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Gargântua e Pantagruel

Somente os capítulos LII a LVIII, que tratam


da fundação de uma Abadia de Thelema;

Traduzidos diretamente do original em Francês


por Frater Sekhemkhet

François Rabelais, ano de 1532 e.v.

CAPÍTULO LII
de como Gargântua fez construir
para o monge da Abadia de Thélème

Restava somente a monge a recompensar, o qual Gargantua


queria fazer abade de Seulville; mas ele recusou. Quis lhe dar as
abadias de Bourgueil ou de Saint Florent, a que melhor lhe conviesse,
ou ambas, se assim o preferisse. Mas o monge lhe deu resposta
peremptória que de monges não queria cargo nem governo.

"Pois, disse ele, como poderia governar os outros, se a mim


mesmo governar não sei? Se vos parece que algo vos tenha feito, e
que possa no futuro vos prestar serviço agradável, permite-me
fundar uma abadia ao meu gosto". O pedido agradou a Gargântua,
que lhe ofereceu todas as suas terras de Thélème, até o rio Loire, a
duas léguas da grande floresta de Port Huault. E pediu a Gargantua
que instituísse a sua regra ao contrário de todas as outras.
"Primeiramente, então, disse Gargantua, não se precisará construir
muros no circuito; pois todas as outras abadias são fortemente
muradas. - É certo, e não é sem motivo, disse o monge; onde muro
há adiante e atrás, por força há murmúrios, inveja e conspiração
mútua".

Além disso, visto que em certos conventos deste mundo em uso,


se ali entra uma mulher qualquer (refiro-me às honestas e pudicas)
limpa-se o lugar por onde ela passou, foi ordenado que, se religioso
ou religiosa lá entrasse por caso fortuito, se limpassem
cuidadosamente todos os lugares por onde tivessem passado.

E porque nos conventos deste mundo tudo é compassado,


limitado e regulado por horas, foi decretado que lá não haverá relógio
nem quadrante algum. Mas segundo as ocasiões e oportunidades
serão todas as obras praticadas. "Pois, disse Gargantua, a mais
verdadeira perda de tempo que existe é se contar as horas.

Que bem vem disso? A maior ilusão deste mundo é se governar


ao som de um sino, e não ditado pelo bom senso e pelo
entendimento".

Item para que não se dedicassem à religião senão as mulheres


zarolhas, caolhas, coxas, feias, defeituosas, loucas, insensatas,
enfeitiçadas e velhas; e os homens encatarrados, malnascidos,
néscios e trapalhões. (A propósito, disse o monge, uma mulher que
não é bela nem boa, para o que serve? - Para se tornar religiosa,
disse Gargantua. - Isso mesmo, disse o monge, e para fazer
camisas), foi ordenado que lá não serão recebidas senão as belas,
bem-formadas e de boa natureza; e os belos, bem-formados e de
boa natureza.

Item, porque nos conventos de mulheres não entram homens,


senão furtiva e clandestinamente, foi decretado que lá não estarão
mulheres, no caso que não estivessem os homens, nem os homens,
no caso que não esti-vessem as mulheres.

Item, porque tanto os homens como as mulheres, uma vez


recebidos no claustro, após um ano de noviciado, eram forçados e
obrigados a ali permanecerem perpetuamente durante a sua vida,
ficou estabelecido que tanto os homens como as mulheres de lá
sairão quando muito bem lhes parecer, franca e inteiramente.

Item, porque ordinariamente os religiosos fazem três votos, a


saber, de castidade, de pobreza e de obediência, ficou instituído que
lá honestamente se podia ser casado, que cada um fosse rico e
vivesse em liberdade.

A respeito da idade legítima, as mulheres ali serão recebidas


depois dos dez e até os quinze anos; os homens depois dos doze até
os dezoito.

CAPÍTULO LIII
de como foi construída e
dotada a Abadia de Thélemites

Para a construção e conveniência da abadia, Gargantua fez


entregar em espécie vinte e sete mil, oitocentos e trinta e um
carneiros de muita lã, e para cada ano, até que tudo estivesse
perfeito, destinou da receita divina mil seiscentos e sessenta e nove
escudos do sol, e outros tantos da estrela. Para a fundação e
manutenção da mesma doou à perpetuidade, dois milhões trezentos
e sessenta e nove mil e quinhentos e quatorze nobles da rosa, de
renda territorial, livres, amortecidos e solváveis para cada ano à
porta da abadia. E disso se comprometeu por escrito.

A construção era de figura hexagonal, de tal modo que em cada


ângulo foi erguida uma grande torre redonda, com sessenta passos
de diâmetro; sendo todas iguais em largura e na aparência. O rio
Loire corria do lado do setentrião. Junto dele achava-se uma das
torres, chamada Aretice. No rumo do oriente ficava uma outra cha-
mada Calaer. A seguinte chavama-se Anatole, a outra Mesembrine, a
outra seguinte Hesperie; a última Crière . Entre cada torre ficava o
espaço de trezentos e doze passos. Todas as torres tinham sido
construídas com seis andares, sendo um deles o porão subterrâneo.
O segundo andar era abobadado com a forma de um arco.

O resto era revestido de visgo Flandres, em forma de


ornamentos. A parte de cima era coberta de ardósia fina, com
sustentadores de chumbo, em forma de pequenos bonecos e animais
bem trabalhados e dourados, com goteiras saindo fora da parede,
entre janelas, pintadas em riscos diagonais de ouro e de azul, até a
terra, onde terminavam em grandes canais que iam desaguar no rio,
abaixo do prédio.

O referido prédio era cem vezes mais magnífico que os de


Bomvet, Chambourg e Chantilly: pois nele havia nove mil, trezentas e
trinta e dois apartamentos, cada um dos quais contando com uma
sala do fundo, gabi-nete, guarda-roupa, capela e um salão. Entre
cada torre, no meio do referido corpo de alojamento, havia uma
escada em caracol dentro daquele mesmo corpo. Os degraus da qual
eram em parte de Porfírio, em parte de pedra da Numídia, em parte
de mármore serpentino, com vinte e dois pés de comprimento, três
dedos de espessura, sendo os degraus em número de doze entre
cada patamar. Em cada patamar havia dois belos arcos, pelos quais
era recebida a claridade; e por eles se entrava em um gabinete feito
com aberturas da largura da referida escada; e se subia até em cima
da cobertura, que terminava em platibanda. Pela referida escada se
entrava em cada lado de uma grande sala, e das salas aos
apartamentos. Desde a torre Artice até a Crière ficavam as belas e
grandes bibliotecas, em grego, latim, hebraico, francês, toscano e
espanhol, repartidas em diversas estantes, segundo os seus idiomas.
No meio ficava uma maravilhosa escada, cuja entrada estava fora do
aposento, em um arco com seis toesas de largura. A qual era feita
com tal simetria e apuro, que seis homens d'armas, com a lança
sobre a coxa, poderiam juntos de frente subir até em cima de toda a
construção. Da torre Anatole até a Mesembrine, havia grandes e
belas galerias, todas pintadas com antigas proezas, histórias e
descrições da terra. No meio ficava uma entrada e porta semelhante
à do lado do rio. Sobre essa porta estava escrito em grandes letras o
que se segue.

CAPÍTULO LIV
Inscrição sobre a
Grande Porta de Thélème

Afastai-vos, hipócritas carolas;


Não entreis, monges sujos, preguiçosos,
Do que os godos mais vis, e gabarolas;
Não achareis aqui tolos ou tolas;
Aqui não entram rufiões e ociosos.
Afastai-vos, farsantes, mentirosos;
Ide pregar além vossas patranhas,
Ide usar mais além as artimanhas.

Os vossos abusos
Tornaram-se em usos
De pura abusão,
E eis que então
Se mostram difusos
Os vossos abusos.

Vós que explorais os autores e os réus,


Afastai-vos daqui, falsos juristas,
Traficantes, escribas, fariseus,
Que lesais os sabidos e os sandeus,
Com autos, citações, liças e listas,
Estendendo os processos; chicanistas,
Afastai-vos, livrando-nos assim
Das demandas inúteis e sem fim.
Processos e pleitos

São feitos, desfeitos,


Sem lucro nenhum
Para cada um.
Não trazem proveitos
Processos e pleitos.
Afastai-vos, malditos usuários,
Malsãos adoradores do dinheiro,
Que, com muita má fé e embustes vários,
O ouro acumulai, vis onzenários,
Furtando, de janeiro até janeiro,
O que luta e trabalha o ano inteiro,
Tão vorazes, e magros como um galgo,
E só depois de mortos valeis algo.

Não é vossa face


Humana, não faz-se
Humana a ninguém.
Sois ricos, porém,
Humana e ferace
Não é vossa face.

Não entreis, não entreis, velhos mastins,


Que alimentais os ódios, rancorosos,
Nem vós, insufladores de motins,
Que sois das feras vis meros afins,
Insensíveis, covardes invejosos,
Cegos pela ambição ambiciosos.
Com os lobos ide o ódio saciar,
Não desonreis com o ódio este lugar.

O ódio aqui não cabe,


Tudo aqui se acabe
Que do ódio vem,
A ira não convêm,
Pois como se sabe,
O ódio aqui não cabe.

A porta está aberta, é só entrar;


Sede bem-vindos, nobres cavaleiros.
Aqui é vossa casa, este lugar
Há de sempre acolher-vos, abrigar
Os joviais, os bons, os justiceiros;
Aqui são todos francos companheiros,
E se cultivam o entusiasmo e a calma,
A alegria do corpo e a paz da alma.

Reina a amizade,
O mal não há de
Aqui entrar;
É o nosso lar,
Nele em verdade
Reina a amizade.

Entrai, entrai, ó vós que o Evangelho


Com bom senso e verdade anunciais;
Aqui tereis refúgio, honra e conselho,
Proteção contra o erro, ou novo ou velho,
E separados não sereis jamais
Da fé sincera, dessa fé que amais.
Não entra aqui, não fala, não encanta
O inimigo da palavra santa.

O verbo sagrado
Não fica calado
Aqui nesta casa.
Tem vozes, tem asa,
E voa, e é falado
O verbo sagrado.

Entrai, nobres damas da alta linhagem,


Aqui vos esperais virtudes e ventura.
Entrai, belas damas de grande coragem,
Entrai, e encontrareis nessa viagem
Um porto amigo, abrigo à vossa altura,
Uma angra tranqüila e bem segura.
Nobres damas entrai, aqui tereis
O que bem desejais e mereceis.

A vida é suave
Qual canto de ave,
Nem pranto nem dor,
Mas hinos de amor
Quais cantos de ave.
A vida é suave.

CAPÍTULO LV
de como era o
Solar dos Thélèmites

No meio do pátio havia uma fonte magnífica de belo alabastro.


Acima, as três graças, com cornucópias, lança-vam a água pelas
mamas, boca, orelhas, olhos e outras aberturas do corpo. Na parte
superior de dentro, sobre o referido pátio, havia grossas colunas de
calcedônia e pórfiro, formando belos arcos. Dentro das quais viam-se
belas galerias compridas e amplas, ornadas de pinturas, de chifres de
unicórnios, rinocerontes e hipo-pótamos, dentes de elefante e outras
coisas semelhantes. O alojamento das damas ia desde a torre Aretice
até a porta Mesembrine. Os homens ocupavam o resto. Diante do
referido alojamento das damas, a fim de que pudessem folgar, entre
as duas primeiras torres, por fora, havia liças, o hipódromo, o teatro
e piscinas de natação, com banheiros miríficos de três pavimentos,
bem guarnecidos de todos os sortimentos e abundância de água de
mirto. Junto ao rio, ficava o belo jardim de recreio.

No meio dele, havia um belo labirinto. Entre as duas outras


torres, ficava o terreno para o jogo de bola. Do lado da torre Crière,
ficava o vergel cheio de árvo-res frutíferas dispostas em ordem
quincunce. No fim, estava o grande parque, com as árvores crescidas
selva-gemente. Entre as terceiras torres, ficavam os espaços para o
exercício de arcabuz, arco e besta. As copas fora da torre Hesperie,
com um só pavimento. As cavalariças mais adiante. A falcoaria diante
delas, dirigida por falcoeiros bem peritos na arte. E eram anualmente
fornecidas pelos candiotas, venezianos e samatas todas as sortes de
aves, águias, gerifaltes, açores, gaviões, falcões, esmerilhões e
outras; tão bem domesticadas, que saindo do castelo para voarem
sobre os campos, pegavam tudo o que encontravam. O alojamento
dos couteiros ficava um pouco mais longe, perto do parque.

Todas as salas, quartos e gabinetes estavam atapetadas de


diversos modos, segundo a estação do ano.

Todo o pavimento estava coberto de pano verde. Os leitos eram


guarnecidos com bordados.

No fundo de cada quarto, havia um espelho de cristal com


moldura de ouro fino e guarnecido de pérolas, de tal tamanho que
podia verdadeiramente representar toda a pessoa. Depois das salas
dos alojamentos das damas ficavam perfumadores e penteadores,
por cujas mãos passavam os homens, quando iam visitar as damas.
Os quais forneciam cada manhã aos quartos das damas água de rosa,
água de nafta, água dos anjos, e a cada um precioso incensador
vaporizante de todas as drogas aromáticas.
CAPÍTULO LVI
de como se vestiam os
Religiosos e Religiosas de Thélème

No começo da fundação, as damas se vestiam ao seu arbítrio e


prazer. Depois foram reformadas, por sua livre e espontânea
vontade, da maneira que se segue. Usavam calções escarlates ou
vermelho mais claro, e chega-vam os referidos calções acima dos
joelhos três dedos. E na extremidade eram ornados com belos
bordados e recortes. As jarreteiras eram da cor dos braceletes e
abarcavam os joelhos, acima e abaixo.

Os sapatos, escarpins e pantufas de veludo carmezin, vermelho


ou roxo, bem enfeitados.

Por cima da camisa vestiam uma bela saia de chamalote de seda,


sobre a qual se colocava uma anquilha de tafetá branco, vermelho,
cinzento, etc. Por cima, um corpete de tafetá de prata com bordados
de fios de ouro, ou (como bem lhes parecia e de acordo com o estado
do tempo) de cetim, damasco, veludo, alaranjado, verde, cinzento,
azul, vermelho, branco, com canutilhos, com bordados, de acordo
com as festas. Os vestidos, de acordo com a estação, de pano de
ouro com debruns de prata, de cetim vermelho coberto com
canutilhos de ouro, de tafetá branco, azul, sarja de seda, chamalote
de seda, veludo e cetim debruados de ouro com diversos desenhos.

No verão, alguns dias, em lugar de vestidos, usavam belas


marlotas dos tecidos já referidos ou um albornoz mourisco, de veludo
violeta com debruns de ouro sob canutilhos de prata ou cordões de
ouro guarnecidos com pequenas pérolas indianas. E sempre um belo
penacho de acordo com as cores das mangas, bem guarnecido de
palhetas de ouro. No inverno, vestidos de tafetá das cores acima
descritas, forrados de pele de lobo-cerval, doninhas negras, martas
da Calábria, zibelinas e outras peles preciosas. Os rosários, anéis,
cadeias de ouro e pulseiras eram de belas pedras preciosas,
carbúnculos, rubis, diamantes, safiras, esmeraldas, turquesas, gra-
nadas, ágatas, berilos, pérolas excelentes. A cabeça era recoberta de
acordo com o tempo; no inverno, à moda francesa; na primavera, à
espanhola; no verão, à turca. Exceto nos dias santos e domingos,
quando usavam sempre a moda francesa, por ser a mais distinta, e
que melhor se ajusta à pudicícia das matronas.

Os homens vestiam-se segundo a sua moda: calções, sendo a


parte de baixo de estamenha, ou sarja, escar-late, vermelha, branca
ou preta, a parte de cima de veludo das mesmas cores, ou
aproximadas, bordada ou recortada, de acordo com sua invenção. O
gibão de pano de ouro, prata, veludo, cetim, damasco, tafetá, das
mesmas cores, recortado, bordado e atraviado de acordo. Os
alamares de seda das mesmas cores, as agulhe-tas de ouro bem
esmaltadas. Os saios e samarras de pano de ouro, pano de prata,
veludo, com o feitio à vonta-de. As túnicas tão luxuosas quanto as
das damas. Os cintos de seda das cores do gibão; cada um trazia
uma bela espada na cintura, com o punho dourado, a bainha de
veludo da cor do calção, a ponta de ouro e trabalha-da; o punhal
semelhante. O chapéu, de veludo negro, guarnecido de pedras
preciosas e botões de ouro.

O penacho branco era belamente guarnecido de palhetas de ouro,


no fim das quais pendiam os belos rubis, esmeraldas, etc.

Mas era tal a simpatia reinante entre os homens e as mulheres,


que cada dia eles se vestiam de maneira igual. E para que isso fosse
possível, certos fidalgos se encarregavam de dizer cada manhã aos
homens que traje desejavam as mulheres que eles vestissem naquele
dia. Pois tudo era feito segundo o arbítrio das damas.

E nessas vestes tão adequadas e tão ricas, não penseis que eles
perdessem algum tempo, pois os guarda-roupas tinham tudo pronto
cada manhã, e as criadas de quarto eram tão diligentes que em um
momento as damas se vestiam dos pés à cabeça.

E para que todos tivessem tais ingredientes em melhor


oportunidade, junto ao bosque de Thélème se estendia um grande
lance de casas com meia légua de comprimento, onde moravam
ourives, lapidários, bordadores, al-faiates, tapeceiros e tecelões, e lá
cuidava cada um de seu ofício, para servir aos referidos religiosos e
reli-giosas. Era-lhes fornecido o material pelas mãos do Senhor
Nausiclete , o qual cada ano lhes fornecia sete navios das ilhas das
Pérolas e dos canibais, carregados de lingotes de ouro, de seda crua,
de pérolas e de pe-dras preciosas. Se algumas pérolas começavam a
envelhecer, e mudavam a sua límpida brancura, aquelas por sua arte
a renovavam dando-lhes a comer alguns galos robustos, como se diz
que se curam os falcões.

CAPÍTULO LVII
de como se ajustaram os
Thélèmites à sua maneira de viver

Toda a sua vida era empregada não por leis, estatutos ou regras,
mas segundo a sua livre e espontânea vonta-de. Levantavam-se da
cama quando muito bem queriam; bebiam, comiam, trabalhavam,
dormiam quando lhes dava vontade.

Ninguém os acordava, ninguém os obrigava a beber, a comer ou a


fazer qualquer outra coisa. Assim estabele-cera Gargântua. Em sua
regra só havia esta cláusula:

FAZE O QUE QUISERES.

Porque as pessoas liberadas, bem-nascidas, bem instruídas,


convivendo com gente honesta, têm por natureza um instinto e
estímulo que sempre as impele para a virtude e as afasta do vício; a
que chamam honra. Aquelas, quando por vil sujeição e
constrangimento, ficam deprimidas e escravisadas, desviam a nobre
afeição pelaqual tendem francamente às virtudes, para contestar e
infringir o jugo da servidão. Pois sempre fizemos as coisas proibidas e
desejamos o que nos é negado. Com aquela liberdade entraram em
louvável emulação de fazerem todos o que a um só viam agradar. Se
algum ou alguma dizia bebamos, todos bebiam. Se dizia brinquemos,
to-dos brincavam. Se dizia vamos passear no campo, todos iam. Se
era para caçar, as damas, montadas em su-as belas hacanéias, com
seus palafréns ricamente ajaezados, nos punhos lindamente
enluvados levavam cada uma um falcão, ou um açor ou um
esmerilhão; os homens levavam as outras aves. Tão bem haviam
estudado, que não havia aquele ou aquela que não soubesse ler,
escrever, canta, tocar um instrumento, falar cinco, seis idiomas e
nelas compor, tanto em verso como em prosa. Jamais se viram
cavaleiros tão bravos, tão galantes, tão destros a pé e a cavalo, tão
ágeis, tão bem manejando todas as armas.

Jamais se viram damas tão decorosas, tão graciosas, menos


rabugentas, mais doutas, na mão, na agulha, em todo ato feminil
honesto e livre do que as que lá estavam.

Por essa razão, quando chegava a ocasião em que algum daquele


convento, ou a pedido de seus pais, ou por outra causa, quisesse
sair, consigo levava uma das damas, a qual a ele se dedicara, e os
dois se casavam.
E se bem tinham vivido em Thélème em devoção e amizade,
ainda melhor continuavam no casamento: tanto se amavam no fim
de seus dias como no primeiro dia das núpcias. Não quero me
esquecer de descrever um enig-ma que foi encontrado nos alicerces
da abadia, em uma grande placa de bronze. Tal era, como se segue.

CAPÍTULO LVIII
Enigma em Profecia

Pobres humanos que esperais o bem,


De coração ouvir-me aqui convém.
Se é permitido ter convencimento
Que dos corpos que estão no firmamento
O espírito humano pode se servir
Para saber as coisas que hão de vir;
Ou que se pode, com poder divino,
Devassar os caminhos do destino,
De modo a, com certeza, anunciar
O que irá no futuro se passar,
Quem quiser escutar que saiba, pois,
Que no próximo inverno e não depois,
Talvez mais cedo, aqui neste local
Hão de surgir, isso será fatal,
Homens em numerosa companhia
Que irão abertamente, à luz do dia,
Gente de toda a espécie seduzir,
Homens de toda a casta conduzir,
E aquele que os ouvidos acreditar
(Seja o que for preciso lhe custar)
Irá lutar, ouvindo aquela gente,
Contra um amigo e até contra um parente.

O filho, assim, ousadamente vai


Desafiar, ingrato, o próprio pai;
Mesmo os nobres fidalgos bem nascidos
Pelos seus súditos se verão traídos,
E os deveres de honra e deferência
Violados serão sem complacência,
Pois eis que a cada um eles dirão
Pra tomar o destino em sua mão,
E haverá certamente a essa altura
Tantas idas e vindas e mistura,
Que mesmo as lendas mais maravilhosas
Não viram tantas coisas portentosas.

Ver-se-ão agora homens de valor


Da mocidade sustentando o ardor,
Enfrentando o combate fero e rude
E morrendo na flor da juventude.
E ninguém fugirá dessa voragem
Se nela entrar com força e com coragem.
O rumor encherá o céu e a terra,
O rumor dos embates e da guerra,
E não terão menor autoridade
Homens de fé que os donos da verdade;
A crença e o estudo todos seguirão
Da ignorante e tola multidão.

O mais boçal é que será juiz,


Ó lamentáveis tempos e país!
Um dilúvio em verdade ocorrerá,
Eis que a terra livre não será
Enquanto não baixar a água escura,
Graças a muito ardor, muita bravura;
Não poderá furtar-se a boa gente
A sustentar essa tarefa ingente.
E quem assim fizer terá razão:
Os desertores não terão perdão.
Sofrerão mesmo os pobres animais
Que carecem de almas imortais,
Que em brutos trabalhos se consomem
E servem não a Deus, porém ao homem.

Eu vos deixo portanto ora pensar


Como de tantos males nos livrar
E que repouso, sem que nada esconda,
Alcançará a máquina redonda.
Os mais afortunados irão tê-la,
Deixando de comer para não perde-la.
E esforçados serão dessa maneira,
Para tentar mantê-la prisioneira.
E a pobre derrotada desta vez
Terá de recorrer a quem a fez.
E agravando o tristíssimo acidente,
O claro sol, antes de ir ao Ocidente,
Sobre ela faz escuridão total
Mais que o eclipse ou noite natural.

De uma vez perderá a liberdade


E do céu o favor da claridade
Ou pelo menos ficará deserta.
Mas ela, ante a ruína atroz e certa,
Muito tempo exporá com sentimento
Um tremor demorado e violento.
O Etna não ficou tão agitado
Quando contra o Titã fora lançado
Nem mais violenta, é certo, pareceu
A investida feroz de Inarimeu
Contra o fero Tifeu, que fez lançar
Uma montanha inteira ao fundo do mar.

Em pouco tempo, assim, será levada


A um triste estado, e muita vez mudada,
Que mesmo aqueles próprios que a terão
Para os sobreviventes deixarão.
Perto então estará tempo propício
De por fim a tão grande sacrifício.
As grandes águas hão de aconselhar
A cada um para se retirar.
E antes da partida, nesse dia,
O ar estará livre, todavia.

A canícula das chamas emanada


Há de por fim às águas e à empreitada.
Após tais acidentes bem perfeitos
voltará a alegria dos eleitos;
Os bens serão de todos, e o maná
Do céu, recompensando, choverá
Para os eleitos. E os demais enfim
Danados sejam. Razão quer assim.
E o trabalho em tal ponto terminado,
Se torne cada um recompensado.
Tal foi o acordo. Ó como há de lucrar
Aquele que no fim perseverar!

Terminada a leitura desse monumento, Gargantua suspirou


profundamente e disse aos circunstantes:
"Não é de hoje que são perseguidas as pessoas reduzidas à
crença evangélica. Mas bem-aventurado aquele que não será
escandalizado, e que sempre procurará com empenho o que por seu
querido filho por Deus nos
foi ditado, sem que pelas afeições carnais seja distraído ou divertido."
- Disse o Monge: Que pensais, em vosso entendimento, ser por esse
enigma designado e significado? -O quê? Disse Gargantua, o declínio
e a manutenção da vontade divina. - Por Saint Goderan, disse o
monge, tal não é a minha opinião; o estilo é de Merlin, o profeta. Daí-
lhe as alegorias e inteligências tão graves quanto quiserdes, vós e
todo o mundo.

De minha parte, não penso que haja outro sentido incluso senão
uma descrição do jogo de pela, sob palavras obscuras. Os que
subornam as gentes são os diretores da partida, que são
ordinariamente amigos.

E depois de dois lances sai do jogo aquele que lá estava e entra


outro. Acredita-se no primeiro que diz se a bola estava sobre a corda
ou abaixo dela. As águas são o suor; as cordas de raquete são feitas
de tripas de carneiros ou cabras. A máquina redonda é a pelota ou
bola. Depois do jogo, descansa-se junto de um fogo bem claro e se
muda a camisa. E de boa vontade todos se banqueteam, mas muito
mais alegremente os que ganharam. E bom proveito.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Mercurii © 2005
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