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- Túlio;
- Faela;
- Inácio;
- O Coro:
- A jornalista;
- A empregada;
- A Youtuber;
- A vizinha.
(A dramaturgia também sugere áudio off com voz de multidão e turba ao longo da peça,
eventualmente, para dar ambiência e reforçar na imaginação do espectador a idéia da
multidão que se apresenta na forma das quatro personagens do coro. Contudo, esta é uma
opção da direção).
2. A empregada Eu to arrependida.
3. A jornalista Então!
7. A jornalista Mas é disso que se trata, senhora: seus patrões! São parte da
tradição política brasileira! Um é filho de empresário e a outra filha de chefe de
partido político.
8. A empregada Não sei porquê eu saí de casa pra falar com jornalista, dona.
13. A jornalista ...eu sei, cheguei aqui com meu jornal, um pouco antes dos
policiais chegarem...
14. A empregada ...eles me fizeram umas perguntas, mas eu disse que tava
dormindo, que não sabia de nada. Afinal, eu não sou mais que uma empregada, não
é mesmo? Então, levaram seu Túlio pra delegacia...
18. A jornalista Não. Eu não me meto nos assuntos dos patrões. Olha, eu
tenho que voltar, tenho muitos afazeres lá dentro. (macabra, fazendo sinal da cruz)
Tenho sangue pra limpar, minha filha.
20. A jornalista (se esquivando da multidão, pedindo calma, pega de volta seu
radinho e o som baixa) Calma. Gente, calma! Olha, senhora, você vê toda essa
gente? Elas estão enfurecidas. Mas não com você. Se a senhora colaborar, todos te
apóiam. É melhor a senhora falar com a gente, comigo que sou jornalista...
26. A vizinha (se fazendo íntima com uma certa distância)...pode me tratar
de você...
27. A empregada ...você sabe, porque tava aí, de madrugada, de botuca vendo
eles falaraem comigo do lado de fora do apartamento quando eu recebi eles. Se não
viu, ouviu, porque a senhora sabe se esconder tão bem, quanto tem o ouvido grande!
28. A vizinha Alto lá! Eu investigo meus arredores pra não ser pega de
surpresa. (voltando ao assunto) Olha, quando os policiais acabarem de ouvir os
figurões envolvidos, vão querer ouvir alguns detalhes das figurinhas E você vai ser
a primeira das figurinhas que eles vão abordar. Se já te fizeram perguntas, pode crer
que vão fazer de novo, porque, com certeza, alguém da família vai falar teu nome
em depoimento.
32. A jornalista Eu tenho uma amiga advogada. Ligo pra ela e peço pra ela te
ajudar. O jornalista sempre protege sua fonte.
45. A empregada Seu Túlio não foi o único culpado nessa história.
46. O coro (menos a empregada) Diz que esse Túlio sempre deu
problema com mulher.
47. A empregada Até depois da responsabilidade, minha filha. Continuou dando
problema, mesmo depois do casamento com a Dona Faela
50. O coro Como não tem? Conta pra nós. Como realmente tudo
aconteceu?
O coro começa a fofocar entre si, com atenção à empregada e sai do foco da cena.
Inácio e Faela vão entrando no palco, ganhando o foco, e simulam uma mesa do café
da manhã com três cadeiras. Os dois atores podem trazer as três cadeiras para se
sentar. Ele em pé à mesa todo o tempo, ela começa sentada. As memórias acontecem
diante deste coro desfocado, como se fosse a multidão curiosa e brava. O coro espia
tudo, enquanto fofoca essa parte da história que a empregada conta.
56. Faela Senta um pouco. Toma um café com calma. Quer que eu te
faça um pão?
59. Inácio Quanto menos tempo aqui, melhor. Não agüento muito tempo
com ele.
61. Inácio Eu não preciso nada. Ele não me traz nada de bom.
62. Faela Não é possível que você não tenha nenhuma lembrança boa
dele.
63. Inácio Nenhuma, Faela. Às vezes eu tento. Mas não vem nada.
64. Faela Ele precisa da gente.
66. Faela É! Acho que ele se sente sozinho, no final das contas.
69. Inácio Eu tenho que me preocupar com ele, mas ele não precisa se
preocupar comigo?
71. Inácio Eu sou o filho, Faela. Ele nunca me aceitou direito. Não me
deixa ter minha convicção de ser fiel e querer encontrar alguém especial. Me
provoca. Não conseguimos ficar do lado sem uma briga. Me exige ser dedicado aos
negócios do meu avô, sendo que ele nem é, porque é um boa vida...
73. Inácio Eu falo. Eu digo, sim! Meu pai só pesa pra imagem ridícula
que essa família insiste em manter! Todo mundo aqui fica tendo que abafar
escândalo dele - gastam um dinheiro, Faela. Por causa de um “tiosão” idiota que
pensa que é um playboy eterno, encostado no dinheiro e na posição da família. E ele
ainda dá um jeito de dizer na minha cara que eu sou uma decepção pra ele quase
todo dia. Não é coisa da boca pra fora. É como se ele não me aceitasse, como se eu
fosse errado só por ter nascido.
Faela baixa a cabeça. Silêncio. Inácio senta. Túlio entra com uma garrafa de whiskey
de metal na mão e eventualmente bebe ao longo da cena. No entanto, Túlio está e
permanece absolutamente sóbrio na cena. Ele senta à mesa. Inácio se levanta.
81. Túlio Não, não. Olha isso! Depois sou eu quem provoca. Eu não
estou fazendo absolutamente nada! Dar bom dia é questão de educação. Parece que
esse menino não foi educado.
83. Túlio Você se acha homem, mas é um garoto. Tudo o que eu faço é
tentar te ensinar a ser homem de verdade. A honrar e seguir a tradição da família.
87. Inácio De novo esse papo? Eu nunca ouvi meu avô se vangloriando
disso. Ele ta mais preocupado só com o dinheiro mesmo. E com a forma de ganhar o
dinheiro. Trabalho, eu quero dizer! Essa coisa de tradição é sua. Adora status. Quer
o lucro, sem suar.
88. Túlio E você, faz o que mesmo da vida pra ganhar dinheiro, hein,
filho?
90. Faela Túlio, o garoto está em idade de estudar e é isso que ele vem
fazendo brilhantemente.
91. Túlio Estuda de mais esse menino. Pra quê tanto estudo, não
entendo! Eu não perdi tanto meu tempo com isso. Fiz o que precisava e só. Essa
coisa de faculdade...isso é porra nenhuma se você não tem dinheiro. Eu nem
precisei fazer isso, porque eu tenho dinheiro.
93. Túlio Ninguém liga até sofrer a perda! Fica sem esse dinheiro sujo e
eu quero ver as suas viagens por causas nobres, suas doações pras essas obrinhas
pra ajudar pobre, sua roupa feita de tecido que não sofre isso, isso e aquilo de
trabalho escravo ou de exploração da natureza... Vai fazer isso, sem esse dinheiro
que você cospe tanto em cima.
94. Inácio Eu faço isso, sim. E vou continuar fazendo como uma forma
de reverter o uso dessa grana toda pra alguma coisa que vale a pena.
95. Túlio E você acha que isso diminui a sua culpa no uso desse
dinheiro, ô salvador da pátria, redentor do mundo novo!? Olha aí, Faela,, nosso
samaritano querendo comprar o lugarzinho dele lá no céu! Dinheiro sujo é dinheiro
sujo, garoto! Não interessa pra o quê você tá usando. Interessa é que você ta usando.
Essas tuas idéias ocas aí acabam até servindo pra imagem da família. Essas causas
blá blá blá, quando você aparece com elas, dão até uma credibilidade pra nós. Até
com imposto a gente trabalha em cima dessas tuas obras aí, e você nem deve ta
ciente. Pior, nem está ganhando nada pra você com isso.
96. Inácio Eu não quero ganhar nada! Então, vocês aproveitam pra
limpar as tuas cagadas com o que eu faço de bom?
97. Faela Garotos, vocês vão transformar uma briga familiar em uma
briga política?
98. Túlio Ele já tem vinte aninhos, Faela! Ta na hora de aprender o que
é a vida! Tem que botar o pé no chão e parar de viver no mundo da fantasia! Pra
alguma coisa as presepadas com pobre que esse garoto arruma tem de servir. Prá
alguma coisa esse garoto tem que servir. Assim, ele prova que não é uma total
decepção.
100. Inácio Eu estou de saída, “família”. Até mais tarde e bom dia
pra vocês.
Inácio sai.
105. Faela Deixa ele, Túlio! Deixa ele, que saco! Que ladainha
sempre. Você teve seu tempo. Agora deixa o garoto curtir o tempo dele. Dojeito
dele.
Túlio se insinua para ela.
115. Faela Não tem nada a ver com isso. Você é muito grosso
mesmo! O seu filho é de outra geração. Não é desse tipo teu. Tacanho! Você não
consegue entender o ser sensível que é seu filho e eu pedin...
122. Faela Tem umas que são tarde de mais pra desfazer.
O coro para de espectar, ganha foco novamente e entra em cena. Faela sai
125. A Youtuber Cruel, não! O tempo passou pra eles como sempre
passou pra todos!
133. A empregada Notícia não é água que precisa ser filtrada, minha
filha!
134. A jornalista E é por isso, senhora, que a gente mostra aquilo que
deve ser mostrado. Tal como foi!
135. A Youtuber Só Deus, e às vezes a fonte, é que sabe tudo tal como foi.
(para a jornalista. Acusativa) Por exemplo, até hoje ninguém sabe nada sobre a mãe
do Inácio.
143. A jornalista Já foi notícia algumas vezes por causa disso. Depois
parou.
151. A vizinha Do nada, Túlio aparece pai de uma criança com meses
de idade...
154. A jornalista O pai de Túlio Brandão deu foi muito dinheiro pro
partido do pai de Faela...Todo mundo lucrou muito. Elegeram tantos candidatos do
partido depois desses vinte anos, que agora estão concorrendo à presidência!
164. Jornalista Então ajuda esta senhora a elucidar pra gente o que
está por trás dessa história!
165. A vizinha Ah, eu ajudo, sim. Olha. Teve um dia que fui lá pedir
um punhado de açúcar e...
Faela entra. O coro volta a sair do foco e espiar, mas a vizinha sai do coro para viver
a cena. A empregada também. Ela entrega uma vasilha pequena contendo açúcar e
entrega para Faela.
166. A empregada Aqui está, Dona Faela. (sai de cena e volta ao coro)
169. A vizinha Uns gritos. Parecia briga. Acho que eram os meninos
discutindo, me parece.
179. A vizinha Ai, que cabeça a minha! (volta, pega a vasilha da mão
de Faela e se prepara pra sair, quando entra Inácio carregando uma mala)
186. Inácio Eu vou sair dessa casa, Faela. Não agüento mais as
cobranças do meu pai.
190. Inácio Pois eu estou farto do jeito dele! Você não sabe o que
ele fala de você, às vezes, nas suas costas...
192. Inácio Eu não sei nem como falar, não quero falar, não to
falando nada, aliás. Mas ele é um sem vergonha, Faela. Eu também tenho o meu
jeito, será que é difícil de mais pra ele perceber que eu não o quero como referência
pra mim? Ele simplesmente não aceita.
194. Inácio Que jeito maravilhoso de gostar. Dispenso. Ele que conviva e
que fique com os medos e com as idéias dele! Eu já to de saco cheio. Eu nunca vou
tratar as mulheres como meu pai trata (se encaminha para a porta. A vizinha se
assusta, dá um solavanco, sai correndo e se reintegra ao coro, como se ainda
estivesse contando para o coro a conversa acima de Inácio e Faela. A empregada,
continuando sem ser vista, se coloca no lugar que a vizinha estava para ter uma
melhor visão do que acontece)
195. Faela Calma, menino. Espera. Não vai embora. Essa casa vai ficar
tão vazia sem você.
196. Inácio Por que você não vai embora também? Ele te trata mal, Faela!
Não respeita você, assim como não respeita a mim.
197. Faela Embora? Não...não posso...eu sou casada com ele há anos.
Desde que você era criança ainda. Eu basicamente ajudei a te criar. Não tenho o
direito de jogar esse tempo fora. Eu acredito que tem alguma coisa boa nele. Em
algum momento, há muito tempo a gente já teve dias bons...e às vezes, quando ele
quer, ele me dá um presente, um carinho...
198. Inácio Você atura o monstro que ele é em troca de migalhas? Vai
embora daqui. Você pode conseguir coisa melhor.
199. Faela Mas...eu não sei...Pra onde eu iria? O que eu poderia fazer da
minha vida?
201. Faela Como? Eu me dediquei tanto a esse lar...eu acho que não sei
fazer outra coisa...
202. Inácio Você é uma mulher incrível. Atura meu pai todo esse tempo,
faz vista grossa pra tudo que ele faz com você, e não é pouco! Ele te agride
verbalmente, te (a palavra “trai” engasga)...você é quase uma santa por agüentar
isso tudo.
204. Inácio Eu admiro vocês. A raça humana é odiosa nos seus modos de
pensar, e a raça masculina é asquerosa no seu modo de agir com quem acha que é
aparentemente mais frágil. Não importa se é homem também, ou se é mulher.
Sobretudo, se é mulher. (hipnotizado pela presença feminina de Faela. Um clima
acontece entre eles) Eu por mim, colocaria todas vocês em um pedestal, não as
tiraria mais de lá, vocês nos geram, vocês nos nutrem, vocês são deusas...
205. Faela (ela quase coloca os seus dedos sobre os lábios de Inácio
para que ele se cale, mas seus dedos param no ar muito perto da boca do garoto,
suspensos) Não diga isso! Pedestal, não. Nenhuma mulher é intocável. Eu sou
humana, Inácio! Quero que você me veja assim.
207. Faela Não vai! Fica. Eu te peço. Eu não vou ter forças de agüentar o
Túlio sozinha. (hipnotizada por Inácio) Se eu agüento o que agüento é por você
(para um tempo para contemplar a feição do menino. Volta ao normal e ele se
assusta um pouco. Ela desconversa)....por...por todos esses anos que eu passei com
vocês aqui nessa casa, te criando como...(ela se interrompe)
208. Inácio ...como uma mãe. Pode dizer. (confuso) É assim que eu devo
sentir.
209. Faela Fica Inácio. Eu não consigo abandonar tudo que eu construí
aqui. (vai acariciar o rosto do menino, mas se interrompe. Desta vez, ele não corta
o clima e a mão dela fica no ar, novamente em clima de suspensão.Eeles estão cada
vez mais próximos) E preciso de você pra me dar força.
210. Inácio Eu fico. Pra te dar essa força, eu fico. Mas não sei até quando
eu suporto...
Túlio grita o nome de Faela do lado de fora da cena. O enteado e a madrasta notam o
clima que aconteceu entre eles e disfarçam assustados. Túlio entra em cena. A cena dos
três congela. A empregada, chocada, se reintegra ao coro, mas sem ser notada por ele,
indicando que ela esconde do coro essa última parte da conversa que só ela, e não a
vizinha, ouviu.
211. A vizinha E aí, foi isso. O menino reclamava das brigas com o pai.
Nesse dia que eu tava falando que fui lá pedir o punhado de açúcar, ele chegou com
uma mala dizendo que ia embora e não agüentava mais. Mas eu sou muito discreta.
Quando notei que o assunto estava ficando íntimo, eu pedi licença e fui embora.
212. A empregada (duvidosa) Ah, sim. E seu Inácio, que pouco aparecia na tua
frente, tão reservado que era; que não soltava um “ai”, que não fosse “bom dia, dona
fulana”, e só, na frente de quem não tinha intimidade com ele; ia dizer essas coisas
na sua presença!? (cínica) Há tanto tempo pedindo açúcar, há tanto tempo espiando
atrás da porta, não é? Depois, é a empregada que sabe das coisas, que fica
escutando...
221. A vizinha (lógica) Tudo bem, mas se você me viu observando atrás da
porta, é porque me observava também. E provavelmente não estava ali para me
observar apenas! (acusativa) O que mais você ouviu depois que fui embora? O que
mais você ouviu durante esse tempo que trabalha ali?
223. A empregada Gente fina...cachorro grande. As merda que essa gente faz é
tão grande quanto os cachorro que eles são. E de fina, eles não tem nada.
231. A empregada Eu estou falando da grande ironia nesta história. Daquilo que
a família lutou pra esconder há vinte anos.
235. A empregada O tempo foi matreiro. Não conseguiu curar seu Túlio.
Aconteceu ontem a mesma coisa que aconteceu há vinte anos. Ele acabou com a
vida de todo mundo de novo. Mas desta vez, não sei se alguém se salva. Nem o
menino, que soube de tudo da pior maneira, coitado, mas que também não foi
nenhum santo nisso tudo. O destino resolveu usar de ironia, porque seu Túlio não
aproveitou a segunda chance que a vida lhe deu, e desafiou a piedade dos céus.
236. O coro (menos a empregada) Os céus não tem nada a ver com isso. O
sangue que pinga das mãos de Túlio pinga na terra. Ele é um monstro. Inácio foi
justo!
237. A jornalista Mas o que é isso que se repetiu vinte anos atrás?
244. A empregada Mas o que vocês não sabem é o mal que Faela trouxe para
esta família, e que começou naquele dia que ela (aponta para a vizinha) tava
contando para vocês ainda agora. Depois que essa aí foi embora, eu vi seu Túlio
quase chegar e dar de cara com um momento entre seu Inácio e dona Faela.
246. A empregada (cortando o coro) Foi nesse dia do punhado de açúcar, que ela
tava contando pra gente, que começou o que não devia, o que não podia ter
começado. Nesse dia, ela quase tocou o lábio dele com os dedos, quase acariciou o
rosto dele com as mãos!!! (respira)
A empregada respira sôfrega, enquanto a luz tira o coro do foco da cena, e aparecem
Túlio e Faela
251. Túlio Duplamente feliz: nem tive tempo de beber. Meu pai acabou
de me ligar falando dos indicadores de intenção de voto.
254. Faela Eu te apoio, Túlio. Desde o dia que a gente se casou. Aliás foi
pra isso que agente se casou, não é verdade?
256. Túlio Não tem jantar hoje. E pode ir pro seu quarto. Vai dormir,
obrigado, boa noite. (ela pede licença e sai, faz que espia, como na cena anterior,
mas, desta vez, não participa da cena e se mantem integrante do coro) Hoje eu
quero comemorar com a minha esposa.
260. Túlio Há quanto tempo você nega disposição, mesmo? (ela olha pra
ele e desvia o olhar em seguida) Não sei porque eu vou fazer essa pergunta de novo,
mas eu faço. Pra não dizerem depois, que eu não sou um marido compreensivo!
Está acontecendo alguma coisa?
263. Faela (se desvencilha. Ele bebe)) Tira a mão, Túlio. Eu não sou tua!
266. Túlio Eu sou teu marido. Eu te possuo. Posso te possuir a hora que
quiser.
267. Faela Eu não sou obrigada a nada que eu não queira. (ele bebe e
avança)
269. Faela (se desvencilha, ele bebe) Não se trata de amor. Me larga,
Túlio.
270. Túlio Eu não agüento mais suas histórias. É por isso que, vira e
mexe, eu dou meus pulos!
271. Faela E eu não reclamo! Nunca reclamei (ele, já um pouco alterado
da bebida, bebe mais, avança e a agarra) E não sou mais obrigada a fazer o que eu
não quero, quando eu não quero, só pra te agradar. Pára, Túlio. (ela se desvencilha.
Ele bebe) De uma vez por todas, não vai acontecer mais assim!
272. Túlio Assim como? Não tem nada de diferente. De uns tempos pra
cá é sempre assim. Eu tenho que forçar um pouquinho pra você parar de resistir.
273. Faela Vamos fazer o seguinte. Nossos pais renovaram nossos votos
hoje, como você disse, certo?
275. Faela Foi a mais pura verdade. Tudo acordo, marido. Foi tudo
acordo! Eu me casei com você pra abafar mais uma merda que você tinha feito.
Aliás, a pior de todas! Uma das mais abomináveis.
276. Túlio (ele bebe) E o partido do seu pai tem ganhando tanto, mas
tanto financiamento, que hoje está em vias de eleger o presidente da República
Federativa do Brasil!
277. Faela Bem lembro como seu pai colocou o negócio. “Um dote às
avessas. Você me dá a noiva. Eu te dou o dinheiro”.
283. Faela Família de revista pra mim não é família perfeita, não, Túlio.
Família de revista pra mim é justamente aquela que é só aparência. Que pode
parecer o que quiser pra uma gente carente de tudo, que precisa da aparência da
felicidade pra sobreviver, tanto quanto do pão.
284. Túlio (ele olha profundamente pra ela. Dá um gole) Se você fosse
mãe dele, não seria tão parecida!
285. Faela O ponto é esse. Família perfeita pra mim tem filho envolvido
e nem um filho você quis me dar!
286. Túlio Ah, esposa, isso você não pode falar!
288. Túlio Nesse acordo dos nossos pais, o seu ganhou dinheiro, o meu
manteve a reputação e ganhou...digamos...influências. Por causa disso, meu pai
ganhou mais dinheiro também! E você ganhou um filho, sem precisar parir. Eu te
dei Inácio. (ela não acredita no que ouve)
289. Faela Que nojo isso que você está falando. Eu não sei nem o que
dizer. Inácio não é meu filho. Em respeito à mãe dele, eu dei todo amor que eu
podia dar pra ele, mas nunca quis que ele me visse como mãe. Eu nunca quis tomar
o que foi tirado dela.
291. Faela Eu não sei como você enxerga as coisas ou o que você tem no
coração, Túlio. Mas saiba, que não me fez nenhum favor em me evitar um parto. Eu
queria ter tido um filho meu!
292. Túlio (agora, bêbado) Cruz credo! Comigo não! Já chega uma
burrada na vida. Duas é idiotice.
293. Faela Teu filho foi a melhor coisa que você podia fazer pelo mundo.
E foi, sim, a melhor coisa que eu ganhei deste casamento.
294. Túlio Eu não fiz muita questão, não. (bebe) Por mim esse garoto
não tinha ficado! Mas, imagina, se tempos depois, aparece uma criança, um
bastardinho, na família Brandão? Impressionante como assessor pensa em tudo!
(imitando o assessor) “Pega! Cria logo o menino. A gente inventa uma história...”
(volta a si, debochando) a tal da namorada antiga do interior. Morreu no parto!
(imita o assessor) “...e agrega valor à família, através de uma imagem de
altruísmo!”. Bingo! Livres de escândalos no futuro. (Desenhando as aspas no ar,
trazendo novamente o assessor) “Arestas aparadas”
295. Faela Nota-se bem que se não fosse por mim esse garoto não saberia
o que é afeto. Não sentiria...amor.
296. Túlio Chega de falar do Inácio. Eu não quero mais discutir (avança,
ela foge)
297. Faela Então. Não vamos mais discutir. Nunca mais! Túlio, depois
que essas eleições passarem, depois que se elegerem todos o que eles querem que
sejam eleitos, a gente se separa.
301. Faela Nosso casamento já não tem mais serventia. Depois que essa
família colocar no poder o presidente que ela quer, nada mais segura ela nesse
mundo. Nossa separação vai rapidinho ser apagada com qualquer joguinho de
futebol, ou com a separação de algum casal amigo que, inevitavelmente, vai seguir a
nossa, porque a sociedade tá toda desmoronando, mesmo, graças a deus!
303. Faela Acabou, Túlio. Eu vou ligar pro meu pai. Você devolve a
noiva e ainda continua com o dote. Não tem prejuízo pra vocês.
304. Túlio Vem cá, Faela, deixa de frescura. (ele avança para ela)
Ela sai correndo de cena e ele vai atrás. Eles atravessam as coxias da direita para a
esquerda, da esquerda pra direita, e cada vez que Faela volta ao palco, correndo, indo
de uma coxia para outra, seu figurino aparece mais violado, até que completamente
rasgado, e de dentro da coxia ouvem-se os gritos de Faela sobre o gozo de Túlio.
Silêncio. Inácio entra como quem chega em casa. Ela volta à cena como quem sai do
quarto transtornada, abalada e ferida. Se surpreende, dando de cara com Inácio
307. Inácio Não tem condição de você, neste estado, não ter...Faela,
espera aí. Faela, aquele monstro fez...Eu não to acreditando. (Ele não sabe como
agir. Se a toca, se não toca...percebe o constrangimento. Mantém a distância)
311. Túlio (entrando em cena com uma outra garrafa na mão. Desta vez,
de vidro, bebendo seu whisky direto da garrafa original) E o que eu sou?
312. Inácio Seu monstro! (feroz, quer partir pra cima dele, mas ela não
deixa)
320. Túlio Ele não vai fazer nada, Faela. (para Inácio) Tem certeza que
você vai comprometer a nossa eleição à presidência por uma besteira?
321. Inácio E você diz que o que aconteceu aqui foi uma besteira? Tem
noção do que você está falando? Está tudo errado! Está tudo errado!
324. Túlio Que merda, Inácio? Não teve cagada nenhuma! Não fala uma
coisa dessas, que não teve essa violência aí que você falou, não. Como pode? Eu,
marido, fazer uma coisa dessa com a esposa?! Gente conhecida não faz isso com
gente conhecida, não! Você está maluco! Era só o que faltava.
325. Inácio Você não entende as coisas como elas são, não? Marido,
esposa, não interessa. Não é possível que você não perceba quando alguém não
quer!
326. Túlio (bebe) Você está falando igual pai. O que aconteceu aqui é
plenamente natural! O marido dando conta da esposa rebelde. Isso é o que acontece
nas melhores famílias. Nunca afetou a posição e o dinheiro que te dá a boa vida que
você tem, seu otário.
327. Inácio Meu Deus, como eu posso ter vindo de um ser como você?!
Não tem explicação. Eu vou acabar com a sua festa. Vocês nunca mais vão se
aproveitar de ninguém.
328. Faela Para com essa discussão! Chega. (os ânimos baixam)
329. Inácio Olha aqui a tua mulher, seu imundo! Se vocês são capazes de
fazer uma coisa dessas com quem demonstra mais amor por vocês, não dá pra
imaginar o que vocês são capazes de fazer com o povo que vocês controlam,
governam, enganam, mas nem conhecem. Ta todo mundo fodido mesmo se não
abrir o olho. Fodido, não, pior. (olha pra Faela) Violado.
335. Faela Eu vou tirar ele de perto de você, porque você é nocivo. Você
transforma em bosta tudo que toca, mas o Inácio eu não vou permitir. Eu nunca
permiti e não vai ser agora.
336. Túlio Do que você está falando? O garoto é meu filho e você é
minha esposa. Vocês ficam! Ninguém sai da porra dessa casa.
337. Inácio Papai, eu nunca votei nos seus candidatos. Seus valores não
me dizem nada, suas ordens não me representam. Você não tem o direito de me
dizer o que fazer.
338. Túlio Enquanto eu for o poder maior aqui dentro dessa casa, vocês
vão ter que se curvar e obedecer. É de mim que sai o dinheiro, eu tomo as decisões,
eu governo os rumos dessa casa. (para Faela) Você me elegeu como seu marido...
339. Inácio Mas eu não te elegi como meu pai! Essa palhaçada termina
hoje.
Inácio ajuda Faela a se recompor e vão se retirando, quando Túlio quebra a garrafa
que traz consigo e ameaça os dois.
342. Inácio Você está bêbado. (se vira para ir embora com Faela. Túlio
puxa ele pelo braço). Larga meu braço, me deixa ir emhora.
346. Túlio Ta vendo, ela não quer ficar com o filho sensível do dono do
pedaço. Ela quer o dono do pedaço. Elas sempre querem.
347. Inácio Eu to indo pra polícia, Faela. Eu vou denunciar esse maldito
pra polícia. E aproveito pra denunciar logo essas farsas do meu avô e dessa família
toda. Acabar com a palhaçada desse bando de enganadores.
348. Faela Você que não merecia ter vindo nesta família.
349. Túlio Que família pode ser melhor que esta, meu amor?
350. Faela Vai, Inácio, embora. Esfria a cabeça. Quando tudo se acalmar,
você volta e a gente se entende. Sempre foi assim. Não deixa isso que você viu aqui
queimar teus nervos. Eu sempre agüentei tudo por você. Não se preocupa. Eu
suporto tudo por você, que nunca teve culpa de nada.
351. Inácio Nem você, Faela. Você não precisa suportar isso. Como eu ia
saber?
352. Faela Eu compactuo com eles todo esse tempo. Seu pai tem razão.
Ninguém aqui é santo. (ela acaricia o rosto dele) Nem eu.
353. Túlio Não é mesmo! Sua madrasta sabia muito bem onde ela tava se
metendo quando casou comigo. Ela ta certa! Acredita nela.
354. Inácio Cala a sua boca, pai. Você não consegue dizer uma coisa que
preste. Minha mãe deve ter, mesmo, é morrido de desgosto por ter conhecido um
homem como você.
355. Túlio Morreu nada, Inácio. Bom, não sei se depois de todo esse
tempo ela morreu, porque eu não tenho notícia dela desde que a gente deu uma
grana boa pra ela ir embora dessa casa e deixar você com a gente.
358. Túlio Tua mãe te deu pra mim por um bom dinheiro, filho. O
mesmo dinheiro que te dá tuas regalias hoje em dia.
359. Inácio Você não tem amor por ninguém. Não consegue ter respeito
nem pela mulher que teve o seu filho, quando fala dela?
360. Túlio Respeito? A tua mãe era empregadinha dessa casa. E, com a
gente, aconteceu uma única vez. Depois que eu terminei com ela, ela estava aí. Igual
Faela ta agora. Do mesmo jeito, igual um trapo. Toda rasgada, reclamando que um
homem de verdade sentiu desejo por ela, e lutou por esse desejo até o fim!
362. Túlio Vamos ver se assim, depois da aula de educação sexual com o
professor Túlio, Inácio vira homem e faz jus à fama que o pai dele um dia teve.
Agora, já sabe como veio ao mundo.
364. Túlio O tempo passa, Inácio, e a gente tem que aproveitar cada
minuto. O corpo vai dando sinais claros! Você aí, com a vida inteira na mão, a
vitalidade de um touro! Desperdiça se importando com quem não faz a menor
diferença pra vida que você leva, pro mundo que você vive. Um bando de
carneirinho que depende da caridade alheia pra sobreviver. Você só quer saber de
usar nosso dinheiro para “causas”, pra estudar! Não desfruta esse conforto pra
viajar, conhecer mulheres! Aproveita esse dinheiro pra fazer isso que você chama
de cagada, Inácio. Não é cagada, é poder! A gente pode tudo e você só quer se
preocupar com o ser humano!
367. Inácio É aí que está seu erro, seu cuzão. Você devia ter desconfiado.
Túlio respira, engole seco. Encara Faela. Ela desvia o olho e não retribui.
378. Túlio Ano? Há quanto tempo, Faela? Desde que você trocava as
fraldas dele?
379. Inácio Cala a boca, seu cretino! A decisão foi minha. Ela não me
forçou a nada, aliás foi ela quem quis esperar essa porra de eleição passar. Por mim
eu já tava longe daqui com ela faz tempo!
380. Túlio Seu filho da puta! (parte pra cima de Inácio com a garrafa
quebrada em punho. Eles brigam e o objeto cai no chão. Faela, desesperada, sem
saber como conter a situação, pega o objeto do chão e se dirige para fora de cena,
andando de costas, olhando para os dois varões, chamando a atenção de ambos,
com o vidro apontado para um de seus pulsos)
381. Faela Parem com isso! (ao chegar fora de cena, ela solta um grito
de dor e seu antebraço aparece desfalecido em cena, cheio de sangue, saindo do
pulso. Os dois estacam)
A cena se dilui e o coro volta ao foco, sem fôlego, com a empregada desesperada, como
se tivesse terminado de contar a história.
382. A jornalista (concluindo, para si mesma, com um certo asco) Então, o
casamento de túlio e Faela não passou de um tratado político para ocultar um crime
de violência contra mulher? (recebe uma mensagem no celular)
383. Vizinha + Youtuber Que nojo! A prisão foi merecida. Mas ainda é pouco
pra Túlio.
384. A jornalista Parece que nem isso. Acabei de receber outro furo aqui.
Conseguiram um hábeas corpus relâmpago pra ele. Ele saiu da prisão. Está
voltando pra casa.
387. A Youtuber Minha senhora, o que a Faela tem de sem vergonha? Cadê a
culpa dela nessa história?
388. A empregada Você não prestou atenção na hora que eu contei, minha filha.
Ela era apaixonada pelo enteado. Se ela não tivesse sucumbido a esse amor sem
vergonha, não ia rejeitar o marido e os varões não iam brigar! Vocês não percebem?
389. A Youtuber Eu não posso acreditar que a senhora acredite no que está
dizendo.
390. A jornalista Brigar? Brigar, minha senhora? Você ouviu mesmo tudo que
contou pra gente? O garoto em vias de se acertar com a mulher que ele ama, não
interessa se é a madrasta ou não, chega em casa e a vê violentada e, ainda descobre
que ele próprio é fruto de uma violência também. É muita pauta, é muita coisa...é
muito absurdo...é muita pauta.
391. A empregada Ela ajudou a botar filho contra pai. Agora ela está lá internada
no hospital e é seu Inácio que está lá com ela, não o marido...
392. A Youtuber Ainda bem que não é o marido! Nada justifica. Nada! Nada
justifica o que Túlio fez.
394. A empregada Você não nota que isso é quase como uma mãe se
apaixonando por um filho? Ela criou ele desde menino, seduziu o menino e traiu o
marido
395. O coro (menos a empregada) Faela não queria ser vista como mãe,
esposa ou objeto. Faela só queria ser vista como mulher!
396. A Youtuber Ela não era mãe dele. Não foi ela quem pariu. Túlio ainda
deixou claro isso pra ela!
397. A jornalista Não é isso que está em questão. Como a senhora pode ainda
se preocupar com uma coisa dessas, depois do que o Túlio fez. E ainda mais
sabendo tudo o que a mãe de Inácio deve ter sofrido há vinte anos.
398. A vizinha Eu tenho uma filha e não conheço meus próprios vizinhos. E
essa mulher, gente, essa mãe de Inácio, está viva?
400. A empregada Não sei mais dela, não. Ela só trabalhou três meses na casa,
era muito bonita. Seu Túlio ficou em cima dela o tempo todo e não sossegou
enquanto não conseguiu o que queria.
402. A vizinha O menino mostrou que tem coragem. Resta saber se vai ter
brios pra levar toda a denúncia sobre a família adiante, porque até agora a polícia
não falou nada.
403. A jornalista Mas agora nós sabemos. E temos uma fonte super confiável.
(olha para a empregada, que está cabisbaixa, pensando sobre tudo o que está
acontecendo) E a senhora? Levou algum dinheiro também, não levou?
406. A empregada Com o dinheiro que eles deram, eu comprei uma casinha pro
meu filho e comecei uma caderneta de popança pra mim também. É importante ter
uma caderneta! Era só eu que sabia, foi só eu que tava na casa no dia, que vi o que
seu Túlio fez com a moça. Aí, meus patrões disseram que precisavam de uma
testemunha do lado deles, falaram pra eu não confiar numa menina que começou a
trabalhar ali só tinha três meses. Depois que tudo ficou resolvido, que eles calaram a
menina e pegaram seu Inácio pra criar, eles me pediram pra esquecer. Mas eu nunca
esqueço.
412. A jornalista (ela toma a palavra) ...Fui eu quem disse, ta tudo no site do
meu jornal a esta hora. Em primeira mão! Sabemos que o estuprador...
414. O coro Agora ele vai ter que olhar no nosso olho!
415. A Youtuber E depois que ele olhar no nosso olho o que a gente vai fazer?
Vocês querem que suas irmãs, suas mães, (olha para a vizinha), suas filhas, (olha
para a empregada) e suas iguais, passem pelas mãos de um covarde desses?
416. A vizinha A gente tem o poder de fazer com ele o que a gente quiser!
(para a empregada) E a senhora já tem a sua caderneta de poupança há anos.
417. A Youtuber (reitera para a empregada) Não deve mais nada a eles. (A
empregada se encoraja com o aval das duas)
418. A empregada Eu vou fazer isso, sim! Eu vou cuspir na cara de seu Túlio.
Vou pedir demissão da casa. Eu to arrependida dessa nojeira toda!
419. A empregada Ai, nossa senhora, mais polícia. É lá dentro da casa fazendo
perguntas, é aqui fora!
421. A vizinha A senhora deve contar tudo que sabe pra eles.
423. A jornalista Eu não te prometi nada. Mas posso tentar ajudar. Deixa passar
tudo isso, que a gente se fala melhor. Agora, eu preciso dar esse furo no meu jornal!
Tem matéria pro mês inteiro nessa gravadorsinho: da política ao social! (para a
Youtuber) Graças a mim, você vai ter fofoca pra todo mês também.
424. A Youtuber Eu não lido com fofoca. Mas com política eu lido.
425. A jornalista Fofoca, política: hoje em dia todo mundo trata igual...
427. A jornalista Calma! Cola comigo, garota. A gente pode pensar em fazer
uma parceria. Seu canal, meu jornal...apoiar seu canal...seu canal promover meu
jornal, jogar junto com ele...(a Youtuber não deixa de se interessar)
Túlio chega escoltado por uma policial (a mesma atriz que faz Faela), que o segura
firmemente. Ele está transtornado e visivelmente ultrajado fisicamente. Rasgado,
ensangüentado, machucado, violado, humilhado, com resquícios de fezes e sangue
espalhados pelas calças arrebentadas. O coro não sabe como reagir àquela situação.
Aos poucos as mulheres começam uma a uma a zombar de Túlio.
428. A policial Sabe como é que é estuprador na cadeia. Quando fulano não
tem estudo superior e cai na cela comum, tem que dançar conforme a lei dos presos.
E olho por olho, dente por dente é a que funciona nesses casos dentro no presídio. É
só a gente levar o elemento pra cela e anunciar o que ele fez. Logo na primeira noite
tem festa! Ninguém espera, porque ninguém perdoa. Todo mundo, uma vez na vida
ali, já teve mãe. Ou já soube o que é uma. A maioria, pelo menos.
433. Túlio Eu não fiz com minha esposa nada que um homem não faça
com uma mulher.
434. A policial (para a multidão) Ele ainda ta rebelde e acha que tem razão.
(Para Túlio, que tenta se desvencilhar das mãos da policial) Calma. Não precisa ter
pressa. Vai responder o processinho em liberdade, não vai?
438. A policial (ela nota a turba agitada e violenta) Estou achando melhor
eles se apressarem.
439. Túlio (ele também nota a agitação e se agita também) Não tem
nada que possam fazer contra mim. Eu já fui solto. Já sofri dentro daquela cadeia
tudo o que eu poderia sofrer dez anos em uma única noite. Caralho! (reclama dor ao
se agitar) Agora, a lei está a meu favor. (a agitação na turba permanece e aumenta)
440. A policial Mas parece que a opinião pública não está. Os meninos na
prisão já tiveram a vez deles. As meninas aqui da multidão parecem que não. E
parecem que estão loucas pra isso.
442. A policial (para o coro) Vocês querem ter um pouco da honra? (o coro
se agita mais, o som de turba aumenta, se agita)
446. A policial Culpa por não ter conseguido segurar sozinha um elemento
que foi puxado das minhas mãos pela força de uma multidão enfurecida? Acho que
não.
449. Túlio Vamos conversar. Vamos comigo lá em cima, pra tudo tem
um jeito.
450. A policial (ultrajada pela tentativa de suborno, mas cínica) Acho que
vou chegar lá em cima sem você, pedindo reforço pros policiais que estão tomando
depoimento: “Eu meio que perdi o elemento na multidão, e meu parceiro está lá
embaixo sozinho tentando conter a turba”. (o som vai às alturas e é agressivo. Ela
solta o elemento no meio da multidão que o lincha efusivamente. O policial, seu
parceiro, que estava dentro do carro, interpretado pelo mesmo ator que faz Inácio,
entra pra tentar conter a turba, mas é contido por sua parceira)
Fim