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Universidade Estadual de Feira de Santana

Programa de Pós-Graduação em História

Chico Pinto e os Autênticos do MDB: atuação no campo político brasileiro (1971- 1982).

Flávia Amorim Souza

Feira de Santana

2013
Universidade Estadual de Feira de Santana
Programa de Pós-Graduação em História

Chico Pinto e os Autênticos do MDB: atuação no campo político brasileiro (1971-1982).

Flávia Amorim Souza

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade
Estadual de Feira de Santana, Bahia, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em História, sob a orientação da Prof.
Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto.

Feira de Santana
2013
Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

Souza, Flávia Amorim


S715c Chico Pinto e os Autênticos do MDB : atuação no campo político
brasileiro (1971-1982) / Flávia Amorim Souza. – Feira de Santana,
2013.
145 f. : il.

Orientador: Eurelino Teixeira Coelho Neto.

Mestrado (dissertação) – Universidade Estadual de Feira de Santana,


Programa de Pós-Graduação em História, 2013.

1. História política – Brasil. 2. Ditadura Militar. 3. Movimento


Democrático Brasileiro (MDB). 4. Pinto, Franscisco – Crítica e história.
I. Coelho Neto, Eurelino Teixeira, orient. II. Universidade Estadual de
Feira de Santana. III. Título.

CDU: 981:32
Termo de Aprovação

Banca Examinadora

________________________________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto
PGH/UEFS – Orientador

________________________________________________________
Prof. Dr. José Alves Dias
UESB

________________________________________________________
Prof. Dr. Clóvis F. Ramaiana Moraes Oliveira
UNEB
Canción con todos

(autor desconhecido)

Salgo a caminar
Por la cintura cósmica del sur
Piso en la región
Más vegetal del tiempo y de la luz
Siento al camiñar
Toda la piel de América en mi piel
Y anda en mi sangre un río
Que libera en mi voz
Su caudal.
Sol de alto Perú
Rostro Bolivia, estaño y soledad
Un verde Brasil besa a mi Chile
Cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña América y total
Pura raíz de un grito
Destinado a crecer
Y a estallar.
Todas las voces, todas
Todas las manos, todas
Toda la sangre puede
Ser canción en el viento.
¡Canta conmigo, canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz!
RESUMO

Este trabalho tem por objetivo o estudo da trajetória política de Francisco Pinto enquanto
membro do chamado grupo Autêntico do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no
Congresso Nacional, na tomada de posição contrária à ditadura civil/militar, na atuação no
campo político brasileiro no período entre 1971 e 1982. Essa temporalidade corresponde ao
período em que Francisco Pinto foi deputado federal: o primeiro mandato em 1971-74,
cassado em 1974, e o segundo, 1979-82. Investigamos como o deputado e o grupo dos
Autênticos construíram e aplicaram sua estratégia de oposição ao regime ditatorial. Para tanto,
trabalhamos com a metodologia do sociólogo Pierre Bourdieu, especialmente com o conceito
de campo político, com o qual problematizamos as estratégias e possibilidades de se fazer
política institucional. As fontes consultadas foram: os discursos pronunciados pelo deputado
Francisco Pinto no Congresso Nacional e o jornal Movimento.

Palavras-chaves: História Política; Ditadura Civil/Militar; Francisco Pinto; MDB; Campo


Político.
ABSTRACT

This work has as its goal the study of Francisco Pinto's political journey as a member of the
so-called group Autênticos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) in Brazilian
National Congress, in his taking of a contrary posture to the civilian/military dictatorship, in
his actuation in Brazilian political field in the period between 1971 and 1982. This time
corresponds to the period in which Francisco Pinto was a federal congressist: his first term in
1971-74, impeachet in 1974, and second, 1979-82. We investigated how the congressman and
his Autênticos group built an opposite force to the dictatorship. For that, we used sociologist
Pierre Bourdieu's method, of political camp, so we can understand the strategies and
possibilities of making institutional politics. The sources consulted were: congressman
Francisco Pinto speeches in Brazilian National Congress and Movimento newspaper.

Keywords: Politic History; Civilian/military dictatorship; Francisco Pinto; MDB; Political


camp.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADP..............................................................................................Ação Democrática Parlamentar


ALN...........................................................................................................Ação Libertadora Nacional
CGT...................................................................................................Comando Geral dos Trabalhadores
CPI..........................................................................................Comissão Parlamentar de Inquérito
ESG..................................................................................................... Escola Superior de Guerra
FIA............................................................................................. Frente Intersindical Antiarrocho
FIESP............................................................... Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMP................................................................................................Frente de Mobilização Popular
FPN ...................................................................................................Frente Parlamentar Nacional
IBAD..............................................................................Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPES................................................................................. Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
IPM........................................................................................................ Inquérito Policial Militar
LSN.................................................................................................... Lei de Segurança Nacional
MR-8............................................................................ Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MIA.................................................................................... Movimento Intersindical Antiarrocho
MDB......................................................................................Movimento Democrático Brasileiro
PTB..................................................................................................Partido Trabalhista Brasileiro
PCB..................................................................................................Partido Comunista Brasileiro
PSD.................................................................................................... Partido Social Democrático
UNE.............................................................................................União Nacional dos Estudantes
UDN................................................................................................ União Democrática Nacional
SNA ....................................................................................... Sociedade Nacional de Agricultura
SRB..................................................................................................... Sociedade Rural Brasileira
AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são tantos e a inspiração é pouca. Diz Kundera que a vida é como
uma partitura, e cada pessoa que conhecemos, soma-se nota. Nossa música é então cheia de
nossa gente, das que cativamos e nos cativam – como diria a raposa do Pequeno Príncipe.
Ainda lembrando esses que falam sobre a vida e as pessoas com suas marcas invioláveis no
nosso trajeto, gosto da definição dos Novos Baianos: “e pela lei natural dos encontros eu
deixo e recebo um tanto”. Música tão tocada na casa do Feira VI, que foi meu abrigo e celeiro
de produção e vivência. Lugar onde tive o prazer de dividir a vida com as duas lindas irmãs:
Maria (Dedé) e Isana, e outras tantas pessoas que de passagem deixam marcas na moradia.
No começo dessa história devo agradecer aos irmãos e irmãs, cada um na sua luta, mas
com um sangue e algumas ideias em comum. Agradeço a Fabio, Fernando, Fernanda e
Fabiana, por ensinar a trilhar e me dá abrigo quando tenho que voltar. Agradeço a Fernanda
que mais que uma irmã, é minha companheira de alma, com quem divido ideias, ideais,
dúvidas, aflições e danações. Você diz que não se agradece essas coisas, mas vai aí um
agradecimento científico. Agradecimentos ao Fabio que foi um pai todo o tempo, com o
coração maior que ele. Agradeço a Fernando, meu irmão, obrigada por tudo e mais um pouco.
Agradeço também a Gonzalo (meu cunhado) e a pequena Violeta, e ao abrigo na chácara da
Cuca Feliz.
Em Pombal ponto de origem, será que tudo acaba onde começou? Como diria o
Raulzito. Não importa saber... Ainda estamos no caminho de Ítaca e o que vale é a caminhada.
Ali alguns agradecimentos, para Flávia e Gata, amigas e irmãs de coração. Outros muitos que
me ensinaram de alguma maneira, mesmo que não recorde em exatidão.
Em Feira de Santana, minha segunda morada. Os agradecimentos são muitos. Então
teremos que classificar em grupos. Primeiro, o LABELU (Laboratório de História e Memória
das Esquerdas e das Lutas Sociais) local de ricas discussões que sempre inquietaram e
ajudaram a dar um passo adiante: “um passo à frente e você não esta mais no mesmo lugar”,
como diria o Science. Agradeço a Larissa Penelu, Tamy Assad, Valter Zaquel, Chintamani,
Liniker, André Santana e Thiago Oliveira.
Yolanda Leony e Danilo, “pais adotivos”, obrigada pelo conforto da casa materna nos
momentos difíceis de produção de artigos e de diversão.
Nayara Fernandes muito obrigada pelas conversas, desabafos e amizade.
Charla, obrigada pela sinceridade, amizade e tantas risadas.
Diego professor em tempo integral e um amigo sem adjetivos.
Agradecimentos ao professor Clóvis Ramaiana e José Dias que no exame de
qualificação ajudaram a (re)pensar a pesquisa e a escrita.
Agradeço a outros professores que ajudaram e incentivaram essa história de fazer
História: Elizete Silva, Igor Gomes, Jacques Depelchin, Emilia Silva, Valter Guimarães e
Rogério de Fátima (em memória).
Agradeço aos amigos pelos momentos de descontração também necessário na
produção, como diz o Buarque: “a gente vai bebendo, que também sem a cachaça ninguém
segura esse rojão”. Valeu: Joãozinho, Lívia, Aline Laurindo, Carol, Marcelo, Tico, Rafael
(que nem bebe)... a lista é grande!
Devo agradecimentos também a Aline Aguiar e Liliane.
Julival, muito obrigada pelas informações no mestrado e tantas ajudas.
Agradecimentos sem medidas para Coelho. Orientador. Desde o primeiro semestre
quando ele chegou com umas conversas sobre Universidade, construção de conhecimento...
que suas ideias me ecoam na cabeça... Sou muito grata pelas conversas, pelas aulas e
orientação. Professor muda o rumo do pensamento. Obrigada por apresentar pensamentos e
leituras, mesmo as que deram muito trabalho de entender. Obrigada por lutar pela
Universidade e criar um lugar como o LABELU. E obrigada por pensar como pensa e ser
professor!
Agradecimentos também a FAPESB – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia, com o apoio financeiro foi possível a dedicação exclusiva à pesquisa.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 12

CAPÍTULO I: O Campo e a organização política na ditadura civil-militar................................... 18


1.1 O golpe de 1964: “como um raio caído num dia de sol”?................................................ 19
1.2 O campo político na ditadura: as regras políticas............................................................. 29
1.3 A proposta do grupo Autêntico......................................................................................... 37

CAPÍTULO II: Os discursos de Chico Pinto e a decifração dos signos do poder (1971-74)........ 42
2.1 As tomadas de posição, o produto simbólico e outros elementos no discurso de
Chico Pinto....................................................................................................................... 42
2.2 A ditadura nos discursos de Chico Pinto.......................................................................... 49
2.3 O anticandidato da antieleição: “denunciar e renunciar”................................................. 55
2.4 O discurso de Chico Pinto contra a Ditadura Chilena...................................................... 57

CAPÍTULO III: A Luta dos Autênticos: disputa entre a Arena, o general e o MDB (1975-78) –
Uma leitura do Movimento............................................................................................................. 62
3.1 A formação dos Autênticos em 1975-78........................................................................... 62
3.2 O jornal Movimento.......................................................................................................... 63
3.3 “Para que tudo permaneça é preciso que tudo mude?”: sobre a “distensão lenta,
gradual e segura”.................................................................................................. 66
3.4 “Liberalização de gestos limitados”: a ação dos Autênticos, Moderados e 68
Adesistas nas páginas do Movimento.....................................................................
3.5 A Convenção Nacional do MDB em 1975.............................................................. 78
3.6 Eleições de 76: Chico Pinto em Feira de Santana.................................................... 85
3.7 “A vitória da oposição dentro da oposição”: A disputa pela liderança na Câmara 91
de deputados entre Laerte Vieira versus Alencar Furtado.....................................
3.8 “Encerrada a sessão”: a votação da reforma do judiciário...................................... 95
3.9 A candidatura de Euler Bentes ............................................................................... 99

CAPITULO IV: O discurso de Chico Pinto e a abertura política (1979-82) ........................ 105
4.1 A posse de Figueiredo no discurso de Chico Pinto ................................................. 109
4.2 Posse de Chico Pinto............................................................................................... 111
4.3 Discursos e uma leitura da abertura......................................................................... 116
4.4 “É tempo de homens partidos”................................................................................ 126

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 131

LISTA DE FONTES............................................................................................................. 134

REFERÊNCIA..................................................................................................................... 139

ANEXOS............................................................................................................................... 142
12

INTRODUÇÃO

Este texto disserta sobre a trajetória política de Francisco Pinto enquanto membro do
chamado grupo Autênticos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no Congresso
Nacional, na tomada de posição contrária a ditadura civil/militar, na atuação no campo
político brasileiro no período entre 1971 e 1982.
O interesse pela pesquisa nasceu e se desenvolveu no Laboratório de História e
Memória das Esquerdas e das Lutas Sociais (LABELU/UEFS), local onde esta pesquisadora
ouviu falar sobre Francisco Pinto pela primeira vez. Ao ouvir falar sobre o memorado político
de Feira de Santana havia uma crítica constante: a falta de um estudo mais sistematizado
sobre o mesmo.
No LABELU tivemos então contato com os discursos do deputado e daí a estranheza
que nos levou à inquietação sistematizada hoje em problema de pesquisa: Como entender um
deputado do MDB discursando contra a ditadura e denunciando sua ilegitimidade?
Ao investigar de perto a ação de Francisco Pinto, vê-se que seu discurso destoa do que
a ordem da ditadura civil-militar impôs. Ele se apresentava como um político polêmico, com
um discurso contundente de oposição ao regime. Constantemente ameaçado pela cassação e
até cassado, junto a ele havia um grupo de deputados com esse mesmo discurso. Daí a questão
que nos interessou: analisar, através da trajetória de Francisco Pinto, como esse grupo,
conhecido por Autênticos, criou estratégias de oposição à ditadura.
O grupo dos Autênticos foi organizado por deputados federais eleitos pelo MDB a
partir de 1971, com o propósito de denunciar as arbitrariedades cometidas pelos ditadores
através da ação parlamentar no Congresso Nacional. Francisco Pinto foi um dos principais
líderes e articuladores do grupo - no período de recorte para pesquisa exerceu dois mandatos
como Deputado Federal (1971-74/ 1979-82).
Formaram-se três grupos fundamentais no MDB definidos pela imprensa da época de
acordo com a posição política assumida na concorrência interna do partido e pela
aproximação ou distanciamento com os ditadores. Os Adesistas, aliados ao projeto dos
ditadores, tinham por tarefa manter o partido na direção da oposição obediente. Os
Moderados, que se diziam defensores da democracia e preferiam negociar com os ditadores,
pois temiam os riscos do enfrentamento. E os Autênticos, que através do discurso de Chico
Pinto analisamos, que se construíram como uma oposição mais contundente a ditadura.
Francisco José Pinto dos Santos (Chico Pinto) nasceu em 16 de Abril de 1930, na
cidade de Feira de Santana, Bahia. Começou os primeiros passos com a política no
13

movimento secundarista em Salvador. Formou-se em Direito pela Universidade Federal da


Bahia em 1954. Em 1950, iniciou na política institucional exercendo o cargo de vereador pelo
PSD (Partido Social Democrático). No mesmo período trabalhou como advogado para os
sindicatos em Feira de Santana.
Em 1962, candidatou-se a prefeito dialogando fundamentalmente com os setores
populares: “Não quero votos da burguesia. Não servirei a dois senhores, Deus e o Diabo.”;
“Francisco Pinto na prefeitura é o povo governando”, eram os slogans de campanha. Ganhou
a eleição por uma diferença muito pequena de votos e, já na prefeitura, outras medidas
governamentais levaram a definir Francisco Pinto como um político que trabalhava para os
populares. Isso se verifica na implementação do Orçamento Participativo, Associações de
Bairro, a Farmácia do Povo, a implementação do método de alfabetização Paulo Freire.
Propostas concomitantes com o projeto político de João Goulart e as Reformas de Base.
No entanto, o governo de Chico Pinto foi marcado pela forte oposição e
acontecimentos tensos que marcaram a sua gestão. A tentativa de implementação do
Orçamento Participativo levado à Câmara de Vereadores para discussão e negado pelos
vereadores rendeu o famoso “quebra- quebra da Câmara”. Os populares se revoltaram pela
negativa dos vereadores e promoveram uma grande “confusão”. Outra foi o ensaio de
resistência armada contra os ficais do estado no Campo do Gado. Fatos esses que deram à
posição de Chico Pinto a imagem de um defensor dos interesses populares e um radical.
Quando os militares e a burguesia “conquistaram o Estado” com o golpe de 1964,
Francisco Pinto entrou na lista dos procurados. Na cidade de Feira de Santana, Pinto preparou
a resistência ao golpe mesmo com armas precárias (“papo-amarelo”), na expectativa de
somar-se com a iniciativa nacional. Todavia, com a fuga do presidente não houve nenhum
disparo.
Os ditadores venceram e pediram o impeachment de Chico Pinto pela Câmara de
Vereadores, mas foi inicialmente negado e obtido somente após intervenção militar e cerco do
prédio da Câmara por tropas de outros estados. Foi preso e processado. Por sua profissão de
advogado, Francisco Pinto ficou conhecido por sua auto defesa na Justiça Militar. (Todos
esses episódios podem ser lidos na entrevista de Chico Pinto no livro feito por Ana Beatriz
1
Nader).
Francisco Pinto era conhecido pela sua performance nos comícios, com um discurso
forte, contundente o que levava seus eleitores não só ao deposito do voto, mas a uma certa

1
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
14

paixão, até hoje presente nos discursos daqueles que ficaram conhecidos como “pintistas”
(seus eleitores na cidade de Feira de Santana). Um dado curioso, no percurso da pesquisa,
analisando a biblioteca do político doada ao LABELU, encontramos um livro clássico do
teatro realista, A preparação do ator, de Stanislavski. Um livro sobre técnicas para atuar, o
que nos fez pensar que Francisco Pinto preocupava-se em fazer mesmo do palco dos comícios
um espetáculo teatral. E isso fazia com que as pessoas de fato se entusiasmassem nos seus
comícios.
Esse trabalho foi iniciado na graduação o que rendeu uma monografia de final de
curso. Nela constam os primeiros passos de descobertas e tentativa de sistematização dos
resultados sobre a atuação de Chico Pinto e dos Autênticos. Trabalhamos basicamente com os
discursos do deputado. Com a dissertação foi possível avançarmos mais sobre o objeto,
incluindo a leitura completa das edições do Jornal Movimento. Além claro, do
amadurecimento teórico adquirido com a ampliação da leitura e referencial teórico para
análise que nos propusemos.
Metodologicamente nos apoiamos nos conceitos de trajetória e de campo político,
ambos elaborados pelo sociólogo Pierre Bourdieu. O conceito de trajetória é validado para os
estudos sobre o percurso de um sujeito, compreendendo como o ser se constitui nas relações
sociais, com os outros e com o mundo. Para tanto, analisar uma trajetória, ou uma sequência
de tomadas de posições, implica em conhecer as relações com o mundo objetivado, ou seja, o
campo no qual o sujeito se insere; o “conjunto das relações objetivas que uniram o agente
considerado – pelo menos em certo número de estados permanentes – ao conjunto dos outros
agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço possível” 2.
O campo político, por sua vez, é o lugar onde atuam os políticos profissionais em
distância da sociedade, dos “laicos” (assim como Bourdieu denomina), pois os meios de
produção propriamente políticos estão concentrados nas mãos daqueles, em consequência do
desapossamento dos outros (leigos). Por isso, existe o monopólio da representação e logo a
luta permanente por mantê-lo. Os que estão no campo político lutam para representar os
laicos, e sobretudo, as regras do campo limitam a entrada para os profissionais.
Pierre Bourdieu divide categoricamente a sociedade em campos – que são áreas
referenciadas pela atuação de alguns agentes em respectivo mecanismo de ações objetivadas,
daí deriva-se a teoria de campo político – um “espaço” circunscrito de atuação daqueles que
estão diretamente ligados à política institucional. O campo tem regras próprias que são

2
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Morais. (Coord.) Uso
& abuso da História Oral. 8 ed. RJ: Editora FGV, 2006. p. 190.
15

“estruturas estruturadas” historicamente. Assim o político profissional deve atuar conforme


estas regras de funcionamento e conduta.
Como funciona o campo político? Os políticos profissionais aí situados disputam um
projeto político, “vendem” um produto simbólico, que em outras palavras, significa uma visão
de mundo que se pretende estatuto de organização da vida social. Como conceituou Bourdieu,
o produto simbólico é: “instrumentos de percepção e de expressão do mundo social” 3.
Dentro do campo, então, os políticos tomam suas posições através de seu produto
simbólico, e disputam a representação dos leigos entre si, para vender seu produto simbólico.
Nesse sentido, seu produto sempre é dirigido a um grupo específico, àqueles por cuja
representação o político luta, que é quem também lhes mantém dentro do campo aderindo ao
projeto, “comprando o produto”. Ao mesmo tempo, o produto simbólico negociado pelo
político lhe direciona a tomada de posição em antagonismo a outros dentro do campo, assim o
político também disputa com outros representantes profissionais até que um produto
simbólico seja o vencedor. E o prêmio é a capacidade de aglomerar mais adeptos ao seu
projeto, em outras palavras, convencer as pessoas à adesão de um determinado projeto de
organização política, social e econômica (o que conduz necessariamente à permanência do
profissional no campo).
Segundo o sociólogo, há uma certa autonomia do campo político frente aos demais
setores da sociedade, pois para aqueles que o habitam há regras próprias de conduta, tanto
para adentrar como para permanecer. Mas essa autonomia é relativa, pois os políticos só
existem e permanecem no campo em consoante interesse com os leigos.
As propostas negociadas pelos políticos – o produto simbólico - devem ser entendidas
a partir do interesse dos leigos, ou seja, de quem lhes deu a outorga de representar, pois o
político, sobretudo, precisa convencer pessoas, sujeitos, grupos sociais a aderir ao seu projeto
político, necessita que os leigos confiem e comprem seu produto simbólico.
Para entender a atuação do político profissional do campo político, é sobretudo,
necessário entender seu habitus e as regras de funcionamento do campo. Pois, para adentrar
no campo é necessária uma preparação anterior, o político é instrumentalizado, tem que
comportar em si um habitus, qual seja, um corolário de ações e conhecimentos que lhe ensina
a atuação política. Ele tem que se aparelhar dos melhores ensinamentos para, nas disputadas
correlações de forças dentro do campo, fazer com que seu produto simbólico negociado seja o
vencedor.

3
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15° ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 165.
16

O sociólogo define habitus:

o habitus do político supõe uma preparação especial. É, em primeiro lugar, toda a


aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias,
problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc.) produzidos e
acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente e do passado ou das
capacidades mais gerais tais como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa
retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações com os profanos, ou a do
debater, necessária nas relações entre profissionais 4.

O habitus é um conceito que induz a pensar a historicidade daquele político que


adentra no campo, como o mesmo se construiu político. Para permanecer, o político precisa,
todavia, de credibilidade dos seus eleitores. A credibilidade, o habitus e outros aparatos fazem
o político ser reconhecido pelos leigos, forma o que Bourdieu chama de capital simbólico.
Quanto maior a carga de “carisma”, crédito, confiança que as pessoas de fora do campo
depositam para o político maior é seu capital político. É isso que mantém sua permanência e
força dentro do campo.
A partir dessa metodologia analisamos o objeto. Busca-se entender a trajetória de
Francisco Pinto, um político profissional, em um momento determinado de sua trajetória que
está relacionado com os Autênticos do MDB, nas suas tomadas de posição no campo político
em questão formado pela ditadura civil/militar.
No primeiro capítulo revisitamos o golpe civil/militar, através de uma leitura
bibliográfica das súmulas de seminários apresentados no Brasil durante os anos pós-golpe.
Pois foi a partir do golpe que se reconfigurou o campo político. Não houve um projeto
regular, contínuo durante toda a ditadura, mas alguns elementos se perpetuaram durante todo
o período histórico. Todavia, o objetivo do capítulo é entender as regras do campo político.
Como estavam organizadas as instituições do período, a formação do sistema partidário, o
processo de formação dos grupos dentro do MDB, em especial dos Autênticos. Um capítulo
para entender o campo em que o político transitava. Para tanto, uma referência importante é a
legislação da época, fonte de entendimento dessas regras.
No segundo, verifica-se o produto simbólico negociado pelo político Francisco Pinto,
no primeiro mandato, 1971 a 1974. Os discursos de Francisco Pinto intervindo no campo
político são ferramentas para entender o seu produto simbólico negociado, qual perspectiva de
organização da vida social, política e econômica o mesmo tinha e para qual grupo social este
lançava seu produto. Entendendo também que o produto segue uma ordem de demandas dos

4
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15° ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p.169.
17

leigos é que se buscou caracterizar o momento histórico a partir das demandas sociais na
conjuntura política ditada pelo “milagre econômico”.
O capítulo terceiro é o momento de traçar e entender as disputas internas dentro do
MDB e a Arena. O local privilegiado de entender essa movimentação é o jornal Movimento,
onde encontramos artigos sobre a conjuntura política e a atuação da política institucional. O
jornal tinha forte relação com os Autênticos, inclusive Francisco Pinto publicava nele a coluna
A semana em Brasília, depois denominada a Coluna do Chico Pinto. Com a cassação do
mandato de deputado, em 1974, Francisco Pinto ficou afastado do Congresso Nacional, até
1979. E durante esse período foi convidado a fundar o jornal Movimento. Discutimos,
também, as perspectivas de atuação dos Autênticos, Moderados e Adesistas no processo da
“distensão lenta, gradual e segura”.
No quarto capítulo retomamos a trajetória política de Francisco Pinto no Congresso,
entre 1979 e 1982. O momento político conjuntural era outro, composto pela “abertura
política” do governo Figueiredo, resultado das constantes disputas que envolveram o projeto
de manutenção da ditadura e as pressões das oposições. Nesse sentido, verificamos o
conteúdo dos discursos de Francisco Pinto, as tomadas de posição, as denúncias políticas e a
possibilidade de leitura da realidade brasileira construída pelo modelo
econômico/político/social implantado pelos ditadores já no processo de redemocratização.
18

CAPÍTULO I

O Campo e a organização política na ditadura civil-militar

Em 1964 a burguesia e os militares tomam de assalto o Estado brasileiro. Mas,


retomando a frase de Marx, esse fenômeno não pode ser visto “como um raio caído num dia
de sol” mas, como bem especificou Dreifuss, tratou-se de uma “conquista do Estado”.
A luta de classe se acirrava no Brasil no início da década de 1960. Os trabalhadores e a
burguesia estavam organizados em seus respectivos aparelhos. A situação política era
instável, passou-se do parlamentarismo para presidencialismo. A burguesia se programava
para um golpe já em 1961, que foi frustrado. O objetivo daquela iniciativa era varrer o bloco
populista do governo. Com a luta de classes acirrada, a situação piorou quando Jango decidiu
por corresponder às reivindicações dos trabalhadores. Então, a burguesia se aliou com os
militares e fizeram o golpe de 1964.
Voltamos ao momento do golpe através de um debate bibliográfico. Escolhemos as
súmulas dos seminários produzidos nas décadas pós-ditadura. Esse debate se concentra no
primeiro subtópico. Verificamos as iniciativas das esquerdas e das direitas, as relações de
força, o posicionamento de Jango, as principais entidades envolvidas no processo, os
aparelhos privados de hegemonia e a conquista do Estado pela direita. Identificamos uma
tendência geral dos mais famosos intelectuais envolvidos no debate sobre o golpe em assumir
o posicionamento e argumentos desenvolvidos pelos militares e burguesia que justificaram e
deram o golpe.
Na segunda seção analisamos como a direita reestruturou o Estado depois do golpe. As
leis são as fontes para entender a rearrumação do campo político. Demos atenção aos Atos
Complementares, à Constituição, como fontes para entender como funcionou o espaço de se
fazer a política institucional, lugar central para entender a atuação do deputado Francisco
Pinto e dos Autênticos.
Na terceira parte do texto faremos uma abordagem da estruturação dos partidos
políticos e a formação dos grupos dentro do MDB. Apresentaremos a formação e a
composição dos Autênticos.
Esse é um capítulo inicial que serve para situar o leitor a conjuntura histórica, os
limites de se fazer política, ou seja, a configuração, regras do campo político. Desenhar o
ambiente em que os Autênticos e, em especial, o deputado Francisco Pinto desenvolveram sua
estratégia de luta contra a ditadura.
19

1.1 O golpe de 1964: “como um raio caído num dia de sol”?

O período de recorte temporal da pesquisa é de 1971 a 1982, não envolve o ano de


1964, quando o golpe civil/militar se efetivou. No entanto, aqui vale uma leitura sobre o
golpe, ponto de partida para um projeto de rearrumação do Estado com o estabelecimento das
novas regras para o jogo político, agora com uma ditadura. Projeto que se redefiniu em
circunstância – em confronto com as oposições, no calor das lutas sociais e políticas. Portanto,
não foi um projeto linear, desenhado e inviolado desde o início.
Não queremos fazer um balanço historiográfico sobre o golpe, pois já há uma vasta
quantidade de textos a esse respeito 5, inclusive alguns de excelente qualidade, cujas posições
compartilhamos, tais como o de Marcelo Badaró Mattos 6 e Demian Melo 7. Por achar
desnecessário entrar nessa seara, o que daria a esse texto um caráter repetitivo, optamos por
fazer apenas uma síntese interpretativa sobre o que foi o golpe de 1964 e início da ditadura.
Retomamos o debate para trazer elementos necessários para entender as intervenções de
Chico Pinto e os Autênticos nas conjunturas da ditadura.
Escolhemos em especial duas coletâneas resultadas de seminários sobre o golpe de
1964 e a ditadura, e dentro destas, textos de alguns intelectuais que se referem em específico
ao golpe. Uma dessas coletâneas é organizada por Caio Toledo 1964: visões críticas do golpe.
Democracia e reformas no populismo, de 1997. Esta é uma compilação dos textos produzidos
para o seminário O Golpe de 64: 30 anos depois, realizado em março de 1994, pelo Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. A outra é a
coletânea de 2004, organizada por Rodrigo Patto Sá Motta, Daniel Aarão Reis e Marcelo
Ridenti, O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004) com textos coletados de
debates produzidos durante o ano de 2004, em referência aos 40 anos do golpe.
Organizador de 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo 8,
Toledo tem um artigo intitulado A democracia populista golpeada. E começamos por ele, que
faz um panorama dos acontecimentos que resultaram no golpe. Para Toledo o governo Jango

5
Tais como FICO, Carlos. Além do golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de
Janeiro: Record, 2004. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. 1964: temporalidade e interpretações. In Reis,
Daniel Aarão; RIDENTE, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). O golpe e a ditadura militar: quarenta
anos depois (1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004.
6
MATTOS, Marcelo Badaró. Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia. Disponível
em: http://site.projetoham.com.br/arquivos/revistas/1.Golpe%20de%201964-edi%C3%A7%C3%A3ocompleta
.pdf. Acesso em 25 de março de 2013
7
MELO, Demian. A miséria da historiografia. Disponível em: http://uff.academia.
edu/DemianMelo/Papers/648251/A_miseria_da_historiografia Acesso em 25 de março de 2013.
8
TOLEDO, Caio Navarro (org). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas
SP: Editora da Unicamp, 1997
20

nasceu na expectativa de golpes. Um momento histórico definido pelo acirramento das lutas
sociais, com uma forte organização do movimento operário e dos trabalhadores no campo.
Toledo traz à cena as controvérsias memorialistas sobre o governo Jango, lembrado
por alguns como um governo popular e democrático, e por outros (mais especificamente os
setores da direita) como uma “falha governamental”, o pior dos governos. Para Toledo o
ponto de concordância entre os setores da esquerda quanto à lembrança é que nunca houve
tanta insatisfação dos conservadores quanto no período de Jango.
O governo Goulart nasceu numa conjuntura de crise econômica, social e política, com
o fim do parlamentarismo. A medida do presidente para solucionar a crise foi a elaboração do
Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico Social, proposta do então ministro de
planejamento, Celso Furtado. O Projeto objetivava sair da crise com o arrocho salarial e ainda
pedia apoio aos trabalhadores - medida que sofreu as oposições por parte dos nacionalistas,
das esquerdas e do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) - que denunciou o caráter
reacionário do plano.
Depois do fracasso do Plano (que tentava apaziguar as pressões sociais e ao mesmo
tempo impulsionar o capitalismo) só se intensificou a luta dos trabalhadores. Toledo constata
que Jango não havia optado pelas reformas radicais. Todavia, as pressões pelas reformas
foram impulsionadas pelos grupos organizados com os comícios da Frente de Mobilização
Popular (Frente Parlamentar Nacional, CGT, Ligas Camponesas, Partido Comunista
Brasileiro) 9. E contrario a elas, ao lado da direita, os grupos organizados em torno do Instituto
de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), a
ADP (Ação Democrática Parlamentar), e a Igreja faziam campanha contra a “subversão” do
governo.
Em um trecho que responde à pergunta “quem dará o golpe?”, Toledo diz que havia
articulações por parte da direita e da esquerda. E Jango, nesse jogo, perdia força por
desconfiança de ambos os lados, pois não fazia as reformas para a esquerda, e ao mesmo
passo perdia aliados da direita. Modificou-se a situação, para Toledo, no comício da Central
do Brasil, na sexta-feira 13 de março de 1964, quando Jango se definiu para a esquerda.
Enquanto isso a Sociedade Rural Brasileira (SRA), a Fiesp (Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo), a Igreja Católica apoiavam a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade, contra o suposto comunismo de Jango.

9
TOLEDO, Caio Navarro. A democracia populista golpeada. In TOLEDO, Caio Navarro (org). op. cit, p. 36.
21

Toledo consegue identificar as disputas na organização da esquerda com as pressões


populares nas frentes de mobilização, bem como a movimentação da direita em suas
organizações contra Goulart. A indecisão na tomada de posição do Jango provocou à
descredibilidade de sua figura e somava-se a isso a mobilização da direita contra o governo.
Aqui percebemos uma leitura preventiva do golpe, de que mais adiante falaremos.
Nessa mesma coletânea temos o texto de Argelina C. Figueiredo, Democracia &
reformas: a conciliação frustrada 10, em que a autora explora as possibilidades do jogo
político no período de Jango. Para ela o golpe não foi uma conspiração da direita, nem
motivado por questões que ela chama estruturais - econômicas ou institucionais. Defende,
todavia, que nesse momento não era possível conciliar reformas com democracia, era preciso
mudar o regime, pois nem a direita nem a esquerda eram simpatizantes da democracia.
Em outro texto, de Lucilia de Almeida Neves Delgado, Trabalhadores na crise do
populismo: utopia e reformismo 11, ela faz um traçado do panorama do período de Jango,
formado por contradições herdadas da modernização capitalista dos anos de 1950, com a
exclusão e protesto dos trabalhadores. Um cenário que ela diz ser marcado pela: “utopia
reformista, de luta pela ampliação da cidadania, de implementação de um projeto econômico
capitalista calcado na concentração da renda e, portanto, também de conflito aberto”. 12
Para Delgado as organizações dos trabalhadores nos sindicatos ou em outras frentes
tinham por pressuposição uma “utopia reformista”. Ela chega a se referir à luta da classe
trabalhadora como um “sonho” (algo inatingível). Para ela foi por esse sonho reformista
alimentado quando da posse de Jango (vislumbrando a possibilidade de reformas), que os
trabalhadores formaram a CGT 13.
A autora sintetiza esse período como o de acirramentos reivindicatórios dos
trabalhadores devido à crise do populismo. O sonho reformista-nacionalista desse setor se
esvai quando o poder econômico e a repressão de um dado grupo tomam de assalto o Estado,
no golpe de 1964. Nesta leitura, o golpe também assume um caráter preventivo, ou seja, foi o
acirramento das reivindicações trabalhistas que levou a direita a dar o golpe.

10
FIGUEIREDO. Argelina C. Democracia & reformas: a conciliação frustrada. In TOLEDO, Caio Navarro
(org). op. cit.
11
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. Trabalhadores na crise do populismo: utopia e reformismo. In
TOLEDO, Caio Navarro (org). op. cit.
12
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. Trabalhadores na crise do populismo: utopia e reformismo. In
TOLEDO, Caio Navarro (org). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas
SP: Editora da Unicamp, 1997. p. 58.
13
Idem. p. 66.
22

Na coletânea de 2004, O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois, organizado por


Daniel Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Motta, Lucilia Delgado 14 novamente escreve um
texto de debate historiográfico sobre o golpe. Ela caracteriza as perspectivas historiográficas
do seu trabalho e o de Caio Toledo como um texto que aborda sobre o “caráter preventivo da
intervenção”. Esta perspectiva diz que o golpe foi feito pela direita, pois temia que a esquerda
o fizesse.
No texto Ditadura e Sociedade: As reconstruções da Memória 15, Daniel Aarão dos
Reis fala sobre a memória criada a respeito do regime militar, e por isso retoma o golpe, que
para ele teve início em 1961, quando da posse de Jango. O presidente assumiu com poderes
limitados devido à Emenda Parlamentarista, daí então se desenha uma crise institucional.
Soma-se a isso a inserção do Brasil na conjuntura mundial de guerra fria, disputas
internacionais e o espectro cubano assolando a direita. Reis diz que no conjunto da crise de
1961, manifestações populares se alastraram pelo solo brasileiro reivindicando as reformas de
base para redistribuir o crescimento econômico da década de 1950.
Esses movimentos, segundo Reis, podiam ser chamados de “reformistas
revolucionários”, organizados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Comunista
Brasileiro (PCB), FPN, FMP. E em 1964 a ofensiva reformista revolucionária cresceu,
afirmando que as reformas não poderiam ser feitas pela legalidade, daí o alerta de perigo da
direita ascendeu. Dessa forma, a União Democrática Nacional (UDN), Partido Social
Democrático (PSD), IPES e IBAD se articularam de outro lado, com as marchas da Família
com Deus pela Liberdade pela democracia.
Essas coletâneas são súmulas de debates apresentados no Brasil com os principais
intelectuais que tratam do tema. Verifica-se a predominância da tendência que versa sobre o
golpe como um momento de acirramento entre a esquerda e a direita, em que as duas
vertentes preparavam o golpe e o vencedor foi a direita. Nesse esquema interpretativo, a
direita assumiu o poder em 1964 de formar a prevenir a sociedade contra o “perigo
comunista”.
O fato é que esses intelectuais reproduzem o mesmo argumento da direita no período.
Os setores organizados que prepararam o golpe empreenderam seu discurso atacando o
“comunismo”, justificando o golpe para evitar que os comunistas ganhassem o Brasil e
14
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. 1964: temporalidade e interpretações In REIS, Daniel Aarão; RIDENTI,
Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (org) O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004)
bauru, SP: Edusc, 2004.
15
REIS, Daniel Aarão dos. Ditadura e Sociedade: As reconstruções da Memória. In REIS, Daniel Aarão;
RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (org) op. cit., p. 35.
23

implementassem um “regime totalitário”. Essa era a marca das propagandas do IPES – que
trabalhava para o convencimento da sociedade na adesão ao golpe. Esse debate hegemônico
corrobora o discurso dos ditadores e, por isso, minimiza ou relativiza a responsabilidade
daqueles atores políticos responsáveis por um período de grande perversidade na história
brasileira.
Demian Melo, em um artigo muito apropriadamente intitulado A Miséria da
historiografia16, denuncia essa moda revisionista empalmada por tais autores, responsáveis
pelas principais mesas de debates nos seminários comemorativos do golpe, tais como Caio
Navarro de Toledo, Argelina Figueiredo e Daniel Aarão Reis.
Jorge Ferreira é outro autor de referência dessa abordagem, embora não participante
das coletâneas mencionadas. No texto O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964 17,
ele dá ênfase às organizações de esquerda que pressionaram o governo Goulart pelas reformas
de base. Chama de “radicalização das esquerdas” a “coalizão radical pró-reforma” (citando
Argelina Figueiredo), com os agrupamentos em torno do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
das Ligas Camponesas, da Frente Parlamentar Nacionalista, CGT, dos subalternos das Forças
Armadas mais a União Nacional dos Estudantes (UNE). Sobretudo, ele realça o papel das
Ligas Camponesas na radicalização pela exigência da “reforma agrária na lei ou na marra”.
Essas manifestações populares exigindo as reformas de base, para ele demonstram a
“impaciência” dos grupos de esquerda (note-se o termo dado: “impaciência”). Em sua escrita,
toma a criação do IPES e IBAD como resposta a esse “comunismo”, reação à suspeita de que
as Ligas Camponesas pudessem se tornar uma “guerrilha cubana”. Brizola, no escrito de
Ferreira, assume o lugar de uma grande figura das esquerdas nesse período, mesmo o autor
criticando as interpretações históricas que personalizam o presidente Jango.
Do modo como é conduzida a análise de Jorge Ferreira parece que as esquerdas é que
forçaram a direita a dar o golpe. Mesmo de forma camuflada, esse argumento corrobora com
o próprio argumento dos militares que diziam fazer o golpe para não deixar o comunismo se
18
instaurar. No mais, ele afirma “não havia um projeto a favor de algo, mas contra” , a
questão era depor Goulart.

16
MELO, Demian. A miséria da historiografia. Disponível em http://www.academia
.edu/1964750/A_miseria_da_historiografia . Acesso em 25 de maio de 2013.
17
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In FERREIRA, Jorge; DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática: da democratização de
1945 ao golpe civil-militar de 1964. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
18
Idem, p. 401. Grifos do autor.
24

Embora os outros autores falem também do “desapego democrático”, Figueiredo é


mais incisiva nessa perspectiva. E aqui perguntamos: desapego a qual democracia? Essa
parece ser vista como um sistema ideal, como denomina Badaró Mattos 19.
O termo democracia, por certo, tem tomado a cena da discussão sobre política 20, fala-
se da mesma como se fosse a organização política e social sinônimo de equidade e liberdade.
Mas, como bem disse Ellen Wood 21, sem se pensar as estruturas estruturadas e as
determinações históricas que cada um assume na ordem social (lembrando Bourdieu), sem
pensar como a organização política e jurídica está historicamente construída e distribuída
numa lógica de privilégios (econômico, inclusive), a liberdade não diz muito.
A democracia se tornou o grande termo de apego dos intelectuais brasileiros, uma
panacéia, mas um termo completamente fora de sua historicidade, dotada de uma benesse
utópica, idealista. Lembrando Saramago “a democracia esta aí como se fosse uma espécie de
santa no altar de quem já não se espera um milagre, mas que esta aí como uma referência” 22.
Quando se parte para a análise objetiva e histórica da palavra, verifica-se que esta assume um
tom não mais de participação na direção política, como no sentido liberal pois, como afirma
Ellen Wood 23, a democracia liberal é uma forma passiva da participação na política. Ou seja,
a estrutura capitalista que se sustenta na desigualdade entre capital e trabalho é mantida, pois
a distância dos trabalhadores do centro diretor dos interesses do Estado é tão dificultada que
se perpetuam os lugares desiguais de participação. O campo político permanece inacessível
para a grande maioria e os gerentes políticos da burguesia permanecem construindo seus
interesses. Como disse Francisco de Oliveira 24 é uma “democracia delegada” – quando o
eleitor é “descartado” depois de eleger o político. Assim, sem uma leitura das condições
objetivas dos sujeitos em relações de poder e forças desiguais, a democracia não diz muita
coisa. Pois esse regime se resume em tirar um governo político e repor, sem, no entanto,
modificar a estrutura fundante, qual seja, a do Estado e a esfera política enquanto uma
condição de classe da qual a burguesia tem controle – e que faz dessa esfera o lugar de
representar os seus interesses.

19
MATTOS, Marcelo Badaró. Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia. Disponível
em: http://pt.scribd.com/doc/135593893/hlc1 Acesso em 26 de maio de 2013.
20
Mais recentemente uma coletânea fala sobre essa experiência democrática pós-ditadura, e toma a democracia
como um grande modelo. Referimos aqui aos autores: Sonia Alvarez, Evelina Dagnino e Arturo Escobar.
21
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico. Tradução
Paulo Cesar castanheira. Editora boitempo, 2003.
22
Discurso de José Saramago. Disponível em. http://www.youtube.com/watch?v=m1nePkQAM4w Acesso 09 de
junho de 2013.
23
WOOD, Ellen Meiksins. op. cit.
24
Entrevista de Chico de Oliveira no programa Roda Viva. Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=HOGGLZMPaq8 . Acesso em 24 de maio de 2013.
25

Por isso também esses intelectuais, inclusive usando os marxistas, como Gramsci, têm
se preocupado em impor uma distinção entre “Estado” e a “sociedade civil”. A democracia e a
cidadania são cumpridas na esfera da sociedade civil, sem intervenção na direção política,
produzindo um discurso que garante a diferenciação entre políticos profissionais – coisa de
poucos – na tentativa de distanciar a classe trabalhadora de ousar disputar esse espaço.
Concordamos com estes autores com relação à intensificação da luta dos trabalhadores
nesse período, crise do populismo, organizações fortificadas dos trabalhadores, etc. Mas
entendemos que a classe trabalhadora só pode ser entendida com relação à classe burguesa, a
dominante.
O papel cumprindo pelo próprio Jango, este que Skidmore 25 considera como a figura
central na sua abordagem sobre o desfecho do golpe, só pode ser entendido na relação
totalizante da luta de classes. O que nos interessa compreender é que nenhum personagem
individual é central nesse jogo em que venceu o golpe civil/militar, mas como cada
personagem se tornou importante pela relação das lutas de classes acirrada no momento.
O que temos no Brasil desse período é um intenso cenário formado por lutas de
classes. O empresariado multinacional e nacional associado engordado pelos anos de
Juscelino Kubistchek, os trabalhadores se movimentando pelas reformas, com a criação da
CGT, aglomeração no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), PCB e nas Ligas Camponesas,
dentre outros. E nesse sentido, pela pressão e forças da movimentação popular, o presidente
Jango pendeu para esse lado. Mas isso não quer dizer que o golpe se deu como um raio caído
num dia de sol. O empresariado multinacional e nacional associado já visualizava a
necessidade de intervir no Estado para evitar que os trabalhadores entrassem na cena política,
e, assim, manter seu “gabinete dirigente”. Isso é perceptível pela a organização da burguesia
nos aparelhos privados de hegemonia, que disputavam a opinião pública na sociedade civil,
como é o caso do complexo IPES/IBAD.
O golpe não foi automático, foi se desenhado conforme o acirramento da luta de
classe. Os trabalhadores estavam em cena. A luta de classe é relacional, e foi nessa
intensificação de disputas pelos rumos da política dirigente do país que se fez o golpe de 1964
– que também não era uma saída tão inesperada, tão surpreendente, já que em 1961 a
burguesia já mostrava seu interesse neste.

25
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getulio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 8º edição, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988.
26

Aqui também assumimos a interpretação de Dreifuss, que entendemos ser bastante


ampla do ponto de vista interpretativo, ao perceber como a classe dominante, a burguesia
nacional e o empresariado multinacional estavam articulados. Para Dreifuss 26 o golpe foi civil
e militar, e não se tratou de uma tomada de assalto do Estado em estilo bonapartista, obedeceu
à “conquista do Estado”. Em outras palavras, nos anos anteriores a 1964 os militares e civis
(empresariado brasileiro e internacional) já estavam processualmente articulados na sociedade
civil com a tarefa de organizar um projeto de consenso, na tentativa de educar e convencer os
civis à aceitação da ditadura como forma de sistema político estatal para a reprodução
material e social do capitalismo.
Dreifuss analisa a crise do bloco de poder populista e a emergência de um novo bloco
de poder que, através da ação dos intelectuais orgânicos, conseguiram se instaurar no poder
pós 1964, por meio de um “protobonapartismo”, uma intervenção militar. Na década 1950 o
capital multinacional e associado crescia em capacidade para propor uma diretriz de ordem
política para gerir o Brasil.
Assumir a direção política significava romper o dique para a ampla expansão
capitalista multinacional e repreender as manifestações dos trabalhadores. Dreifuss, em
específico, analisa como o IPES e IBAD se constituíram como o partido da classe. Passada a
fase de reconhecimento dos interesses econômicos, a classe via o imperativo de ter uma
organização e de lutar por sua organização, assim funcionou o complexo IPES/IBAD. 27 O
IPES/IBAD tinha duas modalidades de ação, a ideológica e social e a ação político-militar.
Assumiu, através dos meios de comunicação, da televisão, das rádios, do cinema itinerante,
publicações, dentre outros, a tarefa de manipular a opinião pública. Os intelectuais orgânicos
faziam a propaganda anticomunista e antipopulista; defendiam a ampla plataforma capitalista
em oposição a João Goulart. Montou-se um grupo com o intento de divulgar na televisão e
rádio um bloco de temas para serem debatidos de forma a fortalecer as “Convicções
Democráticas do Povo”. 28
O complexo IPES/IBAD começou também a disputar as vagas legislativas para os
políticos, financiando campanhas, através da Ação Democrática Parlamentar – ADP (bloco de
deputado e senadores na maioria da UDN e do PSD). A ADP funcionava como uma caixa de
ressonância da opinião pública para bloquear as tentativas de reformas propostas pelo
Executivo. “A forma mais eficaz de influenciar o Congresso e de exercer pressão sobre o

26
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
27
Idem. p. 208.
28
Idem. p. 246.
27

governo consistia, para o complexo IPES/IBAD, em assegurar ao bloco do ADP a maioria na


Câmara dos Deputados e no Senado e a elite orgânica passou a se movimentar em função
disso” 29.
O golpe, para Dreifuss, foi só um momento bonapartista: “mas só um momento, e
como tal enganador, no desdobrar de um processo determinado pela disposição das forças
políticas em seu conjunto”. 30 O complexo IPES/IBAD fez uma campanha sistematizada
contra o comunismo, e agiu sob a bandeira do partido da ordem, as Forças Armadas: “O bloco
de poder multinacional-associado emergente afirmar-se-ia, inicialmente, criticando
‘cientificamente’ as diretrizes políticas do bloco histórico populista e envolvendo a opinião
pública em uma cruzada contra o ‘caos e estagnação, corrupção e subversão’” 31.
Quando os militares fizeram a intervenção para efetivar a ampliação do interesse do
capital multinacional e associado no campo político, os principais cargos administrativos
ficaram nas mãos de civis, de quadros do IPES.
O Complexo IPES/IBAD funcionou como aparelhos privados de hegemonia – para
projetar uma forma de ver o mundo, formar consenso em torno de um projeto que pretendia
conquistar o Estado em sentido estrito. O IPES e IBAD divulgavam os princípios educativos,
ou seja, as regras de conduta social e política, formulados pela Escola Superior de Guerra
(ESG), que fez uma espécie de “tratado”, de regimento da ditadura: a Lei de Segurança
Nacional (LSN) com seu conteúdo fundamentalmente anticomunista. Através do
convencimento na sociedade civil, criaram as bases consensuais e de justificativa para o
golpe.
Badaró Mattos faz uma síntese excelente do que é o trabalho de Dreifuss “Seu estudo
nos posiciona sobre as condições que viabilizaram o sucesso da tomada de poder pelo
movimento civil-militar e a natureza das políticas postas em prática nos anos seguintes”. 32
Diferente do que sugere Lucilia Delgado 33, que lê o texto de Dreifuss como parte de
uma corrente interpretativa que privilegia a conspiração do golpe, entendemos a interpretação
de Dreifuss como resultado de uma adoção de metodologia que preza a totalidade do fato. Ao
se apropriar de categorias gramscianas, ele percebe as organizações classistas na sociedade,

29
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.p. 323
30
Idem. p. 143.
31
Idem.
32
MATTOS, Marcelo Badaró. Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia. Disponível
em: http://pt.scribd.com/doc/135593893/hlc1 Acesso em 26 de março de 2013.
33
DELGADO, Lucilia Almeida Neves. 1964: temporalidade e interpretações. In REIS, Daniel Aarão; RIDENTI,
Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (org) O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004)
bauru, SP: Edusc, 2004.
28

como a classe dominante ultrapassa o momento de identificação econômica e passa a se


articular para a “conquista do Estado”, fase de fazer seus interesses econômicos se
expandirem na organização social e política da ordem nacional.
Verificamos com isso a relação de força desigual entre a organização da classe
dominante empreendida contra as organizações dos trabalhadores. Não só a fração da classe
dominante representada pelo capital multinacional e associado estavam organizadas em seus
aparelhos privados de hegemonia (IPES/IBAD), como também os latifundiários, temerosos
pela movimentação em torno da reforma agrária com a movimentação das Ligas Camponesas,
o “patronato rural”, como disserta Sônia Regina de Mendonça 34, estava organizado nas suas
“agremiações de classe”, como a SNA (Sociedade Nacional Agricultura) e SRB (Sociedade
Rural Brasileira) para organizar o golpe e manter as rédeas da política e evitar qualquer tipo
de intervenção dos trabalhadores no latifúndio.
A Sociedade Rural Brasileira (SRB) era totalmente contrária à reforma agrária de
qualquer natureza e no pré-golpe ajudou na tarefa de convencer a sociedade civil contra o
projeto Goulart, promovendo Congressos, palestras e divulgando valores através do seu
principal meio, o jornal A Rural. Aliou-se, nessa empreitada com o Instituto de Pesquisa e
Estudos Sociais (IPES) ajudando no combate ao “risco comunista” e preparando a conquista
do Estado.
A SNA, por sua vez, que teoricamente defendeu em determinado momento da história
uma espécie de reforma agrária, na prática recuava, com o eufemístico discurso de que a
simples distribuição de terra não resolveria o problema, dizendo que este era um problema
muito mais amplo e social. A SNA tinha como meta a defesa objetiva da modernização na
agricultura e, para tanto, se mantinha ainda na defesa de seus métodos da época da República
Velha, com a idéia de concessões de créditos, distribuições de sementes, treinamento de
capacitação para os lavradores, etc.
O “campo foi ao golpe”, como disse Mendonça, fundamentalmente para manter o
latifúndio intocável. Dentre outros motivos o golpe tinha a pretensão de impulsionar o país
para o desenvolvimento do capital e isso não excluía o campo, por isso aquietar os setores
afoitos pela reforma agrária “na lei ou na marra”, com a repressão facilitaria a expansão
modernizante. O golpe representou “portanto, uma dupla reordenação. De um lado, alijou e

34
MENDONÇA, Sonia Regina. O patronato rural no Brasil recente (1964-1993). Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2010.
29

reprimiu os movimentos populares, e de outro, afirmou a hegemonia do capital monopolista


sobre os demais segmentos” 35.
Na ditadura ficou evidenciada a disposição de reprimir os trabalhadores com um
projeto que excluía qualquer tipo de organização popular. E o desenvolvimento capitalista
multinacional foi a grande cartada, o que mostra que havia, sim, um projeto classista para o
golpe e a condução da ditadura que não foi somente militar, pois como aponta Dreifuss 36 os
principais cargos políticos ficaram nas mãos de civis, como as pastas ministeriais que foram
confiadas a membros da SNA.
Foi a burguesia nacional e multinacional, o patronato rural que em suas agremiações
de classe construíram na sociedade civil os mecanismos necessários de consenso para
conquistar o Estado. A movimentação da classe dominante para o golpe só pode ser entendido
se considerarmos também a movimentação da classe trabalhadora (que se organizava nos
partidos e entidades de classe, exigindo uma reordenação política, com a reforma agrária
dentre outras reformas) e que se insinuava de certa forma possível com o governo Goulart. No
processo de luta entre os interesses das classes antagônicas pode ser entendido o golpe.

1.2 O campo político na ditadura: as regras políticas

Depois de escrever sobre o golpe de 1964, e concordar com os autores que


argumentam sobre seu caráter classista, verificaremos a nova configuração do campo político,
as regras do jogo na política institucional e a tentativa de estabelecimento de um projeto
político pautado na repressão das organizações populares e impulsionador do grande capital.
Para tanto as estruturas de produção e reprodução da política, o Executivo, Legislativo e
Judiciário (um campo específico, mas que se configura na totalidade e interligação dos
campos – principalmente nesse período que o Executivo se sobrepôs a ele) sofreram
modificações. Aqui entendemos o Estado em sentido estrito, como administrador da política.
Em um movimento dialético, o campo político é o lugar de produção institucional das regras
políticas, mas que tem na sociedade civil seu lugar de reprodução e sustentação (em jogo
tenso de disputas).
As leis são resultadas da produção no campo político – é o regimento da conduta
social e política, por isso é um instrumento para ler e entender essa configuração – e obedece

35
MENDONÇA, Sonia Regina; FONTES, Maria Virginia. História do Brasil Recente 1964-1980. São Paulo.
Editora Ática, 1988. p. 15.
36
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. 4. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
30

aos interesses daqueles que detêm a hegemonia; são estruturadas pelo discurso dos sujeitos no
Estado para inscrever seus interesses, ditando a ordem de conduta de toda a vida social e
construída pelos monopolizadores dos instrumentos de produção da política.
Leis decretadas no período de 1964-70 são nossas fontes nesta secção. É através da
Constituição de 1967, reeditada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, mais os Atos
Institucionais e Complementares que propomos uma leitura sobre as regras do campo político.
Interessa-nos saber sobre a organização da vida política na ditadura, com a construção dos
partidos e os aparelhos institucionais de produção política.
Com a “conquista do Estado” através do investimento das classes organizadas no
complexo IPES/IBAD e na ESG, o Estado ditatorial colocou em prática a Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento. Essa seria a estrutura mais perene do Estado, o
planejamento de construção hegemônica levado pelas classes dominantes. Além dela, outras
medidas, reajustes e incorporações foram feitos, mediados na relação dialética entre
Estado/oposições, como disse Moreira Alves. Nesse sentido, as investidas de constituição do
Estado se deram com os Atos Institucionais, Atos Complementares e Emendas.
O Estado ditatorial foi gerido sobre os princípios da Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento, criado pela Escola Superior de Guerra com apoio do IPES e IBAD, que
tinha o propósito de manter uma guerra permanente contra o comunismo. Moreira Alves faz
uma discussão detalhada dessa doutrina através dos escritos do seu grande formulador,
Golbery de Couto e Silva. Como um projeto hegemônico, a Doutrina de Segurança Nacional
objetivava a organização da vida política, econômica e social. O propósito maior era
“facilita[r] o investimento estrangeiro e aumentando a taxa de acumulação do capital”. 37 E
para atrair investimentos foram criadas leis rígidas para repreender a organização dos
trabalhadores e o controle salarial.
Instaurados no poder, os golpistas trataram de “arrumar a casa”, como diria Alves 38. O
general Castelo Branco assumiu a presidência (1964-67) e começou a executar a “operação
limpeza”; a expurgar todos os opositores e então seria preparado o propagado
restabelecimento “democrático”. O alvo foi a destruição das Ligas Camponesas, capturando
os principais líderes; acabar com a Frente Nacional Parlamentar, e manter sob estreita
vigilância todas as organizações da classe trabalhadora.

37
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1985. p.
74.
38
Idem.
31

Aquietar qualquer forma organizativa contra o capital foi uma meta, expurgar qualquer
possibilidade de ligação ao comunismo, qualquer coisa que prejudicasse o investimento do
capital estrangeiro. Instauraram-se Inquéritos Policiais Militares (IPMs) nas universidades,
houve uma rigorosa lei trabalhista que proibia greves. Além de, evidentemente, expurgar os
políticos indesejáveis - possíveis percalços para o desenvolvimento do regime.

Os interesses econômicos da aliança de classes que apoiou o golpe combinaram-se a


elementos desta doutrina para impor ao Estado um caráter autoritário. Mas a efetiva
edificação do Estado de Segurança Nacional resultou de um confronto dialético com
a oposição. Foi um processo contínuo de reformulações de planos e normas e de
expansão da abrangência coercitivo 39.

Embora houvesse essa meta diretiva, baseada na Doutrina de Segurança Nacional, a


estruturação do governo se fez parcimoniosamente por Atos Institucionais, ou seja,
modificando-se conforme o confronto com as oposições e pela disputa da própria classe
dominante.
Depois de executada a “operação limpeza”, o Ato Institucional de número 1, fez-se
para estabilizar o regime, em 9 de abril de 1964. Frisou-se o caráter civil e militar do golpe, e
a necessidade da continuidade da “revolução”, pois esta não se acabava meramente no Ato,
mas na sua continuidade para: “tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão
comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do govêrno como nas suas
dependências administrativas”. 40 E ainda se julgava legítima a “revolução” pelo apoio civil:
“a revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não
o interêsse e a vontade de um grupo, mas o interêsse e a vontade da Nação.” 41
Sobretudo, este Ato impunha a soberania do Executivo sobre todos os outros poderes.
Como o dito no seu preâmbulo: “Fica, assim, bem claro que a revolução não procura
legitimar-se através do Congresso. Êste é que recebe dêste Ato Institucional, resultante do
exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação.” 42
O Estado se configurou com uma predominância do Executivo sobre todos os outros
poderes, e o executivo foi dirigido pelos militares, mesmo com a presença dos tecnocratas e
civis nos Ministérios. Para Virgínia Fontes e Sonia Mendonça 43 o AI-1 foi o fim da lua-de-

39
Idem, p. 53.
40
Ato Institucional de número 1 de 9 de abril de 1964. Disponível em http://www2
.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-1-9-abril-1964-364977-publicacaooriginal-1-sr.html.
Acesso em 11 de set de 2012
41
Idem (sic)
42
Idem.
43
MENDONÇA, Sonia Regina; FONTES, Maria Virginia. História do Brasil Recente 1964-1980. São Paulo.
Editora Ática, 1988.
32

mel entre os políticos da UDN e os militares, pois sobrepunha o poder Executivo sobre todos
os outros. Para Moreira Alves , 44 o AI-1 caiu como surpresa para os civis que planejaram o
golpe e gerou discórdia.
A predominância do Executivo sobre os outros poderes produziu a base da
“legalidade”. Havia ainda, segundo Maciel 45, uma contradição entre a constitucionalidade e
uma legalidade paralela ditada pelos Atos Institucionais. Ou seja, manteve-se a Constituição
de 1946, mas conforme os acirramentos das disputas contra a legalidade ditatorial, os Atos
Institucionais eram decretados.
Embora o golpe tivesse um projeto definido de classe, o governo parecia não haver
definido como manter-se na dominação. E aqui apostamos no seguinte argumento: a
dominação burguesa, dirigida pelos militares no Executivo, manteve um projeto coerente de
dominação, de expansão do capital multinacional, de repressão dos trabalhadores, da censura
da imprensa, e ao mesmo tempo manteve certos canais, bem controlados, de participação
política, para parecer uma democracia. Além do mais, essa abertura política, mesmo diminuta,
serviu para contemplar a participação de frações da classe dominante, que não era
homogênea.
O período se caracterizou por uma instabilidade política, no sentido de que, as regras
da política institucional eram modificadas no meio do jogo. Portanto, os políticos ficaram a
reboque das intervenções do Executivo.

Iniciava-se um jogo político sobredeterminado pela imprevisibilidade. Na prática


isto correspondia à restrição do debate político, inviabilizando o desempenho efetivo
quer do papel da oposição, quer do partido governista. Esvaziava-se a função
tradicional do congresso, de propor e elaborar leis, cabendo-lhe apenas o espaço
restrito da discussão da matéria encaminhada pelo Executivo 46.

A ditadura não foi aceita por uma parcela da população e os conflitos gerados pelas
organizações na sociedade civil trouxeram a necessidade de certo recuo ou maior repressão
por parte dos dirigentes. O regime não apostou pura e simplesmente na coerção, mas também
no consenso e por isso se instituiu mantendo uma legislação que configurava uma aparência
democrática, o direito como “tarefa educativa e formativa”.
A ditadura buscava se legitimar pela dita aceitação da sociedade – embora não
explicitasse de quais setores sociais. Os militares estavam assegurados por setores civis e

44
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1985.
45
MACIEL, David. A Argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova república (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004.
46
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1985.
33

explicitaram isso na escrita do Ato Institucional. Declarava-se a permanência da Constituição


e do Congresso Nacional, e que haveria somente algumas intervenções pelo presidente.
Os Atos foram impostos por etapas, o que denota uma dinâmica nesse processo de
institucionalização, em confronto com os movimentos contra-hegemônicos que se expandiam
na sociedade civil, que não foram aniquiladas em 1964. Diz Maciel que: “Eles foram sendo
derrotados ao longo de todo o processo de institucionalização da ditadura, pois se
recompunham ou desenvolviam novas formas e métodos de luta política” 47.
Não foi de um único e certeiro golpe que se aniquilou as oposições – embora fosse
essa a tentativa. O regime foi construído na tentativa de consenso, com a promulgação dos
Atos Institucionais, com um discurso de defesa da democracia contra a “purulência”
comunista.
Parece que houve uma caminhada lenta para a construção do consenso para o golpe
civil/militar na sociedade e, depois de dado o golpe, houve novamente esse trajeto pela
sociedade civil para construir consenso com os Atos Institucionais sempre alegando seu
baluarte democrático.
Na tentativa de manter a fachada democrática, os militares mantiveram os partidos
políticos durante os dois anos subsequentes ao golpe, mas em 1966, temerosos com os rumos
da sua “revolução”, devido às ameaças enfrentados com os opositores ainda permanentes no
cenário político, resolveram reformular o quadro partidário. Assim, novas intervenções para o
legislativo vieram com o Ato Institucional nº 2, em 27 de outubro de 1965, que, no seu artigo
18, extinguiu os partidos políticos e determinou a organização dos novos que deveriam
obedecer “as exigências da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações.” 48
Segundo Lamounier 49, o Ato foi resultado da derrota que os candidatos do governo, da
UDN, tiveram nas eleições diretas, em 1965, para governadores em 11 estados, com a perda
de estados estratégicos como Rio de Janeiro (então Guanabara) e Minas Gerais, vencidos pela
coligação de Kubitschek e PSD.
Acabar com os partidos políticos foi uma medida de romper com a relação entre
sociedade política e civil: “Dessa forma, a extinção dos partidos significou uma intervenção
brutal do governo militar sobre a organização autônoma da sociedade civil, atingindo

47
MACIEL, David. A Argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova república (1974-1985), São Paulo,
Xamã, 2004. p. 37
48
Ato Institucional de número 2, disponível em http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-
1969/atoinstitucional-2-27-outubro-1965-363603-publicacaooriginal-1-pe.html
49
LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO, Rachel. Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o caso
Brasileiro, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986.
34

especialmente os segmentos ligados à mobilização popular”. 50 O objetivo maior era aniquilar


os herdeiros diretos do PTB e do PSD, na varredura contra qualquer resquício dos partidos
representantes do bloco histórico trabalhismo-populista.
O AI-2 definia:
Art. 5º A discussão dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da
República começará na Câmara dos Deputados e sua votação deve estar concluída
dentro de 45 dias, a contar do seu recebimento.
§ 1º Findo êsse prazo sem deliberação, o projeto passará ao Senado com a
redação originária e a revisão será discutida e votada num só turno, e deverá ser
concluída no Senado Federal dentro de 45 dias. Esgotado o prazo sem deliberação,
considerar-se-á aprovado o texto como proveio da Câmara dos Deputados.
(...)
§ 3º O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a
apreciação do projeto se faça em 30 dias, em sessão conjunta do Congresso
Nacional, na forma prevista neste artigo.
§ 4º Se julgar, por outro lado, que o projeto, não sendo urgente, merece maior
debate pela extensão do seu texto, solicitará que a sua apreciação se faça em prazo
maior, para as duas casas do Congresso. 51

O AI-2 foi desenhado para estreitar os limites da arena política, ao estabelecer as


cassações dos direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, “e cassar mandatos
legislativos federais, estaduais e municipais”, (no seu art. 15) impedindo ainda que fossem
substituídos, além disso: “Art. 31. A decretação do recesso do Congresso Nacional, das
Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar
do Presidente da República, em ‘estado de sítio’ ou fora dele”. 52
O AI-2 foi feito no momento em que passava da fase da “operação limpeza”, pós
golpe, e organizava-se a “normalidade política”; fase de estabelecimentos, de tolher os
sindicatos ou qualquer manifestação política, de investir nas medidas do arrocho salarial para
superação da crise, fazer as poupanças forçadas, como o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) para os trabalhadores e também tolher as oposições dentro do campo político,
pois, segundo Moreira Alves quando as manifestações na sociedade civil estavam reprimidas,
o Congresso passou a ser uma possibilidade de contestação, e logo tornou-se alvo da coerção,
daí deriva-se a iniciativa do AI-2.
O Ato Complementar nº 4 (redigido por Juracy Magalhães 53 e H. Castelo Branco), de
20 de novembro de 1965, sistematizou as regras para organização dos novos partidos.

50
MACIEL, David. op. cit. p 48.
51
Ato Institucional de número 2. Disponível em http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-
1969/atoinstitucional-2-27-outubro-1965-363603-publicacaooriginal-1-pe.html
52
Idem.
53
Estava na pasta da justiça quando redigiu o AI-2.
35

Qualquer organização que não seguisse a resolução do Ato estaria condenada ao seu
fechamento pelo Ministério da Justiça:

Art. 1º Aos membros efetivos do Congresso Nacional, em número não inferior a 120
deputados e 20 senadores, caberá a iniciativa de promover a criação, dentro do prazo
de 45 dias, de organizações que terão, nos têrmos do presente Ato, atribuições de
partidos políticos enquanto êstes não se constituírem 54.

Instituíam agremiações provisórias, sem a denominação partidária. De fato, não se


instituía o bipartidarismo, mas as limitações para registro de fundação do partido eram tão
restritas que somente duas legendas se consolidaram, o MDB e a ARENA.
As normas para se candidatar nas legendas, por sua vez, impunham empecilhos para
os políticos indesejáveis (em outro momento, já expurgados do cenário político pelos
ditadores). Além do mais, as atividades parlamentares estavam limitadas pelo “decurso de
prazo”, “voto de liderança”, “fidelidade partidária”, limitações para instaurar Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPI), dentre outras restrições que podavam o Legislativo e os
políticos da atividade de fiscalização administrativa. O fato é que o sistema manteve canais de
“participação política, ao mesmo tempo em que construíram um sistema político
extremamente fechado no tocante às decisões essenciais” 55.
Os militares mantiveram-se tolhendo os direitos políticos até 1968, quando o regime
rigidamente se fechou com o decreto do Ato Institucional de número 5, em 13 de dezembro de
1968, e estabeleceu-se maior estreiteza para se fazer política no Brasil. Uma nova
Constituição já havia sido formulada (em 1967) tendo então que ser reeditada com a Emenda
Constitucional de número 1, em 1969, para incorporar o AI-5.
Mesmo com a tentativa de aniquilar as organizações trabalhistas e as oposições, estas
permaneceram organizadas durante todo o período de existência da ditadura, em experiências
as mais diversificadas: na luta armada, no Movimento Intersindical Antiarrocho (MIA), em
São Paulo, na Frente Intersindical Antiarrocho (FIA), no RJ, nos movimentos grevistas em
Contagem (MG) e São Bernardo dos Campos (SP), no movimento estudantil, etc. Os conflitos
se intensificaram na sociedade ainda com a passeata dos 100 mil e a resistência do Congresso
em não votar a cassação de Marcio Moreira Alves. Para Alves 56 foi este o fato que culminou
com o AI-5.

54
Ato Complementar de número 4: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atocom/1960-1969/atocomplementar-4-
20-novembro-1965-351199-publicacaooriginal-1-pe.html
55
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988. p. 17
56
ALVES, Maria Helena Moreira. op. cit.
36

O AI-5 se impôs por tempo indeterminado, fechou o Congresso de dezembro de 1968


a 30 de outubro de 1969, ditou mais enfaticamente a supremacia do Executivo sob todos os
outros poderes e impôs as eleições indiretas para presidente. Depois, com Emenda
Constitucional ainda deliberou: “§ 1º O colégio eleitoral será composto dos membros do
Congresso Nacional e de delegados das Assembléias Legislativas dos Estados” 57aumentado o
mandato para 5 anos de presidência.
Com essa institucionalização a participação política era estritamente controlada,
cabendo aos iniciados ao campo político cautela na sua atuação. Também ficava mais restrita
a entrada de sujeitos, monopolizando ainda mais os instrumentos de produção e reprodução da
vida política.
Para outorgar a Constituição de 1967, depois de confronto com o Legislativo, o
Executivo fechou o Congresso, em 20 de outubro de 1966. O AI-5 estabeleceu os precedentes
para a ordenação de forma autoritária ao fechar o Congresso e se valer disso para promulgar
as leis. Assim se firmou a sistematização das regras para praticar o jogo dentro do campo
político.
Outra questão deve-se pontuar: durante a imposição dos Atos e da Constituição a
justificativa pró-democrática foi mantida. Nos preâmbulos dos Atos havia sempre o dizer que
a “revolução” foi feita em nome da democracia. E mais, manteve elementos formalmente
democráticos: os partidos no modelo da democracia dos Estados Unidos da América, e ainda
a substituição de presidentes, por via de eleições indiretas, diferente das ditaduras no resto da
América Latina que se centraram na figura de um ditador.
Kinzo 58 problematiza esse caráter “híbrido” da ditadura que manteve alguns elementos
democráticos. Para ela uma explicação é que mantiveram elementos democráticos para
manter o apoio da opinião pública internacional, mais especificamente dos EUA que, como
apoiadores, não queriam ter seu nome relacionado com uma ditadura, sobretudo, porque o
golpe foi dado com o intuito de conter a “ditadura comunista”. A outra explicação é que esse
“hibridismo” se deu porque não havia um projeto uniforme para o governo por parte das
diversas forças golpista, além do caráter inicial do golpe de combater o comunismo.
A segunda explicação parece mais aceitável. Concordamos com Maciel que afirma
que não havia um projeto acabado sobre o governo, e este se definiu no conflito entre a
sociedade civil e a necessidade de repressão, e pela própria disputa no seio do bloco de poder,

57
Emenda de número 1, disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/emecon/1960-
1969/emendaconstitucional-1-17-outubro-1969-364989-republicacao-28547-pl.html
58
KINZO, Maria D’Alva G. op. cit.
37

das frações (grupos) militares 59. Pois, além das oposições na sociedade civil e política, dentro
das Forças Armada havia uma disputa entre as frações militares entre aqueles que defendiam
uma abertura política e os que queriam o fechamento do regime com mais repressão (grupos
que ficaram conhecidos, respectivamente como os “castelistas” e a “linha dura”). E mais, os
ditadores queriam manter a imagem positiva de apoio e do consenso na sociedade civil.
Buscava-se um consenso passivo.

1.3 A proposta do grupo Autêntico

O MDB e a Arena foram criados com o Ato Complementar de número 4, que impunha
aos parlamentares a criação dos partidos em 45 dias. Os treze partidos existentes até então
foram extintos e os políticos tiveram que conviver em novos aglomerados partidários. Por
isso, as organizações não obedeceram necessariamente uma ordem ideológica. Os antigos
partidos se diluíram nos novos grupos.
Assumimos a posição de Maciel que diz que a Arena (e isto se estende ao MDB) era
um partido institucional, ao invés de ser um aparelho privado de hegemonia localizado na
sociedade civil, era “ao contrario, um aparelho do Estado, com vistas a obter legitimidade
junto à sociedade para reforço de seu caráter autocrático e da institucionalidade vigente.
Legitimidade obtida através do voto e não da mobilização popular” 60.
A Arena seria o partido do governo e o MDB funcionaria como uma forma de mostrar
à opinião pública que havia uma disputa política, montado o jogo de uma suposta democracia.
O MDB foi então constituído por parlamentares majoritariamente pertencentes ao antigo
Partido Social Democrático (políticos do PSD foram o setor dirigente no tempo de existência
do partido) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Já a Arena, majoritariamente por
egressos da UDN.
Nesse texto, todavia, trataremos com prioridade do MDB e dos grupos que se
formaram no seu interior, mas precisamente o que compõe o objeto dessa pesquisa, os
Autênticos. Durante a existência do MDB grupos se formaram com uma proposta de crítica do
regime e Kinzo 61 identifica alguns: até 1968 os imaturos, de que fez parte o deputado Marcio
Moreira Alves (no episódio em que denunciou a invasão da UnB pela policia e fez um
discurso pedindo um boicote nacional ao desfile de 7 de setembro, pedindo que as mulheres

59
MACIEL, David. A Argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova república (1974-1985), São Paulo,
Xamã, 2004.
60
Idem. p 49.
61
KINZO, Maria D’Alva G. op. cit.
38

não namorassem os militares). Em 1970, houve a existência dos Autênticos, em 1975, os


neoautênticos, e a partir de 1979 a tendência popular.
Além destas tendências críticas ao regime que surgiram ao longo do processo político,
havia dois grupos centrais no MDB, os Moderados que mantinham o controle dos principais
cargos de liderança, grupo composto por Ulysses Guimarães – presidente do Partido, Thales
Ramalho, Tancredo Neves, dentre outros. E os Adesistas, que se definiam por uma linha de
atuação a favor da ditadura. (Aqui uma breve apresentação, ao longo do texto é que
analisamos as relações e as perspectivas desses grupos dentro do MDB.)
Mesmo com esse dito “pecado de origem”, que gerava desconfiança sobre a atuação
parlamentar no Brasil, alguns políticos entraram nesse espaço para disputá-lo, quebrar as
inércias existentes. E aqui fazemos uma abordagem sobre a criação do grupo Autênticos.
O grupo Autêntico foi assim denominado por sugestão de Francisco Pinto, em episódio
que ele contou em entrevista publicada no livro de Ana Beatriz Nader. Disse que a imprensa
costumava chamá-los de ortodoxos. E uma namorada de Chico Pinto sugeriu o nome
Autêntico como antônimo da palavra inautêntico. Assim Pinto sugeriu ao jornalista Evandro
Paranaguá, que passou a usar o epíteto que, finalmente, se consagrou. 62
Neste depoimento Francisco Pinto contou também como foi sua passagem para o
plano da política federal. Depois da absolvição (Pinto ressaltou o fato de que, advogado de
profissão, ele fez sua própria defesa) na justiça militar, quando deposto e processado enquanto
prefeito de Feira de Santana-BA, foi convidado por Waldir Pires, para se candidatar deputado
nas eleições de 1970. Chico Pinto relatou que não gostou da ideia, pois sabia que o Congresso
estava descredibilizado depois do AI-5 - por causa das cassações de deputados. Negou o
pedido a Waldir Pires, mas disse que conseguiria um candidato. Depois de fracassada sua
empreitada, assumiu a tarefa de disputar as eleições. E assim se elegeu, com 34.298 votos 63.
Quando eleito, a estratégia era, no Congresso, criar uma Frente Parlamentar,
aglomerar mais vozes e sair do isolamento. Chico Pinto relatou que contatou deputados cujas
candidaturas foram apoiadas pelo Partido Comunista. O PCB era ainda o único setor de
esquerda que acreditava na luta parlamentar 64.

62
Ana Beatriz Nader faz uma historia Oral de vida, uma transcriação das narrativas de trajetória de alguns dos
Autênticos, livro que nos serviu de fonte. Ver NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da
democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
63
Disponível em: http://estatistica.tse.jus.br:7777/dwtse/f?p=1945:1:57007655515273::NO:RP:P0_HID_
MOSTRA:S. Acesso em 08/10/2012.
64
FERREIRA, Jorge.; REIS, Daniel Araão.(org.) Revolução e democracia(1964-...) Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007.
39

Chegado ao Congresso a partir de 1971, alguns deputados, por afinidades discursivas,


se reuniram para formar um grupo com o intento de levantar a bandeira pró-democracia. Em
relatos no livro de Nader alguns dos Autênticos falaram que os encontros se davam em
diversos lugares; havia um certo temor pelos desconhecidos ingressos no grupo (pois qualquer
organização política poderia sofrer repressão), não havia uma coerência ideológica entre os
componentes, a defesa da democracia era o que os unia. Os deputados não se conheciam
anteriormente. Há uma certa convergência no reconhecimento de que Chico Pinto era um dos
principais articuladores do grupo, sendo chamado de “reitor” 65.
Os Autênticos são contabilizados em 23 deputados federais, eleitos em 1970. A
contagem é definida pelo livro de Ana Beatriz Nader. Ela por sua vez, se baseia na contagem
dos Autênticos pelo número de assinantes no documento do episódio da “anticandidatura” de
Ulysses Guimarães, episódio que será analisado mais adiante. Ao que parece, para os
deputados, foi o episódio mais importante na história do grupo. A maioria dos políticos desse
grupo eram profissionais liberais, oriundos de vários pontos do território nacional, alguns com
inserção na política antes do golpe, que depois do fim do bipartidarismo foram para outros
partidos. Em anexo expomos os nomes, filiação partidária, cassações e profissões. (Ver anexo
1)
Organizado o grupo, eles passaram a agir de forma coordenada. Não tinham uma
posição ideológica desenhada, havia gente de diversos partidos, de trajetórias diferenciadas.
Nadyr Rossetti 66 disse que a única possibilidade de ligação ideológica dos Autênticos pode ter
sido fruto da articulação destes nos movimentos de base, antes do golpe. O que se pode
afirmar é que eles se uniram com um objetivo único de combater a ditadura, acreditados da
democracia como organização política. E fizeram do Congresso um espaço para denunciar os
atos do governo.
O grupo trouxe questões provocantes de discussão dentro de um Congresso quase
imóvel, como direitos humanos, legitimidade do regime. Havia uma espécie de divisão das
tarefas entre os Autênticos, dos temas a serem tratados na tribuna. Lysâneas Maciel, até por
uma militância na Igreja era mais ligados aos temas dos direitos humanos, Gadelha a

65
“Em 1971, logo após a formação do grupo autêntico – com pretensões de se transformar no Bloco Parlamentar
Nacionalista, quando o regimento interno da Câmara de deputados ainda permitia a legalização de frações
subpartidarias – Alencar Furtado foi eleito, junto com Francisco Pinto e Paes de Andrade, um dos coordenadores
do grupo.” JORNAL MOVIMENTO. 7/3/1977. Ed. 88, P.3.A vitória de Alencar.
Chico Pinto diz no livro de Nader que eles brincavam entre si, colocando os postos hierárquicos do exército nos
membros do grupo, Alencar era o “coronel” e ele, Marechal, o maior posto hierárquico.NADER, Ana Beatriz.
Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
66
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
40

economia, e outros 67. Não havia uma unidade rígida na atuação do grupo, agiram em diversas
frentes, na denuncia do modelo econômico, social e político da ditadura, na proposição de
projetos para o Brasil, e assim faziam as movimentações possíveis.
Gadelha, narra, por exemplo, uma das formas de atuar:

Quando alguém noticiava um fato novo, ocupávamos o horário do ‘pinga-fogo’, que


são apenas três minutos. Para superar o limite de tempo, tínhamos como estratégia
comparecer no ato da inscrição em bloco e nos escrevíamos seguidamente, sem
escala. Desta maneira, conseguíamos ter sempre por volta de dez Autênticos, em
série, falando sobre o mesmo assunto 68.

Com essa estratégia o assunto do “pinga-fogo” iria forçosamente ser noticiado na Voz
do Brasil, uma estratégia para expandir o discurso, para além dos limites parlamentares.
Nadyr Rosseti também conta que faziam livrinhos de resumo sobre a atuação dos Autênticos
para distribuir ao povo 69.
As estratégias dos Autênticos eram diversas. O grupo priorizava o objetivo de
denunciar a farsa democrática, para isso usava diversos artifícios, dizia Alencar Furtado:
“alguns iam para a tribuna, para o plenário, enquanto que outros iam para as comissões, além
de comparecermos sempre que convidados, às universidades, sindicatos...” 70.
No período, o Congresso havia saído do recesso forçado pós-AI-5, com o processo de
cassações. Havia uma descrença geral sobre a participação no espaço da política institucional,
o próprio Francisco Pinto confessou isso no seu depoimento. Mesmo assim, ousaram no MDB
a criar uma área de disputa entre os setores internos e contra a ditadura. Nesse sentido, a luta
dos Autênticos perpassava por disputar dentro do próprio partido, contra os Moderados, às
vezes também fazendo acordos com estes, lutando contra os Adesistas.
Até 1970 o MDB não obteve vitórias eleitorais, perdendo até para os votos nulos (ver
tabela abaixo). Havia outras frentes de luta, como a armada, com a ALN (Aliança Libertadora
Nacional), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), dentre outros, o movimento
estudantil, etc. E dentre os outros setores da esquerda havia uma descrença geral da
possibilidade de organização e luta partidária, muitos pregavam o voto nulo para destruir a
farsa democrática tentada com a manutenção de um Congresso que não podia fazer muito.
Somente o PC (Partido Comunista) ainda acreditava na via parlamentar.
No entanto, verificamos que a aceitação do MDB pela sociedade foi se modificando
no devir. Podemos atribuir esse fenômeno em parte à ação dos Autênticos, pois o crescimento
67
Idem.
68
Idem., p. 309.
69
NADER, Ana Beatriz. Op. cit. P. 331.
70
Idem., p 49.
41

é proporcional à atuação destes. Um exemplo foi o aumento de votos em 1974. Fernando


Cunha atribuiu ao episódio da anticandidatura de Ulysses Guimarães em 1973 o fator
proporcionador da vitória das eleições pelo MDB em 1974.
Senado Câmara Federal
Anos ARENA MDB Nulos e ARENA MDB Nulos e
Brancos Brancos
1966 44,7 34,2 21,2 50,5 28,4 21,0

1970 43,7 28,6 27,7 48,4 21,3 30,3


1974 34,7 50,0 15,1 40,9 37,8 21,3
1978 35,0 46,4 18,6 40,0 39,3 20,7
Esta tabela de forma mais completa está no livro de Maria D’Alva Gil Kinzo (1988) p. 73: Resultados
nacionais das eleições legislativa, 1966-78 (%).

Pela leitura dos números das votações pode se interpretar o crescimento da


credibilidade/legitimidade do MDB. Em 1970, os votos nulos e brancos passaram o valor dos
votos do MDB para a Câmara Federal. Depois da atuação do grupo Autênticos, a partir de
1970, os números das votações aumentaram. E o MDB emparelhou com a Arena. Além de
outros fatores, pode-se atribuir isso, a possibilidade de disputa que os Autênticos abriram
quanto à utilização do único partido oposicionista legal.
O objetivo do capítulo foi mapear o cenário. Seguimos, pois a metodologia de
Bourdieu, sobre as estruturas estruturadas do campo. Procuramos entender a construção do
campo, das suas regras, das possibilidades de se fazer política, da formação dos partidos e da
criação dos Autênticos, no golpe e na ditadura porque tudo isso é fundamental para que o
leitor acompanhe nossa análise das iniciativas especificas de Francisco Pinto. É o que faremos
nos próximos capítulos.
42

CAPÍTULO II

Os discursos de Chico Pinto e a decifração dos signos do poder (1971-74)

Nos parágrafos seguintes faz-se uma análise dos discursos de Francisco Pinto, do
período de 1971 a 1974, primeira legislatura do deputado. Lemos os discursos de Chico Pinto
em dois aspectos. Primeiro trata-se de pensar como o seu discurso se tornou possibilidade de
luta na ditadura, com as denúncias. A segunda, procura-se neles elementos que mostrem uma
leitura da realidade social e política instituída com o regime.
O recorte temporal compreendido neste capítulo se refere aos anos iniciais da ditadura,
fortalecida consensualmente pelo “milagre econômico”, o crescimento econômico promovido
pelo crescimento dos números da economia, crescimento concentrado que fortaleceu o apoio
da burguesia ao projeto ditatorial. Junto a esse crescimento concentrado houve a repressão e
arrocho salarial da classe trabalhadora. Nessa temática central se concentram os discursos de
Chico Pinto.
Os discursos de Chico Pinto dão pistas sobre o produto simbólico negociado pelo
político profissional, e através desses identificamos as posições tomadas por Francisco Pinto.

2.1 As tomadas de posição, o produto simbólico e outros elementos no discurso de Chico


Pinto

O primeiro discurso de Francisco Pinto, na ordem do dia no expediente da Câmara de


Deputados, na sessão de 18 de maio de 1971, expõe por que ele escolheu fazer política no
Congresso. Reconheceu que havia uma descrença generalizada quanto à possibilidade de
intervenção nesse espaço e que não era preciso ir muito longe para verificar as raízes de tal
descrença: “Ninguém tem dúvida de que o campo de atuação parlamentar, hoje, nesse País é
excessivamente estreito e moderadamente restrito” 71. No entanto, acreditava que existindo
aquele local para se movimentar, deveria se criar o movimento possível, pois havia também
aqueles que queriam fazer do Congresso um lugar de obediência cega ao que vinha do
Executivo. O Congresso funcionava sem maiores discussões políticas, tornando-se um lugar
de debate técnico, ao mesmo tempo em que legitimava a ditadura.

71
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional. p. 3.
43

Com o primeiro discurso, Chico Pinto, inscreveu seus objetivos para com o
Congresso, e possibilita considerar em que medida aquele lugar se constituiu como campo de
disputa, diferentemente do que inicialmente a ditadura havia projetado. Nesse discurso Pinto
insinuou a existência de uma ditadura, e foi combatido pelo aparte de Dayl de Almeida
(Arena), que dizia que a situação do país era uma reestruturação democrática e não uma
ditadura.
Essa é uma questão que nos interessa, pois, constantemente esse argumento foi
reiterado pelo Executivo e pelos civis, como no caso de alguns deputados da Arena, que
negavam a existência da ditadura. Ao pensar na insistência desse discurso por parte dos
ditadores, é que verificamos a importância da atuação dos Autênticos, e em especial de Chico
Pinto, nosso personagem central, pois agiam no sentido de contraponto. O Congresso tornou-
se, assim, efetivamente o espaço de disputa simbólica, da disputa contra um discurso que se
pretendeu consensual, hegemônico.
A mera existência do Congresso não expunha tão nitidamente as possibilidades de se
fazer política. Em sua resposta ao aparte, Chico Pinto disse que, embora houvesse a existência
da Casa, notoriamente as atividades legislativas estavam limitadas pela Constituição:

É sabido que não poderemos apresentar projetos que disponham sobre matérias
financeiras (Art. 57 – inciso I da Constituição); que implicam em aumento de
despesa (Art. 57, parágrafo único). Além disso estão inseridos na Emenda
Constitucional n°1 os prazos fatais e prioritários para a aprovação de mensagem do
Poder Executivo em 40 e 45 dias (Art. 51 ‘caput’ e §§ 2° e 3°). Estamos impedidos
de fazer qualquer alteração ou emenda nos decretos-leis que nos são submetidos
para referendar (Art. 55 em seus §§). Existem restrições à constituição de comissões
parlamentares de inquéritos e as exigências impostas pelo Artigo 30 parágrafo único
letra ‘E’ as tornaram simplesmente inviáveis. Vale acrescentar que também foram
abolidos os pedidos de informações, retirando-se do Poder Legislativo uma de suas
melhores armas de fiscalização administrativa 72.

Chico Pinto era advogado, e por isso o conhecimento das leis fazia parte do seu
habitus. Nesse discurso descreve as regras para se fazer política no Congresso. Fez uma
análise de conjuntura da situação do Estado. Denunciou a suposta democracia quando
afirmou que o Presidente da República é quem mandava e desmandava e que tal presidente
falava da revogação do AI-5, mas ninguém sabia quando, pois isto só ocorreria quando o
presidente quisesse: “Êle, o Papa da nossa democracia”.
No discurso aproveitou ainda para pedir esclarecimento sobre o desaparecimento do
ex-deputado Rubens Paiva. “Daí a indagação que poucos ousam formular, mas que é preciso

72
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional. p. 5.
44

que se faça, nesta Casa, a todo instante e tôda hora: onde está o ex-Deputado Rubens Paiva?
Prêso? Desaparecido a 4 meses” 73.
O ex-deputado Rubens Paiva 74 foi um dos políticos expurgados do cenário no período
da “Operação Limpeza”, foi alvo dos golpistas, era do PTB. A prática política do
interrogatório, a que o governo recorreu inúmeras vezes, incluía a tortura e o desaparecimento
de pessoas. Francisco Pinto, nesse momento, denuncia essa suposta democracia e o
desaparecimento de presos políticos.
Chico Pinto também fez sua leitura sobre o AI-5, pois era sob sua égide que
funcionava o Legislativo, era também por meio dele que as atividades estavam limitadas:

O Ato existe, sobretudo contra esta Casa. No entanto, aqui não faltam os que
defendem, esquecidos de que podem ser vítimas dele. Quantos foram os que
apanharam no passado e foram tragados por êle? Êle existe ainda para atingir e
eliminar qualquer nova, legítima e independente liderança militar, política, operária
ou estudantil 75.

O Ato Institucional de número 5 foi o grande instrumento de repressão ditatorial. E


assim como a instauração da própria ditadura, este foi justificado pela permanência da
subversão, do comunismo e do terrorismo. E Chico Pinto nega esse argumento: “Êste não é
um argumento sério. Deixa a impressão de que êle é utilizado porque o terrorismo, em
determinado instante, tem servido como aliado dos que querem justificar a permanência dos
atos de repressão contra tôda a nação” 76.
A Lei de Segurança, o baluarte de organização do Estado, foi também criticada por
Chico Pinto:

A Lei de Segurança Nacional, portanto, é um instrumento a serviço dos aliados do


poder. É um instrumento da oligarquia e do imperialismo contra o povo. Ela existe
para garantir os objetivos nacionais contra os antagonismos. Êstes, são tudo aquilo
que o Gôverno entende como objetivo nacional, que são os objetivos do Gôverno, e
não os objetivos do povo, criando a intolerância 77.

Chico Pinto corrobora com a leitura de que a ditadura se impôs para privilegiar o
capital multinacional junto com a exploração do povo, e por isso, a explicação da imposição

73
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional (sic). p. 18.
74
Em pronunciamento no livro de Ana Beatriz Nader, Francisco Pinto disse que foi Eunice Paiva, esposa do ex-
deputado quem lhe pediu para perguntar pelo deputado. Somente com as ações da Comissão Nacional da
Verdade no ano de 2013 decretou-se a morte de Rubens Paiva.
75
PINTO, Francisco. op. cit., p. 18 (sic).
76
Idem, (sic).
77
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional (sic) p. 19.
45

das leis repressivas: “No Brasil para o sistema se manter nesta aliança espúria uma série de
Leis ou de Decretos são impostos à Nação. Além dos Atos, da Lei de Segurança e de todo o
instrumento de repressão, ainda se cancela o habeas corpus, quando a autoridade revela que a
prisão é por razões políticas” 78.
O deputado fez a leitura de duas possibilidades de saídas para o Brasil, uma era a
permanência da ordem existente, a permanência de um “nazismo periférico”, “colonial”, em
que não havia uma aliança como no tipo europeu, da burguesia nacional, classe média e forças
armadas: “O Fascismo, aqui, é fascismo colonial, é fascismo da submissão. A união, aqui, é
das fôrças externas mantenedoras do status quo com a oligarquia. Mas nesse modêlo, não
entram as fôrças populares, a juventude civil e militar, a Igreja” 79.
A outra saída seria um projeto socialista, mas isso geraria um grande tumulto à nação.
O que não daria para contabilizar os custos e conseqüências de um levantamento das massas.
E por fim, diz qual o seu projeto:

(...) É implementação de um ESTADO NACIONALISTA. Meio socialista, meio


capitalista. Teria o Estado controle dos pontos básicos da economia, gradual e
constante, no setor público. Não será um PROJETO SOCIALISTA, porque neste
haveria a extinção do setor privado. O que se quer é o controle do setor público,
onde estão os pontos vitais da economia. 80
Seria um movimento de união nacional, das fôrças comprometidas com um ideário
de participação num processo de desenvolvimento autônomo e independente. Seria a
marcha dos que colocam o Brasil acima de tudo. Que fôrças seriam estas? Seria a
união de civis com militares, das Fôrças Armadas, do empresariado progressista, da
Igreja, da classe média, dos trabalhadores urbanos e rurais, da juventude e dos
intelectuais 81.

Mas Pinto já se antecipou afirmando que no período havia uma total descrença no
dialogo entre Forças Armadas e os outros setores, para ele havia uma grande propaganda que
pregava a distância e preconceito com as Forças Armadas. E fez uma exposição da história
das Forças Armadas no Brasil e tentou demonstrar uma tradição desta como forças de
intervenção nacionalista.
Chico Pinto acreditava que a interação com as Forças Armada era necessária para
impedir as intervenções do imperialismo, para ele: “Em verdade, tôdas as vezes que um país
no plano interno limita os privilégios do imperialismo, êste faz intervenções. Só não as faz
quando as Fôrças Armadas e o povo estão unidos” 82.

78
Idem, p. 20.
79
Idem .p.23
80
Idem .
81
PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de 1971. Câmara de
Deputados. Brasília: Dept. de Imprensa Nacional. p. 8.
82
Idem, p.17.
46

Chico Pinto termina o discurso:

é bom lembrar à Oposição ou ao Gôverno que devemos estar sempre conscientes de


que, com esforços, se pode diminuir a marcha dos acontecimentos, nunca, porém,
fazê-los parar. Há os que querem refreá-la, mas, se puseram o ouvido à escuta, vozes
ouvirão de uma multidão sôfrega e impaciente a lhe dizer: SOIS COMO OS
CLARÕES DE AGÔNIA DO SOL NO OCASO. AMANHÃ SERÁ OUTRO DIA 83.

Esse primeiro discurso é importante para notar sua tomada de posição diante da
situação política do país. Ele era contrario a ditadura e suas leis, que impunham limites para a
atuação política e que ao mesmo tempo faziam um grande investimento de propaganda e
anunciavam a “liberdade democrática”. Além de um lugar de denúncia o Congresso para
Francisco Pinto era uma possibilidade de projetar um discurso que tinha pretensão de
organizar pessoas em torno de um projeto, a derrocada da ditadura.
Ele anunciou qual a sua perspectiva, um projeto nacionalista, com aliança de todas as
“forças”. Nessa luta contra a ditadura seria possível a união entre civis e militares, entre
liberais e trabalhadores, como numa aproximação com a proposta do PCB, de quem ele tinha
bastante proximidade pelo viés discursivo.
O político só se mantém no campo pela sua capacidade de aglomerar setores de fora,
denominados por Bourdieu de “leigos”, para isso, deve convencê-los a aderir ao seu projeto
em disputa dentro do campo. O político, por isso, tem sua tomada de posição direcionada
pelos setores com quem dialoga. Nesse sentido, vemos dois setores fundamentais de
interlocução de Chico Pinto, que ele chama para aderirem ao seu projeto. O primeiro é que o
projeto de Nação proclamado por Chico Pinto dialogava diretamente com o PCB, pois o
partido achava que uma das etapas para a construção do socialismo seria a união entre todos
os setores sociais 84.
O PCB era o único setor da esquerda que apoiava a iniciativa de instauração da luta
pela via parlamentar. Segundo Motta, “o MDB se ajustava bem à estratégia estabelecida pelo
PCB para enfrentar o regime militar. Na sua avaliação, era necessário construir uma frente
democrática pra tornar possível a derrota da ditadura, envolvendo todos os outros setores da

83
Idem, p. 24.
84
Pode-se verificar essa posição definida nas Resoluções do PCB no VI Congresso (1967): “A revolução
brasileira, em sua presente etapa, deverá liquidar os dois obstáculos históricos que se opõem ao progresso da
nação: o domínio imperialista e o monopólio da terra. Ela é, assim, nacional e democrática. (...) Mesmo não
liquidando a exploração dos operários pela burguesia, a revolução nacional e democrática abre caminho para a
vitória do socialismo”. Resolução Política do VI Congresso, 1967. In: NOGUEIRA, Marco Aurélio (org.) PCB:
vinte anos de política (1958-1979). S. Paulo, Ciências Humanas, 1980, p. 172.
47

oposição”85. Muito embora se possa ver essa semelhança no discurso, não temos elementos
suficientes para comprovar a aliança mais estreita entre Chico Pinto e o PCB.
O outro setor com o qual Chico Pinto negociava seu produto simbólico eram os
militares do grupo denominado Centelha Nativista (apresentarei mais adiante a Centelha).
Verificamos isso com esse primeiro discurso, que se refere à história das Forças Armadas
como defensores da Nação e denuncia a propaganda que dificultava a possível aproximação
entre a Oposição e as Forças Armadas
Em outro discurso seu, ficou muito mais nítida essa convocação: O Soldado, a
Segurança e a Pátria. Chico Pinto foi escolhido pelo grupo para fazer uma homenagem ao dia
do Soldado, na sessão de 25 de agosto de 1971. No livro de Nader 86, Chico Pinto disse que foi
por causa de seu primeiro discurso, em que fez uma referência à história das Forças Armadas,
que gerou uma controvérsia sobre seu posicionamento quanto as Forças Armadas, pois esses
não sabiam se tratava de um discurso elogioso ou atrevido. Essa controvérsia quase o levou à
cassação e também fez com que Pedroso Horta, líder do MDB na época, o convocasse para
fazer o discurso no Dia do Soldado.
Como conhecedor do soldado que homenageia, Chico Pinto justificou sua analise
histórica na tarefa do Exército Nacional que para ele sempre correspondeu a um “mantenedor
da unidade nacional”, defensor do território nacional evitando qualquer apropriação por parte
das potências mundiais. Todavia, para ele, no momento em que se vivia, a Segurança
Nacional era o discurso ordenador que, na verdade, se confundia com o conceito de segurança
da potência mundial, ou seja, uma Segurança que garantia a “organização do poder mundial
sob a liderança da potência líder”, que seria os EUA. Seu argumento é de que a segurança não
é imposição de arbítrio, não é a segurança de uma ordem injusta: “é preciso não confundir
segurança com a segurança do ‘status quo’. Para a preservação do ‘status quo’ é preciso uma
mistificação confundindo segurança com inamovibilidade das coisas” 87. Para ele segurança
era “a aliança Exército-Povo, com o propósito de transformar a fisionomia anacrônica do
Brasil dependente e subdesenvolvido” 88.
Uma das proposições do grupo Autêntico era criar um fosso dentro das Forças
Armadas, entre os setores que apoiavam a Segurança Nacional como forma de repressão dos
trabalhadores, e aqueles setores que tinham uma visão nacionalista da Segurança Nacional e

85
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O MDB e as esquerdas. In: FERREIRA, Jorge e REIS, Daniel Araão. (Org.)
Revolução e democracia(1964-...) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 291.
86
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
87
PINTO, Francisco. O Soldado A Segurança Nacional e a Pátria. Discurso proferido na sessão de 25 de
agosto de 1971. Câmara de Deputados. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971. p. 9.
88
Idem.
48

da forma de conduzir o destino do Brasil. Portanto, esse discurso de Pinto, rememorando a


tarefa nacionalista das Forças Armadas, é uma convocação para que os militares (o setor
nacionalista) permanecessem com os mesmo objetivos.
Chico Pinto chamou os militares para um dialogo com a Oposição, disse que esta tem
ideias e não quer necessariamente o poder, mas colocar suas ideias à disposição de quem
exerce o Poder. Citou generais e suas posições nacionalistas, coadunantes com as dele. E
finda seu discurso com o dito “O Brasil acima de tudo” - que era o lema da Centelha
Nativista 89. Este discurso mostra uma proposta de aliança, de entrosamento e debate entre a
Oposição ou pelo menos o setor da oposição de que ele fazia, com militares da Centelha.
Chico Pinto lançou seu discurso para convencer, disputar a opinião e adesão deste grupo para
a luta contra a ditadura e construção da democracia.
A “Centelha Nativista” foi uma dissidência das Forças Armadas, nasceu em Salvador,
Bahia, em 1967, como oposição à corrupção emergida no governo Costa e Silva. Em sua
pauta de discussão estavam a subversão e a desnacionalização, e tinha uma posição em defesa
da democracia. Criou-se um jornal para difundir seus ideais, A Tocha, que expunha seus
descontentamentos com os rumos da “revolução”. Virou uma tendência nacional e era
composta desde militares de ultradireita até os mais progressistas, alguns que estavam na
imposição do AI-5 90.
A “Centelha” também articulou a candidatura de Albuquerque Lima à presidência da
República, que Francisco Pinto citou nesse discurso, mas ele foi vencido pelo candidato do
Alto Comando, Emílio Garrastazu Médici. E era com esse setor que Francisco Pinto
dialogava, chamando para aglutinar forças contra a ditadura. No livro de Ana Beatriz Nader 91,
Pinto relata que se engajou na disputa apoiando a candidatura de Albuquerque Lima. A
Centelha tinha uma força razoável e ele acreditava que a disputa poderia desaguar num
confronto, no entanto, não houve confronto e o Alto Comando elegeu Médici. Ele contou uma
história que vale a pena relatar:

Certo dia peguei meu Volks e fui da Bahia ao Rio de Janeiro, e perguntei ao general
Albuquerque em sua casa:
- ‘General, por que o senhor não resistiu? Tínhamos condições de ganhar
essa batalha’. Ao que ele me respondeu:
- ‘É possível... Tínhamos o seu Exército, que é pequeno, (referia-se ao IV
Exército, do qual a Bahia fazia parte) conosco. O I Exército também. E é forte. Mas
não contávamos com o III (Rio de Grande do Sul e adjacências) e o II ( com sede em
São Paulo) a não ser pequena parte dele’. Argumentei:

89
Jornal Movimento. 23 a 29/10/1978. Ed. 173. P. 5. A Centelha Nativista.
90
Idem.
91
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
49

-‘Mas se colocássemos o povo ao lado do movimento armado...Usar rádio e


TVs, depois de devidamente ocupadas pelas tropas para tentar esclarecer e
conscientizar o povo sobre os objetivos do movimento e convocá-los a apoiá-lo. Já
havia me articulado com algumas lideranças civis, o IV Exército passaria a ser forte.
Não haveria necessidade de mobilizar grande parte do efetivo militar para conter o
povo e assim a tropa poderia ser deslocada, quase toda, para o Sul.’.
O general concordou. Disse-me que resolveu recuar porque não queria
concorrer para destruir grande parte do país, pontes, estradas, fortalezas, edifícios...
Além de ser uma luta fratricida matando nossos próprios irmãos. Retruquei:
-‘desculpe general, porém o senhor não pensou nisso quando ajudou a
deflagrar o movimento de 64. Se Jango tivesse resistido teria ocorria o mesmo. As
vezes destruir é necessário para se construir melhor. Desculpe mais uma vez, mas o
senhor ao recuar, por essas razões afetivas, deixou-me a impressão de que não é um
revolucionário’ 92.

No mesmo livro ele falou que teve muito contanto com os militares no episódio da sua
auto defesa quando do processo referente à cassação como prefeito em Feira de Santana. Isso
fez com que ele acreditasse que havia alguns militares preocupados com a questão nacional e
que discordavam da política entreguista imposta pelos militares do Executivo. E no mais,
Pinto disse que: “Nesta época estava convencido de que não sairíamos da ditadura, sem contar
com aliados dentro das Forças Armadas para exercer pressão dentro do próprio sistema de
poder, ou para deflagrar um processo de ruptura institucional” 93. Isso era no auge do AI-5,
quando ele ainda não era deputado, mas ao entrar no Parlamento manteve essa posição e
conclamou novamente aos militares para lutar pelo Brasil. Como ele mesmo dizia estava
buscando uma saída para o Brasil.

2.2 A ditadura nos discursos de Chico Pinto

Os discursos de Chico Pinto estão em publicações avulsas, algumas pela Câmara de


Deputados, como Uma saída para o Brasil e O soldado a segurança e a Pátria. Outros
discursos estão numa coletânea sem referência de publicação, em um caderno intitulado
Pequena história de uma época que foi doado para o LABELU 94. Os discursos dos
deputados não só circulavam pelas publicações da Câmara de Deputados, havia uma forma de
divulgar as denúncias apresentadas no Congresso para outras pessoas. De acordo com o
depoimento de Nadyr Rossetti no livro de Nader 95 os Autênticos faziam livrinhos com os

92
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
p.154-5.
93
Idem. p. 156.
94
Acervo do LABELU.
95
NADER, Ana Beatriz.op. cit.
50

principais discursos para distribuir à população, era uma estratégia para o discurso sair do
isolamento de Brasília. Essa encadernação de Chico Pinto parece obedecer a essa lógica.
Aqui faremos uma análise de alguns dos discursos, principalmente aqueles que
correspondem a uma ordem de denúncia do modelo social instaurado com a ditadura. No
pequeno expediente, em 27 de novembro de 1971, Francisco Pinto foi ao plenário para
denunciar a condição dos trabalhadores da Petrobrás. Em público, falou para alertar ao
presidente da empresa, na época, gen. Ernesto Geisel, do que acontecia com os trabalhadores,
embora, pelo volume de denúncias dos trabalhadores que estão sofrendo coações, ele já não
acreditasse que os altos postos desconhecessem o fato.
Os trabalhadores denunciavam as condições impostas para a incorporação ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que em teoria, deveria ser opcional. No entanto,
Chico Pinto dizia que centenas de casos chegavam à Junta do Trabalho em Salvador:

ao serem interrogados pelo Juiz Presidente da Junta se estão fazendo a opção de


espontânea vontade respondem: ´Dr. Estou assinando forçado, mas se não assinar
ele me põem lá fora e eu não quero perder o emprego’. O Juiz geralmente ressalva
sua posição dizendo que ‘forçado não é, porque se não quiser não assina’, mas o
trabalhador interroga em resposta: ‘E o senhor garante meu emprego?’ O Juiz
responde que isso ele não pode fazer 96.

Disse ainda que: “Despedir-se empregados com mais de 9 anos de serviço só porque
não querem optar, é um absurdo inqualificável. Os empregados estão sendo chamados ao
departamento jurídico e estão sendo intimados a assinar o termo de opção e, quando não o
fazem são despedidos” 97.
Chico Pinto também disse que o mesmo estava acontecendo na Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos e recomendava que o Ministério do Trabalho deveria tomar uma
providência, senão:

cabe aos trabalhadores se organizarem nos seus sindicatos, escolhendo os seus


verdadeiros representantes e não pelegos do governo para defendê-los nestes
momentos difíceis que estão, infelizmente, atravessando. Eles sabem, todos nós
sabemos a dificuldade que têm os trabalhadores em se organizarem diante da
existência dos instrumentos de repressão de que o governo dispõe, isto é, do Ato
Institucional e da Lei de Segurança Nacional 98.

As denúncias de Chico Pinto só fazem sentido na relação com o todo. Ele denúncia
nuanças – casos específicos - de uma conjuntura mais ampla (nacional). Esse era o período do
96
PINTO, Francisco. Os perseguidos: Trabalhadores da Petrobrás (27/11/1971). In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 12.
97
Idem.
98
Idem. p. 13.
51

“milagre econômico”. Desde 1970 os números da economia cresciam. Período também das
grandes obras, como a construção da Transamazônica 99, o Programa de Integração Social
(PIS), o Proterra.

na indústria, as dimensões da petroquímica; infra-estrutura, o fantástico


desenvolvimento das telecomunicações, integrando o país de uma forma nova, sem
falar nas rodovias e no complexo hidrelétrico; nas finanças, a constituição de uma
banca de nível internacional; na agricultura, o desenvolvimento de novas culturas,
como a soja (...) 100

Como, no projeto da ditadura, o propósito era tirar o Brasil da crise financeira, daí o
dito “milagre econômico”. Para Sônia Mendonça e Fontes a fórmula mágica foi o arrocho
salarial, pois é a prática comum de superação das crises capitalistas: “intensificação do
trabalho e a própria concentração das empresas e do capital” 101.
Por isso em 1965 uma nova legislação trabalhista e salarial se firmou para garantir
essa explosão capitalista, com três princípios:

1º)a sujeição dos trabalhadores a um verdadeiro programa de poupança forçada; 2º)


a criação de um ‘novo’ sindicato, com funções bem mais assistencialistas – e menos
políticas -, que impedisse uma organização efetiva da classe trabalhadora; e 3º) o
fortalecimento da estrutura sindical e corporativa enquanto alicerce da coesão
social 102.

O Executivo se tornou a matriz de correções salariais, evitando a negociação direta


entre patrão e trabalhador. Além do mais, proibiu qualquer iniciativa de organização operária,
proibiu greves e expurgou as lideranças combativas – havendo assim uma quebra na
organização.
A nova política salarial previa também maior submissão do trabalhador à disciplina
fabril, o FGTS acabava a estabilidade do trabalhador. O medo da demissão minava a
iniciativa de pressão dos trabalhadores e também possibilitava a rotatividade da mão de obra.
O FGTS funcionou como medida de controle da força de trabalho para o capital, assim como
o Estatuto do Trabalhador Rural.
Isso era parte do Plano de Ação Econômica do governo, elaborado por Octávio
Gouveia de Bulhões e Roberto Campos: “Roberto Campos, empresário, figura central da

99
O filme Bye Bye Brasil de Caca Diegues aborda sobre a situação de miséria do Brasil, mais precisamente do
Norte e Nordeste. E da doce ilusão moderna da Transamazônica.
100
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. 2 ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.
p.55.
101
MENDONÇA, Sônia Regina; FONTES, Virginia Maria. História do Brasil recente 1964-1992. 3 ed. São
Paulo: Editora Ática, 1988. p. 22.
102
Idem, p. 22-23.
52

Consultec – empresa de consultoria estreitamente vinculada aos movimentos golpistas e ao


grande capital internacional -, antigo professor da ESG, assumiu o Ministério do
Planejamento” 103.
Como a tarefa legislativa estava limitada, solidarizar-se pelas pressões na sociedade
civil e denunciá-las foi uma tarefa tomada por Chico Pinto, que ainda incitava a organização
dos trabalhadores: “o governo sabe que precisa de instrumentos de opressão para conter e
refrear as massas, mas estas devem saber, ou estão no tempo de aprender, que, sem se
organizarem, não terão nunca condições de impedir o seu achatamento, a sua humilhação e o
seu aviltamento” 104.
Nesse momento determinado do projeto da ditadura, em que havia uma boa base de
apoio civil daqueles que se beneficiavam com os elevados lucros capitalistas, por conta do
boom econômico, a repressão se tornou mais violenta, eliminou-se do cenário as guerrilhas
urbanas. Esse foi um momento em que a Assessoria de Comunicação do Governo (AERP)
anunciava Brasil ame-o ou deixe-o, - enquanto Chico Buarque cantava amou daquela vez
como se fosse a última 105. A copa de 1970 desviava a atenção da política. Época do
crescimento e desenvolvimento econômico que até hoje são associados à ditadura, mas que
escamoteavam os custos sociais e escondiam quem levava o grande quinhão.
Por isso a importância dos discursos de Chico Pinto denunciando esse modelo. Ele
garantia um campo de disputa simbólica entre a propaganda do governo e o confronto com a
realidade dos trabalhadores no Brasil. Pinto conclamava os trabalhadores para destruir tal
ordem política, social e econômica. Esse discurso (dos trabalhadores da Petrobrás) não é o
único em que Chico Pinto denunciou as condições dos trabalhadores na Bahia e os custos do
modelo econômico tão propalado. Em Os guardas da malária, de 30/10/1973, ele falou sobre
as condições dos trabalhadores da SUCAM (Superintendência de Campanha de Saúde
Pública). Francisco Pinto pediu ao Ministro da Saúde para apurar as denúncias sobre as
condições de trabalho dos que ele chamou os “guardas da malária”, funcionários da SUCAM.
Como andarilhos, percorrem o estado da Bahia, de déu em déu, ganhando um salário mínimo,
“trezentos e dezesseis cruzeiros por mês”, com os custos de campo por sua conta, e, caso se
ausentasse por motivo de saúde durante 15 dias, poderia ser “automaticamente desligado da

103
MENDONÇA, Sônia Regina; FONTES, Virginia Maria. História do Brasil recente 1964-1992. 3 ed. São
Paulo: Editora Ática, 1988 p. 28.
104
PINTO, Francisco. Os perseguidos: Trabalhadores da Petrobrás (27/11/1971). In:PINTO, Francisco. Pequena
História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação]. Contém 15
discursos de 1971 a 1974. p. 13.
105
Álbum “Construção” de Chico Buarque é de 1971.
53

função sem qualquer satisfação” 106. Em suma, atuavam em condições insalubres e não tinham
direitos assegurados.
Essa era a face do desenvolvimento brasileiro que era escondida da grande população.
Em um momento marcado pela censura e por tantas formas de repressão, Chico Pinto
denunciava e, ao mesmo tempo, conclamava os trabalhadores para se organizarem contra a
ditadura.
Enquanto as grandes hidrelétricas emergiam como a expressão da modernização e
desenvolvimento propagada pelo governo, como demonstração maravilhosa do novo modelo
político, em o Povo sacrificado, de 12 de junho de 1973, Francisco Pinto, ponderou sobre a
construção das barragens de Sobradinho, que engoliram algumas cidades. Denunciou o
destino incerto dos moradores, e mais, cobrou do Governo esclarecimento, pois este teria
investido na construção de prédios e casas nas áreas que seriam inundadas.

Mas a verdade é que por incompetência, ou outra razão qualquer o dinheiro público
foi gasto criminosamente pelo governo, que tinha obrigação de saber, pelos estudos
e projetos realizados, que não se deveria construir mais em cidades que seriam
afogadas pelas águas, seus novos e permanentes habitantes 107.

Chico Pinto denunciava a quem interessava o progresso:


com a energia abundante para novas indústrias. O que não se dirá é que gerará novas
riquezas para pequenos grupos privilegiados da exportação. O que não se dirá que o
preço por esta riqueza de poucos é a fome e o sacrifício de grande parte desta
população abandonada e esquecida 108.

O deputado pediu também esclarecimento sobre o destino da população que


abandonaria sua história, suas vidas. Francisco Pinto foi membro efetivo da Comissão
permanente Bacia do São Francisco de 1971 a 1973.
Esta era a proposição de denúncia e forma de se contrapor ao projeto da ditadura que
abriu o país ao grande capital, com a exploração e repressão aos trabalhadores. Num momento
em que pouco se podia falar, Francisco Pinto e os Autênticos tomaram uma posição, elaboram
um produto simbólico e convocavam os trabalhadores para se organizar, convocaram os
militares para que, empenhados, lutassem para destronar os ditadores.
Além da exploração dos trabalhadores e da repressão, Chico Pinto denunciou também
como no Brasil os poderes legislativo e judiciário tinham perdido a autonomia. Ele
concordava que a justiça brasileira não era tão rigorosa, falou sobre o relativismo da justiça.

106
PINTO, Francisco. Guardas da Malária: Injusta retribuição ao seu trabalho (30/10/73) In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 82
107
PINTO, Francisco. O Povo Sacrificado (12/06/1973) In PINTO, Francisco. op. cit.. p. 45.
108
Idem. P.46.
54

Embora não existe um ideal de justiça inatingível, ele disse que algumas prerrogativas são
necessárias para manter uma coerência. Dentre essas prerrogativas e garantias para o exercício
do cargo estão “sintetizadas, embora não totalmente, na vitaliciedade, na inamovibilidade e na
irredutibilidade de vencimentos” 109.
No Brasil a Justiça havia perdido essas prerrogativas, o que gerava mais
susceptibilidade de corrupções e injustiças. Diz: “Hoje, no Brasil, desapareceu a harmonia e
independência dos Poderes, existindo apenas o executivo, que a todos os outros se sobrepõe”
110
.
temos repetido por onde passamos que, em um regime de exceção como o que
vivemos, o juiz togado, sem meios para aferir a extensão das pressões que sobre ele
se fazem, está mais sujeito a transigências para confundir lei e fazer justiça do que o
militar que, em determinadas situações, está mais imune a determinados tipos de
pressão 111.

Chico Pinto falou que foi atribuído à justiça militar julgar todos os crimes, que
passaram a ser impostos pela Lei de Segurança Nacional – que é excessivamente vaga e
abrangente – isso seria um mecanismo de intimar e punir a todos.
Esse era o cenário nacional: o destrato com os trabalhadores, uma justiça submetida
pelo Executivo que por isso estava mais suscetível à corrupção e à injustiça. Para ocultar essa
face da ditadura havia ainda a censura e as propagandas que aplaudiam os feitos dos
ditadores. E era contra essa ordem que os Autênticos se laçavam nas denuncias e disputavam a
opinião pública num projeto de restauração democrática.
Chico Pinto também denunciou a censura nos jornais na Bahia e em São Paulo, o
estrangulamento do “Jornal da Bahia” pelo governador da Bahia, e em São Paulo, o
governador Laudo Natel também tentou sufocar o “Estado de São Paulo” e “Jornal da Tarde”.

O Governo sabe que os jornais, rádios e TV são empresas que vivem do lucro, sem
este não sobrevivem. As verbas vultuosas, que dispõem para publicidade e que são
dinheiro do povo, servem para comprar o silencio e, na maioria das vezes, o aplauso
fácil. Compra, assim, com o dinheiro da nação e não com o seu, a tranqüilidade para
cometer crimes. Com a desinformação ninguém sabe o que acontece nos bastidores
da administração 112.

109
Discurso de 29 de setembro de 1972. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/
d/pdf/DCD29SET1972.pdf#page=4. p. 37.
110
Idem.
111
PINTO, Francisco. Discurso de 29 de setembro de 1972. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1972.pdf#page=4. p. 38.
112
PINTO, Francisco. O processo do jornal da Bahia e outros abusos (29/09/72). In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 35.
55

A censura não era só executada pelos censores com o controle do conteúdo, mas
também pela pressão que se fazia às empresas mantenedoras, que então, cortavam seus
anúncios e financiamentos aos jornais. E mais, com tantos cortes nas matérias, o jornal não
interessava aos leitores, isso se constituía em outro mecanismo de estrangulamento, e Chico
Pinto denunciava: “é um prazer sádico os cortes na imagem, no dialogo, nos títulos. O que
fica é o resto, e pelo resto o público não quer pagar para assistir” 113.
O controle da opinião pública revela a estratégia de manutenção do consenso, é uma
das estratégias de que o regime se valia para manter uma imagem positiva, e é justamente
nesse aspecto de disputa simbólica que os Autênticos se insinuavam. Chico Pinto também
alertava para esse fator: “na medida em que o Governo controla as fontes de informação,
controla a opinião publica. Todos os jornais e rádio são livres. Livres para fechar as portas por
falta de recursos” 114.
Essa censura moldava a cultura à imagem e semelhança da classe dirigente. E Chico
Pinto denunciava a destruição do cinema, do teatro, e dizia que a imagem do Brasil no
exterior já está comprometida: “que imagem pode ter esta esfinge disforme, este duende
horrível que nada respeita e tudo destrói? Só tem uma verdadeira imagem: a imagem do
medo, do medo da verdade” 115.

2.3 O anticandidato da antieleição: “denunciar e renunciar”

A Anticandidatura de Ulysses Guimarães foi o episódio que os Autênticos


reconheceram como o mais importante na trajetória deles. Com um candidato à presidência,
os Autênticos poderiam utilizar os meios de comunicação, estratégia útil para o grupo que
disputava a opinião pública.
Assim em 1973, mesmo sabendo que a eleição presidencial era indireta, e que tudo
não passava de um protocolo que resultaria na homologação do gen. Ernesto Geisel pelo
colégio eleitoral composto por maioria arenista, os Autênticos resolveram lançar um
candidato. Francisco Pinto sugeriu um militar, mas entre os Autênticos prevaleceu a opção por
um civil, a sugestão era Ulysses Guimarães, mas esse não quis, então, Barbosa Lima
Sobrinho, jornalista, foi o contatado. Depois que soube do nome de Barbosa Sobrinho,

113
PINTO, Francisco. Censura a imagem do medo (19/10/73) In: PINTO, Francisco. op. cit. p.70.
114
PINTO, Francisco. O processo do jornal da Bahia e outros abusos (29/09/72) In PINTO, Francisco.
Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação].
Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 36.
115
PINTO, Francisco. Censura a imagem do medo (19/10/73) In: PINTO, Francisco. op. cit. p.71.
56

Ulysses Guimarães resolveu ser o anticandidato (esse nome para sublinhar o fato de que não
havia candidato, propriamente, e sim um colégio de cartas marcadas) 116.
Na Convenção do MDB, que confirmou a candidatura a presidente, Ulysses
Guimarães, em 22 de setembro de 1973, em Brasília, fez um discurso combativo, intitulado
Navegar é preciso. Viver não é preciso:

O paradoxo é o signo da presente sucessão presidencial brasileira.


Na situação, o anunciado como candidato, em verdade é o Presidente, não
aguarda a eleição e sim a posse.
Na Oposição também não há candidato, pois não pode haver candidato a
lugar de antemão promovido. A 15 de janeiro próximo, com o apelido de ‘eleição’, o
Congresso Nacional será palco de cerimônia de diplomação, na qual Senadores,
Deputados Federais e Estaduais da agremiação majoritária certificarão investidura
outorgada com anterioridade.
(...)
Não é o candidato que vai recorrer o País. É o anticandidato, para denunciar
a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o
Legislativo ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e
condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela
escuta clandestina, torna inaudível as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação
pela censura à imprensa, ao Radio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema 117.

O discurso denunciava a eleição e a farsa democrática. Um discurso forte do líder da


Oposição que se uniu com os Autênticos.
Francisco Pinto descreveu a estratégia:

A preliminar sustentada pelo grupo Autêntico era a seguinte: a lei eleitoral


estabelecia que os partidos teriam direito a usar rádio e TV, e não faziam distinções
entre eleições diretas e indiretas. Eu argumentava que era importante o MDB ter um
candidato. Primeiro porque poderíamos fazer comícios e denuncias, segundo,
usaríamos a mídia e, em seguida, no dia da reunião do Colégio Eleitoral,
renunciaríamos à candidatura, denunciando aquela farsa. Tratava-se de uma eleição
de cartas marcadas, a qual contava com eleitorado constituído apenas por
congressistas, a maioria filiada à ARENA, e obrigados por lei a votar no candidato
oficial, sob pena de perda do mandato e suspensão dos direitos políticos. Uma
eleição definida por antecipação 118.

A proposição dos Autênticos era que depois de percorridos os campos possíveis de


disputa, de ir à TV, rádio, comícios, no dia da escolha do Colégio Eleitoral eles iriam retirar
anticandidatura. No entanto, Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho resolveram ignorar
o acordo com o grupo. Mantiveram, assim, a candidatura, que funcionou, nesse sentido, para
legitimar a imagem de uma democracia. Reagindo à negativa de Ulysses Guimarães, os
Autênticos redigiram um texto, elencando os motivos da criação da anticandidatura,

116
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
117
GUIMARÃES, Ulysses. Rompendo o Cerco. Ed. Paz e Terra, 2º edição, Rio de Janeiro: 1978. p. 41-42.
118
NADER, Ana Beatriz. Op. cit.. P. 175.
57

enunciando a opinião sobre as eleições de cartas marcadas, do rompimento do acordo do


presidente do MDB e que posição tinham em relação a eleição de Geisel.
No dia da homologação do general Geisel alguns Autênticos foram ao Congresso pedir
uma questão de ordem para ler o tal documento. O líder da Câmara só permitiu sob a ameaça
de que os Autênticos iriam atrapalhar a sessão caso não os deixassem falar.
O documento dizia:

Devolvemos nosso voto ao grande ausente: o povo brasileiro, cuja vontade


espuriamente afastada do processo, deveria se fonte de todo poder. Recusando a
participar com nosso voto deste simulacro de eleições que avilta o país perante a
cultura, a inteligência e o mundo livre.[...]
Em nenhum momento compreenderíamos que o anti-candidato e o contestante se
convertesse em candidato, convalidado a farsa eleitoral[...]
Igualmente nos reencontramos conosco mesmo, quando fizemos nossas as angústias
da massa trabalhadora do país, sufocada pela alta não confessada do custo de vida e
pelo garroteamento da liberdade e da autonomia sindical.
Também nos reencontramos com os estudantes na sua justa revolta contra o 477, ou
com a Justiça quando defendemos a intangibilidade das decisões judiciais, ou ainda,
quando ao lado do empresariado nacional, denunciamos a desnacionalização
progressiva da nossa economia.
Não nos contentaríamos, hoje, quando este privilegiado colégio de eleitores se reúne
para apenas renovar essas posições e reproduzir nossas angústias.
Por isso é que o gesto de nossa recusa ao voto homologatório deste colégio se
constitui na expressão de inconformidade dos que não votam, dos que não escolhem,
dos que não decidem e até dos que não podem falar 119.

A luta dos Autênticos é reconhecida nesse momento, embora eles já se articulassem


antes, em 1971. Talvez porque esse foi o ato público que deu maior visibilidade para o grupo.
Inclusive com a propagação internacional da notícia. A trajetória do grupo é, todavia,
acidentada, ora fazendo aliança com os Moderados (Ulysses Guimarães era parte do grupo)
ora atuando com os Adesistas. Enfim, esse é o assunto para o próximo capítulo.

2.4 O discurso de Chico Pinto contra a ditadura Chilena

Te recuerdo Amanda
la calle mojada
corriendo a la fabrica donde trabajaba Manuel
La sonrisa ancha, la lluvia en el pelo,
no importaba nada
ibas a encontrarte con el,
con el, con el, con el, con el
Son cinco minutos
la vida es eterna,
en cinco minutos

119
Documento dos Autênticos recusando-se a votar na eleição presidencial (15/01/1974) In: PINTO,
Francisco. Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e
publicação]. Contém 15 discursos de 1971 a 1974. p. 87-8.
58

(...)
y en cinco minutos,
quedó destrozado
Suenan las sirenas
de vuelta al trabajo
muchos no volvieron
tampoco Manuel.
120
(Victor Jara)

Em 14 de março de 1974, Chico Pinto ergueu sua voz contra um dos maiores tiranos
da América Latina, Augusto Pinochet, que estava presente no solo brasileiro para a posse de
Ernesto Geisel. Veio ao Brasil com a proposta de formar um “eixo-político-Brasil-Bolivia-
Chile-Paraguai”.
Francisco Pinto disse:

Mas, ontem, Sr. Presidente, chegou ao Brasil e foi recebido com honras de Chefe de
Estado, quem desonrou o Estado que deveria servir a farda que o agasalha. Não
fosse ele o Chefe da Junta Militar que oprime o Chile, seria recepcionado como
‘Calley’. O repúdio seria a homenagem justa ao mais truculento dos personagens
que, nas duas décadas, esmagaram povos na América Latina 121.

Francisco Pinto acusou Pinochet de assassino de proletários, mulheres e crianças.


Perguntou e afirmou:

Quem Allende matou, Sr. Presidente? Mas aquele que se intitula democrata,
Augusto Pinochet, quantos crimes praticou? Quanto sangue sangrou dos seus
próprios patrícios para saciar sua sede de poder e para servir a patrões de outras
pátrias? Como todo fascista, serviu-se da democracia chilena pra acusar os
democratas cristãos e os marxistas de prejudicarem o Chile, de servir a outros
interesses e de receber dinheiro, obtendo ajuda externa, os primeiros da Itália e da
Alemanha, e os segundos da Rússia e de Cuba 122.

Como o Brasil e outros países da América Latina, o Chile também foi vítima do golpe
dos civis e militares que esmagou e oprimiu os trabalhadores. A luta de classes no Chile, na
década de 70, havia se acirrado em tamanha proporção que o país parecia se dividir em dois
grandes blocos coesos e disputantes, a burguesia nacional e aliada ao capital internacional no
partido da Democracia Cristã e o proletariado na Unidade Popular (de influência socialista).
A vitória de Salvador Allende significou o início de um governo de esquerda, com
ações que provocaram reações violentas dos grupos capitalistas, sobretudo internacionais.
120
Artista Chileno, comunista e morto brutalmente pelo comando do golpe de Estado em setembro de 1973.
121
Pinto começa o discurso falando desse personagem, o Tenente William Calley, do Exército dos EUA,
assassino na guerra do Vietnã, e que foi condenado pela opinião pública pelo massacre de Mi Lay. Fala dele para
dizer que país nenhum o recebe com honras, este foi julgado pela Justiça Militar dos Estados Unidos e afastado
do Exército. PINTO, Francisco. General Pinochet: O Infame (15/03/74). In: PINTO, Francisco. Pequena
História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação]. Contém 15
discursos de 1971 a 1974. p 95.
122
PINTO, Francisco. General Pinochet: O Infame (15/03/74). In PINTO, Francisco. op. cit.. p. 96.
59

Allende promoveu a estatização das principais indústrias e fábricas, das minas de cobre
(maior fonte de divisas Chilena). Houve ainda a iniciativa do fim da especulação do preço dos
víveres, sendo estes controlados pelo Estado, e mais um plano de reforma agrária, etc.
O objetivo do governo Allende:

Seria constituído assim um eixo socializado da economia, ao mesmo tempo que se


golpeava de morte o capital monopolista, grande parte do qual era estrangeiro. Por
sua vez, o aparelho estatal deveria ir sendo transformado desde o seu interior,
mudando sua natureza de classe de um Estado burguês para um Estado popular 123.

O governo Allende assumiu um caráter diretivo popular e contava com apoio da


grande parcela dos trabalhadores. As marchas denotavam o apoio do setor popular às
iniciativas de Allende: Allende, Allende, El pueblo te defiende. As organizações populares
cresciam, em torno dos cordões de fábrica, da Central Única dos Trabalhadores, CUT, da UP.
Do outro lado a burguesia chilena, a classe média e o empresariado que visualizavam
o perigo da organização dos trabalhadores em colocar em xeque os privilégios históricos, em
disputa do poder. A burguesia tentou de diversas formas boicotar o governo Allende,
incitando greves (com o financiamento dos EUA). A tentativa da direita era paralisar o país e
desequilibrar a economia, como mecanismo de derrubar o governo Allende.
As pressões cresciam da parte da oposição no Congresso chileno contra Allende.
Ainda mais quando aquela ganhou as cadeiras parlamentares em 1973. Mesmo assim as
marchas dos camponeses e trabalhadores tomavam a ruas do país, a burguesia também
promovia as suas. E de forma inescrupulosa a elite civil e os militares preparavam o golpe. O
ataque armado ao palácio da Moneda ocorreu em 11 de setembro 1973, e matou o presidente
Allende, que resistiu com arma em punho.
A Junta Militar assumiu o poder e começou a caça aos comunistas, as invasões e
repressões aos bairros proletários, as torturas e assassinatos 124, numa ditadura que durou 17
anos.
Francisco Pinto disse no seu discurso:

(...) o que nos vem do Chile de Pinochet é o fechamento de jornais, é a censura


desvairada à imprensa renascente. O que nos vem do Chile é a opressão mais cruel,
de que nos dá idéia a reportagem e as fotos publicadas pela revista VISÃO, do
campo de concentração da Ilha Dawson. O que nos vem do Chile é o clamor dos

123
SADER, Emir. Cuba, Chile, Nicarágua: socialismo na America Latina. 8ed. São Paulo: Atual, 1992. P. 43-
44.
124
Com bastante sensibilidade, o filme Machuca, retrata a dualidade da vida burguesa, em bairro rico e dos
bairros operários no Chile na época do governo Allende, a articulação das duas classes em torno dos partidos e
interesses, mais a brutalidade do golpe de Estado Chileno, leitura mostrada através da vivencia de duas crianças
de classes antagônicas, Machuca e Gonzalo. Filme dirigido por Andrés Wood.
60

presos, dos perseguidos, do povo oprimido. É o horror do massacre promovido pelos


golpistas 125.

Na Ilha Dawson foram mantidos presos em regime de trabalho forçado os ministros do


Governo de Allende 126. Com esse discurso contra a ditadura de Pinochet, Chico Pinto se
posiciona contra um regime que massacrou grande parte dos trabalhadores e organizações de
esquerda, e depôs um governo com iniciativas socialistas. Chico Pinto se posiciona contra
uma dada ordem política que se espalhou pela América Latina, um modelo capitalista
sustentado na repressão violenta.
Atacou o silenciamento e a censura para evitar que passasse ilesa a visita de Pinochet,
prestigiado pelos governistas como chefe de Estado. Francisco Pinto foi à tribuna para dizer
que aquele assassino não era bem vindo no país, nem os que aqui estavam eram apoiadores de
tal regime brutal. A imprensa, por sua vez, não poderia fazer referência ao que representava
Pinochet e a vinda dele ao Brasil: uma aliança continental de ditadores contra os
trabalhadores. Era a universalização de um projeto político e econômico de privilégio uma
minoria à custa do massacre e misérias de muitos. Era essa situação que a figura de Pinochet
mais especialmente representava e contra a qual Francisco Pinto bradou veementemente.
Como Allende e tantos outros, que se voltaram contra as grandes forças repressoras
que dominavam o continente, sobreveio o fim trágico. O de Allende, a morte; o de Chico
Pinto, o silenciamento. Esse foi seu último discurso no Congresso Nacional da legislatura que
cumpria. Chico Pinto foi processado por ofensa a chefe de Estado.

Processado, em 28 de março de 1974, pelo Executivo, por ter proferido discurso na


Tribuna da Câmara dos Deputados, denunciando violências praticadas pelo General
Pinochet, do Chile, foi condenado a seis meses de prisão pelo STF, em outubro de
1974, e perdeu o mandato por decisão da Mesa da Câmara dos Deputados. Cumpriu
pena no 1º BPM, DF 127.

Depois do processo sofrido com esse discurso, Chico Pinto em uma visita à cidade de
Feira de Santana, em entrevista à Radio Cultura reafirmou o conteúdo do discurso, das
denuncias contra Pinochet e alertou para a intolerância do governo e foi novamente alvo de

125
PINTO, Francisco. General Pinochet: O Infame ( 15/03/74).In: PINTO, Francisco. Pequena História de Uma
Época. Encadernação com discursos [sem referência de organização e publicação]. Contém 15 discursos de 1971
a 1974. p 96-7.
126
Outro filme bastante interessante é a Ilha Dawson, baseado nos escritos do ex-ministro de Allende, Sergio
Bitar - então ministro das Minas e Energias, mostra o sofrimento dos prisioneiros nesse campo de concentração,
usa cenas reais do golpe, como o ultimo discurso de Allende e o ataque ao palácio da Moneda. Dirigido por
Miguel Littin, lançado em 2009.
127
Disponível em: http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=
105942&tipo=0
61

processo. Com a suspensão dos direitos políticos Chico Pinto não pôde concorrer às eleições
de 1974 128.
O capítulo demonstra o significado dos discursos de Chico Pinto no determinado
momento histórico. Que produto simbólico o deputado negociava, que grupo disputava.
Assim, como era dado o limite de se fazer político, do que poderia ser dito. O discurso sobre o
Pinochet foi o limite para ele, não só pelo dito, mas por ser um momento estratégico. Com a
cassação e a protelação do processo, o deputado ficou impedido de concorrer às eleições de
1974. Os militares tiraram o deputado do caminho.

128
Jornal Movimento, 9/05/1977, Ed. 97, p.8. A Absolvição de Chico Pinto.
62

CAPÍTULO III

A Luta dos Autênticos: disputa entre a Arena, o general e o MDB (1975-78) – Uma
leitura do Movimento

A história é linda para ser escrita muito tempo depois dos fatos. (...) Mas,
viver e fazer a história, dia a dia, padecê-la minuto a minuto, é dose.
Construir e assistir a demolição pela força da violência; organizar lentamente
e presenciar a destruição do trabalho e, até, o assassinato e a decomposição
de pessoas; ir e vir, num suplício de Tântalo, com a sensação de não ter
arredado o pé do lugar, embora cansado pelos tantos passos que deu. Tudo
isso só é sentido por quem viveu experimentando a história, nos momentos
difíceis, e, por isso mesmo valoriza os passos que deu e não quer voltar
atrás 129.

Com a cassação do mandato de deputado, em 1974, Francisco Pinto ficou afastado do


Congresso Nacional até 1979. E durante esse período foi convidado a fundar o jornal
Movimento. No jornal escrevia uma coluna intitulada A Semana em Brasília. Longe do
Parlamento, o jornal passou a ser sua tribuna, assim ele fazia críticas e comentários sobre a
vida política nacional, aos acontecimentos no Congresso e às disputas internas no MDB.
Nas páginas do jornal outras colunas trazem notícias sobre os fatos políticos que nos
informam sobre a atuação dos Autênticos, suas tomadas de posições dentro do MDB em
concorrência com as medidas do Executivo e da Arena. Com esse capítulo, entendemos como
se tecia a luta dos Autênticos, bandeiras, estratégias e contribuições na luta pela restauração
democrática. Analisa-se também como se constituíam as disputas entre os grupos dentro do
Partido. Além de perseguirmos o lugar de Chico Pinto nessa oposição: qual sua perspectiva de
atuação política para o MDB.
A conjuntura política no período de recorte do capítulo, 1975-78, é o da “distensão”,
um suposto projeto de abertura da ditadura. Quando em 1974 o presidente Geisel pronunciou
quatro palavras mágicas, distensão lenta, gradual e segura, a distensão comeu metros de
jornais, lembrando os três mal-amados de João Cabral de Mello, e foi nesse acorde que os
políticos se moveram.

3.1 A formação dos Autênticos em 1975-78

Para a legislatura de 1975-78 reelegeram-se os seguintes Autênticos:

129
Trecho de discurso de CHICO PINTO.
63

Jerônimo Santana (Rondônia), Paes de Andrade (CE), Marcondes Gadelha


(Paraíba), Fernando Lyra (PE), Lysâneas Maciel e J.G. de Araujo (GB), Valter Silva
(RJ), Fernando Cunha (GO), Santilini Sobrinho e Freitas Nobre (SP), Carlos Cota e
Fábio Fonseca (MG), Alencar Furtado (PR), Jailson Barreto (SC), Amauri Muller,
Alceu Colares, Eloy Lenzi, Getúlio Dias e Nadir Rosseti (RS) e o senador Marcos
Freire 130.

Devido à atuação dos Autênticos (que trouxeram uma perspectiva mais progressista
para o MDB) alguns setores acharam que o partido de oposição poderia representar uma
possibilidade de confrontar a ditadura, somando-se a outros fatores. O partido conseguiu uma
vitória significativa nas eleições de 1974 (ver primeiro capítulo). Inclusive porque alguns
políticos entraram para o MDB para incorporar-se à luta dos Autênticos, e na imprensa
começaram a ser chamados de neo-autênticos ou novos autênticos. São eles:

Mario Frota (AM), Jader Barbalho (PA), Fernando Coelho e Jarbas Vasconcelos
(PE), Antonio José e Nóide Cerqueira (BA), Jorge Moura (GB), Tarcísio Delgado
(MG) Airton Soares, Marcelo Gato, Frederico Brandão, Jorge Cunha, Lincoln Grilo,
Otávio Ceccato (SP), Ademar Santilo e Genervino Fonseca (GO), Antonio Carlos
(MT), Álvaro Dias (PR), Luis Henrique e Valmor de Luca (SC), Jorge VEqued,
João Gilberto, Odacir Klein, Lidovino Fanton, Rosa Flores, Aloísio Paraguassu
(RS) 131.

Embora afastado do mandato de deputado, Chico Pinto, continuou na sua articulação


com o grupo, não à toa nas reportagens sobre os Autênticos o seu nome está sempre presente.
Mas é na sua coluna, A Semana em Brasília, depois alcunhada de a coluna do Chico Pinto,
que podemos visualizar melhor sua atuação, mantendo a linha de denúncia. E ainda fazendo
análise sobre as circunstâncias políticas para construção do projeto de democracia, como
acreditava ser a via.

3.2 O jornal Movimento

Em 2011, quando iniciamos a pesquisa no acervo do LABELU – onde se encontra a


coleção do Movimento, descobrimos o lançamento do livro Jornal Movimento: uma
reportagem 132 com a coleção digitalizada dele. Por certo um presente! Com o livro, uma

130
Jornal Movimento, 18/08/1975, Ed. 7, p. 6. O MDB briga ou não briga? (sic.)
131
Jornal Movimento, 18/08/1975, Ed.7, p.6. O MDB briga ou não briga? Uma das diferenças dos primeiros
autênticos, conhecidos na imprensa como os históricos, para os novos foi a vida política antes da ditadura. Os
novos autênticos iniciaram sua vida política após de 1964, enquanto os históricos vieram de outros partidos.
(MOVIMENTO, 8/9/1975, Ed. 10, p. 4).
132
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG, editora Manifesto,
2011.
64

proposta de conhecer como foi sua repercussão na sociedade, como funcionou, sua história,
além das reportagens dos que ajudaram a construí-lo.
O Movimento foi um jornal da imprensa alternativa que circulava com o propósito de
fazer uma frente ampla de defesa da democracia, com um jornalismo comprometido com a
oposição e denúncia do autoritarismo. Lançado em 1975, o jornal, segundo Raimundo
Rodrigues Pereira, editor-chefe, nasceu pelo sentimento de “que a tarefa do jornalista não é
apenas a de descrever o mundo, mas de ajudar a transformá-lo” 133.
Sua fundação se deu pela dissidência de alguns jornalistas de outro jornal alternativo,
Opinião. Fernando Gasparian era o dono jurídico do Opinião, mas a proposta era que o jornal
funcionasse com autonomia dos jornalistas, no entanto, Gasparin afastou Raimundo Pereira
do jornal o que rompeu, no sentimento dos jornalistas, com o propósito democrático da
existência do jornal.
Destarte, um grupo de jornalistas se desvencilhou do Opinião e montou outro projeto
em que o jornal fosse dos jornalistas, que houvesse independência e autonomia, pelo “direito
de defender suas próprias idéias”. Com o propósito de ser:

(...) um jornal mais popular e que, diante da impossibilidade de ser lido ou mesmo
comprado amplamente, por exemplo, por trabalhadores sindicalizados, falasse de
temas que pudessem interessar a esses trabalhadores e numa linguagem que pudesse
ser entendida por eles, quando os artigos, de uma forma ou de outra, chegassem até
eles 134.

Depois de debates sistemáticos entre os editores, chegou-se a um conjunto de regras de


funcionamento do jornal e seu objetivo de:

apresentar, analisar e comentar os principais acontecimentos políticos, econômicos e


culturais da semana; descrever a cena brasileira, as condições de vida da gente
brasileira; acompanhar a luta dos cidadãos brasileiros pelas liberdades democráticas;
pela melhoria da qualidade de vida da população; contra a exploração do país por
estrangeiros; pela divulgação dos reais valores artísticos e culturais do povo; pela
defesa de nossos recursos naturais e por sua exploração planejada em beneficio da
coletividade 135.

Lançou-se uma edição especial, escrita por Raimundo Pereira, para explicar existência
do Movimento, seus fundamentos, os custos para manutenção, e fazendo a campanha para
vender as ações, “a campanha do Milhão”.
Nomes como: Chico Buarque, Hermilo Borba Carvalho, Audálio Dantas, Fernando
Henrique Cardoso, Orlando Vilas-Boas, Edgar da Mata Machado, Alencar Furtado, Agnaldo
133
Jornal Movimento, 7/7/1975, Ed. 1 especial, p. 4. A narração sobre o nascimento do jornal aparece no livro
“Movimento: uma reportagem” de Carlos Azevedo (2011).
134
Jornal Movimento, 7/7/1975, Ed. 1 especial, p. 6.
135
Idem, p. 5.
65

Silva, Bernado Kucinski, Antonio Carlos Ferreira, Jean Claude Bernardet, Marcos Gomes,
Mauricio Azevedo, Raimundo Pereira, Teodomiro Braga, Elifas Andreato, Fernando Peixoto,
Francisco de Oliveira, Francisco Pinto, estavam nessa empreitada.
Podemos interpretar a atuação do jornal Movimento como a de um partido, no sentido
gramsciano: de um organizador das vontades coletivas, com o objetivo de disputa pelo
consenso da opinião pública. Uma Frente de objetivos claros de denunciar e enfrentar a
ditadura. Propunha também a restauração do Estado democrático, contestando a distensão
lenta, gradual e segura propagandeada pela dupla Golbery-Geisel, já que o jornal nascia
justamente nesse período - momento em que “a ditadura recuava com o claro propósito de se
fortalecer no campo conservador e isolar idéias mais progressistas” 136.
O governo repressor, por via do AI-5 e da Lei de Imprensa, manipulava o que se
vinculava para a formação na opinião pública, de modo a formulá-la de sua maneira e de
passar uma imagem positiva da política ditatorial. “Esse controle foi de grande utilidade, pois
impedia que grande parte da população soubesse dos atos repressivos, autoritários e violentos
por parte do governo” 137. Nisso o jornal conviveu com a censura ao longo da sua existência,
que o atingia de diversas formas, diminuindo sua qualidade, para diminuir o interesse do
público que o mantinha 138.
O jornal Movimento constituiu-se como um local de debate político, levou à população
temas como a constituinte, a anistia e o alto custo de vida da população. A propaganda da
política positiva sempre foi uma constante na ditadura, e por isso a censura sempre caminhou
junto para impedir o dissenso, silenciar os discursos contrários, coisa que o Movimento fazia
ao denunciar a desigualdade social do modelo econômico. Aquino diz que o alvo mais
constante dos censores sobre o Movimento era quando o “governo aparec[ia] como
‘entreguista’, na medida que em que opta[va] pela proteção das empresas de capital
multinacional em detrimento de interesses nacionais” 139.
Chico Pinto foi convidado para participar do jornal, consensualmente, pelos onze
integrantes iniciais do Conselho Editorial. Foi chefe da sucursal em Brasília, e assinava os
artigos de A semana em Brasília. Sua coluna era constantemente censurada, e como forma de

136
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG, editora Manifesto,
2011. p. V.
137
SAMWAYS, Daniel Travisan. Censura à imprensa e a busca de legitimidade no regime militar.
Disponível em: http://eeh2008.anpuh- rs.org.br/resources/content/anais/1212349634_ARQUIVO_Censura
aimprensaeabuscadelegitimidadenoregimemilitar.pdf. Acesso em 27/05/2013.
138
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG, editora Manifesto,
2011.
139
AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário (1968-1978) o exercício cotidiano
da dominação e da resistência: Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: ED’USC, 1999. p. 141.
66

denunciar, mantinham-se o formato da coluna com um tarja preta. (ver anexo 2). Através dela
percebemos a análise de Chico Pinto sobre a situação política. Para nossa pesquisa analisamos
as colunas de Chico Pinto, o Brasil 140 e Ensaios Populares 141 - que são os texto de debate
sobre a política nacional.

3.3 “Para que tudo permaneça é preciso que tudo mude?”: sobre a “distensão lenta,
gradual e segura”

O jornal Movimento na sua primeira edição traz uma matéria sobre a “esfinge chamada
distensão” 142 uma incoerente abertura que foi propagandeada pelo presidente Geisel e seus
áulicos. De que consta a incoerência da abertura política, senão da utilização do seu principal
instrumento de coerção, o AI-5? Os casos de aplicação são tantos quantos correspondem às
necessidades de manter a linha de aceitação do regime ou para enquadrar rigorosamente
àqueles que discordam. E as desculpas para o uso são inventadas na mesma ordem de tom.
Segundo o jornal, diante da “esfinge”, o MDB tentou decifrar o enigma, e as disputas
internas se dirigiam por essa linha. Os moderados pediam cautela, enquanto os Autênticos
permaneciam disputando internamente para confrontar mais contundentemente o regime.
Geisel, em 26 de agosto de 1974, fez um discurso para os dirigentes arenistas, e deste
então circulou pelos jornais que estaria em curso uma “lenta, gradual e segura distensão”, para
resolver problemas institucionais brasileiros 143. As interpretações foram vastas. José
Bonifácio, líder da Arena na Câmara, afirmou posteriormente que o presidente não
pronunciou tal palavra, Marcos Freire (Autêntico) retomou a leitura do discurso no plenário
para rememorar o líder arenista. Por conta desse episódio o Movimento fez uma reportagem
com a chamada “Bonifácio tinha razão”, pois, a falta de memória deste na verdade se
configurou como previsão.
Segundo o jornal Movimento, em 1 de agosto de 1975, o presidente Geisel voltou a
discursar para corrigir as interpretações erradas:

(...) segundo interpretações que ele acha erradas “o restabelecimento do chamado


estado de direito, mediante a pura e simples suspensão do AI-5 e, completamente, a

140
Coluna que se referia aos principais fatos políticos da semana.
141
Duarte Pereira, baiano, ex-militante da AP – Ação Popular, era responsável por essa coluna, onde se faziam os
debates sobre a política. Segundo Azevedo, “Os textos de Ensaios Populares tinham o objetivo de promover a
‘elevação da consciência dos trabalhadores’. Partiam dos fatos, da conjuntura, discutiam a política do governo e
as táticas da oposição, para lançar idéias e apontar caminhos” (AZEVEDO, 2011, p. 126) em resposta à
superação da proposta da luta armada para a derrubada da ditadura.
142
Jornal Movimento, 7/7/1975. Ed. 1. p.5. A esfinge chamada distensão.
143
Jornal Movimento, 4/8/75, Ed. 5, p. 5. Bonifácio tinha razão.
67

revogação do 477, a revisão da Lei de Segurança e a concessão ampla da


anistia”[...]. Em resumo, a distensão para ele está mais ligada ao progresso que seu
governo – e os anteriores governos de Médici, Castelo Branco e Costa e Silva
tenham dado ao país – do que a caminhada para o que ele chama de “estado de
direito” 144.

Skidmore relata que Geisel, em agosto, reiterou suas atitudes com o projeto de
liberalização e cita o discurso do presidente: “Com o desenvolvimento é que alcançaremos a
distensão – isto é, a atenuação, se não eliminação, das tensões multiformes, sempre
renovadas, que tolhem o progresso da nação e o bem-estar do povo” 145.
Bonifácio, por sua vez, apareceu na Câmara Nacional, segundo Chico Pinto, e
“exclamava para quem quisesse ouvi-lo: ‘Não falei que não tinha nada de distensão. Não
acreditaram em mim porque não quiseram. Convençam-se que o líder do governo sou eu;
quem fala por ele sou eu’” 146.
Pinto concluiu em tom de deboche: “José Bonifácio (...) declarou em discurso da
tribuna do Congresso, que o Presidente da República nunca falou em distensão. (...) Se falhou
a memória de José Bonifácio, não falhou sua capacidade de prever o futuro próximo. Ótima
profissão para o futuro, deputado” 147.
Geisel, no seu discurso citado no jornal, afirmava que: “nada pretendo mudar pelo
simples prazer de mudança.” 148. A modificação atingia o rótulo e não o conteúdo. Ou ainda
recorrendo à lembrança que o jornal fez à passagem de Lampedusa, em O Gattopardo, “para
que tudo permaneça é preciso que tudo mude”.
O que significou então a distensão política? Os elementos trabalhados apontam no
sentido de ser ela o resultado de disputas na sociedade, em que os ditadores precisaram recuar
um pouco para manter a coesão dos grupos militar e civil, além de amenizar o dissenso na
sociedade civil e política.
O governo Geisel, segundo Moreira Alves, foi a terceira etapa da institucionalização
do Estado na ditadura. A primeira, de Castelo Branco e Costa e Silva, se dirigia para montar
as bases do governo com a elaboração da Constituição. Na segunda fase, de 1969-73, lançou-
se na organização do modelo econômico e na prática da coerção. Já no período de Geisel, a
institucionalização corresponderia a estabilizar o regime a longo prazo, por isso, investir no
consenso, com isso desenvolveu-se a teoria da “distensão”. O regime queria legitimidade com

144
Idem.
145
GEISEL apud SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1988., p. 344. Este trecho do discurso está também no livro MATHIAS, Sueley Kalil. Distensão no
Brasil: o projeto militar (1973-1979). Campinas, SP, Papirus, 1995. p. 78.
146
Jornal Movimento, 18/8/75, Ed.7, p. 8. O manto da corrupção.
147
Idem.
148
Jornal Movimento, 11/08/1975, Ed. 6, p.5. O que mudou no dia primeiro de agosto.
68

uma controlada ampliação da participação política. “A teoria da ‘distensão’ pretendia


assegurar um afrouxamento da tensão sociopolítica (...) que pudesse cooptar setores da
oposição” 149.
A proposta era controlar o AI-5, símbolo maior da coerção, e ampliar o consenso, por
isso as eleições nesse período foram mantidas com apreço pelo governo, demonstrando o
processo de escolha livre pela população, logo, de ampliação da participação política, como
numa democracia, no entanto, modificando as regras do jogo para garantir a força eleitoral da
Arena, seu partido. Pois, segundo Skidmore, o processo de abertura arquitetado pelo governo
contava “com uma Arena forte para controlar o cenário político civil” 150.
No entanto, o projeto do governo sofreu imprevisibilidades, e foi se modificando
conforme o confronto com as oposições, seja na sociedade civil, seja até nas próprias Forças
Armadas. Para Skidmore, a ascensão de Geisel foi orquestrada pelos Castelistas, afastados do
poder desde 1967, daí sua tarefa era de conter os linha-duras e a “subversão”.
Vemos as contradições de um governo que implementou um discurso de democracia
para encobertar a ditadura, e por isso teve que manter as bases legitimadoras, como o
Congresso Nacional e ao mesmo tempo tinha na repressão a necessidade básica de
sustentação. Daí se dava o que pode ser visto como um tipo de conflito existencial.
O discurso da distensão surgiu para aquietar as oposições, como no esquema de
recuar, ou seja, fazer concessões para os subalternizados e opositores, para evitar uma disputa,
com uma possível crise de hegemonia.

3.4 “Liberalização de gestos limitados”: a ação dos Autênticos, Moderados e Adesistas nas
páginas do Movimento

Chico Pinto foi cético quanto à distensão. Na sua coluna, A Semana em Brasília, ele
falou sobre as “estrelas da distensão”: “queixava-me, à distância, a um velho sertanejo, sobre
a incapacidade para ouvir estrelas, é preciso nos apaixonar urgentemente. Todos, sem
exceção. Só assim, poderemos ouvir, entender e acreditar na conversa das estrelas” 151. O
artigo foi escrito em tom irônico e metafórico, mecanismo de burlar a censura, já que sua
coluna era constantemente alvo dos censores.

149
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1984, p.
185.
150
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
p. 339.
151
Jornal Movimento, 14/7/1975, Ed 2 p. 4 As estrelas da distensão.
69

Em uma clara alusão ao poema de Olavo Bilac, Chico Pinto se referiu ao romantismo
de alguns emedebistas para ouvir ecos do além, para ouvir estrelas. A “estrela” é a distensão
de Geisel e só quem escutava – entendia - eram os séquitos apaixonados que nela
acreditavam, como Ulysses Guimarães e o setor Moderado da oposição. Para Chico Pinto a
distensão era uma balela governamental que até então estava atrapalhando a oposição em se
assumir mais enfaticamente.
Falar sobre a distensão é necessário para entender em contexto amplo a movimentação
dos políticos no campo, pois a distensão serviu para conter as inflamações que ocorriam
dentro no Legislativo, já que havia um discurso velado de que qualquer pressão pela
liberalização poderia gerar retrocesso. 152 Sendo assim, o discurso da abertura política fez o
MDB recuar de qualquer atuação mais incisiva ou pelo menos com essa desculpa os
Moderados, cúpula do partido, cercearam os Autênticos.

A crença de que o presidente democratizaria o país, o crédito de confiança aberto a


suas intenções, fez a oposição desistir, por exemplo de uma CPI dos direitos
humanos, que a liderança do MDB considerou uma atitude passível de ser encarada
como provocações e portanto capaz de atrasar a distensão gradual e segura 153.

Laerte Vieira, líder do MDB na Câmara, e Ulysses Guimarães, presidente do partido,


achavam que qualquer atitude mais radical poderia causar o retrocesso do presidente para a
abertura política. Dentro desse espaço cauteloso no MDB, criou-se até mesmo um movimento
liderado por Epitácio Cafeteira, chamado de “pragmatistas”, os protetores da “distensão”, com
o propósito de impedir a oposição mais rigorosa, ou seja, a Autêntica – a propósito, o objetivo
inicial deste foi combater a iniciativa de Lysâneas Maciel 154 de propor a Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Direitos Humanos 155.
Nas eleições de 1974 o MDB elegeu mais de um terço da Câmara de Deputados,
alcançando a quantidade necessária de deputados para propor CPIs, até então privilégio da

152
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. p. 186.
153
Jornal Movimento, 11/08/1975, Ed. 6, p. 5. O que mudou no dia primeiro de agosto.
154
Segundo Costa e Gagliardi, havia uma espécie de divisão dos assuntos à serem tratados na tribuna parlamentar
pelos autênticos, e Lysâneas era o representante dos direitos humanos. Ver COSTA, Célia; GAGLIARDI,
Juliana. Lysâneas, um autêntico do MDB. Artigo disponível on line.
155
Jornal Movimento, 5/1/76, Ed. 27, p. 12. O que mudou no dia primeiro de agosto. “Cerca de 35 deputados
formaram o grupo no começo do semestre passado, com o objetivo específico de combater Lysâneas Maciel.
‘Por causa da CPI dos Direitos Humanos’, segundo Epitáfio Cafeteira, ‘nós achamos que era começar a
legislatura com provocação, cutucar a onça com vara curta. Iam ser convidados até militares para falar nessa
CPI. Se eles se recusassem, o partido ficaria desmoralizado’ Cafeteira explicou ainda que o grupo pragmatista
(‘e não pragmático, como alguns nos chamam’) só apareceu ‘para retificar a rota do partido’. ‘Foi uma espécie
de bússola. Todos nós do MDB estamos no mesmo barco, se ele desvia a rota, nós reunimos e vamos ao
comandante’, diz ainda o deputado.” (MOVIMENTO, 15/9/75, p.5).
70

Arena, por ser maioria no Congresso. Em 31 de janeiro de 1975 a bancada do MDB se reuniu
para definir os temas, que circundavam entre: “reforma agrária, multinacionais, salários,
política habitacional e direitos humanos” 156. Lysâneas Maciel propôs a CPI dos Direitos
Humanos, no entanto, Laerte Vieira nem quis discutir a proposta – sobretudo, pela delicadeza
do tema no dado momento histórico, pois se constituiria como uma afronta ao regime.
Quando Lysâneas Maciel, querendo manter a indicação, reuniu as 122 assinaturas necessárias
para a formação da CPI, a direção partidária foi mais enfática, dizendo que se ele insistisse
nessa Comissão, poderia perder a Comissão de Minas e Energia, conseguida depois de acordo
entre Autênticos e Moderados 157. Comissão estratégica que inclusive iria discutir o acordo
atômico com a Alemanha mais as Minas de Urânio de Carajás. Se Lysâneas Maciel tivesse
permanecido na Comissão o presidente desta seria Marcos Tito (deputado ligado aos
Autênticos), mas não aconteceu. Bonifácio foi quem escolheu o presidente, João Pedro ligado
a Associgás – “entidade que reúne as poderosas empresas distribuidoras de gás”.
Em 1975, Bonifácio, líder da Arena, havia prometido tirar Lysâneas Maciel da
Comissão de Minas e Energia, pois já se sabia que o governo não deixaria a comissão nas
mãos do MDB. Mas em 1976, antes que Bonifácio efetivasse a promessa, o MDB entregou a
comissão. Laerte Vieira, então, procurou Maciel para se explicar dizendo que cedeu a
158
Comissão para não perder outras. A velha história da troca de perdas entre anéis e dedos.
Pelo noticiado em Movimento, os Moderados na liderança do partido conduziam-no
para a cautela. Nos importantes espaços de atuação, como nas CPIs evitavam a presença dos
Autênticos, que inclusive propunham temas mais polêmicos de enfretamento do governo,
como é o caso dos Direitos Humanos - isso contando pela importância do momento histórico,
em que vários presos políticos desapareciam e havia muitas denúncias de torturas. Enquanto
isso, os ditadores negavam qualquer prática de tortura, ou ainda, na opinião pública, Petrônio
Portela (Arena), propalava que a “revolução” “não pode se colocada no banco dos réus,
julgada pelas medidas que anteriormente teve que tomar na defesa de sua própria
sobrevivência” 159.
Os Autênticos disputavam os rumos de conduta do MDB, no entanto, pela correlação
de forças, o setor Moderado tinha mais poder no partido. E a atuação do MDB conduzida
pelos Moderados, ao que parece, se vestia do figurino da distensão do governo, com a típica
cautela, como por exemplo, impedir os Autênticos de assumir as CPIs, evitando a

156
Jornal Movimento, 5/1/76, Ed. 27, P. 11. As investigações da Arena. Manobras e manobras.
157
Idem.
158
Jornal Movimento, 22/3/76, Ed. 38, P. 5. Para onde vai o MDB?
159
Jornal Movimento, 5/1/76, Ed. 27, p. 12. Distensão em nome dela o MDB recuo e a Arena não avançou nada.
71

possibilidade destas se tornarem um instrumento de denúncia. Pois, as CPIs poderiam


questionar política econômica, relações internacionais, enfim, qualquer área do governo;
evitando o enfrentamento com o governo. Decerto, também os Autênticos tinham uma linha
de cautela mas, comparada, aos Moderados eram mais progressistas.
Para demonstrar as estreitezas de se fazer política no dado momento, tem-se as CPIs.
Havia uma limitação de temas, impondo cautela por parte da própria oposição que sabia disso:
era melhor atuar na estreiteza do que partir ao ataque, pois a relação de força com os ditadores
era muito desigual. Assim sendo, as CPIs se tornaram um instrumento de apoio da Arena ao
governo, um mecanismo de demonstração de legitimidade. Podemos perceber isso porque das
cinco que ocorreram em 1975, a Arena conduziu as três principais. A do Proterra - Programa
de Redistribuição de Terras e Estímulo da Agricultura do Norte e Nordeste, que constituiu-se
como mera leitura da legislação, apesar de o relator, Gurgel Valente, dizer que era um grande
projeto. Isso porque, evidentemente, esse deputado era contra a reforma agrária. Pois, segundo
o Movimento nos “quatro anos de existência [do Proterra] só concedeu título de terra para 75
lavradores”. Houve ainda a acusação do presidente da Associação Brasileira de Reforma
Agrária de que este programa passou a ser fonte de financiamento para grandes pecuaristas.
Depois da conclusão de Valente, ao final da CPI, falou ainda o ministro da agricultura,
Alysson Paulinelli: “a simples distribuição de terras é uma política demagógica” 160. Paulinelli
foi participante do Conselho Superior da Sociedade Nacional Agricultura – SNA, de 1959 a
1983. Seu discurso revela, por sua vez, o projeto da SNA, defensor da modernização sem
qualquer alteração da estrutura fundiária 161, projeto hegemônico da modernização excludente
promovida no campo no período da ditadura.
Houve também a CPI sobre o sistema penitenciário, com o propósito de saber sobre as
condições de funcionamento do sistema penitenciário dos estados do RS, SP e RJ. José
Bonifácio Neto (MDB-RJ) após inspecionar as cadeias disse: “Um ou outro preso reclama,
mas brigas entre os condenados, promiscuidade e maltrato dos guardas sempre existiu nas
cadeias” 162. Mais a CPI do “menor abandonado”, que também não passou de um estudo sobre
a legislação sem maiores problematizações sociais.
A liderança moderada do MDB seguia o projeto de distensão do governo, fazendo o
jogo da precaução, pois sabiam dos riscos e da necessidade da movimentação mais Moderada
para permanecer em cena. Geisel anunciou, desde o início, que a distensão dependeria muito

160
Jornal Movimento, 5/1/76, ed. 27, p. 11. A investigação da Arena. Manobras e manobras.
161
Ver Sônia Regina de Mendonça que discute sobre a SNA.
162
Jornal Movimento, 5/1/76, ed. 27, p. 11. A investigação da Arena. Manobras e manobras.
72

mais da colaboração do Legislativo que dele mesmo. Pois, interpretando a partir da leitura de
Skidmore 163 e Grinberg 164, os militares da linha dura estavam só esperando um escape do
presidente para retomar o governo e fechar mais o cerco.
O problema posto é questionar quais as possibilidades de fazer política dos Autênticos,
dentro de um partido direcionado pelos Moderados - que evitavam um confronto contra a
ditadura por principio, talvez, ou porque sabia que contra-atacar era correr riscos. Os
Autênticos, por estarem nesse partido, também podem ser considerados como moderados, pois
havia outras possibilidades de luta contra a ditadura. No entanto o fato é que os Autênticos,
em relação às ações dos Moderados, assumiram uma posição mais progressista. Inclusive,
eram reconhecidos pelo jornal e pelos próprios Moderados como os radicais.

Essa charge feita por Chico Caruso, um dos cartunistas do Movimento 165 explicita bem
o debate que se fazia no jornal sobre a ação levada pelos Moderados na época da distensão.
Na charge, Ulysses Guimarães no mar agitado, cheio de tubarões em volta, para garantir sua
permanecia no mar, que seria sua permanência na política, berra que segurará os radicais (os
Autênticos).
O Movimento era órgão de imprensa Autêntica, alguns dos mais conhecidos políticos
do grupo estavam vinculados diretamente ao jornal, como é o caso de Chico Pinto. E por essa

163
SKIDMORE, Thomas E.. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
164
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.
165
Jornal Movimento, 19/1/76, Ed. 29, p. 4. Sob o signo do impasse.
73

charge verificamos que lado o jornal assume, define o MDB como o partido dos Moderados e
que havia uma luta dos Autênticos para assumir o comando desse barco. Essa ideia está
presente em outras charges. E concordamos com o posicionamento do jornal sobre a
existência dessa disputa. No entanto, questionamos até que ponto essa moderação estava
presente em apenas um dos lados. Os Autênticos em alguns momentos, inclusive, fizeram
alianças com os Moderados. O que podemos perceber é que não havia uma fronteira definida
do rigor radical dos Autênticos. Por ser um grupo heterogêneo, havia alguns membros com
tendências bem moderadas, outros, como o Chico Pinto estavam em um posicionamento
muito mais radical. A radicalização dos Autênticos é definida pela relação entre Moderados e
Adesistas.
O curso da distensão, por sua vez, caminhou com o AI-5. Segundo Grinberg:

Para cada incidente político em que o aplicou, o general-presidente argumentou que


agira para responder às suscetibilidades de setores militares mais radicais. Na visão
dos militares, era recorrente a ideia de que a pressão da oposição atrapalhava a
abertura, levando o governo a retrocessos como o AI-5 166.

Nesse sentido, em 1974 tem-se a cassação de Chico Pinto logo na posse de Geisel. Em
1976 foi à vez dos neo-autênticos e Autênticos: Marcelo Gatto (SP), Nadyr Rosseti (RS),
Amaury Muller (RS) e Lysâneas Maciel (Guanabara), dentre outros. Skidmore diz que a
existência das cassações pela aplicação do AI-5 foi resultado da pressão que a linha dura
ainda exercia. 167
A pretensa legitimidade que o regime impunha com o jogo da participação política
caminhava com a repressão, sempre expelindo os que atravancavam o processo de sua
institucionalização. Chico Pinto crítica Geisel e seu projeto de abertura:

De 1971 até o ano de 1974, o Ato Institucional nº 5 foi moderadamente acionado,


atingindo pouquíssimos detentores de mandatos populares e nenhum parlamentar.
Daí a razão porque, o MDB, se diz surpreendido quando o AI-5 entra em ebulição,
provocando vítimas e fulminando alguns dos seus integrantes (...) 168.

Segundo o Movimento, o jornal gaúcho Correio do Povo estampou a notícia: o MDB


denuncia pressão política e presta homenagem a Leonel Brizola 169, referindo-se aos discursos
pronunciados por Amaury Müller e Nadyr Rosseti, na noite de 17 de março de 1976, na praça

166
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. p. 193.
167
SKIDMORE, Thomas E.. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
168
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed. 40, P. 2. Comemorações.
169
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed.40. P. 5.Zezinho Bonifácio: “pouco importa a história”.
74

pública de Palmeira das Missões (RS). Ainda na nota do jornal aparece o trecho dos discursos
que se anunciou no jornal gaúcho: “Muller: ‘Estamos num regime de golpe, não de revolução,
dominados pela aristocracia fardada’. De Rosseti: ‘A queda do regime é coisa certa, se não
por podre, pela corrupção’” 170. Por conta disso, o governo usou o AI-5 para cassar os
mandatos dos dois deputados.
Mas antes que isso acontecesse, os líderes partidários se reuniram para amenizar a
repercussão dos ditos discursos. O MDB queria sufocar o ocorrido para não haver grandes
repercussões, mas José Bonifácio incumbiu o deputado Fernando Gonçalves (da Arena/RS)
para fazer um bom discurso contra-atacando, ou melhor, respondendo aos “insultos” e
“injúrias” feito pelos Autênticos, com o propósito de manter a boa imagem do regime na
opinião pública - tarefa da Arena. No entanto, os Autênticos voltaram a discursar no pequeno
expediente (apelidado de pinga-fogo) defendendo o mandato parlamentar em resposta à
Arena. Laerte Vieira, por sua vez, se irritou com os Autênticos, dizendo que tinha combinado
silenciar a esse respeito.
A Folha de São Paulo, de 31 de março de 1976, informa que Laerte Vieira discursou
no plenário para apaziguar os pronunciamentos, tentando minimizar o discurso dos
Autênticos, dizendo que não era ameaça alguma para o governo um discurso pronunciado
numa cidadezinha do interior gaúcho. Desse modo, para evitar qualquer atitude mais drástica
do governo 171.
Os Autênticos estavam mais ou menos tranquilos porque Ulysses Guimarães lhes
garantiu que não haveria cassações. No entanto, logo se deu a notícia, Armando Falcão, o
ministro da Justiça anunciou na TV: “o presidente da República, ouvindo o Conselho de
Segurança Nacional, assinou decreto cassando os mandatos eletivos dos deputados
federais...” 172.
Os deputados se queixavam do líder do MDB:

Amaury Muller condenou duramente a direção do MDB: “Ouviram as acusações


que o líder do governo, José Bonifácio, fez contra os parlamentares oposicionistas,
da tribuna da Câmara, atacando até mesmo nossa honra, e nada fizeram para nos
defender. Foi assim com Francisco Pinto, com Marcelo Gatto e agora conosco”
(...) 173.

Os Autênticos se reuniram para tirar uma deliberação do grupo sobre o acontecimento.


Uma das propostas era que Ulysses Guimarães discursasse a respeito das cassações e se
170
Idem.
171
Disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/1976/03/31/2/# acesso em 28 de março de 2013.
172
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed.40. p. 6 Zezinho Bonifácio: “pouco importa a história”.
173
Idem. p. 5.
75

posicionasse nacionalmente contrário ao AI-5, se não, Lysâneas Maciel discursaria em nome


do grupo. Os Autênticos se reuniram no gabinete de Alencar Furtado, que se tornou o ponto
de encontro destes desde a expulsão de Lysâneas Maciel da Comissão de Minas e Energia,
que funcionava como espécie de comitê. Ulysses Guimarães se atrasou para a reunião,
restando a Lysâneas Maciel discursar. Fez então um discurso contundente sobre a atitude do
governo com as cassações. Como diz Skidmore, que também relata o fato das cassações, “A
notícia do seu discurso violento chegou ao palácio presidencial a tempo de seu nome ser
incluso na lista dos cassados” 174.
Na mesma sessão os deputados e senadores da Arena, tais como Petrônio Portela (líder
do senado), Herbet Levy, Fernando Gonçalves, discursavam dizendo ser o AI-5 “um
instrumento de aperfeiçoamento democrático”, e mais Ibrahim Abi-Ackel repetindo a
advertência de Geisel: “Se queremos continuar atuando na política, este é o regime, queiramos
ou não” 175. Segundo o Movimento, Bonifácio e Petrônio Portela estavam preocupados, pois
parecia que os Autênticos estavam mandando no MDB. Por isso, também a cassação de
Lysâneas Maciel.
Antes de sair do Congresso como político cassado, Lysâneas Maciel foi ao plenário e
pronunciou um discurso. O presidente da sessão, Célia Borja cedeu à fala, e o jornal noticiou
o tumulto do pronunciamento:

Quando disse que estava num “Congresso castrado”, foi interrompido, aos gritos,
pelo deputado paulista da Arena, Cantídio Sampaio: “não apoiado, comunista
safado”. “Não concederei apartes a torturadores, a defensores do Esquadrão da
Morte, a assassinos de estudantes e de trabalhadores”, respondeu-lhe Lysâneas,
seguindo-se um tumulto 176.

Distribuía-se a nota no Palácio do Planalto:

O presidente da República, ouvindo o Conselho de Segurança Nacional, assinou


decreto cassando o mandato eletivo do deputado federal Lysâneas Maciel e
suspendendo-lhe os direitos políticos por dez anos. Na sessão da Câmara dos
Deputados, realizada no dia 30 de março recém-findo, o citado ex-parlamentar –
cuja atuação sempre se caracterizou pela contestação à Revolução – proferiu
violento discurso, repetindo graves ofensas ao governo e ao regime vigente. Brasília,
em 1º de abril de 1976 177.

Armando Falcão, por sua vez, ligava para os principais jornais para evitar que se
divulgasse haver um surto de cassações e que eram apenas casos isolados. O MDB se limitou

174
SKIDMORE, Thomas E.. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. p.
370.
175
Jornal Movimento, 5/4/76, Ed.40, p. 6. Zezinho Bonifácio: “pouco importa a história”.
176
Idem. p. 6.
177
Idem.
76

a lançar uma nota à respeito das cassações dos mandatos dos três deputados, em 7 de abril,
criticando o governo, dizendo que não se deve resolver problemas pelas vias autoritárias, com
a aplicação do AI-5, mas pela via consensual 178.
No dia 8 de abril, a Arena também lançou uma nota em resposta à nota do MDB,
publicada no mesmo jornal, dizendo que este não se comportava como um partido e nunca
aderiu à revolução. Dizia: “todo ato praticado dentro da lei não é violência nem arbitrário. O
governo age segundo a legislação em vigor, expressa no Ato Institucional e na Constituição
que o aprova” 179.
Essa era a oposição que o governo queria garantir, por isso, determinar a tarefa da
Arena em disputar a opinião pública e moderar o MDB – usando o AI-5 quando necessário.
Lucia Grinberg, que pesquisou sobre Arena, diz que “No Congresso Nacional, as lideranças
arenistas desempenharam o seu papel de defender o governo face ao MDB, mas, na bancada
da Arena, havia também vozes dissonantes da direção partidária” 180. Mas deve ser dito que,
pelo princípio da fidelidade partidária, os arenistas eram obrigados seguir à liderança.
Nesse período, pelo limite incoerente da abertura política que se fazia, e no intento de
ser legitimo, o regime propagandeava uma suposta democracia, tentando garantir um
consenso em torno do AI-5, aparando-o no discurso da constitucionalidade. Os arenistas eram
sua garantia civil de convencer a opinião pública dessa democracia, pregando a necessidade
do regime expurgar os que discordavam:

anunciou-se que a Arena desencadearia uma campanha de esclarecimento em todo o


país sobre os motivos da utilização do AI-5, inclusive na cassação de mandatos de
deputados, e a necessidade de sua manutenção, essa nova campanha prometida seria
coordenada pelo senador Jarbas Passarinho. (...)
Logo após a cassação dos deputados Marcelo Gatto e Nelson Fabiano, reagindo ao
protesto do MDB, a executiva da Arena havia divulgado nota onde se lê que a
vigência do Ato Institucional nº 5 é indispensável à tranqüilidade do povo
brasileiro 181.

Em uma reportagem do Movimento em que se entrevista o líder arenista José


Bonifácio, este dizia:

[MOVIMENTO] 2. A oposição considera o AI-5 o oposto da democracia. O senhor


acha que a taxa de democracia pode ser alta com o AI-5?

178
Jornal Movimento, 12/4/76, Ed. 41, P.4. A crise.
179
Idem.
180
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. p. 185.
181
Jornal Movimento, 19/1/76, Ed.29. p. 4. Sob o signo do impasse.
77

José Bonifácio: O Ato 5 não colide com a distensão nem com o espírito
democrático do presidente Geisel. Quando à tese do MDB, não há nada de novo no
que eles dizem. O MDB apenas age como todas as oposições do mundo 182.

Pensar a tarefa da Arena é fundamental para entender a importância da prática política


dos Autênticos. Pois, a Arena estava no Congresso para disputar a opinião pública, no sentido
de fazer da ditadura um projeto político aceito pela sociedade. Era o partido forte, e ainda
havia as manipulações das regras do jogo político no Congresso, a manipulação na disputa
pela opinião pública, a censura, o boicote e a repressão. Mesmo assim o grupo disputava essa
opinião pública através do Congresso. Os Autênticos se tornavam uma voz projetada que
alertava, denunciava a ordem ditatorial como autoritária e arbitrária.
Os Autênticos faziam suas críticas ao regime, lutavam pelo Congresso e o espaço
ainda existente de se fazer política institucional, mesmo numa correlação de forças
desfavorável, disputavam a construção da opinião pública. Todavia, a história dos Autênticos
é acidentada. A ação parlamentar esbarrava nos limites institucionais. Ao sair do plenário
depois de uma denúncia, a cassação podia está pronta.
O regime se valia do consenso e da coerção. O consenso, ou seja, um discurso
ideológico que justificava as medidas do executivo e que fizesse a população aceitar que o
que se fazia enquanto projeto político fosse legítimo. Por isso, a liderança e alguns dos
deputados da Arena faziam o jogo, colaboravam com o regime, promovendo seus discursos
para serem mencionados na Voz do Brasil, onde atingiam boa parte da população brasileira,
na época em que o rádio era o grande meio de comunicação.
Por outro lado, em momento algum a ditadura se consolidou sem confronto. E por isso
também, houve a necessidade constante de redefinições, como diz Kinzo: “as regras do jogo
permaneciam indefinidas, e o processo político seguiria um movimento pendular de
compressão e descompressão” 183. Mesmo a Arena cumprindo a tarefa que lhe foi dada nesse
jogo político, de legitimadora do regime, de promotora do consenso, disputando com o MDB
a opinião pública, além da cúpula do MDB colaborar com isso, mediada pela postura
moderada, isso não bastava. Para manter o regime não bastava intimidar com a palavra, era
preciso uma atuação mais incisiva, aí entrou o AI-5, porque o governo queria a oposição
“responsavelmente” ajudando no processo de estabelecimento “democrático”, como se dizia
no discurso governamental.

182
Jornal Movimento, 18/8/75, Ed. 7, p. 6. Qual é a nossa taxa de democracia.
183
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988. p.164.
78

A importância de narrar tais fatos é pela demonstração do Congresso como um campo


de disputa. Como entre os Autênticos e Moderados, principalmente, havia um produto
simbólico sendo negociado. E nessa relação dos produtos negociados, verificamos as tomadas
de posição e a relação de força para se efetivarem os discursos políticos.

3.5 A Convenção Nacional do MDB em 1975

Para os Autênticos havia uma dupla tarefa, como disse Alencar Furtado em
depoimento no livro de Nader: era a luta no “sisteminha” emedebista e o front contra a
“sistemão” militar. 184 A Convenção Nacional foi um dos episódios que mais se acirraram as
disputas internas. Os Autênticos queriam tornar o MDB um partido mais unificado e
oposicionista, de enfrentamento com o regime, e por isso, achavam necessário disputar os
cargos do partido. Os Moderados, por sua vez, sabiam do risco de uma represália pelo regime
se isso acontecesse, daí manter a linha da moderação.
Já tive oportunidade de abordar brevemente sobre esse episódio 185, mas é prudente
rever esse evento numa perspectiva, agora, mais ampla da ação dos Autênticos. A Convenção
Nacional do MDB, marcada para 21 de setembro de 1975, gerou uma briga interna no MDB,
entre Autênticos históricos, Novos Autênticos, Moderados e Adesistas. O que possibilitou
verificar a tomada de posição de cada um dos grupos.
A cúpula emedebista era formada pelos moderados Ulysses Guimarães, no cargo de
presidente do partido, Thales Ramalho secretário geral e Laerte Vieira, líder da Câmara.
Ulysses Guimarães era vice-presidente, assumiu a presidência do MDB em 1971, com a
renúncia do general e senador Oscar Passos. E junto assumiu Thales Ramalho como secretário
geral. Em 1972 se reelegeram na Convenção quando, disputando com os Autênticos, os
Moderados conseguiram eleger 33 dos seus, enquanto os Autênticos conseguiram emplacar
apenas 16 nomes para o diretório nacional. 186 E durante três anos o diretório nacional só se
reuniu 3 vezes, sendo que as decisões sempre foram tomadas pela Executiva composta por 15
membros, dentre eles os líderes moderados Thales Ramalho e Ulysses Guimarães. Havia um
espaço garantido na liderança pelos moderados, que falavam em democracia, muito embora
no próprio partido não houvesse. Daí enxergar a difícil tarefa de se fazer política no partido de

184
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
185
Esse fato é relatado no Trabalho de Conclusão de Curso, uma monografia.
186
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10, P. 4. A grande crise.
79

Oposição dirigido pela maioria Moderada que, muito embora discursasse em prol da
democracia, tinha uma prática na vida interna partidária que dizia o contrario.
No episódio da Convenção Nacional, em 1975, que é o fato que nos interessa analisar
para perceber as tomadas de posições e disputas internas dos grupos do MDB, Francisco
Pinto foi um dos principais articuladores para unir os grupos dos Neoautênticos, Autênticos e
Moderados, propondo um “chapão” para o diretório nacional e a executiva, para impedir o
avanço Adesista.

Na charge da matéria “A grande Crise” 187, a imagem é sugestiva. Chico Pinto


conduzindo o samba, que seria a aliança dos grupos, ao lado esquerdo Airton Soares, na ponta
João Gilberto, representantes do neoautênticos, lado direito Lysâneas Maciel e Alencar
Furtado dos Autênticos. Interpretando-se a charge junto à matéria jornalística, o samba pode
ser lido como alusão à grande crise que se deu no MDB com a Convenção Nacional, em que
os Autênticos e Neo-autênticos acabaram “sambando” – na boa linguagem popular. Chico
Pinto era reconhecido como principal líder do grupo e estava à frente da articulação de
alianças dos grupos.
As charges eram bastante usadas na imprensa no período, o humor era uma forma de
suavizar a crítica a determinado assunto. O Movimento também usava muito desse artifício,

187
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10, P. 4. A grande crise.
80

inclusive com o próprio Francisco Pinto. Mas é possível problematizar a tomada de posição
do jornal com respeito ao assunto. Francisco Pinto era membro do jornal e está muito presente
nessas charges, que tentam passar uma visão de sua imagem como um homem de grandes
articulações e em uma posição progressistas com relação aos Moderados. Havia uma tentativa
do jornal de desvencilhar a imagem dos Autênticos, principalmente de Francisco Pinto, com
as posições moderadas do partido da Oposição. Isso se constitui também como a negociação
do produto simbólico, o político vive da imagem e da crença dos seus eleitores, e o jornal era
lugar privilegiado de construção de imagem.
Na Convenção para decidir os cargos do partido os Moderados não queriam abrir mão
dos cargos principais, presidência e secretária-geral, daí pretenderem distribuir os lugares para
os Autênticos no seguinte esquema: 31 lugares de 71 no diretório e 5 de 15 lugares na
Executiva, sendo esses: “1ª vice-presidência, a 1ª ou 2ª secretaria, a tesouraria e dois lugares
de vogais” 188. Quando os Autênticos foram dizer que aceitavam essa proposta os Moderados
já haviam recuado quanto à proporção.
Depois de intensos confrontos quanto à participação dos Autênticos na chapa os
Moderados propuseram:

31 lugares no diretório nacional, cinco lugares na executiva, entre eles a tesouraria, e


mais a presidência do conselho de ética do partido e da Fundação de Estudos
Políticos e Sócio-econômicos que deverá ser criada, por sugestão do deputado Alceu
Collares. O nome para esses lugares seriam de livre escolha dos renovadores 189.

Em seguida, os Moderados puseram outro condicionante - vetaram o nome de Chico


Pinto, indicado à vice-presidência na executiva. Os cargos da executiva eram os mais
importantes, inclusive, o grande reclame dos partidários era que as decisões do MDB sempre
partiam da executiva, sendo portanto, o lugar onde de fato era possível ter alguma atuação
deliberativa no MDB.
Os neo-autênticos, que foram deputados que entraram influenciados pela perspectiva
de ação dos Autênticos históricos, já estavam decepcionados pela morosidade do MDB, até
pela própria atuação dos Autênticos históricos – e foi justamente por isso que eles se
aglomeraram em outro grupo, com a intenção de pressionar o MDB para o confronto com à
ditadura. Mas, sabendo da necessidade de disputa contra os Adesistas, se uniram com os
Autênticos na proposta do chapão com os Moderados. E ficaram ainda mais indignados com o
veto a Chico Pinto, conscientes da necessidade de combater a cúpula Moderada. Os

188
Jornal Movimento, 18/8/75, Ed. 7, p. 6. O MDB briga ou não?
189
Renovadores, o nome que a imprensa deu à união entre autênticos e neo-autênticos. (MOVIMENTO, 8/9/75,
Ed. 10 p. 4).
81

depoimentos revelavam isso: “o deputado Rosa Flores, depois de denunciar o ‘jogo sórdido’ e
o ‘maquiavelismo do presidente do partido’: ‘Chico Pinto personifica tudo que desejamos
para o nosso partido’” 190.
Mais ainda:

A justificativa de que teria havido pressão externa para vetar o nome de Chico Pinto
só serviu para irritar ainda mais os deputados contra o comando do partido (...)
Enquanto Walter Silva defendia Chico Pinto como ‘o símbolo, para nós, do que é
oposição no Brasil. Continuará sendo fonte de inspiração de todos nós’ 191.

Os adesistas, chaguistas e outros que se denominavam sem grupo movimentaram o


MDB contra a chapa da unidade, pois para eles essa chapa foi feita à revelia - exclusivamente
pela conspiração entre Moderados e Autênticos. Os descontentes então assinaram um
documento de protesto contra o “chapão”. Segundo informação do jornal Movimento, o
deputado adesista, do MDB/GUANABARA, Leo de Mello Simões:

Em setembro do ano passado foi ele quem também articulou – numa atitude que ele
propaga em autolouvação – o manifesto com 80 assinaturas, que pressionou com
sucesso a direção do partido para afastar a candidatura do deputado Francisco Pinto
à vice-presidência do MDB 192.

O que favoreceu a pressão dos Adesistas foi sua estreita relação com um dos líderes do
MDB, Laerte Vieira - que pareceu agir em comum acordo e em negociatas com esses grupo.
Os Adesistas reclamaram do seu isolamento, mas na verdade sabiam de tudo que ocorria via
Vieira: “Se uma grande parte do grupo descontente não foi consultada nas decisões sobre o
novo diretório e no acordo com os Autênticos, quase todos os seus líderes têm, contudo,
mantido reuniões seguidas com Laerte Vieira” 193.

190
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10 P. 4. A grande crise.
191
Idem.
192
Jornal Movimento, 26/4/76, Ed. 43 p. 5. Os “oferecidos” do MDB.
193
Jornal Movimento, 15/9/75, Ed. 11 P. 5. MDB. Os adesistas puxam a oposição para o desvio.
82

Essa outra charge assinada por Chico Caruso, está na matéria MDB os adesistas
puxam a oposição para o desvio 194, aludindo ao episódio da Convenção. O trem chamado
MDB, está sendo disputado entre o Autêntico Chico Pinto, do lado esquerdo, Ulysses
Guimarães, Moderado, lado direito, e Laerte Vieira, embora Moderado desviando os trilhos
para os Adesistas.
A charge é uma ilustração da situação em que Laerte Viera estava negociando com os
Adesistas e daí a inconformidade dos Autênticos com tal situação. Novamente destaca-se a
centralidade da figura de Chico Pinto, que estava afastado do Congresso, mas permanecia na
articulação com os Autênticos. Talvez a exploração da sua imagem se dê pela proximidade
com o jornal, mas também pela pessoa polêmica que era.
Depois da tamanha crise no MDB o acordo entre Autênticos e Moderados foi mantido,
com alguma perda para os Autênticos. Fechou-se assim a chapa:

Os renovadores sem nenhum cargo na executiva: “presidente, Ulysses Guimarães; 1º


vice, Paulo Brossard; 2º vice, Saturnino Braga; 3º vice, Tancredo Neves; secretário-
geral, Thales Ramalho; 1º secretário Lázaro Barbosa; 2º secretário Aldo Fagundes;
1º tesoureiro, Mario Benevides; 2º tesoureiro, um moderado do Paraná; vogais:
Danton Jobim, Leite Chaves, Gilvan Rocha e Fernando Coelho 195.

194
Idem.
195
Jornal Movimento, 15/9/75, Ed. 11, P. 5. . MDB. Os adesistas puxam a oposição para o desvio.
83

Esse foi um dos episódios que melhor delineou a relação de disputa dentro do MDB.
Depois de intensos confrontos, entre Autênticos, Adesistas e Moderados os cinco lugares na
executiva foram retirados da proposta dos Autênticos. Pois ter os Autênticos na executiva
correspondia a um risco para o partido, com a possibilidade de transformá-lo numa oposição
mais aguda, não só pelo histórico combativo, mas inclusive pela proposição de atuação deste,
que incluía a pauta de mobilização popular:

Os ‘autênticos’ se fixaram três condições. Primeira: centralizar a luta na clara defesa


de posições políticas, métodos de atuação e representatividade popular, e não em
rivalidades ou retaliações pessoais. Segunda: adotar métodos democráticos de
competição, baseados no debate sério de alternativas políticas e na disputa leal e
respeitosa de influência. Ainda desse ponto de vista, sem renunciar às exigências
justas, manter as portas abertas a um entendimento com os ‘moderados’. Terceira:
não perder de vista que o obstáculo principal para o desenvolvimento do MDB é
representado, não pelos ‘moderados’, mas pelos adesistas’, principalmente pelos
‘adesistas’ de Chagas Freitas no Rio de Janeiro e de Ney Ferreira na Bahia. Por não
concordarem com o programa oposicionista, os ‘adesistas’, abertos ou encapuzados,
se encontram no partido errado e deveriam ser ajudados a se transferirem para a
Arena: eventuais perdas imediatas seriam amplamente compensadas por uma
purificação da imagem do MDB e por seu maior enraizamento no eleitorado
oposicionista 196.

Conseguir os cargos de direção partidária era uma tarefa que os Autênticos se


propunham para direcionar o partido à oposição mais efetiva de enfrentamento da ditadura.
No entanto, as relações de forças dentro do partido eram desfavoráveis, e aí o limite de ação
destes. Daí também um dos objetivos fosse manter dialogo com os Moderados, força
majoritária, para evitar o fortalecimento das práticas Adesistas, que correspondiam aos
interesses militares. No mais, a perspectiva de Chico Pinto, que coadunava com a dos
Autênticos, para solucionar esse impasse só mesmo a popularização do MDB, ou seja, incluir
as demandas do povo como diretriz do partido.
Vemos então o posicionamento de Chico Pinto, através das suas colunas, nelas
combateu duramente a direção emedebista. Seus artigos trataram deste assunto por um longo
período de tempo. De tal modo em “A distância do Programa”, Chico Pinto faz sua análise
sobre os partidos:

No Brasil, no entanto, os partidos especificamente políticos apresentam-se aos olhos


da Nação, na qualidade de conglomerados fisiológicos, sob o comando de caciques
emperdernidos, viciados na capoeiragem rasteira, nos golpes baixos, na
insinceridade do que apregoam e sem nunca transpor a barreira que separa a palavra
da ação, buscando, apenas, fixar uma imagem irreal e enganadora de si mesmo. Há,
no comportamento desses chefes partidários, uma defasagem enorme entre o que
dizem e o que fazem, entre o que pregam e o que executam. A palavra por si só

196
Jornal Movimento, 1/9/75, Ed 9, p. 8. A briga interna do MDB.
84

constitui um ato político incompleto. O pensamento, em si mesmo, nada traduz. Mas


o verdadeiro político é aquele que alia à palavra a ação, o que diz e pratica 197.

Para Pinto em tais circunstâncias “um partido de oposição no Brasil, para firmar-se e
pretender o poder, não pode dar seguidos exemplos de incorreção por parte dos seus líderes e
dirigentes vocacionados para o exercício ditatorial” 198. Com essa postura incoerente, sem
sequer uma mínima organização, para Chico Pinto, o partido não iria adiante na conquista do
poder: “agrupamento desorganizados e sem crédito na opinião pública não conduzem a nada.
Segui-los ou acompanhá-los é uma perda de tempo” 199.
Chico Pinto ficou indignado, pelo que parece, não só pelo veto ao seu nome, ele que
não era mais um parlamentar, mas fundamentalmente pela deturpação do significado do
partido que ele acreditava. Deste modo, ele também abordou sobre em que se transformou a
convenção nacional: “ela deveria chamar-se de convenção parlamentar, porque, embora
alguns deputados sem mandato participem dela, os verdadeiros donos da convenção são só
congressistas” 200.
Em Os desvios dos partidos, Chico Pinto disse qual sua proposta para a conduta do
partido e, entre as brigas internas, ele fica com a possibilidade de abrir o partido para o povo
conduzi-lo. Pois o Congresso, na ditadura, parecia ter uma vida separada da sociedade, e um
partido que trilha os mesmo rumos e fica no isolamento, não serve para nada e nem a
ninguém.
Brigam autênticos e brigam moderados. E por que não brigam para colocar no
diretório lideranças de trabalhadores, líderes estudantis e religiosos, representantes
das profissões liberais, artistas, intelectuais, camponeses, proprietários urbanos e
rurais, professores universitários, enfim, quem possa refletir melhor e melhor
traduzir, sem o isolamento de todas as correntes de opinião? 201

A aliança com o povo significava a solução para os Autênticos direcionar o partido,


levando em consideração a desigualdade nas correlações de forças entre os grupos dentro do
MDB. Ademais, só com o apoio da população os Autênticos teriam a força necessária para
engrandecer a luta contra o regime militar. Como um político, Chico Pinto sabia que nenhuma
corrente de ideia se sustentaria sem a direta ligação com os que estavam fora do campo
político – com quem de fato dá a sustentação para o político profissional; quem valida o
produto simbólico.

197
Jornal Movimento, 8/9/75, Ed. 10, P.8 A distância do programa.(Sic).
198
Idem, p. 8.
199
Idem, p. 8.
200
Jornal Movimento, 25/8/75, Ed. 8 p. 6. Os desvios dos partidos.
201
Idem.
85

Na coluna, “ensaios populares”, aparece uma leitura sobre a conjuntura política e da


luta do MDB, que nos chamou a atenção:

E em política não se pode lutar por idéias sem lutar pelo poder que permita levá-las
à prática. Assim sendo, ao apontar novas alternativas ao MDB, os autênticos têm
todo o direito e dever de lutar pelos postos de direção que possibilitem traduzi-las
em realidade prática, e para tanto, desde que não sacrifiquem nenhuma posição
básica, podem e devem estabelecer as alianças necessárias 202.

O discurso dos Autênticos diferencia-os dos outros grupos, pois alegava outra
perspectiva de condução para o MDB, que nos conduz a pensá-los como uma instância que
lutava contra a ditadura e, por isso, analisar as disputas internas do partido significa entender a
tentativa de transformar o discurso contra a ditadura em prática. Os Autênticos disputavam os
cargos deliberativos do partido para validar suas proposições – projetar uma imagem coerente
de partido que fosse capaz de aglomerar interessados em lutar contra a ditadura. O objetivo
era transformar o MDB em um partido condutor da luta contra a ditadura.
Chico Pinto acreditava que mesmo com as limitações, os Autênticos ainda eram o
instrumento necessário para movimentar o MDB: “o grupo ‘autênticos’, apesar de isolado e
cerceado pela cúpula do MDB, conseguiu conduzir a verdadeira bandeira da oposição” 203.
Novamente vale ressaltar que não nos interessa fazer um julgamento a respeito da ação
dos Autênticos, mas entender de que forma esses traçaram uma estratégia de luta para
combater a ditadura. E como suas ações progressistas abriram um campo de disputa dentro do
partido de oposição, que havia sido criado para ser uma oposição obediente, sem muitos
confrontos. O jornal Movimento tem uma posição declarada sobre os Autênticos, no entanto, é
possível problematizar através dela e visualizar uma disputa. O interesse é perceber a
dinâmica construída no MDB, mais uma frente de luta de Chico Pinto. Além de verificar seus
discursos e o conteúdo produzido, é importante captar as tomadas de posições dentro do
partido. O jornal era um lugar privilegiado de demarcar posições para o público, para os
Autênticos divulgarem que pauta eles estavam defendendo, demarcar quem era quem na
oposição, declarando o lugar de Moderados e Adesistas.

3.6 Eleições de 76: Chico Pinto em Feira de Santana

Enquanto as brigas internas aconteciam no MDB, as eleições de 1976 se


aproximavam, e esse momento para Chico Pinto era o de fazer contato com o povo, com

202
Jornal Movimento, 1/9/75, Ed 9, p. 8. A briga interna do MDB.
203
Jornal Movimento, 15/9/75, Ed. 11, p. 6. A criatura de volta ao criador.
86

quem de fato interessava para o objetivo de transformar o MDB em um partido oposicionista


forte, sem pressão da cúpula ou dos militares.

As forças são as mais diversificadas que o compõem. E por isso mesmo, quando
alguma dessas forças tende a avançar um pouco mais ela é contida pela própria
direção partidária. De forma que, o que eu acredito, é que o povo consciente da
necessidade de se organizar é que pode no futuro criar condições para que o partido
venha a tomar posições mais progressistas, mais avançadas, mais conseqüentes 204.

Chico Pinto falava da importância do comício nesse momento, enquanto alguns diziam
que o rádio já o substituía. O comício era o grande momento do contanto com o povo.
Naqueles lugares onde não chegou a “civilização eletrônica”, dizia Chico Pinto:

o comício volta a ser, portanto, a grande solução. É certo que ele representa uma
limitação técnica de comunicação com o público. Dirão alguns, que os senhores do
palanque falam e o povo escuta. Esquecem-se de que o povo não somente escuta,
mas aplaude, silencia e vaia, o que significa que participa pelo estimulo, pela
indiferença e pela contestação.
Dirão, ainda, que os doutores do palanque selecionaram as mentiras que querem
contar. Se assim fora, eles é que teriam o que perder. O povo aceita o que coincide e
explica o seu dia a dia. O resto é inútil martírio da garganta do orador 205.

Embora Chico Pinto apregoasse uma relação com o povo, dizendo ser quem de fato o
interessava, não temos elementos para demonstrar sua vinculação com qualquer setor social.
E nesse sentido, a leitura que temos é da sua atuação no espaço da política strictu sensu, no
espaço do Parlamento, nos momentos eleitorais e no próprio jornal.
Para fazer uma análise sobre as eleições de 1976, percebemos a importância das
eleições no regime militar. Uma vez que o regime seria uma ditadura era de se esperar que
descartasse esse mecanismo da democracia, no entanto, na ditadura não só se manteve as
eleições como também se tinha grande apreço por elas. Pois, era o principal instrumento de
demonstração pública da sua legitimidade. Por isso mesmo, foi incorporada ao projeto de
distensão - a ampliação da participação política, demonstrativo de que o regime era
constitucional.

a reativação ou revalorização do mecanismo eleitoral era plenamente compatível, na


ótica do grupo dirigente, com o extremo gradualismo que desejavam imprimir ao
processo de liberalização. Exatamente por ser altamente formal, abstrato e, nesse
sentido, incerto, ele permitiria o inicio cauteloso de um realinhamento sem precipitar
definições substantivas muito amplas sobre as futuras intenções do governo (...) As
eleições funcionariam como uma legitimação processual, vale dizer, como uma
revitalização da noção de legitimidade na ação governamental, esta por sua vez
indispensável à coesão militar 206.

204
Pinto Vem Aí, 1976. Filme de Olney São Paulo.
205
Jornal Movimento, 11/10/76. Ed. 67, p. 2. Os comícios.
206
STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 100-101.
87

Para essa etapa de institucionalização do Estado, as eleições tinham o poder de


disfarçar a explícita coerção. No entanto, teve suas peculiaridades e pôs em ação uma
cautelosa e bem disfarçada exclusão da decisão popular. Através de um mecanismo
aparentemente legítimo, o Estado queria controlar a maioria suficiente no Congresso para
garantir a aprovação da legislação e aparente constitucionalidade do regime.
Mas no caminho, as pedras. O governo achou que poderia ganhar as eleições, e em
1974, concedeu certa liberdade nas campanhas eleitorais, o que possibilitou um debate entre
os candidatos que se valeram desse espaço de campanha e comícios para discutir temas caros
aos militares, como o modelo econômico, política. “o eleitorado começou a se perguntar se
seu voto poderia fazer diferença” 207. Dentre outros aspectos as eleições assumiram um caráter
de manifestação da insatisfação com a política, e até partidários do voto nulo votaram no
MDB para contestar. O resultado desse momento foi à vitória do MDB no senado e aumento
da sua porcentagem na Câmara de deputados. (Ver primeiro capítulo)
O risco de a Arena perder as eleições em 1976 e se repetir o episódio de 1974, fez com
que o regime manobrasse a legislação eleitoral. 208 A derrota da Arena poderia causar vários
perigos para o governo, como fragilizar o projeto das eleições como mecanismo de consenso,
além de ser uma ameaça para as eleições indiretas nos cargos executivos.
Sendo assim, em 1976 as eleições foram manejadas pela Lei Falcão, com a intenção de
restringir a propaganda eleitoral:

I - na propaganda, os partidos limitar-se-ão a mencionar a legenda, o currículo e o


número do registro dos candidatos na Justiça Eleitoral, bem como a divulgar, pela
televisão, suas fotografias, podendo, ainda, anunciar o horário local dos comícios;
II - o horário da propaganda será dividido em períodos de cinco minutos e
previamente anunciado;
III - a propaganda dos candidatos às eleições em um município só poderá ser feita
pelas emissoras de rádio e televisão, cuja outorga tenha sido concedida para esse
mesmo município, vedada a retransmissão em rede;
IV - o horário de propaganda destinado a cada partido será distribuído em partes
iguais, entre as suas sublegendas;
V - o Diretório Regional de cada partido designará comissão de três membros para
dirigir e supervisionar no município a propaganda eleitoral através do rádio e da
televisão 209.

O jornal Movimento interpretou esse fato levando em consideração a restrição da


propaganda, pois só teria “direito a propaganda gratuita os candidatos em cujos municípios
existirem estações transmissoras de rádio ou televisão”, e no Brasil da época, calculava-se

207
STEPAN, Alfred (org.). Democratizando o Brasil. São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 34.
208
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1984.
209
O texto original da lei está no site da Câmara Federal. Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6339-1-julho-1976-357658-publicacaooriginal-1-pl.html.
88

que somente 800 municípios tinham estação de rádio e 40 de televisão, e existiam “no Brasil
4.000 municípios” 210 Ou seja, a restrição à propagada eleitoral era colossal.
Com essas medidas, teve-se a intenção de garantir a vitória da Arena. Skidmore diz
que a lei:
Foi uma violenta reação às eleições de 1974, quando os candidatos do MDB usaram
a televisão para atrair votos decisivos nas últimas semanas que precederam o pleito.
Todas essas medidas reforçaram o cerco do governo ao MDB, ao qual Geisel se
referia como o “inimigo” 211.

Vemos no Movimento as táticas do governo, os primeiros anúncios da reforma


eleitoral:

Como diz Temístocles Cavalcante, não há e nunca houve soluções políticas


definitivas. São estas as razões que nos levaram a instituir, no âmbito partidário,
comissões especiais com a incumbência de atualizar e consolidar a legislação
política do País e formular sugestões com vistas ao aperfeiçoamento imediato das
normas pertinentes às eleições deste ano (deputado Francelino Pereira) 212.

Estas foram às palavras do presidente nacional da Arena, Francelino Pereira, falando


sobre as modificações que a cúpula da Arena, junto ao governo, estavam programando para a
legislação eleitoral, e confirmando as eleições para novembro do mesmo ano,

(...) com o objetivo de manter o calendário eleitoral através da modificação das


condições da concorrência entre MDB e arena.
Historicamente, o respeito ao calendário eleitoral vem sendo um dos principais
triunfos políticos do movimento militar de março de 1964. O governo sempre fez o
que pôde para manter inalteradas as datas dos pleitos políticos, mesmo porque eles
sempre foram apresentados como uma evidência da normalidade do funcionamento
das instituições políticas brasileiras 213.

A coerção é um recurso muito simplista e insuficiente para um regime que


permaneceu durante muito tempo no país. Através dessas estratégias verificamos como o
governo militar, através da Arena, tentou construir uma opinião pública, edificar um falso
consenso manipulando as regras do jogo, para parecerem legítimos na aprovação popular pelo
voto.
Além de mudar as regras do jogo, a Arena precisava convencer a população da sua
legitimidade, e estratégias foram traçadas. Por exemplo, a Arena “encomendou uma pesquisa
de campo em vários Estados para saber as tendências do eleitorado. Sabe que novembro de 76

210
Jornal Movimento, 24/5/1976, p. 2. A propaganda eleitoral. O projeto do governo.
211
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988,
p. 370-371.
212
Jornal Movimento, 2/2/1976, p. 5 . Ed. 31. Eleições. As datas e as regras.
213
Idem.
89

não pode repetir novembro de 74 e quer saber o que é preciso fazer para evitar aquele
desastre” 214.
A teoria da distensão muito bem controlada dizia que a Arena deveria ganhar, para que
tudo seguisse nas ordens e nada afetasse tal projeto, assim analisavam várias matérias do
Movimento. Mesmo sendo eleições municipais o governo queria medir a temperatura para
saber como prosseguir no dito projeto político. Nesse campo a Arena foi incumbida de
mostrar e captar o apoio popular para o regime, “legal e constitucional”.
Com a lei Falcão, os candidatos não podiam falar pelo rádio, mas isso não impedia que
o governo falasse por eles até o Tribunal Superior Eleitoral proibir qualquer tipo de
propaganda, mesmo pelo presidente. 215 Além do mais, o governo disponibilizou o aparelho
estatal para a campanha de seus candidatos, carros, gasolina, papel, etc. 216. Já o MDB,
segundo o Movimento, ia de mal a pior. A direção deixou os candidatos à sua própria sorte. A
campanha foi decidida em algum gabinete pela cúpula moderada e era limitada:

até agora a direção do MDB se limitou a distribuição de dois livretos. Um contendo


o estatuto e o programa do partido. O outro é um livreto intitulado ‘MDB em ação
nos municípios’, que os deputados Ulysses Guimarães – presidente – e Thales
Ramalho – secretario - chamam na sua introdução de ‘manual para as eleições’ 217.

Com a lei Falcão desmobilizou-se completamente a estratégia da oposição nas


campanhas. Somava-se ainda a morosidade da direção partidária que não deu uma linha de
ação aos diretórios, deixando-os agir por si mesmo.
Na opinião do jornal:

Na verdade, uma das razões do pouco empenho da direção do MDB em dar um


impulso mais agressivo à campanha é a atual desarticulação do grupo autênticos,
que nas eleições de 1974, empurrando as facções mais moderadas e indecisas do
partido, contribuiu decisivamente para a grande vitória do MDB. Sem a antiga
pressão do grupo autênticos, a ala moderada, pelo menos nesta arrancada inicial, esta
ditando o tom da campanha sem maiores dificuldades 218.

Como sabemos o MDB era seccionado entre os grupos. E pela política da cúpula com
a morosidade, cumpria as deliberações do governo, fundamentalmente, temerosos em tomar
alguma medida radical que prejudicasse a distensão.

214
Jornal Movimento, 2/2/76. p. 5. As eleições. As datas e as regras.
215
Jornal Movimento, 1/11/76, Ed. 70, p. 4.
216
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1984, p.
191.
217
Jornal Movimento, 16/8/76, p. 3. Ed. 59. Afinal, o MDB quer ou não quer ganhar as eleições?
218
Idem.
90

Nessa secção verificamos também como estava a campanha eleitoral na cidade de


Feira de Santana, pela devida importância de Francisco Pinto fazer parte dela. São poucos os
números com sua coluna no jornal Movimento no ano de 1976. Embora, Pinto relate no filme
Pinto Vem Aí que a causa disso fosse a censura insistente à sua coluna.
Em 1966, na cidade de Feira de Santana o MDB perdeu para a Arena por quase 3.000
votos, em 1970 já foi diminuindo a diferença para 300 votos. Em 1972 o MDB venceu as
eleições para prefeito. A família Falcão – proprietários do jornal da Bahia – que faziam
oposição a Antônio Carlos Magalhães, não apoiou o candidato da Arena. José Falcão, 219
candidato a prefeito, teve 20.800 votos, elegendo 8 vereadores, enquanto a Arena obteve
20.491, com sete vereadores 220.
Feira de Santana em 1976 era a 37ª cidade mais populosa do Brasil, com cerca de “220
mil habitantes e 75 mil eleitores” 221e deu vitória ao MDB. Segundo o jornal Movimento, que
fez uma reportagem sobre as eleições em Feira de Santana, os motivos podem ser atribuídos
pela escolha do candidato e pelo forte apoio de Francisco Pinto - Colbert Martins, o eleito,
tinha sido secretário da gestão de Chico Pinto, e na campanha se aproximou das propostas dos
Autênticos. Uma campanha mais popular, baseada no funcionamento dos comitês e
associações de bairro, da época de Chico Pinto. Segundo o jornal a campanha podia ser
“medida pela existência de 155 comitês de bairros e distritos vinculados ao MDB, onde quase
que semanalmente de 200 a 400 pessoas se reuniam para discutir os problemas da
comunidade e ouvir os candidatos da oposição” 222.
Enquanto a Arena, segundo o Movimento, usava a campanha de compra de votos. O
jornal, diz que “Vários eleitores chegavam para os candidatos emedebistas e diziam: ‘nós
pegamos o dinheiro da Arena, mas vamos votar no MDB’” 223.
Segundo o Movimento a Arena também cometia um grande erro, de atacar
verbalmente a personalidade de Chico Pinto. Isso pode ser uma possibilidade, pois em política
tentar decompor o carisma é uma das grandes práticas. O político profissional vive da
credibilidade, ou seja, da confiança que os eleitores depositam nele. E corromper a imagem é
tentar acabar com a confiança dos eleitores para com o político. No entanto, essa é uma ação
medida pelo capital simbólico, quem tem menor credibilidade ao atacar o carisma de outro
219
Esse José Falcão não é parente da família Falcão do Jornal da Bahia (João Marinho Falcão, João Falcão,
Wilson Falcão).
220
Jornal Movimento, 22/11/76. Ed. 73, p.6. “O governo com as bases em Feira de Santana”. Os três principais
partidos da cidade, UDN, PTB e PSD, se dividiram entre a Arena e MDB com o bipartidarismo. A UDN e PTB
se aliaram à Arena e o PSD ao MDB.
221
Jornal Movimento, 22/11/76. Ed. 73, p.6. Governo com as bases em Feira de Santana.
222
Idem.
223
Idem.
91

pode conduzir o repúdio dos possíveis eleitores para si. Chico Pinto, como político
profissional construiu um grande arsenal de capital simbólico perante os setores mais
populares de Feira de Santana. E o candidato da Arena ao atacar sua personalidade tem o
feitiço virado contra o feiticeiro 224.

3.7 “A vitória da oposição dentro da oposição”: A disputa pela liderança na Câmara de


deputados entre Laerte Vieira versus Alencar Furtado

Em 1977 novamente as brigas internas do partido começam a se aguçar, agora pela


liderança do MDB na Câmara, entre Laerte Vieira (moderado) e Alencar Furtado (autêntico).
As eleições estavam marcadas para 28 de fevereiro de 1977. Com essa candidatura a tentativa
de Alencar Furtado junto aos Autênticos era destruir o tripé que dominava o MDB desde
1972, com Ulysses Guimarães, Thales Ramalho e Laerte Vieira.
Alencar Furtado relatou esse episódio em entrevista, no livro de Nader:

Uma eleição quase impossível, pois éramos minoria. Corri esse país inteiro...onde
havia deputado do partido, eu fui visitar. Os Autênticos eram vetados pela cúpula do
MDB para compor a Comissão Executiva do partido, jamais qualquer um de nós
poderia ser cogitado para a liderança da bancada 225.

A candidatura foi propícia, pois havia um descontentamento geral no partido com a


liderança que tomava as decisões à revelia da base partidária. Além do mais os chaguistas
apoiariam Alencar Furtado, porque queriam se vingar de Laerte Vieira, pelo episódio da
Convenção – quando este havia prometido cargos aos chaguistas, mas com a aliança com os
Autênticos, isso não foi possível. Estes deputados, por sua vez, prometeram tirá-lo da
liderança. E pelo visto com essa disputa entre ele e Furtado, os chaguistas encontraram o
momento oportuno e ficaram com Furtado.
Os deputados se queixavam dos privilégios cedidos pela liderança de Laerte na
Câmara: “o mínimo que se ouve nos bastidores é a acusação de que ele privilegia um pequeno

224
Em “Pinto Vem Aí”, filme de Olney São Paulo, começa com um fusca anunciando: “para receber o grande
líder nacional hoje às 20hs na Avenida Getúlio Vargas”. O filme fala do grande comício de Chico Pinto em Feira
de Santana. Uma multidão de 20 mil pessoas que o carregaram nos ombros e foram numa passeata que durou a
madrugada. Olney São Paulo foi cineasta (1936-1978), natural de Riachão do Jacuípe, que escolheu Feira de
Santana para morar. Fez o curta metragem “Pinto Vem Aí”, em 1976, mostrando cenas do comício do retorno de
Chico Pinto à Feira de Santana depois da sua cassação. No filme há entrevista Pinto, em que ele fala da situação
no MDB e da sua participação no Jornal Movimento.
225
NADER, Ana Beatriz. Os Autênticos do MDB semeadores da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p.
50.
92

grupo de deputados, concedendo o disputado horário da liderança nas sessões da Câmara


sempre às mesmas pessoas” 226.
A insatisfação com a cúpula emedebista parecia generalizada, e Alencar Furtado
conseguiu a adesão de Cafeteira:

O MDB, por sua liderança, declara Cafeteira, foi um partido calado nestes dois anos.
Só abria a boca para reclamar, quando era atingido quando algum deputado era
cassado. Nestas ocasiões a liderança do MDB reagia. No resto era a apatia. O MDB
tem de ser um partido vivendo o dia-a-dia dos brasileiros e seu líder tem de ser o
porta-voz permanente do partido 227.

Em entrevista ao jornal Movimento Alencar Furtado tenta explicar porque a aliança


com os adesistas, corrente que até então era vista pelos Autênticos como governistas, que
estavam no MDB por conveniência eleitoral. Furtado, dizia que como liderança teria que
respeitar todos os deputados, mas que combateria ainda o adesismo, caso ele se cumprisse.
Uma estranheza na atitude de Alencar Furtado com a sua candidatura - ele quis se
desvencilhar de qualquer ligação com o grupo Autêntico, dizendo que o tempo dos grupos
havia passado; que estes contribuíram da forma necessária, mas a hora era de união dentro do
partido:

Para aumentar as suas chances, ele tentou retirar de sua candidatura qualquer
conotação que pudesse identificá-lo com o antigo grupo autêntico, do qual era um
dos principais líderes. O seu raciocínio é simples, será favorável a Laerte Vieira, já
que a provada correlação de forças mostra que autênticos (isto é, os deputados mais
progressistas do partido), são minoria dentro da bancada, onde de 153 deputados
apenas uns 50 identificam-se com a bandeira dos antigos autênticos (dos quais,
cerca de 20, todos deputados eleitos em 1974, estão reunidos no chamado grupo
neo-autênticos) 228.

Furtado queria assumir a posição de representante da bancada: “não estamos


representando nenhum grupo, até porque queremos representar a bancada (...) se nós estamos
procurando integrar a bancada para metas mais importantes nós temos que uni-la.” 229
Chico Pinto não era contrário a aliança, dizia que problemático seria se Furtado, com o
apoio chaguista, modificasse as bandeiras levantadas. Chico Pinto fez uma avaliação sobre o
MDB, e seu comportamento diante a situação real pós-eleições de 1974, quando obteve
maioria eleitoral, momento que poderia tornar-se um partido eficiente, sabia da
responsabilidade de ser o partido único da oposição, mas a direção preferiu se manter como

226
Jornal Movimento, 17/1/77, Ed. 81, p.2. MDB. Nova direção em 77?
227
Jornal Movimento, 7/2/77, Ed. 84, p. 4. A dificil disputa.
228
Jornal Movimento, 17/1/77 Ed. 81, P.2 MDB. Nova direção em 77?
229
Idem.
93

“lagarto rastejando” para não ser aniquilado: “o que acabou prevalecendo, mesmo, foi a
pragmática filosofia do pessedismo: ‘mais vale um réptil vivo que um herói morto’.
Fortaleceu-se, assim, a convicção, oriunda da cúpula emedebista, de que a preservação é o
mais valioso atributo de um político” 230.
Chico Pinto reclamava do MDB que não aceitava a rotatividade dos cargos partidários.
Com efeito, Ulysses Guimarães permaneceu na presidência bastante tempo e mesmo o líder
da Câmara que deveria mudar anualmente, permanecia. Ou seja, parecia ser necessária a
manutenção desses líderes para conduzir o partido à moderação, e assim, evitar qualquer
confronto mais aberto com a ditadura.
Chico Pinto concluiu: “o resultado prático da manutenção de uma liderança mais
preocupada com o regimento interno do que com grandes questões nacionais tem levado o
partido à convalescença parlamentar” 231.
O Congresso, no período da campanha para a liderança da Câmara, estava de férias.
Chico Pinto criticava que a vida do MDB era tão parlamentar que nesse período de recesso o
MDB entrou de férias, e não se decidiu mais nada, não se pronunciou sobre os temas da pauta,
tais como o acordo nuclear com a Alemanha. Para Pinto parecia ser o parlamento o único
espaço de ação dos emedebistas, sem apoio com as bases, uma atividade que se encerra na
estreiteza de Brasília, e debocha dos emedebistas de férias citando Garcia Lorca: “Verde que
te quiero verde. Verde viento. Vierde ramas. El barco sobre el mar. Y el cabalo em la
montaña” 232.
Daí entra em debate a candidatura de Alencar Furtado que, para Pinto, surgiu como
uma solução:
a iniciativa partiu dos deputados moderados e contou com o apoio, como não podia
deixar de ser, dos autênticos. Se a desmedida vólupia dos dirigentes em evitar
soluções de base não se manisfetar, a indicação é pacifica e poderia ser unânime.
Mas isso é muito difícil que ocorra 233.

Mudar a liderança da Câmara seria um passo para dinamizar o MDB e assim os


Autênticos iriam conquistando espaço dentro do partido, fundamentalmente, nos cargos mais
proeminentes. Além do mais, a candidatura de Furtado era estratégica nesse momento, pois
iria se discutir a reforma do judiciário.

A eleição de Alencar Furtado também é um passo importante na história do MDB,


principalmente para as correntes autênticas do partido, que finalmente parecem ter

230
Jornal Movimento, 17/1/77, Ed. 81, p. 3. A rotatividade teórica.
231
Idem.
232
Jornal Movimento, 31/1/77, Ed. 83, p. 3. Alianças e reformas.
233
Idem.
94

conseguido sair do isolamento em que se encontravam nos últimos anos. O primeiro


impacto da eleição de Alencar Furtado foi despertar o MDB, dando-lhe um
entusiasmo que desde 1974 não se via 234.

Alencar ganhou a disputa e a vitória animou os Autênticos e neo-autênticos. Uma vez


que a perspectiva era tirar o MDB do imobilismo, situação em que a cúpula só tinha se
reservado a emitir notas oficiais, como no caso das cassações dos Autênticos no ano de 1976.
Essa vitória representava uma possibilidade de firmar a oposição. Pois mesmo que Alencar
Furtado tenha negado na sua campanha a ideia dos grupos no MDB, não se poderia esquecer o
seu envolvimento com os Autênticos, fundamentalmente porque as bandeiras empenhadas
eram reconhecidamente “autênticas”. E, em política, as estratégias são vastas, já que não basta
ter projetos, mas a força necessária para fazê-los prática.
A vitória proporcionou alguns cargos para os Autênticos e neo-autênticos:

os doze cargos de vice-lideres já foram preenchidos, cabendo dois aos adesistas Ario
Theodoro e Francisco Studart; segundo alguns parlamentares, esta foi a única
cobrança dos adesistas ao apoio da candidatura de Alencar. Uma vice-liderança
coube ao pragmático Epitácio Cafeteira, outra ao moderado Fernando Correia, e as
outras sete distribuidas entre autênticos e neoautênticos(...)
O impulso da vitória, acrescido do preenchimento de dois dos três cargos da mesa
que cabem ao MDB, pelos candidatos do ex-grupo autêntico. Ademar Santillo, na 2ª
vice-presidência e Jader Barbalho na 2ª secretária 235.

Com a vitória de Alencar Furtado sinais de mudanças apareceram no MDB. Houve


inicialmente transformações na conduta do partido, isso pode ser notado na reforma do
judiciário. Episódio que veremos na próxima seção.
A própria vitória de Alencar Furtado já significou tempos de mudanças. Começava em
1977 o momento de crescimento das lutas populares, inicio de crise do regime ditatorial. O
partido de oposição sentiu isso, foi um movimento dialético, as mudanças possibilitaram
Alencar Furtado se tornar líder e com sua liderança houve novas mudanças no partido.
Aqui entedemos também o limite dos Autênticos, no sentido de não haver um projeto
político definido e unificado. A ponto de Furtado se negar partícipe do grupo para disputar a
liderança e mais, fazer aliança com o grupo que mais combatia na oposição, os Adesistas.

234
Jornal Movimento, 7/3/77, Ed 88, p. 4.Entrevista com o novo líder do MDB, Alencar Furtado.
235
Jornal Movimento, 7/3/77, Ed. 88, P. 3. A vitória de Alencar.
95

3.8 “Encerrada a sessão”: a votação da reforma do judiciário

O projeto de emenda da reforma do judiciário chegou ao Congresso no dia 15 de


novembro de 1976 para ser aprovado até dia 1º de abril de 1977, precisando do “quorum de
dois terços” 236. Logo, formou-se uma comissão para avaliar as emendas, o senador Accioly
Filho (Arena PE) foi o responsável pela comissão, saiu viajando o país para ouvir os
advogados. No entanto, sua proposta não foi aprovada pelo procurador-geral da República,
Henrique Fonseca de Araújo. Accioly então entregou o cargo de relator 237. Esse foi só o inicio
do conturbado processo da votação da emenda prevendo a reforma do judiciário. Dele
percebemos a trama de disputa entre a Arena, Executivo e o MDB.
Para garantir a aprovação da emenda constitucional, a Arena criou a “missão Portela”.
Petrônio Portela foi incumbido de negociar com a antiga cúpula do MDB, e se acertaram pela
aprovação da reforma nos seguintes termos:

O MDB apresentaria sua emenda restabelecendo as garantias da magistratura e o


Habeas Corpus pleno mas apenas para salvar as aparências; depois que estes pontos
fossem derrotados pela maioria arenista, o partido continuaria em plenário para dar o
quorum de dois terços necessários à aprovação da emenda à Constituição,
permitindo assim a aprovação do resto da reforma 238.

No entanto, com Alencar Furtado na liderança da Câmara, pela primeira vez houve
uma reunião do diretório nacional do MDB. Com o objetivo de tirar uma posição quanto à
reforma do judiciário, a reunião possibilitou a emissão de opiniões dos setores mais
progressistas do partido, decidindo-se a não aceitar à reforma, contrapondo-se ao que a antiga
liderança já havia acertado, mais ou menos, com a Arena. Tancredo Neves, por sua vez,
defendeu que o tempo era de moderação, de recuo e não de ataque, tentava convencer que “o
partido não deveria ‘abusar de sua força’ negando quorum à votação do projeto” 239. Mas da
reunião do diretório o “MDB decidia ‘fechar questão’ contra o projeto de medida que
implicaria na perda do mandato do parlamentar que contrariasse a decisão” 240.

236
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988, p. 181.
237
GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório: Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 205.
238
Jornal Movimento, 4/4/75, Ed. 92. P. 5. O Congresso e o Ato.
239
Idem.
240
Idem. Kinzo no seu livro sobre a trajetória do MDB também aborda sobre esse episódio.
96

A recusa do MDB em votar na emenda da reforma do judiciário se dava por conta de


uma reforma que caminhava somente pelos aspectos técnicos, sem tocar nas questões políticas
que seriam o estabelecimento do “Habeas Corpus e das garantias da Magistratura” 241.
Os jornais faziam ameaças quanto à posição do MDB, anunciando o possível
fechamento do Congresso 242. A Arena, através do senador Magalhães Pinto procurou o MDB
para negociar essa decisão, pois, sabia-se que o tempo era perigoso. Autênticos, neo-
autênticos e Moderados mantinham-se a favor da decisão do diretório, mas diante das
pressões externas os Adesistas se movimentavam contra tal decisão.
Os Autênticos já estavam pessimistas quanto à situação, nunca se tinha visto tantas
ameaças por parte dos jornais. O líder da Arena na Câmera, José Bonifácio dizia que queria
salvar o Congresso, que por isso, era necessário o MDB rever sua posição.
Segundo o Movimento, enquanto o partido ficava no impasse, José Bonifácio
anunciava aos jornalistas que o projeto seria aprovado pelo Congresso ou pelo Ato. Nisso os
deputados mais progressistas do MDB pressionavam o presidente do partido, Ulysses
Guimarães, para manter a decisão do diretório nacional – inclusive por uma questão de honra.
Prestes a começar a sessão que decidiria sobre a aprovação, o MDB ainda estava
diante do dilema sobre manter ou não a posição do diretório em votar contra, mesmo sabendo
dos riscos anunciados pelos jornais e pelo líder da Arena. Os Autênticos pressionando pelo
sim e os Adesistas já em vias de desistir. Mas ao fim da reunião para decidir a posição, Freitas
Nobre “saia apressado da reunião, anunciando emocionado: o ‘MDB fechou questão. As duas
bancadas, por unanimidade, decidiram votar contra o projeto em sua totalidade” 243.
No plenário o deputado Freitas Nobre discursou:

‘Sr. presidente, srs. Congressistas, vivemos uma noite histórica. O colégio de vice-
líderes da Câmara, autorizado pela maioria dos deputados que ocorreram as nossas
salas, a bancada do Senado, sob a presidência do deputado Ulysses Guimarães,
presidente nacional do nosso partido, acaba de tornar uma decisão por unanimidade
que obriga o acompanhamento de todos os correligionários parlamentares do MDB.
Sr. presidente. Srs. senadores e deputados, a nossa posição face ao projeto chamado
de reforma do Judiciário não é uma posição egoísta e pessoal, não é uma posição

241
Matéria sobre todo o processo pode ser lido na Folha de São Paulo, disponível em:
http://acervo.folha.com.br/fsp/1977/03/30/2/#
242
Nas páginas do Movimento tem um recorte do correio Braziliense: “’O MDB tem até amanhã para recuar,
senão vem aí o NOVO ATO INSTITUCIONAL’. A manchete de primeira página era completada, também em
letras garrafais, pela contundente advertência: ‘SE O MDB NÃO TRANSIGIR, ABRINDO MÃO DE SUA
POSIÇÃO CONTRÁRIA À EMENDA DA REFORMA DO JUDICIÁRIO, O GOVERNO PODE BAIXAR
AMANHÃ MESMO UM NOVO ATO INSTITUCIONAL, QUE SERIA O AI-18, PELO QUAL NÃO
APENAS PROMOVERÁ A REFORMA, MAS, TAMBÉM, ESTABELERÁ ELEIÇÕES INDIRETAS’”
(MOVIMENTO, 4/4/77, Ed. 92, p. 4).
243
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed. 92, p. 8. O Congresso e o Ato.
97

partidária, não é uma posição de mesquinhos interesses; é uma posição firmada pelo
interesse comum do país e do povo’ 244.

Por sua vez, Bonifácio anunciava “a Arena é o grande partido da hora’ disse. E
advertiu: ‘O que vem amanhã é responsabilidade exclusiva do Movimento Democrático
Brasileiro’” 245, disse mais, que “o MDB é dominado por um grupo de comunistas”246. Na
última sessão do Congresso, “Petrônio Portela anunciava com voz embargada que o projeto
estava rejeitado por falta do quorum qualificado de dois terços’” 247.
Como resposta a essa negativa do MDB, em 1º de abril de 1977 - parece o dia
oportuno para o militares, foi decretado o ato complementar nº 102, fechou-se o Congresso e
decretou-se o chamado “pacote de abril”. Com isso não só se fez as emendas no judiciário,
como foram impostas mudanças nas regras eleitorais.
O regime que queria tecer um tom de legitimidade, mantendo as atividades legislativas
esbarrava com a oposição, e então tinha que recuar nas suas medidas de abertura, conforme o
ataque da oposição, recuou, fechando o Congresso.
Todavia, o jogo do consenso não se perdeu, a propagada democrática contava com
outros meios discursivos na opinião pública, mesmo sendo manipulada. Geisel divulgou a
justificativa para o fechamento do Congresso como sendo culpa do ato “antidemocrático” do
MDB de não liberar os parlamentares para votar a favor da reforma. Assim lê-se no discurso
de Geisel publicado no Movimento:

Infelizmente, não se conseguiu resultado algum, porque a Oposição resolveu fechar


a questão, impedindo que os seus representantes no Senado e na Câmara votassem a
favor da reforma. Adotaram um procedimento que não se coadunam com o espírito
democrático que vivem invocando. Falam em democracia plena, e não permitiram
que os legisladores de seu partido votassem ou opinassem com relação á reforma.
Todos foram obrigados, sob pena de perda de mandato, a votarem contra. O partido
do Governo, a Arena, teve uma atuação diferente e de franco apoio à reforma. A
questão não foi fechada; ficou aberta e todos votaram a favor, exceto apenas um
deputado, o que comprova a liberdade com que a Arena agiu em relação a seus
representantes no Congresso 248.

É como o machado que fere o sândalo e ainda quer sair perfumado, lembrando da
frase de música que bem ilustra essa realidade. O governo justificava sua medida autoritária
por falta de colaboração da Oposição, acusando esta de antidemocrática. Os mecanismos de
criação de consenso funcionavam nesse sentido, além da acusação das medidas

244
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed. 92, P. 8. O Congresso e o Ato.
245
Idem.
246
No jornal Folha de São Paulo publicou-se mais frases ditas por Bonifácio no plenário. Disponível em:
http://acervo.folha.com.br/fsp/1977/03/30/2/#
247
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed. 92, p. 8. O Congresso e o Ato.
248
Jornal Movimento, 4/4/77, Ed.92, p. 6. O discurso de Geisel.
98

antidemocráticas do partido de oposição, as divergências no partido do governo eram tratadas


como a demonstração da democracia existente.
O governo partia em defesa do seu projeto de institucionalização política legitimada,
mesmo manipulando as regras do jogo. E esse episódio é interessante para se verificar que,
mesmo restrito em suas funções, o Congresso também se construiu enquanto espaço de
disputa.
Ainda no discurso de Geisel publicado no Movimento, lemos:

Tendo em vista o problema da reforma da justiça e o de outras reformas que se


impõem, de natureza apolítica, indispensável para que o país continue a ter
tranqüilidade e não tenha crises, cada ano, ou de dois em dois anos, resolvi, ouvindo
o Conselho de Segurança Nacional, usar dos meios legais de que disponho.
A Constituição Federal no seu artigo 182 reconhece a validade do Ato Institucional
nº5, Ato que desde o início do governo declarei que não aboliria sumariamente, mas
que, pelo contrário, eu o manteria, para usá-lo com critério, com moderação, sem
paixão e sempre voltando para o interesse do Brasil. Agora é a oportunidade de se
usar este Ato. De acordo com suas disposições, o Poder Executivo pode colocar o
Congresso Nacional em recesso e dessa forma adquirir poderes legislativos. E foi o
que eu fiz 249.

O discurso de Geisel impõe-se na defesa do AI-5 como instrumento legitimo da


ordem. Mecanismo constitucional, portanto, dito aceitável. De acordo com a legislação
vigente então, fechou-se o Congresso por 14 dias. Reaberto depois, com o anúncio do que
ficou conhecido como “pacote de Abril”, uma reforma política, outorgando emendas à
Constituição. Os principais pontos foram: as eleições indiretas para governadores de estado,
eleições indiretas para um terço das cadeiras do senado (alcunhados de senadores biônicos);
Lei Falcão para eleições nacionais, ou seja, as campanhas restritas ao rádio e a televisão;
extensão do mandato presidencial de 5 para 6 anos 250. Skidmore interpreta este fato como a
“resposta do governo” à vitória eleitoral do MDB em 1974. Era preciso mudar as regras do
jogo para garantir maioria da Arena em 1978. Seria um meio legal de neutralizar o MDB 251.
Por conta desse fato foi a primeira vez que o MDB recebeu apoio dos estudantes e
mais a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se pronunciou em solidariedade ao
partido 252.
O episódio mostra como as forças dos Autênticos no MDB ganharam espaço, os
Adesistas não conseguiram apoio no partido, a não ser de meia dúzia de Moderados, mas o

249
GEISEL apud MOVIMENTO, 4/4/77, Ed. 92, p. 6.
250
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988. p.182.
251
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
252
Jornal Movimento, 18/04/77, Ed. 94, P. 5. E o MDB como fica?
99

fundamental foi que os Autênticos conseguiram levar a oposição a não aceitar a reforma do
judiciário. As consequências foram dadas, como anunciava José Bonifácio.
Esse foi um dos momentos que o MDB pensou na autodissolução, por se sentir
impotente diante da ação parlamentar. Chico Pinto, por sua vez, fez uma análise das
circunstâncias do MDB e de quem escolheu ele para lutar: “Um político não pode se deixar
surpreender. Não deve fantasiar a realidade, nem é lícito iludir-se para revelar profundas
decepções, depois. (...) A decepção é fruto de erros de cálculo, de vícios de observação e de
desvios de análise” 253.
Como em todos os momentos, até nos mais difíceis, Chico Pinto defendeu o MDB,
sabendo exatamente qual é o contexto de construção de luta, os limites dados e a tarefa
duramente restrita do MDB:

A maioria do MDB compreende que se lhe deram a vida raquítica que não pediu, ao
menos lhe resta a oportunidade de ser mercadejador de idéias. E se as idéias nascem
da própria realidade objetiva onde se vive, elas gerarão novas vidas e novos
contingentes engrossarão suas fileiras 254.

O MDB fechou questão contra a reforma do judiciário sabendo que o fechamento do


Congresso era certo, pois já se anunciava com os jornais e os arenistas avisavam. Disso
verificamos mudanças nos tempos, redefinições no campo político.
Vemos também uma incoerência constante, como exemplo, a aliança dos Autênticos
com os Adesistas. Por não haver uma formação ideológica do grupo era possível esse
equilíbrio de acordos. Não havia uma luta futura, um projeto de organização social e político
de longo prazo, eles estavam reunidos para combater o que estava no presente, a ditadura, por
isso, qualquer aliança era feita. O imediatismo era um traço característico do grupo.

3.9 A candidatura de Euler Bentes

Em 1978 vemos os Autênticos, principalmente Chico Pinto e Freitas Nobre, se


empenhando em outra luta, na candidatura de Euler Bentes na Frente Nacional de
Redemocratização. A Frente foi inicialmente proposta por dissidentes da ditadura, civis e
militares, como Magalhães Pinto, o general Hugo Abreu e o general Euler Bentes Monteiro.

253
Jornal Movimento, 18/04/1977,Ed. 94. P.2. Desesperar não pode.
254
Idem.
100

A dissidência de Magalhães Pinto 255 um dos articuladores do golpe de 1964, pode ser
lida como sintoma de crise do regime, que já perdia o apoio de setores significativos da
burguesia nacional 256. Segundo Kinzo, a dissidência de Magalhães foi fruto das suas
aspirações em ser candidato à presidente, decepcionando-se com a indicação de Figueiredo
para 1978. Com a Frente, Magalhães tinha a expectativa de se candidatar presidente como
alternativa civil 257.
Os articuladores convocaram o MDB, que fez uma convenção extraordinária (isto é
noticiado no Movimento em 5/6/1978) para decidir se lançaria uma candidatura para
presidência do país. E foi aprovada por maioria expressiva a proposta de integrar a Frente,
mas depois houve muitas divergências internas sobre essa adesão. Inclusive dentro dos
Autênticos havia os que não apoiavam candidaturas indiretas - a não ser no episódio da
“anticandidatura” de Ulysses Guimarães, como uma forma de protesto.
A Convenção aprovou também dez pontos para apoiar a candidatura, dentre eles: a
revogação dos atos institucionais, respeito à separação dos três poderes da República, eleições
diretas, liberdade de expressão, extinção da pena de morte, instituição do pluripartidarismo,
liberdade sindical e convocação da Assembleia Nacional Constituinte 258.
Chico Pinto acreditava que para derrubar a ditadura seria necessário unir força com os
militares:

nem todos eles têm um pensamento autocrático, como se pensa na sociedade


civil.(...)sempre defendi a necessidade de uma aliança de civis e militares com o
propósito de reconduzir o país ao seu verdadeiro destino, que não é o de se tornar
vassalo do imperialismo 259.

A Frente sofreu críticas, pois era composta por um militar e um liberal – que foi um
dos articuladores do golpe militar. Chico Pinto, por sua vez, fez uma análise sobre a
conjuntura política da dita abertura, da necessidade de se aproveitar o momento, mais que
isso, analisar com esperteza, para se usar o movimento certo no momento oportuno, entender
os acontecimentos políticos: “é preciso que a oposição não perca de vista que há o que fazer

255
Na coluna de Chico Pinto este diz que Magalhães Pinto era um banqueiro, integrado ao regime capitalista, “foi
ministro das relações Exteriores do segundo governo, chamado revolucionário; foi um dos subscritos do AI-5;
cassou mandatos parlamentares e garroteou direitos políticos de centenas de cidadãos estava no movimento de
1964” (MOVIMENTO, 6/3/78, ED. 140, p.4).
256
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
257
KINZO, Maria D’Alva G. Oposição e autoritarismo gênese e trajetória do MDB: 1966 -1979. São Paulo,
Editora revista dos Tribunais, 1988.
258
Jornal Movimento, 5/6/78, Ed. 153, P. 3. O MDB entra na Frente.
259
Jornal Movimento, 5/6/78, Ed. 153. P. 4. “Euler Bentes, por Chico Pinto”.
101

hoje, dando um passo à frente e continuando a luta, ao invés de aguardar o grande salto do
amanhã” 260.
O jornal Movimento serviu de tribuna aos debates sobre a Frente. Em uma matéria
escrita por Adelmo Genro Filho 261, chamada “os autênticos e a ilusão do poder”, ele analisa as
impossibilidades com a Frente, dizendo ser um erro de cálculo dos Autênticos de querer lutar
contra a distensão lenta e gradual com um objetivo “nada menos do que a tomada do poder
‘rápida e segura’ através da eleição indireta para presidente” 262. Adelmo Filho dizia que o
regime não naufragaria nos seus próprios mares, e que não se combate o regime com seus
próprios meios - como concorrer com um militar em eleições contra os militares. Ademais
critica Chico Pinto, dizendo que o erro dele é acreditar numa democracia estável burguesa,
para depois agir na luta para implementação socialista. Isso se comporia como um pacto entre
as classes dominantes, e não uma luta popular como propunham os Autênticos em tempos
atrás.
Na página seguinte Chico Pinto, em sua coluna, defende que rejeitar a frente é prova
de incompetência, dizia que quem deveria decidir sobre os rumos da democracia são os
trabalhadores, a democracia burguesa é ainda restrita, mas são os operários que devem decidir
sobre ter direitos no regime capitalista, todavia era aquela a bandeira que aglomerava pessoas
no momento. Dizia ainda:

e não é só a opinião de um antigo advogado sindical, mas de quem confundia seu


escritório com a própria sede dos sindicatos, discutindo, conversando, sentido,
sofrendo e sobretudo apredendo com os operários. A grande universidade de minha
vida 263.

A Frente deveria ser ampla com a aliança com OAB, ABI, Igreja e a maioria dos
diretórios estudantis, que segundo Chico Pinto ainda teria a oportunidade de aglomerar um
militar e uma “defecção da Arena” 264.
Chico Pinto disse: “não se muda a realidade social quando e como se quer, mas como
e quando é possível concretamente” 265, isso para responder aos contrários à Frente. Seu
argumento era que para cada momento histórico deveria se ter uma análise e traçar as
estratégias possíveis. Dizer que a Frente era feita pelos “cristãos-novos da democracia”, que

260
Jornal Movimento, 1/5/78, Ed. 148, p. 4. “ Uma passo ou um salto”
261
Jornalista, ex-presidente do setor Jovem do MDB gaúcho, líder da bancada do MDB na Câmara de Santa
Maria (RS), foi militante estudantil; ( irmão de Tarso Genro).
262
Jornal Movimento, 19/6/78, ed. 155, p. 6. Os Autênticos e a ilusão de poder.
263
Jornal Movimento, 19/6/78, Ed. 155, P. 7. Rejeitar a frente é prova de incompetência.
264
Idem.
265
Jornal Movimento, 26/06/78, Ed. 156, P. 4.Como se iludir e iludir o povo.
102

todos, naquele momento de crise da ditadura se dizem defesores da democracia não exclui sua
funcionalidade: “diz-se-a, por outro lado, que a hegemonia da Frente ficará com a burguesia.
Isso é repetir o óbvio. Ela é quem detém a hegemonia do MDB e da Arena. Quem definirá a
hegemonia será a correlação de forças existencias na sociedade e não nossos desejos” 266.
Chico Pinto acreditava que a revolução com a aliança com a burguesia era mais
vantajosa para o proletariado, do que para a própria burguesia, parafraseou Marx, defendendo
a democracia:

O proletariado, como classe, pela sua própria situação, é obrigado a ser


conseqüentemente democrático. A burguesia olha para trás, temendo o progresso
democrático, que ameaça aumentar a força do proletariado; o proletariado nada tem
a perder a não ser suas cadeias, mas tem um mundo inteiro a ganhar com a
democracia 267.

O artigo de Chico Pinto “reijeitar a Frente é prova de incompetência”, teve resposta na


edição de número 157 com uma carta aberta intitulada Chico Pinto, entre o fundamental e o
secundário. Os equívocos de um oposionista baiano sem régua nem compasso. Assinado por
Carlos Alberto Dória que dizia: “por isso desejaria registrar, com espanto, a guinada de 180
graus que o outrora combativo Chico Pinto realizou. Pelo jeito, nestes anos de perseguição
política na Bahia não lhe deu régua nem compasso” 268.
Carlos Alberto Dória criticou a perspectiva de Chico Pinto de trocar o fundamental
pelo secundário. O fundamental era que a democracia deveria ser para os trabalhadores, e que
numa frente levada pelos liberais Euler Bentes e Magalhães Pinto seria em defesa da
democracia burguesa.
A disputa ideológica dos dois era em torno da democracia. Todavia, os meios e as
finalidades desta eram diferentes. Para Dória a frente liderada pelos liberais era um equívoco,
pois o que deveria acontencer era promover a autonomia dos trabalhadores.
Dória se perguntou para que serviu a luta dos Autênticos, pois Magalhães Pinto era um
liberal, coisa que os Autênticos sempre combateram, e mais, para ele “sempre foi um
equívoco dos autênticos que confundiram a perspectiva de derrotar Ulysses Guimarães dentro
do MDB com a possibilidade de dissolver a hegemonia liberal a nível da sociedade como um
todo” 269. Dória concluiu que perdeu-se um “grande soldado”, Chico Pinto.
Ao final das confusões sobre a frente, Magalhães Pinto se afastou e a candidatura a
presidente ficou com Euler Bentes e Paulo Brassard como vice, com o apoio do MDB. Muito
266
Jornal Movimento, 19/6/78, Ed. 155, P. 7.Rejeitar a frente é prova de incompetência.
267
Jornal Movimento, 26/06/78, ed. 156, p. 4. Como se iludir e iludir o povo.
268
Jornal Movimento, 3/7/78, Ed. 157, P. 21. “Chico Pinto, entre o fundamental e o secundário”
269
Idem, p. 22.
103

embora a cúpula moderada fosse a favor de Magalhães Pinto, venceu a maioria que defendeu
Euler Bentes.
Bentes saiu pelos estados fazendo campanha. O Movimento fala da campanha dele em
Recife, com a presença do deputado cassado Lysâneas Maciel. E lá alguns DCEs estavam
para apoiar a Frente, enquanto outros estudantes falavam que a frente era burguesa e por isso
nunca representaria o povo, além de evitar o amadurecimento da luta popular. O governo de
Euler Bentes, por outro lado, pelo seu programa, seria de transição para a democracia,
excluindo os atos institucionais, instaurando uma constituinte, a anistia, o restauração da
UNE, a nacionalização da economia, etc.
Enquanto isso a candidatura da Figuereido seguiu sem ameaça pela candidatura de
Bentes. Como o presvisto a chapa de “Figuereido e Aureliano ganhou as eleições em 14 de
outubro de 1978 por 355 a 266” 270. Logo em seguida vieram as eleições para deputados. Mas
sobre essa, abordaremos no próximo cápitulo.
A sucessão de Geisel foi conturbada, havia o acirramente nas disputas para a sucessão
dentro das Forças Armadas. Primeiro o general Silvio Frota e depois o general Hugo Abreu
foram para a reserva, pois estavam interessados na sucessão. Isso também fazia parte da
liberalização controlada. A própria oposição sabia que não passaria uma candidatura de um
civil, daí a proposta do Euler Bentes que perdeu na disputa com Figueiredo 271.

270
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.p. 395.
271
LOBO, Claudia dos Santos Lagame. A Sucessão de Geisel e a Imprensa. Disponível em:
http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0227.pdf último acesso em 30/05/2013.
104

Nessa Charge 272 identificamos o processo da disputa eleitoral, a movimentação da


entrada do MDB na Frente, com a preferência dos Moderados pela candidatura à presidencia
de Magalhães Pinto - como se evidencia Ulysses Guimarães (lado direito) com Magalhães
Pinto. E na moto, Francisco Pinto apoiando Euler Bentes na sua garupa - a defesa da sua
candidatura. No alto, dando um salto cavalar no MDB e na Frente, Figuereido, que ganhou as
eleições de 1978.
Para esse capítulo escolhemos fazer uma narração sobre os principais fatos políticos
nas páginas do Movimento, envolvendo a luta dos Autênticos no período da “distensão lenta,
gradual e segura”, mais a análise das perspectivas de construção da luta contra a ditadura por
Chico Pinto, na tribuna de discussão que se constituiu o jornal Movimento.
O campo político brasileiro no período abordado, entre 1975-78, se tecia com o
projeto de “abertura lenta, gradual e segura”, que tinha propósito de atenuar dissensos quanto
à ditadura. Nesse acorde, se tramavam as disputas na política institucional. No legislativo, a
distensão serviu para definir os limites de atuação.
A distensão se projetou também com o principal elemento legalizado da coerção, o AI-
5. Este se abateu sobre a ação dos Autênticos, como foi o caso da cassação de algum deles,
também no fechamento do Congresso Nacional na imposição da reforma do judiciário. Já
anunciamos que compartilhamos a leitura de Maria Helena Moreira Alves, de que a relação
era dialética entre o Estado e as oposições, no nosso caso, a análise é da oposição parlamentar.
Sendo assim, a ação dos dois, oposição legislativa e do Executivo, foi composta de embates,
confrontos, onde um ou outro em determinados momentos tiveram que ceder ou perder.
Percebemos a trama de disputa dentro do campo político, a tomada de posição dos grupos
dentro do MDB e com relação a Arena e ao governo.

272
Jornal Movimento, 7/8/78, ed.162, p. 3. Evitando o combate direto.
105

CAPÍTULO IV

O discurso de Chico Pinto e a abertura política (1979-82)

Neste capítulo retomamos a trajetória política de Francisco Pinto no Congresso Nacional,


entre 1979 e 1982, o segundo mandato como deputado federal. A conjuntura política era
outra, definida pela abertura no governo de João Figueiredo, continuação da fase da
“distensão” de Geisel. Nesse momento político, verificamos o conteúdo dos discursos de
Francisco Pinto, as tomadas de posição, as denúncias e a possibilidade de leitura da realidade
brasileira construída pelo modelo econômico/político/social implantado pelos ditadores já no
processo de redemocratização.
A transição para a democracia, para alguns autores, começa em 1974, com a “distensão
lenta, gradual e segura”, movimentada por Geisel e continuada pelo general Figueiredo.
Abertura que se (re)definiu com a dinâmica dos confrontos no bloco do poder e na sociedade
civil. A partir de 1978, a conjuntura política contava com extinção do AI-5 (o instrumento
mais repressivo do governo), o fim da censura, o movimento pró Anistia, o fim do
bipartidarismo, a legalização da UNE, o habeas corpus. Analisamos, através dos discursos de
Chico Pinto e da bibliografia consultada, como se teceu esse movimento histórico de transição
ditadura-democracia.
Na década de 1970 o Brasil se tornara um grande canteiro de obras. As cidades cresciam
com grandes construções que subiam graças às péssimas condições de trabalho, com os
acidentes constantes nos esqueletos de prédios na construção civil 273. A cidade crescia
também populacionalmente, com os tantos “Severinos” que migraram para os grandes centros
urbanos expulsos do campo pela modernização e concentração latifundiária. As favelas se
desenhavam enquanto espaço urbano e se enchiam de gente, os problemas de saneamento
básico reinavam, o contingente de excedente de mão de obra aumentava e o “milagre
econômico” não dizia nada para boa parte da população brasileira.
O “Milagre”, que se concentrou nas mãos de uns, durou até 1973 e depois, o governo só
tentou reparar os estragos.
273
Sintomaticamente artistas brasileiros engajados nas manifestações culturais contra a ditadura denunciaram a
condição dos trabalhadores. Em 1971, Chico Buarque lança o disco “Construção”, com letras como “subiu a
construção como se fosse máquina (...) morreu na contramão atrapalhando o tráfego”, em que esboça um pouco
da condição objetiva do trabalhador da construção civil. A produção cultural da época diz muito sobre as
condições objetivas que o artista vivenciou, e nesse sentido, esse era uma realidade gritante a ponto de inquietar
um artista engajado como é o caso do Chico Buarque. Virginia Fontes e Sônia Regina falam dessa música no
livro História do Brasil recente (1988).
106

O Brasil entrava na década de 1980 sem soluções palpáveis para a recomposição de


um certo pacto de dominação e para uma recessão sem precedentes. Exatamente aí
certos ecos conservadores postularam o recurso do FMI como saída. O retorno dos
civis ao poder veio a complementar a transição (ou transação?) 274.

O “milagre econômico” foi o grande investimento da propaganda na ditadura para se


legitimar, e para construir consenso – isso foi tão marcante que a memória instaurada até hoje
é que a maior benesse do regime militar foi o crescimento econômico e o desenvolvimento do
país – no entanto, em meados da década de 1970 esse “milagre” fracassou. Esse, que era o
grande mecanismo de legitimidade, para inclusive, ter caminho livre para manter a tortura
como prática política, foi desbotando, dando o tom da perda de força do regime.
As manifestações populares começam a invadir a cena. As eleições se tornaram um
plebiscito de discordância da política autoritária - o MDB ganhou as eleições parlamentares
em 1974; em 1978 as greves começam a invadir o cenário urbano, a ilegalidade não podia
mais conter as greves, como disse Kucinski: “A lei 4.300, que proibia greves, instituída pelo
regime militar em junho de 1964, havia sido derrubada na prática” 275 e estas se faziam em
vários cantos do país. Novos personagens entraram em cena 276, os trabalhadores, as
associações de bairro constituíram organizações civis que reivindicavam a participação nas
decisões políticas. Com o fracasso econômico, o governo fazia os reajustes políticos, a
abertura era iminente, sob forte pressão da ampliação das manifestações populares.

O crescimento econômico acelerado da época do “milagre brasileiro” aprofundou de


tal modo a contradição entre capital e trabalho, que ela permeou todas as relações
sociais, de alto a baixo, de um lado a outro, tanto na periferia das grandes cidades
quanto no campo, ou ainda no gabinete dos tecnocratas 277.

Na segunda metade da década de 1970, as manifestações começaram a crescer com as


greves no ABC paulista (maior expoente). O fim se insinuava pelas irresistíveis pressões das
movimentações na sociedade civil. Por outro lado, alguns setores apoiadores da ditadura
lutaram até as últimas consequências. Como exemplo, tem-se os militares em tentativas
desesperadas para fazer retroceder a abertura política, fazendo os atentados a bomba contra

274
MENDONÇA, Sonia Regina; FONTES, Maria Virginia. História do Brasil Recente 1964-1980. São Paulo.
Editora Ática, 1988. p. 65.
275
KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001. p. 40.
276
SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores e da
grande São Paulo 1970-1980. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
277
MACIEL, David. A Argamassa da ordem. Da ditadura militar a nova república. (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004. p. 101.
107

bancas de revistas que vendiam exemplares dos jornais alternativos ou ainda o atentado
explosivo ao Rio Centro 278.
Nesse movimento pendular, a transição era uma necessidade histórica, a abertura se
fazia necessária devido à falta de apoio ao regime. A classe dirigente, então, tratou de
conceder reformas para manter o essencial, possibilitar uma entrada controlada dos
subalternos e seus interesses no campo político. Esta transição se configurou como uma
“revolução passiva”, uma “transição pelo alto”. A ponto de Sônia Regina e Virgínia Fontes
classificarem como uma “transação”.
Maciel compartilha a leitura de Antonio Gramsci sobre uma “revolução passiva” ou
“transição pelo alto”, como uma forma de transição em que mudanças são negociadas pelo
alto, entre as classes dirigentes, para evitar a intervenção dos subalternizados. Para Maciel a
transição começou com o pacote de abril, nasceu na classe dominante e se configurou como
uma “revolução passiva”. Ainda usando os conceitos de Gramsci, ele lê a configuração
política da época como uma crise “conjuntural” ao invés de um “movimento orgânico” 279. Em
outras palavras, as modificações na política na década de 1970 foram feitas pela classe
dominante mantendo seu projeto matriz, o capitalismo, no entanto, para isso modificações
conjunturais no fazer político eram necessárias. A rigor, para não pôr em xeque a organização
política que reservava ao capitalismo o projeto central, era necessário fazer concessões,
aberturas na participação políticas para os atores que, por meio de reivindicações na sociedade
civil exigiam esses canais de participação. Levando isso em consideração, verificamos como
o fim da proibição das greves se fez por imperativo das reivindicações dos trabalhadores, tal
como o fim do bipartidarismo.
No momento em que os trabalhadores tomaram a rua de assalto, a abertura era necessária.
Tornou-se imperativo fazer um conjunto de reformas para manter os princípios mais gerais do
capitalismo, mas modificando as regras no campo político:

o projeto distensionista não passava apenas pela reativação da representação política,


mas também pela diminuição e até pela eliminação da representação e da vigilância
sobre aparelhos hegemônicos da sociedade civil. Estes tiveram um papel importante
na consolidação de um campo de interlocução entre o governo, os mecanismos de
representação política e as classes burguesas, que viabilizou a condução da transição
nos marcos da distensão e cuja vitalidade determinou seu ritmo nas etapas seguintes.
Além disso, a emergência das classes subalternas à arena da disputa política foi

278
O Atentado do Riocentro, como ficou conhecido, foi uma tentativa da linha dura militar em deixar uma bomba
no local, no entanto, a tentativa foi frustrada, pois a bomba explodiu no carro dos militares. Os militares
envolvidos queriam culpar a esquerda por tal atentado, no intuito de ter uma desculpa para retroceder com a
abertura política.
279
MACIEL, David. A Argamassa da ordem. Da ditadura militar a nova república. (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004. p. 88.
108

limitada e fundamentalmente mediada pelos próprios mecanismos da representação


política reativada 280.

Maciel se refere ao processo de “distensão”, em 1974, o início da abertura controlada,


com o domínio dos órgãos de repressão. No entanto, em 1978 com a entrada dos
trabalhadores na cena, e com as tantas greves, isso se intensificou.
No epílogo de seu livro Kucinski diz que:

Ao todo a ‘transição lenta, gradual e segura’ levou 15 anos para ser complementada,
desde sua primeira formulação em fins de 1973. Durou mais tempo do que a própria
ditadura. Foi a mais lenta de todas as transições das ditaduras latino-americanas dos
anos 1960. Foi também a mais gradual, a mais segura. Apesar de alguns momentos
de risco, como o das greves do ABC e da campanha das Diretas Já, as elites
dominantes e seus aliados militares nunca perderam o controle do processo de
abertura. A abertura reafirmou a tradição da política brasileira da conciliação entre
as elites 281.

A transição por cima, evitava que a crise conjuntural desembocasse numa crise de
hegemonia. 282 Por isso a transição de uma ditadura para a democracia burguesa controlou a
ascensão da classe subalternizada ao plano institucional e a democracia passava a ser o
projeto mais viável para manter os privilégios maiores do capitalismo e de seus
representantes.
Os discursos de Chico Pinto são intervenções nesse processo histórico, nessas novas
demandas temporais e políticas. As personagens da sua fala são justamente esses sujeitos que
entram na disputa política com as reivindicações grevistas pelo Brasil. Seus interlocutores são
aqueles a quem o governo queria abafar com a “transição passiva”. Por isso, o discurso se
volta para estes, em defesa, em diálogo com estes. Os discursos só podem ser interpretados a
partir desse cenário. Através desses discursos também observamos um momento histórico e
uma posição política dentro do campo – que não é a da manutenção da ditadura, muito pelo
contrário, é o da defesa dos trabalhadores, dos direitos políticos dos cassados, pela Anistia
ampla e irrestrita. Ou seja, defesa das bandeiras levantadas pela sociedade civil que queria se
livrar do jugo da ditadura.
Encontramos no discurso de Chico Pinto uma fundamentação de todo o período e o
reflexo das disputas na sociedade civil. Em outras palavras, o dizer do pronunciante só faz
sentido se se leva em consideração as pressões dadas pelos “leigos” fora do campo político.

280
MACIEL, David. A Argamassa da ordem. Da ditadura militar a nova república. (1974-1985). São Paulo,
Xamã, 2004. p. 88.
281
KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001. p. 139.
282
MACIEL, David. Op. cit.
109

4.1 A posse de Figueiredo no discurso de Chico Pinto

No seu primeiro discurso na Câmara, intitulado, A posse do general Figueiredo não é


honrada pela Unção popular (ao seu lado o mais antigo e estúpido ditador do mundo:
general Strössner), sessão de 14 de março de 1979, ele abordou sobre as iniciativas do
governo Figueiredo e a abertura política. Chico Pinto desconsiderava a proposta de abertura
do então empossado presidente, isso também para alertar o partido de oposição contra a
inutilidade da expectativa de tal abertura, como aconteceu com a dita “distensão”. E para ele,
o presidente não ser eleito pelo voto popular dizia muito sobre seu rigor político. No mais
avaliou que: “sua verdadeira face se revela com a simples indicação dos nomes que
comporão, no seu conjunto, o futuro Ministério” 283.
A transição não veio de graça. Figueiredo assumiu a presidência em 1979, e a escolha dos
seus ministros diz muito sobre o governo e a continuidade da ditadura, que, para o jornal
Movimento era indício de manter a política entreguista e corrupta, com um ministério
composto por figurinhas carimbadas pelo tempo e pelo desprestígio 284.
O ministério de Figueiredo, segundo o Movimento foi composto por: Mário Andreazza
(ministro do Interior), ex-ministro dos transportes de Médici, acusado de uma coleção de
irregularidades na prestação de contas no TCU, foi mentor das grandes obras como a
Transamazônica e a ponte Rio-Niterói; Elizeu Rezende (Transportes) era diretor do DNER
(Departamento Nacional de Estradas e Rodagens) na gestão de Andreazza, eram parceiros nas
transações, por conta das irregularidades foi multado pelo TCU (Tribunal de Contas da
União); Mario Henrique Simonsen (Planejamento), foi acusado na CPI das multinacionais de
favorecimento às multinacionais; Golbery do Couto e Silva (Casa Civil), fundador da
Doutrina de Segurança Nacional, um dos grandes articuladores do golpe, ex-presidente da
Empresa multinacional Dow Chemical; General Otávio Medeiros (Gabinete Militar), era do
SNI, responsável por vários IPMs e torturas, presidiu os IPMs sobre as atividades da
COLINA 285; Antonio Delfim Netto (Agricultura) ex-ministro da Fazenda de Costa e Silva e
do Médici, ex-embaixador da França, foi o programador do Milagre Econômico, “em 1973
Delfim Netto manipulou os índices inflacionários, trazendo pesados prejuízos aos reajustes

283
PINTO, Francisco. A posse do general Figueiredo não é honrada pela Unção popular (14 de março de
1979). In PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e
Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 5.
284
Jornal Movimento, 15 a 21/1/79, Ed.185, p.3. O incrível ministério de Figueiredo.
285
Comandos de Libertação Nacional, grupo de resistência armada à ditadura.
110

salariais daquele ano”; o Ministro do Trabalho por sua vez, era um banqueiro, Murilo
Macedo 286.
Segundo o jornal Movimento Delfim Netto seria o super ministro, como Ministro da
Agricultura, pois a proposição de governo de Figueiredo era investir na agricultura, para que o
Brasil se tornasse o celeiro do mundo 287. Netto seria uma figura central na manutenção do
projeto de “modernização” do campo sob o domínio do capital internacional e para a
exportação. Ainda em 1979, Simonsen, no planejamento, foi substituído por Delfim Netto,
que dizia que ia operar um novo “milagre econômico”.
As figuras do ministério Figueiredo eram já conhecidas dos outros governos da ditadura
pelas corrupções e descompromisso popular. Por exemplo, com um Ministro do Trabalho
banqueiro, não era mesmo para criar expectativas renovadoras quanto aos interesses que
seriam defendidos pelo governo. Houve um governo de conciliação juntando peças (quadros)
dos antigos governos. Isso pode ser lido como fruto da disputa entre frações das Forças
Armadas e civis no bloco de poder.
Nesse cenário, Chico Pinto reafirma sua concepção da ação e diretriz política:

Meus compromissos essenciais na prática da vida política, dos quais espero não me
apartar nunca, dizem respeito à liberdade e à justiça social. Porque a liberdade
pressupõe organização política democrática, garantias dos direitos humanos
respeitados, legitimidade do poder pelo voto pelo consentimento expresso do
sufrágio popular, independência e harmonia dos órgãos do Estado 288.

Isso em resposta à posse de Figueiredo, que não foi garantida pela votação popular.
Outra coisa devemos pontuar nesse discurso de Chico Pinto que diz muito sobre as mudanças
históricas: ele foi à tribuna da Câmara denunciar também a presença de um ditador no solo
brasileiro, Alfredo Strössner, do Paraguai, na posse de Figueiredo. Todavia em 1974,
justamente por denunciar a presença no Brasil do ditador Augusto Pinochet, do Chile, ele foi
cassado e saiu da Câmara. No seu regresso fez o mesmo, esse é seu primeiro discurso. Isso
soa como um deboche e desafio na relação de poder. Mais além das motivações subjetivas ao
enunciar tal discurso, verificamos que as condições objetivas, as mudanças da ditadura
permitiram que ele fizesse a mesma denúncia sem sofrer as mesmas penalidades. Ele voltou a
reafirmar seus preceitos, a dizer qual sua direção, que não é a de confraternizar com os

286
Jornal Movimento, 15 a 21/1/79, Ed. 185, P.4. O incrível ministério de Figueiredo.
287
Idem, p.3.
288
PINTO, Francisco. A posse do general Figueiredo não é honrada pela Unção popular (14 de março de
1979) In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e
Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p.6.
111

ditadores da América ou de qualquer outro continente, e de manter sua postura de denúncia e


intolerância para com estas. Disse:

Sei que é ilusório falar em liberdade e justiça em nosso continente, enquanto grupos
privilegiados enfeixam em suas mãos a riqueza e o poder e milhões de homens
vivem na miséria. Liberdade e justiça continuaram sendo simples palavras, embora
grandes palavras, desprovidas de conteúdo real e verdadeiro, para milhões que
formam a essência da pátria latino-americana 289.

Sinais de mudanças nos tempos: o Congresso havia sido fortalecido, os posicionamentos


se modificavam, a bandeira de defesa da democracia se expandia e popularizava; até a posição
da Arena já se modificava, havia migrações de arenistas para o MDB. E o número de
Autênticos também cresceu 290. (Ver anexo 3)
Enfim, um conjunto de modificações possibilitava uma posição mais contundente de
ofensiva à ditadura, e de maior possibilidade de atuação dos políticos. E aqui falaremos do
temas do discurso de Chico Pinto que são as bandeiras levantadas pela sociedade, tais como a
Anistia, Legalização da UNE, direito dos trabalhadores e greves.

4.2 Posse de Chico Pinto

Chico Pinto voltou ao Congresso em 1979 com expressiva votação. Em 1970, a


quantidade de votos foi de 34.298 291, em 1978, 117.807. Verificamos um desencontro entre os
dígitos do Jornal Movimento e o do Tribunal Superior Eleitoral, consideramos, portanto, os
dados oficiais do TSE. E vemos um crescimento elevado da sua aceitação enquanto político
no campo.

289
Idem. p.6.
290
Jornal Movimento, 27/11 a 03/12/1978. Ed. 178, p. 5. O crescimento dos Autênticos.
291
Dados do TSE. Disponível em: http://estatistica.tse.jus.br:7777/dwtse/f?p=1945:1:3234555607079500::
NO:RP:P0_HID_MOSTRA:S acesso em 10 de dezembro de 2012; não tem os dados do ano de 1978, mas os de
1982, que foi de 82247, e de 1986, 55086.
112

Chico Pinto em foto nas páginas do Movimento

Francisco Pinto na campanha, em 1978, e início do mandato de 1979 começou


gerando polêmica nas páginas do jornal Movimento e na tribuna da Câmara. Em discurso na
campanha eleitoral, no dia 3 de outubro, na Bahia, Francisco Pinto denunciou que “o ex-
embaixador do Brasil na França, Antonio Delfim Netto, recebia percentual em dólares de
todas as transações que o governo brasileiro realizava com o governo francês. As comissões
eram depositadas numa conta particular num banco francês” (o dado está incorreto, depois ele
corrigiu, na verdade era um Banco Suíço) 292.
Delfim Netto, o mentor do “milagre econômico”, foi embaixador do Brasil na França
entre 1975 e início de 78, e declarou, segundo o Movimento:

em entrevista ao Jornal do Brasil publicada em 22 de janeiro de 1978: ‘enquanto


fiquei em Paris procurei honrar a confiança do presidente da República, acho que
cumpri o meu mandato de embaixador honestamente e que tive grande alegria nessa
convivência com a França’ 293.

Francisco Pinto, em discurso de campanha falou de denúncias presentes em um


documento até aquele momento desconhecido ao público, um dossiê feito pelo adido militar
na França, cel. Raimundo Saraiva, informando falcatruas de Delfim Netto e seu boys 294 na
embaixada do Brasil na França, o que ficou conhecido como Relatório Saraiva. As acusações
eram de que Netto estava transformando a embaixada brasileira num comércio particular, e

292
Jornal Movimento, 5 a 11/2/79, Ed. 188, p. 11. O Nosso relatório Saraiva.
293
Idem.
294
Nome que o jornal deu ao grupo de Delfim Netto envolvido nas jogadas na Embaixada.
113

tirava vantagem pessoal de dez por cento de toda negociação, o que inclusive, gerou um
apelido da Embaixada brasileira na França, “Ambassade dix pour Cent”.
Sabendo da existência desse relatório, denunciou-o e pediu apuração dos fatos pelas
autoridades. Na ocasião do discurso ele teve notícias sobre o afastamento do general Hugo
Abreu, que supostamente havia denunciado corrupções. E ao trazer à tona esse fato, Delfim
Netto pediu licença para cassar Chico Pinto. Segundo o Movimento a Câmara negou o pedido
“por 250 contra 85 e 11 abstenções” 295. O diário do Congresso trouxe essa resolução, no dia 5
de abril de 1979: “Art. 1'·1 É negada a licença solicitada pelo Supremo Tribunal Federal,
através do Ofício n 9 074/P, de 23 de fevereiro de 1979, para o processamento criminal do
Senhor Deputado Francisco José Pinto dos Santos” 296.
Depois que a Câmara negou a Delfim Netto a possibilidade de processar Francisco
Pinto, aquele começou os ataques em outro formato. Para fugir das acusações, Delfim Netto
tentou desviar as atenções para Chico Pinto, lançando em jornais acusações sobre o deputado
para desmoralizá-lo frente à opinião pública. Delfim Netto e seus aliados, que o Movimento
chamou de “Delfim’s Boys”, montaram um dossiê sobre Pinto e lançaram no jornal Correio
Braziliense. Segundo Movimento, foi o próprio editor do Correio quem disse ao Movimento
que foram os “amigos” do Delfim quem entregaram esse dossiê 297.
O dossiê forjado pelos “Delfim’s Boys” era uma carta ao suposto cel. Sebastião Castro
com parte do IPM de Pinto, de 1964. Nele constava que Pinto denunciou a ligação de alguns
adversários políticos seus com o comunismo, eram esses: Arnold Silva, Carlos Rubino Bahia,
José Marin Falcão, Joselito Falcão de Amorim (no jornal a grafia esta equivocada “Joselino”),
Helder Alencar, Wilson Falcão, Alberto Oliveira e Odilon Diogo de Santana 298.
O que parece um equívoco, pois estes foram personagem que apoiaram e prepararam o
golpe na cidade de Feira de Santana. Isto pareceria um equívoco de Delfim Netto, no entanto
as denúncias existiram, Francisco Pinto o fez, mas confessa em outro momento, que foi para
confundir os ditadores 299.
Chico Pinto lançou uma nota contra as acusações depois da publicação no Correio
Braziliense. Também preparou um discurso para o dia da votação de sua possível cassação,
discurso que o presidente do MDB, depois de decisão do partido, orientou-o a não fazer, pois,
com tal discurso, não restaria à Arena senão a opção de votar a favor da cassação. Depois que

295
Jornal Movimento, 9 a 15/4/79, Ed.197, p. 6. A jogada dos Delfim’s Boys.
296
Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD05ABR1979.pdf#page=1 acesso em 11 de
dezembro de 2012.
297
Jornal Movimento, 9 a 15/4/79, Ed.197, p. 6. A jogada dos Delfim’s Boys.
298
Idem, p. 7.
299
REVISTA PANORAMA. Chico Pinto, a voz do contra. 20 de agosto a 4 de setembro de 1985.p.12.
114

aprovaram a negação da licença para o processo, Chico Pinto voltou à tribuna da Câmara,
com um discurso afiado de 14 páginas, intitulado, O preço de uma denúncia, para falar sobre
o acontecimento.
“Afinal desta vez, e somente agora, posso ocupar a tribuna para falar sobre o processo
que se pretendeu mover contra mim” 300, diz Pinto, sobre seu silêncio até o momento, devido à
decisão do partido em fazê-lo calar. E Pinto o fez, pois estava em jogo a imunidade
parlamentar, tratava-se de um “imperativo disciplinar do meu partido” 301 disse ele. “Calei-me
assim, nesta Casa, a contragosto, embora ouvindo ao meu redor toda sorte de injúrias,
difamações e o levantamento de suspeitas sobre meu pretenso temor em enfrentar, nos
tribunais a realidade de minhas afirmações” 302.
Pinto disse que nunca temeu os processos, mesmo sem imunidade parlamentar. E no
seu discurso fez uma exposição da sua trajetória, mostrando exemplos desse fato.

Vivi esses quinze anos – hora a hora, dia a dia – não como espectador passivo dos
acontecimentos, nunca esperando que se fizesse o giro natural da história, mas ao
contrário, exposto aos riscos e imbuído do senso de viagem, abandonando o abrigo
para arriscar-me ao relento. Deixando de ser para ser mais ainda, perdendo, como já
perdi, por vezes, a liberdade para tentar salvá-la para todos 303.

Ele mostra uma imagem de quem enfrentou e nunca se negou a enfrentar o inimigo,
que foi o golpe vitorioso em 1964. Nesse discurso o seu objetivo era retrucar as acusações
feitas pelos “Delfim’s Boys”, ou seja, uma tentativa de defesa da sua imagem de coerência e
de homem de luta. E que Delfim Netto chamava de delator.
O discurso é armado com uma rememoração da sua trajetória a partir do golpe, quando
era prefeito de Feira de Santana, e a tentativa de resistência. Relembra os métodos de
construção dos IPMs, sob tortura nas prensas de fumos, feito por oficiais do Exército com
brutal violência. Remonta às iniciativas de construção dos IPMs, porque são a eles que Delfim
Netto se refere para acusá-lo, “os amigos do Sr. Delfim Netto, agora ressuscitam, numa
evidente concordância com esses métodos” 304.
Ele fala então que o ataque veio nos jornais numa “campanha sistemática de
descrédito”, afirma:
Muda-se a forma, mas permanece a mesma agressividade violenta e estúpida.
Variam os métodos. Já não podem os donos do Poder cassar mandatos ou levar ao

300
PINTO, Francisco. O preço de uma denúncia(23/maio/79) In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo.
Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982.p. 7
301
Idem.
302
Idem.
303
Idem. p. 8
304
Idem, p. 10.
115

cárcere cidadãos e parlamentares, com a mesma desenvoltura irresponsável da


vigência do AI-5. Os processos, agora, revestem-se de roupagens diversas e
intentam na estafada técnica fascista mais cínica, atingir a respeitabilidade dos que
lutam em favor das causas populares 305.

E sobre as acusações de delator, levantadas pela imprensa, Chico Pinto diz para estes
percorrerem a cidade de Feira de Santana e perguntar ao povo, “daqueles que sofreram na
carne os efeitos do golpe, e não da voz dos opressores, daqueles que fizeram e ajudaram o
movimento vitorioso ou a ele aderiram” 306.
Depois de evidenciar seu posicionamento e defender-se das acusações, como para
disputar sua imagem na opinião pública, ele contra-atacou, revelou que as denúncias do
relatório é que deveriam ser de sumária importância. O relatório Saraiva, que o governo
tentou dissimular afirmando a irrealidade do fato. Francisco Pinto falava da sua existência e
das pessoas que já tiveram contato com este relatório, tais como o cel. Fritz Azevedo Manso,
o ex-ministro do exército Silvio Frota - este inclusive disse que em caso de constituição de
uma CPI deporia e falaria a verdade.
Ao fim do discurso Francisco Pinto propôs a constituição de uma CPI sobre corrupção,
para apurar as denuncias do Relatório Saraiva, pois para ele “Colaborar no trabalho para
reconstrução democrática, Srs. Deputados é também atacar a corrupção e a impunidade,
meeiros indissolúveis e parceiros inseparáveis do arbítrio, do autoritarismo e das
ditaduras” 307.
No Congresso Francisco Pinto ousou denunciar corrupções de umas das principais
figuras do governo: Delfim Netto. Quase foi cassado. Há uma disputa constante entre os
políticos sobre o tipo de imagem que querem ver vinculada a si. Francisco Pinto, nesse
discurso, faz questão de reafirmar seu lugar de opositor ao regime. E mais, ele quer dizer
sobre sua condição de lutador. O ataque ao caráter do político, como fez Delfim Netto, é uma
estratégia política, assim como a construção de um discurso sobre si, sobre sua trajetória para
demarcar um posicionamento, pois o político se sustenta da credibilidade, capital simbólico.
A imagem, a referência, é essencial na trajetória do político, pois está diretamente ligada ao
apoio dos eleitores. Percebemos no discurso de Chico Pinto um apego a sua própria figura,
uma valoração de uma trajetória de luta, parte de uma estratégia de luta também.

305
Idem, p. 13.
306
PINTO, Francisco. O preço de uma denúncia(23/maio/79) In PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo.
Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p.
14.
307
Idem, p. 20.
116

4.3 Discursos e uma leitura da abertura

Como dissemos antes, os temas que guiam a feitura dos discursos de Chico Pinto são
transversais ao grito de alerta da sociedade civil. Ele, enquanto político profissional, só tem
um discurso e força de competição dentro do campo se acha apoio dos leigos. Ao mesmo
tempo a formulação do seu discurso disputa o apoio desses leigos. Por isso então lemos seu
discurso como um movimento amplo na sociedade que lhe dá sentido. Faz-se uma análise dos
seus textos e conjuntura política nas linhas a seguir.
Francisco Pinto verificou as mudanças dos tempos denotadas pelas palavras que antes
não se podia pronunciar e que naquele momento ecoavam nas bocas dos “cristãos novos” da
democracia. O deputado dizia que antes havia um dicionário de vocábulos proibidos que
denunciavam para o Serviço Nacional de Informação (SNI) quem era subversivo, as palavras
eram: “reforma agrária, UNE, CGT, voto de analfabeto, anistia” 308. No entanto, mudaram os
tempos e esses vocábulos andavam até nas bocas dos rigorosos defensores do golpe, palavras
como Anistia, inclusive, transbordava até na boca presidencial, sinais de mudança de tempos.
Isso só foi possível, segundo Chico Pinto, pela ação popular e não pela bondade presidencial:
“Mas alguns desses vocábulos ou siglas foram pouco a pouco, saindo do índex, não por
iniciativa generosa do Governo, mas por força de amplo e profundo movimento de
mobilização popular” 309.
Chico Pinto descreveu o novo tempo e as movimentações da sociedade civil. O
governo teve que aceitar a reorganização dos trabalhadores e estudantes, na UNE e da CGT.

Da edição do AI-5 pra cá, sobretudo neste período, o Governo só tinha ouvidos para
escutar os reclames das classes dominantes. Aos patrões é conferido o direito de
organizar e fortalecer confederações da indústria e do Comércio, e nega-se esse
mesmo direito aos trabalhadores e estudantes. Esta é uma concepção atrasada do
Estado capitalista. Seus doutrinadores e teóricos colocam o Estado como entidade
acima dos interesses de classe, como ente conciliador e descompromissado.
Sabemos que isso não é verdade. O Estado capitalista serve à classe dominante.
Procura, apenas, camuflar sua postura aparentando isenção. Aqui no Brasil, porém,
as coisas ficam às claras. A função precípua do Estado transparece nitidamente no
esmagamento da classe dominada e na de todos os setores da sociedade que com ela
se solidariza. A UNE não teria desaparecido ou já teria ressuscitado se o Governo
soubesse que ela atuaria como força de apoio dos exploradores do povo.
Sobrevivendo, porém, a sua própria extinção, apesar do aparato bélico da opressão, a

308
PINTO, Francisco. A UNE ressurgiu mesmo sem Anistia (sessão de 28 de maio de 1979) In: PINTO,
Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de Documentação e Informação. Brasília:
Coordenação de Publicações, 1982. p. 21.
309
Idem.
117

UNE reestruturada é mais um organismo vivo a serviço da reconquista das


liberdades perdidas e de outras tantas liberdades que nunca conquistamos 310.

O movimento estudantil foi muito presente no processo de luta contra a ditadura


mesmo com a repressão aumentada na década de 1970. A UNE foi posta na ilegalidade, e
durante a década de 1970, a movimentação dos estudantes universitários foi feita na
clandestinidade. Em 1977 a UNE começou a se reorganizar, num processo de soerguimento
de tantos outros movimentos populares, tais como o Movimento pelo Custo de Vida, as
associações de bairro e o novo sindicalismo.
Francisco Pinto lançou seu discurso em direção a esses estudantes para falar das
mudanças em curso, que nem o presidente nem os militares poderiam conter os rumos da
história em que os trabalhadores e estudantes, dentre outros setores, adiantavam o fim da
ditadura. Sobretudo, Francisco Pinto creditou essas mudanças históricas não à bondade
presidencial, mas à conquista popular. Seu discurso se inscreve no apoio da refundação da
UNE, e de todos os setores que lutaram contra a ditadura. Nesse sentido, Chico Pinto dizia:

Uma vez mais, a vontade organizada de um setor da sociedade sobrepôs-se à


determinação recalcitrante do sistema, que a ela teve de curvar-se.
Saudemos, pois, nos estudantes e, na futura UNE, mais uma vitória da consciência
democrática do povo brasileiro 311.

Percorremos outros discursos de Chico Pinto analisando a quais setores da sociedade


ele se dirige. Ele faz referência, em dois discursos, a outro personagem desse período,
Theodomiro Romeiro dos Santos. Um discurso em 20 de agosto de 1979, titulado Theodomiro
Busca a Liberdade e professores baianos fazem greve por salário e o outro de 3 de dezembro
de 1979, Theodomiro continua mofando na Nunciatura 312.
No primeiro discurso Francisco Pinto falou da fuga de Romeiro da cadeia. “sem
perspectiva de ser anistiado pelo projeto do Governo, Theodomiro não fez greve de fome. Seu
protesto foi de outra natureza, preferiu sair da prisão” 313. No segundo, voltou a falar de

310
PINTO, Francisco. A UNE ressurgiu mesmo sem Anistia (sessão de 28 de maio de 1979) In PINTO,
Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação. Brasília:
Coordenação de Publicações, 1982. p. 22.
311
Idem.
312
O discurso de Chico Pinto, titulado, Theodomiro busca a liberdade, se refere a carta que Haroldo Lima fez
para anunciar a fuga de Theodomiro da Lemos de Brito. O segundo, Theodomiro Romeiro continua mofando na
Nunciatura, diz respeito a fuga de Theodomiro da Lemos de Brito, ele que foi se refugiar na Nunciatura
Apostólica em Brasília (MOVIMENTO, Ed. 251, 22/4/80 P.21).
313
PINTO, Francisco. Theodomiro Busca a Liberdade e professores baianos fazem greve por salário (sessão
de 20 de agosto de 1979), In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de
documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 23.
118

Theodomiro, para destruir o silêncio que os jornais e Câmara de Deputados emitiam a respeito
dele e pediu esclarecimentos ao governo:

A imprensa não noticia mais nada, possivelmente, porque não tem notícia. A
Nunciatura não informa nada, certamente porque a diplomacia tem a mística das
operações sigilosas. O Parlamento não fala nada, naturalmente porque este fato não
lhe rende votos 314.

Esse grito de alerta sobre o silêncio do governo e das pessoas é também um


sintomático movimento no momento histórico, pois o risco de silenciar sobre um caso era o
risco de permitir o desaparecimento de sujeitos, prática comum do regime para acabar com as
oposições. Theodomiro Romeiro é um dos tantos sujeitos desconhecidos da História, pois faz
parte daqueles que não estão no centro do Poder, mas na margem e se movimentando contra
tal, como foi o caso de sua história de resistência contra o golpe de 1964.
Theodomiro Romeiro dos Santos foi o primeiro preso político condenado à pena de
Morte no Brasil. Reagiu a uma tentativa de sequestro dos militares e acabou matando o
sargento da Aeronáutica Walder Xavier de Lima, no dia 27 de outubro de 1970, em Salvador.
Todavia não escapou e foi preso na Penitenciária Lemos de Brito, junto com Paulo Pontes. Os
dois faziam parte do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR.
No Jornal Movimento havia uma sessão direcionada às cartas dos leitores, e na edição
de 2 de julho de 1979, traz uma carta de Theodomiro Romeiro, intitulada Juiz nega liberdade
a Theodomiro, falando da negativa de lhes concederem o benefício da condicional. Eis um
trecho:

Meu nome é Theodomiro Romeiro dos Santos e, atualmente, me encontro preso na


Penitenciária Lemos de Brito, cumprindo uma pena de 16 anos, seis meses e 25 dias
a que fui condenado por lutar contra a ditadura militar que se apossou do poder em
abril de 1964.
Estamos presos desde outubro de 1970, já tenho direito ao benefício da liberdade
condicional. E foi baseado neste direito que os meus advogados entraram com
pedido de livramento justo à auditoria da 6ª CJM.
(...) Denuncio a todas as pessoas que lerem esta carta, o processo de perseguições
políticas e ameaças a que estou submetido e convoco a todos para lutar contra as
perseguições da ditadura, por uma anistia ampla, geral e irrestrita 315.

O caso de Theodomiro Romeiro demonstra o caráter restrito da Anistia que o governo


preparou. Por sua vez, Francisco Pinto, defendeu a Anistia ampla, geral e irrestrita como era o
grito da sociedade civil. O que queremos dizer com isso é que, como os demais casos que
Francisco Pinto defendeu, este era um discurso fundado na realidade do momento histórico.
314
PINTO, Francisco. Theodomiro continua mofando na Nunciatura ( sessão de 3 de dezembro de 1979) In:
PINTO, Francisco. op. cit. p. 26.
315
Jornal Movimento, 2 a 7 de julho de 1979, Ed.209, p. 22. Juiz nega liberdade a Theodomiro.
119

Seu discurso se filiava aos setores organizados contra o regime, a exemplo da UNE, de
Theodomiro dos Santos, que era militante comunista e representante da luta pela Anistia.
Outros personagens aparecem nos discursos de Francisco Pinto na época. Em especial
um personagem que tomou de assalto a história da transição: a classe trabalhadora. É possível
rastrear no discurso de Pinto a centralidade das lutas organizadas dessa classe, a organização
das greves espalhadas por todo o país e seu apoio para essa classe, bem como entender sua
concepção sobre a relação entre o Estado e classe trabalhadora no Brasil.
Dos trezes discursos selecionados que estão numa brochura chamada Caminhando
com o povo, publicado pela Câmara de Deputados, cinco são sobre greves de trabalhadores e
os demais se somam entre temas referentes à movimentação popular na Bahia e Brasil. O
próprio título da encadernação é sintomático, “caminhando com o povo”: assim Chico Pinto
se coloca na posição de um parlamentar que enuncia um discurso para determinado grupo
social, que ele chama de povo.
Assim como diz Bourdieu 316, o político dentro do campo tem sempre um discurso
direcionado para um dado grupo, e mais, ele só capta força suficiente para permanecer no
campo se seu discurso for bem aceito pelos “leigos”, por isso, esse é também um discurso que
se modifica no devir histórico, conforme as demandas da sociedade civil. Percebemos essa
variação no discurso de Chico Pinto. Os trabalhadores e seus instrumentos de lutas, como as
greves, são centrais no seu discurso, bem como o seu entendimento sobre a realidade entre
trabalho e Estado. A exemplo, no discurso já citado, Francisco Pinto fala das greves na Bahia:
“Cerca de quarenta mil professores do 1º e 2º graus pararam na Bahia. As gestões
anteriormente desenvolvidas pelos mestres, reivindicando aumento salarial e melhores
condições de trabalho, esbarraram na intransigência governamental” 317.
Os professores na Bahia fizeram greve e a reação do governo, que na época era
Antonio Carlos Magalhães (empossado desde março de 1979), era a da repressão e a de
acusar os líderes de responsáveis pela eclosão de tais greves. Para Francisco Pinto, acusar os
líderes pelas greves era desconhecer as origens dessas. Nem os líderes baianos, nem de outros
lugares (uma clara referencia a Lula que foi preso pelas greves em São Paulo) teriam
capacidade de organizar uma multidão, se esta não sentisse a real necessidade, se não
“estivesse enraizada nas próprias aspirações coletivas”.

316
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15° ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
317
PINTO, Francisco. Theodomiro Busca a Liberdade e Professores baianos fazem greve por salários
(sessão de 20 de agosto de 1979). In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados.
Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 23.
120

Os motivos objetivos da greve estavam nas condições de exploração, na expressão de


Chico Pinto: “é impossível alguém viver com salário de cerca de 2.000 cruzeiros, como vive
um professor primário contratado pelo Estado” 318.
E a argumentação do governo para explicar tais salários é a falta de verbas públicas, o
que Pinto contestou:

O Estado brasileiro, hoje, não é somente um Estado brutalmente armado para a


repressão. Ele é fortemente armado no campo financeiro, com o extraordinário
aumento da sua capacidade tributária. O que ocorre é a existência de um equivocado
processo de prioridades onde o homem aparece apenas como objeto secundário da
história 319.

Conclui seu discurso com o seguinte texto:

Já os grevistas são os inimigos. Inimigos de uma ordem que interessa às elites


embrutecidas, às minorias insensíveis, mas não serve aos interesses das grandes
massas da população. [...] ao povo interessa a destruição da ordem injusta, para que
se estruture uma nova ordem não verticalizada e não opressiva para que os
explorados de hoje tenham a sua vez amanhã 320.

Francisco Pinto elencou os motivos da greve, falou dos resultados das negociações
com o governo e concordou que a única via de modificação das prioridades do Estado é a
organização dos trabalhadores e a destruição dessa ordem de coisas.
No segundo mandato, Francisco Pinto tem um discurso mais incisivo de ataque ao
governo e de propor uma organização dos trabalhadores. A abertura política possibilitou
também construir um discurso mais rigoroso, sem maiores riscos de cassação ou retaliações
mais violentas.
Em outro discurso no dia 22 de abril 1980 voltou a afirmar suas convicções sobre a
técnica de negociação do governo com a classe trabalhadora:

A classe operária no Brasil – diziam – foi sempre tratada ‘a pata de cavalo’ e não
será ainda agora que isso vai alterar-se. Hoje, na verdade, Sr. Presidente, os métodos
de debate com a classe operária se aprimoram. O argumento mais forte e
convincente na discussão de melhores condições de trabalho é a eficiência dos
cassetetes, das bombas de gás lacrimogêneo e dos fuzis-metralhadoras. [...] E a
necessidade se mede pelo interesse dos patrões 321.

318
Idem. p. 24.
319
Idem. p. 25.
320
PINTO, Francisco. Theodomiro Busca a Liberdade e Professores baianos fazem greve por salários
(sessão de 20 de agosto de 1979). In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados.
Centro de documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 25.
321
PINTO, Francisco. Governo capacho, trata operário a pata de cavalo (sessão de 22 de abril de 1980). In:
PINTO, Francisco. op. cit. p. 28.
121

Pinto fez uma abordagem sobre os países de capitalismo avançado, em que o governo
sofisticou as técnicas espoliativas da classe operária. Mas no Brasil, para ele, “tudo é feito
diante da aliança desavergonhadamente simplista do sabre e da baioneta com o capital
espoliador para esmagar o povo” 322. É uma constatação sobre a realidade, no ponto de vista
do deputado, sobre a condição de negociação entre trabalhadores e Estado.

porque o governo é mais dócil e menos inteligente. Porque o Governo é mais


capacho, mais submisso e menos competente, e não é capaz de impor à FIESP que
volte a negociar com os trabalhadores. É que a dominação, neste lado escuro do
mundo se faz às escâncaras. Ora instituem regimes democráticos formais, ora o
derrubam como fizeram no Brasil em 1964, ou no Chile em 1973, utilizando-se dos
próprios nacionais para escamotear, com truques de trapaceiros, a consciência
nacional humilhada 323.

Na sessão de 12 de maio de 1980, Pinto abordou sobre as mudanças nas regras do jogo
político. Disse que o governo, pressionado pelas manifestações dos trabalhadores que se
avolumaram pelo país, mais as pressões externas, teve que ceder, fazer “algumas tímidas
concessões no campo institucional”, como a revogação do AI-5.

Mas, por outro lado, o Ato Institucional mantém-se revigorado, com outra marca e
com outro rótulo, atingindo e vitimando os operários. Hoje, uma simples Portaria de
um Ministro do Trabalho – alcunhado de Ministro dos Patrões – sem qualquer
formalismo de reunir, ao menos, o Conselho de Segurança Nacional, é suficiente
para cassar mandato de dirigentes sindicais, detentores de uma representatividade
tão expressiva ou maior que a nossa e eleitos, também pelo voto direto e secreto de
seus companheiros 324.

Francisco Pinto fez outro balanço da conjuntura política de constante omissão do


presidente, que tinha pronunciamentos do tipo: “não há mais preso político no país”,
reconhecendo assim que antes havia. Em um período que se negava qualquer prática desse
tipo, afirmou Pinto “e, a cada movimento social, as cadeias se enchem de presos, como
ocorre, com os professores de Minas Gerais e metalúrgicos de São Paulo” 325. Francisco Pinto
reconhece também a falácia do governo sobre a Anistia, “Mas anistiados na área militar não
voltaram aos quartéis” 326.

Negam-se a negociar com os operários paulistas sob a alegação de que


transgrediram a lei imposta. Prendem Luís Inácio e seus companheiros porque

322
Idem. p. 29.
323
PINTO, Francisco. Governo capacho, trata operário a pata de cavalo (sessão de 22 de abril de 1980). In:
PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação.
Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 29.
324
PINTO, Francisco. Quem intervém e prende operários no ABC, mantém reitor fascista na UnB. (sessão
de 12 de maio de 1980). In PINTO, Francisco. op. cit. p. 31.
325
Idem. p. 31.
326
Idem. p. 32.
122

desrespeitam, segundo eles, a monstruosa lei que os condena a ser escravos. No


entanto, Sr. presidente, um capitão-de-mar-e-guerra, transvertido de reitor
desrespeita a lei, desconhece o princípio da autoridade que jurou respeitar e nega-se
a cumprir a determinação do Ministro da Educação quando impede que estudantes
punidos, e posteriormente anistiados por participarem de atos legítimos em passado
recente, matriculem-se na Universidade Federal de Brasília, que pertence a Nação e
não é propriedade de um emperdenido fascista 327.

Esses discursos permitem observar os limites da Anistia, que já se propalava na boca


presidencial, que já se estabelecia. Da abertura política, que excluía setores populares das
decisões centrais da política. Estudantes contrários à política ditatorial eram proibidos de se
matricular na UnB, uma estratégia de delimitar os espaços atuantes das oposições. Bem como
é o caso da prisão do líder sindical Luis Inácio da Silva, chamado Lula. Concluiu Chico Pinto:
“Se o Presidente da república pretende, num passe de mágica, fazer da ditadura uma
democracia, deve, ao menos, respeitar a vontade das maiorias” 328.
No discurso de 2 de junho de 1980, Pinto, criticou a visão geral que se criou na
sociedade da naturalização da pobreza, da fome, dos baixos salários, “vistos como
fatalismos”, que parecia que só há uma solução: “esperar que as elites transbordem seu
enriquecimento, para que as grandes massas se beneficiem com as migalhas e com suas
sobras” 329. Para Francisco Pinto, isso é maior:

Não há operário ou camponês, medianamente esclarecido, que possa enxergar no


Estado um instrumento conciliador de classes, pairando acima delas, como querem
fazer crer os teóricos do capitalismo. O Estado brasileiro, colocando-se sempre a
serviço da classe dominante, deixa claro a quem serve. Se no episódio da greve do
ABC o Governo ajudou a esmagá-lo pelo cansaço e pela violência, não foi diferente
o seu comportamento em relação a greve dos trabalhadores rurais de Vitória da
Conquista e Barra do Choça 330.

Novamente sua concepção do Estado como entidade de classe sobressai no seu


discurso. Chico Pinto estava falando também da greve que mobilizou mais de 10 mil
trabalhadores no centro-sul da Bahia e que foi fortemente reprimida, a polícia jogou bombas
no sindicato dos trabalhadores rurais destruindo parte da sede. Ele falava que a greve acabou
por causa da grande repressão e porque os patrões e governo se uniram e trouxeram para essas
localidades pessoas de lugares mais secos, onde havia mão de obra abundante para substituir
os grevistas.

327
PINTO, Francisco. Quem intervém e prende operários no ABC, mantém reitor fascista na UnB. (sessão
de 12 de maio de 1980). In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de
documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p. 32(sic).
328
Idem.
329
PINTO, Francisco. Greve dos camponeses de Conquista e Barra do Choça (sessão de2 de junho de 1980).
In: PINTO, Francisco. op. cit. p 33.
330
Idem.
123

Chico Pinto enfatizou o que para ele era o cerne da questão da desigualdade social: a
pobreza que não é natural, mas sim, fundada no modelo econômico capitalista. A pobreza é
então perpetuada como um mecanismo de desenvolvimento econômico, e administrado pelo
Estado, lugar onde se concentram os dirigentes políticos a serviço de uma elite, que
necessitam desse exército de reserva, da mão de obra empobrecida. Modificam as regras do
fazer política institucional segundo seu interesse, quando necessário, fundando ditaduras ou
democracias.
E nesse momento histórico que os trabalhadores que se organizavam e disputavam
contra essa ordem das coisas, enfrentaram a repressão do Estado capitalista. No Brasil, greves
de peões, professores e funcionários públicos, bancários, vigilantes, metalúrgicos, motoristas
invadiram as ruas exigindo aumento salarial em alguns casos de 100%, fundamentalmente
porque na época a inflação também subia nessa escala, e por estarem calejados dos anos de
“milagre econômico”, que só lhes rendeu arrocho salarial. O ano de 1979 foi o período em
que mais explodiram greves, e também muita repressão policial, pois o governo não queria
permitir que os trabalhadores tomassem a cena na transição, pois colocaria em questão uma
crise de hegemonia.
Assim, em 1980, Francisco Pinto fez seu discurso falando na greve dos camponeses de
Conquista e Barra do Choça, reprimida com grande violência policial,

Mas a greve dos trabalhadores rurais da Bahia constitui-se em uma vitória: serviu
para desmascarar ainda mais a abertura do general Figueiredo, porque, sendo um
movimento legal, reconhecido pela própria Justiça do trabalho, recebeu o mesmo
tratamento violento e ‘brucutizante’ dispensado aos movimentos que o regime julga
ilegal 331.

Ainda em 1980, quando a greve já estava legalizada, os trabalhadores sofreram


repressão, um pouco parecida com os dias atuais. Sentem o preço da liberdade democrática
quando vão à rua fazer qualquer tipo de protesto.
Chico Pinto fez o discurso Greve dos camponeses de Conquista e Barra do Choça
para se solidarizar com o Deputado João Cunha (Autêntico, MDB) que foi processado pelo
Procurador geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal por fazer denúncias a
respeito das greves do ABC. Chico Pinto foi reforçar as ideias de João Cunha. No discurso
publicado pela Câmara foi cortado um trecho, em que ele dizia “que meia dúzia de pessoas,
militares ou não, condecoram-se mutuamente, com medalhas de bom comportamento ou de

331
PINTO, Francisco. Greve dos camponeses de Conquista e Barra do Choça (sessão de2 de junho de 1980).
In PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e Informação.
Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. P. 34.
124

primeira comunhão, mas que na verdade não passam de coveiros da liberdade, assassinos da
causa popular e aproveitadores dos recursos públicos” 332. E novamente Francisco Pinto ficou
na mira do Exército. O problema era o governo abrir mais precedentes ao cassar Chico Pinto,
afinal o momento era delicado, o governo fazia uma abertura controlada.
Chico Pinto escreveu uma matéria no Jornal Movimento opinando sobre a situação da
abertura política no Brasil, aqui em suas palavras:

Os ideólogos do sistema sabem que o governo está isolado e que precisa


reconquistar parte da classe média para impor-se melhor. A aliança, porém,
governo-empresários esta de pé, com pequenas divergências, relativamente
superáveis porque suas contradições são epiteliais.
O episódio da greve do ABC paulista serviu de campo experimental para um teste.
O operariado do ABC é o mais numeroso, organizado e com o maior nível de
consciência política do país. Contra a greve deflagrada se posicionaram o governo e
o empresariado – estes, com algumas distonias, que não chegaram a comprometer a
unidade das decisões. Os governos não fizeram concessão alguma. Declararam - por
seus prepostos - que a greve era ilegal. Intervieram nos sindicatos. Destituíram e
prenderam os dirigentes da classe operária, inclusive o seu líder maior – Lula.
Desencadearam a violência e por fim impuseram uma derrota militar incondicional a
um problema social como se estivessem enfrentando uma batalha militar. Com esse
procedimento testaram o grau de resistência do operariado, em área específica, e
observaram o tipo de solidariedade efetiva que foi dada pelos mais diversos setores
sociais, inclusive, e sobretudo, pelos operários do resto do país 333.

Chico Pinto então perguntou qual a diferença entre a greve ilegal ou legal, se a legal é
reprimida com a mesma força bruta? Ele então chama Antonio Carlos Magalhães, governador
da Bahia, de “alter ego” dos militares. Porque na Bahia esse era a “razão” dos militares, era
ACM quem dizia o que os militares deviam fazer, como fez com a repressão dos camponeses
de Barra do Choça.
Uma das características mais marcantes do discurso de Chico Pinto é a ironia, com
uma inteligência muito sagaz. Em 20 de novembro de 1980, voltou à tribuna parlamentar para
falar sobre “Um primor de cinismo do presidente da República”. A mensagem do presidente
para o povo nordestino, segundo Pinto: “Vá à Igreja – disse impávido o nosso General
Presidente – e pergunte a Jesus Cristo, quando vamos poder melhorar a vida do nordestino;
talvez ele possa responder. Não temos recursos. Daqui a dez, quinze anos, quem pode
saber?” 334.
Francisco Pinto, todavia, contestava esse cinismo:

332
Jornal Movimento, 9 A 15/06/1980, Ed. 258, P.3 Carapuça sob medida.
333
Idem, p.4. A trilateral, a política brasileira e o imperialismo.
334
PINTO, Francisco. Nordeste: um primor de cinismo do presidente da república, sessão de 20 de novembro de
1980. In: PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de documentação e
Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982. p 38.
125

(...)não é verdade que faltem recursos para socorrer o Nordeste os famintos, nem
para atender os lúpens nem acudir os desempregados, nem assistir os
subempregados, nem ajudar os que perderam o que plantaram (“plantem que o
governo garante”), nem enfim, executar um projeto definitivo para a economia
nordestina, ainda que sob o regime capitalista 335.

Francisco Pinto então falou dos números: não havia 8 bilhões de dólares para investir
contra a seca, todavia havia 30 bilhões de dólares para construção da Usina Atômica de Angra
dos Reis, outros bilhões para a construção da Transamazônica e para ponte Rio-Niterói. Para
Pinto era tudo uma questão de prioridade no investimento, e como já afirmara em outros
discursos, o humano não é prioridade no capitalismo.
Francisco Pinto nesse período tem um discurso cheio de referências ao marxismo. Ele
confessa que, durante a prisão, com o processo do caso Pinochet, se dedicou à leitura dos
clássicos marxistas. Na sua biblioteca pessoal 336 também encontramos alguns exemplares de
Marx, Lenin, dentre outros. Por exemplo, palavras novas surgem nos seus discursos, como
“lúpens”, esta falando do lumpem proletariado, conceito de Marx. Identificamos as mesmas
referências em sua analise sobre a luta de classes e o Estado como o gabinete dirigente da
burguesia.
Francisco Pinto falou ainda dos conflitos de terra no Araguaia, com camponeses
expulsos da terra pelos latifundiários, alguns até com licença de ocupação cedida pelo INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Mais o caso da greve de professores
universitários, 14.000 docentes em greve em onze universidades paradas. Esses são os
excluídos das prioridades das políticas públicas. E para Francisco Pinto, são esses setores que
devem ser prioritários. Percebemos um setor específico para o seu discurso, que eram os
trabalhadores em greve e os camponeses.
Na sessão de 24 de junho de 1981, Francisco Pinto denunciou a violência praticada
pelo governo contra os jornais alternativos, com a prisão de repórteres. Os jornais atacados
foram Movimento, Tribuna da Luta Operaria, o Jornal do Povo. O que Francisco Pinto
desenha nos seus discursos nada mais é do que a imagem da sociedade do momento, sua
constatação do momento histórico da anistia, da abertura política com a abolição do AI-5.
A ditadura se institucionalizou com a supremacia do Executivo e a repressão de
participação política ou manifestações na sociedade civil. A burguesia teve controle do
Estado e dos canais de desenvolvimento do capitalismo associado com a representação das
organizações na sociedade civil e aniquilamento de qualquer tentativa de oposição. Para tanto

335
Idem. p 39.(sic).
336
Acervo do Labelu/UEFS.
126

as Forças Armadas tiveram função especial em controlar e reprimir com violência essas
iniciativas de participação popular.
A inibição da participação popular na política estava presente na estruturação sindical,
roubando destes a autonomia de organização e reivindicação da classe. Nessa interpretação do
processo de transição e abertura política, contrária a interpretação que coloca no centro do
debate a abertura iniciada pelos ditadores, verifica-se a centralidades dos trabalhadores.
Em 1978, o movimento popular cresceu, concordamos que a maior fonte de pressão
para a abertura política foi a entrada em cena dos trabalhadores, com as grandes greves no
centro financeiro mais importante do país na época, São Paulo 337. Estava em xeque a
organização política e econômica da ditadura, o arrocho salarial, e o questionamento do
milagre que Delfim Netto tentava reviver, mas que dependia da divisão desigual do “bolo”,
que bem lembra o dito popular: “quem parte e reparte e fica com a menor parte ou é besta, ou
não tem arte, ou não sabe repartir”. Nessa divisão injusta a minoria levava o grande quinhão,
enquanto o custo de vida aumentava e o salário defasava. Mesmo com toda a pressão e
organização popular a abertura política foi feita de forma controlada e pelos de cima para
evitar que os subalternizados tivessem maior espaço.

4.4 “É tempo de homens partidos”

Com o início da legislatura e o retorno de Chico Pinto, os Autênticos resolveram voltar


à sua organização. Havia uma queixa de que desde 1975 faltava articulação ao grupo. Embora
houvesse a movimentação dos Autênticos, não havia uma luta coordenada como até 1974.
Inclusive, foi por essa desorganização que se fundou o grupo dos neoautênticos, que tomaram
as atitudes mais progressistas na legislatura de 1975-79.
Vemos nas páginas do jornal Movimento noticias sobre a possível rearticulação dos
Autênticos com a existência de algumas reuniões. O objetivo das reuniões era reorganizar a
luta parlamentar e criar uma estratégia de luta extra-partidária. Nesse momento a aliança com
os líderes sindicais era central na articulação dos Autênticos, sobretudo porque eles davam
peso às causas populares em seus discursos, e o momento histórico era marcado pela
centralidade das lutas dos trabalhadores com as grandes greves. A tentativa de aproximação
com os grevistas era essencial para sair do isolamento e transformar o ideal em real, ou seja,
sair da defesa da classe trabalhadora no discurso para uma intervenção mais real. Para

337
Ver SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores e da
grande São Paulo 1970-1980. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
127

Francisco Pinto a reorganização dos Autênticos tinha uma função central: unir-se às forças
populares. 338
No entanto, em 1979 chega ao fim o bipartidarismo. E para os Autênticos um novo
desafio: manter-se no MDB ou fundar um novo partido? E mais, no contexto das grandes
greves da classe trabalhadora, o desafio era que tipo de partido?
Segundo notícia do Movimento, a discussão dos Autênticos girava em torno de que
tipo de partido estes formariam depois da anunciada reforma partidária do governo:

A distinção das tendências do grupo autêntico feita pelo deputado Francisco Pinto,
que também esteve em São Bernardo, é outra: <<De um lado, os que querem um
partido popular, formado sob a hegemonia da classe trabalhadora. Do outro, os que
desejam uma aliança com os trabalhadores, visando sua manipulação>>. Os dois
concordam, porém, que é necessário à oposição se organizar num partido depurado
dos elementos adesistas - <<que afinal não são da oposição>> - e que se aproxime
cada vez mais dos setores populares, definido um programa que contemple
profundas transformações do modelo sócio-econômico e político vigente 339.

Se um partido não sobrevive sem atender às demandas dos setores fora do campo
político, a aproximação, pelo menos discursiva, com a classe trabalhadora parecia necessária
nesse momento para a sobrevivência do grupo Autêntico. O discurso e o programa partidário
devem acompanhar as mudanças do tempo e acomodar as demandas das camadas que dizem
representar, ou este partido deixa de existir. Pensada por esse viés é que vemos a aproximação
do grupo Autêntico com a classe trabalhadora. Mas ver-se aí também o limite de existência
desses. Como grupo, nunca tiveram ligações orgânicas com a classe trabalhadora, e isso ficou
evidente na abertura. Pinto e os redatores do Movimento se esforçaram para fazer essa
aproximação, mas: 1) até onde pretendiam ir em seu esforço? 2) quem eram e qual o poder de
fogo dos que se opunham a tal orientação? Não temos, todavia, fonte suficiente para
demonstração dessas questões. E aqui fica a pergunta para especulação.
Com o fim do bipartidarismo, o que aconteceria com o MDB? Petrônio Portella, ex-
ministro e articulador do governo em junho de 1979, já havia anunciado as possíveis
mudanças, e especulava sobre o MDB:

<<Ulysses Guimarães ficará no mesmo partido de Francisco Pinto e de Jarbas


Vasconcellos? >>, pergunta Portella. E ele mesmo responde: <<Francisco Pinto vai
defender um partido que lute pela extinção da propriedade privada dos meios de
produção, partido do qual o Ulysses jamais participará>> 340.

338
Jornal Movimento, 21 a 27/5/79, Ed. 203, p. 7. O grupo Autêntico deve existir?
339
Jornal Movimento, 11/6/79, Ed. 206, p9. As criaturas vão se voltar contra o criador?(sic)
340
Idem, p. 8. (sic)
128

A percepção do Petrônio Portella é de Francisco Pinto enquanto um comunista. Havia


outra especulação na época sobre o interesse do governo em fazer tais reformas. E uma
explicação se tornou central sobre esse assunto: seria uma estratégia de dividir a oposição que
crescia com o MDB. Tal pronunciamento de Portella pode se desenhar nesse tom, isto é, que
uma vez extinguindo o MDB a oposição se enfraqueceria, pois havia tendências divergentes
que se distanciariam, e exemplifica com as figuras de Chico Pinto e Ulysses Guimarães. E
mais, era preciso fortalecer o partido do governo, pois a Arena havia perdido credibilidade.
No entanto, nem sempre se dá a devida importância ao fato de que a classe
trabalhadora estava organizada e, antes da reformulação partidária, já se articulava para
montar um partido dos trabalhadores. Com as greves do ABC, e todas as outras greves pelo
país, a classe amadureceu o bastante, também ganhou força suficiente para ameaçar o
governo, superou a fase do reconhecimento da necessidade de reivindicações econômicas para
partir à etapa de disputar no campo político, formando um partido da classe. E estes não
queriam aliança com o MDB.
Francisco Pinto e outros deputados dos Autênticos foram para reuniões em São
Bernardo com alguns líderes sindicais, que tinham em mente a fundação de um partido dos
trabalhadores. Todavia, estes não queriam aliança com o MDB, pois embora houvesse forças
progressivas no MDB, havia também os Adesistas, mais todo um histórico negativo do MDB
enquanto um partido da ditadura. E no mais, os sindicalistas lutavam pela construção de um
partido de classe, com autonomia. No MDB ainda predominava a ideia de uma frente ampla
de luta contra a ditadura, só que os trabalhadores assumiram uma força na história e não mais
queriam se vincular com um partido marcado pela heterogeneidade, pela miscelânea de
classes.
Na avaliação de Chico Pinto a reformulação partidária ficava no seguinte critério:

Quando o sistema pretende reformular os partidos, o faz dentro de uma concepção


mais abrangente do que a simples preocupação de dividir a oposição. Esse é também
um componente, mas não o principal. O que tem em mira é fortalecer a reordenação
os partidos, mantendo a hegemonia burguesa em todos eles e assim manipular
melhor os oprimidos que descreem dos atuais partidos. As forças sociais, os partidos
políticos têm uma função também catalisadora e disciplinadora dos movimentos de
massa. As rebeliões populares no Brasil, greves e outras manifestações de
inconformismo surgem às vezes de forma espontaneísta, sem qualquer tipo de
comando. Canalizar para os partidos essas forças em ebulição interessa
fundamentalmente ao sistema. É mais fácil para o governo discutir com lideranças
efetivas do que ter que usar a violência indiscriminadamente para conter
movimentos difusos e sem comando 341.

341
Jornal Movimento, 1 a 7/10/79, Ed. 222, p.4. Não devemos chorar o que passou.
129

Para Chico Pinto os partidos em sua maioria eram da burguesia e com organização
podiam dispersar e disciplinar os movimentos dos trabalhadores. Seria um mecanismo de a
burguesia manter o controle da entrada dos trabalhadores na política, ou seja, essa seria uma
estratégia da transição controlada. Seria, no entanto, a tarefa importante para o partido dos
trabalhadores nesse período, canalizar as lutas espalhadas sem organicidade nacional para um
partido e disputar no campo político.
Chico Pinto defendia, por sua vez, um partido popular, com base nessas massas
organizadas. Nessa tentativa de organização partidária Francisco Pinto ainda foi na Europa e
342
na capital da Argélia, contatar com Miguel Arraes e Leonel Brizola, que lá estavam.
Viagem essa que Francisco Pinto denominou de um “tabaréu” no exterior, uma clara
referência às suas origens de sertanejo, de feirense. Tabaréu é um adjetivo típico sertanejo
para se definir alguém tímido diante ao desconhecido devido à origem simples de alguém do
campo. Francisco Pinto encontrou-se também com Francisco Julião.

A proposta que está sendo delineada pela comissão de reorganização dos autênticos
é, em linhas gerais, a mesma lançada por Chico Pinto ao voltar de sua viagem à
Europa, onde esteve com líderes exilados e que ele resume como sendo <<costurar
as oposições>>, formando a aliança entre as oposições não partidárias (operários,
estudantes, Igreja) e as partidárias. Para Pinto, a frente dos partidos de oposição
deveria ser a mais ampla incluindo a aliança com o PTB de Brizola pela democracia
e até mesmo aliança conjunturais com o partido dos <<Independentes>> de
Tancredo 343.

Em dezembro de 1979 o governo então lançou a reforma partidária, com o retorno ao


pluripartidarismo. Mais uma estratégia da abertura controlada, proposta por Golbery do Couto
e Silva e Petrônio Portella. Os partidos criados foram: o PDS – Partido Democrático Social,
herdeiro da Arena; o PMDB, filho do MDB; PP – Partido Popular: um partido liberal, dizia-se
opositor ao regime, do qual um dos fundadores foi Petrônio Portella; PT – Partido dos
Trabalhadores, fundado pelos sindicalistas do ABC; PTB – Partido Trabalhista Brasileiro que
ficou com Ivete Vargas; e o PDT – Partido Democrático Trabalhista, ligado a Leonel
Brizola 344.
Chico Pinto permaneceu no PMDB, junto a outros fundou, todavia uma tendência
denominada popular dentro do PMDB, com outros deputados. Para Francisco Pinto a
tendência popular cumpriria a função histórica do grupo Autênticos e teria uma linha de

342
Jornal Movimento, 23/7/79, Ed.212, P. 3. A viagem do “tabaréu”.
343
Jornal Movimento, 30/7/79, Ed. 213, p.4. Últimas manobras.
344
LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO, Rachel. Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o caso
Brasileiro, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986.p. 79-80.
130

reivindicação parecida com o PT 345. Todavia, uma pergunta fica sem resposta histórica, se
Francisco Pinto defendia um partido popular e o nascimento do Partido dos Trabalhadores era
justamente essa proposta tão defendida por Chico Pinto, porque ele permaneceu no PMDB,
com Ulysses Guimarães? Outros Autênticos foram para o PT (consta a filiação dos Autênticos
no quadro - Anexo 1). Não temos elementos para responder, mas o questionamento paira. A
única maneira é especular sobre. E pensar na figura complexa, que pelos pronunciamentos
verificamos um grande estrategista político.
Sobretudo, como os Autênticos foi um grupo parlamentar, nascido e firmado na luta
interna dentro do MDB, o fim deste, significou o fim do grupo. Mesmo havendo essa
possibilidade da criação de uma tendência popular dentro do PMDB, que não temos noticias
sobre, a investigação do grupo e de um dos seus principais líderes, o Chico Pinto, como
objetivo de investigação se delimita com o fim do bipartidarismo em 1979.

345
Jornal Movimento, 1/10/79, Ed. 222, p.4. Não devemos chorar o que passou.
131

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar a trajetória de Chico Pinto e dos Autênticos tem a importância de trazer à


História sujeitos que, por razões diversas, são esquecidos pelas analises. É mostrar como as
lutas sociais e políticas são de tamanha importância para a construção da sociedade e da
história. Aqui também abordamos um momento especifico da história do Brasil, a ditadura
civil/militar, que por ser parte da história do Brasil tão recente ainda marca o presente de
forma relevante.
Os Autênticos não são muito mencionados nos textos que falam sobre a resistência a
ditadura. Esse texto tem o intento de reconhecer a trajetória de um grupo que incomodou os
ditadores, que foi uma pedra no sapato, que de seu modo, com suas estratégias e táticas,
ousou lutar contra a ditadura. Ao historiador não cabe o julgamento se o que fizeram foi certo
ou errado, mas ao montar e reler fatos, entender a importância de um grupo histórico com
limitações e ousadias de propor mudanças para o país, de denunciar uma ditadura. E aí,
entender que a ditadura brasileira não se valeu somente da coerção, mas muito, também, do
consenso. Silenciar sujeitos, manipular informações, fazer propaganda de valorização dos
feitos da ditadura e censurar eram mecanismos de construção do consenso. Assim se deposita
a maior força dos Autênticos de contra-atacar o discurso que valorizava os ditadores, de se
valer de um espaço tão restrito como o Congresso para denunciar a farsa democrática, o
modelo de vida social e a quem de fato interessava o desenvolvimento econômico projetado
pela ditadura. Era uma disputa por produtos simbólicos.
Mapeamos o momento histórico do grupo Autêntico, e de Francisco Pinto. A partir do
golpe de 1964 as regras do fazer política se modificaram. E ao longo da ditadura muitas outras
mudanças se fizeram, posto que os que tomaram o Estado em 1964 não tinham um projeto
permanente, e no mais sofreram confrontos das oposições todo o tempo. Sendo assim, o
projeto da ditadura foi se modificando ao longo da sua existência. E o discurso de Chico Pinto
e/ou a atuação dos Autênticos também se transformavam, acompanhavam a demanda histórica
dos grupos com quem procuravam dialogar. Acompanhamos essas mudanças, em três
momentos distintos da ditadura. Em 1971-74, o período do “milagre econômico”, do
crescimento econômico que o governo fazia propaganda e conseguiu maior apoio da
população, embora com censura e manipulação. Nesse período o discurso de Chico Pinto diz
a quem atingiu o crescimento, qual a real condição da grande maioria da população, da
132

pobreza, do desaparecimento dos opositores, etc. E propõe uma saída para o Brasil, o fim da
ditadura, um Estado nacionalista.
Em 1975-79, o milagre começou a mostrar fraqueza, e o grupo Autêntico a ter maior
visibilidade de atuação e reconhecimento. Havia limitações, sobretudo, por conta do espaço
de atuação, o MDB, um partido que nasceu da reunião de parlamentares com trajetórias e
convicções muito diferenciadas, carente de uma maior articulação dos participantes e afetado
pelas ações manipulatórias do Executivo que fazia o possível para ter uma oposição
obediente. O próprio grupo dos Autênticos não tinha uma linha ideológica, foi um grupo feito
com um único objetivo: lutar contra a ditadura. Não à toa, quando esta acabou aqueles
deixaram de existir. Em 1975, o discurso do governo anunciava uma abertura, “a distensão
lenta, gradual e segura”, os Autênticos por sua vez, denunciavam o caráter de tal “distensão”,
os objetivos e a farsa. Francisco Pinto, fora do Congresso Nacional, encontrou outro local
para atuar, para permanecer fazendo discursos ácidos contra a ditadura. Participou do jornal
Movimento, uma tribuna livre, um jornal alternativo que operava como uma frente de luta
contra a ditadura.
Nos anos 1979-82, a abertura começou a encaminhar-se para o ocaso da ditadura, por
conta da pressão dos grupos sociais. As greves se espalharam pelo país, e antes que esses
grupos tomassem de assalto os rumos da política no país, a classe dirigente achou prudente
abrir canais de participação política, como era a pauta de reivindicação destes. Assim, a
abertura política se configurou como uma transação pelo alto. E Chico Pinto, discursava
dialogando com esses grupos organizados, falava das greves no país, da necessidade desses
setores se organizarem e disputarem a política nacional.
Para além de fazer uma pesquisa a respeito do grupo, do deputado Francisco Pinto e de
mapear um momento histórico, outra questão nos interessou: pensar a importância da
metodologia e das teorias como instrumentos para o historiador examinar seu objeto. Nesse
sentido, a proposta de entender o campo político, de Pierre Bourdieu, foi muito importante
para o trabalho. Pretensiosamente, esse trabalho tentou fazer de seus conceitos, bússolas para
escrever a história; um mecanismo de facilitar o entendimento de fatos evidenciados na
pesquisa, posto que se não se tem um instrumento bem definido de como entendê-los, não
dizem muita coisa para o historiador.
Francisco Pinto é um político profissional e seu discurso seleciona, classifica, dá
sentido e valor a elementos da realidade, dialogando com as demandas históricas. O discurso
tem a função de congregar pessoas ao projeto dos Autênticos, de lhes dar poder para
permanecer no campo e usar o Parlamento para disputar contra os ditadores. Assim é que
133

verificamos um político estrategista e com um discurso muito bem construído. Colocou-se


como opositor a ditadura e se valeu dessa imagem.
O Brasil de 1982 já era bem diferente, o campo político expressava isso. PT, PDT,
retomada de greves e lutas dos trabalhadores. O campo era invadido por novas presenças, e se
remodelava à medida em que a invasão se dava. O lugar ocupado até ali pelos Autênticos era
esvaziado, desafiado: a posição ocupada no campo perdia suas propriedades de posição
quando o próprio campo se reconstruía. Os Autênticos desapareceram. Os jornais nanicos, aos
poucos, se extinguiram. Pinto seria ainda reconduzido ao Congresso, mas pouco depois
desistiria da vida parlamentar – o personagem que ele criou já não tinha enredo na nova
novela política brasileira. A história política brasileira passava para outros capítulos, outras
mãos os escreveriam. As de Pinto, porém, deixaram marcas que não se apagam facilmente e
que preservam brilho e relevo para quem se disponha a investigar a trajetória, os feitos e ditos
daqueles que nunca se renderam quando tantos outros se aliaram ao poder fardado.
134

LISTA DE FONTE

1. Discursos:
PINTO, Francisco. Pequena História de Uma Época. Encadernação com discursos [sem
referência de organização e publicação]
Discursos e data de pronunciamento:
Água para os camponeses de Caen - 19/10/1971;
Os perseguidos: Trabalhadores da Petrobrás - 27/11/1971;
Os novos cassados: Candeia – Camaçari – Lauro de Freitas – Simões filhos - 29/06/72;
Exército: Nem guarda pretoriana nem tropa de assalta SS. - 18/08/72;
O processo do jornal da Bahia e outros abusos - 29/09/72;
Povo sacrificado: Casanova – Santo Sé – Remanso – Pilão Arcado - 12/06/73;
Censura a imagem do medo - 19/10/73;
Por que punir os prefeitos? - 25/10/73;
Guardas da Malária: Injusta retribuição ao seu trabalho - 30/10/73;
Documento dos Autênticos recusando-se a votar na eleição presidencial - 15/01/1974;
General Pinochet: O Infame - 15/03/74;

PINTO, Francisco. Caminhando com o Povo. Câmara de Deputados. Centro de


documentação e Informação. Brasília: Coordenação de Publicações, 1982.
Encadernação com os seguintes discursos e data de pronunciamento:
A posse do general Figueiredo não é honrada pela unção popular - 14/03/1979;
O preço de uma denúncia – 23/05/1979;
A UNE ressurgiu mesmo sem anistia - 26/05/1979;
Theodomiro busca a liberdade e professores baianos fazem greve por salário- 29/08/1979;
Theodomiro Romero continua mofando na nunciatura - 03/12/1979;
Governo capacho, trata operário a pata de cavalo - 22/04/1980;
Quem intervém e prende operários no ABC, mantém reitor fascista na UNB - 12/05/1980;
Greve dos camponeses de Conquista e Barra do Choça - 02/06/1980;
Vale grito, coice e revólver na Assembléia Baiana - 05/09/80;
Nordeste: Um primor de cinismo do Presidente da república - 20/11/80;
Desonraram o INPS com o símbolo da bajulação: - que horas são? – A hora que o V. Exa.
Quiser. - 04/12/80;
135

As injustiças com a PM da Bahia. (um militar não pode ser um cadáver do Governador) -
17/03/81;
Violência contra a Imprensa alternativa - 24/06/81;

PINTO, Francisco. O Soldado A Segurança Nacional e a Pátria. Discurso proferido na


sessão de 25 de agosto de 1971. Câmara de Deputados. Brasília: Departamento de Imprensa
Nacional, 1971.

PINTO, Francisco. Uma saída para o Brasil. Discurso proferido na sessão de 18 de maio de
1971. Câmara de Deputados. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971.

2. Sites consultados:
2.1. Biografia na Câmara dos deputados:
Alencar Furtado:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123194&tip
o=0
Álvaro Lins:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122612&tip
o=0
Amaury Müller:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=106029&tip
o=0
Eloy Lenzi:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122909&tip
o=0
Fernando Cunha:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103252&tip
o=0
Fernando Lyra:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=101372&tip
o=0
Francisco do Amaral:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103670&tip
o=0
Francisco Pinto:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=105942&tip
o=0
Freitas Diniz:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122902&tip
o=0
Freitas Nobre:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123202&tip
o=0
Getúlio Dias:
136

http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122922&tip
o=0
Jaison Barreto:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122775&tip
o=0
Jerônimo Santana:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122941&tip
o=0
JG Araujo:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123205&tip
o=0
João Borges:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122651&tip
o=0
Lysâneas Maciel:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103454&tip
o=0
Marcondes Gadelha:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=100150&tip
o=0
Marcos Freire:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122681&tip
o=0
Nadyr Rossetti:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123259&tip
o=0
Paes de Andrade:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=101087&tip
o=0
Severo Eulálio:
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122704&tip
o=0
Santillini Sobrinho :
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=122976&tip
o=0
Walter Silva :
http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=123041&tip
o=0

2.2.Atos Institucionais, Leis Complementares no site da Câmara dos Deputados.

AI-1: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-1-9-abril-1964-
364977-publicacaooriginal-1-csr.html
AI-2: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-2-27-outubro-
1965-363603-publicacaooriginal-1-pe.html
AI-3: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-3-5-fevereiro-
1966-363627-publicacaooriginal-1-pe.html
137

Ato Complementar de número 4: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atocom/1960-


1969/atocomplementar-4-20-novembro-1965-351199-publicacaooriginal-1-pe.html
AI-5: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/atoins/1960-1969/atoinstitucional-5-13-dezembro-
1968-363600-publicacaooriginal-1-pe.html
Constituição com a emenda nº 1: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/emecon/1960-
1969/emendaconstitucional-1-17-outubro-1969-364989-republicacao-28547-pl.html
Lei Falcão: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6339-1-julho-1976-
357658-publicacaooriginal-1-pl.html
Lei orgânica dos partidos de 1965 : http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-
4740-15-julho-1965-368290-publicacaooriginal-1-pl.html
Lei orgânica dos partidos políticos de 1971: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1970-
1979/lei-5682-21-julho-1971-357872-publicacaooriginal-1-pl.html
Regimento Interno da Câmara de Deputados:
http://www2.camara.gov.br/legin/fed/rescad/1970-1979/resolucaodacamaradosdeputados-30-
31-outubro-1972-320276-publicacaooriginal-1-pl.html
3. Filmes:
A Batalha Do Chile. Um filme de Patrício Guzman:
A insurreição da burguesia 100min 1975
O golpe de estado 90min 1977
O poder popular 54min 1979
Pinto vem Aí. Curta-metragem produzido por Oney São Paulo em [1976?]

4. Jornais:

Folha de São Paulo – disponível on line: http://acervo.folha.com.br


Jornal Movimento 1975-1982

5. Outros:
Entrevista de Chico Pinto na Terra Magazine por Claudia Leal . Disponível em:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2168206-EI6578,00.html

Entrevista de Chico de Oliveira no Roda Viva. Disponível em:


http://www.youtube.com/watch?v=HOGGLZMPaq8

Discurso de José Saramago. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?


v=m1nePkQAM4w
138

Site de Emiliano José. Disponível em: http://acervohistorico.emilianojose.com.


br/imprensa/at_28082004.htm

Noticias recolhidas do seminário Chico Pinto Ditadura e Democracia em Feira de Santana e


no Brasil produzido pelo Labelu, UEFS, set. de 2007.
139

REFERÊNCIAS

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Institucional da Feira de Santana. 3 ed. Editora Gráfica Nunes Azevedo LTDA, Fevereiro,
2002.
ALVAREZ, Sonia, DAGNINO, Evelina e ESCOBAR, Arturo (orgs.) Cultura e política nos
movimentos sociais latino-americanos. Belo Horizonte, UFMG, 2000.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). 3 ed., Petrópolis:
Vozes, 1984.
AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário (1968-1978) o
exercício cotidiano da dominação e da resistência: Estado de São Paulo e Movimento.
Bauru: EDUSC, 1999.
AZEVEDO, Carlos. Jornal Movimento: uma reportagem. 1ª edição, Belo Horizonte, MG,
editora Manifesto, 2011.
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de
Morais. (Coord.) Uso & abuso da História Oral. 8 ed. RJ: Editora FGV, 2006.
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142

ANEXO 1

Quadro com os deputados do grupo Autênticos.

Nome Cidade Profissão Filiação partidária Mandatos de


deputado
federal
Alencar Araripe Advogado PMDB; MDB; PSB 1971-1975;
Furtado /SE 1975-1977;
1983-1987.
Álvaro Lins Pedra Advogado e PSP; PTB; MDB 1955-1959;
Branca Procurador 1959-1963;
/CE 1963-1967;
1967-1971;
1971-1975.
Amaury Cruz Economista e PTB, 1954-1966; MDB, 1971-1975;
Müller Alta/RS Jornalista 1966-1979; PDT, 1980- 1975-1976
.
Eloy Lenzi Lagoa Advogado PDT; MDB 1971-1975;
Vermelha/ 1975-1979;
RS 1979-1983,
Fernando Itumbiara/ Advogado PSDB; PSD, 1955-; 1971-1975;
Cunha GO MDB, 1966-1979; 1975-1979;
PMDB, 1980-1992; PP, 1979-1983;
1992- 1983-1987, GO,
PMDB.
(Constituinte),
1987-1991,
Fernando Recife/ Advogado MDB, 1967-1980; 1971-1975;
Lyra PE PMDB, 1980-1987; 1975-1979;
PDT, 1987-1993; PSB, 1979-1983,
1993- 1983-1987;
(Constituinte):
1987-1991;
1992-1995;
1995-1999,.
Francisco Campinas Advogado, PTN, 1962-1966; 1967-1971;
Amaral / jornalista e MDB, 1966-1979; PP, 1971-1975;
SP professor 1980-1981; PMDB, 1975-1977;
1982- 1983-1987;
(Constituinte):
1987-1991;
1993-1994.
Francisco Feira de Advogado PSD, 1950-1965; MDB, 1971-1975;
Pinto Santana/B 1966-1979; PMDB, 1979-1983;
A 1980- 1983-1987;
(Constituinte),
1987-1991.
Freitas Araioses/ Engenheiro MDB; PT 1967-1971;
Diniz MA civil 1971-1975;
1979-1983;
Freitas Fortaleza/ Advogado, PMDB; MDB; PDT, 1971-1975;
Nobres CE jornalista e 1985-; PMDB, 1985-; 1975-1979;
professor PSDB, 1988- 1979-1983;
143

1983-1987,
Getúlio Pelotas/R Jornalista MDB; PDT 1971-1975;
Dias S 1975-1979;
1979-1983.
Jaison Lagunas/S Medico MDB 1971-1975;
Barreto C 1975-1979.
Jeronimo Jataí/ Advogado MDB;PMDB 1971-1975;
Santana GO 1975-1979,
1979-1983,
JG de Taraúaca/ Advogado PR, 1945-; UDN, 1954- 1971-1975;
Araujo AC ; MDB, 1965-; PDT, 1975-1979;
Jorge 1980-1986; PMDB, 1979-1983,
1986 1983-1987.
João Macaúbas Medico MDB 1967-1971;
Borges /BA 1972-1975,
Lysâneas Patos de Advogado e PSB, 1964-1966; MDB, 1971-1975;
Maciel Minas/M jornalista 1970-1976; PT, 1981- 1975-1976;
G 1986; PDT, 1987-1992 Constituinte):
1987-1991;
1991-1992.
Marcondes Sousas- Medico MDB, 1968-1982; PDS, 1971-1975;
Gadelha PB 1982-1984; PFL, 1983- 1975-1979;
2003; PTB, 2003-2005; 1979-1983;
PSB, 2005-2009; PSC, 1999-2003;
2009 2003-2007;
2007-2011
Marcos Recife/ Advogado e MDB
Freire PE Professor
Nadyr Caxias do Advogado MDB, PDT 1967-1971;
Rossetti Sul/RS 1971-1975;
1975-1976;
1983-1987.
Paes de Mombaça Advogado e PSD, 1950-1966; MDB, 1963-1967;
Andrade /CE professor 1966-1979; PMDB, 1967-1971;
1980- 1975-1979;
1979-1983;
1983-
1987;(Constituin
te): 1987-1991;
1995-1999.
Severo Picos/Pi Advogado e MDB 1971-1975.
Eulálio professor
Santilli Mineiros Industrial, PRP; PDC, 1953-; 1967-1971;
Sobrinho do Economista,p MDB, 1965-1979; 1971-1975;
Tiete/SP ecuarista, PMDB, 1979-1988; 1975-1979;
professor, PSDB, 1988- 1979-1983, SP,
comerciante PMDB.
Walter Campos/R Advogado e MDB; PMDB 1971-1975;
Silva J professor 1975-1979;
1979-1983, RJ,
PMDB.
144

ANEXO 2

Coluna do Chico Pinto censurada.


145

ANEXO 3

Os Autênticos eleitos em 1974 e 1978.

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