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RESUMO:
O fim do processo penal é a sentença. Qual seria então o fim da sentença: a busca
pela verdade “real” ou simplesmente a busca pela verdade formal, ou pela verdade possível
no processo? Diante da possibilidade de algumas verdades possíveis no processo penal,
temos ainda a certeza e verossimilhança entre os fatos apurados e o fato real, que é história
e, portanto, tem que ser recontado. Frente à falta de certezas, devemos preservar as
garantias processuais do Estado Democrático de Direito, dentre elas a da motivação das
decisões judiciais.
Por outro lado, a renegação ao conhecimento subjetivo, sendo que somente o saber
científico seria apto a revelar a verdade na concepção moderna, sofreu um grande abalo
com as descobertas de Freud e a objetivação da subjetividade e sua compreensão de parte
do saber científico. Bem como, surgiram questionamentos aos determinismos impostos pela
ciência moderna e seu déficit de previsibilidade originados pela teoria da relatividade de
Einsten e a possível existência de uma pluralidade de verdades dada pela reversibilidade
das verdades cientificas no tempo3. Chega-se a um ponto onde a proposta epistemológica
da modernidade ou precisa de abandono ou se vê obrigada a se assumir enquanto ilusória
e não mais suficiente. Dessa forma, o conhecimento racional entra em crise trazendo
reflexos no papel do juiz e no problema da busca pela verdade.
Segundo Aury Lopes Jr., o mito da verdade real está intimamente relacionado com
a estrutura, do sistema inquisitório; com o “interesse público” (clausula geral que serviu de
argumento para as maiores atrocidades); com os sistemas políticos autoritários; com a
busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados
momentos históricos); e com a figura do juiz ator (inquisidor) 4.
2
GAUER, Ruth. Qualidade do tempo: Para além das aparências histórias. Org. Lúmen Iuris: Rio de
Janeiro, 2004, p. 03.
3
GAUER, Ruth. Qualidade do tempo: Para além das aparências histórias. Org. Lúmen Iuris: Rio de
Janeiro, 2004, p. 06-09.
4
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 537-8.
A partir da busca pela verdade real, muitas práticas probatórias estavam
autorizadas. A crença de que seu alcance era possível transformou a meta do processo
penal na busca pela verdade real, sendo o principio que fundava o Direito Processual Penal
antes da Constituição de 1988. Dessa forma, a busca pela verdade é usada para justificar os
abusos por parte do Estado, na lógica de que os fins justificam os meios5. Essa busca
possibilitava ao Estado julgar os supostos criminosos não em decorrência dos fatos, mas,
sobretudo em decorrência das convicções intimas do magistrado, o qual podia diligenciar a
produção das provas, visando conseguir a confissão do acusado, com o suplício.
Não há como se atingir a verdade real do fato criminoso, por mais riqueza de
detalhes que se consiga juntar na instrução do feito, não sendo permitido ao juiz, em nome
dessa verdade real, a outorga de poderes ilimitados, tais como de produzir provas no
processo penal, sob pena do cometimento de arbitrariedades pelo mesmo, bem como da
perda da imparcialidade da decisão.
Diz Ferrrajoli que a verdade a que aspira o modelo substancialista do direito penal é
a chamada verdade substancial ou material, quer dizer uma verdade absoluta e
onicompreensiva em relação às pessoas investigadas, carente de limites e de confins legais,
alcançáveis por qualquer meio, para além das rígidas regras procedimentais. É evidente que
esta pretendida “verdade substancial”, ao ser perseguida fora de regras e controles, e,
sobretudo, de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação, degenera
em juízo de valor, amplamente arbitrário de fato, assim como o cognitivismo ético sobre o
qual se baseia o substancialismo penal resulta inevitavelmente solidário com uma
concepção autoritária e irracionalista do processo penal7.
Tudo isso para informar que essa verdade real perseguida e jamais atingível, não
passa de um juízo de probabilidade entre o fato e os elementos probatórios tidos como
suficientes para declarar a autoria e materialidade do crime.
5
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 537-8.
6
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal, Ed. Conan, São Paulo, 1995, pág. 44.
7
FERRAJOLI. Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo:RT, 2006, p. 48.
Quanto à impossibilidade prática de desvelar a verdade absoluta, Michele Taruffo8
registra que:
[...] o juiz não dispõe de instrumentos cognoscitivos nem de tempo e da
liberdade de investigação que dispõe o cientista ou historiador.
Diferentemente da atividade desses dois últimos, o processo deve se
desenvolver em um tempo limitado, dado que tanto o interesse público
quanto privado pressionam para que o final do litígio seja alcançado
rapidamente, e este é um grande obstáculo para a busca da verdade.
8
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. Jordi Ferri Beltrán. Madrid: Trotta, 2002. p. 45
9
BAPTISTA, Francisco das Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 210.
10
FERRAJOLI. Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo:RT, 2006, p. 52.
provas, por sua vez, não retratam o fato em si, mas apenas partes do fato, que chegam
dessa forma ao conhecimento do juiz.
Sendo o crime fato histórico, depende, como tal, da memória de quem narra 11,
dependendo, por sua vez, da percepção dos fatos por esta mesma pessoa e de sua
disponibilidade em influenciar no convencimento do juiz.
A verdade possível nos autos é a verdade formal ou processual, pois o juiz trabalha
com probabilidades, com representações de partes do fato que lhe chegam. A sentença
penal se assenta num juízo controvertível, que lhe extrai o cunho de definitividade em
relação ao conflito básico – entre os direitos individuais do cidadão e o interesse público
estatal12. Dessa forma, o juiz está adstrito à lei para julgar, pois uma vez alcançada pela
coisa julgada a verdade do processo esta será imutável, diferentemente da verdade
científica que tem prazo de validade restrito ao tempo de que uma nova verdade surja 13.
Dessa forma, a verdade processual deve ser produzida num processo repleto de garantias,
pois sua falta pode gerar sérios prejuízos ao acusado.
Se o juiz, por exemplo, se apegar ao disposto no art. 156, in fine, do CPP, que com
o intuito da busca pela “verdade real”, requer diligências, tenderá, com esta atitude, a
prolatar uma sentença condenatória. Outrossim, se o juiz frente à insuficiência de provas
aplicar o princípio da presunção de inocência do acusado (art 5º, LVII, da CF/88), não
haverá necessidade de requer diligências probatórias para saná-la.
Neste sentido:
11
LOPES JR. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade
Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.263.
12
BAPTISTA, Francisco das Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 34.
13
LOPES JR. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade
Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 265.
14
LOPES JR. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade
Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 179.
A vigência dos princípios referidos acima demonstram a inexigibilidade de obter-se
a verdade no processo penal15, além disso, a busca pela verdade real e o livre
convencimento motivado são incompatíveis. “Se a decisão criminal está presa á verdade
real, o julgador não tem liberdade algum: incumbe-lhe decidir segundo essa verdade. Se o
julgador se pode convencer livremente, não está sujeito á verdade real, mas àquela de que
se convencer”16.
Segundo Aury Lopes Jr.17 é preciso distinguir, seguindo Ferrajoli, entre estrita
jurisdicionalidade e mera jurisdicionalidade, sendo que a primeira corresponde o modelo
processual garantista, cognoscitivo, orientado pela averiguação da verdade processual
empiricamente controlável e controlada. Quanto à segunda corresponde o modelo
decisionista, dirigido a busca pela verdade substancial, fundada em valorações éticas,
morais, que vão além das provas dos autos.
Neste ponto cave a sábia esta lição: “A verdade necessária à conclusão justa do
processo é a que se pode atingir sem arranhaduras na integridade humana do cidadão, não
uma verdade real arrancada a qualquer preço”18.
4- CERTEZA E VEROSSIMILHANÇA
15
BAPTISTA, Francisco das Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 210.
16
BAPTISTA, Francisco das Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001,p.212.
17
LOPES JR. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade
Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 256.
18
BAPTISTA, Francisco das Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 187.
19
CARNELUTTI, Francesco. Veritá, Dubbio, Certezza. Revista do Diritto Processuale, p. 05.
sabia, naquele tempo, que coisa fosse, e porque, sobretudo, nem com o processo, nem
através de algum outro modo, a verdade jamais pode ser alcançada pelo homem20.
A certeza implica uma escolha, de forma que afasta a obrigação do juiz de buscar a
verdade, contentando-se com a certeza, remete o autor ao exemplo do por que a lei da
preferência à prova escrita sobre a testemunhal, pois esta não é passível de certeza. Em
contraponto a certeza tem-se a dúvida, que não pode ser eliminada apenas pelo pensar,
surge a pergunta, como então o juiz faz sua escolha? A solução, segundo o autor, está entre
o acreditar e o saber, ou seja, entre a ciência e a fé, pois todo ato de escolha é um ato de
fé21.
Aury Lopes Jr. entende não ser possível falar em certeza como não é possível se
falar em verdade. O que temos são probabilidades, juízos de verossimilhança, no sentido de
semelhança do vero. O máximo que o processo pode alcançar, segundo o autor, é um alto
grau de aparência, de plausibilidade de que o fato ocorreu da forma que o processo
conseguiu apurar. Assim, a finalidade do processo é definir a probabilidade dos fatos, isto é,
o que provavelmente ocorreu no campo fático. O autor vai mais além, constando a presença
da incerteza no processo penal, assim como em outros aspectos da vida23.
Neste sentido, o papel que requer-se do juiz não pode mais ser o da neutralidade,
pois o ser humano é não-neutro por natureza, e sim o da imparcialidade, como forma de
evitar-se favorecimento de partes. A neutralidade impossibilita o juiz de julgar, um juiz neutro
é um juiz boca-da-lei, que simplesmente reproduz sua letra morta. O magistrado não está
infenso aos mecanismos de exclusão, marginalização, discriminação, bem como alheio às
condicionantes psicológicas, psicossociais e culturais24, ele traz consigo sempre uma carga
ideológica. Por isso, o que se espera de um juiz, após a crise da racionalidade e a
epistemologia da incerteza, é que não busque a verdade real, mas a verdade possível no
processo, amparada sempre pelas garantias de fundamentação das decisões judiciais e do
livre convencimento motivado.
A motivação das decisões judiciais está consagrada no artigo art. 93, IX da CF, o
que significa dizer, devem externar à sociedade as razões pelas quais o Estado, na figura do
juiz, decide desta ou daquela maneira a vida dos jurisdicionados. É como uma espécie de
prestação de contas do modo de atuar adquirindo uma conotação que transcende o âmbito
próprio do processo para situar-se no plano mais elevado da política, caracterizando-se
24
BAPTISTA, Francisco das Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001.p. 35.
25
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001. p. 13.
como o instrumento mais adequado ao controle sobre a forma pela qual se exerce a função
jurisdicional26. A publicidade das decisões judiciais é aliada da motivação e cumpre
juntamente com ele a função política referida.
Entende Ferrrajoli que a motivação das decisões judiciais tem valor fundamental.
“Ele exprime e ao mesmo tempo garante a natureza cognitiva em vez da natureza
potestativa do juízo, vinculando-o, em direito, à estrita legalidade, e, de fato, à prova das
hipóteses acusatórias”29. É com base neste principio que a validade das sentenças resulta
condicionada à “verdade”, ainda que relativa, de seus argumentos e que são legitimadas por
asserções verificáveis de forma aproximada, baseadas num saber, ainda que opinativo e
provável, mas por isso refutável e controlável tanto pelo imputado quanto pela sociedade30.
A motivação permite que o controle das decisões judiciais seja de direito, por
violação da lei ou defeito de interpretação e de fato, por defeito ou insuficiência de provas ou
por explicação inadequada do nexo entre convencimento e provas32.
A sentença de pronúncia é outro ponto que requer análise. Como decisão que é
dever ser motivada, porém dentro do limites da cognição realizada: “se o que se objetiva é
um simples juízo de probabilidade ou verossimilhança (...), os argumentos apresentados no
discurso justificativo devem corresponder a essa característica do tipo de decisão que se
33
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 206.
34
Dentre eles cita-se: José Frederico Marques e Julio Mirabete.
35
STF, HC 70.763-DF, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 165:877.
36
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 206.
realiza nessa fase processual”37. Assim, a pronúncia declara somente o direito de julgar do
Estado com base na cognição sumária dos fatos, onde o excesso de fundamentação causa
a nulidade da decisão, haja vista, o perigo de influenciar a decisão dos jurados.
6- REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal, Ed. Conan, São Paulo, 1995.
FERRAJOLI. Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: RT, 2006.
GAUER, Ruth. Qualidade do tempo: Para além das aparências histórias. Org. Lúmen
Iuris: Rio de Janeiro, 2004.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007.
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. Jordi Ferri Beltrán. Madrid: Trotta,
2002.
37
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001. p. 233.