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Chico Pinto e os Autênticos do MDB: atuação no campo político brasileiro (1971- 1982).
Feira de Santana
2013
Universidade Estadual de Feira de Santana
Programa de Pós-Graduação em História
Feira de Santana
2013
Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado
CDU: 981:32
Termo de Aprovação
Banca Examinadora
________________________________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto
PGH/UEFS – Orientador
________________________________________________________
Prof. Dr. José Alves Dias
UESB
________________________________________________________
Prof. Dr. Clóvis F. Ramaiana Moraes Oliveira
UNEB
Canción con todos
(autor desconhecido)
Salgo a caminar
Por la cintura cósmica del sur
Piso en la región
Más vegetal del tiempo y de la luz
Siento al camiñar
Toda la piel de América en mi piel
Y anda en mi sangre un río
Que libera en mi voz
Su caudal.
Sol de alto Perú
Rostro Bolivia, estaño y soledad
Un verde Brasil besa a mi Chile
Cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña América y total
Pura raíz de un grito
Destinado a crecer
Y a estallar.
Todas las voces, todas
Todas las manos, todas
Toda la sangre puede
Ser canción en el viento.
¡Canta conmigo, canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz!
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo o estudo da trajetória política de Francisco Pinto enquanto
membro do chamado grupo Autêntico do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no
Congresso Nacional, na tomada de posição contrária à ditadura civil/militar, na atuação no
campo político brasileiro no período entre 1971 e 1982. Essa temporalidade corresponde ao
período em que Francisco Pinto foi deputado federal: o primeiro mandato em 1971-74,
cassado em 1974, e o segundo, 1979-82. Investigamos como o deputado e o grupo dos
Autênticos construíram e aplicaram sua estratégia de oposição ao regime ditatorial. Para tanto,
trabalhamos com a metodologia do sociólogo Pierre Bourdieu, especialmente com o conceito
de campo político, com o qual problematizamos as estratégias e possibilidades de se fazer
política institucional. As fontes consultadas foram: os discursos pronunciados pelo deputado
Francisco Pinto no Congresso Nacional e o jornal Movimento.
This work has as its goal the study of Francisco Pinto's political journey as a member of the
so-called group Autênticos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) in Brazilian
National Congress, in his taking of a contrary posture to the civilian/military dictatorship, in
his actuation in Brazilian political field in the period between 1971 and 1982. This time
corresponds to the period in which Francisco Pinto was a federal congressist: his first term in
1971-74, impeachet in 1974, and second, 1979-82. We investigated how the congressman and
his Autênticos group built an opposite force to the dictatorship. For that, we used sociologist
Pierre Bourdieu's method, of political camp, so we can understand the strategies and
possibilities of making institutional politics. The sources consulted were: congressman
Francisco Pinto speeches in Brazilian National Congress and Movimento newspaper.
Os agradecimentos são tantos e a inspiração é pouca. Diz Kundera que a vida é como
uma partitura, e cada pessoa que conhecemos, soma-se nota. Nossa música é então cheia de
nossa gente, das que cativamos e nos cativam – como diria a raposa do Pequeno Príncipe.
Ainda lembrando esses que falam sobre a vida e as pessoas com suas marcas invioláveis no
nosso trajeto, gosto da definição dos Novos Baianos: “e pela lei natural dos encontros eu
deixo e recebo um tanto”. Música tão tocada na casa do Feira VI, que foi meu abrigo e celeiro
de produção e vivência. Lugar onde tive o prazer de dividir a vida com as duas lindas irmãs:
Maria (Dedé) e Isana, e outras tantas pessoas que de passagem deixam marcas na moradia.
No começo dessa história devo agradecer aos irmãos e irmãs, cada um na sua luta, mas
com um sangue e algumas ideias em comum. Agradeço a Fabio, Fernando, Fernanda e
Fabiana, por ensinar a trilhar e me dá abrigo quando tenho que voltar. Agradeço a Fernanda
que mais que uma irmã, é minha companheira de alma, com quem divido ideias, ideais,
dúvidas, aflições e danações. Você diz que não se agradece essas coisas, mas vai aí um
agradecimento científico. Agradecimentos ao Fabio que foi um pai todo o tempo, com o
coração maior que ele. Agradeço a Fernando, meu irmão, obrigada por tudo e mais um pouco.
Agradeço também a Gonzalo (meu cunhado) e a pequena Violeta, e ao abrigo na chácara da
Cuca Feliz.
Em Pombal ponto de origem, será que tudo acaba onde começou? Como diria o
Raulzito. Não importa saber... Ainda estamos no caminho de Ítaca e o que vale é a caminhada.
Ali alguns agradecimentos, para Flávia e Gata, amigas e irmãs de coração. Outros muitos que
me ensinaram de alguma maneira, mesmo que não recorde em exatidão.
Em Feira de Santana, minha segunda morada. Os agradecimentos são muitos. Então
teremos que classificar em grupos. Primeiro, o LABELU (Laboratório de História e Memória
das Esquerdas e das Lutas Sociais) local de ricas discussões que sempre inquietaram e
ajudaram a dar um passo adiante: “um passo à frente e você não esta mais no mesmo lugar”,
como diria o Science. Agradeço a Larissa Penelu, Tamy Assad, Valter Zaquel, Chintamani,
Liniker, André Santana e Thiago Oliveira.
Yolanda Leony e Danilo, “pais adotivos”, obrigada pelo conforto da casa materna nos
momentos difíceis de produção de artigos e de diversão.
Nayara Fernandes muito obrigada pelas conversas, desabafos e amizade.
Charla, obrigada pela sinceridade, amizade e tantas risadas.
Diego professor em tempo integral e um amigo sem adjetivos.
Agradecimentos ao professor Clóvis Ramaiana e José Dias que no exame de
qualificação ajudaram a (re)pensar a pesquisa e a escrita.
Agradeço a outros professores que ajudaram e incentivaram essa história de fazer
História: Elizete Silva, Igor Gomes, Jacques Depelchin, Emilia Silva, Valter Guimarães e
Rogério de Fátima (em memória).
Agradeço aos amigos pelos momentos de descontração também necessário na
produção, como diz o Buarque: “a gente vai bebendo, que também sem a cachaça ninguém
segura esse rojão”. Valeu: Joãozinho, Lívia, Aline Laurindo, Carol, Marcelo, Tico, Rafael
(que nem bebe)... a lista é grande!
Devo agradecimentos também a Aline Aguiar e Liliane.
Julival, muito obrigada pelas informações no mestrado e tantas ajudas.
Agradecimentos sem medidas para Coelho. Orientador. Desde o primeiro semestre
quando ele chegou com umas conversas sobre Universidade, construção de conhecimento...
que suas ideias me ecoam na cabeça... Sou muito grata pelas conversas, pelas aulas e
orientação. Professor muda o rumo do pensamento. Obrigada por apresentar pensamentos e
leituras, mesmo as que deram muito trabalho de entender. Obrigada por lutar pela
Universidade e criar um lugar como o LABELU. E obrigada por pensar como pensa e ser
professor!
Agradecimentos também a FAPESB – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia, com o apoio financeiro foi possível a dedicação exclusiva à pesquisa.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 12
CAPÍTULO II: Os discursos de Chico Pinto e a decifração dos signos do poder (1971-74)........ 42
2.1 As tomadas de posição, o produto simbólico e outros elementos no discurso de
Chico Pinto....................................................................................................................... 42
2.2 A ditadura nos discursos de Chico Pinto.......................................................................... 49
2.3 O anticandidato da antieleição: “denunciar e renunciar”................................................. 55
2.4 O discurso de Chico Pinto contra a Ditadura Chilena...................................................... 57
CAPÍTULO III: A Luta dos Autênticos: disputa entre a Arena, o general e o MDB (1975-78) –
Uma leitura do Movimento............................................................................................................. 62
3.1 A formação dos Autênticos em 1975-78........................................................................... 62
3.2 O jornal Movimento.......................................................................................................... 63
3.3 “Para que tudo permaneça é preciso que tudo mude?”: sobre a “distensão lenta,
gradual e segura”.................................................................................................. 66
3.4 “Liberalização de gestos limitados”: a ação dos Autênticos, Moderados e 68
Adesistas nas páginas do Movimento.....................................................................
3.5 A Convenção Nacional do MDB em 1975.............................................................. 78
3.6 Eleições de 76: Chico Pinto em Feira de Santana.................................................... 85
3.7 “A vitória da oposição dentro da oposição”: A disputa pela liderança na Câmara 91
de deputados entre Laerte Vieira versus Alencar Furtado.....................................
3.8 “Encerrada a sessão”: a votação da reforma do judiciário...................................... 95
3.9 A candidatura de Euler Bentes ............................................................................... 99
CAPITULO IV: O discurso de Chico Pinto e a abertura política (1979-82) ........................ 105
4.1 A posse de Figueiredo no discurso de Chico Pinto ................................................. 109
4.2 Posse de Chico Pinto............................................................................................... 111
4.3 Discursos e uma leitura da abertura......................................................................... 116
4.4 “É tempo de homens partidos”................................................................................ 126
REFERÊNCIA..................................................................................................................... 139
ANEXOS............................................................................................................................... 142
12
INTRODUÇÃO
Este texto disserta sobre a trajetória política de Francisco Pinto enquanto membro do
chamado grupo Autênticos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no Congresso
Nacional, na tomada de posição contrária a ditadura civil/militar, na atuação no campo
político brasileiro no período entre 1971 e 1982.
O interesse pela pesquisa nasceu e se desenvolveu no Laboratório de História e
Memória das Esquerdas e das Lutas Sociais (LABELU/UEFS), local onde esta pesquisadora
ouviu falar sobre Francisco Pinto pela primeira vez. Ao ouvir falar sobre o memorado político
de Feira de Santana havia uma crítica constante: a falta de um estudo mais sistematizado
sobre o mesmo.
No LABELU tivemos então contato com os discursos do deputado e daí a estranheza
que nos levou à inquietação sistematizada hoje em problema de pesquisa: Como entender um
deputado do MDB discursando contra a ditadura e denunciando sua ilegitimidade?
Ao investigar de perto a ação de Francisco Pinto, vê-se que seu discurso destoa do que
a ordem da ditadura civil-militar impôs. Ele se apresentava como um político polêmico, com
um discurso contundente de oposição ao regime. Constantemente ameaçado pela cassação e
até cassado, junto a ele havia um grupo de deputados com esse mesmo discurso. Daí a questão
que nos interessou: analisar, através da trajetória de Francisco Pinto, como esse grupo,
conhecido por Autênticos, criou estratégias de oposição à ditadura.
O grupo dos Autênticos foi organizado por deputados federais eleitos pelo MDB a
partir de 1971, com o propósito de denunciar as arbitrariedades cometidas pelos ditadores
através da ação parlamentar no Congresso Nacional. Francisco Pinto foi um dos principais
líderes e articuladores do grupo - no período de recorte para pesquisa exerceu dois mandatos
como Deputado Federal (1971-74/ 1979-82).
Formaram-se três grupos fundamentais no MDB definidos pela imprensa da época de
acordo com a posição política assumida na concorrência interna do partido e pela
aproximação ou distanciamento com os ditadores. Os Adesistas, aliados ao projeto dos
ditadores, tinham por tarefa manter o partido na direção da oposição obediente. Os
Moderados, que se diziam defensores da democracia e preferiam negociar com os ditadores,
pois temiam os riscos do enfrentamento. E os Autênticos, que através do discurso de Chico
Pinto analisamos, que se construíram como uma oposição mais contundente a ditadura.
Francisco José Pinto dos Santos (Chico Pinto) nasceu em 16 de Abril de 1930, na
cidade de Feira de Santana, Bahia. Começou os primeiros passos com a política no
13
1
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
14
paixão, até hoje presente nos discursos daqueles que ficaram conhecidos como “pintistas”
(seus eleitores na cidade de Feira de Santana). Um dado curioso, no percurso da pesquisa,
analisando a biblioteca do político doada ao LABELU, encontramos um livro clássico do
teatro realista, A preparação do ator, de Stanislavski. Um livro sobre técnicas para atuar, o
que nos fez pensar que Francisco Pinto preocupava-se em fazer mesmo do palco dos comícios
um espetáculo teatral. E isso fazia com que as pessoas de fato se entusiasmassem nos seus
comícios.
Esse trabalho foi iniciado na graduação o que rendeu uma monografia de final de
curso. Nela constam os primeiros passos de descobertas e tentativa de sistematização dos
resultados sobre a atuação de Chico Pinto e dos Autênticos. Trabalhamos basicamente com os
discursos do deputado. Com a dissertação foi possível avançarmos mais sobre o objeto,
incluindo a leitura completa das edições do Jornal Movimento. Além claro, do
amadurecimento teórico adquirido com a ampliação da leitura e referencial teórico para
análise que nos propusemos.
Metodologicamente nos apoiamos nos conceitos de trajetória e de campo político,
ambos elaborados pelo sociólogo Pierre Bourdieu. O conceito de trajetória é validado para os
estudos sobre o percurso de um sujeito, compreendendo como o ser se constitui nas relações
sociais, com os outros e com o mundo. Para tanto, analisar uma trajetória, ou uma sequência
de tomadas de posições, implica em conhecer as relações com o mundo objetivado, ou seja, o
campo no qual o sujeito se insere; o “conjunto das relações objetivas que uniram o agente
considerado – pelo menos em certo número de estados permanentes – ao conjunto dos outros
agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço possível” 2.
O campo político, por sua vez, é o lugar onde atuam os políticos profissionais em
distância da sociedade, dos “laicos” (assim como Bourdieu denomina), pois os meios de
produção propriamente políticos estão concentrados nas mãos daqueles, em consequência do
desapossamento dos outros (leigos). Por isso, existe o monopólio da representação e logo a
luta permanente por mantê-lo. Os que estão no campo político lutam para representar os
laicos, e sobretudo, as regras do campo limitam a entrada para os profissionais.
Pierre Bourdieu divide categoricamente a sociedade em campos – que são áreas
referenciadas pela atuação de alguns agentes em respectivo mecanismo de ações objetivadas,
daí deriva-se a teoria de campo político – um “espaço” circunscrito de atuação daqueles que
estão diretamente ligados à política institucional. O campo tem regras próprias que são
2
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Morais. (Coord.) Uso
& abuso da História Oral. 8 ed. RJ: Editora FGV, 2006. p. 190.
15
3
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15° ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 165.
16
4
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15° ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p.169.
17
leigos é que se buscou caracterizar o momento histórico a partir das demandas sociais na
conjuntura política ditada pelo “milagre econômico”.
O capítulo terceiro é o momento de traçar e entender as disputas internas dentro do
MDB e a Arena. O local privilegiado de entender essa movimentação é o jornal Movimento,
onde encontramos artigos sobre a conjuntura política e a atuação da política institucional. O
jornal tinha forte relação com os Autênticos, inclusive Francisco Pinto publicava nele a coluna
A semana em Brasília, depois denominada a Coluna do Chico Pinto. Com a cassação do
mandato de deputado, em 1974, Francisco Pinto ficou afastado do Congresso Nacional, até
1979. E durante esse período foi convidado a fundar o jornal Movimento. Discutimos,
também, as perspectivas de atuação dos Autênticos, Moderados e Adesistas no processo da
“distensão lenta, gradual e segura”.
No quarto capítulo retomamos a trajetória política de Francisco Pinto no Congresso,
entre 1979 e 1982. O momento político conjuntural era outro, composto pela “abertura
política” do governo Figueiredo, resultado das constantes disputas que envolveram o projeto
de manutenção da ditadura e as pressões das oposições. Nesse sentido, verificamos o
conteúdo dos discursos de Francisco Pinto, as tomadas de posição, as denúncias políticas e a
possibilidade de leitura da realidade brasileira construída pelo modelo
econômico/político/social implantado pelos ditadores já no processo de redemocratização.
18
CAPÍTULO I
5
Tais como FICO, Carlos. Além do golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de
Janeiro: Record, 2004. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. 1964: temporalidade e interpretações. In Reis,
Daniel Aarão; RIDENTE, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). O golpe e a ditadura militar: quarenta
anos depois (1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004.
6
MATTOS, Marcelo Badaró. Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia. Disponível
em: http://site.projetoham.com.br/arquivos/revistas/1.Golpe%20de%201964-edi%C3%A7%C3%A3ocompleta
.pdf. Acesso em 25 de março de 2013
7
MELO, Demian. A miséria da historiografia. Disponível em: http://uff.academia.
edu/DemianMelo/Papers/648251/A_miseria_da_historiografia Acesso em 25 de março de 2013.
8
TOLEDO, Caio Navarro (org). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas
SP: Editora da Unicamp, 1997
20
nasceu na expectativa de golpes. Um momento histórico definido pelo acirramento das lutas
sociais, com uma forte organização do movimento operário e dos trabalhadores no campo.
Toledo traz à cena as controvérsias memorialistas sobre o governo Jango, lembrado
por alguns como um governo popular e democrático, e por outros (mais especificamente os
setores da direita) como uma “falha governamental”, o pior dos governos. Para Toledo o
ponto de concordância entre os setores da esquerda quanto à lembrança é que nunca houve
tanta insatisfação dos conservadores quanto no período de Jango.
O governo Goulart nasceu numa conjuntura de crise econômica, social e política, com
o fim do parlamentarismo. A medida do presidente para solucionar a crise foi a elaboração do
Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico Social, proposta do então ministro de
planejamento, Celso Furtado. O Projeto objetivava sair da crise com o arrocho salarial e ainda
pedia apoio aos trabalhadores - medida que sofreu as oposições por parte dos nacionalistas,
das esquerdas e do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) - que denunciou o caráter
reacionário do plano.
Depois do fracasso do Plano (que tentava apaziguar as pressões sociais e ao mesmo
tempo impulsionar o capitalismo) só se intensificou a luta dos trabalhadores. Toledo constata
que Jango não havia optado pelas reformas radicais. Todavia, as pressões pelas reformas
foram impulsionadas pelos grupos organizados com os comícios da Frente de Mobilização
Popular (Frente Parlamentar Nacional, CGT, Ligas Camponesas, Partido Comunista
Brasileiro) 9. E contrario a elas, ao lado da direita, os grupos organizados em torno do Instituto
de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), a
ADP (Ação Democrática Parlamentar), e a Igreja faziam campanha contra a “subversão” do
governo.
Em um trecho que responde à pergunta “quem dará o golpe?”, Toledo diz que havia
articulações por parte da direita e da esquerda. E Jango, nesse jogo, perdia força por
desconfiança de ambos os lados, pois não fazia as reformas para a esquerda, e ao mesmo
passo perdia aliados da direita. Modificou-se a situação, para Toledo, no comício da Central
do Brasil, na sexta-feira 13 de março de 1964, quando Jango se definiu para a esquerda.
Enquanto isso a Sociedade Rural Brasileira (SRA), a Fiesp (Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo), a Igreja Católica apoiavam a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade, contra o suposto comunismo de Jango.
9
TOLEDO, Caio Navarro. A democracia populista golpeada. In TOLEDO, Caio Navarro (org). op. cit, p. 36.
21
10
FIGUEIREDO. Argelina C. Democracia & reformas: a conciliação frustrada. In TOLEDO, Caio Navarro
(org). op. cit.
11
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. Trabalhadores na crise do populismo: utopia e reformismo. In
TOLEDO, Caio Navarro (org). op. cit.
12
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. Trabalhadores na crise do populismo: utopia e reformismo. In
TOLEDO, Caio Navarro (org). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas
SP: Editora da Unicamp, 1997. p. 58.
13
Idem. p. 66.
22
implementassem um “regime totalitário”. Essa era a marca das propagandas do IPES – que
trabalhava para o convencimento da sociedade na adesão ao golpe. Esse debate hegemônico
corrobora o discurso dos ditadores e, por isso, minimiza ou relativiza a responsabilidade
daqueles atores políticos responsáveis por um período de grande perversidade na história
brasileira.
Demian Melo, em um artigo muito apropriadamente intitulado A Miséria da
historiografia16, denuncia essa moda revisionista empalmada por tais autores, responsáveis
pelas principais mesas de debates nos seminários comemorativos do golpe, tais como Caio
Navarro de Toledo, Argelina Figueiredo e Daniel Aarão Reis.
Jorge Ferreira é outro autor de referência dessa abordagem, embora não participante
das coletâneas mencionadas. No texto O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964 17,
ele dá ênfase às organizações de esquerda que pressionaram o governo Goulart pelas reformas
de base. Chama de “radicalização das esquerdas” a “coalizão radical pró-reforma” (citando
Argelina Figueiredo), com os agrupamentos em torno do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
das Ligas Camponesas, da Frente Parlamentar Nacionalista, CGT, dos subalternos das Forças
Armadas mais a União Nacional dos Estudantes (UNE). Sobretudo, ele realça o papel das
Ligas Camponesas na radicalização pela exigência da “reforma agrária na lei ou na marra”.
Essas manifestações populares exigindo as reformas de base, para ele demonstram a
“impaciência” dos grupos de esquerda (note-se o termo dado: “impaciência”). Em sua escrita,
toma a criação do IPES e IBAD como resposta a esse “comunismo”, reação à suspeita de que
as Ligas Camponesas pudessem se tornar uma “guerrilha cubana”. Brizola, no escrito de
Ferreira, assume o lugar de uma grande figura das esquerdas nesse período, mesmo o autor
criticando as interpretações históricas que personalizam o presidente Jango.
Do modo como é conduzida a análise de Jorge Ferreira parece que as esquerdas é que
forçaram a direita a dar o golpe. Mesmo de forma camuflada, esse argumento corrobora com
o próprio argumento dos militares que diziam fazer o golpe para não deixar o comunismo se
18
instaurar. No mais, ele afirma “não havia um projeto a favor de algo, mas contra” , a
questão era depor Goulart.
16
MELO, Demian. A miséria da historiografia. Disponível em http://www.academia
.edu/1964750/A_miseria_da_historiografia . Acesso em 25 de maio de 2013.
17
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In FERREIRA, Jorge; DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática: da democratização de
1945 ao golpe civil-militar de 1964. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
18
Idem, p. 401. Grifos do autor.
24
19
MATTOS, Marcelo Badaró. Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia. Disponível
em: http://pt.scribd.com/doc/135593893/hlc1 Acesso em 26 de maio de 2013.
20
Mais recentemente uma coletânea fala sobre essa experiência democrática pós-ditadura, e toma a democracia
como um grande modelo. Referimos aqui aos autores: Sonia Alvarez, Evelina Dagnino e Arturo Escobar.
21
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico. Tradução
Paulo Cesar castanheira. Editora boitempo, 2003.
22
Discurso de José Saramago. Disponível em. http://www.youtube.com/watch?v=m1nePkQAM4w Acesso 09 de
junho de 2013.
23
WOOD, Ellen Meiksins. op. cit.
24
Entrevista de Chico de Oliveira no programa Roda Viva. Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=HOGGLZMPaq8 . Acesso em 24 de maio de 2013.
25
Por isso também esses intelectuais, inclusive usando os marxistas, como Gramsci, têm
se preocupado em impor uma distinção entre “Estado” e a “sociedade civil”. A democracia e a
cidadania são cumpridas na esfera da sociedade civil, sem intervenção na direção política,
produzindo um discurso que garante a diferenciação entre políticos profissionais – coisa de
poucos – na tentativa de distanciar a classe trabalhadora de ousar disputar esse espaço.
Concordamos com estes autores com relação à intensificação da luta dos trabalhadores
nesse período, crise do populismo, organizações fortificadas dos trabalhadores, etc. Mas
entendemos que a classe trabalhadora só pode ser entendida com relação à classe burguesa, a
dominante.
O papel cumprindo pelo próprio Jango, este que Skidmore 25 considera como a figura
central na sua abordagem sobre o desfecho do golpe, só pode ser entendido na relação
totalizante da luta de classes. O que nos interessa compreender é que nenhum personagem
individual é central nesse jogo em que venceu o golpe civil/militar, mas como cada
personagem se tornou importante pela relação das lutas de classes acirrada no momento.
O que temos no Brasil desse período é um intenso cenário formado por lutas de
classes. O empresariado multinacional e nacional associado engordado pelos anos de
Juscelino Kubistchek, os trabalhadores se movimentando pelas reformas, com a criação da
CGT, aglomeração no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), PCB e nas Ligas Camponesas,
dentre outros. E nesse sentido, pela pressão e forças da movimentação popular, o presidente
Jango pendeu para esse lado. Mas isso não quer dizer que o golpe se deu como um raio caído
num dia de sol. O empresariado multinacional e nacional associado já visualizava a
necessidade de intervir no Estado para evitar que os trabalhadores entrassem na cena política,
e, assim, manter seu “gabinete dirigente”. Isso é perceptível pela a organização da burguesia
nos aparelhos privados de hegemonia, que disputavam a opinião pública na sociedade civil,
como é o caso do complexo IPES/IBAD.
O golpe não foi automático, foi se desenhado conforme o acirramento da luta de
classe. Os trabalhadores estavam em cena. A luta de classe é relacional, e foi nessa
intensificação de disputas pelos rumos da política dirigente do país que se fez o golpe de 1964
– que também não era uma saída tão inesperada, tão surpreendente, já que em 1961 a
burguesia já mostrava seu interesse neste.
25
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getulio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 8º edição, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988.
26
26
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
27
Idem. p. 208.
28
Idem. p. 246.
27
29
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.p. 323
30
Idem. p. 143.
31
Idem.
32
MATTOS, Marcelo Badaró. Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia. Disponível
em: http://pt.scribd.com/doc/135593893/hlc1 Acesso em 26 de março de 2013.
33
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. 1964: temporalidade e interpretações. In REIS, Daniel Aarão; RIDENTI,
Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (org) O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004)
bauru, SP: Edusc, 2004.
28
34
MENDONÇA, Sonia Regina. O patronato rural no Brasil recente (1964-1993). Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2010.
29
35
MENDONÇA, Sonia Regina; FONTES, Maria Virginia. História do Brasil Recente 1964-1980. São Paulo.
Editora Ática, 1988. p. 15.
36
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
30
aos interesses daqueles que detêm a hegemonia; são estruturadas pelo discurso dos sujeitos no
Estado para inscrever seus interesses, ditando a ordem de conduta de toda a vida social e
construída pelos monopolizadores dos instrumentos de produção da política.
Leis decretadas no período de 1964-70 são nossas fontes nesta secção. É através da
Constituição de 1967, reeditada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, mais os Atos
Institucionais e Complementares que propomos uma leitura sobre as regras do campo político.
Interessa-nos saber sobre a organização da vida política na ditadura, com a construção dos
partidos e os aparelhos institucionais de produção política.
Com a “conquista do Estado” através do investimento das classes organizadas no
complexo IPES/IBAD e na ESG, o Estado ditatorial colocou em prática a Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento. Essa seria a estrutura mais perene do Estado, o
planejamento de construção hegemônica levado pelas classes dominantes. Além dela, outras
medidas, reajustes e incorporações foram feitos, mediados na relação dialética entre
Estado/oposições, como disse Moreira Alves. Nesse sentido, as investidas de constituição do
Estado se deram com os Atos Institucionais, Atos Complementares e Emendas.
O Estado ditatorial foi gerido sobre os princípios da Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento, criado pela Escola Superior de Guerra com apoio do IPES e IBAD, que
tinha o propósito de manter uma guerra permanente contra o comunismo. Moreira Alves faz
uma discussão detalhada dessa doutrina através dos escritos do seu grande formulador,
Golbery de Couto e Silva. Como um projeto hegemônico, a Doutrina de Segurança Nacional
objetivava a organização da vida política, econômica e social. O propósito maior era
“facilita[r] o investimento estrangeiro e aumentando a taxa de acumulação do capital”. 37 E
para atrair investimentos foram criadas leis rígidas para repreender a organização dos
trabalhadores e o controle salarial.
Instaurados no poder, os golpistas trataram de “arrumar a casa”, como diria Alves 38. O
general Castelo Branco assumiu a presidência (1964-67) e começou a executar a “operação
limpeza”; a expurgar todos os opositores e então seria preparado o propagado
restabelecimento “democrático”. O alvo foi a destruição das Ligas Camponesas, capturando
os principais líderes; acabar com a Frente Nacional Parlamentar, e manter sob estreita
vigilância todas as organizações da classe trabalhadora.
37
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1985. p.
74.
38
Idem.
31
Aquietar qualquer forma organizativa contra o capital foi uma meta, expurgar qualquer
possibilidade de ligação ao comunismo, qualquer coisa que prejudicasse o investimento do
capital estrangeiro. Instauraram-se Inquéritos Policiais Militares (IPMs) nas universidades,
houve uma rigorosa lei trabalhista que proibia greves. Além de, evidentemente, expurgar os
políticos indesejáveis - possíveis percalços para o desenvolvimento do regime.
39
Idem, p. 53.
40
Ato Institucional de número 1 de 9 de abril de 1964. Disponível em http://www2
.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-1-9-abril-1964-364977-publicacaooriginal-1-sr.html.
Acesso em 11 de set de 2012
41
Idem (sic)
42
Idem.
43
MENDONÇA, Sonia Regina; FONTES, Maria Virginia. História do Brasil Recente 1964-1980. São Paulo.
Editora Ática, 1988.
32
mel entre os políticos da UDN e os militares, pois sobrepunha o poder Executivo sobre todos
os outros. Para Moreira Alves , 44 o AI-1 caiu como surpresa para os civis que planejaram o
golpe e gerou discórdia.
A predominância do Executivo sobre os outros poderes produziu a base da
“legalidade”. Havia ainda, segundo Maciel 45, uma contradição entre a constitucionalidade e
uma legalidade paralela ditada pelos Atos Institucionais. Ou seja, manteve-se a Constituição
de 1946, mas conforme os acirramentos das disputas contra a legalidade ditatorial, os Atos
Institucionais eram decretados.
Embora o golpe tivesse um projeto definido de classe, o governo parecia não haver
definido como manter-se na dominação. E aqui apostamos no seguinte argumento: a
dominação burguesa, dirigida pelos militares no Executivo, manteve um projeto coerente de
dominação, de expansão do capital multinacional, de repressão dos trabalhadores, da censura
da imprensa, e ao mesmo tempo manteve certos canais, bem controlados, de participação
política, para parecer uma democracia. Além do mais, essa abertura política, mesmo diminuta,
serviu para contemplar a participação de frações da classe dominante, que não era
homogênea.
O período se caracterizou por uma instabilidade política, no sentido de que, as regras
da política institucional eram modificadas no meio do jogo. Portanto, os políticos ficaram a
reboque das intervenções do Executivo.
A ditadura não foi aceita por uma parcela da população e os conflitos gerados pelas
organizações na sociedade civil trouxeram a necessidade de certo recuo ou maior repressão
por parte dos dirigentes. O regime não apostou pura e simplesmente na coerção, mas também
no consenso e por isso se instituiu mantendo uma legislação que configurava uma aparência
democrática, o direito como “tarefa educativa e formativa”.
A ditadura buscava se legitimar pela dita aceitação da sociedade – embora não
explicitasse de quais setores sociais. Os militares estavam assegurados por setores civis e
44
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1985.
45
MACIEL, David. A Argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova república (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004.
46
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1985.
33
47
MACIEL, David. A Argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova república (1974-1985), São Paulo,
Xamã, 2004. p. 37
48
Ato Institucional de número 2, disponível em http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-
1969/atoinstitucional-2-27-outubro-1965-363603-publicacaooriginal-1-pe.html
49
LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO, Rachel. Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o caso
Brasileiro, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986.
34
50
MACIEL, David. op. cit. p 48.
51
Ato Institucional de número 2. Disponível em http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-
1969/atoinstitucional-2-27-outubro-1965-363603-publicacaooriginal-1-pe.html
52
Idem.
53
Estava na pasta da justiça quando redigiu o AI-2.
35
Qualquer organização que não seguisse a resolução do Ato estaria condenada ao seu
fechamento pelo Ministério da Justiça:
Art. 1º Aos membros efetivos do Congresso Nacional, em número não inferior a 120
deputados e 20 senadores, caberá a iniciativa de promover a criação, dentro do prazo
de 45 dias, de organizações que terão, nos têrmos do presente Ato, atribuições de
partidos políticos enquanto êstes não se constituírem 54.
54
Ato Complementar de número 4: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atocom/1960-1969/atocomplementar-4-
20-novembro-1965-351199-publicacaooriginal-1-pe.html
55
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988. p. 17
56
ALVES, Maria Helena Moreira. op. cit.
36
57
Emenda de número 1, disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/emecon/1960-
1969/emendaconstitucional-1-17-outubro-1969-364989-republicacao-28547-pl.html
58
KINZO, Maria D’Alva G. op. cit.
37
das frações (grupos) militares 59. Pois, além das oposições na sociedade civil e política, dentro
das Forças Armada havia uma disputa entre as frações militares entre aqueles que defendiam
uma abertura política e os que queriam o fechamento do regime com mais repressão (grupos
que ficaram conhecidos, respectivamente como os “castelistas” e a “linha dura”). E mais, os
ditadores queriam manter a imagem positiva de apoio e do consenso na sociedade civil.
Buscava-se um consenso passivo.
O MDB e a Arena foram criados com o Ato Complementar de número 4, que impunha
aos parlamentares a criação dos partidos em 45 dias. Os treze partidos existentes até então
foram extintos e os políticos tiveram que conviver em novos aglomerados partidários. Por
isso, as organizações não obedeceram necessariamente uma ordem ideológica. Os antigos
partidos se diluíram nos novos grupos.
Assumimos a posição de Maciel que diz que a Arena (e isto se estende ao MDB) era
um partido institucional, ao invés de ser um aparelho privado de hegemonia localizado na
sociedade civil, era “ao contrario, um aparelho do Estado, com vistas a obter legitimidade
junto à sociedade para reforço de seu caráter autocrático e da institucionalidade vigente.
Legitimidade obtida através do voto e não da mobilização popular” 60.
A Arena seria o partido do governo e o MDB funcionaria como uma forma de mostrar
à opinião pública que havia uma disputa política, montado o jogo de uma suposta democracia.
O MDB foi então constituído por parlamentares majoritariamente pertencentes ao antigo
Partido Social Democrático (políticos do PSD foram o setor dirigente no tempo de existência
do partido) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Já a Arena, majoritariamente por
egressos da UDN.
Nesse texto, todavia, trataremos com prioridade do MDB e dos grupos que se
formaram no seu interior, mas precisamente o que compõe o objeto dessa pesquisa, os
Autênticos. Durante a existência do MDB grupos se formaram com uma proposta de crítica do
regime e Kinzo 61 identifica alguns: até 1968 os imaturos, de que fez parte o deputado Marcio
Moreira Alves (no episódio em que denunciou a invasão da UnB pela policia e fez um
discurso pedindo um boicote nacional ao desfile de 7 de setembro, pedindo que as mulheres
59
MACIEL, David. A Argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova república (1974-1985), São Paulo,
Xamã, 2004.
60
Idem. p 49.
61
KINZO, Maria D’Alva G. op. cit.
38
62
Ana Beatriz Nader faz uma historia Oral de vida, uma transcriação das narrativas de trajetória de alguns dos
Autênticos, livro que nos serviu de fonte. Ver NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da
democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
63
Disponível em: http://estatistica.tse.jus.br:7777/dwtse/f?p=1945:1:57007655515273::NO:RP:P0_HID_
MOSTRA:S. Acesso em 08/10/2012.
64
FERREIRA, Jorge.; REIS, Daniel Araão.(org.) Revolução e democracia(1964-...) Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007.
39
65
“Em 1971, logo após a formação do grupo autêntico – com pretensões de se transformar no Bloco Parlamentar
Nacionalista, quando o regimento interno da Câmara de deputados ainda permitia a legalização de frações
subpartidarias – Alencar Furtado foi eleito, junto com Francisco Pinto e Paes de Andrade, um dos coordenadores
do grupo.” JORNAL MOVIMENTO. 7/3/1977. Ed. 88, P.3.A vitória de Alencar.
Chico Pinto diz no livro de Nader que eles brincavam entre si, colocando os postos hierárquicos do exército nos
membros do grupo, Alencar era o “coronel” e ele, Marechal, o maior posto hierárquico.NADER, Ana Beatriz.
Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
66
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
40
economia, e outros 67. Não havia uma unidade rígida na atuação do grupo, agiram em diversas
frentes, na denuncia do modelo econômico, social e político da ditadura, na proposição de
projetos para o Brasil, e assim faziam as movimentações possíveis.
Gadelha, narra, por exemplo, uma das formas de atuar:
Com essa estratégia o assunto do “pinga-fogo” iria forçosamente ser noticiado na Voz
do Brasil, uma estratégia para expandir o discurso, para além dos limites parlamentares.
Nadyr Rosseti também conta que faziam livrinhos de resumo sobre a atuação dos Autênticos
para distribuir ao povo 69.
As estratégias dos Autênticos eram diversas. O grupo priorizava o objetivo de
denunciar a farsa democrática, para isso usava diversos artifícios, dizia Alencar Furtado:
“alguns iam para a tribuna, para o plenário, enquanto que outros iam para as comissões, além
de comparecermos sempre que convidados, às universidades, sindicatos...” 70.
No período, o Congresso havia saído do recesso forçado pós-AI-5, com o processo de
cassações. Havia uma descrença geral sobre a participação no espaço da política institucional,
o próprio Francisco Pinto confessou isso no seu depoimento. Mesmo assim, ousaram no MDB
a criar uma área de disputa entre os setores internos e contra a ditadura. Nesse sentido, a luta
dos Autênticos perpassava por disputar dentro do próprio partido, contra os Moderados, às
vezes também fazendo acordos com estes, lutando contra os Adesistas.
Até 1970 o MDB não obteve vitórias eleitorais, perdendo até para os votos nulos (ver
tabela abaixo). Havia outras frentes de luta, como a armada, com a ALN (Aliança Libertadora
Nacional), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), dentre outros, o movimento
estudantil, etc. E dentre os outros setores da esquerda havia uma descrença geral da
possibilidade de organização e luta partidária, muitos pregavam o voto nulo para destruir a
farsa democrática tentada com a manutenção de um Congresso que não podia fazer muito.
Somente o PC (Partido Comunista) ainda acreditava na via parlamentar.
No entanto, verificamos que a aceitação do MDB pela sociedade foi se modificando
no devir. Podemos atribuir esse fenômeno em parte à ação dos Autênticos, pois o crescimento
67
Idem.
68
Idem., p. 309.
69
NADER, Ana Beatriz. Op. cit. P. 331.
70
Idem., p 49.
41
CAPÍTULO II
Nos parágrafos seguintes faz-se uma análise dos discursos de Francisco Pinto, do
período de 1971 a 1974, primeira legislatura do deputado. Lemos os discursos de Chico Pinto
em dois aspectos. Primeiro trata-se de pensar como o seu discurso se tornou possibilidade de
luta na ditadura, com as denúncias. A segunda, procura-se neles elementos que mostrem uma
leitura da realidade social e política instituída com o regime.
O recorte temporal compreendido neste capítulo se refere aos anos iniciais da ditadura,
fortalecida consensualmente pelo “milagre econômico”, o crescimento econômico promovido
pelo crescimento dos números da economia, crescimento concentrado que fortaleceu o apoio
da burguesia ao projeto ditatorial. Junto a esse crescimento concentrado houve a repressão e
arrocho salarial da classe trabalhadora. Nessa temática central se concentram os discursos de
Chico Pinto.
Os discursos de Chico Pinto dão pistas sobre o produto simbólico negociado pelo
político profissional, e através desses identificamos as posições tomadas por Francisco Pinto.
71
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional. p. 3.
43
Com o primeiro discurso, Chico Pinto, inscreveu seus objetivos para com o
Congresso, e possibilita considerar em que medida aquele lugar se constituiu como campo de
disputa, diferentemente do que inicialmente a ditadura havia projetado. Nesse discurso Pinto
insinuou a existência de uma ditadura, e foi combatido pelo aparte de Dayl de Almeida
(Arena), que dizia que a situação do país era uma reestruturação democrática e não uma
ditadura.
Essa é uma questão que nos interessa, pois, constantemente esse argumento foi
reiterado pelo Executivo e pelos civis, como no caso de alguns deputados da Arena, que
negavam a existência da ditadura. Ao pensar na insistência desse discurso por parte dos
ditadores, é que verificamos a importância da atuação dos Autênticos, e em especial de Chico
Pinto, nosso personagem central, pois agiam no sentido de contraponto. O Congresso tornou-
se, assim, efetivamente o espaço de disputa simbólica, da disputa contra um discurso que se
pretendeu consensual, hegemônico.
A mera existência do Congresso não expunha tão nitidamente as possibilidades de se
fazer política. Em sua resposta ao aparte, Chico Pinto disse que, embora houvesse a existência
da Casa, notoriamente as atividades legislativas estavam limitadas pela Constituição:
É sabido que não poderemos apresentar projetos que disponham sobre matérias
financeiras (Art. 57 – inciso I da Constituição); que implicam em aumento de
despesa (Art. 57, parágrafo único). Além disso estão inseridos na Emenda
Constitucional n°1 os prazos fatais e prioritários para a aprovação de mensagem do
Poder Executivo em 40 e 45 dias (Art. 51 ‘caput’ e §§ 2° e 3°). Estamos impedidos
de fazer qualquer alteração ou emenda nos decretos-leis que nos são submetidos
para referendar (Art. 55 em seus §§). Existem restrições à constituição de comissões
parlamentares de inquéritos e as exigências impostas pelo Artigo 30 parágrafo único
letra ‘E’ as tornaram simplesmente inviáveis. Vale acrescentar que também foram
abolidos os pedidos de informações, retirando-se do Poder Legislativo uma de suas
melhores armas de fiscalização administrativa 72.
Chico Pinto era advogado, e por isso o conhecimento das leis fazia parte do seu
habitus. Nesse discurso descreve as regras para se fazer política no Congresso. Fez uma
análise de conjuntura da situação do Estado. Denunciou a suposta democracia quando
afirmou que o Presidente da República é quem mandava e desmandava e que tal presidente
falava da revogação do AI-5, mas ninguém sabia quando, pois isto só ocorreria quando o
presidente quisesse: “Êle, o Papa da nossa democracia”.
No discurso aproveitou ainda para pedir esclarecimento sobre o desaparecimento do
ex-deputado Rubens Paiva. “Daí a indagação que poucos ousam formular, mas que é preciso
72
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional. p. 5.
44
que se faça, nesta Casa, a todo instante e tôda hora: onde está o ex-Deputado Rubens Paiva?
Prêso? Desaparecido a 4 meses” 73.
O ex-deputado Rubens Paiva 74 foi um dos políticos expurgados do cenário no período
da “Operação Limpeza”, foi alvo dos golpistas, era do PTB. A prática política do
interrogatório, a que o governo recorreu inúmeras vezes, incluía a tortura e o desaparecimento
de pessoas. Francisco Pinto, nesse momento, denuncia essa suposta democracia e o
desaparecimento de presos políticos.
Chico Pinto também fez sua leitura sobre o AI-5, pois era sob sua égide que
funcionava o Legislativo, era também por meio dele que as atividades estavam limitadas:
O Ato existe, sobretudo contra esta Casa. No entanto, aqui não faltam os que
defendem, esquecidos de que podem ser vítimas dele. Quantos foram os que
apanharam no passado e foram tragados por êle? Êle existe ainda para atingir e
eliminar qualquer nova, legítima e independente liderança militar, política, operária
ou estudantil 75.
Chico Pinto corrobora com a leitura de que a ditadura se impôs para privilegiar o
capital multinacional junto com a exploração do povo, e por isso, a explicação da imposição
73
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional (sic). p. 18.
74
Em pronunciamento no livro de Ana Beatriz Nader, Francisco Pinto disse que foi Eunice Paiva, esposa do ex-
deputado quem lhe pediu para perguntar pelo deputado. Somente com as ações da Comissão Nacional da
Verdade no ano de 2013 decretou-se a morte de Rubens Paiva.
75
PINTO, Francisco. op. cit., p. 18 (sic).
76
Idem, (sic).
77
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional (sic) p. 19.
45
das leis repressivas: “No Brasil para o sistema se manter nesta aliança espúria uma série de
Leis ou de Decretos são impostos à Nação. Além dos Atos, da Lei de Segurança e de todo o
instrumento de repressão, ainda se cancela o habeas corpus, quando a autoridade revela que a
prisão é por razões políticas” 78.
O deputado fez a leitura de duas possibilidades de saídas para o Brasil, uma era a
permanência da ordem existente, a permanência de um “nazismo periférico”, “colonial”, em
que não havia uma aliança como no tipo europeu, da burguesia nacional, classe média e forças
armadas: “O Fascismo, aqui, é fascismo colonial, é fascismo da submissão. A união, aqui, é
das fôrças externas mantenedoras do status quo com a oligarquia. Mas nesse modêlo, não
entram as fôrças populares, a juventude civil e militar, a Igreja” 79.
A outra saída seria um projeto socialista, mas isso geraria um grande tumulto à nação.
O que não daria para contabilizar os custos e conseqüências de um levantamento das massas.
E por fim, diz qual o seu projeto:
Mas Pinto já se antecipou afirmando que no período havia uma total descrença no
dialogo entre Forças Armadas e os outros setores, para ele havia uma grande propaganda que
pregava a distância e preconceito com as Forças Armadas. E fez uma exposição da história
das Forças Armadas no Brasil e tentou demonstrar uma tradição desta como forças de
intervenção nacionalista.
Chico Pinto acreditava que a interação com as Forças Armada era necessária para
impedir as intervenções do imperialismo, para ele: “Em verdade, tôdas as vezes que um país
no plano interno limita os privilégios do imperialismo, êste faz intervenções. Só não as faz
quando as Fôrças Armadas e o povo estão unidos” 82.
78
Idem, p. 20.
79
Idem .p.23
80
Idem .
81
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional. p. 8.
82
Idem, p.17.
46
Esse primeiro discurso é importante para notar sua tomada de posição diante da
situação política do país. Ele era contrario a ditadura e suas leis, que impunham limites para a
atuação política e que ao mesmo tempo faziam um grande investimento de propaganda e
anunciavam a “liberdade democrática”. Além de um lugar de denúncia o Congresso para
Francisco Pinto era uma possibilidade de projetar um discurso que tinha pretensão de
organizar pessoas em torno de um projeto, a derrocada da ditadura.
Ele anunciou qual a sua perspectiva, um projeto nacionalista, com aliança de todas as
“forças”. Nessa luta contra a ditadura seria possível a união entre civis e militares, entre
liberais e trabalhadores, como numa aproximação com a proposta do PCB, de quem ele tinha
bastante proximidade pelo viés discursivo.
O político só se mantém no campo pela sua capacidade de aglomerar setores de fora,
denominados por Bourdieu de “leigos”, para isso, deve convencê-los a aderir ao seu projeto
em disputa dentro do campo. O político, por isso, tem sua tomada de posição direcionada
pelos setores com quem dialoga. Nesse sentido, vemos dois setores fundamentais de
interlocução de Chico Pinto, que ele chama para aderirem ao seu projeto. O primeiro é que o
projeto de Nação proclamado por Chico Pinto dialogava diretamente com o PCB, pois o
partido achava que uma das etapas para a construção do socialismo seria a união entre todos
os setores sociais 84.
O PCB era o único setor da esquerda que apoiava a iniciativa de instauração da luta
pela via parlamentar. Segundo Motta, “o MDB se ajustava bem à estratégia estabelecida pelo
PCB para enfrentar o regime militar. Na sua avaliação, era necessário construir uma frente
democrática pra tornar possível a derrota da ditadura, envolvendo todos os outros setores da
83
Idem, p. 24.
84
Pode-se verificar essa posição definida nas Resoluções do PCB no VI Congresso (1967): “A revolução
brasileira, em sua presente etapa, deverá liquidar os dois obstáculos históricos que se opõem ao progresso da
nação: o domínio imperialista e o monopólio da terra. Ela é, assim, nacional e democrática. (...) Mesmo não
liquidando a exploração dos operários pela burguesia, a revolução nacional e democrática abre caminho para a
vitória do socialismo”. Resolução Política do VI Congresso, 1967. In: NOGUEIRA, Marco Aurélio (org.) PCB:
vinte anos de política (1958-1979). S. Paulo, Ciências Humanas, 1980, p. 172.
47
oposição”85. Muito embora se possa ver essa semelhança no discurso, não temos elementos
suficientes para comprovar a aliança mais estreita entre Chico Pinto e o PCB.
O outro setor com o qual Chico Pinto negociava seu produto simbólico eram os
militares do grupo denominado Centelha Nativista (apresentarei mais adiante a Centelha).
Verificamos isso com esse primeiro discurso, que se refere à história das Forças Armadas
como defensores da Nação e denuncia a propaganda que dificultava a possível aproximação
entre a Oposição e as Forças Armadas
Em outro discurso seu, ficou muito mais nítida essa convocação: O Soldado, a
Segurança e a Pátria. Chico Pinto foi escolhido pelo grupo para fazer uma homenagem ao dia
do Soldado, na sessão de 25 de agosto de 1971. No livro de Nader 86, Chico Pinto disse que foi
por causa de seu primeiro discurso, em que fez uma referência à história das Forças Armadas,
que gerou uma controvérsia sobre seu posicionamento quanto as Forças Armadas, pois esses
não sabiam se tratava de um discurso elogioso ou atrevido. Essa controvérsia quase o levou à
cassação e também fez com que Pedroso Horta, líder do MDB na época, o convocasse para
fazer o discurso no Dia do Soldado.
Como conhecedor do soldado que homenageia, Chico Pinto justificou sua analise
histórica na tarefa do Exército Nacional que para ele sempre correspondeu a um “mantenedor
da unidade nacional”, defensor do território nacional evitando qualquer apropriação por parte
das potências mundiais. Todavia, para ele, no momento em que se vivia, a Segurança
Nacional era o discurso ordenador que, na verdade, se confundia com o conceito de segurança
da potência mundial, ou seja, uma Segurança que garantia a “organização do poder mundial
sob a liderança da potência líder”, que seria os EUA. Seu argumento é de que a segurança não
é imposição de arbítrio, não é a segurança de uma ordem injusta: “é preciso não confundir
segurança com a segurança do ‘status quo’. Para a preservação do ‘status quo’ é preciso uma
mistificação confundindo segurança com inamovibilidade das coisas” 87. Para ele segurança
era “a aliança Exército-Povo, com o propósito de transformar a fisionomia anacrônica do
Brasil dependente e subdesenvolvido” 88.
Uma das proposições do grupo Autêntico era criar um fosso dentro das Forças
Armadas, entre os setores que apoiavam a Segurança Nacional como forma de repressão dos
trabalhadores, e aqueles setores que tinham uma visão nacionalista da Segurança Nacional e
85
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O MDB e as esquerdas. In: FERREIRA, Jorge e REIS, Daniel Araão. (Org.)
Revolução e democracia(1964-...) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 291.
86
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
87
PINTO, Francisco. O Soldado A Segurança Nacional e a Pátria. Discurso proferido na sessão de 25 de
agosto de 1971. Câmara de Deputados. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971. p. 9.
88
Idem.
48
Certo dia peguei meu Volks e fui da Bahia ao Rio de Janeiro, e perguntei ao general
Albuquerque em sua casa:
- ‘General, por que o senhor não resistiu? Tínhamos condições de ganhar
essa batalha’. Ao que ele me respondeu:
- ‘É possível... Tínhamos o seu Exército, que é pequeno, (referia-se ao IV
Exército, do qual a Bahia fazia parte) conosco. O I Exército também. E é forte. Mas
não contávamos com o III (Rio de Grande do Sul e adjacências) e o II ( com sede em
São Paulo) a não ser pequena parte dele’. Argumentei:
89
Jornal Movimento. 23 a 29/10/1978. Ed. 173. P. 5. A Centelha Nativista.
90
Idem.
91
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
49
No mesmo livro ele falou que teve muito contanto com os militares no episódio da sua
auto defesa quando do processo referente à cassação como prefeito em Feira de Santana. Isso
fez com que ele acreditasse que havia alguns militares preocupados com a questão nacional e
que discordavam da política entreguista imposta pelos militares do Executivo. E no mais,
Pinto disse que: “Nesta época estava convencido de que não sairíamos da ditadura, sem contar
com aliados dentro das Forças Armadas para exercer pressão dentro do próprio sistema de
poder, ou para deflagrar um processo de ruptura institucional” 93. Isso era no auge do AI-5,
quando ele ainda não era deputado, mas ao entrar no Parlamento manteve essa posição e
conclamou novamente aos militares para lutar pelo Brasil. Como ele mesmo dizia estava
buscando uma saída para o Brasil.
92
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
p.154-5.
93
Idem. p. 156.
94
Acervo do LABELU.
95
NADER, Ana Beatriz.op. cit.
50
principais discursos para distribuir à população, era uma estratégia para o discurso sair do
isolamento de Brasília. Essa encadernação de Chico Pinto parece obedecer a essa lógica.
Aqui faremos uma análise de alguns dos discursos, principalmente aqueles que
correspondem a uma ordem de denúncia do modelo social instaurado com a ditadura. No
pequeno expediente, em 27 de novembro de 1971, Francisco Pinto foi ao plenário para
denunciar a condição dos trabalhadores da Petrobrás. Em público, falou para alertar ao
presidente da empresa, na época, gen. Ernesto Geisel, do que acontecia com os trabalhadores,
embora, pelo volume de denúncias dos trabalhadores que estão sofrendo coações, ele já não
acreditasse que os altos postos desconhecessem o fato.
Os trabalhadores denunciavam as condições impostas para a incorporação ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que em teoria, deveria ser opcional. No entanto,
Chico Pinto dizia que centenas de casos chegavam à Junta do Trabalho em Salvador:
Disse ainda que: “Despedir-se empregados com mais de 9 anos de serviço só porque
não querem optar, é um absurdo inqualificável. Os empregados estão sendo chamados ao
departamento jurídico e estão sendo intimados a assinar o termo de opção e, quando não o
fazem são despedidos” 97.
Chico Pinto também disse que o mesmo estava acontecendo na Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos e recomendava que o Ministério do Trabalho deveria tomar uma
providência, senão:
As denúncias de Chico Pinto só fazem sentido na relação com o todo. Ele denúncia
nuanças – casos específicos - de uma conjuntura mais ampla (nacional). Esse era o período do
96
PINTO, Francisco. Os perseguidos: Trabalhadores da Petrobrás (27/11/1971). In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 12.
97
Idem.
98
Idem. p. 13.
51
“milagre econômico”. Desde 1970 os números da economia cresciam. Período também das
grandes obras, como a construção da Transamazônica 99, o Programa de Integração Social
(PIS), o Proterra.
Como, no projeto da ditadura, o propósito era tirar o Brasil da crise financeira, daí o
dito “milagre econômico”. Para Sônia Mendonça e Fontes a fórmula mágica foi o arrocho
salarial, pois é a prática comum de superação das crises capitalistas: “intensificação do
trabalho e a própria concentração das empresas e do capital” 101.
Por isso em 1965 uma nova legislação trabalhista e salarial se firmou para garantir
essa explosão capitalista, com três princípios:
99
O filme Bye Bye Brasil de Caca Diegues aborda sobre a situação de miséria do Brasil, mais precisamente do
Norte e Nordeste. E da doce ilusão moderna da Transamazônica.
100
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. 2 ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.
p.55.
101
MENDONÇA, Sônia Regina; FONTES, Virginia Maria. História do Brasil recente 1964-1992. 3 ed. São
Paulo: Editora Ática, 1988. p. 22.
102
Idem, p. 22-23.
52
103
MENDONÇA, Sônia Regina; FONTES, Virginia Maria. História do Brasil recente 1964-1992. 3 ed. São
Paulo: Editora Ática, 1988 p. 28.
104
PINTO, Francisco. Os perseguidos: Trabalhadores da Petrobrás (27/11/1971). In:PINTO, Francisco. Pequena
História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação]. Contém 15
discursos de 1971 a 1974. p. 13.
105
Álbum “Construção” de Chico Buarque é de 1971.
53
função sem qualquer satisfação” 106. Em suma, atuavam em condições insalubres e não tinham
direitos assegurados.
Essa era a face do desenvolvimento brasileiro que era escondida da grande população.
Em um momento marcado pela censura e por tantas formas de repressão, Chico Pinto
denunciava e, ao mesmo tempo, conclamava os trabalhadores para se organizarem contra a
ditadura.
Enquanto as grandes hidrelétricas emergiam como a expressão da modernização e
desenvolvimento propagada pelo governo, como demonstração maravilhosa do novo modelo
político, em o Povo sacrificado, de 12 de junho de 1973, Francisco Pinto, ponderou sobre a
construção das barragens de Sobradinho, que engoliram algumas cidades. Denunciou o
destino incerto dos moradores, e mais, cobrou do Governo esclarecimento, pois este teria
investido na construção de prédios e casas nas áreas que seriam inundadas.
Mas a verdade é que por incompetência, ou outra razão qualquer o dinheiro público
foi gasto criminosamente pelo governo, que tinha obrigação de saber, pelos estudos
e projetos realizados, que não se deveria construir mais em cidades que seriam
afogadas pelas águas, seus novos e permanentes habitantes 107.
106
PINTO, Francisco. Guardas da Malária: Injusta retribuição ao seu trabalho (30/10/73) In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 82
107
PINTO, Francisco. O Povo Sacrificado (12/06/1973) In PINTO, Francisco. op. cit.. p. 45.
108
Idem. P.46.
54
Embora não existe um ideal de justiça inatingível, ele disse que algumas prerrogativas são
necessárias para manter uma coerência. Dentre essas prerrogativas e garantias para o exercício
do cargo estão “sintetizadas, embora não totalmente, na vitaliciedade, na inamovibilidade e na
irredutibilidade de vencimentos” 109.
No Brasil a Justiça havia perdido essas prerrogativas, o que gerava mais
susceptibilidade de corrupções e injustiças. Diz: “Hoje, no Brasil, desapareceu a harmonia e
independência dos Poderes, existindo apenas o executivo, que a todos os outros se sobrepõe”
110
.
temos repetido por onde passamos que, em um regime de exceção como o que
vivemos, o juiz togado, sem meios para aferir a extensão das pressões que sobre ele
se fazem, está mais sujeito a transigências para confundir lei e fazer justiça do que o
militar que, em determinadas situações, está mais imune a determinados tipos de
pressão 111.
Chico Pinto falou que foi atribuído à justiça militar julgar todos os crimes, que
passaram a ser impostos pela Lei de Segurança Nacional – que é excessivamente vaga e
abrangente – isso seria um mecanismo de intimar e punir a todos.
Esse era o cenário nacional: o destrato com os trabalhadores, uma justiça submetida
pelo Executivo que por isso estava mais suscetível à corrupção e à injustiça. Para ocultar essa
face da ditadura havia ainda a censura e as propagandas que aplaudiam os feitos dos
ditadores. E era contra essa ordem que os Autênticos se laçavam nas denuncias e disputavam a
opinião pública num projeto de restauração democrática.
Chico Pinto também denunciou a censura nos jornais na Bahia e em São Paulo, o
estrangulamento do “Jornal da Bahia” pelo governador da Bahia, e em São Paulo, o
governador Laudo Natel também tentou sufocar o “Estado de São Paulo” e “Jornal da Tarde”.
O Governo sabe que os jornais, rádios e TV são empresas que vivem do lucro, sem
este não sobrevivem. As verbas vultuosas, que dispõem para publicidade e que são
dinheiro do povo, servem para comprar o silencio e, na maioria das vezes, o aplauso
fácil. Compra, assim, com o dinheiro da nação e não com o seu, a tranqüilidade para
cometer crimes. Com a desinformação ninguém sabe o que acontece nos bastidores
da administração 112.
109
Discurso de 29 de setembro de 1972. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/
d/pdf/DCD29SET1972.pdf#page=4. p. 37.
110
Idem.
111
PINTO, Francisco. Discurso de 29 de setembro de 1972. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1972.pdf#page=4. p. 38.
112
PINTO, Francisco. O processo do jornal da Bahia e outros abusos (29/09/72). In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 35.
55
A censura não era só executada pelos censores com o controle do conteúdo, mas
também pela pressão que se fazia às empresas mantenedoras, que então, cortavam seus
anúncios e financiamentos aos jornais. E mais, com tantos cortes nas matérias, o jornal não
interessava aos leitores, isso se constituía em outro mecanismo de estrangulamento, e Chico
Pinto denunciava: “é um prazer sádico os cortes na imagem, no dialogo, nos títulos. O que
fica é o resto, e pelo resto o público não quer pagar para assistir” 113.
O controle da opinião pública revela a estratégia de manutenção do consenso, é uma
das estratégias de que o regime se valia para manter uma imagem positiva, e é justamente
nesse aspecto de disputa simbólica que os Autênticos se insinuavam. Chico Pinto também
alertava para esse fator: “na medida em que o Governo controla as fontes de informação,
controla a opinião publica. Todos os jornais e rádio são livres. Livres para fechar as portas por
falta de recursos” 114.
Essa censura moldava a cultura à imagem e semelhança da classe dirigente. E Chico
Pinto denunciava a destruição do cinema, do teatro, e dizia que a imagem do Brasil no
exterior já está comprometida: “que imagem pode ter esta esfinge disforme, este duende
horrível que nada respeita e tudo destrói? Só tem uma verdadeira imagem: a imagem do
medo, do medo da verdade” 115.
113
PINTO, Francisco. Censura a imagem do medo (19/10/73) In: PINTO, Francisco. op. cit. p.70.
114
PINTO, Francisco. O processo do jornal da Bahia e outros abusos (29/09/72) In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 36.
115
PINTO, Francisco. Censura a imagem do medo (19/10/73) In: PINTO, Francisco. op. cit. p.71.
56
Ulysses Guimarães resolveu ser o anticandidato (esse nome para sublinhar o fato de que não
havia candidato, propriamente, e sim um colégio de cartas marcadas) 116.
Na Convenção do MDB, que confirmou a candidatura a presidente, Ulysses
Guimarães, em 22 de setembro de 1973, em Brasília, fez um discurso combativo, intitulado
Navegar é preciso. Viver não é preciso:
116
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
117
GUIMARÃES, Ulysses. Rompendo o Cerco. Ed. Paz e Terra, 2º edição, Rio de Janeiro: 1978. p. 41-42.
118
NADER, Ana Beatriz. Op. cit.. P. 175.
57
Te recuerdo Amanda
la calle mojada
corriendo a la fabrica donde trabajaba Manuel
La sonrisa ancha, la lluvia en el pelo,
no importaba nada
ibas a encontrarte con el,
con el, con el, con el, con el
Son cinco minutos
la vida es eterna,
en cinco minutos
119
Documento dos Autênticos recusando-se a votar na eleição presidencial (15/01/1974) In: PINTO,
Francisco. Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e
publicação]. Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 87-8.
58
(...)
y en cinco minutos,
quedó destrozado
Suenan las sirenas
de vuelta al trabajo
muchos no volvieron
tampoco Manuel.
120
(Victor Jara)
Em 14 de março de 1974, Chico Pinto ergueu sua voz contra um dos maiores tiranos
da América Latina, Augusto Pinochet, que estava presente no solo brasileiro para a posse de
Ernesto Geisel. Veio ao Brasil com a proposta de formar um “eixo-político-Brasil-Bolivia-
Chile-Paraguai”.
Francisco Pinto disse:
Mas, ontem, Sr. Presidente, chegou ao Brasil e foi recebido com honras de Chefe de
Estado, quem desonrou o Estado que deveria servir a farda que o agasalha. Não
fosse ele o Chefe da Junta Militar que oprime o Chile, seria recepcionado como
‘Calley’. O repúdio seria a homenagem justa ao mais truculento dos personagens
que, nas duas décadas, esmagaram povos na América Latina 121.
Quem Allende matou, Sr. Presidente? Mas aquele que se intitula democrata,
Augusto Pinochet, quantos crimes praticou? Quanto sangue sangrou dos seus
próprios patrícios para saciar sua sede de poder e para servir a patrões de outras
pátrias? Como todo fascista, serviu-se da democracia chilena pra acusar os
democratas cristãos e os marxistas de prejudicarem o Chile, de servir a outros
interesses e de receber dinheiro, obtendo ajuda externa, os primeiros da Itália e da
Alemanha, e os segundos da Rússia e de Cuba 122.
Como o Brasil e outros países da América Latina, o Chile também foi vítima do golpe
dos civis e militares que esmagou e oprimiu os trabalhadores. A luta de classes no Chile, na
década de 70, havia se acirrado em tamanha proporção que o país parecia se dividir em dois
grandes blocos coesos e disputantes, a burguesia nacional e aliada ao capital internacional no
partido da Democracia Cristã e o proletariado na Unidade Popular (de influência socialista).
A vitória de Salvador Allende significou o início de um governo de esquerda, com
ações que provocaram reações violentas dos grupos capitalistas, sobretudo internacionais.
120
Artista Chileno, comunista e morto brutalmente pelo comando do golpe de Estado em setembro de 1973.
121
Pinto começa o discurso falando desse personagem, o Tenente William Calley, do Exército dos EUA,
assassino na guerra do Vietnã, e que foi condenado pela opinião pública pelo massacre de Mi Lay. Fala dele para
dizer que país nenhum o recebe com honras, este foi julgado pela Justiça Militar dos Estados Unidos e afastado
do Exército. PINTO, Francisco. General Pinochet: O Infame (15/03/74). In: PINTO, Francisco. Pequena
História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação]. Contém 15
discursos de 1971 a 1974. p 95.
122
PINTO, Francisco. General Pinochet: O Infame (15/03/74). In PINTO, Francisco. op. cit.. p. 96.
59
Allende promoveu a estatização das principais indústrias e fábricas, das minas de cobre
(maior fonte de divisas Chilena). Houve ainda a iniciativa do fim da especulação do preço dos
víveres, sendo estes controlados pelo Estado, e mais um plano de reforma agrária, etc.
O objetivo do governo Allende:
123
SADER, Emir. Cuba, Chile, Nicarágua: socialismo na America Latina. 8ed. São Paulo: Atual, 1992. P. 43-
44.
124
Com bastante sensibilidade, o filme Machuca, retrata a dualidade da vida burguesa, em bairro rico e dos
bairros operários no Chile na época do governo Allende, a articulação das duas classes em torno dos partidos e
interesses, mais a brutalidade do golpe de Estado Chileno, leitura mostrada através da vivencia de duas crianças
de classes antagônicas, Machuca e Gonzalo. Filme dirigido por Andrés Wood.
60
Depois do processo sofrido com esse discurso, Chico Pinto em uma visita à cidade de
Feira de Santana, em entrevista à Radio Cultura reafirmou o conteúdo do discurso, das
denuncias contra Pinochet e alertou para a intolerância do governo e foi novamente alvo de
125
PINTO, Francisco. General Pinochet: O Infame ( 15/03/74).In: PINTO, Francisco. Pequena História de Uma
Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação]. Contém 15 discursos de 1971
a 1974. p 96-7.
126
Outro filme bastante interessante é a Ilha Dawson, baseado nos escritos do ex-ministro de Allende, Sergio
Bitar - então ministro das Minas e Energias, mostra o sofrimento dos prisioneiros nesse campo de concentração,
usa cenas reais do golpe, como o ultimo discurso de Allende e o ataque ao palácio da Moneda. Dirigido por
Miguel Littin, lançado em 2009.
127
Disponível em: http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=
105942&tipo=0
61
processo. Com a suspensão dos direitos políticos Chico Pinto não pôde concorrer às eleições
de 1974 128.
O capítulo demonstra o significado dos discursos de Chico Pinto no determinado
momento histórico. Que produto simbólico o deputado negociava, que grupo disputava.
Assim, como era dado o limite de se fazer político, do que poderia ser dito. O discurso sobre o
Pinochet foi o limite para ele, não só pelo dito, mas por ser um momento estratégico. Com a
cassação e a protelação do processo, o deputado ficou impedido de concorrer às eleições de
1974. Os militares tiraram o deputado do caminho.
128
Jornal Movimento, 9/05/1977, Ed. 97, p.8. A Absolvição de Chico Pinto.
62
CAPÍTULO III
A Luta dos Autênticos: disputa entre a Arena, o general e o MDB (1975-78) – Uma
leitura do Movimento
A história é linda para ser escrita muito tempo depois dos fatos. (...) Mas,
viver e fazer a história, dia a dia, padecê-la minuto a minuto, é dose.
Construir e assistir a demolição pela força da violência; organizar lentamente
e presenciar a destruição do trabalho e, até, o assassinato e a decomposição
de pessoas; ir e vir, num suplício de Tântalo, com a sensação de não ter
arredado o pé do lugar, embora cansado pelos tantos passos que deu. Tudo
isso só é sentido por quem viveu experimentando a história, nos momentos
difíceis, e, por isso mesmo valoriza os passos que deu e não quer voltar
atrás 129.
129
Trecho de discurso de CHICO PINTO.
63
Devido à atuação dos Autênticos (que trouxeram uma perspectiva mais progressista
para o MDB) alguns setores acharam que o partido de oposição poderia representar uma
possibilidade de confrontar a ditadura, somando-se a outros fatores. O partido conseguiu uma
vitória significativa nas eleições de 1974 (ver primeiro capítulo). Inclusive porque alguns
políticos entraram para o MDB para incorporar-se à luta dos Autênticos, e na imprensa
começaram a ser chamados de neo-autênticos ou novos autênticos. São eles:
Mario Frota (AM), Jader Barbalho (PA), Fernando Coelho e Jarbas Vasconcelos
(PE), Antonio José e Nóide Cerqueira (BA), Jorge Moura (GB), Tarcísio Delgado
(MG) Airton Soares, Marcelo Gato, Frederico Brandão, Jorge Cunha, Lincoln Grilo,
Otávio Ceccato (SP), Ademar Santilo e Genervino Fonseca (GO), Antonio Carlos
(MT), Álvaro Dias (PR), Luis Henrique e Valmor de Luca (SC), Jorge VEqued,
João Gilberto, Odacir Klein, Lidovino Fanton, Rosa Flores, Aloísio Paraguassu
(RS) 131.
130
Jornal Movimento, 18/08/1975, Ed. 7, p. 6. O MDB briga ou não briga? (sic.)
131
Jornal Movimento, 18/08/1975, Ed.7, p.6. O MDB briga ou não briga? Uma das diferenças dos primeiros
autênticos, conhecidos na imprensa como os históricos, para os novos foi a vida política antes da ditadura. Os
novos autênticos iniciaram sua vida política após de 1964, enquanto os históricos vieram de outros partidos.
(MOVIMENTO, 8/9/1975, Ed. 10, p. 4).
132
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG, editora Manifesto,
2011.
64
proposta de conhecer como foi sua repercussão na sociedade, como funcionou, sua história,
além das reportagens dos que ajudaram a construí-lo.
O Movimento foi um jornal da imprensa alternativa que circulava com o propósito de
fazer uma frente ampla de defesa da democracia, com um jornalismo comprometido com a
oposição e denúncia do autoritarismo. Lançado em 1975, o jornal, segundo Raimundo
Rodrigues Pereira, editor-chefe, nasceu pelo sentimento de “que a tarefa do jornalista não é
apenas a de descrever o mundo, mas de ajudar a transformá-lo” 133.
Sua fundação se deu pela dissidência de alguns jornalistas de outro jornal alternativo,
Opinião. Fernando Gasparian era o dono jurídico do Opinião, mas a proposta era que o jornal
funcionasse com autonomia dos jornalistas, no entanto, Gasparin afastou Raimundo Pereira
do jornal o que rompeu, no sentimento dos jornalistas, com o propósito democrático da
existência do jornal.
Destarte, um grupo de jornalistas se desvencilhou do Opinião e montou outro projeto
em que o jornal fosse dos jornalistas, que houvesse independência e autonomia, pelo “direito
de defender suas próprias idéias”. Com o propósito de ser:
(...) um jornal mais popular e que, diante da impossibilidade de ser lido ou mesmo
comprado amplamente, por exemplo, por trabalhadores sindicalizados, falasse de
temas que pudessem interessar a esses trabalhadores e numa linguagem que pudesse
ser entendida por eles, quando os artigos, de uma forma ou de outra, chegassem até
eles 134.
Lançou-se uma edição especial, escrita por Raimundo Pereira, para explicar existência
do Movimento, seus fundamentos, os custos para manutenção, e fazendo a campanha para
vender as ações, “a campanha do Milhão”.
Nomes como: Chico Buarque, Hermilo Borba Carvalho, Audálio Dantas, Fernando
Henrique Cardoso, Orlando Vilas-Boas, Edgar da Mata Machado, Alencar Furtado, Agnaldo
133
Jornal Movimento, 7/7/1975, Ed. 1 especial, p. 4. A narração sobre o nascimento do jornal aparece no livro
“Movimento: uma reportagem” de Carlos Azevedo (2011).
134
Jornal Movimento, 7/7/1975, Ed. 1 especial, p. 6.
135
Idem, p. 5.
65
Silva, Bernado Kucinski, Antonio Carlos Ferreira, Jean Claude Bernardet, Marcos Gomes,
Mauricio Azevedo, Raimundo Pereira, Teodomiro Braga, Elifas Andreato, Fernando Peixoto,
Francisco de Oliveira, Francisco Pinto, estavam nessa empreitada.
Podemos interpretar a atuação do jornal Movimento como a de um partido, no sentido
gramsciano: de um organizador das vontades coletivas, com o objetivo de disputa pelo
consenso da opinião pública. Uma Frente de objetivos claros de denunciar e enfrentar a
ditadura. Propunha também a restauração do Estado democrático, contestando a distensão
lenta, gradual e segura propagandeada pela dupla Golbery-Geisel, já que o jornal nascia
justamente nesse período - momento em que “a ditadura recuava com o claro propósito de se
fortalecer no campo conservador e isolar idéias mais progressistas” 136.
O governo repressor, por via do AI-5 e da Lei de Imprensa, manipulava o que se
vinculava para a formação na opinião pública, de modo a formulá-la de sua maneira e de
passar uma imagem positiva da política ditatorial. “Esse controle foi de grande utilidade, pois
impedia que grande parte da população soubesse dos atos repressivos, autoritários e violentos
por parte do governo” 137. Nisso o jornal conviveu com a censura ao longo da sua existência,
que o atingia de diversas formas, diminuindo sua qualidade, para diminuir o interesse do
público que o mantinha 138.
O jornal Movimento constituiu-se como um local de debate político, levou à população
temas como a constituinte, a anistia e o alto custo de vida da população. A propaganda da
política positiva sempre foi uma constante na ditadura, e por isso a censura sempre caminhou
junto para impedir o dissenso, silenciar os discursos contrários, coisa que o Movimento fazia
ao denunciar a desigualdade social do modelo econômico. Aquino diz que o alvo mais
constante dos censores sobre o Movimento era quando o “governo aparec[ia] como
‘entreguista’, na medida que em que opta[va] pela proteção das empresas de capital
multinacional em detrimento de interesses nacionais” 139.
Chico Pinto foi convidado para participar do jornal, consensualmente, pelos onze
integrantes iniciais do Conselho Editorial. Foi chefe da sucursal em Brasília, e assinava os
artigos de A semana em Brasília. Sua coluna era constantemente censurada, e como forma de
136
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG, editora Manifesto,
2011. p. V.
137
SAMWAYS, Daniel Travisan. Censura à imprensa e a busca de legitimidade no regime militar.
Disponível em: http://eeh2008.anpuh- rs.org.br/resources/content/anais/1212349634_ARQUIVO_Censura
aimprensaeabuscadelegitimidadenoregimemilitar.pdf. Acesso em 27/05/2013.
138
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG, editora Manifesto,
2011.
139
AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário (1968-1978) o exercício cotidiano
da dominação e da resistência: Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: ED’USC, 1999. p. 141.
66
denunciar, mantinham-se o formato da coluna com um tarja preta. (ver anexo 2). Através dela
percebemos a análise de Chico Pinto sobre a situação política. Para nossa pesquisa analisamos
as colunas de Chico Pinto, o Brasil 140 e Ensaios Populares 141 - que são os texto de debate
sobre a política nacional.
3.3 “Para que tudo permaneça é preciso que tudo mude?”: sobre a “distensão lenta,
gradual e segura”
O jornal Movimento na sua primeira edição traz uma matéria sobre a “esfinge chamada
distensão” 142 uma incoerente abertura que foi propagandeada pelo presidente Geisel e seus
áulicos. De que consta a incoerência da abertura política, senão da utilização do seu principal
instrumento de coerção, o AI-5? Os casos de aplicação são tantos quantos correspondem às
necessidades de manter a linha de aceitação do regime ou para enquadrar rigorosamente
àqueles que discordam. E as desculpas para o uso são inventadas na mesma ordem de tom.
Segundo o jornal, diante da “esfinge”, o MDB tentou decifrar o enigma, e as disputas
internas se dirigiam por essa linha. Os moderados pediam cautela, enquanto os Autênticos
permaneciam disputando internamente para confrontar mais contundentemente o regime.
Geisel, em 26 de agosto de 1974, fez um discurso para os dirigentes arenistas, e deste
então circulou pelos jornais que estaria em curso uma “lenta, gradual e segura distensão”, para
resolver problemas institucionais brasileiros 143. As interpretações foram vastas. José
Bonifácio, líder da Arena na Câmara, afirmou posteriormente que o presidente não
pronunciou tal palavra, Marcos Freire (Autêntico) retomou a leitura do discurso no plenário
para rememorar o líder arenista. Por conta desse episódio o Movimento fez uma reportagem
com a chamada “Bonifácio tinha razão”, pois, a falta de memória deste na verdade se
configurou como previsão.
Segundo o jornal Movimento, em 1 de agosto de 1975, o presidente Geisel voltou a
discursar para corrigir as interpretações erradas:
140
Coluna que se referia aos principais fatos políticos da semana.
141
Duarte Pereira, baiano, ex-militante da AP – Ação Popular, era responsável por essa coluna, onde se faziam os
debates sobre a política. Segundo Azevedo, “Os textos de Ensaios Populares tinham o objetivo de promover a
‘elevação da consciência dos trabalhadores’. Partiam dos fatos, da conjuntura, discutiam a política do governo e
as táticas da oposição, para lançar idéias e apontar caminhos” (AZEVEDO, 2011, p. 126) em resposta à
superação da proposta da luta armada para a derrubada da ditadura.
142
Jornal Movimento, 7/7/1975. Ed. 1. p.5. A esfinge chamada distensão.
143
Jornal Movimento, 4/8/75, Ed. 5, p. 5. Bonifácio tinha razão.
67
Skidmore relata que Geisel, em agosto, reiterou suas atitudes com o projeto de
liberalização e cita o discurso do presidente: “Com o desenvolvimento é que alcançaremos a
distensão – isto é, a atenuação, se não eliminação, das tensões multiformes, sempre
renovadas, que tolhem o progresso da nação e o bem-estar do povo” 145.
Bonifácio, por sua vez, apareceu na Câmara Nacional, segundo Chico Pinto, e
“exclamava para quem quisesse ouvi-lo: ‘Não falei que não tinha nada de distensão. Não
acreditaram em mim porque não quiseram. Convençam-se que o líder do governo sou eu;
quem fala por ele sou eu’” 146.
Pinto concluiu em tom de deboche: “José Bonifácio (...) declarou em discurso da
tribuna do Congresso, que o Presidente da República nunca falou em distensão. (...) Se falhou
a memória de José Bonifácio, não falhou sua capacidade de prever o futuro próximo. Ótima
profissão para o futuro, deputado” 147.
Geisel, no seu discurso citado no jornal, afirmava que: “nada pretendo mudar pelo
simples prazer de mudança.” 148. A modificação atingia o rótulo e não o conteúdo. Ou ainda
recorrendo à lembrança que o jornal fez à passagem de Lampedusa, em O Gattopardo, “para
que tudo permaneça é preciso que tudo mude”.
O que significou então a distensão política? Os elementos trabalhados apontam no
sentido de ser ela o resultado de disputas na sociedade, em que os ditadores precisaram recuar
um pouco para manter a coesão dos grupos militar e civil, além de amenizar o dissenso na
sociedade civil e política.
O governo Geisel, segundo Moreira Alves, foi a terceira etapa da institucionalização
do Estado na ditadura. A primeira, de Castelo Branco e Costa e Silva, se dirigia para montar
as bases do governo com a elaboração da Constituição. Na segunda fase, de 1969-73, lançou-
se na organização do modelo econômico e na prática da coerção. Já no período de Geisel, a
institucionalização corresponderia a estabilizar o regime a longo prazo, por isso, investir no
consenso, com isso desenvolveu-se a teoria da “distensão”. O regime queria legitimidade com
144
Idem.
145
GEISEL apud SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1988., p. 344. Este trecho do discurso está também no livro MATHIAS, Sueley Kalil. Distensão no
Brasil: o projeto militar (1973-1979). Campinas, SP, Papirus, 1995. p. 78.
146
Jornal Movimento, 18/8/75, Ed.7, p. 8. O manto da corrupção.
147
Idem.
148
Jornal Movimento, 11/08/1975, Ed. 6, p.5. O que mudou no dia primeiro de agosto.
68
3.4 “Liberalização de gestos limitados”: a ação dos Autênticos, Moderados e Adesistas nas
páginas do Movimento
Chico Pinto foi cético quanto à distensão. Na sua coluna, A Semana em Brasília, ele
falou sobre as “estrelas da distensão”: “queixava-me, à distância, a um velho sertanejo, sobre
a incapacidade para ouvir estrelas, é preciso nos apaixonar urgentemente. Todos, sem
exceção. Só assim, poderemos ouvir, entender e acreditar na conversa das estrelas” 151. O
artigo foi escrito em tom irônico e metafórico, mecanismo de burlar a censura, já que sua
coluna era constantemente alvo dos censores.
149
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1984, p.
185.
150
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
p. 339.
151
Jornal Movimento, 14/7/1975, Ed 2 p. 4 As estrelas da distensão.
69
Em uma clara alusão ao poema de Olavo Bilac, Chico Pinto se referiu ao romantismo
de alguns emedebistas para ouvir ecos do além, para ouvir estrelas. A “estrela” é a distensão
de Geisel e só quem escutava – entendia - eram os séquitos apaixonados que nela
acreditavam, como Ulysses Guimarães e o setor Moderado da oposição. Para Chico Pinto a
distensão era uma balela governamental que até então estava atrapalhando a oposição em se
assumir mais enfaticamente.
Falar sobre a distensão é necessário para entender em contexto amplo a movimentação
dos políticos no campo, pois a distensão serviu para conter as inflamações que ocorriam
dentro no Legislativo, já que havia um discurso velado de que qualquer pressão pela
liberalização poderia gerar retrocesso. 152 Sendo assim, o discurso da abertura política fez o
MDB recuar de qualquer atuação mais incisiva ou pelo menos com essa desculpa os
Moderados, cúpula do partido, cercearam os Autênticos.
152
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. p. 186.
153
Jornal Movimento, 11/08/1975, Ed. 6, p. 5. O que mudou no dia primeiro de agosto.
154
Segundo Costa e Gagliardi, havia uma espécie de divisão dos assuntos à serem tratados na tribuna parlamentar
pelos autênticos, e Lysâneas era o representante dos direitos humanos. Ver COSTA, Célia; GAGLIARDI,
Juliana. Lysâneas, um autêntico do MDB. Artigo disponível on line.
155
Jornal Movimento, 5/1/76, Ed. 27, p. 12. O que mudou no dia primeiro de agosto. “Cerca de 35 deputados
formaram o grupo no começo do semestre passado, com o objetivo específico de combater Lysâneas Maciel.
‘Por causa da CPI dos Direitos Humanos’, segundo Epitáfio Cafeteira, ‘nós achamos que era começar a
legislatura com provocação, cutucar a onça com vara curta. Iam ser convidados até militares para falar nessa
CPI. Se eles se recusassem, o partido ficaria desmoralizado’ Cafeteira explicou ainda que o grupo pragmatista
(‘e não pragmático, como alguns nos chamam’) só apareceu ‘para retificar a rota do partido’. ‘Foi uma espécie
de bússola. Todos nós do MDB estamos no mesmo barco, se ele desvia a rota, nós reunimos e vamos ao
comandante’, diz ainda o deputado.” (MOVIMENTO, 15/9/75, p.5).
70
Arena, por ser maioria no Congresso. Em 31 de janeiro de 1975 a bancada do MDB se reuniu
para definir os temas, que circundavam entre: “reforma agrária, multinacionais, salários,
política habitacional e direitos humanos” 156. Lysâneas Maciel propôs a CPI dos Direitos
Humanos, no entanto, Laerte Vieira nem quis discutir a proposta – sobretudo, pela delicadeza
do tema no dado momento histórico, pois se constituiria como uma afronta ao regime.
Quando Lysâneas Maciel, querendo manter a indicação, reuniu as 122 assinaturas necessárias
para a formação da CPI, a direção partidária foi mais enfática, dizendo que se ele insistisse
nessa Comissão, poderia perder a Comissão de Minas e Energia, conseguida depois de acordo
entre Autênticos e Moderados 157. Comissão estratégica que inclusive iria discutir o acordo
atômico com a Alemanha mais as Minas de Urânio de Carajás. Se Lysâneas Maciel tivesse
permanecido na Comissão o presidente desta seria Marcos Tito (deputado ligado aos
Autênticos), mas não aconteceu. Bonifácio foi quem escolheu o presidente, João Pedro ligado
a Associgás – “entidade que reúne as poderosas empresas distribuidoras de gás”.
Em 1975, Bonifácio, líder da Arena, havia prometido tirar Lysâneas Maciel da
Comissão de Minas e Energia, pois já se sabia que o governo não deixaria a comissão nas
mãos do MDB. Mas em 1976, antes que Bonifácio efetivasse a promessa, o MDB entregou a
comissão. Laerte Vieira, então, procurou Maciel para se explicar dizendo que cedeu a
158
Comissão para não perder outras. A velha história da troca de perdas entre anéis e dedos.
Pelo noticiado em Movimento, os Moderados na liderança do partido conduziam-no
para a cautela. Nos importantes espaços de atuação, como nas CPIs evitavam a presença dos
Autênticos, que inclusive propunham temas mais polêmicos de enfretamento do governo,
como é o caso dos Direitos Humanos - isso contando pela importância do momento histórico,
em que vários presos políticos desapareciam e havia muitas denúncias de torturas. Enquanto
isso, os ditadores negavam qualquer prática de tortura, ou ainda, na opinião pública, Petrônio
Portela (Arena), propalava que a “revolução” “não pode se colocada no banco dos réus,
julgada pelas medidas que anteriormente teve que tomar na defesa de sua própria
sobrevivência” 159.
Os Autênticos disputavam os rumos de conduta do MDB, no entanto, pela correlação
de forças, o setor Moderado tinha mais poder no partido. E a atuação do MDB conduzida
pelos Moderados, ao que parece, se vestia do figurino da distensão do governo, com a típica
cautela, como por exemplo, impedir os Autênticos de assumir as CPIs, evitando a
156
Jornal Movimento, 5/1/76, Ed. 27, P. 11. As investigações da Arena. Manobras e manobras.
157
Idem.
158
Jornal Movimento, 22/3/76, Ed. 38, P. 5. Para onde vai o MDB?
159
Jornal Movimento, 5/1/76, Ed. 27, p. 12. Distensão em nome dela o MDB recuo e a Arena não avançou nada.
71
160
Jornal Movimento, 5/1/76, ed. 27, p. 11. A investigação da Arena. Manobras e manobras.
161
Ver Sônia Regina de Mendonça que discute sobre a SNA.
162
Jornal Movimento, 5/1/76, ed. 27, p. 11. A investigação da Arena. Manobras e manobras.
72
mais da colaboração do Legislativo que dele mesmo. Pois, interpretando a partir da leitura de
Skidmore 163 e Grinberg 164, os militares da linha dura estavam só esperando um escape do
presidente para retomar o governo e fechar mais o cerco.
O problema posto é questionar quais as possibilidades de fazer política dos Autênticos,
dentro de um partido direcionado pelos Moderados - que evitavam um confronto contra a
ditadura por principio, talvez, ou porque sabia que contra-atacar era correr riscos. Os
Autênticos, por estarem nesse partido, também podem ser considerados como moderados, pois
havia outras possibilidades de luta contra a ditadura. No entanto o fato é que os Autênticos,
em relação às ações dos Moderados, assumiram uma posição mais progressista. Inclusive,
eram reconhecidos pelo jornal e pelos próprios Moderados como os radicais.
Essa charge feita por Chico Caruso, um dos cartunistas do Movimento 165 explicita bem
o debate que se fazia no jornal sobre a ação levada pelos Moderados na época da distensão.
Na charge, Ulysses Guimarães no mar agitado, cheio de tubarões em volta, para garantir sua
permanecia no mar, que seria sua permanência na política, berra que segurará os radicais (os
Autênticos).
O Movimento era órgão de imprensa Autêntica, alguns dos mais conhecidos políticos
do grupo estavam vinculados diretamente ao jornal, como é o caso de Chico Pinto. E por essa
163
SKIDMORE, Thomas E.. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
164
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.
165
Jornal Movimento, 19/1/76, Ed. 29, p. 4. Sob o signo do impasse.
73
charge verificamos que lado o jornal assume, define o MDB como o partido dos Moderados e
que havia uma luta dos Autênticos para assumir o comando desse barco. Essa ideia está
presente em outras charges. E concordamos com o posicionamento do jornal sobre a
existência dessa disputa. No entanto, questionamos até que ponto essa moderação estava
presente em apenas um dos lados. Os Autênticos em alguns momentos, inclusive, fizeram
alianças com os Moderados. O que podemos perceber é que não havia uma fronteira definida
do rigor radical dos Autênticos. Por ser um grupo heterogêneo, havia alguns membros com
tendências bem moderadas, outros, como o Chico Pinto estavam em um posicionamento
muito mais radical. A radicalização dos Autênticos é definida pela relação entre Moderados e
Adesistas.
O curso da distensão, por sua vez, caminhou com o AI-5. Segundo Grinberg:
Nesse sentido, em 1974 tem-se a cassação de Chico Pinto logo na posse de Geisel. Em
1976 foi à vez dos neo-autênticos e Autênticos: Marcelo Gatto (SP), Nadyr Rosseti (RS),
Amaury Muller (RS) e Lysâneas Maciel (Guanabara), dentre outros. Skidmore diz que a
existência das cassações pela aplicação do AI-5 foi resultado da pressão que a linha dura
ainda exercia. 167
A pretensa legitimidade que o regime impunha com o jogo da participação política
caminhava com a repressão, sempre expelindo os que atravancavam o processo de sua
institucionalização. Chico Pinto crítica Geisel e seu projeto de abertura:
166
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. p. 193.
167
SKIDMORE, Thomas E.. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
168
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed. 40, P. 2. Comemorações.
169
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed.40. P. 5.Zezinho Bonifácio: “pouco importa a história”.
74
pública de Palmeira das Missões (RS). Ainda na nota do jornal aparece o trecho dos discursos
que se anunciou no jornal gaúcho: “Muller: ‘Estamos num regime de golpe, não de revolução,
dominados pela aristocracia fardada’. De Rosseti: ‘A queda do regime é coisa certa, se não
por podre, pela corrupção’” 170. Por conta disso, o governo usou o AI-5 para cassar os
mandatos dos dois deputados.
Mas antes que isso acontecesse, os líderes partidários se reuniram para amenizar a
repercussão dos ditos discursos. O MDB queria sufocar o ocorrido para não haver grandes
repercussões, mas José Bonifácio incumbiu o deputado Fernando Gonçalves (da Arena/RS)
para fazer um bom discurso contra-atacando, ou melhor, respondendo aos “insultos” e
“injúrias” feito pelos Autênticos, com o propósito de manter a boa imagem do regime na
opinião pública - tarefa da Arena. No entanto, os Autênticos voltaram a discursar no pequeno
expediente (apelidado de pinga-fogo) defendendo o mandato parlamentar em resposta à
Arena. Laerte Vieira, por sua vez, se irritou com os Autênticos, dizendo que tinha combinado
silenciar a esse respeito.
A Folha de São Paulo, de 31 de março de 1976, informa que Laerte Vieira discursou
no plenário para apaziguar os pronunciamentos, tentando minimizar o discurso dos
Autênticos, dizendo que não era ameaça alguma para o governo um discurso pronunciado
numa cidadezinha do interior gaúcho. Desse modo, para evitar qualquer atitude mais drástica
do governo 171.
Os Autênticos estavam mais ou menos tranquilos porque Ulysses Guimarães lhes
garantiu que não haveria cassações. No entanto, logo se deu a notícia, Armando Falcão, o
ministro da Justiça anunciou na TV: “o presidente da República, ouvindo o Conselho de
Segurança Nacional, assinou decreto cassando os mandatos eletivos dos deputados
federais...” 172.
Os deputados se queixavam do líder do MDB:
Quando disse que estava num “Congresso castrado”, foi interrompido, aos gritos,
pelo deputado paulista da Arena, Cantídio Sampaio: “não apoiado, comunista
safado”. “Não concederei apartes a torturadores, a defensores do Esquadrão da
Morte, a assassinos de estudantes e de trabalhadores”, respondeu-lhe Lysâneas,
seguindo-se um tumulto 176.
Armando Falcão, por sua vez, ligava para os principais jornais para evitar que se
divulgasse haver um surto de cassações e que eram apenas casos isolados. O MDB se limitou
174
SKIDMORE, Thomas E.. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. p.
370.
175
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed.40, p. 6. Zezinho Bonifácio: “pouco importa a história”.
176
Idem. p. 6.
177
Idem.
76
a lançar uma nota à respeito das cassações dos mandatos dos três deputados, em 7 de abril,
criticando o governo, dizendo que não se deve resolver problemas pelas vias autoritárias, com
a aplicação do AI-5, mas pela via consensual 178.
No dia 8 de abril, a Arena também lançou uma nota em resposta à nota do MDB,
publicada no mesmo jornal, dizendo que este não se comportava como um partido e nunca
aderiu à revolução. Dizia: “todo ato praticado dentro da lei não é violência nem arbitrário. O
governo age segundo a legislação em vigor, expressa no Ato Institucional e na Constituição
que o aprova” 179.
Essa era a oposição que o governo queria garantir, por isso, determinar a tarefa da
Arena em disputar a opinião pública e moderar o MDB – usando o AI-5 quando necessário.
Lucia Grinberg, que pesquisou sobre Arena, diz que “No Congresso Nacional, as lideranças
arenistas desempenharam o seu papel de defender o governo face ao MDB, mas, na bancada
da Arena, havia também vozes dissonantes da direção partidária” 180. Mas deve ser dito que,
pelo princípio da fidelidade partidária, os arenistas eram obrigados seguir à liderança.
Nesse período, pelo limite incoerente da abertura política que se fazia, e no intento de
ser legitimo, o regime propagandeava uma suposta democracia, tentando garantir um
consenso em torno do AI-5, aparando-o no discurso da constitucionalidade. Os arenistas eram
sua garantia civil de convencer a opinião pública dessa democracia, pregando a necessidade
do regime expurgar os que discordavam:
178
Jornal Movimento, 12/4/76, Ed. 41, P.4. A crise.
179
Idem.
180
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. p. 185.
181
Jornal Movimento, 19/1/76, Ed.29. p. 4. Sob o signo do impasse.
77
José Bonifácio: O Ato 5 não colide com a distensão nem com o espírito
democrático do presidente Geisel. Quando à tese do MDB, não há nada de novo no
que eles dizem. O MDB apenas age como todas as oposições do mundo 182.
182
Jornal Movimento, 18/8/75, Ed. 7, p. 6. Qual é a nossa taxa de democracia.
183
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988. p.164.
78
Para os Autênticos havia uma dupla tarefa, como disse Alencar Furtado em
depoimento no livro de Nader: era a luta no “sisteminha” emedebista e o front contra a
“sistemão” militar. 184 A Convenção Nacional foi um dos episódios que mais se acirraram as
disputas internas. Os Autênticos queriam tornar o MDB um partido mais unificado e
oposicionista, de enfrentamento com o regime, e por isso, achavam necessário disputar os
cargos do partido. Os Moderados, por sua vez, sabiam do risco de uma represália pelo regime
se isso acontecesse, daí manter a linha da moderação.
Já tive oportunidade de abordar brevemente sobre esse episódio 185, mas é prudente
rever esse evento numa perspectiva, agora, mais ampla da ação dos Autênticos. A Convenção
Nacional do MDB, marcada para 21 de setembro de 1975, gerou uma briga interna no MDB,
entre Autênticos históricos, Novos Autênticos, Moderados e Adesistas. O que possibilitou
verificar a tomada de posição de cada um dos grupos.
A cúpula emedebista era formada pelos moderados Ulysses Guimarães, no cargo de
presidente do partido, Thales Ramalho secretário geral e Laerte Vieira, líder da Câmara.
Ulysses Guimarães era vice-presidente, assumiu a presidência do MDB em 1971, com a
renúncia do general e senador Oscar Passos. E junto assumiu Thales Ramalho como secretário
geral. Em 1972 se reelegeram na Convenção quando, disputando com os Autênticos, os
Moderados conseguiram eleger 33 dos seus, enquanto os Autênticos conseguiram emplacar
apenas 16 nomes para o diretório nacional. 186 E durante três anos o diretório nacional só se
reuniu 3 vezes, sendo que as decisões sempre foram tomadas pela Executiva composta por 15
membros, dentre eles os líderes moderados Thales Ramalho e Ulysses Guimarães. Havia um
espaço garantido na liderança pelos moderados, que falavam em democracia, muito embora
no próprio partido não houvesse. Daí enxergar a difícil tarefa de se fazer política no partido de
184
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
185
Esse fato é relatado no Trabalho de Conclusão de Curso, uma monografia.
186
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10, P. 4. A grande crise.
79
Oposição dirigido pela maioria Moderada que, muito embora discursasse em prol da
democracia, tinha uma prática na vida interna partidária que dizia o contrario.
No episódio da Convenção Nacional, em 1975, que é o fato que nos interessa analisar
para perceber as tomadas de posições e disputas internas dos grupos do MDB, Francisco
Pinto foi um dos principais articuladores para unir os grupos dos Neoautênticos, Autênticos e
Moderados, propondo um “chapão” para o diretório nacional e a executiva, para impedir o
avanço Adesista.
187
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10, P. 4. A grande crise.
80
inclusive com o próprio Francisco Pinto. Mas é possível problematizar a tomada de posição
do jornal com respeito ao assunto. Francisco Pinto era membro do jornal e está muito presente
nessas charges, que tentam passar uma visão de sua imagem como um homem de grandes
articulações e em uma posição progressistas com relação aos Moderados. Havia uma tentativa
do jornal de desvencilhar a imagem dos Autênticos, principalmente de Francisco Pinto, com
as posições moderadas do partido da Oposição. Isso se constitui também como a negociação
do produto simbólico, o político vive da imagem e da crença dos seus eleitores, e o jornal era
lugar privilegiado de construção de imagem.
Na Convenção para decidir os cargos do partido os Moderados não queriam abrir mão
dos cargos principais, presidência e secretária-geral, daí pretenderem distribuir os lugares para
os Autênticos no seguinte esquema: 31 lugares de 71 no diretório e 5 de 15 lugares na
Executiva, sendo esses: “1ª vice-presidência, a 1ª ou 2ª secretaria, a tesouraria e dois lugares
de vogais” 188. Quando os Autênticos foram dizer que aceitavam essa proposta os Moderados
já haviam recuado quanto à proporção.
Depois de intensos confrontos quanto à participação dos Autênticos na chapa os
Moderados propuseram:
188
Jornal Movimento, 18/8/75, Ed. 7, p. 6. O MDB briga ou não?
189
Renovadores, o nome que a imprensa deu à união entre autênticos e neo-autênticos. (MOVIMENTO, 8/9/75,
Ed. 10 p. 4).
81
depoimentos revelavam isso: “o deputado Rosa Flores, depois de denunciar o ‘jogo sórdido’ e
o ‘maquiavelismo do presidente do partido’: ‘Chico Pinto personifica tudo que desejamos
para o nosso partido’” 190.
Mais ainda:
A justificativa de que teria havido pressão externa para vetar o nome de Chico Pinto
só serviu para irritar ainda mais os deputados contra o comando do partido (...)
Enquanto Walter Silva defendia Chico Pinto como ‘o símbolo, para nós, do que é
oposição no Brasil. Continuará sendo fonte de inspiração de todos nós’ 191.
Em setembro do ano passado foi ele quem também articulou – numa atitude que ele
propaga em autolouvação – o manifesto com 80 assinaturas, que pressionou com
sucesso a direção do partido para afastar a candidatura do deputado Francisco Pinto
à vice-presidência do MDB 192.
O que favoreceu a pressão dos Adesistas foi sua estreita relação com um dos líderes do
MDB, Laerte Vieira - que pareceu agir em comum acordo e em negociatas com esses grupo.
Os Adesistas reclamaram do seu isolamento, mas na verdade sabiam de tudo que ocorria via
Vieira: “Se uma grande parte do grupo descontente não foi consultada nas decisões sobre o
novo diretório e no acordo com os Autênticos, quase todos os seus líderes têm, contudo,
mantido reuniões seguidas com Laerte Vieira” 193.
190
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10 P. 4. A grande crise.
191
Idem.
192
Jornal Movimento, 26/4/76, Ed. 43 p. 5. Os “oferecidos” do MDB.
193
Jornal Movimento, 15/9/75, Ed. 11 P. 5. MDB. Os adesistas puxam a oposição para o desvio.
82
Essa outra charge assinada por Chico Caruso, está na matéria MDB os adesistas
puxam a oposição para o desvio 194, aludindo ao episódio da Convenção. O trem chamado
MDB, está sendo disputado entre o Autêntico Chico Pinto, do lado esquerdo, Ulysses
Guimarães, Moderado, lado direito, e Laerte Vieira, embora Moderado desviando os trilhos
para os Adesistas.
A charge é uma ilustração da situação em que Laerte Viera estava negociando com os
Adesistas e daí a inconformidade dos Autênticos com tal situação. Novamente destaca-se a
centralidade da figura de Chico Pinto, que estava afastado do Congresso, mas permanecia na
articulação com os Autênticos. Talvez a exploração da sua imagem se dê pela proximidade
com o jornal, mas também pela pessoa polêmica que era.
Depois da tamanha crise no MDB o acordo entre Autênticos e Moderados foi mantido,
com alguma perda para os Autênticos. Fechou-se assim a chapa:
194
Idem.
195
Jornal Movimento, 15/9/75, Ed. 11, P. 5. . MDB. Os adesistas puxam a oposição para o desvio.
83
Esse foi um dos episódios que melhor delineou a relação de disputa dentro do MDB.
Depois de intensos confrontos, entre Autênticos, Adesistas e Moderados os cinco lugares na
executiva foram retirados da proposta dos Autênticos. Pois ter os Autênticos na executiva
correspondia a um risco para o partido, com a possibilidade de transformá-lo numa oposição
mais aguda, não só pelo histórico combativo, mas inclusive pela proposição de atuação deste,
que incluía a pauta de mobilização popular:
196
Jornal Movimento, 1/9/75, Ed 9, p. 8. A briga interna do MDB.
84
Para Pinto em tais circunstâncias “um partido de oposição no Brasil, para firmar-se e
pretender o poder, não pode dar seguidos exemplos de incorreção por parte dos seus líderes e
dirigentes vocacionados para o exercício ditatorial” 198. Com essa postura incoerente, sem
sequer uma mínima organização, para Chico Pinto, o partido não iria adiante na conquista do
poder: “agrupamento desorganizados e sem crédito na opinião pública não conduzem a nada.
Segui-los ou acompanhá-los é uma perda de tempo” 199.
Chico Pinto ficou indignado, pelo que parece, não só pelo veto ao seu nome, ele que
não era mais um parlamentar, mas fundamentalmente pela deturpação do significado do
partido que ele acreditava. Deste modo, ele também abordou sobre em que se transformou a
convenção nacional: “ela deveria chamar-se de convenção parlamentar, porque, embora
alguns deputados sem mandato participem dela, os verdadeiros donos da convenção são só
congressistas” 200.
Em Os desvios dos partidos, Chico Pinto disse qual sua proposta para a conduta do
partido e, entre as brigas internas, ele fica com a possibilidade de abrir o partido para o povo
conduzi-lo. Pois o Congresso, na ditadura, parecia ter uma vida separada da sociedade, e um
partido que trilha os mesmo rumos e fica no isolamento, não serve para nada e nem a
ninguém.
Brigam autênticos e brigam moderados. E por que não brigam para colocar no
diretório lideranças de trabalhadores, líderes estudantis e religiosos, representantes
das profissões liberais, artistas, intelectuais, camponeses, proprietários urbanos e
rurais, professores universitários, enfim, quem possa refletir melhor e melhor
traduzir, sem o isolamento de todas as correntes de opinião? 201
197
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10, P.8 A distância do programa.(Sic).
198
Idem, p. 8.
199
Idem, p. 8.
200
Jornal Movimento, 25/8/75, Ed. 8 p. 6. Os desvios dos partidos.
201
Idem.
85
E em política não se pode lutar por idéias sem lutar pelo poder que permita levá-las
à prática. Assim sendo, ao apontar novas alternativas ao MDB, os autênticos têm
todo o direito e dever de lutar pelos postos de direção que possibilitem traduzi-las
em realidade prática, e para tanto, desde que não sacrifiquem nenhuma posição
básica, podem e devem estabelecer as alianças necessárias 202.
O discurso dos Autênticos diferencia-os dos outros grupos, pois alegava outra
perspectiva de condução para o MDB, que nos conduz a pensá-los como uma instância que
lutava contra a ditadura e, por isso, analisar as disputas internas do partido significa entender a
tentativa de transformar o discurso contra a ditadura em prática. Os Autênticos disputavam os
cargos deliberativos do partido para validar suas proposições – projetar uma imagem coerente
de partido que fosse capaz de aglomerar interessados em lutar contra a ditadura. O objetivo
era transformar o MDB em um partido condutor da luta contra a ditadura.
Chico Pinto acreditava que mesmo com as limitações, os Autênticos ainda eram o
instrumento necessário para movimentar o MDB: “o grupo ‘autênticos’, apesar de isolado e
cerceado pela cúpula do MDB, conseguiu conduzir a verdadeira bandeira da oposição” 203.
Novamente vale ressaltar que não nos interessa fazer um julgamento a respeito da ação
dos Autênticos, mas entender de que forma esses traçaram uma estratégia de luta para
combater a ditadura. E como suas ações progressistas abriram um campo de disputa dentro do
partido de oposição, que havia sido criado para ser uma oposição obediente, sem muitos
confrontos. O jornal Movimento tem uma posição declarada sobre os Autênticos, no entanto, é
possível problematizar através dela e visualizar uma disputa. O interesse é perceber a
dinâmica construída no MDB, mais uma frente de luta de Chico Pinto. Além de verificar seus
discursos e o conteúdo produzido, é importante captar as tomadas de posições dentro do
partido. O jornal era um lugar privilegiado de demarcar posições para o público, para os
Autênticos divulgarem que pauta eles estavam defendendo, demarcar quem era quem na
oposição, declarando o lugar de Moderados e Adesistas.
202
Jornal Movimento, 1/9/75, Ed 9, p. 8. A briga interna do MDB.
203
Jornal Movimento, 15/9/75, Ed. 11, p. 6. A criatura de volta ao criador.
86
As forças são as mais diversificadas que o compõem. E por isso mesmo, quando
alguma dessas forças tende a avançar um pouco mais ela é contida pela própria
direção partidária. De forma que, o que eu acredito, é que o povo consciente da
necessidade de se organizar é que pode no futuro criar condições para que o partido
venha a tomar posições mais progressistas, mais avançadas, mais conseqüentes 204.
Chico Pinto falava da importância do comício nesse momento, enquanto alguns diziam
que o rádio já o substituía. O comício era o grande momento do contanto com o povo.
Naqueles lugares onde não chegou a “civilização eletrônica”, dizia Chico Pinto:
o comício volta a ser, portanto, a grande solução. É certo que ele representa uma
limitação técnica de comunicação com o público. Dirão alguns, que os senhores do
palanque falam e o povo escuta. Esquecem-se de que o povo não somente escuta,
mas aplaude, silencia e vaia, o que significa que participa pelo estimulo, pela
indiferença e pela contestação.
Dirão, ainda, que os doutores do palanque selecionaram as mentiras que querem
contar. Se assim fora, eles é que teriam o que perder. O povo aceita o que coincide e
explica o seu dia a dia. O resto é inútil martírio da garganta do orador 205.
Embora Chico Pinto apregoasse uma relação com o povo, dizendo ser quem de fato o
interessava, não temos elementos para demonstrar sua vinculação com qualquer setor social.
E nesse sentido, a leitura que temos é da sua atuação no espaço da política strictu sensu, no
espaço do Parlamento, nos momentos eleitorais e no próprio jornal.
Para fazer uma análise sobre as eleições de 1976, percebemos a importância das
eleições no regime militar. Uma vez que o regime seria uma ditadura era de se esperar que
descartasse esse mecanismo da democracia, no entanto, na ditadura não só se manteve as
eleições como também se tinha grande apreço por elas. Pois, era o principal instrumento de
demonstração pública da sua legitimidade. Por isso mesmo, foi incorporada ao projeto de
distensão - a ampliação da participação política, demonstrativo de que o regime era
constitucional.
204
Pinto Vem Aí, 1976. Filme de Olney São Paulo.
205
Jornal Movimento, 11/10/76. Ed. 67, p. 2. Os comícios.
206
STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 100-101.
87
207
STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 34.
208
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1984.
209
O texto original da lei está no site da Câmara Federal. Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6339-1-julho-1976-357658-publicacaooriginal-1-pl.html.
88
que somente 800 municípios tinham estação de rádio e 40 de televisão, e existiam “no Brasil
4.000 municípios” 210 Ou seja, a restrição à propagada eleitoral era colossal.
Com essas medidas, teve-se a intenção de garantir a vitória da Arena. Skidmore diz
que a lei:
Foi uma violenta reação às eleições de 1974, quando os candidatos do MDB usaram
a televisão para atrair votos decisivos nas últimas semanas que precederam o pleito.
Todas essas medidas reforçaram o cerco do governo ao MDB, ao qual Geisel se
referia como o “inimigo” 211.
210
Jornal Movimento, 24/5/1976, p. 2. A propaganda eleitoral. O projeto do governo.
211
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988,
p. 370-371.
212
Jornal Movimento, 2/2/1976, p. 5 . Ed. 31. Eleições. As datas e as regras.
213
Idem.
89
não pode repetir novembro de 74 e quer saber o que é preciso fazer para evitar aquele
desastre” 214.
A teoria da distensão muito bem controlada dizia que a Arena deveria ganhar, para que
tudo seguisse nas ordens e nada afetasse tal projeto, assim analisavam várias matérias do
Movimento. Mesmo sendo eleições municipais o governo queria medir a temperatura para
saber como prosseguir no dito projeto político. Nesse campo a Arena foi incumbida de
mostrar e captar o apoio popular para o regime, “legal e constitucional”.
Com a lei Falcão, os candidatos não podiam falar pelo rádio, mas isso não impedia que
o governo falasse por eles até o Tribunal Superior Eleitoral proibir qualquer tipo de
propaganda, mesmo pelo presidente. 215 Além do mais, o governo disponibilizou o aparelho
estatal para a campanha de seus candidatos, carros, gasolina, papel, etc. 216. Já o MDB,
segundo o Movimento, ia de mal a pior. A direção deixou os candidatos à sua própria sorte. A
campanha foi decidida em algum gabinete pela cúpula moderada e era limitada:
Como sabemos o MDB era seccionado entre os grupos. E pela política da cúpula com
a morosidade, cumpria as deliberações do governo, fundamentalmente, temerosos em tomar
alguma medida radical que prejudicasse a distensão.
214
Jornal Movimento, 2/2/76. p. 5. As eleições. As datas e as regras.
215
Jornal Movimento, 1/11/76, Ed. 70, p. 4.
216
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1984, p.
191.
217
Jornal Movimento, 16/8/76, p. 3. Ed. 59. Afinal, o MDB quer ou não quer ganhar as eleições?
218
Idem.
90
pode conduzir o repúdio dos possíveis eleitores para si. Chico Pinto, como político
profissional construiu um grande arsenal de capital simbólico perante os setores mais
populares de Feira de Santana. E o candidato da Arena ao atacar sua personalidade tem o
feitiço virado contra o feiticeiro 224.
Uma eleição quase impossível, pois éramos minoria. Corri esse país inteiro...onde
havia deputado do partido, eu fui visitar. Os Autênticos eram vetados pela cúpula do
MDB para compor a Comissão Executiva do partido, jamais qualquer um de nós
poderia ser cogitado para a liderança da bancada 225.
224
Em “Pinto Vem Aí”, filme de Olney São Paulo, começa com um fusca anunciando: “para receber o grande
líder nacional hoje às 20hs na Avenida Getúlio Vargas”. O filme fala do grande comício de Chico Pinto em Feira
de Santana. Uma multidão de 20 mil pessoas que o carregaram nos ombros e foram numa passeata que durou a
madrugada. Olney São Paulo foi cineasta (1936-1978), natural de Riachão do Jacuípe, que escolheu Feira de
Santana para morar. Fez o curta metragem “Pinto Vem Aí”, em 1976, mostrando cenas do comício do retorno de
Chico Pinto à Feira de Santana depois da sua cassação. No filme há entrevista Pinto, em que ele fala da situação
no MDB e da sua participação no Jornal Movimento.
225
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p.
50.
92
O MDB, por sua liderança, declara Cafeteira, foi um partido calado nestes dois anos.
Só abria a boca para reclamar, quando era atingido quando algum deputado era
cassado. Nestas ocasiões a liderança do MDB reagia. No resto era a apatia. O MDB
tem de ser um partido vivendo o dia-a-dia dos brasileiros e seu líder tem de ser o
porta-voz permanente do partido 227.
Para aumentar as suas chances, ele tentou retirar de sua candidatura qualquer
conotação que pudesse identificá-lo com o antigo grupo autêntico, do qual era um
dos principais líderes. O seu raciocínio é simples, será favorável a Laerte Vieira, já
que a provada correlação de forças mostra que autênticos (isto é, os deputados mais
progressistas do partido), são minoria dentro da bancada, onde de 153 deputados
apenas uns 50 identificam-se com a bandeira dos antigos autênticos (dos quais,
cerca de 20, todos deputados eleitos em 1974, estão reunidos no chamado grupo
neo-autênticos) 228.
226
Jornal Movimento, 17/1/77, Ed. 81, p.2. MDB. Nova direção em 77?
227
Jornal Movimento, 7/2/77, Ed. 84, p. 4. A dificil disputa.
228
Jornal Movimento, 17/1/77 Ed. 81, P.2 MDB. Nova direção em 77?
229
Idem.
93
“lagarto rastejando” para não ser aniquilado: “o que acabou prevalecendo, mesmo, foi a
pragmática filosofia do pessedismo: ‘mais vale um réptil vivo que um herói morto’.
Fortaleceu-se, assim, a convicção, oriunda da cúpula emedebista, de que a preservação é o
mais valioso atributo de um político” 230.
Chico Pinto reclamava do MDB que não aceitava a rotatividade dos cargos partidários.
Com efeito, Ulysses Guimarães permaneceu na presidência bastante tempo e mesmo o líder
da Câmara que deveria mudar anualmente, permanecia. Ou seja, parecia ser necessária a
manutenção desses líderes para conduzir o partido à moderação, e assim, evitar qualquer
confronto mais aberto com a ditadura.
Chico Pinto concluiu: “o resultado prático da manutenção de uma liderança mais
preocupada com o regimento interno do que com grandes questões nacionais tem levado o
partido à convalescença parlamentar” 231.
O Congresso, no período da campanha para a liderança da Câmara, estava de férias.
Chico Pinto criticava que a vida do MDB era tão parlamentar que nesse período de recesso o
MDB entrou de férias, e não se decidiu mais nada, não se pronunciou sobre os temas da pauta,
tais como o acordo nuclear com a Alemanha. Para Pinto parecia ser o parlamento o único
espaço de ação dos emedebistas, sem apoio com as bases, uma atividade que se encerra na
estreiteza de Brasília, e debocha dos emedebistas de férias citando Garcia Lorca: “Verde que
te quiero verde. Verde viento. Vierde ramas. El barco sobre el mar. Y el cabalo em la
montaña” 232.
Daí entra em debate a candidatura de Alencar Furtado que, para Pinto, surgiu como
uma solução:
a iniciativa partiu dos deputados moderados e contou com o apoio, como não podia
deixar de ser, dos autênticos. Se a desmedida vólupia dos dirigentes em evitar
soluções de base não se manisfetar, a indicação é pacifica e poderia ser unânime.
Mas isso é muito difícil que ocorra 233.
230
Jornal Movimento, 17/1/77, Ed. 81, p. 3. A rotatividade teórica.
231
Idem.
232
Jornal Movimento, 31/1/77, Ed. 83, p. 3. Alianças e reformas.
233
Idem.
94
os doze cargos de vice-lideres já foram preenchidos, cabendo dois aos adesistas Ario
Theodoro e Francisco Studart; segundo alguns parlamentares, esta foi a única
cobrança dos adesistas ao apoio da candidatura de Alencar. Uma vice-liderança
coube ao pragmático Epitácio Cafeteira, outra ao moderado Fernando Correia, e as
outras sete distribuidas entre autênticos e neoautênticos(...)
O impulso da vitória, acrescido do preenchimento de dois dos três cargos da mesa
que cabem ao MDB, pelos candidatos do ex-grupo autêntico. Ademar Santillo, na 2ª
vice-presidência e Jader Barbalho na 2ª secretária 235.
234
Jornal Movimento, 7/3/77, Ed 88, p. 4.Entrevista com o novo líder do MDB, Alencar Furtado.
235
Jornal Movimento, 7/3/77, Ed. 88, P. 3. A vitória de Alencar.
95
No entanto, com Alencar Furtado na liderança da Câmara, pela primeira vez houve
uma reunião do diretório nacional do MDB. Com o objetivo de tirar uma posição quanto à
reforma do judiciário, a reunião possibilitou a emissão de opiniões dos setores mais
progressistas do partido, decidindo-se a não aceitar à reforma, contrapondo-se ao que a antiga
liderança já havia acertado, mais ou menos, com a Arena. Tancredo Neves, por sua vez,
defendeu que o tempo era de moderação, de recuo e não de ataque, tentava convencer que “o
partido não deveria ‘abusar de sua força’ negando quorum à votação do projeto” 239. Mas da
reunião do diretório o “MDB decidia ‘fechar questão’ contra o projeto de medida que
implicaria na perda do mandato do parlamentar que contrariasse a decisão” 240.
236
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988, p. 181.
237
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 205.
238
Jornal Movimento, 4/4/75, Ed. 92. P. 5. O Congresso e o Ato.
239
Idem.
240
Idem. Kinzo no seu livro sobre a trajetória do MDB também aborda sobre esse episódio.
96
‘Sr. presidente, srs. Congressistas, vivemos uma noite histórica. O colégio de vice-
líderes da Câmara, autorizado pela maioria dos deputados que ocorreram as nossas
salas, a bancada do Senado, sob a presidência do deputado Ulysses Guimarães,
presidente nacional do nosso partido, acaba de tornar uma decisão por unanimidade
que obriga o acompanhamento de todos os correligionários parlamentares do MDB.
Sr. presidente. Srs. senadores e deputados, a nossa posição face ao projeto chamado
de reforma do Judiciário não é uma posição egoísta e pessoal, não é uma posição
241
Matéria sobre todo o processo pode ser lido na Folha de São Paulo, disponível em:
http://acervo.folha.com.br/fsp/1977/03/30/2/#
242
Nas páginas do Movimento tem um recorte do correio Braziliense: “’O MDB tem até amanhã para recuar,
senão vem aí o NOVO ATO INSTITUCIONAL’. A manchete de primeira página era completada, também em
letras garrafais, pela contundente advertência: ‘SE O MDB NÃO TRANSIGIR, ABRINDO MÃO DE SUA
POSIÇÃO CONTRÁRIA À EMENDA DA REFORMA DO JUDICIÁRIO, O GOVERNO PODE BAIXAR
AMANHÃ MESMO UM NOVO ATO INSTITUCIONAL, QUE SERIA O AI-18, PELO QUAL NÃO
APENAS PROMOVERÁ A REFORMA, MAS, TAMBÉM, ESTABELERÁ ELEIÇÕES INDIRETAS’”
(MOVIMENTO, 4/4/77, Ed. 92, p. 4).
243
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed. 92, p. 8. O Congresso e o Ato.
97
partidária, não é uma posição de mesquinhos interesses; é uma posição firmada pelo
interesse comum do país e do povo’ 244.
Por sua vez, Bonifácio anunciava “a Arena é o grande partido da hora’ disse. E
advertiu: ‘O que vem amanhã é responsabilidade exclusiva do Movimento Democrático
Brasileiro’” 245, disse mais, que “o MDB é dominado por um grupo de comunistas”246. Na
última sessão do Congresso, “Petrônio Portela anunciava com voz embargada que o projeto
estava rejeitado por falta do quorum qualificado de dois terços’” 247.
Como resposta a essa negativa do MDB, em 1º de abril de 1977 - parece o dia
oportuno para o militares, foi decretado o ato complementar nº 102, fechou-se o Congresso e
decretou-se o chamado “pacote de abril”. Com isso não só se fez as emendas no judiciário,
como foram impostas mudanças nas regras eleitorais.
O regime que queria tecer um tom de legitimidade, mantendo as atividades legislativas
esbarrava com a oposição, e então tinha que recuar nas suas medidas de abertura, conforme o
ataque da oposição, recuou, fechando o Congresso.
Todavia, o jogo do consenso não se perdeu, a propagada democrática contava com
outros meios discursivos na opinião pública, mesmo sendo manipulada. Geisel divulgou a
justificativa para o fechamento do Congresso como sendo culpa do ato “antidemocrático” do
MDB de não liberar os parlamentares para votar a favor da reforma. Assim lê-se no discurso
de Geisel publicado no Movimento:
É como o machado que fere o sândalo e ainda quer sair perfumado, lembrando da
frase de música que bem ilustra essa realidade. O governo justificava sua medida autoritária
por falta de colaboração da Oposição, acusando esta de antidemocrática. Os mecanismos de
criação de consenso funcionavam nesse sentido, além da acusação das medidas
244
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed. 92, P. 8. O Congresso e o Ato.
245
Idem.
246
No jornal Folha de São Paulo publicou-se mais frases ditas por Bonifácio no plenário. Disponível em:
http://acervo.folha.com.br/fsp/1977/03/30/2/#
247
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed. 92, p. 8. O Congresso e o Ato.
248
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed.92, p. 6. O discurso de Geisel.
98
249
GEISEL apud MOVIMENTO, 4/4/77, Ed. 92, p. 6.
250
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988. p.182.
251
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
252
Jornal Movimento, 18/04/77, Ed. 94, P. 5. E o MDB como fica?
99
fundamental foi que os Autênticos conseguiram levar a oposição a não aceitar a reforma do
judiciário. As consequências foram dadas, como anunciava José Bonifácio.
Esse foi um dos momentos que o MDB pensou na autodissolução, por se sentir
impotente diante da ação parlamentar. Chico Pinto, por sua vez, fez uma análise das
circunstâncias do MDB e de quem escolheu ele para lutar: “Um político não pode se deixar
surpreender. Não deve fantasiar a realidade, nem é lícito iludir-se para revelar profundas
decepções, depois. (...) A decepção é fruto de erros de cálculo, de vícios de observação e de
desvios de análise” 253.
Como em todos os momentos, até nos mais difíceis, Chico Pinto defendeu o MDB,
sabendo exatamente qual é o contexto de construção de luta, os limites dados e a tarefa
duramente restrita do MDB:
A maioria do MDB compreende que se lhe deram a vida raquítica que não pediu, ao
menos lhe resta a oportunidade de ser mercadejador de idéias. E se as idéias nascem
da própria realidade objetiva onde se vive, elas gerarão novas vidas e novos
contingentes engrossarão suas fileiras 254.
253
Jornal Movimento, 18/04/1977,Ed. 94. P.2. Desesperar não pode.
254
Idem.
100
A dissidência de Magalhães Pinto 255 um dos articuladores do golpe de 1964, pode ser
lida como sintoma de crise do regime, que já perdia o apoio de setores significativos da
burguesia nacional 256. Segundo Kinzo, a dissidência de Magalhães foi fruto das suas
aspirações em ser candidato à presidente, decepcionando-se com a indicação de Figueiredo
para 1978. Com a Frente, Magalhães tinha a expectativa de se candidatar presidente como
alternativa civil 257.
Os articuladores convocaram o MDB, que fez uma convenção extraordinária (isto é
noticiado no Movimento em 5/6/1978) para decidir se lançaria uma candidatura para
presidência do país. E foi aprovada por maioria expressiva a proposta de integrar a Frente,
mas depois houve muitas divergências internas sobre essa adesão. Inclusive dentro dos
Autênticos havia os que não apoiavam candidaturas indiretas - a não ser no episódio da
“anticandidatura” de Ulysses Guimarães, como uma forma de protesto.
A Convenção aprovou também dez pontos para apoiar a candidatura, dentre eles: a
revogação dos atos institucionais, respeito à separação dos três poderes da República, eleições
diretas, liberdade de expressão, extinção da pena de morte, instituição do pluripartidarismo,
liberdade sindical e convocação da Assembleia Nacional Constituinte 258.
Chico Pinto acreditava que para derrubar a ditadura seria necessário unir força com os
militares:
A Frente sofreu críticas, pois era composta por um militar e um liberal – que foi um
dos articuladores do golpe militar. Chico Pinto, por sua vez, fez uma análise sobre a
conjuntura política da dita abertura, da necessidade de se aproveitar o momento, mais que
isso, analisar com esperteza, para se usar o movimento certo no momento oportuno, entender
os acontecimentos políticos: “é preciso que a oposição não perca de vista que há o que fazer
255
Na coluna de Chico Pinto este diz que Magalhães Pinto era um banqueiro, integrado ao regime capitalista, “foi
ministro das relações Exteriores do segundo governo, chamado revolucionário; foi um dos subscritos do AI-5;
cassou mandatos parlamentares e garroteou direitos políticos de centenas de cidadãos estava no movimento de
1964” (MOVIMENTO, 6/3/78, ED. 140, p.4).
256
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
257
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988.
258
Jornal Movimento, 5/6/78, Ed. 153, P. 3. O MDB entra na Frente.
259
Jornal Movimento, 5/6/78, Ed. 153. P. 4. “Euler Bentes, por Chico Pinto”.
101
hoje, dando um passo à frente e continuando a luta, ao invés de aguardar o grande salto do
amanhã” 260.
O jornal Movimento serviu de tribuna aos debates sobre a Frente. Em uma matéria
escrita por Adelmo Genro Filho 261, chamada “os autênticos e a ilusão do poder”, ele analisa as
impossibilidades com a Frente, dizendo ser um erro de cálculo dos Autênticos de querer lutar
contra a distensão lenta e gradual com um objetivo “nada menos do que a tomada do poder
‘rápida e segura’ através da eleição indireta para presidente” 262. Adelmo Filho dizia que o
regime não naufragaria nos seus próprios mares, e que não se combate o regime com seus
próprios meios - como concorrer com um militar em eleições contra os militares. Ademais
critica Chico Pinto, dizendo que o erro dele é acreditar numa democracia estável burguesa,
para depois agir na luta para implementação socialista. Isso se comporia como um pacto entre
as classes dominantes, e não uma luta popular como propunham os Autênticos em tempos
atrás.
Na página seguinte Chico Pinto, em sua coluna, defende que rejeitar a frente é prova
de incompetência, dizia que quem deveria decidir sobre os rumos da democracia são os
trabalhadores, a democracia burguesa é ainda restrita, mas são os operários que devem decidir
sobre ter direitos no regime capitalista, todavia era aquela a bandeira que aglomerava pessoas
no momento. Dizia ainda:
A Frente deveria ser ampla com a aliança com OAB, ABI, Igreja e a maioria dos
diretórios estudantis, que segundo Chico Pinto ainda teria a oportunidade de aglomerar um
militar e uma “defecção da Arena” 264.
Chico Pinto disse: “não se muda a realidade social quando e como se quer, mas como
e quando é possível concretamente” 265, isso para responder aos contrários à Frente. Seu
argumento era que para cada momento histórico deveria se ter uma análise e traçar as
estratégias possíveis. Dizer que a Frente era feita pelos “cristãos-novos da democracia”, que
260
Jornal Movimento, 1/5/78, Ed. 148, p. 4. “ Uma passo ou um salto”
261
Jornalista, ex-presidente do setor Jovem do MDB gaúcho, líder da bancada do MDB na Câmara de Santa
Maria (RS), foi militante estudantil; ( irmão de Tarso Genro).
262
Jornal Movimento, 19/6/78, ed. 155, p. 6. Os Autênticos e a ilusão de poder.
263
Jornal Movimento, 19/6/78, Ed. 155, P. 7. Rejeitar a frente é prova de incompetência.
264
Idem.
265
Jornal Movimento, 26/06/78, Ed. 156, P. 4.Como se iludir e iludir o povo.
102
todos, naquele momento de crise da ditadura se dizem defesores da democracia não exclui sua
funcionalidade: “diz-se-a, por outro lado, que a hegemonia da Frente ficará com a burguesia.
Isso é repetir o óbvio. Ela é quem detém a hegemonia do MDB e da Arena. Quem definirá a
hegemonia será a correlação de forças existencias na sociedade e não nossos desejos” 266.
Chico Pinto acreditava que a revolução com a aliança com a burguesia era mais
vantajosa para o proletariado, do que para a própria burguesia, parafraseou Marx, defendendo
a democracia:
embora a cúpula moderada fosse a favor de Magalhães Pinto, venceu a maioria que defendeu
Euler Bentes.
Bentes saiu pelos estados fazendo campanha. O Movimento fala da campanha dele em
Recife, com a presença do deputado cassado Lysâneas Maciel. E lá alguns DCEs estavam
para apoiar a Frente, enquanto outros estudantes falavam que a frente era burguesa e por isso
nunca representaria o povo, além de evitar o amadurecimento da luta popular. O governo de
Euler Bentes, por outro lado, pelo seu programa, seria de transição para a democracia,
excluindo os atos institucionais, instaurando uma constituinte, a anistia, o restauração da
UNE, a nacionalização da economia, etc.
Enquanto isso a candidatura da Figuereido seguiu sem ameaça pela candidatura de
Bentes. Como o presvisto a chapa de “Figuereido e Aureliano ganhou as eleições em 14 de
outubro de 1978 por 355 a 266” 270. Logo em seguida vieram as eleições para deputados. Mas
sobre essa, abordaremos no próximo cápitulo.
A sucessão de Geisel foi conturbada, havia o acirramente nas disputas para a sucessão
dentro das Forças Armadas. Primeiro o general Silvio Frota e depois o general Hugo Abreu
foram para a reserva, pois estavam interessados na sucessão. Isso também fazia parte da
liberalização controlada. A própria oposição sabia que não passaria uma candidatura de um
civil, daí a proposta do Euler Bentes que perdeu na disputa com Figueiredo 271.
270
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.p. 395.
271
LOBO, Claudia dos Santos Lagame. A Sucessão de Geisel e a Imprensa. Disponível em:
http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0227.pdf último acesso em 30/05/2013.
104
272
Jornal Movimento, 7/8/78, ed.162, p. 3. Evitando o combate direto.
105
CAPÍTULO IV
274
MENDONÇA, Sonia Regina; FONTES, Maria Virginia. História do Brasil Recente 1964-1980. São Paulo.
Editora Ática, 1988. p. 65.
275
KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001. p. 40.
276
SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores e da
grande São Paulo 1970-1980. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
277
MACIEL, David. A Argamassa da ordem. Da ditadura militar a nova república. (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004. p. 101.
107
bancas de revistas que vendiam exemplares dos jornais alternativos ou ainda o atentado
explosivo ao Rio Centro 278.
Nesse movimento pendular, a transição era uma necessidade histórica, a abertura se
fazia necessária devido à falta de apoio ao regime. A classe dirigente, então, tratou de
conceder reformas para manter o essencial, possibilitar uma entrada controlada dos
subalternos e seus interesses no campo político. Esta transição se configurou como uma
“revolução passiva”, uma “transição pelo alto”. A ponto de Sônia Regina e Virgínia Fontes
classificarem como uma “transação”.
Maciel compartilha a leitura de Antonio Gramsci sobre uma “revolução passiva” ou
“transição pelo alto”, como uma forma de transição em que mudanças são negociadas pelo
alto, entre as classes dirigentes, para evitar a intervenção dos subalternizados. Para Maciel a
transição começou com o pacote de abril, nasceu na classe dominante e se configurou como
uma “revolução passiva”. Ainda usando os conceitos de Gramsci, ele lê a configuração
política da época como uma crise “conjuntural” ao invés de um “movimento orgânico” 279. Em
outras palavras, as modificações na política na década de 1970 foram feitas pela classe
dominante mantendo seu projeto matriz, o capitalismo, no entanto, para isso modificações
conjunturais no fazer político eram necessárias. A rigor, para não pôr em xeque a organização
política que reservava ao capitalismo o projeto central, era necessário fazer concessões,
aberturas na participação políticas para os atores que, por meio de reivindicações na sociedade
civil exigiam esses canais de participação. Levando isso em consideração, verificamos como
o fim da proibição das greves se fez por imperativo das reivindicações dos trabalhadores, tal
como o fim do bipartidarismo.
No momento em que os trabalhadores tomaram a rua de assalto, a abertura era necessária.
Tornou-se imperativo fazer um conjunto de reformas para manter os princípios mais gerais do
capitalismo, mas modificando as regras no campo político:
278
O Atentado do Riocentro, como ficou conhecido, foi uma tentativa da linha dura militar em deixar uma bomba
no local, no entanto, a tentativa foi frustrada, pois a bomba explodiu no carro dos militares. Os militares
envolvidos queriam culpar a esquerda por tal atentado, no intuito de ter uma desculpa para retroceder com a
abertura política.
279
MACIEL, David. A Argamassa da ordem. Da ditadura militar a nova república. (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004. p. 88.
108
Ao todo a ‘transição lenta, gradual e segura’ levou 15 anos para ser complementada,
desde sua primeira formulação em fins de 1973. Durou mais tempo do que a própria
ditadura. Foi a mais lenta de todas as transições das ditaduras latino-americanas dos
anos 1960. Foi também a mais gradual, a mais segura. Apesar de alguns momentos
de risco, como o das greves do ABC e da campanha das Diretas Já, as elites
dominantes e seus aliados militares nunca perderam o controle do processo de
abertura. A abertura reafirmou a tradição da política brasileira da conciliação entre
as elites 281.
A transição por cima, evitava que a crise conjuntural desembocasse numa crise de
hegemonia. 282 Por isso a transição de uma ditadura para a democracia burguesa controlou a
ascensão da classe subalternizada ao plano institucional e a democracia passava a ser o
projeto mais viável para manter os privilégios maiores do capitalismo e de seus
representantes.
Os discursos de Chico Pinto são intervenções nesse processo histórico, nessas novas
demandas temporais e políticas. As personagens da sua fala são justamente esses sujeitos que
entram na disputa política com as reivindicações grevistas pelo Brasil. Seus interlocutores são
aqueles a quem o governo queria abafar com a “transição passiva”. Por isso, o discurso se
volta para estes, em defesa, em diálogo com estes. Os discursos só podem ser interpretados a
partir desse cenário. Através desses discursos também observamos um momento histórico e
uma posição política dentro do campo – que não é a da manutenção da ditadura, muito pelo
contrário, é o da defesa dos trabalhadores, dos direitos políticos dos cassados, pela Anistia
ampla e irrestrita. Ou seja, defesa das bandeiras levantadas pela sociedade civil que queria se
livrar do jugo da ditadura.
Encontramos no discurso de Chico Pinto uma fundamentação de todo o período e o
reflexo das disputas na sociedade civil. Em outras palavras, o dizer do pronunciante só faz
sentido se se leva em consideração as pressões dadas pelos “leigos” fora do campo político.
280
MACIEL, David. A Argamassa da ordem. Da ditadura militar a nova república. (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004. p. 88.
281
KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001. p. 139.
282
MACIEL, David. Op. cit.
109
283
PINTO, Francisco. A posse do general Figueiredo não é honrada pela Unção popular (14 de março de
1979). In PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e
Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 5.
284
Jornal Movimento, 15 a 21/1/79, Ed.185, p.3. O incrível ministério de Figueiredo.
285
Comandos de Libertação Nacional, grupo de resistência armada à ditadura.
110
salariais daquele ano”; o Ministro do Trabalho por sua vez, era um banqueiro, Murilo
Macedo 286.
Segundo o jornal Movimento Delfim Netto seria o super ministro, como Ministro da
Agricultura, pois a proposição de governo de Figueiredo era investir na agricultura, para que o
Brasil se tornasse o celeiro do mundo 287. Netto seria uma figura central na manutenção do
projeto de “modernização” do campo sob o domínio do capital internacional e para a
exportação. Ainda em 1979, Simonsen, no planejamento, foi substituído por Delfim Netto,
que dizia que ia operar um novo “milagre econômico”.
As figuras do ministério Figueiredo eram já conhecidas dos outros governos da ditadura
pelas corrupções e descompromisso popular. Por exemplo, com um Ministro do Trabalho
banqueiro, não era mesmo para criar expectativas renovadoras quanto aos interesses que
seriam defendidos pelo governo. Houve um governo de conciliação juntando peças (quadros)
dos antigos governos. Isso pode ser lido como fruto da disputa entre frações das Forças
Armadas e civis no bloco de poder.
Nesse cenário, Chico Pinto reafirma sua concepção da ação e diretriz política:
Meus compromissos essenciais na prática da vida política, dos quais espero não me
apartar nunca, dizem respeito à liberdade e à justiça social. Porque a liberdade
pressupõe organização política democrática, garantias dos direitos humanos
respeitados, legitimidade do poder pelo voto pelo consentimento expresso do
sufrágio popular, independência e harmonia dos órgãos do Estado 288.
Isso em resposta à posse de Figueiredo, que não foi garantida pela votação popular.
Outra coisa devemos pontuar nesse discurso de Chico Pinto que diz muito sobre as mudanças
históricas: ele foi à tribuna da Câmara denunciar também a presença de um ditador no solo
brasileiro, Alfredo Strössner, do Paraguai, na posse de Figueiredo. Todavia em 1974,
justamente por denunciar a presença no Brasil do ditador Augusto Pinochet, do Chile, ele foi
cassado e saiu da Câmara. No seu regresso fez o mesmo, esse é seu primeiro discurso. Isso
soa como um deboche e desafio na relação de poder. Mais além das motivações subjetivas ao
enunciar tal discurso, verificamos que as condições objetivas, as mudanças da ditadura
permitiram que ele fizesse a mesma denúncia sem sofrer as mesmas penalidades. Ele voltou a
reafirmar seus preceitos, a dizer qual sua direção, que não é a de confraternizar com os
286
Jornal Movimento, 15 a 21/1/79, Ed. 185, P.4. O incrível ministério de Figueiredo.
287
Idem, p.3.
288
PINTO, Francisco. A posse do general Figueiredo não é honrada pela Unção popular (14 de março de
1979) In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e
Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p.6.
111
Sei que é ilusório falar em liberdade e justiça em nosso continente, enquanto grupos
privilegiados enfeixam em suas mãos a riqueza e o poder e milhões de homens
vivem na miséria. Liberdade e justiça continuaram sendo simples palavras, embora
grandes palavras, desprovidas de conteúdo real e verdadeiro, para milhões que
formam a essência da pátria latino-americana 289.
289
Idem. p.6.
290
Jornal Movimento, 27/11 a 03/12/1978. Ed. 178, p. 5. O crescimento dos Autênticos.
291
Dados do TSE. Disponível em: http://estatistica.tse.jus.br:7777/dwtse/f?p=1945:1:3234555607079500::
NO:RP:P0_HID_MOSTRA:S acesso em 10 de dezembro de 2012; não tem os dados do ano de 1978, mas os de
1982, que foi de 82247, e de 1986, 55086.
112
292
Jornal Movimento, 5 a 11/2/79, Ed. 188, p. 11. O Nosso relatório Saraiva.
293
Idem.
294
Nome que o jornal deu ao grupo de Delfim Netto envolvido nas jogadas na Embaixada.
113
tirava vantagem pessoal de dez por cento de toda negociação, o que inclusive, gerou um
apelido da Embaixada brasileira na França, “Ambassade dix pour Cent”.
Sabendo da existência desse relatório, denunciou-o e pediu apuração dos fatos pelas
autoridades. Na ocasião do discurso ele teve notícias sobre o afastamento do general Hugo
Abreu, que supostamente havia denunciado corrupções. E ao trazer à tona esse fato, Delfim
Netto pediu licença para cassar Chico Pinto. Segundo o Movimento a Câmara negou o pedido
“por 250 contra 85 e 11 abstenções” 295. O diário do Congresso trouxe essa resolução, no dia 5
de abril de 1979: “Art. 1'·1 É negada a licença solicitada pelo Supremo Tribunal Federal,
através do Ofício n 9 074/P, de 23 de fevereiro de 1979, para o processamento criminal do
Senhor Deputado Francisco José Pinto dos Santos” 296.
Depois que a Câmara negou a Delfim Netto a possibilidade de processar Francisco
Pinto, aquele começou os ataques em outro formato. Para fugir das acusações, Delfim Netto
tentou desviar as atenções para Chico Pinto, lançando em jornais acusações sobre o deputado
para desmoralizá-lo frente à opinião pública. Delfim Netto e seus aliados, que o Movimento
chamou de “Delfim’s Boys”, montaram um dossiê sobre Pinto e lançaram no jornal Correio
Braziliense. Segundo Movimento, foi o próprio editor do Correio quem disse ao Movimento
que foram os “amigos” do Delfim quem entregaram esse dossiê 297.
O dossiê forjado pelos “Delfim’s Boys” era uma carta ao suposto cel. Sebastião Castro
com parte do IPM de Pinto, de 1964. Nele constava que Pinto denunciou a ligação de alguns
adversários políticos seus com o comunismo, eram esses: Arnold Silva, Carlos Rubino Bahia,
José Marin Falcão, Joselito Falcão de Amorim (no jornal a grafia esta equivocada “Joselino”),
Helder Alencar, Wilson Falcão, Alberto Oliveira e Odilon Diogo de Santana 298.
O que parece um equívoco, pois estes foram personagem que apoiaram e prepararam o
golpe na cidade de Feira de Santana. Isto pareceria um equívoco de Delfim Netto, no entanto
as denúncias existiram, Francisco Pinto o fez, mas confessa em outro momento, que foi para
confundir os ditadores 299.
Chico Pinto lançou uma nota contra as acusações depois da publicação no Correio
Braziliense. Também preparou um discurso para o dia da votação de sua possível cassação,
discurso que o presidente do MDB, depois de decisão do partido, orientou-o a não fazer, pois,
com tal discurso, não restaria à Arena senão a opção de votar a favor da cassação. Depois que
295
Jornal Movimento, 9 a 15/4/79, Ed.197, p. 6. A jogada dos Delfim’s Boys.
296
Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD05ABR1979.pdf#page=1 acesso em 11 de
dezembro de 2012.
297
Jornal Movimento, 9 a 15/4/79, Ed.197, p. 6. A jogada dos Delfim’s Boys.
298
Idem, p. 7.
299
REVISTA PANORAMA. Chico Pinto, a voz do contra. 20 de agosto a 4 de setembro de 1985.p.12.
114
aprovaram a negação da licença para o processo, Chico Pinto voltou à tribuna da Câmara,
com um discurso afiado de 14 páginas, intitulado, O preço de uma denúncia, para falar sobre
o acontecimento.
“Afinal desta vez, e somente agora, posso ocupar a tribuna para falar sobre o processo
que se pretendeu mover contra mim” 300, diz Pinto, sobre seu silêncio até o momento, devido à
decisão do partido em fazê-lo calar. E Pinto o fez, pois estava em jogo a imunidade
parlamentar, tratava-se de um “imperativo disciplinar do meu partido” 301 disse ele. “Calei-me
assim, nesta Casa, a contragosto, embora ouvindo ao meu redor toda sorte de injúrias,
difamações e o levantamento de suspeitas sobre meu pretenso temor em enfrentar, nos
tribunais a realidade de minhas afirmações” 302.
Pinto disse que nunca temeu os processos, mesmo sem imunidade parlamentar. E no
seu discurso fez uma exposição da sua trajetória, mostrando exemplos desse fato.
Vivi esses quinze anos – hora a hora, dia a dia – não como espectador passivo dos
acontecimentos, nunca esperando que se fizesse o giro natural da história, mas ao
contrário, exposto aos riscos e imbuído do senso de viagem, abandonando o abrigo
para arriscar-me ao relento. Deixando de ser para ser mais ainda, perdendo, como já
perdi, por vezes, a liberdade para tentar salvá-la para todos 303.
Ele mostra uma imagem de quem enfrentou e nunca se negou a enfrentar o inimigo,
que foi o golpe vitorioso em 1964. Nesse discurso o seu objetivo era retrucar as acusações
feitas pelos “Delfim’s Boys”, ou seja, uma tentativa de defesa da sua imagem de coerência e
de homem de luta. E que Delfim Netto chamava de delator.
O discurso é armado com uma rememoração da sua trajetória a partir do golpe, quando
era prefeito de Feira de Santana, e a tentativa de resistência. Relembra os métodos de
construção dos IPMs, sob tortura nas prensas de fumos, feito por oficiais do Exército com
brutal violência. Remonta às iniciativas de construção dos IPMs, porque são a eles que Delfim
Netto se refere para acusá-lo, “os amigos do Sr. Delfim Netto, agora ressuscitam, numa
evidente concordância com esses métodos” 304.
Ele fala então que o ataque veio nos jornais numa “campanha sistemática de
descrédito”, afirma:
Muda-se a forma, mas permanece a mesma agressividade violenta e estúpida.
Variam os métodos. Já não podem os donos do Poder cassar mandatos ou levar ao
300
PINTO, Francisco. O preço de uma denúncia(23/maio/79) In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo.
Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982.p. 7
301
Idem.
302
Idem.
303
Idem. p. 8
304
Idem, p. 10.
115
E sobre as acusações de delator, levantadas pela imprensa, Chico Pinto diz para estes
percorrerem a cidade de Feira de Santana e perguntar ao povo, “daqueles que sofreram na
carne os efeitos do golpe, e não da voz dos opressores, daqueles que fizeram e ajudaram o
movimento vitorioso ou a ele aderiram” 306.
Depois de evidenciar seu posicionamento e defender-se das acusações, como para
disputar sua imagem na opinião pública, ele contra-atacou, revelou que as denúncias do
relatório é que deveriam ser de sumária importância. O relatório Saraiva, que o governo
tentou dissimular afirmando a irrealidade do fato. Francisco Pinto falava da sua existência e
das pessoas que já tiveram contato com este relatório, tais como o cel. Fritz Azevedo Manso,
o ex-ministro do exército Silvio Frota - este inclusive disse que em caso de constituição de
uma CPI deporia e falaria a verdade.
Ao fim do discurso Francisco Pinto propôs a constituição de uma CPI sobre corrupção,
para apurar as denuncias do Relatório Saraiva, pois para ele “Colaborar no trabalho para
reconstrução democrática, Srs. Deputados é também atacar a corrupção e a impunidade,
meeiros indissolúveis e parceiros inseparáveis do arbítrio, do autoritarismo e das
ditaduras” 307.
No Congresso Francisco Pinto ousou denunciar corrupções de umas das principais
figuras do governo: Delfim Netto. Quase foi cassado. Há uma disputa constante entre os
políticos sobre o tipo de imagem que querem ver vinculada a si. Francisco Pinto, nesse
discurso, faz questão de reafirmar seu lugar de opositor ao regime. E mais, ele quer dizer
sobre sua condição de lutador. O ataque ao caráter do político, como fez Delfim Netto, é uma
estratégia política, assim como a construção de um discurso sobre si, sobre sua trajetória para
demarcar um posicionamento, pois o político se sustenta da credibilidade, capital simbólico.
A imagem, a referência, é essencial na trajetória do político, pois está diretamente ligada ao
apoio dos eleitores. Percebemos no discurso de Chico Pinto um apego a sua própria figura,
uma valoração de uma trajetória de luta, parte de uma estratégia de luta também.
305
Idem, p. 13.
306
PINTO, Francisco. O preço de uma denúncia(23/maio/79) In PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo.
Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p.
14.
307
Idem, p. 20.
116
Como dissemos antes, os temas que guiam a feitura dos discursos de Chico Pinto são
transversais ao grito de alerta da sociedade civil. Ele, enquanto político profissional, só tem
um discurso e força de competição dentro do campo se acha apoio dos leigos. Ao mesmo
tempo a formulação do seu discurso disputa o apoio desses leigos. Por isso então lemos seu
discurso como um movimento amplo na sociedade que lhe dá sentido. Faz-se uma análise dos
seus textos e conjuntura política nas linhas a seguir.
Francisco Pinto verificou as mudanças dos tempos denotadas pelas palavras que antes
não se podia pronunciar e que naquele momento ecoavam nas bocas dos “cristãos novos” da
democracia. O deputado dizia que antes havia um dicionário de vocábulos proibidos que
denunciavam para o Serviço Nacional de Informação (SNI) quem era subversivo, as palavras
eram: “reforma agrária, UNE, CGT, voto de analfabeto, anistia” 308. No entanto, mudaram os
tempos e esses vocábulos andavam até nas bocas dos rigorosos defensores do golpe, palavras
como Anistia, inclusive, transbordava até na boca presidencial, sinais de mudança de tempos.
Isso só foi possível, segundo Chico Pinto, pela ação popular e não pela bondade presidencial:
“Mas alguns desses vocábulos ou siglas foram pouco a pouco, saindo do índex, não por
iniciativa generosa do Governo, mas por força de amplo e profundo movimento de
mobilização popular” 309.
Chico Pinto descreveu o novo tempo e as movimentações da sociedade civil. O
governo teve que aceitar a reorganização dos trabalhadores e estudantes, na UNE e da CGT.
Da edição do AI-5 pra cá, sobretudo neste período, o Governo só tinha ouvidos para
escutar os reclames das classes dominantes. Aos patrões é conferido o direito de
organizar e fortalecer confederações da indústria e do Comércio, e nega-se esse
mesmo direito aos trabalhadores e estudantes. Esta é uma concepção atrasada do
Estado capitalista. Seus doutrinadores e teóricos colocam o Estado como entidade
acima dos interesses de classe, como ente conciliador e descompromissado.
Sabemos que isso não é verdade. O Estado capitalista serve à classe dominante.
Procura, apenas, camuflar sua postura aparentando isenção. Aqui no Brasil, porém,
as coisas ficam às claras. A função precípua do Estado transparece nitidamente no
esmagamento da classe dominada e na de todos os setores da sociedade que com ela
se solidariza. A UNE não teria desaparecido ou já teria ressuscitado se o Governo
soubesse que ela atuaria como força de apoio dos exploradores do povo.
Sobrevivendo, porém, a sua própria extinção, apesar do aparato bélico da opressão, a
308
PINTO, Francisco. A UNE ressurgiu mesmo sem Anistia (sessão de 28 de maio de 1979) In: PINTO,
Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de Documentação e Informação. Brasília:
Coordenação de Publicações, 1982. p. 21.
309
Idem.
117
310
PINTO, Francisco. A UNE ressurgiu mesmo sem Anistia (sessão de 28 de maio de 1979) In PINTO,
Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação. Brasília:
Coordenação de Publicações, 1982. p. 22.
311
Idem.
312
O discurso de Chico Pinto, titulado, Theodomiro busca a liberdade, se refere a carta que Haroldo Lima fez
para anunciar a fuga de Theodomiro da Lemos de Brito. O segundo, Theodomiro Romeiro continua mofando na
Nunciatura, diz respeito a fuga de Theodomiro da Lemos de Brito, ele que foi se refugiar na Nunciatura
Apostólica em Brasília (MOVIMENTO, Ed. 251, 22/4/80 P.21).
313
PINTO, Francisco. Theodomiro Busca a Liberdade e professores baianos fazem greve por salário (sessão
de 20 de agosto de 1979), In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de
documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 23.
118
Theodomiro, para destruir o silêncio que os jornais e Câmara de Deputados emitiam a respeito
dele e pediu esclarecimentos ao governo:
A imprensa não noticia mais nada, possivelmente, porque não tem notícia. A
Nunciatura não informa nada, certamente porque a diplomacia tem a mística das
operações sigilosas. O Parlamento não fala nada, naturalmente porque este fato não
lhe rende votos 314.
Seu discurso se filiava aos setores organizados contra o regime, a exemplo da UNE, de
Theodomiro dos Santos, que era militante comunista e representante da luta pela Anistia.
Outros personagens aparecem nos discursos de Francisco Pinto na época. Em especial
um personagem que tomou de assalto a história da transição: a classe trabalhadora. É possível
rastrear no discurso de Pinto a centralidade das lutas organizadas dessa classe, a organização
das greves espalhadas por todo o país e seu apoio para essa classe, bem como entender sua
concepção sobre a relação entre o Estado e classe trabalhadora no Brasil.
Dos trezes discursos selecionados que estão numa brochura chamada Caminhando
com o povo, publicado pela Câmara de Deputados, cinco são sobre greves de trabalhadores e
os demais se somam entre temas referentes à movimentação popular na Bahia e Brasil. O
próprio título da encadernação é sintomático, “caminhando com o povo”: assim Chico Pinto
se coloca na posição de um parlamentar que enuncia um discurso para determinado grupo
social, que ele chama de povo.
Assim como diz Bourdieu 316, o político dentro do campo tem sempre um discurso
direcionado para um dado grupo, e mais, ele só capta força suficiente para permanecer no
campo se seu discurso for bem aceito pelos “leigos”, por isso, esse é também um discurso que
se modifica no devir histórico, conforme as demandas da sociedade civil. Percebemos essa
variação no discurso de Chico Pinto. Os trabalhadores e seus instrumentos de lutas, como as
greves, são centrais no seu discurso, bem como o seu entendimento sobre a realidade entre
trabalho e Estado. A exemplo, no discurso já citado, Francisco Pinto fala das greves na Bahia:
“Cerca de quarenta mil professores do 1º e 2º graus pararam na Bahia. As gestões
anteriormente desenvolvidas pelos mestres, reivindicando aumento salarial e melhores
condições de trabalho, esbarraram na intransigência governamental” 317.
Os professores na Bahia fizeram greve e a reação do governo, que na época era
Antonio Carlos Magalhães (empossado desde março de 1979), era a da repressão e a de
acusar os líderes de responsáveis pela eclosão de tais greves. Para Francisco Pinto, acusar os
líderes pelas greves era desconhecer as origens dessas. Nem os líderes baianos, nem de outros
lugares (uma clara referencia a Lula que foi preso pelas greves em São Paulo) teriam
capacidade de organizar uma multidão, se esta não sentisse a real necessidade, se não
“estivesse enraizada nas próprias aspirações coletivas”.
316
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15° ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
317
PINTO, Francisco. Theodomiro Busca a Liberdade e Professores baianos fazem greve por salários
(sessão de 20 de agosto de 1979). In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados.
Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 23.
120
Francisco Pinto elencou os motivos da greve, falou dos resultados das negociações
com o governo e concordou que a única via de modificação das prioridades do Estado é a
organização dos trabalhadores e a destruição dessa ordem de coisas.
No segundo mandato, Francisco Pinto tem um discurso mais incisivo de ataque ao
governo e de propor uma organização dos trabalhadores. A abertura política possibilitou
também construir um discurso mais rigoroso, sem maiores riscos de cassação ou retaliações
mais violentas.
Em outro discurso no dia 22 de abril 1980 voltou a afirmar suas convicções sobre a
técnica de negociação do governo com a classe trabalhadora:
A classe operária no Brasil – diziam – foi sempre tratada ‘a pata de cavalo’ e não
será ainda agora que isso vai alterar-se. Hoje, na verdade, Sr. Presidente, os métodos
de debate com a classe operária se aprimoram. O argumento mais forte e
convincente na discussão de melhores condições de trabalho é a eficiência dos
cassetetes, das bombas de gás lacrimogêneo e dos fuzis-metralhadoras. [...] E a
necessidade se mede pelo interesse dos patrões 321.
318
Idem. p. 24.
319
Idem. p. 25.
320
PINTO, Francisco. Theodomiro Busca a Liberdade e Professores baianos fazem greve por salários
(sessão de 20 de agosto de 1979). In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados.
Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 25.
321
PINTO, Francisco. Governo capacho, trata operário a pata de cavalo (sessão de 22 de abril de 1980). In:
PINTO, Francisco. op. cit. p. 28.
121
Pinto fez uma abordagem sobre os países de capitalismo avançado, em que o governo
sofisticou as técnicas espoliativas da classe operária. Mas no Brasil, para ele, “tudo é feito
diante da aliança desavergonhadamente simplista do sabre e da baioneta com o capital
espoliador para esmagar o povo” 322. É uma constatação sobre a realidade, no ponto de vista
do deputado, sobre a condição de negociação entre trabalhadores e Estado.
Na sessão de 12 de maio de 1980, Pinto abordou sobre as mudanças nas regras do jogo
político. Disse que o governo, pressionado pelas manifestações dos trabalhadores que se
avolumaram pelo país, mais as pressões externas, teve que ceder, fazer “algumas tímidas
concessões no campo institucional”, como a revogação do AI-5.
Mas, por outro lado, o Ato Institucional mantém-se revigorado, com outra marca e
com outro rótulo, atingindo e vitimando os operários. Hoje, uma simples Portaria de
um Ministro do Trabalho – alcunhado de Ministro dos Patrões – sem qualquer
formalismo de reunir, ao menos, o Conselho de Segurança Nacional, é suficiente
para cassar mandato de dirigentes sindicais, detentores de uma representatividade
tão expressiva ou maior que a nossa e eleitos, também pelo voto direto e secreto de
seus companheiros 324.
322
Idem. p. 29.
323
PINTO, Francisco. Governo capacho, trata operário a pata de cavalo (sessão de 22 de abril de 1980). In:
PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação.
Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 29.
324
PINTO, Francisco. Quem intervém e prende operários no ABC, mantém reitor fascista na UnB. (sessão
de 12 de maio de 1980). In PINTO, Francisco. op. cit. p. 31.
325
Idem. p. 31.
326
Idem. p. 32.
122
327
PINTO, Francisco. Quem intervém e prende operários no ABC, mantém reitor fascista na UnB. (sessão
de 12 de maio de 1980). In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de
documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 32(sic).
328
Idem.
329
PINTO, Francisco. Greve dos camponeses de Conquista e Barra do Choça (sessão de2 de junho de 1980).
In: PINTO, Francisco. op. cit. p 33.
330
Idem.
123
Chico Pinto enfatizou o que para ele era o cerne da questão da desigualdade social: a
pobreza que não é natural, mas sim, fundada no modelo econômico capitalista. A pobreza é
então perpetuada como um mecanismo de desenvolvimento econômico, e administrado pelo
Estado, lugar onde se concentram os dirigentes políticos a serviço de uma elite, que
necessitam desse exército de reserva, da mão de obra empobrecida. Modificam as regras do
fazer política institucional segundo seu interesse, quando necessário, fundando ditaduras ou
democracias.
E nesse momento histórico que os trabalhadores que se organizavam e disputavam
contra essa ordem das coisas, enfrentaram a repressão do Estado capitalista. No Brasil, greves
de peões, professores e funcionários públicos, bancários, vigilantes, metalúrgicos, motoristas
invadiram as ruas exigindo aumento salarial em alguns casos de 100%, fundamentalmente
porque na época a inflação também subia nessa escala, e por estarem calejados dos anos de
“milagre econômico”, que só lhes rendeu arrocho salarial. O ano de 1979 foi o período em
que mais explodiram greves, e também muita repressão policial, pois o governo não queria
permitir que os trabalhadores tomassem a cena na transição, pois colocaria em questão uma
crise de hegemonia.
Assim, em 1980, Francisco Pinto fez seu discurso falando na greve dos camponeses de
Conquista e Barra do Choça, reprimida com grande violência policial,
Mas a greve dos trabalhadores rurais da Bahia constitui-se em uma vitória: serviu
para desmascarar ainda mais a abertura do general Figueiredo, porque, sendo um
movimento legal, reconhecido pela própria Justiça do trabalho, recebeu o mesmo
tratamento violento e ‘brucutizante’ dispensado aos movimentos que o regime julga
ilegal 331.
331
PINTO, Francisco. Greve dos camponeses de Conquista e Barra do Choça (sessão de2 de junho de 1980).
In PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação.
Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. P. 34.
124
primeira comunhão, mas que na verdade não passam de coveiros da liberdade, assassinos da
causa popular e aproveitadores dos recursos públicos” 332. E novamente Francisco Pinto ficou
na mira do Exército. O problema era o governo abrir mais precedentes ao cassar Chico Pinto,
afinal o momento era delicado, o governo fazia uma abertura controlada.
Chico Pinto escreveu uma matéria no Jornal Movimento opinando sobre a situação da
abertura política no Brasil, aqui em suas palavras:
Chico Pinto então perguntou qual a diferença entre a greve ilegal ou legal, se a legal é
reprimida com a mesma força bruta? Ele então chama Antonio Carlos Magalhães, governador
da Bahia, de “alter ego” dos militares. Porque na Bahia esse era a “razão” dos militares, era
ACM quem dizia o que os militares deviam fazer, como fez com a repressão dos camponeses
de Barra do Choça.
Uma das características mais marcantes do discurso de Chico Pinto é a ironia, com
uma inteligência muito sagaz. Em 20 de novembro de 1980, voltou à tribuna parlamentar para
falar sobre “Um primor de cinismo do presidente da República”. A mensagem do presidente
para o povo nordestino, segundo Pinto: “Vá à Igreja – disse impávido o nosso General
Presidente – e pergunte a Jesus Cristo, quando vamos poder melhorar a vida do nordestino;
talvez ele possa responder. Não temos recursos. Daqui a dez, quinze anos, quem pode
saber?” 334.
Francisco Pinto, todavia, contestava esse cinismo:
332
Jornal Movimento, 9 A 15/06/1980, Ed. 258, P.3 Carapuça sob medida.
333
Idem, p.4. A trilateral, a política brasileira e o imperialismo.
334
PINTO, Francisco. Nordeste: um primor de cinismo do presidente da república, sessão de 20 de novembro de
1980. In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e
Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p 38.
125
(...)não é verdade que faltem recursos para socorrer o Nordeste os famintos, nem
para atender os lúpens nem acudir os desempregados, nem assistir os
subempregados, nem ajudar os que perderam o que plantaram (“plantem que o
governo garante”), nem enfim, executar um projeto definitivo para a economia
nordestina, ainda que sob o regime capitalista 335.
Francisco Pinto então falou dos números: não havia 8 bilhões de dólares para investir
contra a seca, todavia havia 30 bilhões de dólares para construção da Usina Atômica de Angra
dos Reis, outros bilhões para a construção da Transamazônica e para ponte Rio-Niterói. Para
Pinto era tudo uma questão de prioridade no investimento, e como já afirmara em outros
discursos, o humano não é prioridade no capitalismo.
Francisco Pinto nesse período tem um discurso cheio de referências ao marxismo. Ele
confessa que, durante a prisão, com o processo do caso Pinochet, se dedicou à leitura dos
clássicos marxistas. Na sua biblioteca pessoal 336 também encontramos alguns exemplares de
Marx, Lenin, dentre outros. Por exemplo, palavras novas surgem nos seus discursos, como
“lúpens”, esta falando do lumpem proletariado, conceito de Marx. Identificamos as mesmas
referências em sua analise sobre a luta de classes e o Estado como o gabinete dirigente da
burguesia.
Francisco Pinto falou ainda dos conflitos de terra no Araguaia, com camponeses
expulsos da terra pelos latifundiários, alguns até com licença de ocupação cedida pelo INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Mais o caso da greve de professores
universitários, 14.000 docentes em greve em onze universidades paradas. Esses são os
excluídos das prioridades das políticas públicas. E para Francisco Pinto, são esses setores que
devem ser prioritários. Percebemos um setor específico para o seu discurso, que eram os
trabalhadores em greve e os camponeses.
Na sessão de 24 de junho de 1981, Francisco Pinto denunciou a violência praticada
pelo governo contra os jornais alternativos, com a prisão de repórteres. Os jornais atacados
foram Movimento, Tribuna da Luta Operaria, o Jornal do Povo. O que Francisco Pinto
desenha nos seus discursos nada mais é do que a imagem da sociedade do momento, sua
constatação do momento histórico da anistia, da abertura política com a abolição do AI-5.
A ditadura se institucionalizou com a supremacia do Executivo e a repressão de
participação política ou manifestações na sociedade civil. A burguesia teve controle do
Estado e dos canais de desenvolvimento do capitalismo associado com a representação das
organizações na sociedade civil e aniquilamento de qualquer tentativa de oposição. Para tanto
335
Idem. p 39.(sic).
336
Acervo do Labelu/UEFS.
126
as Forças Armadas tiveram função especial em controlar e reprimir com violência essas
iniciativas de participação popular.
A inibição da participação popular na política estava presente na estruturação sindical,
roubando destes a autonomia de organização e reivindicação da classe. Nessa interpretação do
processo de transição e abertura política, contrária a interpretação que coloca no centro do
debate a abertura iniciada pelos ditadores, verifica-se a centralidades dos trabalhadores.
Em 1978, o movimento popular cresceu, concordamos que a maior fonte de pressão
para a abertura política foi a entrada em cena dos trabalhadores, com as grandes greves no
centro financeiro mais importante do país na época, São Paulo 337. Estava em xeque a
organização política e econômica da ditadura, o arrocho salarial, e o questionamento do
milagre que Delfim Netto tentava reviver, mas que dependia da divisão desigual do “bolo”,
que bem lembra o dito popular: “quem parte e reparte e fica com a menor parte ou é besta, ou
não tem arte, ou não sabe repartir”. Nessa divisão injusta a minoria levava o grande quinhão,
enquanto o custo de vida aumentava e o salário defasava. Mesmo com toda a pressão e
organização popular a abertura política foi feita de forma controlada e pelos de cima para
evitar que os subalternizados tivessem maior espaço.
337
Ver SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores e da
grande São Paulo 1970-1980. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
127
Francisco Pinto a reorganização dos Autênticos tinha uma função central: unir-se às forças
populares. 338
No entanto, em 1979 chega ao fim o bipartidarismo. E para os Autênticos um novo
desafio: manter-se no MDB ou fundar um novo partido? E mais, no contexto das grandes
greves da classe trabalhadora, o desafio era que tipo de partido?
Segundo notícia do Movimento, a discussão dos Autênticos girava em torno de que
tipo de partido estes formariam depois da anunciada reforma partidária do governo:
A distinção das tendências do grupo autêntico feita pelo deputado Francisco Pinto,
que também esteve em São Bernardo, é outra: <<De um lado, os que querem um
partido popular, formado sob a hegemonia da classe trabalhadora. Do outro, os que
desejam uma aliança com os trabalhadores, visando sua manipulação>>. Os dois
concordam, porém, que é necessário à oposição se organizar num partido depurado
dos elementos adesistas - <<que afinal não são da oposição>> - e que se aproxime
cada vez mais dos setores populares, definido um programa que contemple
profundas transformações do modelo sócio-econômico e político vigente 339.
Se um partido não sobrevive sem atender às demandas dos setores fora do campo
político, a aproximação, pelo menos discursiva, com a classe trabalhadora parecia necessária
nesse momento para a sobrevivência do grupo Autêntico. O discurso e o programa partidário
devem acompanhar as mudanças do tempo e acomodar as demandas das camadas que dizem
representar, ou este partido deixa de existir. Pensada por esse viés é que vemos a aproximação
do grupo Autêntico com a classe trabalhadora. Mas ver-se aí também o limite de existência
desses. Como grupo, nunca tiveram ligações orgânicas com a classe trabalhadora, e isso ficou
evidente na abertura. Pinto e os redatores do Movimento se esforçaram para fazer essa
aproximação, mas: 1) até onde pretendiam ir em seu esforço? 2) quem eram e qual o poder de
fogo dos que se opunham a tal orientação? Não temos, todavia, fonte suficiente para
demonstração dessas questões. E aqui fica a pergunta para especulação.
Com o fim do bipartidarismo, o que aconteceria com o MDB? Petrônio Portella, ex-
ministro e articulador do governo em junho de 1979, já havia anunciado as possíveis
mudanças, e especulava sobre o MDB:
338
Jornal Movimento, 21 a 27/5/79, Ed. 203, p. 7. O grupo Autêntico deve existir?
339
Jornal Movimento, 11/6/79, Ed. 206, p9. As criaturas vão se voltar contra o criador?(sic)
340
Idem, p. 8. (sic)
128
341
Jornal Movimento, 1 a 7/10/79, Ed. 222, p.4. Não devemos chorar o que passou.
129
Para Chico Pinto os partidos em sua maioria eram da burguesia e com organização
podiam dispersar e disciplinar os movimentos dos trabalhadores. Seria um mecanismo de a
burguesia manter o controle da entrada dos trabalhadores na política, ou seja, essa seria uma
estratégia da transição controlada. Seria, no entanto, a tarefa importante para o partido dos
trabalhadores nesse período, canalizar as lutas espalhadas sem organicidade nacional para um
partido e disputar no campo político.
Chico Pinto defendia, por sua vez, um partido popular, com base nessas massas
organizadas. Nessa tentativa de organização partidária Francisco Pinto ainda foi na Europa e
342
na capital da Argélia, contatar com Miguel Arraes e Leonel Brizola, que lá estavam.
Viagem essa que Francisco Pinto denominou de um “tabaréu” no exterior, uma clara
referência às suas origens de sertanejo, de feirense. Tabaréu é um adjetivo típico sertanejo
para se definir alguém tímido diante ao desconhecido devido à origem simples de alguém do
campo. Francisco Pinto encontrou-se também com Francisco Julião.
A proposta que está sendo delineada pela comissão de reorganização dos autênticos
é, em linhas gerais, a mesma lançada por Chico Pinto ao voltar de sua viagem à
Europa, onde esteve com líderes exilados e que ele resume como sendo <<costurar
as oposições>>, formando a aliança entre as oposições não partidárias (operários,
estudantes, Igreja) e as partidárias. Para Pinto, a frente dos partidos de oposição
deveria ser a mais ampla incluindo a aliança com o PTB de Brizola pela democracia
e até mesmo aliança conjunturais com o partido dos <<Independentes>> de
Tancredo 343.
342
Jornal Movimento, 23/7/79, Ed.212, P. 3. A viagem do “tabaréu”.
343
Jornal Movimento, 30/7/79, Ed. 213, p.4. Últimas manobras.
344
LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO, Rachel. Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o caso
Brasileiro, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986.p. 79-80.
130
reivindicação parecida com o PT 345. Todavia, uma pergunta fica sem resposta histórica, se
Francisco Pinto defendia um partido popular e o nascimento do Partido dos Trabalhadores era
justamente essa proposta tão defendida por Chico Pinto, porque ele permaneceu no PMDB,
com Ulysses Guimarães? Outros Autênticos foram para o PT (consta a filiação dos Autênticos
no quadro - Anexo 1). Não temos elementos para responder, mas o questionamento paira. A
única maneira é especular sobre. E pensar na figura complexa, que pelos pronunciamentos
verificamos um grande estrategista político.
Sobretudo, como os Autênticos foi um grupo parlamentar, nascido e firmado na luta
interna dentro do MDB, o fim deste, significou o fim do grupo. Mesmo havendo essa
possibilidade da criação de uma tendência popular dentro do PMDB, que não temos noticias
sobre, a investigação do grupo e de um dos seus principais líderes, o Chico Pinto, como
objetivo de investigação se delimita com o fim do bipartidarismo em 1979.
345
Jornal Movimento, 1/10/79, Ed. 222, p.4. Não devemos chorar o que passou.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pobreza, do desaparecimento dos opositores, etc. E propõe uma saída para o Brasil, o fim da
ditadura, um Estado nacionalista.
Em 1975-79, o milagre começou a mostrar fraqueza, e o grupo Autêntico a ter maior
visibilidade de atuação e reconhecimento. Havia limitações, sobretudo, por conta do espaço
de atuação, o MDB, um partido que nasceu da reunião de parlamentares com trajetórias e
convicções muito diferenciadas, carente de uma maior articulação dos participantes e afetado
pelas ações manipulatórias do Executivo que fazia o possível para ter uma oposição
obediente. O próprio grupo dos Autênticos não tinha uma linha ideológica, foi um grupo feito
com um único objetivo: lutar contra a ditadura. Não à toa, quando esta acabou aqueles
deixaram de existir. Em 1975, o discurso do governo anunciava uma abertura, “a distensão
lenta, gradual e segura”, os Autênticos por sua vez, denunciavam o caráter de tal “distensão”,
os objetivos e a farsa. Francisco Pinto, fora do Congresso Nacional, encontrou outro local
para atuar, para permanecer fazendo discursos ácidos contra a ditadura. Participou do jornal
Movimento, uma tribuna livre, um jornal alternativo que operava como uma frente de luta
contra a ditadura.
Nos anos 1979-82, a abertura começou a encaminhar-se para o ocaso da ditadura, por
conta da pressão dos grupos sociais. As greves se espalharam pelo país, e antes que esses
grupos tomassem de assalto os rumos da política no país, a classe dirigente achou prudente
abrir canais de participação política, como era a pauta de reivindicação destes. Assim, a
abertura política se configurou como uma transação pelo alto. E Chico Pinto, discursava
dialogando com esses grupos organizados, falava das greves no país, da necessidade desses
setores se organizarem e disputarem a política nacional.
Para além de fazer uma pesquisa a respeito do grupo, do deputado Francisco Pinto e de
mapear um momento histórico, outra questão nos interessou: pensar a importância da
metodologia e das teorias como instrumentos para o historiador examinar seu objeto. Nesse
sentido, a proposta de entender o campo político, de Pierre Bourdieu, foi muito importante
para o trabalho. Pretensiosamente, esse trabalho tentou fazer de seus conceitos, bússolas para
escrever a história; um mecanismo de facilitar o entendimento de fatos evidenciados na
pesquisa, posto que se não se tem um instrumento bem definido de como entendê-los, não
dizem muita coisa para o historiador.
Francisco Pinto é um político profissional e seu discurso seleciona, classifica, dá
sentido e valor a elementos da realidade, dialogando com as demandas históricas. O discurso
tem a função de congregar pessoas ao projeto dos Autênticos, de lhes dar poder para
permanecer no campo e usar o Parlamento para disputar contra os ditadores. Assim é que
133
LISTA DE FONTE
1. Discursos:
PINTO, Francisco. Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem
referência de organização e publicação]
Discursos e data de pronunciamento:
Água para os camponeses de Caen - 19/10/1971;
Os perseguidos: Trabalhadores da Petrobrás - 27/11/1971;
Os novos cassados: Candeia – Camaçari – Lauro de Freitas – Simões filhos - 29/06/72;
Exército: Nem guarda pretoriana nem tropa de assalta SS. - 18/08/72;
O processo do jornal da Bahia e outros abusos - 29/09/72;
Povo sacrificado: Casanova – Santo Sé – Remanso – Pilão Arcado - 12/06/73;
Censura a imagem do medo - 19/10/73;
Por que punir os prefeitos? - 25/10/73;
Guardas da Malária: Injusta retribuição ao seu trabalho - 30/10/73;
Documento dos Autênticos recusando-se a votar na eleição presidencial - 15/01/1974;
General Pinochet: O Infame - 15/03/74;
As injustiças com a PM da Bahia. (um militar não pode ser um cadáver do Governador) -
17/03/81;
Violência contra a Imprensa alternativa - 24/06/81;
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de
1971. Câmara de Deputados. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971.
2. Sites consultados:
2.1. Biografia na Câmara dos deputados:
Alencar Furtado:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123194&tip
o=0
Álvaro Lins:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122612&tip
o=0
Amaury Müller:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=106029&tip
o=0
Eloy Lenzi:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122909&tip
o=0
Fernando Cunha:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103252&tip
o=0
Fernando Lyra:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=101372&tip
o=0
Francisco do Amaral:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103670&tip
o=0
Francisco Pinto:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=105942&tip
o=0
Freitas Diniz:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122902&tip
o=0
Freitas Nobre:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123202&tip
o=0
Getúlio Dias:
136
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122922&tip
o=0
Jaison Barreto:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122775&tip
o=0
Jerônimo Santana:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122941&tip
o=0
JG Araujo:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123205&tip
o=0
João Borges:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122651&tip
o=0
Lysâneas Maciel:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103454&tip
o=0
Marcondes Gadelha:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=100150&tip
o=0
Marcos Freire:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122681&tip
o=0
Nadyr Rossetti:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123259&tip
o=0
Paes de Andrade:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=101087&tip
o=0
Severo Eulálio:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122704&tip
o=0
Santillini Sobrinho :
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122976&tip
o=0
Walter Silva :
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123041&tip
o=0
AI-1: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-1-9-abril-1964-
364977-publicacaooriginal-1-csr.html
AI-2: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-2-27-outubro-
1965-363603-publicacaooriginal-1-pe.html
AI-3: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-3-5-fevereiro-
1966-363627-publicacaooriginal-1-pe.html
137
4. Jornais:
5. Outros:
Entrevista de Chico Pinto na Terra Magazine por Claudia Leal . Disponível em:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2168206-EI6578,00.html
REFERÊNCIAS
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Disponível em: http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/SANTOS.pdf
SAMWAYS, Daniel Trevisan. Censura à imprensa e a busca de legitimidade no regime
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VASCOCELOS, Suani de Almeida. Discurso Político à luz da nova retórica: Chico Pinto e
a ditadura militar. Salvador: UFBA. Dissertação de Letras, 2005.
142
ANEXO 1
1983-1987,
Getúlio Pelotas/R Jornalista MDB; PDT 1971-1975;
Dias S 1975-1979;
1979-1983.
Jaison Lagunas/S Medico MDB 1971-1975;
Barreto C 1975-1979.
Jeronimo Jataí/ Advogado MDB;PMDB 1971-1975;
Santana GO 1975-1979,
1979-1983,
JG de Taraúaca/ Advogado PR, 1945-; UDN, 1954- 1971-1975;
Araujo AC ; MDB, 1965-; PDT, 1975-1979;
Jorge 1980-1986; PMDB, 1979-1983,
1986 1983-1987.
João Macaúbas Medico MDB 1967-1971;
Borges /BA 1972-1975,
Lysâneas Patos de Advogado e PSB, 1964-1966; MDB, 1971-1975;
Maciel Minas/M jornalista 1970-1976; PT, 1981- 1975-1976;
G 1986; PDT, 1987-1992 Constituinte):
1987-1991;
1991-1992.
Marcondes Sousas- Medico MDB, 1968-1982; PDS, 1971-1975;
Gadelha PB 1982-1984; PFL, 1983- 1975-1979;
2003; PTB, 2003-2005; 1979-1983;
PSB, 2005-2009; PSC, 1999-2003;
2009 2003-2007;
2007-2011
Marcos Recife/ Advogado e MDB
Freire PE Professor
Nadyr Caxias do Advogado MDB, PDT 1967-1971;
Rossetti Sul/RS 1971-1975;
1975-1976;
1983-1987.
Paes de Mombaça Advogado e PSD, 1950-1966; MDB, 1963-1967;
Andrade /CE professor 1966-1979; PMDB, 1967-1971;
1980- 1975-1979;
1979-1983;
1983-
1987;(Constituin
te): 1987-1991;
1995-1999.
Severo Picos/Pi Advogado e MDB 1971-1975.
Eulálio professor
Santilli Mineiros Industrial, PRP; PDC, 1953-; 1967-1971;
Sobrinho do Economista,p MDB, 1965-1979; 1971-1975;
Tiete/SP ecuarista, PMDB, 1979-1988; 1975-1979;
professor, PSDB, 1988- 1979-1983, SP,
comerciante PMDB.
Walter Campos/R Advogado e MDB; PMDB 1971-1975;
Silva J professor 1975-1979;
1979-1983, RJ,
PMDB.
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ANEXO 2
ANEXO 3