Sei sulla pagina 1di 143

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan

Doce Caminho Espinhoso

RITA MORRIGAN

(Série Rohard 01)

Dariane, Lucrécia, Paula G, Acsa, Jess

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sinopse

Sara Brown é enganada pela sua mãe, que lhe disse que a saúde de sua
prima Mary, irmã do Conde de Rohard, havia piorado e que seria
conveniente que fosse cuidá-la.
A Senhora Brown crê que, se sua filha for levada para a residência do
Conde e assistir a seus esperados bailes, encontrará um bom partido para se
casar; e sabe que a enfermidade de sua prima é o único motivo que pode
convencê-la. Sara resiste: não quer abandonar a vida simples que leva na sua
casa, não lhe interessam as festas, e, aos vinte e seis anos, já não sonha com
um marido.
De qualquer modo, decide ver Mary por si mesma, mesmo que não tenha
nenhum interesse em voltar a encontrar com o presunçoso Conde.

Robert de Rohard, o solteiro mais cobiçado da costa leste da Inglaterra,


não acredita que Sara seja uma boa influência para sua irmã: o tresloucado
temperamento da Senhorita Brown não faz mais que, ao juízo do conde, por
em risco a delicada saúde de Mary. No entanto, consente que Sara se instale
em sua residência, porque sua irmã adora àquela garota rebelde.
Apesar das reservas que tem em relação à Sara, o Conde não pode deixar
de escutar suas opiniões teimosas durante as longas conversas após o jantar
na mansão, nem pode discordar muito dela.
Não sabe o que tem a garota que, quando conversam e a confronta, faz com
que sinta uma inexplicavel atração. Sara tampouco permanece indiferente a
ele: põe-se nervosa quando a olha, porém deseja fervorosamente sentir-se
observada pelo conde.
A medida que Robert e Sara passam mais tempo juntos, a suspeita paira
sobre a jovem: a mãe do Conde supõe que a garota é uma caça-fortunas e
decide afastá-la de seu filho. Sara decide fugir para salvar sua honra, porém
uma razão mais poderosa irá lhe impedir.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


P
Prróóllooggoo

Estimada prima:
Ravenville, 1.ro de janeiro de 1849

Para começar, eu gostaria de te agradecer em meu nome e no de minha filha os


encantadores vestidos que tu e a adorável Mary tiveram a generosidade de obsequiarnos. Nós
estamos enormemente agradecidas porque, como sabes, nossa situação desde a morte de teu
primo não é das mais felizes.
Porém o motivo desta carta não é somente te expressar minha gratidão, mas também
compartilhar contigo minhas recentes inquietações. Sem dúvida és conhecedora de que as
coisas mudaram muito em Ravenville nos últimos tempos, sobretudo para minha querida filha
Sara, que creio não conseguiu superar o falecimento de seu pai. Temo que depois de dois anos
daquele triste acontecimento seu coração ainda está de luto: se tornou quieta e taciturna; faz
meses que a observo vagar pelos jardins com algum livro embaixo do braço; permanece
acordada até altas horas da madrugada no estúdio de seu pai com a cabeça enterrada nos
números, tarefa que, como convirás, não é nada apropiada para uma dama; porém o pior de
tudo é que faz tempo que se empenha em que não a veja enquanto ajuda a criada na casa.
Imagina, querida Helen! A filha de teu primo, John Brown, realizando as tarefas de uma
serva.
Sara logo fará vinte e seis anos e, mesmo que já seja considerada por muitos uma
solteirona, goza ainda de uma aparência mais que aceitável. Assim sendo temo que se não
conseguir tirá-la de seu ensimesmamento jamais se casará, nem terá filhos; fato que me
partiria o coração.
Conhecendo o grande afeto que professavas a meu esposo e a Sara, seguramente tu acharás
tudo muito preocupante, bem como eu. Assim que aproveito estas letras para solicitar tua
ajuda para afastar Sara de Ravenville e de todas as recordações que tanta tristeza lhe causam.
Se a pudesse receber durante um tempo em Sweet Brier Path, seguramente seu estado de
ânimo melhoraria na tua companhia e na de teus filhos. Sobretudo, tendo em conta o grande
amor que tua filha Mary e Sara têm desde pequenas. Ademais, durante sua estada na tua casa
teria a oportunidade de assistir distintas festas nas quais faria boas amigas e pode ser que, até
mesmo, consiga encontrar um bom pretendente sob tua proteção e de teu filho, Lord Luton.
Desejando que tua maravilhosa família e tu gozem de saúde e felicidade neste novo ano, me
despeço te reiterando minha eterna gratidão por todas tuas atenções.
Minha filha e eu te oferecemos nossos respeitos e ficamos como sempre ansiando satisfazê-
la.
Tua atenta prima. Lydia Brown, viúva de John Brown.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Capítulo Um

Sweet Brier Path, Condado de Rohard.

Mary Elizabeth luton tiou os olhos de seus trabalhos de costura e a carranca da


Condessa.
— É importante, mãe?
Surpreendida pela pergunta, Helen Luton dobrou imediatamente a carta que acabara
de ler.
—Não é nada, filha.
— Quem escreveu? Me pareceu que vi o selo de Ravenville. Alguma notícia da prima
Sara?
Robert Luton, Conde de Rohard, baixou o jornal que estava lendo e olhou para sua mãe
e para sua irmã. Todas as noites depois do jantar se reunia com elas numa das salas onde,
sentado junto ao brilho da lareira, compartilhava os poucos momentos familiares que sua
atarefada agenda lhe permitia.
Depois da morte de seu severo pai, Robert havia estabelecido pequenas rotinas com sua
família que o reconfortavam enormemente. Com certeza, se isso ao que chamavam de
felicidade existia, devia se parecer àquela sensação tranquila que o envolvia quando via
sua irmã bordar alguma paisagem campestre ou enquanto observava a sua mãe ler e
repassar sua correspondência.
— Efetivamente, é uma carta de Lydia Brown — admitiu a Condessa incapaz de
enganar a sua filha.
—Oh, e como estão? Falou algo da prima Sara? Faz mais de um mês que não recebo
correspondência dela.
— Pois pelo que me conta sua mãe parece que não tem estado muito bem ultimamente.
Robert se concentrou no diálogo sem poder evitar que um ligeiro desassossego o
assaltasse, como sempre que Sara Brown aparecia em alguma conversação.
— O que está acontecendo? — perguntou, fingindo indiferença.
A Condessa ajustou os óculos sobre seu pequeno nariz e leu a carta em voz alta para
seus filhos.
"... um bom pretendente sob a tua proteção e de teu filho, Lord Luton". Robert pôs seus olhos
em branco. Como se fosse tão fácil. Nenhum homem em seu juízo perfeito tomaria por
esposa Sara Brown, nem sequer por um suculento dote, que não era o caso.
Fazia quase três anos que não a via, porém se recordava dela como a mulher mais
irritante que conhecia. Todos os momentos que havia compartilhado com ela durante as

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


noites familiares havia escutado seus diálogos com atenção, o que lhe permitiu formar
uma opinião bastante acertada da senhorita Brown: era barulhenta, falava todo o tempo
gesticulando com as mãos e tinha a imperiosa necessidade de expressar uma opinião sobre
tudo, que costumava coincidir com a primeira coisa que passava pela sua cabeça
expressada sem a menor reflexão. O que para sua irmã Mary significava pura honestidade
e sinceridade, para ele representava um grande defeito de caráter em qualquer dama.
Não, obviamente Sara Brown não era a mulher ideal para nenhum homem a quem
Robert chamasse de amigo.
Porém, apesar disto, havia uma diferença entre ela e as demais: ela era a única que
parecia comprender e fazer feliz a sua irmã.
—Oh, pobre Sara. Por certo que tem que vir. Mamãe, podemos preparar-lhe um quarto
ao lado do meu e...
—Mary, não é um animal de estimação —interviu indulgentemente o Conde
reprendendo a sua irmã.
— Oh, cale-se Robert! Já sei que não é um animal de estimação — exclamou Mary
chateada ao mesmo tempo que se inclinava para acariciar a peluda cabeça de seu gato
Smokie, que descansava enrolado numa cadeira estofada ao lado da sua dona —. Sara é
minha amiga, e eu, como você percebeu, não tenho amigos. Sempre se portou muito bem
comigo e me tratou como uma pessoa normal.
—Minha filha —sussurrou incomodamente a Condessa, como fazia sempre que se
tratava de falar da incapacidade física de sua filha—. Tu és uma pessoa normal.
—Não, mãe. Eu não posso caminhar como todo mundo. Passei toda minha vida nesta
cadeira de rodas e, ainda que nem tu, nem Robert percebam, as pessoas não me tratam
como mais uma: nas reuniões ninguém se aproxima para falar comigo e quando tropeçam
em mim seu rosto cai em lástima, não sabem o que fazer nem o que dizer; nem sequer
sabem para onde olhar. Porém Sara nunca se comportou assim, na verdade, a chateava
tanto quanto a mim essa forma de agir e nós duas ríamos de tudo isso. Seria tão agradável
tê-la aquí. Oh, por favor, Robert... — Mary se dirigiu implorando a seu irmão, recorrendo
aquele olhar que ela sabia que ele não podia resistir.
Robert baixou o periódico e olhou para Mary chateado, mais desconfortável por sua
autocompaixão que por suas súplicas.
— Não tenho nenhum inconveniente em que a senhorita Brown venha viver conosco,
sempre e desde que não incendeie nada — declarou com um sorriso que subtraiu
dramatismo das palavras de sua irmã.

Mary riu-se ao recordar o episódio a que Robert se referia.


— Aquilo foi um acidente e sabes perfeitamente disso.
— Eu somente sei que no dia que minha irmã fazia vinte e três anos a mesa de doces
começou a pegar fogo e a piromaníaca reponsável foi nossa querida senhorita
Brown.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary o olhou com falso desgosto.
—Quando Sara se dispôs a servir seu prato recriminou à idiota da Margaret Hindley
por ter rido do meu vestido; ela aproveitou que nossa prima tinha as mãos ocupadas para
dar-lhe um empurrão que a lançou contra a mesa e fez com que o candelabro caísse. Foi
assim que começou o incêndio, e te recordas perfeitamente — admoestou Mary.
—O que eu recordo é que umas três dezenas de jóvens aristocratas corriam pela minha
casa gritando desaforadamente enquanto minha irmã caçula e sua amiga combatiam um
incêndio jogando xícaras de chá.
Mary não podia deixar de sorrir ante o cenho franzido de Robert e seu tom de falsa
recriminação. Recordava aquele sucesso como uma das coisas mais emocionantes que já
haviam lhe acontecido. Sobre tudo porque pode participar da confusão sem que ninguém
a afastasse por causa de sua delicada saúde. Por isso gostava tanto de Sara. Ela sempre a
deixava intervir em tudo o que fazia, nunca a deixava de lado pela sua segurança como
faziam todos, seu querido irmão principalmente. Não, certamente aquele incêndio não
estragou em nada seu vigésimo terceiro aniversário , muito pelo contrário, o converteu na
melhor festa da sua vida.
A Condessa escutava a animada conversa de seus filhos enquanto dobrava a carta da
esposa de seu primo e retirava os óculos. Aos sessenta anos de vida, a visão era a única
coisa que Helen Luton começava a resentir-se. Embora sua espessa cabeleira, outrora da
cor do trigo, tivesse algumas mechas que haviam se tornado brancas, ainda era capaz de
andar perfeitamente erguida e seu espartilho se amarrava igual a como quando era joven.
—Creio que, como disse teu irmão, não seria uma boa influencia para ti. Carece de boas
maneiras e de uma boa educação. Não é da tua classe, Mary querida. A única coisa que
meu primo as deixou foi uma casa raquítica sem mesmo serviço e uma porção de dívidas
— murmurou Lady Luton deixando a carta e seus óculos sobre a pequena escrivaninha.
—Mas, isso é injusto. Robert — implorou Mary com lágrimas nos olhos —, tu sempre
dizes que a honra de uma pessoa está acima de seu berço e da cor de seu sangue.
Robert se remexeu incômodo no sofá devido a virada que havia dado a conversa. Não
podia resistir as lágrimas de Mary. Era algo que o superava. Suspirando, dobrou o
periódico cuja leitura já havia renunciado por essa noite.
—Mãe, creio que sería pouco cristão negar nossa ajuda à filha de seu primo, não crê?
A Condessa recordava de John Brown como um bom homem, ainda que
insuportavelmente sonhador e romântico. Apesar de ter sido muito infeliz no seu
matrimônio, estava orgulhosa de haver escolhido aquele caminho. Como filha de um
comerciante vulgar, Helen jamais sonhou com a possibilidade de converter-se na
Condessa de Rohard. Porém soube explorar bem sua beleza e não se deixou arrastar por
sentimentalismos estúpidos e inúteis. Por isso depreciava secretamente seu primo John,
cujo romantismo não havia trazido mais que necessidades. Casado por amor com a filha
de um pobre advogado, ao final de seu dias nem sequer podia comprar um modesto
vestido para sua filha.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Convencida de que Sara havia herdado os defeitos de seu pai, a Condessa não
acreditava em absoluto que fosse uma boa influência para Mary. Sua pobre filha não
necessitava de sonhos. Em sua difícil situação pouco podia esperar da vida. Helen Luton
sabia que Mary jamais poderia fazer um bom casamento, já que nenhum herdeiro tomaria
uma mulher doente para ser a mãe de seus filhos. Porém ela já parecía resignada diante
desse fato. O que realmente preocupava à Condessa era seu filho. Ostentando um dos
títulos mais importantes da Inglaterra já devia ter concebido um herdeiro aos seus trinta e
cinco anos. Já passava dos limites sua falta de interesse por todas as garotas que ela lhe
apresentava. Seu verdadeiro martírio era pensar que poderia acontecer algo a Robert sem
ter descendência. Se isso acontecesse, o título passaria ao seguinte varão na linha
sucessória, e todos os sacrifícios realizados na sua vida não haveriam servido de nada.
Mary e ela teriam que abandonar para sempre Sweet Brier Path.
A voz sufocada de sua filha arrancou Lady Luton de suas reflexões .
—Mãe, por favor. Se Sara não pode vir, morrerei realmente.
Ao contemplar o pranto de sua irmã , Robert se levantou impulsionado por uma mola
invisível. Vaculhou na sua casaca, pegou um lenço e, depois de agachar-se a seu lado,
secou desajeitamente o rosto.
—Já chega, Mary —suplicou, invadido por uma ansiedade indescritível.
Observou o rosto de sua irmã sulcado de lágrimas, e uma recordação penetrante lhe
sacudiu a alma: a noite que Mary chegou ao mundo. Ele era um menino de nove anos
quando naquela tormentosa madrugada entrou no quarto do bebê, iluminado de tanto em
tanto pelo resplendescer dos relâmpagos, se aproximou cauteloso do berço e contemplou
aquele corpinho que o olhava assustado com seus enormes olhos azuis. Não muito longe
dali, seu pai gritava e insultava a sua mãe, que chorava desconsoladamente por ter dado a
luz a uma menina . "A mim tampouco querem, assim que não te preocupes" murmurou
extendendo com cuidado a mão para sua irmã, temeroso de machucá-la. "Te prometo que
nunca deixarei que te façam mal". Mary sorriu e emitiu um gorjeio de júbilo ao mesmo tempo
que rodeava com sua mãozinha o dedo de seu irmão mais velho.
O pior foi descobrir um ano depois do nascimento de sua irmã que a bebê não podia
mover as pernas. Mary foi examinada pelos melhores médicos da Inglaterra, porém
nenhum deles soube dar um remédio para sua estranha doença. Ainda assim, a pequena
Mary parecia ter uma infância feliz; sempre rindo e idealizando novas aventuras. Sua falta
de mobilidade havia aguçado a sua engenhosidade e a imaginação. A Robert agradava
escutar as histórias que inventava e as que sempre aparecia ele no papel de herói vitorioso.
Cada vez se mostrava mais difícil manter aquela promessa de irmão protetor feita
tantos anos atrás. Mary parecia mais infeliz a cada dia, se cansava rápido de qualquer
distração e estava cada vez mais inquieta e menos resignada com sua situação. O pior era
que havia começado a utilizar sua enfermidade para manipular a todos os que a
rodeavam; e isso o irritava enormemente, ainda não sabia como conseguir que sua irmã
deixasse de fazê-lo.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary tomou o lenço que lhe oferecia seu irmão e, após assoar o nariz, o olhou
diretamente nos olhos.
—Te juro que morrerei, Robert.
Atormentado, Robert se virou para sua mãe.
—Mãe, escreva para Lydia Brown e informe-a que sua filha será bem recibida em Sweet
Brier Path durante o tempo que for necessário.
"Ela conseguiu novamente", pensou ele resignado.
Rendendo-se para acabar com a discussão, a Condessa viúva se levantou com ar
cansado.
—Então se fará como dizes. Lhe responderei amanhã. Boa noite, queridos.
—Boa noite, mãe.
Os dois contemplaram à Condessa até que saiu da sala.
Ainda emitindo solucinhos, Mary não pôde evitar que um bocejo escapasse por seus
lábios.
Robert olhou seu relógio de bolso e comprovou que já era mais de meia-noite.
—Já é muito tarde e estás cansada. Te levarei para a cama.
Robert tomou em seus braços a sua irmã para levá-la até seu quarto como toda noite.
Não lhe custou nenhum esforço levantar o pequeno corpo de Mary, que se acomodou
perfeitamente no seu abraço.
Quando comprovou que sua dona estava saindo, Smokie saltou do sofá e correu escadas
acima a frente do Conde.
Embora as duas mulheres de sua vida tivessem uma enorme semelhança, Mary era muito
menor que a mãe. Ambas tinham a mesma cor de cabelo loiro, uma face triangular
coroada por um nariz pequeno, em que reinavam dois enormes olhos azuis capazes de
revelar todas as emoções que os assaltavam. Mas, ao contrário de sua mãe, que mal ria,
Mary sorria o tempo todo, apesar da sua situação.

Dando-lhe um olhar afetuoso com o qual ela agradeceu por permitir que ela
recuperasse sua amiga, Mary colocou os braços em volta do pescoço forte de seu irmão e
apertou um beijo alto na bochecha.

—Obrigada, irmãozinho — ronronou, lisonjeira.


—Pequena manipuladora.
—Sei que não te agrada muito nossa prima, porém se lhe der uma oportunidade verás o
quão boa é.
Não era exatamente que a senhorita Brown não lhe agradasse. O que sentia na sua
presença se parecia mais com um estado de permanente alerta que o deixava esgotado
durante todo o dia. E, depois da acalorada discussão que haviam tido após a festa de

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary, a imagem da selvagem senhorita Brown excitada de irritação e suja de fuligem, o
mantinha desperto ou o atormentava em sonhos durante a noite.
—Sim, está bem. Me conformarei com que a casa se mantenha em pé após sua estadia.
—Bah, besteira — rejeitou Mary.
Apesar da enorme semelhança física com seu pai, o nono Conde de Rohard não se
assemelhava afortunadamente em nada, ao seu falecido progenitor. Mary não era capaz de
lembrar nenhum aspecto amável de seu pai. A inquietante presença do velho Conde
impregnava Sweet Brier Path de uma pesada sensação de medo que invadia desde a
Condessa e seus filhos, até o último criado.
Mary recordava que seu pai passava longas temporadas em Londres em que perdia
substanciais quantias de dinheiro, e das quais regressava quase sempre atacando a todos
aqueles que não satisfizessem suas exigências. Se Mary devia agradecer algo a sua
enfermidade era de permitir-lhe escapar da crueldade de seu pai sempre. A ela desprezou
desde seu nascimento por ser mulher, e mais tarde pela deficiência física que a
impossibilitava de obter um bom casamento.

Os mais castigados pelo Conde eram sua esposa e seu herdeiro. Ainda que suas notas
fossem sempre excelentes e suas habilidades desportivas extraordinárias, o velho Conde
nunca pareceu satisfeito com seu descendente. Mary recordava as contínuas críticas e os
gritos que Robert tolerava sem pestanejar. Tampouco ela presenciou quando ele batia no
seu irmão, porém tinha certeza de que aquelas práticas não eram estranhas.

Depois de todos esses anos, Mary estava segura de que o objetivo de seu pai não era
alcançar a excelência de seu sucessor; pois isso já houvera obtido. Tão sinistro e atroz
como o mesmo, seu propósito era o de exterminar o amor e a ternura do coração de seu
filho. Porém, apesar de todos os seus esforços, o Conde não conseguiu matar a inclinação
inata de Robert por tudo que era bom e honrado; e é por isso que Mary não poderia se
orgulhar mais de seu amado irmão mais velho.
Robert não parecia participar dos vícios que afetavam a outros nobres ingleses. Não
frequentava as casas de jogo nem outros lugares de má reputação; e seu nome,
diferentemente dos de outros pares do reino, nunca havia sido relacionado com nenhum
escândalo. Aos trinta e cinco anos, os únicos vícios do Conde de Rohard pareciam ser os
negócios. Desde que herdara o título nove anos atrás, Robert havia feito crescer a reduzida
fortuna familiar de uma maneira esmagadora.
Porém ainda que as virtudes de seu irmão fossem muitas, Mary reconhecia que as vezes
era um autêntico chato. Para proteger a seus entes queridos, Robert não tinha nenhum
inconveniente em comportar-se como um legítimo tirano até que todos acatassem suas
ordens. Esta era a única razão dos desentendimentos que tinha com ele. Se empenhava
tanto em protegê-la e afastá-la de qualquer perigo, que conseguia fazê-la explodir de raiva.
Por este motivo precisava recorrer muitas vezes ao único recurso que ele não parecia ser
imune: suas lágrimas e sua incapacidade.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Ligeiramente arrependida por atormentar ao seu irmão, Mary abraçou seu pescoço
novamente e, depois de um breve suspiro, apoiou a cabeça no seu forte ombro. Fechou os
olhos. Feliz e se deixou conduzir até seu quarto agradecendo a Deus a presença daquele
maravilhoso homem na sua vida.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Capítulo 02

Sara se agarrou fortemente a alça de couro quando a carruagem que a conduzia ao


Condado de Rohard deu outro sacolejo. Haviam passado duas horas desde a última
parada numa estalagem de Stanford na qual havia aproveitado para esticar as pernas e
tomar um lanche. Depois de um dia inteiro naquele reduzido habitáculo, e considerando o
quão intransitáveis que se tornavam as estradas inglesas em fevereiro, Sara estava segura
de que se não chegassem logo, terminaria tão lesionada que não poderia voltar a sentar-se
na sua vida. Tanto ela como seus dois acompanhantes, um casal de anciões de Londres
que se dirigiam a Rohardshire para visitar a seu filho e nora, estavam há mais de um dia
tomando trancos na carruagem de passageiros. A mulher murmurava dolorida e se
abraçava a seu marido que olhava para Sara com comiseração cada vez que saculejavam
com outro baque.
Sua mãe havia insistido em que Rose, a única criada que conservavam, viajasse com ela.
—Sara, uma dama descente não deve viajar sozinha.
—Mamãe, Rose tem quase sessenta anos. Obrigá-la a que me acompanhe a Rohardshire
para logo regresar sozinha, é uma crueldade.
Quando Lydia compreendeu que enviar Rose significaria realizar todo o trabalho da
casa durante mais de uma semana, desistiu de seu empenho e permitiu que Sara fizesse
sua vontade.
Sara olhou pela janela e um sorriso veio a seus lábios ao recordar de sua família. Filho
de um oficial da armada inglesa, seu pai havia sido sempre um jovem adoentado e
debilitado, fato que logo afetou sua carreira militar. Sua delicada saúde o levou no entanto
a transformar-se num rato de biblioteca desde sua mais tenra infância. O que com os anos
lhe serviu para converter-se num dos professores mais aclamados da universidade de
Oxford; cidade na qual se casou e formou uma família, até que adoeceu tempos depois.
Sua doença se manifestou de forma progressiva: primero esqueceu pequenas coisas, logo
suas aulas, depois o endereço da sua casa e, por último, já não era capaz de reconhercer o
rosto da sua esposa, nem o de sua filha.
Devido à delicada saúde de seu pai, decidiram mudar-se para o povoado de Ravenville
quando Sara tinha quinze anos. Porém, ao ficar sem o salário da universidade,
rapidamente chegaram os primeiros problemas econômicos. Sara havia gozado de uma
boa educação supervisionada por seu pai, por isso pensou em várias ocasiões em
empregar-se como governanta para alguma família. Porém prontamente descartou a ideia
ante a imposibilidade de deixar o seu pai enfermo, além disso esbarraria com a firme
negativa de sua mãe, que acreditava viver num ilusório estatus social muito superior ao
real.
Apesar dos protestos de Lydia, Sara aceitou um emprego de tempo parcial na livraria
do povoado que consistia em classificar e ordenar os novos carregamentos de livros e
revistas. Isto lhes permitiu conservar a casa, o que, somado ao compromisso de todos para

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


reduzir gastos e apesar de sem grandes luxos, facilitou que os Brown vivessem
decentemente enquanto a universidade enviava o pequeno honorário correspondente a
seu pai.
Quando sua mãe descobriu que a Condessa de Rohard era prima de seu marido, se
dedicou com todas suas forças em alimentar a relacão com a "prima Helen", como ela
gostava de chamar. Ante a passividade de John Brown, que era permissivo com sua
esposa, Sara sempre se aborrecia com o indecente servilismo com que sua mãe tratava
àquela parente distante que nunca havia manifestado o menor apreço por eles.
A única coisa positiva de frequentar os Luton foi conhecer à encantadora Mary, com
quem compartilhava idade, esperanças, sonhos, inquietudes e muito mais. De fato, Sara
sempre havia herdado as roupas de Mary, que eram recebidas com euforia por sua mãe a
cada temporada.
O que ninguém parecia nunca dar-se conta era que Sara era muito mais alta que sua
prima, o que a obrigava a aumentar as saias de todos seus vestidos com um pedaço de
tecido de uns doze centímetros, que quase nunca coincidia com a cor da peça original.
Desta forma, a imagen que Sara havia dado desde sua adolescência havia sido a de uma
menina desengonçada que parecia andar sempre tropeçando nas anaguas. Este feito,
unido a sua indomável cabeleira de cachos negros e a seus enormes olhos escuros, legado
de sua avó, conferia a Sara o aspecto de uma cigana perdida no meio da fria campina
inglesa.
As más línguas de Ravenville chamavam Sara de "a extravagante": em primero lugar
por seu aspecto e, depois, por sua atitude um pouco distante. "E que culpa tenho eu",
respondia Sara quando sua mãe a repreendia por não relacionar-se com os vizinhos e os
rapazes da sua idade. Que culpa tinha ela de que não lhe interessavam ao mínimo os
mexericos do povoado, nem as reuniões sociais aonde as mulheres somente se juntavam a
suspirar, pestanejar e agitar o leque? Que culpa tinha se preferia mil vezes dar um passeio
a sós, ou falar com seu pai, ou ler algum livro que a fizesse participar de alguma
apaixonante aventura?
A casinha que ocupavam em Ravenville era uma das maiores do povoado. Por isso
contrataram Rose, uma viúva sem filhos para que ajudasse a sua mãe em troca de casa,
comida, e um pequeno subsídio que não era suficiente nem para pagar ao trapeiro.
Apesar de ser filha de um advogado que nunca havia conseguido fazer fortuna, Lydia
Brown jamais sentiu grande inclinação para o trabalho, por isso que a ajuda de Rose logo
se converteu em tarefa de todo tipo e a tempo integral. Sara se compadecia da pobre serva,
a quem tentava ajudar sempre que sua mãe não estava perto. Se Lydia a descobrisse
tirando pó ou ajudando na cozinha, se aborreceria tanto que acabaria indo para a cama
mesmo que fosse hora do almoço.
—Ai de mim! — se lamentava sua mãe uma e outra vez —. A prima do Conde de
Rohard trabalhando como uma vulgar faxineira.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Por tudo isto, quando Lydia recebeu a carta e a resposta da Condessa, se deu conta em
seguida de que não poderia dizer a verdade a Sara. Se sua filha se inteirasse de que havia
escrito para a prima de seu marido para pedir-lhe que a acolhessem em Sweet Brier Path,
se zangaria tanto com ela que não voltaria a lhe falar por muito tempo e, além disso não
quereria sair de Ravenville. E, se Sara não se fosse daquela aldeola, jamais conseguiria um
marido rico que tirasse a ambas de sua penúria econômica.
Lydia sabia que utilizar o parentesco de seu esposo com a Condessa de Rohard era o
último trunfo que poderia usar na sua situação.
Assim que, quando chegou o momento de falar com sua filha, Lydia recorreu ao único
argumento ao qual sabia que Sara não poderia resistir: Mary.
—A pequena Mary se sente tão só! A Condessa disse em sua carta que o estado de
saúde de tua prima piorou e acredita que tua presença a seu lado poderia fazê-la melhorar
muito.
O coração de Sara se encolheu com aquela notícia. Ela e Mary Luton não tinham
somente vestidos em comum, antes compartilhavam muitos traços de personalidade.
Sara era convidada sempre para as festas que se celebravam em Sweet Brier Path em
honra da irmã do Conde graças à intercessão desta. Durante aquelas estadas, Sara
escapava para o quarto de Mary, aonde as duas conversavam intercambiando gostos e
sonhos até altas horas da madrugada. Por isso, Sara sabia que, apesar de sua enfermidade,
o que mais desejava Mary era apaixonar-se e ser correspondida.
Era tão encantadora, boa e bonita, que Sara estava convencida de que algum homem
logo se daria conta disso e conseguiria passar por cima do fato de que Mary não podia
caminhar. Afinal de contas, ela mesma não se apercebia a maior parte do tempo da
incapacidade de sua amiga.
Sara sabia que os pais de Mary não tiveram um matrimônio com amor. Helen Luton,
prima distante de seu pai, fora uma mulher excepcionalmente bela e, mesmo carecendo de
fortuna, isto lhe serviu para casar-se com o Conde de Rohard, que apaixonou-se por ela
somente e apenas a olhando.
—Mas, como irei agora? —protestou Sara—. Quem conduzirá as finanças da casa?
—Pois eu mesma —respondeu Lydia, incomodada porque sua filha pensava que não
era capaz de administrar sua própria casa.
—Mamãe... —replicou Sara com um tom que muito distava de transmitir confiança.
Lydia rejeitou em seguida a direção que estava tomando aquela conversa e olhou para
sua filha com gravidade antes de implantar todas suas artes de manipulação.
—Pensa na pobre Mary e no caso de lhe acontecer alguma coisa, Deus não queira, não
deixaremos de sentir-nos culpadas nunca. Filha minha, quando alguém da família precisa
de ti deves acudir em auxílio.
Sara sabia que sua mãe exagerava, como quase sempre. O que mais necessitava sua
família nesse momento era que alguém se encarregasse de pagar todas as faturas que se

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


acumulavam no escritório do seu pai. Porém, apesar disto, e ainda que seu parentesco com
os Luton fosse quase inexistente, havia chegado a amar Mary como a uma irmã e não
suportava a ideia de seu sofrimento.
Resignada, Sara decidiu que teria que viajar ao Condado de Rohard. Porém, antes de
sua partida, tinha que ocupar-se da economia famíliar. Lydia tinha a tendência de gastar
mais do que tinha, além de não ter prestado atenção num livro de contas na sua vida.
Como não sabia o tempo que Mary iria necesitá-la, deveria assegurar-se de que sua casa
não fosse arruinada durante sua ausência. Assim que Sara decidiu confiar a Rose os livros
e o dinheiro, apesar de todos o protestos e amuamentos de sua mãe.

—Ai! —exclamou Sara quando a carruagem deu outro forte tranco e sua testa bateu
contra o frio vidro da janela.
—Você está bem, querida? — perguntou a anciã do assento à frente.
Sara se agarrou novamente a maçaneta da sua porta e, com a outra mão, esfregou a
testa dolorida.
—Sim, obrigada. Porém vai me sair um galo.

Olhando pela janela comprovou que o sol havia saído e estava quase alto, portanto já
devia ser meio-dia. Através do vidro comprovou que já haviam deixado para trás a
paisagem agreste e montanhosa que os havia acompanhado durante quase toda a viagem
desde Ravenville. Atravessavam um verde vale cruzado por um rio caudaloso e azul. Da
estrada podia-se ver algumas granjas próximas compostas pela casa principal de pedra e
outras edificações anexas de madeira que serviam como armazém e estábulo para os
animais. Também se podiam distinguir a distância, nas margens do rio, as rodas de vários
moinhos que eram utilizados para bombear água e obter as melhores farinhas. Várias
ovelhas pastavam plácidamente nas ladeiras de uma pequena colina. E os campos não
deixavam de oferecer um aspecto verde e fecundo. Algumas árvores frutíferas, cujos
galhos eclodiriam com a chegada da próxima primavera, se estendiam ao largo da estrada.
Sem duvida, já haviam chegado ao Condado de Rohard. A prosperidade do condado
era conhecida em todo o leste da Inglaterra, e a dedicação do Conde pelo bem-estar de
seus arrendatários transcendia muito além das fronteiras da comarca.
Seus companheiros de viagem contaram a Sara que Lord Luton havia estabelecido uma
série de medidas para que os jovens regressassem para as abandonadas granjas do
condado. Oferecia crédito a muito baixo custo durante os primeiros anos. Desta forma,
quando o Conde recuperava seu investimento, a granja já proporcionava benefícios a seus
donos, e ambas as partes saíam ganhando.
Graças ao falatório de seus companheiros de viagem Sara também soube que o Conde
havia estabelecido toda uma rede de escolas ao longo de seu território, assim como a
obrigatoriedade de enviar aos meninos e meninas à escola. Alguns caseiros para quem
ainda era difícil renunciar à mão de obra dos menores violavam a norma até serem

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


penalizados com sólidas multas pelo senhor. Pouco a pouco, todos compreenderam que
era mais rentável mandar as crianças para a escola do que desafiar ao Conde.
Estes e outros louvores dedicados a Lord Luton pelos anciãos, levaram Sara a pensar
que provavelmente devia reconsiderar sua opinião sobre ele.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0033

AS VISITAS DE SARA A SWEET BRIER PATH HAVIAM COMEÇADO FAZIA NOVE


ANOS, depois da morte do antigo Conde de Rohard. Ao que parece, seu péssimo
temperamento impedia que sua esposa e filhos recebessem convidados.
Depois da tenaz insistência de Lydia em apresentar condolências pessoalmente para
prima de seu marido, as Brown pisaram pela primera vez na mansão de Sweet Brier Path
alguns meses depois do funeral do Conde.
A primera vez que Sara viu Lord Luton tinha dezessete anos. Ele era um homem de
vinte e seis anos que parecia muito mais velho. Falava com todo mundo com excessiva
formalidade e na presença de outros sempre se mantinha ereto e arrogante.
Enquanto permaneceu na sua casa, o Conde nunca se dirigiu a ela e, quando não
conseguia evitar se cruzarem, jamais a chamava de "prima", como fazia Mary, mas sim
dava um altivo movimento de cabeça como modo de saudação e murmurava um quase
inaudível: "senhorita Brown".
Nas posteriores viagens de Sara ao Condado de Rohard, a atitude do Conde não mudou
muito a respeito dela. Na sua opinião, Luton tolerava sua presença em Sweet Brier Path
devido ao amor que sua irmã lhe professava. Por sua parte, a Condessa parecia
igualmente resignada, como seu filho, com as visitas da arrivista prima distante.
Durante o tempo que permanecia ali, Sara e Mary passavam a maior parte do dia
juntas. O Conde as acompanhava frequentemente, porém sempre se mantinha calado e
distante. Embora Sara tentasse que lhe resultasse tão indiferente como ela o era para ele,
jamais conseguiu atingir seu propósito.
O estado de ânimo de Sara, relaxado na companhia de Mary, se via alterado quando seu
irmão aparecia em qualquer lugar. Por mais que tentasse convercer-se de que devia
permanecer impassível, por algum motivo que estava além do seu entendimento, não
podia manter-se alheia à figura de Lord Luton; provavelmente fosse simples curiosidade,
compaixão, ou puro masoquismo. Mas o certo era que não conseguia permanecer
indiferente a seu primo, e isso lhe acontecia desde a primeira vez que o havia visto.
Por um lado, seu extraordinário físico tornava impossível passar despercebido: media
quase um metro e noventa e possuía fortes ombros que o afastavam dos cânones de beleza
aristocrática do momento. Enquanto seu rosto, Sara nunca teria dito que era bonito:
mandíbula forte, malares altos, e um nariz grande e reto que terminava sobre um lábio
superior bem delineado e um pouco mais volumoso que o inferior, o que fornecia ainda
mais gravidade ao seu semblante. Diferente de sua mãe e irmã, o Conde tinha o cabelo
preto, porém à luz do dia parecia quase castanho.
Se tivesse que destacar algo de sua aparência seria, sem dúvida, seus felinos olhos azul
cobalto. Mesmo que neles brilhassem quase sempre um lampejo de humor, Sara havia se
surpreendido em mais de uma ocasião observando-o furtivamente e perguntando-se como
seriam lindos se seu dono sorrisse.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Com seu jeito sempre sério e silencioso, parecia o homem com maior autocontrole
emocional do mundo. Salvo pelas ocasiões em que o havia observado olhando para Mary
com infinito amor, teria acreditado que era um ser humano sem emoções. De fato, durante
um tempo, Sara havia fantasiado em vê-lo irritado e fora do seu juízo. Desejou que se
fizesse realidade no dia em que Mary completou vinte e três anos, quando, depois de um
empurrão de Lady Hindley, derrubou um candelabro que ateou fogo na toalha de mesa da
mesa de doces.
Enquanto o resto das convidadas saía gritando e correndo do salão, Sara, morta de
vergonha, tentava por todos seus meios aplacar o incêndio. A única que ficou a seu lado
foi a encantadora Mary que, mesmo naquelas circunstâncias, continuou sorrindo-lhe
indulgente.
O Conde apareceu derrepente vermelho de raiva. Empurrou a cadeira de sua irmã para
fora da sala sem fazer o menor caso de seus protestos. Enquanto fulminava Sara com o
olhar, ordenou a um dos criados que subisse Mary para seu quarto, e voltou a entrar na
sala-de-jantar aonde Sara seguia aflita tentando apagar as chamas.
Quando Robert contemplou sua sorridente irmã no meio do fogo, o pânico se apoderou
dele e quase de imediato concentrou toda sua fúria na nervosa figura que acompanhava
Mary em suas tentativas para apagar o pequeno incêndio. Após afastar sua irmã daquele
caos, se dirigiu a passos largos até o centro do salão, arrancou a toalha de linho da mesa
com um forte puxão e o lançou na lareira aonde continuou ardendo até consumir-se.
Velozmente, se voltou para Sara alcançando-a em duas passadas. Soltava chispas pelos
olhos e todos seus movimentos delataram o quão enormemente zangado estava.
—Você sabe o que é suposto que faça? — exclamou enquanto a agarrava com força pelo
braço.
—E... Eu sinto muitíssimo, mas eu... eu tropecei e não pude evitar que o candelabro
caísse —Sara gaguejou atormentada pela ferocidade de seu olhar.
Robert reduziu a pressão, mas não chegou a soltá-la.
—Me refiro a por que não retirou Mary daqui imediatamente.
—Eu... não pensei. — Sara respirava agitada.
—Ah! Não pensou — sibilou ele muito perto do seu rosto —. Você não pensou, e minha
irmã quase foi queimada viva.
Completamente irritada, Sara se debateu sem resultado.
—Não exagere, por favor? — replicou, incomodada com as acusações do Conde—. Eu
somente pretendia salvar sua casa.
—E você crê que a casa é mais importante que a vida de Mary?
—Certamente que não — gritou, indignada.
Robert baixou a vista e comprovou que a pele de seu decote estava manchada pelas
cinzas e que seu peito baixava e subia rapidamente pela agitação. Também tinha fuligem

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


nas bochechas. Num ato reflexo levantou a mão que estava livre e lhe limpou o rosto com
o dedo. Os olhos castanhos de Sara se arregalaram com aquele contato.
No seu empenho para eliminar as cinzas do seu rosto, Robert percebeu a suavidade de
sua pele.
Surpreendido por sua própria reação, Robert a soltou tão rápido que quase perdeu o
equilíbrio.
—Você é uma imprudente — sentenciou com um gesto categórico —. E, se voltar a
colocar em perigo a minha irmã, a mandarei para tão longe daqui que as duas teriam que
recorrer a pombos correios bem adestrados para comunicar-se.
O Conde se virou e saiu a toda pressa da sala.
Sara ficou paralisada e perplexa olhando para porta. Seu coração entretanto batia
descontrolado. Haviam estado tão perto que pode até contar as pequenas sardas que
pontuavam a ponte de seu nariz ou as ruguinhas que se formavam ao redor de seus frios
olhos.
Era a primera vez que a tocava, e aquela efêmera carícia havia acendido uma faísca de
fascinação em algum ponto de seu ser. Algo completamente novo. E não é que ela fosse
uma puritana: Henry Burton — o filho do livreiro — havia tentando beijá-la em duas
ocasiões. Porém as torpes demonstrações amorosas de Henry jamais remexeram nada em
seu interior.
Rejeitando imediatamente aquelas sensações absurdas, Sara se concentrou novamente
no verdadeiro motivo de seu enfrentamento com ele: Mary.
"Asno arrogante. Se a observasse bem, verias que é mais capaz que todas essas
estúpidas que saíram correndo", pensava enquanto suspirava extenuada e subia ao seu
quarto.
Aquela noite, Sara não pode dormir: o brilho de uns diabólicos olhos azuis e a
abrasadora recordação de uma carícia, se apresentaram sem convite uma e outra vez em
seus sonhos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0044

SWEET BRIER PATH ERA O NOME DA PROPIEDADE EM QUE SE ENCONTRAVA a


residência habitual do Conde de Rohard e sua família. Se estendia ao longo de incontáveis
hectares de colinas, frondosos bosques, e fecundas pradarias nas quais pastavam um bom
número de cabeças de gado. A propiedade era atravessada pelo caudaloso Rio Welland
que, por sua vez, era banhado por pequenos arroios nos quais abundava a boa pesca,
esporte que vários Reis da Inglaterra haviam praticado ali em múltiplas ocasiões.
O Conde contava com possessões em Londres, Escócia e Irlanda, porém permanecia em
Sweet Brier Path boa parte do ano. Lord Luton unicamente visitava a capital do reino
quando o exigiam seus incontáveis negócios ou alguma questão política reclamava sua
atenção no Parlamento.
Sara observou como suas mãos entrelaçadas eram banhadas pelos raios de sol da
manhã que se infiltravam pelo vidro da carruagem privada do Conde. Quando desceu da
diligência, comprovou que uma carruagem laqueada de preto e com o brasão dos Luton
havia ido pegá-la na estalagem. Um sorriso aflorou em seu lábios ao recordar a cara de
desconcerto dos dois anciãos quando se deram conta de que a negra carruagem esperava
por ela. "Com este aspecto que levo, seguramente nunca imaginaram que me dirigia à casa
de seu admirado Conde", pensou enquanto alisava a desgastada saia cinza de seu velho
vestido de viagem.
O luxuoso interior de seu novo transporte não se parecia em nada com o que a havia
conduzido até ali. Aquele veículo era muito maior e mais cômodo, estava totalmente
estofado em veludo de cor creme e dourado, e duas cortinas rematadas com franjas e
pompons cobriam parcialmente os vidros das janelas. Sara se recostou no macio assento
dando um pouco de descanso ao seu corpo, ainda dolorido por sua odisseia anterior. Não
só o transporte era melhor, como a estrada também havia melhorado consideravelmente,
portanto o trajeto até Sweet Brier Path foi rápido e muito confortável.
Quando Sara voltou a olhar através da janela pode comprovar que já alinhavam o
caminho que conduzia à grande mansão. Após algumas altas árvores apareceu o enorme
edifício de pedra escura com seus dois torreões medievais contemplando o céu. A parte
antiga da casa havia sido demolida e completamente reconstruída. A residência estava
formada pelo edifício principal que unia as duas formidáveis torres, únicos vestigios da
construção original. Duas edificações se erguiam nos lados da principal, o que conferia
uma forma de U ao conjunto residencial.
A mansão de Sweet Brier Path possuía mais de cento e sessenta quartos, nos quais
existiam modernos sistemas de calefação, luzes a gás que funcionavam ao pressionar um
botão, além disso quartos de banho azulejados e equipados com um sistema de
encanamento pelo qual circulava água quente.
Dado os incontáveis negócios em que os Luton participavam, sua casa estava sempre
preparada para acolher a um amplo número de convidados. Não era de estranhar que o

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Conde oferecesse grandes festas ou recepções com a intenção de favorecer algum de seus
interesses comerciais. Sua hospitalidade era conhecida em toda Inglaterra, e um convite a
Sweet Brier Path era cobiçado entre as jovens aristocratas e suas mães, inclusive durante a
temporada londrina.
Quando a carruagem se deteve em frente à enorme escadaria de entrada, o coração de
Sara deu uma reviravolta ao distinguir à pequena figura sentada na cadeira de rodas que
esperava fora: Mary havia saído para recebê-la.
Desejando ver por fim a sua amada prima, Mary havia saído da casa e empurrado sua
cadeira até a borda do primeiro degrau.
Assim que desceu do veículo, Sara correu escadas acima e se atirou nos braços abertos
de sua prima. As duas se abraçaram rindo.
Depois de um momento, Sara levantou a cabeça e observou com preocupação a pálida
tez de Mary.
—Como estás?
—Muito bem. Encantada de te ter aqui, e tu? —respondeu Mary sorrindo.
—Então, estou um pouco dolorida da viagem — respondeu Sara levantando-se e
levando ambas as mãos à cintura para esticar seus músculos muito tensos —. Mas passará
em poucos dias.
Mary riu abertamente.
—Como me alegro de te ter aqui! Senti tanto a tua falta.
—E eu a tua —disse Sara.
As duas voltaram a abraçar-se até que depois de alguns instantes, Mary se dirigiu a um
dos lacaios que descarregava a bagagem de Sara.
—Colin, leve a bagagem da minha prima para senhora Russell. Ela já sabe o que deve
que fazer.
—Sim, milady.
O jovem assentiu e se afastou com as malas de Sara.
—Te levo? — perguntou Sara, pois sabia o muito que Mary valorizava sua
independência.
—Tu, sim.
Sara empurrou a cadeira de Mary até a porta. Era tão magrinha e miúda que quase não
lhe custou nenhum esforço.
—Tens que perdoar-me por não ir te receber na estalagem — disse Mary olhando para
cima para enxergar seu rosto —. Minha mãe ficou indisposta esta manhã, e o meu irritante
irmão não quis nem conversar sobre a ideia de que eu viajasse sozinha.
—Não te preocupes. Desde Ravenville compartilhei viagem com dois entusiastas e
admiradores de teu irmão — explicou Sara colocando o olhar em branco —. E a verdade
era que precisava de um pouco de solidão e silêncio.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary voltou a sorrir amplamente. Lhe encantava a honestidade de sua amiga.
Acostumara-se a que outras damas que a adulavam e a louvavam com o propósito de
ganhar o afeto da irmã do Conde de Rohard, Sara sempre havia preferido ela antes que a
Robert. Além disso, parecia compartilhar a mesma antipatia que seu irmão demonstrava
por ela. Embora o que certamente preocupava Mary era que Robert, sempre preocupado
com sua segurança, discutisse com Sara e terminasse por afastá-la dali outra vez.
A voz de sua amiga tirou Mary de suas reflexões.
—Espero que a Condesa se encontre bem — disse Sara com interesse.
— É somente uma enxaqueca. Ultimamente lhe acontece muito. Creio que se deve ao
meu irmão não decidir sentar a cabeça — explicou Mary com um sorriso malicioso.
Duas figuras masculinas cruzaram o enorme vestíbulo justo no momento em que ambas
atravessaram a porta de entrada. O dois homens, que caminhavam absortos na sua
conversa, não se aperceberam da presença das recém chegadas.
Sara ficou consciente em seguida da descarga de energia que a atravesou quando
reconheceu ao Conde. Aborrecida por não haver tido tempo para arrumar seu desalinhado
aspecto antes de encontrar-se com ele, contemplou encantada que seu atrativo não havia
reduzido nesses anos: havia tirado a casaca e o escuro colete contrastava com as brancas
mangas de sua camisa, as calças cinza se ajustavam perfeitamente a sua longas pernas
descendendo até perder-se embaixo de botas de montar bem lustradas. Embaixo da luz do
sol que entrava fluindo pelas enormes janelas que conduziam ao jardim, seu cabelo
castanho reluzia com alguns reflexos dourados.
—Robert, olha quem chegou!
Ao ouvir Mary, Sara não pode evitar o choque ao ser arrancada violentamente de seu
devaneio. As cabeças dos dois homens viraram ao mesmo tempo para elas e Sara,
envergonhada pela indiscrição de sua amiga ao interrompê-los, notou como o rubor
começava a tingir suas bochechas.
Ao virar-se, Sara reconheceu o acompanhante do Conde: o senhor Lezcano era sócio e
amigo de lord Luton fazia anos.
Robert se virou ao ouvir a voz de sua irmã e imediatamente seu olhar voou até a figura
que estava a seu lado. Sara Brown levava sua rebelde melena escura arrumada num
penteado do qual haviam escapado alguns cachos que emolduravam seu rosto. Apesar do
traje pouco atrativo, pode constatar que sua figura havia se tornado mais voluptuosa.
Avaliando Sara de alto a baixo, Robert teve que reconhecer que já não apresentava a
imagen esguia e desengoncada de uns poucos anos atrás.
Após alguns momentos de silêncio em que os quatro permaneceram olhando-se entre
si, Robert apercebeu-se de que todos esperavam sua reação.
—Senhorita Brown —disse em tom neutro e formal enquanto atravessava o salão até
chegar a seu lado—. Já está aqui.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


O Conde se inclinou e depositou um ligeiro beijo na sua mão. Sara sentiu que a breve
carícia transpassava o desgastado tecido de suas luvas de viagem, transformando-se num
suave formigamento que subiu pelo seu braço até instalar-se na boca do seu estômago.
Havia afrouxado o nó da gravata de linho e a brancura de sua camisa contrastava com
seu bronzeado pescoço. Seu cabelo, que já necessitava de um corte, lhe caia em
desordenadas mechas sobre a testa. Levava a camisa remangada até os cotovelos, o que
permitia a visão de fortes e bronzeados antebraços cobertos de fino cabelo loiro.
Mesmo vestido informalmente, um halo de distinção aristocrática o envolvia
outorgando-lhe um domínio e segurança de si mesmo que muitos outros de sua classe não
conseguiam nem com os vestuários mais seletos.
—Seja bem-vinda. Suponho que queira descansar e...
Ao olhá-la de perto observou que um pequeno hematoma lhe cruzava a têmpora.
—O que lhe aconteceu? —perguntou, apontando para a cabeça.
Sara olhou para cima recordando o galo na sua testa.
—Oh —exclamou tocando na ferida—, não foi nada. Alguns salteadores atacaram a
diligência com a intenção de roubar-nos. Porém oferecemos resistência e não conseguiram
levar o ouro.
O conde observou desconcertado o sorriso que se desenhou nos lábios da jovem.
—É uma brincadeira — esclareceu Sara—. Bati-me contra a janela quando a carruagem
caiu num buraco do caminho.
Ele permanecia ali em pé observando-a, sem dizer nada. Por que sempre que ficava
nervosa era assaltada por aquela verborréia que não fazia mais que levá-la a dizer
besteiras? E por que a perturbava tanto a atitude de Luton? Já deveria estar acostumada a
seus silêncios solenes e olhares penetrantes. "Oh, que homem irritante!", pensou Sara,
perturbada.
Mary não havia parado de sorrir enquanto observava entre seu irmão e Sara.
— Eu gosto mais da história dos ladrões — disse divertida.
As palavras de Mary desviaram a atenção de ambos até ela.
—Muito bem, pois essa é a que contaremos — sentenciou Sara devolvendo o sorriso a
sua amiga.
Outro silêncio voltou a entender-se pela sala.
—Sara, conheces ao sócio do meu irmão, o senhor Lezcano? — perguntou Mary quando
percebeu que haviam esquecido do outro homem —. Senhor Lezcano, esta é minha prima
Sara Brown.
Diego Lezcano se aproximou delas do outro lado da sala e, após lançar um olhar
perspicaz ao Conde quando passou ao seu lado, extendeu a mão a recém chegada.
—Nos conhecemos há três anos. Na sua festa de aniversário, Milady.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


A voz do senhor Lezcano era profunda e grave. Apesar de falar um perfeito inglês, um
ligeiro sotaque estrangeiro entretanto o fazia arrastrar o som de algumas consoantes.
Diferente do Conde, ele vestia um elegante traje cinza escuro de perfeito corte. Era algo
mais baixo que Luton, porém seus largos ombros denotavam uma força extraordinária.
—Como você está, senhorita Brown? — disse solícito, beijando-lhe a mão.
—Bem, muito obrigada. Me alegro em voltar a vê-lo, senhor Lezcano.
—Senhor Lezcano — interviu Mary —, a avó de Sara era espanhola, igual a você.
O homem voltou a observar Sara.
—Ah, sim? E como chegou até esta ilha? — perguntou com interesse.
—Meu avô serviu sob as ordens de Sir Robert Calder na batalha de Finisterre. Ao que
parece, seu navio ficou gravemente danificado e tiveram que atracar na costa. Ali
conheceu a minha avó, e surgiu o amor.
Sara lhe devolveu o sorriso.
—Os homens do mar costumam deixar um rastro de corações partidos de costa a costa.
Seu avô deve ser um homem honrado.
—Oh, fazem muitos anos que faleceu — explicou Sara restando-lhe importância—. Mas,
ao que parece, assim era. E minha avó era uma mulher das mais temperamentais, jamais
teria ficado esperando-o passivamente.
O sorriso do senhor Lezcano se alargou ainda mais.
Diego Lezcano era um homem muito atraente. Tinha um espesso cabelo da cor do
ébano e os olhos da mesma cor. Uma pequena cicatriz lhe cruzava a sobrancelha esquerda
conferindo-lhe o aspecto de um misterioso corsário.
Mary lhe havia falado dele em algumas de suas cartas. Pelo visto, ninguém conhecia
muito sobre o passado do senhor Lezcano. Deixou seu país fugindo da guerra e depois foi
marinheiro. Conheceu Luton num porto onde, após sofrer um assalto, o espanhol lhe
salvou a vida. E somente por este fato, mesmo que se tratasse do maior vigarista do
continente, havia ganhado o afeto e apreço de Mary para sempre.
A voz impaciente de Luton arrancou Sara de seus pensamentos.
—Senhoras, se nos desculpam — disse após clarear a garganta com um leve pigarrear
—. Provavelmente terão muito do que falar.
Virando-se para elas, ambos se despediram com uma ligeira inclinação da cabeça. E por
um momento, pareceu a Sara que o sombrio olhar do senhor Lezcano permanecia em
Mary um pouco mais de tempo do que devia.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0055

LUTON ENTROU A GRANDES PASSADAS NO SEU GABINETE E SE DEIXOU CAIR


pesadamente na cadeira que havia atrás da sua grande escrivaninha de madeira
esculpida. Com o cenho franzido, apoiou os cotovelos na mesa e começou a folhear os
grandes cadernos nos quais havia estado trabalhando.
Diego Lezcano entrou após ele e fechou a porta. De pé no outro lado da sala, observou
divertido ao seu amigo.
—Queres um trago? —perguntou aproximando-se do móvel das bebidas.
—Por favor —murmurou Robert com cansaço.
Lezcano pegou dois copos enquanto observava seu amigo reclinar-se no assento e
descansar os cotovelos nos braços da cadeira. Embora detestasse todos os membros da
nobreza inglesa por igual, teria que reconhecer que com Luton fazia uma exceção. Outro
em seu lugar, haveria se limitado a conservar a riqueza que havia herdado. Porém o
Conde, ao contrário, havia demostrado uma inteligência e arrojo para os negócios que
rivalizavam com os seus próprios. Tremendamente honesto, ainda considerava que o mais
importante que um homem possuía era o valor de sua palavra. E, apesar de que para um
cínico como ele, Luton pecava as vezes pela ingenuidade, Diego Lezcano teria que
reconhecer que sentia grande estima por aquele atípico e honorável Lord inglês.
Começaram sua associação com a compra de um estaleiro em ruínas; seis anos depois
possuíam a mais importante companhia de navegação do Reino Unido, haviam assumido
grande parte das ações da ferrovia e várias fundições ao sul do país. Porém nenhum dos
dois parecia estar satisfeito, seu olfato para os assuntos comerciais os havia levado a
extender seus tentáculos sobre alguns bancos londrinos, e a invertir em alguns
laboratórios químicos nos quais se trabalhava no desenvolvimento de um novo
componente para a construção: o cimento.
Ainda que a fortuna de Diego Lezcano fosse uma das maiores do país, a aristocracia
inglesa recusava-se pura e simplesmente a incluí-lo em seu seleto grupo social. Era
estrangeiro, de duvidosa origem, carecia de boas maneiras e era mais ambicioso do que
caberia esperar num homem de sua categoria. Mas, ainda sendo depreciado sem apenas
dissimular, seu dinheiro e amizade com Lord Luton lhe valeram a entrada àquele seleto
círculo social.
Lezcano passou o cálice de conhaque a seu amigo.
—Tome, aparentas necessitar.
—Obrigado —respondeu pensativo.
Robert tomou o cálice e deu um bom gole. Seu sócio fez o mesmo enquanto se sentava
em frente a ele e lhe lançava um olhar divertido por cima do copo.
Sem conseguir resitir mais, Diego decidiu provocar o Conde.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Tua prima parece uma dama muito agradável —murmurou com aparente
indiferença.
Robert pareceu voltar para a realidade.
—Não é minha prima —murmurou.
—Ah, não? Eu tinha entendido...
—Seu pai era primo distante da minha mãe. Não existe parentesco —esclareceu Robert.
—Eu pensei que... bom, como Lady Luton se refere a ela sempre como "prima Sara"...
Robert olhou para seu amigo com fadiga.
—Agrada minha irmã chamá-la assim porque, por alguma razão que desconheço, a
aprecia de maneira excessiva.
—De maneira excessiva? —repetiu Lezcano com curiosidade.
Robert parecia agora muito mais cansado.
—Em excesso para seu próprio bem —respondeu mal-humorado—. Essa "dama
agradável", como tu a chamas, possui uma tendência natural para os acidentes. E tem por
costume deixar Mary participar de todos eles, sem preocupar-se o mínimo com sua
segurança.
Diego se remexeu inquieto, perturbado pela ideia de que Mary Luton poderia correr
algum perigo. Enquanto, Luton continuava com sua retórica.
—E quando não está colocando em perigo a integridade física da minha irmã, se dedica
a meter-lhe fantasias e falsas esperanças na cabeça. — Deu outro trago —. Crê-me, essa
mulher é uma horrível influência para a pobre Mary. Jamais a haveria convidado se não
fosse porque minha irmã parece necessitar da sua companhia.
Convencido de que por trás do discurso de Luton existia algo mais que a lógica
preocupação fraterna, Diego decidiu lançar um anzol ao seu amigo.
—De todas maneiras, é uma mulher tão excepcional que qualquer cavalheiro quereria
tê-la por perto.
O Conde lhe lançou um furioso olhar que teria feito desdizer-se até ao mais ousado.
—Não diga bobagens —rugiu—. Já vi como se comporta, pelo amor de Deus. Jamais
conheci uma pessoa mais mal-educada na minha vida.
Sem poder evitar recordar o brilho nos olhos de Sara enquanto ela lhe provocava,
Robert assinalou com o dedo a seu sócio lançando-lhe um olhar dos mais intimadadores.
—É melhor ficar longe dela.
Lezcano levantou as mãos en sinal de rendição.
—Desculpe-me — disse com fingida aflição —, não sabia que tinhas algum interesse.
—Interesse? — murmurou bufando —. Que interesse posso ter eu nessa mulher? O digo
por ti, imbecil.
—Mas não podes negar que uma carinha de anjo como a dela, unida a esse corpo
pecaminoso...

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Lezcano! — trovejou o Conde erguendo-se atrás da mesa em toda sua envergadura –
Continue, e fecharei sua boca com um murro.
Diego olhou para ele com descrença, regozijando-se com aquela explosão de ira. O
peixe tinha mordido a isca. Finalmente, ele descobriu uma fraqueza no dominante e
imutável Lorde Luton.

Sara contemplava com afeto a Mary, enquanto servia o chá com requintada delicadeza.
—Segues tomando-o sem açúcar e com limão?
Sara assentiu dedicando um sorriso a sua amiga.
Mary havia emagrecido um pouco desde a última vez que se viram, isto fazia que seus
grandes olhos azuis parecessem ainda maiores. Levava um bonito e favorecedor vestido
verde de manga larga, e sua abundante cabeleira loira estava recolhida num sofisticado
penteado que deixava cair algumas mechas ao redor de seu rosto. Depois de observar sua
amiga com atenção e, salvo pela brancura habitual de sua pele, para Sara não lhe parecia
que sua saúde estivesse tão mal como lhe havia assegurado sua mãe.
Depois de sua chegada, Mary a acompanhou até um bonito quarto próximo ao seu.
Todas as vezes que se havia hospedado em Sweet Brier Path, havia ficado na ala de para
convidados; o que lhe havia custado mais de uma caminhada a meia-noite para chegar até
o quarto de sua amiga, aonde permaneciam conversando até o amanhecer.
Uma vez instalada, Sara se deleitou com um banho quente na enorme banheira de seu
quarto, que fez ressuscitar seus doloridos músculos. Depois de devorar o almoço que
Mary ordenou que lhe subissem, se deitou na cama macia e dormiu durante algumas
horas. Ninguém a incomodou até a tarde, quando uma das donzelas de Mary chamou
discretamente na porta e lhe disse que, se havia repousado o suficiente, Lady Luton a
esperava para tomar o chá na sua saleta privativa.
—Aqui tome, querida.
Sara voltou para a realidade e pegou a xícara que lhe oferecia sua amiga. Sabia que
Mary sempre punha obstáculos para falar de sua saúde. Odiava que as pessoas estivessem
mais cientes de sua condição física que dela.
—E bem, conta-me, o que tens feito ultimamente? — perguntou Sara sem interesse
aparente —. Como tens estado?
Mary sorveu um gole de sua xícara e acariciou a cabeça de Smokie que descansava a seu
lado na cadeira.
—Morta de aborrecimento — exclamou pondo os olhos em branco —. Se não tivesses
vindo, teria falecido em poucas semanas de puro tédio.
—Mary, não fales assim — disse Sara em tom reprovador.
—Te digo a verdade. Minha vida é um desgosto, e ninguém parece importar-se o
mínimo. As jovens nobres da minha idade que antes vinha visitar-me se casaram e tem

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


filhos. Agora minha mãe não permite que me encontre com elas porque suas conversas de
mulheres casadas poderiam perturbar meus inocentes ouvidos — explicou com ironia —.
Assim que convida senhoritas solteiras para tomar o chá para que compartilhem comigo
suas castas conversas.
Sara se remexeu incomodada no canapé em que estava sentada.
—Mas isso não significa que tua vida seja um desgosto.
—Creia, se tivesses que compartilhar todas as tardes com uma porção de jovens de
quinze anos cuja máxima preocupação é que o rosa não lhes cai bem, tu também estarias
morrendo de desgosto.
Sara não pode reprimir um sorriso ante o comentário de Mary.
—Mas Mary, podes fazer muitas outras coisas.
—Ai, minha querida Sara — murmurou lamentosa —. Minha enfermidade não me
impede só de andar, mas também me imposibilita para o que mais desejo: casar-me e ter
filhos.
—Mas isso não tem por que ser assim.
—Pois assim é — replicou tristemente —. Em qualquer festa, e a despeito da fortuna do
meu irmão, todos os jovens saem correndo quando veem esta cadeira de rodas. As vezes
me acomodo num sofá para despistar. Então aparece o nobre cavalheiro de plantão e me
convida para dançar; lhe digo que não posso; me pergunta se minha família mão me
permite; eu lhe digo que não, que são minhas pernas que me impedem. E lá está, o que
vejo a seguir é o rastro que deixa ao partir.
Após o discurso de Mary, Sara ficou observando-a fixamente. Permaneceram em
silêncio até que, depois de alguns segundos, as duas romperam em uníssono em sonoras
gargalhadas.
Asustado pelo ruído, Smokie se levantou e saiu incomodado da saleta.
—Vês por que me alegro de tê-la aqui? — disse Mary ainda sorrindo —. Fazia séculos
que não ria assim.
Sara limpou as lágrimas de riso com seu lenço e olhou para sua amiga afetuosamente.
—Me nego a pensar que tenhas que renunciar a teus sonhos somente por não poder
andar.
—É um problema bastante grave para qualquier homem que espere uma esposa
complacente, que além disso lhe proporcione filhos sãos e fortes.
Depois de outro momento em silêncio, Mary olhou para sua amiga, que parecia levar
um momento refletindo sobre algo.
—Vais falar de uma vez?
A voz de Mary arrancou Sara de seu breve transe.
—Veja, Mary, faz algumas semanas li um livro no qual se descreviam os tratamentos
que haviam seguido com algumas pessoas deficientes. —Mary a observava com atenção—.
Segundo os experimentos do médico que o escreveu, dois de cada dez deficientes

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


voltavam a andar após realizar periodicamente uma série de exercícios com os quais
conseguiam fortalecer os músculos dormentes. Assim recuperavam grande parte da
mobilidade.
Mary a olhou com cautela.
—E tu crês que eu...?
—Na melhor... —Sara abandonou seu assento e se ajoelhou em frente a sua amiga
tomando-lhe as mãos—. Mary, eu não quero que alimentes falsas esperanças, porque na
melhor hipótese teu caso é diferente, mas poderíamos tentar. Não temos nada à perder.
Mary se abaixou e lhe deu um beijo na testa.
—Me ponho nas tuas mãos. Não sei se servirá de algo, porém durante o proceso,
seguramente nos divertiremos. Que tenho que fazer? —exclamou decidida.
—Irei ao meu quarto para buscar o livro.
Mary viu sua prima sair apressada da saleta. Suspirando, entrelaçou suas mãos no
regaço e após fechar os olhos, deu graças a Deus por permitir-lhe ter a seu lado àquela
mulher amalucada que enchia sua entediante existência com ilusões e novas aventuras.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0066

OS DIAS EM SWEET BRIER PATH SE CONVERTERAM POUCO A POUCO EM UMA


FELIZ rotina para Sara.
Todas as manhãs, ela e Mary se levantavam muito cedo para começar com as tabelas de
exercícios. Seguindo as ilustrações do livro, deviam dispor de duas barras paralelas nas
quais o enfermo deveria segurar-se para levantar-se até que suas pernas o sustentassem, e
para começar a dar pequenos passos. Decidida a tentá-lo, Mary mandou construir duas
barras iguais no seu quarto.
—E que faremos se a Condesa ou teu irmão se inteirarem do que planejamos e se
oporem? —perguntou Sara.
—Se sentirem alguma curiosidade, lhes direi que é um jogo. E como creem que ainda
sou uma criança, não o estranharão — foi a sarcástica resposta de Mary.
Para fortalecer os braços do deficiente e para que estes sustentassem o peso de todo o
corpo nas barras, o livro propunha primeiro o exercício de levantar pesos. Porém
decidiram em seguida que seria pouco plausível que Mary levantasse pesos para divertir-
se. Assim que Sara criou uma bola que resultasse mais pesada que o normal. Para levar a
cabo seu invento, uma manhã subiu a uma das torres da mansão aonde uma vez havia
visto balas de canhão, tomou uma das menos pesadas à envolveu com trapos e, por
último, costurou uma fina capa de couro ao redor do conjunto para impedir que a
improvisada bola se desfizesse.
Assim foi a cada manhã, ao chegar da primavera, Sara e Mary saíam para o jardim para
fortalecer os braços lançando-se mutuamente a bola. Um inocente jogo de garotinhas aos
olhos do Conde e da sua mãe, que comiam observando-as através das galerias da sala de
refeições que a família usava durante o dia.
Lord Luton costumava almoçar no seu gabinete, enquanto que a Condessa o fazia na
sua ala privada da mansão. Isto permitia a Mary e a Sara falar durante a refeição dos
avanços que estavam alcançando no tratamento.
Depois do almoço, Mary se retirava para descansar umas duas horas, o que permitia a
Sara desfrutar de alguns momentos a sós. Lhe encantava passear pelos bosques de Sweet
Brier Path enquanto ouvia a natureza despertar de sua invernal letargia. Caminhava
através da trilha de terra que corria entre as árvores, e que a essas horas era banhada pelos
fulgurantes raios de sol que se colavam entre as copas. Maravilhada pela sensação de paz
que a envolvia, Sara se detinha de vez em quando a contemplar como os pássaros
preparavam seus ninhos para a primavera.
Quando Mary acordava de sua sesta tomavam o chá na sua saleta privada e
conversavam até a hora do jantar, que era servido cedo e na sala de jantar principal.
Diferente do almoço, o jantar era a única refeição que se fazia em família. O Conde
ocupava a cabeceira da grande mesa com sua mãe e irmã em ambos os lados e, como
convidada e parte da família, Sara se sentava ao lado de sua amiga.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary quase sempre iniciava a conversação perguntando a seu irmão por algum de seus
assuntos; era então que se iniciava um animado diálogo no qual Sara intervinha com
frequência. Depois do qual, e após vários minutos de intercâmbio de pareceres, surgia o
inevitável debate no qual Robert e Sara se engastavam a cada noite. Circunstância que
convertia a cena num dos momentos favoritos de Mary, que desfrutava indescritivelmente
as altercações verbais de ambos.
A única que permanecia em silêncio era a Condessa, que os observava carrancuda
enquanto comia.
—Eu não entendo como num país como o nosso, onde a terra nos oferece
generosamente tantos alimentos, as pessoas morrem de fome — comentou Mary comovida
depois da descrição que seu irmão fizera de uma fábrica em Londres.
—Isso não tem nada que ver com a quantidade de riqueza, Mary, mas com a
distribuição que se faz dela— exclamou Sara sem pensar.
—O que queres dizer? — perguntou Mary enquanto levava um bocado à boca.
—Nada — sussurrou intimidada ao converter-se novamente no centro das atenções da
mesa —. Não me dê atenção.
O Conde posou lentamente seu talher e apoiou os cotovelos na mesa. Seu olhar era de
máxima atenção enquanto entrelaçava as mãos abaixo do seu queixo.
—Por favor, senhorita Brown, não nos deixe com esta indefinição — replicou Robert
com ironia —. A todos nós agradaria conhecer a solução para o maior problema que diz
respeito ao país.
Sara notou como o olhar atento de três pares de olhos azuis se concentravam nela.
—Eu não disse que tenho a solução para todos os problemas da Inglaterra. Mas
segundo meu parecer...
"Como não?", pensou Robert. "Lá vem outra das famosas opiniões da nossa querida
senhorita sabe-tudo."
—... se os comerciantes estão preocupados porque os mercados coloniais se reduziram
—continuou Sara —, possivelmente deveriam olhar mais para dentro que para fora. Pode
ser que tenhamos perdido colônias, porém após finalizar a guerra com a Europa, o
comércio com o continente será reativado. Fazem anos que abolimos a escravidão e, no
entanto, Inglaterra morre de fome porque nas cidades faltam produtos necessários para
viver. Na minha opinião, se os donos das fábricas subissem os salários, os operários
empregariam parte desse dinheiro para adquirir bens com os quais viveriam mais
dignamente e, portanto, a riqueza reverteria novamente para os fabricantes e
comerciantes. Como lhes dizia, não creio que falte riqueza, apenas que está mal
distribuída.
Mary a olhava fascinada com a boca aberta e sem pestanejar. E a carranca da Condessa
foi ficando ainda mais feia a medida que o discurso de Sara avançava.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Luton continuava a observando imperturbável da sua posição de cabeça da família.
Havia provocado à senhorita Brown esperando alguma exposição ingênua sobre ricos e
pobres. Porém depois de escutá-la atentamente, e por mais que desejasse refutá-la — e o
desejava com todas suas forças —, não podia se não estar em total acordo com aquela
irritante mulher. Um ligeiro desconcerto emocional provocado por um explosão repentina
de admiração por ela, o fez remexer-se incômodo na cadeira.
Sara voltou a atenção recatadamente para seu prato. Estava com um vestido verde
escuro com um decote que deixava descoberta a delicada linha da sua garganta e que
descia numa fileira de pequenos botõezinhos negros até a sua cintura. Havia recolhido a
longa cabeleira num simples coque na nuca do qual já haviam se soltado um par de
rebeldes cachos.
Robert observou detalhadamente seu rosto à luz das velas: o perfil de sua mandíbula
desembocava num obstinado queixo que revelava uma grande força de caráter. Seus
lábios eram grossos e bem delineados e seus grandes olhos negros apresentavam uma
linha ligeiramente rasgada nas têmporas. Tinha o nariz arrebitado e as maçãs do rosto
altas e bem marcadas. Não, não poderia dizer que era um rosto de belas proporções para
uma dama, porém sem dúvida possuía um poderoso atrativo oculto que não lhe permitia
ser indiferente.
—Sara — recriminou a Condessa —, me parece de muito mal gosto que uma dama fale
de política e menos ainda se há um cavalheiro presente. Com essa atitude jamais
encontrará marido, querida.
Constrita, Sara baixou a cabeça.
—Desculpe-me, senhora.
Porém Helen Luton pareceu não ficar conformada.
—Acaso não queres casar-te? — continuou, visivelmente irritada —. Será que teus pais
não te falaram sobre as normas sociais e de decoro?
Os dois irmãos olharam para sua mãe surpreendidos por aquele comentário pouco
afortunado pois haviam se lembrado que, segundo a carta da mãe de Sara, a jovem não
havia superado a perda do pai.
Robert foi o primeiro a reagir:
—Mãe, não me parece...
—Oh, creia-me, meus pais tentaram ensinar-me todas as regras de boa conduta —
interrompeu Sara com tom jovial —. Sobre tudo minha mãe, que fez esforços titânicos para
que eu aprendesse tudo o que uma dama deve saber. Uma vez me obrigou a caminhar
durante todo o dia com um livro na cabeça para que mantivesse a postura ereta.
—Durante todo o dia? — perguntou Mary com um enorme sorriso desenhado no rosto.
—Bom, somente até me deixar sozinha — pontuou Sara devolvendo-lhe o sorriso —.
Logo me sentei a ler.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Assim jamais encontrarás um marido — sentenciou a Condessa visivelmente
desgostosa.
Sara aclarou a garganta e tentou que seu tom fosse o mais respeitoso possível.
—Se me permite, senhora, faz tempo que excedi a idade ótima para o casamento.
Ademais, e não é minha intenção contrariá-la, não creio que o matrimônio seja um fim; eu
o vejo mais como um meio para conseguir a felicidade. Por isso eu gostaria de casar-me
com alguém que não pretendesse modificar-me. Me agradaria encontrar um homem com
o qual possa falar de tudo, que me compreendesse e compartilhasse minha forma de ver a
vida.
A sala ficou tão silenciosa que somente se escutava o tic-tac do relógio que havia sobre a
cornija da lareira.
Para Robert não lhe pareciam exigências demasiadas. Depois de tudo, o que a senhorita
Brown desejava era o que ele sempre havia buscado numa companheira. Por isso, e apesar
de todos os sermões de sua mãe sobre a necesidade de um herdeiro, ainda seguia
buscando. Não era nada fácil encontrar uma jovem com quem compartilhar, posto que
todas as damas de sua classe eram educadas para consentir. "Extraordinária", pensou
Robert enquanto observaba Sara com suma atenção.
As suspeitas da Condessa haviam sido confirmadas: Sara era igual a seu primo: uma
sonhadora e uma insolente. Com aquelas ideias, e sem o menor pudor em expô-las, estava
segura de que era uma influência horrível para sua inocente Mary.
—Que o matrimônio não é um fim, bela bobagem! — exclamou indignada, dando por
concluída a conversação.
Mary olhou para sua amiga com um grande sorriso de admiração, e lhe deu uma
palmadinha na perna por baixo da mesa em sinal de ânimo.
Lord Luton guardou silêncio enquanto a olhava fixamente a partir do lado da enorme
mesa de mogno.
Outro dos costumes em Sweet Brier Path que mais reconfortava Sara eram as noites em
família depois de jantar. A Condessa costumava revisar sua correspondência e retirar-se
cedo. Enquanto Mary bordava preciosas paisagens com a agulha, Sara lia algum de seus
livros ou respondia às cartas que sua mãe e Rose lhe escreviam pondo-lhe em dia da vida
em Ravenville. Enquanto, o Conde folheava algum diário sentado em sua grande poltrona
de couro ao lado da lareira, cujo crepitar irradiava um jogo de luzes e sombras que
dançava por seu semblante e que lhe outorgavam o aspecto de um anjo obscuro que as
vigiava impassível desde o seu distante trono de fogo.
Sara não podia deixar de constatar as grandes diferenças que existiam entre os dois
irmãos Luton; distinções que iam muito além do mero aspecto físico. Enquanto Mary era
pura doçura e naturalidade, Lord Luton era um homem indiferente, crítico e algo recluso.
"Seguramente sua educação foi muito distinta da de sua irmã", pensava Sara quando o
observava em certas ocasiões. As diferenças de caráter entre ambos quem sabe se deviam a
que seu severo pai havia sido muito mais duro na formação e instrução de seu herdeiro.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Aquela mesma noite, depois da Condessa se retirar, Mary se dispôs a costurar com
Smokie enrolado no seu regaço, enquanto Sara lia um panfleto sobre locomotivas que havia
encontrado numa mesinha da sala.
—Bem, senhorita Brown?
A profunda voz do Conde quebrou o silêncio, o que sobressaltou Sara, surpreendida
por ele se dirigir a ela.
—Bem o que, Milord?
Sara devolveu o folheto ao seu lugar e o olhou com atenção.
—De onde você tirou essas ideias tão inovadoras com as quais nos deleitou durante o
jantar?
Animada ante o fato de que seu tom carecia da censura habitual e mostrava um
interesse que parecia genuíno, Sara respondeu com um sorriso satisfeito.
—Dos meus livros eu costumo encontrar muitas questões que me fazem refletir.
Quando meu pai caiu enfermo, me habituei a ler os jornais, e quase todos os dias
descreviam os motins nas cidades e suas possíveis causas. — Sara fez uma pausa,
enquanto os dois irmãos a olhavam com atenção —. Tomava um pouquinho daqui, outro
pouquinho dalí, até que formava minhas próprias ideias sobre qualquer situação.
Luton a contemplou em silencio durante alguns instantes. Após levantar-se, pegou o
jornal que estava lendo e o depositou no colo de Sara.
—Mary, queres ir para a cama? — perguntou.
Sua irmã negou com a cabeça.
—Bem, avisas aos servos para que te subam. Não te deite tarde — disse enquanto
abandonava a sala —. Boa noite.
—Boa noite — murmuraram as duas.
Sara pegou o jornal e olhou questionando a sua amiga, que lhe respondeu negando com
a cabeça e com um sorriso brilhando no olhar.
Ao voltar a cabeça na direção pela qual o Conde havia saído, Sara compreendeu: aquele
gesto havia sido um discreto elogio. Uma cálida emoção invadiu seu interior e se agarrou
ao seu estômago. Abriu o periódico e leu, enquanto um sorriso crescia lentamente nos seus
lábios.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0077

AQUELA ENSOLARADA MANHÃ DE ABRIL, MARY E ELA SAÍRAM CEDO A


"disparar a bala de canhão", que era o nome com que Mary havia batizado ao seu
entretenimento matutino.
Mary ficava um bom tempo observando Sara, desejosa de conhecer a opinião que sua
prima tinha sobre Robert.
—Meu irmão é um homem de poucas palavras, não te parece?
—E como —concordou Sara divertida—. Mas, com certeza, possuiu um amplo
repertório de grunhidos, dos quais costumo ser objeto.
Mary riu com vontade.
—É um homem de feitos — argumentou —. Não costuma entregar sua amizade e seu
respeito facilmente. Porém, uma vez que os concede, o faz por completo e para sempre.
—Bom, espero ganhá-los então durante este tempo — respondeu Sara cuidadosa ao
perceber o grande amor de Mary por seu irmão .
Mary ficou observando-a com a bola na mão.
—Já o fizeste — respondeu enigmática antes de lançar-lhe a bola.
Surpreendida por aquele comentário, Sara não conseguiu pegar a bola que resvalou de
suas mãos e se foi rolando trilha abaixo; até que se perdeu de vista.
—Irei buscá-la — disse Sara, enquanto recolhia as saias e saía correndo na direção da
bola.
Mary ficou contemplando-a. A adorava. Graças a ela estava desfrutando dos momentos
mais felizes de sua vida. Tê-la ali lhe permitia iniciar cada dia com uma renovada
motivação e esse fato, nas suas circunstâncias, era de vital importância. Além disso, intuía
que entre Robert e Sara havia começado a surgir algo do qual unicamente ela parecia dar-
se conta. E, se Sara se casasse com seu irmão, se converteria automaticamente em sua irmã
e jamais iria embora de Sweet Brier Path.
Aquela era uma ideia tão imensamente tentadora, que apenas não conseguia pensar em
algo além que fazê-los descobrir o quão perfeitos eram um para o outro. Fazer com que
Sara se apaixonasse por ele não deveria ser tão difícil, o complicado seria que Robert não
estragasse as coisas com aquele temperamento tão terrível que às vezes tinha. Mary
contava com que a compreensão de Sara lhe permitisse atravessar as barreiras de
severidade e dureza com as quais seu irmão mascarava sua timidez.
Sabia em primeira mão que Robert não era um celibatário; na verdade, em algumas
ocasiões havia escutado mexericos sobre uma ou outra discreta amante de Lord Luton.
Porém, no que se referia a amor, Mary estava segura de que Robert nunca havia se
apaixonado; intuía que seu irmão jamais se casaría se não fosse por amor, porque,
provavelmente, o desventurado matrimônio de seus pais havia ferido o espírito de seu
irmão tanto quanto ao seu.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Absorta em suas reflexões, Mary levantou a cabeça para receber agradecida a calidez do
sol no rosto. Foi então que uma forte brisa soprou arrancando-lhe o chapéu de palha
adornado com margaridas que estava usando. Mary levou as mãos rapidamente até a
cabeça mas não conseguiu pegá-lo. Impotente, viu como seu chapéu favorito terminava
preso numa roseira próxima.
Procurou sua prima com o olhar, porém Sara havia desaparecido em busca da bola.
Suspirando com aborrecimento, Mary empurrou sua cadeira de rodas através do jardim
até a base do arbusto aonde havia enganchado seu chapéu. Apoiando-se com uma mão na
cadeira e fazendo um esforço para esticar a outra para chegar até ele, conseguiu se elevar
um pouco até alcançá-lo. Porém a má sorte fez com que a manga do seu vestido se
prendesse nos espinhos da roseira. Forcejou tentando soltar-se, mas seu esforço somente
conseguiu que seu corpete e saia terminassem enganchados também. Não podia soltar a
cadeira para tentar desprender-se com a outra mão porque terminaria com todo seu corpo
sobre os pontiagudos espinhos.
—Sara! — gritou nervosa, já antecipando a dor dos aranhões na sua pele.

Diego Lezcano havia viajado de Londres durante dois dias e havia chegado pouco antes
do amanhecer a Sweet Brier Path. Sua presença ali havia sido requerida pelo Conde, que
necessitava da sua ajuda e conselho num projeto de lei dos mais ambiciosos que pretendia
apresentar no Parlamento. Se tratava de uma proposta para a redução da jornada laboral
para dez horas, uma reforma do código penal pela qual não se castigaria as faltas ao
trabalho justificadas com a prisão, e um programa sanitarista, que serviria para a difusão
de alguns hábitos básicos de higiene pessoal entre os trabalhadores das fábricas. Ambos
acreditavam que este último serviria para erradicar grande parte das enfermidades que
acometiam os operários e que muitas vezes reduziam sua capacidade de forma quase
insustentável.
Na sua chegada à mansão, Robert já estava lhe esperando no gabinete com a cabeça
enterrada numa pilha de livros grossos. Três horas depois, ainda seguiam ali. O Conde
caminhava com ímpeto de um lado para o outro do gabinete, enquanto Diego o observava
tombado numa poltrona, incapaz de seguir seu enérgico discurso.
— Se favorecermos a sua qualidade de vida, Diego, trabalharão mais e melhor. E o que
investirmos agora, reverterá para os nossos bolsos no futuro — proclamou —. Na Câmara
terão que ouvir-me. Muitos também são empresários e, aos outros, não lhes interessam as
revoltas. O fantasma da Revolução Francesa ainda sobrevoa suas cabeças, meu amigo.
—Sabes que estou completamente de acordo —disse Diego com ar abatido —. Mas não
poderíamos conversar enquanto comemos?
Robert levava tempo planejando a elaboração daquele projeto. Fazia anos que visitava
os bairros operários pensando nas reformas arquitetônicas que seriam necessárias para
melhorar a qualidade de vida de seus residentes. Fazia muito que desejava fazer algo
importante para melhorar as condições de habitabilidade dos guetos londrinos, e o

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


pequeno sermão da senhorita Brown havia servido para esporear sua consciência. Aquela
mulher estava certa, eram os mais afortunados, como ele, os únicos que poderiam mudar o
futuro.
Robert observou contrito seu amigo, dando-se conta ao final do seu cansanço. Como
sempre, seu ímpeto apaixonado havia atropelado ao pragmático e cético espanhol.
—Já comi. Me levantei antes do amanhecer — explicou —. Tens razão, perdoe-me. Te
sequestrei aqui sem oferecer-te nada. Por favor, vá para a sala de café-da-manhã e logo
suba para descansar o tempo que precise.
—Muito bem, meu estimado explorador — exclamou Diego num tom de zombaria que
fez sorrir a ambos —, vou comer algo e depois sairei para esticar um pouco as pernas. O ar
da manhã será suficiente para clarear as ideias. Assim que regressar do passeio
continuarei me atualizando.
Diego atravesou a trilha do jardim com as mãos enfiadas nos bolsos da sua casaca.
—Socorro!
Aquele grito de socorro o arrancou bruscamente de seus pensamentos. Franziu os olhos
e virou a cabeça para poder identificar sua procedência.
— Alguém me ajude, por favor!
Efetivamente, vinha do outro lado do jardim. Aquela era uma voz familiar. Não estava
seguro, mas poderia ser...
—Socorro!
Mary. O reconhecimento atravessou a mente de Diego com a velocidade de um açoite
que atiçou todos seus sentidos e o fez sair correndo na direção do grito.
"Oh, Meu Deus!", pensou Mary aturdida, enquanto se agitava violentamente com a
intenção de liberar seu vestido das farpas dos espinhos. De repente, uma enorme mão a
agarrou pela cintura proporcionando-lhe um ponto de apoio no qual descansar seu
extenuado corpo. Um grito de alívio sufocou sua garganta. Se deixou cair completamente
sobre aquela figura salvadora e se deixou envolver pelo calor que emanava dele. Por fim,
seu amado irmão havia acudido ao seu chamado de ajuda.
— Pelo amor de Deus! Posso saber o que está fazendo? — grunhiu uma voz rouca
perto da sua orelha direita.
Porém aquela sonoridade que arrastava as consoantes não era a voz de Robert. Mary se
voltou rapidamente para a obscura figura que a havia abraçado por trás e pestanejou
várias vezes para assegurar-se de que era real. Obviamente que aqueles enormes olhos
negros rodeados por formidáveis cílios não eram do seu irmão.
—Senhor Lezcano — sussurrou, abraçando-se a seu forte pescoço com a mão que tinha
livre —. Não sabia que estava aqui.
—Cheguei esta manhã — disse enquanto a rodeava firmemente pela cintura e começava
a dar pequenos puxões para soltar seu vestido —. Porém creio que isso não é o mais
importante neste momento, não lhe parece? Posso saber o que estava fazendo?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Meu chapéu saiu voando e ficou preso ali — respondeu ela apontando com um
movimento de cabeça —. Só queria recuperá-lo.
Diego sustentava o pequeno corpo de Mary com o braço esquerdo, enquanto com a mão
direita tentava soltar seu vestido dos espinhos. O delicado tecido somente não podia
aguentar os puxões e se rasgava por todos os lados. Diego franzia o cenho tentando
concentrar-se na complicada tarefa. Enquanto, o hálito quente de Mary na sua bochecha
esquerda distraía uma e outra vez sua atenção.
—Ai! — exclamou ela ao sentir o arranhão —. Tenha cuidado, sim?
—Estou tentando — sua voz denotava um enorme esforço —. Não sei como lhe ocorreu
escalar por uma roseira porcausa de um estúpido chapéu. Ainda mais na sua situação.
—Na minha situação — repetiu ela, compreendendo com irritação que se referia a sua
enfermidade —.Limite-se você a tirar-me daqui e não me dê sermões.
—Sermões? O que deveria dar-lhe eram umas palmadas.
—Mas como se atreve? — Mary lutou com ele tentando afastá-lo —. Você não tem
direito de... Ai!
Um espinho afiado se enterrou no seu antebraço produzindo-lhe uma aguda dor. Diego
conseguiu liberar por fim seu braço e torço. No entanto, ela não deixava de brigar com ele.
—Se não ficar quieta — disse enquanto evitava um tapa —, voltará a...
Com um último puxão, Diego liberou completamente a saia.
—... fincar-se.
O som do tecido rasgando-se fez com que Mary se acalmasse. Respirando
entrecortadamente comprovou que parte do tafetá de seu vestido havia ficado no arbusto
enquanto a renda de suas anáguas brancas aparecia pelo buraco que havia ficado.
—Olhe o que fez — disse tocando e lamentando a danificada saia.
A visão da roupa de baixo de Mary produziu em Diego uma descarga elétrica que lhe
sacudiu as entranhas. Havia visto centenas de anáguas, corpetes, calcinhas e demais roupa
íntimas femininas; e não somente de mulheres que ofereciam seus corpos nos portos, mas
também das distintas e bem dispostas nobres damas inglesas. Porém um simples
vislumbre da anágua de Lady Luton havia bastado para que lhe fervesse o sangue.
Diego a tomou nos braços. Pesava muito pouco e se adaptava perfeitamente ao seu
abraço. A olhou diretamente nos olhos. Tinha a pele branca e radiante, um pequeno
narizinho arrebitado, uns olhos de um azul tão claro como o mar num resplandecente dia
ensolarado, e uma boca carnuda que se curvava formando duas encantadoras covinhas em
ambos os lados. "Deus meu, é linda", pensou comovido.
Mary estava realmente perturbada. Respirava agitada e emitia pequenos ofegos devido
aos seus esforços para soltar-se.
Diego se descobriu observando detidamente sua boca entreaberta e desejando prová-la
afinal. Lhe soltou as pernas, e seus pés tocaram o solo. Rodeou sua cintura firmemente

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


com as duas mãos para evitar que perdesse o equilíbrio e os dois ficaram envoltos num
íntimo abraço.
Mary tentou tranquilizar-se.
—Senhor Lezcano, desconhecia esta sua faceta de...
Tinha que olhar para cima para ver-lhe o rosto.
—De? —perguntou Diego enquanto estreitava ainda mais o abraço.
Os esforços de Mary para permanecer tranquila eram inúteis. Seus coração batia a toda
velocidade. Nunca na sua vida havia estado tão perto do corpo de um homem que não
fosse o do seu irmão. E sua intuição lhe dizia que os braços de Diego Lezcano eram muito
mais perigosos para ela que os afiados espinhos da roseira. Porém ainda assim, no fundo,
sentiu-se arrebatada pela explosão de fascínio. Como se finalmente encontrasse as portas
de um apaixonante universo ao qual lhe tivessem vetado a entrada durante toda a vida.
Mary pôs as duas mãos no seu forte peito e tentou inutilmente afastá-lo.
—De brutamontes — respondeu por fim.
A boca dele se curvou num cínico sorriso.
—É muito mais que uma faceta, milady. Eu diria que é toda uma forma de vida.
E antes de depositá-la na cadeira com delicadeza, acrescentou sarcasticamente:
—Efetivamente, sou um bruto e um tosco. Muito diferente, asseguro, dos considerados
calheiros aos quais está acostumada. Uma besta ordinária que acaba de livrá-la de
inúmeros arranhões — terminou por lhe falar bruscamente.
O traseiro de Mary pousou no assento. Se moveu para acomodar-se, enquanto Diego
mantinha as mãos apoiadas nos braços da cadeira e seu rosto muito perto do dela. Mary
lhe devolveu com severidade o olhar carrancudo e mal-humorado que ele lhe dirigia.
Ambos respiravam entrecortadamente olhando-se fixamente nos olhos. Era a primera
vez que estava tão perto dele, assim que o observou cuidadosamente perguntando-se por
que nunca havia se dado conta do quão atraente que era: sobre sua larga testa caiam
algumas onduladas mechas negras como o carvão, da mesma cor que seus grandes olhos e
espessos cílios. Tinha um nariz grande com uma pequena protuberância no centro que
conferia ao seu perfil um aspecto ligeramente aquilino. Os lábios eram finos, mas bem
delineados, e sua mandíbula era larga e parecia extremadamente forte. A cicatriz que
cruzava sua sobrancelha esquerda, longe de retirar o atrativo, outorgava a seu rosto uma
indomável elegância que não fazia mais que aumentar o halo de mistério que rodeava
sempre àquele homem.
Embora ainda fosse cedo, uma leve sombra de barba cobria suas bochechas, e Mary teve
que agarrar-se fortemente à cadeira reprimindo o enorme desejo de acariciar-lhe o rosto e
sentir aquela aspereza contra a palma da sua mão.
Um ruído próximo pareceu tirar a ambos do transe.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara apareceu ofegante e com as mãos vazias. Seu olhar vagou do senhor Lezcano para
Mary, para logo posar no seu maltratado vestido. Permaneceu petrificada por um instante
contemplando a ambos.
— Mas o que aconteceu? — balbuciou.
Diego se recuperou imediatamente e fez uma breve reverência.
—Sua prima lhe explicara tudo, senhorita Brown — disse enquanto lançava um último
olhar para Mary antes de sair. Preocupada, Sara não tirava os olhos da sua amiga.
—Mary?
—Meu chapéu escapou com o vento e enganchou nessa roseira — explicou cansada,
como se levasse toda a manhã contando a mesma história —. Somente tentava recuperá-lo.
Sara viu a roupa no alto do arbusto e compreendeu imediatamente por que o vestido de
Mary estava em farrapos. "Oh, Mary", pensou morta de culpa por ter ido e não estar lá
quando necessitava. Olhou para sua amiga, tomada por um forte instinto protetor.
—Tens que te trocar e devemos tratar esses arranhões — afirmou diligentemente ao
comprovar que dos antebraços de Mary brotavam pequenas gotas de sangue —. Irei
buscar algum criado para que nos ajude a te subir para teu quarto.
Mary a observou caminhar depressa até a casa, enquanto esfregava os doloridos braços.
Desgostosa consigo mesma, voltou a cabeça na direção pela qual seu salvador havia saído.
—Obrigada — sussurrou, sentindo ainda a força e calor do corpo dele.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0088

DEVERIA TER ME ESPERADO, MARY. SARA UTILIZAVA UM PANO EMPAPADO


em água e vinagre para limpar-lhe as feridas.
—Uf! — exclamou Mary quando o tecido roçou seu braço.
—Dói?
—Não, mas arde.
Tirou o maltratado vestido e Sara a ajudou a colocar uma bata antes de deitar-se na
cama. Os arranhões eram muito pequenos e apenas sangravam. O que havia ficado
completamente destroçado era o vestido, que descansava feito um trapo numa das
poltronas do seu quarto.
—E a bola?
—Não consegui encontrá-la — respondeu Sara com um ligeiro amuado de chateação —.
Porém faremos outra. Não te preocupes agora com isso.
Mary olhava para Sara em silêncio enquanto esta tratava pouco a pouco seus arranhões.
Recordava a noite em que conheceu Diego Lezcano. Aquela madrugada em que
chegou na mansão Luton em frente a Grosvenor Square em Londres, carregando o seu
irmão gravemente ferido.
Uma criada a acordou e a ajudou a levantar-se. Quando chegou até as escadas, o
primeiro que viu foi um homem que sustentava o corpo ensanguentado de Robert. O
braço de seu irmão passava ao redor do pescoço do homem, que o segurava pelo
antebraço e pela cintura. Os pés de Robert se arrastavam frouxos pelo chão. Devia ser
muito forte para caregá-lo daquela forma.
—Mas o que aconteceu ao meu irmão? —conseguiu perguntar Mary num susurro.
O extranho a olhou fixamente durante quase um minuto e depois respondeu.
—Foi atacado por ladrões, Milady.
Falava com sotaque estrangeiro, porém se expressava com correção e amabilidade.
Tinha marcados traços masculinos e algumas cicatrizes no rosto que lhe davam aspecto de
pirata. Mesmo que não trajasse roupas luxuosas, seu sobretudo negro e o traje da mesma
cor denotavam certa distinção. Talvez fosse um cavalheiro.
—E a quem devemos o favor de devolvê-lo a sua casa?
Robert, que recuperava por momentos a consciência, respondeu por ele.
—É Diego Lezcano e me salvou a vida.
E a partir daquele momento, Mary firmou com ele um pacto silencioso de
agradecimento que duraria para sempre. Desde aquele dia, e por ordem expressa de seu
irmão, Diego Lezcano começou a frequentar sua casa. Primeiro visitou ao Conde até que
houvesse se recuperado e, meses depois, começaram sua linha comercial que tanto êxito e
riqueza havia trazido a ambos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Porém Mary sabia que sua relação ia muito além dos interesses comerciais que
poderiam compartilhar. Desde a noite do ataque havia surgido um profundo sentimento
de lealdade e amizade entre eles. Era como se dois espíritos semelhantes se houvessem
reencontrado após uma longa viagem afastados.
Mary voltou ao presente afetada ainda pelo crítico momento que havia vivido. Se
surpreendia rememorando uma e outra vez a fortaleza do corpo do senhor Lezcano, seus
traços bem esculpidos e a calidez de seu hálito na bochecha. Porém, apesar do
formigamento que lhe corria pelas veias, não podia deixar de pensar nas palavras que ele
lhe havia dito antes de ir-se. A havia salvado de cair nos espinhos e ela nem sequer lhe
havia agradecido.
Exalou um suspiro triste.
—Nem sequer lhe agradeci.
—A quem? — perguntou Sara depositando o pano na bacia e olhando com suavidade
para sua amiga.
—Ao senhor Lezcano. Ele me salvou de cair sobre a roseira e eu...
Mary cobriu os olhos com o antebraço enquanto algumas lágrimas lhe escaparam pelas
pálpebras e rolavam por sua bochecha.
Sara se sentou na cama e lhe tomou a mão.
—Mary, querida, eu te machuquei? — perguntou amavelmente.
—Não, tu não entendes. — O choro agora corria livremente —. Ele me salvou, a mim e
salvou ao meu irmão aquela noite e eu... eu o insultei.
Sara, preocupada, não parava de lhe dar tapinhas tranquilizadores na mão.
—Por que não me contas o que aconteceu e assim veremos como solucionar?
Mary lhe contou entre soluços seu encontro com o senhor Lezcano no jardim.
—O chamei de brutamontes, Sara — exclamou martirizada —. Brutamontes. Sara a
olhava confusa.
—Mas Mary, a próxima vez que o ver poderás desculpar-te e...
—Não! — interrompeu —.Talvez se houvesse lhe chamado de outra coisa. Mas o
menosprezei por ser de uma classe social diferente. E ele me salvou a mim e a Robert. Sou
tão esnobe como todas essas garotas tontas a quem tanto me cansei de criticar.
Mary parecia completamente abatida pelo remorso. Sara estava segura de que uma boa
parte daquele desgosto se devia a delicada situação que acabara de vivenciar. Assim que
rapidamente buscou algum argumento com o qual pudesse ajudá-la.
—Mas não me disseste que estavas completamente enganchada e que estiveste a ponto
de cair sobre os espinhos?
Mary assentiu compungida.
—Bom — continuou Sara —, nesse caso, o senhor Lezcano poderá comprender que teus
nervos estavam muito afetados e que não pensavas no que dizias.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary a observava agora com mais atenção.
—A próxima vez que o veja, deves deixar-lhe claro que te arrependes de tuas palavras e
que lhe estás muito agradecida pelo que fez por ti.
Mary já havia deixado de chorar e a olhava em silêncio considerando suas palavras.
—Tens razão — assentiu finalmente, entusiasmada com seu raciocínio —. Assim que
me recuperar irei procurá-lo e me desculparei.
—Que seja então — disse Sara levantando-se lentamente da cama para deixá-la
descansar —. Depois de repousar verás tudo de uma perspectiva diferente.
Mas Mary a reteve apertando sua mão. A olhou profundamente tentando não voltar a
chorar.
—Obrigada — murmurou emocionada —. Te amo. Tu sabes, certo?
Sara assentiu com a cabeça e se inclinou para dar-lhe um beijo na testa.
—Eu também te amo. Agora durma.
Aconteceu com a velocidade de um raio. A porta do quarto de Mary se abriu com um
golpe sobressaltando a ambas com o estrondo da madeira ao chocar-se contra a parede.
Uma rajada de ar frio entou no quarto precedendo uma grande figura mal-humorada. A
enorme silhueta de Luton pareceu invadir todo o espaço e consumir o ar existente. Seu
olhar de aço voou velozmente por todo o ambiente detendo-se brevemente em Sara até
que pousou na pequena figura de sua irmã deitada. Seu semblante pareceu suavizar-se
levemente.
Mary reagiu em seguida e, levantando a cabeça da almofada, lhe lançou um sorriso
tranquilizador.
— Olá, Robert, como estás?
Ele a observou jogada sobre a cama. Seus olhos chorosos e as pequenas feridas
ensangüentadas de seus braços estiveram a ponto de pulverizar-lhe o coração.
—Alguém quer me dizer o que aconteceu aqui? — sibilou contendo a raiva enquanto
levava ambas as mãos à cintura em atitude de espera.
Robert fulminou Sara com o olhar.
—Tive que me inteirar pelos cochichos dos criados de que minha irmã estava ferida.
"De modo que não foi o senhor Lezcano que lhe foi contar o ocorrido", pensou Mary
ainda mais agradecida àquele homem formidável.
—Robert, vem — disse enquanto lhe fazia um aceno com a mão —. Se te sentares aqui,
poderei te contar com calma tudo o que se sucedeu.
Reticente, Robert se aproximou da cama e se sentou com cuidado ao lado de sua irmã.
—Estás bem? — perguntou com tom dolorido enquanto lhe pegava o braço e
examinava os arranhões.
Mary lhe contou tranquilamente quão estúpida havia sido ao tentar recuperar ela
mesma o chapéu, para logo seguir minimizando àqueles "insignificantes arranhõezinhos

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


de nada", que foi como definiu os seus ferimentos. Tudo isso, tentando não mencionar a
aparição de Diego Lezcano e a pequena desavença que havia tido com ele.
Enquanto isso, Sara pegou a bacia com a água do tratamento e se preparou para
abandonar silenciosamente o quarto para deixá-los falar a sós.
—Aonde pensa que vais? — interrompeu Robert enquanto ainda olhava para Mary.
—Eu ia pa... — Sara olhou para a bacia e depois para os dois irmãos —. Levar isto para
a cozinha. Robert cravou seus olhos nela.
—O que você fazia enquanto minha irmã se destroçava viva?
"Que mania de exagerar tudo", pensou Sara com aborrecimento.
—Havia ido buscar a bola — respondeu suavemente tentando não colocar os olhos em
branco.
Mary lançou um olhar suplicante para Sara com o qual lhe exortava que se calasse.
—Eu mandei à prima Sara buscar a bola que perdemos — interviu Mary —. O chapéu
saiu voando depois, e decidi não esperará-la. Assim que é tudo culpa minha. Sara,
querida, podes trazer-me uma xícara de chá?
Robert, dando-se conta da tática de sua irmã, voltou sua atenção novamente para Sara.
—Leve isso à cozinha e informe a alguma criada para que suba o chá — disse lacônico
—. A você quero vê-la na biblioteca em cinco minutos.
Mary puxou levemente a mão de seu irmão para obter novamente sua atenção.
—Robert, por favor — rogou enquanto as lágrimas voltavam a inundar seus olhos azuis
—. Te disse a verdade. Sara não teve nada que ver com o acontecido. Foi tudo culpa
minha.
Robert se remexeu intranquilo.
—E eu acredito — disse em tom tranquilizador.
—Então, por que queres falar com ela?
Ele a olhou meio de lado como sempre que se dispunha a repreendê-la.
—Mary...
— Não, está bem! — interrompeu — Não faz mal que não me digas. Mas, Robert,
prometa-me uma coisa.
Mary o olhava suplicante.
—Sim? — perguntou ele com desconfiança.
—Prometa-me que Sara não irá embora. Por favor, Robert. Se Sara se for, eu morrerei
muito em breve.
— Mary! — exclamou Sara irritada, ainda carregando o recipiente com água.
Os dois irmãos se viraram surpreendidos para ela. Pareciam ter esquecido sua presença
no quarto.
A voz de Sara era de profunda irritação.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Se continuar falando assim, te prometo... não, te juro que serei eu mesma a única a
sair, de acordo?
Mary assentiu em silêncio e olhou para Sara visivelmente arrependida.
O Conde não pode passar por alto a reação de ambas. Sabia que sua irmã há algum
tempo precisava de uma boa reprimenda por utilizar sua saúde para manipular a todos
para fazer sempre sua vontade. E ele, apesar de ter fama de frio e calculista nos negócios,
era incapaz de resistir às táticas de Mary. Seu coração parecia transformar-se em algodão
quando ela chorava ou se compadecia. "Talvez a influência da senhorita Brown não seja
tão má, depois de tudo", pensou detidamente.
—Senhorita Brown, vá, e espere-me na biblioteca — disse com serenidade voltando-se
para ela.
Sara assentiu e saiu cuidadosamente do quarto.
Robert voltou a atenção para sua irmã, que os observava em silêncio, e lhe tomou a mão
novamente entre as suas.
—Que gênio tem nossa senhorita Brown — exclamou divertido para subtrair seriedade
do momento.
Mary o olhou com um sorriso espreitando nos lábios.
—Sim, é estupenda, não te parece? — Seu semblante se tornou grave novamente—.
Prometa-me que não se irá.
Robert levantou a palma direita para enfatizar seu juramento.
—Te prometo.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 0099

SARA CAMINHAVA DE UM LADO PARA O OUTRO DA ENORME BIBLIOTECA.


As estantes ocupavam toda a parede e estavam repletas de livros. O teto estava
ricamente decorado com uma série de relevos e desenhos das nove musas representando
algumas cenas da mitologia grega. A luz penetrava fluindo através das enormes janelas
permitindo distinguir as pequenas partículas de pó que flutuavam nos raios de sol. Sara
caminhava inquieta e o grande tapete Aubusson amortecia o som dos saltos das suas
botas. Se detinha de quando em quando para ler algum dos títulos que havia ali
enumerados. Havia milhares de livros e muitos eram autênticas obras de colecionadores.
Passou a mão pelos encadernados exemplares enquanto pensava entristecida que não iria
ter tempo para ler nenhum deles.
Seu pai haveria desfrutado muitíssimo de um lugar como aquele. Durante toda sua
vida acumulou uma enorme quantidade de livros que os acompanharam quando se
mudaram para Ravenville aonde, apesar da oposição de sua mãe, haviam encontrado uma
grande sala toda para eles. Seu lugar favorito da casa: o estúdio.
Sara tinha uma porção de recordações de seu pai e quase todas estavam relacionadas
com os livros. O conhecimento, a razão, a ciência e sobre tudo, a profunda fé no ser
humano e nas suas faculdades, eram as características mais singulares daquele homem
pequeno que olhava o mundo com amplitude e esperança através de seus velhos óculos de
grossas lentes.
Com somente três anos, Sara subia no seu colo e aprendia a ler enquanto ele passava as
folhas de algum de seus enormes e envelhecidos tratados de Historia do Mundo. Nunca
deixou de responder a nenhuma das perguntas que lhe apresentava sua filha. Não
importava a delicadeza da pergunta, Sara sempre obtinha uma resposta. Quando sua mãe
os ouvia falar, costumava armar um pequeno escândalo: tomava Sara tapando-lhe os
ouvidos com as mãos e a trancava no seu quarto até que jurasse ter esquecido tudo o que
seu pai dizia. Logo repreendia ao seu marido e nao lhe falava durante uma semana, até
que cedia novamente a suas contínuas carícias e demonstrações de afeto. "Lydia, querida",
explicava ele, "devemos preparar a nossa filha para o mundo; não escondê-la dele".
Sara sorriu ao recordar o bonito casal que faziam seus pais: tão diferentes e no entanto,
tão complementares. Existiria alguém assim para ela? Tinha vinte e seis anos e não possuía
dote, assim que há tempos que havia se resignado a não casar-se jamais. No entanto, as
vezes a assaltava aquela estranha nostalgia; um profundo sentimento de perda por
renunciar a um companheiro com quem compartilhar seus sonhos e esperanças. Alguém
que a abraçasse e a deixasse chorar no seu ombro enquanto lhe assegurava que tudo
ficaria bem.
Sara afastou aqueles pensamentos da sua mente para voltar ao presente e concentrar-se
na sua delicada situação. "A você quero vê-la na biblioteca em cinco minutos.", refletiu,
rememorando uma e outra vez as palavras do Conde. "Bonito eufemismo, pensou com

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


ironia, quando só quer me expulsar daqui enquanto grita que eu sou culpada de todas as
desgraças do mundo".
A grossa porta de madeira se abriu e Robert entrou na biblioteca. Quando se deparou
com a figura de Sara no meio da grande sala, pareceu surpreender-se, como se não a
houvesse intimado ali. Estava em mangas de camisa e com a gravata de linho um pouco
frouxa. Seu cabelo estava desordenado; parecia que havia passado as mãos por ele várias
vezes depois de abandonar o quarto de sua irmã. Permaneceu de pé ao lado da porta
enquanto seu olhar azul percorria Sara de cima a baixo.
Robert clareou a garganta e se aproximou dela vacilante. O certo era que quando lhe
havia pedido que lhe esperasse na biblioteca tinha a intenção de dar-lhe um bom sermão e
enviá-la novamente para seu condenado povoado. Porém, depois de observar a atitude de
Sara com sua irmã, não estava tão seguro de que a influência daquella mulher fosse de
todo negativa para Mary.
—Bem, senhorita Brown? — disse enquanto passava a seu lado dirigindo-se à janela.
Sara ficou imóvel como um passarinho hipnotizado por uma serpente a ponto de
devorá-lo. Se movia como um felino faminto na sua jaula, e Sara temia que ela fosse servir
de almoço aquela manhã.
—Bem, o que, Milord? — exclamou Sara ficando ainda mais nervosa.
Ele pareceu descontente com a pergunta.
—Como o que? — Bufou de mal humor enquanto virava para o janelão — O que
aconteceu esta manhã?
"Então vamos. Que comece o sacrifício! ", pensou Sara com sarcasmo.
—Sua irmã lhe contou tudo. Não sei mais que ela, já que não estava ali.
A Sara não passou despercebido que Mary não havia mencionado o senhor Lezcano na
explicação que havia dado ao seu irmão. Assim que procurou não trair sua amiga.
—Essa é precisamente a questão. Por que não estava ali?
—A bola nos escapou e fui procurá-la.
— Mary não pode ser deixada sozinha! — exclamou ele com fúria contida enquanto se
voltava e a olhava de frente.
Era suficiente. Iria regressar para Ravenville na próxima carruagem, mas antes diria ao
Conde o que já pensava há anos.
— Mary é uma mulher adulta, senhor! — Explodiu com raiva enquanto agitava um
dedo no ar para enfatizar seu discurso —. Ela sozinha é capaz de se determinar e decidir
sobre seus atos. Ela é a única responsável. Sozinha ela decidiu ir buscar o chapéu e,
afortunadamente, sozinha levou um belo susto. Mas...
Robert se deixou cair abatido numa das cadeiras de couro que havia perto da janela e,
com um gesto infinitamente cansado, apoiou os cotovelos nas pernas e cobriu o rosto com
as mãos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara emudeceu derrepente. Por que não havia começado a gritar com ela e qual era o
motivo para parecer tão abatido? Passaram vários minutos, porém ele não mudou de
posição.
Uma sensação de angustia começou a apoderar-se gradualmente dela. Estaria doente?
Atravessou a sala e foi até o Conde com cautela.
Sara se agachou em frente a ele.
—Milord? — disse, tocando-lhe levemente o braço —. Está bem?
Robert notou o toque da mão de Sara sobre seu antebraço tão suave como uma pluma.
Lentamente afastou as mãos do rosto e se surpreendeu ao vê-la tão perto e com o
semblante ligeiramente perturbado. Ansioso por sentir seu contato novamente, apanhou a
mão de Sara entre as suas e a olhou com desespero.
—Me atormenta que possa acontecer algo ruim com ela — exclamou.
Sara quase perdeu o equilíbrio com a surpresa. Teria caído para trás até o chão, se o
Conde não a pegasse derrepente. Sua mão parecia infinitamente pequena entre as dele.
Tinha as mãos fortes, com os dedos longos e bem formados. Estava tão próxima que podia
sentir seu cheiro de linho amido, sândalo e terra molhada. Uma estranha languidez
pareceu invadi-la. Enquanto, um ligeiro formigamento foi espalhando-se pelo braço e
despertando cada uma das terminações nervosas da sua pele.
—Milord? — murmurou confusa.
—Ultimamente parece não estar satisfeira com nada. Se tornou caprichosa e mimada. —
Seu tom revelava grande frustração e impotência — E quando algo não lhe convém, nos
aflige com suas lágrimas e sua infelicidade.
Um raio de luz pareceu atravessar a espessa névoa na mente de Sara e começou a
comprender o que acontecia. Agora entendia a o que Luton se referia e por que parecia tão
angustiado.
—Sim, Já percebi que Mary tende a auto compadecer-se com frequência.
Robert a observou detidamente, como se a visse pela primeira vez.
—E por que acredita que o faz?
— Para conseguir o que quer — disse com convicção —. E creio que essa atitude é fruto
de um excesso de proteção.
—Ou seja, a culpa é minha — respondeu emburrado.
—Eu não disse isso. — Sara sorrio para dar leveza —. Mas creio que é um erro tratar
Mary como uma garotinha. Todos a temos protegido em excesso por causa de sua
enfermidade, e isso a impediu de aprender a ser responsável por seus atos.
Robert se levantou da cadeira e, sem soltar sua mão, a ajudou a levantar-se enquanto a
olhava com atenção .
—E você propõe que...?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Mary deve aprender com seus erros como todo mundo — disse com suavidade —.
Mas, para isso, deve permitir que os cometa. Meu pai sempre dizia que equivocar-se é um
direito de todo ser humano.
O Conde a observou pensativo.
— Somente queria protegê-la — murmurou angustiado, como se na realidade não
soubesse como fazê-lo.
Aquela confissão quase derreteu de ternura Sara. Sempre havia pensado que Luton era
uma pessoa fria e sem coração. Porém só era um homem que tratava de proteger àqueles
aos que queria e que acreditava, talvez erroneamente, que Mary necessitava ser protegida
do resto do mundo.
Robert baixou o olhar até sua mão e a contemplou com atenção. Era uma mão pequena
e, apesar de suave ao tato, apresentava alguns endurecimentos pelo trabalho e algumas
manchas de tinta antigas que ainda não haviam desaparecido. Sem dar-se conta, começou
a traçar pequenos círculos com o polegar no dorso de seu pulso. Nada lhe havia parecido
tão agradável como o toque daquela sedosa pele.
A intimidade do contato e a suavidade da carícia quase a fizeram gritar. Sara quis
afastar a mão com um puxão, porém ele a capturou dando-lhe um olhar de reprovação.
Alguns cachos negros haviam escapado do seu improvisado coque emoldurando seu
rosto. Suas pestanas eram tão grandes que projetavam pequeninas sombras nas suas
bochechas. E sua boca... Robert esteve a ponto de lamber-se. Era como estar ante o mais
delicioso manjar do mundo.
A pele de Sara se tingiu lentamente com um suave rubor delator. Aquele inocente gesto
o comoveu profundamente ao compreender que seu contato a afetava tanto como a ele.
Robert tirou suavemente de sua mão e a aproximou ainda mais. Um ligeiro aroma de
flores e de sabonete chegou até suas narinas. Desejava tanto tocá-la que lhe formigavam os
dedos.
Para Sara se fazia difícil respirar. Estava tão perto dele que teria que erguer o olhar para
ver-lhe o rosto. Era um homem tão grande e viril que parecia dominar qualquer ambiente
apenas ao entrar. Com seus altos malares, seus brillantes olhos azul cobalto e sua poderosa
mandíbula, irradiava mais forca e poder que qualquer outro homem que houvera
conhecido.
Robert seguiu aproximando-se até que seus corpos se chocaram.
Sara teve que agarrar-se com a mão livre ao seu seu antebraço para não perder o
equilíbrio. Ele soltou suas mãos e lhe rodeou a cintura prendendo-a entre seus fortes
braços. Suas pernas se tocaram num contato íntimo. A cintura de Sara estava
completamente arqueada e colada a dele, e seus seios esmagavam-se contra seu forte torso
com cada respiração. Sara notou seu hálito quente nas pálpebras.
—Diga-me uma coisa, senhorita Brown, já a beijaram alguma vez?
Uma fria sensação de pânico a assaltou. Iria beijá-la. Eufórica, Sara introduziu seus
braços entre os dois corpos e se remexeu bruscamente.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Solte-me agora mesmo!
—Primeiro, responda a minha pergunta.— Sua voz era suave, tentadora, e não
mostrava o menor sinal de esforço.
Sara compreendeu que não podia fazer nada contra sua força. Quanto mais se agitava,
mais perto estava dele ficava e maior intimidade adquiria o abraço. Assim que levantou o
olhar e o olhou diretamente nos olhos.
—Já me beijaram mais de um milhão de vezes — disse lançando ligeramente o queixo com
orgulho—. Sou eu quem escolho os homens que beijo, e você, Milord, não está na minha
lista.
Um estranho brilho atravessou as profundezas daqueles olhos azuis. Subiu a mão até a
parte posterior da cabeça de Sara e a puxou para ele. Sua boca buscou a dela até que se
uniram numa carícia inesperada e deliciosa. Seus lábios, quentes e úmidos, se moviam
sobre os dela suavemente, tentando-a e instando-a a que abrisse a boca e o deixasse
penetrar na sua sedosa intimidade.
Sara fechou os olhos, sufocada. Paralisada pelo eletrizante formigamento que percorreu
todo seu corpo, apertou os lábios com força numa última e angustiada tentativa de manter
o controle. As altas estantes, os livros, as poltronas... a biblioteca inteira pareceu
desintegrar-se ao seu redor. Algo no seu interior despertou, algo que havia permanecido
adormecido durante muito tempo. Todo seu ser foi sacudido por um urgente desejo, tão
intenso e infernal que não pode resistir. Ficou na ponta dos pés e deslizou as mãos ao
longo do seu forte torso. Era muito alto, mas ao inclinar-se sobre ela permitiu-lhe rodear o
pescoço com os braços. Sara abriu timidamente os lábios e emitiu um rouco gemido
quando sentiu a cálida invasão da sua língua. Notou então o violento estremecimento que
percorreu o corpo do Conde e como continha o fôlego.
Robert aumentou a pressão de seu abraço ainda mais. Suas mãos tremiam ao conter o
desejo de arrancar-lhe o vestido ali mesmo. Queria estar mais perto dela, envolvê-la por
completo, saboreá-la e tomá-la de mil maneiras distintas. Afogando um gemido contra sua
boca, aumentou a profundidade do beijo. Desejava mais, mais... Os dedos de Sara se
enredavam e brincavam com seu cabelo poduzindo-lhe pequenas descargas elétricas com
cada carícia. Se não se detivesse de imediato iria ficar louco.
Os robustos braços de Luton percorriam frenéticos suas costas e a aprisionavam com
ardor contra seu rígido corpo. A cabeça de Sara dava voltas e o pulso martelava
violentamente contra as têmporas. As pernas tremiam e não ficaria em pé se não fosse por
que permanecia enganchada no seu musculoso pescoço. Sara nunca havia imaginado um
beijo parecido. Obviamente, aquele não era nada comparável aos tímidos e inexpressivos
beijinhos que havia compartilhado nos fundos da livraria com o senhor... o senhor... como
se chamava? Burton! Seu apreciado e bom amigo Henry Burton.
A distância, uns ligeiros toques na porta pareceram expulsá-los com violência do feitiço
no qual ambos haviam caído. Incapaz ainda de afastar-se dela, o Conde se colocou de
costas para a porta e ocultou Sara atrás dele.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Os dois respiravam agitados e com dificuldade.
—Quem é? — perguntou ele com irritação. A tímida voz de um lacaio chegou vinda da
outra ponta da sala.
—Milord, nos disse que lhe avisássemos quando o senhor Lezcano regressasse do
passeio. Ele lhe espera no gabinete, senhor.
Robert suspirou resignado.
—Obrigada. Irei em seguida.
O suave clique da porta ao fechar devolveu Sara a realidade e se remexeu furiosa entre
seus braços.
—Estás louco? — sibilou —. Se dá conta do que pensaria se tivesse me visto? Como isso
aconteceu?
Robert baixou a cabeça e lhe fechou a boca com um ligeiro, porém contundente beijo.
—Nunca lhe permitiria aproximar-se — murmurou conciliador.
Exausta e tonta devido a todas as sensações que ainda a acometiam, Sara o empurrou
com força. Porém seu corpo, duro como uma rocha, não se moveu nem um milímetro.
—Solte-me de uma vez!
—Esta bem, a soltarei — disse sorridente —. Mas antes, reconheça que não foram
tantas.
—Tantas o que?
Uma sonora gargalhada escapou da garganta de Robert enquanto a estreitava ainda
mais.
—Acredito que, valendo-me da sua resposta às minhas carícias — seu tom era eficiente,
como o de um cientista explicando sua tese —, não a beijaram mais que... uma, duas
vezes?
Sara abriu os olhos e a boca perturbada, como se lhe houvessem jogado água gelada.
Então todas aquelas desvastadoras carícias não teriam outro propósito que evidenciar sua
falta de experiência. Havia ido ali esperando gritos e que a expulsasse da sua casa, porém
nunca teria imaginado que pretendesse humilhá-la de uma forma tão horrivelmente
dolorosa. Lutou com todas suas forças, agitando os braços e esperneando até que o Conde
a soltou.
Sara cambaleou para trás, mas a poderosa ira que sentia lhe devolveu logo o equilíbrio.
E levantando seu braço direito, lhe deu uma sonora bofetada.
A bochecha de Luton se avermelhou no mesmo instante. Surpreendido, levou a mão ao
rosto.
—Não volte a tocar-me nunca mais. Meus beijos são assunto meu e dos cavalheiros a
quem decido concedê-los e a você, estúpido, arrogante, presunçoso, não os concedi. — Sua
voz era grave e sentia seu interior arder de raiva — Não os concederei jamais!

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Ainda tremendo, Sara recolheu as saias e abandonou rapidamente a biblioteca dando
uma sonora batida com a porta ao sair.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1100

NESSE MEIO TEMPO, MARY DORMIA PLACIDAMENTE EMBAIXO DA CÁLIDA


COLCHA DA SUA cama. Enquanto tomou o chá e seu irmão saiu do quarto, sua intenção
era chamar alguma criada para que a ajudasse a ir até sua saleta particular. Ali poderia
escutar o que Robert dizia a sua prima apenas encostando a orelha na parede, já que o
duto da lareira francesa da biblioteca subia pela parede de suas salas privadas. Não teria
outra forma de inteirar-se do que se passava naquela casa.

Sempre a afastavam de tudo o que acontecia, de qualquer decisão. Assim que


somente para manter-se informada daquilo que a afetava, aprendeu a "colocar a orelha"; e,
para isso, as lareiras do primeiro piso da mansão sempre haviam sido suas aliadas: a da
biblioteca subia por sua saleta privada, enquanto que a do gabinete de Robert subia pelo
seu quarto. Com seu sistema de escuta controlava a biblioteca e o gabinete de seu irmão:
as dependências da casa nas quais se tratavam os temas mais importantes.
Porém naquela manhã de fortes emoções, não lhe restava nem sequer um pouquinho de
energia para puxar a corda que havia sobre a cabeceira da cama e chamar a sua donzela.
Estava esgotada, cada músculo de seu corpo resistia em obedecê-la. Lentamente, suas
pálpebras foram se afrouxando e fechando até que ficou imersa num reconfortante torpor.
Sua penúltima reflexão antes de cair completamente no sono foi que podia estar
tranquila da permanência de sua prima ali. Robert lhe havia prometido não expulsar Sara,
e sabia que seu irmão era um homem de palavra e jamais quebraria uma promessa. Não
obstante, e contra toda sua vontade, dois penetrantes olhos negros se esgueiraram no seu
último pensamento antes de abandonar a consciência.
Mary sonhou que alguém chamava levemente na sua porta e, depois de alguns
momentos de espera, uma sinuosa sombra deslizava no interior de seu dormitório. Seus
passos eram ligeiros como o ar e apenas deixavam um rastro no macio tapete do chão. Se
movia sigilosamente e depositava algo perto dela. Porém depois não saiu, permaneceu de
pé a seu lado observando-a enquanto velava seus sonhos.
Mary abriu os olhos sobressaltada. Respirava pesadamente e algumas pequenas
gotinhas de suor escorriam pela testa. Sentou-se rápidamente cravando os dedos no
colchão. Mas não viu ninguém. Ali não havia nenhuma sombra. Graças a Deus, tudo
havia sido um pesadelo.
Voltou a deitar-se decidida a chamar a criada para tomar um banho. Porém quando
virou a cabeça algo chamou sua atenção: seu chapéu favorito jazia sobre a mesinha.
Acreditou que ainda seguia sonhando e decidiu comprová-lo. Assim que estendeu o braço
e pegou a peça. Não, era real, tão real como a chuva que naquele momento escorria pelo
vidro. O estudou de perto e comprovou que lhe faltava uma das margaridas de tecido que
tinha aplicadas, e que seguramente havia ficado enganchada nos espinhos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


"Mas, quem?", pensou. Poderia ter sido Sara, mas ela também era muito baixinha para
alcançá-lo, ou algum criado; ou Robert, que saiu à procura da roseira na qual havia se
prendido, lhe devolveu, e depois foi falar com sua prima. "Não, pouco provável". Ou
talvez fosse...
Um calafrio lhe percorreu o corpo ao recordar seu pesadelo. Paralisada, seu nome lhe
saiu num susurro: "o senhor Lezcano".
A ideia de que Diego Lezcano entrara no seu quarto para contemplá-la enquanto
dormia a alterava de forma desproporcional. Obviamente que não era ético que um
cavalheiro que não fosse da família entrasse no dormitório de uma dama, mas sua
preocupação ia além da boas maneiras e do decoro. O fato de que regressara ao roseiral
para recolher seu chapéu favorito para devolvê-lo, depois de tê-lo insultado, a enchia de
uma estranha calidez e despertava no seu corpo emoções que uma mulher como ela não
devia nem sequer pensar. De repente, uma profunda pena de si mesma invadiu sua alma e
a deixou praticamente sem fôlego. Observou suas inertes pernas cobertas pela colcha e
chorou, chorou desconsoladamente abraçada a seu pobre chapéu sem margarida.

A Robert lhe fervia o sangue enquanto percorria a grandes passadas o largo corredor
até seu gabinete. E não era devido às duras palavras da senhorita Brown, nem a bofetada,
que bem havia merecido; sua irritação monumental era consigo mesmo. Havia ido a
biblioteca com a intenção de dar-lhe um pequeno sermão sobre a segurança de Mary, e
havia terminado... Robert se deteve em seco atormentado por sua atitude com a jovem.
Havia comportado-se como um louco. A beijou e acariciou como um cretino no cio. E se
não fossem interrompidos, Deus sabia aonde haveriam chegado. Aquele pensamento o fez
rosnar furioso enquanto passava a mão pelo cabelo.
Ela o provocara, isso era certo. Nunca lhe disse que iria beijá-la; somente lhe perguntou
quantas vezes o haviam feito e, no entanto, ela o desafiou para que não se aproximasse.
Porém, ainda assim, devia reconhecer que morria de vontade de beijá-la. Já fazia muito
tempo desejando-o, sonhando-o.
A garota o havia fascinado profundamente desde o dia em que a conheceu. Mas fazia
três anos que sua ânsia havia crescido mais a cada dia; e agora que compartilhava sua casa
não deixava de pensar nela nem sequer por um instante.
Aquele comportamento escandaloso não era próprio de seu caráter justo. Se queria
fazer honra a seu sentido de decoro e de justiça, não lhe restava outra alternativa: teria que
desculpar-se com ela e prometer-lhe que não voltaria a acontecer. Bom, talvez não
prometer, porém assegurar-lhe que faria o que estivesse a seu alcance para manter suas
mãos afastadas dela. "Absurdo", pensou Robert indignado enquanto entrava no gabinete.
"Isto é completamente absurdo".
—Sirva-me outro, poderias?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Lezcano servia uma taça atrás do móvel das bebidas. Tinha o aspecto cansado e
contemplou carrancudo a entrada de seu amigo.
—Como não — disse com um meio sorriso sarcástico —, tu pareces necessitá-lo tanto ou
mais que eu. O que te aconteceu?
Robert atravessou a sala e, esfregando os olhos, se deixou cair pesadamente na grande
poltrona do escritório.
—Minha irmã — respondeu, omitindo o resto das preocupações —, caiu sobre uma
roseira.
A carranca de Lezcano se aprofundou.
—Sim, já soube.
Robert o olhou com ar cansado.
—E como o sabes?, posso saber.
Diego lhe estendeu sua taça e se sentou em frente a ele.
—Porque eu a ajudei a soltar-se — explicou antes de dar um bom gole no seu brandy.
O forte líquido lhe queimou a garganta e o ajudou a mitigar os pensamentos
indecorosos sobre certa senhorita, uns espinhos, um chapéu e umas anáguas; e a mesma
senhorita docemente adormecida, com o doloroso aspecto de uma princesa de contos
completamente inalcançável para ele.
—Ah, sim? — perguntou Robert entrecerrando os olhos com desconfiança.
Lezcano assentiu. Engoliu saliva tentando que Luton não percebesse sua perturbação.
—A encontrei quando saí para passear, vi que estava em apuros — continuou
rapidamente — e a ajudei a desenganchar o vestido.
Robert o olhava em silêncio.
—E se pode saber por que não vieste contar-me imediatamente? Por uma vez gostaria
de ser o primeiro a inteirar-me das coisas que se passam com minha irmã — exclamou
dando a palavra "minha" uma entonação pouco sutil.
—Segui com meu passeio — mentiu —. Depois de tudo, tua irmã já estava a salvo.
Não poderia dizer-lhe que havia voltado ao roseiral para recolher o chapéu, e que logo
havia ido ao dormitório dela para devolvê-lo; e, como dormia, havia entrado furtivamente
e havia observado a sua irmã dormir enquanto lhe assaltavam desejos indomáveis de
deitar-se com ela, abraçá-la e despertá-la com suaves carícias. "Diego, disse a si mesmo, tu
segue assim e Luton te quebrará a cara; e com toda a razão do mundo."
Robert tratava de achar alguma explicação para o fato de que Mary decidira ocultar-lhe
que havia sido Lezcano que a havia ajudado. Tomou um gole e olhou para seu sócio por
cima da taça.
—Suponho então que devo te agradecer.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—De nada — disse diminuindo a importância com um gesto da mão —. Mas devo
admitir que tinhas razão com respeito a senhorita Brown: é uma descuidada. Veja a deixou
sozinha.
Robert se mexeu incômodo.
—Não, Diego, a culpa foi de Mary — murmurou atormentado —. Devemos deixar de
culpar a outros por seus erros ou a converteremos numa malcriada insuportável.
Diego o olhou surpreendido por sua mudança de atitude com respeito a Sara Brown.
Ainda que devia reconhecer que seu amigo tinha razão no que dizia respeito ao caráter de
sua irmã. Ainda recordava o quão desagradável que havia sido com ele quando somente
quis ajudá-la. Sim, Lady Luton já não era a doce senhorita que havia conhecido anos atrás.
Se havia convertido numa mimada, ingrata com uma língua muito afiada.
Diego meteu a mão no bolsinho de sua casaca e brincou com a pequena flor de tecido
que havia arrancado do chapéu de palha. Absorto nas suas reflexões, considerou
detidamente qual seria a melhor forma de ensinar à condessinha um pouco de educação e
disciplina.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1111

EM SWEET BRIER PATH SE DAVA TODA UMA CELEBRAÇÃO DE VIDA ANTES


DA chegada do verão: brotavam as flores das árvores, nuas no inverno, que ressuscitavam
durante aqueles meses primaveris; os animais se agitavam na busca de par e preparavam
os ninhos para as futuras famílias; o clima se tornava instável e, depois de um bom
temporal que apenas durava alguns minutos, o sol saía outra vez com força entre as
nuvens fazendo reluzir os campos de arco íris quando seus raios se infiltravam através das
gotas de chuva apanhadas em meio a verde erva.
A Sara encantava aquele lugar. Pôs uma mão no vidro, melancólica, e continuou
observando a bonita vista através da janela. Havia chegado a adorar as pequenas rotinas
da mansão, suas conversas com Mary e suas longas caminhadas pelos maravillosos
arredores da grande propriedade. Porém uma estranha preocupação a envolvia desde
aquele dia na biblioteca. A recordação do beijo de Luton se infiltrava nos pensamentos
constantemente e, o que era pior, havia começado a apoderar-se também de seus sonhos.
Costumava despertar empapada de suor e ofegante, sacudida por violentas e
desconhecidas sensações agrupadas no interior de seu ventre.
Sua grande ira estava mais relacionada com sua própria reação que com a do Conde;
afinal de contas era um homem e, ainda que parecesse tímido e distante, queria o mesmo
que todos: dominar e conquistar. Porém sua resposta... Sara mordeu o lábio inferior. Havia
se lançado em seus braços como se estivesse se afogando e ele lhe oferecesse um pouco de
ar. Praticamente o havia devorado devolvendo-lhe todas as carícias com sua mesma
paixão e ardor. Gemeu de mortificação ao recordar.
—Estás bem?
A voz de Mary a arrancou de seus pensamentos. Soltou o fino encaixe branco da cortina
do quarto de sua amiga e voltou-se para ela.
Mary a olhou com preocupação.
—O que aconteceu? Já faz alguns dias estás distante — seu tom era suave —. Pareces
triste. Sentes falta da tua casa?
Sara lhe sorriu e negou com a cabeça. Não podia dizer-lhe quais eram os pensamentos
que a atormentavam.
—Não, deve ser a primavera.
Sua amiga lhe lançou um olhar malicioso.
—Que ao sangue altera.
Sara não pode evitar ruborizar ante o comentário de Mary. Sim, isso que devia ser: a
primavera. Porque desde então que seu sangue estava mais alvoroçado ultimamente.
—Vamos outra vez? — perguntou Mary.
Sara assentiu sorridente e a tomou pela cintura para ajudá-la a levantar-se enquanto se
segurava nas barras paralelas com as mãos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Desde o acidente no jardim, Mary havia se esforçado muito mais com seus exercícios.
Depois de perder a bola fortificante, ambas haviam começado a encerrar-se durante toda a
manhã no seu quarto para praticar com as barras. Mary se agarrava com as mãos então aos
extremos de madeira e tentava, sem muito êxito, levantar-se por si mesma. Sara a tomava
então pela cintura para ajudá-la e, uma vez de pé, Mary se sujeitava com força as barras
tentando que suas pernas a obedecessem e dessem seu primeiro passo. Sara se agachava
aos pés de sua amiga e lhe tomava os tornozelos colocando-lhes um à frente do outro até
que percorriam toda a distância dos barrotes.
Sara finalizava as sessões de exercício despenteada e com o vestido amassado. Mas os
titânicos esforços de Mary, a faziam transpirar até que as gotinhas de suor lhe caíam pelo
rosto e lhe empapavam a roupa. Quando terminavam, seu bonito cabelo loiro ficava
encharcado na cabeça, e permanecia ofegante de cansaço durante vários minutos depois
de cada sessão.
Sara, preocupada, tentou convencê-la em várias ocasiões para que baixassem o ritmo
dos exercícios. Porém sua petição foi sempre descartada por sua amiga e sua energia
renovada, após seu acidente no jardim. Sara supunha que aquele susto havia alarmado
Mary e a havia levado a tentar ganhar maior mobilidade com todas suas forças.
Desde seu encontro na biblioteca, Sara havia visto o conde somente um par de vezes.
Aquela mesma semana, ele e o senhor Lezcano haviam trabalhado num projeto que os
havia mantido ocupados durante a maior parte do tempo. Unicamente em duas ocasiões
Luton e seu sócio haviam vindo jantar na sala-de-jantar com o resto da família. Durante
aqueles jantares, Mary se comportou de maneira nada habitual nela: calada e distante. O
que converteu ambas as noites em silenciosos encontros em que os cinco comensais se
observavam com o único acompanhamento sonoro do tic-tac do relógio e dos talheres ao
chocar-se com os pratos. A Condessa sentava-se em frente a Mary e olhava com
desconfiança como a garota não levantava os olhos do prato. O lugar que ocupava Sara na
mesa estava em frente ao senhor Lezcano que a observava com desinteresse enquanto
lançava desconfiadas olhadinhas para Mary pelo canto do olho e Luton, na cabeceira da
mesa, contemplava carrancudo a todos; carranca que se tornava aprofundava quando seus
olhos posavam em Sara.
Uma manhã chegou um correio de Londres para o Conde com a notícia de que um
acidente numa das fábricas de sua companhia havia custado a vida de dois homens. Este
fato obrigou a Luton e a seu sócio viajar até a cidade para iniciar uma investigação e
conhecer em primeira mão as causas do evento.
Haviam passado já várias semanas desde a partida dos dois homens e os hábitos em
Sweet Brier Path não haviam sofrido grandes variações. Desde antes do amanhecer as
duas garotas se envolviam nas suas atividades até o meio-dia, que era quando davam por
finalizada a sessão de exercícios e Mary tomava um banho antes do almoço. Depois de
comer, Mary se retirava esgotada para descansar durante algumas horas. Sara agradecia
esses momentos a sós nos quais se dedicava a percorrer a enorme propriedade e a
descobrir seus encantadores rincões. Quase sempre levava algum livro para seu passeio e,

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


quando encontrava algum lugar propício, se abandonava durante horas às aventuras e
desventuras dos protagonistas de suas leituras. Assim, um buraco no tronco na sombra de
alguma velha árvore ou prado de capim aquecido pelo sol ao lado do rio, se converteram
nos melhores refúgios para ela.
Aquela manhã, Mary e Sara haviam trabalhado até mais tarde. Antes de que Mary se
retirasse para banhar-se, lhe disse que estava muito cansada e que preferia não almoçar
com ela em sua saleta como faziam diariamente.
Sara a olhou preocupada.
—Mas, Mary, tens que comer. Senão, não resistirás ao ritmo que levas.
—Mandarei que me preparem alguns sanduíches e os comerei na cama — respondeu
sorridente —. Creio que vou dormir durante dois dias.
—Te despertarei antes das cinco, como sempre.
Mary lhe dirigiu um olhar de falsa repreensão.
—Ouça, tirana, sabes que logo será o meu aniversário? — perguntou divertida
enquanto empurrava sua cadeira até o quarto de banho—. Se seguires sendo tão déspota,
não penso em te convidar.
—Falta mais de um mês para isso — respondeu Sara rindo —. Ainda posso redimir-me.
Além disso, se virá Margaret Hindley, não deveria comparecer. Por causa do incêndio, já
sabes...
Mary parou e virou-se para sua prima.
—Nem sequer ouse pensá-lo — disse ameaçadora .
Se aproximou novamente de Sara e baixou a voz em tom confidente.
—Agora é Lady Chelsea, se casou com um velho Visconde sem herdeiros. Creio que
nossa querida Margaret esperava que seu marido morresse logo e a deixasse como única
beneficiária de sua pequena fortuna. Porém o Visconde dura mais do que o esperado; já
tem dois filhos e esperam para logo o terceiro.
Um sorriso perverso se desenhou nos lábios de Mary.
—Justiça divina? — concluiu encolhendo os ombros.
Sara a contemplou com a boca aberta e os olhos como pratos.
—Mary! — a reprendeu — És uma bruxa.
Mary não pode evitar uma gragalhada ao ver a cara de Sara.
—Pois se queres evitar que te rogue uma maldição — murmurou apontando com o
dedo —, não ouse voltar a dizer que não comparecerá à celebração do meu aniversário. E,
além disso...
A observou de cima abaixo.
—Que? — exclamou Sara incomodada com o escrutínio.
—Quero que me deixes presentear-te com um vestido para a festa.
—Por que?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Se não contamos um vestido marrom e outro cinza, francamente horríveis, todos teus
demais trajes foram meus, e tu és mais alta. Não te caem bem.
Se qualquer outra pessoa no mundo lhe houvesse falado daquela forma, Sara teria se
chateado enormemente. Porém Mary não pretendia ofendê-la, somente se limitava a
constatar um fato: seu guarda-roupas era um autêntico desastre. Todos os vestidos de
Mary lhe caíam mal, e o pouco dinheiro que havia podido investir em roupa, o havia
gastado em dois práticos vestidos de viagem. Ambos com um tecido decente e bom corte,
porém totalmente insípidos e carentes de adornos. Se lembrou de que havia trazido um
vestido preto que havia pertencido a sua mãe: o modelo era um pouco antiquado, mas
poderia servir para uma festa.
—Trouxe um traje de noite — disse Sara categórica —. É singelo, porém asseguro que
serve. E além disso — concluiu triunfal —, é teu aniversário, se supõe que tu deves ser a
agraciada.
Mary a olhou com um sorriso radiante.
—Pois então me agradaria que me presenteasse o prazer de desenhar-te um vestido e
de que minha costureira te costurasse para usá-lo na minha festa.
—Creio que prefiro fazer-te uma torta, que te parece?
Sua prima negou com a cabeça.
—Bom, pois já me ocurreu algo mais original — Sara a olhou desafiante —. Mas nada
de vestidos.
Mary descartou suas palavras com um gesto da mão. A donzela chegou naquele
momento e se permitiu empurrar por ela até o banho.
Sara sorriu, sabia que voltaria a discutir aquele tema com ela. Não costumava dar-se por
vencida tão facilmente.
Os pensamentos de Sara voltaram aos seus planos para aquela tarde. A ideia de Mary
de almoçar um sanduíche lhe pareceu das mais tentadoras, e a posibilidade de comer
enquanto se deitava a ler em algum rincão à sombra terminou por conquistá-la. Saiu
entusiasmada do quarto de sua amiga em direção ao seu. Primeiro iria a ajeitar um pouco
sua aparência e depois pediria à cozinheira que lhe preparasse o mesmo que para Mary,
por último, sairia a disfrutar daquela bonita tarde de final de maio.

Quando ainda faltavam horas para amanhecer, Robert descia de sua carruagem e subia
cabisbaixo a escadaria de entrada de Sweet Brier Path. Sua viagem a Londres havia
resultado esgotadora. Por desgraça, uma das máquinas de sua fábrica de locomotivas
havia explodido e levara junto dois bons trabalhadores. Ele e Lezcano foram avaliar os
danos na cadeia de produção e fazer uma estimativa dos custos para reparos. Iniciaram
também os trâmites para indenizar às famílias dos dois trabalhadores falecidos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Ainda que em nenhum de seus negócios se contratasse mulheres ou crianças, e suas
condições laborais eram as melhores do Reino Unido, Robert não podia evitar certo grau
de culpabilidade quando alguma fatalidade como aquela acontecia. Lezcano era muito
mais prático que ele. "Responsáveis, sim ; culpados, nunca", costumava dizer seu amigo.
Porque, apesar de desprezar por igual aos empresários que contratavam mulheres e
crianças para explorá-los, Lezcano acreditava que proporcionar trabalho aos homens em
troca da possibilidade de alimentar as suas famílias e ter um teto sob o qual viver,
orgulhava e dignificava seu trabalho e ao de seu sócio a frente do grande grupo comercial
que mantinham.
Abatido, Robert pediu aos serviçais que não anunciassem sua chegada porque pensava
em dormir durante boa parte do dia. Subiu para seu quarto e tomou um longo banho
quente para relaxar os músculos doloridos pela fatigante viagem. Se deitou na sua grande
cama de madeira esculpida desfrutando do toque dos lençóis de linho.
Porém não dormiu enseguida como esperava, apenas permaneceu um longo momento
olhando fixamente o dossel de veludo roxo. A imagen de uma mulher vinha uma e outra
vez a sua mente, mantendo-o desperto durante bastante tempo. Estava contente de
regressar para casa depois de algum tempo fora. Tinha vontade de ver sua mãe e a Mary,
mas sobre tudo, morria para voltar a ver Sara. Gostaria de contar-lhe como havia sido a
viagem, o que havia acontecido e abraçá-la enquanto ela lhe sussurrava palavras de
consolo ao ouvido.
Mas Robert queria mais.
Um beijo não era suficiente. Queria contemplá-la à luz de velas e percorrer cada curva
de sua figura enquanto degustava sua pele com grandes mordidas. Inquieto, se remexeu
de novo sob os lençóis e se colocou de costas.
Aqueles pensamentos sempre haviam estado ali, ainda que durante anos conseguira
mantê-los afastados; sob sua fachada de excessiva formalidade, ou forçando guardar as
distâncias.
Mas desde aquele beijo na biblioteca, somente podia pensar numa coisa: voltar a fazê-lo.
Durante sua viagem a Londres não saiu nenhuma única noite para buscar a companhia
de alguma de suas amigas, nem sequer havia se permitido ser visto pelos salões de jogo
para beber, fumar, ou deixar-se seduzir pelas belas cortesãs. Simplesmente, não pode.
Profundamente frustrado, suspirou cobrindo os olhos com o antebraço. "E ainda tenho
que desculpar-me pelo ocorrido, pensava mortificado; devo pedir-lhe perdão por beijá-la e
não sei quanto tempo mais poderei manter-me longe dela".
Robert abriu as pálpebras e percebeu que devia ter caído no sono, pois um fio brilhante
de luz se infiltrava entre as grossas cortinas da janela e a casa fervia já com atividade
frenética dos criados.
Se levantou e se vestiu impaciente para retomar as suas rotinas.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sua mãe o recebeu em sua saleta privada. Porém apenas o acompanhou durante alguns
minutos pois, como lhe explicou, suas enxaquecas haviam começado novamente e
permanecia na cama boa parte do dia.
Depois foi ver Mary, que também dormia a sesta. Assim que foi para seu gabinete com
a intenção de colocar em dia seu trabalho.
Wallace, o velho e ossudo mordomo, chamou à porta.
— Posso oferecer-lhe algo, Milord?
—Sim, Wallace. Hoje almoçarei aqui.
—Muito bem, senhor.
O mordomo fez uma reverência e se dispôs a sair.
—Wallace?
—Sim, Milord — disse virando-se novamente para ele.
—Como esteve tudo durante minha ausência?
Um ligeiro sorriso se desenhou no rosto bonachão do servo.
—Tudo esteve bem, senhor.
Robert pegou um folheto que havia sobre a mesa e o observou distraidamente.
—E a senhorita Brown? — perguntou e tom indiferente.
—Oh, ela saiu, Milord.
Robert cravou os olhos no criado.
—Como assim saiu? Para onde?
—Creio que foi dar um passeio, senhor.
—Na hora do almoço? — exclamou bruscamente.
O mordomo se remexeu inquieto.
—Bom, ela desceu fazem alguns minutos e pediu à cozinheira que lhe preparasse
alguns petiscos. Creio que sua intenção seja comê-los fora, senhor — concluiu sorridente.
—Muito bem, Wallace. Pode retirar-se.
O mordomo assentiu.
—E... Wallace. Não peça minha comida — disse pensativo —. Não almoçarei aqui.
—Muito bem, senhor.
Quando o mordomo fechou a porta, Robert se voltou para o grande janelão com as
mãos entrelaçadas nas costas. Com o gesto pensativo girou rapidamente seus polegares.
Para aonde teria ido?
Se voltou e partiu do gabinete a grandes passadas com um amplo sorriso desenhado
nos lábios. "Tanto faz. A encontrarei".

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1122

SARA DECIDIU SEGUIR SUA ROTA HABITUAL. PRIMEIRO PERCORREU O


CAMINHO DE TERRA que atravessava a verde campina até o bosque mais próximo à
mansão, logo seguiu o curso do rio entre as árvores até chegar a uma pequena clareira
aonde a corrente fazia um remanso e formava uma pequena lagoa. Ainda que o dia fosse
ensolarado, o calor ainda não era tão excessivo para precisar refugiar-se na sombra.
Sara observou a fina grama repleta de margaridas, tinha um aspecto tão macio e
tentador que decidiu em seguida que aquele seria o lugar ideal para comer um lanche
enquanto lia.
Deixou a bolsa que carregava no ombro no chão. Se sentou a alguns passos da água e
suspirando, se abraçou pelas pernas com ar sonhador. Observou ao céu azul, desfrutando
da suave e fresca brisa que brincava com seus cachos. Havia decidido não prender o
cabelo já que quase sempre resultava mais que inútil. Assim que com a ajuda de duas
pequenas presilhas os retirou do rosto prendendo duas leves mechas no alto da cabeça. O
esplendor do iminente verão eclodia por todas as partes: a terra fértil, o ar cálido, a água
repleta de atividade... Tudo formava um maravilhoso conjunto sob uma mesma razão de
ser: a celebração da vida.
Se deixou cair para trás emocionada, e a envolveu em seguida a calidez e o frescor da
grama. Suspirando, Sara observou como passavam as nuvens arrastadas pela suave brisa,
e fechou os olhos embalada pelo som próximo da água e o trinado alegre dos pássaros nas
árvores.
Robert a localizou em seguida.
Sabia que lhe agradava caminhar pelo bosque. Assim que foi ali aonde se dirigiu em
primeiro lugar.
Sara caminhava devagar e com ar distraído.
Divertido, Robert decidiu ocultar-se e averiguar aonde se dirigia.
Os raios de sol penetravam através das folhas das árvores e resplandeciam sobre a
escura melena que flutuava com liberdade ao longo das costas.
Robert a observava desejoso de tomar parte de sua aparente felicidade e bem-estar.
A seguiu até que chegou a uma clareira do bosque e decidiu fazer uma parada no
caminho. A contemplou sentar-se e observar ao céu para logo deitar na grama. Um ligeiro
espasmo de desejo o percorreu de cima abaixo. Tinha vontade de ir até ela, deitar-se a seu
lado e afundar suavemente sua cabeça na branca curva de seu pescoço e deixar-se
embriagar pelo sabor de sua pele.
Temendo asustá-la e romper aquele feitiço em que parecia ter caído, Robert se
aproximou silenciosamente. Era tão linda, que parecia uma ninfa. Tinha o cabelo
espalhado ao redor do rosto, suas pálpebras estavam fechadas e seu peito subia e descia
lentamente. Sua respiração era constante e rápida. Estaria adormecida?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Uma punhalada de excitação lhe queimou as entranhas.
Uma grande nuvem se interpôs entre ela e o sol. Assustada, sentou-se com rapidez. Não
era nenhuma nuvem que a privava da luz do sol, senão a sombra de Lord Luton que
pairava sobre ela enquanto a olhava de cima.
Sara levou uma mão ao peito.
—Me deste um susto de morte, Milord — exclamou aborrecida pela interrupção —.
Não sabia que havia regressado de Londres.
—Cheguei durante a madrugada — disse, e sua voz soou mais rouca do que o habitual.
Ambos se observaram em silêncio .
—Desculpe-me, não pretendia asustá-la.
—Pois então não deveria ter se aproximado tão silenciosamente. Maldição. Não sabia o
que dizer. Assim que decidiu sentar-se na grama e fazer-lhe um gesto para que ela o
acompanhasse.
Sara o observou com desconfiança. Porém quando comprovou que seus gestos não
denotavam nenhum sinal de ameaça, decidiu aceitar o convite e se acomodou a seu lado
mantendo uma distância prudente.
Sara observou seu perfil. Umas pequenas sombras abaixo dos olhos indicavam um
cansaço que, com grande probabilidade, se devia à longa viagem desde a capital. Trajava
um casaco de montaria azul marinho um pouco desgastado, mas de um corte perfeito que
se ajustava assombrosamente bem aos seus fortes ombros. Uma camisa branca de linho e
uma gravata da mesma cor e material destacavam o bronzeado da pele de seu pescoço.
Havia decidido prescindir do colete, talvez pelo calor que fazia aquela tarde. Suas longas
pernas estavam cobertas por uma calça bege que naquela posição revelava todos os
músculos das extremidades.
O olhar de Sara vagou novamente até seu rosto. A brisa lhe revolvia as mechas
castanhas. Os altos malares e a forte mandíbula revelavam um caráter vigoroso e
contundente. E sua boca... aqueles lábios a haviam beijado e explorado, e haviam
começado a infiltrar-se nos seus sonhos, para torturá-la e incitá-la de mil maneiras
distintas.
Sara molhou os lábios com a língua num ato reflexo.
Robert notou que o estudava. Um solovanco de excitação percorreu sua pele. Virou
velozmente a cabeça para ver seu rosto.
Quando seus olhares se encontraram, ela se ruborizou no mesmo instante e afastou o
olhar rapidamente.
Sara arrancou uma folha de grama e decidiu terminar com aquele incômodo silêncio.
—Lamento muito o que aconteceu na sua fábrica. Mary me contou.
—Obrigada. Porém por desgraça é uma situação bastante frequente.
Sara o observou e a comoveu que realmente lhe afetara o que sucedia a seu
subordinados.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—O que foi que aconteceu? — perguntou com voz suave.
—Um excesso de pressão numa das caldeiras a fez explodir. A explosão matou dois
homens.
—Eram jovens?
Robert a olhou nos olhos. Seu interesse parecia autêntico.
—Leo tinha trinta anos, mulher e dois filhos de dez e quatro. — Fez uma pequena
pausa e suspirou —. Harry tinha dezenove; acabara de casar e sua esposa espera seu
primeiro filho.
Sara levou a mão ao peito afetada.
—É terrível. E o que vai ser agora deles?
—A companhia dispôs de uma pequena renda vitalícia para as viúvas e outra para os
orfãos, que se suspenderá quando alcancem a maioridade ou obtenham seu primeiro
emprego.
—Mas isso é muito bom. Essas famílias jamais ficarão desamparadas. — O genuíno
entusiasmo de Sara o fez sorrir.
—Por isso pensamos nesta medida. A única saída que ficava para essas mulheres e
crianças era se colocar a trabalhar para ser explorados e viver mal o resto de suas vidas.
Nossos operários são leais. Nas nossas fábricas não há revoltas, e as pessoas trabalham
honestamente. Que mensagem daríamos a nossos trabalhadores se abandonássemos a
suas esposas e filhos quando eles já não podem cuidá-los, somente por ter comparecido
responsavelmente ao seu trabalho?
Olhou para Sara, que sorria com um estranho brilho nos olhos.
Mary havia lhe contado que nas fábricas de seu irmão e Lezcano não contratavam
crianças e mulheres. Porém aquela manifestação de lealdade com seus empregados
surpreendeu a Sara muito prazerozamente. Talvez, e somente talvez, sob toda aquela
arrogância aristocrática de Lord inglês, batesse o coração de um homem carinhoso e
amável sensibilizado às penúrias dos menos afortunados que ele.
Voltou à observá-lo, porém desta vez de forma diferente.
—Eu... me sinto muito orgulhosa.
Quando pensou, já havia falado.
Olhou para Luton perturbada. Ele a observava com um sorriso de orelha a orelha que
deixava descoberto uma magnífica fileira de dentes brancos. Seus olhos azuis pareceram
brilhar e umas pequenas ruguinhas se formaram ao redor; e Sara pode constatar, por fim,
que eram realmente preciosos quando sorria.
Se alegrava de tê-lo de volta. Mary a mantinha ocupada durante o dia, mas o certo era
que havia sentido sua falta: seus debates na hora do jantar, os serões familiares, o
formigamento de antecipação que a percorria ante a posibilidade de encontrá-lo em
qualquer parte da mansão. Sim, era um fato: havia sentido saudade, e muita.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


— Obrigado — disse-lhe com um sorriso —. Mas no final das contas a riqueza que
agora investirmos nos será restituida cedo ou tarde. Não é assim?
Que ele fizera dele suas palavras a fez voar de prazer.
—Estou certa de que neste caso a atuação de sua companhia vai muito além do dinheiro
e dos benefícios.
—Não, na realidade não.
O tom brincalhão e sua resposta fez Sara sorrir. Robert pegou uma pequena pedra e a
jogou no rio. Tinha algo a dizer-lhe e não podia retardar mais tempo.
—Eu... sinto muito o que aconteceu antes de partir.
Virou a cabeça e a contemplou completamente envergonhada. Sara baixou o olhar para
a grama e arrancou um punhado.
—Está esquecido — murmurou.
Esquecido? Como assim esquecido? Porque ele não havia esquecido nem por um
segundo. De fato, o recordava muito bem: a suavidade de seus lábios, o calor de sua
língua, cada suspiro, cada maldito gemido havia ficado condenadamente imortalizado na
sua mente.
Robert abriu a boca para dizer algo e logo a fechou. Voltou a abri-la a seguir, mas não
sabia que demônios iria dizer-lhe. Assim que a fechou novamente.
Sara observou sua confusão.
—Quero dizer que... aceito suas desculpas — explicou resoluta e visivelmente
ruborizada —. Afinal de contas, eu também deveria pedir-lhe perdão pela bofetada.
"Ah, então é isso, pensou aliviado; não o esqueceu".
Ele levou a mão até a bochecha instintivamente.
—Bom, eu mereci. Além disso, também gostaria de agradecer-lhe.
Sara o observou interrogativamente.
—Me ajudou com Mary — explicou —, e o que me disse me fez pensar.
Se olharam nos olhos e os dois sorriram.
—Me alegra tê-lo ajudado — declarou Sara solene.
Um som de protesto proveniente de algum de seus estômagos os distraiu.
Sara levou a mão ao estômago e ruborizou-se.
—Oh, não comi desde o café da manhã. Trouxe alguns sanduíches, tens fome?
Ele assentiu com um sorriso. Aquela mulher era encantadora.
Ela abriu a bolsa e lhe passou um sanduíche de presunto.
—Trouxe suficiente? — perguntou Robert afastando o guardanapo de linho em que
estava envolto. Não quero tirar-lhe o almoço.
Ela deu uma dentada no seu sanduíche de queijo e assentiu.
—Trouxe muitos — respondeu com a boca cheia —. Coma.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1133

COMER COM AQUELA MULHER ERA UM AUTÊNTICO MARTÍRIO. ROBERT SE


CONCENTROU no rio, no vento, nos cantos pedregosos, um pássaro... qualquer coisa.
Porque sabia que se a olhasse, se lançaria sobre ela e a devoraria com o mesmo interesse
escandaloso que ela mostrava pelos sanduíches.
Inquieto, tentou afastar aqueles pensamentos de sua mente.
—O que está lendo? — perguntou.
Sara observou o livro que descansava sobre a grama e o tomou entre as mãos.
—É um ensaio do senhor Babbage sobre uma máquina capaz de armazenar
conhecimento, não lhe parece fascinante? Meu pai me disse que a verdadeira autora era a
filha do próprio Lord Byron; ao que parece, uma mulher de grandíssima inteligência e
beleza.
Robert a olhou com um sorriso sarcástico.
—E essa máquina existe, ou é somente fantasia?
—Milord, você não deveria mostrar-se tão cético. Imagine-se o que um mecanismo
assim poderia representar para o mundo industrial.
—A única máquina capaz de armazenar conhecimento é o cérebro humano — disse ele
orgulhoso.
—Pode ser que por enquanto.
—Do que estou completamente seguro é de que, se existe, é sem dúvida obra de uma
mulher.
Sara lhe deu um olhar desconfiado.
—Explique-se.
—Um homem nunca veria a necesidade de algo assim. Tudo está claro nas nossas
cabeças —disses apontando a testa com o indicador —. As mulheres, por outro lado, têm
uma forma de pensar completamente caótica. O que se manifesta no seu caráter
imprevisível e absolutamente carente de lógica.
—É a coisa mais ridícula e machista que jamais ouvi!
Robert contemplou divertido seu cenho franzido e as covinhas que se formavam ao
redos de seus lábios quando se irritava. Tinha que reconhecer que lhe encantava provocá-
la.
Sara se levantou e sacudiu as pequenas migalhas que haviam caído na saia.
Ele se levantou ao mesmo tempo.
—Aonde vai?
—Sinto muito, Milord. Porém creio que minha caótica forma de pensar me deu sede, e
meu imprevisível caráter me levará à fonte em busca de água. — Sara fez uma
reverência—. Se me desculpa.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Se virou, recolheu o livro e a bolsa e se afastou dele caminhando o mais rápido que
pode.
Não havia conseguido dar dois passos, e ele já estava a seu lado.
—Desculpe-me — disse com ar contrito.
Sara lhe deu um olhar irreverente e seguiu andando como se nada.
—Não me siga.
—Tenho sede — resmungou reclamão.
"Homens!", pensou ela com aborrecimento revirando os olhos.
A pequena nascente brotava quase oculta atrás de uma parede de musgo e líquens.
Sara se agachou, formou um recipiente improvisado com as mãos, pegou água e bebeu.
Satisfeita, se ergueu e viu que o olhar de Luton estava na sua boca. Sara comprovou
confusa como seus olhos se tornavam de um azul tão escuro como o das profundezas
marinhas.
Robert a contemplava aturdido. Um fiozinho de líquido havia escapado de seus frescos
lábios caindo pelo queixo. Meu Deus! Será que aquela mulher não sabia o quão tentadora
que podia chegar a ser?
—Não tinha sede? — exclamou ela impaciente.
Seu olhar vagou novamente até aqueles lábios úmidos. "Sim, de ti", pensou dissoluto.
Robert se agachou imediatamente e tentou imitar o gesto de Sara com as mãos. Mas
quando chegava à boca, todo o líquido havia escorrido entre seus grandes dedos.
Completamente frustrado depois de tentá-lo umas vinte vezes, Robert se ergueu e secou as
mãos nas calças.
—Não tens um copo? —perguntou contrariado.
Sara negou com a cabeça enquanto o observava divertida com os braços cruzados
abaixo do peito.
—Pois então, eu não sei fazer isso com as mãos. Escorre tudo — se queixou —. Como
demônios o consegue?
Sara não pode evitar sorrir perante sua expressão derrotada. Parecia um menino que
não se saía bem numa tarefa e se zangava ao ver como seus companheiros a resolviam.
—Utilize sua clareza mental masculina — respondeu ela maliciosamente.
Ela estreitou os olhou e lhe deu um olhar de profunda recriminação.
—Rancorosa.
Sara negou com a cabeça, entediada.
—Afaste-se — disse enquanto lhe fazia um gesto impaciente.
Se agachou e tomou água nas suas mãos. Muito lentamente para não derramá-la, se
levantou e extendeu os braços até ele, e lhe ofereceu para que bebesse.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Surpreendido, Robert se inclinou para frente e roçou suavemente sua pele com os
lábios. Seus olhos não se afastaram nem um instante do rosto de Sara, enquanto o fresco
líquido descia por sua garganta.
—Mais? —ela perguntou quando ele terminou.
Ele assentiu com a cabeça olhando-a intensamente.
O roçar dos lábios do Conde nos seus dedos a pôs muito nervosa. Ainda não sabia por
que havia feito aquela estupidez. Bom, sim o sabia: por orgulho. Por culpa de seu
inoportuno e tonto orgulho agora estava passando um dos piores momentos de sua vida.
E ele não parecia nada incomodado com aquela situação; de fato, parecia mais que
satisfeito repetindo até dez vezes.
—Mais? — perguntou Sara com assombro.
Ele meneou a cabeça de um lado para o outro num gesto negativo. Havia permanecido
todo o tempo olhando-a em silêncio.
Sara tentou baixar as mãos para secá-las no vestido, mas ele a impediu e as tomou
rapidamente entre as suas. Deu um passo a frente e posou as mãos molhadas dela sobre
seu peito. Lentamente, foi empurrando as palmas de Sara para sua cintura para que o
linho da camisa absorvesse a umidade.
Sara arregalou os olhos. O coração começou a bater violentamente contra o peito. Podia
sentir na ponta dos dedos o calor que irradiava do torso de Luton através do tecido.
Parecia que todo seu corpo reagia quando ele a tocava.
O linho úmido grudou na pele revelando parte do cabelo castanho que o cobria. Seu
peito firme se elevava em rápidas e profundas respirações, como a de um guerreiro depois
de travar uma longa batalha. Os pequenos mamilos logo responderam ao frescor da água
enrijecendo sob a camisa.
Aquilo era demais. Sara sentiu como se uma corda lhe oprimisse o peito afogando-a de
desejo. O anseio de abraçá-lo e encostar seu rosto contra seu corpo estava tornando-se
insuportável. Tentou afastar as mãos sem êxito, porque ele as reteve novamente.
—O que... o que estás fazendo?
A voz lhe saiu num susurro trêmulo.
Ele não havia deixado de olhar para o seu rosto nem por um segundo.
—É o mínimo que posso fazer — seu tom também parecia afetado —. Você fez algo por
mim, e agora eu quero retribuir a gentileza.
Suas mãos chegaram até a cintura e ele conteve a respiração.
Sobrecarregada pela sensualidade do momento, Sara deu um forte puxão e conseguiu
libertar-se.
—Não me deve nada, senhor! — respondeu enfurecida —. Que não me tenham beijado
mais que duas vezes não lhe dá direito de crer que estou necessitada de atenção e carícias
masculinas. Não as desejo; e, se assim fosse, não teria nenhum problema para conseguí-
las. Boa tarde.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Se virou e saiu dali o mais rápido que pode. .
Robert a observou afastar-se atônito e paralisado de desejo. Aquela mulher iria deixá-lo
louco. Primeiro lhe proporcionava água na mão no que lhe havia parecido um dos gestos
mais sensuais de sua vida, e logo se zangava com ele. Sabia que tudo havia sido fruto de
um mal-entendido, e não teria nenhum inconveniente em esclarecê-lo quando suas pernas
voltassem a obedecer-lhe.
Sara não pretendia que pensasse que aquela era uma fuga, por isso fazia tudo possível
para não correr. Porém apenas a sensação do olhar dele cravado nas suas costas, a fazia
tremer e querer escapar como alma que o diabo carrega.
"Não é à toa que crê que estás necessitada se cada vez que te toca pareces derreter-te
como manteiga ao sol", refletia enquanto repreendia a si mesma.
Duas questões fundamentais assaltavam repetidamente seus frenéticos pensamentos: o
que queria dela?; e, o que era ainda pior, o que ela queria dele? "É teu primo, Sara; teu
distante, frio e sempre displicente primo. Pelo amor de Deus, se tu nem sequer gosta dele".
Ele a alcançou enseguida e se colocou a seu lado.
—Olá novamente — disse animadamente.
Sara lhe lançou um olhar assassino.
—Não queria ofendê-la.
Ela continuou andando como se nada acontecesse.
Chateado por sua indiferença, Robert a pegou pelo braço e a fez parar.
—Por favor, detenha-se.
Sara se virou e o encarou com as bochechas ruborizadas pela caminhada.
—Lord Luton — disse com um falso sorriso —. Acaso você não sabe interpretar um
bom silêncio?
Ele suspirou impaciente.
—Sinto muito.
—Por que você não deixa de tentar ofender-me? Assim não teria que estar desculpando-
se constantemente.
— Tudo foi um mal-entendido.
—Ah, sim? — Sara levou uma mão até a cintura num gesto de impaciência—. E pode
me dizer de que forma posso interpretar corretamente que diga que me acaricia para
fazer-me um favor?
Que pensara que a havia acariciado o enchia de uma estranha alegria e ternura.
—Bom, tecnicamente... — murmurou ele olhando-a com picardia —, era você que
acariciava a mim.
"Oh, que homem mais presunçoso e irritante!"
Sara se virou outra vez e se dispôs a sair dali.
Porém Robert a deteve ao agarrá-la firmemente nos braços.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Eu não queria fazer-lhe o "favor" de acaraciá-la. — Sua voz era profunda e todo sinal
de zombaria havia desaparecido —. O que pretendia era secar-lhe as mãos para que você
não arruinasse o seu...
Robert a olhou de cima abaixo e comprovou que vestia um daqueles seus vestidos
hediondos. Como lhe agradaria vê-la alguma vez vestida com algo que lhe caísse bem,
alguma peça que fizesse realmente justifica a sua espetacular figura!
—Por que sempre veste-se assim?
—Assim, como? — perguntou Sara olhando para abaixo de si averiguando se havia
algo errado no seu vestido.
—Como se a costureira nunca tomasse bem as medidas.
Aquilo era humillante. Profundamente insultada, Sara teve ganas de gritar-lhe na cara
que não tinha tanto dinheiro como ele para gozar de um amplo guarda-roupa; que aquele
vestido nem sequer era seu, mas sim de sua irmã. Queria gritar-lhe a plenos pulmões que
a deixasse em paz se tanto o ofendia seu aspecto, e que saísse com alguma das
emperiquitadas damas de alto estatus que os homens como ele frequentavam.
Mas, apesar de toda sua raiva, Sara se limitou a soltar lentamente os braços e a seguir
andando. Com a cabeça erguida, caminhou o mais tranquila e dignamente que pode.
Ele voltou a colocar-se a seu lado.
—Creio que voltei a ofendê-la, verdade? — perguntou arrependido.
Sara parou e o olhou diretamente.
— O perdoo — foi condescendente —. E, agora, deixe-me em paz! Ela seguiu
caminhando até que ele voltou a alcançá-la.
— Não creio que esteja mal vestida, somente que as vezes...
Sara parou em seco e o fulminou com o olhar colocando as mãos nos quadris.
Ele passou a mão pelo cabelo e a contemplou com ar cansado.
—...as vezes sou um autêntico estúpido.
—Bom, por fim começamos a concordar — disse sarcástica —. E, agora, deixe-me em
paz ou voltarei a esbofeteá-lo.
Robert a contemplou afastar-se contrariado. A vulnerabilidade que atravessou o olhar
de Sara antes de ir-se somente podia significar uma coisa: havia ferido seu orgulho. E o
que era ainda pior, provavelmente lhe havia feito dano. Absolutamente aborrecido
consigo mesmo, Robert sentiu ganas de dar um bom soco em si mesmo.
Impotente, continuou observando-a enquanto a perdia de vista. Um estranho e
ameaçador sentimento de prazer lhe nublou a mente por alguns instantes ao perceber o
poder que exercia sobre ela. Ao mesmo tempo, uma alarmante dúvida começou a
materializar-se em sua consciência: a que se devia aquela angustia pela qual ela se fora
embora brava com ele?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1144

TUDO PARECIA ESTAR JÁ PREPARADO PARA A FESTA DE ANIVERSÁRIO QUE


SE celebraria num par de dias. Sweet Brier Path fora decorado para receber ao mais seleto
da sociedade inglesa.
O grande salão de baile do térreo havia sido arrejedo e esfregado. As grossas cortinas de
veludo, lavadas e perfumadas; os brocados das tapeçarias, limpados em profundidade; os
milhares de cristalitos dos enormes lustres aranhas que pendiam do teto foram polidos um
a um; e o travertino das paredes, colunas e pisos foi polido meticulosamente para a
ocasião.
Igualmente, o trabalho com as panelas e facas na cozinha também havia começado dias
antes da chegada dos primeiros convidados: carnes de todo tipo, pescado, e as mais seletas
frutas e verduras, se incorporaram a já bem sortida despensa da mansão.
Sara observava a entrada da casa pela janela de seu quarto. O corre-corre de baús,
lacaios e donzelas vestidos com diferentes uniformes havia sido constante já faziam alguns
dias. As luxuosas carruagens dos participantes da festa de Mary haviam começado a
chegar fazia semanas.
Os convites para a propiedade de Sweet Brier Path eram dos mais valiosas entre os
membros da alta sociedade. As famílias aristocráticas ansiavam que alguma de suas filhas
apanhasse o Conde de Rohard, e portanto, uma das maiores fortunas da Inglaterra. Os
ricos burgueses, além de verem-se obrigados a manter algum tipo de relação comercial
com o proprietário da maior companhia do país, também ansiavam ser da mesma família
que uma das linhagens da mais antiga nobreza do reino.
Cientistas, advogados, políticos, arquitetos, pintores, e inclusive algum ator
shakesperiano, terminavam de configurar a diversificada lista de participantes do grande
evento de celebração do vigésimo sexto aniversário de Lady Luton, única irmã do Conde.
—Me encantam teus vestidos.
A jovial voz de Mary da porta trouxe Sara devolta a realidade. Se afastou da janela e fez
um sinal para que sua prima entrasse.
—Obrigada por permitir-me presenteá-los — disse com um sorriso orgulhoso.
Mary se aproximou da cama e acariciou com devoção um dos cinco vestidos que jaziam
ali estendidos: dois refinados trajes de passeio compostos por saia e casaco, dois trajes
simples e elegantes para coquetel, e um quinto e escandaloso vestido de festa. Todos eles
com suas respectivas luvas, chapéus, cintos, e demais complementos luxuosíssimos e
absolutamente caros.
A voz de Sara soou com um toque de culpa.
—Não deveria ter te permitido.
—Não comeces com isso outra vez — assinalou Mary com ar ameaçador apontando-a
com o indicador.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Outra pontada de culpa feriu a consciência de Sara. Com somente um daqueles vestidos
poderia pagar o aluguel de sua casa durante quase um ano. Bom, já estava feito, agora não
era o momento para remorsos.
Sara dissse que havia aceitado por Mary e por sua enorme insistência em fazer-lhe
aqueles presentes; ela parecia tão feliz que foi impossível resistir. E a verdade era que as
duas haviam se divertido participando juntas de cada prova que a modista lhes realizava.
"Bla, bla, bla... Disparates! Os aceitaste por orgulho; e deverias estar envergonhada",
gritava outra vez a voz de sua consciência farta de tentar convencê-la. Porque na
realidade, Sara sabia que a opinião que Luton tinha de seu aspecto lhe importava, e a
afetava muito mais do que devia. E essa era a autêntica razão para não ter resistido com
determinação à insistência de Mary em fazer-lhe roupa nova.
O ocorrido na biblioteca e na fonte havia modificado totalmente sua visão do Conde. A
distância que existia entre eles durante anos parecia haver evaporado em apenas alguns
dias. E o mais surpreendente era que, no mais profundo de sua alma, parecia a Sara o mais
natural. Como se algo completamente inevitável estivesse a ponto de acontecer. Ainda que
levasse semanas tentando evitá-lo durante o dia, se descubrira desejando que chegasse o
jantar para vê-lo aparecer. Enquanto entrava na mesma sala, o ar parecia carregar-se de
electricidade a seu redor e um profundo sentimento de desassossego e decepção a
embargava quando ele não podia assistir e participar de seus serões familiares.
Sara rejeitou todos aqueles esmagadores pensamentos e decidiu trocar de tema.
—Queres que pratiquemos um pouco antes de reunir-te com teus convidados para
almoçar?
—Não — respondeu Mary com cansaço —, suas insípidas conversas já me esgotam o
suficiente.
—Mas, Mary, estão aqui por ti. Para homenagear-te.
—Parvoíces! — descartou ela com a mão—. A maioria comparece por negócios; e o
resto, vem para tentar capturar o escorregadio Conde de Rohard.
A ideia de Luton como uma indefesa peça perseguida por uma porção de jovens
casadoiras fez Sara sorrir.
—De todas as formas, vai ser um grande baile — exclamou —; vieram muitas pessoas.
—Há, aí a ironia — brincou Mary—. Não te parece de mal gosto organizar um baile
para homenagear uma paralítica?
Sara a olhou aborrecida.
—Sabes que não me agrada que brinques com esse tema.
Contrita, Mary se aproximou dela e lhe pegou as mãos.
—De acordo, será uma grande festa — concedeu —. Mas somente porque tu estás aqui.
Sara beijou emocionada sua prima na testa.
—Obrigada. Por tudo.
Mary se virou com um sorriso para sair.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Vou descansar um momento antes de que chegue a hora do almoço, que tu farás?
Como sempre ocupavam as manhãs com os exercícios de Mary, Sara não sabia o que
fazer tão cedo na mansão. Voltou-se novamente para a janela e contemplou o sol que
começava a espreitar pelo horizonte.
—Creio que sairei para dar um passeio.
Mary a olhou com ar sonhador.
—Quando puder andar, penso em passear tanto quanto tu. Porém não o farei devagar,
mas sim correndo como uma louca. E sabes que mais penso em fazer?
Sara negou com a cabeça.
Então, um bonito sorriso veio aos lábios de Mary.
—Dançar... dançarei até desmaiar de esgotamento.

Robert se encerrou no seu gabinete desde antes do amanhecer para finalizar todos os
detalhes para a apresentação de seu projeto de lei. Aquela festa era muito importante para
conseguir seu propósito. A aprovação ou não no Parlamento do projeto em que havia
empregado tanto tempo dependia dos apoios que conseguisse atrair durante aqueles dias
nos quais as pessoas mais influentes do país ocupariam sua casa para comer e beber a suas
custas. Robert voltou a olhar seu relógio de bolso; Lezcano já deveria ter chegado fazia
horas. Com o cenho franzido recordou a última conversa mantida com seu amigo nos
escritórios londrinos de Bond Street.
—No aniversário de minha irmã não só assistirão os membros da Câmara Alta e suas
distintas famílias — explicou Robert com ironia —, mas também os grandes industriais,
meu amigo. A cúpula do poder completa. A Rainha não poderá comparecer, uma lástima.
—Não me agradam as festas — grunhiu Lezcano impaciente.
Robert continuou sem fazer-lhe o menor caso.
—Se quisermos que nossa proposta tenha alguma possibilidade, devemos esmerar-nos
ao máximo. Temos que aproveitar o tempo para fazer uma sondagem entre nossos
semelhantes e conhecer qual é a tendência geral.
Diego parecia exasperado.
—Não são meus semelhantes; são os teus — exclamou.
Sem deixar-se impressionar pelo mal-humor de seu amigo, Robert continuou como se
nada ocorresse.
—Nada disso. Não me escutas? Muitos deles não são nobres, são ricos empresários
como tu. Por certo, alguns te devem dinheiro, não? — Robert riu maliciosamente —. Isso
poderia ser útil.
—Luton — disse Diego com ar cansado —, de verdade estavas tão louco quando nos
conhecemos?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Como uma cabra — respondeu sorridente —. Decidi fazer negócios contigo.
—Minha presença na festa não te ajudará. Essa gente não pode nem me ver.
—Tens muito mais dinheiro do que jamais sonhariam. Te respeitam.
—Me toleram — respondeu Diego teimosamente.
—É o mesmo — concluiu Robert com um gesto de impaciência.
Diego não estava disposto a voltar a Sweet Brier Path, e muito menos para assistir à
festa de aniversário de Mary Luton. Ainda recordava o inquietante incidente do roseiral
com ela, ainda mais inquietante a sua reação posterior ao infiltrar-se no seu quarto e
contemplá-la dormir. Não compreendia o que ocorria com a irmã do Conde desde que sua
pequena figura havia aparecido no alto das escadas na noite em que levou Luton do cais.
Mas o que quer que estivesse lhe acontecendo, Diego sabia com certeza que não tinha
nenhuma intenção de averiguar e, para ele, manter-se distante de Mary era de vital
importância.
Diego se levantou da enorme poltrona de couro de seu escritório e atravessou a sala a
grandes passadas.
Robert o observou sair pela porta com ar obstinado.
— Lezcano, irás à festa! E o farás com teu melhor sorriso.
Ouviu que o conde lhe gritava do interior do escritório. Porém Diego não se deteve.
— Vai-te à merda!
Aquele homem mal-humorado apareceu na sua vida numa fria noite de 1843 no porto
de Londres.
As dívidas do antigo Conde de Rohard eram tão elevadas e tantos os credores, que três
anos depois de herdar o título, Robert ainda não terminara de sanar todas as obrigações de
seu defunto pai.
Aquela noite de janeiro havia ficado para pagar um contrabandista que havia ido visitá-
lo dias antes para mostrar-lhe alguns recibos assinados pelo velho Conde. Não queria que
ninguém o reconhecesse, assim que decidiu alugar uma carruagem e prescindir da sua
carruagem e do pessoal de serviço. O nome de Luton já estava bastante envolvido em
assuntos turvos graças ao seu irresponsável pai.
Envolto no seu sobretudo negro e uma grossa capa da mesma cor, Robert caminhava
inquieto de um lado para o outro pelos úmidos paralelepípedos. Pensava em que classe de
mercadorias havia comprado seu pai daquele ser nauseabundo mais parecido com um
rato que com um humano. A simples ideia de pagar por substâncias como ópio, aquele
horror desumanizador, lhe revolvia o estômago e fazia que maldissesse mais ainda toda a
dissoluta vida de seu progenitor. Ainda que duvidasse que um hipocondríaco como ele
houvesse consumido drogas, as grandes farras que organizava eram conhecidas em toda a
capital por seus desmedidos excessos e total depravação.
A névoa se havia feito mais espessa com o passar das horas e já não se distinguia a
outra margem do Tâmisa. A única iluminação era a opaca luz dos faróis e o leve

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


resplendor de algumas velas desde as janelas enferrujadas dos edifícios do porto. Aquela
rua estava repleta de pequenas construções de ladrilhos pensadas em princípio para
armazenar mercadorias, e que haviam sido tomadas pouco a pouco por famílias
indigentes que viviam ali.
Robert observou a lanterna de pedra da esquina e se virou ao ouvir um ruído às suas
costas. Derrepente, uma dor aguda quebrou sua cabeça. A garrafa quebrou com o golpe e
dezenas de cacos de vidro caíram a seus pés. Robert cambaleou. Chocado, levou a mão à
testa e pode sentir a umidade quente de seu sangue gotejando. Se virou lentamente e
distinguiu o homemzinho que o visitara acompanhado de dois enormes bandidos calvos e
com a cabeça cheia de tatuagens.
Um daqueles gigantes pegou Robert por trás. Tentou lutar, mas milhares de estrelinhas
se desenharam nos seus olhos e um ligeiro zumbido começou a crescer nos seus ouvidos.
O credor bateu com o punho no seu estômago.
—Teu pai era um verdadeiro bastardo — sibilou com um hediondo hálito —. Porém, se
pensou que morrendo poderia livrar-se de nós, comigo se equivocou.
Robert teria gostado de dizer-lhe que estava completamente de acordo com aquela
opinião, porém outro soco o fez encolher-se de dor.
Seu coração começou a martelar violentamente contra suas doloridas costelas quando
viu brilhar um objeto nas mãos do outro gigante. “Uma navalha!", pensou frenético.
Tentou se mexer com todas suas forças e chutar seus atacantes, porém outro forte golpe
nas costas o fez cair de joelhos sobre os cacos de vidros que se cravaram nas suas pernas e
nas palmas das suas mãos fazendo-o uivar de dor.
E ali, prostrado de joelhos como um réu na sua execução, mais morto do que vivo e
sentindo o gélido hálito da morte no rosto, pareceu elevar-se de seu próprio corpo
contemplando como um espectador impassível de seu próprio e inevitável fim.
Foi então que uma profunda voz com sotaque estrangeiro chegou do fundo da ruela e
pareceu devolvê-lo novamente à realidade .
—Eh, filhos da puta! Por que não igualamos um pouco a briga?
Uma figura alta e poderosa apareceu por entre as sombras armada com uma grossa
barra de ferro e em menos de um minuto derrubou os três agressores.
Robert não podia mover-se, ainda ajoelhado era incapaz sequer de levantar a cabeça
para ver o rosto de seu salvador.
—Vamos, levanta-te — disse o homem—. Estes dormirão durante algumas horas, mas
não eternamente.
Robert notou o sabor almiscarado de seu sangue na boca. Tentou levantar-se, porém
uma intensa dor pareceu fazer em pedaços seu corpo. Sentiu que uma forte mão o
levantava pegava pela capa e o levantava do chão. O estranho lhe pegou o braço e passou
ao redor do pescoço para levantá-lo. Robert grunhiu de sofrimento ao pôr-se em pé.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Vá, Vá. Mas o que temos aqui? — murmurou o desconhecido sarcasticamente —. Se
não é um cavalheiro. Aonde está sua carruagem, excelência?
Robert agarrou com força as costelas e com a outra mão apontou na direção em que
havia deixado a carruagem de aluguel.
—Muito bem, vamos. E a próxima vez que venha em busca de diversão não o faça por
estas paragens. Não seja avarento e contrate uma rameira de qualidade.
Quando o condutor viu chegar os dois homens, chicoteou os cavalos com violência e
escapou a toda velocidade. Apesar dos gritos e insultos do homem que o havia salvado, o
cocheiro não se deteve, nem sequer olhou para trás. Seguramente não queria problemas.
O desconhecido murmurou algumas blasfemias mais baixo, e logo o segurou
fortemente para que não escorregasse.
—E agora terei que levá-lo para casa. Isto vai lhe custar umas quantas moedas, amigo.
Robert, que já havia se recuperado o suficiente para levantar a cabeça, o olhou
diretamente. Era mais ou menos da mesma idade que a sua e, ainda que um pouco mais
baixo, parecia forte como um touro. Cuspiu o sangue que se acumulava na boca para
poder falar.
—S... sou Robert Luton. E vim para pagar as dívidas do meu pai, não para buscar f...
fulanas —disse com dificuldade e com ar ofendido.
O homem jogou a cabeça para trás numa gargalhada.
—Muito bem senhor Luton. Sinto tê-lo ofendido — disse ainda sorrindo —. Espero que
a dívida tenha sido saldada.
—Como se chama? M... me agradaria saber a quem devo minha vida.
O homem voltou a sorrir, mas desta vez sem ironia. Extendendo-lhe a mão que tinha
livre, observou sua maltratada cara e lhe falou amigavelmente.
—Me chamo Diego Lezcano.
Alguns golpes na porta devolveram Robert ao presente.
—Milord, seus convidados o esperam — anunciou o mordomo após entrar no gabinete.
O dia anterior havia se comprometido com alguns homens em sair para pescar.
—Obrigada, Wallace. Irei em seguida.
O enxuto ancião assentiu, fazendo uma reverência antes de retirar-se.
Robert voltou a olhar o relógio. Sabia que Diego estaria presente; afinal de contas ele
não perderia a oportunidade de reunir-se com certos empresários para fechar alguns
suculentos negócios pendentes.
A Diego não só lhe devia a vida, mas também boa parte de sua fortuna. Além de
possuir um forte senso de honra e de lealdade, seu sócio havia demostrado ao longo dos
anos ser um ás para ganhar dinheiro e uma autêntica raposa para os negócios. Confiava
plenamente nele e sabia que não o deixaria sozinho com aquela árdua tarefa.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Robert sorriu. Conhecia bem o seu amigo, chegaria tarde somente para cutucar o
orgulho.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1155

FRUSTRADA, SARA O TENTOU COM A OUTRA MÃO. ESTAVA DE JOELHOS NO


chão e provavelmente seu vestido já estava sujo do barro que havia ao redor daquele
charco. Menos mal que essa manhã não havia posto nenhum dos novos vestidos. Enfiou o
braço esquerdo até o cotovelo na água estagnada e notou esperançosa como seus dedos
roçavam com suavidade o couro da bola. "Maldita seja!", pensou quando voltou a resvalar.
"Não sei como vou te tirar daí".
Ao sair da casa, os raios de sol ainda não incomodavam, assim que decidiu tomar o
caminho da campina no lugar de ir ao bosque. Quando passou ao lado de um pequeno
charco natural coberto por líquens, uma esfera vermelha no fundo chamou sua atenção.
Era a bola que Mary e ela haviam perdido fazia algum tempo. Compreendeu então por
que nunca a havia encontrado: havia ido rolando até ficar submersa ali.
Depois de várias tentativas frustradas para recuperá-la com a mão, se levantou, olhou
ao seu redor e procurou outra alternativa. Foi até a beira do rio onde havia uma grande
árvore caída, apoiou o pé na madeira e quebrou um de seus longos galhos. Tentaria
arrastá-la com o galho até mais perto da margem para poder apanhá-la mais facilmente.
—Luton, você é proprietário de fábricas e quer que os operários não vão para a cadeia
quando faltem ao trabalho? — exclamou incrédulo Stuart Weybridge, Marquês de Hull.
Robert andava devagar para adaptar suas longas passadas aos passos de seus
companheiros, muito mais velhos e mais baixos que ele. O fazia com as mãos entrelaçadas
nas costas para simular serenidade e indiferença. Os quatro homens trocavam impressões
no caminho para o rio, onde poderiam encontrar as melhores trutas do leste da Inglaterra.
Uns passos atrás deles vários lacaios carregavam os equipamentos de pesca.
Robert olhou para o gordo ancião e tentou que sua voz soasse mais eficiente.
—Não quando é por uma razão justificada como uma doença, senhor. Muitas
epidemias começam assim. E logo, no lugar de perder um trabalhador, perdemos
centenas.
—Você é muito original, filho — disse o Marquês com ar paternalista —, nada a ver
com seu pai. O que sobra neste país são vagabundos e delinquentes.
Ao ouvir a comparação com seu pai, o sangue de Robert começou a ferver. Respirou
fundo durante alguns segundos antes de voltar a falar. "Oh", pensou com sarcasmo. "Claro
que o anterior Conde de Rohard jamais se preocuparia em melhorar qualquer vida que
não fosse a sua".
Um ligeiro movimento mais além do caminho chamou sua atenção. Algo se agitava
atrás dos arbustos. Através da vegetação rasteira pode distinguir uma familiar figura
feminina: Sara Brown, provida de um galho, caminhava com ar resoluto até algum ponto
da campina.
Robert aguçou a vista e deixou de prestar atenção à conversa que naquele momento
mantinham seus acompanhantes. Com a curiosidade aguçada e sem perder de vista a Sara,

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


se desculpou com os três anciões dizendo-lhes que havia esquecido um assunto que
requeria sua presença, e que seu lacaio os acompanharia até o melhor lugar do rio aonde
se reuniria com eles mais tarde.
—Não há necessidade de que nos dê vantagem, Luton — protestou o Marquês de
Hull—. Pescaremos mais que você, igualmente.
Robert assentiu com um sorriso ausente e se afastou deles com uma única questão
ocupando sua mente: o que estaria fazendo ali aquela imprevisível mulher, e aonde iria
com uma vara?
Tentou aproximar-se da margem com o galho, porém era muito pesado; assim que a
bola não se moveu nem um milímetro. Atirando a vara com violência, Sara pensou
aborrecida que a única forma de recuperá-la seria entrando para buscá-la.
Olhou para ambos os lados para assegurar-se de que ninguém poderia vê-la. Se sentou
na grama, tirou os sapatos e as meias. Testou primeiro a água com o dedão do pé e fez um
gesto de sofrimento ao comprovar o quão fria que estava. Ergueu o vestido até a metade
da coxa e lentamente entrou no charco. Pronto se acostumou ao revigorante frescor do
líquido nas suas pernas. Devia mover-se cautelosamente porque o fundo estava coberto de
musgo e escorregadio.
Com cuidado pegou a bola entre as mãos. "Te peguei!", pensou triunfante.
Derrepente, uma voz profunda e familiar soou a suas costas.
—Gostaria de saber o que está fazendo. Mas quase me dá medo de perguntar.
Sara se virou rapidamente. Porém as pernas deram um nó e o pé direito escorregou
sobre o lodo. Perdeu o equilíbrio e caiu de costas no meio do charco.
—Ah! —gritou quando sentiu que a água fria empapava sua pele. Surpreendido, Robert
esticou os braços numa tentativa infrutífera de ajudá-la. Porém era muito tarde; Sara caiu
sentada dentro do charco.
A havia observado enquanto tentava resgatar algo do fundo do charco com o galho.
Divertido, viu como fracassava nos seus intentos e o lançava longe. E, ainda mais louco de
curiosidade, se escondeu atrás de um arbusto quando Sara olhou ao seu redor. Mas
quando contemplou como tirava lentamente as meias e levantava as saias até as coxás,
quase perdeu os sentidos. Tinha nuas as lindas pernas! Robert inspirou lentamente
quando seus olhos foram subindo pelo corpo feminino. Tinha as coxas mais deliciosas e
tentadoras que jamais houvera contemplado; sua pele ali parecia mais cremosa e suave, e a
simples ideia de saboreá-las o fazia ficar com água na boca. O corpo de Robert reagiu com
veemência. Tinha os músculos rígidos como o granito e a mandíbula tão apertada que
poderia ter quebrado o esmalte dos dentes.
Hipnotizado por aquela sensual visão decidiu aproximar-se. Não podia permitir que
alguém a surpreendesse em semelhante situação. E além disso... lhe encantaria vê-la
embaraçada ao ser descoberta. Com um sorriso malicioso desenhado nos lábios saiu de
seu esconderijo com a ideia de torturar um pouco à orgulhosa senhorita Brown.
Robert voltou à realidade quando contemplou Sara levantar-se escorrendo.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Olhe o que fez — exclamou ofegante afastando o cabelo molhado do rosto.
E Robert olhou. Observou encantado como o empapado vestido se pegava a suas
esbeltas e deliciosas formas. E, sem conseguir apenas dissimular o sorriso, procurou que
seu tom soasse o mais severo possível.
—E pode-se saber o que fazia metida aí? — perguntou.
Sara se agachou e agarrou a pesada bola entre as mãos.
—Estava aqui. Desceu rolando e caiu na água, por isso nunca a encontrei — exclamou
triunfante como se houvesse desvendado um grande mistério.
—Ah, é?
Sara jogou a bola que aterrissou pesadamente na margem.
—Se trata da bola de Mary — grunhiu pelo esforço —. É importante.
Robert a contemplou fascinado com os braços cruzados abaixo do peito.
—Deveria sair daí antes que alguém a veja. Ou, pior ainda, antes que pegue uma
pneumonia.
Sara lhe lançou um olhar irônico.
—Creio que já me viram, não? — disse apontando-o com o dedo.
—Sim, porém eu não tenho a intenção de arruinar sua reputação por esta sua tendência
aos acidentes.
—Acidente? —exclamou incrédula—. Eu caí por sua culpa. Penso em costurar um
chocalho como o de Smokie em todos seus trajes para ouví-lo aproximar-se.
Ele a olhou divertido. Sabia que podia terminar a seguir com aquela conversa absurda,
porém desfrutava demasiado de seus duelos verbais.
—Bom, quando eu cheguei já estava aí metida. Particular comportamento para uma
dama! Se chega a vê-la algum convidado... —exclamou com ar penalizado meneando a
cabeça.
Sara apertou os punhos nos lados do corpo, furiosa. Abriu a boca para voltar a fechá-la
depois. Queria dizer umas quantas coisas àquele estúpido, arrogante que não fazia mais
que chateá-la. Mas, derrepente, uma ideia maliciosa cruzou sua mente.
—E você se atreve a dar-me aulas de etiqueta? — murmurou com tom ofendido —. Já
está aí há mais de dez minutos e nem sequer me ajudou. Crê que esse é o comportamento
de um cavalheiro?
Robert lhe extendeu a mão e Sara caminhou com dificuldade até a margem ocultando
um sorriso triunfante. Tomou a mão do Conde e deu um forte puxão nela.
Robert caiu para frente surpreendido. A água não chegou a cobrir-lhe as botas de
pescaria que lhe chegavam até os joelhos. Cambaleou varias vezes para recuperar o
equilíbrio, porém o chão estava tão escorregadio que terminou caindo de costas no
lamacento charco.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara deu um salto até a margem e se voltou sorridente com os braços cruzados abaixo
do peito.
—Milord, que pensarão seus convidados se o verem aí?
Robert tratou de levantar-se rapidamente, enfurecido. Porém com a inércia resvalou
novamente e acabou sentado outra vez no meio do charco.
Sara segurava o estômago de tanto rir. O perfeito Conde oferecia um aspecto dos mais
desastrosos. Tinha o rosto manchado e o cabelo molhado se grudava na testa escorrendo.
Seu impecável traje de pesca estava completamente encharcado e coberto de barro.
Bufando, Robert a contemplou perplexo. Ao vê-la rir, um estranho calor foi envolvendo
seu coração ; calor que foi substituído quase de imediato por uma explosão de desejo por
ela.
Se pôs de pé lentamente sem afastar os olhos dela.
Ainda sorrindo, Sara lhe extendeu a mão num gesto pacificador.
—Permita-me resgatá-lo, Milord.
Poderoso e com ar ameaçador, Robert caminhou devagar até a borda do charco.
Aproximou seu rosto do dela até quase tocá-la.
—Corra! — sibilou.
Sara abriu os olhos com surpresa e compreendeu imediatamente. Se virou velozmente e
saiu correndo.
Ele deu um salto fora da água para apanhá-la, porém ela conseguiu escapar. Se
despojou da pesada casaca e afastou o cabelo que descia até os olhos. Com um sorriso
diabólico desenhado nos lábios, a observou correr pelo campo.
Sara tentava ir depressa mas o peso do empapado vestido retardava seus movimentos.
Apesar da agonizante fuga, surpreendeu a si mesma rindo as gargalhadas. Olhou por cima
do ombro e o viu logo atrás. Não tinha escapatória.
Sua grande estatura e velocidade lhe permitiram caçá-la em menos de um minuto.
Robert se lançou nas suas pernas, a derrubou e caiu sobre ela.
Um pequeno declive no terreno provocou que ambos rolassem pelo campo gritando e
rindo como duas criancinhas; primeiro um acima e logo o outro.
Quando o declive terminou ele ficou sobre Sara. Os dois ofegantes pelo esforço e pelo
riso. O pequeno corpo de Sara se moldou perfeitamente embaixo do seu. Seu peito baixava
e subia excitado sendo deliciosamente esmagado contra o dorso. Seu sorriso congelou ao
comtemplá-la: tinha os lábios cheios e úmidos, e as bochechas rosadas pela corrida.
Desejava envolvê-la com seu corpo e enterrar-se dentro dela. Que o céu se apiedasse
dele, mas estava esgotado de lutar com o desejo que lhe fazia arder por aquela mulher.
Lutar contra algo tão abrasador consumia todas suas energias.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1166

SARA DEIXOU DE SORRIR QUANDO SE DEU CONTA DA ÍNTIMA POSIÇÃO EM


QUE estavam. Notava com vivida consciência o poderoso corpo de Luton estendido sobre
ela. Aquela sensual pressão a fez explodir de deleite. Apesar da umidade das roupas
notou o calor do corpo dele e seus fortes batimentos cardíacos. Bom, acreditava que eram
dele, porque estavam tão juntos que não poderia distinguir se o coração acelerado era o
dele ou o seu.
Sara contemplou seu rosto e um estremecimento a percorreu ao descobrir o extranho
brilho que ardia no seu olhar. Um músculo tensionou na sua poderosa mandíbula e o
observou tragar saliva com dificuldade. Assustada pelo violento anseio de agarrar-se
ainda mais a ele, de senti-lo ainda mais perto, remexeu-se numa tentativa de afastá-lo.
—Fique quieta, pelo amor de Deus! — protestou ele.
Transtornado, Robert levantou devagar a cabeça para olhar seu rosto. Que bonita era!
Com um dedo afastou uma mechinha de cabelo molhado grudada na sua testa para
contemplá-la melhor.
Sara mordeu o lábio inferior num gesto de nervosismo, um gesto ingênuo que para ele
pareceu dos mais provocativos.
Robert não pode resistir mais. Cansado de lutar, esmagou sua boca contra a dela com
um gemido de desespero.
Sara suspirou e arqueou instintivamente as costas. O peso de seu corpo sobre ela era
delicioso. A assaltou uma intensa sensação de falta de equilíbrio e se aferrou a seus fortes
ombros.
A língua de Robert penetrou na sua boca explorando-a e torturando-a com cada
arremetida. Sara abriu os lábios e lhe deu as boas-vindas respondendo com ardente paixão
ao beijo. E que beijo! O pulso latejava com violência no seu pescoço, todo seu corpo se
incendiou em resposta à maravilhosa carícia dele.
Robert tomou seu rosto com uma mão enquanto baixou a outra e a explorou de cima a
baixo. Descendo percorreu seu flanco com a palma aberta pegando com paixão a plena
curvatura de seus seios. Desejava abraçá-la, tentá-la, possui-la inteira. Se moveu sobre ela
abrindo-lhe as pernas e colocando-se entre elas.
Separou seus lábios e a perfurou com um intenso e profundo olhar.
—Sara... Oh, Sara — susurrou com voz rouca, acariciando-lhe com um dedo a inchada
boca.
Extasiada ao ouvi-lo pronunciar pela primeira vez seu nome, Sara lhe rodeou o pescoço
com os braços e pressionou seu rosto contra o dele.
—Robert? —murmurou hesitante contra sua orelha.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Seu nome soava como a gloria nos seus lábios. Robert voltou a baixar a cabeça e a
apoderar-se de sua boca. O beijo rapidamente se converteu numa carícia muito mais
intensa e íntima.
Uma nova urgência pareceu brotar entre eles e os beijos se fizeram mais profundos,
exigentes, até que uma repentina e agoniante necesidade deixou seus corpos doloridos e
palpitantes num gozoso tormento.
Robert deixou a boca e lhe acariciou o pescoço beijando e mordiscando. Puxou para
baixo o decote do vestido até que seus seios ficaram livres de sua prisão de tecido.
Sara olhou para baixo e contemplou a sedosa brancura de seus seios expostos ao
faminto escrutínio do Conde. Isto deve de ser um sonho! "Por favor, rogou fechando
fortemente os olhos, que não desperte agora".
Robert a contemplou com devoção. Acariciou suavemente os generosos seios de Sara
agarrou toda sua plenitude com a mão. Baixou a boca e se apoderou do excitado e rosado
mamilo.
Sara gritou ante a intimidade do contato e convulsionou debaixo dele. Lançada numa
espiral delirante tirou o nó de sua gravata e tentou desajeitamente desabotoar-lhe a
camisa. Desejava beijá-lo ali, acariciá-lo, cheirá-lo... Queria esfregar seu rosto contra o
áspero cabelo de seu peito e impregnar-se de seu doce aroma.
Sorrindo pela repentina urgência de Sara, Robert se levantou ligeiramente e desabotoou
a camisa. Sara posou a mão no seu estômago e ele a apanhou com a sua guiando-a para
baixo. A respiração ficou presa na garganta quando sentiu o contato dela no cós de suas
calças.
Sara mordeu o lábio inferior e o olhou interrogativamente. "Te agrada isto?", parecia
perguntar enquanto percorria sua ereção com torturantes carícias. Havia lido o suficiente
sobre anatomia humana para saber o que estava fazendo-lhe e o que significava aquela
magnífica dureza.
Robert colocou-se sobre ela com um rouco grunhido. Iria possuí-la, iria possuí-la ali e
nesse mesmo momento. Tudo desapareceu ao seu redor, tudo... exceto Sara. Se estendeu
novamente junto a ela, introduziu o joelho entre suas pernas e as separou lentamente.
Um angustiado desejo lutava para libertar-se do corpo de Sara. Sem conhecer o motivo,
começou a elevar a pelvis com um sensual movimento ondulante. Queria estar mais
próxima dele, ansiava senti-lo ainda mais. O queria todo.
Os roucos grunhidos que escapavam da garganta de Sara o estavam deixando louco.
Robert se elevou outra vez sobre ela e se acomodou entre suas pernas.
Sara dobrou os joelhos e o acolheu satisfeita. Sentia a dureza de sua longa ereção
esmagando-se contra seu ventre.
As inquietas mãos de Robert a exploravam por todas as partes. Lhe rodeou o joelho
com a mão e com um lento e torturador movimento ascendente percorreu a suavidade de
sua coxa.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Apanhou o queixo de Sara e lhe observou o rosto com os olhos nublados de paixão .
— Diga-me para parar e o farei — disse com voz áspera.
Como única resposta, ela lhe acariciou o queixo, elevou a cabeça e esmagou os lábios
contra os dele.
Robert tomou a boca de Sara com renovada urgência. Se apoderou de seu seio e
começou a empurrá-la contra a grama com pequenas investidas. Introduziu uma tremente
mão entre seus corpos procurando o cós de suas calças. Iria acontecer, por fim iria
acontecer.
O som de vozes distantes atravessou suas ofuscadas consciências.
Robert ficou muito quieto sobre Sara e afastou pouco a pouco sua boca da dela.
—Shh —susurrou colocando-lhe o dedo indicador sobre os lábios.
Dois homens conversavam e se aproximavam mais além dos arbustos que bordejavam
o caminho.
A realidade golpeou com violência Sara na cara. "Oh, Deus! Que estava a ponto de
fazer?", pensou. Não só havia se entregado sem reservas a Luton, mas agora também seria
descoberta por dois convidados chafurdando na grama com seu anfritrião.
Se remexeu debaixo dele tentando safar-se de seu peso e fugir dali como última
tentativa de reparar sua alquebrada dignidade.
Robert a tomou pelos ombros e a imobilizou contra a relva. Respirava com dificuldade
tomando grandes baforadas de ar.
—Sara, não faça barulho — murmurou.
—Vão nos descobrir — exclamou ela em voz baixa — Saia de cima!
Robert rolou de lado. Tomou Sara entre os braços e a arrastou até que voltou a estar
presa sob seu corpo. Ambos rolaram entrelaçados até ficar ocultos atrás de espessos
arbustos .
Os dois homens cruzaram o caminho envolvidos numa animada discussão. Nenhum
deles percebeu a presença, a menos de dois metros, do Conde e sua prima. Quando já
estavam suficientemente longe, Sara empurrou os punhos contra seu peito.
Robert se ergueu e se sentou na grama.
Sara arrumou a roupa, se levantou e o olhou diretamente nos olhos.
—Isto não aconteceu — disse com voz tremente. Se virou e saiu correndo sem esperar
resposta. Robert apoiou um cotovelo no joelho flexionado e permaneceu sentado durante
um bom momento enquanto a observava afastar-se.
—Oh, sim. Sim aconteceu — murmurou ainda atordoado de desejo — E não permitirei
que o esqueças.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


No caminho para o gabinete de seu sócio, Diego Lezcano deslizou por uma porta de
serviço que havia ficado entreaberta. Tratava de evitar um grupo de damas que naquele
momento percorriam o corredor contemplando satisfeitas alguns retratos de família
pendurados na parede.
Ao ver entrar um cavalheiro na cozinha, os criados o olharam com surpresa e certa
reserva.
—Deseja algo, senhor? — perguntou um dos criados de libré.
—Não, não se preocupem — respondeu Diego sorrindo e fazendo um gesto com a mão
—. Sigam com suas tarefas.
Naquele mesmo instante, a porta da cozinha que dava para o exterior se abriu e
apareceu Luton com uma estranha vestimenta.
As cabeças dos criados giraram ao mesmo tempo para ele.
Diego o contemplou pasmado. Estava empapado e coberto de barro dos pés a cabeça. A
gravata de linho pendia desatada de ambos os lados do pescoço. Estava com a camisa
aberta e grudada no corpo, e com uma mão segurava a maltratada casaca que ia
arrastando pelo chão.
Todos compreenderam que ninguém devia perguntar nada, e imediatamente a cozinha
recuperou outra vez toda sua atividade.
Robert cruzou o ambiente a grandes passadas e passou pela frente de seu sócio. Lhe
dirigiu um furioso olhar de advertência quando percebeu o brilho de diversão nos seus
olhos.
—Chegaste tarde — rosnou.
Diego o observou de cima abaixo sem dissimular o sorriso.
—Não, pelo visto cheguei bem a tempo. Aonde é a festa?
—Preciso de uma bebida — resmungou Robert passando a mão pelo cabelo com ar
cansado.
—Eu, se fosse tu, não iria por aí — explicou Diego quando viu que tomava o caminho
do gabinete —. Umas velhas damas te contemplarão extasiadas ao imaginar como lhes
agradaria que os olhos de seus futuros netos fossem como os teus.
Sem comprender nada, Robert decidiu seguir os corredores de serviço até seu quarto e
trocar de roupa.
Diego o observou se afastar abatido. "Ora, ora. E eu que não queria vir", refletiu
enquanto negava com a cabeça num gesto de incredulidade.
Robert tomou um banho quente e trocou de roupa. Porém ainda sentia frio em todos
seus membros. Desceu ao primeiro piso com a única intenção de tomar uma bebida a sós e
colocar um pouco de ordem na sua devastada mente.
Quando entrou no gabinete, viu Diego sentado atrás de sua escrivaninha lendo o jornal.
Baixou o jornal e o observou de cima abaixo com um sorriso.
—Antes estavas melhor.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Robert não lhe fez o menor caso e se serviu de uma taça. O ardente licor desceu pela
garganta e pareceu derreter parte do gelo que se havia formado no estômago.
—Posso saber o que está acontecendo? — perguntou Diego.
—Nada — respondeu mal-humorado —,caí num charco. Isso é tudo.
Diego deixou de sorrir e o olhou inquisitivo.
—Claro, é o que geralmente acontece — exclamou com ironia.
Robert começou a caminhar de um lado para o outro da sala como um leão enjaulado.
—Sar... a senhorita Brown, caiu no charco. Tentava ajudá-la, porém o solo estava
lamacento e...
Diego soltou uma sonora gargalhada.
—A senhorita Brown. Hã!
Robert se virou para ele chateado.
—Que queres dizer?
—Nada. É inútil falar destas coisas até que alguém comece a assumi-las.
A carranca do Conde se aprofundou.
—Estas coisas? Como assim estas coisas? — Robert elevou a voz enraivecido —. De que
demônios estás falando?
—Ei, não grites comigo!
Robert o olhou com fingida calma e crescente curiosidade.
—Que queres dizer com essas coisas?
—Pois então, quando alguém se apaixona, costuma ser sempre o último a enteirar-se.
Todo mundo parece sabê-lo menos tu, que lutas contra a ideia até ficar completamente
louco. É como... — A mente de Diego buscou um símile que lhe servisse para explicar-se
—. É como uma roseira.
Diego passou por cima do olhar interrogativo do Conde e continuou com sua
exposição.
—Quando cai nela, te enganchas para não soltar-te jamais e podes lutar o quanto
queiras porque quanto mais o fazes, mais te enredas, e maior será a probabilidade de
fazer-te muito mais dano na tentativa.
Robert contemplou atônito seu amigo, que parecia muito satisfeito consigo mesmo
depois de seu discurso. Mas ele não estava apaixonado. Se estivesse, o saberia. Não lhe
escaparia algo tão importante. "Não", descartou mentalmente. "Sei perfeitamente que não
estou".
—Diego, de que estás falando? — disse esboçando um sorriso.
Seu amigo lhe lançou um olhar ofendido.
—De amor, imbecil.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—E o que sabes tu sobre o amor? Em todos estes anos jamais te econtrei com uma
amante.
Diego se levantou irritado e passou junto a ele lançando-lhe um olhar ameaçador.
— Nunca me havias parecido tão inglês! — exclamou depreciativo enquanto saía pela
porta.
Robert ficou mal-humorado.
— E tu nunca havias te revelado tão condenadamente estrangeiro! — gritou antes de
que a porta batesse com toda força.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1177

—SARA, ESTÁS LINDA!


A excitada voz de Mary veio da porta. Sara estava há mais de uma hora observando-se
indecisa no espelho de seu quarto. Não reconhecia a imagen que via refletida: a cor
vermelho sangue de seu decotado vestido de noite contrastava com a brancura de sua pele
e se agarrava à perfeição a suas femininas curvas. O cinto de pedras de azeviche marcava
sua estreita cintura e fazia jogo com a cor de seu cabelo penteado essa noite num esticado e
sofisticado penteado no alto da cabeça do qual caia uma cascata de cachos de ébano.
Aquela aparência havia lhe custado vários puxões da parte da cabeleireira de Mary e mais
de duas caixas de grampos.
De manga curta e ligeiramente bufante, o vestido tinha um amplo decote quadrado do
qual surgiam apertadas as curvas de seus seios aprisionados no estreito corpete. Dada a
suntuosidade do vestido, havia renunciado a usar joias. O único adorno era o cinto de
renda negro que reluzia pelo brilho das pedras de azeviche aplicadas. O contraste do
negro com o profundo vermelho, dava ao conjunto uma força sedutora.
Mary a olhou satisfeita. Estava segura de que aquela noite sua prima seria a rainha da
festa, e de que na manhã seguinte teria várias propostas de matrimônio sobre a mesa. Seus
"nobres amigos" não seriam capazes de resistir à exótica beleza de Sara. Mas e seu irmão?
Ultimamente o havia notado algo distraído e distante. Robert necessitava de um bom
incentivo, e certamente que aquele vestido o era. Se aquela noite não se apaixonasse
perdidamente por Sara, é por que era um tonto.
Mary dedicou um caloroso sorriso a sua prima.
—Esta noite vais arrasar.
—Nao digas isso — protestou Sara incomodada.
Não queria nada daquilo. Sua cabeça ardia em confusão com tudo o que estava
acontecendo. Sentia a presença de Luton em todas as partes. Isso a mantinha sempre
alerta, como um ratinho apanhado no covil de seu predador. Não havia conseguido olhá-
lo na cara desde que... Sara levou as mãos ao rosto, que se tingiram da mesma cor do
vestido ao recordar sua fornicação na grama.
Ficara duas noites sem dormir. Sua reação aos beijos do Conde a atormentava; e pensar
no que aconteceria se não houvessem sido interrompidos a torturava dia e noite. Não
compreendia nada do que fizera. Seus sentimentos estavam descontrolados.
Uma vozinha no seu interior a alertava de que iria acontecer novamente. E, se isso
ocorresse, ela voltaria a agir exatamente igual.
Luton a atraía com a força de um ímã ao qual era impossível resistir. Se queria evitar o
inevitável, teria que afastar-se de Sweet Brier Path. Porém a ideia de voltar à aborrecida e
solitária vida de Ravenville não a tentava em absoluto. Além disso, olhou para sua amiga
com devoção, teria que separar-se de Mary e isso lhe partia o coração.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Não podia deixá-la ainda, e muito menos durante os festejos de seu aniversário.
Procuraria manter-se afastada de seu irmão e... bom, logo já o pensaria. Agora era o
momento de celebrar que sua melhor amiga estava de aniversário, e isso era o mais
importante.
—Toma — disse Mary estendendo-lhe uma pequena caixa—. Isto te sentará muito bem.
Sara se virou para ela e observou o objeto.
—O que é?
—É carmim — susurrou olhando-a com picardia —. O fiz trazer da França.
—Mas eu nunca... não sei como...
Mary lhe fez um gesto para que se agachasse, abriu a caixinha e lhe extendeu o produto
com os dedos.
—Te cai maravilhosamente — exclamou, orgullosa.
Sara se virou outra vez para o espelho e abriu muito os olhos surpreendida com o
resultado. Agora sua boca combinava com o vestido, oferecendo o aspecto de um rosa
brillante pelas úmidas gotas de orvalho.
—Me passa um pouquinho? —perguntou Mary.
Sara a olhou e assentiu. Tomou o frasquinho e lhe aplicou a cor na sua bonita boca.
Mary se aproximou do espelho e observou satisfeita o resultado.
—Se pudesse caminhar... — suspirou, ao ver seu reflexo.
Sara a contemplou detidamente. Havia estado tão ensimesmada em seus problemas que
não havia se dado conta do quão bonita que estava Mary: trajava um vestido da cor verde
escuro que contrastava com a brancura de sua pele e o cabelo loiro. O marcado decote
estava decorado com um singelo estampado bordado com fio dourado. Estava com o
cabelo recolhido num penteado parecido com o seu, adornado com uma fina fita dourada
em forma de diadema da qual escapavam alguns cachos que emolduravam deliciosamente
seu rosto.
—Não poderia estar mais linda —exclamou Sara com sinceridade.
Mary a olhou com um sorriso jovial e lhe tomou a mão.
—Devemos ir-nos, meus convidados me esperam.
Diego Lezcano voltou a puxar para baixo sua gravata de seda. Aquele acessório do seu
traje de gala lhe era o mais irritante. Além disso, não sabia por que se esforçava para
parecer elegante, o traje a rigor jamais lhe cairia igual que a seu amigo o Conde. Ele não
havia nascido com porte distinto. Seu aspecto se parecia mais com o de um rato que havia
invadido uma festa para gatos. "Completamente fora do lugar", pensou enquanto voltava
a tirar o enfadonho nó.
Continuou de pé ao lado das escadas e observou Robert caminhar distraidamente pelo
vestíbulo de entrada. O Conde havia permanecido ali de pé com um sorriso plantado no
rosto durante mais de uma hora exercendo o papel anfitrião, numa esgotadora sessão de
saudações às centenas de convidados que esperavam no salão de baile.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


A orquesta afinava os instrumentos preparando-se para tocar quando Mary fizesse sua
esperada aparição, para dar assim começo ao baile.
A aguda sensação de ansiedade atravessou o corpo de Diego ao pensar em Mary. Desde
sua chegada apenas a havia visto.
Sempre parecia estar rodeada de velhas faladeiras e irritantes janotas continuamente
dispostos a agradar à beleza loira. Chateado, se remexeu incomodado ao recordar o sorriso
de Mary ao ser lisonjeada pelos jovens de sua classe.
Um movimento no piso superior chamou a atenção dos dois homens. Mary e Sara
fizeram sua aparição no alto da escadaria.
O primero que Sara viu foi o senhor Lezcano, que esperava ao lado da porta
tremendamente elegante com seu traje negro. Porém seu olhar voou buscando à outra
figura obscura. Quando seus olhos se encontraram com os dele, imóvel no meio do grande
vestíbulo, o coração quase lhe salta do peito. Vestia um traje negro cujo corte se adaptava
perfeitamente a seus fortes ombros. Seu colete e gravata brancos como a neve
contrastavam com a bronzeada pele de seu pescoço. Havia se penteado com fixador e seu
cabelo escuro brilhava sob o resplendor das velas.
Sara alisou a saia de seu vestido num gesto inconsciente.
Estupefato, Robert se aproximou da escadaria com as pernas trêmulas e sem afastar os
olhos dela. A sempre mal vestida Sara Brown, agora parecia envolta em fogo. Mas o que
ela havia colocado?
Sara começou a descer os degraus muito devagar balançando ligeiramente os quadris e
sem afastar o olhar do dele. Quando chegou ao último degrau se deteve justo à altura do
rosto do Conde.
Robert se agarrou ao corrimão de mogno para não cair de costas. Baixou os olhos numa
torturadora exploração do vestido de Sara: o decote deixava à vista a suave curva de sua
clavícula, os convidativos montículos de seus seios projetavam-se num angustiante
convite a por os dedos sobre eles, e a deixar-se levar para sempre.
Era o vestido mais bonito e mais provocante que já havia visto. Ou melhor não era o
vestido, mas sim a mulher que ia dentro. Robert voltou a olhar o rosto de Sara e então
reparou nos seus lábios vermelhos que se abriram ardentes e convidativos sob seu
escrutínio. Sua boca secou no mesmo instante e pensou que iria lhe explodir o peito.
Os olhos azuis do Conde obscureceram até quase se tornarem negros. Sara percebeu o
cheiro de sua loção; cheirava maravilhosamente. E sua face apresentava um aspecto tão
suave que teve que reprimir-se para não acariciá-lo.
Um pigarrear chamou a atenção desde cima. Mary esperava ainda no alto das
escadarias para que a ajudassem a descer.
—Já sei que Sara está lindíssima esta noite, mas, Robert, te importaria... — exclamou
divertida.
Sara corou ante a indiscrição de sua amiga. Era incorrigível!

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Robert, incapaz de mover-se ainda, fez um gesto para que um lacaio ajudasse a sua
irmã.
Do que ninguém pareceu aperceber-se foi da intensidade com que Diego contemplava
Mary. Seu intenso e obscuro olhar havia permanecido fixo em Lady Luton desde que a viu
aparecer arrebatadoramente bonita e sedutora. Enfiou as mãos nos bolsos com irritação.
Será que Luton havia ficado completamente louco? A exótica beleza de sua prima lhe
havia varrido o cérebro e não havia reparado no escandaloso vestido verde de sua irmã. E
aqueles sensuais e tentadores lábios pintados... por amor de Deus!
Sem poder crer em tanta insensatez, Diego voltou a olhar para Robert, depois para
senhorita Brown, e logo seu olhar voltou novamente para as escadarias. Contemplou como
o lacaio espreitava o decote de Mary e teve que reprimir a gana de subir e dar-lhe um
murro. "Isto vai ser muito pior do que pensava", ruminou carrancudo para si mesmo.
O salão de baile resplandecia sob a brilhante luz das aranhas de cristal penduradas do
teto. As joias das damas fulguravam em deslumbrantes lampejos sob as radiantes luzes
artificiais. O centro do grande salão era acupado por casais que dançavam ao ritmo da
doce melodia da orquesta. Havia grupos de pessoas que falavam animadamente ao redor
das mesas de refresco dispostas de um lado da enorme sala. No lado oposto, as portas dos
balcões permaneciam abertas permitindo ao suave ar da noite de verão penetrar com um
reconfortante sopro. Alguns convidados se aventuravam nos jardins exteriores escapando
da carregada atmosfera ou simplesmente para celebrar alguma reunião secreta, ocultos
dos olhares curiosos.
A Condessa de Rohard permanecia acomodada num grande sofá junto a outras
veteranas matronas comentando em sussurros o que acontecia ao seu redor. Com orgulho
havia visto os seus dois filhos entrar na festa. Essa noite havia se reunido ali o melhor da
sociedade.
Aquela era uma oportunidade estupenda para tentar que seu filho se fixasse numa
garota adequada e sentasse a cabeça de uma vez. Helen Luton não podia sequer pensar
que algo acontecesse a Robert sem haver tido descendência. Isso significaria perder tudo
pelo qual havia lutado durante sua vida inteira: orgulho, privilégios, título, supremacia...
Seu filho devia decidir-se aquela noite por alguma das candidatas que ela havia
selecionado cuidadosamente, e cumprir com seu dever. Igualmente ao que o havia feito
ela, e igualmente ao que havia sido sempre.
Sara permanecia sentada junto a Mary numa extremidade do enorme salão. Umas
quantas jovenzinhas haviam se aproximado delas para falar sobre seus vestidos. Todas
envoltas em musselinas brancas, comentavam agitadas os magníficos e atrevidos vestidos
de Lady Luton e sua prima.
Mary as observava com ar de superioridade. Tomou Sara pelo braço para que se
aproximasse.
—Observe-as — lhe disse ao ouvido em tom de confidência —, parecem cacatuas. Lhes
encantaria ser atrevidas, porém são demasiado débeis para desafiar a seus destinos.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara sorriu ante o comentário de Mary e contemplou às moças reunidas em coro
lançando-lhes olhares invejosos e reprovadores. Porém outro olhar capturou o seu desde a
ponta oposta do salão. O Conde a observava fixamente enquanto escutava distraído a
conversação de um grupo de cavalheiros. Sara lhe sorriu hesitante e timidamente. A
expressão dele relaxou e, em resposta, uma sugestão de cúmplice sorriso surgiu também
nos seus lábios. Sara abaixou os olhos e notou que ruborizava quando um calafrio a
transpassou sob o escrutínio de Luton.
—Sara, tens calor? —perguntou Mary.
Sara a olhou surpresa e negou com a cabeça.
—Pois pareces esbaforida. Quem sabe necessitemos de um refresco —comentou
enquanto se abanava com seu leque de renda—, te importaria de ir buscar algo para
beber?
Sara assentiu e se levantou para ir pegar as bebidas.
Quando atravessou o salão, um grupo de homens a abordou sem dar-lhe tempo sequer
de chegar à mesa. Sara era consciente de que seu vestido havia captado a atenção de
muitos jovens cavalheiros presentes à festa.
—Por favor, deixe-me servir-lhe — disse um.
—Uma mulher de sua beleza não deveria mover nem sequer um dedo. Permita-me pôr-
me a sua disposição — exclamou outro, solícito.
Um deles se apresentou como o Visconde de Wembley. Beijou sua mão após uma breve
reverência e sem dar-lhe tempo para reagir pegou seu braço e a empurrou para a pista de
dança.
—Conceda-me esta dança — murmurou muito perto de seu rosto — e me fará o homem
mais feliz da Inglaterra.
Sara percebeu o forte odor de álcool no seu hálito e teve que chegar para trás. Puxou
ligeramente seu braço numa tentativa de soltar-se.
—Milord, não quero dançar. Por favor, solte-me.
O homem não lhe fez o menor caso.
Sara percebeu os olhares curiosos de alguns presentes. Resignada, decidiu deixar-se
arrastrar para a pista para não fazer nenhum escândalo. Quando a peça de dança
terminasse, se livraria de Lord Wembley e não permitiria que se aproximasse mais em
toda a noite.
Mas nem sequer teve tempo de chegar à pista porque uma enorme e obscura figura se
interpôs em seu caminho. Lord Wembley olhou para cima incomodado pela interrupção e
na sua face se desenhou uma expressão de desassossego e aborrecimento. Somente a
inquietante presença de um homem poderia provocar aquela reação no decidido e bebado
Visconde.
Robert Luton, com uma seriedade e uma estatura realmente soberbas, se alçava ante
eles com o olhar mais ameaçador que Sara já havia visto.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Minha prima me prometeu esta dança — exclamou com brusquidão sem afastar os
olhos do homem.
—Oh, vamos, Luton. Não sejas impaciente — balbuciou Wembley —. Espera a tua vez.
O Conde parecia tranquilo, mas a contração de um pequeno músculo na sua mandíbula
revelava sua irritação. Agarrou Sara possessivamente pelo cotovelo e a liberou e afastou
de Wembley.
—Sim mas uma promessa é uma promessa — sentenciou, lançando um fulminante
olhar ao desconcertado Visconde por cima do ombro.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1188

SARA SE DEIXOU CONDUZIR AO CENTRO DA PISTA DE DANÇA


ESTRANHAMENTE comovida pelo arrebatamento com que Luton a havia afastado do
desagradável aristocrata. Caminhava agarrada a ele com sua mão ao redor de seu forte
antebraço, poderosamente consciente de sua presença a escassos centímetros dela.
Se colocaram um em frente ao outro enquanto as melodiosas notas de uma valsa
começaram a flutuar pelo salão. Ele lhe pegou a mão direita e passou a dela por sua
cintura aproximando-a de seu corpo. Sara prendeu a respiração quando començou a girar
pela pista entre seus braços. Alçou a vista para ver seu rosto e o coração deu um salto
quando se encontrou com seus olhos azuis, cujas profundidades a contemplavam com
calidez.
Era a primeira vez que dançava com ele. Não sabia qual era o motivo por que nunca o
haviam feito antes. No entanto, a sensação de estar entre seus braços lhe era tão familiar e
perfeita como se houvessem feito por toda a vida.
Sara tentou afastar de sua mente aqueles pensamentos.
—Eu convidei o seu querido senhor Babbage — disse ele repentinamente.
—Meu querido senhor Babbage?
Robert sorriu diante da sua cara de desconcerto.
—Sim, não o conhece pessoalmente? — Ela negou com a cabeça—. Então lhe
apresentarei. Tive a oportunidade de conversar com ele e estou muito fascinado. Amanhã
vamos nos reunir para falar sobre essa máquina que armazena conhecimento.
Sara compreendeu que havia convidado o cientista pela conversa que haviam mantido
junto ao rio. Que um homem como ele valorizasse tanto sua opinião a comoveu
profundamente. Lhe haveria agradado agradecer-lhe aquela atenção e falar dos inventos
do ilustre cientista, porém a sensação de estar entre seus braços dificultava sua capacidade
para dialogar com normalidade.
Levantou seus olhos até topar com o olhar azul dele e todo pensamento racional se
evaporou de sua mente. Pouco a pouco notou que começava a ruborizar-se e rapidamente
buscou algo para dizer.
—Obrigada por resgatar-me — exclamou —. Não sei o que acontece com esse homem.
Lhe disse que não queria dançar com ele.
Ele a observou em silêncio durante alguns segundos mais.
—Talvez seu vestido tenha muito que ver com o que passou com Wembley e ao resto
dos homens presentes — disse aclarando a garganta.
—A que se refere? — perguntou incomodada.
Robert baixou a vista até o provocador decote e esteve a ponto de confundir-se num
giro.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Pois se não tivesse se vestido assim — respondeu aborrecido consigo mesmo —, não
a incomodariam os rapazes à volta como Wembley.
Como se atrevia a insinuar que aquele assédio era culpa sua? Profundamente enojada,
Sara tentou esquivar-se e afastar-se dele. Porém o Conde a impediu apertando mais seu
abraço e aproximando-a ainda mais do seu corpo. Sara lhe lançou um furioso olhar.
—Posso saber qual é o problema com a minha forma de me vestir? Primeiro critica
minha roupa velha e agora... — disse apertando os dentes —, agora isto. Resolva, senhor!
Descobrir que Sara havia posto aquele vestido para ele quase o fez explodir de prazer.
Aspirou fortemente pelo nariz e a contemplou com verdadeiro deleite. Suas bochechas
haviam corado e olhos negros cintilavam de enfado; do qual, como quase sempre, ele era
responsável.
Robert tragou com dificultade e inclinou a cabeça.
—Estás linda — susurrou junto a sua orelha —. Nunca na minha vida vi uma mulher
mais bonita.
Aquelas suaves palavras atravessaram docemente sua alma. Sara levou a cabeça para
trás e o olhou nos olhos buscando qualquer sinal de troça. Porém o único que se deparou
foi com a intensidade de seu olhar azul. Seu coração falhou uma batida e as pernas
fraquejaram; menos mal que se encontrava entre seus fortes braços, porque não estava
segura de que fossem capazes de sustentá-la.
Queria ter lhe dito que o achava arrebatadoramente atraente com seu traje de noite.
Queria ter lhe dito que ele era o homem mais elegante que já havia visto. Queria ter lhe
dito tantas coisas... Porém as palavras pareciam ficar presas na garganta e um tímido e
solitário "obrigada", foi a única que conseguiu escapar pelos seus lábios.
Presa no seu olhar e envolta nos seus braços, o tempo pareceu tornar-se líquido e o resto
do salão começou a evaporar-se ao seu redor. Um poderoso feitiço os elevou do chão e os
arrastou a uma extraordinária fantasia na qual tudo era possível; inclusive que eles dois
pudessem vencer os desgastados convencionalismos e estar juntos para sempre.
A valsa terminou; porém ele não a soltou. As pessoas aplaudiram e alguns casais
abandonaram a pista conversando animadamente enquanto outros novos se
incorporaram. Porém Sara e Robert pareciam estar muito longe dali, alheios a toda aquela
atividade. Os dois permaneceram abraçados olhando-se intensamente até que a seguinte
peça começou a soar e recomeçaram a dança.
Helen Luton se mexeu desconfortável ao contemplar o embaraçoso espetáculo que o
imprudente do seu filho estava oferecendo perante os demais convidados. Elizabeth
Keating, Duquesa de Devon, estava sentada ao seu lado há algum tempo sem dizer uma
palavra. Helen sentiu que a mulher colocava a mão enluvada sobre seu braço e se
inclinava para falar-lhe confidencialmente.
—Querida Helen, quem é a garota que dança com o Conde?
Lady Luton esboçou um sorriso fingido.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Oh, é sua prima, excelência — disse minimizando a importância —. A quer como
uma irmã.
Lady Keating a olhou perspicaz com um sorriso malicioso desenhado na sua cara
enrugada .
—Pois se todos os irmãos se olhassem assim, a Inglaterra seria um país de pecadores.
Helen inspirou profundamente, aborrecida pelo perverso comentário da anciã.
—É a filha do meu primo, e eu mesma respondo por sua inocência —exclamou.
—Certamente esse vestido não é muito apropriado para uma jovem tão inocente, não te
parece, querida? Creio que deves assessorá-la melhor da próxima vez. Sempre confiamos
no teu bom gosto.
Helen apertou os dentes e voltou a olhar para o par.
—O único que está claro é que teu filho está dançando toda a noite com essa jovenzinha
—continuou a Duquesa de Devon visivelmente contrariada —. Minha neta e outras jovens
respeitáveis não vieram aqui para ser desprezadas tão descaradamente em público.
A Duquesa se levantou apoiando no punho de prata de sua bengala e, antes de retirar-
se, lhe lançou um irado olhar de cima.
—Se teu filho não pode controlar suas calças, possivelmente não é tão bom partido
depois de tudo.
Helen olhou ao seu redor esperando que ninguém houvesse escutado as escandalosas
palavras da Duquesa. Mas, graças a Deus, todo mundo parecia distraído a observar a pista
de dança ou com alguma animada conversa.
O furioso olhar de lady Luton vagou novamente até Robert e Sara. Quando os
contemplou, um calafrio lhe percorreu as costas e sua mente começou a funcionar a toda
velocidade. Como não havia se dado conta antes, quando tudo estava acontecendo
embaixo de seu próprio teto? O objetivo daquela desavergonhada era capturar um bom
partido e, por todos os diabos que havia mirado alto: o Conde de Rohard, nada menos.
Aquela mosquinha morta não era tão ingênua como seu pai depois de tudo. Mas não iria
permitir que estragasse o que levara anos construindo, que tantas lágrimas lhe havia
custado. Não importa que fosse da família, se livraria dela sem o menor remorso.
Mary levou a mão ao peito exalou um profundo suspiro enquanto observava Robert e
Sara dançar. Se alguma vez havia tido dúvidas sobre o quão perfeitos eram um para o
outro, a forma com que seu irmão a olhava as dissipou todas. Uma ligeira pontada de
inveja atravessou seu coração. Ela também queria que a contemplassem com aquela
devoção.
Porém isso não era possível, e nunca o seria.
Invadida por uma profunda tristeza, as lágrimas lhe vieram aos olhos. Começou a
respirar entrecortadamente, sentia como se um laço invisível a sufocasse apertando as
costelas. Tinha que sair dali antes de que alguém se desse conta de seu lamentável estado.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Rapidamente levou as mãos às rodas de sua cadeira e se encaminhou até a porta aberta de
um dos balcões.

Robert podia sentir contra suas coxas as esbeltas pernas de Sara. O tecido de seu vestido
lhe envolvia em cada giro e o contato íntimo com seu corpo o deixava louco. Aquela
mulher se moldava a ele com suma perfeição. Contemplou o rosto sorridente e corado de
Sara, e uma contundente certeza começou pouco a pouco a formar-se em sua mente:
ninguém, nunca, poderia interessar-lhe mais.
Nenhuma das insossas garotas que sua mãe há anos lhe apresentava lhe havia
provocado o mínimo interesse: os olhos de Sara, seus lábios, seu sorriso e esse corpo
escandaloso; mas, além disso, suas independentes, singelas, obstinadas e espontâneas
opiniões, sua sinceridade, sua rebeldia e obstinação. Era inevitável, a partir desse
momento as compararia todas com ela e nenhuma teria nada a fazer. Aqueles
pensamentos o fizeram sorrir. Não, claro que não poderia fazer uma escolha menos
adequada para o que se esperava dele. Porém o certo era que não lhe importava as
expectativas alheias.
Robert recordou as palavras de Lezcano e compreendeu que poderia seguir lutando
contra e sentimentos, algo que não havia obtido nenhum êxito até o momento, ou poderia
render-se as evidências e reconhecer de uma vez o que já levava anos negando a si mesmo:
amava Sara Brown.
Apesar de tudo, sabia que se casasse com ela não poderia esperar um matrimonio
cômodo e convencional. A ideia de que Sara se convertesse em sua esposa o fez suspirar
de anseio. Estava claro que nunca seria uma esposa submissa e complacente. Porém, ainda
assim, lhe era insuportável imaginar um futuro no qual ela não estivesse. Ao observar
novamente a sorridente face de Sara, se perguntou se era aquilo o que desejava realmente,
e a resoluta voz de sua consciência respondeu no mesmo instante: "Absolutamente".

Diego passeava entre as sebes disfrutando da solidão e da brisa noturna. Não tinha
nenhuma intenção de voltar para a festa. As conversas ébrias da maioria dos cavalheiros o
desgostavam até conseguir enfurecê-lo. Não entendia por que Robert tentava introduzir
algum sentido comum naquelas cabeças ocas, preocupadas unicamente em receber rendas
e não fazer absolutamente nada mais na vida que gastar dinheiro. E, se os mesquinhos
cavalheiros o deprezavam, suas esposas, velhas faladeiras maliciosas, conseguiam irritá-lo
seriamente. E nada a dizer das jovenzinhas bem nascidas; dignas herdeiras de suas mães.
Zangado, voltou a afrouxar o nó de sua gravata. Exceto a homenageada, tudo naquela
reunião o irritava. Ao recordar de Mary Luton um sentimento de ansiedade lhe atravessou
o coração. Estava tão linda: seus incríveis olhos brilhando de emoção, a linha suave de sua
face, seu precioso cabelo, as curvas de seus pequenos peitos espreitando por seu decote...

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


"Já basta Diego, disse a si atormentado; tens que deixar de pensar nela de uma vez por
todas. Não é para ti".
Ao virar a esquina um som chamou sua atenção. Um ligeiro gemido chegava vindo do
outro lado da sebe. Acreditando que se tratava de algum casal buscando um momento de
intimidade, se dispôs a se afastar. Porém um novo soluçar chegou até seus ouvidos.
Escutou com atenção: não se tratava de nenhum devaneio amoroso; aquele era um pranto,
um choro feminino.
Diego rodeou a sebe disposto a dar uma olhada e o que descobriu o fez paralisar-se no
mesmo instante. Mary Luton olhava o céu e a luz das estrelas brilhava nas lágrimas que
naquele momento rolavam por suas faces.
Ela se sobresaltou quando a grande sombra apareceu por detrás do arbusto.
—Oh, é você...
— O que há contigo? — quis saber Diego.
Mary suspirou e baixou a cabeça.
—Senhor Lezcano, lhe estou muito agradecida por tudo o que fez por mim —
respondeu suspirando —. Porém agora vá, por favor; quero ficar sozinha.
Diego engoliu com dificuldade. Desejava agradá-la e afastar-se dali a toda velocidade,
porém uma poderosa força mantinha seus pés grudados ao solo.
—Por que choras? — perguntou com mais brusquidão do que haveria gostado.
Mary secou as lágrimas com o dorso da mão e lhe lançou um olhar severo e nebuloso.
—Porque me convém. Se lhe incomoda, pode ir-se.
Diego procurou nos bolsos de sua casaca e lhe estendeu seu lenço branco.
—Pegue — disse enquanto se aproximava dela.
Mary pegou o lenço e assoou o nariz com um gesto pouco feminino que pareceu a
Diego dos mais encantadores.
—Assim. Limpe essas lágrimas, e diga-me por que estava chorando. Talvez alguém lhe
disse algo...
A rudeza com que ele sugeriu aquilo a fez sorrir.
—Não, Senhor Lezcano, não choro por isso. Estou há anos dessensibilizada contra os
comentários ofensivos.
Diego guardou novamente o lenço que ela lhe devolveu, e uma crescente e lancinante
preocupação começou a oprimir-lhe o peito. Ele não se deu conta, mas estava puxando sua
gravata todo o tempo.
—Então por que choras?
Mary o observou, puxou a manga de sua casaca para que se inclinasse até a sua altura.
Diego acreditou que iria lhe revelar alguma confidência e se deixou abaixar. Porém ela
não disse nada. Ainda aspirando pelo nariz, afastou suas mãos bruscamente de sua
gravata.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Pois choro pelo que chora todo mundo — disse por fim, enquanto se concentrava em
arrumar o desastroso nó—. Porque estou triste.
Diego a contemplou em silêncio enquanto suas pequenas mãos jogavam contra seu
peito. Aquele sensível ato íntimo fez que sua respiração se tornasse mais profunda e
pesada.
—Aí está — exclamou satisfeita —. E deixe de puxá-lo.
Mary o olhou no rosto. Tinha o cenho franzido e seu rosto estava contraído num gesto
grave. Seu peito subia e descia com profundas baforadas como se estivesse se exercitando.
—Por que está triste? — perguntou Diego com aspereza.
Ela observou seus olhos e descobriu a preocupação que se ocultava por trás de sua
brusquidão. Exalou um profundo suspiro e lhe abriu o coração.
—Porque não posso dançar.
Diego contemplou a vulnerabilidade de seu olhar e sentiu que um punho batia contra
seu estômago rasgando-lhe de dor. Angustiado, teve que segurar-se nos apoios de braço
da cadeira para não cair de costas. Examinou seu bonito rosto ainda úmido pelo pranto e
uma absurda ideia começou a formar-se na sua cabeça. Tomou ar profundamente,
enquanto sua mente lhe advertia aos gritos que estava cometendo um grave erro.
Naturalmente, Diego ignorou todas as advertências de seu senso comum. Se levantou e
tomou a pequena mão de Mary entre as suas.
—Lady Luton — disse com delicadeza —, me daria a honra de conceder-me esta dança?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 1199

MARY O OLHOU PERPLEXA.


—Tenta caçoar? Porque mesmo que esteja impedida ainda posso lhe dar um bom soco.
Aquele arrebatamento fez Diego sorrir. Ali estava outra vez aquele temperamento de
demônio.
—Nada é impossível — disse ele com suavidade —. Confia em mim?
Mary lhe deu um olhar de soslaio. Não podia negar que sentia curiosidade pelo que
pretendia. Ademais podia confiar nele, seu irmão lhe devia a vida e também a havia
salvado da roseira. Uma centelha de imprudência queimava no seu interior e decidiu
deixar-se levar por uma vez na vida. Contemplou aqueles profundos olhos negros e uma
emoção desconhecida lhe capturou o coração.
—Confio em você.
Diego não podia crer que aquelas ternas palavras de Mary Luton foram dirigidas a ele.
Acreditando que se tratava de um sonho, piscou varias vezes até que confirmou que tudo
ocorria de verdade.
A música da orquesta chegava do interior do salão abafada pelos sons da noite de
verão. Diego se abaixou, passou o braço de Mary ao redor do pescoço e a levantou da
cadeira enquanto a abraçava com força ao redor de sua estreita cintura. Era tão pequena e
leve que pouco teve que esforçar-se para levantá-la.
Mary tomou ar com força ante a surpresa. Se agarrou ao seu volumoso pescoço e se
acomodou surpreendentemente bem contra o torso masculino. Ele lhe rodeou a cintura
com força com o braço direito e extendendo o esquerdo lhe tomou a mão na posição
perfeita para dançar. O senhor Lezcano era muito mais alto que ela, o que favorecia que
seus pés ficassem pendurados a vários centímetros do chão.
—Vamos lá — disse Diego contra sua orelha enquanto começava a girar com ela entre
seus braços.
Certamente não se podia dizer que o senhor Lezcano era um grande dançarino. Porém
sua imperícia lhe pareceu maravilhosa naqueles momentos. Extasiada pelos giros e pela
maravilhosa sensação da brisa contra seu rosto, Mary foi relaxando suavemente entre os
fortes braços dele. "Isto é delicioso", pensou jogando a cabeça para trás, fascinada pelas
emoções que percorriam seu corpo.
Depois da surpresa inicial, havia começado pouco a pouco a tomar consciência do corpo
que se apertava contra o seu. Contemplou com interesse seus familiares traços. A luz da
lua resplandecía refletida no seu cabelo negro penteado para trás, o que lhe fornecia um
aspecto dos mais distintos e elegante. Mary se agarrou a lapela de seu traje para reprimir
as enormes ganas de acariciar-lhe o cabelo.
Olhou o rosto em profunda concentração do senhor Lezcano e sorriu.
—Acreditava que não sabias dançar.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Diego sentia os pequenos seios dela esmagados contra seu torso. A calidez do corpo da
garota traspassava as camadas de tecido de seu provocativo vestido e se introduzia pelos
poros, o que fazia que seu sangue fervesse de desejo.
Diego não se deu conta do quanto apertava os dentes até que se dispôs a responder-lhe.
—E por que pensava isso?
—Pois porque nas festas nunca o vi tirar para dançar nenhuma dama.
Diego a olhou com renovado interesse. Uma forte emoção o fez respirar com
dificuldade ao saber-se observado por ela durante todos aqueles anos.
—Talvez —conseguiu dizer com voz rouca—, nunca me interessou nenhuma o
suficiente para convidá-la para dançar.
Os azuis olhos de Mary cintilavam ao entrever o que podia significar aquilo.
Derrepente, todos seus sentidos se aguçaram até o limite. Contemplou o semblante sério
dele, e seus olhares ficaram presos um nas profundidades do outro. Sobressaltada, Mary
afastou os olhos que se fixaram em seu pescoço e na pequena veiazinha que batia ali
aceleradamente. Um calafrio a percorreu de cima abaixo e teve que empregar todas suas
forças para reprimir o impulso de baixar a cabeça e colar sua boca contra o latente pulso
dele. Porém sua mão, muito menos obediente que seus lábios, deslizou por seu pescoço
numa suave carícia até chegar à nuca, aonde seus dedos se enredaram nos cachos cor de
ébano.
Diego conteve o fôlego e se deteve por um instante. A música da orquesta parecia estar
longe, da mesma forma que o ruído da água que corria na fonte de pedra no outro lado da
sebe e que os grilos, que pareceram parar seus cânticos. O único que permanecia
envolvendo a ambos era o som de suas agitadas e ritmadas respirações.
Envolta no seu cálido abraço, Mary lhe empurrou delicadamente a cabeça para trás.
—Senhor Lezcano, eu... toda minha vida desejei... quero dizer, eu gostaria de saber o
que se sente ao ser beijada. Assim que... — Mary umedeceu os lábios e, possuída por uma
imprudência temerária, tomou ar obrigando-se a terminar seu incoerente discurso —
senhor Lezcano, você teria a amabilidade de... de beijar-me?
Diego fechou os olhos absorvendo o significado daquelas palavras. Os abriu novamente
e observou sua suculenta boca entreaberta, seus suplicantes olhos azuis, suas bochechas,
seu delicado queixo, a brancura de seu pescoço ... Que linda era.
Seu autocontrole caiu a seus pés, feito em mil pedaços. Diego aferrou sua cintura com
violência e sua mão subiu pelas costas da jovem até seu pescoço. Enterrou os dedos entre
seus cabelos até que todos os grampos se soltaram. Contemplou fascinado como a
cabeleira loira caia em suaves ondas ao redor de seu rosto.
O olhar obscuro de Diego ficou preso na sua boca. Que fácil seria deixar-se levar! Beijá-
la até perder o sentido e invadi-la inteira com sua língua até roubar-lhe o fôlego. Porém
sabia que aquilo não serviria para satisfazer seu descomunal apetite por ela. Se começasse,
um simples beijo não serviria de nada para aplacá-lo. Provavelmente terminaria deitando-
a debaixo dele, lhe arrancaria com os dentes aquele vestido que estava tentando-o toda a

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


noite, e a possuiria com a violência e o arrebato de um animal. "Vamos, homem, ela está te
pedindo!", gritou uma endemoniada voz no seu interior.
Mas aquela não era uma mulher qualquer. Se tratava da virginal Mary Luton que, além
de ser a irmã de seu sócio e melhor amigo, era a única que havia conseguido infiltrar-se
nos seus sonhos e abrandar seu coração. Por ela havia amaldiçoado até fartar-se de seu
vergonhoso passado, por ela havia desejado com todas suas forças ser outra pessoa: um
honrado e perfeito cavalheiro merecedor de reclamá-la para ele. Porém não era assim. Não
era mais que um vigarista estrangeiro que havia chegado a Inglaterra escondido num
barco escapando da justiça de seu país.
Aspirando com dificuldade, Diego obrigou a si mesmo a deixá-la outra vez na cadeira.
Cada dolorido músculo de seu corpo protestou aos gritos ao separar-se dela.
Mary soltou um pequeno gemido de protesto pela brusquidão do senhor Lezcano ao
soltá-la.
—Mas, o que faz? Achei que... —susurrou— que iria beijar-me.
Quando Diego se dispôs a falar, a mandíbula lhe picou dolorida.
—Me agradaria fazer muito mais do que beijá-la — disse com uma voz que não
reconheceu como sua—. Se começasse, não poderia deter-me num beijo. Creia-me, lhe
estou fazendo um favor.
Terrivelmente afligida por seu rechaço, as lágrimas voltaram a marejar o olhar.
—Um favor? —exclamou enquanto a ira começava a ferver em seu interior—. Não seja
idiota! Não necessito que me proteja. Já tenho um irmão para isso e não quero outro. Só
desejo saber o que se sente ao ser beijada como qualquer outra garota, isso é tudo. Mas se
não se considera capacitado para fazê-lo, entrarei e o pedirei a outro.
—Como disse? —grunhiu Diego.
Mary fez girar a cadeira para esquivar-se e se dirigiu para a casa.
—Hoje faço vinte e seis anos e quero que me deem um beijo. Já que você não me deseja,
vou pedi-lo a outro. Boa noite, senhor.
Em dois passos, Diego se colocou à frente interrompendo-lhe o passo. Se inclinou sobre
ela agarrando os apoios para braços da cadeira para detê-la.
—Tu não vais a parte alguma — susurrou em frente ao seu rosto.
Diego olhou seus cintilantes olhos azuis e se perdeu neles.
—Por todos os demônios! — resmungou impotente antes de apanhar seu rosto entre as
mãos e cobrir a boca femenina com a sua.
Os lábios de Mary eram suaves e quentes. O sabor de sua doçura despertou nele um
apetite que esteve a ponto de fazê-lo rebentar em pedaços. Diego movia sua cabeça contra
sua boca explorando-a cada vez mais profundamente. Ela gemeu quando notou como ele
acariciava seu lábio superior com a ponta da língua. Aquele som de prazer o deixou louco.
Desesperado, introduziu a língua e invadiu por completo sua deliciosa boca. Enquanto se
concentrava em devorar seus lábios, havia começado a traçar ligeiros círculos com os

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


polegares nas suas faces ao mesmo tempo lhe segurava a mandíbula. Suas mãos viajaram
até a parte posterior de sua cabeça afundando-se com deleite na sua sedosa melena. Diego
a agarrou pelo cabelo e profanou sua boca com intensos e úmidos beijos até perder o
controle.
Quando percebeu que suas pernas apenas eram capazes de sustentá-lo, Diego separou
sua boca da dela e apoiou sua testa contra a da joven. Respirava com dificuldade,
completamente extenuado de resistir a fazer amor ali mesmo.
—Espero — disse com voz entrecortada — que sua curiosidade tenha sido satisfeita.
Aspirando fortemente pelo nariz, se levantou fazendo uso das poucas forças que lhe
restavam. Se virou e se afastou dela a grandes passadas pela trilha que se estendia pelos
jardins.
Já a sós, sob o indolente olhar das estátuas de pedra do jardim, Diego lançou o rosto
para a brilhante lua, e um uivo de frustração surgiu desde as profundezas de seu ser até
ficar aprisionado na sua garganta para sempre.
Mary observou seus nós dos dedos brancos pela força com que se agarrava aos apoios
de braços, e se deu conta de que havia permanecido todo o tempo aferrada a sua cadeira.
De repente, seu corpo començou a sacudir-se num pranto incontrolável, transpassado por
um esmagador estremecimento que lhe oprimia o peito e que brotava através de seus
olhos em forma de lágrimas. Porém essas lágrimas, que deixavam cálidos córregos por
suas faces, já não correspodiam a um sentimento triste; agora, seu desconsolo provinha de
um lugar muito mais profundo e escuro que a tristeza. Não sabia o que lhe acontecia, mas
o que podia estar segura era de que nunca voltaria a ser a mesma depois daquela noite.
Com muito esforço conseguiu recolher o cabelo com as mãos tremendo. Com a
respiração entrecortada, seus olhos marejados vagaram até a escura trilha pela qual o
senhor Lezcano havia desaparecido. Ao pensar nele e na... naquele incrível beijo, uma
desconhecida energia sacudiu seu peito.
—Ai, Deus meu... — susurrou levando uma mão ao coração.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2200

SARA PASSEAVA INQUIETA DE UM LADO PARA O OUTRO DA SALETA NA


QUAL partilhavam as noites em família. Depois de dar-se conta dos olhares que haviam
atraído durante o baile, Luton havia se separado dela. Porém antes de abandonar a pista
lhe havia susurrado ao ouvido que necessitava falar-lhe a sós, e que o esperasse naquela
saleta privada aonde ninguém os incomodaria.
Sara esfregava as mãos com nervosismo tratando de por em ordem seus pensamentos.
Não compreendia o que estava acontecendo ultimamente entre o Conde e ela. Era como se
derrepente alguém houvesse despertado um gigante adormecido durante anos e este,
aborrecido pela interrupção, houvesse implantado o caos ao seu redo. Sara fez um gesto
melancólico. Sim, isso era exatamente o que ela sentia: um completo e desastroso caos no
seu interior.
Recentemente nada tinha ordem nem concerto na sua vida. Seus primos a estavam
deixando louca. Sobre tudo Robert, que com cada olhar fazia que o seu coração se
acelerasse a uma velocidade endemoniada. Sim, deviam falar. Aquilo não era normal. Não
deviam arrastá-lo mais; aquela noite seria perfeita para aclarar tudo. Seguramente que
encontrariam uma forma de resolvê-lo. Ela estava disposta, ainda que a única solução
fosse partir de Sweet Brier Path. Uma exaltada voz em seu interior protestou com
veemência quando a ideia de afastar-se dele se formou em sua mente.
Um ruído na porta chamou sua atenção. Havia chegado o momento de ser valente e
esclarecer tudo. Sara se virou disposta a encarar seu destino. Porém os olhos azuis que a
encaravam com dureza da entrada da saleta não eram os de Robert. No seu lugar, a
Condessa de Rohard fechou a porta com suavidade e entrou na sala com um gesto severo.
A Condessa se aproximou de Sara e um fingido sorriso espreitou seus lábios.
—Boa noite, querida. Suponho que tua presença aqui não se deve a que a festa te pareça
entediante.
Ainda paralisada pela surpresa, Sara se engasgou com as palavras. Não podia contar a
Lady Luton que aguardava o seu filho. Não serviria de nada que lhe jurasse que somente
queria falar com ele, porque não acreditaria. Reunir-se com um cavalheiro a sós;
contrariava todas as normas de decoro e prudência que uma dama devia seguir. E Sara
sabia que a Condessa não aprovava quase nenhum aspecto de seu comportamento, pois
sua censura não lhe havia passado desapercebida durante todas as noites em família.
Podia dizer-lhe que estava ali tentando afastar-se do burburinho do baile para
descansar um momento; porém isso era uma mentira e ela não sabia mentir, sempre se
notava.
Descartou todas as possibilidades de explicar-se e se limitou a saudá-la tentando que
sua voz soasse firme.
—Boa noite, senhora — disse com um leve tremor —. Não, minha presença aqui não se
deve a que o baile não me pareça bom. De fato, me diverti muito.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


A Condessa suspirou incomodada.
—Sim, disso não me resta a menor dúvida — exclamou com sarcasmo —. O espectáculo
que meu filho e tu deram ali fora levará tempo para esquecer-se.
Sara sentiu como um calafrio percorria suas costas. De modo que aquele encontro não
era casual. A havia procurado para dar-lhe uma reprimenda por... bom, não estava muito
segura do motivo. Porém, pelo visto, lady Luton não tinha nenhuma intenção de sair sem
que antes se inteirasse.
Sara respirou fundo tentando acalmar-se e para que seu tom soasse o mais conciliador
possível.
—Desculpe, senhora, mas não a entendo.
A Condessa, que havia começado a caminhar de um lado para o outro, se virou
bruscamente para ela.
— Não sejas cínica, menina! — explodiu—. Comigo não tens que dissimular nem
fazer-te de mosca morta. Podes tirar a máscara. Sei muito bem o que jogas.
O coração de Sara começou a bater depressa.
—Lhe juro que não a entendo.
Lady Luton se aproximou dela enfurecida. Sara deu um passo atrás ante o ímpeto da
dama.
—Juras? — sibilou junto a seu rosto —. Teus juramentos não valem nada.
Sara não compreendia de onde vinha aquele arrebatamento de fúria se somente havia
dançado com o Conde. Bom, talvez uma ou duas danças demais, porém aquela reação era
igualmente desproporcional.
—Senhora, talvez se nos sentarmos para conversar poderíamos tentar esclarecer...
— Nada! Não temos nada à esclarecer. Quero que descartes o meu filho como um de
teus objetivos. Tu não és para ele. Alguém de sua posição deve escolher entre as damas de
sua classe. As que, por certo, esperavam dançar com ele até que tu apareceste esta noite.
Profundamente magoada com aquelas insinuações, Sara sentiu como se houvessem lhe
jogado em cima um balde de água fria. De modo que a Condessa acreditava que sua
intenção era de capturar o seu filho.
—Desde o momento em que recebi a carta de tua mãe — continuou Lady Luton—,
soube que era uma má ideia. Mas logo Mary se empenhou, e já não pude fazer nada para
evitar o desastre.
Aquilo chamou a atenção de Sara, que a olhou confusa.
—A carta da minha mãe?
—Sim, a carta da tua mãe.
A Condessa foi até sua pequena escrivaninha e pegou um papel dobrado que entregou
a Sara com desdém.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara reconheceu no mesmo instante a familiar letra de sua mãe e leu. Conforme passava
as linhas, um nó começou a formar-se em seu interior e a apertar-lhe o estômago.
Terminou de ler completamente abatida e envergonhada, e compreendeu o enfado de
Lady Luton. Como explicar-lhe? Como dizer-lhe que ela não sabia nada de todos aqueles
planos, que também havia sido enganada, e que sua única intenção desde que havia
chegado ali havia sido a de acompanhar e ajudar Mary?
Sara depositou a folha na mesinha e olhou para a Condessa com desesperança e
impotência.
—Senhora, lhe asseguro que eu não sabia nada sobre isto. — Tomou ar profundamente
tentando se acalmar —. Posso lhe jurar que nunca tive a intenção de...
—Não jures, desvergonhada!
Helen Luton lhe lançou um olhar cruel. Logo, um perverso sorriso surgiu nos seus
lábios.
—Tu e tua mãe o tramaram muito bem. Porém o pior é que te aproveitaste do apreço
que a pobre Mary te tem para entrar aqui, quando tua única intenção ficou clara com esse
vestido e tua vergonhosa atuação desta noite: pretendes esgueirar-te na cama do meu filho
e casar-te com ele.
A Condessa observou durante alguns segundos a face descomposta de Sara, mas aquilo
não lhe fez moderar nem um milímetro seu ataque.
—Não contavas com que te descobrisse, verdade? Qual era teu plano? Chamá-lo aqui e
fazer que alguém os descobrisse para comprometê-lo? Não vou permitir, ficou claro?
Sara compreendeu que era inútil explicar-se. A Condessa já havia formado uma opinião
e, equivocada ou não, era impossível discutir com ela. Seus pensamentos voltaram para
sua mãe e à vergonhosa carta. Deus meu, e pensar que Mary e Robert a haviam lido e
acreditavam que ela havia ido ali para... — um grunhido de dor escapou de sua garganta
— para pescar um marido. Recordou aos mentiras que Lydia havia empregado para
enganá-la e uma ira irrefreável começou a crescer dentro dela. "Quando chegar em casa
vou matá-la", disse a si mesma. Sem fazer caso da expressão severa da Condessa, passou
pelo seu lado e saiu da sala.
Sara percorreu apressadamente o corredor enquanto notava o escorrer das lágrimas.
Limpou os olhos enfurecida com o dorso da mão, e recolheu as saias para ir mais depressa.
Tinha que sair dali o quanto antes.

Enquanto, Robert percorria a grandes passadas os intermináveis corredores em direção


à sala. Chegava tarde e temia que Sara se houvesse cansado de esperá-lo. Recordou com
desgosto a irritante conversa do Marquês de Hull. O ancião Marquês o apanhou quando
tentava escapulir do salão para dar-lhe um discurso interminável sobre as enormes trutas
que havia capturado durante aqueles dias. Sem contar com a interrupção, Robert havia

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


esperado alguns minutos para que ninguém o visse abandonar a festa atrás de Sara; já
haviam suscitado suficientes mexericos durante seu baile. Aquilo não estava nos seus
planos, porém não se importava. Todas aquelas pessoas se inteirariam cedo ou tarde de
que havia se apaixonado por sua prima, pois tinha a intenção de convertê-la na próxima
Condessa de Rohard. Robert sorriu feliz ante aquela ideia e acelerou ainda mais sua
marcha, desejoso de reunir-se o quanto antes com Sara.
Sara não viu a alta figura que se dirigia até ela pelo corredor até que chocou-se contra a
dureza de seu peito.
Robert a tomou nos seus braços, contente de que houvesse saído ao seu encontro. Não
se deu conta de que algo estava mal até que Sara se remexeu com violência para soltar-se
de seu abraço.
— Saia! —exclamou introduzindo os punhos entre seus corpos para tentar afastá-lo.
Desconcertado, Robert contemplou seus olhos chorosos.
—Mas, o que te aconteceu? — perguntou preocupado.
— Solta-me, por favor!
Sara tentou esquivar-se, mas ele a pegou com força pelos braços e a obrigou a olhá-lo.
—Não penso em me afastar até que me digas o que te aconteceu.
As lágrimas desciam livremente pelas faces de Sara.
Robert pegou seu lenço e comovido lhe limpou o rosto segurando-a suavemente pelo
braço.
Sara o deixou fazer enquanto o olhava em silêncio.
Robert voltou a abraçá-la e ela se deixou levar.
Desesperada, Sara enterrou o rosto no seu peito e aspirou o caloroso aroma de seu
corpo. Deus, como iria sentir saudades dele.
—N... não deverias perder teu tempo comigo — disse aspirando pelo nariz sem poder
olhá-lo nos olhos—. Um monte de... de jovenzinhas apropriadas esperam para que dances
com elas.
Completamente confuso, Robert a olhou fixamente procurando extrair algum
significado de suas incoerentes palavras.
—Sara, o que aconteceu? —perguntou suavemente enquanto lhe acariciava o cabelo.
—Acontece que me vou. Vou embora daqui.
Um gesto de alarme atravessou o semblante de Robert.
—Como? — disse com aspereza—. Nada disso.
—Sim, tudo foi uma mentira.
— Não entendo nada! — exclamou frustrado. Robert lhe pegou pela mão e a puxou.
—Vem, iremos para a sala e falaremos com mais calma.
—Não!

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara deu um puxão e soltou sua mão. Correu escadaria acima com ele pisando-lhe os
calcanhares. Alcançou a porta de seu quarto e entrou nele.
Robert tratou de alcançá-la, porém chegou tarde e a porta se fechou no seu nariz.
Sara começou a pegar todos seus vestidos e a colocá-los desordenadamente sobre a
cama. Olhou para a porta e permaneceu impassível aos golpes que Robert lhe dava e que
ficavam amortecidos pela música que subia desde o salão.
— Sara! — gritou zangado—. Abra a porta.
—Não, vá embora!
A mente de Robert funcionava a toda velocidade. Podia seguir esmurrando a porta e
começar um bom escândalo; ou poderia recorrer à única pessoa capaz de convencer Sara:
sua irmã.
Impotente, Robert lançou um último olhar para a porta e se afastou a toda pressa para
buscar Mary.
Ao descer as escadarias viu que sua irmã entrava no vestíbulo por uma das portas do
terraço. Robert foi até ela e observou que também estava chorando.
—Mas o que acontece esta noite? —exclamou olhando para o céu.
Mary o olhou sem comprender e secou as lágrimas com o dorso da mão.
Robert suspirou desanimado e procurou na sua casaca em busca de um lenço. Porém
lembrou que o havia dado a Sara. A única coisa que encontrou foi uma luva branca de gala
que estendeu para sua irmã.
Mary o olhou confusa.
—Terás que desculpar-me — exclamou ele com ironia —, mas o lenço foi levado por
outra fonte inesgotável de lágrimas.
Mary o olhou com irritação enquanto assoava na luva.
—De que estas falando, Robert?
—Pois nossa querida prima saiu correndo da festa chorando como uma madalena e se
trancou no seu quarto dizendo que vai embora.
—Como vai embora? —exclamou Mary alarmada voltando o olhar para a escadaria.
Se virou bruscamente até seu irmão e lhe dedicou um olhar assassino.
—O que lhe fizeste?
—Eu? —disse ele impotente.
Mary empurrou sua cadeira até as escadas e extendeu os braços para Robert.
—Depressa, suba-me.
Robert a tomou nos braços e a levou ao piso superior.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2211

MENTIROSA, MANIPULADORA... ISTO EU NUNCA TE VOU PERDOAR NA VIDA,


mamãe. Que vergonha!". Os pensamentos de Sara voavam frenéticos enquanto terminava
de tirar sua roupa do armário.
Naquele momento, uns ligeiros golpezinhos soaram na sua porta, e a suave voz de
Mary chegou desde o outro lado.
—Sara, querida, deixa-me entrar por favor.
—Deixa-me sozinha, Mary.
Robert olhou para sua irmã e apontou para porta enquanto com seus lábios articulava
um " O que te disse?".
Mary se virou sem fazer-lhe caso e voltou a chamar na porta.
—Sara, querida, preciso que me ajudes.
Robert estreitou os olhos observando como a sua incorrigível irmã lançava todas suas
armas de manipulação.
Um som na maçaneta fez a ambos comprender que Sara havia aberto o trinco.
Sara se afastou da porta justo no momento em que os dois irmãos entraram como um
trovão.
Robert levou as mãos à cintura e observou com o cenho franzido os amassados vestidos
sobre a cama.
— Aonde crees que vais? —perguntou em tom abrupto.
Sara passou a seu lado sem olhá-lo no rosto.
—Vou para casa.
—Ah, não — disse ele enquanto tomava um de seus vestidos e voltava a colocá-lo
desajeitadamente no armário —, nem fale nisso.
Mary permanecia calada e observava a Sara fixamente.
—Robert, deixa-nos a sós — disse por fim, sem afastar os olhos de sua prima.
—Não — respondeu obstinado.
Mary foi até seu irmão e o contemplou melosa.
—Robert, se não te fores, não poderei saber o que acontece nem como solucioná-lo.
Observou sua irmã, logo a Sara, e seu olhar voltou para Mary. Absolutamente relutante,
Robert deu a volta e saiu do quarto.
Mary escutou Sara xingar enquanto se movia nervosa pelo quarto.
—Bom, e que importa como foi?
—Me enganou, Mary, não te das conta? Minha mãe só queria que viesse aqui para
aproveitar-se de vocês . — Sara cobriu o rosto com as mãos completamente envergonhada.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara contou a Mary a suja artimanha de Lydia. Porém omitiu como havia descoberto a
carta já que não lhe mencionou a discussão que havia mantido com a Condessa. Não
queria que Lady Luton pensasse que tentara confrontar seus filhos.
—Mas, Sara, é somente uma questão de ordem formal — replicou Mary.
Sara não a escutava e caminhava de um lado para o outro do quarto, tentando preparar
sua bagagem. Se agachou e pegou uma maleta de debaixo da cama na qual começou a
guardar desordenadamente sua roupa.
Mary a contemplou inquieta.
—Sara — disse suavemente enquanto tirava os vestidos da maleta —, o único que
importa é que, ao final, tu está ajudando mais a nós que a contrapartida.
Sara pegou das mãos de sua prima a roupa.
—Mary, fiques quieta!
— Não! — exclamou zangada —. Não podes ir-te. Ainda tens que ajudar-me.
—Ajudar-te? Mary, não digas bobagens.
— Bobagens?! — gritou —. Venha ver o quão bobas que temos sido.
Mary girou sua cadeira com tanto ímpeto que esteve a ponto de capotar. Abriu a porta
com tal arrebato que a bateu com estrondo contra a parede, enquanto saía a toda
velocidade do quarto.
Preocupada, Sara foi atrás dela.
Robert, que havia permanecido no corredor caminhando de um lado para o outro,
contemplou desconcertado a saída de sua irmã.
Sara saiu atrás dela e se deparou com o olhar interrogativo dele. Os dois se viraram na
direção que Mary havia tomado e foram atrás dela.
Mary entrou no seu quarto como uma expiração e se dirigiu até as barras paralelas.
Robert e Sara apareceram ao mesmo tempo no vão da porta.
Mary lhes lançou um olhar desafiante.
—Bobagens, é?
—Mary... —começou a dizer Sara com ar cansado.
—Calados e sentados os dois! — gritou impaciente. Ambos se olharam e se sentaram na
beira de um sofá ao mesmo tempo.
Depois do que lhe havia passado no jardim, Mary necessitava de Sara mais do que
nunca. Devia retê-la ali de qualquer maneira. Que ela se fosse não era uma opção. Mary
observou os dois extremos das barras e tomou ar absolutamente decidida a tentá-lo uma
última vez. Rezando, se agarrou com firmeza às barras e fez um grande esforço para pôr-
se de pé. Suas pernas pareceram ouvir suas preces porque a sustentaram na primeira
tentativa.
Robert se pôs de pé e contemplou aquele milagre com o coração martelando no peito.
Olhou atônito para sua irmã e logo para Sara, que permanecia sentada como se aquilo não

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


a surpreendesse. Será que não compreendia que Mary acabara de desafiar os prognósticos
dos melhores médicos do mundo?
Sara pegou seu braço e o puxou. Robert voltou a sentar-se atônito, sem afastar os olhos
de sua irmã.
Conseguindo manter o equilíbrio com bastante perfeição, Mary contemplou a ponta de
seus pés até que, com um esforço titânico, o esquerdo se moveu por si só até a frente. Mary
respirou com dificuldade, profundamente emocionada com seu pequeno e torpe primeiro
passo.
Deslizou suas mãos pelas barras e, com outro embate de energia, conseguiu que o pé
direito se unisse ao esquerdo.
Mary os olhou sorridente com o rosto empapado de suor. Porém a imagem de seu
irmão e Sara começou a distorcer-se e a fundir-se no negro. Repentinamente, uma
profunda debilidade assaltou todo seu corpo e seus braços começaram a tremer.
Quando compreendeu que sua irmã iria desmaiar, Robert se levantou e a tomou nos
braços para levá-la para cama.
Robert contemplou preocupado o rosto de Mary, mas ela lhe devolveu um
tranquilizador sorriso.
—Estou bem, Robert, deixe-me na cadeira.
Robert a colocou com cuidado na cadeira e a olhou intensamente emocionado.
—Era para isso eram as barras?
Mary riu cansada e abraçou seu irmão.
Sara permaneceu sentada e contemplou a cena como se não estivesse no quarto.
Observou àquele homem poderoso chorar emocionado enquanto abraçava o corpo flácido
de sua irmã, e uma profunda angústia se apoderou pouco a pouco dela. Queria aproximar-
se e derreter-se com ele. Desejava formar parte de todo seu ser. Lentamente, uma certeza
irrefutável atravessou como um raio de luz sua alma: havia se apaixonado por Robert
Luton. Não sabia desde quando, talvez desde sempre.
Sara exalou um profundo suspiro e as lágrimas escorreram com suavidade por suas
faces: havia encontrado o homem de sua vida.
Mary contemplou Sara, que permanecia em silêncio com os olhos outra vez marejados
de lágrimas.
—Ainda segues pensando que não deverias ter vindo?
Sara se levantou e saiu correndo até eles. Se ajoelhou a seu lado e os abraçou
estreitamente.
Os três permaneceram abraçados durante um bom tempo até que o corpo de Mary
começou a agitar-se.
—Me estás esmagando as pernas — exclamou com a voz alquebrada de riso.
Robert e Sara a contemplaram surpreendidos, e os três irromperam em gargalhadas.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary secou as lágrimas.
—Não te vais, não é verdade? — murmurou ansiosa voltando-se para Sara.
O olhar de Robert voou ávido até ela. Sara contemplou os dois pares de olhos azuis
observando-a expectantes e negou com a cabeça.
—Não — susurrou emocionada —. Fico aqui.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2222

OS FESTEJOS AINDA DURARAM VÁRIOS DIAS MAIS. DURANTE O DIA, AS


DAMAS se reuniam para jogar bridge ou para dar bucólicos passeios pelos jardins
acompanhadas por algum cavalheiro. Perto das cinco começava a ser servido o chá nas
saletas do primeiro andar. Era o momento no qual se organizavam diferentes reuniões
femininas para pôr-se em dia dos possíveis casais e enlaces, que se estabeleciam durante as
ceias e bailes com os quais os convidados eram entretidos pelo Conde de Rohard.
Os cavalheiros organizaram jornadas de pesca das mais produtivas ao longo da
semana. Luton e Lezcano não desperdiçaram nenhuma oportunidade de ganhar o apoio
para levar adiante sua inovadora proposta de lei. Diego, mais atento sempre à
posibilidade de negócio que às boas obras, mostrou grande interesse na máquina de
Babbage, e prometeu visitá-lo na universidade para conhecer mais sobre sua máquina
analítica e seu funcionamento.
Sweet Brier Path não recuperou sua normalidade até várias semanas depois, quando o
último convidado havia se ido. Tudo pareceu retornar então à feliz rotina de antes. Robert
revisava o estado de seus arrendatários e acabava sua apresentação para o Parlamento, o
que o mantinha ocupado durante todo o dia. Diego Lezcano ficou depois dos festejos para
colocar em dia o Conde sobre o estado de seus investimentos.
Sara voltou agradecida à rotina. Mary e ela regressaram com renovadas energias a seus
treinamentos diários. Depois da noite do baile vislumbraram a meta daqueles exercícios
com uma esperança diferente, mais real. Porém não passou despercebido à Sara que algo
havia mudado na sua amiga. Seu caráter havia se tornado mais dócil, ainda que desde o
dia do baile parecia que algo a inquietava. No transcurso de suas sessões matinais perdia a
concentração mais do que o normal, permanecia longos instantes com o olhar perdido, e
durante suas conversas se distraía com bastante facilidade.
Foi ao longo daqueles dias quando chegou uma carta de Ravenville, mas, ainda
chateada com as mentiras de sua mãe, Sara se negou a responder até serenar-se e pensar
com clareza o que iria dizer-lhe. Ao invés disso, escreveu para a boa Rose para contar-lhe
o muito que avançara com Mary.
No que tocava à Condessa, seu trato não mudou de forma sustancial. Suas enxaquecas a
mantinham encerrada no seu quarto durante a maior parte do dia e aparecia à hora do
jantar com aspecto cansado. Sara decidiu não piorar mais ainda sua relação com Lady
Luton e não contou a seus filhos a discussão que haviam tido na noite da festa. Não queria
que Mary e Robert se aborecessem com ela e fomentar ainda mais o ódio que já lhe tinha a
dama.
Depois de descobrir seus sentimentos pelo Conde, Sara procurou manter uma distância
prudente. Porém lhe foi impossível: o amava. Durante o dia sentia menos falta e se
descubria repassando sua última conversa e sorrindo como uma boba ao recordar suas
provocações e duelos verbais. Desejava com desepero que chegasse a noite para vê-lo. Lhe

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


encantava comprovar o efeito que suas sutis brincadeiras provocavam nele, fazendo que
um brilho particular acudisse aos seus preciosos olhos azuis.
Durante o jantar, ambos se engastavam em acalorados debates acerca de qualquer coisa:
moda, o voto feminino, Napoleão, a economia inglesa... inclusive o clima constituía um
tema de sumo interesse para ambos. A Condessa permanecia alerta a todas e animadas
conversas e, sobre tudo, aos intensos olhares que Robert e Sara se dedicavam. No que
dizia respeito a Mary e ao senhor Lezcano, ambos guardavam silêncio observando o
combate dialético que se desenrolava à mesa. Mas para Sara não passava desapercebido o
fato de que Mary estava mais tímida e inibida que o normal, sobre tudo na presença do
sócio de seu irmão. Por sua parte, havia descoberto ao senhor Lezcano em mais de uma
ocasião observando Mary com uma intensidade que lhe fazia suspeitar que algo havia
ocorrido entre eles.
Depois de algumas semanas, Diego Lezcano se foi para Londres e Mary pareceu voltar
a ser a mesma durante os jantares e os posteriores serões. No entanto, durante o dia
parecia ensimesmar-se facilmente, e Sara a havia surpreendido algumas vezes chorando as
escondidas. Não lhe perguntou nada. Mary lhe contaria quando estivesse preparada, não
queria presioná-la.
O verão logo deu lugar ao outono e este ao frio inverno. Sweet Brier Path se adornou
para as celebrações natalinas e Mary, ajudada por Sara, se empenhou na organização do
leilão anual de arrecadação de fundos para os mais necessitados. A licitação se organizaria
na igreja no dia anterior ao Natal.
As noites se tornaram longas e a família passava muito mais tempo no calor do fogo.
—Robert, logo vamos celebrar o leilão natalino, o que pensou em doar este ano? —
perguntou Mary olhando o seu irmão, que lia o jornal ao lado da lareira.
Sara levantou os olhos de seu livro e contemplou Robert.
—O que te parece uma sela de montaria? — respondeu ele.
Mary assentiu satisfeita.
Robert fingiu continuar com sua leitura, porém seus olhos se prenderam nos de Sara.
Sua longa e selvagem cabeleira escapava de seu penteado e a luz do fogo dançava no seu
rosto banhando-o de reflexos dourados.
A desejava; como a desejava.
Depois de sua tentativa de ir embora de Sweet Brier Path durante a festa de aniversário
de Mary, Robert decidiu não presioná-la com a intenção de dar-lhe espaço para que se
acostumasse àquele lugar ao qual ele pertencia, e que tanto desejava compartilhar com
ela. Mas, pelo visto, quando tomou aquela decisão não tinha nem ideia do inferno que
enfrentaria. Cada fibra de seu corpo ansiava pelo seu contato. Quando se deitava na cama
devia aferrar-se à colcha para não sair em busca, em plena noite, e fazer amor com ela de
todas as formas imagináveis. Sara se colava nos seus pensamentos a cada momento do dia,
e invadia seus sonhos a cada noite. Robert despertava empapado de suor depois de sonhar

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


que explorava cada um de seus encantos até enterrar-se no seu doce corpo com sumo
deleite.
Sara lhe sorriu com afeto e ele lhe devolveu o sorriso. Ela era a única que poderia
conseguir que somente com aquele inocente gesto, seu coração batesse acelerado. Sim,
decididamente teriam que conversar num daqueles dias.
O ligeiro pigarrear da Condessa arrancou a ambos de seu transe.
—Sara, querida, suponho que tenhas desejo de reunir-te com tua família para celebrar
estas festas — disse Helen Luton esboçando um fingido sorriso de compreensão.
Sara não havia pensado em viajar para Ravenville para o Natal. Ainda seguia muito
chateada com sua mãe. Nas cartas, Rose lhe informava que tudo seguia como sempre e
isso a tranquilizava.
Mary baixou em seguida seu trabalho de costura.
—Nada disso— exclamou alarmada virando-se para Sara—. Tens que ficar. Conto
contigo para ajudar-me a preparar o leilão e tenho muita vontade de que passes aqui a
Noite Boa. Afinal esta também é tua família.
Robert a observou com expectativa.
Sara observou a todos profundamente emocionada.
—Me encantaria compartilhar a Noite Boa com vocês, já que eu também os considero
minha família.
Aquela declaração fez transbordar o coração de Robert.
—Porém — continuou Sara — tens razão senhora, minha mãe também desejará minha
companhia. Durante as festas fica muito triste, pois é quando mais sente falta do meu pai.
Se lhes parece bem, ficarei para o Natal e irei para Ravenville para celebrar o Ano Novo.
Robert se remexeu incômodo na poltrona. Enquanto, Mary a olhava com lágrimas nos
olhos. A única que permanecia impassível era a Condessa que a observava sem emoção.
—Sara, não me agradaria que te fosses — susurrou Mary tentando reprimir o pranto —.
Porém comprendo que seria egoísta de minha parte tentar detê-la a meu lado enquanto
tua mãe tem que passar sozinha estas festas.
—A menos que... —interrompeu Robert pensativamente.
A atenção das três mulheres se centrou nele.
—A menos que o que? — perguntou uma impaciente Mary —. Não entendo por que
nunca terminas as frases, e mais ainda quando se trata de algo tão importante. Robert,
deverias...
Robert silenciou sua nervosa irmã com um gesto da mão e um sorriso aflorou nos seus
lábios ao dar-se conta de que aquela ideia poderia servir, e muito, a seus futuros planos
com Sara.
—A menos que a senhora Brown se desloque para Sweet Brier Path para passar as
festas conosco. Assim não teriam que passá-las separadas e ela não estaria tão triste.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara o olhou profundamente comovida ao dar-se conta de que ele pensava no bem-estar
de sua família como se fosse a sua. Assentiu lentamente, sem perder o pronunciado olhar
de advertência que a Condessa lhe lançou. Mas Sara decidiu ignorá-la. Que demônios!
Estava feliz.
—Poderia convidar Rose? Ela é nossa criada e já está conosco há muitos anos. É como
se fosse da família.
—Claro que sim — responderam Mary e Robert juntos.
Sara lhes sorriu e se pôs de pé no mesmo instante. Ainda que fosse verdade que ainda
seguia chateada pelas mentiras de sua mãe, também era certo que já estava há quase um
ano sem vê-la e sentia saudades. Provavelmente, a carta não chegaria a tempo para que
Rose e sua mãe pudessem vir no Natal, mas certamente que poderiam estar em Sweet
Brier Path para festejar o Ano Novo.
—Perfeito, então vou escrever-lhes agora mesmo. Deus meu, minha mãe vai pular de
alegria.
Foi até Mary e a beijou na bochecha. Ao passar diante da Condessa se inclinou perante
ela e lhe agradeceu por sua amabilidade.
Robert havia se levantado ao mesmo tempo que ela. Quando Sara passou pelo seu lado,
não pode reprimir o desejo de agradecê-lo de forma especial. De modo que se pôs na
ponta dos pés, apoiou suas mãos nos ombros dele e lhe deu um ligeiro beijo na bochecha.
—Obrigada, Milord.
O gesto provocou uma sacudida no interior de Robert. Aturdido, levou a mão ao rosto e
observou Sara sair da sala caminhando rápido. Se sentou mecanicamente e não escutou as
palavras de recriminação de sua mãe, nem a contestação de Mary; somente ouvia as fortes
batidas de seu coração que retumbavan no peito.
—Fantástico — resmungou a Condessa em tom mordaz—. Agora Sweet Brier Path
recebe a servos como convidados e o que será a seguir, Robert, filho? Vais acolher aos
mendigos com as honras de um Rei?
Mary a olhou irritada.
—Oh, mãe aonde está teu espírito natalino? Sempre acreditei que os mais afortunados
deveríamos ser especialmente generosos nesta época do ano.
A Condessa se levantou visivelmente contrariada.
—Vou para a cama. Já voltou a me doer a cabeça.
—Boa noite, mãe.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2233

O DIA DE NOITE BOA AMANHECEU MUITO NUBLADO E ANORMALMENTE


FRIO. Envolta num grosso casaco, Sara decidiu ir até a paróquia para levar pessoalmente
as doações dos Luton: uma toalha de mesa bordada que cediam Mary e a Condessa, e a
bonita sela de montaria do Conde. Na igreja se encontrou com o casal de anciões que a
havia acompanhado na sua viagem a Rohardshire. Estavam com um casal jovem e dois
meninos encantadores que apresentaram a Sara como sua família.
Todos trataram Sara com muita cortesia, pois havia corrido a boca pequena que era a
prima do Conde. Receberam igualmente os donativos com enorme felicidade. A esposa do
vigário lhe assegurou que aquele ano estavam seguros de conseguir dinheiro suficiente
para a reforma da abadia, na qual acolhiam a vinte órfãos naquele momento.
Depois de agradecer a todos sua amabilidade, Sara empreendeu o caminho para casa
desejando chegar para contar para Mary e para Robert a boa acolhida que haviam tido
suas doações. Quando saiu da igreja, percebeu que a luz a essa hora do dia era muito
escassa, olhou para o céu e comprovou que havia se coberto de escuras nuvens que
ameaçavam uma tempestade. Menos mal que seu chapéu estava marrado ao pescoço com
uma fita pois, senão, já o haveria levado o vento que já soprava com força.
Sara se virou sorrindo para o cocheiro que lhe abria a porta da carruagem.
—Vamos rápido para casa, Charles. Isto não parece nada bom — disse elevando a voz
para que o servo pudesse ouvi-la.
O homem lhe devolveu o sorriso enquanto segurava o chapéu de três pontas, que
ameaçava sair voando.
—Sim, senhorita.
Quando Sara chegou à mansão e entrou no vestíbulo, o vento golpeava fortemente
contra os vidros e o teto, inundando a casa com desagradáveis assobios. Embora ainda não
fosse hora do almoço, a escuridão no exterior era tal que todas as luzes haviam sido acesas
como se fosse noite.
Sara entregou seu casaco e o chapéu ao mordomo que chegou à porta para recebê-la.
—Obriada, Wallace. Que dia! — exclamou Sara esfregando os braços para se aquecer.
—Pode-se dizer isso, senhorita. É o dia mais frio que lembro, e tenho sessenta anos.
Sara lhe sorriu amplamente e se aproximou da lareira do vestíbulo para esquentar-se
um pouco.
—E Lady Luton? Já se acordou?
—Sim, senhorita. Está na biblioteca e perguntou por você. Creio que estava bastante
aborrecida.
Sara se virou para o ancião com preocupação.
—Por quê? O que aconteceu, Wallace?
—Ao que parece o gato desapareceu.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Sara esboçou um sorriso de incredulidade.
—Smokie? Mas isso é impossível. É tão preguiçoso que nem sequer sai para tomar sol,
aonde iria com este clima?
O mordomo encolheu os ombros e saiu por uma das portas levando consigo as roupas
de Sara.
—Mary? — exclamou Sara enquanto golpeava a porta da biblioteca e introduzia a
cabeça sem esperar resposta.
Mary estava ao lado do grande janelão olhando para fora. Sara entrou no quarto e foi
até ela.
—Mary?
Mary se virou até ela como se não a houvesse escutado até aquele momento. Tinha os
olhos chorosos.
—Sara — soluçou —, Smokie desapareceu.
Sara se ajoelhou na frente dela e a olhou compreensivamente.
—Porém, aonde pode ter ido com este tempo? Seguramente que está acima, em algum
dos quartos no calor do fogo ou sob alguma manta.
—Não, Sara. O procurei por todas as partes. Além disso já o estou chamando há horas, e
ele sempre vem quando o chamo. — Cobriu o rosto com as mãos e chorou
desconsoladamente —. Ce... Certamente que saiu de casa e Agora não sabe voltar e...
estará por aí perdido.
Mary olhou para Sara completamente abatida.
—É meu amigo, Sara, me acompanha em muitos momentos maus da minha vida. Ele
era o único a quem não parecia importar minha enfermidade. Simplesmente, me queria
pelo que era. Eu também o quero, e agora... — voltou a explodir em soluços — agora v...
vou perdê-lo.
Sara contemplou Mary e sentiu uma profunda angústia ao perceber sua fragilidade.
Além disso, durante o tempo que ela estava ali, também havia chegado a apreciar a aquela
bola de pêlo terna e brincalhona. Ainda que, diferentemente de Mary, acreditava que
Smokie não havia saído de casa, e que provavelmente estava escondido esperando que
todo mundo saísse em sua busca.
Sara abraçou Mary tentando tranquilizá-la.
—Calma, querida. Sairei para procurá-lo e o trarei para casa são e salvo, já o verás.
Mary limpou as lágrimas e olhou para sua amiga.
—De verdade farias isso por mim? — perguntou aspirando pelo nariz.
Sara assentiu e lhe deu um terno beijo na face.
—Não duvides nem por um momento. Estarei de volta antes da hora da refeição com
Smokie embaixo do braço. Te prometo.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


A Condessa encontrou o seu filho sentado no seu escritório com a cabeça enterrada
numa pilha de livros. Como sempre desde a morte de seu pai, Robert não fazia outra coisa
além de trabalhar. Não pensava em casar-se nem em ter filhos. Não, ele somente
empregava seu tempo em negócios e política. O olhou da porta e entrou resolvida a que
aquilo começasse a mudar.
—Filho, preciso falar contigo.
Robert levantou a cabeça muito devagar e contemplou a sua mãe durante um minuto
antes de responder. Não recordava a última vez que a Condessa havia ido vê-lo para falar.
Passava a maior parte do dia encerrada no seu quarto afetada por alguma indisposição.
—Entre, mãe — disse depois de levantar-se e indicar-lhe que se sentasse numa poltrona
na frente da chaminé. Vejamos o que é tão importante que não pode esperar o jantar?
Helen passou ao seu lado e se acomodou agradecendo o calor do fogo. Aquele era o dia
de dezembro mais frio que recordava. Robert se serviu uma taça e se sentou em frente a
sua mãe, que o observava fixamente como se esperasse encontrar algo em seu aspecto.
—Robert, filho — falou decidida —, já estou há algum tempo preocupada. Não quis
dizer-te nada porque és um homem, e muito capaz, como todo mundo diz.
Robert se moveu incomodado. Sua mãe utilizava a adulação como ninguém para
preparar o terreno e, quando o fazia, era porque o que viria provavelmente o
desagradaria.
—Mãe...
A Condessa o interrompeu com um gesto de mão.
—Filho, deves casar-te.
"Lá vamos", pensou Robert com ironia. Já fazia um longo tempo que sua mãe não lhe
recordava suas obrigações para com o título dos Luton.
—Não quero pensar que algo te acontecerá. E creia-me que sim me preocupo, não o faço
por mim; eu já sou uma velha e sei que logo morrerei. Porém ... pensaste na tua irmã? —
Helen soluçou e levou uma mão ao coração —. O que seria da pobre Mary se ficasse só
neste mundo?
Robert olhou para sua mãe irritado. Estava farto de ser manipulado.
—Mãe, Mary tem um dote que supera em muito o de qualquer jovem de sua classe.
Além disso me assegurarei de que receba uma atribuição anual somente para ela.
Robert se levantou para dar por finalizada aquela fútil conversa.
—Porém desta vez tenho que dar-te razão numa coisa: devo casar-me.
Helen também se havia posto de pé e olhava para seu filho de frente. Não podia
acreditar que houvesse conseguido convencê-lo. A menos que... Um horrível
pressentimento cruzou por sua mente.
—E já escolheste a garota? Robert, esta é um decisão que devemos pensar muito bem. O
bom nome e o futuro do nosso nome estão em jogo.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Robert se aproximou lentamente de sua mãe e a olhou cauteloso durante vários
segundos.
—Pode ficar tranquila, mãe, já escolhi a garota e creia-me — concluiu com ternura —, se
me aceitar, serei o homem mais afortunado.
Um gesto de alarme atravessou o semblante de sua mãe.
—Quem é? Como poderia rechaçar-te? Robert, espero que tenhas elegido corretamente.
Esta é uma decisão que não deves tomar levianamente. Por favor, diga-me quem é.
—E assim você decidirá se é boa ou não — replicou com impaciência —. Creio que seria
eu o que deveria escolher.
Robert atravessou a sala. Não queria continuar com aquela conversa nem um minuto
mais. Abriu a porta e esteve a ponto de se chocar com sua irmã que se dirigia a toda
velocidade para ele. Mary entrou no gabinete com uma exalação. Tinha o cabelo revolto,
como se houvesse passado as mãos por ele várias vezes, e os olhos vermelhos e inchados.
Robert a observou preocupado ainda segurando a maçaneta da porta.
—Mary, o que houve?
Mary olhou para sua mãe com ligeira surpresa. Mas não concedeu maior importância a
sua presença ali. Tinha coisas mais importantes em que pensar.
—Sara desapareceu.
—O que? —perguntaram sua mãe e Robert juntos.
—Foi minha culpa. Smokie sumiu durante a noite e o disse a Sara. Ainda não havia
começado a chover e lhe pedi que fosse procurá-lo. E ela... ela me prometeu que o
encontraria.
Robert foi até sua irmã e se ajoelhou em frente a ela.
—Queres dizer que Sara está lá fora? — exclamou acenando para a janela.
Um buraco negro se abria além do vidro regado pela chuva. Fora era impossível
reconhecer algo. O jardim e o gramado haviam desaparecido nas penumbras: era a
escuridão total.
Mary cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar.
—Se algo lhe acontecer, será culpa minha, e eu... — soluçou — jamais poderei perdoar-
me.
—Mary, acalme-se. Disseste que ainda não havia começado a chover quando saiu de
casa.
Mary assentiu com a cabeça.
—Quanto tempo faz isso? — Robert tentou que sua voz soasse o mais tranquila
possível.
—Desde a manhã... fazem horas. Robert, crês que pode haver lhe ocorrido algo ruim?

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Somente a ideia de que Sara estivesse ferida o atormentava de uma maneira espantosa.
Robert apertou o punho contra a boca num gesto desesperado e tomou ar de forma
enérgica. Se pôs em pé de imediato e partiu veloz da sala.
Já não escutou as reclamações de sua mãe, nem o pranto de sua irmã. Toda sua mente
se concentrava agora num único objetivo: Sara.
"Deus, por favor, que não lhe aconteça nada ruim", rogava Robert uma e outra vez
enquanto se envolvia na sua gabardine e enfrentava à terrível noite.

Sara contemplava o clarão dos relâmpagos através da janelinha do celeiro no qual


estava refugiada há horas. Se agachou com um sorriso e acariciou a suave cabeça de
Smokie, que descansava enrolado sobre um montinho de palha. Estava tentando se acalmar
por um momento. Esperava que aquele celeiro feito de madeira resistisse aos embates do
vento e do granizo. Porém estava longe de casa e as tormentas nunca a haviam agradado.
—Não me olhe assim — disse ao gato que a contemplava meloso—. Se não fosse por ti,
não estaríamos nesta enrascada.
Já havia percorrido vários lugares da campina procurando por Smokie quando a
tormenta desabou. Correu em busca de refugio e quase tropeçou com aquele albergue.
Quando entrou se deu conta em seguida de que vários animais haviam escolhido o mesmo
lugar para abrigar-se do mal tempo. Entre eles, algumas ovelhas e um mal-humorado
carneiro que não se agradou em nada da visita de Sara. Quando entrou pela frágil porta, o
animal atravessou o lugar a toda velocidade disposto a investir com seu pontudo chifre.
Sara se agarrou fortemente à escada de madeira que subia para o segundo piso do celeiro.
Ali não pode encontrar grande coisa: alguns montes de palha, uma velha lanterna que
ainda dava luz e, para sua surpresa, uma bonita gatinha com sua ninhada de recém
nacidos e Smokie, que descansava ao lado dos gatinhos com ar protetor. E um daqueles
filhotes, idêntico a ele, delatava o que havia estado fazendo ultimamente.
Enternecida, Sara acariciou Smokie, que lhe deu as boas-vindas com um suave ronronar.
—Que patife sem vergonha é você, amiguinho. Bom, não vais nos apresentar?
Sara se sentou no chão de madeira ao lado da feliz família. Primeiro acariciou a mãe,
que era tão dócil como seu namorado. E, comovida, pegou um dos três filhotes, que se
retorceu protestando entre suas mãos. Acariciou sua cabecinha com um dedo e pensou
que Mary iria ficar louca quando os visse.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2244

A MEDIDA QUE HAVIAM SEGUIDO PASSANDO AS HORAS, A PREOCUPAÇÃO


DE SARA foi aumentando. Já anoitecera e não tinha nem ideia de quando poderia
regressar para casa. Pensou várias vezes em sair e tentar voltar, mas a forte chuva e a falta
de luz lhe fariam impossível encontrar o caminho de volta. A ideia de passar ali a noite
não lhe atraía em absoluto. O que pensariam na mansão? Certamente que já haviam
notado sua falta. Não obstante, o tempo estava tão terrível que ninguém poderia sair em
sua procura até que o temporal diminuísse um pouco.
Sara tornou ao presente quando um novo relâmpago rasgou o céu. Foi até os gatos e os
cobriu com um pouco de palha esperando que não se assustassem. Estremecida, se
envolveu no seu casaco e se encolheu num canto abraçando as pernas. O vento açoitava
com tanta força o teto que parecia que iria sair voando de uma hora para outra. Sara
enterrou o rosto nos seus joelhos e rezou para que tudo aquilo terminasse logo. E foi então
que um som chamou sua atenção. Por debaixo de todo aquele estrondo, o vento pareceu
gritar seu nome. Sara se levantou e virou a cabeça para poder escutar melhor. Diz-se que
em momentos de forte ansiedade a mente pode pregar peças. Mas então voltou a ouvi-lo:
alguém gritava chamando-a.
—Sara!
Robert voltou a gritar seu nome uma vez mais. Sua voz já começava a ficar rouca pelo
esforço. Com barro até os joelhos e envolto na sua gabardine negra, estava há horas
procurando-a e esperando ouvir uma resposta. Porém não havia tido sorte. A forte chuva
apenas lhe deixava abrir a boca e o vento lhe açoitava o rosto com violência. Havia
pensado em regressar para a casa. Talvez algum dos criados que o acompanhavam na
busca havia tido mais sorte que ele. Mas a imagem de Sara perdida ou, o que era ainda
pior, ferida, lhe esmagava o coração e o apertava com força. Não, não desistiria até
comprovar pessoalmente até o último rincão da propriedade.
—Sara!
Gritou e aguardou. Porém o único que lhe respondeu foi o vento. Ainda que algo
diferente soou ao longe. Lhe pareceu que uma voz atravessava o feroz uivo da
tempestade. Se deteve um instante e girou a cabeça para poder ouvir melhor.
— Sara! — voltou a gritar com força. E esperou com expectativa.
Efetivamente, o vento lhe devolveu uma voz assustada.
—Aqui!
Robert saiu correndo a toda velocidade em sua direção. Tal foi o ímpeto que esteve a
ponto de cair no solo escorregadio.
—Sara! — A violenta batida de seu coração apenas o deixava ouvir—. Aonde estás?
Sara segurava com força a janela do celeiro para que o vento não quebrasse a frágil
madeira.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


— Por aqui!
Podia ouvir à pessoa que gritava seu nome cada vez mais próxima. Aquela voz lhe era
tão familiar que sua mente a reconheceu em seguida.
— Robert! — vociferou com todas suas forças contra a escura noite—. Por aqui.
Robert, que apenas podia ver o que tinha diante dos pé, quase dá de cara com a alta
estrutura de madeira que apareceu em frente a ele. Abriu a porta do celeiro com
dificuldade e entrou no seu interior acompanhado de uma tromba de água. Esgotado,
apoiou as costas contra a porta quando a fechou.
—Olá.
Robert elevou o olhar e seguiu o som da voz e um pujante alivio sossegou sua alma ao
contemplar Sara: sorrindo, sã e salva. Suspirou profundamente aliviado e fechou os olhos.
— Cuidado!
O grito de advertência de Sara lhe fez abrir os olhos no mesmo instante. Olhou ao seu
redor e então viu um zangado carneiro correr para ele com inteção de fazê-lo ir por onde
havia vindo.
—Robert, sobe! —exclamou Sara apontando a escada—. Rápido!
Robert se esquivou do mal-humorado animal e se agarrou às escadas. Ela o ajudou a
subir.
—Creio que não somos bem-vindos — disse ele sorrindo.
Robert se levantou e Sara o observou dos pés a cabeça. Estava com as botas cobertas de
barro, a gabardine impermeável pendia escorrendo de seus fortes ombros e o cabelo se
grudava na testa em empapadas mechas. Ele a observava através das pequenas gotinhas
de chuva capturadas nos seus longos cílios. Sara retorceu as mãos para não ir até ele e
tocá-lo. Respirando com dificuldade o olhou diretamente nos olhos.
—Vieste para buscar-me.
O sorriso de Robert congelou-se nos seus lábios quando seus olhares se cruzaram.
—Chegavas tarde para jantar, e hoje é Noite Boa.
Sara negou com a cabeça e seus olhos se umedeceram.
—Quando começou a chover com tanta forza me perdi. Não sabia voltar, e eu...
Robert cobriu a distância que os separava e a abraçou fortemente. Sara lhe rodeou o
pescoço com os braços embriagada por sua fortaleza e os dois caíram de joelhos
entrelaçados.
—Tu vieste — lhe susurrou Sara ao ouvido.
O calor de seu hálito contra a orelha fez em pedaços o pouco controle que lhe restava.
Robert a estreitou com força pela cintura e procurou sua boca com desespero.
Os lábios dele estavam úmidos, e Sara bebeu deles com avidez, como se estivesse há
algum tempo perdida no deserto.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Com as palmas abertas, Robert percorreu de cima abaixo suas costas. A resposta ansiosa
de Sara o deixou louco. Com uma mão agarrou energicamente o tecido de seu vestido e
com a outra lhe agarrou a nuca. Abriu a deliciosa boca de Sara e a invadiu com a língua.
Desejava devorá-la inteira. Iria degustá-la dos pés a cabeça chegando até ao centro mesmo
de sua essência. Obediente, Sara abriu os lábios e buscou a língua dele com a sua. Um
rouco grunhido escapou da garganta de Robert ante a apaixonada resposta dela.
A batalha de beijos durou um bom tempo mais até que Robert levantou a cabeça e
tomou seu roato entre as mãos.
—Sara... — susurrou apoiando sua testa na dela —, o que estás fazendo comigo?
Sara sentiu que um voraz apetite se despertava em algum rincão de seu interior e os
beijos já não serviam para aplacá-lo. Agarrou as lapelas da gabardine e a abriu deixando
que deslizasse por seus ombros. Introduziu os braços entre seus corpos e começou a
desabotoar o colete e a camisa com as mãos trêmulas. Ele a observou em silêncio e a
deixou fazer. Quando terminou com os botões, Sara abriu a camisa e contemplou
maravilhada seu forte torso.
Robert conteve a respiração. Aquele olhar o excitou até o limite.
Deveria estar dando-lhe um bom sermão por sair de casa com aquele clima, deveria
fazê-la pagar caro por todo o medo que lhe havia feito passar. A mão de Sara pousou
suavemente no seu peito e todo pensamento coerente se evaporou da mente de Robert.
Deveria... deveria... deveria beijá-la até fazê-la perder o conhecimento .
Sara levantou uma mão e enredou os dedos no sedoso pêlo do peito dele. Notou que
seu coração batia depressa e mordeu o lábio inferior com nervosismo. Não tinha nem ideia
do que devia fazer, assim que se deixou guiar pelo primitivo instinto que crescia dentro
dela. Amava àquele homem; só devia descobrir a forma de amar seu corpo.
O peito de Robert subia e baixava tomando ar com profundas e longas tragadas. Sara
baixou a mão devagar até a cintura de suas calças.
Robert murmurou algo ininteligível, agarrou seu pulso e a puxou até aprisioná-la entre
seus braços. Com um grunhido rouco voltou a reclamar sua boca com apetite. Sem afastar
os lábios dos dela, a deitou sobre um monte de palha e a cobriu com seu corpo.
O corpo de Sara se retorceu embaixo do seu e tratou de aproximar-se ainda mais.
Robert se levantou inflamado de paixão e começou a desabotoar os botões que desciam
desde o pescoço de seu vestido. Se desfez deles tão rápido como pode. Contemplou com
admiração Sara em roupa íntima e introduziu a mão no espaço de suas costas para desatar
o corsé. Se ergueu e o afrouxou com suaves puxões. Quando havia cedido, colocou a
roupa para o lado e seu olhar voltou até os peitos de Sara e os rosados cumes que a
camisola deixava entrever.
—És tão linda — murmurou com voz grave.
Suas mãos subiram pelas pernas dela e lhe abaixou as meias até tirá-las por completo.
Quando Sara sentiu o contato da mão dele contra suas coxas, elevou a pelvis com um
impulso. Ele aproveitou aquele movimento e tomou a redondeza de suas nádegas

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


aproximando-a de sua virilha. Sara percebeu a pulsante ereção contra sua palpitante e
úmida feminilidade.
Robert lhe levantou os braços e lhe tirou a camisola pela cabeça. A contemplou
encantado: seus peitos redondos o convidavam a acariciá-los com um suave balançar.
Com devoção, se inclinou e os tomou entre as mãos. Baixou a cabeça e tomou um na boca.
Sara gemeu e jogou a cabeça para trás quando uma descarga de prazer eletrizante lhe
atravessou o corpo agrupando-se entre as pernas. Robert se deleitou com seus seios;
passava de um para o outro com a língua deixando um rastro de umidade sobre a sedosa
pele de Sara.
Ela se juntou a ele na ofensiva de carícias; também queria tocar, beijar e lamber. Se
ajoelhou junto dele e tirou sua camisa por trás. Ele a ajudou a desfazer-se da roupa com
um sorriso. Sara lhe desabotoou as calças e a baixou pouco a pouco até que a longitude de
sua dureza ficou exposta ante ela. Sara o tomou entre as mãos e acariciou sua suavidade
de cima abaixo. Escutou com satisfação como ele gemia de prazer até ranger os dentes.
Robert a pegou com brusquidão pelo pulso e a deteve contendo a respiração.
—Pára, Sara — grunhiu com voz rouca —. Ou isto acabará muito antes de começar.
Sentindo-se poderosamente feminina, Sara o abraçou deleitando-se com o contato de
seu peito contra seus excitados seios.
Robert emitiu um rouco gemido quando sentiu Sara nua em seus braços. Desceu as
mãos por seus flancos até seus quadris, lhe desatou os calções e se desfez deles lançando-
os de lado. Separando-lhe suavemente as pernas, subiu uma mão ao longo da coxa e
procurou sua fenda quente. Robert suspirou desesperado quando a sentiu palpitante e
úmida contra a palma da mão. Abriu com delicadeza suas dobras íntimas e introduziu o
dedo médio no seu interior.
Sara gritou surpresa e todo seu corpo estremeceu ante aquela invasão. Se aferrou ao
fortes braços dele e enterrou o rosto no seu ombro. Sara conteve a respiração quando ele
começou a mover o dedo. Aquele sensual roçar avivou ainda mais a feroz centelha de
prazer que crescia dentro dela.
—Robert, por favor... por favor. — Não estava muito segura de o que rogava, o único
que tinha claro é que já não poderia parar.
O corpo de Sara começou a retorcer-se com um suave oscilar contra sua mão. Com um
violento grunhido, Robert a ergueu e a deitou no chão debaixo dele. Agarrou seu rosto
entre as mãos e a beijou com desespero. Sara se aferrou a seu pescoço enquanto pequenos
gemidos de prazer escapavam de sua boca. Iria deixá-lo completamente louco. Se colocou
entre suas pernas e a penetrou com a ponta de seu inflamado membro.
Robert se introduziu na sua intimidade com suaves acometidas até que, com uma
última e vigorosa investida, se afundou por completo nela.
Surpreendidos pela invasão, os músculos de Sara se dilataram com rigidez. Gritou
assombrada e notou como seu interior se estirava até moldar-se a sua dureza. Ficou imóvel
sob ele, ofegando devido ao esforço de recebê-lo dentro de si.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Robert lhe acariciou o cabelo e a olhou nos olhos enquanto lhe sussurrava palavras
tranquilizadoras.
—Sara, amor meu... eu te machuquei? — lhe perguntou com doçura.
Sara negou com a cabeça e elevou as pernas em resposta. Robert a beijou na boca.
Apoiou as mãos em ambos os lados de Sara para descansar parte de seu peso e começou a
mover-se dentro dela com movimentos lentos e profundos. O calor de Sara o envolveu por
completo e o aprisionou em sua sedosa intimidade. Robert apertou a mandíbula e jogou a
cabeça para trás. Escutou vagamente seus próprios gemidos ao penetrá-la mais e mais
forte. Não estava seguro do tempo que iria aguentar.
—Deus meu... Sara — gemeu contra sua boca.
Sara se aferrou a seu pescoço e se balançou sensual contra ele. Se sentia completamente
exposta, aberta e entregue e, por sua reação, ele parecia igualmente entregue a ela. A
centelha que acendera no seu interior logo se converteu numa ardente labareda. Elevou os
quadris e se abriu ainda mais. A fricção do corpo de Robert dentro do seu a conduziu até a
borda do abismo e, então, o céu pareceu abrir-se sobre ela e uma explosão de prazer a
consumiu desde o centro mesmo de seu ser.
Robert estremeceu quando percebeu as vibrações do clímax de Sara. A segurou com
força pelos quadris e investiu com rudeza. Gritou seu nome afundando nela até que seu
próprio êxtase lhe nublou a mente e excedeu todos seus sentidos.
Ele desmoronou e Sara recebeu com sumo deleite o peso do corpo sobre ela. Lhe
acariciou o cabelo com suaves movimentos tranquilizadores, e Robert levantou a cabeça
do oco de seu pescoço para olhá-la com doçura.
—Feiticeira — ronronou antes de dar-lhe um ligeiro beijo nos lábios —, olha o que me
fizeste.
Sara se viu refletida nos olhos dele, que se haviam escurecido com a paixão. Se
contemplou naquelas profundezas azuis e reconheceu a necessidade de Robert, tão intensa
como a sua. Uma certeza se revelou claramente para ela naquele mesmo instante: era sua
mesmo antes de tê-lo conhecido. Aquela união era absolutamente inevitável, porque ela
havia nascido para ele.
Robert deslizou para um lado e arrastou Sara com ele enquanto a colocava no oco de
seu braço e a envolvia com seu calor.
Sara se aconchegou nele sonolenta. A chuva seguia golpeando contra o telhado do
celeiro e o monótono som avivou ainda mais a feliz letargia em que seu corpo havia caído.
—Não durmas — escutou que lhe dizia Robert —. Deves vestir-te ou ficarás com frio.
—Não tenho frio. — Sara se remexeu preguiçosa com os olhos fechados e lhe beijou o
ombro —. Me agrada estar assim.
Robert aspirou o ar com força. Pegou a gabardine que jazia enrolada no chão com o
resto de sua roupa, e cobriu Sara com ela. A abraçou e beijou na cabeça.
—Sara, amor meu, devemos falar sobre isto.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Sim, devemos — disse Sara bocejando —... falar. Bla, bla...
Robert a beijou no pescoço reprimindo um sorriso e contemplou Sara cair num
aprazível e profundo sono.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2255

A JANTA DE NOITE BOA NA MANSÃO FOI ADIADA ATÉ O DIA DE Natal. Ao


amanhecer, um dos criados encontrou o celeiro. Afortunadamente, Robert e Sara haviam
tido tempo de vestir-se para quando foram descobertos. Regressaram para casa quando os
primeiros raios de sol começavam a estender-se pela úmida campina.
Havia dormido toda a noite nos braços de Robert e logo chegou o criado, assim que não
lhes havia dado tempo para esclarecer o que havia acontecido entre eles. Quando Sara
chegou ao seu quarto tomou um longo banho que relaxou seus doloridos músculos. Jogou
a cabeça para trás e sua mente voltou até a noite anterior. Recordava o que Robert lhe
havia dito antes de dormir e que repetiu antes de despedir-se na porta de seu quarto.
—Sara, devemos conversar — lhe recordou impaciente—. Troca de roupa e vem até a
biblioteca.
—Está bem — respondeu Sara.
Robert se abaixou para beijá-la, mas Wallace se aproximava deles pelo corredor.
—Até logo — disse e lhe dedicou um intenso olhar antes de seguir o mordomo.
Sara entrou no seu acolhedor dormitório pensando no que Robert queria dizer-lhe. O
que havia acontecido entre eles havia sido inevitável e maravilhoso. Somente esperava que
não se desculpasse, por que ela não o sentia em absoluto. Amava àquele homem com todo
seu coração e, ainda que não pudesse pertencer-lhe, se alegrava de haver-se entregado a
ele por completo.
Sara voltou ao presente ao ouvir umas batidinhas na porta do banheiro.
—Quem é? — perguntou aborrecida pela interrupção.
—É Mary, posso entrar?
—Claro, entre.
Depois de dizer-lhe umas doze vezes o muito que havia se assustado quando viu como
anoitecia e ela não regressava, Mary lhe agradeceu por devolver-lhe Smokie e começou a
conversar sobre os gatinhos. Sara a escutou com um sorriso e continuou com seu banho.
Mary não a deixou sozinha durante o resto da manhã o que truncou qualquer encontro
com Robert antes do almoço. Então chegou o senhor Lezcano e ambos se recolheram no
gabinete o resto do dia. Ao que parece, os negócios não poderiam descansar no Natal.
A sala de jantar se vestiu com as melhores galas para o jantar: toalha de mesa bordada
com fio de ouro, louça decorada com brilhantes adornos e um bonito centro de flores secas
com motivos natalinos brilhavam com esplendor sob a luz das dezenas de velas
distribuídas por toda a mesa. Sara pôs um dos vestidos que Mary lhe havia presenteado e
se prendeu o cabelo no alto da cabeça.
Robert entrou na sala vestido com um escuro smoking e Sara conteve a respiração ao
vê-lo. Quando recordou a noite anterior sentiu que um intenso rubor lhe cobria o rosto.
Robert lhe lançou um doce e terno olhar enquanto todos tomavam assento.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Mary, que não havia deixado de falar enquanto estavam sozinhas, emudeceu quando
seu irmão e o senhor Lezcano entraram na sala. O estrangeiro vestia um traje semelhante
ao de Robert, porém pela rudeza de seus gestos, para Sara parecia um pirata incógnito
numa festa da alta sociedade.
A Condessa, que havia se mantido em silêncio durante todo o tempo, se sentou ao lado
de seu filho e lançou a Sara um duro olhar. Mary ocupou o outro lado da cabeceira. O
senhor Lezcano se sentou na frente de Sara e lhe sorriu com desconcerto quando
contemplou todos os talheres que havia sobre a mesas. Aquele gesto divertiu Sara, que
baixou a cabeça quando a Condessa voltou a lhe disparar outro de seus olhares.
Chegou o primeiro prato e logo o segundo, porém ninguém fez nenhum comentário. A
Condessa estava aborrecida; Mary havia se transformado repentinamente numa garota
tímida; e o senhor Lezcano brincava com a comida enquanto a contemplava com asco.
Mais que uma celebração, aquilo parecia um enterro.
Robert se mexeu incômodo ao dar-se conta do estranho ambiente à mesa.
Pigarreou para chamar a atenção de todos os comensais para ele.
—Tenho algo importante para comunicar — anunciou em tom solene —. Vou me casar.
Mary quase se engasgou, e Sara esteve a ponto de cuspir a água na cara do senhor
Lezcano.
—Que? Como? Mas, quando? — As perguntas se amontoaram nos lábios de Mary —.
Com quem?
O coração de Sara havia começado a bater tresloucado. Não podia acreditar que a
houvesse enganado. Já sabia que o sucedido na noite anterior não lhe dava nenhum direito
sobre ele, mas não podia crer que a tivesse seduzido se estava prometido a outra mulher.
Teria gostado de sair correndo dali, porém sabia que, se se pusesse de pé, suas pernas não
poderiam sustentá-la.
A Condessa se endireitou e olhou severamente para seu filho.
—Com quem? — perguntou com voz gélida.
Robert os observou um a um.
—Com Sara.
A resposta atravessou pouco a pouco a ofuscada mente de Sara. O que havia dito?
Levantou a cabeça e se deparou com o olhar dele.
—Que? Com Sara? — exclamou Mary eufórica—. Nossa Sara?
Robert assentiu sem afastar seus olhos da protagonista da conversa.
A Condessa se levantou furiosa e atirou seu guardanapo sobre a mesa.
—Ficaste louco! — repreendeu seu filho antes de abandonar a sala de jantar.
—Mas, quando...? — susurrou Mary voltando a atenção para seu irmão.
Sara se levantou da mesa.
—Nunca, Mary — exclamou antes de abandonar a sala de jantar.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


Robert se pôs em pé e foi atrás dela.
—Sara, espera!
Confusa, Mary os observou até que ambos saíram da sala. Certamente que se dirigiam
para a biblioteca. Olhou para Lezcano que havia se mantido tranquilo durante toda a cena.
Seus escuros olhos se cravaram nela com intensidade. Mary descartou com um gesto da
mão aquela ansiedade que a invadia sempre que ele estava perto e empurrou sua cadeira
para dirigir-se ao vestíbulo.
Perdido com a precipitação de Mary, Diego saiu atrás dela.
Quando chegou as escadarias que subiam para o segundo piso, Mary parou e olhou ao
seu redor.
—Rápido! — exclamou fazendo um gesto ao senhor Lezcano—. Aproxime-se.
Diego foi até ela devagar, como um desconfiado e precavido domador numa jaula.
Quando chegou até seu lado ela o encarou e elevou seus braços para ele.
—Suba-me — disse com urgência.
Diego se afastou como se houvesse visto o próprio diabo.
—O que? — gritou —. Nem pensar!
—Lhe juro que subirei me arrastando se for preciso — declarou Mary levantando os
braços novamente—. Suba-me!
Diego meteu as mãos nos bolsos e a olhou incrédulo. Mary tomou ar, se aferrou ao
apoio de braço e se levantou da cadeira.
—Maldita seja! Está... bem.
Diego a tomou nos braços e a levou escadaria acima. Era tão leve... seu pequeno corpo
se moldava tão bem nos seus braços. Aquela cena haveria sido das mais naturais se ela
fosse uma noiva em sua noite de núpcias. Ele teria que levá-la até seu quarto para deixá-la
sobre a cama e depois... Seu corpo se agitou quando pensou no depois. So que se aquela
fosse sua noite de núpcias, isso converteria ele... no noivo.
Diego sacudiu a cabeça para clarear a mente e se concentrou nas portas dos diferentes
quartos.
—Aonde vamos? —perguntou sem olhá-la.
—Para minha saleta — disse Mary apontando o caminho.
Diego abriu a porta sem dificuldade e entraram na saleta.
—Deixe-me ao lado da lareira.
Ele a depositou no sofá que lhe indicava e logo se afastou dela. Mary se aproximou da
parede e encostou a cabeça contra a divisória. Diego a olhou desconcertado.
—Mas... O que estas fazendo?
—Shh — exclamou Mary levando um dedo aos lábios.
Desconfiado, ele aproximou a orelha da parede e então escutou: o som das vozes de
Sara e Robert chegava claro do primeiro andar. Olhou para Mary enquanto ela escutava

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


com atenção, e um sorriso espreitou por seus lábios. A cândida e inocente Condessinha
não era tão ingênua, depois de tudo.
—Meu irmão é tonto — declarou Mary.
Diego a olhou irônico.
—Nisso estou de acordo.
Mary lhe deu um golpe no braço.
— Olha! Não o insulte.
— Ai! — exclamou ele esfregando exageradamente a manga—. Mas você o fez
primeiro.
—Sim, mas é meu irmão. Estou no meu direito.
Diego se afastou da parede.
—Dá no mesmo, não deveríamos escutar. É assunto deles, não nosso.
— O que você sabe! Ao amor há que ajudá-lo de vez em quando.
Ele deu a volta e se dirigiu para a porta.
—O amor? — perguntou sarcástico —. E o que saberia você do amor?
Mary lhe lançou um olhar carregado de fúria para suas costas. Como se atrevia...
—Pois tudo o que sei sobre o amor é que... — murmurou desdenhosa —se parece muito
com um roseiral. Quando se cai nele estás perdido e, quanto mais lutas para soltar-se, mais
te engancha e mais dói.
Ao escutar suas próprias palavras, Diego se deteve no mesmo instante. De fato sua
propensão para escutar conversas alheias não se limitava unicamente àquela noite? Diego
sentiu que ela havia violado um assunto muito íntimo e trascendental. Cobriu a distância
que os separava com duas passadas e pairou sobre ela.
—E isso é tudo? — sibilou contra seu rosto.
Mary se pressionou contra as costas do sofá intimidada pela força que aquele homem
emitia. Seu peito subia e descia agitado. Abriu a boca e voltou a fechar sem dizer nada.
Diego sorriu sarcasticamente e seus olhos vagaram pelo seu rosto descendendo até a
boca. Ali pareceram se divertir durante alguns segundos. Instintivamente, Mary passou a
ponta da língua pelos lábios. Diego estreitou os cílios e sua respiração se fez mais
profunda. Inspirou com força, se levantou, e se afastou dali tão irritado como um urso
golpeado.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCA
APPÍÍTTU
ULLO
O 2266

—SARA! — ROBERT A ALCANÇOU PEGANDO-A PELO BRAÇO —, PARE POR


favor.
Ela se remexeu para libertar-se de sua mão.
—Deixa-me, Robert.
Robert não fez o menor caso e a deteve interpondo-se no seu caminho.
—É que não desjas casar-te comigo? — disse obrigando-a a olhá-lo nos olhos.
Sara afastou o olhar.
—Não! — exclamou magoada —. Assim, não.
O semblante de Robert se tornou duro como o granito. Estava a tanto tempo planejando
como propor... Robert estava certo de que não lhe era indiferente, havia se dado conta de
como o observava quando acreditava que no se dava conta. Porém despois do que havia
acontecido no celeiro, da forma como Sara havia respondido a suas carícias, estava
convencido de que ela correspondia ao seu amor. Por isso aquela negativa o desconcertava
e irritava. Se supunha que teria que estar eufórica pensando de qual maldita cor seriam os
vestidos das damas de honra. Mas não, a mulher que amava, a única a quem havia
querido desde sempre, se negava a ser sua esposa.
—Como, assim não? — grunhiu Robert —. Só há uma forma de vê-lo: ou te casas
comigo, ou te casas comigo.
Sara se retorceu tentando inutilmente safar-se dele.
—Não!
Robert a estreitou entre seus fortes braços para que deixasse de lutar, e sua mente
buscou apressadamente algum argumento com o qual a convencesse.
—Sara — lhe susurrou com ternura ao ouvido —, te dás conta de que neste momento
poderíamos estar esperando um filho?
Sara se deteve paralisada como se lhe houvessem dado uma tremenda bofetada. De
modo que tudo aquilo se devia unicamente ao fato de que poderia ter ficado grávida.
Porém, ainda que a ideia de esperar um filho de Robert a enchesse de felicidade, não podia
aceitar a vida sem amor que ele lhe oferecia. Mas... o queria tanto que ela poderia amá-lo
pelos dois. "Não!", gritou seu rebelde subconsciente. "Ele não te ama, somente se sacrifica".
—Ficarei aqui até assegurar-nos de que não estou grávida, e logo irei.
Robert aspirou com força e pegou seu rosto entre as mãos.
—Não irás nunca, me entendeu? Te casarás comigo e não discuta mais — exclamou
antes de beijá-la possessivamente—. Não deixarei que te afaste.
Sara levantou os cílios e o olhou nos olhos.
—Robert — susurrou com voz exausta—, não quero uma casamento sem amor. Jamais
poderia ser feliz pensando que nosso matrimonio se deve a um sacrifício cavalheiresco. Eu

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


também queria que acontecesse . Já não sou uma menina, sabia muito bem o que estava
fazendo.
Robert a escutou muito sério e em silêncio. Exceto pelo carinho de sua irmã e o afeto
tosco de seu sócio e amigo, Robert, acostumado a não receber amor, tampouco estava
familiarizado com a sensação de precisar tanto de alguém. Somente a ideia de que Sara
não quisesse estar a seu lado, lhe fazia em pedaços o coração.
Sara pegou suas mãos e as baixou persuasivamente até que ele a soltou. Passou ao seu
lado e começou a afastar-se.
—Espera, Sara, não vá — suplicou Robert sem voltar-se para ela.
Sara se deteve junto à porta.
—Durante todos esses anos, me dei conta de que guardei cada uma das recordações que
tenho de ti. Quando sabia que irias vir, passava noites inteiras sem dormir; e quando
observava como te relacionavas com minha irmã, me sentia um tonto ciumento por não
ser o que recebia toda tua atenção. Me colocava estrategicamente perto de vocês porque
me encantava te escutar. Memorizei cada uma de tuas palavras, de teus sorrisos, e dos
olhares dos quais fui objeto. Sara —Robert passou a mão trêmula pelo cabelo—, o que
tento dizer-te, não sem certa dificuldade, é que te amei todos os segundos da minha vida
desde o instante em que te conheci.
Atônita, Sara se virou lentamente para ele.
—Mas tu... — susurrou —, tu sempre te mantiveste distante.
Robert permaneceu de costas para ela.
—Não o sabia, mas precisava tanto de ti... Se não o houvesse feito assim, o mais
provável teria sido que terminaria completamente louco de atar.
Sara lhe tocou suavemente no braço encorajando-o a que a olhasse.
—Por que dizes isso?
Ele se virou para ela.
—Estás brincando? Estar tão perto de ti e não poder te ter... Não — disse negando com
a cabeça —, não o haveria suportado.
—Me tinhas — susurrou Sara acariciando-lhe a face —, me tiveste sempre.
Robert suspirou e a observou vulnerável.
—O que queres dizer?
Sara inalou ar muito lentamente. Havia chegado o momento de render-se e de expor
sua alma perante ele.
—Robert, estou apaixonada por ti. Ainda que não sabia que era amor, sempre senti algo
muito poderoso por ti. Tua presença me dominava — Sara fingiu admoestá-lo—. Me era
impossível ignorar-te.
Os brancos dentes dele apareceram num deslumbrante sorriso. A pegou pela cintura e
começou a girar com ela nos braços.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—Te amo — susurrou Robert contra seu ouvido.
Sara se abraçou a seu pescoço com o coração transbordando de felicidade.
—Me amas?
Robert se deteve e permitiu que o corpo dela deslizasse ao longo do seu até ficarem
envolvidos num estreito abraço.
—Sempre, Sara — murmurou, antes de baixar a cabeça e apoderar-se de sua boca com
um faminto beijo que deixou evidências de toda sua necessidade.
Sara afastou seus lábios, que instantaneamente se curvaram num gesto radiante. Logo,
para sua surpresa, Robert caiu com um joelho no chão, lhe tomou a mão e a observou
solene.
—Sara Brown, tudo o que tenho te pertenece; minha vida é tua. Queres casar-te
comigo? Por favor — concluiu em tom de súplica.
Os olhos de Sara se umedeceram .
—Meu amor... — suspirou emocionada —. Sim, sim. E mil vezes sim.
Robert se ergueu, a tomou nos braços e se dirigiu para a porta.
—Aonde estás me levando?
—Te quero na minha cama esta e todas as noites do resto da nossa vida.
—Mas... devemos esperar nos casarmos. Robert, não me parece bom...
Quando Sara começou a protestar, ele lhe fechou a boca com um apaixonado beijo que a
deixou tremendo dos pés a cabeça.
—Conseguirei uma licença especial e nos casaremos amanhã mesmo.
—Mas...
Robert a olhou cheio de adoração. Já estava discutindo com ele e ainda não havia se
tornado sua esposa. Satifeito e completamente apaixonado, voltou a apoderar-se de sua
boca e já não houveram mais objeções a noite toda.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


CCaappííttuulloo 2277

ENQUANTO SARA VIU CHEGAR A CARRUAGEM QUE TRAZIA SUA MÃE E


ROSE, saiu apressada da mansão. Ainda que sua mãe havia se comportado mal e tinha
que esclarecer muitas coisas, o certo era que estava há quase um ano sem vê-la e sentia
saudades.
Rose desceu do veículo primeiro, segurou a pequena touca branca que cobria seu cabelo
para que o vento não a levasse e sorriu para Sara, que já as aguardava no alto da escadaria.
Logo desceu sua mãe, que se queixava de algo da viagem. Sara sorriu com resignação; sua
mãe não mudaria nunca. No entanto, ao contemplar a familiaridade de seus rostos, se seu
conta do quanto que havia sentido falta delas. Desceu os degraus e correu para lançar-se
nos braços abertos de Rose, que a recebeu cobrindo-lhe o rosto de beijos.
—Sentimos tanto a sua falta, senhorita Sara — disse a criada com lágrimas de emoção
nos seus olhos.
—E eu de vocês, Rose — respondeu Sara.
Sua mãe se virou para elas também com um sorriso.
—O que é isso que ouvi na estalagem que o Conde está casando? — perguntou, no
momento que puxava pelo braço sua filha para que soltasse Rose e a abraçasse.
Sara a correspondeu e a estreitou entre seus braços.
—Bom, isso, mamãe, que o Conde se casa.
Lydia levantou a cabeça e olhou para sua filha com curiosidade.
—Até que enfim, se decidiu. E quem é a afortunada? — perguntou como se intuísse a
resposta. Sara observou a ambas.
—A afortunada sou eu —respondeu feliz.
Rose soltou um grito de alegria e as abraçou, com suas bochechas gorduchas, desta vez,
sim, encharcadas de lágrimas. A mandíbula de sua mãe caiu pela surpresa e Sara poderia
jurar que se não estivesse segura nos seus braços, haveria caído no chão.
—Mas co... como é possível? — balbuciou, completamente atônita com a notícia.
—Simplesmente aconteceu, mamãe — respondeu concisa —. Logo te explicarei tudo
com mais calma.
Horas depois, Lydia desempacotava a bagagem no elegante quarto que lhe haviam
designado sem poder crer ainda na notícia; sua filha iria converter-se na nova Condessa de
Rohard. Obviamente, aquilo havia superado em muito suas expectativas de que Sara
conseguisse um bom partido durante sua estada ali.
Lydia observou sua filha, que não afastava os olhos dela.
—No que estás pensando? — perguntou, enquanto pendurava um de seus desgastados
vestidos no armário.
Sara suspirou longamente.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


— Penso que me alegro de estares aqui.
Lydia assentiu satisfeita .
—E o cenho franzido?
Sara fez uma careta; seu estado de ânimo sempre havia sido dos mais evidentes para
sua mãe, somente com um olhar.
—Veja, mamãe — começou, procurou mentalmente uma forma de enfocar o assunto
que ainda tinham pendente —, quero falar contigo sobre a carta que enviaste para a
Condessa.
Lydia baixou a cabeça arrependida; sua filha havia descoberto o embuste.
—Certo — susurrou —, tu sabes.
—Eu sei — respondeu Sara, e suspirou.
—Filha, eu não pretendia magoar-te.
—Porém o fizeste, mamãe. — Sara não queria que seu tom soasse com tanta reprovação,
mas ainda estava muito chateada com ela.
Lydia deixou uma roupa sobre a cama e foi até ela. Se sentou ao seu lado e lhe tomou as
mãos.
—Naquele momento senti que teu orgulho não te permitia ver o quão desesperadora
era nossa situação. Acreditava que enviar essa carta poderia ser a última opção para salvar
a casa.
—Mas o que fizeste não foi certo. E o pior é que sei que, se não o houvesse descoberto
por mim mesma, jamais me dirias.
Lydia voltou a baixar a cabeça. Parecia estar meditando sobre algo.
—É possível — reconheceu, e a olhou novamente —. Porém não duvides nem por um
momento de que minha intenção sempre foi a melhor. Pensei em mim, isso é certo, mas
também em ti e em Rose; a pobre só tem a nós.
Sara estreitou os olhos. Sua mãe sabia que a menção à velha criada serviria para
abrandar-lhe o coração e assegurar-lhe seu perdão.
—És incorrigível, o sabes, verdade?
Sua mãe pestanejou exageradamente e um sorriso foi crescendo paulatinamente nos
seus lábios. Sara não pode evitá-lo e também sorriu.
—Prometa-me que não voltarás a fazê-lo — se apressou em dizer quando sua mãe se
aproximou dela com a intenção de abraçá-la —. Não me agradam as mentiras.
Lydia levantou a mão direita e com um gesto grave jurou que nunca mais voltaria a
faltar com a verdade. Apesar de antes de abraçar estreitamente sua filha, se assegurar de
cruzar os dedos por trás das costas.
—Há outra coisa que gostaria de pedir-te, mamãe — disse Sara e voltou a olhá-la nos
olhos.
Aliviada pela indulgência de sua filha, Lydia a observou com atenção.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


—A Condessa não pode nem ver-me — confessou Sara —, e creio que parte de seu ódio
é porque pensa que, desde o princípio, minha intenção era de casar com seu filho.
—Por causa da minha carta.
—Por causa da tua carta — corroborou Sara.
—Bom, não te preocupes — respondeu Lydia, dando-lhe umas palmadinhas
tranquilizadoras na mão —. Pediremos uma audiência a sua majestade — continuou em
tom jocoso —, falaremos com ela e esclarecerei tudo.
Sara assintiu e voltou a sorrir.

Dois dias antes do casamento, a Condessa as recebeu em seus aposentos privados e,


ainda apenas dissimulava seu desgosto com a situação, tentou manter uma conversação o
mais educada possível enquanto as três tomavam o chá.
—Te compreendo, querida Lydia. E estou certa de que no teu lugar, haveria feito o
mesmo —afirmou Lady Luton—. Porém deves compreender que não é qualquer garota
está preparada para ser uma Condessa. Há centenas de jovens que foram educadas desde
meninas unicamente para cumprir essa função, damas que procedem das melhores
linhagens da Inglaterra.
Sara se remexeu incômoda na cadeira na qual estava sentada. Sua mãe havia explicado
à Condessa todos os pormenores da carta e, ao que parece, a dama havia aceitado que ela
não havia tido nada que ver com aquilo; que havia ido enganada a Sweet Brier Path
somente porque pensava que Mary a necessitava, e não à caça de um bom partido. Porém,
a medida que avançava o diálogo com sua futura sogra, Sara mais se convencia de que
esta jamais a aceitaria de bom grado como esposa de Robert.
—Minha filha recebeu uma excelente educação supervisionada por teu primo —
respondeu Lydia, erguendo ligeramente o queixo com orgulho —. Quantas dessas garotas
podem gabar-se de ter sido instruídas por um dos melhores professores de Oxford?
A Condessa balançou a cabeça num gesto impaciência.
—Não se trata de conhecimento, se não de prestígio. Graças a meu filho, o título dos
Luton recuperou todo esplendor do qual gozava antes de meu esposo. Por isso, agora
deve eleger uma esposa digna de sua posição. Uma Condessa não tem que pensar nem ter
ideias próprias, basta que seja boa anfitriã e proporcione filhos varões ao matrimônio.
—Desculpe-me senhora — interrompeu Sara—, mas você não procede de uma família
de aristocratas e, no entanto, desempenhou seu cargo de forma mais que satisfatória.
Ao escutar referência a suas origens humildes, a Condessa se pôs rígida e seu
semblante endureceu.
—Por isso mesmo, menina — respondeu severa —, eu melhor que ninguém sei o que é
suportar os descasos e os menosprezos dessas damas, quando o único que tentas é
integrar-te e formar parte de seu círculo. Levou-me anos conseguir que me aceitem, tu

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


jamais o conseguirás: és excessivamente orgulhosa de ser quem és — sentenciou a
Condessa, e olhou Sara de cima abaixo.
Visivelmente ofendida, Lydia se pôs em pé em seguida. Sara aspirou com força
procurando serenar-se e se levantou da cadeira, como sua mãe.
—Sinto muito que pense assim, milady. Espero que tenha ficado claro que eu não
planejei tudo isto, simplesmente surgiu. Seu filho decidiu que não quer um matrimônio
por conveniência, apenas por amor. Se me declarou e eu o correspondo, senhora; o
correspondo com todo meu coração e me casaria com ele sob qualquer circunstância; ainda
que fosse um mendigo, um camponês... ou o próprio Rei da Inglaterra.
Sara tomou sua mãe pelo braço e as duas saíram da saleta privada da Condessa. Depois
de fechar a porta, Lydia se voltou para sua filha.
—Não faça caso a essa velha — declarou, enquanto lhe sorria e lhe acariciava a face —,
só está irritada porque seu filho não lhe dá ouvidos. Mas isso irá passar. Eu sei que serás
uma grande Condessa e, se teu pai estivesse aqui, te diria o mesmo.
Ao ouvir aquilo, Sara lhe devolveu um sorriso radiante. Ao final, e ainda que houvesse
sido através de um engano, devia reconhecer que havia conseguido o que mais desejava
no mundo: apaixonar-se e ser amada. Sua mãe, sempre com aquela maneira especial de
fazer as coisas, a havia ajudado a encontrar a sua alma gêmea. A quem importava que
fosse um Conde? A ela não, com certeza.
—Obrigada, mamãe — respondeu Sara, e a estreitou entre seus braços.
Sara colocou nervosa o leve véu de seu vestido de noiva. Esticou as mangas de renda e
pensou agradecida na simpática modista de Mary, que havia costurado durante quatro
dias e quatro noites para que o vestido estivesse pronto a tempo. Apesar de no início
acreditar que Robert brincava quando lhe havia dito que pediria uma permissão especial
para celebrar o casamento no dia seguinte ao Natal, o certo era o que havia conseguido.
Depois de movimentar alguns contatos, ninguém colocou nenhum impedimento para que
o Conde de Rohard se casasse o quanto antes.
Porém já que sua mãe e Rose não haviam tido tempo suficiente para preparar-se, Sara
decidiu, sem fazer o menor caso ao protestos de seu futuro marido, que esperariam até o
final de ano para celebrar o casamento.
Ao final, a Condessa não tivera outro remédio que aceitar que seu filho desposaria
quem ele quisesse e, embora ela esperasse que Robert e Sara se casassem numa boda com
toda a pompa e com suas aristocráticas amizades como testemunhas, os noivos haviam
decidido que num dia tão especial para eles o que mais desejavam era estar perto das
pessoas que os conheciam e os apreciavam realmente. Assim, resolveram que o enlace se
celebraria na pequena capela da propriedade, com a família e alguns amigos como únicos
convidados.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


As notas do órgão começaram a soar e Sara inspirou com força.
—Bom, chegou o momento — anunciou uma familiar voz a seu lado.
O comentário de Diego Lezcano arrancou Sara de seus pensamentos.
—Sim, chegou o momento — disse ela devolvendo-lhe um trêmulo sorriso.
Diego olhou pra Sara, tomou a mano da prometida de seu melhor amigo e a colocou
sobre seu antebraço para conduzi-la ao altar.
—Tudo vai sair bem — murmurou, dando-lhe tranquilizadoras palmadinhas no dorso
da mão.
Sara o olhou sorridente, agradecida por ter tomado a decisão de que Lezcano a
conduzisse ao altar. Quando Robert lhe sugiriu a ideia, ele lhe asegurou que Diego jamais
aceitaria.
Quando lhe comunicaram que haviam pensado nele para conduzir à noiva, Diego ficou
muito sério. Surpreendido, olhou para Sara e logo seus olhos vagaram até Robert. Jamais
haveria pensado que um par do reino confiaria uma tarefa tão importante a um
estrangeiro como ele. Porém aquele não era um aristocrata qualquer. Era Robert Luton:
seu amigo.
Diego baixou a cabeça sentiu que algo lhe ardia nos olhos. Apertou a mandíbula e
inspirou com força. Quando conseguiu controlar sua inoportuna sensibilidade, olhou de
novo para seu amigo e para sua prometida.
—Será uma honra — exclamou orgulhoso.
Sara avançou devagar pelo pequeno corredor. Os bancos estavam ocupados por muitos
dos criados da mansão que haviam pedido permissão a seu senhor para estar presentes
naquele acontecimento tão especial. Sara olhou ao sorridente Wallace e lhe devolveu o
sorriso. Também sorriu para sua mãe que a observava de um dos primeiros bancos cheia
de orgulho. A seu lado, Rose secava as lágrimas com um lenço. Seu olhar voltou a desviar-
se e acabou preso no do homem que a esperava ante o altar.
Vestido com traje de gala e penteado para trás, Robert estava arrebatadoramente lindo.
Ela olhou para os olhos azuis mais surpreendentes do mundo e um sorriso de orgulho
veio aos seus lábios. Com o coração transbordante de amor, Sara lhe devolveu o sorriso.
—Olhe-a, parece uma noiva pobre — susurrou indignada a Condessa ao ouvido de
Mary —. Teu irmão, o próprio Conde de Rohard, se casa com uma noiva pobre, numa
boda pobre, com uma porção de servos como convidados.
Mary descartou com um gesto da mão as palavras de sua mãe, pois sabia que somente
eram fruto de sua frustração por não conseguir que Robert fizesse o que ela queria. Se
sentia imensamente feliz de que seu irmão houvesse decidido casar-se por amor.
"Amor...", pensou, e observou suas pernas. Desde a noite em que havia dançado e beijado
pela primeira vez, estava segura de saber o que era o amor; talvez graças a esse amor
havia conseguido ficar de pé e dar seu primeiro passo, ou talvez graças a ele desejava a
cada manhã iniciar seus exercícios e seu coração batia esperançoso com cada cãibra que

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


notava nas pernas. Enquanto, contemplava com lágrimas de emoção sua melhor amiga,
que avançava até o altar onde iria converter-se em sua irmã. O vestido lhe sentava
maravilhosamente. O decote deixava parte de seus ombros descoberto e fazia que seu
pescoço parecesse ainda mais longo. Estava com o cabelo preso com um diadema de flores
secas e o fino véu caía por suas costas arrastando-se alguns metros atrás.
Mary voltou a secar as lágrimas. Sara estava linda, definitivamente fabulosa. Tudo
estava perfeito: as luzes tremulantes das dezenas de velas, as flores de inverno, os insólitos
convidados... O coração deu um salto quando olhou o acompanhante da noiva e se deu
conta de que ele também a observava.
Perfeito, absolutamente perfeito.
Quando Sara chegou até Robert, ele agradeceu a seu amigo com um aperto de mãos
sem afastar nem por um momento os olhos de sua preciosa mulher.
Quando pronunciaram os votos e trocaram as alianças que os uniriam eternamente, o
vigário abençoou a união. Havia chegado o momento de selar o vínculo com um beijo.
Sara lançou um sutil olhar a Robert para que fosse comedido, porém ele não fez o
menor caso da advertência. A tomou nos braços e lhe plantou um beijo nos lábios tão
apaixonado que todos os presentes irromperam num espontâneo aplauso.
Resignada, Sara se abraçou a seu pescoço, e devolveu aquele beijo que reafirmava seu
amor com o mesmo entusiasmo que seu marido. "Meu marido", pensou desmaiando de
felicidade em seus braços.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


E
Eppííllooggoo

Londres, janeiro de 1850.

O BARCO QUE LEVARIA AO CONDE E A CONDESSA DE ROHARD ATÉ SUA lua


de mel estava a ponto de zarpar do porto. Robert observou sua esposa com um sorriso
enquanto tentava acomodar sua bagagem no camarote do vapor privado que os levaria
até Gillingham, aonde um barco de sua companhia os aguardava para levá-los para
França.
Antes de iniciar a viagem, Robert e Sara haviam decidido que Sweet Brier Path era um
lugar muito afastado para deixar sozinha Mary durante o tempo que eles estivessem em
viagem, pelo que Robert pensou que o melhor seria transferi-la junto com sua mãe para
Londres, aonde Mary poderia disfrutar do início da temporada de primavera e onde ele
pensava em retornar para apresentar a sua esposa à sociedade.
Robert não deixou nenhum fio solto: mandou construir duas barras paralelas como as
que havia no quarto de Mary para que fossem instaladas na mansão londrina de
Grosvenor Square; não deixaria que sua irmã suspendesse a exercitação diária por nada no
mundo.
Apesar de ter havido o convite para viajar para Londres com o resto da família, Lydia
decidiu retornar com sua criada para a casa de Ravenville. Sara havia se surpreendido
ante a decisão de sua mãe, pois acreditava que estaria encantada de viver numa das
melhores áreas de Londres, no entanto, Lydia desejava regressar para sua casa; não
desejava viver longe das recordações de seu esposo.
Helen Luton seguia muito chateada com seu filho por sua decisão de casar-se com Sara
e, desde ainda antes do casamento, havia decidido afastar-se voluntariamente do resto do
mundo; passava a maior parte do dia encerrada no seu quarto e, frustrada por não ter
conseguido o que queria, havia deixado de mostrar interesse pelo o que acontecia na
família.
Robert percebeu uma plácida sensação; algo que, com seu habitual costume de
preocupar-se com tudo, jamais havia percebido e se deu conta de que a única coisa que
necessitava na vida estava ali a seu lado. Atravessou o camarote e foi até a responsável por
aquele emocionante bem-estar para abraçá-la apertado.
—Como se sente, Milady? — perguntou, olhando para sua Condessa com infinito amor.
Sara levantou o rosto e o observou sorridente.
—Feliz...
Robert empurrou a porta com o pé e, enquanto a intimidade acolhia aos recém casados,
o barco soltou amarras e zarpou.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan


SOBRE A AUTORA

Rita Morrigan surpreendeu a sua família desde pequena por sua inclinação a devorar
histórias: em voz alta, num filme, numa peça teatral, numa ópera, numa canção.
Assombrada pelo efeito mágico que as histórias produziam naqueles que as recebiam,
tomou a decisão de começar a relatar as próprias .
Na atualidade vive numa cidade dos sonhos à beira mar com seu marido e seu gato
Fume.
Doce Caminho Espinhoso é sua primeira novela romântico-histórica publicada.

Doce Caminho Espinhoso – Rita Morrigan

Potrebbero piacerti anche