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ISBN 978-85-7516-865-3
www.atomoealinea.com.br
SUMÁRIO
PREFÁCIO
Gregório F. Baremblitt
INTRODUÇÃO
2. SUBJETIVAÇÃO
Constituição da subjetividade e o hábito
A dobra e a subjetivação
Subjetividade, subjetivação e indivíduo
Coeficiente de territorialização
6. MICROFASCISMOS E NEOCONSERVADORISMOS
Governamentalidade fascista
Micropolítica do fascismo: ódio e destrutividade
Neoconservadorismos: extremismos de direita e recodificação do cotidiano
REFERÊNCIAS
Bibliografia
SOBRE O AUTOR
PREFÁCIO
"A tristeza, os afetos tristes são todos aqueles que diminuem nossa
potência de agir. E os poderes estabelecidos precisam deles para nos
converter em escravos. O tirano, o padre, o ladrão de almas,
necessitam nos persuadir de que a vida é dura e pesada. Os poderes
têm mais necessidade de nos angustiar, do que de nos reprimir, ou,
como disse Virilio, de administrar e organizar nossos pequenos
terrores íntimos" (Deleuze & Parnet, 2004, p. 71).
"É preciso especificar que não existem potências ruins [...] O ruim é
o menor grau de potência. E este grau é o poder. O que é a maldade?
É impedir alguém de fazer o que ele pode, é impedir que este alguém
efetue a sua potência. Portanto, não há potência ruim, há poderes
maus. E talvez todo poder seja mau por natureza [...] A confusão
entre poder e potência é arrasadora, porque o poder sempre separa
as pessoas que lhe estão submissas, separa-as do que elas podem
fazer [...] O poder é sempre um obstáculo diante da efetuação das
potências. Eu diria que todo poder é triste".
O poder não é substância, matéria, coisa nem estado, é uma prática que se
refere a relações incessantes de forças. As forças exercem-se em relações
móveis e instáveis, estão em conflito (Foucault, 2006). Portam relações
desiguais e assumem variabilidade e plasticidade em suas configurações. Não
estão totalizadas numa Instituição como o Estado ou nas mãos de um
soberano. As forças estão descentralizadas, capilarizadas, regionalizadas,
estão disseminadas por todos os lados, difusas, tanto nos pequenos, como nos
grandes conjuntos sociais. Tanto na instância molar, quanto na molecular. Há
uma onipresença das relações de forças em um jogo incessante e dinâmico.
Dessa forma, deve-se realizar antes uma microfísica do poder, ao invés de
uma macrofísica, visto que as forças primeiramente são uma relação
molecular, mais do que molar, local, mais do que global. Devem ser
apreendidas no âmbito das moléculas e pequenos corpos, e não apenas nas
grandes instituições. Assim, Deleuze (2014), apoiado em Foucault, descreve
seis postulados para discutir o poder que implicam no deslocamento de uma
perspectiva macrofísica para uma analítica das agitações moleculares:
1. Propriedade: o poder, enquanto forças, não é possuído, mas
exercido. Não é posse de ninguém nem de uma burocracia, nem de
uma classe social, mas antes uma estratégia que se define como
múltiplos focos de enfrentamento e processos de instabilidade, pois
em suas relações não há estabilidade.
2. Localização: o poder não se localiza numa estrutura ou no Estado,
transita em focos locais e regionalizados. O Estado, como formação
concreta, é efeito das relações de forças e de engrenagens sociais. O
fato de se apropriar e exercer as disciplinas é que traz a impressão
equivocada de que o poder está totalizado no Estado.
3. Subordinação: o poder não está subordinado a um estrato, nem a um
modo de produção, infraestrutura, ou a questões econômicas.
Tampouco se subordina a uma superestrutura, pois é imanente e
constitutiva de todo campo social.
4. Essência ou atributo: o poder não tem essência nem interioridade,
pois é funcional, operatório. Não é atributo de algum ente, mas, sim,
relação. Passa tanto pelas forças dominantes, como pelas dominadas.
O poder passa. Deleuze (2014) afirma que não importa apenas a ação
arbitrária do soberano, mas também a maneira pela qual os dominados
participam de sua ação arbitrária, visto que as forças atuam em ambos
os polos.
5. Modalidade: o poder não é repressivo (violência) nem ideológico: é a
ação de uma força sobre outra. A relação de forças é o jogo da força
com a força, a ação sobre a ação, diferente da violência, que não é
uma ação sobre uma força, senão a "relação da força com um ser ou
com um objeto [...] Uma força não é destruída por outra força" (p.
49). Tanto Foucault como Deleuze não operam na lógica da
negatividade, compreendem que as forças em ação assumem uma
positividade que produz realidades e regimes de verdade. O poder não
atua pela repressão ou pela ideologização, senão pela normalização
das condutas, produzindo-as por meio das normas (cf. Capítulo 3).
6. Legalidade: no senso comum, compreende-se a Lei como um código
que se aplica a todos, que denota o que é justo e suprime a
ilegalidade. Porém, para Foucault, a Lei não veda uma conduta, é uma
forma de repartição dos ilegalismos. Em vez de proibir determinada
conduta, normatiza em que condições e lugares ela pode ser exercida.
Porque não há ‘a’ Lei, existem as leis: dependendo do contexto e do
personagem, podem-se aplicar diferentes leis e, consequentemente,
gerar distintos resultados nos processos. Então, longe de promover a
paz e uma justiça social ao coletivo, a Lei é mais uma estratégia de
poder, também variável: "a lei não é nem um estado de paz nem o
resultado de uma guerra ganha: ela é a própria guerra e a estratégia
dessa guerra em ato, exatamente como o poder, não é uma
propriedade adquirida pela classe dominante, mas um exercício atual
de sua estratégia" (Deleuze, 1988, p. 40).
"As forças vêm sempre de fora, de um fora mais longínquo que toda
forma de exterioridade. Por isso não há apenas singularidades presas
em relações de forças, mas singularidades de resistência, capazes de
modificar essas relações, de invertê-las, de mudar o diagrama
instável. E existem até singularidades selvagens, não ligadas ainda,
na linha do próprio fora e que borbulham justamente em cima da
fissura [...]. Mas, por mais terrível que seja essa linha, é uma linha de
vida que não se mede mais por relações de forças e que transporta o
homem para além do terror" (pp. 129-130).
Constata-se que o ser não está cindido do mundo: ele é sua realização, sua
atualização perspectiva das forças do fora. Dessa forma, a dobra que produz o
dentro é um duplo do fora que mantém uma relação de indissociabilidade, e
não de oposição. Mas ocupa um posicionamento perspectivo, visto que só
expressa uma parte do mundo, a partir de sua latitude e longitude, sua
regionalidade e potencial de afecção. Compreende-se assim que a
subjetividade é a contração da pluralidade, complexidade e paradoxalidade do
território em uma dobra desde seu posicionamento perspectivo: "é a
atualização de singularidades pré-individuais" (Deleuze, 1991, p. 101) do
plano de imanência. É um tecido repleto de dobras e preenchido de hábitos,
ritornelos e corpúsculos organizados.
Um contraponto à psicanálise é que a dobra subjetiva não é clivada pelo
inconsciente na lógica da negatividade. Fluxos e estratos de pensamento e
afetos articulam-se como multiplicidades no campo transcendental, no qual
diferentes planos e dobras têm seu quantum de determinabilidade e
indeterminabilidade. A maquinaria psíquica agencia-se como multiplicidade
de coexistência virtual, povoada por múltiplos planos de temporalidade e
experienciais, alguns mais estratificados e organizados e outros mais
informes, fluidos, desorganizados e indiscriminados. Circula uma infinidade
de estratos-fluxos que variam segundo o gradiente distinto de intensidades,
simbolização e expressão, numa dispersão de multiplicidades. Abandona-se,
assim, a ideia de um aparelho psíquico interno, em prol de uma maquinaria
que se desloca ao campo, atravessa as fronteiras da pele e se forma no
agenciamento entre ser, outros e território, entre materialidade psíquica e
campo experiencial.
O coletivo e o território configuram, fazem parte e são indissociáveis do
psiquismo, o qual transborda de sua suposta individualidade. Tal apreensão
faz com que se recuse o modelo tripartite da primeira e segunda tópicas
freudianas, que postulam um aparelho psíquico dividido em três instâncias,
seja consciente, pré-consciente e inconsciente (na primeira), e id, Eu e
superEu (na segunda).
A máquina psíquica é dispositivo de operação e articulação entre
elementos de diferentes materialidades, que, ao mesmo tempo em que
agencia, é agenciada, enquanto articula, é articulada: aparelho dotado de
plasticidade que se modula conforme seus elementos em interação. Máquina
que sempre é relacional e que nunca está restrita à internalidade; não é
substância enclausurada no envelope corporal. Sua natureza não se refere a
uma coisa, substância, mundo interno, mas à operação de articulação e
agenciamento que ultrapassa as fronteiras e limites da corporeidade orgânica:
o indivíduo vai além das dobras da superfície de sua pele. Então, a
consciência não é a apreensão de algo, no sentido da intencionalidade
fenomenológica husserliana, mas a articulação e esquematização de distintos
elementos do mundo. Abandona-se o modelo tradicional de inconsciente, que
se trata de uma caixa-preta, poço sem fundo, espaço em que as recordações
são arquivadas e tragadas. Expulsam-se o inconsciente e o consciente da
cabeça e do corpo do indivíduo para o campo experiencial, lócus onde as
multiplicidades e investimentos desejantes povoam e transitam nos
agenciamentos do ser com outros e o mundo. Assim, não se deve des-cobrir
ou traduzir o inconsciente, mas, sim, produzi-lo, multiplicá-lo. Não é o
negativo do consciente senão a manifestação de materialidades distintas que
se configuram como positividades, virtualidades, diferenças afirmativas e não
negativas de algo constituído e delimitado.
Subjetividade, subjetivação e indivíduo
"mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos. [...] É
um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigilância e
não descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações
distribuídas no tempo; que supõe mais um sistema minucioso de
coerções materiais do que a existência física de um soberano.
Finalmente ele se apoia no princípio, que representa uma nova
economia do poder, segundo o qual se deve propiciar
simultaneamente o crescimento das forças dominadas e o aumento da
força e da eficácia de quem as domina" (Foucault, 1979, pp. 187-
188).
O diagrama de captura e suas máquinas concretas são agenciados por um
sistema de forças de extração e de dominação, seja da vida, seja de um
território, para retirar seus produtos e tributos. Diferentemente do poder
soberano do decidir a morte e do fazer morrer, os saberes disciplinares têm
como foco a vida e o fazer viver.
Tal mecânica expressa outro diagrama de composição de forças, mais
comprometido com a produção do que com a dominação. Constitui
disciplinas para gerir e produzir a vida enquanto um corpo-máquina.
"A terceira época já não se trata do encerro, que já não tem nada o
que fazer aí, tendo em vista que os limites demarcados são
substituídos pelas zonas de frequência. Qual é a necessidade de
encerrar as pessoas se a probabilidade assegura que se encontre a
todos sobre a estrada tal dia a tal hora? É óbvio que o encerro é
absolutamente inútil. Inclusive neste aspecto se torna caro, estúpido,
socialmente irracional. O cálculo das probabilidades é aí muito
melhor que os muros de uma prisão [...] Portanto, é o fim dos meios
disciplinares, que eram meios de encerro para multiplicidades
aritméticas. Faltam meios de controle abertos sobre multiplicidades
probabilísticas" (Deleuze, 2014, pp. 367-368).
Estratopolítica
Tecnopolítica
Nomadopolítica
Expressão
Extensões Cálculo Intensidades
Substância
Estratos Saberes técnicos Magma, fluxos
Vetor de
Força centrípeta Ressonância Força centrífuga
Forças
Sobrecodificação Axiomatização Desterritorialização
Mecanismo
Fixação Modulação Dispersão
Movimento
Conservação Gestão Transmutação
Manutenção/perpetuação Produção/reprodução Criação/experimentação
Sedentário Exploratório Nômade
Deslocamento
Molar Celular Molecular
Dimensão
Terra Capital Corpo sem Órgãos
Plano
Estriado Equacional Liso
Campo
Estrutura Ondas Multiplicidades
Expressão
Instituído Técnico Instituinte
Momento
Ser/ter/estar/extrair Saber/fazer Devir
Verbo
Posições sociais Eficácia Movimento
Utopia
Tipo
Fixidez Competência Metamorfose
identitário
Paranoico Capitalista Esquizofrênico
Polo desejante
Instituições
Concretas Imateriais Máquina de Guerra
Gestão
Burocracia Tecnocracia Autogestão
Hierarquia
Vertical – poder Vertical - saber/fazer Horizontal
Governo
Imperialismo/populismo Liberalismo Anarquismo
Diagrama
Captura/Soberania Rendimento Autonomia
Democracia
Representativa Técnica Direta
Ideologia
Usa as ideologias Anti-ideológico Abandona as ideologias
Tipo de poder
Potestas Poder para fazer Potentia
Transformação
via Estado via melhor gestão via participação direta
social
Política nômade
Método da insurgência
[7] No fim de sua obra, Deleuze (2014) refuta a ideia de uma História
universal, preferindo discutir as recomposições dos agenciamentos de forças
vetorizados em distintos diagramas nos diferentes momentos históricos:
“Portanto, ao mesmo tempo há que se dizer que não, que isso não é história
universal porque apela constantemente a novas mutações, a novas saídas.
Tudo torna a sair, constantemente tudo volta a sair” (p. 114).
[8] Ressaltamos que por instituições concretas não entendemos o mesmo, por
mais que haja convergências, da definição de Guilhon de Albuquerque
(1986), que enuncia sobre os processos de repetição de práticas, de
reconhecimento e sua decorrente legitimação.
[9] Frequentemente, os saberes psi entram em conflito com o próprio Estado.
Essa tensão é trabalhada de forma magistral por Foucault (1982) na obra Eu,
Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Trata-se do
caso de um jovem que matou sua família e se tornou disputa entre Direito e
Medicina, isto é, Estado e disciplina. Dessa forma, deveria ser preso ou
internado no manicômio? Era um criminoso ou louco? Qual instância tinha
poder sobre Pierre Rivière, a base jurídica do Estado ou o mecanismo
disciplinar da Medicina? Trata-se de um caso pelo qual se pode analisar a
tensão entre os dois poderes heterogêneos, entre duas mecânicas distintas.
[10] Ressaltamos que mesmo com o processo de descodificação
generalizado, algumas famílias historicamente dominantes ainda se
perpetuam no governo e na especulação dos fluxos financeiros de muitos
países, não apenas no Oriente. A máquina capitalista não varreu todos os
traços feudais da sociedade, como as oligarquias no poder.
[11] Vale ressaltar que Guattari (2004b) discutiu a expansão da lógica do
mercado e do capital transnacional através das fronteiras já na década de
1960, anos antes do tema da globalização entrar na pauta acadêmica
(Berardo, 2013).
[12] Atualmente, todos os países estão endividados, mesmo os países ricos. E
os credores não são outros países, mas corporações bancárias, de
investimentos e empresariais.
[13] Fenômeno comum nas universidades é que até professores que se
posicionam politicamente na esquerda e são críticos ao capitalismo, atualizam
sua axiomática. Muitos agem, mesmo sem saber, na estratégia neoliberal,
com os princípios de competitividade, acúmulo e extremo produtivismo.
Mas, ao invés de exibirem suas propriedades privadas, ou o extrato bancário,
exibem seu ‘extrato acadêmico’, seu currículo Lattes, em que cada artigo
mostra o quantum de sua ‘riqueza’. Mesmo ideologicamente críticos ao
capital, reproduzem a lógica ‘ CAPEStalista’, pois seus investimentos
desejantes, pensamentos e subjetividade estão modulados pela axiomática do
capital.
[14] Optamos por não seguir Serres (1994) e Tirado e Domènech (2006), que
chamam essas instituições de “extituições”. Suas definições estão centradas
nas sociedades de controle e intensificam o caráter de fluidez e de
exterioridade que as instituições assumem, porém não trabalham a
axiomatização dos fluxos sociais pela máquina capitalista.
[15] Mengué (2013), em sua obra sobre Deleuze, realiza interpretação liberal
de seu pensamento. Compreende que o advento do diagrama de controle
instaura novas modalidades de liberdade, em que o poder não é repressor e
que Deleuze se afasta da esquerda política. Entende que os modos de
resistência no cotidiano passam pelo papel de “fazer o idiota”, de instaurar
mecanismos de não sentido e incomunicabilidade nas relações sociais,
despolitizando os dilemas políticos contemporâneos e utilizando saídas
individualistas. O pensamento de Mengué é exemplo claro de apropriação de
direita do pensamento deleuzeano, no qual se desintensifica sua criticidade
política, aproximando-o ao conformismo pós-moderno.
[16] Deleuze e Guattari utilizam os termos ‘esquizofrênico’ e ‘paranoico’ não
para se referirem às entidades clínicas, mas, sim, às modalidades de
funcionamento que expressam um fluxo desterritorializador e outro
capturante.
[17] No Brasil, o racismo perdura de tal forma que nos horrorizamos mais
com os campos de extermínio de Auschwitz, onde foram aniquilados judeus
europeus brancos, do que com os campos de extermínio no próprio país, em
que milhões de indígenas e negros brasileiros pobres foram e são
assassinados.
[22] Casas abandonadas ocupadas por jovens que passam a desenvolver ali
atividades culturais e oficinas de diversas espécies. Muitas delas se
organizam pela autogestão.
[23] Utiliza-se o sufixo ‘e’ para fugir da dicotomia de gênero, na qual se
coloca como masculino ou feminino. O sufixo ‘e’ traz uma característica de
impessoalidade e de transgenericidade.