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Eliane Brum
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A eleição de Jair Bolsonaro, o populista de extrema direita que será o próximo presidente do
Brasil, liberou algo no país. Um ressentimento contido há muito – por muitos. Todo o tipo de
recalque emergiu dos esgotos do inconsciente e hoje desfila euforicamente pelas ruas, escolas,
universidades, repartições públicas, almoços de família.
Gays são ameaçados de espancamento se andarem de mãos dadas, ou simplesmente por existir,
mulheres com roupa vermelha são xingadas por motoristas que passam, negros são avisados
que devem voltar para a senzala, mulheres amamentando são induzidas a esconder os seios em
nome da “decência”. Aquele amigo de infância de quem se guardava uma boa lembrança escreve
no Facebook que chegou a sua vez de contar o quanto o odiava em segredo e que pretende
exterminá-lo junto com a sua família de “comunistas”. Um conhecido que passou a vida adulta
acreditando merecer mais sucesso e reconhecimento do que tem, agora espalha sua barriga no
sofá da sala e vocifera seu ódio contra quase todos. Outro, que se sempre se sentiu ofendido
pela inteligência alheia, sente-se autorizado a exibir sua ignorância como se fosse qualidade.
Mensagens no Facebook anunciam que vão caçar todos os que votaram contra Bolsonaro e jogá-
los na fronteira. Aqueles que se opuseram ao autoritarismo são tratados por essa multidão
enraivecida como se fossem estrangeiros – e o país tivesse deixado de pertencer também a eles.
Como nos princípios do regime totalitário do cada vez mais atual 1984, clássico de George
Orwell: “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”.
A atmosfera tóxica do Brasil atual pode ser resumida por um trecho da carta que chegou ao
Centro Acadêmico da Geografia, na Universidade Federal do Pará, em Altamira: “Bem vindos ao
fascismo! Agora é a nossa vez, agora é o nosso momento, vocês vão ter que engolir porque
vamos passar por cima de cada um de vocês, cada gay, cada sapatão, preto e preta. Vamos
exterminar cada um de vocês. (...) Vão morrer um por um, cada preto e preta que acham que
podem sair da senzala”. A carta anônima termina com: “Viva Bolsonaro! Viva a ditadura! Viva o
Fascismo! Viva o Carlos Alberto Brilhante Ustra!”.
O pacto civilizatório, aquele que permitia a convivência, já vinha sendo rompido nos últimos
anos no país. Agora foi rasgado por completo. Este é o primeiro sinal.