projeto
pedagógico com a criança e não por ela. A participação da criança no espaço da Educação
Infantil se dá de diferentes formas. O brincar é a principal delas. É brincando que a criança
experimenta, reproduz e se apropria do mundo adulto.
Para um grupo de professoras de Rio Piracicaba, trabalhar com a concepção da
criança como protagonista é um desafio permanente que coincide com as questões postas
por essa proposta de formação. Assim, sentem-se fortalecidas para o enfrentamento de
suas inquietações. Segundo as professoras, há de se desconstruir o padrão de Educação
Infantil em que as crianças sejam meras receptoras de conhecimentos artificializados. Essa
condição levou as professoras da Escola Mickey e da Creche Eunice Lelis a refletirem sobre
a importância do papel de serem professoras e atuarem de maneira que reconheçam o
valor dos primeiros anos de vida na formação do ser humano.
A ideia da criança como sujeito social e cidadão de direitos está alinhada às políticas
públicas voltadas para a infância e Educação Infantil, pois, sendo a criança um cidadão de
direitos, sua educação deve caminhar na vertente que valoriza o direito ao brincar. Nos
documentos oficiais atuais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (2010) e em diferentes propostas curriculares municipais, é possível encontrar tal
proposição. O caminho é investir em um currículo que priorize a brincadeira, o educar
e o cuidar no contexto das situações reais vividas em seu dia a dia escolar. Dessa forma,
configura-se a construção de uma escola voltada para a infância.
A gestora Marisa Bueno de Freitas, de Rio Piracicaba, organizou a entrevista a seguir
com algumas professoras sobre o tema, quando explicitaram a concepção que tinham
de criança como sujeito de seu processo educativo, a função da escola em suas vidas e
de suas famílias, além de citarem algumas situações práticas que vivenciam no cotidiano
escolar.

19. Esse assunto é abordado no tema 4 desta publicação.


27

Entrevista
A Criança e a Educação Infantil
Marisa Bueno de Freitas20
Aline Cristina Martins Barino21
Edilane Cristina Lopes de Souza Júlio22
Erlaine da Conceição Miranda Alvarenga23
Marília da Conceição Cota Pantuza24
Maria Aparecida Ezequiel Silva25
Nadir Viana de Andrade26

O contexto
Nesta entrevista, inicialmente as professoras situaram os contextos da escola e
da creche. A comunidade na qual a Escola Mickey está situada pertence a um bairro
de periferia, com demandas específicas a essa realidade, algumas ruas não possuem
saneamento básico, calçamento e iluminação. As famílias são grandes. Há um número
considerável de crianças que vivem com padrastos e/ou com os avós. Quase todos os pais
e/ou cuidadores trabalham fora.
De acordo com a história local, a Creche nasce no ano de 1980, a partir da necessidade
de um lugar onde as mães pudessem deixar suas crianças para poderem trabalhar. Sua
origem, de caráter assistencialista, se deu em uma realidade na qual a fome era um
imperativo e remete aos sopões e mingaus distribuídos à população em fila indiana. A
Educação Infantil se insere nesse contexto na década de 90, embora apenas nos anos
2000, associada ao “Programa de Transferência Direta de Renda”, e passa a desenvolver
um trabalho pautado num ideário pedagógico.27
A acolhida e a vivência plena da diversidade são os pontos fortes da Escola Mickey.
As educadoras vêm estabelecendo uma práxis a partir da intervenção na realidade e no
processo de construção identitária da Educação Infantil. Entretanto, há desafios a serem
superados, pois ainda encontramos em nossa escola práticas enraizadas nos processos
da educação preparatória.28
As professoras atuam na Educação Infantil há, no mínimo, 14 anos. Na Escola Mickey,
elas trabalham com classes de crianças de quatro e cinco anos há pelo menos quatro
anos, sendo que a história de vida profissional de algumas se confunde com a própria
história da escola, uma vez que nela atuam por aproximadamente 29 anos. Ao longo

20. Gestora da Escola Mickey. Licenciada em Pedagogia pela UFOP/MG. Especialista em Gestão Escolar pela UFOP.
21. Graduada em Letras pelo IES/FUNCEC, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil pela
UCAMPROMINAS.
22. Graduada em Pedagogia pela ULBRA, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil e Educação Infantil,
Especial e Transtornos Globais pela UCAMPROMINAS.
23. Graduada em Pedagogia pelo IES/FUNCEC.
24. Graduada em Normal Superior pela UFOP, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil pela
UCAMPROMINAS e em Psicopedagogia pelo IESD/CASTELO BRANCO.
25. Graduada em Normal Superior pela UFOP, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil pela
UCAMPROMINAS e em Psicopedagogia pelo IESD/CASTELO BRANCO.
26. Graduada em Pedagogia pela UNOPAR.
27. A Educação Infantil passou a atender crianças de zero a cinco anos após a promulgação da Lei do Ensino
Fundamental de nove anos, Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.
28. Para saber mais, consulte: KRAMER (1987).
28
desse tempo, têm buscado a construção e respeito à infância, em que as crianças são
tratadas como sujeitos de seus processos educativos. A formação em serviço favorece
reflexões e interfere nesse olhar.

As crianças nos fazem pensar


A fala de Heitor, cinco anos, aluno da Escola Mickey inspirou o início da entrevista:
– Já que vocês são pessoas adultas e nós somos pessoas pequenas, vocês
pensam do jeito de vocês e a gente pensa do jeito da gente. Por que é que vocês
podem fazer o que a cabeça de vocês pensa e a gente não pode fazer o que a
cabeça da gente pensa?
– E quem te disse essas coisas, Heitor? – perguntou a professora.
– Ora, o meu cérebro, Tia!29
As professoras seguem as questões colocadas por Marisa Bueno de Freitas:
Marisa: Para o pesquisador e sociólogo Bernard Charlot (2003), as crianças
produzem uma interpretação de sua posição social, do que lhes acontece na escola,
gerando um sentido de mundo. Assim, não se pode compreender a história escolar se
não se levar em conta o que a criança faz na escola. Para vocês, quem são as crianças da
Escola Mickey?
Professoras: Trabalhamos com crianças de zero a seis anos, vindas de classes
populares, com constituição familiar bastante variada. Umas moram com os avós apenas;
algumas com pais e avós; outras com a mãe, os irmãos e padrasto, ou somente com a
mãe. A maioria dos pais é muito jovem. Mais de 80% das famílias são beneficiadas pelo
programa “Bolsa Família”. Vivem em uma comunidade sem espaços públicos de lazer.
São crianças que assistem muito à TV e a DVD’s. Gostam e cantam com frequência os
ritmos que têm se tornado os mais populares, como o funk e o sertanejo. Boa parte delas
frequenta a escola desde o berçário, para que seus pais ou cuidadores possam trabalhar.
A maioria das famílias é moradora do entorno da escola e a tem como referencial de
segurança e expectativa de que seus filhos tenham uma realidade diferente das suas
experiências. Pensam a escola como uma projeção positiva para o que entendem como
um futuro melhor.
Marisa: o que elas fazem na escola?
Nas primeiras semanas na escola, passam por um período de adaptação, tanto
com o espaço físico e novos vínculos afetivos, quanto com construção de regras. Em um
segundo momento, a socialização, o brincar e o contato com as letras e os números são
referências para o planejamento das atividades propostas.
Marisa: Perguntamos a algumas crianças por que vêm à escola e elas responderam:
– Para aprender a ler, escrever, fazer as atividades, lanchar na hora da
merenda, fazer tudo, copiar, ficar quietinho, brincar, respeitar as pessoas,
brincar sem brigar, fazer arte do Romero Britto.
– Porque tem que estudar.
A gestora Marisa continua:
Marisa: As crianças da Escola Mickey dão qual sentido às situações vivenciadas no
cotidiano da escola?
Cida Santos: A Escola Mickey é o espaço no qual as crianças podem aprender a
se cuidar e desenvolver atividades que promovam a independência, como amarrar o
cadarço, limpar o nariz. E, também, a ampliar a socialização, aprendendo a respeitar o
outro. Esse processo se dá por meio da ludicidade. Em outras palavras, a Escola Mickey

29. Como explicado no capítulo 1, p. 14, desta publicação, respeitamos aqui a decisão das professoras dos municípios de
usar o termo tia quando as crianças se referem elas.
29
é um espaço de possibilidades, responsável por desenvolver em nossas crianças uma
autonomia capaz de auxiliá-las na organização de suas ideias e na execução de atividades
que possam desempenhar sozinhas, respeitando o direito essencial de ser criança.
Marisa: E qual o sentido essas crianças têm para a escola?
Marília: Mesmo sendo a educação responsabilidade da escola, da família e de toda
a sociedade, cada criança deve ser protagonista de sua própria educação. Ela precisa
ser reconhecida como sujeito do processo educativo, o que significa considerar o que
já sabem e valorizar os seus saberes como fundamento para novas aprendizagens. As
atividades de cuidado e educação de crianças cujos direitos são reconhecidos e garantidos
pela instituição e por seus educadores devem envolver o respeito à identidade familiar,
ao gênero, à raça e o direito ao brincar. Criar situações com as crianças que possibilitem
o desenvolvimento do autoconceito positivo, aprendendo a gostar de si próprias, bem
como reconhecer e respeitar as diversidades e as características pessoais do outro,
constituindo, assim, uma tarefa educativa das mais importantes.
Marisa: Como nossa escola da Educação Infantil vem tentando desconstruir a
exigência de uma prática preparatória para o Ensino Fundamental tão presente na cultura
educacional, para pensar no brincar, cuidar e educar dentro da lógica infantil?
Aline: Os pais e educadores acreditam numa cultura que dita que “a criança tem
que ir à escola para aprender a ler e a escrever”. Porém, essa forma de compreender a
educação vem mudando gradativamente, uma vez que as políticas públicas e o “Plano
Nacional de Educação” (2014)30 valorizam cada vez mais os direitos das crianças por
meio de mecanismos legais que garantem o direito ao brincar, comunicar e expressar
sentimentos e desejos. Por meio da brincadeira e experimentação, desenvolvem vários
aspectos sociais, cognitivos e intelectuais. Essas aprendizagens contribuem na construção
da sua identidade. Observamos que nossas crianças são, em sua maioria, observadoras,
interessadas, com bagagem de conhecimento de mundo. A expectativa que têm de
aprender é alta, não apenas para a alfabetização, mas para uma aprendizagem mais ampla,
envolvendo a arte, a matemática, a ciência, a linguagem oral, entre outras. Pensamos que
essas aprendizagens acontecem no contexto do brincar, que é a principal atividade da
criança na Educação Infantil.
Marisa: Recebemos uma criança que disse à sua professora:
– Tia, aqui nessa escola os alunos não são bons. Eles são bagunceiros. Aqui
só eu fico quietinha – referindo-se às crianças que conversavam e interagiam dentro
da sala.
Na percepção de vocês, na nossa escola, em que medida uma criança é sujeito de
seu processo educativo?
Edilane: Segundo Vygotsky (1984), o desenvolvimento das crianças ocorre em
função das interações. A imagem acima reflete a ideia de que a criança quieta e calada
é a que aprende. A escola vem desconstruindo esse processo, a partir do momento em
que cria intencionalmente situações para a criança interagir no contexto social em que
atua, quebrando esse paradigma, ao promover situações de interação, proporcionando
à criança construir seus argumentos, falar e escutar, dar sentido à fala do outro, negociar,
posicionar-se, mediadas pela ação do professor. É fundamental incentivar sua autonomia
em rodas de conversa, jogos, brincadeiras, momentos livres, atividades de arte e a hora
da história, por exemplo, de modo que as crianças se sintam ouvidas e fazendo parte do
coletivo da escola.

30. Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), sancionado em junho de 2014 com a Lei 13.005. O PNE define as bases
da política educacional brasileira para os próximos 10 anos.
30
Marisa: Vocês acreditam que as famílias contribuem para a formação de nossas
crianças nessa perspectiva? Em caso afirmativo, de que maneira? Em caso negativo, o que
as leva a terem tal conduta?
Nadir: Acreditamos que sim. As famílias contribuem à medida que incentivam seus
filhos a virem para a escola e os trazem diariamente. E ainda na vivência dos momentos
que a escola prepara, como festividades, reuniões de pais e entrevistas. Retomar em casa
o que foi aprendido é outra maneira de contribuírem. Os pais dos alunos da Escola Mickey
frequentemente demonstram confiança no trabalho dos professores e na permanência
de seus filhos na instituição. Colaboram para que seus filhos participem do processo
educativo com interesse, respeito e confiança. O choro é um bom exemplo dessa situação.
De imediato, as famílias tendem a querer voltar com seus filhos para casa e retornarem
com eles no ano seguinte, quando estiverem maiores. A confiança conquistada com
os anos de trabalho na Educação Infantil faz com que muitos pais acreditem que os
professores conseguirão ajudar a criança a superar o estranhamento inicial.
Marisa: A Escola Mickey contribui com as famílias para que suas crianças sejam
reconhecidas e respeitadas como sujeitos da própria história? Em que momentos isso é
evidenciado?
Tida: O processo educativo da criança começa na família. Portanto, quando ela
chega à escola, já tem internalizados alguns conhecimentos e valores. A escola continua
esse processo a partir de estratégias nas quais o professor favorece a criança a vivenciar
situações de interação, valores e práticas sociais, ampliando as experiências que podem
resultar em aprendizagens significativas para a constituição delas como sujeitos. Um bom
exemplo é a eleição que realizamos para escolher o nome da boneca da sala. Estávamos
desenvolvendo uma sequência de atividades com o livro a “Bonequinha Preta”, de
Alaíde Lisboa de Oliveira, que, em 2013, fez 75 anos. A escola estava empenhada em
eleger um nome para uma boneca. Cada turma de quatro e cinco anos havia sugerido
algumas possibilidades. Posteriormente, realizaram uma votação secreta, com cabine de
votação, cédula, urna e apuração. Conversamos sobre a questão de o voto ser secreto e
valorizarmos o respeito e a vontade do outro. Todas vivenciaram a condição de eleitores
e a maioria não comentou em qual nome votou, nem quando perguntada. Duas semanas
depois, ocorreram as eleições presidenciais e um menino abordou sua professora:
– Tia, olha só, nem foi o nome que eu votei na Bonequinha Preta que
ganhou e eu não briguei, fiquei triste. Agora as pessoas ficam com uma
“brigaiada”, porque a Dilma ganhou e o Aécio perdeu.
Marisa: Nas nossas conversas do dia a dia, muitas de vocês relatam casos de
crianças que se dispersam facilmente ou concentram muito pouco, não entendem o
comando do professor e que a todo o tempo perguntam:
– Tia, o que é mesmo que é pra fazer?
Enfim, parecem ausentes de corpo presente. Não se situam em certo modelo de
aula. Como o grupo lida com as crianças que não entendem por que estão na escola, não
se encaixam em uma lógica institucional que lhe é específica?
Erlaine: Essa questão não tem uma receita pronta, pois podem existir inúmeros
fatores que levam uma criança a não se situar no universo escolar. Ao olhar cuidadosamente
para uma criança que vai à escola e não se encaixa no universo em que se encontra, faz-se
necessário conhecer o ambiente em que ela vive, o seu histórico familiar. Isso deve ser
encaminhado e orientado pela gestora em parceria com a professora em prol da criança.
A partir daí, o trabalho em sala de aula deve considerar a bagagem de conhecimentos
que ela traz. Conduzir as aprendizagens a partir dos interesses da criança, da escuta e
31
do diálogo, além de possibilitar a socialização com os demais alunos e funcionários da
instituição. Em algumas situações, além das mediações escolares, torna-se necessária a
ajuda de outros profissionais da área da saúde, como fonoaudiologia, neuropediatria,
terapia ocupacional ou psicologia. Nesses casos, a parceria entre os profissionais, a
escola e a família é um caminho fundamental para auxiliá-los no desenvolvimento e na
aprendizagem das crianças.
Marisa: No que a possibilidade de uma formação continuada e a reflexão sobre a
prática educativa na Educação Infantil contribuiu com a ideia da criança como sujeito de
seu processo educativo?
Professoras: Em uma realidade na qual a prática tradicional muitas vezes acaba
sendo mais segura para o professor, a criança estar no centro da prática pedagógica
podendo falar, sendo escutada e construindo significados, é um tanto desafiadora. Diante
da pouca oferta de reflexão e estudos coletivos com nossos pares, a formação continuada
tem a função de nos tirar da zona de conforto, fazendo-nos refletir sobre nosso real
objetivo. A reflexão da prática educativa e o estudo contextualizado são fundamentais na
busca de soluções para os problemas vivenciados no processo. Assim sendo, a formação
promove estudos, debates e troca de experiências entre os professores na busca de
alternativas em prol da criança e de seu desenvolvimento pleno. Essa formação veio ao
encontro das nossas inquietações sobre entender a criança dentro de sua lógica e como
sujeito de seu processo educativo. Levou-nos a pensar sobre o papel que o professor tem
a desempenhar, possibilitando que a criança brinque e aprenda ao mesmo tempo, sendo
cuidada e educada a partir das situações reais vividas em seu dia a dia.
32

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

As colocações das professoras regentes da Creche Eunice Lelis e da Escola


Mickey mostram o quanto são reconhecidas nos locais onde as escolas estão inseridas,
provavelmente por fazerem parte de instituições que, historicamente, se dedicam a criar
e manter vínculos de troca, respeito e confiança com as famílias e comunidades. O mérito
também está na busca que as professoras têm por compreender as crianças a partir de
suas expressões e linguagens específicas que compõem a infância. Isto é, procuram
entender a comunicação da criança, como o choro, as histórias, suas formas de pensar
e indagar o mundo. E, desse modo, consideram os Direitos da Criança,31 na medida em
que se empenham em oferecer-lhes um ambiente adequado às características infantis,
realçando as brincadeiras como um dos eixos do trabalho pedagógico.
Nos depoimentos das professoras, é possível notar que se preocupam com os
processos de aprendizagem das crianças. Suas ações buscam superar a ideia do “aluno
ideal” e assumem a diversidade e a valorização das diferenças entre as crianças. Ainda,
desconstroem a concepção do papel do professor como detentor do saber e condutor
único do processo pedagógico. Elas se lançam ao desafio de promover a participação
das crianças, para que, juntas, possam atribuir sentido ao que vivem na escola em diálogo
com suas práticas sociais e culturais, como exemplo, a atividade de eleição do nome da
boneca.
No afã de educar e cuidar, as professoras procuram se informar sobre o perfil
das famílias e sabem que a escola, como qualquer outra instituição, tem limites. Para
o enfrentamento das condições de vida, conjugadas às particularidades das crianças,
as professoras destacam a importância da articulação política entre a escola e os
equipamentos públicos ligados às áreas da saúde e ao desenvolvimento social, visando
à constituição de uma rede de atendimento infantil que favoreça à criança o acesso
aos bens culturais, bem como lhe promova as condições necessárias ao seu pleno
desenvolvimento.
As inquietações das professoras as levam a investir, ampliar e refletir criticamente
sobre seus referenciais teóricos e práticos, reconhecendo que não há um caminho
pronto e que as possibilidades são múltiplas quando fundamentam suas práticas
pedagógicas numa concepção da criança como cidadã, sujeito ativo da construção do
seu conhecimento e pessoa em processo de desenvolvimento. Essa postura as instiga a
puxar meadas com as quais vão tecendo e formando a trama de uma educação voltada
verdadeiramente para a infância.

31. Para saber mais, consulte: ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
33

Tema 2
Afetividade e aprendizagem
A primeira vivência do homem na vida intrauterina é biológica. Desde o dia do seu
nascimento, o bebê passa a transformar sua condição biológica passo a passo, até se
tornar um sujeito social e histórico. Em outras palavras, o bebê se torna uma criança que,
mesmo dependente do adulto, pertence a uma família que faz parte de uma sociedade,
com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico.
Esse processo começa no contato físico com a mãe e na sua inserção no ambiente
físico, social e cultural. Esse contato inicial com a mãe (sua forma de acolher, seu toque
físico, tom de voz) marca para a criança pequena o início do estabelecimento de laços
afetivos. Assim, considerando que as interações com as pessoas exercem um papel
fundamental no desenvolvimento infantil, a criança modifica o ambiente e por ele
também é modificada e, desse modo, segue constituindo o seu eu, a sua identidade e a
sua aprendizagem.
Um dos primeiros impulsos para que o aprendizado aconteça é o desejo de
aprender, que mantém a curiosidade acesa, bem como a busca para a resolução das
perguntas, de problemas e o enfrentamento dos desafios que surgem ao longo da
construção e aquisição dos conhecimentos. Afinal, perceber os interesses da criança é
considerar seus modos de pensar para ir além. Essa é uma complexa dinâmica que requer
ações cognitivas, da mesma forma que tais ações pressupõem a presença de aspectos
afetivos.
Assim, consideramos que a afetividade é o centro desse desenvolvimento, pois as
emoções e os sentimentos estão imbricados nas relações entre criança-criança, criança-
adulto, criança-conhecimento e criança com ela mesma. Nesse decorrer, as trocas afetivas
vão dando sentido à vida.
Esse reconhecimento possibilita à criança o autoconhecimento, a socialização e o
conhecimento de mundo. Significa, portanto, compreendê-la como pessoa única em
suas manifestações, como o choro, a ameaça, o ciúme, a disputa e também a alegria e o
contentamento, pois são pistas que revelam o que ela sente diante das situações que lhe
são apresentadas.
Dessa forma, é de fundamental importância acolher as diversas formas de expressão
infantil e ajudar a criança a reconhecer e nomear seus sentimentos, para que aprenda
a lidar com as próprias emoções. E quando surgem situações conflituosas em que ela
não tenha autonomia para resolvê-las sozinha, torna-se necessário que o adulto assuma
um posicionamento firme na busca da resolução conjunta dos conflitos, seja com uma
criança ou mais.
No plano coletivo, é preciso fortalecer as formas de expressão utilizadas nas diversas
linguagens de tal forma que as crianças desenvolvam a capacidade de compartilhar as
experiências afetivas numa convivência social com seus parceiros e professores.
Na presente proposta de formação de professores da Educação Infantil, trabalha-se
explicitamente a necessidade de organizar momentos de brincadeiras para que a criança
identifique e expresse seus afetos, desejo, desagrados e emoções. O pensamento, a
imaginação e a afetividade se entrelaçam por muitas vias.
34
Numa brincadeira registrada sob a forma de uma mini-história, realizada em outubro
de 2014 pela professora Maria da Graça Freitas, de Rio Piracicaba, é possível observar sua
atenção e seu cuidado de disponibilizar objetos, favorecer a participação das crianças na
intervenção do ambiente e na movimentação em diferentes espaços. Observa-se que a
imaginação e o vivido alimentam o jogo de representação de papéis, no qual o que liga
as crianças é o conteúdo afetivo que a brincadeira traz.
Isso significa dizer que é papel da professora de Educação Infantil promover
situações interativas entre as crianças, em que a ludicidade torne esses encontros em
momentos prazerosos. Para tanto, como o fez a professora Graça, foi preciso fornecer
às crianças a possibilidade de participar, negociar e serem sujeitos ativos das atividades.
35

Mini-história
O registro da brincadeira: diálogos, afetos,
ações e emoções
Maria das Graças Freitas32

O contexto
Nesta turma, algumas crianças costumam se organizar espontaneamente para
as brincadeiras. Ao acompanhar a movimentação delas em um desses momentos, foi
possível captar que revelam a maneira particular como compreendem o mundo dos
adultos, suas interações entre seus pares e adultos, bem como as preocupações que têm
diante das situações da vida.
Pode-se observar que, na brincadeira descrita a seguir, são destacados quatro
momentos distintos, quando as crianças começam formando uma família extensa, com
filhos, pais, avós e tios. A família, como pano de fundo, passa por situações inusitadas.

Hora do faz de conta: Brincando de família


As crianças, tomadas pela ludicidade e inventividade, se transformaram em
agrupamentos sociais e criaram cantos que se aproximam ao modelo que têm do que
vem a ser uma família e um lar. É como se atualizassem experiências já vividas. Negociavam
com bastante propriedade a montagem da casa. Às vezes, repetiam ambientes escolares,
numa clara referência ao trânsito que têm nos espaços casa e escola. Assim, optaram por
montar a sala, a cozinha, o quarto das crianças, o banheiro e o cantinho de leitura, sem se
esquecerem de separar uma área específica “para as crianças brincarem” – conforme um
deles comentou.

Crianças brincando de família.

32. Professora de crianças de quatro a seis anos de idade, turma do 2º período da Escola Municipal Sebastião Araújo, no
município de Rio Piracicaba. Licenciada em Pedagogia pelo IES/FUNCEC. Especialista em Educação Especial/Faculdade
de Educação São Luís.
36
E a brincadeira segue...
Luiz Fernando: – A gente vai brincar de quê?
Giovana: – É de papai, mamãe e filhinhos.
Luiz Fernando: – Eu sou o Henrique, o filho de 10 anos.
Giovana: – Eu sou a Andréia, filha de 4 anos.
Amanda: – Eu sou a Maria: mãe dos filhos e Halley é o Mauro, pai dos filhos.
Júlia: – Eu sou Maria Alice, a tia dos filhos, que é irmã da mãe, e Luiz Felipe é
o tio Rafael, que é irmão do pai.
Amanda: – Mariane vai ser a vó e Arthur é o avô. Como vai ser seu nome
Mariane? Qual é o nome que você quer ter?
Mariane: – Meu nome é Gabriela.
Mariane: – E o seu Arthur?
Arthur: – É Anderson.

A brincadeira ganha força


As crianças constroem uma narrativa, reproduzindo o modo como se dá a relação
entre criança/criança e criança/adultos, em que, por muitas vezes, a criança ocupa um
lugar de obediência diante do adulto. O enredo ganha conteúdo e ludicidade. Acontecem
alguns conflitos, mas a brincadeira se transforma, ganha um novo rumo e renasce com a
expressão de liberdade de cada menina e menino.
Na organização da brincadeira, todos moram juntos. A representação dos
papéis dos adultos é o que se destaca. A mãe parece muito equilibrada, amável,
comprensiva e dialoga com todos. Os filhos são crianças que fazem o que querem sem o
impedimento dos pais. O pai, bem grosseiro, não é de muita conversa. Os tios e avós têm
responsabilidade financeira da família. Até esse momento, o ambiente da sala de aula não
tem uma organização prévia de moradia, de um lar - isso ainda não é uma preocupação
das crianças.
Maria: – Todo mundo aqui! Vamos reunir nossa família e cuidar dos filhos.
Filhos, prestem atenção na mamãe. O papai vai ajudar olhar vocês, a titia vai
fazer a comida, o titio vai consertar os carros na oficina, a avó e o avô não fazem
nada, porque são velhinhos e só brincam com os netos e dão os presentinhos,
essas coisas.
Maria: – Mauro, a gente precisa ir à rua levar as crianças para passear,
comprar um tablet pra elas, depois levar no parquinho, né, filhos?
Henrique: – Êbaaaaaa!!!É bom que a gente nem vai à escola hoje!
Andréia: – Eu quero ir à aula sim!!!
Mauro: – Se não for para escola, não vai passear.
Maria: – Vamos logo, filhos!

A brincadeira se prolonga até o pátio da escola.


A turma troca de espaço para continuar a brincadeira. O pátio da escola serve de
cenário para o passeio familiar. Chegando ao local de compras, o filho tenta desviar-se da
família e sai para comprar celular sem dar satisfação para os pais. Quando a mãe percebe
o distanciamento do filho, reage como se estivesse aflita e chama a sua atenção para ficar
próximo a eles.
37

A mãe se aflige com o


distanciamento do filho.

O filho circulando sozinho.

Mauro: – Henrique, volta aqui, senão, vou te bater.


Maria: – Oh! Você vai bater no filho aqui na rua?
Mauro: – Claro que vou. Ele não está me obedecendo. Agora mesmo a
Andréia vai fazer tudo que ele está fazendo!
Maria: – Ela não vai fazer isso! Ela é uma filha obediente, gosta de estudar...
Olha lá! Tem que pegar o Henrique. É perigoso ele nos perder na cidade.
O pai alcança o filho e o repreende, numa demonstração de imitação do modelo
do adulto.
Mauro: – Você tem que ficar é perto de mim. Não é correndo na minha frente
não!

Voltando do passeio.

Neste momento, o faz de conta deixa de ser a tônica e as crianças param de


representar. Maria se afasta, Amanda procura pela professora se queixando:
Amanda: – Tia Graça, o Halley (Mauro) não pode brincar, ele não sabe ser
pai. Toda hora quer bater nos filhos.
Professora: – É bom apanhar?
Halley: – Não, ué! Eu num gosto não!
Professora: – Agora, eu vou fazer uma pergunta para toda a família. Se o pai não está
sabendo ser pai, o que fazer?
Maria: – Conversar muito e ter mais amor com os filhos, cuidar mais, essas
coisas assim...
38
Professora: – Fale isto para o Halley, Maria.
A aluna preferiu não se manifestar.
Professora: – Temos 15 minutos para terminar a brincadeira de hoje.

Hábitos locais
Giovana: – Ele é meu pai e nem conversa comigo.
Andréia: – É só com meu irmão.
Mauro: – Eu vou conversar com você também, filha. Se ficar obediente, vou
levar todo mundo pra praia. E é amanhã. Pode arrumar a mala. Nós vamos ficar
muito tempo lá.

Os avós e os tios na Estação Ferroviária Voltando da praia.

Maria: – Agora estamos felizes, né, Mauro? Passeamos muito e vimos o mar
com os filhos, tios e avós. – concluindo a brincadeira.
39

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

A professora Maria das Graças de Freitas produziu interessantes reflexões acerca do


registro dessa mini-história:

A partir das minhas observações e reflexões sobre brincar e brincadeiras,


aposto na ideia de investir no brincar e, para isso acontecer, é importante
planejar a atividade, selecionando objetos e interferindo na organização
do ambiente. A brincadeira reflete as ideias e os sentimentos que as
crianças têm de família e do cotidiano.

A brincadeira é uma atividade necessária à criança, pois promove o seu


desenvolvimento afetivo, cognitivo e social. As crianças, enquanto brincam, interagem
com seus pares, aprendem brincadeiras que fazem parte do nosso patrimônio cultural
e produzem cultura, pois também criam novas formas de brincar e agir. Portanto, é
necessário criarmos oportunidades que permitam à criança a realização do brincar
individual e coletivo, por meio da ação física e da imaginação. Isso significa incorporar ao
nosso cotidiano, de modo sistemático, duas abordagens: o “brincar pelo brincar” e o jogo
como estratégia didática.
Na medida em que brinca, a criança imita o mundo adulto e o reapresenta a seu
modo. A presença da dimensão lúdica nas brincadeiras não significa dizer que as crianças
vivenciem apenas o prazer. Tanto é que, nessa brincadeira, as crianças também revelam
sentimentos de ameaça, insatisfação e frustração. Isso significa dizer que a brincadeira
favorece à criança revisitar suas emoções e vivências, sendo possível reelaborá-las pela
via do “faz de conta”.
Desse modo, é preciso que as crianças se sintam acolhidas e seguras no ambiente
escolar para que possam explorar todo o conteúdo inventivo de suas formas de pensar.
Entretanto, é importante a presença da professora para nutrir e problematizar esses
momentos. Afinal, brincar não é fazer o que quiser. É necessário estabelecer as regras
da brincadeira, pois não vale agredir e tampouco desrespeitar os pares envolvidos nessa
atividade.
Na brincadeira descrita, a temporalidade é resolvida por meio do “faz de conta”.
Assim é que “o amanhã” para as crianças acontece nos próximos segundos e a brincadeira
se transforma em uma viagem maravilhosa para a praia. A simples ocupação dos
ambientes escolares provoca o surgimento de outras situações. O pátio se transforma em
cidade, a escada simboliza uma viagem.
É interessante observar que, como o município é servido pela estrada de ferro,
a opção de transporte das crianças na brincadeira é viajar de trem. Pode-se com isso
dizer que a brincadeira se constitui a partir do processo de imersão cultural. Observando
a criança brincar, é possível aproximar-se da realidade vivida por ela, conforme o
entendimento que ela própria tem de suas experiências vividas.
Logo, como é possível constatar, acontecem ricos processos interativos entre as
crianças e essa condição aciona o desenvolvimento global delas, destacando aqui as
dimensões afetiva, cognitiva, corporal, social e cultural. E, por isso, a importância do
brincar é tão grande que está garantida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para
atender a essa exigência, a brincadeira deve estar incorporada ao cotidiano da Educação
Infantil, por meio da intencionalidade do brincar. Para tanto, os adultos devem organizar
40
os tempos, espaços, brinquedos e objetos para tal fim. Nada mais afetivo na Educação
Infantil que acolher as linguagens da criança e promover aprendizagens mediadas por
elas. Esse ato é sinal de respeito à infância.

Tema 3
Educar, cuidar e brincar
A indissociabilidade entre educar e cuidar está presente em todos os momentos do
cotidiano escolar. A criança está em constante aprendizado e, por isso, a importância de
manter o princípio de contribuir para a sua formação integral de tal forma que todos os
adultos, sobretudo as professoras, sejam responsáveis por criar condições de bem-estar
e preparo de ambientes/espaços/contextos em rotinas de trabalho que atendam as
necessidades e os interesses da criança.
Na concepção abordada no presente curso de Formação de Professores da
Educação Infantil, cuidar vai para além de atender às necessidades físicas das crianças.
Significa também valorizar seus processos de conhecimento, tornando as estratégias
cognitivas visíveis e compreensíveis, para que as crianças participem e se apropriem dos
diferentes percursos de aprendizagem que realizam.
Desse modo, organizamos situações que favorecem a interatividade, a socialização,
a cooperação e o desenvolvimento de habilidades, sem perdermos de vista a formação
de hábitos que incentivam o aprender a cuidar de si, a cuidar do outro, sobretudo seus
pares, e cuidar do ambiente de acordo com a visão sistêmica e planetária: agir local e
pensar global, portanto, cuidar do planeta. Sinteticamente, envolver-se em ações que
levam ao aprender a cuidar de si, do outro e do planeta.
Os estudos recentes sobre a infância33 indicam que a identidade da criança se forma
no interior das suas atividades diárias. Esse é um modo específico de agir e significar
o mundo que ocorre especialmente por meio das brincadeiras, sejam elas advindas
de nosso patrimônio cultural ou inventadas simbolicamente. Elas, por sua vez, estão
referenciadas no contexto do mundo adulto. Seus elementos constitutivos, como dito
anteriormente,34 são os jogos, os brinquedos, os rituais, as movimentações, os gestos e
as palavras.
O relato seguinte, fruto do trabalho realizado com crianças de seis meses a cinco
anos, em 2014, na Escola Municipal de Pré-Escolar Mickey,35 localizada no bairro Córrego
São Miguel, funciona no mesmo prédio da Creche Eunice Lelis, no município de Rio
Piracicaba. Trata-se de um projeto construído a partir do olhar da professora, que é
educadora física. Conforme seu olhar investigativo, as crianças necessitavam de maior
destreza em alguns movimentos corporais que fazem parte de atividades rotineiras.
Respeitando cada criança, Maria Aparecida Caldeira planejou uma série de movimentos
interligados a objetos, em que ela explorou atenta e cuidadosamente o potencial de seus
alunos.

33. Para saber mais, consulte: CORSARO (2002 e 2003); GOUVÊA (2003); ROCHA (2008).
34. Ver Tema 2 sobre Afetividade e aprendizagem.
35. A escola atende aproximadamente 200 crianças, de seis meses a cinco anos, nas modalidades Creche e Educação
Infantil. Aproximadamente 20% das crianças permanecem na escola em horário integral. Atende a um bairro da camada
popular e muitas crianças têm na escola uma importante referência social.
41

Relato de Projeto
O cuidar e educar nas brincadeiras de
circuito motor
Maria Aparecida Caldeira36
Marisa Bueno de Freitas37

O contexto
No início do ano, momento em que a professora realiza observações do grupo
para uma avaliação diagnóstica sobre diferentes aspectos, um deles chamou mais a
sua atenção: o uso do corpo em situações de brincadeiras com regras. Destacou-se o
embaraço das crianças em pular com um pé só, brincar de corda e amarrar os cadarços
dos sapatos. Ainda, precisavam de ajuda nos movimentos necessários para realizarem
brincadeiras, como “Coelhinho sai da toca”, pois muitos não se mantinham de mãos dadas
no círculo para brincar de roda. Partindo dessa avaliação, entendemos ser importante
ampliarmos seus repertórios de brincadeiras de tal forma que o corpo das crianças fosse
abordado como um todo, tanto nos jogos com regras, como nas brincadeiras livres.
Desse modo, a concepção de corpo da qual tratamos aqui propõe a integração das
dimensões física, social, cultural, cognitiva, política e emocional, de maneira a favorecer
uma relação das crianças com o meio em que estão inseridas, com os outros e com elas
mesmas. Para tanto, é condição essencial respeitar as diferentes habilidades das crianças e,
ao mesmo tempo, proporciona-lhes o maior número possível de experiências corporais.
Nesse contexto, optamos pela exploração corporal em situações de circuito motor.
Tal recurso foi utilizado para que as crianças pudessem explorar diferentes posturas
corporais, como assentar-se em diferentes inclinações, deitar e ficar em pé. Assim, ao se
movimentarem com maior precisão diante dos desafios proporcionados pelo percurso
proposto, poderiam adquirir maior consciência dos próprios movimentos, seus limites e
possibilidades.

O que é circuito motor


Vítor Emanuel: – Têm várias coisas: uma cadeira de passar por baixo, tem
bambolê de pular, colchão para rolar e trave de equilíbrio. – 5 anos.

Chamamos de circuito motor um espaço organizado em estações, onde são


dispostos materiais em uma sequência que proporciona desafios de naturezas
distintas para a criança. Ao trajeto circular, chamamos circuito; ao conjunto de materiais
dispostos, denominamos setores ou estações, e aos desafios e obstáculos, consideramos
deslocamentos corporais.
Na montagem do circuito, são utilizados diferentes materiais, como bancos,
bambolês, colchonetes e cadeiras que compõem as diferentes estações que as crianças
deverão transpor. Isso lhes permite vivenciar sensações e percepções de equilíbrio,

36. Graduada em Educação Física pelo ICMG- Instituto Católico de Minas gerais. Especialista em Orientação Educacional
pela Universo – Universidade Salgado de Oliveira. Especialista em Educação Física para pessoas com deficiência pela
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora.
37. Gestora da Escola Mickey. Licenciada em Pedagogia pela UFOP/MG. Especialista em Gestão Escolar pela UFOP.
42
agilidade, coordenação, concentração, além do desenvolvimento das habilidades
motoras.
Durante as brincadeiras nos circuitos, observo como as crianças vibram. Quando
concluem o trajeto, é possível ver, em seus sorrisos, a satisfação. Em outras situações,
percebo a ansiedade dos colegas quando alguém apresenta dificuldade, chegando a
levantar a cadeira para o outro conseguir passar.

Crianças brincando nos circuitos.

Conhecer por meio da experiência


Ao longo de algumas semanas, os materiais foram disponibilizados separadamente
para exploração e conhecimento das crianças, de maneira livre ou com orientação das
professoras.

Pular nos arcos com um ou dois pés. Rolar no colchonete frente ou para o lado.

Passar por baixo das cadeirinhas Usar diversos materiais criando situações
enfileiradas. inusitadas. – Crianças do berçário.
43
Com as traves de equilíbrio, delimitamos um espaço retangular que possibilitou um
jogo de faz de conta:
Professora: – E agora? O que está acontecendo, minha
gente?
Rafaela: – A gente tá na piscina.
Davi: – Eu vou dar um pulo, olha tia!
Professora: – Cuidado na hora de nadar. Esta piscina
tem muita gente.
Vitor Hugo: – Eu sou um tubarão.
Rafaela: – Ai, o tubarão mordeu o meu pé.
Vitor Emanuel: – Na piscina não tem tubarão. Ele é
muito grande.
Professora: – Vitor Hugo, nessa piscina não cabe um
tubarão?
Vitor Emanuel: – Não. Essa piscina é só de crianças.
Alguém bate o pé nas traves.
Davi: – Ah... Acabou a água toda. Esvaziou tudo!
– reclama.

Nesse instante, as crianças saem da área delimitada, “a piscina”, e Vitor Emanuel fecha
as laterais, simulando pegar uma mangueira e começar a encher a piscina novamente. E
a brincadeira recomeça.
Essas situações de espontaneidade e diversão são para elas momentos de
descoberta e integração. Além disso, a brincadeira de faz de conta desenvolve não só
a imaginação, mas alimenta afetos, elabora conflitos e, nesse caso, explora habilidades
corporais das crianças.

Ampliando as vivências para além do espaço da sala de


aula
As situações vividas no pátio possibilitam que as professoras observem antes de
interferirem na ação da criança. É necessário avaliar se as intervenções não impedirão o
processo de independência da criança.

Professora orienta, fica por perto para que a criança se sinta segura. A criança arrisca e
experimenta novos movimentos.
44
Brincando com arcos
Isabela: – A gente pode brincar de coelhinho na toca, colocar no chão e ir
pulando. – criança de seis anos.

Geralmente, prevemos que a forma como as crianças brincarão com os arcos será
“bamboleando” na cintura ou colocando-os no chão para pular. Porém, podemos pensar
numa infinidade de maneiras de explorar o material, bastando ofertar-lhes e permitir que
elas explorem e utilizem os arcos como um brinquedo.

Turma brincando de morto-vivo.

As crianças jogam os arcos para cima, tentam pegá-los, colocam-nos na cintura para
rodar. Quando experimentam rodá-los em um braço, um novo desafio:
Professora: – Se já sabe com um braço, tente com o outro.
É praxe que alguém venha mostrar como faz, dizendo:
Criança: – Tia, olha o que eu consigo.

É comum uma criança demonstrar o que é capaz de fazer e um colega que está por
perto tentar fazer igual.
No jogo simbólico, as crianças fazem do arco o volante do carro, brincam de dirigir,
saem para comprar algo no supermercado, vão à rua, ao centro da cidade, ou mesmo
realizam uma viagem em que cada um traz aquilo que comprou.
Nesses eventos, a criança experimenta várias habilidades motoras: corre, pula,
desloca-se, faz a condução do bambolê, abaixa e levanta. Para quem está de fora, tudo
pode parecer confuso, todavia, nesse momento, a criança experimenta, cria, transforma
um objeto em outro, conhecendo suas próprias possibilidades e as dos outros.
45
Brincando com as traves de equilíbrio
Sabrina: – É só a gente montar alguma coisa,
subir em cima e andar. – criança de seis anos.

Usamos três jogos de traves adaptados do


material usado para o teste de equilíbrio (KTK).38
Permiti que as crianças brincassem livremente,
para observar os conhecimentos prévios relacionados
ao equilíbrio e ao domínio do corpo. De repente, uma
criança pega uma peça que se transforma em um
martelo; outra anda apoiada equilibrando; um grupo
menor faz um cercadinho onde os bichos imaginários
ficam presos. Às vezes, eram animais domésticos,
Um aluno brinca de se outras vezes, ferozes. Com algumas barras faziam
equilibrar nas traves. casinha.

Crianças construindo uma escada para os colegas saltarem sem


derrubar os degraus, utilizando as mesmas traves.

As professoras também experimentaram o material.

38. Teste de Coordenação Corporal para Crianças (Körperkoordinationstest Für Kinder - KTK)
46
Escolher, explorar, inventar e organizar
Em outra aula, propus às crianças escolherem o material para brincar entre os que
foram apresentados anteriormente.
Kauã: – Eu quero aquele brinquedo que brilha e que a gente faz piscina. –
criança de quatro anos.

Durante as brincadeiras as crianças se organizaram expontaneamente


em diferentes agrupamentos. (crianças do 1º período).

Durante as brincadeiras foi possível


perceber parcerias e crianças brincando
sozinhas.
Com a intenção de trabalhar estratégias
e raciocínios no uso das traves, dividi a turma
em três grupos, cada um com um jogo de
trave, para realizar o seguinte desafio: montar
as traves em linha reta unindo as cores iguais.
Inicialmente, um dos grupos, por mais
que se esforçasse, não conseguia organizar as
traves conforme solicitação. Foi preciso refazer
Depois de muitas tentativas, as
o trabalho várias vezes. O grupo que fez com traves ficaram alinhadas conforme
mais rapidez tentou por várias vezes ajudar a a proposta.
outra equipe dizendo que as cores não estavam
iguais.

Brincando com os colchonetes


Kayky: – Dá pra virar cambalhota, dá pra nadar, dá até para dormir. Dá pra
gente fazer casinha em pé. – criança de seis anos.

As crinaças exploram colchonetes livrimente ou com a juda da professora.


47
Na exploração dos colchonetes, contamos com a diferença da consistência e da
textura desse material encorpado, mas macio, o que permite outras descobertas.
A primeira brincadeira que surge é pular nos colchões e cair. Situações que podem
parecer engraçadas à professora são para as crianças vivência de desequilíbrio ou quedas
sobre as superfícies macias. Enquanto umas se jogam, outras ficam mais recuadas.

Virando cambalhotas!
Ao perceber que alguém tenta virar de cambalhota, consideramos que, por
uma questão de segurança, é o momento de parar, explicar como se faz e conduzir o
movimento com um apoio:
Posição inicial. Execução.

Ajuntar os pés e flexionar Impulsionar as pernas Projetar os braços para


os joelhos; projetar tronco elevando o bumbum; com o frente e voltar à posição
para frente com o qeuixo corpo redondinho. inicial.
encostado no peito.

Brincando com as bolas


Demétrius: – Tem de couro, tem de basquete, tem de vôlei. A de futebol é
dura demais. – criança de cinco anos.

As bolas utilizadas são de diferentes tamanhos, cores e pesos, sendo uma para cada
criança. Essa é uma oportunidade de apresentar para elas os diferentes tipos de bolas e
seus respectivos esportes. Algumas já nomeiam a bola de futebol, futsal, handebol, tênis,
ping-pong; outras crianças sabem que são diferentes e têm usos distintos.

Jogar a bola usando as mãos. (crianças Conduzir a bola com uma das mãos.
do 2º período).
48
O uso de materiais diversificados, como as diferentes bolas descritas, possibilita às
crianças estabelecerem comparações entre tamanho, peso, velocidade. É nesse sentido
que nossa concepção é ampla, pois atividades como as descritas abrangem outras esferas
de informação, não focam apenas o exercício motor.

Como o uso dos equipamentos vai sendo estruturado e


significado com e pelas crianças
Após várias experimentações e exploração dos equipamentos livremente, chega a
hora de direcionar seu uso no circuito e em brincadeiras.

A trave de equilíbrio, com Alunos do maternal Corrida do “cotonete” com


o objetivo de se deslocar fazendo rolamento uso dos colchonetes - uma das
sobre a superfície de costas para frente. brincadeiras que surgiu durante a
(equilíbrio dinâmico). exploração dos materiais.

Oferecemos colchonetes e observamos as crianças organizarem novos percursos.


Elas criaram maneiras muito diferentes de transpor aquele percurso, descobriram situações
que, às vezes, o adulto nem imagina serem possíveis. Por isso, as brincadeiras que surgem
nos grupos devem, portanto, ser valorizadas. Elas são fruto de uma construção coletiva,
dão identidade às crianças e fortalecem a noção de pertencimento ao grupo. Por outro
lado, é uma produção que passa a fazer parte do patrimônio cultural daquela escola,
gerado pelas crianças.

Experimentando circuitos, vivenciando maneiras diferentes


de explorar o corpo e estabelecendo regras para o grupo
Temos uma forma de brincar de circuito já conhecida pelo grupo. Quando um novo
percurso está montado, cada um tem que passar de um jeito diferente.

Crianças passando pelo circuito.


49
Outra possibilidade é o professor estabelecer o percurso, perguntar como transpor
ou como fazer naquela estação. De acordo com seu objetivo, pode demonstrar como as
crianças deverão executar os movimentos, observar e fazer intervenções necessárias ao
controle da ação.
Na condução do trabalho, a professora também aprende; foram diversas situações
elaboradas por ela com o objetivo de promover a ação, a experiência e o desafio pelas
crianças.

Desafio de percurso organizado pela professora para as crianças.

Características principais tornadas visíveis


• Todo jogo tem regras e conteúdos imaginários. Ora se destacam as regras, ora a
imaginação. No circuito, há a possibilidade de explorar essas dimensões a partir
da participação das crianças.
• De uma maneira lúdica e prazerosa, as crianças aprendem a respeitar o tempo
do outro, esperar a vez, conhecer suas limitações, suas possibilidades, enfrentar
novos desafios e superá-los.
• Os jogos e as brincadeiras abrem a possibilidade de as crianças se arriscarem,
observarem, tentarem novamente. A cada tentativa ocorre alguma
aprendizagem.
• A vivência dos movimentos e a consciência corporal possibilitam ao indivíduo o
conhecimento de seu próprio eu, não só para a infância, mas por toda vida, por
meio de interações corporais, mentais, sociais, emocionais, culturais e afetivas.
50

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Escutar a criança, por meio da observação de suas ações, movimentos, suas


interações, indagações, nos provoca e promove reflexões pedagógicas que, por vezes,
podem orientar planejamentos e alavancar proposições cada vez mais ajustados às suas
necessidades. Os materiais e artefatos utilizados, suas propriedades permitem e estimulam
diferentes usos. Manter-se aberto ao imprevisível, ao inusitado é dar a oportunidade que
a criança precisa para criar alternativas genuínas, resolver problemas, relacionar, inventar
e reinventar brincadeiras, reconhecer-se, recriar-se.
No projeto descrito anteriormente, a professora organizou situações que vão
para além do desenvolvimento de habilidades corporais. A sua abordagem favoreceu
a interatividade, a socialização, a cooperação e o desafio físico. Certamente, as crianças
aprenderam. Corpo e mente não se separam. O corpo é o ser, conforme Merleau-Ponty
(2006),39 ser no mundo, composto pela subjetividade e corporeidade e mediador das
relações da criança com o mundo.
Nessa direção, retomamos a questão de que é preciso que as professoras da
Educação Infantil tenham intenções claras no sentido de incentivar seus alunos a
manterem um corpo/mente saudável para manter suas relações com o mundo. A criança
aprende a cuidar de si no interior das atividades diárias, quando acontece a formação de
hábitos. De uma maneira geral, aprende-se a cuidar de si, cuidando do outro.
Portanto, não se pode negligenciar que, na Educação Infantil, é fundamental que
se ensine as crianças a exploração da corporeidade em situações corriqueiras, como o
uso adequado das instalações sanitárias, inclusive mantendo-as limpas para que outras
crianças possam usá-las, alimentar-se saudavelmente, desenvolver a autonomia para
calçar e vestir-se, aprender a brincar respeitando seus colegas. Se agredir ou machucar
o colega, mais que se desculpar, aprende-se a reparar o erro, cuidando daquele que foi
agredido.
De acordo com a visão sistêmica, para a sobrevivência planetária, é urgente agir local
e pensar global. Aprender a cuidar de si envolve cuidar do outro, sobretudo, seus pares.
E, cuidando do outro, cuida-se do ambiente. Sinteticamente, para a nossa sobrevivência,
é necessário que as ações pedagógicas na Educação Infantil levem ao aprender a cuidar
de si, do outro e do planeta.

39. Para saber mais, consulte: MERLEAU-PONTY (2006).


51

Tema 4
A pedagogia da escuta
A escuta é uma atitude receptiva por parte dos adultos – gestores, professoras e
auxiliares –, que pressupõe uma disponibilidade para interpretar as mensagens expressas
pelas crianças por meio de diferentes linguagens. Nesse sentido, se a criança elabora
teorias e hipóteses, então ela é protagonista e participativa, e os verbos mais importantes
que guiarão a ação educativa não serão o falar/transmitir, mas sim o escutar/conhecer a
infância em suas formas de expressar e se comunicar.
Escutar para agir é atender às necessidades postas pelas crianças e, assim,
organizarmos as situações educativas que as levem a conhecer, gerar e articular
conhecimentos socioculturais, combinar sentimentos, imagens e pensamentos. Nas
palavras de Rinald (2012, p. 124):

Escuta, portanto, como metáfora para a abertura e a sensibilidade de


ouvir e ser ouvido – ouvir não somente com as orelhas, mas com todos os
nossos sentidos (visão, tato, olfato, paladar, audição, e também direção).
Escuta das cem, das mil linguagens, símbolos e códigos que usamos
para nos expressar e nos comunicar, e com os quais a vida expressa a si
mesma e se comunica com aqueles que sabem ouvir.

Nesta formação, refletimos e analisamos o modo como a escuta educativa pode


interferir e orientar as decisões pedagógicas das professoras, em especial, o valor que
elas atribuem ao que a criança deseja, o que ela faz, o que ela consegue produzir, as suas
possibilidades, as suas teorias. Se a escolha que o Educador faz se relaciona com esses
elementos, consequentemente, não é possível fazê-la à revelia da criança.
Por meio de oficinas e análises de experiências, foram destacados alguns dos
objetivos que podem guiar nossa escuta e nossa documentação:
• Dar centralidade à criança no processo educativo escolar;
• Reconhecer a capacidade formativa e de crescimento das crianças;
• Reconhecer o direito da criança de ser autora de sua aprendizagem;
• Valorizar a história individual de cada criança integrada à história do grupo de
pares;
• Instrumentalizar o trabalho do professor;
• Conhecer as crianças e a nós mesmos;
• Avaliar o processo de aprendizagem;
• Democratizar a experiência educativa;
• Permitir uma releitura e redefinição da relação adulto-criança.
Sendo assim, a escuta é motivada e retroalimentada por interesse, por
disponibilidade, por dúvida, por inquietação, por sensibilidade, por curiosidade, por
compromisso, por aprendizagem, por respeito e alteridade.
Por meio da escuta, os educadores agem, refletem, narram, representam suas
teorias e interpretações, oferecendo-as aos companheiros envolvidos no contexto
52
educativo. Trata-se, portanto, de uma postura de compartilhamento e diálogo, em que
vários olhares e escutas se encontram na diversidade.
A professora Alcione Gonçalves, de Barão de Cocais, sensibilizada e instigada por
essas reflexões, se propôs a registrar um projeto realizado em 2014 e nele destacar sua
escuta a fim de voltar-se para a análise desse tema. Seu esforço está evidenciado no
projeto a seguir.
No registro que se segue, pode-se verificar a busca da professora em evidenciar
o modo como percebeu as crianças, suas necessidades, envolvimento com o trabalho
proposto, contribuições, indagações, modos de interagir e compartilhar experiências.
Tudo isso foi enfatizado nos encontros desta formação de profissionais da Educação
Infantil, destacando a importância de se escutar a criança, tal como ressaltado por
Edwards e Gandini (2002, p. 152):

Através da observação e da escuta atenta e cuidadosa às crianças,


podemos encontrar uma forma de realmente enxergá-las e conhecê-
las. Ao fazê-lo, tornamo-nos capazes de respeitá-las pelo que elas são e
pelo que elas querem dizer. Sabemos que, para um observador atento,
as crianças dizem muito, antes mesmo de desenvolverem a fala. Já nesse
estágio, a observação e a escuta são experiências recíprocas, pois, ao
observarmos o que as crianças aprendem, nós mesmos aprendemos.
53

Relato de projeto
Alimentação Saudável
Alcione Gonçalves Cruz40
Eliza Aparecida dos Santos41

O contexto
Este relato de projeto42 foi elaborado pela professora Alcione Gonçalves Cruz com
a diretora Eliza Aparecida dos Santos da Escola Municipal Pedro Gonçalves, localizada no
povoado Córrego da Onça, de uma área rural situada no município de Barão de Cocais.
Essa escola atende crianças de quatro a dez anos.
Alcione era professora regente da turma “Prestígio”, no ano de 2014. Uma turma
multisseriada, composta por 12 alunos de quatro a oito anos, que compreendem os 1º
e 2º períodos da Educação Infantil e os do 2º ano do Ensino Fundamental. Ela ressalta
que, nesse contexto, os maiores respeitavam o tempo e o espaço dos menores e,
quando necessário, os ajudavam, principalmente na hora do conto e das brincadeiras
direcionadas. Na condução do trabalho pedagógico, a professora procurou organizar
projetos que atendiam à diversidade da turma.
O projeto destacado aqui foi desenvolvido nos meses de agosto a outubro de 2014.
Na finalização, foi realizada uma apresentação para os pais, quando cada criança explicou
o que tinha curiosidade em saber no início do projeto e o que havia aprendido com ele.

Como podemos saber se o alimento faz bem à saúde?


Ao refletir sobre a alimentação com as crianças, uma delas falou:
Criança: – Eu gosto de comer só salada para não engordar.
Embora a criança explicite sua preocupação com a estética corporal, quando
diz que não quer engordar, as falas que seguiram estavam mais relacionadas à saúde.
Entretanto, comecei a me indagar: qual seria a relação estabelecida pelas crianças entre
alimentação e saúde? Pensei, então, que a exploração dessa temática poderia ser um
trabalho bastante interessante.
Assim, um projeto sobre alimentação pode favorecer a criação de hábitos
alimentares saudáveis, considerando o educar e cuidar como ações complementares que
caracterizam o trabalho com a infância.
Com a intenção de escutar o que as crianças pensavam sobre a qualidade da
alimentação, a importância dos alimentos saudáveis e os efeitos deles à nossa saúde,
convidei-as para uma roda de conversa. A partir da minha indagação sobre o que é bom
e o que não é para comer, elas listaram:
– Salada de frutas;
– Biscoitos;

40. Formada em Pedagogia e Pós-graduada em Psicopedagogia, leciona há 13 anos na Escola Municipal Pedro
Gonçalves, em Barão de Cocais.
41. Formada em licenciatura básica para Ensino Fundamental UFOP.
42. Sobre projetos de trabalho, leia no tema Projetos desta publicação, em que perceberá a distinção do modo como
o projeto relatado foi organizado e a concepção de “Projetos” discutida nesta formação. O projeto aqui registrado foi
realizado em momento anterior ao grupo temático 5, mas é pertinente nesta publicação como ilustração das reflexões
sobre a Pedagogia da Escuta.
54
– Hambúrguer;
– Pizza;
– Sucos naturais;
– Sucos de pacotes;
– Pastel.
Com essa lista, ficou evidente que as crianças enumeraram o que gostavam de
comer e não necessariamente a relação dos alimentos com a saúde. Conduzi, então, a
conversa com elas para o que é saudável e faz bem e o que, mesmo sendo gostoso, pode
fazer mal para nossa saúde. Selecionei imagens de alimentos tendo como referência
aqueles feitos pela nossa cozinheira na escola e o que as crianças disseram que comem
em casa. Propus-lhes que separassem os alimentos em dois grupos: o que é saudável e
não saudável.
As próprias crianças começaram a dar sugestões sobre o que elas mais gostavam
de comer e o que era muito doce e gorduroso. Comentaram sobre familiares obesos e
hipertensos:
Criança: – Professora, minha vó é gorda e tem pressão alta.
Considerando as realidades de escola rural e famílias com menos contato com livros
e revistas, responsabilizei-me por fazer pesquisas informativas e trazer para os alunos
materiais que ampliassem nossas discussões. Além disso, propus-lhes que perguntassem
para os conhecidos e familiares o que sabiam sobre esse tema. Depois de coletarmos as
informações, registramos o que foi falado no quadro.
Para termos melhor visibilidade das nossas questões e do desenvolvimento de
nossa pesquisa, fizemos uma roda de conversa diante do mural e fixamos nele alguns
títulos para pesquisarmos ao longo do trabalho. Minha intenção com essa documentação
era dar visibilidade às intenções, intervenções e aos saberes construídos com o grupo.
O mural é um dos suportes que utilizamos para tal fim. A participação das crianças
em sua composição foi fundamental para a compreensão e o envolvimento com o
Projeto. Assim, combinamos de organizar as nossas questões, separando-as da seguinte
maneira: O que sabemos? E o que queremos saber?43
Na montagem do painel, as crianças discutiram sobre sua organização e fixaram as
informações. Nós intitulamos o Projeto de Qualidade de vida, saúde e nutrição.

Dois alunos, um de oito e outro de cinco anos,


montando painel sobre o projeto Qualidade
de vida, saúde e nutrição.

43. Essas perguntas são típicas de um determinado referencial teórico distinto do estudado nesta formação no grupo
temático 5.
55
Selecionando e classificando as informações
Em uma roda de conversa, apresentei às crianças a Cartilha do MEC sobre alimentos
saudáveis do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que citava os hábitos alimentares do Sítio,
seguindo as receitas de Dona Benta. Após a conversa, partimos para informações e
esclarecimentos dos alimentos saudáveis.
As crianças começaram a comentar como era a alimentação em casa e questionaram
se ela estaria adequada. Perceberam que, na escola, a merenda oferecida é saudável e
que eles poderiam fazer da mesma maneira em casa.
Fragmentos desse diálogo:
Criança: – Lá em casa a gente come muita carne e arroz.
Criança: – Eu não gosto de comer salada.
Nossas rodas de conversas passaram a acontecer sempre em frente ao painel,
quando fazíamos leituras, acrescentávamos e alterávamos as informações.

Roda de conversa e organização das


informações no mural.

As crianças de oito anos questionaram qual a caloria dos alimentos e quais vitaminas
têm as frutas e verduras. As de seis anos queriam saber qual a diferença entre verduras e
legumes. As de quatro anos queriam saber se hambúrguer e sorvete fazem mal à saúde.
Com a intenção de favorecer que uma criança aprendesse com a outra e promover
trocas, coletivizei as dúvidas dos maiores e conduzi o diálogo procurando responder-lhes
algumas questões.
Com os conhecimentos adquiridos em livros e nas discussões das rodas de
conversa, chegamos a algumas definições sobre os alimentos que, se comermos em
excesso, podem não fazer bem à saúde e quais poderiam ser comidos para termos uma
alimentação mais saudável.

Cada um tem um gosto: conhecendo as preferências


As crianças começaram a manifestar as preferências e resistências alimentares. Nem
sempre o saudável era do agrado de todos.
Aproveitando os conhecimentos prévios de algumas crianças sobre gráfico, propus-
lhes a construção de um para representar as preferências em relação às frutas, legumes
e verduras.
Cada criança escolhia uma figura da fruta de sua preferência e a colava no gráfico,
construindo, progressivamente, as colunas.
O mesmo aconteceu com os legumes e as verduras preferidas.
56

Montando o gráfico de legumes e


verduras.

Brincadeira: A viagem dos alimentos


Mais uma vez, enfatizando o cuidar, educar e brincar como referência estruturante
do trabalho, apresentei às crianças jogos e brincadeiras com a temática do nosso Projeto.
Inventei uma brincadeira de viagem imaginária. Em roda, fiz um barco de papel e
fichas com o nome das crianças. Definimos o destino: Rio de Janeiro. Em seguida, uma
criança escolhia um colega e pegava a ficha com o nome dele. O escolhido deveria falar
o nome de uma fruta ou verdura para ser levada com ele. Dessa maneira, seu nome era
colocado no barco e ele passava a participar da viagem até que todos estivessem a bordo.
Criança: – Adoro viajar nesse navio porque só têm alimentos saudáveis, já
que me preocupo muito com meu corpo e não quero ficar gorda igual à vovó.

Cada aluno escolheu um colega para


viajar e falar um alimento saudável que
levaria para viagem.
57
Montando uma pirâmide alimentar
Em outro momento, apresentei às crianças a pirâmide alimentar. Conversamos sobre
cada uma das suas partes: carboidratos, frutas e verduras, laticínios, carnes e gorduras e
também a indicação da quantidade adequada de alimentos que devemos ingerir.
Em seguida, os alunos desenharam esses alimentos e montamos uma pirâmide de
acordo com as novas informações.

Alunos montando a pirâmide com o desenho dos alimentos.

Experimentando novos sabores


Para aguçar o paladar das crianças, propus a elas uma receita usando abacaxi.
As crianças foram à cantina para preparar o suco da polpa da fruta. E, no dia seguinte,
reaproveitando a casca do abacaxi, fizemos o brigadeiro de abacaxi. Enquanto
experimentavam a nossa produção, disseram:
Criança: – Como é gostoso o suco e não tem açúcar.
Criança: – Minha mãe faz brigadeiro com chocolate e não coloca abacaxi.

Revendo o percurso, divulgando as descobertas


Como uma forma de síntese do Projeto e
tratamento das informações exploradas, elaboramos
um jogo de trilha contendo perguntas sobre o tema
estudado. A cada rodada, o jogador era desafiado a
responder a uma questão e, somente assim, poderia
jogar o dado novamente e deslocar-se pela trilha.
Na finalização do trabalho, propus-lhes que
apresentassem o Projeto para as famílias. Para
isso, construímos um convite. No dia combinado,
cada uma explicou o que havia aprendido sobre
alimentação saudável. Depois, convidaram algumas
pessoas para participarem da trilha. As crianças
jogavam o dado e os participantes respondiam às Crianças brincando com o jogo de trilha
perguntas de acordo com o que foi apresentado por elaborado por elas.
elas. Ao final, servimos para a comunidade escolar o
suco e o brigadeiro de abacaxi.
58
Receitas trabalhadas
Suco com a polpa do abacaxi

Ingredientes:
1 abacaxi
1 litro de água filtrada

Modo de preparo:
Lavar bem o abacaxi e descascá-lo. Depois colocar a polpa
do abacaxi e a água no liquidificador e bater bem.
Sirva o suco em seguida.

Brigadeiro de casca de abacaxi

Ingredientes:
Casca de um abacaxi
1 lata de leite condensado
1 colher de manteiga

Modo de preparo:
Bater a casca e o leite condensado no liquidificador;
depois colocar a manteiga em uma panela e levar ao fogo até
o conteúdo se desgrudar da panela. Depois de esfriar, untar as
mãos com manteiga e enrolar o brigadeiro.

Características principais tornadas visíveis


• Na hora da merenda, uns começaram a cobrar dos outros hábitos saudáveis, ou
seja, observando no prato do colega se ele estava comendo verdura ou não.
• Nos horários de alimentação, as crianças passaram a questionar qual seria a
parte da pirâmide em que encaixaria o que eles estavam comendo.
• Ao retomar os objetivos do Projeto, uma das indagações era sobre a imagem
corporal. Percebi que as crianças conseguiram compreender que, para ter um
corpo saudável, depende dos alimentos que comemos.
• Neste Projeto, a participação e valorização do trabalho pelas famílias foi
fundamental. Assim, foi possível falar com os pais sobre o processo de ensino-
aprendizagem que acontece na escola e essa é uma maneira de dar visibilidade
às nossas práticas.
• Alguns pais elogiaram a iniciativa e pediram cópias das receitas para casa.
• O envolvimento e a participação das crianças foram pontos fortes deste
trabalho.
• Desenvolveu-se um processo contínuo de resolução de problemas, em que as
ideias das crianças eram escutadas e algumas colocadas em prática, além do
confronto de suas hipóteses e conhecimentos prévios. Tudo isso em ambiente
de respeito e consideração.
59

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Após várias análises desse relato e a progressão no processo de reflexões temáticas


que esta formação propôs, outras características foram identificadas ou mesmo vistas
como potentes, embora não estivessem relatadas de modo evidente:
• Desenvolveram-se atividades que possibilitaram, para alguns alunos,
aprofundamento de conhecimentos prévios; para outros, o contato inicial com
novas linguagens. Essas diferenças e trocas ajudaram as crianças na construção
de conhecimento, mesmo que ele não esteja descrito ou enumerado neste
registro.
• O painel serviu de registro coletivo, elaborado de modo conjunto. Nesse
contexto, a participação e a elaboração dos recursos interpretativos das crianças
poderiam ter sido estimuladas, acompanhadas e explicitadas.
• A exploração e representação das informações por meio de gráficos foi uma
forma de utilizar e valorizar a linguagem matemática e imagética. A sua presença
em diversos meios de comunicação (jornais, revistas, internet) poderia ter sido
explorada, favorecendo, assim, o contato e a ampliação de conhecimentos
pelas crianças, além de podermos interpretar as informações que registramos
com facilidade e rapidez.
• Evidenciou-se que o planejamento de um projeto não pode determinar, no
início, todo o percurso de investigação a ser seguido; que o passo seguinte,
vivido pelas crianças, está estreitamente relacionado ao anterior, e toda a
imprevisibilidade é inerente aos seus modos de pensar e agir.
A leitura deste Projeto nos permite acompanhar o esforço da professora em
diversificar as maneiras de abordar e tratar as informações diante de um grupo
multisseriado, com a exploração de textos escritos e imagéticos, textos informativos e
instrucionais, relatos de experiência e de hipóteses, construções de gráficos e de jogos,
realização de receitas e apresentação oral dos conhecimentos. Há, portanto, a criação
de contextos em que as crianças puderam, ao seu modo, explicitar suas ideias sobre
alimentos e saúde, suas aquisições e indagações.
Trata-se de um percurso educativo em que a criança teve vez e voz. Ela foi
considerada capaz de contribuir e interferir em sua aprendizagem, na dos colegas e da
professora. Além disso, foi valorizada em sua individualidade sem perder de vista a sua
integração no grupo.
As famílias foram envolvidas na medida em que as crianças trouxeram para a sala
relatos sobre o modo de vida, os hábitos e as culturas em torno do alimento. Elas também
participaram da apresentação do Projeto ao final do estudo, jogando, fazendo perguntas
e respondendo-lhes, degustando alimentos feitos especialmente para elas.
A grande lição que fica deste Projeto é que não somente as crianças foram
aprendizes, mas também a professora.
60

Tema 5
Avaliação e documentação pedagógica
Avaliação é um tema recorrente na formação de professores da Educação Básica,
mas vem ganhando mais relevância na Educação Infantil, especialmente com a sua
crescente oferta. Considerando que há diferentes concepções e modos de se realizá-la,
a novidade aqui é a documentação e o modo como esse conceito se inter-relaciona,
integra, complementa a avaliação.
Defendemos a ideia de implementar na escola uma avaliação que seja
verdadeiramente formativa, não somente para a criança, mas também para seus pais
e professoras. Sendo assim, o desafio é romper com a avaliação cujo propósito é dar
uma nota ou classificar uma criança. Diferentemente disso, propomos uma avaliação
que orienta as crianças para a realização de seus trabalhos e de suas aprendizagens,
ajudando-as a localizarem suas dificuldades e potencialidades, redirecionando-as em
seus percursos. Trata-se de uma avaliação que ajuda a criança a aprender e o professor
a ensinar. Para isso, observamos, registramos e analisamos os percursos educativos, a
fim de compreender o vivido e obter dados que direcionem os próximos passos para a
progressão do trabalho pedagógico e a trajetória da criança.
Com essa visão, chamamos esses registros de “documentação”, tal como indicado
por Edwards e Gandini (2002, p. 151):

A documentação constitui uma ferramenta indispensável para que os


educadores possam construir experiências positivas para as crianças,
facilitando o crescimento profissional e a comunicação entre os adultos.
A documentação serve para confirmar algo que nós consideramos
relevante: dar prova disso e comunicá-lo.
Nessa concepção de avaliação, não cabem professores que trabalham
isolados, que não partilham suas experiências, que não se sintam
pertencentes a uma comunidade educativa. Ao contrário, devem
descobrir formas de se comunicar e documentar as experiências
evolutivas das crianças na escola. Devem preparar um fluxo constante
de informação de boa qualidade dirigida aos pais, mas apreciada
por crianças e professores. (EDWARDS E GANDINI, 2002, p. 153, apud
MALAGUZZI, 1998, p.69-70).

Nesta formação, apresentamos algumas alternativas que utilizamos no trabalho da


Educação Infrantil da Escola Balão Vermelho para registrar as observações que fazemos do
percurso educativo das crianças nas dimensões individual e coletiva. Além das anotações
das professoras, também analisamos fotos e videogravações de situações preciosas que
revelam o vivido pelas crianças, objetos e falas que representam descobertas, jeitos de
pensar, de se desenvolver, os comportamentos, reações e preferências.
A ideia foi demostrarmos como tudo isso nos auxilia na interpretação e aproximação
dos significados que as crianças atribuem às suas ações e produções, bem como seus
processos de socialização e aprendizagem.
61
Para produzir a documentação na dimensão individual, que chamamos de
“Portifólio individual”, o ponto de partida é a imagem da criança como um sujeito capaz
de conhecer, gerar e articular conhecimentos socioculturais. Esse processo acontece em
um contexto interativo que valoriza as linguagens e expressões próprias da infância, que
promove laços de amizade entre seus pares e fortalece o vínculo afetivo com os adultos
da escola.
Mantendo sempre uma postura investigativa, aberta, criativa e afetiva, a professora
se empenha em produzir registros que revelem e possibilitem às crianças reconhecimento
de seus desafios e conquistas, e às famílias apresentar narrativas – imagéticas e escritas –
mostrando-lhes a importância desses momentos.
Além do Portifólio individual, apresentamos como potencial documentação
qualquer registro que contribua para a compreensão das experiências pedagógicas
e seus significados para crianças e adultos. Entre eles, mencionamos: murais das salas,
corredores, pátios da escola, materiais e objetos diversos, quadro da sala, circulares e
bilhetes, notícias das turmas, material discutido em reuniões de pais, produções da
professora.
Toda essa documentação serve para fundamentar os processos de desenvolvimento
das crianças e auxiliar os educadores na compreensão dos significados atribuídos por
elas às suas próprias produções, pois toda a organização do material é feita de modo
compartilhado. Assim, a criança lê a documentação que ela própria produziu e a que foi
produzida sobre seu trabalho pela interpretação da professora.
No tratamento dessa temática, nos encontros de formação, analisamos essa
variedade de documentos, discutindo, em especial, como podemos conduzi-lo das
margens para a centralidade do processo educativo, tornando-o potente instrumento de
formação e comunicação.
As professoras cursistas trouxeram fotos e relatos de suas práticas, que foram
analisados e trabalhados na dimensão aqui proposta. Em pequenos grupos e
coletivamente, imagens e memórias foram tomando forma, revelando ao grupo o que
antes estava circunscrito a uma classe ou apenas a um profissional.
Ao longo deste Projeto, percebeu-se a sensibilização e o encorajamento de
profissionais que, aos poucos, traziam seus registros para socializar, fragmentos de vida
em forma de textos, que eram apresentados ora com orgulho, ora com certa timidez. Mas
sempre com a coragem e ousadia de tentar se reinventar e fazer diferente.
É isso que pretendemos e defendemos quando trazemos para esta formação
a proposta de documentação. Afinal, valorizamos, e muito, a história de cada criança
integrada à história do grupo de pares, que também é mediada por nós – professoras,
auxiliares, coordenadoras e diretoras. É também uma maneira de valorizar o trabalho
pedagógico, a autoria e autonomia das professoras, sua dimensão subjetiva, pessoal e
profissional.
Nos encontros dessa temática e ao longo do processo de registros propostos,
ficou evidente o quanto as professoras em formação se mobilizaram com essa ousada
prática de documentar episódios e detalhes do cotidiano escolar. O que inicialmente foi
nomeado por elas como um grande incômodo e impossibilidade, após muitas reflexões
e interlocuções com outras temáticas, fotografar, anotar e filmar passou a fazer parte das
intenções das professoras.
Vale ressaltar aqui o quanto as professoras em formação se mobilizaram e inquietaram
com essa concepção e sistemática de trabalho – prestar atenção, documentar, descrever
e analisar detalhes do cotidiano escolar.
62
Apresentamos a seguir dois registros de práticas. O primeiro aborda um percurso
didático que a professora Vânia Barbosa Carvalho, de Barão de Cocais, se propôs a
conduzir, pela segunda vez, para nele vivenciar a documentação.
Mais que problematizar a questão de reviver uma experiência, o que acolhemos é o
investimento da professora em documentar sua escuta, em capturar imagens, em analisar
e planejar sua prática a partir dessas ações.
O segundo, elaborado por Eduarda Diniz Mayrink e Elaine Neide Silva Paulo, de Rio
Piracicaba, revela o movimento de crítica da prática de registro realizada até o momento
da formação e o desafio de experimentar alternativas, bem como a análise da repercussão
disso para as crianças, as famílias e para a própria formação.
63

Mini-história
O trabalho pedagógico
compartilhado: a força da parceria
Vânia Barbosa Carvalho44
Élida Soares Silva45

O contexto
Esta mini-história foi elaborada a partir de uma conversa entre a gestora Élida Soares
Silva e a professora Vânia, da Escola Municipal Trenzinho da Alegria, também conhecida
por Núcleo Infantil Recanto Feliz. Essa escola fica localizada no município de Barão de
Cocais e as crianças que a frequentam estão na faixa etária de três a doze anos.
Em uma conversa com a gestora Élida, Vânia relata um momento em 2004, como
professora de crianças de três anos, em que compartilhou com uma colega as propostas
pedagógicas que ela desenvolveria em seu trabalho. Sua colega, na ocasião, escutava,
criticava, sugeria, colocando-se como parceira nesse planejamento.
Vânia acolhia as contribuições e repensava suas ações. Embora procurasse assumir
uma atitude reflexiva, sua escuta com as crianças - para ajustar cada vez mais as atividades
às vivências junto delas - não era seguida de registros escritos e fotográficos. A professora
enfatiza que ela e as crianças aprenderam muito e que foi uma ótima experiência. Salienta
ter saudade dessa época quando, ao planejarem as aulas, consideravam as expressões e
manifestações da criança. Mas, com a ausência de documentação, muito do que foi vivido
se perdeu na memória. Hoje, diz que aprendeu nesta formação que esse “olhar” sobre a
prática e os processos da infância devem ser repensados todos os dias e registrados no
cotidiano escolar.
Vânia relata que, no Maternal III, as crianças estão dispostas a muitas descobertas,
além da aquisição e ampliação da linguagem oral. Sendo assim, ela procurou considerar
outras linguagens, como as visuais, teatrais e musicais.
Diante do desafio do registro dessa experiência, Vânia percebe a importância de
um olhar sensível e escuta atenta das crianças e a falta do registro mais significativo de
ações praticadas e vivenciadas. Esses registros possibilitariam representar e identificar
os percursos educativos das crianças no cotidiano escolar. Contribuiriam ainda para
intervenções e aprimoramento das aulas, valorizariam o potencial dos alunos na
construção dos saberes nas diversas atividades propostas. Mesmo com poucos dados
específicos, a professora construiu um portfólio de desenvolvimento individual do aluno,
que foi apresentado aos pais em reuniões pedagógicas.
Entretanto, ao longo dessa entrevista e com a proposta de escrita de uma
mini-história, deparamo-nos com indagações feitas tanto pelas parceiras nesta produção,
quanto por nós, em função das novas discussões estabelecidas nesta formação.
Diante disso, decidimos realizar novamente intervenções antes feitas na primeira
experiência, a fim de apurarmos nossa escuta, experimentarmos diferentes registros

44. Formada pela UNIPAC em Normal Superior e Pós-Graduada em Educação Infantil pela FINOM, a Professora Vânia
Barbosa Carvalho completou uma década lecionando na rede municipal de educação de Barão de Cocais, na Escola
Municipal “Trenzinho da Alegria”, onde atua há sete anos na Educação Infantil.
45. Formada em Pedagogia e Normal Superior pela UniPac, atua na coordenação da Núcleo Infantil Recanto Feliz.
64
e coletar dados que pudessem enriquecer esse novo relato e especialmente a nossa
formação. Embora com a mesma professora (Vânia), as crianças dessa segunda experiência
são mais velhas, têm cinco anos e estão no 2º período.
Compreendemos as limitações e complexidade da nossa escolha, mas, naquele
momento, a intenção era experimentar na prática os pressupostos teórico-metodológicos
apresentados e discutidos na formação do grupo temático 2: Avaliação e documentação
pedagógica e pedagogia da escuta.
Aqui, além da riqueza da experiência pedagógica, pode-se verificar a postura
e disposição da professora para as mudanças que esta formação de profissionais da
Educação Infantil pretendeu, especialmente, no que diz respeito à documentação e
avaliação.
Sabe-se que os registros representam uma escolha entre muitas outras. Ao realizar
a documentação que segue, Vânia demonstra envolvimento com sua prática e com seu
percurso de amadurecimento profissional, e, ao mesmo tempo, um olhar diferenciado e
cuidadoso para as crianças: seus avanços e desafios.

Do improviso à intenção: um caminho de parceria e


reflexão que deu certo
A necessidade de reformar a nossa escola em 2004 nos trouxe uma situação de
improviso ao juntarmos duas turmas de Educação Infantil. O espaço físico da sala
do maternal era pequeno para cerca de trinta crianças na faixa etária de três anos.
Inicialmente, foi um grande desafio. Até então, não tínhamos vivido essa experiência com
tantos alunos e duas professoras na mesma sala.
A docência compartilhada com a professora Vilma,46 uma colega de trabalho,
nos deu oportunidade de explorar, orientar, escutar e avaliar no dia a dia o percurso
pedagógico, tanto meu quanto das crianças. Essa parceria favoreceu algumas discussões
proveitosas.
A troca de experiência deu muito certo. Enquanto contávamos uma para a outra
sobre o que pensávamos e proporíamos, tínhamos a necessidade de esclarecer e
justificar as escolhas, os passos seguintes, o modo como direcionaríamos as atividades e
organizaríamos as crianças nesse novo ambiente.
Dessa forma, conquistamos um pouco mais de autonomia nas decisões e na
organização do espaço físico. De uma situação inesperada, provocada pela reforma
da escola, descobrimos que a intenção da professora é um diferencial no trabalho
pedagógico.
Com o término da reforma, quase ao final do ano, voltamos às salas de origem. As
crianças choravam, pois não queriam se separar. Continuaram trocando ideias e visitando
os colegas. Logo descobriram que, para haver trocas, não é necessário estar no mesmo
espaço físico todo o tempo.
No ano seguinte (2005), eu recebi as duas turmas unidas. Algumas crianças foram
para outra escola, outras chegaram. Pude observar as diferenças entre aquelas que
haviam vivenciado essa experiência compartilhada com outra professora e as novatas.
As crianças contavam as histórias vividas aos colegas recém-chegados. Nossas visitas ao
pomar eram diárias e, com um regador pequeno, jogávamos água nas plantas. Alguns
pais se envolveram na revitalização do jardim, enviando mudas de outras espécies.
Em 2014, propus novamente parte dessa experiência para crianças de cinco anos,
do 2º período. Dessa vez com mais intenção e menos improviso. Para recriar um contexto

46. Vilma Teixeira da Conceição é formada pela UFOP e atua na Rede Municipal há 18 anos na Educação Infantil e no
Ensino Fundamental.
65
de aprendizagem, trouxe para sala acerolas, com a intenção de desencadear uma
conversa sobre germinação das plantas relacionada aos cinco sentidos, destacando cores
e sabores.
Mediante a curiosidade das crianças nas rodas de conversa, quando me perguntavam
se eu tinha dado aula para os seus irmãos ou primos e querendo saber o que faziam e
como a escola era antes de eles chegarem, contei-lhes sobre o Projeto.
Consciente de que essa oportunidade poderia
gerar momentos para aprendizagem, resgatei essa
história com o intuito de trabalhar temas propostos
no Planejamento Anual do 2° período. O que deu
certo no passado poderia ser resgatado, porém, com
aprimoramento de registros fotográficos, filmagens,
textos, bem como atenção às especificidades do novo
grupo de crianças.

Professora: – Eu trouxe algumas sugestões para


podermos aprender um pouco sobre as plantas. O que
vocês acham?
Lucas: – Todos os dias, pego acerola na casa
do vizinho Juarez.
Sophia: – Eu quero conhecer outras plantas
da escola.
Milenia: – Eu queria plantar.
Pedro Lucas: – Vou pedir planta pra minha
avó.
Professora: – Vocês sabem como uma planta se
desenvolve?
Lucas: – Com uma semente e terra.
Professora: – Vocês sabem como nasce uma
planta?
Lorrane: – Da semente da laranja.
Alunos do 2° período, crianças de
Daniel: – A laranja tem vitamina C, não é cinco anos, com a professora Vânia,
verdade, professora? aprendendo a poesia: A sementinha, do
Sophia: – Com ajuda do sol e da água. autor João Ccarlos de Mello Souza.
Professora: – De onde vêm as sementes e os
frutos?
Pedro Lucas: – Da outra árvore.
Professora: – O que uma planta necessita para
crescer e viver?
Sophia: – Água.
Lucas: – Sol.
Professora: – Depois desse passeio, o que vocês
observaram ao redor da escola?
Milenia: – Árvores.
Pedro Lucas: – Passarinhos.
Professoras Vânia e Vilma visitando o
Professora: – Eu trouxe algumas sementes que pomar com os alunos.
podemos plantar e cuidar.
66
Dias depois, plantamos mudas e
sementes dessa fruta no pomar da escola.
Desde então, cuidar da terra e regar as
mudas passaram a fazer parte da nossa
rotina.
Porém, quando já estavam
crescidas, depois de uma chuva de
granizo, restou apenas uma que estava
em um vaso, protegido por um telhado
Crianças cuidando das mudas e
e que, posteriormente, foi replantada na
sementes plantadas.
revitalização do jardim.
O tema foi explorado sob diferentes possibilidades. Algumas delas registradas em
cartaz. Nas conversas entre as crianças, pude escutar suas ideias sobre as características
dessa fruta, seus benefícios para a saúde concentrados na polpa:

Dilan: – A laranja é grande e a


acerola é pequena.
Enzo e Kaique: – O suco de acerola
ajuda para não tossir, passar mal e
ficar com febre.
Enzo: –A cor da acerola é
vermelha, parecida com a amora.
Kaique: – Também é igual à maçã.
Enzo: – Ela é gordinha e tem muita
vitamina.
Dilan: – É tipo goiaba. É mesmo,
por dentro é vermelha.
Em sala, enquanto as crianças bebiam
o suco que ajudaram a preparar, uma delas
observou:
Kaique: – O gosto do suco de Registro das crianças em cartaz.
acerola é igual ao gosto do suco de
laranja, o caldo é igual.

Crianças bebendo o suco de acerola que


ajudaram a fazer com a professora.
67
Levei as crianças para plantar as sementes, observar os jardins, ver bichos, sentir o
vento. Esse contexto favoreceu discussões sobre o uso da água e o cultivo de uma planta
frutífera.
Além da muda plantada no pomar, observaram uma antiga árvore de acerola. Em
seguida, foi proposto às crianças desenhá-la.

Crianças desenhando o pé de acerola.

Os desenhos foram expostos no mural da escola para que outras turmas apreciassem
os trabalhos.
Enquanto realizavam suas representações, comentavam umas com as outras:
Nathiely: – Eu fiz o galho, ele é de pau e fiz muitas acerolas vermelhas.
Milenia: – Eu fiz a acerola vermelha porque ela tá boa, ela tá doce.

41
Essas perguntas são típicas de um determinado referencial teórico distinto do estudado nesta formação no grupo temático 5.
68

Desenhos dos alunos expostos no mural.

Ao longo das semanas seguintes, as crianças brincaram de trilha dos sabores,


fizeram uma adaptação da música “Une-duni-te salamé minguê”, acrescentando quem
come acerola é você. Escutaram e declamaram a poesia “Folhinha verde”, da autora
Marieta Leite, além de fazerem pinturas de frutas e plantações.
Durante dois meses, acompanhamos as transformações da muda de acerola
plantada no pomar:
Enzo: – A flor nasce, a acerola sai e fica verde, depois ela vai ficando
vermelha... vermelha...
A muda cresceu. Das raízes nasceu o tronco, flores e frutos. Continua no jardim da
escola como a representação desse trabalho das crianças e das professoras que, juntas,
sensibilizaram a escuta, o olhar para seus alunos e suas inúmeras possibilidades.
Continuo com a vontade e o interesse de compartilhar esse trabalho com pessoas
dispostas a recebê-lo, que prezam a educação e o respeito ao próximo.
69

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Neste trabalho, ressaltamos a disponibilidade, o empenho e o investimento da


professora Vânia em resgatar uma experiência que já havia sido vivenciada no passado,
sem os registros propostos nesta formação, para novamente fazê-los, só que agora
experimentando a grande contribuição da escuta e desses registros, trazendo-lhe novas
aprendizagens para a sua prática em sala de aula.
Como contribuição ao enriquecimento do Projeto, à medida que as versões
da mini-história nos chegavam, devolvíamos o trabalho à professora com algumas
indagações: O que as crianças disseram sobre isso? Por que propôs essa situação? Baseada
em que leitura do grupo você escolheu tal intervenção? Qual foi a reação das crianças
diante disso ou daquilo?
Ao longo da revisão desta documentação e na interlocução com a professora, à luz
da teoria abordada, foram identificados e analisados diferentes aspectos relacionados à
linguagem escrita. Alguns tornados visíveis intencionalmente pela professora; outros que
poderiam ser mais explorados, se potencializada a sua prática. Esse é um dos objetivos
desta formação.
Portanto, no trabalho da escuta, do registro e da reflexão, faz-necessário não apenas
em fotos e frases sobrepostas ditas pelas crianças, mas, fundamentalmente, relacioná-las,
conectá-las, situá-las ao contexto em que emergiu, problematizá-la, significá-la, descrevê-
las de tal modo a fazê-las “falar” sobre o vivido para além dos fatos imediatamente
percebidos. Atribuir significado, reconhecer sua potência não somente para a professora,
mas também para os pais e, principalmente, para as crianças.
Essa mini-história representa um primeiro salto para uma experiência que encoraja
novos olhares e investimentos em documentação que, aos poucos, vão se desenvolvendo,
se fortalecendo e se impondo como rica ferramenta de trabalho e formação docente.
70

Relato de projeto
O que o professor aprende quando
documenta o cotidiano com as crianças
Eduarda Diniz Mayrink47
Elaine Neide Silva Paulo48

O contexto
A escola Municipal Murillo Garcia Moreira atende crianças de Educação Infantil de
quatro a cinco anos, que possuem uma rotina planejada de acordo com um currículo
definido pela escola, a partir de estudos realizados com o grupo de professores que
atuam nessas turmas.
A situação educativa aqui relatada foi realizada no primeiro semestre de 2015. Tem
como principais autoras a coordenadora pedagógica Eduarda Diniz Mayrink e a professora
das crianças de cinco anos, Elaine Neide Silva Paulo, de Rio Piracicaba.
A prática de sala de aula e as aprendizagens cotidianas, como planejamento e
reflexão, já eram registradas pelas crianças em um caderno de atividades, cujo principal
objetivo era ser um meio de comunicação entre criança, escola e família.
A partir desta formação para Educação Infantil, ampliamos o conceito e o
entendimento da documentação pedagógica com um enfoque reflexivo e com a
intenção de dar maior visibilidade aos costumes e interesses das crianças e das mediações
realizadas pela professora. Desde então, modificamos a maneira de registrar os processos
vividos pelas crianças, suas experiências e as estratégias utilizadas no processo de
aprendizagem.
Hoje, o nosso modo de registrar ampliou muito. Utilizamos vídeos, fotos, produções
dos alunos, falas das crianças, registro das interações entre elas. A nossa comunicação
com a família também foi aprimorada. Tornar visível o processo de aprendizagem e as
estratégias de cada criança possibilitou a leitura, a revisão e avaliação do tempo e espaço
da sala de aula como parte integrante do cotidiano. O caderno do aluno ainda é utilizado,
mas outras formas de documentar ganham espaço. Passamos a anotar o que falam as
crianças, registrar, gravar, fotografar como forma de representar fragmentos de uma
memória que, aos poucos, torna-se objetiva no cotidiano das atividades realizadas dentro
e fora da sala.
Muitas vezes, para que as crianças tenham aprendizagens significativas,49 precisamos
planejar a forma de avaliar e documentar as experiências realizadas. Como exemplo da
documentação que estamos realizando atualmente, registramos uma pesquisa realizada
na classe das crianças de cinco anos.
Dentro da rotina da classe, realizamos projetos em sala de aula. Planejamos várias
atividades e formas de documentar a partir das pesquisas, leituras, discussões em

47. Licenciada em Pedagogia pelo IES/FUNECE João Monlevade. Especialista em Psicopedagogia Institucional pela
Universidade Castelo Branco, RJ.
48. Professora da classe de Educação Infantil de cinco anos, formada em Magistério de 1º grau – 1º ao 5º ano, na Escola
Estadual Antônio Fernandes Pinto, em Rio Piracicaba.
49. Para saber mais, consulte: COLL (1994).
71
sala, visitas à biblioteca da escola realizadas pelos alunos. O interesse e o estudo pela
metamorfose das lagartas foram um episódio que mereceu destaque.

A metamorfose das lagartas


Semanalmente, vamos à biblioteca da escola onde os alunos têm a oportunidade
de escolher livros para folhearem. O interesse pelas borboletas iniciou durante uma
dessas visitas.
No acompanhamento das aprendizagens, registrei falas, observações e comentários
das crianças durante as pesquisas. As reflexões, após as atividades e os relatos dos pais,
eram enviadas para casa em formato de “notícias”.

Crianças na biblioteca pesquisando


sobre a metamorfose da lagarta.

Crianças na biblioteca pesquisando sobre a metamorfose da lagarta.


Estávamos desenvolvendo na classe o Projeto “Pequena enciclopédia de
curiosidades dos animais”. Na biblioteca, os alunos buscavam informações sobre animais
e suas características. Durante a pesquisa, uma das crianças trouxe uma imagem da
metamorfose da lagarta e muito curiosa perguntou:
Maria Fernanda: – Professora como é que a lagarta vira borboleta?
Ao escutar o diálogo, outras crianças se aproximaram e mostraram curiosidades
sobre o assunto.
Luis Davi: – Eu também quero saber!
Professora: – Que tal a gente pesquisar sobre isso?
Fizemos uma lista de animais que poderíamos pesquisar e a decisão de começar
pela borboleta foi unânime.
Inicialmente, conversamos com as crianças em relação às informações:
Professora: – O que sabemos sobre as borboletas?
Maria Fernanda: – Ela tira néctar da flor.
Professora: – E como você descobriu que ela tira néctar da flor?
Maria Fernanda: – Eu vi na televisão.
Vitor Hugo: – A borboleta tem língua comprida. Eu vi no desenho!
Professora: – Por que a língua dela é comprida? Você sabe me dizer?
Vitor Hugo: – Para puxar o néctar da flor.
Luís Davi: – A lagarta vira borboleta.
Professora: – Antes de virar borboleta, o que ela é?
Luis Davi: – Ela é uma larva.
Professora: – Alguém aqui sabe o que é uma larva?
Alunos: – Não!
72
Luis Davi: – Será que é da terra?
Professora: – Agora o que vocês querem saber sobre a borboleta?
Pedro: – O que as borboletas comem?
Mariana: – Quais as cores? Como a lagarta vira a borboleta? Ela tem
que ter a mesma cor que a borboleta? Quanto tempo vive a lagarta e a
borboleta?
Vitor Gabriel: – E quanto tempo a lagarta leva para virar borboleta?

Uma das primeiras ações foi selecionar textos e informações que chegavam até as
crianças por meio de pesquisas e leituras realizadas por mim.
Após alguns dias, no início da aula e durante uma reunião de pais que aconteceu
durante a realização do projeto, recebemos relatos das famílias de como a experiência
estava chegando a casa.
Assistimos a vídeos com imagens e explicações da metamorfose. Organizei materiais
na sala de aula para que as crianças pudessem acompanhar a transformação da lagarta
em borboleta e, dessa maneira, compreender melhor todo o processo.
Em sala, tiveram a chance de acompanhar, em tempo real, lagartas se transformarem
em borboletas. Para tanto, contamos com a colaboração das famílias nas fases iniciais de
estruturação do projeto.
Fase 1 - Pedimos aos pais para enviarem lagartas para a escola.
Fase 2 - Colocamos as lagartas em uma caixa de vidro cheia de folhas e galhos para
sua alimentação. As crianças observaram as lagartas por aproximadamente um mês.

Crianças observando as lagartas dentro


da caixa de vidro.
73
Fase 3 - As lagartas cresceram, penduraram-se em um dos galhos disposto no
interior do vidro e começaram a fazer os casulos.

Lagartas começando a fazer casulos.

Fase 4 – Depois de aproximadamente 10 dias, os casulos se transformaram em


borboletas. As crianças presenciaram um dos fantásticos processos de transformação na
natureza. Todas as lagartas colocadas na caixa se transformaram em borboletas.

Lagartas transformadas em
borboletas dentro da caixa de vidro.

Fase 5 – As crianças soltaram as borboletas no jardim da escola.

Crianças soltando as borboletas no


jardim da escola.
74
Para finalizar nosso trabalho, registramos todo esse processo no formato textual de
uma notícia.
A produção das informações foi realizada com as crianças e elas deram sugestões
sobre o que queriam colocar, considerando o que foi mais importante no estudo sobre a
metamorfose da lagarta. Registrei no quadro as sugestões e depois organizei a notícia.50
Antes de ela ser enviada para os pais, apresentei-a para as crianças e, juntos, revisamos o
texto e fizemos as modificações necessárias. Depois de pronta, a notícia foi enviada aos
familiares com as etapas do trabalho e as aprendizagens adquiridas pelas crianças.

Registro da experiência em
formato de notícias.

Características principais tornadas visíveis


Distanciando do que foi realizado, percebemos que poderíamos conduzir e envolver
ainda mais as crianças no processo de documentar a prática. Vale ressaltar que, após o
período de formação, já identificamos novas possibilidades de registros para melhor
documentar as ações cotidianas da sala de aula.
Cada vez mais, estamos aperfeiçoando a nossa prática em relação à documentação
pedagógica e destacamos:
Para o professor:
• Comunicação mais próxima com as famílias.
• As crianças se reconhecendo no processo de aprendizagem.
• Ganho da professora em relação à escrita.

50. Este é um dos formatos de documentação apresentado e trabalhado nesta formação. Ressalta-se a disponibilidade e
investimento da professora em experimentar e compartilhar sua produção e seu processo de formação.
75
• O material que se produz e as formas de registros servem de apoio à memória
para consultas futuras e também como instrumentos de reflexão.
• Reconhecimento pela professora de que a documentação pedagógica organiza
o trabalho.
• Maior visibilidade do trabalho realizado em sala e da relação com as famílias.
• Possibilidade de escutar e de rever os acontecimentos em que as crianças foram
protagonistas.
• Escutar mais as crianças e se aproximar delas, tornando visíveis suas
aprendizagens e necessidades.
Para as crianças:
• Maior envolvimento e participação das crianças ao fazer registros.
• Maior comprometimento com as experiências realizadas, tornando-se mais
responsáveis por si e pela turma.
• Ter o professor como seu ouvinte.
76

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Os caminhos para se documentar a prática são vários. Nessa formação, privilegiamos


a observação/escuta, o registro e a reflexão em diferentes instâncias. Entendemos
que, quanto mais sujeitos forem envolvidos na reflexão das práticas, mais sentidos elas
ganham e, assim, maior é a regulação entre os processos de ensino e aprendizagem, pois
o registro sistemático revela as realizações infantis.
Na documentação e avaliação processual apresentada anteriormente pelo
município de Barão de Cocais e nesse relato de Rio Piracicaba, identificamos as vantagens
pedagógicas da construção coletiva e avaliação dos projetos desenvolvidos. O desafio
está em tecer uma participação polifônica, destacando as vozes da criança, das famílias
e da comunidade. Para tanto, a proposta pedagógica é aquela que valoriza a criança real
que chega à escola.
A ideia de buscar outros instrumentos que alimentem o processo formativo e
avaliativo, que revelem essa criança “de verdade”, propõe o uso de diferentes ferramentas
que possam favorecer a documentação pedagógica que não se resume à narrativa da
professora. Nesse relato, observamos o empenho das educadoras em conjugar a narrativa
da professora, à fala das crianças, suas produções e imagens que foram geradas.
O destaque está no uso de imagens como fonte documental. E, para isso, levar
uma máquina fotográfica para a sala de aula não é o suficiente. O primeiro passo é que
as crianças têm que se sentir confortáveis diante do equipamento de tal forma que o
banalizem, a ponto de não se preocuparem mais com ele, de não precisar fazer poses
diante da lente.
O cuidado inicial é o de informar às crianças que serão fotografadas não em poses
pré-concebidas, mas na espontaneidade de suas ações. Faz-se necessário, portanto, pedir-
lhes permissão e também aos seus responsáveis. Algumas escolas já estão inserindo,
na documentação de matrícula para o ingresso da criança na escola, o termo de livre
consentimento de uso da imagem, desde que para situações educativas e de pesquisa
científica.
A partir daí, é preciso que a professora tenha um roteiro do que quer fotografar,
qual instante não pode deixar escapar, pois não é tudo que deve ser fotografado e sim
uma seleção preciosa do processo educativo. Recomendamos-lhe que o exercício de
planificar o que se quer fotografar ou filmar deva ser constante, para que se aprimore a
técnica de captar as imagens. Essa intencionalidade do registro imagético de situações
inesperadas ou realizadas favorecerá uma possível apropriação da realidade em outro
momento, quando as imagens são vistas e analisadas pelas crianças.
Essa condição é fonte de elaboração de conhecimentos e subjetividades, pois as
crianças ali se reconhecem. Há a possibilidade de as próprias crianças desenvolverem a
sensibilidade e responsabilidade do registro. Isto é, também ter a máquina fotográfica nas
mãos, para compartilhar o seu olhar de uma determinada realidade.
Por outro lado, caso alguma criança não se identifique com aquela realidade,
vale recuperar com ela o acontecido e retomar as informações. Por meio do que se
tem documentado, levantar a memória do vivido e, então, ressignificar a presença da
criança naquele processo coletivo, na medida em que, crianças e adultos, contemplam e
refletem juntos as imagens de suas experiências. Refletir a partir de uma documentação
pedagógica é fundamental para todo professor que deseja se aprofundar nos propósitos
de seu ensino.
77

Tema 6
Ambiente educativo
Iniciamos a abordagem desta temática conceituando os termos espaço e ambiente:

O termo espaço refere-se aos locais onde as atividades são realizadas


e caracterizam-se por conter objetos, móveis, materiais didáticos e
decorativos. O termo ambiente diz respeito ao conjunto desse espaço
físico e as relações que se estabelecem nele, as quais envolvem os afetos
e as relações interpessoais das pessoas envolvidas no processo – adultos
e crianças. Assim sendo, na perspectiva do espaço, temos as coisas
postas em termos mais objetivos; na perspectiva do ambiente, mais
subjetivas. (HADDAD e HORN, 2011, p.45. Vol. 1).

Para dar mais visibilidade ao que estávamos propondo bem como conduzir
o olhar das professoras sobre o ambiente educativo em que atuam junto às crianças,
problematizamos este tema a partir das seguintes questões:

1. Como são as atividades desenvolvidas pelas crianças?


2. Onde se encontram os materiais de uso das crianças?
3. A maior parte do tempo das crianças é dedicado a qual(is) atividade(s)?
4. Como o espaço é decorado?
5. A organização do espaço contribui para ou limita o desenvolvimento da
autonomia? Por quê?
6. Como o espaço contribui para o acesso à cultura? Por quê?
7. Nesse espaço, as crianças são estimuladas a desenvolverem a imaginação, a
solidariedade, a coordenação, a troca de experiências?
8. O espaço estimula o desenho livre, as brincadeiras e o faz de conta?
9. Quais objetos da cultura estão acessíveis na sala?
Após relatos e trocas de experiências, justificamos o porquê da escolha dessa
temática. O fato é que atribuímos grande valor educativo ao ambiente, devendo
ser a escola um espaço que promove múltiplos olhares, interações, explorações e
aprendizagens. Nesse contexto, há a necessidade de se escutar a criança para saber como
ela vive e interpreta o espaço da escola, bem como garantir o seu direito a um espaço
acolhedor, alegre e estimulante.
Assim, o espaço da escola não só comporta toda essa movimentação da criança
como também se caracteriza como conteúdo educacional, contendo mensagens e
estímulos próprios que interferem diretamente no modo como a criança o ocupa e o
significa.
Outro aspecto do ambiente educativo destacado nessa formação foi a relevância
da construção da identidade e memória local. Para que as crianças possam admirar
e explorar os lugares, é necessário que se dê vida a eles por meio da participação de
diferentes pessoas, como funcionários, pais, crianças e especialistas. Além do trabalho e
das interferências pessoais no ambiente, também a memória – vivências de diferentes
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gerações e atribuição de significado a elas – pode construir a identidade local, mediante
relatos do passado, imagens, produções, por exemplo.
O alcance das transformações provocadas pelas discussões temáticas e da
compreensão do que vem a ser um ambiente educativo, ficou elucidado pela
ressignificação do espaço até então ocupado pela Creche Dona Rita e pela Escola
Bernardo Ferreira Guimarães, de Rio Piracicaba.
As problematizações, levantadas por toda a equipe, considerando desde o sono
das crianças e a queixa de repetição de atividades até a valorização da cultura local
Quilombola como conteúdo de aprendizagem, confirmam o empenho e a dedicação de
todos os envolvidos nesta formação.
Raquel Machado Martins de Barros, as professoras e gestoras da creche Dona Rita e
da Escola Bernardo Ferreira Guimarães, com muita acuidade e sensibilidade, produziram
a descrição a seguir, considerando os sujeitos envolvidos – crianças e adultos – e suas
ações na busca pela transformação e ocupação dos ambientes escolares, focalizando
uma creche e uma escola. Com riqueza, ela conduz o leitor na compreensão de como
era e como ficaram esses espaços na perspectiva educativa, após a participação nesta
formação.
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Mini-história
Redescoberta de espaços e ambientes
educativos
Raquel Machado Martins de Barros51

Das diferentes reflexões feitas sobre ambiente educativo, neste texto um grupo de
gestoras enfatiza as mudanças ocorridas na rotina e no olhar das professoras sobre as
crianças a partir da formação oferecida pela parceria entre Fundação Vale, COBAP e SME.

O contexto
As instituições escolares Creche Dona Rita e Escola Municipal Bernardo Ferreira
Guimarães são vizinhas e estão situadas na Praça José Júlio de Souza, no distrito Padre
Pinto e pertencem à rede de ensino da Secretaria Municipal de Educação de Rio
Piracicaba, Minas Gerais. O distrito é reconhecido pela Fundação Cultural Palmares como
comunidade Quilombola, com forte influência cultural étnico-racial.
Na Creche Dona Rita, são atendidas crianças de seis meses a seis anos que, a partir
dos quatro anos, quando ingressam na Educação Infantil, passam a frequentar a Escola
Municipal Bernardo. Assim, pela manhã, as crianças estão na creche e, à tarde, são levadas
para a escola.
Essas instituições escolares buscam trabalhar em conjunto, valorizando o cuidado
e a aprendizagem das crianças desde os primeiros anos de vida, considerando seus
conhecimentos prévios.
As professoras, da creche e da escola, em uma produção conjunta com as gestoras,
diretora e secretária52 de divisão pedagógica, refletiram sobre o processo de transformação
de profissionais e espaços em ambientes educativos na produção de conhecimento.

Uma criança quer mais do que espaço físico: Como era e o


que transformou o nosso olhar em um olhar atento
Os dirigentes das duas instituições, atentos ao perfil socioeconômico das famílias e
às necessidades das crianças, buscaram realizar um trabalho educacional que contribuísse
para melhor qualidade de vida e da alfabetização dos alunos.
Importante esclarecer que, além da creche e da escola, as crianças são de uma
comunidade com um cotidiano mais rural do que urbano, que oferece oportunidades
diferenciadas. Nesse sentido, é preciso pensar nas múltiplas atividades e ações que
podem ser valorizadas e tornadas visíveis em ambientes educativos que proporcionem

51. Chefe da Divisão Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, graduada em Enfermagem pela UFMG e
Direito pelo IES/FUNCEC de João Monlevade; Especialista em Gestão Regional da Saúde pela Faculdade Senac/MG e
Planejamento Financeiro e Orçamentário do SUS Municipal pela PUC/MG. Especialista em Direito Processual pelo IES/
FUNCEC.
52. Creche Dona Rita - Gestora: Andréa Silva- Graduada em Pedagogia pela FUNCEC, Pós-graduada em Educação –
Pitágoras, Especialista em Psicopedagogia pela FUMEC. Professora: Suelen Cerqueira Barros- Graduada em Pedagogia.
Escola Municipal Bernardo Ferreira Guimarães - Diretora: Elizara Aparecida Mendes- Graduada em Pedagogia (UNINTER),
Pós-graduada em Gestão em Prática pelo Instituto Pró-Minas. Gestora: Marinersi Pessoa Cota Bueno Guimarães-
Graduada em Normal Superior pela FUNCEC, Pós-graduada em gestão escolar UFOP. Professora: Simone Catarina
Pereira- cursando Pedagogia a distância – UFOP.
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às crianças conhecimento, cultura, lazer e prazer, considerando o conhecimento prévio e
o meio em que vivem.
A mesma proposta educacional era referência tanto para a Creche quanto para a
Escola, mesmo sendo instituições distintas com diferentes objetivos. As práticas eram
semelhantes e focadas na decodificação do nosso sistema de escrita alfabética de maneira
restrita, além de priorizar atividades motoras, como colorir desenhos estereotipados para
um treinamento motor descontextualizado.

Modelo por decodificação alfabética Atividade em sala de aula na Escola


usado na Creche Dona Rita. Bernardo Ferreira Guimarães.

Na creche, oportunizava-se um pouco mais o brincar, porém, na escola Bernardo


Ferreira Guimarães, as crianças brincavam apenas dentro da sala de aula, mesmo tendo
outros locais a serem explorados e melhor aproveitados.
As ações pedagógicas na Educação Infantil eram adaptadas a partir do que é feito
nos anos iniciais do Ensino Fundamental I. Os projetos eram formatados em um padrão
único e aplicados em outras escolas do município, com atividades a partir de matrizes
pré-elaboradas. As características da cultura local, de musicalidade muito forte trazida
pelas crianças por meio da influência étnico-racial quilombola do congado, não eram
consideradas. Uma alegria contagiante, com muita vontade de aprender e investigar o
mundo à sua volta, era pouco explorada e reconhecida pelas professoras.
Em razão da atividade laboral rural de muitos pais que saem de madrugada, algumas
crianças acordam muito cedo. Sendo assim, são deixadas com cuidadores que as levam
para a creche, o que também contribuía para que as extensas e repetitivas atividades se
tornassem ainda mais cansativas.
Durante muito tempo, a atitude dos dirigentes e educadores foi disponibilizar
colchonetes para as crianças dormirem e ainda constatar a pouca evolução da
aprendizagem de algumas, justificadas pelo sono e cansaço.
No turno vespertino, as crianças se apresentavam desinteressadas, irritadas e diziam
para as professoras:
– Tia, já brinquei disso hoje.
– Tia, eu tô cansado de ouvir essa música.
– Tia, tô cansado de falar do Ivan Cruz.
Diante dessa situação e sensibilizadas pelas reflexões recém-empreendidas,
chegamos ao limite do incômodo. Mas, como rever e mudar essa rotina?
No ano de 2014, com a formação proporcionada pela parceria entre Fundação Vale,
COBAP e SME, a mudança de paradigma foi estimulada e as comunidades da Creche e da
Escola iniciaram algumas transformações para redimensionar o processo de alfabetização
e valorizar, na rotina, o brincar.
81
No ano de 2015, adequar-se às propostas didático-pedagógicas se tornou uma
necessidade e motivou os profissionais das duas entidades a repensarem a rotina.
Realizamos um encontro para apreciação, seguido de uma reflexão com professoras e
gestoras para análise do documentário Tarja Branca, que valoriza o brincar como parte
do processo educacional das crianças. Esse foi um momento de crucial importância nas
discussões e decisões que se seguiram.

Salas de aula na Creche Dona Depois da formação: Encontro com as professoras e


Rita. Antes da formação, participação das gestoras: reflexão sobre a prática
eram organizadas por séries. crianças na escolha escolar.
do nome da turma e
trabalho de arte.

Foi elaborado e registrado pelas professoras um cronograma de atividades para


as turmas que são atendidas nas duas instituições, iniciando às 7 horas na Creche e
terminando às 17 horas na Escola, com o objetivo de organizar o que acontece nos turnos
matutino e vespertino.
Importante mencionar que tal organização é sequenciada, evitando-se a repetição
daquilo que se faz nas duas entidades. Consideramos nessa organização os momentos de
brincadeiras, artes, músicas, escritas, experiências, banho, escovação de dentes, refeições,
leituras, atividades físicas e dança.
Na Creche Dona Rita, as crianças do berçário passaram a ter atividades ao ar livre
no parque, estimulando a ação e experimentação nas atividades cotidianas, como subir
escadas, fazer a higiene, tentar se alimentar sozinhas, entre outras. O auditório passou a
ser utilizado como sala de cinema para ambas as entidades.

Crianças superando Crianças aprendendo o Crianças construindo autonomia.


desafios. autocuidado.
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Na escola, as crianças passaram a utilizar a biblioteca como local de leitura e
investigação. O espaço da Fundação Caxambu, como ambiente cultural, promoveu
apresentações abertas ao público no pátio da Escola para valorizar as origens étnicas
raciais. O campo de futebol e as praças se tornaram salas ao ar livre, ou seja, espaço de
vivências e aprendizagens.

Crianças pintando Crianças pesquisando na biblioteca Apresentação do coral da Escola,


a amarelinha no sobre a vida no deserto. durante roda de conversa com o
pátio da escola. escritor Dagoberto José Fonseca.

Para valorizar as mudanças pensadas e implantadas, foi preciso envolver a


comunidade e, durante momento festivo do dia das mães, fizemos uma reunião de pais,
explicando-lhes os detalhes da nova rotina.

Recriar nossa escola: repensar o espaço, promover novos


ambientes
A formação em Educação Infantil, propiciada pela parceria público-privada entre
a Prefeitura Municipal de Rio Piracicaba e a Fundação Vale e conduzida pelo COBAP,
possibilitou aos professores e especialistas conhecer e discutir um novo paradigma, no
qual a criança é protagonista do processo de aprendizagem.
Pensar um ambiente propício às potencialidades da criança e favorável ao seu
desenvolvimento, antes de tudo, nos remete a pensar na própria criança, em como
percebe o mundo e como o traduz, em suas ações, as relações com o meio. Para Vygotsky
(1998), essa relação com o meio é o que promove sua aprendizagem.
O desafio para as duas entidades e seus profissionais foi perceber a importância
da criança e pensar no que ela gostaria de experimentar em cada espaço construído. A
fim de proporcionar um ambiente educativo, precisamos refletir em como a organização
do espaço influencia as relações. Assim, para que experimentem novas sensações e
descobertas, precisamos de educadores que lhes permitam ir além e valorizem as
produções das crianças.
As crianças escrevem seus nomes para identificar porta escova de dente e copos;
tomam banho e escovam os dentes estimulados na construção da autonomia; exploram o
espaço e os brinquedos do parquinho; participam de rodas de leituras; vão à biblioteca da
escola; colaboram na organização dos brinquedos e materiais nos ambientes educativos
e das próprias mochilas; descansam no intervalo entre os dois turnos. Tudo isso revelando
nova postura e disposição.
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Crianças identificando objetos pessoais.

Pinturas sobre azulejo feitas pelas crianças.

Os alunos com necessidades especiais participam desse processo sendo respeitados


nas suas possibilidades e potencialidades. Na organização da sequência de atividades
nas duas entidades, foram redescobertos outros ambientes e espaços educativos, além
das salas de aulas. A nova organização possibilitou às crianças vivenciarem, no turno
vespertino, experiências às quais somente os alunos da creche tinham acesso.
Os resultados que vêm sendo observados são: crianças mais tranquilas, mais
espontâneas, mais concentradas, maior capacidade de escuta, falas mais elaboradas
e contextualizadas. Entre os dois turnos, passou a ser garantido um momento para
descanso e não há mais a menção quanto às atividades repetidas.

Projetos desenvolvidos a partir da mudança de olhares


Nesse processo de reflexão, as experiências vividas nas instituições ilustram como
a ação da criança passou a orientar a prática pedagógica. Crianças e professoras se
debruçaram sobre o tema Deserto, traçando juntos possíveis caminhos para o estudo na
Escola Bernardo Ferreira Guimarães. Da mesma forma, na Creche Dona Rita, vivenciaram,
no projeto Habitantes do Fundo do mar, a oportunidade de aprenderem, tendo como
ponto de partida suas próprias dúvidas e anseios.
A leitura da história Os habitantes do fundo do mar, realizada por uma criança de
cinco anos, no pátio coberto, despertou muito interesse, provocando várias perguntas:
• Quais são os animais que moram no fundo do mar?
• Qual é a cor da água do mar?
• Têm conchas no fundo do mar?
• Como os caranguejos andam?
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• Tem sereia no fundo do mar?
• O tubarão é perigoso?
• Quais são as cores dos peixinhos?

Questões listadas pelas crianças:


Têm plantas no fundo do mar?
Tem cavalo-marinho no fundo do mar?
A tartaruga mora no fundo do mar?
Qual é a cor da água do mar?
Têm conchas no fundo mar?
Como os caranguejos andam?
Tem cereia no fundo do mar?

Roda de leitura: habitantes


do fundo do mar.

Desenhos sobre os
habitantes do fundo do mar.

Assim, o projeto possibilitou às crianças múltiplas experiências no pátio, salas de


aulas, sala de vídeos da Creche e biblioteca da Escola. As atividades incluíram investigação,
leituras de textos informativos, artes, dança, música, mostras de vídeos, escritas, votação
pelos alunos para a escolha dos nomes das turmas a partir de nomes de animais marinhos.

Questionar, selecionar, tratar e registrar: pesquisa


compartilhada
Na Escola Bernardo Ferreira Guimarães, em fevereiro de 2015, a marchinha
“ALALAOÔ” foi a escolhida pelos alunos para trabalhar em sala de aula. Em roda, surgiu a
curiosidade pela palavra deserto:
Criança: – Por que o sol queima a cara?
Criança: – O que é deserto?

“Atravessamos o deserto do Saara...


O sol estava quente e queimou a nossa cara.
Mas que calor, ô ôôôôô

Música escolhida pelas crianças.


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A professora explicou às crianças sobre a vida no deserto e se comprometeu a
trazer mais informações sobre esse lugar. Dessa forma, foram levadas para a sala de vídeo
imagens da vida no deserto: animais, pessoas, cidades, plantas, paisagens. Para aprofundar
os estudos, os alunos manusearam areia branca e cactos, elementos característicos do
deserto.
Naquela oportunidade, uma menina da comunidade foi hospitalizada após um
acidente com cobra. Os alunos pensaram que era a mesma cobra do deserto – a naja.
Posteriormente, a menina picada pela cobra foi convidada a ir à sala de aula para ser
entrevistada pelos alunos.

Sentindo os espinhos do cacto. Entrevista com uma menina da comunidade


que foi picada por uma cobra.

Enfim, os encontros, as leituras e discussões com o grupo de professoras e gestoras,


mediadas pelas formadoras do COBAP e pela Escola Balão Vermelho, nos favoreceram um
olhar atento sobre nossa prática e as possibilidades de melhorias. Não apenas a tomada de
consciência dos professores, mas uma busca na valorização da cultura local, do interesse
e das capacidades das crianças nos fizeram transformar espaços físicos em ambientes
de relações, interações e encontros: de crianças com outras crianças, com adultos, com
famílias; todos em busca de realizações que se tornaram visíveis na prática por meio de
registros e no processo de documentação.
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Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

A trajetória de um grupo de educadoras que se propõe a repensar seu fazer


pedagógico a partir do espaço da escola é destaque nesse relato. Elas partem do
reconhecimento e da valorização da cultura e do ambiente local, externo à escola, para
refletirem sobre o potencial educativo do espaço interno a ela e o modo de vivenciá-lo.
A primeira questão problematizada foi a prática pedagógica proposta às crianças
e seu foco na alfabetização. Onde e quando o brincar estava presente? Ou melhor,
previsto? Quais eram os materiais didáticos oferecidos? Como eram utilizados? Outro
ponto questionado foi a perspectiva preparatória com que o trabalho pedagógico
era desenvolvido. O olhar estava voltado para o Ensino Fundamental, o por vir, e não
o aqui e agora da Educação Infantil. Na relação entre o educar e o cuidar, o segundo
sobressaía ao primeiro, sem muita crítica e reconhecimento de sua interdependência e
indissociabilidade.
A rotina, e nela o brincar, foi a chave de acesso a outro modo de se fazer escola,
em contraste com que estava estabelecido, aquietado. O desafio foi ocupar e valorizar
os diferentes espaços da escola, alternar ambientes fechados e, ao ar livre, propor
atividades de soltura e maior contenção do corpo, promover ações mais independentes
pelas crianças e de documentação pelas professoras. Nesse contexto, a criatividade, a
descoberta, o entusiasmo foram conduzindo a mudança no ambiente educativo.
Outros diálogos se tornaram necessários. Pais e comunidade em geral entraram
na escola e a escola entrou na cidade: o espaço e seu potencial formativo passaram a
ser vistos para além da materialidade; a criança a ser valorizada e reconhecida em sua
atualidade; as professoras passaram a questionar e a inquietar-se com a repetição acrítica;
e as famílias estreitaram parceiras na trajetória educativa de seus filhos.
87

Tema 7
Linguagens
Nós, seres humanos, utilizamos diversas linguagens para nos comunicarmos. A
função simbólica e a dimensão lúdica são as principais fontes para o surgimento das
linguagens que o ser humano constrói ao longo da vida. “A possibilidade de construir
símbolos é dada pela constituição genética da espécie e a realização efetua-se por um
complexo processo de natureza cultural e biológica. Este processo efetua-se, também,
como uma realização social e individual”. (LIMA, 2002,2003, p. 2).
Portanto, as linguagens são múltiplas e só ganham sentido se forem vividas
socialmente no interior da dinâmica das interações vividas pela criança, que, por sua vez,
se apropria das informações que recebe do adulto e produz modos específicos de se
comunicar, por exemplo, o desenho, o movimento, a dramatização e a brincadeira.
Assim, cabe à professora da Educação Infantil explorar ao máximo essas situações
de maneira lúdica, pois isso permite que a criança organize as ações e os pensamentos,
desenvolvendo diferentes formas de ser, estar e se comunicar com o mundo.
Nos grupos temáticos organizados para este curso formativo, abordamos
as linguagens oral e escrita, as brincadeiras, a corporeidade, as artes, a música, e a
matemática. Nesta seção, destacamos o projeto de artes visuais, no qual cada criança
é encorajada a se expressar por meio das mais diferentes linguagens: desenho, pintura,
palavras, movimento, montagens, dramatizações, colagens, escultura, música.

Artes plásticas
A arte está presente no mundo. Desde a pré-história, o homem faz arte.
Considerando essa prática e o pensamento infantil potente, entende-se que a presença
da arte na escola se faz necessária, visto que a criança, pela via da experiência artística,
constrói e reconstrói o mundo, expressando-se e se comunicando com ele.
Essa experimentação só se torna possível na exploração de materiais, na
contemplação das artes produzidas pelos inúmeros artistas, na apreciação de produções
individuais ou coletivas, nas construções da natureza, no mergulho nas cores, movimentos
e sons.
A apropriação das múltiplas linguagens realizada pelas crianças tem como fonte
primordial a imaginação e a criatividade. Entretanto, ninguém cria do nada. É preciso
interagir com as construções estéticas e artísticas para servir de alimento criação e
imaginação. A arte para as crianças se entrecruza entre o fazer e o pensar artístico. As
professoras podem fazer muito para que isso aconteça.
Segundo Barbieri e Baroukh (2012, p. 19):53

O papel do professor de artes é observar e escutar as pistas que as


crianças deixam ao longo do percurso. Cada criança é um universo
potente de expressão, que oferece alguns pontos de partida para o
professor criar ações poéticas e momentos de interação. Tais ações, por
sua vez, ampliam as ideias e a imaginação das crianças, as encorajam a

53. Para saber mais, consulte: BARBIERI e BAROUKH, (2012).


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fazer perguntas, projetos e a buscar sua realização. É importante que o
professor crie condições e ofereça tempo para que as crianças possam
realizar seus trabalhos.

Por intermédio das palavras da autora, convocamos as professoras a criarem seus


roteiros de ação para permitir às crianças a interação com as artes plásticas de tal forma
que possam atribuir significado às suas criações. E mais: que as aulas de artes não sejam
apenas a hora de pintar, colar ou desenhar, esvaziadas de significado. Mas que seja um
momento de expressão, comunicação, portanto, um diálogo com o mundo por meio da
arte.
O trabalho a seguir pretende socializar uma experiência de ensino de artes plásticas,
na busca de evidenciar a intenção de ensino da professora em sintonia com a criação dos
alunos. O percurso da criação é individual, porém se dá a partir de uma vivência coletiva,
por meio das interações entre as crianças, intermediadas pelas construções culturais e das
propostas feitas pela professora.
O Projeto mostra o quanto a troca de experiências entre as crianças aponta
caminhos para a formação na diversidade, respeitando o processo criativo de cada um.
Conforme a professora que desenvolveu o projeto, Rosa Magna de Barros Machado Vilela,
“as atividades apresentadas são um recorte das propostas que são lançadas às crianças.
Afinal, acreditamos que explorar, experimentar e investigar são ações características das
crianças na fase da Educação Infantil”. Nesse sentido, fazer e pensar a arte são um campo
fértil neste momento da escolaridade.
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Relato de projeto
Aprender e fazer arte com o outro e a
diversificação de propostas
Rosa Magna de Barros Machado Vilela54
Solange Maria Martins dos Santos55

O contexto
O projeto foi desenvolvido pela professora Rosa Magna de Barros Machado Vilela, na
turma de 2º período, composta por 19 alunos. Maguinha, como é conhecida, considera-
se uma pesquisadora de sua prática. Mais do que dotar seus alunos de conteúdos e
habilidades técnicas, instiga as crianças a desenvolverem a sensibilidade a partir de
vivências artísticas, propõe ações que possibilitam experiências de criação que provocam
um novo sentido para a arte na escola de Educação Infantil.
As artes plásticas fazem parte da rotina das crianças nas modalidades de pintura,
desenho livre com diferentes suportes, recorte, colagem, desenho com interferência e
gravura. Também é associada a esse trabalho a linguagem oral e escrita, como parlendas
e textos relacionados aos interesses das crianças.
Observei que elas apresentavam questões relativas às suas próprias produções,
como a ocupação do espaço do papel, o recortar e explorar a diversidade das cores. A
partir da vontade das crianças em querer aprimorar suas performances relativas a essas
questões, passei a intervir nas aulas de arte com a intenção de aproveitar as possibilidades
de cada criança, bem como explorar seus processos criativos. Para isso, propus-lhes
alguns procedimentos:
• trabalhar com diferentes suportes e ferramentas;
• usar a tesoura para criar formas e figuras;
• realizar pinturas em etapas para explorar mais possibilidades;
• repensar as suas produções e as dos colegas;
• utilizar e combinar várias cores em um único desenho.

Adivinhar o animal da parlenda


Selecionei as parlendas para desenvolver as atividades de arte planejadas. Ao
mesmo tempo, apresentei-lhes a parlenda escrita e o desafio seria ilustrar os animais
de cada texto. Usei adivinhas para dar pistas sobre cada animal. Procurei estimular a
imaginação das crianças, fazendo uma lista de animais conhecidos e convidando-as a
anteciparem o que pretendiam desenhar:

54. Graduada em Pedagogia pela Funcec - Faculdade de Educação de João Monlevade. Pós-graduada em Processo
Ensino-Aprendizagem pela Faculdade Claretiana, São Paulo e em Ensino a Distância pela UFOP (Formação de
orientadores acadêmicos). Começou sua carreira na Educação Infantil no Instituo da Criança em BH. Trabalha há 30 anos
na rede municipal de Rio Piracicaba, sendo 28 anos nas escolas Rurais, nas funções de professora, supervisora e diretora.
Atualmente, ajuda na gestão da Escola municipal Pré-Escolar Dona Rita Martins.
55. Graduada em Pedagogia, com ênfase em Supervisão pela Funcec - Faculdade de Educação de João Monlevade e
Pós-graduação em Psicopedagogia Institucional pela da Faculdade Castelo Branco, Rio Grande Sul. Hoje aposentada,
trabalhou por 30 anos na rede estadual como professora do Ensino Fundamental em seu maior tempo de carreira, e
exerceu as funções de supervisora e vice-diretora por um período menor. Atualmente, trabalha na Escola Municipal
de Pré-Escolar Dona Rita Martins, no 2º período da Educação Infantil, perfazendo quase 17 anos de trabalhos na rede
municipal de Rio Piracicaba.
90
Professora: – Qual será o animal que vai aparecer na parlenda?
Primeiro momento:
Professora: – Com as canetas hidrocores, façam o desenho desse animal.
Segundo momento:
Antes mesmo de começar a dar pistas, as crianças perguntaram:
Ana Laura: – É um bicho grande ou pequeno?
Victor Augusto: – Ele morde?
Juan Pablo: – Será que é de boca grande ou boca pequena?
Ester: – Ah, eu tenho medo de bicho bravo!
Terceiro momento:
Depois de responder às questões colocadas pelas crianças, cada uma representou
suas ideias de acordo com o que havia imaginado.
Depois da apresentação dos desenhos para os colegas, passei a dar as pistas.

Desenho do animal a partir da imaginação das crianças.

Quarto momento:
Lista construída no quadro coletivamente a partir do que as crianças falavam:
Pista 1:
Professora: – A parlenda tem dois bichos. Um é ave e o outro um mamífero.
Lucas Gabriel: – Eu sei. Ave tem penas. É a águia.
Professora: – Ave é isso mesmo. Tem pena e o que mais?
Renan: – Tem pés.
Ester Luíza: – Acho que é galinha.
Davi Diogo: – Não é. É passarinho.
Professora: – Mas têm tantos passarinhos! E agora?
Pista 2:
Professora: – A ave tem penas coloridas, aprende a falar e nasce do ovo.
Henrique: – Ah, já sei! É o papagaio.
Professora: – Muito bem! Acertou um bicho e o outro?
Lucas Gabriel: – Professora, tem também o papagaio que é pipa.
Professora: – Gente, o Lucas falou que tem papagaio que é Pipa, o que vocês acham?
Érick: – É mesmo! Eu já fiz um de papel.
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Professora: – É mesmo, este papagaio é chamado de pipa, pandorga, arraia,
papagaio. E agora? O papagaio animal é de quê?
Crianças: – É de penas, tem dois pés, tem bico.
Professora: – Então, o papagaio é uma ave. E o outro animal? É um mamífero.
Hiago: – Ma-mí-fe-ro?! Ah, ah, ah.
Professora: – Você já sabe, Hiago?
Hiago: – Não. É que é engraçado.
Pista 3:
Professora: – Tem o corpo coberto de pelos.
Crianças: – É leão, tatu, onça, jacaré, cachorro, tartaruga, macaco, baleia,
borboleta.
Pista 4:
Professora: - Os mamíferos nascem da barriga da mãe e mamam quando filhotes.
Retomei os nomes da lista de animais citados por eles e analisamos um a um os
animais de acordo com suas características.
Guilhermina: – Lá em casa tem cachorro.
E outros nomes foram citados:
Crianças – Cavalo, gorila, tigre, bezerro.
Lavínia: – Eu gosto de gatinho, ele tem pelo também.
Professora: – É isso mesmo, os bichos que vão aparecer na nossa nova parlenda são
o gato e o papagaio.

Apreciação de imagens e textos

Pesquisa e apreciação de imagens e


textos informativos.

Apresentei às crianças livros com imagens e textos previamente selecionados por


mim, com a intenção de ampliar as informações que elas tinham sobre esses animais.
Chamei atenção para os detalhes das imagens, relacionando-as com informações
anteriores.
Na apreciação dos livros, o foco era que as crianças observassem os animais em suas
formas e cores, com intenção de alimentar o olhar para a sua produção.
Provocação para aprendizagem: usar rolinhos de papel higiênico, rolo de papel
toalha, caixas, canudinho, barbante, retalho de papel crepom e e.v.a.
Sugeri-lhes e explorei com eles o uso de materiais tridimensionais, com a escolha de
diversos tamanhos, formas, tipos e suportes como recursos para representação gráfica.
92
Organizei a turma em grupos e disponibilizei a elas os materiais como papel A4,
papéis coloridos, barbante, tesoura e cola para que cada criança pudesse dar forma a um
gatinho:

Criança explorando os materiais para produção do gatinho.

Ao finalizarem o trabalho, convidei-as a imaginarem como seria o lugar onde aquele


gatinho gostaria de estar. A minha intenção era que as crianças antecipassem o que
fariam no próximo dia, pensando sobre a construção do cenário para o gatinho.
No dia seguinte, conversamos muito sobre os lugares onde os animais vivem. Assim,
as crianças tiveram outra oportunidade de resgatar seus conhecimentos e puderem criar
situações que dizem respeito ao gatinho.

Desenhar um cenário para o gato


Foi distribuído o trabalho de cada criança feito anteriormente, usando caneta
hidrocor para desenhar o cenário. Ao final, pedi que cada criança contasse para a turma
o que havia desenhado enquanto eu escrevia uma legenda para colar abaixo de sua
produção.

Crianças desenhando o cenário para o gato.

É importante ressaltar que os processos imaginativos revelam os conhecimentos


das crianças. Elas se referem a diferentes espaços, hábitos dos gatos, seus sentimentos em
relação ao animal e também conteúdos ligados ao faz de conta.
93

Produções das crianças expostas no mural.

– O gatinho tá comendo – O gatinho tá no galho da – Eu pus a gatinha na janela. Ela


ração no potinho em cima do árvore. Pus o coração para ele chama Florzinha.
telhado. ficar feliz. – Tem neve, estrela, pisca-pisca,
– Tá dia e noite porque o boneco de neve no Natal.
dia tá acabando e a noite tá
chegando.

– O gatinho tá no telhado – Meu gato tá na janela – Eu fiz meu gato que tá na


escalando. Ele chama tentando pegar o bichinho. janela e essa menina é eu.
fazendeiro, porque ele fica Nós estamos olhando pra
na fazenda. Guarapari.
94
Montagem de um cenário com móbiles
Com a intenção de trabalhar o teto como mais um espaço a ser utilizado na sala,
sugeri a eles a montagem de móbiles para a observação do movimento do ar. Assim,
propus-lhes que fizessem um “voo de papagaios”, ave que tanto nos alegra e às vezes
povoa o espaço aéreo de nossa cidade.
Para valorizar ainda mais as produções, as crianças ajudaram na disposição da sala.
Ao mesmo tempo em que se expuseram, puderam apreciar os desenhos e observar que
existem várias formas de fazê-los.

Crianças ajudando a professora na montagem do cenário.

Características principais tornadas visíveis


• Apreciar a própria produção e falar das significações.
• Respeitar a produção do colega.
• Produzir a partir de propostas feitas pelo professor.
• Trabalhar com diferentes suportes e ferramentas.
• Fazer uso da tesoura com maior habilidade.
• Realizar pinturas em etapas para explorar possibilidades do uso de cores.
95

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Vimos que, no relato do projeto apresentado, as propostas partiram da professora,


mas as produções infantis são tomadas como fruto de um processo de intervenções que
fizeram sentido para as crianças, que criaram em etapas e produziram ao mesmo tempo
em que eram apreciadoras do próprio trabalho, bem como os de seus pares.
Fica evidente que a professora tem clareza de que propor arte para as crianças não é
apenas fazer. As atividades artísticas foram intensas de representações que atingiram níveis
de habilidades simbólicas e de criatividade bastante elaborados por parte das crianças.
Nesse sentido, a professora lançou mão de uma diversidade de produtos culturais, como
brincadeiras, parlendas, reaproveitou materiais transformando-os conforme a imaginação
de cada criança. Também criou instalações no ambiente, valorizando as produções
infantis e promoveu um encontro das crianças com as variadas formas de linguagens.
O ensino da arte deve estar ligado a seu tempo, às indagações das crianças. Neste
Projeto, foi possível perceber os interesses das crianças e como se envolveram no trabalho.
Inicialmente se implicaram num jogo de adivinhação e representação gráfica para
descobrir qual era o animal da parlenda. Observaram e compararam imagens de animais.
A professora propos a construção de um gato. Pelas imagens, nota-se que, mesmo sendo
produzidos pelos mesmos materiais e uma estrutura corporal bem parecida, como a
presença de bigodes, orelhas e rabo, cada autor construiu o seu gato, com suas marcas
subjetivas e identitárias que diferenciaram uns dos outros.
A exploração de novos espaços da sala para a exposição das produções infantis
também merece destaque, uma vez que desconstruiu a ideia de expor trabalhos em um
mural distante das crianças. Assim, a criação do móbile deu movimento e proximidade
entre criador/autor e criação. A valorização dos trabalhos é também o reconhecimento
da autoria, pois cada criança tem um repertório singular e imaginativo a ser explorado
e socializado. As experiências se cruzam, ligando a arte do singular com a cultura dos
coletivos. Todo o processo aqui apresentado pode fortalecer as crianças como autoras e
lhes dar um sentido de identidade do grupo o qual pertencem.
96

Linguagem musical
O texto a seguir é uma descrição das oficinas realizadas, pela professora Bianca
Luar, nos encontros formativos deste projeto. Nosso objetivo é oferecer às professoras
uma memória dos encontros e material de consulta sobre os processos práticos de
musicalização para a infância.

Oficinas de musicalização na Educação Infantil

Bianca Luar56

Diante da presente formação de professores da Educação Infantil, as professoras


são convidadas a descobrirem a musicalidade que trazem consigo e a expressão de suas
sensibilidades. Práticas e discussões propostas comprometidas com o nivelamento da
realidade social e cultural a que estão inseridas nos mostraram, como resultado, uma
verdadeira manifestação musical consistente e surpreendentemente criativa.
As ferramentas utilizadas nas oficinas nos fazem acreditar que a música está em
todo lugar, por exemplo, na musicalidade da fala, quando presente numa contação
de histórias, nas parlendas, quando modulamos a voz e passeamos por diversas notas
musicais que nos trazem ricos sotaques e emoção, ou num simples bater de palmas e pés.
Ao som de palmas de mão num só pulsar de coração, a música vai aos poucos
se revelando em uma só massa sonora que magicamente se transforma em ritmos
populares que rapidamente a reconhecemos e internalizamos seu pulsar. O baião, o
samba, o funk são facilmente executados sob a guarda de nosso ritmo instintivo que,
quando estimulado, pode se elevar às mais variadas organizações do ritmo lógico
presente nas atividades e brincadeiras propostas.
Nos jogos de dedos e mãos, quando juntas em roda e de bumbum no chão,
expomos nossa expressividade, improvisação, prontidão. No passeio por novos desenhos
melódicos, descobrimos rapidamente que estamos também fazendo música.

A Música no contexto da Educação Infantil


As múltiplas linguagens propõem ajudar as crianças a perceberem qualidades e
características nem sempre evidentes no cotidiano de modo mais profundo e significativo.
O fazer musical envolve refinadas habilidades motoras, cognitivas, expressivas e,
ao mesmo tempo, permite exercitar o sensorial e o intuitivo. Pode-se afirmar que a
linguagem sonora, desde a fase intrauterina, pode auxiliar como meio de orientar a
reflexão do ouvinte sobre o mundo.
A Educação Infantil constitui um espaço privilegiado para o desenvolvimento musical
da criança devido à sua natureza psicológica, com sua séria vocação para a brincadeira,
movimento e fantasia. Sabe-se que as crianças respondem significativamente à música
por meio de manifestações corporais espontâneas, emitindo sinais mais ou menos claros
sobre os vínculos musicais já conquistados e em funcionamento.
De acordo com Vigotski (1998), toda forma de percepção está inicialmente aliada à
motricidade. Dessa forma, vale destacar aqui, como exemplo, um pilar fundamental para
a maioria dos pedagogos musicais: a construção do sentido rítmico a que chamamos de
“o chão de toda musicalidade”.

56. Professora especialista em educação musical pela UFMG; trabalha na Educação Infantil Balãozinho.
97
Contudo, a depender do investimento do educador, a tríade: brincadeira,
corporeidade e assimilação do sentido rítmico, quando trabalhadas de forma consciente
e verdadeiramente musical, poderá trazer para a criança uma maior organização interna
dos sentidos. E ainda, diversas influências emocionais e de dimensões sensíveis advindas
das brincadeiras inspiradas no trabalho com o ritmo lógico (a periodicidade similar de
tempo que se repete).
A formação ainda defasada por parte dos professores generalistas em sua
apropriação metodológica e experienciais acerca da linguagem musical e sobre quais
aspectos as crianças estão expostas a essas experiências sonoras no ambiente escolar foi
o disparador de nossas discussões e que nortearam a nossa prática.
Na maioria dos ambientes escolares, é comum encontrar a música pejorativamente
denominada “musiquinha”, a que estamos habituados a entoar. Apresentamos às
crianças canções em sua maioria carregadas de valores morais, por meio de práticas
imitativas mecânicas e estereotipadas, e como suporte de formação de hábitos,
postura e comportamentos, calendário de eventos, formação de bandinhas rítmicas e
memorização de conteúdos. A música entendida apenas como canção ou como barulhos
que contrariam as regras do silêncio e não como som e melodia.
Segundo França (2015), no início da década de 70, a disciplina música foi abolida do
currículo escolar brasileiro. Além de empobrecer a formação das crianças, os chamados “30
anos de silenciamento” contribuíram para a progressiva banalização da música comercial,
diante da desinformação e passividade crítica do público. Com a aprovação da Lei 11.769,
de 18 de agosto de 2008, a música voltaria a integrar o currículo da Educação Básica.
Portanto, para que os benefícios da prática musical se estendam a todas as crianças, é
imprescindível que os professores se qualifiquem para que possam oferecer a elas uma
vivência musical significativa e consistente.
A homologação dessa Lei torna a música conteúdo obrigatório, mas não exclusivo
do ensino de arte, determinação que deveria ser cumprida até o segundo semestre de
2011. Dessa forma, a formação das professoras generalistas, ao vivenciarem experiências
práticas a que chamamos de “Práticas musicais na escola”, tem surtido efeitos
surpreendentes, mágicos, intuitivos e que as remetem às suas habilidades lúdicas e inatas
de sua infância mais viva, repleta de variados traços culturais riquíssimos e consistentes de
significados. Isso demonstra o quanto somos, em nossa essência, seres verdadeiramente
musicais.
Nesse contexto, a importante tomada de consciência coletiva, por meio de
experimentações brincantes em que descobrimos significados como pulso, dinâmica,
melodia, altura, duração, escalas..., nos leva a um lugar mais seguro e consciente para um
melhor desenvolvimento e organização de variadas práticas musicais.
É preciso perceber que, para musicalizar e viver a música em sala de aula, não é
preciso ser especialista ou dominar técnicas instrumentais. Trata-se de uma prática que
não objetiva a formação de músicos e sim buscar e criar vivências que possam tocar a
dimensão humana de uma criança, a fim de que ela possa ouvir mais atentamente, criar
e expressar-se musicalmente.
O professor deve trazer para o universo da sala de aula práticas de apreciação
musical em que amostras da música mundial e regional de qualidade possam alimentar
a memória afetiva musical das crianças, ampliando largamente seu universo estético
sonoro.
98
São habilidades que podem ser desenvolvidas e elaboradas gradativamente, uma
vez que sejam vividas por meio de brincadeiras, cantorias, histórias, rodas e performances
musicais em que haja a preocupação com a expressividade e a emoção do Educador.
Para tanto, faz-se necessário tornar acessíveis também outros objetos, como balões,
cabos de vassouras, papéis, sementes, lápis, corpo, voz e vários recursos que podem servir
de materiais preciosos para a exploração sonora e o desenvolvimento da escuta crítica e
da criação musical.
Portanto, fazer música é ter a oportunidade de se reconhecer como fonte criadora,
de se sensibilizar e se conectar a experiências sonoras que possam fazer parte do
cotidiano escolar de forma musical, consciente e sensível.
A seguir serão apresentadas as dinâmicas trabalhadas nas oficinas com as professoras
de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, para que possam lançar mão dessas dicas, quando
necessário for.

Práticas musicais pedagógicas para a Educação Musical


Infantil
Experienciando a musicalidade
Quando tentamos entender o que há dentro do som e criamos a oportunidade
de experimentar de forma prática e corporal os elementos que o compõem, é como
subverter o universo da música em si e dar lugar ao universo sonoro em geral.
A busca por retirar a poeira interna que encobre nossa expressividade e sensibilidade
musical nata de cada um traz consigo um desafio para um novo olhar. Endereçada aos
educadores e por meio de experiências sonoras adequadas, podemos experimentar o
fazer musical explorando um rico e vasto universo adequado à realidade das salas de aula,
voltado verdadeiramente para a escola real.
Objetivamos, assim, a sensibilização e a busca por novas descobertas, nas quais
novos materiais e ideias irão motivá-los a fomentar a presença e o uso da linguagem
musical em sua rotina escolar.

Professoras na oficina prática: Os elementos do som.


99
Os elementos do som
Vamos conhecer agora os principais elementos do som, tais como: pulsação, altura/
notas musicais, melodia, gesto sonoro, dinâmica e ritmo.
Pulsação
O pulso é a periodicidade que se repete entre um tempo e outro. Os fenômenos
naturais da vida que nos regem, como o nascer e o pôr do sol, assim como a chegada
das estações, tudo isso conota ritmo e espaços de tempo definidos. Discutimos e
exemplificamos como cada qual tem seu ritmo nato, instintivo, ao falar, andar, correr,
cantar e respirar. Traçamos, então, uma analogia com o pulsar do coração.
Para ilustrar e vivenciar esse elemento básico, que se caracteriza como o chão
que organiza e ancora a canção, vivenciamos diversas dinâmicas em que palmas, pés e
cantorias nos permitiram encontrar o pulso em cada situação.
Internalizado e já conscientes desse elemento, criamos dinâmicas em que cada um
pôde experimentar a sua vez de criar e demonstrar o seu próprio “pulsar do coração”. Ao
criarem células rítmicas simples, convidamos o grupo a ouvir atentamente e reproduzir
em massa, numa só respiração, a nova estrutura criada.
Por meio de sons obtidos com balões, a turma atenta teve como desafio explorar
timbres diversos ao tocarem com a ponta dos dedos ou puxarem “o nó” do novo
instrumento apresentado. Logo, percebemos sons bem graves, agudos e médios.

Professoras explorando os diversos sons obtidos


com o balão.

Dividimo-nos em grupos e, após escolhermos uma canção, criamos para ela um


novo arranjo, tendo como instrumentos de acompanhamento os balões que marcavam
o pulso e exprimiam novos timbres. A cantoria ao som dos balões demonstrou a enorme
capacidade criativa, expressiva e musical do grupo.
Os grupos se apresentaram uns para os outros com muita empolgação. As canções
folclóricas foram as de maior destaque dentre as escolhidas e pude perceber claramente
uma maior soltura e segurança apresentada nas performances após vivenciarem as
práticas coletivas.
Ao final, discutimos coletivamente sobre nossas impressões musicais que se
destacaram em cada grupo.
100
Professora em formação: – Nossa, esta foi a primeira vez que toquei um
instrumento e cantei, vou tocar muito balão a partir de agora com as crianças, a
gente nem imagina que ele pode ter este som!
Finalizamos a dinâmica tocando e cantando em grupo uma paródia de uma canção
bastante conhecida e conveniente para a ocasião.

“Eu vou mostrar pra vocês como se


toca um baião e quem quiser aprender
é favor prestar atenção”

Música escolhida pelas crianças.

Notas musicais
Para uma melhor compreensão das notas musicais, importante componente na
música, inventei a história “ O bruxo Olho de Banana”.

O Bruxo morava há séculos em uma


floresta muito distante da cidade. Com
o crescer da cidade, o bruxo um dia se
viu cercado de prédios, parques e muita
gente por perto, e isso nada lhe agradava.
Ele, então, traçou um plano para assustar
aquela população e afastá-la de lá. Num
prédio ao lado de “sua” floresta moravam
as sete amigas cantoras, uma em cada
andar. Cada uma tinha um dom, uma voz
e um jeito muito próprio de cantar. Eram
elas as sete notas musicais: DÓ, RÉ, MI, FÁ,
SOL, LÁ, SI.
O bruxo, então, todas as noites
sorrateiramente se deslocava até o prédio
e sequestrava uma delas.

Nessa brincadeira, pedimos às


professoras que tentassem descobrir
Desenho feito pela professora Bianca qual amiga faltava, diante da escadinha
sobre a história O bruxo Olho de de notas, enquanto outra escondia, com
Banana. uma tampinha, determinado degrau da
101
escadinha. Ao esconder a nota, pedíamos que o grupo cantasse em escala ascendente
e descendente tentando adivinhar qual foi a “amiga” sequestrada, e assim o bruxo seria
obrigado a trazê-la de volta.
Atenção: quanto mais alto for o andar em que moram as notas, mais aguda (fininha)
será sua voz. Trata-se de uma escala que caminha do grave (som grosso) para o agudo
(som fininho).
Até que um dia, após tantos sumiços e resgates, ele resolve levar todas elas para
a floresta. E é aí que acontece sua grande decepção: as cantoras desaparecidas já eram
suficientemente conhecidas. Desta forma, a presença da escadinha já não era necessária.
As professoras já entoavam as notas musicais bastante afinadas e já conheciam
a morada de cada uma delas. Mesmo não as vendo na escadinha, elas já as tinham
registradas na memória e no coração.
Nunca mais ele tentou apagar a música e suas notas amigas, porque descobriu que
ela está dentro de cada um!
Objetivamos com isso a apreensão e vivência de conceitos básicos como: escala
(Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si...) e altura musical (grave e agudo). Solfejar subindo e descendo a
escada respeitando os intervalos e ganhando intimidade com esses caminhos sonoros,
além de nos proporcionar maior intimidade com os intervalos musicais, trabalha-se
também a afinação e a expressividade vocal. A brincadeira foi divertida e pudemos
perceber e comentar sobre a adequação dela para as crianças, devido à ludicidade, ao
suspense envolvido, e à imaginação sonora experimentada.
Melodia
A melodia é uma sucessão rítmica de tons em diferentes intervalos e que é regida
pelo ritmo. Trata-se do caminho das notas.
Brincando de Tralalá
Para brincar, escolhemos entoar melodias, sem a utilização da letra para dar chance
ao colega de adivinhar qual é a música.
Nessa dinâmica, utilizamos diversos fonemas e maneiras de cantar e descobrimos,
brincando, que há músicas conhecidas do cancioneiro infantil que possuem a mesma
melodia (ou melodia bem parecida), por exemplo: “Atirei o pau no gato” e “Fui morar
numa casinha”. Dessa forma ficou ainda mais fácil entender os conceitos de linguagem
musical apresentados.
As professoras se mostraram bastante resistentes inicialmente em relação a esses
conceitos, entretanto, após experimentarmos diversos exemplos, podemos perceber
que todas possuem habilidades musicais pelas vivências anteriores, mas não usufruíram
de acesso aos conceitos básicos e tão pouco vivenciaram metodologias referentes à
pedagogia musical.
Pedi a elas que cantassem, sem a utilização da letra, melodias conhecidas, em que
a letra fosse substituída por tralalalás. Facilmente, pudemos perceber o significado da
melodia para a música, que sugere o caminho das notas que sobem, descem e que
traçam toda a personalidade e percurso da canção.
Experenciamos uma outra atividade, que intitulamos de “troca troca”. Cantamos
uma melodia de uma canção conhecida, porém utilizamos a letra de uma outra canção.
Trata-se de um desafio bastante interessante, principalmente para as professoras em
formação. Dessa forma, elas puderam apreender, com mais aprofundamento e liberdade,
conceitos básicos da linguagem musical.
102
Gesto sonoro
Após o trabalho com o conceito do que é melodia, fez-se necessário que
deixássemos nos sensibilizar corporalmente. Assim, o trabalho com a corporeidade nos
auxiliou para que elementos da psicomotricidade nos auxiliassem a sentir ativamente
diversos elementos musicais e vice-versa.
Pudemos andar pela sala desenhando o som, gesticulando braços, mãos e
pernas de acordo com o caminho melódico das canções. Utilizando livremente o
corpo, percebemos a melodia, o andamento, se rápido ou lento, e a rítmica da canção.
Trabalhamos e internalizamos, além dos elementos já citados, a nossa escuta crítica e
ativa.

Trabalho de gesto sonoro com


as professoras formadoras.

Dinâmica
A dinâmica representa um importante elemento expressivo do som, que pode ser
fraco ou forte. Quando experimentamos alguns instrumentos, podemos experimentar
diversas maneiras mais apropriadas e confortáveis de se obter o som, de acordo com
nossa intenção musical.

Professoras experimentando maneiras


diferentes de se obter o som.
103
Brincando de Formiguinha e elefante
Crianças a partir de um ano já demonstram interesse pela música e conseguem
concretizar a vivência musical. Com uma baqueta apropriada e pequenos tambores,
pudemos chamar atenção para as várias modulações e dinâmicas que o universo sonoro
nos permite.
Dessa forma, pedi às professoras que fizessem um som de elefante, tocando forte.
Na sequência, um som de formiguinha, tocando bem fraco.
A partir daí, percebemos o nítido contraste que relaciona a mecânica performática
à mudança vibracional do som. A sensação de dar conta ao experimentar um resultado
sonoro confortável aos ouvidos e a sensação de criar o seu próprio som deixaram-nas
bastante comprometidas com a vontade de praticar mais.
Com esse trabalho, objetivamos o desenvolvimento motor e das cognições mais
sensíveis, partindo do princípio de que seu movimento deverá ser “controlado” de acordo
com a intensidade do som que se quer obter.
Portanto, essas práticas, ao serem levadas ao cotidiano da sala de aula com maior
segurança e aporte teórico, trarão para as crianças diversos benefícios quanto ao
desenvolvimento motor, das percepções mais sensíveis, além da presença alegre da
música transformando as atmosferas internas e externas no ambiente escolar.
Ritmo
A melodia do ritmo e as suas diversas variações é que sintetizam de forma organizada
os ritmos brasileiros, por exemplo, o baião, o samba, o funk, a capoeira, que possuem
células rítmicas de organização e tempos distintos. Para trabalhar o ritmo, escolhemos a
brincadeira “O coelho do samba”. Essa história conta a vida de um coelho que, cansado
de viver em sua toca, resolve viajar pelo Brasil.
Com inspiração na tradicional brincadeira “O coelhinho sai da toca”, criei há alguns
anos em sala de aula a brincadeira “O coelho do samba”. A ideia é que o coelho só se
desloque de sua toca ao ouvir o ritmo pré-combinado e vivenciado pela turma. Para
apresentar os ritmos trabalhados, percutimos corporalmente a melodia e, em seguida,
também o som do pandeiro, a fim de que tivéssemos a oportunidade de discriminar e
entender as variações rítmicas dos temas propostos.
Assim, o coelho inicia sua viagem e sua primeira parada é no Rio de Janeiro. A
performance rítmica simplificada fora primeiro praticada pelo professor, que se utilizou
também de outros sons para confundir e provocar as professoras a se concentrarem na
escuta antes de se deslocarem ou não de
suas tocas. Ao reconhecerem a batida do
samba, elas tinham de se decidir se sairiam
ou não da toca.
Foi importante enfatizar a elas que o
deslocamento e a expressão corporal fossem
fiéis à rítmica e ao andamento estabelecidos.
Ou seja, o corpo fala, o corpo escuta!
O coelho cansado de samba resolve
passear pelo nordeste onde o comando
válido para sair da toca foi o baião. Na Bahia,
o ritmo da capoeira fez também com que
elas se deslocassem.
Professoras na brincadeira “ O coelho do samba”.
104
Para a consolidação dessa atividade com as crianças, será necessário que a
brincadeira abrigue os graus de dificuldade de acordo com a idade trabalhada. A escuta
mais que atenta, a prontidão, o desafio corporal, além do contato com os ritmos brasileiros
são uniões de habilidades que podem ser trabalhadas. Dessa forma, o elo presente entre
a ludicidade e o objetivo pedagógico é o personagem do coelho, velho conhecido e
protagonista de uma brincadeira de rua que fora resgatada.

Linguagem matemática
O ensino da linguagem matemática na Educação Infantil tem sido amplamente
debatido. É nessa etapa de escolarização que as crianças começam a adquirir o conceito
de número. Entretanto, há muitas dúvidas sobre como promover as primeiras aquisições.
Em seu dia a dia, as crianças têm contato com os números em diferentes situações
de uso e suportes: jornal, revista, calendário, roupas e sapatos, eletrodomésticos, telefone,
régua, agenda, convites. Elas usam esses números para identificar tamanhos, mudar
o canal de televisão, reconhecer seus pertences, telefonar, identificar uma data, usar
material escolar. Esses são apenas alguns exemplos, pois a lista pode ser enorme.
Normalmente, as crianças se sentem atraídas pelos números, considerados como
instrumentos de comunicação que pertencem ao mundo dos adultos. É evidente o
entusiasmo em recitar a sequência numérica em brincadeiras, contar a quantidade de
colegas, identificar o número de guloseimas a ser dividido. Falam também com muita
vaidade a data para a professora escrevê-la no quadro ou marcar o dia no calendário da
classe, bem como se oferecem para fazerem esses registros.
Para contribuir com a construção do conceito de número pelas crianças, é preciso
criar no cotidiano escolar contextos em que elas utilizem procedimentos numéricos em
situações de quantificação, ou seja, em que tenham o desafio de nomeá-los, contá-lo
e colocá-los em relação de inclusão. O mesmo ocorre com as representações quando,
para exprimir suas ideias e conhecimentos lógico-matemáticos, possam utilizar e inventar
símbolos (risquinhos, objetos, dedos...) e sinais (o numeral “4” ou o seu nome “quatro”, por
exemplo).
Ressaltamos que o conceito de número é construído enquanto as crianças utilizam
a numeração escrita e falada, bem como experimentam e criam seus próprios recursos de
quantificação e registros em contextos que façam sentido para elas.
Foi a partir dessa perspectiva de linguagem matemática que conduzimos a
abordagem desse tema na formação. Tal como no tema Documentação Pedagógica
e Avaliação, iniciamos com a análise de algumas afirmações. O desafio foi conhecer se
tais afirmações eram verdadeiras ou falsas e sua relação com a prática pedagógica na
Educação Infantil. Nessa dinâmica, o primeiro ponto discutido foi o pressuposto de que
a escola deve promover a exploração pela criança de uma grande variedade de ideias
matemáticas, para além daquelas que envolvem explicitamente números e quantidades.
São ideias relacionadas à comparação, medição e representação por meio de diferentes
linguagens – fala, desenho, gestos, por exemplo – a fim de que elas adquiram e ampliem
suas formas de perceber e intervir na realidade.
Foi ressaltada e exemplificada a necessidade de se criar um ambiente positivo que
encoraje a criança a propor soluções, explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar
seu raciocínio e validar suas próprias conclusões. Um ambiente acolhedor, em que erros
e acertos façam parte do processo de aprendizagem. Nesse caso, o erro é construtivo e
105
constitui fonte de informação para o professor compreender a criança e orientá-la em seu
percurso de formação contínua.
De acordo com Smole, Diniz e Candido (2000, p. 13, Vol.1) “brincar é tão importante
e sério para a criança quanto trabalhar é para o adulto”. Acreditamos e apostamos
nisso. Nesse sentido, foi apresentada e analisada uma gama de jogos e brincadeiras de
diferentes naturezas, realizadas em salas e pátios, com material estruturado, como jogos
de tabuleiros comprados ou produzidos pelas crianças, bem como materiais alternativos
e inusitados, tais como pedrinhas, folhas, rolinhos de papel, elásticos, tecidos.57
No contexto de jogo, além da ludicidade, que é muito importante, a criança lida
com uma infinidade de situações problema, em que informações, respostas alternativas
e soluções estão em cena. Soma-se a isso a flexibilidade, a convivência, a confiança, o
raciocínio, a descoberta, as regras, a lida com o ganhar e o perder, o conflito social e sua
solução.
O trabalho proposto nessa formação está alinhado à “crença de que para além das
habilidades linguísticas e lógico-matemáticas é necessário que os alunos da Educação
Infantil tenham chance de ampliar suas competências espaciais, pictóricas, corporais,
musicais, interpessoais e intrapessoais” (SMOLE, DINIZ E CANDIDO, 2000, p. 10, Vol. 1).
Os conhecimentos físico, lógico-matemático e social, descritos por Piaget,58 foram
reapresentados, tendo em vista que esse é um conjunto de informações que há tempos é
divulgado nos cursos de formação de professores e muito presente nas reflexões quando
o assunto é a construção do número pela criança.
Com as educadoras dessa formação não foi diferente. A nossa opção para essa
abordagem foi a de apresentar uma breve síntese e, em seguida, identificar o modo como
esses tipos de conhecimentos estão presentes, de forma integrada, em diversos jogos.
Para isso, descrevemos e vivenciamos os seguintes: Jogo das cores; Jogo dos pratinhos
(encher e esvaziar); Pontinhos; Jogo da Velha; Descubra o número; Loteria; Aposta secreta;
Cubra os números; Trilha (com e sem legenda); Jogo dos toquinhos; Jogo dos ovinhos.
Nesse contexto de discussão, a professora Maria Aparecida Silva relatou seu trabalho
buscando reconhecer em sua prática alguns pontos abordados na formação, bem como
analisar novas possibilidades didáticas. Leia a seguir, o registro dessa prática.

57. Para saber mais, consulte: volumes 1, 2 e 3 de SMOLE, DINIZ E CANDIDO, (2000).
58. Para saber mais, consulte: KAMII, (1995).
106

Mini-história
O Jogo das cores
Maria Aparecida Silva59

O contexto
Este relato, elaborado pela professora Maria Aparecida Silva, descreve o “Jogo das
cores” criado com a coordenadora Ericka Maria Viegas Carlos60 e a professora Izabel
Cristina Roza Sá.61 Ele foi realizado com sua turma denominada Maternal Verde, na Escola
Infantil Amiguinhos de Jesus, no município de Barão de Cocais, MG.
Apesar de as atividades dinâmicas e fora da sala de aula já serem uma prática da
escola, um novo olhar foi lançado a partir da formação com a equipe da Escola Balão
Vermelho e COBAP, quando estudamos vários temas. Passamos a nos preocupar mais
com a documentação pedagógica, a sermos mais críticos com os objetivos das atividades
e reafirmamos o que já acreditávamos: que a criança de Educação Infantil aprende muito
mais com atividades em que elas são protagonistas da ação.
O grupo é composto por 18 crianças, sendo dez meninas e oito meninos na faixa
etária de três anos, que gostam de brincadeiras coletivas e com muito movimento. A
maioria mostra-se interessada, sendo que alguns ainda precisam de muito estímulo
para participarem das atividades de maneira independente. Nessa idade, as crianças
solicitam maior investigação da professora na busca de atividades mais diversificadas e
desafiadoras, compatíveis com o desenvolvimento e conhecimento que possuem.

Turminha do Maternal Verde.

59. É graduada em Pedagogia para Educação Infantil /anos iniciais e Pós-graduada em Práticas Pedagógicas pela UFOP.
Leciona há sete anos na rede municipal, sendo cinco para Educação Infantil. Atualmente trabalha na Escola Infantil
Amiguinhos de Jesus, onde atua há três anos com as turmas de maternal.
60. Professora efetiva da Rede Municipal de Educação. Atualmente coordena a Escola Infantil Amiguinhos de Jesus.
Graduada em Letras pela FUNCEC e Pós-graduada em Práticas Pedagógicas pela UFOP.
61. Graduada em Pedagogia e Pós-graduada em Supervisão, Orientação e Inspeção escolar pela SOCIESC.
107
O jogo das cores
As cores já fazem parte do nosso ambiente de trabalho de maneira dinâmica, a partir
do interesse e da interação entre as crianças. Na Escola, são realizadas várias atividades
envolvendo nomes e comparações de cores, como: jogo das cores com massinha, pintura
coletiva, localizar objetos de acordo com a cor sinalizada pela professora.

Crianças brincando com as cores.

A escolha do “Jogo das Cores” teve como objetivo observar o que cada criança
conhecia em relação às cores, perceber as dificuldades ainda existentes, trabalhar de
forma lúdica considerando o interesse da turma.62
O espaço para a atividade foi previamente preparado com papéis das cores verde,
azul, rosa, vermelha, amarela e laranja, fixados em cada pilastra do salão da escola.
Fomos da sala para o local onde as
crianças se assentaram no chão e ouviram
atentamente minha explicação:
Professora: – Hoje, vocês vão
conhecer uma brincadeira muito legal. É o
Jogo das Cores. Observem as pilastras do
salão. Vamos falar o nome da cor que está
em cada uma delas.
As crianças falaram o nome das
cores. Em seguida, separei a turma em dois
Instrução da professora para o Jogo das grupos. Um permaneceu assentado e o
Cores. outro de pé.
Professora: – Vamos contar quantas
meninas e quantos meninos têm nesses
grupos?
Professora: – Agora, vou falar o nome
de uma cor e todos correm para perto da
pilastra que tem a cor que eu falar.
Alguns alunos correram rapidamente
para a pilastra da cor citada, outros, que
ainda não reconheciam a cor pelo nome,
seguiram os colegas.

Crianças brincando com as cores.

62. A professora teve como objetivo o trabalho sistemático com as cores, especialmente sua identificação pelo nome. A
reflexão sobre a relação frágil entre o objetivo de ensinar cores e o trabalho com a matemática foram pontos analisados
durante a formação e registrado ao final desse relato.
108
Professora: – Agora vou falar o nome de uma criança e de uma cor. O nome da
criança que for falado deverá ir para a pilastra que tem essa cor.
Professora: – Davi, na pilastra verde. Mariana, pilastra vermelha.
Aqueles que se enganaram foram questionados por mim e sugeri-lhes que um
colega fosse ajudá-los:
Professora: – Mariana, você tem certeza que esta é a vermelha? Thiago, vá com a
Mariana até a pilastra vermelha. - Professora

Corrida das crianças para a pilastra de acordo com cada cor.

De maneira semelhante aconteceu com o outro grupo.


No momento seguinte, distribuí três bambolês no chão nas cores verde, azul e
amarela.
Nomeamos as cores dos bambolês e quantificamos. Depois expliquei-lhes a nova
brincadeira.

Explicação da professora sobre a nova


brincadeira.

Professora: – Vou falar o nome de alguns alunos que devem ir para dentro do
bambolê da cor que eu disser.
Depois que as crianças se localizaram de acordo com o meu comando, eu perguntei
a elas:
Professora: – Vocês estão dentro ou fora do bambolê? - E eu?
Com outro material colorido, dei-lhes as seguintes instruções:
Professora: – Vocês devem pegar as pecinhas que estão espalhadas no chão e
colocá-las dentro do bambolê da mesma cor.
Conferimos os nomes das cores das peças e dos bambolês:
Professora: –Que cor é essa?
Crianças: – Verde!
Professora: – Então, vocês colocarão dentro do bambolê...?
Crianças: – Verde!
109
Até que apresentei uma peça vermelha, que não tinha bambolê da cor
correspondente:
Professora: – Que cor é essa?
Crianças: – Vermelho!
Professora: – Então vocês colocarão dentro do bambolê...?
Crianças: – Vermelho!
Tiago: – De nenhum.
Vinícius: – Do lado de fora.
Luiz Otávio: – Deixar no mesmo lugar!

Crianças criando estratégias para o jogo.

Cada criança criou sua estratégia para participar do jogo: uma peça de cada vez;
três peças juntas ou muitas de cores variadas.
As peças brancas e vermelhas, que não tinham cores correspondentes, foram
colocadas por mim, propositalmente. Uma das crianças percebeu e comentou:
Vinícius, mostrando a peça branca: – Não tem nada para
essa aqui, ó!
Professora – Essa cor é aqui? E agora, o que vamos fazer?
Uns ajudaram aos outros.
Ao terminar essa atividade, as crianças brincaram livremente
com as pecinhas e comentaram:
Lavínia, apontando para o esmalte: – Ô professora, essa
cor aqui é igual ao meu dedo.
Professora: – E qual é a cor do seu esmalte?
O colega ao lado responde:
Kevelly: – É vermelho!
As crianças começaram a comparar a cor do esmalte nas
unhas com as peças e com a calça do uniforme.
Seguiram brincando livremente, encaixando as peças,
identificando e comparando cores e nomeando o que montavam.
Essa atividade possibilitou que se movimentassem,
explorassem o espaço, trocassem ideias com seus pares, dando
significado à situação.
Ao finalizar esse registro, algumas questões discutidas com a coordenação desse
projeto de formação me levaram a novas reflexões:
• Como foi o processo de registro dessa atividade?
• Após esse registro e os encontros de formação sobre o tema “Linguagem
matemática”, quais foram as novas reflexões?
• Quando fizer esse jogo novamente com a turma, além das cores, quais outras
intervenções seriam possíveis para ajudar as crianças a ampliarem suas ideias
110
em relação à matemática, mais especificamente àquelas referentes ao conceito
de número, às figuras, formas e à geometria espacial?
Como educadores, buscamos enxergar a criança como sujeito de ação, que
traz consigo uma bagagem e tem uma história que precisa ser considerada. Para que
desenvolva o seu potencial, devemos oferecer-lhes situações que promovam construção
de conhecimento.
Partindo desse pressuposto, elaborar esse relato, aqui apresentado, foi a
oportunidade de registrar, refletir e amadurecer as propostas de atividades que venho
desenvolvendo e que têm o objetivo de promover, de forma dinâmica e prazerosa para as
crianças, vivências de conteúdo selecionados por nós. Digo isso porque, em nossa escola,
organizamos nosso trabalho pedagógico a partir de conteúdos que selecionamos.
111

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

No processo de produção deste texto, por meio das indagações sobre o trabalho
pedagógico bem como sobre as intervenções da professora, foi interessante acompanhar
suas reflexões, tomada de consciência e abertura para mudanças. Maria Aparecida
reconheceu o potencial dessas atividades e, ao mesmo tempo, identificou outros aspectos
que poderiam ser trabalhados e que estão para além das cores. Exemplo disso seria o
reconhecimento e a valorização dos números, a realização de operações numéricas, de
contagens orais, bem como as noções espaciais e a identificação das formas dos objetos
e do espaço.
Com a elaboração desse registro, atrelado à formação temática e ainda o diálogo
com os diferentes profissionais envolvidos nesse processo, a professora concordou que
se abriu um leque de possibilidades relacionadas às intervenções didáticas, à escolha de
material, ao agrupamento das crianças, às provocações para a aprendizagem.
Ficou claro, em seu relato, que as crianças exploram as possibilidades oferecidas
durante o jogo, também em outras situações. É provável que o façam a partir de agora
com frequência. Essa proposta abriu portas para novas investigações que as crianças não
se proporiam sozinhas. Isso é uma das maneiras de avaliar o sentido da atividade para a
turma.
112

Linguagens oral e escrita


Iniciamos as reflexões sobre linguagem oral e escrita, definindo dois conceitos
fundamentais: alfabetização e letramento.63 Alfabetização dá nome ao processo
de aquisição da tecnologia da escrita, ou seja, aprender a ler e escrever; letramento
denomina o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita, o qual implica
capacidades, tais como: ler ou escrever para atingir diferentes objetivos, compreender,
interpretar e extrair informações de tipos diversos de material escrito.
O termo letramento emergiu no contexto das transformações culturais, sociais,
políticas, econômicas e tecnológicas ocorridas no final do século XX e, para estudiosos
como Magda Soares (1998; 2010), ampliou o sentido do que tradicionalmente se conhecia
por alfabetização. É que, enquanto a alfabetização se ocuparia da apropriação da escrita,
possibilitando a capacidade de ler e escrever com autonomia, o letramento focalizaria o
processo de inserção e participação na cultura escrita, inclusive em seus aspectos sócio-
históricos. Diferentes quanto ao objeto e ao modo de aprendizagem, são práticas sociais
interdependentes, indispensáveis.
O que comumente ocorre em sociedades como a nossa é a alfabetização ser
desencadeada por práticas de letramento: ouvir histórias, conviver com livros e cartazes,
por exemplo, observá-los, trocar correspondências.
A alfabetização na Educação Infantil foi um dos pontos indagados pelas professoras.
Acreditamos que a escola deve proporcionar às crianças experiências significativas de
exposição ao material escrito para que elas vivenciem a necessidade e a importância da
leitura e da escrita desde o primeiro dia de sua escolarização. Nesse contexto, o que deve
variar não é apenas a linguagem escrita posta ao alcance das crianças, mas o grau de
compreensão e apropriação que elas alcançam.
A afirmativa de que a criança chega à escola trazendo consigo muitas informações
sobre o funcionamento do sistema de escrita é baseada em estudos de base
psicogenética.64 Tais estudos são realizados com o objetivo de entender, por um lado,
etapas de processos construídos pelas crianças para aprender a ler e a escrever e, por
outro, pesquisas que elas empreendem acerca de impressos.
Exemplificamos algumas pesquisas realizadas pelas crianças para obter esse
conhecimento, enfatizando o modo como são impulsionadas e até mesmo determinadas
pela necessidade cotidiana de comunicação, que tem como objeto de mediação a escrita.
Após apresentarmos algumas ideias importantes que as crianças constroem sobre o
nosso sistema alfabético de escrita, analisamos um conjunto de estratégias didáticas que
permitem às professoras explorarem e promoverem a construção de novas hipóteses pelas
crianças. Ressaltamos aqui a importância do desenvolvimento da consciência fonológica
das crianças como facilitador do trabalho com a linguagem escrita propriamente dito.
Nas palavras de Emília Ferreiro (2004),65 o trabalho com a escrita envolve

(...) considerá-la como um objeto em si e descobrir algumas de


suas propriedades específicas, que não são evidentes nos atos
de comunicação. Grande parte desta reflexão tem a ver com as
possibilidades de segmentação da fala, ou seja, com a descoberta de
que aquilo que dizemos é passível de ser analisado em partes e que

63. Para saber mais, consulte: SOARES, (1998).


64. Para saber mais, consulte: FERREIRO e PALÁCIO, (1982); FERREIRO e TEBEROSKY, (1984).
65. Para saber mais, consulte: FERREIRO, (2004).
113
essas partes podem ser comparadas entre si, ordenadas e reordenadas,
classificadas como semelhantes ou diferentes. (FERREIRO, 2004, p. 9).

Nesse contexto, como ferramenta importante para o trabalho das professoras,


foi apresentado um roteiro diagnóstico de alfabetização. Em oficina, cada professora
construiu seu material para experimentar a efetivação dessa proposta, que acontece por
meio de entrevistas individuais com as crianças. Tais entrevistas não têm por objetivo
avaliar, pelo produto final, se a criança já sabia ou não ler e escrever, apenas identificar até
que ponto e como ela sabia ler e escrever. Quanto à sua estrutura, solicitamos às crianças
que escrevessem seus nomes, listas de nomes de animais, pequenos textos que sabem
de memória e também que reescrevessem contos.
Outro ponto de destaque foi a inclusão da literatura infantil dentre os gêneros
textuais oferecidos na Educação Infantil. Segundo Magda Soares,66 o letramento literário
não só corresponde ao interesse das crianças, possibilitando-lhes uma alternativa de
lazer, mas também apresenta valor formativo, na medida em que torna o mundo e a vida
compreensíveis; em que facilita o amadurecimento emocional da criança; e na medida
em que possibilita o acesso da criança a uma parte do rico acervo cultural das sociedades
ocidentais – seus contos de fadas, fábulas e poemas. Não menos importante é o seu
papel no desenvolvimento de habilidades de compreensão e interpretação de textos.
Com a finalidade de exemplificar as teorias trabalhadas na abordagem do tema
“Linguagens oral e escrita”, Beatriz Aparecida Ferreira se propôs a relatar um projeto em
que tais linguagens foram objetos de ensino. Segundo ela, esse projeto teve por objetivo
promover, para as crianças, vivências com diversos usos sociais da leitura e escrita em
situações em que de fato são necessários, ou seja, de modo contextualizado e funcional.
É situado, portanto, principalmente no eixo Linguagem Oral e Escrita. Veja como ela
desenvolveu esses objetivos junto a seus alunos.

66. Para saber mais, consulte: SOARES, (2010).


114

Relato de projeto
Projeto salada de frutas: compartilhando
sabores, vivenciando textos
Beatriz Aparecida Ferreira67
Andrea Cristina Ventura Oliveira68

O contexto
O relato apresentado a seguir foi elaborado pela professora Beatriz Aparecida
Ferreira, que trabalha com uma turma multisseriada Pré I e Pré II, composta por crianças
na faixa etária de quatro a seis anos, na Escola Municipal Deputado João Nogueira de
Rezende, situada na zona rural da cidade de Rio Piracicaba em Minas Gerais.
Beatriz desenvolveu com sua turma um projeto a partir da temática receita de
salada de frutas, abordando diversos usos da leitura e da escrita. Nessa escola, frequentam
crianças de quatro a nove anos.
Por se tratar de crianças vindas de várias comunidades rurais e pelo fato de muitos
pais trabalharem na agricultura, as frutas estão muito presentes no cotidiano dessas
crianças, motivo que inicialmente moveu minha escolha. Após trocar ideia com a
especialista em educação Andréa Cristina Ventura Santos Oliveira, decidimos que poderia
ser uma ótima prática a ser realizada.
Sendo uma turma multisseriada, a diversidade é ainda mais evidente. As informações
de receitas disponibilizadas para a criançada do Pré-escolar II não foram novidade,
mas para a turma do Pré-escolar I essas receitas foram trabalhadas pela primeira vez
sistematicamente na escola.

Como começou
A primeira proposta que fiz para as crianças foi a construção de uma lista de frutas
conhecidas por elas.
Antes mesmo de escrevê-las, a fim de ressaltar uma das diagramações de lista,
perguntei-lhes:
Professora: – Crianças, como se escreve no formato de lista?
Crianças: – É uma debaixo da outra.
Enquanto falavam, eu as escrevia no quadro. A cada palavra, eu intervia,
ressaltando algumas letras, questionando ou comparando suas partes sonoras e gráficas,
relacionando-as com outras escritas registradas em cartazes afixados em nosso mural.
Professora: – Banana começa com qual letra?
Débora: – B e depois A.
Professora: – E maçã?- Começa com qual letra?
Crianças: – M.
Professora: – E o que tem em cima do A?
Crianças: – Til.

67. Graduada em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil e Pós-graduada em Docência na Educação Infantil e
Anos Iniciais pela Universidade Cândido Mendes.
68. Licenciada em Pedagogia e Habilitação em Supervisão Escolar e Orientação Educacional e especialista em Gestão
Organizacional pelo IES/FUNCEC, João Monlevade.
115
Percebendo que um dos alunos não se manifestava, aproximei-me dele e perguntei-
lhe:
Professora: – Qual das frutas é a sua preferida?
Então, ele respondeu:
Warley: – Suco.
Professora: – Você gosta de qual sabor de suco?
Warley: – Vermelho.
Professora: – Como é essa fruta?
Warley: – Bolinha.
Professora: – Qual fruta que é uma bolinha e é vermelha?
Warley: – Morango.
E todos me ajudaram a escrever a palavra morango, falando as letras e associando
aos sons de nomes já conhecidos, por exemplo:
Crianças: – M de Manu! (Nome da colega).
Como nessa turma uma aluna já estava alfabética, no momento em que os alunos
não conseguiam associar a letra, ela os ajudava.
Os alunos associaram a letra R ao nome de Rafaela, a letra A, ao nome Anádia, que
eram colegas de sala. Já a letra G foi associada à palavra gato.
Depois de pronta, o ajudante do dia69 entregou o caderno de desenho e os alunos
copiaram a lista do quadro. A escolha do ajudante do dia foi feita seguindo a lista de
nomes em ordem alfabética que ficava fixada na parede da sala. As crianças já sabem
quem será a cada dia. Em seguida, solicitei a eles que desenhassem as frutas diante de
cada nome copiado.

Cópia da lista de frutas dos alunos do Pré II.

A função da cópia neste momento foi ajudá-los a memorizar e treinar a grafia. Os


alunos do Pré II copiaram os nomes com mais facilidade que os alunos do Pré I. Embora
as expectativas de resultados fossem diferentes, como estão em turmas multisseriadas,
realizaram a mesma atividade. Consideramos que as crianças tinham pouca familiaridade
com a escrita em formato de lista, além de dificuldade com a grafia, o que é aceitável
nessa faixa etária.

69. A função do ajudante é auxiliar a professora na entrega de materiais, nas tarefas do dia a dia e chamar algum
funcionário da escola quando necessário.
116
A leitura a partir do que se sabe sobre o texto: O que está
escrito aqui?
Primeiro, para fazer a lista das frutas, solicitei aos alunos que falassem o nome das
que conheciam enquanto eu escrevia no quadro. Em seguida, copiei-as em um cartaz
que fixei no mural.
Em outro momento, a fim de retomar a nossa conversa e direcionar a leitura da lista,
fiz alguns questionamentos:
Professora: – Quais frutas vocês disseram que estão na lista?
Crianças: – Goiaba, bacaxi, laranja.
Professora: – Débora, leia a lista para nós.
Débora: – Abacate, abacaxi, banana, carambola.
Professora: – Anádia, mostre no cartaz a palavra laranja. Começa com a mesma letra
do nome Larissa.
Professora: – Warley, mostre onde está escrito uva.
Professora: – Isabelly mostre a palavra banana.
Professora: – Por que você acha que está escrito banana?
Isabelly: – Porque começa com B.
Professora: – Então, pedi que Isabelly lesse as palavras no cartaz.
Isabelly: – A-BA-CA-XI.

Cartaz com a lista de frutas e


aluna lendo as palavras.

Em seguida, perguntei a eles:


Professora: – Quem já comeu salada de frutas?
Crianças: – Eu!
Professora: – O que colocamos na salada de frutas?
Ketlin: – Banana.
Isabelly: – Manga.
João, mostrando o cartaz, vai lendo o nome das frutas.
Professora: – Vocês acham que podemos colocar manga na salada?
João: – Não, porque faz mal.
117
Em função do mito na região que não se pode comer manga com leite, esse aluno
associou que não podemos comer manga com as outras frutas. Expliquei-lhe que essa é
uma crença que não procede e que poderíamos misturar os sabores, dando continuidade
à escrita da lista.
Professora: – Quais outras frutas podemos colocar?
Isabelly: – Bacate, bacaxi.
Professora: – Vamos ver o nome das frutas no cartaz e vamos grifar as que podemos
usar na salada?
Enumeramos dez frutas.
As frutas preferidas ditadas por eles e que eram fáceis de encontrar na região foram
grifadas com a minha ajuda.

Lista das frutas grifadas


para a salada de frutas.

Professora: – Que tal fazermos uma salada com essas frutas? Vocês me ajudam a
escrever a receita?

Produção de texto compartilhada: como se escreve em


cada caso?
Neste momento, aproveitamos para conversar sobre esse gênero textual de receita
e sua funcionalidade. A turma do Pré-escolar II no ano anterior já havia participado de um
momento semelhante a esse e já conheciam receitas. Para a turma do Pré-escolar I essa
proposta era novidade.
Professora: – Como devemos organizar o texto para escrever uma receita?
Isabelly: – Tem que colocar uma debaixo da outra.
A receita construída coletivamente no quadro foi transcrita por mim em um cartaz
que, em outro momento, foi afixado em um mural, local escolhido pela turma.
Professora: – Onde vamos colocar o cartaz com a receita?
Em seguida, pedi a Débora (a uma aluna alfabética) para ler a receita. Depois a li
novamente.
Professora: - Receita: Salada de frutas
- Ingredientes...
– O que são ingredientes?
João: – As frutas.
Enquanto as crianças falavam, eu registrava:
– Bacaxi.
– Banana.
– Laranja.
– Mamão.
118
– Manga.
– Moiango.
– Pêia.
– Goiaba.
– Maçã.
– Uva.
Professora: – Agora que listamos os ingredientes, pergunto a vocês: sem o modo de
fazer podemos fazer a receita?
Crianças: – Não!
Com a minha ajuda e a participação de todos os alunos, escrevemos o modo como
se faz a salada de frutas.

Receita da salada de frutas no cartaz. Meninada participando da


leitura do cartaz.

Em cada situação comunicativa, diferentes dados se tornam


observáveis
Em roda, continuamos a conversa sobre os detalhes e as providências para fazer a
salada. Foi neste momento que se tornou necessária a construção de um bilhete para as
famílias, solicitando aos alunos a contribuição de algumas frutas.
Professora: – Então, para trazermos essas frutas de casa, temos que escrever um
bilhete. Vocês sabem para que serve um bilhete?
Isabelly: – Para colar no caderno.
João: – Para mostrar pra mãe.
Professora: – Então, vamos escrever o bilhete? Vocês me ajudam? O que eu coloco
no bilhete? Como eu começo?
Crianças: – Papai e mamãe.
Isabelly: – Mas eu não moro com mamãe. Só com papai e vovó e vô.
Professora: – Podemos escrever outra coisa. Que tal “Pessoal de casa”?
Crianças: – Sim!
Professora: – Que dia da semana podemos fazer a salada?
João: – Dia 8. – disse, mostrando-o no calendário.
Professora: – Hoje? Hoje não dá porque não temos as frutas.
João aponta novamente para o calendário, escolhendo o dia 13.
Professora: – Está bem. Em qual mês estamos?
Crianças: – Abril.
119
Professora: – Vamos escrever o bilhete. Vocês vão falando e eu vou escrevendo.
Vamos escolher três frutas para pedir aos pais.
Professora: – Pode ser: mamão, banana ou laranja.
Professora: – Quem vai mandar o bilhete?
Ketlin: – Pessoal de casa.
Professora: – Não. Pessoal de casa vai receber o bilhete.
João: – Prezinho.
Professora: – Temos que agradecer ou não?
Crianças: – Sim. Obrigado!
Professora: – Vamos escrever “obrigado”!
Anádia: – Sim!
Enquanto as crianças respondiam aos meus questionamentos relacionados ao
conteúdo, eu reestruturava o texto, organizando-o de acordo com o gênero proposto.
O bilhete ficou assim:

Pessoal de casa,
No dia 13 de abril de 2015 iremos fazer uma salada de frutas. Precisare-
mos de laranja, mamão ou banana. Contamos com sua ajuda.
Obrigada,
Turma do Prezinho.

Bilhete enviado aos pais.

Combinamos, então, de enviar o bilhete para o pessoal de casa. Neste momento,


reli-o para todos se certificarem sobre o conteúdo.
Professora: – Que tal convidarmos as outras turmas para comer a salada que iremos
fazer?
Crianças: – Sim!

O quê, para quê, para quem, onde, como: aprendendo a


fazer perguntas enquanto se escreve
Na tentativa de criar nova situação de uso da escrita, sugeri às crianças que
escrevêssemos um convite. Uma nova situação desafiadora:
Professora: – Em que momentos usamos o convite?
João: – No dia do meu aniversário, meu pai convidou muitas pessoas. E eu e
meus irmãos ganhamos pesentes.
Professora: – Como foi que seu pai convidou? Mandou convite?
João: – Sim!
Professora: – Vamos fazer um convite para as outras turmas? Vocês me ajudam?
Professora: Vamos escrever convite. Como eu escrevo?
As crianças ditaram letra por letra:
Crianças: – C-O-N-V-I-T-E.
120
Ao escrever a palavra convite, a aluna Débora, que escreve alfabeticamente, teve
maior participação e os outros alunos ajudaram falando as letras que conheciam.

Meninada participando da construção do convite.

A construção foi coletiva com a intervenção da professora.


Pedi a eles para olharem no calendário qual data poderíamos fazer a salada de fruta
para colocarmos no convite.
Depois de finalizado, convidei a aluna Débora, que já é alfabética, para ler o convite
para conferir se precisaríamos completar algo.
Professora: – A que horas vamos comer a salada?
Débora: – Depois do almoço!
Professora: – Às 10h, então?
Crianças: – Sim!
Professora: – E agora? O que falta no convite?
Professora: – Vamos escrever “esperamos vocês”!
Débora ditou as letras e eu as escrevi.
Professora: – E aí? Terminamos o convite? Vejamos como ficou:

Convite
As turmas do Pré I e Pré II convidam a turma de tia Magda
para comer salada de frutas, no dia 13 de abril, às 10 horas.
Esperamos vocês!

Depois do convite coletivo feito no quadro, duas crianças foram chamadas para
copiá-los e encaminharmos às duas turmas convidadas. Logo após, professoras e alunos
foram entregar o convite para as turmas.

Convite copiado por duas alunas.


121

Momento de entrega do convite nas turmas.

No momento da realização da receita, no dia combinado, fizemos a releitura do


texto e, logo em seguida, separamos as frutas. E a criançada, muito esperta, sabia o que
seria feito a cada momento.

Meninada lavando as frutas.

Meninada preparando a salada de frutas.

Meninada saboreando a salada de frutas.


122
Alfabetização em contexto de letramento: mais um desafio
Depois dessa vivência, em sala, construímos diferentes jogos e situações para as
crianças pensarem e registrarem suas hipóteses de escrita. Por meio dos jogos “bingo de
letras”, “brincar de escrever a lista das frutas”, “palavra intrusa”, “descubra onde dá para ler”,
as crianças tiveram oportunidades de identificar as palavras fazendo reconhecimento da
primeira e última letra. As crianças foram convidadas a grafar e identificar letras, descobrir
e localizar palavras em meio a outras.

Bingo de letras Jogo Palavra Intrusa.

Essa prática contribuiu para que os alunos pudessem estar em contato com diversos
gêneros textuais: lista, receita, convite e bilhete em situações reais de comunicação.
Tiveram participação na prática, ao confrontar percepções; contribuição nas escritas
e leituras, possibilitando uma maior interação entre elas; ampliação de repertório; e o
desenvolvimento da leitura e escrita.
O processo de aprendizagem deve ser gradativo e o professor, como mediador,
deve favorecer à criança a construção do sentido do que é significativo para ela.

Características principais tornadas visíveis


• A valorização da experiência das crianças com as frutas foi o que estimulou este
Projeto.
• Embora não tivesse um problema a ser investigado, fica claro o modo como o
desafio de preparar uma salada de frutas conduziu à necessidade de exploração
e produção de diversos gêneros textuais, em função das comunicações
pretendidas. Nesse sentido, as provocações para a aprendizagem ocorreram a
cada novo problema prático e comunicacional enfrentado.
• As propostas de produção de texto, portanto, consideraram a linguagem como
atividade sociointerativa, como forma de ação, como lugar de interação entre
sujeitos, dentro de um determinado contexto social de comunicação e para um
determinado fim.
• Houve investimento na busca de introduzir as práticas habituais de um escritor
nas situações escolares e ajudar as crianças a descobrirem como escrever em
cada caso.
• A participação das famílias e a partilha da salada com outras turmas foram
exemplos concretos da efetividade da comunicação pela escrita.
• Em relação às listas de frutas, as funções de organizar, localizar e lembrar
informações estiveram presentes.
• Quanto ao bilhete, foram trabalhados remetente e destinatário, modos de
tratamento e despedida, assinatura, objetivos da comunicação.
123
• Sobre a receita da salada de frutas, embora se tratasse de prescrição simples,
seus componentes (ingredientes e o modo de fazer) estão bem delimitados e
ordenados, com identificação dos verbos de ações.
• Como temos crianças de vários níveis de escrita, e até mesmo criança alfabética
nesta turma, não deixo de explorar o potencial que cada uma tem. Por estarem
em turmas multisseriadas, a troca de experiências vivenciadas por cada uma
contribui para o avanço da construção da aprendizagem.
124

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Ao longo da revisão dessa documentação e na interlocução com a professora, à luz


da teoria abordada, foram identificados e analisados diferentes aspectos relacionados à
linguagem escrita.
Abaixo, estão aqueles que puderam ser inferidos no relato, mas que não receberam
destaque nem descrição densa em seu registro.
• O envolvimento e potencial das crianças estiveram refletidos em suas
participações e contribuições nas diversas produções emergentes nesse
projeto, promovendo ampliação das informações bem como novas aquisições.
• Os jogos e situações de reflexão e registro sobre o sistema de escrita alfabético
promoveram novas aquisições a esse respeito. Embora a alfabetização não
seja finalidade da Educação Infantil, pois essa aprendizagem se estende no
primeiro ciclo do Ensino Fundamental, percebe-se que não foi menosprezado
o potencial das crianças nessa direção. Exemplo disso são os jogos “bingo de
letras”, “brincar de escrever a lista das frutas”, “palavra intrusa”, “descubra onde dá
para ler”, O que se ressalta é a possibilidade de se trabalhar de modo sistemático
e lúdico esse eixo.
• Durante o processo de produção textual, foram vivenciadas diferentes
situações comunicacionais, embora as intervenções não tenham evidenciado
as expectativas das crianças acerca dos elementos que as definem, bem como
o trabalho de adaptação e adequação do texto oral para o escrito.
• Trabalhou-se na perspectiva de que o conhecimento da criança sobre os textos
escritos se constrói a partir do conhecimento que ela tem da língua falada,
embora não tenha sido explicitado quais eram esses conhecimentos.
• Na produção do convite, estiveram presentes elementos semelhantes e
diferentes do bilhete, o que poderia ter gerado interessantes análises e
contrapontos.
125

Tema 8
Projetos
A aprendizagem acontece quando há significado e elaboração de sentido pela
criança, se a atividade estiver situada em seu contexto histórico e cultural. É na relação
direta com sua vida social que ela constrói modos de interpretar suas experiências,
aprender sobre si mesma e sobre o mundo. Esse foi um dos grandes desafios enfrentados
nesta formação.
Nos relatos de experiências das professoras cursistas, pode-se ver certa sobreposição
entre método e postura pedagógica. A organização do trabalho nos projetos registrados
seguia três momentos que visavam estabelecer o que as crianças já sabiam do tema
investigado, o que queriam saber e o que aprenderam após a conclusão do projeto.
O investimento nos encontros de formação foi na busca pelo esclarecimento de
que os projetos de trabalho são concebidos como uma postura pedagógica que gera
situações de aprendizagens nas quais os conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural, artístico, científico e tecnológico da sociedade são ferramentas de apoio na
busca de soluções para o problema proposto.
Problema, nesse contexto, é algo desafiador e não apenas uma dificuldade ou um
desconhecimento de determinado conteúdo. Essa dimensão foi explorada, trazendo
novos desafios para reflexão e amadurecimento da prática pedagógica.
Outro ponto explorado foi a ampliação dos projetos desenvolvidos por uma só
turma, para a possibilidade de abranger duas ou mais turmas, do mesmo turno, entre
turnos ou de toda a escola – exemplo disso são as datas comemorativas, por exemplo,
festa junina.
Focalizando temas que sejam significativos para as crianças e também para os
professores, os projetos são percursos de descoberta, de planejamento e resolução de
problemas. Envolve criação, imaginação, ação, inteligência. Promove a coordenação
de ideias e pontos de vistas, cooperação e tomada de decisão. Trata-se de um modo
próprio de viver o cotidiano pedagógico e a complexidade que envolve a aprendizagem
compartilhada entre crianças e adultos.
O tempo de duração de um projeto deve ser avaliado ao longo de todo o
processo. Insistimos na referência da significação para as crianças e contextualização dos
problemas que surgem durante as investigações. Sendo assim, o calendário escolar, as
datas comemorativas ou demais marcadores cronológicos não devem se sobrepor aos
interesses e às necessidades observados por um professor com escuta e olhar atentos.
Portanto, um projeto pode ser de longa duração e perpetuar até os anos seguintes
de escolaridade ou serem curtos e substituídos por outras questões decididas junto à
turma.
Tal como discutido e analisado nos encontros temáticos que fizeram parte dessa
formação, os projetos de trabalho não se tratam de um “método”, mas sim de uma
maneira de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão,
podendo ser caracterizados da seguinte maneira:
• Um percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação e a
crítica (como contraste de pontos de vista).
• Onde predomina a atitude de cooperação?
126
• O professor é um aprendiz e não um especialista (pois ajuda a aprender sobre
temas que irá estudar com os alunos).
• Um percurso que procura estabelecer conexões e que questiona a ideia de uma
versão única da realidade.
• Cada percurso é singular e se trabalha com diferentes tipos de informação.
• O docente ensina a escutar o que os outros dizem, e assim também podemos
aprender.
• Há diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e não sabemos
se aprenderão isso ou outras coisas).
• Uma aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes.
• Uma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos
podem aprender se encontrarem o lugar para isso.
• Por isso, não se esquece de que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade
manual e à intuição também é uma forma de aprendizagem. (HERNANDEZ,
1998, p. 82).
Em síntese, o trabalho pedagógico proposto nessa formação é centrado nos
projetos em que a participação da criança ocorre desde a definição do tema ou do
problema de investigação à seleção dos conteúdos, ferramentas e estratégias de estudo
que contribuirão para as descobertas.
Por sua vez, das descobertas emergem novas demandas de pesquisa. É fato que
quanto menor é a criança (um e dois anos, por exemplo), mais se exige da professora
a observação atenta e cuidadosa, e, a partir de sua interpretação, ela conduz o projeto,
organizando ambiente, oferecendo materiais e vivências em que as crianças possam se
manifestar de diferentes maneiras.
E assim seguem adultos e crianças, aprendendo, cada qual com seus desafios,
com suas possibilidades, suas interpretações e significados na busca incessante pela
compreensão e aquisição do mundo a sua volta.
O texto a seguir foi elaborado a partir das análises que Eduarda Diniz e Elaine
Neide fizeram do Projeto METAMORFOSE DA LAGARTA, descrito no tema “Avaliação e
Documentação Pedagógica”, nesta publicação.
Elas esclarecem que, ao elaborarem o registro, o objetivo era dar visibilidade
e problematizar as documentações feitas e o modo como elas contribuíram para a
avaliação do percurso vivido. O propósito da reflexão que se segue é olhar, com mais
atenção e análise, para o Projeto, dando relevância para o tratamento dado a esse tema,
nesta formação.
Essa análise nos oferece a oportunidade, mais uma vez, de tematizarmos a delicada
e necessária atenção e tensão entre o ensino e a aprendizagem, entre o professor e a
criança, entre a expectativa e a vivência, entre o previsto e o genuíno.
127

Relato de projeto
Reflexão sobre projetos a partir da
experiência “A metamorfose da lagarta”
Eduarda Diniz Mayrink70
Elaine Neide Silva Paulo71

Durante todo o desenvolvimento do Projeto METAMORFOSE DA LAGARTA na


classe, fizemos uma análise sobre os sentidos de sua realização na Educação Infantil e
os desdobramentos dessa escolha metodológica na ação educativa. Percebemos um
avanço considerável em nossos conhecimentos e conceitos, ao refletirmos sobre nossa
prática.
Vários aspectos foram considerados quando escolhemos trabalhar com projeto
para desenvolver ações com as crianças. O primeiro, sem dúvida o mais importante, é o
sentido que pode ser atribuído às aprendizagens. Durante todo o processo de formação
que vivenciamos ao longo da nossa prática, considerávamos que os projetos tinham
como foco somente objetivos que desenvolviam as práticas de leitura e escrita.
Ampliamos muito essa visão e hoje entendemos que há projetos que têm como
foco o desenvolvimento de comportamentos dos leitores ou visam à aproximação com
determinados conceitos científicos ou fatos históricos, enquanto alguns são voltados
para os conhecimentos em arte; outros para ampliar conhecimentos e informações por
meio de pesquisas, reflexões, registros, entrevistas, visitas etc. Enfim, são inúmeras as
possibilidades de investigações feitas com as crianças que podem ser organizadas por
meio dessa forma de trabalho.
Os projetos podem reunir uma série de condições favoráveis para que nós,
professores, possamos desenvolver nossa maior responsabilidade: promover a construção
de novos conhecimentos com sentido e profundidade. Para isso, identificamos pontos
que consideramos importantes, que avançamos em conhecimentos e farão parte da
nossa prática. Um deles está relacionado à escolha do tema a ser trabalhado. A quem
cabe essa decisão: ao professor ou à criança? As crianças são ávidas por conhecimento
e o adulto pode potencializar esse interesse por tantos assuntos, oferecendo-lhes boas
perguntas e bons cenários de pesquisa.
Hoje entendemos que o professor não deve conduzir as ações considerando
exclusivamente seu ponto de vista, sua lógica. Ao contrário, um projeto visa dar sentido
às aprendizagens e isso ocorre desde o início, com a escuta do que as crianças pensam
e narram e a relação que o professor estabelece entre essa escuta e os propósitos de
aprendizagens que vão definindo os caminhos para a escolha do tema. Foi assim que
aconteceu com o Projeto Animais, quando trabalhamos com a Metamorfose da lagarta,
tema que desperta muita curiosidade nas crianças.

70. Licenciada em Pedagogia pelo IES/FUNECE João Monlevade. Especialista em Psicopedagogia Institucional pela
Universidade Castelo Branco, RJ.
71. Professora da classe de Educação Infantil de cinco anos, formada em Magistério de 1º grau – 1º ao 5º ano, na Escola
Estadual Antônio Fernandes Pinto, em Rio Piracicaba.
128
O nosso papel na condução de um projeto é de mediador, um provocador de
novos sentidos e curiosidades. A intervenção acontece quando as crianças pedem uma
investigação sobre um assunto e quando identificamos uma necessidade e consideramos
que há tempo adequado para acrescentar novas perguntas ou informações.
A nossa atuação deve oferecer apoio constante para ampliar os saberes que
circulam no grupo. A cada momento, devemos tomar atitudes que considerem a
curiosidade das crianças, as intenções da pesquisa, a possibilidade de intercâmbio de
opiniões, a negociação conjunta durante os momentos de socialização e a oportunidade
de sistematizar os conhecimentos construídos pelo grupo para serem retomados e
discutidos ao longo do processo.
Outro aspecto destacado é o foco do trabalho. Considerávamos antes o foco do
trabalho com projetos mais voltado para a leitura do que para a investigação junto às
crianças. Porém, vimos que podemos trabalhar tanto com leitura e escrita como com os
conteúdos de Ciências. Nesse caso, o projeto deve desenvolver atividades relacionadas
a esses usos, como: leitura feita pelo professor, procedimentos para o estudo de um
texto, seleção de elementos que dialogam com a curiosidade das crianças, registro
pelo professor de textos orais elaborados pelo grupo. E, para abordar os conteúdos de
Ciências, esse mesmo projeto deve incluir observação de fatos e fenômenos, formulação
de hipóteses, demonstrações e experimentos, reflexão sobre as leituras em diferentes
fontes, registros, além das discussões e conclusões feitas de forma coletiva e individuais.
Ou seja, também devem estar presentes atividades que fomentem a curiosidade e a
construção de novos questionamentos relacionados às Ciências.
E, por último, o que gostaríamos de destacar é o tratamento que podemos dar à
curiosidade das crianças, ao desejo de ver, conhecer, experimentar o novo, vontade de
aprender, saber e pesquisar. Isso ficou muito claro para nós. Porém, é preciso perceber o que
é essencial para determinado processo de pesquisa e cuidar que as perguntas elaboradas
sejam de fato ferramenta para a reflexão. Colocar as crianças como protagonistas de suas
aprendizagens significa interagir com as suas narrativas e expressões, interpretá-las e
sempre relacioná-las com a intencionalidade do projeto.
Enfim, durante todo o processo formativo, o que ficou de aprendizagem e que
vamos incorporar a nossa prática é que trabalhar com a modalidade Projetos torna o
professor um pesquisador do pensamento das crianças, dos conhecimentos pertencentes
à cultura e da sua prática.
O nosso desafio (que, sem dúvida, requer empenho) é criar condições para que as
crianças expandam as suas experiências e não para que fiquem dando voltas em torno do
que já sabem. Tudo isso demanda uma grande flexibilidade nas intervenções, pois não é
possível prever tudo o que elas podem falar, pensar e relacionar após serem estimuladas
por perguntas, pelos contextos de pesquisa, pelo acesso às informações de variadas
fontes e, sobretudo, pela socialização dos conhecimentos com o grupo. Certamente,
essas ações não nos parecem fáceis, mas, pelo resultado alcançado, vale muito a pena.
129

Escutar, registrar, refletir:


diálogos que provocam

Nessa reflexão, elaborada por Eduarda e Elaine, fica claro um dos pontos-chave
da discussão sobre projetos: o sentido da aprendizagem. Quem atribui o sentido da
aprendizagem são os sujeitos nela envolvidos, não podendo ser uma imposição externa.
É emocionante ver as professoras/aprendizes revelando suas conquistas e, mais que isso,
valorizando-as. Entretanto, cabe a nós dar continuidade à reflexão, diversificando-a e
aprofundando-a.
O primeiro ponto a ser destacado é o modo como abordaram os conteúdos.
Mais que selecionar conteúdos ou áreas de conhecimento, o que pretendemos com
os projetos é contribuir para que as crianças interpretem e compreendam o mundo a
sua volta, bem como reconheçam a si mesmas nele. Quando visamos às aprendizagens,
devemos considerar esse sujeito e esse mundo, bem como as inter-relações entre ambos:
o mundo da criança e a criança no mundo.
Nesse sentido, um contexto de aprendizagem rico é aquele que promove a
realização, pela criança, de conexões e relações entre sentimentos, ideias, palavras, gestos
e ações. É aquele que desafia e motiva a criança a lançar-se em investigações, a colocar
indagações, a querer saber e se sentir capaz de compreender os fenômenos que a cercam.
E os temas? E os problemas de investigação? E o percurso de descobertas? Esses
emergem do cotidiano, identificados e tematizados pela professora. E são eles, problemas
reais ou abstratos, que definem o tempo, a profundidade, as ferramentas de pesquisa,
as áreas de conhecimento ou disciplinas, as informações relevantes e suas fontes. Ao
professor, cabe exercer papel fundamental de guia.
Ou seja, os projetos são percurso de investigação em que professor e alunos
aprendem, cada qual em seu nível, sobre os diferentes conhecimentos construídos e
valorizados na história da humanidade, proporcionando a aquisição e o uso de múltiplas
linguagens. Consideramos legítima a preocupação de Eduarda e Elaine quanto à
linguagem escrita, pois é, sem dúvida, muito importante, mas é uma entre tantas outras
a serem aprendidas.
Acreditamos que as crianças são competentes e potentes, capazes de, à sua
maneira, indagar, criar teoria, interpretações. Como dissemos no tema “A criança como
sujeito do processo educativo”, nesta publicação, as crianças podem ser protagonistas na
construção dos processos de conhecimento, quando encontrarem ambiente para isso.
Sendo assim, propomos que envolvam as crianças durante todo o percurso do projeto,
desde a definição do problema de investigação, ao planejamento do trabalho, a coleta, a
organização e o registro das informações, a documentação, a avaliação e a comunicação.
Outro fator importante que nos entusiasma a trabalhar por projetos é o modo
como podem estar presentes diferentes dimensões e relações de tempo, de espaço, de
interações entre crianças e crianças, crianças e professor, crianças e comunidade escolar,
criança e família.
Por último, ainda cabe ressalvar que não existe uma única estrutura de projeto a
ser seguida, nem tampouco é possível ser reproduzido. Cada história é única. O projeto
é exclusivo, é situado, historicamente datado, socialmente construído, singularmente
vivido.
Reflexões finais e
desdobramento
Revolvendo o jardim de infância
Raquel Machado Martins de Barros72

O segredo é não correr atrás das borboletas…


É cuidar do jardim para que elas venham até você.
No final das contas, você vai achar,
não quem você estava procurando,
mas quem estava procurando por você!
(Mário Quintana)

A reflexão de Quintana nos remete à imagem do jardim, lugar que instiga os sentidos
de homens e animais que, encantados com as diferentes cores e formas, se inebriam e
quedam encantados ante o perfume das flores, as diversas texturas e sabores das plantas,
os sons dos pássaros, águas e folhas. A jardinagem é uma arte e como tal requer mãos
hábeis e vocacionadas para revolver o solo e torná-lo fértil e propenso a fazer brotar a
vida e a beleza.
Outrora chamadas de “Jardim de Infância”, tais instituições foram idealizadas pelo
pensador alemão Friederich Froebel, criador do modelo no século XIX. Para ele, a criança
é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que
cresça de maneira saudável. Esse autor comparava os professores a jardineiros, daí a
denominação “Jardim de Infância”.
Das reflexões de Froebel aos dias atuais, as evidências científicas demonstram que o
professor é o facilitador no processo de busca de conhecimento que deve partir do aluno.
O professor coordena as situações de aprendizagem e, por meio de um planejamento
sistemático, organiza ações que respeitam os alunos como sujeitos únicos e, por fim,
promove suas capacidades e habilidades intelectuais.
Com tais reflexões, finalizamos a presente obra, que reuniu os profissionais da
Educação Infantil, da rede pública municipal de Rio Piracicaba, cursando a formação
propiciada pela parceria com: Secretaria Municipal de Educação de Rio Piracicaba,
Fundação Vale e Equipe do Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica (COBAP).
A formação possibilitou a reflexão sobre o processo educacional da Educação Infantil
com a discussão de temas relevantes entre os quais: A criança como sujeito do processo
educativo; Educar, cuidar e brincar; A Pedagogia da Escuta, Avaliação e Documentação
pedagógica; Projetos; Ambiente educativo; e Linguagens – oral e escrita, artes plásticas,
musical, matemática.
A partir dos encontros aos sábados, os profissionais assimilaram o conhecimento
compartilhado pelas formadoras, incorporando-o à sua prática diária. Para a professora
Rosa Magna (Maguinha, Esc. Dona Rita), a formação veio para ampliar as possibilidades e

72. Chefe da Divisão Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, Graduada em Enfermagem pela UFMG e
Direito pelo IES/FUNCEC de João Monlevade; Especialista em Gestão Regional da Saúde pela Faculdade Senac/MG e
Planejamento Financeiro e Orçamentário do SUS Municipal pela PUC/MG. Especialista em Direito Processual pelo IES/
FUNCEC.
132
confirmar, dentro de um conhecimento já adquirido, o que se pode considerar possível
de realizar, fortalecendo e enriquecendo a sua prática.
Reconhecemos que o processo é paulatino e acontece em estágios diferenciados,
uma vez que havia uma prática consolidada em anos anteriores, influenciada pelo
modelo alfabetizador, no qual o aluno não é protagonista do processo. Para a professora
Dircilene (Escola Sebastião Araújo), conhecer outras realidades é muito importante e nos
faz refletir sobre nossa prática: “achei muito interessante a conduta, a postura e o jeito que
os professores da Escola Balão Vermelho lidam com as crianças”.
Alguns profissionais incorporaram novas práticas ao seu fazer e acreditaram na
proposta trazida pelas formadoras. Ainda que sejam consideradas mínimas, as mudanças
significaram muito já que foram incorporadas a partir de uma reflexão dialogada.
Segundo a professora Sheila (Escola Sebastião Araújo), ela aprendeu e cresceu muito com
a formação; a riqueza dos jogos e sugestões de atividades aplicados em sala de aula
contribuíram, consideravelmente, para o desenvolvimento dos alunos.
Importante destacar que o aprendizado proporcionado não anulou a prática
realizada ao longo dos últimos anos, mas promoveu a integração entre saberes diferentes,
que se uniram para elevar a qualidade da Educação Infantil. Para as professoras Marília e
Edilaine (Escola Mickey), muito da prática aprendida já era aplicada, mas a importância da
formação é enxergar por um novo prisma uma rotina que pode ser modificada.
Elas citaram, como exemplos, o calendário escolar e a rotina da escola onde
trabalham. Tais práticas eram realizadas por meio da oralidade do professor e sem
envolver o aluno no processo de construção. Com a formação, elas aprenderam a incluir
a criança como sujeito ativo do processo (protagonista) e passaram a incluir a opinião dos
alunos no planejamento das aulas.
As mudanças incomodam porque tiram o sujeito da “zona de conforto”, mas, ao
mesmo tempo, promovem um renovar da postura e do fazer. Com o revolver da terra,
busca-se nas camadas inferiores o frescor e a vitalidade que se incorporam à camada
superior fazendo nascer um novo solo. Os modelos de avaliação e documentação
pedagógica apresentados pelas formadoras da Escola Balão Vermelho despertaram uma
mudança de mentalidade nas formandas.
O modelo até então adotado se baseava em uma grande quantidade de atividades
(matrizes), produzidas pelo professor e reproduzidas pelos alunos. As professoras Elaine
e Goreth (Escola Murillo Garcia) relataram que os tradicionais portifólios elaborados por
elas não retratavam o processo de construção do saber dos alunos com o professor.
Os modelos de documentação sugeridos durante a formação retratam os registros,
demonstrando o passo a passo do trabalho do professor em sala de aula, dando-lhe mais
visibilidade de todo o processo para a escola, pais e familiares.
Segundo Goreth (professora do Pré I), ela não acreditava que seus alunos, por
estarem sendo introduzidos, “não dariam conta de acompanhar o novo modelo” e
grande foi sua surpresa ao vê-los mais participativos e interagindo com ela na elaboração
diária da rotina.
Merece especial destaque as produções escritas, que compõem esta obra e é
importante ferramenta de reflexão e formação. Elas retratam o processo de transformação,
que aconteceu nas escolas de Educação Infantil, a partir dos aprendizados possibilitados
pela formação realizada nos meses de junho de 2014 a agosto de 2015.
Deixamos aqui nossa mensagem de agradecimento a todos aqueles que
acreditaram na proposta e participaram dos encontros presenciais e mensais às sextas
e sábados; das visitas à Escola Balão Vermelho em Belo Horizonte e ao árduo trabalho da
133
escrita. Esperamos que a presente publicação sirva de estímulo para que a reflexão da
prática continue acontecendo e oriente outros projetos e escritas.
Resta-nos agora a inenarrável missão de voltarmos aos Jardins de Infância e
aguardarmos as crianças, que, leves e faceiras como borboletas, virão ao encontro do
surpreendente universo do conhecimento.

A formação em contexto de professores da


Educação Infantil do município de Barão de
Cocais
Mara Cristina Almeida Soares73

A oferta da Formação Continuada proporcionada pela parceria Fundação Vale,


COBAP e SME para as professoras de Educação Infantil da Rede Municipal de Barão
de Cocais representou uma grande oportunidade de estudo e reflexão sobre a teoria
e prática na sala de aula, pois trabalhar com crianças de Educação Infantil exige do
professor conhecimentos básicos sobre as relações entre o ensino e a aprendizagem das
crianças pequenas.
No seminário de abertura do Projeto, foi apresentada a proposta de formação
elaborada pelo COBAP, aplicado um questionário, tendo como base os Indicadores de
Qualidade de Educação Infantil, com o objetivo de trazer elementos que aproximassem a
Equipe do COBAP e da Escola Balão Vermelho à realidade pedagógica vivida pelo grupo
de professoras e gestoras de Educação Infantil do nosso município.
O trabalho foi organizado em Grupos Temáticos realizados aos sábados, de acordo
com a estrutura curricular e orientações pedagógicas que norteiam a Educação Infantil.
Ainda, foram discutidas as práticas pedagógicas que acontecem em sala de aula, por
meio de oficinas, vídeos, bem como a reflexão e discussão teórica dos temas.
O primeiro grupo temático foi sobre a Pedagogia da Escuta, a Avaliação e
Documentação Pedagógica. Foi um tema de muita dificuldade de aceitação e
compreensão por parte dos professores e gestores, pois não temos o costume de fazer
registros de uma prática ou de escutar ou observar a criança com a intenção de transformar
este documento em instrumento de avaliação e de material para apresentação para pais e
para a escola. Retomando a memória, lembramos que a prática de construir um portfólio
já foi utilizada nas escolas da rede Municipal há alguns anos, mas, talvez, com a facilidade
de se obter material na internet, os professores abriram mão desse registro.
Ao discutirmos esse tema, percebemos que um acúmulo de folhas sem intenção e
reflexão não é suficiente para garantir que as crianças aprendam. É fundamental que o
professor registre os comentários, as informações e apreciações sobre as particularidades
vividas pelas crianças, pois são esses registros que vão contribuir para a avaliação do
professor acerca do processo de ensino e de aprendizagem. É o que confirma Eliza
Aparecida dos Santos, diretora das Escolas do Campo, “Vejo como o registro é importante

73. Professora efetiva da Rede Municipal e, atualmente, trabalha na Casa do Aprender de Barão de Cocais, como
Coordenadora Pedagógica da Rede e como Formadora para os diversos segmentos escolar. É Graduada em Pedagogia,
pela FAE de João Monlevade - MG e Pós-graduada em Tutoria em EAD pela UFMT e em Fundamentos Didáticos pela
Faculdade São Luiz -SP.
134
para o sucesso da aprendizagem. Por meio dele, posso acompanhar o desenvolvimento
de cada aluno”.
Já para Éricka Maria Viegas Carlos Santos, diretora da Escola Amiguinhos de Jesus,
“todas as práticas contribuíram de alguma forma, mas algumas deixaram marcas mais
fortes, como preocupar com a documentação pedagógica, que é o trabalho de informar,
registrar e detalhar a prática”.
No grupo temático sobre o Ambiente Educativo, os professores discutiram e se
identificaram muito com a construção da rotina e dos murais de sala. Essa prática vem
sendo desenvolvida e aplicada pelos professores, com o entendimento de que os
recursos didáticos usados para compor o ambiente educativo precisam ter significado
para a criança e, principalmente, ajudá-lo na construção do conhecimento.
Na linguagem matemática, os professores viram como é importante identificar e
incentivar o raciocínio lógico-matemático das crianças e aprenderam como os jogos e
oficinas podem favorecer tais relações.
Para Margaretti Bretas Diniz, diretora da Escola Municipal João Raimundo, “a
matemática oferece subsídios para estabelecer e associar o conhecimento de forma
prazerosa dentro do contexto educativo, relacionando a vivência da matemática com a
vida das crianças”.
Nas linguagens, os professores tiveram oportunidade de vivenciar práticas de arte e
da música, que permitem a aprendizagem, sem seguir o modelo de repetição dos padrões
artísticos e musicais. Isso é comprovado pela fala da professora Nilza Cássia de Souza
Gonçalves da Escola Municipal Carmem Martins, que considerou a temática “Linguagem
Musical” como a que mais marcou, “pois, por meio de objetos simples e até pelo próprio
corpo, é possível criar uma aula, produzir sons e momentos ricos de aprendizagem”.
Sobre a temática de projetos, que já é uma vivência nas escolas da rede, foi
importante ver outra concepção, além de novas possibilidades. Trabalhar não apenas
temas infantis e sim de acordo com curiosidades da turma e com um tempo maior foi
uma das aprendizagens.
As proposições apresentadas no tema “Linguagem Escrita” foram muito bem
aceitas pelos professores, sendo um estudo de grande demanda e vivência deles. A
alfabetização na Educação Infantil para algumas escolas da Rede é vista como necessária
e até prioritária. A apresentação de situações de escrita e leitura em contextos funcionais
foi um momento de muitas trocas. As dicas, com novas possibilidades de levar para sala
de aula o que não está acessível na mídia, com a liberdade de criação, para que a escola vá
além do senso comum, indicou a direção de que devemos ajustar o currículo e a prática,
para que possamos ter novas ações para o dia a dia.
Dessa forma, o estudo coletivo com o grupo de professores da Educação Infantil
provocou importantes debates sobre posturas e questões didáticas vivenciadas ao longo
dos anos. É importante lembrar que é necessário que as professoras trabalhem com a
interação, mediação e intervenção, para aprofundar conceitos, procedimentos e atitudes
diante das crianças. Desse modo, os conhecimentos, os aspectos cognitivo, afetivo,
social e motor, bem como a produção de saberes passam a ter cada vez mais sentido
para as crianças. Além disso, a formação apresentou para as professoras novas reflexões,
confirmando que os primeiros passos na vida escolar das crianças são de fundamental
importância para a longa caminhada que terão pela frente.
Um ponto importante que devemos ressaltar foi a mediação feita pela formadora
de referência da Escola Balão Vermelho, Ana Paula Rodrigues, que acompanhou todos os
encontros e soube alinhar bem as diversidades e conflitos que surgiram durante esses
135
encontros. Com um grupo de 55 professores, que tinham uma prática de sala de aula
já consolidada, já era previsto que, diante de uma nova formação, geraria insegurança
e medo do novo. Mudar a prática e quebrar paradigmas, de certa forma, imposta pela
Rede Municipal e vinda de profissionais de uma escola particular, provocou discussões e
incômodos. Muitos professores pensavam que as propostas só seriam possíveis para um
público diferenciado de escola particular, com poucos alunos na sala e com monitoras.
Realidade diversa das escolas da Rede Municipal.
Nas discussões dos registros, muitas dúvidas surgiram, pois não temos a prática
de escrever o que estamos fazendo com as crianças e o que elas estão aprendendo.
Tínhamos a prática de reproduzir textos xerocados e enviados para casa. A formadora
de referência, Ana Paula Rodrigues, ajudou o grupo de gestoras e de professores a
estabelecer um olhar entre o velho e o novo e a real necessidade de aprendizagem dos
alunos de Educação Infantil.
Segundo a opinião de Gilvânia Bittencout da Silva, diretora da Escola Municipal
Casinha Feliz, “Ana Paula, nos encontros com as gestoras, fazia uma sondagem do que
acontecia nas escolas e falava do tema do encontro seguinte. Isso facilitava o entrosamento
com os professores”. Por outro lado, ainda segundo Gilvânia, “as visitas do grupo de
gestoras à Escola Balão Vermelho mostraram que as técnicas usadas e trabalhadas com
os professores na formação são reais e dão certo”.
Em se tratando de um legado que essa formação deixou para os professores de
Barão de Cocais, fica expresso, nas palavras da professora Giselda Conceição Pereira, da
Escola Municipal Norma Horta, que “ganhamos com a formação em atividades mais
criativas, novos olhares e atitudes sobre reações das crianças, novas estratégias de ensino,
novas posturas e intervenções mais elaboradas diante de atividades cotidianas na sala
de aula”.
A professora Maria Aparecida Silva, da Escola Municipal Amiguinhos de Jesus,
conclui que “a criança, como sujeito do processo educativo, nos faz refletir sobre todas as
áreas, pois temos que levar em conta que ela é capaz de construir e não somente receber
informações. É preciso adaptarmos a pedagogia da escuta, a documentação pedagógica,
a afetividade e aprendizagem, a educação do cuidar e educar e brincar, da educação
matemática, do ambiente educativo da linguagem musical, da linguagem oral e escrita,
dentro da visão da criança, como sujeito do processo educativo, para que de fato isso
tudo faça sentido para ela”.
Considerações finais
Adriana Torres Máximo Monteiro74
Alessandra Latalisa de Sá75

À guisa de uma finalização, salientamos que, durante todo o processo formativo das
professoras de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, apostamos na busca coletiva de opções
de ações pedagógicas que reconhecessem a criança como sujeito ativo e competente.
Analisamos e indagamos práticas cristalizadas, que, pela força da cultura escolar, há
tempos vinham sendo desenvolvidas de uma mesma maneira. Oferecemos às professoras
a oportunidade de se incluírem no processo de formação como sujeitos participativos.
Assumindo o papel de aprendizes e autoras de seus ideais educativos, movidas pelo
desejo de aprender; lançaram-se a um caminho que não tem volta: transgrediram as
próprias práticas e teceram um fazer educativo que tem nas crianças a sua centralidade.
Por ora, o resultado dessas conquistas se torna evidente nesta publicação. Aqui,
confirmam-se as reflexões e experiências de todas nós. Afinal, também somos sujeitos
desse processo e nos empenhamos em contribuir para a formação de uma sociedade
alegre e justa. Seguindo esse princípio, acreditamos ter criado boas condições para
ampliação da qualidade das práticas pedagógicas de Educação Infantil existentes nos
municípios de abrangência, bem como o rigor por parte das professoras e gestoras da
necessidade de registrar e refletir a prática permanentemente para se chegar à execução
de uma educação voltada para a infância. Sempre lembrando que, se quisermos ensinar,
compreender e intervir na realidade, não devemos abrir mão de aprender, não é mesmo?
Agradecemos a Fundação Vale pela oportunidade de nos receber como parceiros
técnicos. O apoio dispensado a nós foi fundamental para a total execução, desenvolvimento
e conclusão do CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL.
Vale destacar que os beneficiários diretos são as professoras, mas as crianças, as famílias e
a comunidade ganham quando as suas participações são valorizadas.
Destacamos também a presença constante dos Secretários de Educação dos
municípios, que, além de nos receberem com cordialidade e carinho, apostaram neste
projeto e foram parceiros na empreitada. Essa condição tornou possível o enfrentamento
e o desafio necessário para a implementação de uma educação que prevê e fomente a
formação permanente dos profissionais (professores, gestores e auxiliares).
Mais uma vez, registramos aqui nossos genuínos agradecimentos a todos os que
participaram desta formação.

74. Mestre e doutora em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.
75. Mestre e doutora em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.
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Formação de
professores a partir de
relatos de experiências:
O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos
Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba

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