Resumo parcial: Concepção dialética de história de Gramsci
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história [Parte I – Introdução ao
estudo da Filosofia e do Materialismo Histórico]. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986. p. 9-89.
Em Concepção dialética da história, escrito em 1955, Antonio Gramsci condensa
muitos de seus conceitos filosóficos, sobretudo de forma polêmica. Abrasando-se por sobre teorias ortodoxas de interpretação da realidade materialista, exibe elementos que indicam que não há unidade nas concepções de mundo, mas que a história se desenha por um itinerário dialético. Faz criticas às filosofias superiores, às religiões e homenageia o bom senso, resultado de uma redução da alienação no senso comum. *** Na parte I de Concepção dialética da história, ou seja, na Introdução ao estudo da filosofia e do materialismo histórico Gramsci oferece conceitos e interpretações acerca das formas explicativas de realidade que povoam a sociedade civil, sobretudo a filosofia, a religião e o bom senso. Nem todas elas, diz Gramsci, estão livres da ideologia, na forma que esta foi entendida já pelo marxismo. Nas referências preliminares, Gramsci identifica a postura do filósofo e de sua ação no contexto social. Ainda que não haja rigor na definição de quem seja o filósofo, o intelectual não deve pressupor uma unidade entre as massas, mas no seu trabalho com ela é justamente fazer suscitar, a partir dela mesmo, novos tipos de intelectual, já libertos da ideia ortodoxa de que há uma unidade conceptiva de mundo. Daí nasce a postura crítica e polêmica típica do filósofo. O próprio desenvolvimento, diz Gramsci, depende da inteiração entre o intelectual e a massa. Gramsci, ainda preliminarmente, faz considerações acerca dos partidos políticos – meios pelos quais se dá difusão das novas concepções de mundo – e da religião, especificamente sobre o cristianismo católico (o autoritarismo de algumas ordens) e o calvinismo (predestinação e graça). Para o autor, a escola e a igreja são as maiores organizações culturais, pela quantidade de pessoas que atingem. Ao tratar dos Problemas de filosofia e de história, esclarece Gramsci que a verdadeira discussão científica deve se pautar pela busca da verdade e o avanço da ciência; de igual forma, a filosofia deve se pautar, quando da análise às concepções de vida, pelo que vive a massa. Deve criar a partir da vontade racional não arbitrária e de forma historicista. Além disso, a importância da filosofia está, diz Gramsci, no quanto de prático ela fez. Daí dever estar o filósofo sintonizado com o prático das massas, o real por ela vivido, sem que a especialização que faz o afaste desse contexto. Ademais, a despeito do que muito se constou na história da filosofia, também a linguagem, segue o autor, deve estar pautada pelo e para o homem coletivo, um ambiente cultural não uníssono. Também a qualificação do senso comum para o bom senso passa pelo não seguimento dogmático da experiência individual e dela pura e simplesmente. Assim como o homem, deve-se entender a sua atuação como um processo de relações ativas, sopesadas pelos outros e pela natureza. Quanto ao progresso, diz Gramsci que se trata de uma ideologia, uma crença posta e levada a cabo despreocupadamente. Enquanto isso, o devenir, movimento dialético, é uma concepção de filosofia, o que volta a invocar, inclusive, questões relativas à própria personalidade do homem, inserto na dinâmica de modificação do aqui e agora pelas condições que encontra pelo caminho. O individualismo, nesse contexto, é resignificado: passa a representar a apropriação sinalagmática da riqueza, fonte das desigualdades materiais. Teoria e prática, continua Gramsci, se identificam pelo ato crítico, pela racionalização do contexto prático e da própria teoria que o encaminha. Faz ainda considerações acerca dos conceitos de estrutura e superestrutura, catarsis e noumeno kantiano, recuperando a ideia de mudança e inicio da práxis e a dialeticidade da filosofia. Na história, por outro lado, o ponto é a realidade e ação. Ao invés de um caráter especulativo, também a filosofia deve se conduzir pela realidade e práxis. Ao considerar o pragmatismo e a ética, Gramsci considera que o se colocar imediatamente na prática, como o fazem os pragmatistas acaba por relevar aspectos não necessariamente adequados, porque a reflexão não se excluir da prática. Não é tão somente escolher a alternativa a partir da análise das implicações do uso desta e não daquela maneira de agir. Também o agir ético demanda uma análise de contexto, sobretudo considerando que se trata de agir em ambientes, culturas. Por fim, analisa o autor o conceito de ideologia, identificando uma modificação histórica do mesmo, que passa a significar uma forma pura e simplesmente, desvinculada da matéria e puramente fantasia individual. Em análise à ciência e as ideologias ‘científicas’, Antonio Gramsci encara a afirmação físico-química de Eddington para dizer que modificações significativas nos homens são os geradores de desigualdade entre esses mesmos homens. Nesse contexto, a ciência também deve deixar a objetividade como um dado passivo e ser reinventada a partir de uma práxis. Com a filosofia da práxis Gramsci pretende unificar grandes binômios da humanidade, tais como ser e pensar, sujeito objeto. O cotidiano social, com as suas implicações e pluralidades, subsidia a pesquisa e origina, até mesmo, o método a ser utilizado pelo pesquisador. O trabalho individual e afastado deste não mais se coaduna com uma ciência ligada à prática. Gramsci oferece, nesse ponto, duras críticas à ciência e às ideologias que a revestem de neutralidade cínica e objetivismo cego. N’Os instrumentos lógicos do pensamento, Gramsci começa por analisar a metodologia de Govi. Retomando pontos da lógica e da dialética, manifesta a ideia de que somente enquanto instrumento é que se pode aceitar uma lógica ou metodologia puramente formais. Para o autor, a redução da ciência à lógica das análises técnicas deixa de sublimar o conteúdo dessa análise e impende um pensar autônomo. A metodologia histórica é, assim, a forma pela qual os elementos integrativos do mundo real de condensam em práxis e não formam uma especulação meramente laboratorial e ilusória. Já em A tradutibilidade das linguagens científicas e tecnológicas, Gramsci deixa claro que a tradução de expressões ou ideias – relação língua-contexto histórico – é melhor apresentada na filosofia da práxis, onde é orgânica e profunda. Usando- se de alguns exemplos (Einaudi e Gentile, dentre outros), o autor tece considerações acerca da linguagem da ciência e da filosofia, reafirmando o papel da práxis na exata compreensão dos termos que se sucedem no tempo e espaço, à medida que devem manter elementos supraestruturas equivalentes, traduzíveis, portanto, entre si. A própria filosofia da práxis, diz Gramsci, possui fundações distintas (Marx e Engels) e, nem por isso, são incompreensíveis entre si. Deixa claro, ainda, que as aparentes incompatibilidades tantas vezes ventiladas são defesas daqueles que chamou de “vagabundos”, exibindo, assim, a polêmica e radicalidade de sua crítica. Finalizando, Gramsci recobra aspectos da filosofia de Marx e Hegel, enfatizando a leitura feita deste no tocante ao esquema de interpretação da realidade concreta: a dialética invertida de Hegel.