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JOÃO CALVINO E A SUA INFLUÊNCIA SOBRE PROTESTANTISMO DO BRASIL

COLONIAL

Jairo Rivaldo da Silva1

Resumo: O objetivo deste artigo é demonstrar que, embora cronologicamente distante quase
um século, Calvino exerceu uma influencia teológica e metodológica sobre a primeira igreja
reformada que fora estabelecida no Brasil. Assim, inicialmente, resumiremos o método
utilizado por Calvino no velho continente, bem como os fatos relevantes que fizeram dele o
mais notável reformador ao lado de Lutero. Em seguida, faremos um esboço do
protestantismo na época do Brasil colônia, e veremos como a primeira tentativa de
implantação do protestantismo no Brasil através da igreja reformada holandesa teve uma
influência direta do reformador franco-suíço. Finalmente, observaremos que com a chegada
do protestantismo de missão no Brasil em 1855, com os missionários Robert Kalley e Sara
Kalley, houve um abandono do paradigma protestante calvinista e o estabelecimento de um
evangelicalismo notadamente pietista e anticatólico.

Palavras-Chave: CALVINO, HUMANISMO, PROTESTANTISMO, BRASIL.

Abstract: The aim of this article is to demonstrate that, although chronologically distant
almost a century, Calvin exerted a theological and methodological influence on the first
reformed church that had been established in Brazil. So, we will first summarize the method
used by Calvin in the old continent, as well as the relevant facts that made him the most
notable reformer alongside Luther. Then, we will sketch protestantism in the brazilian
colonial period, and we will see how the first attempt to implant protestantism in Brazil
through the Dutch reformed church had a direct influence on the franco-swiss reformer.
Finally, we will observe that with the arrival protestantism from mission in Brazil in 1855,
with the missionaries Robert Kalley and Sara Kalley, there was an abandonment of the
Calvinist Protestant paradigm and the establishment of an evangelicalism, notably pietist and
anti-catholic.

Key words: CALVIN, HUMANISM, PROTESTANTISM, BRAZIL.

1
Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Evangélico Congregacional (STEC). Licenciado em Filosofia
Pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA). Mestrando em Filosofia Pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente é professor de teologia e filosofia no Seminário Teológico Jonathan
Edwards em Caruaru-PE. Email: jairorivaldo@gmail.com

1
INTRODUÇÃO.

A reforma protestante, cujo aniversário de 500 anos será comemorado na Alemanha


em outubro foi, sem dúvida, um momento de cisão na cristandade ocidental. Protestantes e
católicos se separaram para não mais se unirem. A partir daí, uma série de guerras religiosas
sacudiu a Europa por mais de um século. O impacto da reforma protestante foi sentido no
mundo inteiro, especialmente na Europa. Todavia a questão se nos impõe é a seguinte: o que a
reforma teve a ver conosco? Essa pergunta é de suma importância, basta olhar para o que se
tornou o movimento evangélico brasileiro para chegarmos à conclusão de quão diferente é
esse movimento daquele que se iniciou na Europa no século XVI.
Nosso objetivo será demonstrar que o protestantismo propagado no Brasil,
inicialmente por denominações derivadas diretamente da reforma do século XVI, como a
igreja reformada holandesa, teve como modelo o modus operandi do reformador João Calvino
que foi, antes de tudo, um humanista cristão cuja cosmovisão, apesar de medieval,
transcendeu os conflitos do seu tempo, e com o auxílio da visão cristã de mundo, foi capaz de
se expandir e chegar até o “Novo Mundo”.
Demonstraremos também que com o surgimento do protestantismo de missão no
século XIX, mais especificamente com a chegada do missionário Robert Kalley em 1855, no
Rio de Janeiro, houve uma mudança no paradigma calvinista que até então havia tentado se
estabelecer no Brasil, pois Kalley rompeu com doutrinas e práticas do calvinismo europeu de
onde ele fora enviado, fundando um evangelicalismo distinto do protestantismo do velho
continente.

1. CALVINO O HUMANISTA

O uso do termo humanismo a partir do século XX veio a significar uma perspectiva


sobre a vida pautada na dignidade humana, mas sem qualquer referência a Deus. Esse
humanismo com fortes tendências secularistas e até mesmo ateístas, não corresponde ao
humanismo dos dias de Calvino. O termo humanismo não foi usado na época da renascença, e
muito embora a expressão italiana “umanista” apareça frequentemente, era esse o modo de se
referir a função de professor de estudo das humanidades, ou artes liberais, tais como poesia,
gramática e retórica.

2
Durante a reforma protestante, humanistas e reformadores estavam em comum acordo
contra o cristianismo oficial dos seus dias: “de modo geral, humanistas e reformadores
estavam, pois, na busca do ser humano verdadeiro, do ser humano desvencilhado das falsas
místicas e liberto das servidões sociais que o desnaturavam” (BIÉLER, 2009, p. 13). Contudo,
o humanismo não era um movimento homogêneo. Alguns humanistas eram herdeiros da
antiguidade pagã e admiravam o ser humano na sua beleza exterior, na sua arte, na sua cultura
e no seu comportamento social. Outros humanistas de tradição cristã, entre os quais estava
João Calvino, afirmavam que o ser humano verdadeiro somente poderia ser redescoberto a
partir de Deus. Entretanto, o teocentrismo dos humanistas cristãos, não excluía de modo
absoluto o antropocentrismo dos humanistas. Como lembra Biéler (Ibid, p. 14), “a ciência de
Calvino é um humanismo teológico que inclui a um tempo, o estudo do ser humano e da
sociedade através do duplo conhecimento do ser humano pelo ser humano, de um lado, e do
ser humano por Deus, de outro”.
O humanismo de Calvino não é um humanismo individualista, mas sim um
humanismo social. Primeiramente, porque a antropologia de Calvino tem como
fundamentação a ideia de que fomos criados conforme a Imago Dei (imagem de Deus), e que
sendo Deus uma Trindade, portanto, uma comunidade, um Ser social por excelência, o ser
humano que é uma criatura de Deus só pode ser humano verdadeiramente em sociedade, em
comunidade.
Segundo Calvino, o pecado original e a alienação de Deus, não destruíram apenas o
homem individualmente, mas também socialmente. De acordo com a doutrina calvinista, o
modo de restaurar a humanidade foi proposto por Deus a partir do envio do seu Filho Jesus, o
verdadeiro ser humano. A nova humanidade em comunhão com Cristo deve se reunir na
igreja como membros do seu corpo. A igreja é, portanto, para Calvino, o modelo social da
humanidade fraterna. No seu comentário à epístola de São Paulo aos romanos, quando
comenta o texto de (Rm 12: 10) “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor
fraternal”, ele afirma: “oτοργή (otorgê), que em latim significa aquele amoroso respeito que
existe no seio da família. Este, sem dúvida, deve ser o tipo de amor que conferimos aos filhos
de Deus” (CALVINO, 2001, p. 446). Para Calvino, esse amor fraterno ordenado pelo apóstolo
São Paulo era a base sobre a qual o cristão deveria agir. De acordo com o pensamento de
Calvino, a Igreja deveria ser responsável pela assistência social e pelo cuidado dos pobres,
dos órfãos, das viúvas, dos doentes e de todos os necessitados. Para esse fim, Calvino delegou
a função dos diáconos. Esses oficiais deveriam visitar os necessitados e enfermos, bem como

3
alimentar os famintos. Primeiramente em Genebra, posteriormente em toda a Europa
chegando, como veremos até o recém-descoberto Novo Mundo. O modelo calvinista de
salvação integral do ser humano tornou-se uma força cultural que só perdeu força com a
chegada do iluminismo quase duzentos anos depois.

2. LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE EM CALVINO

A tríade que marcou a revolução francesa de 1789, expressa no lema: liberdade,


igualdade e fraternidade, não foi algo que surgiu originalmente na França. Segundo o
historiador francês André Biéler,

Como as revoluções democráticas que a precederam na Grã-Bretanha, nos


Países-Baixos e na América, a de 1789 na França é o produto combinado de
duas correntes distintas, por vezes opostas, mas muitas vezes convergentes: a
influência da filosofia da Renascença e das luzes, de uma parte, e da
Reforma, de outra. (BIÉLER, 1999, p. 92).

A liberdade de crença e interpretação, que são princípios originalmente protestantes,


contribuíram de forma cabal para o questionamento e libertação de todo dogmatismo vigente
na Europa até então. Calvino era um entusiasta da liberdade. Não somente da liberdade dos
dogmas do catolicismo medieval, mas também da liberdade integral do ser humano. Num
ambiente em que a escravidão era considerada normal, Calvino escreve no seu comentário de
Genesis: “subtrair a liberdade de um homem equivale a matá-lo” (BIÉLER, op. cit., p. 13).
Tratar a todos com igualdade e com humildade é um traço da teologia humanista e
fraterna de João Calvino. Segundo ele, “não há nada mais contrário à harmonia fraternal do
que o desdém que nasce do orgulho, quando alguém tem os demais em menos estima do que a
si próprio” (CALVINO, 2001, p. 447). As palavras de Calvino são confirmadas pelo seu
tratamento com os estrangeiros, bem como com as minorias ferozmente exploradas no velho
continente e no recém-descoberto Novo Mundo. Embora possa haver objeções
(principalmente devido ao caso de Serveto, cujo exame tem sido sempre à luz dos nossos
valores), no entanto, de acordo com Robert D. Linder “é agora claro que Calvino não era mais
intolerante do que a grande maioria dos lideres religiosos de seu tempo e sua Genebra não era
regulada de forma mais rigorosa do que muitas outras entidades políticas semelhantes da
época”. (LINDER, 2003, p. 179).
Em março de 1557, Calvino enviou ao Rio de Janeiro juntamente com um contingente
de refugiados franceses dois pastores. Sua intenção era evangelizar as terras brasileiras e
fundar uma colônia de um tipo que repeitasse plenamente as pessoas e os direitos dos
indígenas.
4
Com relação à fraternidade, que nas palavras de Baggio (2009) é “o princípio
esquecido” da revolução francesa, a reforma protestante é vista, quase sempre, como um
movimento cismático e responsável pela divisão de todo um continente. Mas apesar de estar
envolvido diretamente com o movimento reformista, Calvino era a favor da unidade da igreja,
bem como de toda a humanidade. Nas palavras de Biéler (2009, p. 67):

Quando se apresentam os reformadores como fundadores de uma seita


religiosa que busca para si mesma o cultivo de uma religião ideal, comete-se
um duplo erro histórico e teológico. Nenhum deles jamais desejou fundar
alguma coisa que, mais tarde, se chamasse protestantismo ou que devesse
durar eternamente. O calvinismo como tal nunca esteve nas cogitações de
Calvino. Historicamente falando, o calvinismo é um episódio da história do
cristianismo e esta, por sua vez, um aspecto da história universal.

A confissão de fé de La Rochelle escrita por Calvino reza no seu artigo de número 26:
“Nós cremos, portanto, que ninguém deve se separar e se contentar consigo mesmo, mas
todos juntos devem guardar e manter a unidade da igreja”2. Apesar da rejeição da instituição
do Papado, e de toda hostilidade do catolicismo romano para com os reformados, Calvino
reconhece a presença da igreja no seio do catolicismo romano, apesar de todas as suas
corrupções. Ele admite no artigo 28 da mesma confissão que os que foram batizados na igreja
de romana não deveriam ser rebatizados, mas recebidos como irmãos, pois a validade dos
sacramentos (e aqui Calvino segue a máxima agostiniana ex opere operato) independe de
quem os administra.
Calvino percorreu toda a Europa e compareceu a todos os colóquios onde a discussão
com a igreja romana oferecia alguma possibilidade de diálogo e unidade. Somente quando
todas as possibilidades de unidade com o catolicismo se esgotaram, Calvino se voltou para
unir o já dividido movimento reformista dos seus dias. Consciente das dificuldades de unir o
protestantismo diante do principio de livre interpretação da bíblia deflagrado por Lutero,
Calvino “aceita a diferença entre ‘a doutrina pela qual a igreja de Cristo se mantém’, comum a
todos os cristãos e a diversidade de interpretações e costumes próprios de cada denominação
confessional. Segundo ele, ‘não se deve criar problemas por causa de uma casula ou de uma
vela” (BIÉLER, 2009, p. 68). O processo de unir todas as igrejas reformadas não foi fácil,
mas como afirma Latourette, “durante o tempo da vida de Calvino, as igrejas reformadas da
Suíça começaram a se unir” (LATOURETTE, 2006, p. 1030).

2
A confissão de Fé de La Rochelle é composta de trinta e cinco artigos é uma confissão de fé reformada escrita
em 1559 por João Calvino, provavelmente com a ajuda de Beza e de Viret Pierre. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/credos/Confissao_Franca_Rochelle.pdf> acesso em 11/04/2015.
5
Assim, evidencia-se que tanto a figura do reformador franco-suíço quanto o
“calvinismo” de Calvino são radicalmente distintos da figura cismática que de forma
generalizada fora popularizada em nossos dias. Nas palavras de van der Walt,

O ‘verdadeiro Calvino’ não era apenas o reformador não conformista, que


desafiava as noções predominantes de seu tempo, lançando um novo
caminho, mas também o Calvino que não podia se libertar completamente do
passado e das influências contemporâneas - até mesmo não bíblicas [isto é,
humanistas]. (VAN DER WALT, 2010, p. 108).

3. CALVINO E O PROTESTANTISMO COLONIAL BRASILEIRO

A influência de João Calvino no protestantismo brasileiro não diz respeito às recentes


ondas de “calvinistas” que povoam as redes sociais e que restringem o calvinismo à doutrina
da predestinação, ou ao que ficou conhecido no escolasticismo protestante como “cinco
pontos do calvinismo”.
O protestantismo que pisou pela primeira vez por essas terras foi originalmente
calvinista. A começar pelos hugenotes franceses, que em 1557 chegaram aqui juntamente com
pastores reformados enviados diretamente por Calvino, e que intencionavam, nas palavras de
Jean de Léry, “retirar-se para um país longínquo onde pudessem livremente servir a Deus, de
acordo com o evangelho reformado, mas ainda preparar um refúgio para todos os que
desejassem fugir às perseguições” (LÉRY, 1961, p. 39-40). O historiador Elben M. Lenz
César resume os fatos ocorridos na primeira tentativa de implantação do calvinismo em terras
brasileiras:

Pouco mais de meio século depois da descoberta do Brasil, 38 anos depois


da proclamação da reforma protestante e apenas seis anos da chegada dos
jesuítas à Bahia, aportou no Brasil uma caravana ecumênica procedente da
França. Eram nobres, artesãos, soldados, criminosos e agricultores, alguns
católicos e outros protestantes, sob o comando do navegador aventureiro
Nicolau Durand de Villegaignon, de 45 anos, ora católico ora protestante. Os
três navios e os 600 tripulantes e passageiros haviam saído de Hâvre-de-
Grâce no dia 22 de julho de 1555 e chegaram à Bahia de Guanabara menos
de quatro meses depois, em 10 de novembro. (CÉSAR, 2000, p. 37).

Os franceses intentavam construir em terras brasileiras um lugar onde pudessem fugir


das perseguições religiosas, visto que na França daqueles dias, que contava com cerca de
quinze milhões de habitantes, não havia segurança para os protestantes. A empreitada só não
se concretizou devido à traição do navegador Villegagnon, que ao chegar em terras brasileiras
se “reconverteu” à fé católica. Segundo o historiador Frances Jean de Léry, um dos tripulantes
da caravana que veio ao Brasil:

6
Deve-se atribuir o erro e a descontinuidade a Villegagnon e àqueles que com
ele (contrariamente ao que fizeram de início e ao que haviam prometido) em
lugar de continuar a obra abandonaram a fortaleza que havíamos construído,
e o país que chamáramos França Antártica (LÉRY, 1961, p. 20).

Esses hugenotes, como eram chamados os protestantes franceses, com certeza, traziam
consigo o espírito social de Calvino. Contudo, por não ter sido bem sucedida em solo
brasileiro, a missão dos franceses não pode ser tomada como modelo para o nosso estudo.
Quase um século depois, os holandeses se instalaram em Pernambuco e, juntamente
com eles, uma igreja calvinista (a igreja reformada holandesa) se instalou. E embora a
permanência dessa igreja tenha sido curta, pois, coincide com a permanência dos holandeses
no país, de 1630 a 1654, aqui sim, podemos vislumbrar uma influência do protestantismo
calvinista em solo brasileiro. De acordo com Mendonça, “a mais séria e duradoura tentativa
de implantar uma civilização protestante no Brasil foi no Período Holandês, quando
reformados se estabeleceram no Nordeste com toda a sua organização eclesiástica a moda
genebrina” (MENDONÇA, 1984, p. 18).
Apesar das condições de conflito da época, podemos encontrar na igreja que veio com
os holandeses traços do humanismo social de Calvino. Isso pode ser observado nas melhorias
que os holandeses promoveram no Recife em termos de serviço humanitário. Pois, assim
como em Genebra, a igreja holandesa no Brasil delegou aos diáconos a função de assistência
social. Eram eles que subsidiados pelo governo holandês, cuidavam da alimentação, da
manutenção dos hospitais, dos órfãos e das viúvas. De acordo com Schalkwijk, “a Holanda
reconheceu a grande necessidade diaconal no Brasil e ajudou, com frequência, a melhorar
essa situação. Várias vezes foram embarcadas no Recife caixas de açúcar com letreiros:
‘pobres’” (SCHALKWIJK, 2004, p. 161).
Alem do cuidado com os necessitados, outro traço do calvinismo também pode ser
notado no tratamento que a igreja reformada holandesa dispensou aos partidários de outras
religiões que estavam em seu território. O exemplo mais notório reside no tratamento dado
aos judeus em solo brasileiro. Contudo, só compreenderemos a extensão da liberdade e da
tolerância dispensada aos judeus no período holandês no Brasil, se tivermos com que
compará-lo. Ou seja, à luz do tratamento que os judeus recebiam no resto do mundo no século
XVII.
No século XVII os judeus eram hostilizados em toda a Europa. Um exemplo disso era
o tratamento dado aos judeus em Portugal. Segundo Schalkwijk,

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Não havia judeus em Portugal, pois não havia lugar para eles. O judeu
deveria converter-se imediatamente, ou então, desaparecer. O que existiam
eram “cristãos novos”, judeus convertidos à Igreja Católica Romana, ou seus
descendentes, geralmente conhecidos como “gente da nação” ou “marranos”.
(SCHALKWIJK, 2004, p. 302).

Os holandeses não forçaram os judeus a que se convertessem à sua fé, nem tão pouco
os expulsaram. Havia tolerância e liberdade religiosa moderada no Brasil holandês. Embora a
religião estatal fosse oficialmente da igreja reformada holandesa, os demais cultos não foram
proibidos, mas deveriam acontecer nas casas dos seus correligionários.
Outro exemplo do tratamento aos moldes de Calvino que os holandeses puseram em
prática no Brasil, diz respeito à tolerância para com os católicos romanos. Havia para os
católicos no Brasil holandês, assim como houve para os judeus, liberdade plena de
consciência, e exercício restrito dos cultos. Apesar de serem considerados dissidentes
religiosos, os católicos tiveram muitos direitos assegurados pelos holandeses. Nenhum
“papista”, como eram chamados os católicos, foi convertido à força. A presença de diversas
ordens monásticas foi tolerara pelo governo holandês, sobretudo, no período da vinda do
príncipe Maurício de Nassau. O fato, é que mesmo entre os seus conquistadores, os católicos
exercitaram em suas casas a sua própria religião e eram protegidos por lei, gozando de uma
situação ímpar no mundo ocidental daquela época.
Como um reconhecimento do mesmo espírito fraterno de Calvino, a igreja reformada
holandesa não rebatizava os católicos que aderiam a ela. Os “protestantes” responsáveis por
isso só surgiram no século XIX influenciados pelo pietismo e pelo fundamentalismo
avivalista e anticatólico americano3.
Que os reformados holandeses consideravam, tal qual Calvino, que os católicos (por
mais corrompidos que estivessem) eram ainda cristãos, pode ser demonstrado no fato não
somente de não rebatizar os que vinham do catolicismo, mas também de terem se utilizado de
templos católicos para as suas reuniões. É bem verdade que eles retiravam todos os símbolos
do catolicismo, mas como afirma Schalkwijk:

Quando os holandeses reformados chegaram ao Brasil, não se preocuparam


com a construção dos seus próprios templos. Eles eram cristãos, e a casa de
oração dos cristãos já estava aí, necessitando apenas de cuidados
relacionados apenas com uma reforma para modificar o interior destes.
(SCHALKWIJK, 2004, p. 100).

3
O rebatismo de católicos nas igrejas presbiterianas surgiu na Igreja Presbiteriana da América, que em 1835,
decidiu que “(...) A Igreja Católica Romana apostatou essencialmente a religião de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo e, por isso não é reconhecida como igreja cristã” (Assembly Digest, Livro VI, Seção 83, p. 560
(1835), Apud HAHN, Carl. História do Culto Protestante no Brasil, São Paulo, ASTE, 1989, p.161.

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O protestantismo holandês praticado no Brasil traz, sem sombra de dúvidas, as marcas do
protestantismo humanista e fraterno de João Calvino. Contudo, com a expulsão dos holandeses do
Brasil, parece ter sido extinta a influência do reformador franco-suíço no protestantismo que mais
tarde se instalaria definitivamente por aqui. E mesmo que os primeiros missionários (do que ficou
conhecido como protestantismo de missão) tenham vindo de igrejas de orientação calvinista, suas
práticas pastorais refletem apenas timidamente os ideais de Calvino.

4. O PROTESTANTISMO NO BRASIL IMPERIAL E O ABANDONO DO


PARADIGMA CALVINISTA

O protestantismo foi praticamente extinto do Brasil após a expulsão dos holandeses.


De acordo com Mendonça (1984, p. 20), “Pode-se dizer que ate a vinda da Família Real não
houve mais protestantes no Brasil”.
Até então, como vimos, o protestantismo que por aqui passou trazia consigo os traços
vívidos do reformador João Calvino. Contudo, com o início do protestantismo de missão no
país, e com a chegada do casal Kalley em 1855, fundando a igreja Evangélica Fluminense e,
posteriormente, o congregacionalismo brasileiro, começa-se a configurar um protestantismo
diferente do que procedeu do velho continente. Tendo em vista essa diferença, a maioria dos
estudiosos prefere não falar em protestantismo brasileiro, mas em “protestantismo no Brasil”
(MENDONÇA, 2005, p. 51).
Embora Kalley tenha ficado conhecido como “lobo calvinista” por conta da sua ação
missionária na ilha de Madeira, no Brasil ele desvencilha-se de qualquer rótulo confessional e
denominacional. Era um missionário freelance que era “alheio a estreitos
denominacionalismos e a fórmulas rígidas de credo” (apud CÉSAR, 2000, p. 86). Apesar de
ter sido enviado pela igreja presbiteriana da escócia, as diferenças com o presbiterianismo
escocês envolviam principalmente questões teológicas e litúrgicas. Um exemplo dessas
diferenças reside na questão do batismo infantil e do rebatismo de católicos romanos. Kalley
não batizou crianças no Brasil, embora o tenha feito em seu campo anterior, a ilha de
Madeira. Numa correspondência de 1865, onde Kalley responde a John Morley, tio da sua
esposa, sobre o batismo, ele afirma:

As condições essenciais para o batismo eram duas: a) entender claramente a


mensagem; b) de coração aberto, aceitá-la. Fé em exercício e alegria
inteligente eram os pré-requisitos deste rito cristão – totalmente nulos nos
recém-nascidos... (CARDOSO, 2002, p. 51).

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Além de rejeitar o pedobatismo, Kalley, em oposição a todo o calvinismo europeu,
também rejeita o batismo dos católicos. Segundo Cardoso, em carta pastoral aos madeirenses
de Illinóis, ele afirma:

Roma, para alcançar dinheiro e poder, mudou a ceia do Senhor, a santa lei do
Criador, e as doutrinas do bendito Evangelho, em um sistema de mentiras e
engano chamado anticristo, que quer dizer Contra Cristo. Mudou o batismo
também para servir aos mesmos fins, no dito sistema, tanto que o batismo
romano não é o batismo Cristão, nem se deve imaginar que Jesus o aceitará
em lugar daquele que ele ordenou. (Ibid., 2002, p. 54).

Sendo assim, fica claro que ele não considerava a igreja católica como um ramo do
cristianismo, e que apesar de nutrir amizades com líderes católicos influentes, e até mesmo
com o Imperador, Kalley era um anticatólico, e sem dúvida, inaugura uma tradição
anticatólica no evangelicalismo brasileiro que perdura até nossos dias. Entretanto, Kalley foi
um líder de grande influência na corte brasileira, influência que beneficiou os acatólicos em
mais de uma ocasião. Além disso, por ser médico, Kalley fez um trabalho humanístico digno
de toda a tradição diaconal reformada.
Desse modo, o legado de Kalley é original e talvez ambíguo, pois fundou uma espécie
de evangelicalismo independente e até mesmo interdenominacional, mas ao mesmo tempo
rompeu com a tradição reformada que mais de uma vez tentou se estabelecer nesse país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como ficou claro no início desse artigo, nosso propósito foi demonstrar que o
protestantismo inicialmente anunciado no Brasil operava sob a cosmovisão do reformador
João Calvino. Inicialmente, vimos como Calvino era um humanista, e definimos o
humanismo no período de Calvino levando em conta o sentido que o termo tem em nossos
dias. Demonstramos que Calvino era um humanista cristão, e como tal afirmava que o ser
humano verdadeiro só poderia ser pleno a partir de Deus. Contudo, Calvino não desprezava o
humanismo antropocêntrico já presente em seus dias, por essa razão, valorizava o
conhecimento do homem e de Deus a um só tempo.
Observamos também como o reformador franco-suíço encarava as questões sociais.
Vimos que para Calvino, o ser humano é um ser social por conta de ter sido criado à imagem
de Deus, e que o pecado original era o grande responsável pela desordem e alienação do
gênero humano. Abordamos também a dimensão ecumênica do reformador de Genebra.
Enfatizamos o fato de Calvino ter comparecido a todos os colóquios entre protestantes e

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católicos, bem como de ter sido o responsável pelo esforço de reunir os divididos protestantes
dos seus dias.
Ao esboçarmos o protestantismo na época do Brasil colônia e vimos brevemente como
a primeira tentativa de implantação do protestantismo em terras brasileiras teve uma
influência direta do reformador João Calvino. Constatamos que a práxis da igreja protestante
(aos moldes da Genebra de Calvino) que mais durou em solo brasileiro – a igreja Reformada
Holandesa – carregava marcas inconfundíveis da prática pastoral do reformador de Genebra.
Dentre essas marcas, destacamos o humanismo social e a tolerância para com outros grupos
que compunham o Brasil holandês.
Finalmente, com o advento do protestantismo de missão no Brasil, analisamos as
mudanças provocadas com a chegada do casal Kalley em 1855. Vimos como Kalley, apesar
de ter sido enviado por uma igreja do calvinismo europeu, não seguiu o modelo calvinista
europeu, mas inaugurou um evangelicalismo diverso do modelo que até então havia tentado
se estabelecer no Brasil.
Outro objetivo (ainda que não explicitamente demonstrado) nesse breve artigo foi
provocar uma reflexão sobre o tipo de protestantismo que estamos reproduzindo às vésperas
dos 500 anos do evento que nos originou. Estamos mesmo conscientes da alcunha que
carregamos ao nos identificar com o movimento reformado ou calvinista? Ou será que o
nosso modus operandi não passa de uma caricatura que apenas enfatiza um aspecto
(geralmente o doutrinário) do que os nossos pais na fé ensinaram e viveram e contornam de
forma escamoteada outros aspectos centrais?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CARDOSO, Douglas Nassif. Práticas Pastorais do Pioneiro da Evangelização do Brasil.


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CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos


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SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil Holandês. São Paulo: Cultura
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