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Celebragoes populares paulistas: | do sagrado ao profano ico Pellegrini Filho BB iicass aqui algumas significativas tradi¢oes populare: do Estado de Sa0 Paulo, sobretudo festas, dancas, praticas coreografico-dramatico-musicais, bem como algumas outras celebracaes.' Trataremos, entao, para uma répida exemplifica- cdo, de manifestagdes como as festas do Divino, de Sao Benedito ¢ de Nossa Senhora do Rosério, de dancas como 0 jongo ¢ 0 catereté, e de folguedos* como a congada e 0 mocambique.’ & outras tantas modalidades, que fazem parte de um complexo de costumes da vida caipirat paulista. Muitas pessoas identificam tais praticas como falclore, que. naturalmente, abrange muito mais do que essas manifestacoes. O conceito de folclore alcanca todo o complexo da vida social, dos saberes e “fazeres” populares, que abarcam as crencas & superstigdes, passando pelos usos @ costumes, linguagem, brin cadeiras, artes e técnicas, miisica, literatura, cultura infantil e outros aspectos mais. Nos ultimos anos, esses saberes tem sido nomeados, como o fazemos aqui, cultura popular, cultura tradi- cional-popular e cultura popular de tradi¢ao oral Além da terminologia Qual o sentido dessa mudanga? Nao temos a intengao de aprofundar aqui as questdes historicas e de abrangencia que envolvem conceitualmente folclore € cultura popular. Os ento: ques S40 muitos e diversificados, além de polémicos. As tentati: vas de conceituagdo sempre apresentam um ou outro senao. diante da complexidade do assunto* Apenas para um rapido esclarecimento, apresentamos a seguir alguns posicionamentos sobre o tema Na 26° Conferdncia Geral da Organizagao das Nacoes Uni- das para a Educacao, Ciencia e Cultura (Unesco), realizada em Paris, 1989, foi proposta a seguinte conceituacao de folclore: “0 Foiclore ¢ 0 conjunto das criacoes provenientes de uma comunidade cultural baseadas nas tradigdes expressas por um grupo ou por individues e que reconhecidamente correspondem as expectativas da camunidade enquanto expressae de sva identicade cultural ¢ social, as normas os valores que se transmitem oralmente, por imitagao ou por outras maneiras. Suas formas compreendem, dente ‘outras, a lingua, a literetura, a muisice. 8 danca, 0s jogos, 4 mitologia, 08 ritos, os costumes, 0 artesanato, a arquite- ture @ outras artes”* No Vill Congresso Brasileiro de Folelore. ocorrido na cidade dle Salvador, Bahla, em 1995, 0 foleiore foi conceituacto como “o conjunte das criagées cutturais de uma comunida- de, baseado ras suas tradicdes expressas individual ou cole- tivamente, representative de sua identidade social. (..)".? A palava “folclore” nem sempre correspende ao rigor © a abrangancia desses conceitos Muitas veres, ela chega a ser rela cionada, negativamente, com fatos grotescos, comicos ¢ excentri- cidades de pessoas ¢ situacdes. Em outro aspecto, as préticas reca- nhecidas como folcloricas passaram a ser entendidas, para muitos, como “costumes tipicas”, como exprass6es, antigas @ Fossilizacas, de formas precatias @ “pobreza” material, embora interessantes pelo aspecta “agreste” & de “pureza”. Algumas modalidades ‘expressivas camo dangas, m¥sicas, artesanato € pintura serviram, entao, para exibicaa em pales e exposigdes, desvinculadas dos. sous contextos socials, como se fossem adornos. para a fruigao predominantemente estética, representativas da cultura nacional ou das culturas segionais mais "puras” {folclore brasileiro, folelere nordestino, folclore pernambucano, por exemplo). Essas considoracécs influenciaram a opcae pelo uso dos ter mos ja mencionados, associades @ cultura popular, para designer (05 saberes e “tazeres” do povo, Mas 0 problema nao se esgota nessa questdo terminologica: existe uma grande diversificacao em torne das questdes conceituais sobre 2 cultura popular. Por exemplo, Néstor Garcia Canelini, importante estudiose dessa tematica na América Latina, analisa de uma porspectiva eminen- temente politica as expressdes da cultura popular. Ele sustenta que as classes menos favorecidas constituiriam a cultura popular na relagdo com outros segmentos sociais, mas sob a condigao de nao terem acesso a tado 0 patriménio cultural gerido socialmon: te. Pedemos concordar em parte com essa visto. No entanto, ha de se levar em conta que todas os sotores sociais, inclusive as ell- tes (intelectuais ou econémicas), tem seus legades de cultura popular. ne Terra Paulsts: hstenas ate, costumes Uma observacao de Garcia Canclini fornece uma orientacao valiosa aos estudiosos dessas questoes: " (.) Acima de tudo, a cultura popular nao pode ser entendida como a “expresso” da personalidade de um povo, @ maneira do idealismo, porque tal personalidade no existe como uma entidade a priori, metafisica, e sim como um produto da interacao das relacdes sociais"* Hé de observar-se, de fato, que essas expressées, para os seus praticantes, sao muito mais do que meras formas de repre sentar identidades, nacional ou local, embora possam tambem assumir tal caréter. S80, mesmo, formas histricas de expressao de sua percepeao da realicade em que vivem os seus praticantes. Expressdes culturais paulistas em formagao Quanto a constituigdo das expressoes culturais tradicionais, em Sao Paulo, podemos recordar que elas se alicercam historica: mente em tres matrizes socioculturals: a indigena, a portuguesa ©, posteriormente, a presenca negro-africana, Essa mistura de etnias que marca Sao Paulo, como de resto todo o Brasil, produ- ziu uma grande variedade de praticas culturais. Conforme expli- ca Darcy Ribeiro, referindo-se ao povo brasileiro: * (...) Surgimos da confluencia, do entrechoque e do caldeamento do invasor portugues com indios silvicolas e campineiros ¢ com negros afri canos, uns € outros aliciados como escravos”.* No entanto, a questao da nossa multiculturalidade € bem mais complexa do que a convergencia simptes das trés vertentes. citadas, pois mesmo estas tiveram seus processos de hibridizagao em epocas anteriores avs contetos no Brasil. A cultura portu- guesa, por exemplo, resultou de cruzamentos de povos diversos, ocorridos por longo tempo na Peninsula Iberica, incluindo-se os multiples impactos da ocupacao dos mouros, por centenas de anos. Por sua vez, a cultura genericamente identificada como ne- gra tinha ampla diversidade, Recebemos no Brasil africanos de dois grandes grupos culturais, os sudaneses, embarcados na cos- ta ocidental setentrional (incluindo alguns islamizados) ¢ os ban- tos, nas costas meridionais. Pelo que se sabe, Sao Paulo recebeu em um primeiro momento da colonizacao, principalmente escra- vos do grupo banto, das atuais regides de Angola, Congo e Mo- cambique. Tadavia, mesmo estes eram compostos de subgrupos que tinham proximidades tanto quanto distingdes culturais. Por sua vez, também os indigenas se compunham de grupos bas- tante diferenciadds.” Tera Pauls: historian arte, costum on No decorrer da ocupacao do territério paulista, ¢ de toda a América Portuguesa, ocorreram asperos conflitos entre os tres grupos, mas tambem aproximacoes @ convivio, sob hegemonia europeia. Pode-se constatar esse processo contraditério em mui: tos fatos culturais que se revelam hibridos, enquanto outros guar- dam os tracos proprios de cada um desses grupos. Alguns exem- plos: no segment iberico, podemos lembrar que muitas das nos sas formas processionais sequem modelos ainda vigentes em Portugal e na Espanha. A Festa do Divino provem de Por-tugal, onde teve inicio no seculo Xill, enquanto as “folias” como grupos precatérios (que pedem algo), de sentido e funcao estritamente religiosos, sao heranca iberica. € especialmente interessante o caso das festas juninas, de forte presenca na vida caipira, a ponto de também serem conhecidas como “festas caipiras” em boa parte do territorio brasileiro. Trata-se de uma manifestagao rece- bida da tradicao catolica ibérica, mas que a rigor represonta a continuidade de rituais agrérios antiquissimos, pré-cristaos, que ocorriam em diversas regides da Europa, Relacionados a nature- za, eram praticados sobretudo na época das colheitas ou semea duras, na forma de ritos propiciatorios e divinatorios.” Pode-se notar essa heranca nos nossos festejos juninos de feicdes mais tradicionals, envolvendo cerimonias que incluem 0 fogo, a agua as adivinhacoes, o5 mastros dos santos e o casamento caipira, entre outros, Essas antigas celebracoes “pagas”, claro, foram adaptadas pelos catolicos, que as direcionaram para os santos. No tocante & presenca africana, ha de se lembrar do batu- que (de umbigada) e do jongo, que sao herancas de escravos tra- zidos das regioes do Congo e de Angola, assim como 0 $80 0s diversos tipos de sambas tradicionais. JA as referéncias indigenas 1 Festa do Divino em Tiete, 1985. Realizada em muitos municipios paulistas, as Festas do Divino fo- ram introduzidas pelos portugue: ses no tempo da colonizacao e possuiem singularidades regionais, como o encontro de irmandades em Tieté, ainda que em todas se destaquem a decoracao e a fartu- ra de comida, tém presenca bem menos pronunciada. Ha indicios dessa influencia em algumas praticas como o catira e o cururu, que varios pesquisadores acreditam estarem relacionadas aos silvico- las," tendo sido originalmente adaptagoes, a partir de dancas nativas, que os jesuitas realizaram para o trabalho de catequese. Portanto, nas diversas expressées culturais caipiras, a pre- senga mais visivel a ibérica, seguida da africana e, com meno- res marcas, da indigena. Alem dessas matrizes basicas, devemos considerar que os processos de formacao cultural sao sempre dindmicos e as trocas interculturais uma constante. Assim, ao longo do tempo, as expressées culturais paulistes em geral continuaram a receber influéncias, em diversas localidades, de imigrantes estrangeiros, sobretudo italianos, alemaes, espanhéis ¢ libaneses, j4 no século XIX, € mais tarde dos japoneses. Houve também a presenca de migrantes provenientes de varias regides do pais, que deixaram sua contriouicao. Por sua vez, ocorreram igualmente influéncias Por proximidade com alguns paises vizinhos, sobretudo 0 Para- guai. A partir do desenvolvimento dos meios de comunicacao de massa, outras marcas culturais se fizeram notar, sobretudo no campo das expressées artisticas; na mUsica por exemplo, por ‘ Terra Paulista: histvias, arte, costumes 3. Vista geral do “Barretao”, Barretos, 1998. No local, realiza-se a Festa do Peio Boiadeiro, na cidade de Bar- retos. A festa ocorre desde 1955. diferentes, dependendo da tradigao propria de cada localidade. Assim, na cidade paulista de Tieté, ela ¢ realizada no ultimo fim de semana de dezembro. Ainda, festas como as de Nossa Se- nhora do Rosario e Sao Benedito ocorrem em datas diversas Além disso, hé celebracoes que independem de ciclos ou datas especificos, como a danca-de-sao-goncalo, que se realiza nor- malmente aos sébados em qualquer época do ano, menos no periodo da Quaresma, A organizacao dessas festividades pode ter a iniciativa de pessoas dos mais diversos segmentos sociais, dependendo de cada tipo de comemoracao e da localidade. Existem desde aque- las que sao realizadas por lideres de pequenos nucleos comuni: tarios - podendo ser o "mestre” de um folguedo, um devoto que fez promessa ou o seu herdeira, uma irmandade - até as que envolvem, além de membros das comunidades tradicionais, pre- feituras, a igreja © diversas instituicoes estabelecidas, sobrotudo quando existe interesse comercial nesses eventos, que alcancam grande publico. Na maioria dos casos, as festas de grande parti- cipacao popular sempre fazem crescer, em muito, o interesse dos segmentos comerciais, na forma de “patrocinios”, ¢ dos orgaos publicos, que chegam a incluf-las no calendario de eventos oft- ciais. Assim, 0s grupos de dancas e folguedos vem sendo convida- dos a participar dessas diversas categorias de eventos, tanto tra: diclonal-populares quanto oficiais, artistico-comerciais, festivais de folclore e outros, de pequeno ou grande alcance. Nos ultimos anos, em especial, esses grupos podem ser vistos em eventos dis- tintos daqueles mais convencionais, no geral de cunho religio: so/sagrado. Eles passaram a circular como “atracao artistica” ou turistica, ou mesmo “atracao folclorica”. De fato, é interessante acompanhar 0 calendaria intenso de apresentagdes * de doter- minados grupos de dangas ou folquedos tradicionais, nos fins de semana, por praticamente todo 0 ano, nos varios tipos de even- tos culturais. Para isso, contribuiu bastante o interesse, sendo modismo, que esse tipo de “atracéo" passou a ter sobretudo pela década de 1990, por todo o Brasil. £ atendendo principal- mente a uma demanda de pessoas de formacao mais intelectua: lizada, incluindo artistas diversos, educadores, estudantes, ativis tas de movimentos sociais e organizagoes nao-governamentais (ONG's), preccupadas, pelo menos supostamente, em valorizar as tradicées populares € “dar visibilidade” a elas. Tal movimento resultou na producao e organizacao de diversos tipos de encon- tros cultural-artisticos, shows mesmo, em que se incluem apro sentagoes de grupos “folcloricos" ou “étnicos", muitas vezes atuando ao lado de artistas dos meios de camunicagao de massa voltados para as “raizes As celebragées A seguir, a apresentacao e os comentarios sobre as manifes- tagOes populares paulistas se referem a: festas, dangas, folgue- dos, ciclos festivos outras celebragoes. Festas Uma das mais importantes comemoragoes paulistas é a Festa de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro, misto de religiao institucionalizada (Igreja Catolica) e expressao popular. Embora possa ocorrer em varias localidades, a mais consagrada se realiza na cidade de Aparecida, no Vale do Paraiba, organizada por um casal de festeiros (como acontece em outras festas tradicionais). Verifica-se ali a presenca de grupos de folquedos como os mogam- biques, congadas e outras manifestagoes, que participam da pro- cissao e se movimentam durante o dia inteiro pela cidade. A festa reGine anualmente milhares de devotos de varias regides do Brasil, de todas as classes sociais. Fxiste 0 costume de se organizarem excursoes em Onibus, enquanto muitas outras pessoas fazem lon- gos trajetos a pé até o santudrio, como forma de pagamento de promessa, por meio do sacrificio fisico. E tradicional a elaboracao de doces, com prendas doadas, os quais recebem a bencao do sacerdote e sao distribuidos aos visitantes. Algumas procissoes S80 realizadas com participacao de grupos de diversos folguedos. como 0s bonecos gigantes Joao Paulino e Maria Angu, provenien- tes de Sao Luiz do Paraitinga. Durante os dias da festa, ¢ feito lao de prendas em beneficio do evento, além de outras atividades. Sao Benedito (1526-1589) dosfruta de grande devocae popu- lar. Nascido na Sictlia, Italia, era filho de africanos e, por isso, € con- siderado padroeiro dos negros ("santo de preto”, no dizer popular), ‘© que nao impede o seu culto por pessoas de todas as origens. E co- memorado em diversas datas, conforme a tradicao de cada localida: de, estando comumente associado a Nossa Senhora do Rosario. As festividades sao bastante disseminadas em Sao Paullo, ocorrendo, entre tantas localidades, em: Tieté, Itapira, Atibaia, Arujé, Guaratin gueta ¢ Aparecida. Esta ultima cidade recebe, todos os anos, deze- nas de grupos de folguedos de congo e mogambique, vindos sobre- tudo de varias regiées paulistas ¢ mineiras. O encerramento das co: nemoragoes sempre ocorre no fim de semana seguinte ao da Pas- coa, compreendendo a segunda-feira, que é 0 seu dia principal, “Com que se prepara coroa Coroa de Sao Benedito E 0 cravo, 6 a rosa E a fr0 mais bonito” (Verso de congo de Atibaia.)* v8 Tora Paulista: historas, arte, costumes 6 Festa So Benedito, Aparecida, 2001. Comemorado em associacao as homenagens a Nossa Senhora do Rosario, Sao Benedita @ uma das estas mais populares em munici- pios como Aparecida A Festa de Bom Jesus também 6 realizada em diversas loca lidades paulistas, entre elas Iguape, Tremembé e Pirapora do Bom Jesus. Nesta ultima, proxima da cidade de Sao Paulo, comemorada normaimente entre 3 ¢ 6 de agosto (dia principal) sendo uma das mais populares e tradicionais da regiao metropo- litana da capital, Durante muito tempo a festa foi um reduto de encontro de grupos negros (que se reconheciam como “bata hao") de diversas localidades do estado, inclusive da capital. que ali se reuniam para a devocaa religiosa e para a pratica de formas tradicionais de samba paulista, reconhecidos como: samba de bumbo, samba de Pirapora, samba caipira, samba: len¢o ou simplesmente samba Um ritual de fundo exclusivamente religioso ¢ a chamada Festa da Carpicao. Consiste em eliminar 0 mato do entorno ime: diato de uma capela catolica (a carpicao) e em seguida recolher um punhado de terra (em um lengo, um saquinho qualquer ou mesmo na mao) de determinado local proximo ao templo, colo: cando-0 junto a alguma parte do corpo afetada por enfermida de, para depois depositd-lo em outro lugar préximo. Ocorre em algumas localidades como o bairro de Remédios no distrito de Sao Francisco Xavier ¢ o bairro do Bom Sucesso (ambos no muni- cipio de Sao José dos Campos), 0 bairro de Bom Sucesso (em Guarulhos) e outros, em agosto, comumente por volta do dia 15. A pratica se estende para animais adoentados, especialmente cachorros e cavalos. Em alguns desses locals ha festelra (respon savel pela organizacao do evento), quermesse com leilao e outras atividades. Embora relacionada ao catolicismo (Nossa Senhora da Carpigéo, Nossa Senhora do Bonsucesso), nao ha como nesse caso deixar de se supor também ligacées com cultos ancestrais ligados 8 propria terra, tais como a devocao a Pachamama, a “mae terra” dos povos andinos (Peru, Bolivia Chile © outros). Em 27 de setembro ou em datas préximas, que podem alcancar outubro, realiza-se a festa em comemoracao aos santos gemeos Cosme e Damiao, identificados como deidades relacio nadas as crianeas. Popularmente, ¢ a “festa das criancas”, mar- cada pela distribuicao de doces, bolos, bebidas e brinquedos. Comemorado tanto por pessoas de formacdo catélica quanto de Umbanda ¢ Candomblé, ¢ realizada nas ruas, terreiros ou casas, em geral recebendo muitas doagoes. Esta disseminada por varias localidades do Estado de Sao Paulo. A Festa de Santa Cruz relaciona-se ao sacrificio de Jesus Cristo. E realizada em varios municipios, com destaque para a Aldeia de Carapicuiba (municipio de Carapicuiba), proxima da cidade de Sao Paulo, nos dias 2, 3 ¢ 4 de maio. Na festa pratica- se uma danca especifica em louvor a cruz, o sarabaque. Acam- panhado com cantoria, violas, reque (reco-reco), pandeiros ¢ a pulta (culca), ¢ realizado em trés partes: Saudacao, Roda e Despedida. “Vamo saudar a Santa Cruz E a padroera do lugar, Pedimos que ela proteja Em toda parte que ela andar Agora que eu vo canta Que inda hoje nao cantei Quero experimenta meu peito Se inda esta como deixei Pra daneé com esta morer Eu tenho satistacao O luxinho que ela faz Me balanca o coracdo [ Cantorias registradas na Aldeia de Carapicuiba - $, Paulo. ]* 20 Tarra Paulista: Faso A festa também ocorre no Embu, em laquaquecetuba e em ‘outros locais proximos da capital, num domingo em torno do dia 3 de maio (considerado 9 dia principal da comomoracao}. Sempre liderada por violeiros, a danga € realizada diante da capela @ de uma grande cruz colocads no patio central da local assim como na frente de algumas casas proximas, nas quais os moradores colocam também uma pequena cruz, Danga-se ete o amanhecer, Tem-se como certo que a festividade constitul uma manifestacao originada de atividades missioreiras de jesultas, no grande entorno da entao vila de Sa0 Paulo. Deve, portanto, ter acerrido em outros locais, come 0 bairvo de Pinhelros, os muni- cipios de Berueri ¢ Mogi das Cruzes, entre outras pontos de tra- balho de catequese jesuitica,"” Correspondendo 3 Festa de Pentecostes no calendario ofi- lal da Igreja Catolica (em que se comemora a descida do Espirito Santo aos apostolos, 50 dias apés a Pascoa), a Festa do Divino é uma das mais tradicionais do Brasil, assim come ¢ € em Portugal. A maioria dos estudiosos acredita que essas colebragdes prin piaram no Brasil j4 no século XVI, por iniciativa de portugueses. Quanto a Sé0 Paulo, 0 pesquisador Alceu Maynard de Araijo anctou, por exemplo, uma antiga referencia a festa na cidade de Guaratingueta, ja em 1761." Divino ¢ fasta organizada usual- mente por gente da elite (fazendeiros, comerciantes. etc.) enquante a de Sao Benedita ¢ "festa de pobre”. Por sua vez, a Folia de Divino consiste em um grupo de homens, portando uma bandeira com ¢ simbolo do Divino (um poo branco, prateado ou dourado) @ instrumentos musicais diversos, que faz um “giro” por residéncies urbanas efou pro- priedades rurais, pare cantar louvores ao Divina Espirito Santo & recolher doacoes ("esmolas"] para a festa. Essas oferendas po. dem ser de diversas especies: dinheiro, animais (pato, galinha, porco, bezerro), alimentos (arroz, feijao, acuicar, sal), prestacao de servicos ¢ outras, Ha sempre um “festeiro”, que 4 0 respon- savol pela organizagao da festa a cada ano, Algumas localidades onde “giram” folias © sa0 realizadas grandes festas do Divino Sao Luiz do Paraitinga. Lagoinha, Nazara Paulista, Cunha, Mogi das Cruzes, Salesopolis, Piracicaba, Tieté, Anhembi, Laranjal Paulista. Instrumental bésico: duas vivlas, triangulo, pandeiro, caixa, O “bandeirelro” ¢ outro intagrante, encarregado de con- duzir respeitosamente @ bandeira do Divino e recolher esmolas. Pessoas devotas consideram @ bandeira (vermelha com bordados u pinturas em branco cu dourado) como a propria presenca do Divino, “que veio visita". Uma vez cumprica a obrigagao de ser- tido religioso, se Folia pernoitar em determinada propriedade podem ocorrer ativicades de lazer nao religioso, com a execugao de musicas, cantorias ¢ dangas apés 0 jantar. Em muitas localide- 102 Tere Pauls: historias. ate, costumer des, nos dias da festa prepara-se uma comida chamada afogado, servida gratuitamente aos presentes. Muitos devotos acreditam que esse alimento passou a ter atributos misticos especiais - comida do Divina”. Os ingredientes provem de doacoes recolhi- das geralmente pela Folia, campreendendo carne de boi ensopa- da, arroz, feijao, farinha de mandioca e batata cozida na agua Outra cerimonia largamente disseminada é a Festa do Sao, Gonealo, realizada em louvor a esse santo nascido em Portugal (6. 1187-1259), com cantorias e dangas, ao som de violas, nor maimente com sapateado e paimeado, com coreografia basica em duas fileiras, A danga-de-sdo-gongalo ¢ feita sempre para pagamento de promessa, chegando a se estender por quatro horas ou mais. Ocorre sempre diante de um altar improvisado, tendo por base alguma mesa pequena da casa, ou ergue-se sobre ela um nicho com bambus, adornade com flores artesa- nais, onde se coloca a imagem do santo. Costuma-se colocar também no altar outros santos de devocdo do “festeiro” (orga- nizador) € do pessoal da casa. 05 quais devem, entao, ser tam- bem louvados pelos violeiras. Os dangadores fazem varias evolu- 0es, tendo sempre a frente os "mestres” violeiros, comumente reconhecides como “folgaz0es". A celebracao no geral tem carater mais particular, reunindo parentes, vizinhos e devotos conhecidos, realizando-se dentro de casa ou mais usualmente nos quintais, para poder abrigar maior numero de participantes Padroeira dos violeiros e “casamenteiro das velhas” no Brasil $40 Gongalo € considerado "milagreiro” @ esté entre os santos de maior devocao na cultura popular-tradicional brasileira, Sua festa tem enorme acorrancia em Sao Paulo, sendo realizada em Arujé, Nazaré Paulista, Atibaia, Joanépolis, Lagoinha, Santa Isabel, Mogi das Cruzes, Sao José dos Campos e muitas outras localicades. As Festas Juninas constituem um dos mais importantes ciclos de comemoracées populares no Brasil. S40 celebracdes Populares no mes de junho, comemorando Santo Antonio (dia 13}, Sao Joao Batista (dia 24) e Sao Pedro (dia 29). A rigor, os devotos ou pessoas que tem o nome desses santos costumam festajar a partir da vespera dos dias citados. Nas regioes interio- ranas paulistas, sobretudo nas localidades rurais, ainda se preser vam bem 9 louvor religioso e até rituais ancestrais, enquanto nas cidades a enfase recai sobre 0 aspecta festivo em si Nessas ocasides, so elementos constantes a fogueira, os fogos de artificio, quadrilha (as vezes com “casamento caipira") mastfo com estampas dos santos, correio do amor ou carreio elegante, culindria considerada do ciclo - cuscuz paulista, bolo de fuba, broa de milho, curau, pipoca, pinhao cozido na agua, quentao, vinho quente -, embora se trate de iguarias que podem é°a 9 Festa Junina em Cotia, 2003. Rominiscéncias ibéricas, as fostas em homenagem a Santo Antonio, Sao Joao © S80 Pedro ocorrem no ‘més do junho em diversos munict pios do Estado de $80 Paulo. As quadrithas dancades por eriancas, com roupas especialmente feitas para o evento, so comuns. ser consumidas em qualquer época. Tais elementos dao a esses eventos uma ambientagao “caipira” ou de zona rural. Essa ima gem de “festa caipira”, inspirada na figura do cabocio paulista, se difundiu por boa parte do Brasil, com as roupas e os gestos considerados "tipicos”, tendo, tambern, na quadrilha caipira (ver mais adiante), a sua representacao coreografica Dos santos das festas juninas, um € portugues @ os outros dois judeus contemporaneos de Jesus. Santo Antonio nasceu em Lisboa, em 1195, ¢ faleceu em Arcela, na Italia, em 13 de junho de 1231. Seu nome de registro era Fernando de Bulhées y Tavei ra de Azevedo, send canhecido como Santo Antonio de Lisboa ou Santo Antonio de Padua, por ter vivido nesta cidade italiana por muito tempo. Pertenceu 8 ordem de Sao Francisco de Assis. Tido como casamenteiro € grande realizador de milagres, esta entre 0s santos mais cultuados no Brasil. No seu dia © comum, nos conventos franciscanos, a distribuigéo de paezinhos, que simboli zam a fartura do alimentos, sendo ainda fator de protecao espir tual. Multas pessoas colocam esse pao bento no recipiente onde se guarda 0 arroz ou outro alimento, pare que este nunca falte na casa. Nas missas realizadas em seu dia, milhares de pessoas vao as igrejas proprias, para realizar pedidos civersos, incluindo-se al, naturalmente, as suiplicas para conseguir casamento. Sao Joao Batista, primo de Jesus, tem seu nascimento come morado no dia 24 de junho pelo calendario catolico. Conside rado protetor das colheitas, é dos trés santos 0 que mais se iden Uifica, no Brasil, com o espirito popular Festivo junino, no senti do profano, estando relacionado principalmente a simboios como 0 fogo, a équa, a natureza e a fertilidade. Em varias partes Terra Paulista: hietris, arte, costume 105 do Brasil se realiza a “lavagem do santo” nos ios, cuja agua passa a ser considerada benta nesses momentos e dotada de poderes curativos. No cristianisino, & através do batismo nas aguas que se considera convertido 0 pagao. Entre nds, existem roferencias as festas joaninas desde o inicio do século XVII, mas, provaveimente, 5 primeiros colonizadores portugueses ja as praticavam desde o século anterior. Na noite de 23 para 24, rea- lizam-se diversos tipos de “sortes” para se prever e pedir pelo futuro (casamento, morte, boas colheitas € outros). Sao Pedro, por sua vez, 6 consagrado como o “chaveiro do céu” e protetor das vitvas, sendo também o padroeiro dos pes- cadores, pois, segundo © Novo Testamento, fol pescador antes de se tornar seguidor de Jesus. No seu dia realizam-se procissoes fluviais em diversas localidades. E o santo que encerra tradicio- nalmente o ciclo junino, embora ja se realizem comemoragoes no mes de julho, as chamadas festas julinas ou julhinas. Finalmente, a Festa dos Santos Reis refere-se aos Tres Reis Magos Gaspar, Belchior e Baltazar, festejados no dia 6 de janai- ro. A ela estao relacionadas as Folias de Reis, que s3o grupos Gevocionais, geralmente de homens, que representam “a visita dos Reis Magos ao Menino Deus”. Portam uma bandeira com Gesenhos/pinturas alusivas ¢ instrumentos musicais e fazem visi- tagées (“giro”) nas casas, normalmente no periodo entre 24 de dezembro a 6 de janeiro. Nessas ocasides, realizam cantorias € rituals de louvacao, com versos que anunciam o nascimento de Jesus € outros temas afins, Normalmente, pedem ajuda ("esmo- las") para a realizacao da festa comunitaria, da mesma forma que 0 fazem as Folias do Divino. A visita da Folia de Reis as resi- 10. Folia de Reis em Bebedouro, 1986. Méscaras e chapéus conicos sa0 tracas distintivos das fantasias dos membros das Folias de Reis. Essas festas sao mais comuns no Norte eno Noroeste paulistas ao longo do ano, exceto na Quaresma. 186 Towra Paulista: historias, arte, costumes déncias ¢ corcada costumeiramente de grande emogao, na medi: da em que, segundo a crenca popular, ali se fazem presentes as proprias entidades louvadas. A dona ou o dono da casa recebe a bandeira na porta ¢ a conduz para dentro, com grande reverén- cia, passando-a por sobre a cabeca dos membros da familia e dos moveis e implementos da casa, levando-a tambem para os varios comados, que entao consideram estar protegidos. A Folia de Reis também recebe os nomes de Companhia de Reis, Terno de Reis ou simplesmente Reis. Seus integrantes sao chamados de "foliées". © instrumental € bastante variado, podendo incluir: violas, viol6es, cavaquinho, pandeiro, caixa, sanfona, rabeca (violina). Nao se pode deixar de mencionar a presenca dos "Palhagos", na geral dois. Com roupas sempre fol- gadas € muito coloridas, ¢ ainda usando mascaras e chapéus em forma de cone, eles fazem a funcao comica nos grupos, muitas vezes representando os "soldados do rei Herodes”, dos relatos biblicos. A festa ocorre em muitas regides paulistas. Cabe lem- brar que varias cidaces paulistas promovem Festa de Reis fora do ciclo préprio, em festivais com a presenca de dezenas de grupos (inclusive de Minas Gerais € Goids). Isso acontece em Altinopolis, Barretos, Ribeirao Preto, Votuporanga e outtras localidades. Diferentemente das celobragdes catdlicas citadas até aqui, a Festa de lemanja homenageia um orixa de religides afro-brasilel- ras, que representa a forca das aguas do mar. € reverenciada sobretudo por tendas de Umbanda e Candombles, comumente em praias. Em determinadas datas, sobretudo 8 de dezembro & dias proximos, bem como em 31 de dezembro, nas celebragoes de passagem do ano, adeptos da Umbanda vindos de todo 0 ter- 108 Terra Paulista: Historias, arte, costumes 12. Festa de lemanjé na Praia Grande, 1992. Jemanja, produto do sincretismo religioso afro-brasileiro, repre- senta a forca das aguas do sar. For isso, as homenagens a esse orixd - também associado & catoli ¢a Nossa Senhora da Conceicéo ‘ocorrem em dezembro, nos mu= niicipios titoraneos, ritério paulista realizam cultos nas praias de Santos, Sao Vicente, Guaruja, Bertioga, Praia Grande, Sincretizada com Nossa Sentiora da Conceicao (festejada em 8 de dezembro), lemanja ¢ contemporaneamente representada por uma moca de cabelos longos e pretos, vestida longo branco-azulado, saindo do mar. Alguns dos rituais ja extrapolaram assesses dos cultos afros ¢ se disseminaram por toda a populacao. Isso ocorre principalmen- te nas regides litoraneas, onde, nas “festas de ano-novo", mul- las pessoas jogam flores e presentes e se banham no mar, vest das de branco Dancas Batuque ¢ termo generico no Brasil, referente a qualquer misica percussiva ou ao simples ato de percutir, em geral relacio- nado a populacoes negras. De fato, documentos ¢ relatos litera: rios antigos associam 0 batuque aos cultos religiosos e, ainda, a todas as manifestacoes envolvendo musica e danga, praticadas por africanos e seus descendentes. No Rio Grande do Sul, Pard ¢ Amazonas trata-se do nome das praticas religiosas da vertente afro-brasileira. No casa especifico de Sao Paulo, batuque refere- se a uma modalidade preservada por membros de comunidades affo-brasileiras das regioes de Piracicaba, Tiete e Capivari, que tem na umbigada (batida dos ventres dos dancarinos} 0 seu ele- mento coreogréfico principal. Estudos indicarn que o batuque se originou de escravos trazicios da regiao Angola/Congo, portanto, dentro do grupo etnolinguistico afticano banto ou bantu. Alem do canto, a danca é realizada sob 0 acompanhamento ritmico de dois tambores, 0 tambu (o maior, feito com um segmento de tronco de arvore) ¢ 0 quinjengue (0 menor, em forma de calice), e mais um par de madeiras que percute 0 corpo do tambu, deno minado matraca, Muitos participantes portam ainda outro ins- trumento, um chocalho de metal denominado guaia. O tambu fica no chao, e seu tocador senta-se sobre ele, como se 0 caval gasse. A coreografia basica se desenvolve em duas alas, uma de homens e outra de mulheres, em lados opostos, que se encon tram varias vezes, com pares diferentes, realizando a umbigada As cantorias se fazem com versas improvisados ou tradicionais. Normalmente o batuque s¢ inicia tarde da noite, por volta das 23 horas, e vai até 0 raiar do dia. Cana-verde - ciranda - danga do caranguejo - chimarrete (chimarrita ou chamarrita) sao dangas tradicionais de coreografia simples, no geral de rada ou alas, na maioria de origem portu guesa, que se realizam nas festas populares. A ciranda envolve Participantes adultos, assim como ocorre em Portugal, nao se confundindo com a brincadeira de roda infantil nem com a ciran da das regides nordestinas, tamoem de adultos. Essas praticas se fazem sob © acompanhamento dos instrumentos musicais mais, comuns, como: sanfona, viola caipira, violao, pandelro e outros, tendo cantorla de versos tradicionais ¢ tambem criados no Momento, 0 que sempre Ihes da atualidade. Ocorrem no litoral € no interior. A pesquisadora M. Amalia Correa Giffoni explica que em geral sao apresentadas de forma isolada. Em certos casos, porém, dependendo da localidade, se executam relacionadas a um conjunto de outras coreografias denominado fandango "Chimarrete, chimarrote Veio de Montevideu Quem nao danca Chimarrete Nao vai comigo ao cou Tico-tico no terreiro Nem que chove nao se moia Onde tem moga bonita Nas feia nao se dia” [ Versos de Chimarreta, Aldeia de Carapicutba, Sao Paulo. }"* Catira ou catereté & danga de palmeado e sapateado, que tradicionalmente era quase sempre executada por homens pos- tados frente a frente. Seus executantes dizem o Catira - no mas- culino, Ocorre em diversas localidades paulistas, em festas fami: liares efou tradicionais (Divino, Sao Benedito, Santa Cruz), ¢ outras. Por estar historicamente associado a localidades de tradi 40 boiadeira, fixou-se 0 costume de os grupos trajarem botas, camisa xadrez, chapeu de aba larga, Todavia, podem-se encon- trar executantes em roupas comuns. O Catira ¢ praticado ao som de duas violas ou viola e violéo, com movimentos entremeados pela moda de viola (forma de cantoria recitativa). A coreografia inclui sapateados ¢ palmeados, além de outras evolugses como a “meia-lua”, Alguns estudiosos o assaciam ao trabalho cate- quético de jesuttas, aproveitando praticas de musica e danga de indigenas, adaptando-as para scus objetivos religiosos (conforme ja mencionado). Cururu € atualmente uma especie de cantoria de desafio com acompanhamento de viola e/ou violaa. Na origem, além da cantoria, executava-se uma danga de roda, em sentido anti-hora Tio, Atualmente, ela nao @ mais praticada no Estado de Sao Paulo, mas sobrevive em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O Cururu @ comum em noitadas de Piracicaba, Capivari, Tiete, Sorocaba, Tatul e outras localidades da chamada Média Sorocabana, nas festas tradicionais e naquelas promovidas por donos de bares, nos fins de semana, com o intuito de atrair fre- quentadores. Tempos atras, havia 0 Cururu religioso, quando os cantadores deviam versar sobre contetidos da Biblia. Alem da 190 Torre Paulista: historias, arte, costumes forma de cantoria de desafio, 0 Cururu identifica também um genero (padrao ritmico) musical da cultura caipira, distinto da moda de viola, do catira e da toada Fandango, no interior de Sao Paulo, refere-se a alguns tipos de dancas de grupo, centradas no sapateado, geralmente feito por homens. Existem variantes como o fandango de tamanco, de Ribeirao Grande e Capao Bonito, e o fandango de chilenas (tipo de grandes esporas), de Capela do Alto, Tatui e Sorocaba. Danga- se Normalmente em duas alas frente a frente, sob 0 acompanha- mento de violas, sanfonas e pandeiras. Dependendo da localida- de, pode haver diversas coreografias, com nomes especificos, como se fossem praticas diferentes. No litoral sul de $40 Paulo 0 termo designa o baile comum, como o arrasta-pé, embora se exe- cutem alguns ritmos proprios e tradicionais. No Sul do Brasil trata-se de um conjunto de vérias dangas (suite), enquanto no Nordeste se refere a um auto com muitos persanagens, dancas e cantorias, que dramatiza temas maritimos. O fandango (sulte de dangas) tem origem espanhola, mas se disseminou em varias regides de Portugal, de onde, tudo indica, o recebemos, A danca de fitas ¢ uma manifestacao feita por participantes masculinos ¢ femininos, ou somente por meninas, com unifor mes que diferenciam dois grupos (ha preferencia pelas cores azul € vermelha) @ tendo por referencia um mastro de cujo topo par- tem fitas, uma para cada participante. A um aviso dado, todos se movimentam em ziquezague, a coreografia mais comum, uma vez passando sua fita pelo alto da fita de um integrante que se Movimenta em direcdo oposta, e a seguir passando-a por baixo da fita do proximo. Desse modo, se obtém um cruzamento das fitas no mastro. Outras coreogratias podem ser executadas, em 192 Terra Paulista: historias, arte, costumes 15 Mastro danca fitas do Festival do Folclore, Olimpia, 1999, Do mastro pendem fitas, uma pa ra cada participante desta danca lexecutada por homens e mutheres ou somente por meninas, dividi- dos om grupos trajados a carater. 16 Carnaval em Santana do Parnatba, 1998. A desproporcao entre a cabeca @ 0 corpo que a sustenta é a carac teristica mais marcante dos Cabe. oes, Santana do Parnalba, uma das ultimas localidades paulistas onde essas personagens desfilam no Carnaval geral acompanhadas por ritmos de marcha ou polea, Em Sao Paulo ha registros de sua execugéo em Taubats, Cotia, Sa0 Luiz do Paraitinga e Iguape. Folguedos Caiapo ¢ nome de um grupo indigena da familia linguistica Je, cujas aldelas atualmente se encontram no sul do Para € norte do Mato Grosso. Outrora viviam em muitas outras localidades. 0 folguedo com esse nome, caiapo, nada tem a ver propriamente com esses indigenas. £ composto de um grupo de pessoas, na maioria homens, que se trajam imitando indios, portando arcas e flechas e alguns instrumentos musicais, no geral de percussao. Cacique, bugrinna, guerreiros sao alguns de seus personagens Apresentam-se na forma de uma danga-cortejo, realizando algu- mas dramatizacdes, que provavelmente se relacionam a repre. sentacoes de antigos embates entre Indios e bandeirantes. No territorio paulista, 0 caiapé teve ampla ocorréncia, inclusive sendo citado na capital, mas nos ultimos anos ¢ encontrado em poucas cidades, como Saa José do Rio Pardo, Piracaia e Ilha Bela. Embora o Brasil seja mundialmente reconhecido por algumas das suas expressoes do carnaval, como as Escolas de Samba do Rio de Janeiro @ os blocos carnavalescos da Bahia © de Pernambuco, existem ainda varias outras modalidades de folguedos desse perio do, Entre eles, no Estado de Sao Paulo, registram-se: Cabegées - Caracterizados pela confeccao de grandes cabe cas, de feigoes diversas, usando-se pedacos de papel colados sobre forma de barro, tendo o formato de bonecos gigantes. $40 usados no carnaval de Santana do Parnatba Cordao de bichos - cortejo de varios "bichos” (boi, cavalo, urso, galinna, pato, cegonha, zebra, etc.) confeccionados com armacées de bambu ou outros materiais © colagem de papel Costumam se apresentar na época do carnaval, em cidades Mo Santana da Parnaiba e Tatut. Boizinhos - confeccionados segundo a mesma tecnica de armacao e empapelamento ou recobertos com tecido. Ocorrom em Ubatuba, Iguape e Sao Lulz do Paraitinga. Nesta ultima cida de confeccionam-se também bonecos gigantes, tradicionalmen te 0 Joao Paulino ¢ a Maria Angu. E comum que essas manifestacoes sejam acompanhadas de instrumentos de percussao® e, as vezes, de uma banda (instru mentos de sopro), ou, até mesmo, ultimamente, por bateria do tipo das Escolas de Samba, Esses “cordoes” se apresentam nao somente no carnaval, mas também em outras festividades.”" ‘A cavalhada € um tipo de teatro popular que representa as lutas entre mouros e cristaos na peninsula Iberica. Os mouros Terra Paulista: historias, arte, costumes 1s vestem-se com uniforme em que prevalece a cor vermelha, ¢ os cristaos, com a constancia do azul. Costumam “lutar” com 12 homens em cada “partido”, todos efetuando coreografias mon taclos em cavalos e dispondo das armas - lanca, espada e garru- cha. Ha os “espias” (espioes) que, a partir dos disfarces, deriva- ram para “palnagos”. Pode ocorrer também a presenca da Princesa Floripes ou Floripedes, moura que ¢ raptada e converti- da ao cristianismo, Com a derrota, todos os mouros s4o conver- tidos e, entdo, se encerra a tarde de lutas com diversos jogos de agilidade equestre, Alguns exemplos: 0s cavaleiros procuram espetar ou estourar cabecinhas artesanais, de papel, espalhadas pelo campo onde se faz @ representacao; jogam suas langas sobre um fio ou trave de bambu para apanha-las adiante; tiram com a langa uma pequena argola pendurada no meio do campo. Uma pequena banda - a “furiosa” - comumente acompanha a movimentacdo. Existe ainda um tipo de cavalhada em que os aspectos dramaticas se perderam, restando apenas os jagos eqitestres. Ocorre em festas do Divino e outras; também pode integrar programacao de feiras de gado e agricolas. A cavalhada dramatica ¢ realizada em Franca e Sao Luiz do Paraitinga, poden- do deslocar-se dai para outras regides. No deve ser confundida com a cavalaria de S40 Benedito, que ¢ apenas um cortejo de pessoas a cavalo, em louvor ao santo, senda mais conhecida a da cidade de Guaratingueté ‘A congada, congado ou congo € um folguedo dramético ou danga-cortejo realizado sobretudo por pessoas das comunida- des afro-brasileiras, em devogao principalmente a S40 Benedito, Nossa Senhora do Rosario e Santa Ifigenia. Na maioria das vezes, as congadas ou congos sao grupos de danca-cortejo, existinda porém alguns que realizam representagoes de lutas, geralmente com espadas de madeira (congadas draméticas), entre grupos negros rivais, reportando-se a Africa, ou, as vezes, encenanda antigas lutas entre cristaos © mouros. Em geral as apresentagoes se fazem ao som de cantorias e instrumentos diversos, de per cussao variada, viola caipira, violao, cavaquinho e acordeao, principalmente. A maioria dos estudiosos considera que 0 surgimento das congadas esta relacionado as festas brasileiras de coroacao da Rei do Congo, ou Rei Congo, que foi costume institucionalizado pelos portugueses na Africa, no século XV.” Nas regies domina- das por estes, a popuilagao elegia um rei simbolico, sob grandes fostas. © objetivo era controlar os habitantes com maior efica cia.” Nesses festejos teria surgido o auto. Outra vertente acredi- ta que esses grupos surgiram por ocasiao das festas de devocao a Nossa Senhora do Rosario, institucionalizadas pela Igreja Catdlica em 1573." A partir daf teriam aparecido as primeiras contrarias de negras no Brasil ¢ nelas as congadas, nos momen- tos das festividades publicas, Na vertente afro-negra de dangas e folguedos populares temos © jongo, cuja corsografia mais comum é a roda, com um casal de solistes no centro, E praticado sabretude por membros das comunidades afro-brasileiras de algumas localidades do Vale de Paraiba paulista, como Guaratingueta, Lagoinha, 5a0 Luiz do Paraitinga. Cunha, Piquete e tambem na porcas fluminense do vole. Hé vaniantes em cidlades do Espirito Santo @ Minas Gereis, onde tambem é reconhecido como caxambu, ¢ ainda no morro da Serrinha, na capital fluminense. O Jongo @ realizado sem data especifica, imas em geral acorre na época das festas juninas ¢ cm ‘outras tradicionais @ ainda nas de 13 de maio, comemorandy a Abolicdo da Escravatura. Danca-se ao som de tamberes, denomi- nados tambu {0 Major) ® “candonguero” (candoguciro, o menor); Mm certas localidades, ambos sao designados como tambu. Além disso, as vezes aparece também um tipo de chocalho denomina- do guaia ou angoia. Cantorias ae versos tradicionais ou improvi- sados 840 denominados “pontos”.. Existem madalidades tradicio- nais de jongo nas quais se apresenta um enigma que deve ser “desatade” (desvendado) pelos outros participantes, Mocambique & uma danea-corteja afro-prasileira, com bas- t6e5, que ocorre em cliversas cidades do Vale do Paraiba e aigu- mas do sul de Minas Gerais: costuma participar do festas de base Feligiosa @ outras, Cada grupo 6 formado por cuas fileiras ou alas conforme a coreografia - de homens tajando roupas brances, tenis brancos, casquetes brancos (tipo de bone flextvel, ser abas) com fitinhas ou modalhas de santos. No peito, eles tradicional mente utilizam fites azuis (de Nossa Senhora) ou vermelhas (ce Sao Beneditol cruzadas (ultimamente aparecem também fitas verde e amarela, em homenagem ao Brasil, € abaixo dos joelhos, guizos amarrados, por vezes chamados de gualés ou pais, Os movimentos da coreografia se fazem sempre com o manejo dos bastoes que, percutidos antre os membros do grupo, servem tam- bom como instrumento ritmico, Os participantes dancam e can- tam ao mesmo tempo, aborcando assuntes religiosos ou livres, acompanhados por diversos instrumentos musicais, como a caixa {tamber pequeno), viola, 2 sanfona, o vialao e 0 cavaquinho, entre os mais comuns. Junto aos tocadores (musisos), costumam ficar 0 “rei” @ 2 “rainha” do mogambique, que podem conduzir a “bandeira” ou estandarte do grupo, sempre trazendo. as figu- tes de Sao Benedito e/ou Nossa Senhora do Rosario, dos quais os Participantes sdo devotos. Aiguns estudiosos acreditam que o Mogambique tern a mesma origem das cangacias. mas nao se pode descariar 4 influencia da danga dos pauliteiros, ou dos paur- lites, portuguesa, que tambem utiliza bastées. oz Tere Paulbte:histonas, ere, costumes 22 Sambistas do Grupo de Samba de Roda de Pirapora, 1999, © bumbo 8 0 principal acompa- Fhamento de samba praticade POF comunidades negras de inte. Hor do estado de S30 Paulo. em modaticades como a samba de Durnbo, 0 samba caipira eo samba-iecico. A tao conhecida quadrilha caipira tem origem francesa (qua- drille) e ocorre em todas as regides brasileiras, nas festas juninas. Pelo que so conhece, comecou a ser praticada entre nds a partir da vinda para o Brasil, em 1808, da familia real portuguesa, que deixou a Europa devido a invasio dos exércitos de Napoledo Bonaparte, Portanto, era aristocrética, realizada nos saloes das elites, em qualquer tipo de festividade e qualquer epoca do ano (inclusive no carnaval). Mas com 0 tempo alcancou todos os estratos sociais @ se fixou como um componente essencial das festas juninas, tendo como centro a figura do caipira paulista, A quadriina @ usualmente comandada por um “marcador”, que dirige as variadas coreografias. Nao constitul propriamente um genero musical, mas sim uma forma da danca, que ocorre em geral sob 0 ritmo da polca ou da marcha junina. Existem contro: versias sobre sua classificagao como danga ou folguedo, pois sempre tem diversos personagens - “noivos”, “padre”, “delega- do” @ outros. Samba, samba de bumbo, samba-lengo, samba caipira sao designagoes de formas antigas de samba que membros de comu- nidades negras praticavam em varias localidades do Estado de S4o Paulo, como Santana do Pamatba, Campinas, Rio Claro, Sorocaba, Itu, Pirapora do Bom Jesus, Atibala, Franco da Rocha © outras, Essas modalidades tinnam no bumbo o seu instrumen- to mais destacado, sendo distintas do samba de tradicéo baiano- carioca, que se consagrou nacionalmente a partir da década de 1930. Ainda esta presente em Pirapora do Bom Jesus, Santana do Parnaiba e Maua, principalmente por influéncia de movimen- tos de preservacao folclorica (folcloristas, antropologos, profes- sores, estudantes) Outras celebragoes Os tapetes de Corpus Christi constituem um tipo de arte Popular efémera, j4 que adornam o leito das ruas por onde pas- saré a procissao (catdlica) do dia em que se hamenageia 0 Corpo de Deus. Os habitantes de cada quarteirao reunem-se @ criam desenhos alusivos ao tema, que sero realizados a partir da madrugada; para isso, juntam materiais diversos como serragem tingida ou nao, farinha de mandioca, folhas e pétalas de flores, vidro modo, cascas de ovo, gesso e outros. Além dos “tapetes”, sao feitos, em pontos intermediarios ¢ nas esquinas, os “qua dros” (figuras mais elaboradas), para o que muitas vezes s40 uti lizadas formas tambern preparadas pelos moradores, Embora esses adornos efemeros sejam realizacos em multas cidades, podem ser destacados 05 de Matao, Sao Manuel, Cacapava, Santana do Parnaiba, Taubaté, Sao Luiz do Paraitinga, Taqua ritinga e Capivari 208 ‘Tora Paulista: historias, arte, costumes 23 Tapote om rua de Sao, Manuel, 1986. Sen farinha, petalas de fo: res @ cascas de ovos sao alguns dos materiais ut racao dos “tapetes” que orna- Im as ruas nas festas de izadios na deco O ritual da malhagao de Judas significa um castigo a Judas Iscariotes, por ter traido Jesus, segundo a tradigao biblica. Centraliza-se no boneco de Judas, feito normalmente com rou pes volhas, com enchimento de jornal, serragem ou panos velhos, usado para a "malhacao", no sabado ou no domingo da Pascoa. Na malhacao mais simples, © boneco é amarrado num poste e queimado au espancado até ser destruido; tambem pode ser amarrado no alto de um pau-de-sebo, a0 longo do qual sao penduradas prendas. como acontece em Capivari, Uma forma tradicional que ja existit: no Rio de Janeiro e em outras localida. des ¢ mantida em Itu, ao meio-dia do domingo de Pascoa Utilizam-se dois bonecos, de Judas e do Diabo. O boneco de Judas fica preso em um poste, cerca de tres metros abaixo da figura do Diabo; ambos explodem apos a bateria de fogos que faz acionar uma roldana para o Diabo despencar nes ombros do “traidor” Destacando-se no calendério anual por ser um periodo de contengao quanto a festas, dancas e outras atividades de lazer, a Quaresma/Semana Santa 6 um periodo ritual do cristianismo, de 40 dias, que vai da Quarta-feira de Cinzas (apds a Terca-feira de carnaval) até 0 Domingo de Pascoa. Segundo @ tradicao cato- lica mais antiga, ¢ tempo de abstencoes (por exemplo, de se comer carne as sexta-feiras ou durante a Semana Santa intcira), de recolhimento ¢ austeridade. no qual nenhuma manifestacao festiva deve ocorrer. Essa visdo migrou, até, para muitos prati- cantes de religioes afro-brasileiras, que evitam rituais de tambo- res durante essa época. Entre os costumes tradicionais da Quaresma esta a recomenda de Almas, executada por grupo de homens e mulheres, a noite, em ambientes abertos (ruas e cemi terios). Nessas ocasides, canta-se e reza-se para as almas "que esto no purgatorio”. Recebernos essa pratica de Portugal, onde & registrada desde a Idade Média. Tem sentido rigorosamente religioso, marcado comumente por cantos Iigubres e cercados de “mistérios” e sigilos. Ocorre em Capela do Alto, Ribeirac Grande, Santo Antonio da Alegria, Franca e outros municipios “Lembre-se a expressao comum entre os niossos recomenda- dores: nao olhar para tras, para nao enxergar as almas que vagam no espago. Através de suas oracaes € do peditorio de ora- GOes, que € uma das caracteristicas do grupo, procuram afastar as almas do seu convivio e do convivio da comunidade a que per- tencem, Créem que as almas dos que ndo morreram de morte natural sao aquelas que atormentam os vivos e, portanto, a elas sao dirigidas, principalmente, as oragoes. E com os instrumentos exorcistas, a matraca © 0 berra-boi, pedem aos mortos que os deixem em paz, oferecendo-Ihe inclusive a paz para eles mes mos. Pela importante funcao social que exercem, os recomenda- dores, tal como os chamam nas regides rurais de Sao Paulo, so vistos com seriedade e respeito.” * Concluindo as explicacoes sobre este grupo de manifesta- GOes, temos as romarias - tipo de celebracao religiosa comum nas regides interioranas, tendo por centro de interesse algum polo catalico. Podem ser realizadas a pe, a cavalo, om veiculos motorizados (inclusive motocicletas) e outros recursos, sempre em grupo, Sao organizadas ciclicamente, em funcao do dia espe- Clal de comemoracao do santoa) ou em qualquer épaca, por ini- 206 ter 24 Tapete de Festa de Corpus Christi em Santana do Parnaiba, 1987. Santana do Parnatba é um dos municipios em que se destaca 0 trabalho da comunidade na exe: cutao do tapete decorative de Fosta de Corpus Christi clativa grupal, incluindo-se a possibilidade de pagamento de pro: mesa. Alguns pélos de atragao para as romarias sao Aparecida, Iguape, Bom Jesus dos Perddes e Pirapora do Bom Jesus A lembranga e a afirmacao de um modo de ser Os saberes © “fazeres” populares aqui apresentados, que se disseminam por regides do interior do Estado de Sao Paulo, tem, na maioria das vezes, origens remotas: "€ coisa dos antigos” como se diz popularmente. Entretanto, séo formas vivas e dina- micas que, num proceso camplexo que nao cabe aqui aprofun- dar, se preservam mas se renavam nas suas funcoes, formas € significados. Ocorrem tanto no ambito da vida rural ("é coisa de sitio", dizem) quanto nas cidades de pequeno, médio @ até de maior porte, Constituem-se como eventos de grande poder agit tinador, que marcam as comunidades dos seus praticantes, Ao serem exercidos, tornam-se instrumentos valiosos de guarda da memoria e identidade de pessoas e grupos, sendo sempre 0 resultado do esforgo coletivo de preservacao As festas, em particular, representam momentos da maior Importancia social, Sao instantes especiais, ciclicos, da vida col tiva, em que as atividades comuns do dia-a-dia dao lugar a pra ticas diferenciadas que as transcendem, com multiplas funcoes e significados sempre atualizados. As diversas espécies de praticas culturais populares podem ser a ocasiao da afirmacao ou da cr tica dos valores e normas sociais; 0 espago da diversao coletiva do repasta integrador: do exercicio da religiosidade; da criagao cexpressao de roalizagoes artisticas; assim como o momento da confirmacao ou da conformagao dos lacos de identidade e soli- dariedade grupal, Podem, inclusive, conciliar sentidos diversos em uma mesma manifestacao, E no contexto social amplo, e nao apenas no isolamento em si dos fatos, que elas podem revelar os seus significados mais profundos. Percebe-se, entdo, que, apesar de comumente serem percebidas apenas como “festas”, no sentido Iudico do termo, por se expressarem muitas vezes por meio de musicas, dancas cores, brincadeiras ¢ refeigoes em comum, elas tem, ale desses aspectos, sentidos outros para os seus praticantes. Pode-se notar que em percentual significativo as celebracdes populares estdo relacionadas com valores religiosos/sagrados. Assim, mesmo as dangas e folguedos ndo 40 apenas “diversao”, para serem vis. tas e ouvidas somente como praticas artisticas. Sao também atos de f6, de solidariedade, de partilnar a vivencia e a historia comum das pessoas, do presente e do passado, remomorando sempre um modo de ser caipira, com muito orguiho. 105 temas de festas, ritos & celebragées 80 classicos nas ienelas socials. Pare uma tel tura introcutoria @ idatica, consultar. BRANDAO, Carlos Rocrigues. “Rotina, testa e ri- tual: algumas idélas introduta- fas". In: Cavathadas de Pire- nopotis: um estudo sobre rex prosentacdes dé Cristdos e Mouros em Golds. Golania Oriente, 1974: ITANI. Afice Fesias e calendarios. S80 Pau- lo: Unesp, 2003; SEGALEN, Martine, Ritos @ rituais con- temporateas. Rio de Janeiro: Fev, 2002 2 Benga refere-se & expressao coreogratica-musical tao s0- mente, enguante folguedo admmite eises aspecias, tendo, ainda, necesseriamente, algu ma forma de dramatizacgo. mesmo que apenas a presenca de algum personagem como tum Rei, uma Raina, um Em baixador, que outrora podem ter sido integrantes de um en- edo teatral mals completa Cal serem priticas coreogeati co-dramatico-musicais. Alem essa nomenclature, encentra mos cutrés, coma: danga dra- matica (adotada por Mario de Andrade em Dancas oramati as do Brasil. Tomo 3, Sao Pau- lo: Martins, 1959), danga-cor ‘g)0, 2uto, auto popular. 3 Explicagoes sobre essas é ou ras expressoes se encontram tno decorrer do texto. 4 Sobre esse termo, ver conside- racoes nie texto "A gente pau- Hista@ @ vida caipira”, de Luis Roberto Rocha de Francisco, no volume 2 desta colegao. 5 Dente outros, ver: BRANDAO, Carlos Rodrigues. O que 6 fot Glore. $40 Paulo: Brasiliense, 208 1982 (Coiegao Primeitos Pes: 4303}; PELLEGRINI FILHO, Amé- rico, "Conceitos brasileiros de Tolelose”. in: PELLEGRINI FILHO (erg). Antologia do folciore brasiletro - século XX. Sa0 Pau- fox Edart, Belém: Univ, Federal do Pars, Jo80 Pessoa: Univ. Federal da Paraiba, 1982, op. 11-31; CARVALHO, Rita Laura 5. de et af, Seminario foiclore cultura popular, as varias Faces de um debate, Rio de Janeivo: INFABACIMEC, 1982 (Serie En- contios & Estudos 1}: FERNAN- DES, Florestan, 0 foiciore em questdo. Seo Paulo, Hucitec, 1978; CASCUDO, Luis da Ca- mara, Diciondria do folclore brasiieira, 5° ed. Se Paulo: Melhoramentos, 1980; LIMA, Rossini Tavares de. Abecé do folcfore, 4* 2d, Si. Paulo: Ricord, 1968 Boletim da Comissio Necional de Folclore, n° 13, Rio de Je- eiro: Comissao Nacional de Foletore, abr_jun.. 1993 Carta do Foictore Brasitoir. Rio de Janelto: Comissio Nacional de Folclore/lnstitute Brasileiro de Educacéo, Ciencia © Cultura (IbeceyUnesco, 1995. p. 2, GARCIA CANCLINI, Néstor. As culturas populares no capita- smo. Sao Paulo: Methora- mentos, 1982, p. 42. Ha de se ressoltar que este autor prefe- Fe © uso Go plural - “culturas populares” = para esses sabe- res, ciante da sua diversidade © porque nia se reduzem “a Um trage essencial” (0. 50}. RIBEIRO, Darcy. O povo bras lelro: a formacao e 0 sentido fo Brasil. 2° ed., &4 reimp. Sie Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 19. No caso especifi- Terra Pauls: historias, ete, costurnee 10 " 2 co da tematica foiclorica em S40 Paulo, ver: LIMA, Rossini Tavares de. "Acutturagao”. In: A ciéncia do folclore (segundo diretrizes da Escola de Foiclo- re}, Sa0 Paulo: Ricordi, 1978, pp. 35-37. Ver o texto “A fundacaa de Sa0 Paulo © os primeiros paulistas: ind’genas, europeus © mamehr cos", de Anisleide Zequini, no volume, A formacao do Estado de Sao Paulo, seus habitantes @ 05 Uso da terra, da eolecao Terra Paulista Rios propiciatorios s80 “festi- vidades" realizadas. para que 28 entidades divinas ou @ pro- rie natureza se tornem favo- raveis ou propicias ao homer, or exemplo, para quo as co: theitas sejam boas, favorecen: doa Sobrevivencia das pes- s0as, AS préticas divinatorias {fitos divinatorios) sa0 realiza- (fas para se ter idéta do futuro. E 0 caso das tradicionais adivie nhagoes comuns na noite de S20 Joao, onde se busca saber, or exempio, com quem a pes- 800 ird se casar. S80 Inimeras as aalvinnacoes praticadas no Brasil na pace das Testas juni nas, Ver: IKEDA, Aborto 7. “A festa caipira e os santos”. In: Sé0 Joa0 no Brasil: a cultura popular em festa (Prospecto de Programacso). $40 Paulo’ Sesc, 1896, € RANGEL, Lucia Helena Vital, Festas Junines, festas de S40 Jobo: origens, tachcoes @ historia, S80 Paulo: Casa do Ecltor/Yoki Alimentos, 2002, Ver: ANDRADE, Mario de, Di- ciondrio musicat brasiiiro, Be- Jo Horizonte: Itatiais; Bestia: Ministerio da Cultura, S80 Paulo: IEBIUSP, 1989, @ CAN- 13 " 15 16 W 18 19 DIDO, Antonio, “Possivels ra es indigenas de uma danca popular”, In: SCHADEN, Egon (org. Leituras oe etnologia ‘rosileira. $30 Pavio: Nacionat, 1976. Segundo consta do Dl cfonario Houeiss (2001), 8 pa layra curury deriva do tupt *kurutu ‘vatiedade de sapo, tember chamedo —sapo- curr’. * BERNARDES, Lida, Nas trithas de 20 Mira - um caipira mira © vale do Parsiba, Sao Paulo: Escrituras, 1998. Quando um grupo de danga ‘ou folguedo participa de de- tecminada festa com sentido religioso, esta vivenciando um Fito devorional (na visao de seus integrantes): diferonte- mente de estsr fazenco uma ‘epresentacio ou represerita- 40 (na visa0 de turistas @ ou- (ras pessoas), Ate meso tex- os de estuiosos Incorrem no equivaco do uso desses con- ceitos © dasses termos. GIRARDELLI, Elsie da Costa Temos de congos: Atibaia. Rio de Janeiro: MECINE, 198% p. 24. PELLEGRINI FILHO, Americo. Folelore pauilists: caiendario documentério. 2° ed, Sto Pau lo: CortezfSecrevaria da Cultu- ra, 1985. pp. 102-121 Ver: PETRONE, Pasquale. Ar deamentos pauiistas. 2* ed Sao Paulo: Edusp, 1995. ARAWJO, Alceu Maynard. Fol lore Nacional: festas, bella dos, mitos e lendas, Vol. 1 Sao Paulo: Melnorementos, 1984. p. 33. GIFFONI, Marie Amalia Correa Dancas miides do folciore pautista, 2° ed. Sé0 Paulo: No bel, 1980, p, 23 20 Murtas vezes esses grupos de percusseo £40 identificados soma 2¢ Peraia, Em Portugal, © Ze Porsira é um grupo de percusste formado por grande quantidece de zebumbas ou bombos, 21 MACEDO, Toninho, *Mapa Cuttural Paulista”. In: DO. Leitura, ano 17, n° 6, out 1999, 0 eutor registra ¢ exis- rercia de “Bonecos de rua (clgentes) @ bichinhos de saias” em mais de 25 municl- pis paulistas 22 Sobro © tema ver: SOUZA, Marina de Mello €, Reis negros no Brasil escraviste: historia da Festa de Coroagdo de Rei Congo, Beta Horizonte: UFMG., 2002. 23 LIMA, Rossini Tavares de. Fot- {guedos populares do Brash 540 Paulo: Ricordi, 1962, p, 29, 24 TINHORAO, Jose Ramos. Mu- sica poputer: ce nats, negros @ mesticos. 2° ed. Petrépalis, i: Vozes, 1975, p. 6. 25 LIMA, Rossini Tavares de. Fol- ciore das festas ciclcas. Sé0 Paulo: Vitale. 1971, pp. 11-12. ‘ows Pause: nists, arta, costumes 209

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