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ISSN 2236-1553

Revista SÍNTESE
Direito Imobiliário

Ano VI – Nº 30 – Nov-Dez 2015

Repositório autorizado
Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

Diretor Executivo
Elton José Donato

Gerente Editorial e de Consultoria


Eliane Beltramini

Coordenador Editorial
Cristiano Basaglia

Editora
Simone Costa Saletti Oliveira

Conselho Editorial
Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior,
Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

Colaboradores desta Edição


Carlos A. M. Murrer, Cesar Calo Peghini, Gabriel Azi, João Glicério de Oliveira Filho,
José Eduardo Parlato Fonseca Vaz, Luis Henrique Monteiro Brecci, Luiz Antonio Scavone Junior,
MB Menezes, Olney Queiroz Assis, Patrícia da Silva Feitosa, Paula Saleh Arbs
2011 © SÍNTESE
Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.
Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.
Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-
tivos tribunais.
A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita
pelo e-mail: pesquisa@sage.com.br (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).
Distribuída em todo o território nacional.
Tiragem: 4.000 exemplares
Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração
Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: conselho.editorial@sage.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- .


– São Paulo: IOB, 2011- .
v.; 23 cm.

Bimestral.
v. 6, n. 30, nov./dez. 2015

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.


CDU 347.453
CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

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Demais localidades 0800.7247900
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www.sage.com.br Demais localidades 0800.7283888
Carta do Editor
Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, publicamos como
Assunto Especial o tema “IPTU”. Sobre o tema escolhido selecionamos relevan-
tes artigos dos ilustres juristas: Carlos A. M. Murrer, Gabriel Azi e MB Menezes.
O Imposto Predial e Territorial Urbano é um imposto brasileiro que cada
pessoa que possui uma propriedade urbana, como um apartamento, sala co-
mercial ou uma casa tem que pagar. Consta na Constituição Federal e serve
tanto para pessoas jurídicas, quanto pessoas físicas.
O objetivo principal do IPTU é basicamente fiscal, ou seja, obter recursos
financeiros para o Governo, mas também pode ser um meio para controlar os
preços das propriedades e tem uma função social muito importante, que é evi-
tar que grandes propriedades sejam mal utilizadas pelos donos, uma vez que,
quando provado que a propriedade não está sendo corretamente aproveitada, o
governo pode aumentar o IPTU, com o objetivo de fazer com que os proprietá-
rios vendam o imóvel, e assim torná-lo produtivo.
Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qua-
lidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do
direito, tais como: Luiz Antonio Scavone Junior, João Glicério de Oliveira Filho
e Luis Henrique Monteiro Brecci, Patrícia da Silva Feitosa e José Eduardo Parlato
Fonseca Vaz, Cesar Calo Peghini, Paula Saleh Arbs e Olney Queiroz Assis.
Não deixe de ver nossa seção “Clipping Jurídico”, que traz notícias rele-
vantes do mercado imobiliário.
Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane Beltramini
Gerente Editorial e de Consultoria
Sumário
Normas Editoriais para Envio de Artigos.....................................................................7

Assunto Especial
IPTU

Doutrinas
1. O IPTU Progressivo no Tempo e a Função Social da Propriedade
Carlos A. M. Murrer....................................................................................9
2. Imposto Predial e Territorial Urbano: Análise da Regra-Matriz
Gabriel Azi................................................................................................24
3. Do Marco Prescricional para a Cobrança do Imposto Predial Territorial
Urbano – IPTU
MB Menezes.............................................................................................57

Jurisprudência
1. Acórdão na Íntegra (STJ)............................................................................63
2. Ementário..................................................................................................68

Parte Geral
Doutrinas
1. Alienação Fiduciária em Xeque: a Visão do Superior Tribunal de
Justiça
Luiz Antonio Scavone Junior.....................................................................74
2. As Vantagens Fiscais Proporcionadas pela Sociedade “Holding
Imobiliária”
João Glicério de Oliveira Filho e Luis Henrique Monteiro Brecci..............78
3. Cautelas na Aquisição de Imóveis
Patrícia da Silva Feitosa e José Eduardo Parlato Fonseca Vaz....................86
4. O Direito de Superfície: uma Análise de Sua Evolução Histórica
e o Direito Positivado Nacional
Cesar Calo Peghini..................................................................................100
5. Da Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos
Contratos de Locação
Paula Saleh Arbs.....................................................................................123
6. Condomínio Edilício e o Novo CPC
Olney Queiroz Assis...............................................................................126
Jurisprudência
Acórdãos na Íntegra
1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................148
2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................153
3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região...................................................163
4. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios...........................178
5. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás....................................................184
6. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais........................................192
7. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná..................................................199
8. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul................................204
9. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.............................................210
Ementário de Jurisprudência
1. Ementário de Jurisprudência....................................................................214

Clipping Jurídico...............................................................................................240
Bibliografia Complementar..................................................................................244
Índice Alfabético e Remissivo..............................................................................245
Normas Editoriais para Envio de Artigos
1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-
cados em sua área temática.
2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do
Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi­
cações.
3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da
Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e,
também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.
4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-
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outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.
5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.
6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-
dicos da Síntese.
7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos
artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.
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TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os
pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.
9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou
expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa
ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-
das por ponto.
10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e
“KEYWORDS”.
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Assunto Especial – Doutrina
IPTU

O IPTU Progressivo no Tempo e a Função Social da Propriedade


CARLOS A. M. MURRER
Advogado Militante, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa/MG, Pós-Gra-
duado em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG),
Mestrando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal de Viçosa/MG, Bol-
sista e Voluntário em diversos projetos relacionados à Cidadania, Regularização Imobiliária e
Fundiária, bem como Meio Ambiente.

SUMÁRIO: Da função social da cidade e o direito à rua; Da política urbana e o IPTU progressivo no
tempo; Do direito à propriedade privada; Da função social da propriedade; Da construção capitalista
do espaço e o esvaziamento estatal; O breve relato de Viçosa; Conclusões; Referências.

DA FUNÇÃO SOCIAL DA CIDADE E O DIREITO À RUA


Lógica programática e de obrigatória observação na gestão urbana de to-
dos os municípios da federação, o princípio da função social da cidade extrapo-
la os limites do urbano a atentar-se para as necessidades presentes e futuras do
município enquanto expressão social de seus munícipes no âmbito de espaços
privados (daí advém o princípio da função social da propriedade) e público (a
necessidade de espaços públicos para convívio e prática cidadã)1.

A Professora Daniella Dias (2012) expressa a referida base programática


da seguinte forma:
De início, (o Estatuto da Cidade) traz uma definição legal sobre o que seja direito
a cidades sustentáveis. Este paradigma deverá estar implícito e explícito em todas
as políticas e planos urbanísticos, pois o cumprimento das funções sociais da
cidade depende da realização de políticas em prol da terra urbana, da moradia,
de uma infraestrutura urbana, de transportes e serviços públicos, da existência de
condições dignas de trabalho e de opções para o trabalho, de criação de espaços
para lazer para as presentes e futuras gerações (art. 2º da Lei nº 10.257/2001).

1 Conforme ideia extraída de Jane Jacobs (2011, p. 29): “As ruas e suas calçadas, principais locais públicos
de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se
as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas,
a cidade parecerá monótona. Mais do que isso, e retornando ao primeiro problema, se as ruas estão livres da
violência e do medo, a cidade está, portanto, razoavelmente livre da violência e do medo”.
10 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Da leitura desse dispositivo, depreende-se que o Estatuto da Cidade inova quan-
do trata da ocupação do solo, não somente considerando a base material da
cidade, ou seja, as necessidades de infraestrutura, de equipamentos públicos e
de prestação de serviços para todos cidadãos. O que o Estatuto da Cidade deter-
mina é que a ocupação do solo urbano se realize, objetivando a melhoria dos
assentamentos humanos, melhoria que requer políticas integradas que propiciem
a educação, o trabalho, o aumento da capacidade aquisitiva, o acesso à moradia,
à segurança jurídica da posse, à participação democrática.

Percebe-se, claramente, que o Estatuto da Cidade impulsiona o Poder Público,


isto é, entendam-se todos os entes políticos da federação, a lutarem por espaços
urbanos mais qualitativos, menos excludentes, em que todos os cidadãos possam
efetivamente vivenciar a sua cidadania. (grifos nossos)

Da função social da cidade e seu solo fértil é que surge a política urbana
nacional e seus instrumentos de gestão e melhora social da cidade.

DA POLÍTICA URBANA E O IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO


Com mais de 80% da população brasileira morando nas cidades, uma
mudança estrutural significativa ocorreu nas ordens políticas, sociais e econô-
micas até outrora vigentes. Ao mesmo tempo em que migraram as pessoas do
campo para os centros urbanos, migraram também os problemas: segregação
socioespacial e disparidades econômicas e de acesso a equipamentos urbanos
tornaram-se marcas das urbis nacionais, sobretudo das metrópoles. Assim, uma
política de diretrizes à ordenação urbana faz-se necessária. Conforme prescri-
ção do Estatuto da Cidade:
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes dire-
trizes gerais:

[...]

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da


população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área
de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e
seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

[...]

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

[...]
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 11
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou
não utilização;
[...]

Assim, a utilização da propriedade de forma socialmente útil e responsá-


vel é matéria de extrema relevância, em todos os aspectos dele advindos: de sua
tributação aos seus direitos inerentes de gozo e disposição.
Na disciplina do planejamento e gestão das cidades, falar em tributos
não é, necessariamente, falar em arrecadação ao Fisco. Nessa específica seara,
a tributação urbana ganha status extrafiscais ao se transformar em importante
instrumento para regulação urbanística e minoração de desigualdades no direi-
to pleno à cidade. Assim, para a eficácia do cumprimento das funções sociais
da cidade e da propriedade privada, outros objetivos deverão ser alcançados,
como: uma maior atenção e regulação à expansão urbana; meios hábeis de
caráter compensatório para distribuição da renda urbana; impedir, dificultar e
desestimular práticas empresariais contrárias ao interesse público a uma cidade
ampla e justa.
Comunga com a afirmação Marcelo Lopes de Souza ao citar especifica-
mente o tributo por ora explanado (2011, p. 227):
Claro está que, sob o ângulo temporal, a progressividade do IPTU concerne,
especificamente, à finalidade de coibir a especulação imobiliária com terrenos
desocupados ou subutilizados. É com a progressividade no tempo que, além de
ficar reforçada a dimensão de extrafiscalidade do IPTU (ou seja, a sua natureza
não restrita a uma mera função tributária e arrecadadora), no caso a sua função
disciplinadora, respeita-se mais estreitamente o espírito de serventia ao objetivo
constitucional de garantia da “função social da propriedade”.
Em termos concretos, o que ocorre, uma vez tendo sido introduzida a progressi-
vidade do imposto, é que, após notificação, pelo Estado, da obrigatoriedade de
edificação ou parcelamento, e não tomando o proprietário, transcorrido deter-
minado prazo, qualquer providência, o valor lançado do IPTU virá a sofrer uma
constante majoração anual, sob a forma de crescente percentagem de acréscimo.
(grifos nossos)

O Estatuto da Cidade, lei promulgada sob forte debate de parcelas sociais


interessadas a disciplinar os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, traz a pres-
crição do supracitado instituto, como:
Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na for-
ma do caput do art. 5º desta lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no
§ 5º do art. 5º desta lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a
majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
12 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica
a que se refere o caput do art. 5º desta lei e não excederá a duas vezes o valor
referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em
cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se
cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.
§ 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progres-
siva de que trata este artigo.
Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o pro-
prietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização,
o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em
títulos da dívida pública.

O Supremo Tribunal Federal também prestou delineamentos sobre a te-


mática ao consolidar o entendimento da progressividade da alíquota no tempo
quando para o cumprimento da função social da propriedade. O Enunciado
Sumular nº 668, in verbis: “É inconstitucional a lei municipal que tenha esta-
belecido, antes da EC 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se
destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”
(STF, 2003).
Como forma de contextualizar o instituto, aproprio-me das palavras cla-
ras de Marcelo Lopes de Souza (2011, p. 226):
Poucos instrumentos são tão necessários à tarefa de promover o desenvolvimento
urbano quanto o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tem-
po, notadamente nas cidades de países periféricos – ou semiperiféricos, como o
Brasil. Ele é, como poucos, capaz de colaborar decisivamente para a tarefa de
imprimir maior justiça social nas cidades caracterizadas, simultaneamente, por
fortíssimas disparidades socioespaciais e uma especulação imobiliária desenfrea-
da. Ele é, enfim, graças às suas potencialidades de coibição da atividade especu-
lativa em larga escala e de geração de recursos direcionáveis para a dotação de
infraestrutura e regularização fundiária de áreas residenciais segregadas, capaz,
como poucos, de colaborar tanto para evitar a formação de vazios urbanos e o
problema da “urbanização em saltos”, quanto para superar ou, ao menos, mino-
rar a espoliação urbana.
[...]
No entanto, trata-se de um instrumento sobre o qual se tem debatido e publicado
bem menos do que caberia em virtude de sua importância. (grifos nossos)

De toda forma, a política urbana está posta e seus instrumentos, mais do


que positivados e amparados juridicamente. Logo, quais os motivos para não
efetivação destes instrumentos de regulação urbanística, em específico o IPTU
Progressivo no tempo? Alguns citam as amarras romanas inerentes ao “sagrado”
direito à propriedade privada. Vejamos com mais atenção.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 13
DO DIREITO À PROPRIEDADE PRIVADA
O direito à propriedade evoluiu de modo não linear no mundo ocidental,
tendo como preâmbulo as contribuições do direito romano. Com base no indi-
vidualismo, as criações civilistas latinas dispuseram ao direito de propriedade
um caráter absoluto intangível e oponível erga omnes, influência presente na
atualidade.
Desde a base patrimonialista do direito romano até os dias de hoje, opi-
niões se diferem de lógicas doutrinárias dominantes. Ao citar Orlando Gomes
e Fernanda Cavedon, assim aduz Alaim Stefanello (2006, p. 201) acerca da
contribuição romana ao conceito de direito de propriedade:
Para Orlando Gomes, na evolução histórica da propriedade interessa relembrar
a noção deste instituto para os romanos, pois é o modelo que predomina no
regime capitalista até hoje. Segundo o autor, a propriedade romana passou por
longo processo de individualização, conferindo poderes exagerados e exaltando
a concepção individualista do proprietário.
Fernanda de Salles Cavedon, por sua vez, afirma que o direito romano influen-
ciou nos principais sistemas jurídicos ocidentais, em especial no âmbito do direi-
to privado. Para a autora, a noção de propriedade para os romanos foi sofrendo
alterações, deixando de ser exclusivamente individualista quando começou a
restringir as formas de uso que trouxessem prejuízo à propriedade alheia.
[...]
Na sociedade atual, valorizam-se aqueles que podem consumir e adquirir pro-
priedades. Esses bens materiais passaram a ser mais relevantes do que valores
imateriais como ética, respeito, dignidade e paz. Nesta lógica, a pessoa só será
sujeito de direito se for proprietário.

A consolidação dos contornos do modelo civil romano ocorre quando


da Revolução Francesa. Com base doutrinária na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, o marco histórico e ideológico do direito mo-
derno, a revolução burguesa pregou a liberdade como principal traço da
propriedade divinizada, ou seja, no uso, gozo e disposição de bens, o inte-
resse da coletividade era inoportuno e as barreiras estatais, inoperantes. Ao
referido modelo críticas ferrenhas foram traçadas: de Rosseau2 e Proudhon3 a

2 Nas palavras de Jean-Jacques Rosseau (2012): “O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou
de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador
da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero
humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes:
‘Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra
de ninguém!’. Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como
estavam: porque essa ideia de propriedade, dependendo muito de ideias anteriores que só puderam nascer
sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir
muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo
do estado de natureza”.
3 Autor da célebre oração “A propriedade é um roubo”, acreditava que a propriedade era um mal social sobre a
Terra.
14 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Marx4, o debate caminhou sem reais definições até a atualidade.
A visão contemporânea, sob a ótica constitucionalista, oferta ao direito
de propriedade um status de fundamental ao mesmo tempo em que o retira o
absolutismo proposto nos pilares do direito patrimonial ocidental. Em meio à
concepção da função social e ambiental da propriedade, as atenções se voltam
para os domínios onde residem e possam se expressar interesses da coletividade.

DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE


A revanche da Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção ro-
mana que justifica a propriedade por sua origem (família, dote, estabilidade de
patrimônios) sucumbe diante da concepção aristotélica, que justifica por seu fim,
seus serviços, sua função. (Grau apud Loureiro, 2003, p. 115)

Em tempos de advento e desenvolvimento inicial do capitalismo, a ló-


gica privilegiada era a de prestígio ao individual e sua respectiva acumulação
de riquezas e propriedades, sem levar em consideração qualquer interesse da
coletividade – a propriedade como legitimador e instrumento do individual, do
mercado e da economia.
A regência do direito de propriedade evoluiu de um caráter absoluto,
natural e imprescritível – como positivado na Declaração dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão de 1789 – para teses relativizadoras do abuso de direito e
imposições negativas e positivas. Seu progresso acarretou na funcionalização
do direito subjetivo à propriedade.
“A propriedade atenderá a sua função social”, essa é a prescrição do in-
ciso XXIII do art. 5º da Constituição da República (1988). Estes são os termos de
uma máxima expansível a todos os meandros do ordenamento jurídico pátrio
não somente como relação, mas também como sanção.
Mas a Constituição não se limitou a isso: reafirmou a instituição da propriedade
privada e sua função social como princípios da ordem econômica (art. 170, II e
III), relativizando, assim, seu significado. Além disso, inscreveu o princípio da
função social da propriedade, com conteúdo definido em relação às proprieda-
des urbana e rural, com sanções para o caso de não ser observado (arts. 182, 184
e 186).

[...]

A funcionalização da propriedade é um processo longo. Por isso é que se diz


que ela sempre teve uma função social. Quem mostrou isso expressamente foi

4 O Manifesto Comunista, expoente obra do pensador, considera a propriedade instrumento de dominação da


constante luta de classes que pauta a história da sociedade.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 15
Karl Renner, segundo o qual a função social da propriedade modifica-se com as
mudanças na relação de produção. (Silva, 2010)

O fato é que, desde a evolução do direito moderno, a culminar com o


constitucionalismo internacional, o direito à propriedade, de origem puramente
individual, ganhou formas e moldes funcionais coletivos em prol de uma justiça
social e igualdade material.
Assim, é válido entender que a lógica assentada pela função social da
propriedade nada mais é que o resultado do desenvolvimento de uma inevitável
tendência condicionante que delineou o direito à propriedade; a função social
da propriedade não é mera limitação a um exercício de direito, e sim condicio-
nante estrutural do próprio direito. Nas palavras de Liana Mattos (2001, p. 63):
A função social da propriedade representa o ponto de convergência de todas as
gradativas evoluções pelas quais passou o conceito de propriedade. Para atender
a sua função social, a propriedade deverá andar junto com os interesses coleti-
vos, não podendo sobrepor-se a eles. Se, por um lado, as limitações à proprie-
dade interferem no exercício do direito de propriedade, a função social é um
princípio que condiciona e afeta a propriedade privada em sua estrutura. Ela é
condicionante do próprio direito de propriedade, e não apenas de seu exercício.

Nestes termos, José Afonso da Silva (2010, p. 74) corrobora o entendi-


mento anterior ao afirmar que a constitucionalização do princípio da função
social da propriedade é adotar um princípio de transformação da propriedade
capitalista, sem socializá-la, mas condicionando-a, mesmo que à divergência
dos interesses do proprietário.
Se o direito à propriedade privada é um princípio fundamental, mas que
deve ser entendido coletivamente, então qual o verdadeiro motivo para não
efetivação do instituto do IPTU progressivo no tempo?

DA CONSTRUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO E O ESVAZIAMENTO ESTATAL


Antes de iniciarmos o debate sobre a produção do espaço e das cidades
na égide do sistema capitalista, mister faz-se definir e criar as bases do que seja
a governança urbana. David Harvey (2005), em seu estudo sobre a evolução
da conformação da cidade de administrativa à empreendedora, entende o sig-
nificado de governança urbana como algo maior que o significado de governo
urbano. Em suas palavras:

Também é importante especificar quem está sendo empreendedor e a respeito de


quê. Desejo insistir que “governança” urbana significa muito mais que “governo”
urbano. É desastroso que grande parte da literatura (na Grã-Bretanha, especial-
16 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
mente) se concentre tanto na questão “governo” urbano, quando o poder real de
reorganização da vida urbana muitas vezes está em outra parte, ou, pelo menos,
numa coalizão de forças mais ampla, em que o governo e a administração urbana
desempenham apenas papel facilitador e coordenador. O poder de organizar o
espaço se origina em um conjunto complexo de forças mobilizado por diversos
agentes sociais. É um processo conflituoso, ainda mais nos espaços ecológicos
de densidade social muito diversificada. Numa região metropolitana, devemos
considerar a formação política de coalizão, a formação de alianças de classes,
como base para algum tipo de empreendedorismo urbano. É claro que a iniciati-
va cívica foi muitas vezes prerrogativa das câmaras de comércio locais, de algum
conluio de financistas, industriais e comerciantes locais, ou de alguma “mesa-
-redonda” entre líderes empresariais e incorporadores imobiliários.

[...]

A formação da coalizão e da aliança é tarefa muito delicada e difícil, abrindo


caminho para pessoas de visão, tenacidade e habilidade (como um prefeito ca-
rismático, um administrador municipal talentoso ou um líder empresarial rico)
imporem uma marca pessoal sobre a natureza e direção do empreendedorismo
urbano, talvez para moldá-lo até para fins políticos específicos.

Na cidade “empreendedora”, válida é a dúvida sobre quem produz o


espaço urbano? O território de base capitalista – “fragmentado, articulado, re-
flexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas – é um produto
social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas por
agentes que produzem e consomem o espaço” (Corrêa, 1993).

Em uma influência mútua, a sociedade e o espaço – a sociedade molda o


espaço; o espaço a condiciona – é agente e produto capitalista de segregação e
perpetuação do seu status quo. Da relação gera conflito5, um conflito silencia-
do. À mesma ideia filia-se Roberto Lobato Corrêa (1993):

A desigualdade socioespacial também não desaparece: o equilíbrio social e da


organização espacial não passa de um discurso tecnocrático, impregnado de ide-
ologia. Quem são estes agentes sociais que fazem e refazem a cidade? Que estra-
tégias e ações concretas desempenham no processo de fazer e refazer a cidade?

[...]

Em primeiro lugar, a ação destes agentes se faz dentro de um marco jurídico que
regula a atuação deles. Este marco não é neutro, refletindo o interesse dominante
de um dos agentes, e constituindo-se, em muitos casos, em uma retórica ambí-

5 Cf. Santos (1984): “A lógica do capital é conflitual porque se consubstancia numa relação de exploração. Existe
historicamente enquanto luta de classes. Mas, além disso, é contraditória porque a relação de exploração tem
lugar numa arena jurídico-política de igualdade e liberdade”.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 17
gua, que permite que haja transgressões de acordo com os interesses do agente
dominante.

Em segundo lugar [...], há entretanto denominadores comuns que os unem: um


deles é a apropriação de uma renda da terra. Por outro lado, a ação desses agen-
tes serve ao propósito dominante da sociedade capitalista, que é o da reprodução
das relações de produção, implicando a continuidade do processo de acumula-
ção e a tentativa de minimizar conflitos de classe, este aspecto cabendo particu-
larmente ao Estado.

Pelo exposto até então, pode-se perceber que, se uma política pública
ou um instituto jurídico urbanístico não sufraga de eficácia prática, deve-se ao
fato de que: a) a máquina administrativa encontra-se engessada e politicamente
desarticulada; b) a gestão pública não é técnica, e sim meramente política (o
presente estudo não defende o tecnicismo, e sim a junção das forças demo-
cráticas e técnicas para alcance de um fim social); c) os interesses públicos se
confundem aos privados em prevalência dos últimos; d) a necessidade da for-
mulação de políticas públicas ou efetivação de instrumentos de gestão urbana
de forma mais ampla e em diferentes gradientes de prazo (que não se percam
a cada mandato); e) os planos urbanísticos atuais, em sua maioria, enfrentam
problemas pontuais e de visibilidade e se olvidam de procurar sanar problemas
sociais; f) nas cidades, a força do mercado ganha mais expressão que a força do
direito ou do justo.

Assim ensina Erminia Maricato em diversos trechos de seu livro sobre a


crise urbana. Em suas notas (de total adequação ao entendimento trazido pelo
presente estudo) sobre a reorientação democrática e sustentável das cidades
brasileiras, assim aduz a autora em trechos:

Como já vimos, as estruturas administrativas urbanas são, na grande maioria dos


casos, arcaicas. Elas estão viciadas em procedimentos baseados no privilégio e na
troca de favores que são tradicionais na esfera pública dominada por interesses
privados ligados aos governantes de plantão, além dos lobbies perenes das em-
preiteiras, empresários de transporte etc.

[...]

Em geral, essa máquina administra e mantém, com padrões satisfatórios, apenas


uma parte das cidades.

[...]

Essa reforma administrativa exige a formação de um novo tipo de agente, seja


funcionário público, vereador, liderança social, profissional das ONGs ou do
mercado privado.
18 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
[...]

A ocupação do solo obedece a uma estrutura informal de poder: a lei de mercado


precede a lei/norma jurídica. Esta é aplicada de forma arbitrária. A ilegalidade é
tolerada porque é válvula de escape para um mercado fundiário altamente espe-
culativo. Tanto a argumentação de cunho liberal quanto a estatizante são utiliza-
das para assegurar manutenção de privilégios. Regulação exagerada convive com
total laissez faire em diferentes áreas de uma mesma cidade.

[...]

Para tanto, a lei é importante, mas não basta. Sua aplicação também passa pela
correlação de forças especialmente em países como o Brasil, no qual o poder
político, patrimônio e poder econômico confundem-se.

[...]

Nenhum instrumento é adequado em si, mas depende de sua finalidade e opera-


ção. Nenhuma virtualidade técnica substitui o controle social sobre essa prática.

E às barreiras iniciais impostas pelo capital dominante associam-se, para


majorar o problema, o insuficiente aparato institucional, como bem observa
Negreiros e Santos:

As dificuldades de aplicabilidade estão associadas ao insuficiente aparato institu-


cional de gestão urbana. De modo geral, o Poder Público local conta com uma
incipiente organização técnica para efetivar as regras urbanísticas estabelecidas,
o que resulta na dificuldade de entendimento dos objetivos do conjunto das nor-
mas urbanísticas, na dificuldade de monitoramento do crescimento urbano de
acordo com essas normas e na debilidade em fiscalizar sua aplicação. Essa con-
juntura de fatores, a outros mais perversos, provoca a existência de uma cidade
irregular ou ilegal, tornando a norma urbanística inócua a despeito de sua função
de orientar a organização dos espaços urbanos.

O BREVE RELATO DE VIÇOSA


Para contextualizar a problemática e supor que os institutos ora citados
podem fazer parte do ato de gerir e planejar uma cidade, o presente estudo
toma por base a cidade de Viçosa.

Município do interior mineiro, Viçosa padece dos mesmos problemas de


uma cidade de pequeno e médio porte, mas também apresenta peculiaridades
de uma cidade tipicamente universitária, com a economia primordialmente ba-
seada na especulação imobiliária e demais ramos do setor de serviços.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 19
Com uma população fixa de mais de 70 mil habitantes e uma flutuante de
cerca de 20 mil, é exemplo notório da segregação espacial – da região central
rica e ocupada por não nativos ou funcionários da universidade de uma classe
social financeiramente privilegiada à região periférica de condomínios fechados
e habitações de qualidades inferiores em áreas de risco ambiental – e ilegalida-
des urbanísticas.

O processo muito acelerado de urbanização acarretado pela federaliza-


ção da universidade circunscrita em seu território no princípio da década de 706
foi causa da alteração da matriz econômica municipal (anteriormente agrícola)
e do aparecimento de típicas mazelas urbanas.

A qualidade de vida típica das cidades de pequeno porte demográfico do interior


mineiro foi se perdendo rapidamente. Atualmente, Viçosa tem apresentado uma
série de problemas característicos das metrópoles brasileiras, como poluição de
seus córregos, engarrafamentos, violência urbana, áreas faveladas e acentuado
processo de verticalização das suas edificações em determinadas áreas, ocasio-
nando densificação excessiva em relação à infraestrutura disponível.

[...]

O Poder Público e os empresários da construção civil, principalmente ao longo


destes últimos trinta anos, tiveram um papel decisivo para a formação desse es-
paço urbano desigual e para o crescimento da cidade ilegal.

[...]

A correlação de forças políticas, claramente favorável a este setor, faz com que
as políticas e ações públicas para o ordenamento da cidade sejam elaboradas e
implementadas evitando contrariar seus interesses.

A problemática exposta junto à força do setor especulativo imobiliário


que rondam a cidade já são fundamentos mais que suficientes para se acreditar
na utilização de instrumentos de redistribuição espacial, como o IPTU progres-
sivo no tempo, não bastasse um dado não totalmente atualizado, mas muito
próximo à realidade: quase 30% dos lotes em Viçosa estão vagos. Em específico
estudo:

A existência de aproximadamente 5.573 lotes vagos (29,4% dos lotes existentes


no Município), a situação em que se encontram e a repercussão das suas atuais
condições, na população e nas ações do Poder Público, indicam a necessidade de
a Administração Municipal atuar mais decisivamente no sentido de promover a
ocupação regular desses lotes. Para isso, podem ser utilizados os instrumentos de

6 Segundo estudo realizado por Ribeiro Filho (2006) em meados da década de 90: em 1960, a Universidade
possuía 351 funcionários; em 1966, passou a 767; em 1971, passou a contar com 1425 funcionários.
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política urbana citados, no âmbito nacional, pelo Estatuto da Cidade como o par-
celamento, a edificação ou a utilização compulsórios, o IPTU progressivo no tem-
po e a desapropriação com pagamento com títulos da dívida pública. (Pinheiro,
2004 – grifos nossos)

Resta a dúvida: em uma administração em que a política apoiada no mer-


cado prevalece à técnica e ao social, como dar eficácia à norma? Por expressão
do princípio da legalidade e eficiência, a majoração à Administração Pública
não deveria utilizar-se mais dos instrumentos de gestão urbana? Como concor-
rer com setores interessados, os mesmos que encabeçam a lista de doadores de
campanhas eleitorais?
Além disso, as forças hegemônicas que detêm o poder econômico continuarão
dirigindo a dinâmica do desenvolvimento urbano, impondo limites à atuação do
Poder Público, que continuará cumprindo o papel que o vem caracterizando, ao
legitimar o espaço urbano pelas lógicas da ilegalidade e da segregação social e
espacial. (Ribeiro Filho, 2006)

CONCLUSÕES
Após fundamentação teórica abalizada por grandes doutrinadores, o pre-
sente estudo conclui que:
a) o direito à cidade, sob a égide de sua função social, deve ser consi-
derado norma programática em prol da socialização e publicização
do espaço e do território (ou condicionar aos interesses coletivos a
propriedade privada) a fim de propiciar espaços mais qualitativos e
menos excludentes;
b) para efetivação do princípio da função social da cidade, faz-se mis-
ter ofertar eficácia plena à legislação e aos liames dos instrumentos
de gestão e planejamento da política urbana, como, por exemplo, o
IPTU progressivo no tempo;
c) a real efetivação do instituto do IPTU progressivo é um exemplo
hábil e palpável, a curto prazo, para minimizar as desigualdades
fundiárias e a segregação espacial em prol da função social da pro-
priedade, dando um primeiro passo em direção a uma ideia de jus-
tiça urbana;
d) o direito à propriedade é um direito subjetivo fundamental e opo-
nível a toda a coletividade (oponível erga omnes), desde que utili-
zado de forma a não confrontar ou macular outros direitos, sejam
eles individuais ou difusos (como o direito da coletividade, em que
a expansão urbana de sua cidade atenda aos preceitos do desen-
volvimento sustentável), ou seja, cumprindo o imóvel sua função
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 21
social. Crê-se então que a função social da propriedade atua como
condicionante ao direito de propriedade, não como mero óbice ao
exercício por parte do proprietário;
e) o instituto do IPTU progressivo no tempo deve ser utilizado como
faceta para a promoção da justiça urbana em prol de uma gestão
mais igualitária da cidade; contudo, a referida efetivação deve ser
parte de um projeto maior. A majoração da alíquota do IPTU para
imóveis que não cumpram sua função social não deve ser compre-
endida enquanto ato administrativo isolado, mas sim como instru-
mento de um planejamento urbano completo. Não é finalidade do
presente estudo corroborar a prática cotidiana da “acupuntura urba-
na”, ou seja, de realizações e melhorias estrategicamente pontuais
na cidade;
f) após anos de luta dos movimentos sociais de reforma urbana em
prol de conquistas legais na área, pode-se afirmar que o ordena-
mento jurídico pátrio, no que diz respeito aos instrumentos de
efetividade de políticas públicas e regulações urbanísticas, está
completo e bem “amarrado”. Todavia, padece de falta de eficácia
por interesses conflituosos no jogo de poder municipal. Enquanto
a cidade produzir-se exclusivamente e em larga escala através do
modelo capitalista de exploração, assim também se fará;
g) crê-se na influência mútua entre a sociedade e o espaço – a socie-
dade molda o espaço; o espaço a condiciona – a perpetuar o modo
de produção capitalista e seu status quo conflituoso. O conflito não
faz-se prejudicial, afinal a luta destrói amarras urbanas; todavia,
aquele é silenciado constantemente e muitas vezes pelo próprio Es-
tado;
h) considerando que a positivação legal é fruto da valoração social de
um fato, ou seja, expressão lógica da ética popular vigente em de-
terminado espaço e tempo; considerando também que a norma ju-
rídica administrativa deve ser entendida e interpretada em primeiro
plano em prol do interesse público e/ou coletivo, o presente estudo
entende que a prática de aplicar a determinado empreendimento
ou terreno os efeitos do IPTU progressivo deva ser considerado ato
administrativo vinculado, sujeito o gestor municipal às sanções
cabíveis quando em desconformidade ao princípio da legalidade.
Assim, convoca a comunidade científica, jurídica e interessada a
entender e debater o tema para formar ética social neste sentido;
i) o presente artigo não vem exaltar a lei; ao contrário, o descrédito
para com sua eficácia é que motiva o presente. Se a teoria legal é
22 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
perfeita, atitudes devem ser tomadas. As leis urbanísticas pátrias,
quando bem aplicadas, têm o condão de solucionar grande parte
das mazelas da cidade. Mas não “saem do papel” por ser de in-
teresse contrário dos agentes que dominam e moldam as cidades,
falta de proatividade e técnica dos gestores e desconhecimento e
passividade da população.

REFERÊNCIAS
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Amazônia, Manaus: Edições Universidade do Estado do Amazonas, a. 2, n. 3, 2006.
STF. Supremo Tribunal Federal. Enunciado Sumular nº 668. Publicado em 24 de setem-
bro de 2003.
Assunto Especial – Doutrina
IPTU

Imposto Predial e Territorial Urbano: Análise da Regra-Matriz


GABRIEL AZI
Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário na PUC-SP, Pós-Graduado em
Direito Tributário e Empresarial pela PUC-SP, Sócio do Azi e Azi Advogados.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Considerações propedêuticas: delimitação das premissas; 1.1 O co-


nhecimento, a linguagem e o “direito”; 1.2 Norma jurídica; 1.3 Regra-matriz de incidência;
1.3.1 Os critérios da hipótese; 1.3.2 Critério material; 1.3.3 Critério espacial; 1.3.4 Critério temporal;
1.3.5 Critérios do consequente normativo; 1.3.6 Critério pessoal – Sujeito ativo e sujeito passivo;
1.3.7 Critério prestacional; 1.3.8 Função operativa do esquema lógico da regra-matriz; 2 Imposto pre-
dial e territorial urbano: síntese da sua regra-matriz de incidência; 3 Regra-matriz do imposto predial e
territorial urbano; 4 Regra-matriz de incidência tributária do imposto predial e territorial urbano (IPTU);
4.1 Hipótese normativa da regra-matriz de incidência; 4.1.1 Critério material; 4.1.2 Critério territo-
rial/espacial; 4.1.3 Critério temporal; 4.2 Consequente da regra-matriz de incidência; 4.2.1 Critério
pessoal; 4.2.2 Critério quantitativo; 4.3 Alíquota; 4.3.1 Alíquota e progressividade; 5 Constituição da
obrigação/crédito tributário: lançamento do IPTU; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
O presente artigo científico tem como objetivo promover estudo sobre
o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), tributo esse de competência dos
entes federados municipais. Em sua grande maioria, em especial nos pequenos
municípios, é a principal fonte de receita, cedendo posição apenas para os re-
passes obrigatórios (federais e estaduais) previstos na Constituição.
Merece destacar ainda que a doutrina jurídica (cientistas do Direito) bra-
sileira não estuda o devido tributo com o destaque a que ele faz jus. Em termos
comparativos, manuais, tratados e/ou compêndios que versam sobre o tema
são escassos quando confrontamos com outros tributos, e.g., Imposto sobre a
Renda ou Imposto sobre Produtos Industrializados, Contribuições Sociais etc.
Verificada a carência de trabalhos acadêmicos integralmente voltados ao tema,
tentaremos realizar um pormenorizado sobre o IPTU, sem, é claro, esgotá-lo.
Tal tributo, apesar da aparente falta de complexidade, envolve institutos dos
mais interessantes, levando aos que com ele laboram a necessidade de possuir
conhecimento dos mais diversos ramos do Direito, seja público, seja privado.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 25
No percorrer desse caminho, mostraram-se indispensáveis à confecção
de considerações propedêuticas, cogentes ao desenvolvimento do artigo e, por
consequência, às conclusões pretendidas. Dito isto, tomaremos como ponto de
partida os ensinamentos do giro-linguístico e do constructivismo lógico-semân-
tico.
Ultrapassado tal esforço, nos concentraremos na construção e análise
de cada um dos critérios (antecedente e consequente) da regra-matriz do IPTU.
Nesse caminho, utilizaremos, como ponto de partida, os enunciados prescri-
tivos inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em
especial o art. 156, I, do mesmo diploma legal. Após essa verificação do texto
constitucional, tomaremos como suporte o texto (em sentido estrito) do Código
Tributário Nacional, Código Civil e legislação esparsa. Como exemplo dos pro-
blemas surgidos ao analisar o IPTU, sem excluir os demais, temos a quantifica-
ção do valor venal (planta/mapa genérico de valores), a progressividade fiscal,
a função social da propriedade e extrafiscalidade, a sujeição passiva: critério
territorial do imposto (conflitos de competência entre IPTU e ITR), entre outros.
Introduzido o tema e delimitados os principais desafios atinentes à esco-
lha efetuada, iniciemos o enfrentamento da matéria proposta.

1 CONSIDERAÇÕES PROPEDÊUTICAS: DELIMITAÇÃO DAS PREMISSAS


Antes de adentrar especificamente na análise da regra-matriz do imposto
predial e territorial urbano, acreditamos ser necessário fixar algumas premissas
que serão utilizadas em todo o processo de investigação do objeto. Entendemos
que somente estabelecendo padrões rígidos e promovendo os recortes meto-
dológicos necessários o cientista poderá chegar a conclusões críveis e envoltas
numa certeza de que o objeto de estudo não sofrerá qualquer espécie de con-
taminação prejudicial à interpretação. Numa perspectiva pragmática, a função
de qualquer teoria é facilitar a compreensão do objeto que pretende descrever.
Com efeito, dentro desse espírito e somente dentro dele é que poderá o cientista
construir conceitos e definições que, amparados num sólido alicerce teórico,
possam agregar rigor científico e aplicabilidade às construções elaboradas.

1.1 O conhecimento, a linguagem e o “direito”


Desde já, informamos que serão empregados no decorrer desse projeto
as reflexões e ensinamentos da filosofia da linguagem, ciência essa que tem
como ponto de partida, ao menos para as considerações aqui esposadas, a
obra de Ludwin Gwittgenstein e, de alguma forma, adotada pelo Círculo de
Viena. Ademais, utilizaremos as premissas do construtivismo lógico semânti-
co, nos moldes descritos pelos Professores Lourival Vilanova e Paulo de Barros
Carvalho.
26 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
De acordo com essa concepção filosófica, a linguagem deixa de ser ape-
nas um instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado e passa
a ser condição para a construção do próprio conhecimento. Nessa mesma linha,
vaticina Paulo de Barros Carvalho que, “nesse contexto, penso que nos dias
atuais seja temerário tratar do jurídico sem atinar a seu meio exclusivo de ma-
nifestação: a linguagem. Não toda qualquer linguagem, mas a verbal-escrita”1.
Das lições trazidas, interpreta-se que toda e qualquer realidade somente será
construída por meio da linguagem. O Direito, enquanto objeto cultural, não
seria diferente. De mais a mais, como toda e qualquer construção linguística
(construção de conhecimento), somente ocorrerá dentro de um dado sistema
de referências. Dessa maneira, tal sistema abarcará as realidades culturais do
sujeito, suas crenças, tudo isso delimitado dentro do tempo e espaço. Por tal
razão, não trabalharemos com verdades absolutas: tudo aqui exposto tomará
como ponto de partida os referenciais adotados.
Ultrapassadas tais considerações, faz-se necessário definir o signo Direito
para a corrente filosófica adotada. Deixando de lado as demais escolas (jusnatu-
ralismo, culturalismo etc.), tomamos o Direito com a seguinte definição: Direito
é o conjunto de normas jurídicas, válidas em um país, com o fim de regulamen-
tar relações entre sujeitos.
Dito isto, para melhor compreender o quanto dito acima, vemos a indis-
pensabilidade de decompor tal definição. Assim, inspirado na teoria de Kelsen,
toma-se uma posição positiva normativa do direito, ou seja, considerando-o
como o conjunto de normas válidas num dado país. Assim, esse é o primeiro
corte: onde há direito, há normas. Em segundo lugar, segundo nossa concepção
filosófica, não podemos de deixar de considerar a norma jurídica com uma ma-
nifestação linguística. Nosso segundo corte metodológico: onde houver normas
jurídicas, haverá sempre uma manifestação linguística. Por fim, como último
corte, temos que o direito tem como finalidade a regulamentação da vida em
sociedade. Portanto, ele é produzido para alcançar determinado fim: disciplinar
condutas sociais, canalizando-as em direção a certos valores que os homens
buscam alcançar.
Com esses três recortes, fixamos o direito como nosso objeto cultural de
estudo.

1.2 Norma jurídica


Ultrapassadas as considerações pertinentes acerca das fontes e da com-
petência tributária, vemos como relevante trabalhar com a norma jurídica. Des-
sa forma, desde logo, deve-se deixar assentado que podemos falar em uma

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011.
p. 162.
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norma jurídica em sentido amplo e em norma jurídica em sentido estrito. Paulo
de Barros Carvalho, em sua Apostila do Curso de Teoria Geral do Direito, afirma
que a primeira
serve para designar tanto as frases, enquanto suporte físico do direito posto, ou
os textos legais, quanto os conteúdos significativos isolados destas. Já a norma
jurídica em sentido estrito, para aludir à composição articulada das significações,
construídas a partir de enunciados prescritivos do direito positivo, na forma hipo-
tético-condicional (H → C), de tal sorte que produzam mensagens com sentido
deôntico-jurídico completo.2

Ante tais considerações, temos que a norma jurídica, em sentido amplo,


denota unidades do sistema do direito posto, ainda que não consiga passar
uma mensagem deôntica completa. Já na norma jurídica em sentido estrito, a
mensagem é passada de forma completa, i.e., são significações (interpretações)
elaboradas tendo como ponto de partida os enunciados postos pelo legislador,
estruturados na forma hipotético condicional (H → C)3.

1.3 Regra-matriz de incidência


O legislador, ao escolher os acontecimentos que lhe interessam com
causa para o desencadeamento de efeitos jurídicos e as relações que se estabe-
lecerão juridicamente com tais efeitos, seleciona propriedades do fato da rela-
ção, construindo conceitos denominados de “hipótese” e “consequente”. Paulo
de Barros Carvalho4, apoiado nas lições de Alfredo Algusto Becker e Geraldo
Ataliba, observou que, após o exame de inúmeras normas, em que buscava a
construção de proposições descritivas generalizadoras, uma constante sempre
surgia: o legislador, na sua atividade de selecionar propriedades dos fatos e das
relações jurídicas, acaba utilizando-se sempre dos mesmos critérios, percebi-
dos quando, por meio da abstração lógica, separamos as expressões genéricas
designativas dos fatos e das relações presentes em todas e quaisquer normas
jurídicas.
Com efeito, tem que toda e qualquer norma jurídica (em sentido estrito)
deve fazer referência, no mínimo, aos seguintes critérios: (i) antecedente nor-
mativo, descritor de um fato jurídico: (i.a) propriedade da ação nuclear deste
acontecimento; (i.b) local; e (i.c) momento em que ocorre; (ii) consequente nor-

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Apostila do curso de teoria geral do direito, p. 80.


3 Na fórmula “H → C”, temos o “H” e o “C” como categoremas ou variáveis lógicas, e o “à” como sincategorema
ou constante lógica.
4 Sobre o tema, afirma o autor que: “Dentre os recursos epistemológicos mais úteis e operativos para a
compreensão do fenômeno jurídico-tributário, segundo penso, inscreve-se o esquema da regra-matriz de
incidência. Além de oferecer ao analista um ponto de partida rigorosamente correto, sob o ângulo forma,
favorece o trabalho subsequente de ingresso nos planos semântico e pragmático, tendo em vista a substituição
de suas variáveis lógicas pelos conteúdos da linguagem do direito positivo” (CARVALHO, Paulo de Barros.
Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 146).
28 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
mativo, prescritor de uma relação jurídica, deve conter: (ii.a) dois sujeitos, ativo
e passivo; e (ii.b) objeto da relação. A conjunção desses critérios nos permite
vislumbrar a existência de um esquema padrão, já que toda construção norma-
tiva, para guardar sentido, pressupõe, como conteúdo mínimo, tais elementos
significativos.
Tricotadas tais considerações introdutórias, foquemos total atenção ao
estudo da “regra-matriz de incidência”.
Denominam-se “regra-matriz de incidência” as normas padrões de in-
cidência5, normas essa produzidas para serem aplicadas em casos concretos,
podendo ser de ordem constitucional, civil, previdenciária, tributária, penal etc.
Na expressão “regra-matriz de incidência”, tomamos o termo “regra” como si-
nônimo de norma jurídica, porque se trata de uma construção do intérprete,
atingida por meio do contato com o suporte físico, os textos positivados. Já o
termo “matriz” nos traz a ideia de modelo, sintático-semântico, de construção
de linguagem jurídica concreta. Por fim, o termo “incidência” refere-se a nor-
mas produzidas para serem aplicadas.
Merece destaque, ainda, que, não imune ao vício da ambiguidade, a ex-
pressão “regra-matriz” pode ser utilizada em duas acepções: (i) estrutura lógica
e (ii) norma jurídica em sentido estrito. A regra-matriz, tomada como estrutura
lógica, não possui conteúdo jurídico; é apenas um esquema lógico auxiliar ao
cientista do direito na construção da norma jurídica. Tomada enquanto norma
jurídica, surge quando do preenchimento de todos os seus critérios pelo ope-
rador do direito. Nessa linha, a Doutora da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo Aurora Tomazini de Carvalho afirma que
a regra-matriz, considerada como estrutura lógica, é desprovida do conteúdo
jurídico, trata-se de um esquema sintático que auxilia o intérprete no arranjo de
suas significações, na construção da norma jurídica. A regra-matriz, enquanto
norma jurídica, aparece quando todos os campos sintáticos desta estrutura forem
semanticamente completados.6

Nesse momento, nossa atenção volta-se ao estudo da regra-matriz en-


quanto estrutura lógico-semântica, que poderá ser preenchida por tantos quan-
tos conteúdos significativos comportar a materialidade dos textos jurídicos.

1.3.1 Os critérios da hipótese


Na hipótese normativa, o legislador seleciona as características que os
acontecimentos sociais devem revestir-se para serem fatos jurídicos. Sua fun-

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 81.
6 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. 2. ed.
São Paulo: Noeses, 2010. p. 378.
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ção é definir os critérios de uma situação objetiva que, se verificada no mundo
fenomênico, terá relevância para o mundo jurídico. O enunciado da hipótese
da RMI é elaborado com ares de indeterminação, ou seja, deve comportar um
número finito, porém indeterminado de denotações. Ademais, deve-se consi-
derar que todo fato acontece em determinado tempo e lugar e que a função da
hipótese é oferecer os contornos que permitem reconhecer um acontecimento
toda vez que ele ocorra; a descrição promovida pelo legislador deve, necessa-
riamente, conter diretrizes de ação, de tempo e de lugar. Nesse sentido, Alfredo
Augusto Becker afirma que:
Os fatos (núcleo e elementos adjetivos) que realizam a hipótese de incidência,
necessariamente, acontecem num determinado tempo e lugar, de modo que a
realização da hipótese de incidência sempre está condicionada às coordenadas
de tempo e às de lugar. O acontecimento do núcleo e dos elementos adjetivos
somente terão realizado a hipótese de incidência se tiverem acontecido no tempo
e no lugar predeterminados, implícita e explicitamente, pela regra jurídica.7

Destas breves considerações, faz-se agro necessária a verificação indi-


vidualizada de cada um destes critérios mínimos componentes do descritor da
regra-matriz de incidência.

1.3.2 Critério material


O critério material é a própria essencialidade do fato descrito na hipótese
de incidência. É a expressão, ou enunciado, a ser promovido à categoria de
fato jurídico. No proceder humano materializado nesse critério, encontramos
expressões genéricas designativas de ações ou estados que envolvem pessoas,
e.g., causar dano, registrar nascimento, ser proprietário. O veículo gramatical
utilizado para distinguir a ação ou estado é o verbo. Tal núcleo (critério mate-
rial) será, em todos os casos, composto por: (i) um verbo, que representa a ação
a ser realizada; (ii) seguido de seu complemento, indicativo da peculiaridade
da ação.
Tal verbo será sempre pessoal, pois pressupõe que alguém o realize;
apresenta-se no infinitivo, referindo a realização futura; e de predicação in-
completa, o que importa a obrigatória presença do complemento8. Conforme

7 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 301.
8 Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho, ao discorrer sobre o tema, afirma que: “A invariável presença
do verbo, na esquematização formal do suposto normativo, que levemente sublinhamos na obra Teoria da
norma tributária, tem adnumeráveis consequências práticas. [...] Regressando ao tópico da transcendente
importância do verbo, para a definição do antecedente na norma-padrão do tributo, quadra advertir que
não se pode utilizar os das classes dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover),
porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu
alcance. Isso concerne ao sujeito que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que,
impreterivelmente, há de existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem
por si mesmo. É forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória
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já ressaltado, o legislador, para demarcar a materialidade do fato, não se utiliza
apenas de verbos que exprimem ação (fumar, dirigir, matar), mas também de
verbos que exprimem o estado de uma pessoa (ser, estar, permanecer). Como
decorrência lógica, não é correto afirmar que todo fato jurídico reporta-se a
uma ação humana, pois o legislador igualmente toma como importante, para
fins jurídicos, certos estados de pessoas. Por tal motivo, quando afirmamos que
critério material é o enunciado da hipótese que delimita o núcleo do compor-
tamento humano, deve-se interpretar o signo “comportamento” na sua máxima
amplitude semântica, isto é, abarcando as duas atividades: refletidas (expressas
por verbos que exprimem ação) e espontâneas (verbos de estado).
O verbo, núcleo material da hipótese, é sempre pessoal, isto porque os
fatos que interessam para o direito são aqueles em que o comportamento huma-
no deve estar indispensavelmente presente. Acontecimentos naturais isolados
não têm importância para o direito, já que este possui como função regular
comportamentos inter-humanos.

1.3.3 Critério espacial


Por critério espacial, temos o enunciado da hipótese de incidência que
indica o local em que o evento, posteriormente elevado à categoria de fato jurí-
dico, deve ocorrer. Nesse sentido, Geraldo Ataliba afirma que
designa-se por aspecto espacial a indicação de circunstância de lugar, contidas
explicita ou implicitamente há h.i., relevantes para a configuração do fato impo-
nível. [...] Como descrição legal – condicionante de um comando legislativo – a
h.i. só qualifica um fato, como hábil a determinar o nascimento de uma obriga-
ção, quando este fato se dê (se realize, ocorra) no âmbito territorial de validade
da lei, isto é, na área espacial a que se estende a competência do legislador
tributário. Isto é consequência da territorialidade da lei, perfeitamente aplicável
ao direito tributário.9

De mais a mais, chegamos ao critério espacial por meio do isolamento


dos demais critérios (material e temporal). Em alguns casos, sua identificação
não requer maior esforço do intérprete. Entretanto, noutros casos, não o encon-
tramos de pronto, mas, por sabermos que todo acontecimento deve ocorrer em
certa coordenada espacial, construímos tal informações por meio dos indícios
verificados no texto positivado. Fato é que, implícita ou explicitamente, sempre
haverá um grupo de indicações para assinalar o local preciso em que o direito
considera acabada a ação tomada como núcleo da hipótese normativa.

presença de um complemento” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 325-326).
9 ATALIBA, Geraldo. Hipótese jurídica de incidência. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 104.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 31
Ao tratar desse especifico critério, verificam-se diferentes níveis de ela-
boração de coordenadas de espaço. Assim, podemos classificar o critério es-
pacial em: (i) pontual – quando faz menção a determinada localidade para a
ocorrência do fato; (ii) regional – quando alude a áreas específicas, de tal sorte
que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente
contido; territorial – bem genérico, em que todo e qualquer fato que suceda
sob o manto da vigência territorial da lei estará apto a desencadear seus efeitos
peculiares; e (iv) universal – alude a qualquer lugar, mesmo que fora do âmbito
territorial, em que a regra está apta a produzir efeitos jurídicos.
Pelo exposto, temos que tal classificação permite ao operador estabe-
lecer uma relação entre o campo de vigência territorial da norma e o local de
ocorrência do fato previsto na hipótese, o que demonstrara, com clareza solar,
serem o critério espacial e o campo de vigência da norma entidades diferentes.

1.3.4 Critério temporal


Tomamos o critério temporal da hipótese de incidência como um con-
junto de informações que permite ao intérprete identificar o átimo da ocorrên-
cia do evento a ser promovido à categoria de fato jurídico. Toda e qualquer
ação, por mais simples que seja, pressupõe uma série de atos, e, por tal razão,
pode ser desmembrada cronologicamente em várias outras. Em função disso, o
legislador elege como critério temporal um fato da ação.
O critério temporal, assim como toda demarcação da hipótese, aponta
para a realidade social, com o objetivo de identificar o exato momento em que
o sistema jurídico considera ocorrido o fato a ser elevado à categoria de fato
jurídico. Nessa linha, tal critério não aponta para o momento em que se ins-
taura o liame jurídico, mas para o instante em que se considera consumado o
acontecimento promovido à categoria de fato jurídico, a fim de que possamos
identificar a norma jurídica a ser aplicada. Nessa esteira, o critério temporal
possui duas funções: (i) uma direita, que busca identificar o preciso momento
em que ocorre o evento relevante para o direito; (ii) outra indireta, que é, a partir
da identificação do momento de ocorrência do evento, determinar as normas
jurídicas vigentes a serem aplicadas.
Diferentemente do critério espacial, que apresenta vários níveis de deter-
minação, o temporal demarca um ponto na linha cronológica e não um período
determinado, ou o tempo da vigência da norma.

1.3.5 Critérios do consequente normativo


Conforme já anteriormente detalhado, no antecedente normativo, o le-
gislador seleciona os critérios necessários à delimitação de um fato. No con-
sequente normativo, o legislador seleciona as notas que devem ter as relações
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intersubjetivas instauradas com a verificação do fato jurídico. Da mesma forma
que a hipótese, o enunciado do consequente da regra-matriz de incidência é
construída com status de indeterminação, isto é, ele delimita um conceito abs-
trato, que comporta um número finito, porém indeterminado de denotações.
Desse modo, nele não encontramos a relação jurídica, mas um comportamento
relacional a ser instaurado quando do surgimento do fato jurídico. Nessa toada,
Aurora Tomazzini de Carvalho vaticina que:
Por prescrever um comportamento relacional que vincula dois ou mais sujeitos
em torno de uma prestação (S’ R S’’), o conceito do consequente da regra-matriz
de incidência deve identificar os elementos desta relação, quais sejam: sujeitos
(ativo e passivo) e o objeto da prestação, pois é sob esta forma, instituindo vín-
culos relacionais entre os sujeitos no qual emergem direitos e deveres correlatos,
que a linguagem do direito realiza sua função disciplinadora de condutas inter-
subjetivas.10

Das lições trazidas, interpretamos assim que a relação estabelecida no


consequente da regra-matriz tem como componentes dois critérios: (i) critério
pessoal e (ii) critério prestacional ou quantitativo. Tais informações são as míni-
mas necessárias para a delimitação do vínculo jurídico a ser instaurado. Nada
impede, caso assim deseje, que o legislador enumere outros critérios.

1.3.6 Critério pessoal – Sujeito ativo e sujeito passivo


Com verificação do critério pessoal, temos as informações necessárias à
identificação precisa dos sujeitos da relação jurídica a ser instaurada quando
surgir o competente relato do fato jurídico. Como a única forma que possui o
sistema jurídico para prescrever condutas é estabelecendo relações entre sujei-
tos em torno de um objeto, as informações contidas no consequente são indis-
pensáveis. Tais notas, constantes do texto do direito positivo, que identificam
o indivíduo que possui o direito de exigir (direito subjetivo) o cumprimento de
uma conduta prescrita e aquele a que cabe o dever de cumprir (dever jurídico)
tal conduta, são utilizadas na composição da posição sintática de sujeito ativo
e sujeito passivo do consequente da norma.
Merece destaque ainda que o conceito do consequente da regra-matriz
é conotativo, i.e., nele somente encontraremos um feixe de informações que
delimita uma classe na qual se enquadram inúmeros indivíduos, a serem de-
marcados somente com a ocorrência do fato descrito na hipótese. Isto se deve
ao fato de a regra-matriz, tomada como norma geral e abstrata, é confeccionada
como modelo para a produção de normas individuais e concretas, e nestas, sim,
os sujeitos surgem identificados.

10 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. 2. ed.
São Paulo: Noeses, 2010. p. 400.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 33
No que tange ao número de sujeitos, pode o legislador estabelecer mais
de um indivíduo para figurar em um dos polos da relação. Tal hipótese é de-
nominada pelo ordenamento jurídico como solidariedade. A responsabilidade
solidária pode ser tanto ativa quanto passiva. Na primeira, cada um dos credo-
res solidários tem o direito de exigir o cumprimento da prestação por inteiro
e o cumprimento desta aproveita aos demais. Na segunda hipótese, cada um
dos devedores fica obrigado ao cumprimento integral da prestação, que será
aproveitada pelos demais. Prescreve o direito outra forma de responsabilização,
qual seja, a denominada responsabilidade subsidiária.
Seja em que situação for, deve o intérprete, ao concretizar o critério pes-
soal do consequente, ficar atento a todas as nuanças prescritas pelo texto le-
gislado, para que possa, com precisão, delimitar quais indivíduos ocuparão os
polos ativo e passivo da relação jurídica.

1.3.7 Critério prestacional


Assim como o critério material demarca o núcleo da hipótese de inci-
dência, o critério prestacional definirá o cerne do consequente normativo, in-
formando qual conduta deve ser cumprida pelo sujeito passivo em favor do su-
jeito ativo. Tal critério pode ser delimitado como um feixe de informações que
dirá qual o dever jurídico do sujeito passivo ao sujeito ativo e qual é o direito
subjetivo que este tem em relação àquele. Informamos ainda que identificam o
objeto dos vínculos entre sujeitos de “prestacional”, no sentido de que tal ob-
jeto configura-se numa conduta (prestação) a ser cumprida por alguém (sujeito
passivo) em favor de outrem (sujeito ativo).
Tal conduta prescrita é demarcada por um verbo, revelador da conduta a
ser realizada por um sujeito em favor do outro e por um complemento, identifi-
cativo do objeto dessa conduta. Temos como exemplo do critério prestacional
a conduta de: (i) pagar tributo; (ii) conceder licença; (iii) lavrar escritura. De
mais a mais, deve o legislador preocupar-se em estabelecer uma relação entre o
objeto da prestação e o acontecimento descrito na hipótese normativa, para que
seja perfeitamente implementada a causalidade entre o fato e a consequência
jurídica a ele imposta.

1.3.8 Função operativa do esquema lógico da regra-matriz


De forma bastante resumida, podemos afirmar que o esquema lógico-
-semântico da regra-matriz possui duas funções: (i) demarcar o âmbito de inci-
dência normativa e (ii) controlar a constitucionalidade e legalidade normativa.
Assim, o preenchimento de tal esquema fornecerá ao intérprete todas as infor-
mações necessárias à identificação do fato e da relação jurídica a ser consti-
tuída. Além desta, derivada logicamente da primeira, temos o controle de le-
galidade e constitucionalidade das normas. Delimitando o raio de incidência,
34 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
a construção da regra-matriz serve de controle do ato de aplicação que Omã
como fundamento jurídico ou do próprio ato legislativo que o criou.

Esquematização da regra-matriz de incidência


H
(Hipótese)

Critério material (verbo + complemento)

Critério espacial

Critério temporal

RMI
(Regra-Matriz de Incidência)

C
(Consequência)

Critério pessoal

Critério prestacional (verbo + complemento)

Sujeito passivo

Sujeito ativo

2 IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO: SÍNTESE DA SUA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA


Ab initio, traçaremos, de forma esquematizada, a regra-matriz de inci-
dência do imposto predial e territorial urbano. Em seguida, serão elaborados
comentários acerca desses critérios, pontuando as matérias que entendemos
merecer maior atenção.

3 REGRA-MATRIZ DO IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO

Critérios da hipótese normativa:


Material (verbo+complemento):
Ser proprietário, titular do domínio útil ou possuidor (com animo de pro-
prietário) de bem imóvel por natureza ou por acessão física.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 35
Espacial:
Perímetro urbano do território municipal.

Temporal:
Período previsto na legislação municipal. Em regra, coincidem com o
ano civil.

Critérios do consequente normativo:


Pessoal (SA e SP):
Sujeito ativo é o município onde se encontra localizado o imóvel e sujei-
to passivo é o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor do bem imóvel.

Quantitativo (base de cálculo e alíquota):


A base de cálculo é o valor venal do imóvel e a alíquota será definida
pela legislação municipal.

4 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU)

4.1 Hipótese normativa da regra-matriz de incidência

4.1.1 Critério material


Conforme enuncia o art. 156, I, da Constituição Federal, compete aos
municípios instituir imposto sobre a “propriedade” predial e territorial urbana.
De plano, por meio da interpretação do dispositivo legal, demarcamos como
núcleo da materialidade deste tributo o termo propriedade. Promovendo-se
uma verificação semântica de tal signo, verifica-se que ele padece dos vícios da
ambiguidade e vaguidade. Desse modo, não podemos efetivar uma interpreta-
ção restritiva, limitada à qualidade do sujeito ser proprietário (em sentido estri-
to) do imóvel. Ante tal constatação, anotamos que o legislador constitucional
utilizou “proprietário” em seu sentido natural, ordinário11. Dessa feita, não se
preocupou com o rigor linguístico necessário no átimo de elaboração do texto
(em sentido estrito) legal, rigor esse almejado e indispensável aos cientistas do
Direito.
Face a tais constatações, a interpretação do instituto da propriedade ins-
crito no art. 156, I, deve tomar como suporte os enunciados do Código Civil

11 Merece destaque a que a linguagem produzida pelas casas parlamentares é do tipo técnica (assenta-se
no discurso natural, mas utiliza de recursos e expressões específicas, próprias da comunicação científica)
com função prescritiva; em função disso, muitos dos termos empregados não buscam afastar os vícios da
ambiguidade e vaguidade.
36 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
de 2002, ou seja, ser proprietário faculta ao sujeito de direito o poder de usar,
gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem injustamente
a possua ou detenha12. Nesse sentido, Maria Helena Diniz, ao tratar sobre o
tema, afirma que:
Poder-se-á definir, analiticamente, a propriedade, como sendo o direito que a
pessoa natural ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e
dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem
injustamente detenha.13

No mesmo sentido, José Afonso da Silva afirma que:


Nessa conformidade é que se pode falar em direito subjetivo privado (ou civil) do
proprietário particular, como polo ativo de uma relação jurídica abstrata, em cujo
polo passivo se acham todas as demais pessoas a que corre o dever de respei-
tar o exercício das três faculdades básicas daquele: uso, gozo e disposição (CC,
art. 1.228).

Vale dizer, enfim, que as normas do direito privado sobre a propriedade privada
hão que ser compreendidas de conformidade com a disciplina que a Constituição
lhe impõe.14

Seguindo a mesma linha adotada pelo direito civil pátrio, a Lei


nº 5.172/1966, em seu art. 34, prescreve que o contribuinte do imposto predial
e territorial urbano é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou
o seu possuidor a qualquer título. Dessa forma, com sabedoria ímpar, o legisla-
dor infraconstitucional soube interpretar o quanto previsto na Constituição de
1988 e recepcionou, de forma integral, o citado dispositivo de lei15. Com efeito,
ser titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título além do direito de
superfície são institutos derivados do direito de propriedade que figuram como
critério material da regra-matriz de incidência tributária do IPTU. Como forma
de aprofundar a análise do tema, faz-se indispensável verificar separadamente
estes institutos.
i) Domínio útil configura-se quando o proprietário, despojando-se dos
poderes de uso, gozo e disposição da coisa, outorga-os a outrem (denominado
enfiteuta), reservando-se, tão só, o domínio direto ou eminente. Vale destacar

12 No mesmo sentido, as prescrições do artigo do Código Civil de 2002: “Art. 1.228. O proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha”.
13 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 129.
14 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 72.
15 Nessa mesma linha, temos os ensinamentos do Professor Aires F. Barreto, ao afirmar que: “O núcleo da
hipótese de incidência do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por acessão física,
como definido na lei civil” (Curso de direito municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 200).
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 37
que o novel Código Civil não previu a enfiteuse. Porém, as já existentes perma-
necem.
ii) Conforme dispõe o art. 1.196 do CC/2002, possuidor é todo aquele
que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade. Vale destacar que a posse aqui trabalhada é aquela que leve à
aquisição do domínio, posse ad usucapionem. Como exemplo clássico dessa
hipótese, temos a constituição de usufruto, em que não se cogita de alcançar o
nu-proprietário, em que pese o poder de disposição.
iii) Direito de superfície, para fins de IPTU, configura-se quando o pro-
prietário concede a outrem o direito de construir em seu terreno, por tempo de-
terminado, mediante escritura pública devidamente registrada. O beneficiário
é o contribuinte do imposto, em razão de retirar, do bem, utilidade que ele é
capaz de produzir.

Definição de bem imóvel:


Para um estudo completo do critério material da regra-matriz de incidên-
cia do IPTU, faz-se necessário definirmos o alcance de “bem imóvel”. Mais uma
vez, deve-se analisar o Código Civil. Assim, art. 79, o CC/2002, prescreve que
“são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificial-
mente”. Com efeito, para fins de apuração do imposto estudado, tanto o solo
quanto os bens natural ou artificialmente incorporados a ele serão avaliados no
momento de aplicação da norma jurídica. Ante tais considerações, pensamos
já ser possível delimitar o critério material do IPTU da seguinte forma: ser pro-
prietário, titular do domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por
acessão física.

4.1.2 Critério territorial/espacial


O critério espacial/territorial do imposto predial e territorial urbano é
todo o perímetro “urbano” do território municipal. À primeira vista, maiores
dificuldades não transparecem para sua correta delimitação. Dessa maneira,
como o estudado imposto é de competência municipal, ele incidiria em todo
o seu território geográfico. Ocorre que determinou o constituinte de 1988 que
outro tributo (de competência da União) gravasse a propriedade rural. Com
efeito, instituiu o Imposto Territorial Rural (ITR), tributo este que recairá sobre
propriedades localizadas fora da zona urbana dos municípios, porém dentro de
seus limites territoriais.
Pronto, estamos diante de mais um dos inúmeros casos em que os de-
nominados conflitos de competência tributária encontram terreno fértil. Como
forma de solucionar essas agitações, a própria Lei Maior prescreve mecanismos
com o objetivo de dirimi-los. Dessa arte, o art. 146 da CF/1988 dispõe que cabe
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à lei complementar versar sobre conflitos de competência, em matéria tributá-
ria, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. E assim o fez.
O art. 3216, §§ 1º e 2º, do Código Tributário Nacional prescreve que o IPTU pos-
sui como hipótese de incidência a propriedade, domínio útil ou posse do bem
imóvel, localizado dentro da zona urbana do município. E não ficou só nisso:
arrolou critérios objetivos para possam os municípios considerar determinada
área como urbana, e o restante, por exclusão, rural. Dessa maneira, para que
seja considerada zona urbana, faz-se necessária a existência de dois ou mais
dos requisitos previstos em seus incisos.
Corroborando com tal linha de raciocínio, Ives Granda Martins informa
que “o perímetro urbano é, ainda, elemento dinâmico, podendo ser alterado à
medida que dois dos cinco requisitos da lei complementar sejam preenchidos
e a lei municipal o determine”17. Tal critério é aceito pelos tribunais pátrios e
adotado pelos municípios. Entretanto, merece nota a existência de outro crité-
rio utilizado para a determinação da incidência do IPTU. Com efeito, defende
parte da doutrina que a utilização que o proprietário imprime ao imóvel tam-
bém deve ser tomada em consideração para fins de incidência do IPTU ou
ITR. A jurisprudência reconheceu a validade do antigo Decreto-Lei nº 57/1966
(art. 15), que estabelece a incidência do ITR para imóveis utilizados na explo-
ração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. Portanto, não incide IPTU
quando o imóvel situado na zona urbana receber qualquer das destinações pre-
vistas no Decreto-Lei nº 56/196618.
Ante de tal controvérsia, Paulo de Barros Carvalho, em seu livro Direito
tributário, derivação e positivação (volume II), afirma que a identificação da
natureza do imóvel como rural ou urbana e consequência incidência de um
ou outro imposto depende da conjugação de três critérios: “(i) geográfico, com
base na sua localização; (ii) melhoramentos, sendo necessária a existência de

16 “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem
como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão
física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º Para os efeitos deste imposto,
entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência
de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo
Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição
domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel
considerado. § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana,
constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao
comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.”
17 MARTINS, Ives Granda. Manual sobre o imposto predial e territorial urbano. São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 1, 1985. p. 77.
18 Nesse sentido, temos o acórdão de lavra do Ministro Teori Albino Zavascki: REsp 492.869/PR, 1ª S.,
J. 15.02.2005, DJU 1, de 07.03.2005, p. 141.
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benfeitorias urbanas para que se possa exigir o IPTU; e (iii) destinação dada ao
imóvel”19.

4.1.3 Critério temporal


Desde logo, afirmamos que compete exclusivamente ao legislador muni-
cipal a competência para determinação do critério temporal do imposto predial
e territorial urbano. Assim, por meio de lei deste ente federado, será fixada uma
data para que possa nascer a relação jurídica tributária entre Fisco e contribuin-
te. Dessa forma, nada impede que ela seja semestral, trimestral ou até mensal.
No entanto, na sua grande maioria, os municípios da federação adotam o ano
para fins civis.
Nada impede que arbitrem outros períodos. Nessa mesma linha de racio-
cínio, Alfredo Augusto Becker informa que:
Comumente, a medida de tempo que o legislador escolhe para a realização do
estado de fato é o ano civil; porém, nada impede que o legislador tome medida
de tempo maior ou menor do ano civil. De tal modo, a realização do estado de
fato poderá completar-se num semestre ou num trimestre ou num dia.20

Caso o município fixe como marco temporal o dia 1º de janeiro (início do


ano civil), o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título
nessa data, será o contribuinte, mesmo que, durante todo o período anteceden-
te, o bem imóvel fosse de propriedade, domínio útil ou posse de outrem.

4.2 Consequente da regra-matriz de incidência

4.2.1 Critério pessoal


No critério pessoal do consequente da regra-matriz de incidência, tere-
mos demarcados os sujeitos da relação jurídico-tributária (sujeito ativo e sujeito
passivo). Nessa esteira, o imposto predial e territorial urbano terá como sujeito
ativo o município em que se encontra localizado o imóvel. Tomando as pres-
crições do art. 156, I, da Constituição Federal de 1988 isoladamente, construir-
mos essa interpretação. No entanto, promovendo uma verificação sistemática
do ordenamento pátrio, deparamo-nos com disposições que excepcionam tal
previsão. Dessa maneira, o art. 147 da CF/198821 dispõe que compete à União
instituir IPTU em territórios federais, caso estes não sejam divididos em muni-

19 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, derivação e positivação. 1. ed. São Paulo: Noeses, v. II,
2013. p. 303.
20 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2010.
21 “Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido
em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.”
40 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
cípios. Além desta, compete também ao Distrito Federal promover a cobrança
do encargo.
No que tange à sujeição passiva direta, esta alcança todo aquele que
detém qualquer direito de gozo relativamente ao imóvel, seja este direito ple-
no ou limitado. Diante disto, o próprio CTN, em seu art. 34, prescreve que o
contribuinte do IPTU será o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a
qualquer título, desde que essa posse seja ad usucapionem.
Por fim, encerrada a análise do critério pessoal do consequente da regra-
-matriz de incidência tributária do imposto predial e territorial urbano, notamos
como relevante discorrer, mesmo que rapidamente, acerca dos limites da su-
jeição passiva, em especial as figuras do locatário, arrendatário e comodatário.
Dessa forma, não poderia começar a análise do tema sem antes trazer as pala-
vras de Aires F. Barreto, quando informa:
Já vimos, linhas acima, que não é toda e qualquer posse que pode ser submetida
ao IPTU, mas exclusivamente aquela que pode conduzir ao domínio. [...] Ora,
como é cediço, se o arrendatário, o locatário, o comodatário não têm posse con-
ducente à usucapião, se sua posse não é equivalente à de dono, não expressa
nenhuma capacidade contributiva e, por conseguinte, não pode ser contribuinte
do IPTU.22

Das palavras do mestre paulista, interpreta-se que somente aquela posse


que detenha o cunho de conduzir ao domínio estará prevista na hipótese de
incidência da norma geral e abstrata de cobrança do IPTU. Conforme afirma-
do quando da análise do critério material, existem as hipóteses do coproprie-
tário em caso de condomínio, fiduciário que exerça a propriedade, enfiteuta,
usufrutuário, compromissário-comprador com posse, entre outros. Porém, en-
tendemos que são apenas derivações das demais hipóteses e, nesse momento,
mostra-se dispensável decompor.

4.2.2 Critério quantitativo


Todo o caminho percorrido até o presente momento, em especial as con-
siderações acerca do critério material da regra-matriz de incidência, é funda-
mental à análise do critério quantitativo do imposto predial e territorial urbano.
Sem sombra de dúvida, grande parcela dos litígios, tanto judiciais quanto ad-
ministrativos, tem como foco central a interpretação e aplicação desse critério.
Tomando o enunciado prescritivo presente no art. 3323 do Código Tributário
Nacional, temos que a base de cálculo será o valor venal do imóvel. No que
diz respeito à alíquota, esta será fixada por lei municipal. Apesar dessa aparente

22 Curso de direito tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 238 e 239.
23 “Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.”
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 41
liberdade, devem os municípios observar os princípios constitucionais do não-
-confisco, capacidade contributiva, proporcionalidade, progressividade (fiscal
e extrafiscal).
Base de cálculo dos tributos:
Tema dos mais discutidos pela doutrina pátria ao trabalhar com os tribu-
tos em espécie concerne à demarcação da base de cálculo. No Brasil, um dos
pioneiros e mais festejados estudiosos sobre o tema é o mestre gaúcho Alfredo
Augusto Becker, não deixando de lado os não igualmente primorosos traba-
lhos dos Professores Geraldo Ataliba, Roque Antônio Carrazza, Paulo de Barros
Carvalho, entre outros. Assim, apropriando-se das lições de Geraldo Ataliba,
pode-se definir a base de cálculo ou base imponível como “uma perspectiva
dimensional do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de
fixar critérios para a determinação, em cada obrigação tributária concreta do
quantum debetur”24.
Das lições acostadas, ponto de extrema relevância concerne ao fato de a
base de cálculo, juntamente com a hipótese de incidência, é que definirá a na-
tureza do tributo (imposto, taxa, contribuição de melhoria etc.), ou seja, a base
de cálculo irá confirmar, afirmar ou infirmar a hipótese de incidência. Além
dessa característica, a base de cálculo, juntamente com a alíquota, determinará
o quantum do tributo, e o sujeito passivo da relação jurídica será devedor do
sujeito passivo. Possui assim, como função, medir as proporções reais dos fatos.
Explicamos: o legislador originário reporta-se a eventos ou bens, para conferir
competência legislativa aos entes da federação brasileira. Para utilizar-se dessa
competência outorgada ao legislador o procedimento de fixação das fórmulas
numéricas de estipulação do conteúdo econômico da obrigação a ser cumprida
pelo contribuinte. Com efeito, cria esse legislador os conceitos de valor presu-
mido, valor de pauta, valor venal etc.

Base de cálculo do IPTU: definição de valor venal e apuração da “base


calculada”:
Elegeu o legislador, como base de cálculo, o valor venal do imóvel. An-
tes de construir uma definição jurídica de valor venal, faz-se necessário tecer
algumas considerações acerca do signo “valor” e respectivamente sobre o signo
“venal”. Inicialmente, indispensável é socorrermo-nos num dicionário da língua
portuguesa, uma vez que, conforme fixado nas considerações propedêuticas, a
realidade, enquanto dado inteligível, é construída só e somente só pela lingua-
gem, e esta possui como características a autorreferência e a autoconstrução.
Dessa maneira, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, valor é definido
como:

24 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 108.
42 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
1. Qualidade de quem tem força; audácia, coragem, valentia. [...] 4. Importância
de determinada coisa, estabelecida ou arbitrada. 5. O equivalente em dinheiro
ou bens de alguma coisa; preço; poder de compra.25 (grifos nossos)

De plano, constata-se que o signo valor, como a totalidade dos demais


signos, padece do vício da ambiguidade, ou seja, comporta mais de uma signifi-
cação. Dessa feita, cabe ao cientista explicitar o sentido que emprega ao termo.
Nesse momento, utilizo valor como o equivalente a dinheiro ou bens de alguma
coisa, preço, poder de compra.
Partindo agora para o termo venal, o mesmo professor o define em seu
dicionário da língua portuguesa como “[do lat. Venale] 1.Que pode ser vendi-
do. 2. Exposto à venda. 3. Referente à venda26”.
Frente a tais constatações, podemos definir valor venal como aquele ob-
tido pelo imóvel, caso fosse posto à venda, em condições mercadológicas nor-
mais. Além disso, o preço fixado será aquele determinado para venda à vista.
Frente a isso, temos que o imposto é calculado de conformidade com o valor
venal do imóvel, não se considerando o valor dos bens móveis mantidos em
caráter permanente ou temporário no imóvel, para efeito de sua utilização, ex-
ploração, aformoseamento ou comodidade (art. 33 e parágrafo único do CTN).
A apuração do valor venal pode ser realizada pelas entidades tributantes
de duas formas: (i) promover avaliações individuais, inteiramente a cargo dos
agentes tributadores; (ii) empregar o sistema de avaliação em massa, isto é,
proceder abalançamentos consubstanciados em regras e métodos predetermi-
nados, mediante o emprego de agentes especializados e anteriormente distri-
buídos nas várias fases do processo. O segundo procedimento deve culminar
com a edição uma planta ou mapa genérico de valores, que constitui parâmetro
para efeito de consideração do valor venal, por representar os reais elementos
do mercado imobiliário.
Dentre as formas de apuração do valor venal dos imóveis, conforme
adrede afirmado, poderão as administrações municipais promover avaliações
individuais dos imóveis ou confeccionar os conhecidos mapas genéricos de
valores27. Tal documento, veiculado por ato administrativo28, estabelece crité-

25 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 2044.
26 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 2083.
27 Os Mapas Genéricos de Valores podem ser definidos como o conjunto de plantas, tabelas, listas e índices
determinantes dos valores médios de metro quadrado de terreno e de construção, originários ou corrigidos,
acompanhados de regras e métodos, genéricos ou específicos necessários à apuração do valor venal.
28 No dizer de Hely Lopes Meirelles, “o ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da
Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir,
modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos seus administrados ou a si própria”. Já para
Celso Antônio Bandeira de Mello, o ato administrativo é a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 43
rios técnicos para a determinação do valor do imóvel, com base nos quais se
estabelece um valor para o metro quadrado e se determina o valor do imóvel
tendo-se em vista sua área e sua classificação no mapa.
A construção e aplicação de tais mapas é tema de grande controvérsia,
tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria. Por tal razão, alguns questio-
namentos devem ser elaborados e prontamente respondidos: (i) a construção de
mapas genéricos de valores e sua respectiva utilização como critério determi-
nador do valor venal, veiculado exclusivamente por ato administrativo, ferem o
princípio da legalidade?; (ii) qual o alcance do princípio da legalidade tributária
na determinação da base de cálculo (ou base calculada) do IPTU?; (iii) os ma-
pas genéricos de valores necessitam de aprovação do Poder Legislativo para a
produção de efeitos?
O art. 5º, I, da Constituição Federal prescreve que “ninguém será obri-
gado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei”. Tal
mandamento é conhecido como legalidade em sentido lato ou legalidade geral.
Na mesma linha, o art. 150, I, informa que é vedado à União, Estados e Mu-
nicípios “exigir tributos sem que lei o estabeleça”. Da leitura dos dispositivos
legais mencionados, é de clareza solar que o constituinte originário assentou
que tal princípio é um dos pilares do denominado Estado Democrático de Direi-
to. Nessa esteira, José Afonso da Silva, quando discorre acerca do princípio da
legalidade “geral” e do princípio da “legalidade tributária”, afirma o seguinte:
O princípio da legalidade é nota do Estado de Direito. É, também, por conse-
guinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos, por-
quanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se
na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize
o princípio da igualdade e da justiça não pela generalidade, mas pela busca da
igualização das condições dos socialmente desiguais. [...] O fenômeno tribu-
tário, como atividade estatal, obedece ao princípio da legalidade, mas não à
simples legalidade genérica que rege todos os atos e atividades administrativas.
Subordina-se a uma legalidade específica que, em verdade, se traduz no princí-
pio da reserva de lei. Essa legalidade específica constitui garantia constitucional
do contribuinte, em forma de limitação ao poder de tributar.29

Das lições trazidas, resta patente que, na esfera do direito tributário, o


princípio da legalidade reveste-se de uma maior especificidade, traduz-se numa
verdadeira garantia do contribuinte em somente ter o seu patrimônio ferido por
tributo instituído através de lei. Com efeito, resta incontroverso que o legislador,

vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas,
manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, sujeitas
a controle de legitimidade por órgão judicial”.
29 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 420-428-429.
44 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
por meio do Código Tributário Nacional, em seus arts. 32 a 34, regulamentou a
cobrança do imposto predial e territorial urbano. Dessa maneira, exerceu deter-
minação insculpida no art. 146, III30, da Carta de Direitos. Além disso, cabe aos
municípios, por meio de lei ordinária, instituir a cobrança do tributo nos moldes
previstos no art. 156 da CF/1988, bem como dos mandamentos contidos na Lei
nº 5.172/1966. Preenchidos tais requisitos, poderá o ente federado no exercício
de sua competência instituir a cobrança do tributo.
Ocorre que, conforme já anteriormente informado, na apuração do valor
venal dos imóveis, utilizam-se os municípios dos mapas genéricos de valores,
documentos estes confeccionados e introduzidos no sistema jurídico por meio
de ato administrativo da autoridade fazendária, vinculado ao Poder Executivo.
Nesse caminho, pensamos que a fixação do valor do metro quadrado dos imó-
veis ficará à administração tributária, que fixará a base de cálculo do tributo.
Dessa forma, o Poder Executivo não estaria apenas interpretando a norma; pelo
contrário, por meio do mapa de valores, retifica e modifica a própria lei, esta-
belecendo presunções de valor. Com efeito, face ao princípio da legalidade,
somente por meio de lei poderá o ente federado exigir ou aumentar tributo.
Nesse mesmo sentido, Florence Haret afirma que:
A planta fiscal do IPTU é norma presuntiva, que estatui valor, que poderia vir a
ser, mas não é. Determina um quantum – fato conhecido – para substituir o preço
real de venda – fato desconhecido – na posição sintática de base de cálculo na
regra-matriz de incidência do IPTU. Tem em vista o preço provável, e não haven-
do outra forma de determinação, apura o valor com base nessa probabilidade.
Assim, nesse caso, tomamos verdadeiramente a presunção como técnica para
apurar o tributo, ressaltando, pois, a praticabilidade, em termos arrecadatórios,
de seu uso. A função prática da norma presuntiva no âmbito do IPTU, de todo útil
para a autoridade municipal, não significa que ela pode fazer acriteriosamente,
sem delimitações de direito. Claro está que a base de cálculo estipulada em pauta
não pode ultrapassar o valor real de venda do imóvel, superestimando o bem.
Assim, comprovado pelo contribuinte excesso de exação, cabe ao Fisco restituir
ao contribuinte a diferença entre o valor fixado a maior em pauta e o preço efe-
tivo do imóvel. A base de cálculo pautada com base no preço efetivo do imóvel.
A base de cálculo pautada com base nas pesquisas da ABNT e do Ibape deverá
ser sempre igual ou inferior àquela que realmente acontece, nunca o contrário.
O excedente é tributação fictícia, e não presumida, pois parte daquilo que não é
para arrecadar. Esse valor pago a maior é, pois, ficção, e logo é tributo inconsti-
tucional e indevido.31

30 “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; [...].”
31 HARET, Florence. Teoria e prática das presunções no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2010.
p. 837/838.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 45
Destacamos ainda que os mandamentos insculpidos no art. 33 do Códi-
go Tributário Nacional não são suficientes à aplicação da lei ao caso concreto.
Desse modo, faz-se necessária a confecção dos mapas de valores (ou apuração
individualizada) para que se possa definir a base de cálculo in concreto32. No
entanto, a nosso sentir, tal mapa necessita ser aprovado por meio de lei, vez
que é um dos elementos da base de cálculo do tributo. Face a tal constatação,
repisamos a necessidade de aprovação pela casa legislativa do mapa genérico
de valores. Além disso, somente por meio da aprovação pelo Poder Legislati-
vo estará minimamente comprovado que o labor efetivado pelos prepostos do
Poder Executivo atendem aos critérios técnicos necessários ao atingimento do
“verdadeiro” valor venal dos imóveis, valor este um dos componentes do crité-
rio quantitativo da norma jurídica em sentido estrito33.
Por derradeiro, no que tange à atualização do valor venal dos imóveis
pelos índices oficiais de correção monetária, não constitui tal majoração atua-
lização do valor venal, com modificação de critérios técnicos e até mesmo
jurídicos. Portanto, podem ser promovidas através do veículo introdutor do ato
administrativo de competência Poder Executivo34.

4.3 Alíquota
Conjugada com a base de cálculo, a alíquota irá definir o quantum que
deverá ser levado pelo contribuinte aos cofres públicos. Ademais, o nosso Texto
Maior não definiu o percentual que deve ser aplicado à base de cálculo para a
apuração do imposto. No entanto, face a esse silêncio legislativo, não poderão
os municípios utilizar alíquotas exorbitantes, representando um verdadeiro con-
fisco da propriedade predial e territorial urbana. Dessa forma, promovendo uma
análise sistêmica do nosso ordenamento, podemos interpretar que a fixação
da alíquota deve observar os princípios da progressividade (nas hipóteses do
art. 182, § 4º, da CF/1988) – capacidade contributiva e, conforme já afirmado,
não-confisco.

4.3.1 Alíquota e progressividade


Tema dos mais interessantes ao tratarmos o imposto predial e territorial
urbano diz respeito à aplicação das alíquotas e à possibilidade de progressão,

32 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
33 Nesse sentido, preciosas são as lições do Professor italiano Ricardo Guastini quando informa: “Em primeiro
lugar, o Governo deve, em princípio, agir dentro dos limites fixados pela lei. Trata-se do princípio de legalidade
na administração: o rule of law. [...] Em segundo lugar, os atos normativos típicos do Poder Executivo, ou
seja, os regulamentos, estão subordinados à lei na hierarquia das fontes do direito. Isso significa que a
conformidade à lei é condição necessária de validade dos regulamentos” (GUASTINI, Ricardo. Das fontes as
normas. Trad. Edson Bini. Apresentação: Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 261).
34 Vale ressaltar, inclusive, que tal ato administrativo não ofende o princípio da legalidade. Nesse sentido, farta
a jurisprudência do STF sobre o tema: STF, RE 93.661-1/SP, Pleno, DJU 27.11.1981, p. 12015.
46 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
seja em função do art. 182, § 4º, III, da CF (extrafiscal), seja em função das
alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 29/2000 (fiscal). Tal tó-
pico é alvo de incansável debate, tanto na doutrina quanto na jurisprudência
brasileira. Nessa linha, a Professora Elisabeth Nazar Carraza afirma o seguinte:
“Sempre que compatível com a natureza do imposto exigido, poderá haver pro-
gressividade de natureza fiscal e extrafiscal”35. Conjugada com a base de cálcu-
lo, a alíquota irá definir o quantum que deverá ser levado pelo contribuinte aos
cofres públicos. De mais a mais, o nosso Texto Maior não definiu o percentual
que deve ser aplicado à base de cálculo para a apuração do imposto. No en-
tanto, face ao silêncio legislativo, não poderão os municípios adotar alíquotas
exorbitantes, representando um verdadeiro confisco da propriedade predial e
territorial urbana.
Nessa toada, conforme já exposto, toda e qualquer análise do nosso sis-
tema jurídico pátrio, especialmente o tributário, deve, necessariamente, tomar
como ponto de partida os enunciados inscritos na Constituição Federal. E, ao
tratarmos da progressão de alíquotas, não se mostra diferente. Com efeito, o
art. 182, § 4º36, III, permite que o imóvel que descumprir sua função social
poderá ter a alíquota majorada no tempo. Tal majoração, somente nestas hi-
póteses, deve-se à natureza jurídica de que se reveste o IPTU, ou seja, trata-se
de um imposto eminentemente real. Parte respeitável da doutrina corroborava
com tal assertiva.
Para tanto, adotou-se, para fins de análise crítico-descritiva, a clássica
divisão dos impostos em reais e pessoais. Em rápidas linhas, podemos con-
ceituar imposto em reais como sendo aqueles que tomam em consideração
manifestações objetivas e concretas do patrimônio, isoladamente considerados,
sem analisar a situação econômica do titular do bem. Diversamente, impostos
pessoais são aqueles cuja imposição lastreia-se nas condições personalísticas
do contribuinte, tomando em conta a sua capacidade contributiva, globalmente
considerada. De mais a mais, vale informar, tal classificação não é uma “in-
venção doutrinária”, pelo contrário. Tal sistematização pode ser construída in-
terpretando-se o texto constitucional, especificamente o art. 145, § 1º, em que
prescreve que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal. Dessa
forma, é de clareza solar a adoção pelo constituinte originário da sistematização
acima mencionada.
Outro ponto indispensável à compreensão do raciocínio desenvolvido
concerne à delimitação do instituto da função social da propriedade, tantas ve-

35 Progressividade e IPTU. 1. ed. 2. tir. Curitiba: Juruá, p. 92.


36 “Art. 182. [...] § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para a área incluída no
plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob, sucessivamente, de: I – parcelamento ou
edificação compulsória; II – imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; [...]”
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 47
zes mencionado pelo legislador constituinte. Não possuímos aqui a pretensão
de esgotá-lo; pelo contrário, aspiramos apenas a chamar atenção sobre a impor-
tância da discussão, visto que, sob tal manto, diversos preceitos constitucionais
são desrespeitados.
Mais uma vez, devemos partir do texto da Carta Magna para podermos
responder, de forma séria, ao problema levantado. Assim, vale ressaltar, encon-
tramos em diversos enunciados prescritivos referência à função social da pro-
priedade. Não obstante, neste momento, 3 (três) desses enunciados mostram-se
indispensáveis. O primeiro é o inscrito no art. 5º, XXIII. O segundo, art. 156, I,
§ 1º. Por fim, temos o art. 182, §§ 1º, 2º, 4º.
Apenas como ilustração, trazemos breve passagem de artigo escrito por
Betina Treiger Grupenmacher, apresentado no 10ª Congresso Nacional de Es-
tudos Tributários – Sistema Tributário Brasileiro e as Relações Internacionais,
organizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET:
É certo que todo imóvel, urbano ou rural, deve atender à sua função social, cuja
verificação se faz a partir do confronto entre a potencialidade produtiva do imó-
vel e a compatibilidade com a respectiva utilização. O que queremos afirmar
é que, a partir do binômio potencialidade/produtividade, é possível aferir se a
utilização de um dado imóvel é compatível ou não com seu potencial social.
Conforme determina a regra do art. 182, § 2º, da Constituição Federal, cabe ao
plano diretor, nos municípios com mais de 20.000 habitantes, estabelecer com
precisão em que medida um imóvel urbano cumpre ou não sua função social.37

Ponderando tais pertinentes considerações, verificamos que o legislador


constitucional delimitou os contornos do instituto da função social da proprie-
dade. No entanto, ante a heterogeneidade dos entes municipais, cabe a eles,
caso a caso, por meio de lei, estabelecer os critérios necessários à definição de
cumprimento da função social da propriedade. Vale destacar que sempre de-
verão os agentes municipais, na atividade de enunciação, observar o binômio
adrede mencionado, ou ferirão de morte as previsões interpretadas do texto
maior.
Por todo o exposto, resta patente que somente nas hipóteses constitucio-
nalmente previstas poderia o legislador ordinário municipal instituir alíquotas
progressivas ao imposto predial e territorial urbano. Nesse sentido, temos as
lições de Aires F. Barreto, ao asseverar que
tem-se que a interpretação sistemática do texto constitucional impõe a conclusão
de que a progressão de alíquotas só tem respaldo constitucional se e quando a
propriedade não cumprir sua função social. Nenhuma outra exegese é possível a

37 IPTU, ITBI e capacidade contributiva: diversidade de bases de cálculo e critérios para a progressividade. São
Paulo: Noeses, 2013. p. 1113.
48 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
não ser que se dê por inexistente, vazia e inócua a cláusula final, pétrea, do § 1º
do art. 156, em sua redação originaria, e de outros postulados constitucionais.38

Em súmula, à luz da Constituição original, somente poderia haver pro-


gressividade do IPTU com a exacerbação da alíquota no tempo, e, para fazê-lo,
é mister estar diante de propriedades urbanas: (i) não edificadas; (ii) que não
cumpram sua função social; (iii) que estejam situadas em áreas definidas pelo
plano diretor; (iv) cujo proprietário, apesar de compulsoriamente instado a par-
celar ou edificar, não o faça no prazo assinalado por lei.
Com a inserção da Emenda Constitucional nº 29/2002 ao nosso ordena-
mento jurídico nacional, ocorreu alteração substancial na interpretação acerca
da possibilidade de aplicação de alíquotas progressivas em face do IPTU. Dessa
forma, foi outorgada competência aos entes federados municipais a instituir
alíquotas progressivas em função do valor do imóvel, hipótese essa vedada pela
redação original do art. 156 da CF/1988. Com o fim de melhor analisarmos,
tem-se como indispensável a leitura da atual redação do adrede mencionado
enunciado prescritivo:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I – propriedade predial e territorial urbana;
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, II,
o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucio-
nal nº 29, de 2000)
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Cons-
titucional nº 29, de 2000)
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (In-
cluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) (grifos nossos)

De pronto, interpreta-se que, a partir da nova redação constitucional, é


permitido aos municípios instituir alíquotas em função do valor do imóvel. Tal
modificação redacional introduzida pela Emenda nº 29/2002 despertou acir-
rados debates doutrinários e jurisprudenciais. De um lado comungando que a
novel redação é inconstitucional por afrontar cláusulas pétreas. Do outro, ar-
gumentando pela constitucionalidade, uma vez que foi atendido o princípio da
capacidade contributiva, determinação expressa inscrita no texto maior. Frente
à magnitude dos argumentos arrolados por ambas as correntes doutrinárias, ve-
mos como relevante cotejar cada um dos argumentos para, após tal labor, fixar
nosso entendimento sobre o tema.

38 BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 276.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 49
O Supremo Tribunal Federal, em decisão do seu colegiado, entendeu
que a progressividade do IPTU, inserida pela Emenda nº 29/2002, não ofende
cláusula pétrea e muito menos qualquer princípio inserido no sistema tributário
constitucional. Pelo contrário, consignou que essa nova forma de aplicação da
alíquota permite que seja atingido de forma plena o princípio da capacidade
econômica do contribuinte. Nessa mesma linha, o Professor Roque Antonio
Carrazza defende que “o IPTU deve obedecer ao princípio da capacidade con-
tributiva, nos termos do já estudado art. 145, § 1º, primeira parte, da CF. E,
para isso, deve ser progressivo. Esta é uma progressividade fiscal, de existência
obrigatória”39.
Valéria Furlan também coaduna com esse posicionamento:
A alíquota do IPTU – convém ressaltar – é gradativa, de modo a satisfazer o
princípio da capacidade contributiva. Diz-se progressivo sob o aspecto de que
a alíquota aumento à proporção que aumenta a dimensão da base imponível.
Trata-se, então, de progressividade fiscal, pois visa ao abastecimento imediato
dos cofres públicos.

E continua:
Por igual razão, não vemos inconstitucionalidade alguma na lei municipal que
eleja como critério da progressividade de alíquotas do IPTU o aumento do valor
venal do imóvel. Ao contrário, estar-se-ia atendendo ao princípio constitucional
da capacidade contributiva e, de conseguinte, ao da isonomia.40

Pelas lições trazidas, verificamos que esses autores coadunam com a tese
segundo a qual a permissão de que o IPTU seja progressivo em função do valor
do imóvel não fere nenhuma cláusula pétrea; pelo contrário, uma vez aplicada
a progressão de alíquotas, estaria atendendo aos princípios da capacidade con-
tributiva e da isonomia tributária.
Tecidas tais considerações, não podemos deixar de lado questão inte-
ressante que, inclusive, já foi sumulada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim,
prescreve a Suprema Corte não ser possível a progressividade de alíquotas do
IPTU com base no número de imóveis do contribuinte. A sistemática teria o
mesmo fundamento filosófico da progressividade baseada no valor do imóvel,
qual seja, tributação mais gravosa para quem presumivelmente tem maior capa-
cidade contributiva. Entretanto, em face da falta de autorização constitucional,
a impossibilidade se impõe.
Nessa linha, a Súmula nº 589 do STF:

39 Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 125.


40 FURLAN, Valéria. IPTU. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 131, 132 e 134.
50 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Súmula nº 589. É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto
predial e territorial urbano em função do número de imóveis do contribuinte.

Face aos argumentos trazidos, verifica-se que o entendimento solidifi-


cado no âmbito do STF é no sentido da constitucionalidade da aplicação de
alíquotas progressivas em função do valor venal dos imóveis. Dessa feita, a
única limitação a sua aplicação é a interpretação da leitura da Súmula nº 589,
que veda a incidência de progressão em função do número de imóveis do con-
tribuinte.
Em posição oposta, comungando pela inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional nº 29/2002, temos doutrinadores de peso, a exemplo de Aires F.
Barreto e Ives Granda Martins. Para esses autores, a progressividade do IPTU só
pode verificar-se no tempo e, mesmo assim, observadas as condições prescritas
no art. 182 e parágrafos da Constituição de 1988. Ademais, a alteração promo-
vida fere cláusula pétrea, que, em rápidas linhas, são postulados e princípios
constitucionais que, por representarem pilares da estrutura federativa e a espi-
nha dorsal do sobprincípio da segurança jurídica dos cidadãos, jamais podem
ser alteradas pelo poder constituinte derivado. De mais a mais, defendem que,
pela classificação adotada pela CF, distinguindo os impostos em reais e pesso-
ais, não poderíamos ter a incidência do princípio da capacidade contributiva
sobre os impostos reais. Vejamos o que afirma o Professor Aires F. Barreto sobre
o tema:
Ora, no caso da progressividade, é inquestionável que a Emenda Constitucional
nº 29 não apenas tende a abolir como, de fato, aniquila, suprime, destrói, anula
a restrição posta pelo princípio de que progressivos só podem ser os impostos
pessoais.
A Constituição veda a progressividade de impostos de caráter real, como o IPTU.
Trata-se de área constitucionalmente intocável, por integrar conjunto de direitos
atribuídos ao contribuinte pela Constituição. É que compõem esse rol todos os
princípios constitucionais, inclusive e especialmente aqueles ligados à matéria
tributária.41

Frente aos argumentos colacionados por ambas as partes, pensamos que


a melhor interpretação do tema é aquela que entende como constitucional a
alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 29/2002. Dessa forma, nada
mais justo que aqueles que sejam proprietários, possuidores ou titulares do do-
mínio útil, que detenham imóveis de maior valor venal, sejam gravados com
maior alíquota em relação aos que possuem imóveis de menor valor e conse-
quente menor capacidade contributiva.

41 BARRETO, Aires Fernandino. Curso de direito tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 267.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 51
5 CONSTITUIÇÃO DA OBRIGAÇÃO/CRÉDITO TRIBUTÁRIO: LANÇAMENTO DO IPTU
De acordo com o referencial filosófico adotado neste artigo, somente por
meio da linguagem os sujeitos cognoscentes constroem a realidade. Dentro des-
sa realidade, temos o direito como verdadeiro objeto cultural. De mais a mais,
devemos tomar em conta a separação entre os planos dos sistemas sociais e do
sistema jurídico, sistemas esses, a priori, incomunicáveis.
Para que a linguagem social ingresse no sistema jurídico, faz-se necessá-
ria a obediência às “regras do jogo jurídico”. Com efeito, para que um evento
ocorrido no mundo dos fenômenos ingresse na “realidade” jurídica, é indis-
pensável à produção de linguagem por um sujeito competente para tanto. Tal
procedimento de produção linguística, o construtivismo lógico-semântico, de-
nomina incidência. Paulo de Barros Carvalho trabalha a incidência como um
relato, em linguagem competente (jurídica), dos eventos ocorridos no mundo
social. Tal posicionamento transparece quando o autor afirma que,
ali onde houver direito, haverá sempre normas jurídicas e onde houver normas
jurídicas haverá certamente linguagem que lhe sirva de veículo de expressão.
Para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direito, necessário se
faz também a existência de uma linguagem: linguagem que relate o evento ocor-
rido no mundo da experiência e linguagem que relate o vínculo jurídico que se
instaura entre duas pessoas.42

No mesmo sentido, Fabiana Del Padre Tomé afirma que:


Quando pensamos no fenômeno da percussão jurídico-tributária, vem-nos à
mente a figura de um fato que, subsumindo-se à hipótese normativa tributária,
implica o surgimento de um vínculo obrigacional. É a fenomenologia da inci-
dência. Referida operação, todavia, não se realiza sozinha: é preciso que um ser
humano promova a subsunção e a implicação que o preceito da norma geral e
abstrata determina. Na qualidade de operações lógicas, subsunção e implicação
exigem presença humana. Daí a visão antropocêntrica, requerendo o homem
como elemento intercalar, construindo, a partir de normas gerais e abstratas, ou-
tras normas, gerais ou individuais, abstratas e concretas.43

Tais considerações introdutórias são de indiscutível relevância ao tratar-


mos do lançamento fiscal. Somente por meio desse expediente poderão as au-
toridades administrativas constituir e, por consequência, exigir o crédito tribu-
tário. Dessa arte, prescreve o Código Tributário Nacional, em seu art. 142, que:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o cré-
dito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo

42 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 10.
43 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, introdução.
52 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar
o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obriga-
tória, sob pena de responsabilidade funcional.

Da análise do anteriormente citado enunciado prescrito, temos que o


legislador enxergou que somente com o ato do lançamento teremos a existên-
cia (jurídica) da obrigação e consequentemente do crédito tributário. Antes da
realização de tal ato, podemos até vislumbrar fatos econômicos, contábeis ou
até mesmo sociais; entretanto, jamais fatos jurídicos ensejadores do nascimento
da relação jurídica. Somente com a produção de linguagem competente (leia-
-se, jurídica) teremos o fato jurídico tributário, nascendo para os municípios o
direito de satisfação da prestação tributária e, para o sujeito passivo, o dever de
satisfazê-la.
Ademais, devemos ter em conta que o ato administrativo a ser pratica-
do pelos entes federados competentes enquadra-se no tipo legal prescrito no
art. 14944 do CTN, ou seja, o denominado lançamento direto ou de ofício. Nes-
sa espécie, a participação do sujeito passivo na atividade privativa da autorida-
de fiscal é nula ou quase nula45. Com efeito, a administração utilizará dos dados
de que dispõe a respeito do sujeito passivo, identificando-o, declarando a ocor-
rência do “fato gerador” da obrigação tributária correspondente, determinando
a matéria tributável, calculando o montante do tributo devido. Ou seja, todos
os atos integrantes do que o CTN denomina de “procedimento de lançamento”
são realizados na esfera da administração.
Ato contínuo à realização do ato de lançamento, deve a administração
promover a devida notificação do contribuinte. Tal exigência decorre de ex-

44 “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no
prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado
declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a
pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste
satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto
a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se
comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que
se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro
legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o
sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser
apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove
que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela
mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser
iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.”
45 Em determinadas situações, prevê a legislação municipal que estará o contribuinte obrigado a proceder a
inscrição do imóvel. Em alguns casos, até mesmo plantas são exigidas. Tal exigência visa a municiar o Fisco,
fornecendo-lhe informações como: nome, endereço, domicílio tributário eleito, área do terreno, dados do título
de propriedade ou valor do imóvel etc.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 53
pressa determinação inscrita no art. 37 da Constituição Federal, dispositivo esse
que, entre outras coisas, prescreve que a Administração Pública, e, por conse-
quência, seus atos deverão observar o princípio da publicidade. De mais a mais,
a devida notificação da realização do lançamento busca referendar o princípio
constitucional do contraditório e, em última análise, a ampla defesa.
Em sintonia com o quanto afirmado, Aires F. Barreto, ao discorrer acer-
ca da necessidade de notificação do lançamento no caso específico do IPTU,
afirma que:
Para que o lançamento possa ter eficácia, é preciso que seja cumprida etapa in-
dispensável: a da notificação. O lançamento só tem existência, no plano jurídico,
a partir de sua notificação ao sujeito passivo. Vale dizer, somente pode produzir
os efeitos jurídicos a que destinado após devidamente notificado ao sujeito pas-
sivo. A notificação do lançamento, em regra – e, de modo especial, no IPTU –,
tem o objetivo (função) de levar ao conhecimento do contribuinte o lançamento
que lhe permite, proporcionando-lhe o direito de contestação e definindo o dies
a quo do prazo de vencimento da prestação tributária.46

Merece destaque ainda que a notificação seja feita pessoalmente ao su-


jeito passivo, seja realizada através dos seus prepostos ou familiares, no seu
domicílio, seja realizada por via postal registrada, será igualmente válida, desde
que, por ela, possa o contribuinte obter conhecimento acerca dos termos do
crédito tributário formalizado pelo ato de lançamento. O teor do art. 16047 da
Lei nº 5.172/1966 bem evidencia a relevância da notificação do lançamento.
Dele se interpreta que o lançamento devidamente notificado é condição da
exigibilidade do crédito tributário.

CONCLUSÃO
Após longa trilha, longe de esgotarmos o objeto de estudo, pensamos
ter percorrido os principais temas necessários à análise satisfatória do imposto
predial e territorial urbano. Tal tributo, conforme já dito, é a principal fonte de
recursos da grande parte dos municípios brasileiros. Entretanto, em sua grande
parte também, os mecanismos de administrativos de arrecadação e quantifica-
ção desse tributo são precários. Essa situação decorre não só da falta de estru-
tura física (equipamentos e pessoal), mas também do desconhecimento da le-
gislação aplicável, principalmente os enunciados prescritivos inseridos no texto
constitucional.

46 BARRETO, Aires Fernandino. Curso de direito tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 267.
47 “Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre
trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento. Parágrafo único. A
legislação tributária pode conceder desconto pela antecipação do pagamento, nas condições que estabeleça.”
54 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Visando a atenuar tal deficiência, pensamos ser o presente artigo cien-
tífico um ferramental eficiente para aqueles que laboram com o tema possam
socorrer-se, seja pela contemporaneidade da jurisprudência colacionada, seja
pelo sólido rol doutrinário escolhido. Logo de plano, realizamos as delimitações
propedêuticas indispensáveis, definindo, assim, nossa linha filosófico-jurídica
de trabalho.
Após tal labor, partimos para a análise do tributo, com o auxílio do fer-
ramental da regra-matriz de incidência (tomada aqui como esquema lógico-
-semântico, método de verificação do objeto). Decompomos a hipótese de inci-
dência, verificando a materialidade (amplitude semântica do signo propriedade,
suas derivações e definição do bem imóvel) e o aspecto temporal e territorial.
Decompomos também consequente da RMI, dissecando a base de cálculo e
a alíquota, além dos sujeitos ativo e passivo. Por fim, foram tecidas algumas
considerações acerca do lançamento do imposto, não com o objetivo de trazer
novel entendimento acerca do tema, porém com o objetivo de demonstrar a
indispensabilidade da produção de linguagem competente com o fim de cons-
tituir a obrigação/crédito tributário.

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Assunto Especial – Doutrina
IPTU

Do Marco Prescricional para a Cobrança do Imposto Predial


Territorial Urbano – IPTU
MB MENEZES
Advogada Graduada pela Universidade Católica do Salvador, Pós-Graduada em Direito Admi-
nistrativo pela UCAM, Pós-Graduanda em Direito Tributário pelo IBET, Formação em Língua
Inglesa pela Pacific Gateway Internacional College – Vancouver/CA, Sócia da MB Menezes
Advogados Associados.

DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA
Inicialmente, cumpre, por oportuno, fazer a distinção entre os institutos
da decadência e da prescrição. A decadência ou caducidade é tida como o
fato jurídico que faz perecer um direito pelo seu não exercício durante certo
lapso de tempo. A decadência, no âmbito do direito tributário, quer dizer que
a Fazenda dispõe de cinco anos para efetuar o ato jurídico administrativo de
lançamento.
O art. 173 do CTN elenca dois marcos iniciais para a contagem deste
prazo: (I) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento
poderia ter sido efetivado; (II) e da data em que se tornar definitiva a decisão
que houver anulado, por vício formal, o lançamento anterior efetuado. Nessa
esteira, temos que o prazo decadencial (de 5 anos) está relacionado, de forma
ínsita, com o lançamento e a consequente constituição da obrigação tributária.
Após a efetiva constituição do crédito tributário, nasce para a Fazenda o direito
de haver a pretensão tributária, e aqui é que nasce o instituto da prescrição.
Conforme preleciona Paulo de Barros,
com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado o sujeito passi-
vo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo
com ação de cobrança (ação de execução fiscal). Fluindo esse período de tempo
sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento pro-
cessual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem
como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que
o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunica-
do (pela notificação) ao devedor.
58 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
DO LANÇAMENTO DO IMPOSTO PREDIAL TERRITORIAL URBANO – IPTU
O lançamento tributário é o ato jurídico administrativo mediante o qual
se formaliza o vínculo obrigacional entre o sujeito ativo (Fazenda) e o sujeito
passivo (contribuinte), por meio da constituição do crédito tributário. No caso
específico do IPTU, temos que o Fisco dispõe de dados suficientes para efetuar
a cobrança, dispensando o auxílio do contribuinte.
Para que a constituição do crédito esteja perfeitamente formalizada, por
tratar-se de um tributo sujeito ao lançamento de ofício, doutrina e jurispru-
dência coadunam com a tese de que a notificação ao sujeito passivo é que
perfectibiliza o crédito tributário. Sobre o IPTU, entendem que a notificação
do lançamento ocorre com o envio da correspondente guia de recolhimento
do tributo para o endereço do imóvel do contribuinte, iniciando-se, a partir
daí, o prazo prescricional quinquenal para a cobrança do débito tributário, nos
termos do art. 174 do CTN. Seguem abaixo dois julgados do Superior Tribunal
de Justiça nesses termos:
Tributário. Execução fiscal. Requisitos da CDA. Incidência da Súmula nº 7/STJ.
Lançamento de ofício. Desnecessidade de processo administrativo específico e
notificação. 1. Cuida-se originalmente de embargos à execução manejados pelo
ora recorrente que contesta a validade da CDA que instrui o pleito executivo ante
a ausência de prévio processo administrativo. 2. É pacífica a jurisprudência deste
tribunal no sentido de que a aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida
Ativa – CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade,
conduz necessariamente ao reexame do conjunto fático-probatório dos autos,
medida inexequível na via da instância especial. Incidência da Súmula nº 7/STJ.
3. Ademais, há nesta Corte jurisprudência consolidada no sentido de que a no-
tificação do lançamento do IPTU e das taxas municipais ocorre com o envio da
correspondente guia de recolhimento do tributo para o endereço do imóvel ou
do contribuinte, com as informações que lhe permitam, caso não concorde com
a cobrança, impugná-la administrativa ou judicialmente. (AgRg-AREsp 370295,
(2013/0225048-4), 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins (1130), DJ 01.10.2013,
DJe 09.10.2013)
Agravo regimental. Processual civil e tributário. Recurso especial que demons-
trou todos os requisitos de admissibilidade. Execução fiscal. Prescrição. Termo
inicial. Notificação para pagamento do tributo. 1. O recurso especial do contri-
buinte reuniu todas as condições de admissibilidade, demonstrando claramente o
motivo da irresignação recursal e a existência de diferentes entendimentos juris-
prudenciais sobre o tema. 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de
que, “nos tributos sujeitos a lançamento de ofício, como no caso do IPVA e IPTU,
a constituição do crédito tributário perfectibiliza-se com a notificação ao sujeito
passivo, iniciando-se, a partir daí, o prazo prescricional quinquenal para a cobran-
ça do débito tributário, nos termos do art. 174 do CTN” (AgRg-Ag 1.399.575/RJ,
2ª T., Min. Humberto Martins, DJe 04.11.2011). 3. Agravo regimental do Fisco
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 59
a que se nega provimento. (AgRg-REsp 1325143, (2012/0107231-0), 1ª T., Rel.
Min. Sérgio Kukina (1155), DJ 02.04.2013, DJe 08.04.2013)

DO MARCO INICIAL PARA A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL


Conforme estabelece o art. 174 do CTN, “a ação para a cobrança do
crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição
definitiva”. Conforme já citado, o prazo prescricional dos tributos sujeitos ao
lançamento de ofício inicia-se após a efetiva notificação do débito ao sujeito
passivo. No caso do IPTU, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendi-
mento que a própria remessa, pelo Fisco, da notificação para pagamento ou o
carnê constitui o crédito tributário, momento em que se inicia o prazo prescri-
cional quinquenal para a sua cobrança judicial.
Processual civil e tributário. Agravo regimental no agravo de instrumento. Vio-
lação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Execução fiscal. IPVA. Fato gerador.
Constituição definitiva. Acórdão recorrido em sintonia com a jurisprudência do
STJ. 1. Quanto ao art. 535 do CPC, afasta-se de pronto possível infringência ao ci-
tado diploma legal, considerando que o acórdão recorrido está fundamentado e a
prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida. 2. No mais, a
decisão agravada está fundamentada na jurisprudência do STJ no sentido de que,
nos tributos sujeitos a lançamento de ofício, tal como o IPVA e o IPTU, a própria
remessa, pelo Fisco, da notificação para pagamento ou carnê, constitui o crédito
tributário, momento em que se inicia o prazo prescricional quinquenal para sua
cobrança judicial, nos termos do art. 174 do CTN. Dentre os precedentes: AgRg-
-AREsp 157.610/RJ, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 14.06.2012.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg-Ag 1429679, (2011/0270109-9), 1ª T.,
Rel. Min. Benedito Gonçalves (1142), DJ 06.09.2012, DJe 12.09.2012)

Existe uma situação peculiar em que o próprio STJ posiciona-se no senti-


do de a prescrição ocorrer após o vencimento do prazo para pagamento; quan-
do constituído o crédito tributário pelo envio do carnê ao endereço do sujeito
passivo, encontrar-se pendente o prazo de vencimento para o pagamento vo-
luntário. Portanto, nas hipóteses em que, enviado o carnê para o pagamento,
ainda restar prazo para o pagamento voluntário, o instituto da prescrição ainda
não terá se operado. Isso porque a possibilidade de pagamento pelo contribuin-
te ilegitima a cobrança judicial do tributo pela Fazenda Pública. Nesses termos,
segue abaixo o julgado do STJ publicado em 24.06.2014:
Tributário. IPTU. Prescrição. Termo inicial. Falta de prequestionamento da tese.
Impossibilidade de revolvimento fático-probatório. Súmula nº 7/STJ. 1. Consti-
tuído o crédito tributário pelo envio do carnê ao endereço do sujeito passivo e
encontrando-se pendente o prazo de vencimento para o pagamento voluntário,
ainda não surge para o credor a pretensão executória, sem a qual não tem início o
prazo prescricional. Precedentes: EDcl-AREsp 44.530/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro
60 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Meira, J. 20.03.2012, DJe 28.03.2012; AgRg-Ag 1310091/SP, 2ª T., Rel. Min.
Herman Benjamin, J. 02.09.2010, DJe 24.09.2010; e REsp 1180299/MG, 2ª T.,
Relª Min. Eliana Calmon, J. 23.03.2010, DJe 08.04.2010. 2. Caso em que o Tribu-
nal local se limitou a assentar que a ação fora ajuizada após o quinquênio legal,
sem que houvesse o prequestionamento do marco inicial da pretensão executó-
ria. 3. Neste contexto, acolher as razões recursais demandaria, necessariamente,
exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em
recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo re-
gimental a que se nega provimento. (AgRg-AREsp 483947, (2014/0051129-5),
1ª T., Rel. Min. Sérgio Kukina (1155), DJ 16.06.2014, DJe 24.06.2014)

Sobre o tema, faz-se mister destacar a existência da Súmula nº 397 do STJ


nos seguintes termos:
STJ. Súmula nº 397, 23.09.2009, DJe 07.10.2009
IPTU – Notificação do Lançamento
O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu
endereço.

Segundo o STJ:
A remessa ao endereço do contribuinte do carnê de pagamento do Imposto Pre-
dial e Territorial Urbano (IPTU) é suficiente para notificá-lo do lançamento tri-
butário. Tal entendimento, pacificado na Primeira Seção do Superior Tribunal
de Justiça no julgamento de um recurso especial pelo rito da Lei dos Recursos
Repetitivos (Lei nº 11.672/2008), está contido na Súmula nº 397.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.111.124, que embasou a sú-


mula, os ministros definiram, ainda, que cabe ao contribuinte apresentar as
provas de que não recebeu o carnê de cobrança e aquelas visando a afastar a
presunção de certeza e liquidez do título, não sendo possível alegar prescrição
ou decadência pela demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da
Justiça.
O Ministro Teori Albino Zavascki relatou esse caso baseando sua decisão
em vários precedentes do STJ no sentido de que o envio do carnê é ato sufi-
ciente para caracterizar a notificação do lançamento do IPTU, competindo ao
contribuinte excluir a presunção de certeza e liquidez do título daí decorrente.
No julgamento de 2007 (REsp 842771), a Primeira Turma, seguindo o entendi-
mento do relator, Ministro Francisco Falcão, concluiu que, em se tratando de
IPTU e outras taxas municipais, o lançamento é direto ou de ofício, verificado
pela Fazenda Pública, que detém todas as informações para a constituição do
crédito, e consignado em forma de carnê enviado ao endereço do imóvel. Tal
recebimento importa em verdadeira notificação, dispensando aquela por meio
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................. 61
de processo administrativo. Assim, a falta de demonstração da notificação pes-
soal não anula a execução.
A Segunda Turma, o outro colegiado que completa a Primeira Seção,
também vem julgando nesse mesmo sentido. No REsp 868629, cujo relator foi
o Ministro Castro Meira, a Turma decidiu que “o envio do carnê de cobrança
do valor devido a título de IPTU ao endereço do contribuinte configura a notifi-
cação presumida do lançamento do tributo. Para afastar tal presunção, cabe ao
contribuinte comprovar o não recebimento do carnê”.

DA PECULIARIDADE DE CADA MUNICÍPIO


Conforme já esposado, a regra geral estabelecida pelo STJ é no sentido
de que o marco inicial, para fins de prescrição do IPTU, é a notificação do
lançamento ao contribuinte que se dá com a entrega do respectivo carnê. Em
havendo data diferente para o pagamento do tributo, ou seja, se o vencimento
for posterior à entrega dos carnês, a regra será excepcionada, passando o marco
inicial a ser a data seguinte à do vencimento.
Nessa linha de raciocínio, temos que os municípios possuem discricio-
nariedade para estabelecerem as datas referentes ao lançamento, à notificação
e ao vencimento do tributo, podendo estas ser, inclusive, distintas. Assim, cada
ente federativo municipal, de acordo com a conveniência e oportunidade, pre-
determina o momento em que as regras quanto ao marco inicial da prescrição
irão ocorrer, respeitando, por óbvio, as normas gerais estabelecidas pelo Código
Tributário Nacional e o Código Tributário Local. 
Partindo dessa premissa, vislumbra-se a existência de julgados nos Tri-
bunais Superiores e também no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de o
marco inicial para a contagem da prescrição ser o 1º de janeiro de determinado
ano. Isso porque o lançamento e a notificação ao contribuinte efetivamente
ocorreram nesta data.
Assim, não existe uma data específica para o marco inicial da prescrição
aplicável a todos os municípios da Federação, podendo coincidir com o primei-
ro dia do ano, caso o lançamento e a notificação tenham ocorrido nesta data,
ou, em data distinta, se o lançamento e a notificação assim ocorrerem. A pecu-
liaridade de cada município, nesse aspecto, deve ser levada em consideração
para a aplicação da regra estabelecida e sumulada pelo STJ.

HIPÓTESES DE SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO


Cumpre ainda destacar que o art. 174 do CTN, juntamente com o
art. 151 do CTN elencam, respectivamente, as causas de interrupção e de sus-
pensão da prescrição, a saber:
62 R���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos,
contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pela citação pessoal feita ao devedor;
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação
dada pela LCP 118, de 2005)
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reco-
nhecimento do débito pelo devedor.
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies
de ação judicial; (Incluído pela LCP 104, de 10.01.2001)
VI – o parcelamento. (Incluído pela LCP 104, de 10.01.2001)

CONCLUSÃO
Pelas considerações acima esposadas e pelos julgados colacionados,
conclui-se que a Fazenda Pública deve entender como termo inicial para a con-
tagem do prazo prescricional a data em que enviou o carnê para a parte reque-
rente. Outrossim, deve levar em consideração ainda a data do vencimento, ou
seja, se o vencimento for posterior à data em que o contribuinte foi notificado
para o pagamento, o marco inicial para contagem da prescrição será a data do
vencimento.
Ademais, no que diz respeito às causas de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário (art. 151 do CTN) e também às causas de interrupção da pres-
crição (art. 174, parágrafo único, do CTN), a Fazenda Municipal deve verificar
se houve ou não a ocorrência de alguma delas. Em caso positivo, possivelmente
haverá alteração do prazo para que a Fazenda execute os débitos referentes ao
tributo.
Assunto Especial – Acórdão na Íntegra
IPTU

2127

Superior Tribunal de Justiça


AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 789.835 – SP (2015/0245475-4)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Agravante: Fundação Richard Hugh Fisk
Advogado: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)
Agravado: Município de São Paulo
Procurador: Pedro Pinheiro Orduña e outro(s)

EMENTA
TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – IPTU –
ILEGITIMIDADE ATIVA DO LOCATÁRIO PARA POSTULAR DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRECEDENTES
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de
que “o locatário, por não ostentar a condição de contribuinte ou de
responsável tributário, não tem legitimidade ativa para postular a de-
claração de inexistência de relação jurídica tributária, bem como a re-
petição de indébito referente ao IPTU, à Taxa de Conservação e Limpe-
za Pública ou à Taxa de Iluminação Pública” (AgRg-REsp 836.089/SP,
Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, Julgado em 23.02.2011,
DJe 26.04.2011).
2. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de
julgamento:
“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
64 R��������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins,
Herman Benjamin e Og Fernandes (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Re-
lator.
Brasília (DF), 03 de novembro de 2015.

Ministro Mauro Campbell Marques,


Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se de
agravo regimental (fls. 655/658e) apresentado em face de decisão monocrática
assim ementada:
TRIBUTÁRIO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – IPTU – ILEGITIMIDADE
ATIVA DO LOCATÁRIO PARA POSTULAR DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA
DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRECE-
DENTES – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO
ESPECIAL.

O agravante alega, em síntese, que como é entidade imune ao IPTU, de-


veria ser legitimada para pleitear a restituição de tributos de natureza real, como
é o IPTU, cujo pagamento lhe imposto pelo inquilino.
Requer a reconsideração da decisão agravada ou o julgamento colegiado
da controvérsia.
É o relatório.

EMENTA
TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – IPTU –
ILEGITIMIDADE ATIVA DO LOCATÁRIO PARA POSTULAR DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRECEDENTES
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de
que “o locatário, por não ostentar a condição de contribuinte ou de
responsável tributário, não tem legitimidade ativa para postular a de-
claração de inexistência de relação jurídica tributária, bem como a re-
petição de indébito referente ao IPTU, à Taxa de Conservação e Limpe-
za Pública ou à Taxa de Iluminação Pública” (AgRg-REsp 836.089/SP,
Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, Julgado em 23.02.2011, DJe
26.04.2011).
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA............................................................................................ 65
2. Agravo regimental não provido.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Não há como
acolher a irresignação, porquanto o agravante não trouxe argumento capaz de
infirmar as razões consideradas na decisão agravada, fundamentada na orienta-
ção pacificada desta Corte acerca dos temas trazidos a exame.
Com efeito, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é no sen-
tido de que “o locatário, por não ostentar a condição de contribuinte ou de
responsável tributário, não tem legitimidade ativa para postular a declaração
de inexistência de relação jurídica tributária, bem como a repetição de indébito
referente ao IPTU, à Taxa de Conservação e Limpeza Pública ou à Taxa de Ilu-
minação Pública” (AgRg-REsp 836.089/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em
23.02.2011, DJe 26.04.2011).
Ainda nesse sentido:
TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO – IPTU – RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO – LEGI-
TIMIDADE ATIVA DO DESTINATÁRIO DO CARNÊ – IMPOSSIBILIDADE – EN-
TENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ NO AGRG-RESP 836.089/SP

1. Configura-se matéria de direito o debate acerca da legitimidade ativa para


postulação de repetição de indébito de IPTU.

2. O entendimento da Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça é pela


impossibilidade de que pessoa diferente do proprietário do imóvel seja legitima-
do ativo para postular repetição de indébito de IPTU, uma vez que, seja locatário,
seja destinatário do carnê, a obrigação contratual entre este e o proprietário do
imóvel (contribuinte) não pode ser oponível à Fazenda (AgRg-REsp 836.089/SP,
Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., DJe 26.04.2011).

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-Ag-Rg-AREsp 143.631/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em


04.10.2012, DJe 10.10.2012)

TRIBUTÁRIO – IPTU, TAXA DE COLETA DE LIXO E LIMPEZA PÚBLICA – TCLLP


– REPETIÇÃO DE INDÉBITO – ILEGITIMIDADE ATIVA DO LOCATÁRIO – PRES-
CRIÇÃO – TERMO INICIAL

1. O locatário, por não deter a condição de contribuinte, não possui legitimidade


ativa para postular a declaração de inexistência da relação jurídica tributária,
bem como a repetição de indébito referente ao IPTU e à TCLLP.
66 R��������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
2. É cediço na Corte que o locatário é parte ilegítima para impugnar o lançamen-
to do IPTU, porquanto não se enquadra na sujeição passiva como contribuinte e
nem como responsável tributário.
3. A prescrição para o ajuizamento de demanda repetitória se perfaz no lapso de
cinco anos, contados da extinção do crédito tributário, relativamente a tributos
sujeitos a lançamento de ofício, tais como o IPTU e a TCLLP, a despeito da data
da declaração de inconstitucionalidade da lei tributária, em controle direto ou
difuso, que não enseja a reabertura do prazo prescricional.
4. Precedentes das Turmas integrantes da Primeira Seção que versam sobre a
ilegitimidade do locatário e sobre a prescrição: REsp 757897/RJ, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, 1ª T., DJ de 06.03.2006; AgRg-REsp 687603/RJ, Relª Min. Eliana
Calmon, 2ª T., DJ de 26.09.2005; REsp 683397/RJ, Rel. Min. Castro Meira, 2ª
T., DJ de 22.08.2005; REsp 703600/RJ, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., DJ de
13.06.2005; e AgRg no Ag 590294/SP, Relª Min. Denise Arruda, 1ª T., DJ de
11.04.2005.
5. Recurso especial provido. (REsp 721.862/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T.,
DJ 18.05.2006)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC CON-


FIGURADA – DISPENSA DA REMESSA DOS AUTOS A INSTÂNCIA DE ORIGEM
PARA NOVO JULGAMENTO – INTELIGÊNCIA DO ART. 249, § 2º, DO CPC –
IPTU – LOCATÁRIO – ILEGITIMIDADE ATIVA – PRECEDENTES
Nos termos do art. 249, § 2º, do CPC – e tendo em vista os princípios da instru-
mentalidade, economia, efetividade e celeridade processual – torna-se desneces-
sária a remessa dos autos à instância ordinária se os atos processuais puderem ser
aproveitados por este Tribunal de forma favorável ao recorrente.
É firme a jurisprudência deste eg. Tribunal de que o locatário não é parte legítima
para figurar no pólo ativo ou passivo de demandas acerca da cobrança de IPTU.
Recurso especial conhecido e provido para extinguir o processo, sem julgamento
do mérito, condenando o vencido nas custas e honorários, que arbitro em 2%
(dois por cento) sobre o valor da causa. (REsp 729.769/RJ, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, 2ª T., DJ 04.05.2006)

Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
AgRg-AREsp 789.835/SP Número Registro: 2015/0245475-4
Números Origem: 00533445220078260000 053040103059
0684316.5/0-00 1030504 53040103059 533445220078260000
6843165000 94404 994.07.053344-7 994070533447
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA............................................................................................ 67
Pauta: 03.11.2015 Julgado: 03.11.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Sandra Verônica
Cureau
Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AUTUAÇÃO
Agravante: Fundação Richard Hugh Fisk
Advogado: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)
Agravado: Município de São Paulo
Procurador: Pedro Pinheiro Orduña e outro(s)
Assunto: Direito Tributário – Impostos – IPTU/Imposto Predial e Territorial
Urbano

AGRAVO REGIMENTAL
Agravante: Fundação Richard Hugh Fisk
Advogado: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)
Agravado: Município de São Paulo
Procurador: Pedro Pinheiro Orduña e outro(s)

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-
grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins,


Herman Benjamin e Og Fernandes (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Re-
lator.
Assunto Especial – Ementário
IPTU

2128 – IPTU – cobrança – imóvel da extinta RFFSA – imunidade recíproca – impossibilidade

“Embargos de declaração. Execução fiscal. Cobrança de IPTU sobre imóvel da extinta RFFSA.
Imunidade recíproca. Natureza jurídica da RFFSA. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao
examinar o RE 599.176 RG/PR, de que foi relator o Ministro Joaquim Barbosa (DJe 30.10.2014),
decidiu, sob o regime da repercussão geral (art. 543-B do CPC), que o princípio da imunidade
tributária recíproca não se aplica aos débitos de IPTU relativo a imóveis da extinta RFFSA. 2. Na
ocasião, foi ressaltado que a RFFSA não fazia jus à imunidade tributária, por se tratar de sociedade
de economia mista, constituída sob a forma de sociedade, e submetida, portanto, ao Regime Jurí-
dico das Pessoas Jurídicas de Direito Privado, inclusive quanto ao regime tributário, por expressa
disposição do art. 173, § 1º, inciso II, da CRFB/1988, embora, ao final, o STF tenha esclarecido
que a questão decidida limitava-se à responsabilização no caso de sucessão. 3. Não obstante o
STF venha estendendo a imunidade tributária recíproca às empresas públicas e às sociedades de
economia mista prestadoras de serviços públicos, estabelece claras condições para o gozo do be-
nefício fiscal, que visam impedir o desvirtuamento de suas funções no sistema constitucional (Tri-
bunal Pleno, RE 601392/PR, rel. Orig. Min. Joaquim Barbosa, Red. p/ o Ac. Min. Gilmar Mendes,
DJe 28.02.2013, julgado sob o rito do art. 543-B do CPC). 4. Ocorre que a natureza da RFFSA e
dos serviços por ela prestados, que sempre foram exercidos sob o regime de concorrência, não se
confunde com a verificada nas hipóteses em que o STF reconheceu o direito à imunidade a outras
sociedades de economia mista ou empresas públicas, como, por exemplo, da própria Codesp,
responsável pela exploração de portos e com 99,7% do capital pertencente à União, da ECT,
responsável pela manutenção do serviço postal nacional de que trata a CRFB/1988, sob o regime
de monopólio, e da Infraero, que presta, também em regime de monopólio, serviços de infraes-
trutura aeroportuária. 5. Caberá, então, à União Federal, sucessora da empresa, nos termos da Lei
nº 11.483/2007, quitar o débito. 5. Embargos de declaração da União parcialmente providos, sem
atribuição de efeitos infringentes.” (TRF 2ª R. – AC 2013.51.04.001107-4 – 4ª T.Esp. – Relª Desª
Fed. Leticia de Santis Mello – DJe 23.07.2015)

2129 – IPTU e taxas – art. 166 do CTN – comprovação de inexistência de repasse de imposto –
desnecessidade

“Processual civil e tributário. Embargos de divergência no recurso especial. IPTU e taxas. Repe-
tição de indébito. Art. 166 do CTN. Desnecessidade de comprovação da inexistência de repasse
do imposto. Tributo direto. 1. O art. 166 do Código Tributário Nacional, não tem aplicabilidade
aos tributos diretos, como via de regra, são o IPTU e as taxas incidentes sobre o imóvel, vez que
referidas exações não podem ser enquadradas no rol de tributos que comportem, por sua natu-
reza, transferência do referido encargo. 2. Precedentes: AgRg-REsp 791.261/RJ, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 02.06.2009, DJe 15.06.2009; REsp 916.877/RJ, Rel. Min.
Castro Meira, 2ª T., Julgado em 24.04.2007, DJ 08.05.2007, p. 166; EDcl-AgRg-REsp 633.775/RJ,
Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 05.12.2006, DJ 18.12.2006, p. 311; REsp 778.162/SP, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, 2ª T., Julgado em 21.03.2006, DJ 19.04.2006, p. 127. 3. Embargos
de divergência providos.” (STJ – ED-REsp 775.761 – (2010/0053321-7) – 1ª S. – Rel. Min. Mauro
Campbell Marques – DJe 30.09.2015)
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO............................................................................................................ 69
2130 – IPTU – imóvel afeto ao programa de arrendamento residencial – imunidade – confi­
guração
“Tributário. Execução fiscal. Imóvel afeto ao programa de arrendamento residencial. CEF. IPTU.
Imunidade reconhecida. I – Da análise da Lei nº 10.188/2001, infere-se que o Ministério das Cida-
des, Órgão desconcentrado do Poder Executivo Federal, é o gestor do Programa de Arrendamento
Residencial. Além disso, os bens imóveis afetos ao Programa integram o patrimônio da União.
II – Os bens e direitos da União são insuscetíveis de tributação, sendo esse o regramento aplicável
quanto a tais recursos, ainda que revertidos na aquisição dos bens imóveis pela Gestora, a CEF,
uma vez em nenhum momento haver seu destacamento do patrimônio da União, como expressa-
mente disposto pela legislação reguladora do tema. III – Portanto, os imóveis destinados ao PAR
constituem patrimônio da União, apenas destacado para afetação à finalidade pública preconizada
pela citada Lei nº 10.188/2001, sendo ilegítima a cobrança posta quanto ao IPTU, face à imunidade
prevista no art. 150, VI, a, da CF/1988. IV – Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0002002-
61.2014.4.03.6133/SP – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Alda Basto – DJe 17.08.2015)

2131 – IPTU – imóvel pertencente à União – concessão de uso – ausência de animus domini –
imposto cobrado do concessionário – impossibilidade
“Processual civil e tributário. Agravo regimental no recurso especial. IPTU. Violação do art. 535 do
CPC não configurada. Concessão de uso. Imóvel pertencente à União. Relação de direito pessoal.
Ausência de animus domini. Imposto cobrado do concessionário. Impossibilidade. 1. Não houve
violação do art. 535 do CPC, porquanto a insurgência aduzida não diz respeito à eventual vício
de integração do acórdão impugnado, mas à interpretação desfavorável, motivação essa que não
se enquadra nas hipóteses de cabimento dos aclaratórios. 2. Esta Corte possui a orientação de que
é descabida a cobrança do IPTU do concessionário de imóvel público, pois detentor de posse
fundada em relação de direito pessoal, sem animus domini. Precedentes: AgRg-REsp 1.034.641/RJ,
Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 29.10.2013; AgRg-REsp 1.381.034/RJ, Rel. Min. Humberto
Martins, 2ª T., DJe 26.08.2013. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.398.806 –
(2013/0276025-6) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 28.08.2015)

2132 – IPTU – imunidade – propriedade da via eleita – Súmula nº 7/STJ – aplicabilidade


“Tributário e processual civil. Violação do art. 535 do CPC. Inexistente. IPTU. Imunidade. Requi-
sitos. Exceção de pré-executividade. Propriedade da via eleita. Súmula nº 7/STJ. 1. nos termos de
jurisprudência pacífica do STJ, ‘não há violação ao art. 535, II, do CPC se o acórdão recorrido, ao
solucionar a controvérsia, analisa as questões a ele submetidas, dando ao direito a interpretação
que, sob sua ótica, se coaduna com a espécie. O fato de a interpretação não ser a que mais satisfaça
ao recorrente não tem o condão de macular a decisão atacada, a ponto de determinar provimento
jurisdicional desta Corte no sentido de anular o julgamento proferido pela instância de origem,
mesmo porque o órgão a quo, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários so-
bre todos os argumentos e preceitos legais listados pelas partes” (AgRg-AREsp 62.424/RS, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 22.11.2011, DJe 01.12.2011). 2. Cabe ao contribuinte
comprovar o preenchimento dos requisitos do art. 14 do CTN, sob pena de suspensão do benefício
tributário, caso constatada sua concessão indevida (art. 14, § 1º, do CTN). Concluindo o Tribunal
de origem que os documentos apresentados são aptos a conceder a imunidade prevista no art.
150, inciso VI, alínea c, § 4º, da Constituição Federal, a modificação da conclusão demandaria o
reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de
violação da Súmula nº 7/STJ. 3. Entendimento contrário ao da Corte de origem quanto à propriedade
da via eleita demandaria a incursão no contexto fático dos autos, impossível na via eleita processual
70 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO
escolhida pelo recorrente, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (STJ –
AgRg-Ag-REsp 789.362 – (2015/0243262-7) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 13.11.2015)

2133 – IPTU – lançamento complementar – Súmula nº 282/STF – alteração da situação do imó­


vel – reexame de matéria fático-probatória – impossibilidade

“Tributário. IPTU. Possibilidade de lançamento complementar dentro do prazo decadencial. Au-


sência de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Alteração da situação do imóvel. Reexame de
matéria fático-probatória. Impossibilidade de análise. Súmula nº 7/STJ. 1. A matéria pertinente à
possibilidade de lançamento complementar do IPTU dentro do prazo decadencial não foi apreciada
pela instância judicante de origem, tampouco foram opostos embargos declaratórios para suprir
eventual omissão. Portanto, ante a falta do necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula
nº 282/STF. 2. Para se chegar à conclusão pretendida pela parte recorrente, de que teria havido erro
de fato no lançamento do IPTU, em razão da alteração da situação fática do imóvel, possibilitando
a sua revisão de ofício e, consequentemente, o lançamento complementar, seria necessário novo
exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, a
teor do óbice previsto na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental a que
se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.241.210 – (2011/0050166-5) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio
Kukina – DJe 12.06.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE


• Súmula do Supremo Tribunal Federal:
“282 – É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a
questão federal suscitada.”
• Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
“7 – Pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

2134 – IPTU – RFFSA – sucessão tributária pela União – imunidade recíproca – não incidência

“Tributário. Embargos à execução fiscal. IPTU. RFFSA. Sucessão tributária pela União. Imunidade
recíproca. Não incidência. Titularidade do bem no momento do fato gerador. RE 599.176/PR. Ju-
risprudência do STF firmada em repercussão geral. Prescrição. Inocorrência. Inversão dos ônus da
sucumbência. A questão posta em exame diz respeito à cobrança, por parte do Município de São
Paulo, de IPTU dos exercícios de 2005, 2006 e 2007 de IPTU que ensejou a inscrição nº 519.563-2,
sobre imóvel pertencente à época dos fatos geradores, à Fepasa – Ferrovia Paulista S/A, empresa
incorporada à RFFSA pelo Decreto nº 2.502, de 18.02.1998. O Plenário do STF, por votação unâ-
nime, no julgamento do RE 599.176/PR, de Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, Julgado em
05.06.2014, com repercussão geral reconhecida, assentou entendimento de que não se aplica o
princípio da imunidade tributária recíproca a débito de IPTU devido pela extinta Rede Ferroviária
Federal S/A (RFFSA), afastando jurisprudência firmada em sentido contrário. Caberá à União, por
força da Lei nº 11.483/2007, quitar o débito de IPTU devido pela extinta RFFSA. O tributo em ques-
tão refere-se aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, com vencimentos em 22.04.2005, 24.04.2006
e 20.03.2007, respectivamente, datas que devem ser consideradas, portanto, como os termos ini-
ciais dos prazos prescricionais. Não ocorreu a prescrição, haja vista que das datas dos referidos
vencimentos, até o ajuizamento da ação em 09.04.2010, não decorreu o prazo superior a 05 anos.
Inverto os ônus da sucumbência e condeno a União Federal ao pagamento das custas processuais
e da verba honorária que fixo em 10% do valor corrigido da execução, o que faço com base no
art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil. Apelação a que se dá provimento.” (TRF 3ª R. –
AC 0020365-17.2012.4.03.6182/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 26.06.2015)
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO............................................................................................................ 71
Comentário Editorial SÍNTESE
Trata-se de embargos à execução fiscal opostos em face da execução movida pelo Município
de São Paulo contra a União Federal.
A ação movida pelo Município de São Paulo foi referente à cobrança de IPTU dos anos de
2005, 2006 e 2007, sobre imóvel pertencente na época dos fatos à Fepasa – Ferrovia Pau-
lista S/A.
A sentença com fulcro no art. 269, I, do CPC combinado com o art. 1º da Lei nº 6.830/1980,
acolheu os embargos à execução para decretar a prescrição do crédito referente ao ano 2005,
desconstituindo os demais créditos fiscais colacionados na inicial e declarando a extinção do
feito. Condenou a embargada ao pagamento dos honorários advocatícios.
Inconformado, o Município de São Paulo apelou sustentando que não houve a prescrição
quinquenal, tão pouco a existência de imunidade do IPTU.
O nobre Relator, em seu voto entendeu:
“[...]
No que toca à alegação da prescrição, especificamente, em relação ao IPTU, a autoridade
administrativa tem a atribuição de verificar, anualmente, a situação do imóvel, e proceder ao
lançamento, conforme disposto no art. 149 do CTN.
Assim, verificado o lançamento dessa exação, que é automático e direto, presume-se sua
notificação com a remessa do carnê ao contribuinte, cabendo a este o ônus da prova de seu
eventual não recebimento, entendimento pacificado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, em
regime de julgamento de recursos repetitivos, in verbis:
‘PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – LANÇAMENTO – NOTIFI-
CAÇÃO MEDIANTE ENTREGA DO CARNÊ – LEGITIMIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – DEMORA
NA CITAÇÃO NÃO IMPUTÁVEL AO EXEQUENTE – SÚMULA Nº 106/STJ
1. A jurisprudência assentada pelas Turmas integrantes da 1ª Seção é no sentido de que a
remessa, ao endereço do contribuinte, do carnê de pagamento do IPTU é ato suficiente para a
notificação do lançamento tributário.
2. Segundo a Súmula nº 106/STJ, aplicável às execuções fiscais, “Proposta a ação no prazo
fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da
Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”
3. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do
CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.’
(REsp 1.111.124/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., DJe 04.05.2009)
‘TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – IPTU/TLP – LANÇAMEN-
TO – ENTREGA DA GUIA DE RECOLHIMENTO AO CONTRIBUINTE – NOTIFICAÇÃO PRESU-
MIDA – ÔNUS DA PROVA – MATÉRIA JULGADA SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC
(RESP 1.111.124/PR)
1. A notificação do lançamento do IPTU e das taxas municipais ocorre com o envio da cor-
respondente guia de recolhimento do tributo para o endereço do imóvel ou do contribuinte,
com as informações que lhe permitam, caso não concorde com a cobrança, impugná-la admi-
nistrativa ou judicialmente. Para afastar tal presunção, cabe ao contribuinte comprovar o não
recebimento da guia.
2. Entendimento pacificado pela Primeira Seção que, sob o regime do art. 543-C do CPC, jul-
gou o REsp 1.111.124/PR, ratificando a jurisprudência no sentido de que o envio do carnê do
IPTU ao endereço do contribuinte configura notificação presumida do lançamento do tributo.
3. Agravo regimental não provido.’
(AgRg-REsp 1179874/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 28.09.2010)
‘TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – ENVIO DO CARNÊ DE PAGAMENTO – NOTIFI-
CAÇÃO PRESUMIDA – ÔNUS DA PROVA DO NÃO RECEBIMENTO
1. A decisão agravada foi baseada na jurisprudência pacífica desta Corte, ao entender que o
envio do carnê de cobrança do IPTU ao contribuinte é ato suficiente para notificação do lança-
mento tributário, cabendo a este o ônus de provar o seu não recebimento.
2. Entendimento ratificado pela Primeira Seção deste Tribunal, ao julgar o REsp 1.111.124/PR,
mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos).
3. Agravo regimental não provido.’
(AgRg-REsp 1194979/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 02.12.2010)
Repise-se, por oportuno, que a questão foi sumulada pelo próprio STJ, nos seguintes termos:
72 R�������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO
‘Súmula nº 397: O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao
seu endereço.’
Destarte, ainda que não haja prova de remessa da guia do carnê, a higidez do lançamento
do tributo segue intacta, subsistindo a liquidez da Certidão de Dívida Ativa que lastreia a
execução fiscal.
[...]
In casu, observa-se que o tributo em questão refere-se aos exercícios de 2005, 2006 e 2007,
com vencimentos em 22.04.2005, 24.04.2006 e 20.03.2007, respectivamente, datas que
devem ser consideradas, portanto, como os termos iniciais dos prazos prescricionais.
Logo, não ocorreu a prescrição, haja vista que das datas dos referidos vencimentos, até o
ajuizamento da ação em 09.04.2010, não decorreu o prazo superior a 05 anos.
Por fim, inverto os ônus da sucumbência e condeno a União Federal ao pagamento das custas
processuais e da verba honorária que fixo em 10% do valor corrigido da execução, o que faço
com base no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil.
Ante o exposto, dou provimento à apelação.
É como voto.”
Dessa forma, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento à apelação.

2135 – IPTU – sucessão patrimonial pela União – art. 515, § 2º do CPC – aplicabilidade
“Embargos à execução fiscal. IPTU. Prescrição afastada. Aplicação do art. 515, § 2º, do CPC. Su-
jeito passivo originário. Extinta RFFSA. Sucessão patrimonial pela União Federal, por força da Lei
nº 11.483/2007. Análise das demais questões suscitadas na exordial, por força do art. 515, § 2º,
do CPC. Entrega da guia de recolhimento ao contribuinte. Notificação presumida. Presunção de
informação quanto à data do vencimento do tributo. Ônus da prova imputável ao contribuinte.
Aplicação do Enunciado nº 397 da Súmula do STJ. Fatos geradores ocorridos antes da sucessão. A
União Federal responderá pelo débito. Imunidade tributária recíproca da RFFSA. Inaplicabilidade.
TSU. Inconstitucionalidade. 1. O termo interruptivo da prescrição nas execuções fiscais depende
da data em que foi proferido o despacho citatório. Se anterior à alteração do art. 174 do CTN pela
Lei Complementar nº 118/2005, considera-se a citação pessoal do devedor. Se posterior à altera-
ção legal, considera-se o próprio despacho citatório. 2. Em ambos os casos, a interrupção deve
retroagir à data da propositura da ação, conforme estabelece o art. 219, § 1º, do CPC, que neste
ponto complementa a norma de direito material (REsp 1120295/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., DJe
de 21.05.2010). 3. Medida que é coerente com o próprio conceito de prescrição, que se relaciona,
unicamente, com a inércia do titular da pretensão, impedindo que o autor seja prejudicado por
demora decorrente de mecanismo da justiça (Súmula nº 106 do STJ). 4. No presente caso, como o
crédito tributário em cobrança se refere a fatos geradores ocorridos em 1994 e 1995, tendo sido a
execução fiscal ajuizada dentro do quinquênio legal, em 1999, a citação da Embargante, realizada
no ano seguinte, retroagiu a essa data, razão pela qual deve ser afastada a prescrição reconhecida
pela sentença hostilizada, com fundamento no art. 174 do CTN c/c § 1º, do art. 219, do CPC.
5. Análise das demais questões suscitadas nos presentes embargos à execução, por força do art. 515,
§ 2º, do CPC: (i) no que se refere à alegação de que o magistrado que atua na execução fiscal em
apreço determinou citação não requerida pelo exequente, deve ser mantido o reconhecimento da
preclusão assentado na sentença recorrida, tendo em vista a ausência de elementos nos autos que
permitam concluir de modo diverso do Juízo a quo; (ii) no que se refere à ilegitimidade ativa, cabia
à Embargante comprovar que os imóveis não seria da RFFSA, nos termos do art. 333, I, do CPC, o
que não fez; e (iii) ‘o contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu
endereço’ e milita em favor do Fisco Municipal a presunção de que a notificação foi entregue ao
contribuinte – com todas as informações necessárias à ampla defesa do contribuinte, dentre elas a
data do vencimento para pagamento do tributo. 6. Quanto à imunidade tributária ao IPTU, o Ple-
nário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 599.176 RG/PR, de que foi relator o Ministro
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO............................................................................................................ 73
Joaquim Barbosa (DJe 30.10.2014), decidiu, sob o regime da repercussão geral (art. 543-B do CPC),
que não se aplica aos débitos de IPTU relativo a imóveis da extinta RFFSA. Não obstante o STF ve-
nha estendendo a imunidade tributária recíproca às empresas públicas e às sociedades de economia
mista prestadoras de serviços públicos, estabelece claras condições para o gozo do benefício fiscal,
que visam impedir o desvirtuamento de suas funções no sistema constitucional (Tribunal Pleno, RE
601392/PR, Rel. Orig. Min. Joaquim Barbosa, Red. p/ o Ac. Min. Gilmar Mendes, DJe 28.02.2013,
julgado sob o rito do art. 543-B do CPC). Ocorre que tais condições não foram atendidas pela RFFS,
tendo em vista a sua natureza e a dos serviços por ela prestados, que sempre foram exercidos sob o
regime de concorrência. Caberá, então, à União Federal, sucessora da empresa, nos termos da Lei
nº 11.483/2007, quitar o débito. 7. No que se refere à TSU, a jurisprudência vem firmando o enten-
dimento de que possui a mesma natureza da TCLLP, cuja inconstitucionalidade já foi reconhecida
pelo STF, por inobservância ao art. 145, II, da CRFB/1988, tendo em vista se encontrar vinculada a
serviço de caráter universal, imensuráveis e insuscetíveis de serem individualizadas, o que vai de
encontro ao caráter contraprestacional das taxas. 8. Apelação do Município de Três Rios e remessa
necessária a que se dá provimento para reformar a sentença que pronunciou a prescrição e, na for-
ma do art. 515, § 2º, do CPC, julgar parcialmente procedente o pedido para afastar a cobrança da
TSU objeto da Execução Fiscal nº 2005.51.13.000575-3, bem como aplicar ao caso a regra alusiva
à sucumbência recíproca prevista no art. 21 do CPC.” (TRF 2ª R. – AC 2009.51.13.000008-6 –
4ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Leticia de Santis Mello – DJe 16.10.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE


Código de Processo Civil:
“Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
[...]
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um
deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.”
Parte Geral – Doutrina
Alienação Fiduciária em Xeque: a Visão do Superior Tribunal de
Justiça
LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR
Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela
PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da EPD,
Professor Titular do Curso de Mestrado em Direito da EPD, Professor de Direito Civil e Me-
diação e Direito Arbitral nos Cursos de Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – Teoria e Prática.

Até recentemente, a jurisprudência pátria parecia contemplar a alienação


fiduciária de bem imóvel, prevista na Lei nº 9.514/1997, como o porto seguro
dos credores no mercado imobiliário.
Com efeito, nos termos dos arts. 26 e 27 da Lei da Alienação Fiduciária
de Imóvel (Lei nº 9.514/1997), com a mora, basta ao fiduciário-credor levar a
efeito a notificação do fiduciante-devedor e, diante da ausência da purgação da
mora no prazo de quinze dias, mediante simples recolhimento do ITBI, observar
a consolidação da propriedade em seu nome na matrícula.
Seguem-se tranquilamente os leilões, sendo o primeiro no prazo de até
trinta dias da data da consolidação na matrícula pelo preço de avaliação deter-
minado no contrato, e o segundo, frustrado o primeiro pelo valor de avaliação,
em até quinze dias do primeiro leilão pelo preço mínimo da dívida.
Pelo menos essa é a solução linear e simples adotada pela sistemática da
alienação fiduciária de bem imóvel, atrativa para os credores e terrivelmente
violenta para os devedores, que podem ver o investimento ruir no segundo
leilão quando o imóvel, em verdade concedido em garantia, pode ser alienado
pelo valor da dívida.
Nada sobrando da venda pelo preço mínimo da dívida no segundo lei-
lão, o valor investido transforma-se literalmente e integralmente em pó.
Aliás, essa ainda é a posição jurisprudencial espelhada no seguinte aresto
da pena do Desembargador Carlos Alberto Garbi, do Tribunal de Justiça de São
Paulo:
Ação de cobrança. Compromisso de compra e venda com financiamento imobi-
liário e pacto adjeto de alienação fiduciária. Inadimplemento dos compradores.
[...]. Restituição das parcelas pagas. Inadmissibilidade. Impossibilidade de apli-
cação do art. 53 do CDC. Consolidação da propriedade em nome da fiduciária.
Arrematação do bem. Inexistência de saldo em favor dos autores. Restituição
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 75
de parte do montante pago a ser apurado segundo as regras do art. 27 da Lei
nº 9.514/1997. [...] Não é o caso de se aplicar o art. 53 do Código de Defesa
do Consumidor, permitindo a restituição das parcelas pagas pelos autores, tam-
pouco de se reconhecer a rescisão do contrato que já foi rescindido. A hipótese
dos autos trata de compromisso de compra e venda com alienação fiduciária em
garantia, disciplinada pela Lei nº 9.514/1997, de modo que vencida e não paga
a dívida, constituído em mora o fiduciante, a propriedade do imóvel se consolida
em nome do fiduciário. 3. A ré cumpriu integralmente a sua prestação, entregan-
do o imóvel e celebrando o contrato de compra e venda. Financiou o preço e
tornou-se credora fiduciária, com propriedade resolúvel sobre a unidade autôno-
ma. Disso decorre não mais existir contrato bilateral a ser resolvido, por iniciativa
de qualquer das partes. Existe somente contrato unilateral de mútuo garantido
por propriedade fiduciária. 4. O inadimplemento dos autores não acarreta a re-
solução do contrato de compra e venda, perfeito e acabado. Cabia à credora
fiduciária apenas a execução do preço financiado, mediante excussão do imóvel
vinculado ao crédito garantido por propriedade fiduciária. 5. No caso, não se
verifica qualquer ilegalidade na realização do leilão pela ré, porque, diante do
confessado inadimplemento, a lei autorizava a consolidação da propriedade do
imóvel em favor do credor fiduciário (arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997). 6. De
todo modo, o reconhecimento de que não há ilegalidade na consolidação da pro-
priedade do imóvel pela ré inviabiliza a pretensão à devolução dos valores pagos
pelos autores, visto que desapareceu o fato no qual estava amparado o direito
em questão em razão da excussão do imóvel dado em garantia. 7. No caso, a ré
obteve a consolidação da propriedade do imóvel pelo valor de R$ 304.096,30,
outorgando aos compradores plena, geral e irrevogável quitação da dívida, nos
termos do § 6º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997. Portanto, descabe o pedido
de devolução dos valores pagos a título de financiamento de imóvel objeto de
alienação fiduciária em garantia, que só seria possível com o reconhecimento
de saldo favorável aos autores no leilão do imóvel garantidor da dívida, o que
não ocorreu na hipótese. 8. Sentença reformada. Provido o recurso da ré para
julgar improcedente o pedido e prejudicado o recurso dos autores. (Apelação
nº 0221567-17.2011.8.26.0100, 10ª CDPriv., Rel. Carlos Alberto Garbi, Comar-
ca: São Paulo; DJ 10.03.2015, data de registro: 12.03.2015)

Nada obstante, modificando substancialmente o panorama atual, o Supe-


rior Tribunal de Justiça, em decisões recentes, definiu algumas consequências
que não decorrem literalmente da Lei nº 9.514/1997.
Com efeito, determinou aquela Corte:
a) 
a aplicação da teoria do adimplemento substancial (Ag-REsp 710.805/SE,
2015/0111548-1, Min. Maria Isabel Gallotti);
b) a necessidade de intimação pessoal do devedor acerca data dos leilões, exigên-
cia que não consta literalmente na Lei nº 9.514/1997 (AgRg-REsp 1367704/RS,
3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 04.08.2015, DJe 13.08.2015.
76 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
No mesmo sentido: REsp 1.483.773/PE, (2014/0246459-3), Rel. Min. Raul
Araújo, J. 27.04.2015); e
c) a possibilidade de purgação da mora até a assinatura do auto de arremata-
ção (REsp 1.433.031/DF, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, 03.06.2014, e REsp
1447687/DF, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 21.08.2014).

Notadamente para permitir a purgação da mora até a data do leilão e,


principalmente, exigir a intimação pessoal do ex-fiduciante que viu a proprie-
dade ser consolidada nas mãos do credor, o STJ fundou-se em interpretação
sistemática, invocando o Decreto-Lei nº 70/1966.
Isto porque o art. 39, II, da Lei nº 9.517/1997 (Lei de Alienação Fiduciária
de Imóvel) determina a aplicação das disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-
-Lei nº 70/1966.
E, entre os dispositivos mencionados do Decreto-Lei nº 70/1966, o
art. 34 permite a purgação da mora até o leilão, e o art. 36 exige o conhecimen-
to dos leilões do imóvel pelo devedor (menciona “imóvel hipotecado”, posto
que a esta garantia se refere) – conhecimento esse que o STJ interpreta como
necessidade de intimação pessoal sob pena de nulidade dos leilões.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, além da notória insegurança
jurídica, instaurou o verdadeiro mistifório interpretativo, o que se afirma na exa-
ta medida em que, ao mesmo tempo em que permite a purgação da mora até a
data dos leilões e exige que deles o devedor (ou “ex-devedor”) deles seja intima-
do pessoalmente, admite a reintegração de posse desde a data da consolidação
da propriedade no registro de imóveis, lembrando que a consolidação se dá
depois de quinze dias da notificação para que o devedor purgue a mora (REsp
1.155.716/DF, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 13.03.2012, DJe 22.03.2012).
Em resumo, o STJ:
a) permite a reintegração de posse depois da consolidação e, de outro lado, admi-
te a purgação da mora até a data da arrematação no leilão e exige a intimação
pessoal para os leilões (com o devedor já desalojado?);
b) determina a intimação pessoal para os leilões, ainda que a lei prescreva prazos
peremptórios para realização deles depois da consolidação (até 30 dias da
consolidação para o primeiro leilão pelo valor de avaliação do imóvel cons-
tante do contrato e segundo leilão em até 15 dias do primeiro pelo valor mí-
nimo da dívida), o que pode se frustrar se o ex-fiduciante não for localizado.

Outrossim, para a consolidação da propriedade, a Lei nº 9.514/1997 exi-


ge pagamento do ITBI. Mesmo assim, o STJ permite a purgação da mora até a
arrematação.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 77
Como ficarão, assim, as despesas, o ITBI e o próprio registro da consoli-
dação na matrícula se houver purgação, já que a lei não prevê?
A toda evidência, os sistemas contemplados na Lei nº 9.514/1997 e no
Decreto-Lei nº 70/1966 não são compatíveis, e as recentes decisões colocaram
a alienação fiduciária na vala comum, com a mesma, senão maior, insegurança
se comparada à garantia hipotecária.
Caberá ao STJ esclarecer e, quiçá, pacificar o agora tumultuado entendi-
mento da matéria por força das suas próprias decisões, o que é de se lamentar,
tendo em vista que aquela Corte existe constitucionalmente, inclusive para ze-
lar pela correta interpretação da lei federal.
Parte Geral – Doutrina
As Vantagens Fiscais Proporcionadas pela Sociedade “Holding
Imobiliária”
JOÃO GLICÉRIO DE OLIVEIRA FILHO
Professor de Direito Empresarial da Faculdade de Direito da UFBA, da Escola dos Magistrados
da Bahia e da Escola Superior de Advocacia da OAB/BA, Doutor e Mestre em Direito pela
Universidade Federal da Bahia, Advogado.

LUIS HENRIQUE MONTEIRO BRECCI


Advogado, Pós-Graduando em Finanças pelo IBMEC-RJ, Bacharel em Direito pela Universida-
de Federal da Bahia.

RESUMO: No contexto atual da expansão das sociedades holdings e sua extensa utilização para fins
de planejamento tributário, este artigo pretende analisar o caso especial da holding imobiliária. O seu
escopo será o de averiguar a relevância e natureza das vantagens fiscais desse tipo de sociedade.
Analisaremos também as particularidades de cada uma das atividades comumente desenvolvidas
por uma holding, em especial a compra e venda de imóveis e a sua locação.

PALAVRAS-CHAVE: Holding; tributação; imóveis.

ABSTRACT: Within the current context of the expansion of holding companies and its extensive use
for tax avoidance purposes, this article shall analyze specifically holdings used for real estate invest-
ments. It aims at verifying the importance and the nature of the tax advantages of such company.
It shall also study the special features of each of the activities commonly developed by a holding,
notably sales and lease of real estate.

KEYWORDS: Holding company; taxation; real estate.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de holding e suas finalidades; 2 Questões fiscais relacionadas à


holding imobiliária; 2.1 Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis; 2.2 Imposto de Renda: diferen-
ças entre pessoas física e jurídica; 2.2.1 Tributação referente à locação de imóveis; 2.2.2 Tributação
referente a ganhos de capital na alienação de imóveis; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
Sabe-se que atualmente há uma onda crescente de utilização das so-
ciedades holding para diversos fins. No passado, essas espécies de sociedade
surgiram como uma forma de racionalizar o sistema de tomada de decisões de
conglomerados que possuíam diversas filiais ou atuavam em diferentes ramos.
As holdings então passaram a cuidar das decisões estratégicas do seu grupo,
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 79
especialmente na área da administração financeira, sem as interferências de
fatores externos ou particularidades das controladas.
A sua chegada ao Brasil, através de grandes empresas estrangeiras (es-
pecialmente americanas) recém-instaladas no País, acabou por incorporar tam-
bém novas funcionalidades a esse tipo de sociedade. Atualmente, observamos a
utilização de holdings precipuamente para fins de: a) planejamento sucessório,
na medida em que simplifica a distribuição dos bens através de quotas/ações da
sociedade e blinda a sociedade controlada de eventuais litígios entre herdeiros;
b) proteção patrimonial, criando um intermediário entre a sociedade opera-
cional e o sócio; c) planejamento tributário, através das reduções de encargos
fiscais.
O presente artigo busca analisar uma das vantagens atribuídas às holdings:
a redução de encargos tributários. Lança-se um olhar sobre a figura específica
da holding imobiliária, usualmente utilizada para atividades de compra, venda
e locação de bens imóveis. O escopo é de observar as vantagens e desvanta-
gens fiscais em deter imóveis em nome de uma pessoa jurídica em detrimento
da pessoa física, especialmente no tocante à incidência do Imposto de Renda
sobre as receitas auferidas da locação dos imóveis e os ganhos de capital no
contexto de sua venda. No primeiro capítulo, busca-se conceituar a noção de
holding, as suas diferentes espécies e as funcionalidades e utilidades afeitas a
essas sociedades. Posteriormente, aborda-se a questão da tributação de renda
das atividades relacionadas à holding, especialmente sob a ótica do Imposto
sobre a Transmissão de Bens Imóveis e do Imposto de Renda.

1 CONCEITO DE HOLDING E SUAS FINALIDADES


De forma breve, podemos conceituar uma holding como a sociedade
que tem por finalidade adquirir e manter ações de outras sociedades, com o
objetivo de controlá-las (Lodi, 2004). A realidade brasileira, entretanto, revela
que esse tipo de sociedade tem tido um uso mais amplo do que a definição
clássica importada do Direito norte-americano. Ainda que a finalidade primária
da holding seja a detenção de controle de outras sociedades (holding pura), a
sua utilização tem sido majoritariamente em outro sentido, sobretudo para fins
de planejamento tributário e sucessório, através das chamadas holdings patri-
moniais e imobiliárias.
Os objetivos para a constituição de uma holding podem ser os mais di-
versos. Primeiramente, a holding pura proporciona um visão global das ativi-
dades de cada controlada e permite uma administração mais eficaz, na medida
em que centraliza os negócios e promove uma gerência “para dentro”, sem a
consideração relevante de fatores externos (Lodi & Lodi, 2012). Além disso, a
80 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
utilização de uma holding pode ser extremamente útil para outros fins, como
proteção patrimonial e planejamento tributário.
Entre os tipos de holding de grande utilização atual no Brasil, encontra-
mos a holding imobiliária. A sua particularidade é de que o objeto social da so-
ciedade é exclusivamente a compra, venda e/ou locação de imóveis que fazem
parte do seu capital social, sendo a sua receita majoritariamente advinda de tais
atividades. É inegável a recente popularidade das holdings imobiliárias, e isso se
deve às suas inúmeras vantagens com relação às pessoas físicas. Além de permi-
tir o planejamento sucessório no caso de eventual falecimento do sócio, a rela-
tiva blindagem patrimonial dos seus bens e evitar o condomínio na propriedade
de imóveis por mais de uma pessoa, a maior vantagem da holding imobiliária é
a redução dos custos tributários incidentes sobre as suas atividades.
Desse modo, nas palavras de José Henrique Longo, “a holding imobiliá-
ria, além de promover a desejada segregação, acumula a inconteste função de
manter os titulares indiretos de imóveis e outros bens no anonimato, evitando a
publicidade de sua titularidade nos registros imobiliários, que pode comprome-
ter a segurança familiar” (Longo, 2013).

2 QUESTÕES FISCAIS RELACIONADAS À HOLDING IMOBILIÁRIA


Ao primeiro olhar, não é possível afirmar que a holding imobiliária pro-
porcionará uma economia fiscal em relação à propriedade de imóveis em nome
de pessoa física. Nesta seara, aplica-se a máxima de que cada caso é diferente.
É indispensável a análise do tipo de atividade a ser desenvolvida, e especial-
mente a origem da renda auferida (locação ou venda de imóveis). Além disso,
eventuais ganhos devem ser balanceados pelos custos de criação e posterior
manutenção da sociedade. Em primeira análise, cumpre analisar a necessidade
de recolhimento do Imposto sobre Transmissões de Bens Imóveis, um dos prin-
cipais custos referentes à holding imobiliária.

2.1 Imposto sobre Transmissões de Bens Imóveis


Ainda que variáveis em função do tipo societário de escolha, entre os
custos comuns à constituição e manutenção de uma sociedade encontramos
despesas com advogados e emolumentos para elaboração e registro de atos
constitutivos e o levantamento periódico de demonstrações financeiras por pro-
fissionais contábeis. Ademais, no caso da holding imobiliária, a transferência
dos imóveis da pessoa física para a pessoa jurídica está usualmente sujeita ao
recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. A despeito da regra
de que bens e direitos integralizados ao capital social da pessoa jurídica não
estão sujeitos ao referido tributo, a Constituição Federal traz uma exceção em
seu art. 156, § 2º, I:
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 81
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis,
por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de
garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
[...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio
de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou
direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica,
salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e
venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mer-
cantil;
[...] (grifos nossos)

A exceção mencionada acima é usualmente aplicada às holdings imobi-


liárias, desde que mais de 50% da sua receita operacional auferida nos 2 (dois)
anos subsequentes ao aporte seja originária das atividades de compra e venda
e locação de bens imóveis (art. 37, § 1º, do Código Tributário Nacional). Ainda
que a legislação permita a integralização do imóvel pelo seu valor constan-
te na Declaração de Imposto de Renda da pessoa física (art. 132 do Decreto
nº 3.000/1999), de modo que não há incidência de tributo por ganho de capital,
o recolhimento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis traz um elevado
custo à constituição da holding. Por essa razão, a análise minuciosa de cada
aspecto fiscal é relevante, com fins de analisar se os ganhos fiscais obtidos pela
holding superam os seus eventuais custos.
Entretanto, ainda que com a incidência do ITBI, a holding imobiliária
mostra-se vantajosa, conforme o entendimento de Diego Viscardi, que,
ao verificar a incidência do ITBI na constituição de uma holding patrimonial,
a primeiro plano pode aparentar que o grupo familiar estará onerando a sua
carga tributária, visto que surgirá mais um tributo a ser recolhido. Entretanto,
mesmo com a incidência do ITBI, a constituição da holding patrimonial é viável
e vantajosa, uma vez que, ao cotejar a tributação dos rendimentos auferidas pela
empresa, com a tributação auferida pela pessoa física, o valor pago de ITBI será
compensado em poucos meses, com a redução do pagamento de Imposto de
Renda. (Viscardi, 2015)

2.2 Imposto de renda: diferenças entre pessoas física e jurídica


No que se refere às vantagens proporcionadas pela holding imobiliária,
os benefícios da tributação da pessoa jurídica sobre renda advinda de locação
82 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
de imóveis é notório. Ainda que a pessoa jurídica apresente mais tributos a se-
rem recolhidos sobre a referida renda, como as Contribuições PIS e Cofins, a sua
alíquota global tende a ser menor do que aquela do Imposto de Renda Pessoa
Física. Por outro lado, os benefícios tributários sobre as operações de compra
e venda de imóveis que traduzam ganho de capital são relativos e devem ser
analisados de forma individual. Partamos primeiramente à análise das questões
afins à renda proveniente da locação de imóveis.

2.2.1 Tributação referente à locação de imóveis


A tributação da renda da pessoa física obtida na locação de imóveis está
sujeita às diretrizes da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1500/2014.
A norma dispõe que os valores relativos à locação de imóvel de propriedade
da pessoa física são integrados à tabela progressiva de cálculo do Imposto de
Renda Pessoa Física. Constante no Anexo II da mencionada instrução normati-
va, a tabela dispõe que a pessoa física que aufere renda acima de R$ 4.664,68
estará sujeita à alíquota de 27,5% (ano-calendário de 2015). Ainda que se trate
de uma estimativa grosseira e variável de acordo com o caso, conclui-se que a
pessoa física detentora de imóveis estará sujeita a uma alíquota de Imposto de
Renda de 27,5% sobre a atividade de locação desses imóveis.
O regime de tributação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica comumen-
te escolhido para holdings imobiliárias é o lucro presumido (Viscardi, 2013),
desde que apresentem receita bruta anual igual ou inferior a R$ 78.000.000,00
(setenta e oito milhões de reais)1. Para as holdings de menor porte que aufe-
rem renda da locação de imóveis, a escolha do regime Simples Nacional não
é uma opção, em virtude da vedação do art. 17, XV, da Lei Complementar
nº 123/2006. No regime de lucro presumido, as atividades de administração,
locação e cessão de bens imóveis estão sujeitas a uma base de cálculo de 32%
sobre a receita bruta2. Sobre a base de cálculo incidirá o Imposto de Renda Pes-
soa Jurídica na ordem de 15%3, o que gera um encargo tributário final de cerca
de 4,80% às atividades da holding imobiliária. Vale ressaltar que a parcela do
lucro presumido que exceder R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais sujeita-se à
incidência de imposto sobre a renda adicional à alíquota de 10%4.
As holdings imobiliárias estão também sujeitas a outros tributos sobre
a renda, que não encontram correspondente às pessoas físicas. Estes tributos
são: Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), Programas de Integração
Social e Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS) e Contribuição para
o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A Contribuição Social sobre

1 Art. 13 da Lei nº 12.814/2013.


2 Art. 4º, § 2º, IV, c, da Instrução Normativa RFB nº 1.515/2014.
3 Art. 2º, § 2º-A, idem.
4 Art. 2º, § 3º, idem.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 83
Lucro Líquido guarda semelhança ao IRPJ acima visto. A alíquota incidente é de
9% sobre 32% da receita bruta apurada5, gerando um custo tributário final de
cerca de 2,88%. Ademais, incidirão os tributos PIS e Cofins sobre a totalidade
da receita bruta às alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente6.
Dessa forma, as holdings imobiliárias apresentarão um custo fiscal final
da ordem de 11,3% (ou 14,53%, caso incida adicional de IRPJ) sobre as ativi-
dades de locação de imóveis de sua propriedade. Em comparativo à tributação
da pessoa física exercendo atividade semelhante (IRPF de aproximadamente
27,5%), é evidente a vantagem fiscal da sociedade holding. Nessa hipótese, a
depender da projeção de duração do negócio, tais ganhos fiscais amortizariam
os custos relacionados ao recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens
Imóveis quando da constituição da sociedade. Entretanto, cumpre também ana-
lisar a questão da tributação sob o espeque de outra funcionalidade da holding
imobiliária: a compra e venda de bens imóveis.

2.2.2 Tributação referente a ganhos de capital na alienação de imóveis


Visto que holdings imobiliárias podem eventualmente se dedicar à ativi-
dade de alienação de bens imóveis de sua propriedade, cumpre analisar a forma
de tributação dessa atividade sob a ótica das pessoas físicas e jurídicas. Restará
evidente que a utilização da holding para esse fins não é necessariamente uma
opção vantajosa, fazendo-se necessária a completa análise do perfil dos bens
imóveis a serem alienados e seus custos inerentes.
Primeiramente, a pessoa física deve recolher Imposto de Renda (IRPF) na
ordem de 15% sobre o ganho de capital (Pinto, 2013, p. 839), é dizer, a diferen-
ça entre o valor da alienação e o custo de aquisição do imóvel (valor constante
na declaração de bens)7. Imóveis adquiridos anteriormente a 31 de dezembro
de 1988 apresentam um percentual de redução sobre o ganho de capital apura-
do8. Ademais, a legislação apresenta algumas hipóteses de abatimento da dife-
rença acima mencionada (Martins, 2009, p. 220).
No que concerne à pessoa jurídica, analisando-a sob a ótica da tributa-
ção no regime de lucro presumido, haverá a incidência de IRPJ de 25% (15%
mais adicional de 10%) sobre a base de cálculo de 8% da receita bruta (trata-se
aqui de atividade comercial), gerando um custo fiscal de 2%9. A essa porcen-
tagem é adicionada a CSLL, na ordem de 9% incidente sobre a base de cáculo
de 12% da receita bruta, apresentado um custo fiscal de 1,08%10. Uma vez

5 Art. 31 da Instrução Normativa SRF nº 390/2004.


6 Art. 4º, IV, c/c art. 8º da Lei nº 9.718/1998.
7 Art. 138, idem.
8 Art. 198, idem.
9 Art. 518, idem.
10 Art. 20 da Lei nº 9.249/1995.
84 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
adicionadas as contribuições PIS (0,65%) e Cofins (3%), a tributação final será
de aproximadamente 6,73% sobre a renda da alienação do imóvel.
Feita a análise, cumpre salientar a relatividade do benefício fiscal da
holding na hipótese de alienação de bem imóvel. Isso se deve a dois fatores
principais: a diferença de base de cálculo e o custo de transmissão do imóvel à
pessoa jurídica. Como observamos, enquanto o IRPF incide sobre o ganho de
capital da alienação, a pessoa jurídica recolhe tributos sobre a receita total ob-
tida na alienação. Nessa hipótese, a despeito da alíquota relativamente menor,
a pessoa jurídica somente será a melhor opção para atividades de compra e
venda de imóveis caso a diferença entre o valor de alienação e o custo de aqui-
sição do bem seja relevante. Além disso, é necessário ter em conta o custo de
transmissão do imóvel à pessoa jurídica, especialmente o recolhimento do ITBI,
caso a atividade preponderante da sociedade seja a compra e venda de imóveis.
Ademais, imóveis destinados à venda devem ser contabilizados no estoque da
sociedade, de modo que não poderão ser objeto de locação.

CONCLUSÃO
A utilização das holdings no Brasil tem crescido exponencialmente nos
últimos anos. Entretanto, em que pese o atual afã do mercado, a constituição
de uma sociedade holding deve ser precedida do estudo do caso posto e da sua
adequação aos interesses do cliente. Se realizada de forma eficiente, a holding
é portadora de uma série de benefícios, como a proteção patrimonial da pessoa
física, o efetivo planejamento sucessório, além da redução de encargos fiscais.
No tocante à holding imobiliária, a sua utilização pode advir de fatores
como a blindagem patrimonial ou evitar o condomínio do bem imóvel em caso
de pluralidade de sócios. Usualmente, no entanto, a utilidade buscada por esse
tipo de sociedade é a redução dos tributos incidentes sobre a locação, compra
e venda de imóveis. As suas vantagens tributárias são relativas. Por um lado, são
inegáveis os ganhos de uma holding optante do regime de lucro presumido no
contexto da locação de imóveis próprios em comparação à pessoa física. No
que concerne à compra e venda de bens imóveis de propriedade da pessoa ju-
rídica, a situação é diversa. As diferenças no regime de tributação de ganhos de
capital exigem uma análise apurada dos custos relativos à constituição da socie-
dade e à diferença entre o valor da alienação e o custo de aquisição do imóvel.

REFERÊNCIAS
LODI, João Bosco. Holding. 3. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
LONGO, José Henrique. Criação de holding e proteção patrimonial. 2013. Disponível
em: <http://www.ibet.com.br/criacao-de-holding-e-protecao-patrimonial-por-jose-hen-
rique-longo/>. Acesso em: 29 out 2015.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 85
MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens.
7. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação da renda imobiliária. São Paulo: USP, 2009. Tese
(Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
PINTO, João Roberto Domingues. Imposto de renda, contribuições administradas pela
Secretaria da Receita Federal e Sistema Simples. 21. ed. Brasília: Conselho Federal de
Contabilidade, 2013.
VISCARDI, Diego da Silva. Holding patrimonial: as vantagens tributárias e o planeja-
mento sucessório. 2015. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_
dh=12303>. Acesso em: 21 out. 2015.
Parte Geral – Doutrina
Cautelas na Aquisição de Imóveis
PATRÍCIA DA SILVA FEITOSA
Pós-Graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– (PUC/MG – 2015), Bacharela em Direito pela FMU – Centro Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas – Advogada e Membro da Comissão do Jovem Advogado da OAB/SP.

JOSÉ EDUARDO PARLATO FONSECA VAZ


Doutorando em Direitos Sociais pela Faculdade Autônoma de Direito FADISP/SP, Mestre em
Direitos Fundamentais pelo Centro Universitário FIEO/SP, Especialista em Estratégias Avan-
çadas de Negociação e Mediação pela Universidad Castilha de La Mancha Toledo Espanha,
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP,
Professor de Direito na Universidade UniFMU/SP e na Faculdade Aldeia de Carapicuíba – FALC/SP,
Vice-Presidente da Câmara de Mediação, Negociação, Conciliação e Arbitragem de Carapicuíba
e Região, Membro da União Brasileira de Escritores (UBE). Homenageado com a Láurea do
Mérito Docente da OAB/SP. Advogado, Consultor Jurídico, Escritor.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 1.1 Documentação referente ao imóvel; 1.2 Certidões referentes à pessoa
do vendedor; 1.3 Certidões referentes ao condomínio da unidade condominial; 1.4 Terceiro de boa-fé
nos negócios jurídicos imobiliários; 1.5 Breve análise da dispensabilidade das certidões forenses na
aquisição de imóveis – Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (Medida Provisória nº 656, de 7 de
outubro de 2014) – Súmula nº 375 do STJ; Conclusão; Referências.

1 INTRODUÇÃO
Podem ocorrer inúmeras causas capazes de invalidar a compra e venda
do imóvel: defeito do negócio jurídico (erro, dolo, coação, estado de perigo,
fraude contra credores e lesão). Pode ocorrer ainda simulação, procuração falsa
e, também, que o comprador ou o vendedor não preencham os requisitos de
validade do negócio jurídico previstos em lei, quais sejam, agente capaz, objeto
lícito e ausência da forma prescrita em lei.
Os negócios jurídicos envolvendo bens imóveis normalmente possuem
riscos, e, como em geral são de valores significativos, a ausência de qualquer
cautela poderá acarretar diversos danos, inclusive a perda do imóvel e do di-
nheiro nele investido.
Como já mencionado, podem ocorrer inúmeras causas que podem in-
validar a compra e venda de imóvel, sendo possível até dizer-se que não há
transação imobiliária absolutamente segura.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 87
Para a maioria dos compradores, a aquisição de um imóvel constitui a
realização do maior sonho da vida, e, na maioria das vezes, o investimento
absorve todas as economias de uma vida inteira.
Para que isso não aconteça, é imprescindível que, antes de concluir a
transação, o adquirente verifique: a) se o imóvel está com sua documentação
em ordem; b) se a pessoa que oferece o imóvel é sua legítima proprietária – ou
seja, que o bem não está sendo vendido a non domino, vale dizer, por quem
não é dono ou pessoa autorizada; e c) e se o vendedor – o proprietário – é moral
e financeiramente pessoa idônea.
Nessa senda, inarredável se faz evidenciar alguns dos muitos riscos que
corriqueiramente envolvem as negociações com imóveis, a fim de sugerir algu-
mas cautelas e posturas aos compradores.

1.1 Documentação referente ao imóvel


De imediato, o processo de aquisição do imóvel inicia pela solicitação
das certidões que comprovam a regularidade do imóvel e da pessoa do ven­
dedor.
Assim, deve o vendedor-proprietário apresentar certidões referentes ao
imóvel, a saber:
a) 
certidão de propriedade – é a primeira que deve ser solicitada em
nome do vendedor. Esse documento é a cópia da matrícula forne-
cida pelo oficial do Registro de Imóveis onde está matriculado o
imóvel pretendido.
A matrícula é uma ficha que relata os dados do imóvel no Registro de
Imóveis. Constitui-se de um único número atribuído a cada imóvel; e da ma-
trícula devem constar: a) a descrição do bem, a qualificação do respectivo
proprietário, a forma da aquisição do imóvel pelo vendedor – compra e ven-
da, doação, permuta etc. – com todos os dados do instrumento da aquisição;
b) o Cartório de lavratura da escritura de aquisição, os números do livro e folhas
onde foi escriturada: c) o nome do anterior proprietário, devendo ainda constar
da matrícula as eventuais averbações de alterações de nome de rua, de nume-
ração do imóvel etc. Todas as alterações relacionadas ao imóvel são objeto de
registros e averbações na matrícula do imóvel, consoante determina o art. 167
da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31.12.1973).
Importante frisar que a certidão da matrícula deve ter sido expedida pelo
Cartório de Registro de Imóveis no máximo trinta dias anteriores à conclusão da
aquisição pelo comprador, o que assegura que aquele que vende é realmente
o proprietário do imóvel. Em consequência, uma certidão com data anterior ao
referido trintídio não resguardará o comprador na realização de um negócio
seguro.
88 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
A análise cuidadosa desse documento deve ser realizada por um advoga-
do com conhecimentos específicos de direito imobiliário.
Ainda, no que tange aos dados da matrícula, é necessário fazer alguns
apontamentos, relativos:

1) Estado civil do vendedor: se for casado, é obrigatória a concordân-


cia do cônjuge, ressalvado se o regime de casamento for o da sepa-
ração de bens, quando então não é necessária a outorga conjugal.
Mas, se o vendedor for casado no regime de “participação final de
aquestos”, a dispensa da concordância conjugal depende do pacto
antenupcial (Código Civil, art. 1.656).

2) Se o imóvel for objeto de contrato de compromisso de compra e


venda – o promitente comprador terá direito real de aquisição (Có-
digo Civil, arts. 1.225, VII, e 1.418).

3) Se o imóvel estiver garantindo alguma dívida do vendedor ou de


seus antecessores, como hipoteca, caução, penhor (garantia real).

4) Se o imóvel estiver penhorado por dívida. Nesse caso, importante se


faz a análise dos arts. 792 e 829 do novo Código de Processo Civil,
em comparação com os arts. 593 e 615-A do Código de Processo
Civil de 1973.

CPC de 1973 CPC de 2015

Art. 593. Considera-se em fraude de exe- Art. 792. A alienação ou a oneração de


cução a alienação ou oneração de bens: bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre eles pender ação I – quando sobre o bem pender ação
fundada em direito real; fundada em direito real ou com pretensão
II – quando ao tempo da alienação ou reipersecutória, desde que a pendência
oneração, corria contra o devedor deman- do processo tenha sido averbada no
da capaz de reduzi-lo à insolvência; respectivo registro público, se houver;
III – nos demais casos expressos em lei. II – quando tiver sido averbada, no
registro do bem, a pendência do proces-
so de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no
registro do bem, hipoteca judiciária ou
outro ato de constrição judicial originário
do processo onde foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou
oneração, tramitava contra o devedor
ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V – nos demais casos expressos em lei.
§ 1º A alienação em fraude à execução
é ineficaz em relação ao exequente.
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CPC de 1973 CPC de 2015


  § 2º No caso de aquisição do bem não
  sujeito a registro, o terceiro adquiren-
  te tem o ônus de provar que adotou as
  cautelas necessárias para a aquisição,
  mediante a exibição das certidões perti-
  nentes, obtidas no domicílio do vendedor
  e no local onde se encontra o bem.
  § 3º Nos casos de desconsideração de per-
sonalidade jurídica, a fraude a execução
verifica-se a partir da citação da parte cuja
personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4º Antes de declarar a fraude à execução,
o juiz deverá intimar o terceiro adquirente,
que, se quiser, poderá opor os embargos
de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da Art. 828. O exequente poderá obter
distribuição, obter certidão comprobatória certidão de que a execução foi admi-
do ajuizamento da execução, com identifica- tida pelo juiz, com a identificação das
ção das partes e valor da causa, para fins de partes e do valor da causa, para fins de
averbação no registro de imóveis, registro de averbação no registro de imóveis, de
veículos ou registros de veículos ou registro veículos ou de outros bens sujeitos a
de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. penhora, arresto ou indisponibilidade.
(Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). § 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua
§ 1º O exequente deverá comunicar ao concretização, o exequente deverá
juízo as averbações efetivadas no prazo de comunicar ao juízo as averbações.
10 dias (dez) dias de sua concretização. § 2º Formalizada penhora sobre bens
(Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). suficientes para cobrir o valor da dívida, o
§ 2º Formalizada penhora sobre bens exequente providenciará, no prazo de 10
suficientes para cobrir o valor da dívida, (dez) dias, o cancelamento das averba-
será determinado o cancelamento das ções relativas àqueles não penhorados.
averbações de que trata este artigo relati- § 3º O juiz determinará o cancelamento
vas àqueles que tenham sido penhorados. das averbações, de ofício ou a requerimen-
(Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). to, caso o exequente não o faça no prazo.
§ 3º Presume-se em fraude à execução § 4º Presume-se em fraude à exe-
a alienação ou oneração de bens efe- cução a alienação ou oneração de
tuada após a averbação (art. 593). (In- bens efetuada após a averbação.
cluído pela Lei nº 11.382, de 2006). § 5º O exequente que promover averbação
§ 4º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar
manifestamente indevida indenizará a parte as averbações nos termos nos termos do
contrária, nos termos do § 2º art. 18 desta lei, § 2º indenizará a parte contrária, proces-
processando-se o incidente em autos aparta- sando-se o incidente em autos apartados.
dos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 5º Os tribunais poderão expandir ins-
trução sobre o cumprimento deste artigo.
(Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

b) certidão negativa de tributos municipais: é cediço que as obrigações


com tributos municipais são consideradas propter rem, aquelas que
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decorrem da coisa, pois acompanha o bem, pouco importando a
mudança de sua titularidade.
Portanto, é imprescindível que haja uma análise minuciosa da certidão
dos tributos municipais, não bastando a verificação do último “carnê” quitado
do aviso de lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Isto por-
que o pagamento do aviso citado não configura quitação de débitos anteriores.
c) certidão (declaração) negativa de débitos condominiais: tratando-se
de unidade em condomínio – apartamento –, tal certidão deve ser
expedida pela administradora do condomínio. Isto porque os débi-
tos condominiais e os débitos com impostos imobiliários são obri-
gações propter rem, ou seja, independentemente de quem for o seu
titular, o próprio imóvel – e não apenas seu proprietário – responde
pela obrigação (art. 1.345 do Código Civil de 1973).
Observe-se ainda que essa declaração, fornecida pelo sindico do condo-
mínio, deve ter a firma do síndico reconhecida por tabelião e ser acompanhada
de cópia da ata da assembleia que o elegeu.
d) certidão negativa de imóveis enfitêuticos: a chamada enfiteuse
constitui, na atualidade, instituto pouco utilizado e até mesmo des-
conhecido por muitos. Por isso é raramente encontrada nas tran-
sações com imóveis. Ocorre quando o proprietário de um imóvel
autoriza outra pessoa a usar do bem, mediante pagamento de uma
retribuição anual, transferindo a outrem o direito de usar e até dis-
por do domínio útil do bem. O ordenamento jurídico brasileiro pre-
vê duas modalidades de enfiteuse, quais sejam: civil e administra-
tiva. A natureza jurídica da enfiteuse é de direito real, alienável e
transmissível a herdeiros.
A enfiteuse civil pode recair sobre imóveis particulares e/ou públicos
(do domínio municipal). Tratando-se de instituto jurídico quase em total de-
suso, a constituição de novas enfiteuses foi vedada pelo Código Civil de 2002
(art. 2.038).
Enfiteuse administrativa recai sobre imóveis da União e, quando permiti-
da, ocorre por meio de contrato (de aforamento – art. 14 da Lei nº 9.636/1998;
ou enfitêutico – art. 109 do DL 9.636/1946, firmado pela SPU (Secretaria do
Patrimônio da União) e o particular, mediante licitação ou concorrência, obser-
vando-se o direito de preferência dos ocupantes (art. 15 da Lei nº 9.636). Além
disso, consiste na transmissão do domínio útil do imóvel em favor de outrem
chamado enfiteuta.
Atualmente, pode-se afirmar que quase somente a terrenos pertencentes
à Marinha do Brasil (União) se cogita de enfiteuse, regulada no caso pelo De-
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creto nº 9.760/1946, norma legal ampla, tratando detalhadamente dos imóveis
pertencentes à União, sujeitos à enfiteuse.
A enfiteuse consiste em direito real sobre coisa alheia, onde o enfiteuta
é o titular do domínio útil, mas a propriedade é de outra pessoa, normalmente
da União.
Portanto, é importante que o adquirente de um imóvel submetido a enfi-
teuse exija a certidão negativa de foro e laudêmio, expedida pelo SPU (Secreta-
ria do Patrimônio da União).

1.2 Certidões referentes à pessoa do vendedor


Verificada todas as certidões e havendo possibilidade de aquisição do
imóvel, deve passar-se à verificação da idoneidade do vendedor.
Havendo restrições à idoneidade do vendedor, ainda que o preço e con-
dições pareçam atraentes ao comprador, a aquisição não deve ser feita.
Caso o vendedor não seja idôneo, especialmente no que tange ao aspec-
to financeiro, poderão ocorrer os vícios do negócio jurídico, como, por exem-
plo, a fraude contra credores, o que poderá determinar a anulação da venda em
razão dos credores anteriores, fazendo o que era para ser um “bom negócio”
tornar-se um negócio ruinoso.
Dessa forma, faz-se imprescindível solicitar do vendedor – pessoa física
ou jurídica – os seguintes documentos:
a) cópia autenticada da cédula de identidade (RG) ou de outro docu-
mento de identidade;
b) cópia do CPF ou CNPJ (pessoa jurídica). É imprescindível confe-
rir esses documentos com as certidões exibidas, e analisando se
não há divergência. Diante disso, o comprador deve atentar para a
idade do vendedor. Para que não adquira imóvel de pessoa inca-
paz (menor de 18 anos – Código Civil, art. 4º), a mera assistência
não capacita, sendo indispensável a autorização judicial, conforme
estabelecem os arts. 1.961 e 1.750 do Código Civil, exceto se for
maior de 16 anos e emancipado (art. 5º, parágrafo único, do Código
Civil);
c) documento (atualizado) que comprove o estado civil do vendedor,
como certidão de nascimento ou certidão de casamento, para que
se verifique com exatidão o estado civil do vendedor. Se for casa-
do, faz-se necessária a participação do cônjuge (outorga conjugal),
salvo se casado no regime de separação total de bens (art. 1.647
do Código Civil); se casado no regime de “participação final dos
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aquestos”, para a dispensa de outorga, mister se faz análise do pacto
antenupcial (art. 1.656 do Código Civil);
d) certidão negativa da Fazenda Pública Federal (Certidão de Quita-
ção de Tributos e Contribuições Federais – Pessoas Jurídica e Só-
cios), Estadual (ICMS – se pessoa jurídica) e Municipal – Certidão
de Tributos Mobiliários – Pessoa física, pessoa jurídica e sócios);
e) certidão negativa de FGTS (pessoa jurídica);
f) certidão negativa de INSS (pessoa jurídica);
g) certidão dos cartórios distribuidores de ações da Justiça Estadual
Cível – ações (pessoa jurídica/sócios e pessoa física);
h) certidão da Justiça Estadual Cível – executivos fiscais (pessoa jurídi-
ca/sócios e pessoa física);
i) certidão negativa da Justiça Criminal Estadual (pessoa jurídica/só-
cios e pessoa física);
j) certidão negativa da Justiça do Trabalho (pessoa jurídica/sócios e
pessoa física);
k) certidão negativa da Justiça Federal – Civil, Criminal e executivos
fiscais (pessoa jurídica/sócios e pessoa física – civis; pessoa física, e
sócios – criminais);
l) certidões negativas dos Tabeliães de Protesto (pessoa jurídica/sócios
e pessoa física).
Frise-se que toda cautela é exigida para que seja possível identificar a
presença de indicativos de insolvência do vendedor ou de pendências jurídicas
e para que o comprador não seja prejudicado por alguns dos defeitos do negó-
cio jurídico.
Ao analisar essas certidões e verificando que as dívidas do vendedor su-
perem seus créditos, e também que sua capacidade de produzir bens e aumen-
tar seu patrimônio mostram-se insuficientes para garantir o adimplemento de
suas dívidas, seus atos de alienação tornam-se suspeitos e passiveis de anula-
ção. Surge, então, a fraude contra credores, aquele ato suscetível de diminuir ou
onerar seu patrimônio, reduzindo ou eliminando a garantia que este representa
para o pagamento de suas dívidas, praticados por devedor insolvente, ou por
ele reduzido à insolvência.
Ocorrendo a fraude contra credores, ao comprador não restará alterna-
tiva senão a de propor ação pauliana, que visa a anular a venda e a pleitear o
prejuízo que sofreu pela perda do imóvel, o que pode demandar longa batalha
judicial, de sucesso incerto.
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Aliás, não adiantará nada ingressar com ação contra o vendedor insol-
vente, considerando a ausência de patrimônio, embora o objetivo da lei seja
assegurar que o devedor sempre responderá com os bens que compõem o seu
patrimônio (art. 391 do Código Civil e art. 789 do Código de Processo Civil).
O Código Civil prevê, em seu art. 391, que, “pelo inadimplemento das
obrigações, respondem todos os bens do devedor”. Completando o artigo do
Código de Processo Civil, dispõe que “o devedor responde com todos os seus
bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restri-
ções estabelecidas em lei”.
No que concerne à execução por quantia certa, o novo Código de Pro-
cesso Civil faz ressalva às execuções especiais (art. 646 do Código de Processo
anterior e atual art. 824).
Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015:
Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do
executado, ressalvadas as execuções especiais.

O Código de Processo Civil de 1973 dispõe:


Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do deve-
dor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591).

Conclui-se, então, que o devedor é considerado insolvente no momento


em que as dívidas superam o seu patrimônio, ou seja, que o simples fato de
vender o imóvel não o tornará insolvente a menos que não tenha outros bens
que garantam o pagamento de seu débito.

1.3 Certidões referentes ao condomínio da unidade condominial


Pouco comum é verificação por parte do comprador da saúde financeira
do condomínio onde está a unidade condominial, porém tal medida mostra-se
salutar, uma vez que, ao adquirir uma unidade condominial, o comprador pas-
sará a compor o condomínio.
Caso exista dívida do condomínio, cada um dos condôminos será res-
ponsável pela dívida, pois cada um dos condôminos é responsável por quinhão
do condomínio, tendo em vista que o condomínio não tem personalidade jurí-
dica própria, e, em decorrência de tal fato, as obrigações assumidas ou impostas
ao condomínio são imputadas aos condôminos.
Embora entes despersonalizados, os condomínios edilícios são equipa-
rados por lei às pessoas jurídicas, devem possuir CNPJ (inscrição no Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas) e podem ser judicialmente acionados caso não
cumpram suas obrigações, por exemplo, quando não quitam os encargos sa-
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lariais de seus empregados, causam dano a algum morador, não honrem os
encargos tributários.
Constatada a existência de dívida em nome do condomínio, o compra-
dor avaliará se dará ou não continuidade ao negócio, ciente de que parte do
valor da dívida do condomínio será de sua responsabilidade, pois, quando do
pagamento da dívida, haverá rateio do valor do débito entre as unidades con-
dominiais.

Oportuna a transcrição de ementa de julgado proferido pelo eg. Tribunal:


Agravo de instrumento. Execução fiscal. Condomínio. Penhora. Apartamentos.
Pagamento de tributos. Responsabilidade. 1. O condomínio de edifícios não tem
personalidade jurídica, mas possui capacidade processual, para, em seu próprio
nome e representado pelo síndico, agir, ativa ou passivamente, em juízo, na defe-
sa dos direitos e interesses comuns relacionados com a sua manutenção e a disci-
plina de sua utilização. 2. No condomínio de edifícios, os condôminos suportam,
na proporção da respectiva quota-parte, as consequências decorrentes de obriga-
ções do condomínio inadimplente. 3. Não sendo encontrados outros bens passí-
veis de serem levados à hasta pública e capazes de saciar a execução, razão não
há para o indeferimento do pedido de penhora sobre unidades do condomínio,
mesmo diante da regra da menor onerosidade contida na art. 620 do CPC, que
não pode ser interpretado de tal modo a afastar o direito do exequente de ver rea-
lizada a penhora sobre bens apartamentos para assegurar seu crédito cobrado em
Juízo. 4. Agravo de instrumento provido. (AI 34547/SP, 2001.03.00.034547-9,
Rel. Juiz Conv. Leonel Ferreira, J. 27.04.2011 – grifos nossos)

Assim, antes de adquirir um imóvel em um condomínio, seja uma casa,


seja um apartamento, o propenso comprador deve verificar se o condomínio
possui dívidas, podendo solicitar certidões da Justiça Estadual, certidões da Jus-
tiça Federal, Certidão da Justiça do Trabalho, Certidão do INSS e Certidão da
Receita Federal.

1.4 Terceiro de boa-fé nos negócios jurídicos imobiliários


Nestas breves considerações, restaria lembrar que a lei brasileira, tradi-
cionalmente, protege o adquirente de boa-fé.
Nesse sentido, o Código Civil, conforme transcrito nos artigos abaixo,
prevê:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração.

[...]
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 95
Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indis-
pensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou a
subsistência do devedor e sua família.
[...]
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que dissimulou, se
válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentemente conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às
quais realmente se conferem, ou transmitem;
III – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contratantes do
negócio jurídico simulado.
[...]
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contra-
to, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[...]
Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se
pode opor aos terceiros que, ignorando-a, a boa-fé com ele tratara; mas ficam
a salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procu­
rador.
[...]
Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou obstáculo que
impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-
-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite essa
presunção.

É realmente difícil ao comprador, pouco afeito a negócios imobiliários,


analisar todas as possíveis ocorrências que podem lhe acarretar uma transação
imobiliária, sem cercar-se dos cuidados resumidamente expostos. Ainda que se
cerque de tais cautelas no negócio que está sendo realizado, não é fácil saber
quando o vendedor do imóvel ficará insolvente.
Imaginemos uma situação fática: o comprador está adquirindo um imó-
vel de na comarca de São Paulo, sendo o atual proprietário um sujeito solteiro.
O atual proprietário apresenta toda a documentação do imóvel e suas certidões
pessoais, que foram emitidas no estado de São Paulo. Analisando a documen-
tação, o comprador constata que não existem ônus e celebra o negócio. Ocorre
que, antes de viver na comarca de São Paulo, o vendedor estava vivendo em
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outro estado, e, no local onde vivia anteriormente, é processado em razão de
uma dívida lá contraída. Algum tempo depois de ter adquirido o imóvel, recebe
a intimação de uma decisão proferida por um juízo de certa comarca de outro
estado, anulando o negócio jurídico por fraude à execução. Nesse caso, que
medidas o comprador poderá tomar?
Muitas vezes, como na situação acima descrita, o comprador desconhe-
ce os eventuais vícios do negócio jurídico e age com boa-fé subjetiva; aí, diante
de sua fragilidade, o direito lhe assegura alguma proteção. Assim, se o compra-
dor extraiu as certidões imobiliárias, fiscais e pessoais do vendedor, bem como
tomou todas as cautelas exigíveis e normas do negócio, poderá se defender no
processo que anulou o negócio jurídico através de embargos de terceiro, em
que demonstrará ser “adquirente de boa-fé”.

1.5 Breve análise da dispensabilidade das certidões forenses na aquisição de imóveis – Lei
nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de
2014) – Súmula nº 375 do STJ
Inúmeras são as discussões acerca da possibilidade de dispensa das cer-
tidões forenses que são exigidas pelo comprador ao vendedor na aquisição de
imóveis.
No tocante à Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, con-
vertida na Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, não há que se afirmar a
existência de mudanças. Veja-se o previsto nos arts. 54 a 56:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir, ou modifi-
car direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos preceden-
tes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula
do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbações, por solicitação do interessado, de constrição, do ajuizamento de


ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos
termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código
de Processo Civil [atual art. 828];

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos


registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação


cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário
à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil
[atuais arts. 792, IV, 844].
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 97
Com fulcro no artigo transcrito acima, muito se discutiu que, a partir da
Lei nº 13.097/2015, o comprador não precisaria mais se preocupar em extrair as
certidões forenses – prática comum na aquisição de imóveis, mas, apenas e tão
somente, com a verificação de pendência registrada ou averbada na matrícula.
O fato de não haver registro, ou averbação de penhora, arresto, sequestro
ou qualquer outra pendência na matrícula do imóvel, não significa, automati-
camente, que o comprador está livre tanto da fraude contra credores quanto da
fraude à execução.
Ao analisar o parágrafo único do art. 54 da Lei nº 13.097/2015, é possível
extrair a seguinte conclusão:
Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Re-
gistro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que ad-
quirir ou receber em garantia direitos reais sobre imóvel, ressalvados o dispostos
no art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses
de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de
imóvel.

Digamos que, por exemplo: determinado proprietário de um imóvel


consciente de que não pende qualquer gravame registrado ou averbado na ma-
trícula, porém ciente de suas dívidas e ações que fora ajuizadas contra ele,
possui títulos protestados e assim por diante na mesma comarca da situação do
imóvel.
No caso em tela, esse adquirente jamais poderá ser considerado “de boa-
-fé”; obviamente haverá a fraude contra credores em relação às ações ajuizadas.
Portanto, sem extrair as certidões de praxe, configura-se a má-fé, ainda
que, não havendo qualquer constrição na matrícula, o negócio jurídico prati-
cado será ineficaz mediante ação, ou ser anulado em razão da fraude contra
credores, no caso de dívidas não ajuizadas, através de ação pauliana, ou revo-
catória, e também nos casos de falsificações de documentos do proprietário do
imóvel.
Eis que surge a dúvida após entendimento consolidado da Súmula nº 375
do Superior Tribunal de Justiça: houve alguma mudança?
Absolutamente nada. A Súmula nº 375/STJ diz: “O reconhecimento da
fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da pro-
va de má-fé do terceiro adquirente”.
A jurisprudência confirma:
Locação de imóvel. Cobrança. Cumprimento de sentença. Alienação de imóvel
do fiador. Fraude à execução. Reconhecimento. Adquirente que não se cerca
das cautelas de praxe na compra e venda de imóveis, não exigindo ou provi-
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denciando certidões forenses, não age de boa-fé. Ineficácia perante a locadora
da alienação feita pelo fiador. Penhora. Cabimento. Ocorrida a venda do imóvel
pelo fiador a terceiros após a edição da Súmula nº 375 do STJ, o reconhecimento
da fraude à execução depende de registro da penhora ou de prova da má-fé dos
adquirentes. Terceiro adquirente que não toma as cautelas necessárias ao adqui-
rir bem imóvel, sem exigir do vendedor as certidões dos distribuidores e ofícios
judiciais de praxe, por meio das quais obteria inteiro conhecimento da existência
da ação em face do vendedor, não pode ser considerado de boa-fé. Em processo
movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação,
a impenhorabilidade do alegado bem de família é inoponível. Art. 3º, VII, da Lei
nº 8.009/1990. Recurso provido. (Comarca: São Paulo, 35ª CDPriv., Rel. Gilberto
Leme, DJ 06.07.2015, data de registro: 07.07.2015 – grifos nossos)

Quer dizer que se faz indispensável extrair as certidões forenses de pra-


xe. O fato de não haver penhora, arresto, sequestro ou qualquer pendência
registrada ou averbada na matrícula do imóvel não pode fazer o adquirente ser
considerado de boa-fé.

CONCLUSÃO
Os breves comentários ora expostos não têm o intuito, nem a pretensão,
de esgotar a matéria, que, por sua vastidão e implicações, demandaria análises
mais aprofundadas da legislação e da jurisprudência dos tribunais.
Espera-se que tais notas sirvam de alguma informação àqueles que pro-
curam, na aquisição segura de um imóvel, cercar-se da garantia de seu inves-
timento financeiro, a realização de um sonho, e, mais que isso, a garantia do
futuro próprio e de suas famílias.

REFERÊNCIAS
ARTIGO 54 DA LEI Nº 13.097/2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, v. I,
2007.
CÓDIGO de Processo Civil. Arts. 593 e 615-A. Vade Mecum Saraiva. 13. ed. 1. sem.
2012.
______. Art. 646. Vade Mecum Saraiva. 13. ed. 1. sem. 2012.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário. Teoria e prática. 9. ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
SENISE LISBOA, Roberto. Manual de direito civil. Direito das obrigações e responsabili-
dade civil. 4. ed. reform. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2009.
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Novo Código de
Processo Civil comparado: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA........................................................................................................................ 99
______. Novo Código de Processo Civil comparado: artigo por artigo. Arts. 792 e 829.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
______. Novo Código de Processo Civil comparado: artigo por artigo. Art. 824.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
Parte Geral – Doutrina
O Direito de Superfície: uma Análise de Sua Evolução Histórica e o
Direito Positivado Nacional
The Surface Rights: an Analysis of its Historical Development and National
Law Positivised

CESAR CALO PEGHINI


Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, Curso
de Extensão em Direito Imobiliário pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, Pós-Gradua­
do em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Escola Paulista de Direito, Pós-Graduado
(LLM) em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino e Mestrado pela Faculdade Autônoma
de Direito – FADISP, Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC.

RESUMO: O presente artigo estuda a etimologia da palavra superfície, bem como a origem do insti-
tuto com base no direito romano. Em um segundo momento, o estudo prossegue no direito medieval
com a interferência no presente instituto teve como base os povos germânicos. O último aspecto a
ser analisado foi o direito de superfície no direito pátrio, indicando a regulamentação normativa do
instituto.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de superfície; evolução histórica; regulamentação do instituto no direito
pátrio.
ABSTRACT: This article studies the etymology of the word surface, and the origin of the institute ba-
sed on Roman law. In a second step, the study goes on medieval law with interference at the institute
this was based on the Germanic peoples. The last aspect to be analyzed was the Surface Rights Law
in Homeland, pointing to rules regulating the institute.
KEYWORDS: Right surface; historical development; regulation of the Institute on parental rights.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Etimologia da palavra superfície e o direito de superfície; 2 Direito romano:
origem do instituto; 3 O direito de superfície no direito medieval; 4 O direito de superfície no direito
pátrio; 4.1 O direito de superfície pré-codificação nacional; 4.1.1 Ordenações Afonsinas; 4.1.2 Orde-
nações Manuelinas; 4.1.3 Ordenações Filipinas; 5 O direito de superfície e sua codificação nacional;
6 O direito de superfície no Código Civil de 2002 e o Estatuto da Cidade (breve arrazoado); Conclusão;
Referências.

“Se queres prever o futuro, estuda o passado.”


(Confúcio)

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objeto a análise histórica do direito de super-
fície até a atual condição nacional.
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Assim, para tanto, será objeto de estudo a etimologia da palavra superfí-
cie, bem como a evolução legislativa do referido instituto. Questões como ori-
gem do instituto, sua evolução no direito medieval, até sua aplicação no direito
pátrio serão abordadas.
Por fim, porém não menos importante, o método de pesquisa utilizado
no presente artigo é o dedutivo-indutivo.

1 ETIMOLOGIA DA PALAVRA SUPERFÍCIE E O DIREITO DE SUPERFÍCIE


Para adentrar ao presente estudo, preliminarmente há de analisar a eti-
mologia1 da palavra “superfície”, para tão somente após verificar o direito de
superfície de forma específica. Tal justificativa tem como fundamento que a
utilização – como nítido se faz ver – destas palavras empregadas separadamente
se diferenciam conceitualmente2.
Desta forma, Ricardo Pereira Lira leciona o quanto segue3:
Os antigos discutiam o étimo da palavra latina superfícies. Em torno da questão
não se puseram acordes. Para uns resultou a expressão da composição da pre-
posição super ou supra e do substantivo fácies. Segundo outros, tratar-se-ia da
associação entre a mesma preposição e o verbo facere.

Corrobora o sentido o posicionamento de Rima Gorayb4:


A palavra superfície é composta em sua primeira parte pela preposição “super”
ou “supra”, que indica a ideia de uma situação superior externa. Quanto à segun-
da parte do vocábulo, origina-se do substantivo fácies ou plano.

Frederico Henrique Viegas de Lima5 acrescenta:


Etimologicamente, a palavra superfície forma-se por dois elementos, super e
facere, que, num sentido rigoroso, quer dizer tudo aquilo que está realizado, ou
tudo aquilo que se levanta, por obra artificial do homem ou da natureza sobre
um plano horizontal.

Outrossim, esmiúça Ricardo Pereira Lira6:

1 Para o dicionário digital Priberam, a palavra etimologia significa: Parte da Gramática que trata da origem
e formação das palavras. Priberam Informática. Língua portuguesa on-line. Disponível em: <http://www.
priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx>. Acesso em: 15 out. 2015.
2 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 54.
3 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 11, 1979.
4 GORAYB, Rima. O direito de superfície. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 19.
5 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 25.
6 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 11, 1979.
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[...] o sentido das duas palavras: a primeira é preposição iniciativa da existência
de uma situação superior em relação a outra em plano mais baixo (assim sur na
palavra francesa surface e ober na palavra alemã oberflache); a segunda é um
substantivo destinado a indigitar a ideia de plano ou face (assim face ou flece nas
palavras surfece e oberflache).

Já Maria Helena Diniz pondera7: “O que se revela ou se encontra acima


do solo, como, por exemplo, construções e plantações, e que até prova em
contrário se presume pertencer ao dono”.
Destarte, vai ao encontro dessas ideias, mesmo de forma bem simplória,
que a palavra superfície tem caráter de ser algo ou alguma coisa exterior e su-
perior àquela, ou seja, diferenciar algo de sua composição interna e externa8.
Porém, tal posicionamento refere-se ao senso comum, ou seja, o sentido
mais amplo da palavra; ademais, há ainda de verificar qual é o sentido jurídico
da palavra superfície que está atrelado àquele9.
Nesta mesma posição, pontua ainda o Plácido e Silva10:
Do latim superficies (parte exterior, parte superior, cimo), em sentido gramati-
cal designa-se a parte exterior ou a face externa da coisa. Geometricamente,
entende-se a extensão de qualquer coisa, considerada exclusivamente em seu
comprimento e largura, isto é, sem dependência de sua altura e espessura. Mas,
no sentido jurídico tradicional que provem do direito romano, a superfícies (su-
perfície) é tudo aquilo que se eleva acima do solo. E, assim, a expressão conduz
ao significado que não condiz com o sentido geométrico.

Para Rima Gorayb11, há duas formas de diferenciar a superfície. A primei-


ra delas como simples termo que é, ou seja, simplesmente superfície, neste caso
pode ser interpretada no mesmo sentido da linguagem usual já apresentada. Em
um segundo momento, tem-se, ainda, a superfície como instituto jurídico, e,
nesse caso, emprega-se o termo direito de superfície.
Com efeito, pontua a Diana Coelho Barbosa12: “A superfície, vista sob o
ângulo de um direito real, não pode ser confundida com o sentido etimológico
do vocábulo superfícies, que deu origem à sua denominação”.

7 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico: Q-Z. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2004. p. 566-567.
8 Neste sentido: no dicionário digital Priberam, superfície é: Parte exterior e visível dos corpos. Priberam
Informática. Língua portuguesa on-line. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx>. Acesso
em: 15 out. 2009.
9 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 12, 1979.
10 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico: A-C. 3. ed. São Paulo: Forense, v. I, 1973. p. 1501.
11 GORAYB, Rima. O direito de superfície. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 20.
12 BARBOSA, Diana Coelho. O direito de superfície: à luz do Estatuto da Cidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
p. 73.
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Destarte, é assertiva a existência de tal diferenciação, pois, como poderá
ser verificado no presente trabalho, o referido instituto vai muito além do sim-
ples conceito comum ou jurídico geral aplicado.

2 DIREITO ROMANO: ORIGEM DO INSTITUTO


A superfície tem origem inegavelmente no direito romano13, em que o
proprietário da terra era titular de um direito de propriedade praticamente ab-
soluto, sem restrições ao seu uso e gozo, e assim se beneficiava por tudo que
fosse acrescido ao solo14.
Dessa forma, o proprietário, quando da acessão de qualquer benfeitoria
sob o imóvel – seja na terra ou no seu espaço aéreo –, este era encampado,
como consequência lógica do direito de propriedade. Em decorrência dessa
rigidez, tornou-se inconveniente na medida em que havia a expansão do terri-
tório romano e o desenvolvimento das obras públicas15.
Pontua Marise Pessoa Cavalcanti16:
Contudo, com a evolução dos tempos, necessário se fez abrandar tal princípio
para que houvesse adaptação às novas realidades socioeconômicas. Assim se
começou a permitir, àqueles que construísse em solo alheio, o gozo sobre sua
atividades. Pode-se dizer que a doutrina cita como origem da superfície as con-

13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil. Direito das coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2006. p. 409;
PEREIRA, Caio Mario de Silva. Direito civil. Direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 2004.
p. 243; CHAVES DE FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007. p. 396; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. Direito das coisas. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 5,
2003. p. 391; TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a
1.389. In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 256; SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico: A-C. 3. ed. São
Paulo: Forense, v. I, 1973. p. 1501; LOUREIRO, Luiz Guilherme. Direitos reais à luz do Código Civil e do
direito registral. São Paulo: Método, 2004. p. 272; BARBOSA, Diana Coelho. O direito de superfície: à luz
do Estatuto da Cidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 17; GORAYB, Rima. O direito de superfície. São
Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 22; CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de
efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 8; LIMA, Frederico Henrique
Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
p. 15; TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
p. 16; ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade.
Curitiba: Juruá, 2009. p. 32; MAZZEI, Rodrigo Reis Mazzei. O direito de superfície no ordenamento jurídico
brasileiro. 2007. 404 p. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP,
São Paulo, 2007. p. 19; GRAMSTRUP, Erik F. Questões intrigantes sobre o direito real de superfície. In:
ALVES, Jones Fiqueiredo; DELGADO, Mario Luiz (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas: direito
das coisas. São Paulo: Método, 2008. p. 244; ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro:
Forense, 1778. p. 471.
14 Neste sentido: LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de
Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 20, 1979; GORAYB, Rima. O direito de
superfície. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 24 e 25; BENASSE, Paulo Roberto. O direito de superfície e
o Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002. p. 16.
15 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 20, 1979; CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície
compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 8.
16 CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da
propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 8.
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cessões de solo público a particulares que podiam usufruir das construções que
realizassem em tais terras.

Nesse mesmo sentido, Marise Pessoa Cavalcanti arrola17: “Ao ocorrer tal
fato, surgiu uma relação jurídica anormal e incerta, quando seria muito mais
simples comprar o solo. Mas a sua necessidade decorreu da impossibilidade
de o dono do solo vende-lo quer por ser ele inalienável ou por outro motivo
qualquer”.
Conforme a doutrina, esta é a causa do surgimento do direito de super-
fície, ou seja, a sua criação foi motivada pela necessidade de adaptação às
condições sociais dos novos tempos da conjectura da propriedade romana18.
O primeiro relato histórico do direito de superfície, conforme aduz Ricar-
do Pereira Lira, foi na concessão de terreno de Cartago no século IX antes da era
cristã, bem como no ano de 298 da Fundação de Roma, que teria sido concebi-
do a muitas famílias plebeias, e, por motivos de carência o direito de habitar o
Avelino, cada um morava em um dos pavimentos de casas construídas19.
Não obstante, a fase de sua origem diverge na doutrina; e, nesse enten-
der, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald20:
A superfície surge no direito romano, na fase derradeira do período clássico –
período de intenso desenvolvimento urbano –, inicialmente por meio de relação
de direito obrigacional, e posteriormente como direito real em coisa alheia. Em
Roma, a superfície sempre foi um direito real em coisa alheia, sem que nunca
fosse alcançada a noção de propriedade autônoma.

Há, ainda, quem sustente que a superfície teve origem mais especifi-
cadamente no período pós-clássico ou romano-helênico21, possivelmente em
decorrência de arrendamentos de longos prazos (locati conducti rei).
Tal justificativa tem como fundamento que, em Roma, nesse período,
houve a existência de um instituto com estas características, ou seja, um arren-

17 CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da


propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 8.
18 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 21, 1979.
19 Neste sentido: GORAYB, Rima. O direito de superfície. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 26; LIRA, Ricardo
Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da Procuradoria Geral
do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 21, 1979.
20 Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 397; LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de
superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro,
n. 35, p. 19, 1979.
21 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 256.
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damento de forma perpétua ou de longo prazo (ius in agro uectigal)22 que per-
mitia a ocupação e cultivo pelos particulares em terra do Estado, Município e
Associações religiosas, em contrapartida, mediante pagamento de cânon, porém
naquele período de uectigal (para o cultivo) e solarium (para as construções)23.
Referente a essa contraprestação, dispõe o seguinte José Guilherme Braga
Teixeira: “Convém frisar que, mesmo na antiga Roma, o direito de superfície
costumava ser remunerado por uma contraprestação consistente num cânon de-
nominado solarium. Entretanto, podia ser a superfície concebida sem nenhuma
retribuição, posto que não era o solarium essencial ao instituto”24.
Referido instituto foi de grande valia para Roma, tendo em vista ter sido
utilizado para a expansão do império das terras adquiridas no transcurso de seu
apogeu, bem como assegurando, ainda, a posse em favor do Império25.
Nesta esteira, Arnaldo Rizzarto26 acrescenta:
No direito romano, em sua primeira fase, vingava o princípio da associação es-
treita entre o solo e a superfície, sendo ambos partes da mesma coisa, o que levou
a formar a expressão superficies solo cedit, ou seja, a superfície segue o solo.
Quem fosse dono do solo era dono de tudo aquilo que se erguesse ou existisse
sobre ele, pois considera-se a superfície uma parte do solo, inicialmente a ele
ligado, não se viabilizando a transferência de um elemento ou de outro.

Dessa monta, em decorrência da grande expansão romana, estes, não


vislumbrando outra forma para manutenção das terras conquistadas, passaram
a permitir a instalação e construção de hospedarias (aedes superficiarias) e lojas
bancárias (tabernas argentarias) ao longo das estradas, enquanto estes, ou seja,
os hospedadores e banqueiros, regularizavam-se27.
Nesse sentido pontua Sílvio de Salvo Venosa28:

22 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 33.
23 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 256.
24 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 277.
25 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 256.
26 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 861.
27 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 256.
28 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. Direito das coisas. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2003. p. 390 e 391.
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A superfície é um instituto de origem exclusivamente romana. Decorreu da ne-
cessidade prática de se permitir a construção em solo alheio, principalmente
sobre bens públicos. Os Magistrados permitiam que comerciantes instalassem
tabernas sobre as ruas, permanecendo o solo em poder do Estado. Entre parti-
culares, o instituto estabelecia-se por contrato. É consagrado como direito real
em coisa alheia na época clássica. Permitia-se a plena atribuição do direito de
superfície a quem, sob certas condições, construísse em terreno alheio. Assim,
passou-se a permitir que o construtor tivesse obra separada do solo. No entanto,
sob o ponto de vista romano, o direito de superfície somente era atribuído às
construções, não se aplicando às plantações em terreno alheio.

Por fim, arrematando esse entendimento, José Guilherme Braga


Teixeira29 discorre:
As conquistas territoriais que foram sendo feitas pelos romanos acarretam enorme
ampliação dos lindes do Império, aparecendo as grandes propriedades (latifundia).
A necessidade de fixar pessoas nas terras conquistadas, a fim de garantir tais
terras em favor de Roma, levou os romanos a facilitarem a ocupação e o cultivo
delas. A vista disso, enquanto se aplicava o ager vectigalis na parte ocidental do
império, na sua parte oriental apareceram novas formas de arrendamento: o ius
emphyteuticum, quando temporário, e o ius perpetuum, quando perpétuo, am-
bos concedidos mediante o pagamento de um cânon anual.

Assim, a concessão tem como objeto construir ou plantar em um solo


público. Foi tratado o direito de construir, e este tratava-se de um direito deno-
minado de ius aedificandi de superfície e quando do direito de cultivo ius in
agro uertigalis ou de ius perpetuum, porém, em ambos os casos – conforme já
exposto –, deveria o arrendatário pagar monetariamente uma contrapartida30.
Em decorrência disto, é possível afirmar que o direito de superfície origi-
nariamente é um instrumento de direito público-administrativo, o qual, com o
tempo, confunde-se com o direito privado, conforme se verificará no decorrer
do estudo31.
Corroborando com essa ideia, Carlos Roberto Gonçalves elucida32:
Surgiu da necessidade prática de se permitir edificação sobre bens públicos, per-
manecendo o solo em poder do Estado. No direito romano, o Estado arrematava

29 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 17.
30 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 257; GORAYB, Rima. O direito de superfície. São Paulo: Quartier Latin,
2007. p. 33.
31 Neste sentido: LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de
Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 17, 1979; BENASSE, Paulo Roberto. O
direito de superfície e o Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002. p. 22.
32 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil. Direito das coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2006. p. 409.
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suas terras a particulares, que se obrigavam ao pagamento dos vectigali, com o
objetivo precípuo de manter a posse das largas terras conquistadas.

No transcorrer do tempo, o direito romano passou a sofrer algumas alte-


rações, e a mais significativa trata do direito de sequela perante terceiros.
Arnaldo Rizzarto disserta33:
No curso do século II depois de Cristo, já se admitia aos particulares o uso do solo
alheio, construindo moradias na superfície, ou estendendo plantações. Mereceu
esta forma de utilização a proteção do pretor, que concedia ao superficiário,
quando ofendido em sua posse, um interdito de afastamento da perturbação.

Acrescenta, ainda, José Guilherme Braga Teixeira34:


A proteção interdital que lhes foi conferida e que deu ao direito dos arrendatários
(que era exclusivamente pessoal) o primeiro colorido do direito real (falamos aqui
de direito real como concebemos hodiernamente esse tipo de direito, não des-
conhecendo, porém, que os romanos não constituíram nenhuma teoria abstrata
acerca de sua noção). É certo, outrossim, que, no que concerne à superfície, a
proteção interdital passou a ser feita pelo interdito de superfifiebus, semelhante
ao uti possidetis, que tinha por escopo defender o arrendatário contra quem o
turbasse no exercício do seu direito e uso e fruição da edificação.

As diretrizes do direito real foram criadas apenas no período de Justinia-


no, ou seja, um direito de uso e gozo sobre imóvel alheio, transmissível, bem
como provido de uma ação própria e demais ações a eles pertinentes (ações
confessatórias e negatórias)35.
Nessa esteira, pondera Frederico Henrique Viegas de Lima36:
No período pós-clássico, a partir da vulgarização do direito, a superfície experi-
menta grande evolução, existindo diversas manifestações do instituto na praticam
ainda que, muitas vezes, não fosse possível em períodos anteriores do direito
romano.

33 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 861.
34 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 257.
35 Neste sentido: TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a
1.389. In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 256 e 257; RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 1. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. p. 861; LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria
geral. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 23, 1979; CAVALCANTI,
Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000. p. 9; TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993. p. 19: ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil
e do Estatuto da Cidade. Curitiba: Juruá, 2009. p. 36.
36 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005.
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Conforme pode ser verificado pela doutrina, é difícil precisar historica-
mente quando a superfície adquiriu seu caráter de direito real. Sabendo-se ain-
da que tratou de mérito e obra do ius pratorium, o qual tinha como objetivo
buscar a equidade, procurou amenizar a inflexibilidade do ius civile em relação
à acessão37.
Por fim, pode-se concluir que, em decorrência das novas conjecturas
sociais romanas do direito de propriedade, ou seja, pelo rigor dos princípios
reguladores do direito de propriedade, a necessidade de melhoramento quanto
do aproveitamento das terras conquistadas, a adequação habitacional e a valo-
rização do resultado laborativo de quem trabalha nas terras, fez-se necessária a
criação do instituto do direito de propriedade38.

3 O DIREITO DE SUPERFÍCIE NO DIREITO MEDIEVAL


No direito medieval, a interferência no presente instituto é oriundo de
outro direito, também europeu, qual seja, do povo germânico. Estes tinham
como elemento basilar social a peregrinação, e assim modificando alguns con-
ceitos e critérios fundamentais referentes ao binômio construtor/produtor e pro-
prietário do solo39.
Era entendimento que o trabalhador o qual construía ou plantava sob o
solo tinha “maior valor” em relação ao proprietário da terra, haja vista serem os
bárbaros, povos nômades os quais, após as colheitas e o proveito tirado do solo,
abandonavam a terra40.
Trata, nesse sentido, Diana Coelho Barbosa41: “O princípio do trabalho,
contraposto ao princípio da acessão, caracterizaria o reconhecimento da pro-
priedade superficiária não só na era medieval, mas também nos codificações
modernas”.
Corrobora a ideia acima Paulo Roberto Benasse42, que apregoa:

37 GORAYB, Rima. O direito de superfície. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 29.
38 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 26, 1979.
39 Neste sentido: LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de
Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 27 e 28, 1979; BARBOSA, Diana Coelho.
O direito de superfície: à luz do Estatuto da Cidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 149; CAVALCANTI,
Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000. p. 9; BENASSE, Paulo Roberto. O direito de superfície e o Código Civil brasileiro.
Campinas: Bookseller, 2002. p. 29; TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993. p. 22; ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil
e do Estatuto da Cidade. Curitiba: Juruá, 2009. p. 37.
40 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 258.
41 BARBOSA, Diana Coelho. O direito de superfície: à luz do Estatuto da Cidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
p. 26.
42 BENASSE, Paulo Roberto. O direito de superfície e o Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002.
p. 29 e 30.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 109
Segundo esse direito germânico, imóvel era somente a terra nua, sendo tudo o
mais bem móvel, e assim, a incorporação por acessão não tinha campo de apli-
cação. [...] É desta forma que o direito germânico antigo, não construído no prin-
cípio superfície solo cedit, ignora o direito de superfície romano, como jus in re
aliena, e o pratica através da divisão da propriedade do solo daquela do subsolo.

Arremata, neste mesmo diapasão, Marcus Vinicius dos Santos Andrade43


em sua obra: “Sobreveio, com a ocupação germânica, o contraste entre os dois
sistemas, quando à ‘propriedade fundiária’ como um absoluto, coloca em va-
loração binária, a questão sobre diferente ângulo: ‘ter’ a terra ou ‘explorar’ a
terra”.
Contudo, não seria somente esta uma das influências que sofreram o
referido instituto; há ainda dois grandes interessados44. Inicialmente, a igreja
era proprietária de várias construções em solo alheio e objetivava regularizar
ou legitimar suas construções em solo alheio; por fim, os senhores feudais45,
proprietários das terras doadas pelos reis, bem como trabalhada pelos servos.
Nestes termos, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald46
observam:
Com o aperfeiçoamento do modelo jurídico no direito medieval, pelo interesse
da igreja em legitimar as construções feitas em seus terrenos, e, posteriormente,
nas legislações modernas – sobremaneira na reforma do BGB de 1919 –, a super-
fície foi reconhecida como verdadeiro direito de propriedade, abrandando-se o
rigor do princípio da unicidade da titularidade, pois, de forma inédita, a proprie-
dade do solo se apartaria da propriedade das construções e plantações servindo
como maneira de estancar situações de crise habitacional.

Disserta ainda Ricardo Pereira Lira47:


Ao lado do direito de superfície secular, pode detectar-se a existência de um
direito de superfície secular, com a igreja constantemente fazendo concessões
dessa natureza. Como nota distintiva, cabe esclarecer que o direito de superfície
eclesiástico não era alienável. Admitia-se, porém, fosse cedido o exercício do
direito. De outro lado, a concessão por breve tempo, quando se tratasse de bens

43 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 38.
44 Neste entendimento, José Guilherme Braga Teixeira pondera que: “O direito canônico também serviu
amplamente da superfície para legitimar as construções realizadas sobre terrenos de propriedade eclesiástica
e para explorar suas terras incultas, mediante concessões superficiárias” (TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O
direito real de superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 25).
45 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 258.
46 Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 397.
47 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 30, 1979.
110 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
da igreja, gerava em favor do locatário direito real, o que não se verificava no
direito de superfície secular.

Em decorrência da evolução histórica, o direito de superfície amoldou-se


ao novo fato social transformando-se de um direito real para se tornar o instituto
mais equânime ao apresentado inicialmente48.
Dispõe José Guilherme Braga Teixeira49:
Em razão dos fatos ocorridos na época medieval, sucintamente referidos atrás,
superfície e enfiteuse passam a ter por objeto, intrinsecamente, o direito de cons-
truir e plantar, ademais de ambas terem deixado de ser um ius in re aliena, para
se tornarem verdadeiras propriedades paralelas do dominus soli, já que tanto o
superficiário quanto o enfiteuta passaram a ter o domínio útil.

Não obstante, o avanço do instituto, em decorrência dos fatos históricos


já apresentados, teve uma grande perda e tornou-se repudioso perante a socie-
dade em decorrência dos abusos cometidos pelos proprietários do solo50.
Conforme José Guilherme Braga Teixeira51:
Tornadas odiosas por terem escravizado o homem a terra, em razão dos absur-
damente altos preços dos censos que os superficiários e enfiteutas (e, principal-
mente, os inúmeros e incontáveis subsuperficiários e subenfiteutas) estavam obri-
gados a pagar a título de foros, solários, laudêmios etc., superfícies e enfiteuses
foram banidas pela Revolução Francesa, cujo efeitos se estenderam além das
fronteiras guilesas, promovendo a restauração da unidade do domínio na pessoa
do senhor do solo.

Disserta Paulo Roberto Benasse52:


Da Idade Média até o século XVIII, ele passou a ser considerado odioso, pois
criava, como na enfiteuse, os servos da terra, sendo que, no direito de superficiá-
rio, eclesiástico, concedido pelo prazo de 19 ou 29 anos, o concessionário podia
construir nas terras eclesiásticas para fins de moradia, bem como nela plantar,
sem, contudo, ter direito à alienação, e constituída direito real, propriedade para-

48 CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da


propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 84.
49 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389.
In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 257.
50 Neste sentido: AZEVEDO, Adriano Barcelos de. O direito real de superfície e o seu reingresso no ordenamento
jurídico brasileiro. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6479>. Acesso em: 10 jun.
2009; TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993. p. 25; GRAMSTRUP, Erik F. Questões intrigantes Sobre o direito real de superfície. In: ALVES, Jones
Fiqueiredo; DELGADO, Mario Luiz (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas: direito das coisas.
São Paulo: Método, 2008. p. 244.
51 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389.
In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 257 e 258.
52 BENASSE, Paulo Roberto. O direito de superfície e o Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002.
p. 16.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 111
lela, destacada da propriedade do solo, com direito à prelação por preço inferior
ao mercado para o terreno. Visava a legitimar construções realizadas em terrenos
de propriedade eclesiástica.

Acrescentam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald53: “Interes-


sante saber que a superfície foi abandonada pelo Código Civil Napoleônico e
pelos seus códigos que o seguiram, pois a concepção da propriedade absoluta
não poderia suportar uma cisão na titularidade do imóvel”.
Não obstante, a nítida repúdia da aplicação do instituto, tão vislumbrada
pela sociedade naquele período, no direito português tal episódio não ocorrera,
pois Marquês de Pombal, ao verificar todos os excessos ocorridos em todos os
territórios, restringiu os poderes dos senhores feudais, limitando, assim, as exi-
gências vantajosas e outros abusos cometidos por estes54.
Esmiúça e pontua José Guilherme Braga Teixeira55:
Efetivamente, ocorreu que o citado Marquês, procurando abater a aristocracia,
quer a secular, quer a eclesiástica, passou a regular os mesmos institutos pela Lei
de 9 de julho de 1773, cujos §§ 11, 17 e 26 respeitavam construções, árvores e
plantações (isto é, à superfície não foi abolida em Portugal e suas colônias).

Dessa forma, não obstante o direito de superfície ter evoluído até então,
este sofrera uma grande perda em função da sua indevida utilização por parte
dos proprietários dos solos. Todavia, desde que devidamente aplicado, é um
instituto adequado que atende a vários preceitos de aplicabilidade os quais se-
rão verificados a seguir.

4 O DIREITO DE SUPERFÍCIE NO DIREITO PÁTRIO


Consoante depreendido, o direito moderno56 determina a figura do direi-
to superfície, e este reflete a realidade de sua evolução, no sentido que encon-
trou sucedâneo na divisão propriedade (dominium utile)57.

53 Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 397.


54 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389.
In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 257 e 258.
55 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389.
In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 259.
56 Importante observar que, para Carlos Roberto Gonçalves, o direito de superfície moderno é aludido, entre
outros, no direito italiano (CC, arts. 952 a 956), no direito português (CC, arts. 1.524 a 1.242), no direito
alemão (arts. 1.012 a 1.017), no direito austríaco (arts. 1.125, 1.147 a 1.150), no direito suíço (arts.
675 e 779), no direito holandês (arts. 758 a 766), no direito belga (Lei de 10.01.1824). Confere a ele, em
essência, a uma ou várias pessoas o direito de construir ou plantar em terreno alheio. (GONÇALVES, Carlos
Roberto. Direito civil. Direito das coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2006. p. 409)
57 PEREIRA, Caio Mario de Silva. Direito civil. Direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 2004.
p. 243.
112 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Para melhor apresentar o atual direito de superfície, de forma sintática,
passa-se a analisar a sua evolução histórica dentro de ordenamento pátrio e em
decorrência os seus reflexos e tendências absolvidas em transcurso do tempo.
Desta forma, objetivando sistematizar o presente estudo, divide-se em
dois momentos importantes, como o pré-codificado nacional, enquanto o Brasil
Colônia até Lei nº 1.237, de 24 de setembro de 1864 (Teixeira de Freitas), que
excluiu inicialmente o direito de superfície do direito nacional, e, em segundo
momento, do termo final do primeiro período até um breve arrazoado dos dias
atuais.

4.1 O direito de superfície pré-codificação nacional


Desta forma, o Brasil, enquanto colônia portuguesa, encontrava-se sobre
a égide do diploma legal de Portugal, ou seja, submetido à aplicação de toda
legislação lusitana, bem como seus efeitos no território brasileiro58.
Aduz Frederico Henrique Viegas de Lima59 que:
Ao descobrir o Brasil em 1500, Portugal levou para a sua nova colônia suas
leis vigentes, sendo estas aplicadas durante muitos séculos. É consabido que a
separação jurídica dos dois países somente ocorreu em 1822, justamente com a
independência do Brasil.

Nesta linha, Marise Pessoa Cavalcanti60: “Em Portugal, tal direito possuía
outra designação e foi regulado, primeiramente no direito antigo, pela Lei Pom-
balina de 09.07.1773, em relação a construções, árvores e plantações”.
Todavia, não obstante a Independência do Brasil ter ocorrido, ainda as-
sim, nos termos da Lei imperial de 20 de outubro de 1823, determinou o man-
tenimento da legislação do Reino de Portugal no Direito pátrio61.
Sendo assim, dividiremos o presente estudo em três momentos: o primei-
ros deles – em razão da ordem cronológica – será das Ordenações Afonsinas;
em um segundo momento, as Ordenações Manuelinas; e, por fim, as Filipinas,
respectivamente.

58 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 45.
59 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 56.
60 CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da
propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 29.
61 Neste sentido: TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a
1.389. In: ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 260; CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória:
instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 30.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 113
Com o intuito de alocar o presente estudo temporalmente62, bem como
fazer um breve apontamento quanto à vigência das Ordenações no Brasil, veri-
fica-se que as Ordenações Afonsinas teve seu início de vigência em 1500, com
o descobrimento do Brasil, não obstante ser datada de 1446. Por conseguinte,
com o seu término, ou seja, em 1521, deu-se início às Ordenações Manuelinas,
que perduraram até 1521, em que ocorrera o início de vivência das Ordenações
Filipinas até a entrada em vigor do Código Civil de 1916, pois a Consolidação
das Leis Civis aproveitou parte deste último diploma legiferante português63.

4.1.1 Ordenações Afonsinas


O direito português antigo teve como influência o direito romano, o di-
reito germânico e o direito canônico. Tais fontes foram sustentáculos para ela-
boração da primeira codificação portuguesa, ou seja, as Ordenações Afonsinas.
Neste sentido, pontua Marcus Vinicius dos Santos Andrade64:
O ordenamento português, a partir de então, teve como base cultural o direito
romano e leis esparsa promulgadas pelos reis, além de normas consuetudinárias.
Posteriormente, em 1446 ou 1447, veio a primeira codificação, conhecida por
Ordenanças Afonsinas, congregando não só essa legislação nacional, esparsa,
consolidando costumes, mas, de outro lado, o direito romano subsidiariamente
aplicado.

Não obstante, conforme se verifica nos dispositivos apresentados pela


referida codificação, o direito de superfície não está presente65.
A exclusão do direito de superfície, segundo Frederico Henrique Viegas
de Lima66, justifica-se, pois, “nas Ordenações Afonsinas, em virtude da grande
influência recebida do direito romano dos glosadores, desconhecia-se o direito
de superfície. Este se encontra assimilado pela enfiteuse e pelos arrendamentos,
não tendo autonomia privada”.

4.1.2 Ordenações Manuelinas


Em continuidade, o então Rei de Portugal, D. Manuel, em 1512, manda
editar as Ordenações Manuelinas, trabalho este que somente foi concluído em

62 MAZZEI, Rodrigo Reis Mazzei. O direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro. 2007. 404 p.
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, São Paulo, 2007. p. 92.
63 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 56.
64 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 45.
65 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 58-59.
66 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 60.
114 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
1521. Pontua Marcus Vinicius dos Santos Andrade que foram editadas as Or-
denações Manuelinas com as mesmas influências de um conjunto de normas
locais – contudo, com a participação dos glosadores67.
Em decorrência disto, ou seja, tendo em vista a forte influência das Or-
denações Afonsinas, o direito de superfície mais uma vez não estava previsto,
bem como encoberto por outros direitos, como a enfiteuse e os arredamentos68.

4.1.3 Ordenações Filipinas


Por fim, em 1603, foram publicadas as Ordenações Filipinas, quando
Portugal se encontrava sob dominação espanhola, bem como todas as normas
aplicadas a este foram encampadas por aquele69.
Parte da doutrina70 disserta que, desde então, estava previsto o direito
de superfície. Nestes termos, Diana Coelho Barbosa71 pondera que: “Enquanto
colônia de Portugal, vigeu no Brasil o direito de superfície, já que o instituto se
encontrava disciplinado nas ordenações filipinas”.
Entretanto, para uma parte da doutrina, tal assertiva não estava correta,
pois, não obstante haver algumas evoluções, não há previsão expressa do refe-
rido instituto72.
E, assim, perdurou o “direito de superfície” até a elaboração do esboço
do Código Civil elaborado por Teixeira de Freitas73, que fora promulgado pela
Lei nº 1.237, de 24 de setembro de 1864, em que não constou o direito de su-
perfície em seu art. 6º74 inserto ao rol dos direitos reais75.
Neste sentido, manifesta-se o Ricardo Pereira Lira76: “Diante da omissão
do texto codificado, outra não pode ser a conclusão, entre nós, se não a de que
não existe no ordenamento jurídico o direito de superfície”.

67 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 46.
68 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 60.
69 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 62.
70 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 46.
71 BARBOSA, Diana Coelho. O direito de superfície: à luz do Estatuto da Cidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
p. 60.
72 MAZZEI, Rodrigo Reis Mazzei. O direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro. 2007. 404
p. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, São Paulo, 2007. p. 92.
73 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 47.
74 “Art. 6º Somente se consideram ônus reais: a servidão; o uso; a habitação; o anticrese; o usufruto; o foro.”
75 BENASSE, Paulo Roberto. O direito de superfície e o Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002.
p. 16.
76 LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 81, 1979.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 115
Corrobora essa ideia nuclear José Guilherme Braga Teixeira77:
O seu banimento de tal categoria, por exclusão do rol respectivo, é uma das
aplicadores do sistema de que os direitos reais constituem um número taxativo,
da competência do legislador (a propósito, é o que está ocorrendo atualmente
com a enfiteuse no novo Código Civil ora sob comentário). Banida do elenco
dos direitos reis da legislação vigente no País, reduziu-se a superfície a uma mera
modalidade de arrendamento, deixando de ter maior importância na ocasião.

O entendimento utilizado por Frederico Henrique Viegas de Lima78 jus-


tifica-se, pois, para o autor, o direito de superfície se encontra absolvido quase
por completo pela enfiteuse”.
De acordo com o exposto, podemos verificar que a Lei nº 1.237, de 24
de setembro de 1864, não constou o direito de superfície em seu art. 6º referen-
te ao rol dos direitos reais, o que a doutrina entendeu ter sido reduzida a uma
mera modalidade de direito obrigacional, deixando de ter a mesma importância
anterior.

5 O DIREITO DE SUPERFÍCIE E SUA CODIFICAÇÃO NACIONAL


Superado esse primeiro momento, ainda que sem ocorrer à expressa pre-
visão do direito de superfície, anota-se que foram conseguintes três as oportuni-
dades de implementação do presente instituto na legislação nacional.
O primeiro deles foi à elaboração no Código Civil de 1916 que não obs-
tante, a importância do instituto, este, foi descartado pelo legiferante nacional
por não haver interesse ou utilidade do instituto79.
Neste sentido, ventila José Guilherme Braga Teixeira80:
Com a retomada dos trabalhos para a elaboração de um Código Civil para o
Brasil, os primeiros projetos que apareceram depois do “Esboço” (o de Nabu-
co de Araujo, o de Felício dos Santos, o de Coelho Rodrigues e o de Clovis de
Beviláqua) também não inseriram a superfície dentre os direitos reais que elen-
cavam. É certo que uma primeira tentativa de catalogar a superfície dentre os di-

77 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 260.
78 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 62.
79 Neste sentido: CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função
social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 30; BENASSE, Paulo Roberto. O direito de
superfície e o Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002. p. 16; ANDRADE, Marcus Vinícius dos
Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba: Juruá, 2009. p. 49.
80 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 260.
116 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
reitos reais do então futuro ordenamento pátrio surgiu com o “Projecto Revisto”,
não tendo vingado entretanto tal tentativa.

Acrescenta, ainda, Arnaldo Rizzarto81 sobre a temática em tela:


Não vinha, no art. 674 do Código Civil de 1916, incluído no rol dos direitos
reais o direito de superfície. Embora constasse a previsão no projeto do então
Código Civil, vingou uma emenda supressiva, que afastou a espécie na redação
final. Lembra-se, no entanto, de que. no direito brasileiro primitivo. previa-se a
figura da superfície isolada do subsolo, até que a Lei nº 1.237, de 24.09.1864, a
suprimiu.

Uma segunda tentativa, mais expressiva, com previsão expressa em seu


projeto, entretanto rejeitada pelo legislativo82, foi o projeto de Orlando Gomes.
Verificando tal ocorrência, discorre José Guilherme Braga Teixeira83: “Uma efe-
tiva segunda tentativa ocorreu com anteprojeto de Código Civil de Orlando
Gomes, em 1963, a qual também não vingou”.
Ademais, faça-se constar o apregoado por Marcus Vinicius dos Santos
Andrade84:
Após várias alterações tópicas, porém importantes, veio à tona a necessidade
de uma revisão ampla do Código Civil e, mais precisamente, da elaboração de
um novo projeto. A coordenação coube a Caio Mario da Silva Pereira, a quem
também foi conferida a elaboração do anteprojeto do Código de Obrigações.
Orlando Gomes ficou com a formulação do anteprojeto do Código Civil de Di-
reito Civil. O texto apresentado ao Ministro da Justiça, em 31.03.1963 (arts. 513,

81 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 861.
82 O anteprojeto de Código Civil elaborado por Orlando Gomes e apresentado em 31 de marco de 1963 ao
então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, João Mangabeira, incluía no rol dos direito reais limitados a
superfície (art. 513, II), tratando da disciplina da espécie em oito artigos: concessão temporária do direito
de construir ou plantar, mediante escritura pública devidamente inscrita no registro imobiliário (art. 524);
transferibilidade do direito por negócio entre viços, a título oneroso ou gratuito, bem como por disposição de
ato de ultima vontade (art. 525); objeto do direito podendo ser qualquer construção, ou plantação, suscetível
de ser adquirida por acessão pelo dono do solo (art. 526); a concessão podendo ser gratuita ou onerosa, a
remuneração ao concedente pagável de uma só vez ou periodicamente, excluído o comisso, e ressalvada
a pretensão de cobrança das prestações vencidas e não pagas, acrescidas de juros moratórios (art. 527,
§§ 1º e 2º); reversão ao concedente, em princípio sem indenização, salvo estipulação contrária, não podendo
o decurso do prazo estabelecido para a construção que passe ao domínio do concedente ser inferior a vinte
e cinco anos (art. 528); responsabilidade do superficiário pelos encargos e tributos que recaírem sobre o
prédio (art. 529); preferência conferida a ambos, em igualdade de condições, no caso de alienação dos
correspondentes direitos, estabelecida a necessidade de intimação do concedente, sob pena de nulidade, no
caso de penhora da construção ou plantação, para poder fazer valer o seu direito de preferência em hasta
pública (art. 531); vedação peremptória da estipulação do pagamento de qualquer quantia pela transferência
da acessão (art. 532). (LIRA, Ricardo Pereira. O moderno direito de superfície: ensaio de uma teoria geral.
Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 35, p. 85, 1979)
83 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 260-261.
84 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:
Juruá, 2009. p. 49 e 50.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 117
524/531 e 685), por primeiro, posicionava o direito de superfície dentre os direito
reais limitados. [...] A proposta de Orlando Gomes terminou por ser recusada
pelos restantes membros da comissão revisora, Caio Mario da Silva Pereira e
Orozinho Nonato. Vale acrescentar que o projeto, embora remetido pelo Poder
Executivo ao Legislativo, através da Mensagem nº 804, de 12.10.1965, não teve
sequência e acabou arquivado.

Por fim – não a primeira legislação vigente –, mas a terceira e vitoriosa


pretensão fora a da segunda redação do Anteprojeto do Código Civil de 2002,
criada por meio de uma Comissão elaboradora e revisora que fora publicada
no Diário Oficial da União, em 7 de agosto de 1972, tendo como Supervisor
o ilustre Miguel Reale e como colaboradores temáticos os ilustres juristas José
Carlos Moreira Alves (parte geral), tendo Agostinho de Arruda Alvim (direito
das obrigações), Sylvio Marcondes (atividade negocial), Ebert Vianna Chamoun
(direito das coisas), Clóvis do Couto e Silva (direito de família) e Torquato Castro
(direito das sucessões).
Observa-se que, no esboço elaborado pelo Ebert Vianna Chamoun, não
estava previsto o direito de superfície, tendo sido este somente introduzido pos-
teriormente. Referida disposição já demonstrava a preocupação por parte da
doutrina, com o aspecto social da propriedade, objetivado buscar uma solução
para o crescimento desordenado das cidades85.

6 O DIREITO DE SUPERFÍCIE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E O ESTATUTO DA CIDADE (BREVE


ARRAZOADO)
Em consequência, não obstante o grande lapso temporal sem a devida e
pertinente previsão legal, antes mesmo da promulgação do Novo Código Civil,
foi sancionada a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como Esta-
tuto da Cidade.
Observando os fatos ocorridos, Arnaldo Rizzarto86 relata:
Embora não incluído nos anteprojetos iniciais do novo Código Civil, que visavam
a mais uma reforma, o de 1975 obteve êxito ao introduzir a figura, que veio a ser
mantida nas tramitações do projeto, até a sua aprovação. O chamando Estatuto
da Cidade, implantado pela Lei nº 10.257, de 10.07.2001, regulou a matéria.

Nesta mesma esteira, esmiuçando as inovações, bem como apontando a


importância do instituto Frederico Henrique Viegas de Lima87:

85 CAVALCANTI, Marise Pessoa. Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da


propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 32 e 33.
86 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 861.
87 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 202 e 203.
118 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
A Lei nº 10. 257, de 10 de julho de 2001, desde logo conhecida como Estatuto da
Cidade, tem como ponto de partida o Projeto de Lei nº 5.788/1990, que buscava
estabelecer diretrizes gerais sobre a política urbana. Tanto é assim que a regula-
mentação do direito de superfície que continha no Antigo Projeto nº 775/1983
é muito superior ao que foi estabelecido pelo Estatuto da Cidade. [...] Contudo,
não se pode negar que o Estatuto da Cidade introduziu, no ordenamento jurídico
nacional, algumas figuras importantes do urbanismo moderno.

Referido diploma legal regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição


Federal e estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providên-
cias. Importante observar que, em seu Capítulo II, dos instrumentos da política
urbana, mais especificadamente na seção VII, em seus arts. 21 a 24, regulamen-
ta e positiva o direito de superfície urbana88.
Neste esboço apresentado, Frederico Henrique Viegas de Rima afirma89:
“Atualmente, em virtude da concentração de grande parte da população nos
grandes centros, têm sido elaboradas as leis com o propósito de solucionar os
problemas urbanos de moradia”.
Arrematam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald90 no seguinte
sentido:
No projeto do Código Civil de 1916, houve a inserção da matéria por Clovis
Beviláqua, mas a Comissão Revisora suprimiu o ingresso da temática. Também
estava a superfície alinhada no anteprojeto do Código Civil de Orlando Gomes
de 1963. Mas, pioneiramente, o Estatuto do Cidade (Lei nº 10.257/2001) regula-
mentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, introduziu no ordenamento
jurídico pátrio o direito de superfície. No Código Civil de 2002, a disciplina se
instala no Livro do Direito das Coisas (arts. 1.369 a 1.377 do CC).

Assentando termo final na presente evolução histórica, após 27 anos,


conforme já pontuado anteriormente, fora sancionado pelo Presidente da Re-
pública no novo Código Civil pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
que regulamenta o direito de superfície em seus arts. 1.367 a 1.377, bem como
elencando este no rol dos direitos reais no art. 1.255, II91.
Para Carlos Roberto Gonçalves92: “O Código Civil de 2002 reintroduziu,
no Direito brasileiro, o direito de superfície, previsto na legislação do Reino

88 BARBOSA, Diana Coelho. O direito de superfície: à luz do Estatuto da Cidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006.
p. 71.
89 RIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 192.
90 Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 397.
91 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. Da propriedade, da superfície e das servidões. Arts. 1.277 a 1.389. In:
ARRUDA ALVIM, José Manuel de; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, v. 12, 2004. p. 261.
92 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil. Direito das coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2006. p. 409.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 119
de Portugal aqui aplicada no direito pré-codificado, mas não contemplado no
diploma de 1916”.
Conforme podemos notar, depois de um longo hiato legislativo, o direito
de superfície retorna ao direito positivado em dos diplomas distintos, existindo,
assim, um conflito de normas, ou seja, no caso em tela, temos em vigor dois
diplomas infraconstitucionais que regulam a mesma disciplina jurídica, sendo
eles os arts. 1.367 a 1.377 do Código Civil de 2002 e o Estatuto da Cidade, em
seus arts. 21 a 24.

CONCLUSÃO
Em sua essência, o presente artigo tem a finalidade de trazer à baila diver-
sos temas históricos relacionados ao direito de superfície. Neste sentido, foram
enfrentados diversos embates e indagações em relação ao estudo ora abordado,
seja pela aplicação normativa, seja pela doutrinária.
Em decorrência disto, não se pretendeu pôr termo final no estudo em
tela, bem como esgotá-lo, uma vez ser a matéria abrangente e o fato de trazer
consigo vários outros elementos se esbarra diretamente ou indiretamente com
este importante instituto denominado direito de superfície.
Sendo assim, no decorrer deste, fez-se necessário pontuar muitas asser-
tivas referentes ao tema, delimitando ponderações estas acostadas em estudos,
já conhecidos de diversos doutrinadores, bem como se extraindo todos os itens
importantes.
Porém, sempre que considerado oportuno, houve a emissão de uma pon-
deração deste autor.
Superado todos os pontos apresentados, há de fazer constar que a etimo-
logia da palavra superfície é diferente do direito de superfície.
Neste entender, pontua ser possível diferenciar a superfície de duas for-
mas. A primeira delas como simples termo que é, ou seja, simplesmente super-
fície; neste caso, pode ser esta interpretada no mesmo sentido da linguagem
usual já apresentada. Todavia, em um segundo momento, temos, ainda, a su-
perfície como instituto jurídico, que, neste caso, emprega-se o termo direito de
superfície.
Neste diapasão, conforme foi verificado como assertiva, tal diferenciação
do referido instituto, do direito de superfície, vai muito além do simples concei-
to comum ou do termo geral.
Analisada a origem do instituto, observou-se que este tem inegavelmente
seu primeiro momento no direito romano, onde o proprietário da terra era titular
de um direito de propriedade praticamente absoluto, praticamente sem restri-
120 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
ções ao seu uso e gozo, bem como se beneficiava exclusivamente por tudo que
fosse acrescido ao solo.
Sendo assim, em Roma, o proprietário de um imóvel, quando acrescida
qualquer benfeitoria no imóvel – seja na terra, seja no seu espaço aéreo –, este
seria encampado à propriedade como consequência lógica do direito de pro-
priedade.
Porém, em decorrência dessa rigidez, tornou-se inconveniente o direito
de propriedade com este escopo na medida da expansão do território romano o
desenvolvimento das obras públicas.
Verificamos, ainda, que o direito de superfície originariamente é um ins-
trumento de direito público-administrativo que, com o tempo, se confunde com
o direito privado, pois inicialmente foi utilizado para a expansão do território
romano e, posteriormente, arrematava suas terras a particulares, que se obriga-
vam ao pagamento de uma contraprestação.
Assim, somente no período de Justiniano, o referido instituto se criou das
mesmas diretrizes delineadoras do direito real, ou seja, um direito de uso e gozo
sobre imóvel alheio, transmissível, bem como provido de uma ação própria e
demais ações a eles pertinentes (ações confessatórias e negatórias).
Neste diapasão, pode-se concluir que, em decorrência das novas con-
jecturas sociais romanas do direito de propriedade, ou seja, pelo rigor dos prin-
cípios reguladores do direito de propriedade, a necessidade de melhoramento
quanto ao aproveitamento das terras conquistadas, à adequação habitacional e
à valorização do resultado laborativo de quem trabalha nas terras se fez neces-
sária à criação do instituto do direito de propriedade.
Entrementes, no direito medieval, a interferência no presente instituto
foi oriunda do povo germânico. Estes tinham como elemento basilar social a
peregrinação, e assim modificando alguns conceitos e critérios fundamentais
referentes ao binômio construtor/produtor e proprietário do solo.
Em decorrência dessa evolução histórica, o direito de superfície amol-
dou-se ao novo fato social, transformando-se de um direito real para se tornar o
instituto mais equânime ao apresentado inicialmente.
Não obstante o avanço do instituto referido ter ocorrido, este, em decor-
rência dos mesmos acontecimentos históricos já apresentados aqui, sofreu uma
grande perda e tornou-se repudioso perante a sociedade em decorrência dos
abusos cometidos pelos proprietários do solo.
Verificada a nítida repúdia da aplicação do instituto, tão vislumbrada
pela sociedade naquele período, no direito português isso não ocorrera, pois
Marquês de Pombal, verificando todos os excessos ocorridos em todos os terri-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 121
tórios, restringiu os poderes dos senhores feudais, limitando, assim, as exigên-
cias vantajosas e outros abusos cometidos por estes.
Desta forma, não obstante o direito de superfície ter evoluído até então,
este sofrera uma grande perda em função da sua indevida utilização por parte
dos proprietários dos solos. Todavia, desde que devidamente aplicado, o direito
de superfície é um instituto adequado que atende a vários preceitos de aplica-
bilidade que verificaremos a seguir.
Superada essa evolução, ao analisar o direito de superfície no direito
pátrio, verificou-se que este reflete a realidade de sua evolução, no sentido
que encontrou sucedâneo na divisão propriedade (dominium utile), bem como
incorporado ao Brasil enquanto colônia portuguesa, ele se encontrava sobre a
égide dos diplomas legais de Portugal, até a entrada em vigor da Lei nº 1.237, de
24 de setembro de 1864 (Teixeira de Freitas), que excluiu inicialmente o direito
de superfície do direito nacional.
Em continuidade, pode-se anotar que foram conseguintes três as oportu-
nidades de implementação do presente instituto na legislação nacional.
No direto privado, a primeira tentativa foi a elaboração no Código Civil
de 1916, que, não obstante a importância do instituto, este foi descartado pelo
legiferante nacional por não haver interesse ou utilidade do instituto. A segunda
tentativa, mais expressiva, com previsão expressa em seu projeto, porém rejei-
tada pelo Legislativo, foi o projeto de Orlando Gomes. Por fim – porém não a
primeira legislação vigente (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) –, a terceira
e vitoriosa pretensão fora a segunda redação do Anteprojeto do Código Civil de
2002.

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função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. Direito das coisas. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 5,
2003.
Parte Geral – Doutrina
Da Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos Contratos
de Locação
Paula Saleh Arbs
Mestranda em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra, Portugal.

A Defesa ao Consumidor é uma determinação do constituinte originário


imposta ao Estado como dever e consagrada ao indivíduo como direito funda-
mental (inciso XXXII, art. 5º); ademais, também é um princípio a ser observado
obrigatoriamente na ordem econômica (inciso V, art. 170).
A defesa do consumidor está materializada, enquanto norma jurídica,
principalmente no Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei nº 8.078/1990,
que traz importantes questões: 1) de que as “normas de proteção e defesa do
consumidor” são “de ordem pública e interesse social”; 2) de que se deve enten-
der pelo conceito de consumidor – toda pessoa que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final – no caso em comento a figura do locador,
fornecedor – toda pessoa que tenha como atividade o fornecimento de produtos
ou a prestação de serviços – representado na figura da imobiliária, produto –
bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial – no caso, o bem que se pretende
alugar e serviço – qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, me-
diante remuneração, excluindo apenas aquelas de caráter trabalhista – no caso
a locação, propriamente dita.
Quanto à locação de coisas, está disposto no art. 565 do Código Civil, é
o contrato pela qual uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo deter-
minado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
O entendimento pelo qual não se aplica o Código de Defesa do Consu-
midor às relações locatícias, deve ser aplicado apenas nas relações entre parti-
culares, pois, neste caso, se encontram em posição de igualdade jurídica nego-
cial – em paridade de armas.
Entretanto, quando a locação residencial se dá por meio de imobiliária,
patente se verifica a condição de vulnerabilidade do locatário, tendo que, o
mais das vezes, se submeter a contrato de adesão redigido unilateralmente pela
Empresa.
Com efeito, é nítida a existência de relação de consumo entre o inquilino
e a imobiliária, uma vez que todas as questões que necessitam ser resolvidas,
124 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
o são entre estes, quase nunca sendo necessária a presença ou participação do
locador do imóvel1.
Assim, quando o contrato de locação residencial de imóvel é estabeleci-
do por meio de imobiliárias, estas claramente prestam serviços de corretagem
de imóvel, preparando tudo para seu cliente, anunciando em jornais, zelando
o imóvel, levando e trazendo interessados, consertando eventuais defeitos e,
principalmente, redigindo o contrato de locação que será assinado pelo loca-
dor com qualquer locatário, configurando-se consequentemente um contrato
de adesão, ou seja, um contrato com cláusulas estipuladas unilateralmente pela
administradora do imóvel.
Destarte, ao locatário não é dada nenhuma possibilidade de escolha no
momento de alugar um imóvel residencial, isto é, ou o locatário se submete
a todas as cláusulas contratuais determinadas pela imobiliária; inclusive com
renúncia de direitos de terceiros como no caso dos fiadores que assinam o con-
trato como garantes do mesmo, ou não assina o contrato e consequentemente
não supre a sua necessidade de alugar um imóvel para residir2.
Evidenciado fica que não há uma igualdade inicial entre proprietário e
inquilino na condução do negócio jurídico, pois a intervenção da imobiliária
pró-locador desequilibra sensivelmente a relação estabelecida, tornando-a de
alta complexidade ao envolver inúmeros aspectos contratuais3.

1 Neste diapasão, a lição da Professora Cláudia Lima Marques, in literis: “Nesse sentido, vale repetir as
observações das edições anteriores, que considero – data máxima vênia – ainda válidas, pois a locação é
tratada, nas grandes cidades, como contratos de adesão elaborados pelas imobiliárias; nas pequenas cidades,
como contratos de locação ainda paritários e discutidos com cada inquilino. O importante é poder caracterizar
a presença de um consumidor e de um fornecedor em cada pólo da relação contratual” (Contratos no Código
de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 1109).
2 Nesse sentido, Silvio Rodrigues: “Contrato de adesão é aquele em que todas as cláusulas são previamente
estipuladas por uma das partes, de modo que a outra no geral mais fraca e na necessidade de contratar não
tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este ultimo
contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro. O surgimento deste tipo de contrato veio como
forma de economizar tempo e uniformizar as relações” (Direito civil – Dos contratos e das declarações
unilaterais da vontade. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2004).
3 Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in literis:
“LOCAÇÃO – FIANÇA – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – MULTA MORATÓRIA – CDC – APLICABILIDADE
– Os fiadores são responsáveis pelas verbas indenizatórias provenientes do contrato de locação até a entrega
definitiva das chaves do estabelecimento locado. A limitação da multa moratória dois por cento do valor da
prestação, prevista no § 1º do art. 52 do CDC, tem aplicação às relações locatícias.”
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – LOCAÇÃO – MULTA PENAL – APLICAÇÃO DOS DITAMES
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL – Aplicam-se às relações
locatícias os ditames do Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual a multa moratória prevista no
art. 52, § 1º, do referido diploma legal deverá servir de parâmetro para a redução da multa avençada entre
as partes. Mesmo se assim não fosse levando-se em conta o princípio do equilíbrio contratual permeado
pela atual conjuntura econômica nacional a redução da multa para 2% por cento uma questão de equidade,
pelo que deve ser levada a cabo em conformidade com o art. 924 do Código Civil, evitando-se desta forma o
enriquecimento sem justa causa.”
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 125
A regra, porém, é a inclusão dos contratos de locação não comercial no
campo de aplicação do CDC, que, como norma de ordem pública, estabelece
um valor básico e fundamental de nossa ordem jurídica.
As complexas e reiteradas relações, as quais se estabelecem entre o loca-
tário, o locador, a imobiliária, o condomínio e sua administração, formam uma
série de relações contratuais interligadas que estão a desafiar a visão “estática”
do direito. Como verdadeiro contrato cativo de longa duração, a locação e suas
relações jurídicas acessórias necessitam uma análise dinâmica e contextual, de
acordo com a nova teoria contratual, a reconhecer a existência de deveres prin-
cipais e deveres anexos para as partes envolvidas, seja o consumidor, seja a
cadeia organizada de fornecedores diretos e indiretos.
Deve-se levar em consideração que o serviço da imobiliária não se res-
tringe apenas à corretagem (apenas conseguir um inquilino para o imóvel, por
exemplo). Após a locação do imóvel, a imobiliária se torna responsável por
todos os serviços referentes ao imóvel, tal qual verificar manutenção do mesmo,
receber pagamentos e dar a quitação mensal, fazer vistorias, resolver eventuais
problemas no imóvel constantemente, entre outros. Caracterizando-se assim a
prestação de serviço contínua.
Portanto, tratando-se de locação residencial, a aplicação de normas pro-
tetivas do CDC será a regra.
Parte Geral – Doutrina
Condomínio Edilício e o Novo CPC
Olney Queiroz Assis
Advogado, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito e do Estado-PUC/SP, Professor da Facul-
dade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ da Escola Superior de Advocacia – ESA/OAB e da
Escola Paulista de Direito – EPD.

RESUMO: Este artigo mostra que o CPC/2015 deu destaque à função operacional das normas pro-
cessuais civis, motivo pelo qual ampliou as funções do condomínio edilício ao possibilitar o protesto
e a ação de execução de contribuições condominiais. O artigo sistematiza essas duas novidades
processuais e aproveita para recuperar o debate sobre o reconhecimento da personalização do con-
domínio edilício. Argumenta que o aumento da complexidade social exige esse reconhecimento e
que os conceitos sujeito de direito e pessoa jurídica foram construídos tendo em vista uma função
operacional. Indica que o condomínio edilício como sujeito personalizado se ajusta à finalidade do
CPC/2015 de gerar um processo civil mais célere e mais justo e obter um grau mais intenso de
funcionalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Condomínio edilício; função operacional do Direito; normas processuais civis.

ABSTRACT: This article shows that CPC/2015 has emphasized the operational function of civil pro-
cessual rules, reason why expanded the mixed-property functions by enabling protest and enforce-
ment action of condominium contribution. The article organizes these two procedural innovations and
brings back the debate about recognition of mixed-property condominium personalization. Argues
that the social complex increase demands this recognition and that the concepts subject of law
and legal person were constructed owing to an operational view. It shows that the mixed-property
condominium as a custom subject fits the purpose of CPC/2015 to create a faster and fairer civil suit
and to obtain a better level of functionality.

KEYWORDS: Myxed-property condominium; operational function of Law; civil procedural rules.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceitos e classificações; 2 Teorias; 3 Teoria da função operativa; 4 Perso-


nalização; 5 Despesas e contribuições condominiais; 6 Protesto; 7 Procedimento comum e ação de
execução; 8 Penhora; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
O novo Código de Processo Civil considerou título executivo extraju-
dicial o crédito referente às contribuições do condomínio edilício, desde que
documentalmente comprovadas. Isso significa que o condomínio edilício pode
protestar o título e utilizar-se do processo de execução contra os condôminos
inadimplentes. No processo de execução é possível penhorar a unidade au-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 127
tônoma ou a vaga na garagem de propriedade do condômino devedor. Ocor-
re, porém, que se o bem penhorado for levado a leilão, existe dúvida sobre
o direito de preferência do condomínio edilício em relação à adjudicação. A
mesma dúvida é suscitada no caso de unidade autônoma penhorada por falta
de pagamento de prestações ou quando arrecadada pelo administrador judicial
da falência do condômino empresário. Essas dúvidas sobre a possibilidade do
condomínio edilício adquirir bens imóveis decorrem de outra, que consiste em
determinar se o condomínio edilício é sujeito de direito despersonalizado ou
personalizado.
Essas dúvidas têm merecido respostas divergentes, motivo pelo qual
aproveitamos as inovações introduzidas pelo CPC/2015 para retomar o debate e
apontar um entendimento que, acreditamos, é mais compatível com as funções
do condomínio edilício diante da alta complexidade das sociedades urbanas do
século XXI.
Partimos do pressuposto de que as leis e os conceitos jurídicos que elas
veiculam estão submetidos a influências recíprocas, portanto, não podem ser
compreendidos ou aplicados isoladamente. Deve haver uma coordenação entre
normas, tendo em vista a coerência e a função operacional do sistema. Fixamos,
portanto, o entendimento segundo o qual os conceitos jurídicos são criados,
definidos e classificados tendo em vista uma função operacional prática que
consiste na decisão de conflitos com um mínimo e perturbação social, portanto,
de forma mais ágil, mais célere e mais justa.
Disso decorre que a exata compreensão da função operacional de deter-
minados conceitos é decisiva para definir a personalização ou não do condo-
mínio edilício, bem como o seu direito de preferência na adjudicação de imó-
vel penhorado ou arrecadado que constitua uma de suas unidades autônomas.
Nessa trilha, pedimos licença ao leitor para estender a nossa exposição na parte
que trata dos conceitos.

1 CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES
Para entender e explicar o Direito, os juristas constroem conceitos, cujas
definições servem como descrições abreviadas dos fenômenos jurídicos. Os
conceitos e as respectivas definições são utilizados como instrumentos de aná-
lise, interpretação, compreensão e aplicação dos textos jurídicos. Os conceitos
jurídicos são usados de forma regular e frequente por todos os profissionais do
Direito, motivo pelo qual grande parte do ensino jurídico consiste em esclarecer
as suas definições e mostrar o uso seu operacional.
Para facilitar a compreensão e definição adequadas, os conceitos são
classificados em gênero, espécies, subespécies, etc. A classificação dos con-
ceitos é uma elaboração extremamente útil à compreensão de qualquer tema
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jurídico. Aliás, todas as áreas do conhecimento operam com classificações. As
classificações organizam o raciocínio e facilitam a compreensão, na medida
em que utilizam procedimento de distinção, divisão, ordenação, coordenação,
hierarquização, etc.
A propósito, o filósofo Aristóteles ensinava que “conhecer é classificar” e,
por conta disso, classificava (agrupava e separava) as coisas em gêneros e espé-
cies. Essa noção aristotélica tem sido amplamente utilizada na compreensão do
Direito desde os tempos dos jurisconsultos romanos, motivo pelo qual é comum
os doutrinadores contemporâneos organizar o estudo das disciplinas jurídicas
mediante classificações.
Todavia, é preciso anotar que as classificações, embora relevantes para o
conhecimento jurídico, não ostentam rigor científico, portanto, convivem com
certa margem de imprecisão. Além disso, as classificações tendem a isolar os
conceitos em prejuízo de uma compreensão dialógica dos mesmos. Isto não
significa, porém, que as classificações sejam desprovidas de consistência, a sua
insuficiência e tendência isolacionista não impedem a sua operacionalização
na interpretação, compreensão e aplicação das regras jurídicas.
Existem classificações restritivas, geralmente utilizadas apenas em deter-
minado ramo do Direito. Nesse sentido, os condomínios são classificados em
duas espécies: condomínio geral e condomínio edilício; este, por sua vez, é
classificado em residencial ou não residencial, enquanto aquele é classificado
em voluntário ou necessário. De outra parte, existem classificações extensivas
ou abarcantes que se estendem para todos os ramos do Direito, ou seja, nenhu-
ma disciplina jurídica ou nenhum regime jurídico pode delas prescindir. Nesse
sentido, a classificação dos sujeitos de direito, que será analisada adiante.

1.1 Sujeito de direito


Sujeito de direito pode ser definido como o centro de imputação de di-
reitos e deveres referidos em normas jurídicas com a finalidade de orientar a su-
peração de possíveis conflitos de interesses. Sujeito de direito é o conceito mais
genérico do ordenamento jurídico porque abrange todas as pessoas e os entes
que o sistema atribui faculdade ou aptidão de ser titular de direitos e obrigações.
Esse conceito projeta-se para todos os quadrantes do universo jurídico, motivo
pelo qual é decisivo compreendê-lo adequadamente. Com o intuito de tornar o
conceito mais compreensível e operacional, os juristas utilizam uma classifica-
ção que divide os sujeitos de direito em duas espécies: a) os personalizados: são
as pessoas físicas e jurídicas; e b) os despersonalizados: são os entes.
O condomínio edilício é classificado pela maioria dos doutrinadores bra-
sileiros como sujeito de direito despersonalizado (ente), cuja finalidade consiste
em administrar interesses comuns dos proprietários de unidades autônomas de
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 129
uma edificação. Todo sujeito de direito (pessoa ou ente) possui aptidão para ser
titular de direitos e obrigações; todavia, por ser considerado sujeito desperso-
nalizado, a atuação do condomínio edilício circunscreve-se aos negócios jurí-
dicos que está autorizado a praticar, ou seja, o condomínio só pode praticar os
atos inerentes à sua finalidade ou os expressamente autorizados por lei.
A partir dessa compreensão, a dogmática jurídica entende que a compra
e venda de bem imóvel não é inerente à finalidade do condomínio edilício e
não existe tampouco uma norma jurídica autorizando-o a fazê-lo. Faltaria ao
condomínio edilício, enquanto sujeito despersonalizado, aptidão para partici-
par de tal relação jurídica. Assim, caso o condomínio deseje comprar ou vender
um imóvel, deverá propor uma ação para que o juiz lhe conceda, mediante
sentença, uma norma específica autorizando ou não a realização do negócio.
O aumento da complexidade social, principalmente nos grandes centros
urbanos, tem ampliado a participação dos condomínios edilícios nas relações
econômicas e sociais. Esse fenômeno coloca em outro patamar a compreensão
sobre o que seria ou não inerente à finalidade do condomínio. É preciso ter em
conta que as pessoas jurídicas e os entes despersonalizados são meros instru-
mentos jurídicos criados pelo Direito com a finalidade de melhor disciplinar as
relações econômicas e sociais de maior complexidade entre os seres humanos.
Essas ficções ou abstrações são titulares de direitos e obrigações para que os
conflitos de interesses que envolvem os seres humanos possam ser superados de
modo mais racional e com um mínimo de perturbação social.
Também é preciso destacar que o condomínio edilício, diferentemente
dos demais entes despersonalizados, é constituído para permanecer no tempo,
não para cumprir uma determinada função e depois desaparecer, como ocorre
com o espólio e a massa falida. Isso significa que é necessário repensar a natu-
reza jurídica e a classificação do condomínio edilício como sujeito desperso-
nalizado.

2 TEORIAS
A expressão condomínio edilício é ambígua porque utilizada para in-
dicar duas coisas distintas, a saber: a) uma propriedade: composta de partes
exclusivas (cada condômino é titular de unidade autônoma) e de partes comuns
(cada condômino é titular de partes ideais das áreas comuns); b) um sujeito de
direito: considerado pela maioria da doutrina um ente despersonalizado, mas
dotado de capacidade processual, com órgãos de poder, equiparado às pessoas
jurídicas de direito privado pela legislação tributária, que assume nas relações
jurídicas diversas posições e respectivos papéis, como as de empregador, con-
sumidor, contribuinte, responsável tributário, locador, proprietário, investidor,
etc.
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Diante dessa complexidade, à qual não se aplica os tradicionais princí-
pios consagrados pelo regime jurídico do condomínio geral, as opiniões diver-
gem. Não existe, portanto, consenso entre os juristas sobre a natureza jurídica
do condomínio edilício.

2.1 Natureza jurídica


Natureza jurídica é uma expressão utilizada pela doutrina para determi-
nar a afinidade que um conceito tem em diversos pontos com uma categoria
jurídica mais ampla, podendo nela ser incluído a título de classificação. Nestes
termos, um conceito pode ser considerado uma espécie que pertence a um de-
terminado gênero. Quando um conceito não é adequado a nenhum gênero, a
doutrina diz que ele é sui generis, ou seja, o único em seu gênero.
As teorias que procuram determinar a natureza jurídica do condomínio
edilício podem ser classificadas em dois grupos distintos. No grupo que explica
a natureza jurídica do condomínio a partir do direito de propriedade destaca-se:
A – Teoria do Instituto Jurídico Novo: para a maioria dos juristas, essa teoria foi
recepcionada pelo Direito brasileiro, tendo em vista a seguinte prescrição do
Código Civil: “Art. 1.331. Pode haver, em edifícios, partes que são propriedade
exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”.

Segundo alguns doutrinadores, a teoria do instituto jurídico novo en-


contra apoio na obra de Marcel Planiol e George Ripert, tendo em vista que
para esses juristas o condomínio edilício consiste em uma fusão de proprieda-
de individual e propriedade coletiva. Conforme essa orientação, a propriedade
horizontal seria um direito complexo que se apresenta no quadro das cons-
truções jurídicas, como gênero novo. Nestes termos, o condomínio edilício é
visto como um novo direito real, cujas linhas estruturais próprias e peculiares
implicam propriedade individual e propriedade comum.
Caio Mario da Silva Pereira (1977: 345) segue essa orientação. Nesse
sentido, afirma que o condomínio é
um fenômeno econômico e jurídico moderno. Não se compraz com os insti-
tutos invocados para sua explicação, nem deles necessita. Especialmente deve
ser lembrado que, se fosse uma pessoa, o condomínio, como tal, é que seria o
sujeito de todas as relações jurídicas. Não é isso que se verifica. Os titulares dos
direitos sobre as unidades autônomas e sobre as partes e coisas comuns são os
condôminos e não uma inexistente ou fictícia pessoa jurídica. O condomínio
dito edilício explica-se por si mesmo. É uma modalidade nova de condomínio,
resultante da conjugação orgânica e indissolúvel da propriedade exclusiva e da
copropriedade.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 131
No grupo de teorias que explica o condomínio edilício a partir da noção
de sujeito de direito destaca-se:
A – Teoria da Personalidade Sui Generis ou Anômala: A doutrina noticia que
a personalidade jurídica do condomínio edilício é reconhecida expressamente
na legislação francesa, cuja doutrina o qualifica como uma criação original do
legislador. Também noticia que as legislações da Argentina e da Colômbia segui-
ram a mesma orientação e reconheceram personalidade jurídica ao condomínio
edilício.

Nessa trilha, Silvio de Salvo Venosa (2006: 338) postula que o condomí-
nio possui personificação anômala, portanto, nada impede que a comunidade
condominial decida ser proprietária, por exemplo, de lojas ou estacionamentos
no edifício, explorando-os comercialmente e, com isso, reduzindo as despesas
condominiais dos titulares das unidades autônomas. Para Venosa, o Direito não
pode ignorar realidades e o condomínio, no mundo dos negócios, age tal qual
uma pessoa jurídica. Nesse sentido, aponta que é comum o condomínio deli-
berar e decidir pela locação de dependências suas para restaurante ou outra
atividade mercantil.
Para alguns autores, negar personalização ao condomínio edilício sig-
nifica impedi-lo de adjudicar ou adquirir imóvel de interesse dos condôminos.
Nesse sentido, citam o caso, tido como paradigmático, no qual o condomínio,
impossibilitado de reunir em uma escritura 200 pessoas (= número de condô-
minos), perdeu a opção de compra de um terreno contíguo que solucionaria o
problema de falta de vagas para o estacionamento de veículos, pois o tabelião
recusou-se a lavrar a escritura em nome do condomínio, representado pelo sín-
dico.
O Código Civil não reconhece expressamente a personalidade jurídica
ao condomínio edilício, tanto que esse sujeito de direito não consta do disposi-
tivo (art. 44) que estabelece o rol das pessoas jurídicas de direito privado. Con-
tudo, o Código prescreve que os instrumentos de instituição e convenção do
condomínio edilício devem ser registrados. Assim, em dois atos e registros dis-
tintos, consumados perante o mesmo Registro de Imóveis, surge juridicamente
o condomínio edilício, com legitimidade de representação da coletividade dos
condôminos nas relações jurídicas concernentes à administração dos interesses
comuns.
A partir do registro, o condomínio é obrigado a requerer na Receita Fede-
ral o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, que o habilita a contratar
empregados e cadastrar-se no Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.
É sujeito de direitos e obrigações como a generalidade das pessoas jurídicas de
direito privado, sendo obrigado, inclusive, a realizar depósitos de FGTS, pagar
e reter parcelas devidas ao INSS, ao IR, ao PIS, à Cofins, à CSLL e apresentar do-
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cumentos referentes às obrigações fiscais principais e acessórias. O condomínio
edilício cumpre efetivamente uma função operacional de sujeito de direito per-
sonalizado: compra, aluga, empresta, contrata serviço, emprega, faz aplicações
financeiras, recolhe tributos e nada o impede, por exemplo, de ser proprietário
de unidades autônomas, lojas no térreo ou vagas na garagem, que poderá locar
e auferir renda para a comunidade condominial.
Como se nota, os interesses sociais e econômicos cada vez mais com-
plexos que gravitam em torno do condomínio edilício e que apontam para um
horizonte cada vez mais ampliado de relações jurídicas indicam que a personi-
ficação atenderia de forma mais eficaz a sua função operacional.
As divergências teóricas em relação à personalização existem porque o
condomínio edilício, em relação ao condomínio tradicional, apresenta duas no-
vidades: a) uma de caráter objetivo: o condomínio edilício é uma propriedade
composta de partes exclusivas e de partes comuns; b) outra de caráter subjetivo:
o condomínio edilício é sujeito de direito, que administra as partes comuns e
representa os interesses da comunidade de condôminos.
A determinação do condomínio edilício como sujeito de direito perso-
nalizado (pessoa) ou despersonalizado (ente) implica investigar a construção
do conceito sujeito de direito com o intuito de demonstrar que o mesmo foi
elaborado tendo em vista uma função operacional.

3 TEORIA DA FUNÇÃO OPERATIVA


É possível enxergar na teoria da função operativa um diálogo ou uma co-
nexão entre diversos conceitos jurídicos (direito subjetivo, direitos reais, direitos
pessoais, sujeito de direito) que permite apontar para a personalização do con-
domínio edilício. Seguimos nesse caminho as orientações de Tercio Sampaio
Ferraz Jr. (1985: 151-154).
Ferraz Jr. esclarece que, para Alf Ross, a função primeira do conceito di-
reito subjetivo é a de um instrumento teórico que permite apresentar situações
reguladas por normas de uma forma operacional. É possível perceber a função
operativa do conceito direito subjetivo na distinção entre direitos reais e direitos
pessoais. Vale dizer, essa distinção serve para esclarecer o uso dogmático da
expressão direito subjetivo e a sua vinculação ao conceito sujeito de direito.
A distinção entre direitos reais e direitos pessoais remonta ao Direito ro-
mano e tem uma significação classificatória prática, pois permite discriminar os
tipos de proteção processual a que um direito subjetivo está submetido.
Em rápida síntese, pode-se dizer que direitos reais correspondem à facul-
dade de dispor, usar e gozar uma coisa, que garante ao titular a faculdade de
obter a entrega ou a restituição da coisa em face de qualquer sujeito de direito
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 133
que dela se tenha apoderado. Já os direitos pessoais correspondem a uma pre-
tensão em face de um sujeito determinado; são usualmente entendidos como
uma faculdade atribuída ao titular em relação a um sujeito, a fim de que esta
realize um ato (ou uma omissão).
O conceito direito subjetivo, considerado à luz de sua função jurídica,
aponta para a posição de um sujeito de direito dotado de faculdades jurídicas
que pode fazê-las valer mediante procedimentos garantidos por normas.
É possível identificar no uso do conceito alguns elementos básicos de sua
estrutura: a) o sujeito do direito pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas ou
apenas de uma entidade caracterizada por um conjunto de bens; b) o conteúdo
do direito é a faculdade específica de constranger o outro, no caso dos direitos
pessoais, ou de dispor (gozar e usar a coisa) sem turbação de terceiros, no caso
dos direitos reais; c) o objeto do direito é o bem protegido; d) a proteção do
direito é a possibilidade de fazer valer o direito por meio da ação processual
correspondente.
Com base nesses elementos, a dogmática jurídica elabora as classifica-
ções. Uma delas é distinção entre sujeitos personalizados e despersonalizados.
Assim, quando o sujeito de direito é caracterizado por um conjunto de bens, a
doutrina o classifica como despersonalizado, porém, se for caracterizado por
um conjunto de pessoas, é classificado como personalizado.
É importante destacar que essas classificações constroem-se para o do-
mínio prático das questões relativas à decisão dos conflitos, constituindo topoi
(lugares comuns) de orientação em um quadro de coerência argumentativa.
Vale dizer, os conceitos oriundos das classificações não são descrições de subs-
tâncias, mas conceitos operacionais para decidir conflitos.
A expressão condomínio edilício é ambígua, porque significa tanto um
conjunto de bens como um conjunto de pessoas, daí a dificuldade de classifi-
cação. Entendemos que o condomínio edilício deve ser captado como conceito
operacional, e não como substância, portanto, a determinação da sua natureza
jurídica depende da resposta à seguinte pergunta: No atual estado de comple-
xidade social, o que é mais conveniente em termos operacionais? Entender o
condomínio edilício como sujeito personalizado ou como despersonalizado?

3.1 Sujeito de direito e pessoa


Ferraz Jr. explica que a estrutura do direito subjetivo, conforme anotado
antes, aponta para elementos básicos que, por sua vez, constituem conceitos
jurídicos fundamentais. Um desses conceitos é o de sujeito de direito. O uso
dessa expressão se reporta à noção de direito subjetivo para afirmar o sujeito
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(ser humano) como titular da propriedade privada enquanto uma instituição que
cabe ao direito objetivo proteger e garantir.
O sujeito jurídico é, portanto, aquele que é sujeito de um direito ou de
um dever correspondente. Nestes termos fala-se em pessoa, um conceito que
provém do cristianismo e que aponta para a dignidade do homem insuscetível
de ser mero objeto. A personificação do homem foi uma resposta cristã à dis-
tinção entre cidadãos e escravos que existia na Antiguidade. Com a expressão
pessoa obteve-se a extensão moral do caráter de ser humano a todos os homens,
considerados iguais perante Deus.
A doutrina jurídica estendeu o uso da expressão para outros entes (so-
ciedades, associações, fundações) também portadores de direitos e deveres, daí
falar-se em pessoa jurídica. A noção de pessoa jurídica tem origem na Idade
Média e na necessidade de conferir certa garantia jurídica ao comércio das
corporações que então se organizavam. Nesse sentido, é possível afirmar que o
conceito pessoa jurídica foi construído para atender a uma função operacional.
Pessoa jurídica é um conceito que envolve disputas teóricas sobre o seu
fundamento jurídico. As teorias mais comentadas são as da ficção, fundadas
na ideia de que o legislador cria ficticiamente uma pessoa jurídica com intui-
tos práticos, quando deseja tratar uma coletividade como se fosse um sujeito
individual de direito. A recente criação pelo Direito brasileiro da sociedade
unipessoal (pessoa jurídica, cujo único sócio é pessoa física) mostra uma função
operacional mais abrangente.

4 PERSONALIZAÇÃO
No estudo do condomínio edilício, a doutrina que privilegia o enfoque
do sujeito de direito (conjunto de pessoas) geralmente entende o condomínio
como dotado de personalidade jurídica (pessoa). Já a doutrina que privilegia o
enfoque da propriedade (conjunto de bens) geralmente concebe o condomínio
edilício como sujeito de direito destituído de personalidade jurídica (ente).
Entendemos que a classificação dos sujeitos de direito (personalizados e
despersonalizados) cumpre uma função operacional, portanto, foi construída
para o domínio prático das questões relativas à decisão de conflitos. Nesse sen-
tido, afirmamos que, para cumprir a sua função operacional em uma sociedade
cada vez mais complexa, o condomínio edilício deve ser considerado sujeito
personalizado.
Para explicar melhor esse posicionamento vale mencionar a seguinte de-
cisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Ação proposta por condomínio contra incorporadora destituída, objetivando a
emissão pela ré de declaração de vontade na outorga de escrituras definitivas de
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 135
compra e venda de cada unidade. Carência decretada quanto ao condomínio au-
tor, já que não tem personalidade jurídica. (TJSP, Ag 170.900-2, Rel. Des. Carlos
Ortiz, 26.03.1992)

Perceba leitor que essa decisão, ao desconsiderar a função operativa do


condomínio edilício, estabeleceu uma regra disfuncional: ao invés da instaura-
ção de um único processo, cuja decisão alcançaria todos os condôminos, serão
necessários tantos processos quantos forem os condôminos. Nesse sentido, se
forem duzentos condôminos, deverão ser propostas duzentas ações contra a
incorporadora destituída.
Entendemos que a decisão supra se prende a um modelo teórico liberal-
-individualista focado apenas nos conflitos interindividuais próprios de socieda-
des com menor grau de complexidade, como as do século XIX. As sociedades
do século XXI tornaram-se mais complexas e essa complexidade aponta para o
crescimento dos direitos e conflitos transindividuais que exigem novas posturas
doutrinárias, até para evitar o “congestionamento processual”, que provoca dis-
função ou anomalia nas instituições encarregadas de aplicar o Direito. Não por
outra razão, a Exposição de Motivos do CPC/2015 aponta para a necessidade
de “um sistema mais coeso, mais ágil e capaz de gerar um processo civil mais
célere e mais justo”.
Tendo em vista a função operacional dos conceitos jurídicos, a III Jor-
nada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal aprovou o seguinte enun-
ciado: “Enunciado nº 246 – Deve ser reconhecida personalidade jurídica do
condomínio edilício”.
A personalização do condomínio edilício encontra apoio em um dis-
positivo da Lei nº 4.591/1964, não revogado pelo Código Civil de 2002, que
concede direito de preferência ao condomínio na aquisição de unidade autôno-
ma e respectivas frações ideais, nos seguintes termos: “No prazo de 24 (vinte e
quatro) horas após a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unâ-
nime da assembleia geral em condições de igualdade com terceiros, terá prefe-
rência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio”
(art. 63, § 3º).
O dispositivo refere-se à unidade autônoma vendida a prazo e levada a
leilão por falta de pagamento. Nessa trilha, algumas decisões judiciais já per-
mitiram ao condomínio edilício arrematar e adjudicar unidades autônomas que
estejam penhoradas em virtude de cobrança judicial de despesas condominiais
em atraso, por exemplo:
Ementa: Condomínio. Personalidade jurídica. Aquisição de imóvel em arrema-
tação judicial. Execução condominial. Reconhece-se que o condomínio tem o
direito de cobrar em juízo os valores condominiais, podendo, para prestigiar este
seu direito processual, adjudicar ou arrematar a unidade interna penhorada, bem
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como aliená-la subsequentemente para efetivar o recebimento do crédito judi-
cial. (Cadernos Jurídicos, São Paulo: Escola da Magistratura, 2003: 9)

Assim, para o condomínio edilício exercer o seu direito de adjudicar ou


arrematar unidade autônoma penhorada é necessário propor ação para obter
decisão que conceda norma individual que autorize a aquisição do bem e res-
pectivo registro. O reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio
edilício tornaria desnecessários esses tipos de processos. Mesmo no âmbito da
legislação tributária e previdenciária, o estigma da despersonalização obriga o
condomínio edilício a propor ações para garantir direitos elementares, como é
o caso de adesão ao programa de parcelamento Refis:
Ementa: Tributário. Condomínio edilício. Personalidade jurídica para fins de ade-
são à programa de parcelamento. Refis. Possibilidade. 1. Cinge-se a controvérsia
em saber se condomínio edilício é considerado pessoa jurídica para fins de ade-
são ao Refis. 2. Consoante o art. 11 da Instrução Normativa RFB nº 568/2005,
os condomínios estão obrigados a inscrever-se no CNPJ. A seu turno, a Instrução
Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, prevê, em seu art. 3º, § 4º,
III, que os condomínios são considerados empresas – para fins de cumprimento
de obrigações previdenciárias. 3. Se condomínios são considerados pessoas ju-
rídicas para fins tributários, não há como negar-lhes o direito de aderir ao pro-
grama de parcelamento instituído pela Receita Federal. 4. Embora o Código Civil
de 2002 não atribua ao condomínio a forma de pessoa jurídica, a jurisprudência
do STJ tem-lhe imputado referida personalidade jurídica, para fins tributários.
Essa conclusão encontra apoio em ambas as Turmas de Direito Público: REsp
411832/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 18.10.2005,
DJ 19.12.2005; REsp 1064455/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, Julga-
do em 19.08.2008, DJ 11.09.2008. Recursão improvido. (REsp 1256912/AL, Rel.
Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 13.02.2012)

Conforme já foi apontado, o condomínio edilício assume diversas posi-


ções (administrador, empregador, prestador de serviços, contribuinte, consu-
midor de mercadorias e serviços, correntista, aplicador, etc.) que lhe possibi-
lita a prática de atos suscetíveis de criar direitos e obrigações. O condomínio,
por intermédio do síndico, pode firmar contratos de trabalho ou de prestação
de serviços e, como empregador ou recebedor de serviços, assume obrigações
trabalhistas, previdenciárias e fiscais. Em virtude dessas posições, a legislação
tributária o equipara a pessoa jurídica e exige a sua inscrição no Cadastro Na-
cional de Pessoa Jurídica – CNPJ. Essa inscrição permite ao condomínio firmar
contratos com instituições bancárias, que lhe permite movimentar conta-cor-
rente e fazer aplicações financeiras.
Não é, portanto, apenas em termos práticos ou factuais que o condomí-
nio atua como pessoa jurídica, as várias posições e papéis (comportamentos)
que o ordenamento jurídico lhe atribui faz dele também uma pessoa jurídica
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 137
em termos normativos. Ocorre, porém, que não existe uma norma expressa
reconhecendo a personalidade jurídica do condomínio. Apegada à literalidade
da lei, a maioria dos doutrinadores entendem que o condomínio é sujeito de
direito despersonalizado. Este entendimento repercute no âmbito da Adminis-
tração Pública e obriga o condomínio a propor ações sempre que lhe é proibida
a prática de determinados atos. Essa proibição, porém, tem sido parcialmente
superada por decisões judiciais.
Enfim, para alguns autores, os atos de instituição e constituição do con-
domínio edilício revelam a conjugação de todos os requisitos de validade exi-
gidos para a constituição de uma pessoa jurídica, a saber: a) a manifestação da
vontade de várias pessoas em torno de uma finalidade comum e de um novo
organismo; b) o cumprimento das condições legais de sua formação; c) a fina-
lidade lícita; d) a forma prescrita ou não defesa em lei; e) a obrigatoriedade do
registro público na circunscrição imobiliária respectiva com eficácia constituti-
va e oponível perante terceiros.
Para cumprir a sua função operacional, o condomínio deve elaborar um
orçamento anual que, aprovado pela assembleia, permite-lhe arrecadar as re-
ceitas necessárias para pagamento de despesas ordinárias e extraordinárias ne-
cessárias à administração dos interesses dos condôminos. As despesas orçadas
são rateadas entre os condôminos e, quando não pagas, podem ser objeto de
protesto e cobrança judicial mediante procedimento comum ou ação de exe-
cução.

5 DESPESAS E CONTRIBUIÇÕES CONDOMINIAIS


O dever mais importante dos condôminos é justamente o de contribuir
para as despesas condominiais. O condômino inadimplente acarreta prejuízo,
onera e compromete a Administração, manutenção e segurança da estrutura
condominial. Essas despesas e contribuições são estipuladas em orçamento
anual aprovado pela assembleia ordinária ou aprovadas a qualquer tempo pela
assembleia extraordinária, portanto, em ambos os casos vincula todos os con-
dôminos. Nesse sentido, o condômino que não compareceu ou que foi voto
vencido deve respeitar a decisão da assembleia e cumprir com o seu dever de
pagar a contribuição. Vale dizer, aprovado validamente o rateio das despesas,
não se discute mais a exigibilidade das contribuições.
O pagamento das contribuições se faz mensalmente mediante recibo ex-
pedido pelo síndico ou boleto bancário expedido por instituição financeira.
Esses documentos devidamente assinados ou autenticados constituem prova de
quitação. A quitação da última parcela faz presumir o pagamento das anterio-
res, motivo pelo qual o síndico pode recusar o pagamento da última parcela se
as anteriores não forem pagas. O condômino que não pagar a sua contribuição
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ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos na
convenção, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o
débito (CC, art. 1.336, § 1º).
O síndico ou administrador deve ficar atento a essas regras, tendo em
vista que o protesto de créditos corrigidos ilegalmente pode resultar em ação de
indenização por danos morais.

5.1 Critério de rateio


A regra geral de rateio das despesas condominiais é a seguinte: se a con-
venção for omissa, prevalece o critério da lei que manda fixar a contribuição
em valor proporcional à fração ideal correspondente a cada unidade autônoma
(CC, art. 1.336, I). Ocorre, porém, que essa regra é excepcionada em alguns
casos analisados na sequência.
A lei prescreve que as despesas relativas a partes comuns de uso exclu-
sivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve
(CC, art. 1.340). Essas despesas ficam, portanto, fora do rateio geral porque de-
vem ser suportadas apenas pelos beneficiados daquelas partes comuns. Nesse
sentido, se o condomínio resolve instalar e conservar uma sala de ginástica, os
condôminos não interessados em utilizá-la estão dispensados de concorrer para
tais despesas.
Existem, entretanto, exceções mais complexas. Trata-se de condôminos
que concorrem para despesas de manutenção de coisas e áreas que não utili-
zam. Esses condôminos podem questionar a cobrança de tais despesas (p. ex.,
os condôminos das lojas ou dos apartamentos do andar térreo com saída dire-
ta para a via pública e sem comunicação interna com o edifício, que podem
questionar o rateio entre eles das despesas com elevadores, vigilância interna,
limpeza de corredores, etc.). Do mesmo modo, os condôminos que não pos-
suem vagas na garagem podem questionar o rateio de despesas com empregado
garagista, instalação de portão eletrônico e câmeras de segurança, bem como
as próprias despesas de manutenção daquele local. Vale dizer, se inexiste o
uso e gozo da coisa comum não há obrigação de suportar as despesas de sua
manutenção.
O síndico ou administrador deve ficar atento a essas situações para evitar
o protesto ou a execução de créditos não amparados legalmente.

5.2 Fundo de reserva


Na elaboração do orçamento anual obrigatório, o síndico deve incluir na
previsão das despesas ordinárias do condomínio uma verba destinada à consti-
tuição de um fundo de reserva. Esse fundo constitui patrimônio comum vincula-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 139
do à sua destinação, que é a de atender a despesas imprevisíveis, emergenciais,
urgentes ou inadiáveis. É possível utilizar o fundo de reserva para atender a
suprimentos de caixa, visto que os pagamentos das despesas administrativas são
também inadiáveis.
A convenção geralmente estabelece os critérios para mensurar o valor
do fundo de reserva, bem como a forma, o modo e a data de pagamento. No
silêncio da convenção, cabe à assembleia decidir. O fundo de reserva, quando
não utilizado, costuma acumular valores consideráveis. Assim, para preservá-lo
da desvalorização, é conveniente que a assembleia autorize o síndico a fazer
aplicações em instituições financeiras, mediante caderneta de poupança ou al-
gum tipo investimento de fácil resgate.
A assembleia pode criar outros tipos de fundos, denominados especiais,
como, por exemplo: a) fundo de obras: para proporcionar melhorias na infraes-
trutura do prédio; b) fundo de equipagem: para a compra de materiais ou equi-
pamentos para as áreas comuns; c) rateios extras: esses rateios geralmente são
aprovados quando existe a possibilidade de ocorrer pagamentos que não foram
previsto no orçamento, como, por exemplo, uma decisão judicial de primeira
instância que condena o condomínio ao pagamento de danos morais ou de
verbas decorrentes de reclamação trabalhista.
Esses fundos especiais preservam o fundo de reserva para situações mais
imediatas, como, por exemplo, adjudicar unidade autônoma penhorada em
execução de despesas condominiais vencidas e não pagas.

6 PROTESTO
Geralmente a cobrança das contribuições vencidas e não pagas exigem a
contratação de advogado para propor ação judicial. É possível, antes de propor
a ação, solicitar o protesto do documento de dívida como forma de demonstrar
em juízo que foram envidados todos os esforços no sentido receber o crédito
amigável ou extrajudicialmente.
O pedido de protesto de títulos ou outros documentos de dívida tem uma
função operacional de extrema importância, tendo em vista que é, indubitavel-
mente, o meio mais eficaz de cobrança extrajudicial de obrigações pecuniárias
vencidas. Muitos pagamentos são realizados em cartório, justamente para evitar
o registro do protesto. As estatísticas sobre recuperação de créditos indicam
que, dos títulos enviados para protesto, 50% são pagos em cartório dentro do
prazo legal de 3 (três) dias úteis, além de outros 30% no prazo máximo de dois
anos (Tribuna do Direito, mar. 2013, p. 7). O protesto é, portanto, uma maneira
eficaz de forçar o condômino inadimplente a pagar as despesas condominiais
vencidas.
140 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
As estatísticas demonstram que o protesto é uma forma extrajudicial efi-
caz de recebimento de dívidas vencidas, portanto, também uma forma eficaz de
evitar a sobrecarga de processos no Poder Judiciário. Nesta trilha, o CPC/2015
colocou em destaque a mediação e a conciliação como forma privilegiada de
decidir os conflitos. No mesmo sentido, superou as discussões sobre o protes-
to do crédito referente às contribuições condominiais, ao prescrever de modo
inequívoco que são títulos executivos extrajudiciais: “O crédito referente às
contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, prevista na
respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde quer documen-
talmente comprovadas” (CPC/2015, art. 784, X).
Isso significa que, na sistemática do CPC/2015, o crédito referente às
contribuições condominiais aprovadas em assembleia pode ser protestado se
não for pago no vencimento. Para comprovar a liquidez, certeza e exigibilidade
do crédito, o condomínio deve apresentar ao Cartório de Protesto os seguin-
tes documentos: a) cópia da convenção do condomínio; b) cópia do orçamen-
to aprovado pela assembleia; c) ata da assembleia que aprovou orçamento;
d) documento de dívida (boleto ou recibo); e) planilha de cálculo, destacando
os valores das contribuições devidas, os juros moratórios, a multa e a corre-
ção da dívida. A propósito, o CPC/2015 prescreve: “A necessidade de simples
operações aritméticas para apurar o crédito exequendo não retira a liquidez da
obrigação constante do título” (art. 786, parágrafo único).
Enfim, por se tratar de título executivo, a cobrança judicial do crédito
referente às despesas condominiais pode ser feita mediante ação de execução.
Isto, todavia, não afasta a cobrança pelo procedimento comum.

7 PROCEDIMENTO COMUM E AÇÃO DE EXECUÇÃO


Na sistemática do CPC/1973, a cobrança judicial de quaisquer quan-
tias devidas ao condomínio pelo condômino deve observar o procedimento
sumário (art. 275, II, b). Ocorre, porém, que os procedimentos sumário e ordi-
nário não foram recepcionados pelo CPC/2015, que instituiu o procedimento
comum: “Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo
disposição em contrário deste Código ou de lei”.
Assim, no CPC/2015 a cobrança judicial ao condômino de quaisquer
quantias devidas ao condomínio deve ser feita pelo procedimento comum. Mas,
no caso de cobrança de contribuições condominiais ordinárias ou extraordiná-
rias, o condomínio pode optar pelo procedimento comum ou pelo processo de
execução. “A existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de
optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial”
(CPC/2015, art. 785).
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 141
O procedimento comum (CPC/2015, art. 319) possibilita ao condomínio
optar pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
Além disso, as contribuições que se vencerem até a prolação da sentença são
consideradas incluídas no pedido, independentemente de solicitação expressa
do condomínio, e serão incluídas na condenação se o devedor, no curso do
processo, deixar de pagá-las ou consigná-las (CPC/2015, art. 323).
O condomínio pode aplicar ao condômino diversas multas pelo descum-
primento de determinados deveres prescritos em lei (CC, arts. 1.336 e 1.337).
O crédito decorrente dessas multas não constitui título executivo extrajudicial,
portanto, não pode ser protestado e nem cobrado mediante ação de execução.
A cobrança judicial deve ser feita pelo procedimento comum, que garante ao
condômino amplo direito de defesa.
Embora o procedimento comum possa ser a via mais adequada para a
cobrança de despesas de condomínio edilício porque possibilita a inclusão de
parcelas vencidas no curso da ação, é possível exigir mediante ação de execu-
ção o crédito referente às contribuições condominiais ordinárias e extraordiná-
rias previstas na convenção ou aprovadas em assembleia-geral, tendo em vistas
que esse crédito é considerado título executivo extrajudicial pelo CPC/2015:
Art. 784. [...]
[...]
X – O crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condo-
mínio edilício, prevista na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia
geral, desde quer documentalmente comprovadas.
Art. 778. Pode promover a execução forçada o credor a quem a lei confere título
executivo.

7.1 Sujeito passivo


O condomínio, representado pelo síndico, tem legitimidade ativa para
cobrança judicial das taxas condominiais não pagas no vencimento. O respon-
sável pelo pagamento das despesas condominiais é o proprietário, portanto,
é ele que deve ocupar o polo passivo, tanto na execução como na cobrança
pelo procedimento comum. Há, entretanto, algumas dúvidas que envolvem o
adquirente.
O Código Civil prescreve que o adquirente da unidade autônoma res-
ponde pelos débitos do alienante em relação ao condomínio, inclusive multa e
juros moratórios (art. 1.345). Isso significa que o promitente comprador ou ces-
sionário de direitos é o responsável pelo pagamento das contribuições condo-
miniais vencidas e não pagas. Ocorre, porém, que o citado dispositivo não faz
nenhuma referência ao registro do instrumento de transferência da propriedade
142 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
ou à comunicação da realização do negócio ao condomínio. Essas situações
têm gerado dúvidas em relação à pessoa que deve figurar no polo passivo da
ação de cobrança de despesas condominiais: o adquirente ou o alienante.
Algumas decisões apontam que o adquirente não tem legitimidade para
figurar no polo passivo da ação de cobrança de despesas condominiais no caso
de instrumento de compra e venda não registrado ou quando o comprador não
detém a posse do imóvel. Assim, na ausência de registro ou emissão na posse,
o promitente comprador não é parte legítima para figurar no polo passivo da
ação de cobrança de despesas condominiais porque não dispõe das faculdades
de usar, gozar e dispor livremente da coisa. Nesse sentido a seguinte decisão:
Alienada a propriedade por compromisso de compra e venda, enquanto não se
registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imó-
vel (art. 1.245, § 1º, do Código Civil). Se não há elemento seguro a indicar que
promitente comprador exerceu posse direta sobre o imóvel, a responsabilidade
pelo pagamento das cotas condominiais é do promitente vendedor. (STJ, REsp
722.501/SP, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, Rel. p/o Ac. Min. Humberto Gomes
Barros, DJ 28.05.2007)

Outras decisões apontam que somente após o recebimento das chaves


e a disponibilidade de posse, do uso e do gozo do imóvel é que o compro-
missário comprador passa a ser responsável pelo pagamento das despesas de
condomínio, independentemente de registro do compromisso de venda e com-
pra no Registro de Imóveis (STJ, Recurso Especial nº 660.229). Assim, se ao
compromissário comprador não foi transferida a posse do imóvel e se o registro
da propriedade ainda está em nome do promitente vendedor, continua este a
responder pelos encargos condominiais.
O Código Civil prescreve que o adquirente da unidade autônoma res-
ponde pelos débitos do alienante em relação ao condomínio, inclusive multa e
juros moratórios. Isso significa que a responsabilidade do alienante pelas des-
pesas condominiais, vencidas ou vincendas, cessa a partir do momento em que
foi firmado o compromisso. A partir de então, a responsabilidade é do adqui-
rente, portanto, é este que deve assumir o polo passivo da ação de cobrança,
independentemente de registro do instrumento de compra e venda. Todavia, é
necessário que as partes (alienante e adquirente) comuniquem a realização do
negócio ao condomínio para que fique caracterizada a transferência da posse.
Assim, entendemos que na ausência de registro ou de comunicação do negócio
à administração do condomínio, a ação de cobrança deverá ser proposta contra
o alienante.

8 PENHORA
O CPC/2015 prescreve que a impenhorabilidade não é oponível à exe-
cução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para a sua
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 143
aquisição (art. 833, § 1º). A doutrina reconhece que as despesas condominiais
são encargos da própria coisa porque necessárias à sua conservação e subsis-
tência, e têm, portanto, natureza propter rem e gravam o imóvel que as geram.
Do exposto decorre que a execução judicial do crédito relativo às con-
tribuições condominiais possibilita a penhora da unidade autônoma do condô-
mino devedor, mesmo quando gravado com a cláusula de impenhorabilidade
e inalienabilidade. A impenhorabilidade da unidade autônoma por disposição
voluntária ou por força da Lei nº 8.009/1990 não impede a penhora do imóvel
fundada em débitos da unidade condominial. Nessa trilha, os Tribunais têm
decidido:
Despesas condominiais. Obrigação de natureza propter rem. Dívida que é de res-
ponsabilidade do adquirente do bem. Irrelevância de o imóvel ter sido adquirido
por meio de adjudicação ou arrematação. (RT, 815/410)
Despesas condominiais. Ação que pode ser proposta contra o adquirente do imó-
vel. Encargos que constituem uma espécie peculiar de ônus real, gravando a
própria unidade do bem. (RT, 811/449)

Já argumentamos que o condomínio edilício é sujeito de direito perso-


nalizado e, na qualidade de exequente, tem direito de preferência sobre o bem
penhorado, sem a necessidade de propor qualquer ação judicial que confirme
esse direito. Sustentamos nossa argumentação principalmente na pesquisa his-
tórica que demonstra que as normas jurídicas são estabelecidas e os conceitos
jurídicos são construídos tendo em vista uma função operacional: a decisão
dos conflitos com um mínimo de perturbação social, a estabilidade das rela-
ções jurídicas, a necessidade de processo mais célere e mais justo, a obtenção
dos comportamentos tidos como úteis, convenientes ou desejáveis, etc. Tendo
em vista essa função, podemos compreender que as seguintes prescrições do
CPC/2015 se aplicam ao condomínio edilício:
Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o con-
curso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire,
pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
Art. 876. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação,
requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados.
Art. 880. Não efetivada a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação
por sua própria iniciativa.

No processo de execução é sempre possível ao executado arguir o ex-


cesso de penhora. Com fundamento na natureza propter rem das contribuições
condominiais, os Tribunais têm entendido que na execução dessas contribui-
ções o excesso de penhora inexiste. Todavia, uma forma de contornar essa dis-
cussão consiste em fazer a penhora incidir sobre a vaga na garagem.
144 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
8.1 Penhora de vaga na garagem
A legislação civil possibilita a alienação da vaga na garagem, portanto,
entendemos que também é possível a sua penhora.
O Código Civil permite ao condômino alienar parte acessória da sua
unidade imobiliária (art. 1.339, § 2º). A vaga na garagem é considerada parte
acessória da unidade autônoma e passível de ser alienada quando não se trata
de garagem coletiva. Nesse sentido, é possível a alienação quando cada vaga
é individualizada e vinculada à unidade autônoma, conforme os instrumentos
de instituição, constituição e escritura de compra e venda. Isso significa que é
possível, inclusive para efeitos de lançamento do Imposto sobre Propriedade
Territorial Urbana, desmembrar a parte acessória (vaga na garagem) da unida-
de autônoma (apartamento, escritório, loja, etc.). A propósito, o art. 15 da Lei
nº 10.235/1986 do Município de São Paulo prevê a hipótese de lançamentos
separados:
Para fins de enquadramento de unidades autônomas de prédio em condomínio
em um dos padrões de construção previstos na Tabela V, será considerada a
área construída correspondente à área bruta da unidade autônoma acrescida da
respectiva área da garagem, ainda que esta seja objeto de lançamento separado.
(Art. 15, § 2º)

Todavia, é preciso ter em conta que a alienação de vaga na garagem de


condomínio edilício está submetida a algumas restrições ou condicionamentos.
A Lei nº 12.607/2012 alterou a redação do art. 1.331 do Código Civil, nos se-
guintes termos:
As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escri-
tórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas
outras partes comuns, sujeitam-se à propriedade exclusiva, podendo ser alienada
e gravada livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que
não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo
autorização expressa na convenção do condomínio. (Art. 1331, § 1º)

Note que a unidade autônoma pode ser alienada livremente, mas em


relação à alienação ou locação de vaga na garagem, o direito de propriedade
sofre limitações pelo direito de preferência atribuído aos demais condôminos
ou por ausência de norma permissiva na convenção que autorize a negociação
com terceiros. No caso de existir autorização convencional expressa e resolven-
do o condômino vender ou alugar a vaga na garagem, preferir-se-á, em condi-
ções iguais, qualquer dos condôminos a estranhos (CC, art. 1.338).
Explicando melhor: a locação ou alienação de vaga na garagem para
estranhos ao condomínio depende de autorização expressa na convenção e
da renúncia ao direito de preferência pelos demais condôminos. No caso de
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 145
inexistir a referida autorização, a alienação ou locação da vaga só pode ser
oferecida aos condôminos. Se nenhum condômino se interessar pelo negócio, a
vaga na garagem não pode ser negociada com terceiros por falta de autorização
expressa na convenção. É possível, entretanto, modificar a convenção, desde
que, no mínimo, dois terços dos condôminos, reunidos em assembleia, delibe-
rem a favor da permissão ou autorização.
De qualquer modo, a lei assegura aos condôminos o direito de preferên-
cia no caso de um deles pretender alienar ou locar vaga na garagem, ou seja,
prevalece o direito de preferência mesmo na hipótese de haver autorização
expressa na convenção para alugar ou alienar a vaga a pessoas estranhas ao
condomínio. Se mais de um condômino tiver interesse na locação ou compra
da vaga na garagem, dar-se-á preferência ao possuidor, portanto, àquele que
residir ou atuar na unidade autônoma.
Do exposto, entendemos que a vaga da garagem penhorada não pode
ser levada a leilão, tendo em vista que tal situação afronta o direito de prefe-
rência dos condôminos prescritos na legislação civil. Conforme a Exposição de
Motivos, um dos objetivos do CPC/2015 é o de simplificar e tornar mais ágil o
processo civil. Coerente com esse objetivo, entendemos que o direito de prefe-
rência na aquisição de vaga de garagem penhorada é do condomínio edilício,
que poderá, conforme decisão da assembleia, mantê-la ou alienar a condômino
ou a terceiro, conforme regras da legislação civil.
Vale mencionar que não há nenhuma proibição do condomínio edilício
ser proprietário de unidades autônomas ou de vagas na garagem. Várias deci-
sões dos Tribunais já garantiram esse direito, inclusive para confirmar o direito
de preferência do condomínio edilício na adjudicação de unidade autônoma. O
que estamos propondo visa justamente a evitar essas demandas desnecessárias
e, desse modo, alcançar os objetivos no CPC/2015 que consistem justamente
em tornar mais ágil, célere e justo o processo civil.

8.2 Massa falida


Em conformidade com o exposto supra, entendemos que o direito de
preferência do condomínio edilício na adjudicação de unidade autônoma do
edifício mantém-se também no processo falimentar.
Massa falida é sujeito de direito despersonalizado, que surge com a de-
cretação judicial da falência do empresário insolvente. A massa falida é repre-
sentada pelo administrador judicial nomeado pelo juiz da falência. Cabe ao
administrador judicial a prática de todos os atos necessários ao conhecimento
do ativo e do passivo do falido, entre os quais se destacam: a) arrecadação e
avaliação de todos os bens do empresário falido para posterior venda em leilão
judicial; b) elaboração de relação dos credores do falido.
146 D��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Os créditos do condomínio resultante de contribuições condominiais são
encargos da massa falida, acompanham a coisa (imóvel) e são por ela garanti-
dos, portanto, não há necessidade da habilitação no juízo universal da falência.
Além disso, tais créditos têm natureza propter rem e gravam o imóvel que as
geram. Por isso, declarada a falência do condômino, as despesas condominiais
são encargos da massa, que devem ser pagas pelo administrador judicial com os
recursos do caixa da massa falida ou mediante alienação da unidade geradora
das despesas. Neste caso, entendemos que o condomínio edilício tem o direito
de preferência.
Também entendemos que o direito de preferência do condomínio deve
ser garantido quando a unidade autônoma vendida a prazo é levada a leilão
por falta de pagamento. Nesse sentido a Lei nº 4.591/1964, que regula as incor-
porações imobiliárias, prescreve: “No prazo de 24 (vinte e quatro) horas após
a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unânime da assembleia
geral em condições de igualdade com terceiros, terá preferência na aquisição
dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio” (art. 63, § 3º).
Enfim, a unidade autônoma de condomínio edilício é garantia de paga-
mento das contribuições condominiais, inclusive no processo falimentar. Essa
regra é decisiva para o condomínio pleitear o reconhecimento do seu direito
de preferência, sem a necessidade de propor ação judicial. Assim, se houver
aprovação pela assembleia condominial, o condomínio pode exercer o direito
de preferência na aquisição quando a unidade autônoma ou a vaga na garagem
for penhorada ou arrecadada. Essa prática tem um objetivo óbvio que favorece
todos os condôminos: adquirir o bem e vendê-lo por um preço maior e, desse
modo, reduzir as despesas condominiais.

CONCLUSÃO
O condomínio edilício é um fenômeno jurídico típico das sociedades
urbanas industrializadas, motivo pelo qual tem e continuará a ter expressiva
importância na sociedade contemporânea. É constante o aumento da produção
legislativa e o interesse da doutrina em relação a tal fenômeno. Além disso, os
conflitos levados às instâncias judiciais e que envolvem direta ou indiretamente
o regime jurídico do condomínio edilício têm aumentado cada vez mais, daí
a preocupação em construir um aparato doutrinário com princípios e regras
que possam orientar a atividade dos profissionais do direito. Essa construção,
como dissemos, exige o reconhecimento do condomínio edilício como sujeito
de direito personalizado. Essa exigência encontra o seu fundamento na função
operacional do ordenamento jurídico. Função esta que já havia sido percebida
pela legislação tributária ao equiparar o condomínio edilício às pessoas jurídi-
cas de direito privado para facilitar a arrecadação e a operacionalização das
obrigações tributárias.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA..................................................................................................................... 147
Na leitura do texto da Exposição de Motivos do CPC/2015 é possível
depreender o destaque dado à função operacional das normas processuais civis
como meios racionais (expectativas de comportamentos) para se alcançar de-
terminados fins racionalmente previstos ou esperados: “Um sistema mais coeso,
mais ágil e capaz de gerar um processo civil mais célere e mais justo” e, desse
modo, “obter-se um grau mais intenso de funcionalidade”.

referências
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Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2136

Superior Tribunal de Justiça


AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 738.802 – PR (2015/0162865-1)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Agravante: Arcelia Padilha Lois
Agravante: Anatoly Sawczuk
Agravante: Dirceu de Jesus Ramos de Almeida
Agravante: Estela Mara dos Santos Machado
Agravante: Ione Sandeski
Agravante: Lourival de Freitas
Agravante: Marli Mendes
Agravante: Maria Celia Rodrigues de Oliveira
Agravante: Mirian Aparecida de Oliveira
Agravante: Nilton Cezar de Oliveira
Agravante: Pasturina da Conceição Alves
Agravante: Terezinha Rodrigues de Paula
Advogados: T hiago Haviaras da Silva e outro(s)
Tiago Schroeder Russi
Agravado: Liberty Seguros S/A
Advogados: M  ilton Luiz Cleve Kuster
Mônica Ferreira Mello Beggiora e outro(s)
Interes.: Caixa Econômica Federal
Advogados: A denilson Cruz
Edgar Luiz Dias e outro(s)

EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SFH – AFERIÇÃO DE INTERESSE
JURÍDICO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – SÚMULA
Nº 150 DO STJ – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO
1. Nos termos da Súmula nº 150/STJ: “compete à Justiça Federal deci-
dir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença,
no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.
2. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 149
na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de
julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regi-
mental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” A Sra. Ministra
Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e
Og Fernandes (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 27 de outubro de 2015.

Ministro Mauro Campbell Marques,


Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de agravo re-
gimental interposto em face de decisão resumida da seguinte maneira (e-STJ
fl. 643):
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SFH – AFERIÇÃO DE INTERESSE JURÍDICO
DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL –
SÚMULA Nº 150 DO STJ – AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO
AO RECURSO ESPECIAL.

A recorrente sustenta a reforma da decisão agravada porque entende ser


necessária a determinação de que a competência para o exame dos autos per-
tence à Justiça Comum Estadual porque a Caixa Econômica não tem interesse
jurídico na solução dessa demanda.
É o relatório.

EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SFH – AFERIÇÃO DE INTERESSE
JURÍDICO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – SÚMULA
Nº 150 DO STJ – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO
1. Nos termos da Súmula nº 150/STJ: “compete à Justiça Federal deci-
dir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença,
no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.
2. Agravo regimental não provido.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: A pretensão não merece
acolhida.
150 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
No caso dos autos, a controvérsia recursal se resume à atribuição da
competência do processamento desses autos. Assevera a recorrente que esses
autos não devem ser remetidos à Justiça Federal em face da ausência de interes-
se jurídico da Caixa Econômica Federal.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de
que “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico
que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas
públicas” (Súmula nº 150/STJ).
A propósito, confira-se a seguir:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – JUÍZO FEDERAL E JUÍZO ESTA-
DUAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA – MUTUÁRIOS DO SISTE-
MA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – PEDIDO DE INGRESSO DA CAIXA ECO-
NÔMICA FEDERAL – ALEGAÇÃO DE COMPROMETIMENTO DO FUNDO DE
COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS – FCVS – COMPETÊNCIA INTER-
NA – PRIMEIRA SEÇÃO – COMPETÊNCIA NA ORIGEM – JUÍZO FEDERAL – SÚ-
MULA Nº 150/STJ
[...]
4. Nos casos em que empresa pública federal, como a Caixa Econômica Federal,
pede o ingresso no feito que tramita na Justiça Estadual, cabe à Justiça Federal
apreciar a pretensão, conforme a regra consagrada na Súmula nº 150/STJ: “com-
pete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifi-
que a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.
5. Não se está, no caso, definindo a admissão ou não da CEF no feito, mas tão
somente estipulando quem deve resolver a questão. Uma vez esgotada essa dis-
cussão com o trânsito em julgado da decisão da Justiça Federal, o feito deve
permanecer nela se o entendimento for pela existência do interesse jurídico da
CEF, ou ser remetido à Justiça Estadual se a conclusão for pela exclusão da CEF
do processo.
[...]
8. Agravo Regimental não provido.
(AgRg-CC 136.692/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., Julgado em 11.03.2015,
DJe 04.08.2015)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – SEGURO HABITACIONAL


– MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE JURÍDICO DA CAIXA ECONÔMICA FEDE-
RAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS
NºS 150, 224 E 254 DO STJ – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg-REsp 1249751/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., Julgado em
10.02.2015, DJe 18.02.2015)
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 151
Ante o exposto, agravo regimental não provido.
É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
AgRg-AREsp 738.802/PR Número Registro: 2015/0162865-1
Números Origem: 1093344702 1093344703
Pauta: 27.10.2015 Julgado: 27.10.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Nicolao Dino de Castro e
Costa Neto
Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AUTUAÇÃO
Agravante: Liberty Seguros S/A
Advogado: Milton Luiz Cleve Kuster
Advogada: Mônica Ferreira Mello Beggiora e outro(s)
Agravado: Arcelia Padilha Lois
Agravado: Anatoly Sawczuk
Agravado: Dirceu de Jesus Ramos de Almeida
Agravado: Estela Mara dos Santos Machado
Agravado: Ione Sandeski
Agravado: Lourival de Freitas
Agravado: Marli Mendes
Agravado: Maria Celia Rodrigues de Oliveira
Agravado: Mirian Aparecida de Oliveira
Agravado: Nilton Cezar de Oliveira
Agravado: Pasturina da Conceição Alves
Agravado: Terezinha Rodrigues de Paula
Advogados: Tiago Schroeder Russi
Thiago Haviaras da Silva e outro(s)
Interes.: Caixa Econômica Federal
Advogados: Adenilson Cruz
Edgar Luiz Dias e outro(s)
152 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Assunto: Direito Civil – Obrigações – Espécies de contratos – Sistema Fi-
nanceiro da Habitação – Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS

AGRAVO REGIMENTAL
Agravante: Arcelia Padilha Lois
Agravante: Anatoly Sawczuk
Agravante: Dirceu de Jesus Ramos de Almeida
Agravante: Estela Mara dos Santos Machado
Agravante: Ione Sandeski
Agravante: Lourival de Freitas
Agravante: Marli Mendes
Agravante: Maria Celia Rodrigues de Oliveira
Agravante: Mirian Aparecida de Oliveira
Agravante: Nilton Cezar de Oliveira
Agravante: Pasturina da Conceição Alves
Agravante: Terezinha Rodrigues de Paula
Advogados: Thiago Haviaras da Silva e outro(s)
Tiago Schroeder Russi
Agravado: Liberty Seguros S/A
Advogados: Milton Luiz Cleve Kuster
Mônica Ferreira Mello Beggiora e outro(s)
Interes.: Caixa Econômica Federal
Advogados: Adenilson Cruz
Edgar Luiz Dias e outro(s)

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-
grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins,


Herman
Benjamin e Og Fernandes (Presidente) votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2137

Superior Tribunal de Justiça


Recurso Especial nº 1.408.861 – RJ (2013/0336206-2)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro
Advogados: E duardo Corrêa Dias de Almeida
Vanessa Isadora Genaro
Carla Pretti Mercante e outro(s)
Recorrido: R eal e Benemérita Sociedade Portuguesa
Caixa de Socorros Dom Pedro V
Advogados: J oão Henrique Silva Chaves
Antônio Carlos da Costa Araújo

EMENTA
RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – EXTINÇÃO DA HIPOTECA – PRESCRIÇÃO DA
OBRIGAÇÃO PRINCIPAL – INTERPRETAÇÃO DO ART. 1499, I, DO CC/2002 – PROCEDÊNCIA
DO PEDIDO DE CANCELAMENTO
1. Pedido de cancelamento da hipoteca em face da declaração ju-
dicial de extinção da obrigação principal pelo implemento da pres­
crição.
2. Prescrita a pretensão derivada da obrigação principal, não persiste
a garantia hipotecária, em face da sua natureza acessória.
3. Inteligência do art. 1499, inciso I, do CC/2002.
4. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.
5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-
de a Egrégia Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Rela-
tor. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio
Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília, 20 de outubro de 2015 (data de Julgamento).
154 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por Real e Benemérita Sociedade
Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro com fundamento no art. 105,
inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (fl. 850):
AÇÃO RESCISÓRIA – CONFISSÃO DE DÍVIDA – PRESCRIÇÃO – HIPOTECA –
EXTINÇÃO – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI – INOCORRÊNCIA
– IMPROCEDÊNCIA

1. É cediço que a ação rescisória não se presta à correção de eventual injustiça da


sentença e nem para reexame de prova, pois constitui ação autônoma de impug-
nação, que dá ensejo à instauração de outra relação processual distinta daquela
em que foi proferida a decisão rescindenda.

2. A sentença proferida não contraria a lei, porquanto a prescrição não é fato


extintivo da obrigação, tampouco é causa de extinção da hipoteca.

3. Segundo a doutrina civilista, “a prescrição tem como objeto fulminar a pre-


tensão do titular em reparar um direito (subjetivo) seu que foi violado”, e não o
próprio direito ou obrigação.

4. Nesse passo, se a prescrição reconhecida e declarada judicialmente não tem o


condão de extinguir propriamente a obrigação principal, originada da confissão
de dívida, não há de se falar em extinção da hipoteca por força do que dispõe o
art. 1499, I, do Código Civil.

5. Improcedência do pedido rescindendo.

Consta dos autos que Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Be-


neficência do Rio de Janeiro ajuizou ação declaratória de prescrição de dívida
cumulada com pedido de cancelamento de hipoteca contra Real e Benemérita
Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V, sob o argumento de pres-
crita a pretensão da demandante.
O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido de-
clarando prescrito o direito de ação para o recebimento do crédito originado
de instrumento público de confissão de dívida. No entanto, manteve a garantia
da dívida consistente na hipoteca que incidia sobre o imóvel objeto de garantia
da dívida.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 155
Interposta apelação, o recurso foi parcialmente provido apenas para con-
cessão do benefício da gratuidade da justiça, mas mantendo a hipoteca, tendo
ocorrido o trânsito em julgado dessa decisão.
A Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de
Janeiro propôs, então, a presente ação rescisória objetivando a rescisão da deci-
são prolatada pelo Juízo da 48ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro/RJ, sob
o fundamento de que a sentença impugnada violou o art. 1.499, I, do Código
Civil, na medida em que, se a obrigação principal foi judicialmente declarada
prescrita, há de ser extinta a obrigação acessória, com o levantamento da hipo-
teca. Ressaltou, ainda, que a hipoteca extingue-se com a extinção da obrigação
principal.
O Tribunal de Justiça julgou improcedente o pedido formulado na ação
rescisória conforme a ementa acima transcrita.
Nas razões do presente recurso especial, a Real e Benemérita Sociedade
Portuguesa de Beneficência Do Rio De Janeiro alegou violação ao art. 1.499,
inciso I, do Código Civil, ao argumento de que extinta a obrigação principal em
face do reconhecimento da prescrição da pretensão, é de rigor a extinção da
hipoteca que recai sobre o imóvel objeto de garantia da dívida. Acenou, ainda,
pela ocorrência de dissídio jurisprudencial. Requereu, por fim, o provimento do
presente recurso especial.
Foram apresentadas contrarrazões.
O recurso especial foi admitido na origem.
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator):
Eminentes colegas. A polêmica do presente recurso especial situa-se em
torno da possibilidade de ser decretada a extinção da hipoteca em face da de-
claração judicial da prescrição da dívida principal que ela garantida.
A questão é relevante, pois o acórdão rescindendo do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro manteve o tópico da sentença que declarara o implemento da
prescrição da dívida principal, mas sem decretar a extinção da hipoteca.
A solução da questão situa-se em torno da interpretação da regra do
art. 1499, I, do Código Civil, quando regula as causas de extinção da hipoteca,
verbis:
Art. 1.499. A hipoteca extingue-se:
156 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
I – pela extinção da obrigação principal;
II – pelo perecimento da coisa;
III – pela resolução da propriedade;
IV – pela renúncia do credor;
V – pela remição;
VI – pela arrematação ou adjudicação.

Passando ao exame do recurso especial, afasta-se, inicialmente, a alega-


ção de dissídio jurisprudencial, pois o recurso, no ponto, não merece conheci-
mento.
Com efeito, ao interpor o recurso especial, com fundamento na letra c do
permissivo constitucional, o recorrente assume o ônus de comprovar a similitu-
de fática entre os arestos confrontados, cotejando as conclusões jurídicas tiradas
dos julgados comparados para demonstrar que, diante do mesmo quadro fático,
soluções jurídicas diversas foram adotadas.
Dessa forma, na esteira dos precedentes desta Corte, a mera transcrição
de ementas de acórdão, como realizado pelo recorrente, não caracteriza o co-
tejo analítico, inviabilizando-se, por consequência, a abertura da via especial,
pelo dissídio jurisprudencial.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – DEFENSORIA
PÚBLICA – MANIFESTAÇÃO APÓS O JULGAMENTO – MERA REPETIÇÃO DOS
ARGUMENTOS DO RECURSO ESPECIAL NAS RAZÕES RECURSAIS DO AGRA-
VO REGIMENTAL
1. A matéria referente ao art. 13 do Código de Processo Civil não foi objeto de
discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração,
não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação
na via especial (Súmulas nºs 282 do STF e 211 do STJ).
2. O acolhimento da pretensão recursal, demandaria reexame do conjunto fático-
-probatório dos autos. Incidência da Súmula nº 7 do STJ.
3. Não procede a irresignação pela alínea c, se não há o cumprimento do dispos-
to § 2º do art. 255 do RISTJ, pois a demonstração da divergência não se satisfaz
com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do
acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se
as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
4. Ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe,
nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agrava-
da, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 157
5. Agravo regimental não provido. (AgRg-AREsp 470.604/MG, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 01.04.2014, DJe 09.04.2014)

Quanto à alínea a do permissivo constitucional, o reclamo merece co-


nhecimento e provimento.
Extrai-se dos autos que o Tribunal de origem, ao julgar improcedente a
ação rescisória, asseverou o seguinte (fls. 852/854):
[...]
Segundo Silvio Rodrigues, Clóvis Beviláqua define a prescrição “como sendo a
perda da ação atribuída a um direito e de toda a sua capacidade defensiva, em
consequência do não uso delas, durante um determinado espaço de tempo”. O
professor Silvio Rodrigues conclui assim:
O que perece, portanto, através da prescrição extintiva, não é o direito. Este
pode, como ensina Beviláqua, permanecer por longo tempo inativo, sem perder
sua eficácia. O que se extingue é a ação que o defende.
Numa visão mais moderna, porém convergente com a do aludido professor, le-
cionam os civilistas Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que “A prescrição tem
como objetivo fulminar a pretensão do titular em reparar um direito (subjetivo)
seu que foi violado”.
Os referidos doutrinadores, lecionando sobre o tema, notadamente sobre a distin-
ção entre a prescrição e a decadência, ressaltam o seguinte:
Esclareça-se que os efeitos da decadência e da prescrição são diversos, pois
aquela faz parecer o próprio direito não afirmado pelo exercício, enquanto esta
perece a pretensão do titular para defender o direito já afirmado, porém compro-
metido por importunação alheia.
Nesse passo, se a prescrição reconhecida e declarada judicialmente não tem o
condão de extinguir propriamente a obrigação principal, originada da confissão
de dívida, não há de se falar em extinção da hipoteca por força do que dispõe o
art. 1499, I do Código Civil.
De outro giro, é cediço que a hipoteca é um contrato formal e acessório, através
do qual o devedor dá ao credor, em garantia de uma dívida, um bem imóvel.
Trata-se de um direito real de garantia de natureza civil, incidente em coisa imó-
vel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor.
Uma vez regularmente constituída, a hipoteca adere ao imóvel e o acompanha
nas suas mutações subjetivas, até que se extinga.
E a extinção da hipoteca ocorre nas hipóteses legalmente previstas no art. 1.499
do Código Civil, dentre as quais a extinção da obrigação principal, o que não se
deu com a prescrição reconhecida pela sentença rescindenda. Grifei
158 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Por sua vez, o recorrente alegou que o Tribunal de Justiça, ao negar a ex-
tinção da hipoteca por força da extinção da obrigação principal pela prescrição,
contrariou o art. 1.499, inciso I, do Código Civil, posto que imperiosa extinção
da hipoteca quando extinta a obrigação principal.
Dessa forma, observa-se que o cerne do presente litígio consiste em sa-
ber se a ocorrência da prescrição é fato extintivo da obrigação principal e, por
consequência, do próprio direito real de garantia (hipoteca).
O entendimento esposado pelo Tribunal de Justiça de origem foi de que
o reconhecimento da prescrição da pretensão do autor não tem o condão de
atingir o cerne da obrigação principal, não extinguindo a hipoteca, tendo em
vista a observância do princípio de que o acessório segue a sorte do principal.
No entanto, não merece prosperar esse entendimento.
Na realidade, a respeitável posição do acórdão recorrido derivou de uma
interpretação restritiva da teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda (planos
da existência, validade e eficácia), que, ao analisar o obrigação lato sensu, no
plano da eficácia, estabelece uma distinção entre direito, pretensão e ação de
direito material.
O credor de uma obrigação tem o direito ao crédito desde o momento
da pactuação do negócio jurídico ainda que não implementado o prazo de
vencimento. Após o vencimento da dívida, nasce para o credor a sua pretensão
ao recebimento da dívida. Recusado o cumprimento da obrigação, inflama-se a
pretensão, nascendo a ação de direito material.
Esse desdobramento da obrigação tem interesse prático exatamente no
caso da prescrição, pois, após o vencimento da dívida sem a sua exigência
coativa, o transcurso do lapso temporal previsto em lei encobre a pretensão e a
ação de direito material, mas não extingue o direito do credor.
Essa é a principal diferença, aliás, entre prescrição e decadência, pois
esta fulmina diretamente o próprio direito.
Naturalmente, um direito desprovido de pretensão e ação de direito ma-
terial perde a sua eficácia prática.
Nessa linha de raciocínio, Pontes de Miranda conceitua a prescrição
como “a exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante certo tem-
po, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação” (Tratado de Direito
Privado. 1966. t. 6, § 662, n. 2, p. 100).
Essa definição permite visualizar que efetivamente o reconhecimento da
prescrição, em face do decurso do tempo, não extingue o direito do credor,
apenas encobrindo a pretensão ou a ação correspondente.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 159
Seu fundamento é proteger o demandado que não é mais devedor e que,
apesar disso, pode não mais ter a prova da inexistência da dívida.
O Código Civil de 2002, seguindo essa mesma linha de raciocínio, esta-
tuiu o seguinte em seu art. 189:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Flávio Tartuce (Lei de Introdução ao Código Civil e Parte Geral. 8 ed. Rio
de Janeiro: Forense, São Paulo. p. 424) explica:
[...]

Com o intuito de indicar que não se trata de um direito subjetivo público abs-
trato de ação, o atual Código Civil adotou a tese da prescrição da pretensão. De
acordo com o art. 189, do CC, violado um direito, nasce para o seu titular uma
pretensão, que pode ser extinta pela prescrição.

Se o titular permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria por
via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um benefício em favor de deve-
dor, pela aplicação da regra de que o direito não socorre aqueles que dormem,
diante da necessidade do mínimo da segurança jurídica nas relações negociais.

A dúvida que se coloca, no presente caso, é se o implemento da pres-


crição é suficiente para extinguir a hipoteca, como direito real de garantia de
uma obrigação principal, pois ainda restaria o direito do credor desprovido de
pretensão e ação.
O Código Civil de 2002 elenca, em seu art. 1499, as causas de extinção
da hipoteca, sendo a primeira delas a “extinção da obrigação principal”.
A dúvida é se a declaração da prescrição da dívida garantida por hipote-
ca pode ser incluída no conceito de “extinção da obrigação principal”.
A resposta é positiva.
Em primeiro lugar, o rol de causas de extinção da hipoteca, elencadas
pelo art. 1499, não é numerus clausus.
O próprio Código Civil prevê a extinção da hipoteca pelo cancelamento
do registro (art. 1500) e pela perempção (art. 1485) consistente no transcurso do
prazo de trinta anos.
Em segundo lugar, a hipoteca, no sistema brasileiro, é uma garantia aces-
sória em relação a uma obrigação principal, seguindo, naturalmente, as vicissi-
tudes sofridos por esta.
160 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
A propósito, colhe-se o seguinte ensinamento de José Miguel Garcia
Medina e Fábio Caldas de Araújo (Código Civil comentado. Revista dos Tribu-
nais. São Paulo. p. 923):
[...]
Não merece maior dificuldade a interpretação das causas elencadas pelo
art. 1.499. A hipoteca é uma garantia acessória, deste modo, com a extinção da
obrigação principal (art. 1.499, I) decorre a extinção da obrigação acessória.

Em terceiro lugar, Humberto Theodoro Júnior, analisando especificamen-


te “A Extinção da Hipoteca pelo Decurso do Tempo no Regime do Código Civil
de 2002” (Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 53,
p. 165-176, jul./dez. 2008), anota o seguinte acerca dos efeitos da prescrição da
dívida principal sobre a hipoteca (p. 169):
Como toda pretensão que nasce do inadimplemento de alguma obrigação, a do
credor hipotecário sujeita-se aos efeitos da prescrição, uma vez vencida a dívida
e não exigida a sua satisfação dentro do prazo previsto em lei (CC, art. 189), o
qual pode variar de acordo com o tipo de obrigação principal garantido pela
hipoteca.
Esse prazo, portanto, diz respeito à pretensão de receber o valor da dívida a que
se vincula a garantia real.
Desde que extinta a pretensão à cobrança judicial do referido crédito, extinta
também estará a pretensão de excutir a hipoteca dada a sua natureza acessória.

Na jurisprudência desta Corte, localizei um precedente acerca do tema,


cuja ementa foi a seguinte: Civil. Hipoteca. Extinção. Cédula de crédito in­
dustrial.
Prescrição. Art. 849 do CC. Impossibilidade de levantamento da hipoteca. Sub-
sistência da obrigação principal. Vencido o título de crédito, mas perdurando a
dívida assegurada, deve subsistir o gravame hipotecário sobre o bem dado em
garantia, de acordo com o inciso I do art. 849, CC/1916.
Recurso especial provido. (REsp 506.290/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T.,
Julgado em 07.12.2004, DJ 01.02.2005, p. 539)

Ressalte-se que, no caso apreciado no precedente, foi mantida a hipote-


ca, pois a prescrição atingira apenas a prescrição executiva, deixando hígida a
obrigação inadimplida, que poderia ser exigida por outros meios de cobrança
dentro do prazo geral de prescrição das ações pessoais (ação monitória, ação
de cobrança).
No presente caso, declarou-se a prescrição da própria pretensão de co-
brança nascida da obrigação principal.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 161
Por isso, no presente caso, reconhecida a prescrição da pretensão princi-
pal do credor hipotecário, deve-se declarar também a extinção da garantia real
acessória incidente sobre o imóvel.
Destarte, deve ser determinado também o cancelamento da hipoteca.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para julgar proce-
dente o pedido e determinar o cancelamento da hipoteca.
Ficam invertidos os encargos sucumbenciais. É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2013/0336206-2
Processo Eletrônico REsp 1.408.861/RJ
Números Origem: 00441703820128190000 02217164820108190001
2012280063 201325150133 2217164820108190001 441703820128190000
Pauta: 20.10.2015 Julgado: 20.10.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque
Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AUTUAÇÃO
Recorrente: Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio
de Janeiro
Advogados: Eduardo Corrêa Dias de Almeida
Vanessa Isadora Genaro
Carla Pretti Mercante e outro(s)
Recorrido: Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros Dom
Pedro V
Advogados: João Henrique Silva Chaves
Antônio Carlos da Costa Araújo
Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-
fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
162 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio


Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2138

Tribunal Regional Federal da 2ª Região


IV – Apelação Cível nº 2007.51.01.021298-3
Nº CNJ: 0021298-35.2007.4.02.5101
Relator: Desembargador Federal José Antonio Neiva
Apelante: Cidcley Samia e outro
Advogado: Herberth Medeiros Sampaio e outro
Apelado: Caixa Econômica Federal – CEF
Advogado: Iane Rios Esquerdo e outros
Origem: Décima Quinta Vara Federal do Rio de Janeiro (200751010212983)

EMENTA
SFH – CONTRATO DE MÚTUO – REVISÃO – AMORTIZAÇÃO – EQUIVALÊNCIA SALARIAL – TR
– SEGURO
1. Agravos retidos de fls. 199/218 e 219/231 não conhecidos, uma
vez que inexiste utilidade prática em se discutir provimento de urgên-
cia (tutela antecipada) que foi substituído pela sentença que julgou
improcedente o pedido.
2. Agravo retido de fls. 367/374 conhecido e desprovido, tendo em
vista que foi a parte autora quem efetivamente deu causa à perda
da prova pericial, ao não manter seu endereço atualizado nos autos,
deixando de fornecer os elementos necessários (contracheques) para
a realização da perícia contábil.
3. A parte autora objetiva a revisão do contrato de financiamento
firmado sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, com o re-
cálculo das prestações e do saldo devedor.
4. A inconstitucionalidade da execução extrajudicial do Decreto-Lei
nº 70/1966 já foi categoricamente rejeitada pelo Supremo Tribunal
Federal, em inúmeros julgados, reconhecendo a recepção do aludido
dispositivo legal com a Constituição Federal, pelo que, desde que
respeitadas todas as formalidades exigidas pelo referido Decreto, a
vergastada execução extrajudicial caracteriza exercício de um direito
subjetivo na forma da lei. Direito este que nasce da eventual inadim-
plência do mutuário.
5. In casu, considera-se regular o procedimento de execução extra-
judicial iniciado e as demais teses do apelo (atuação de leiloeiro pú-
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blico, escolha do agente fiduciário, falta de liquidez do título, ino-
bservância do PES, anatocismo, TR, forma de amortização, taxa de
administração e seguro) são desprovidas de amparo, conforme vários
precedentes sobre a matéria.
6. Agravos retidos de fls. 199/218 e 219/231 não conhecidos. Agravo
retido de fls. 367/374 conhecido e desprovido. Apelação da parte
autora conhecida e desprovida.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indica-
das, decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, por unanimidade, não conhecer dos agravos retidos de fls. 199/218 e
219/231, e negar provimento ao agravo retido de fls. 367/374 e à apelação dos
autores, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente
julgado.
Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2015 (data do Julgamento).

José Antonio Lisbôa Neiva


Desembargador Federal
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Cidcley Samia e Glauce Kelly
Freitas Fernandes Samia contra sentença que julgou improcedente o pedido
(fls. 543/557). A parte autora objetiva a revisão do contrato de financiamento
firmado sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação com (i) o recálculo das
prestações e do saldo devedor de acordo com o PES; (ii) o recálculo do saldo
devedor com a exclusão da TR, aplicando-se juros simples, caso não se entenda
pela aplicabilidade do PES; (iii) a exclusão da taxa de administração e da taxa de
risco de crédito. Requer, ainda, a observância do limite legal de juros e do “li-
mite contratual de 24,10% dos rendimentos dos mutuários”; a efetiva variação
do salário mínimo; a devolução em dobro das “quantias pagas em excesso”; a
declaração de nulidade das cláusulas abusivas, especialmente da que institui a
cobrança de saldo devedor residual e da que estabelece o vencimento antecipa-
do da dívida; a condenação da CEF “a providenciar a seu encargo a quitação do
financiamento e a liberação da hipoteca”; o afastamento da cobrança de juros
sobre juros; a devolução dos valores pagos a título de seguro ou a sua correção
desvinculada das prestações, permitindo-se a “livre contratação do seguro habi-
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tacional com a instituição que melhor lhe oferecer condições”; a correta amor-
tização da dívida, nos termos do art. 6º, c, da Lei nº 4.380/1964; indenização
por danos materiais e morais; bem como impedir a CEF de promover quaisquer
atos executórios ou anular os seus efeitos (fls. 42/44).
Nas razões de recurso (fls. 564/602), os autores requerem, preliminar-
mente, a remessa dos autos ao Núcleo de Conciliação e a apreciação do agravo
retido interposto. Sustentam que há pedido de anulação da execução extrajudi-
cial; que deve ocorrer o “sobrestamento do feito neste MM. Juízo, até o julga-
mento definitivo dos RE 627.106/PR e RE 556.520/SP” (fl. 566), ante a existência
de repercussão geral; que, apesar da importância da realização de perícia, os
autos foram conclusos para sentença; que houve cerceamento do seu direito de
defesa, já que ocorreu o julgamento antecipado da lide sem a produção da pro-
va pericial contábil, essencial para a resolução do litígio; que a prova pericial é
importante para se verificar a incorreção dos reajustes aplicados às prestações e
do cálculo do saldo devedor; que a regularidade do procedimento de execução
extrajudicial encontra-se vinculada a ilícito inadimplemento do mutuário; que
o título executivo não é líquido; que a escolha do agente fiduciário não foi de
comum acordo entre credor e devedor; que não foram expedidos os avisos de
cobrança, conforme dispõe o art. 31, IV, do Decreto-Lei nº 70/1966; que, nos
termos do art. 40 do Decreto-Lei nº 70/1966, o devedor tem assegurada a repa-
ração de todas as perdas e danos decorrentes da alienação do imóvel quando
não observadas as regras do referido Decreto-lei; que houve atuação indevida
de leiloeiro público; que o Decreto-Lei nº 70/1966 não foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988 no que se refere às suas normas que regulam a
execução extrajudicial; que o CDC se aplica ao caso; que o seguro deve ser
excluído ante a prática abusiva de venda casada; que a equivalência salarial
deve ser respeitada, bem como o comprometimento de renda em 30%, nos
termos da Lei nº 8.692/1993; que é indevida a aplicação da TR como índice de
correção do saldo devedor; que não se aplicou o disposto no art. 6º, c, da Lei
nº 4.380/1964; que há prática de anatocismo com a cobrança de juros morató-
rios e remuneratórios; que deve ser excluída a taxa de administração cobrada,
por inexistir previsão legal no âmbito do SFH; que deve ser averbada no RGI a
existência da presente ação, nos termos do art. 167, I, 21 da Lei nº 6.015/1973;
que a cláusula que prevê o saldo devedor residual é abusiva; e que fazem jus
à indenização pelos danos morais sofridos em razão da indevida inscrição de
seus nomes no rol de inadimplentes.
Contrarrazões da CEF às fls. 605/620, nas quais requer a apreciação do
seu agravo retido.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso
(fls. 624/632).
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É o relatório. Peço dia para julgamento.
Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2015.

José Antonio Lisbôa Neiva


Desembargador Federal
Relator

VOTO
Em relação ao pedido de remessa dos autos ao Núcleo de Conciliação
feito pelos autores, ora apelantes, indefere-se tal pedido, uma vez que os pre-
sentes autos não foram selecionados para os mutirões de conciliação que se
encontram em andamento. Ademais, foi realizada audiência de conciliação
(fl. 481), mas não foi possível conciliar, uma vez que a ocupante do imóvel não
possuía condições de assumir o valor da proposta de acordo apresentada.
Conheço do apelo, porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
Por sua vez, não conheço dos agravos retidos interpostos às fls. 199/218
e 219/231, uma vez que a impugnação da decisão que antecipou os efeitos da
tutela deveria ter sido feita mediante agravo de instrumento, com devolução
imediata ao Tribunal. Inexiste utilidade prática, neste momento, em se discutir
provimento de urgência que foi substituído pela sentença que julgou improce-
dente o pedido.
No que concerne ao agravo retido de fls. 367/374, devidamente reiterado
na apelação à fl. 565 (CPC, art. 523, § 1º), este é conhecido, mas será desprovi-
do. Os autores se insurgem contra a decisão que decretou a perda da prova pe-
ricial (fl. 366). Alegam a importância da prova pericial contábil para a solução
da lide e o cerceamento de defesa.
De fato, a importância da prova pericial contábil foi reconhecida pelo
Juiz de primeiro grau, tanto que foi deferida sua produção, nos termos da deci-
são de fl. 338. Contudo, nessa mesma decisão, foi determinada a apresentação
de quesitos em 5 dias, bem como a juntada dos comprovantes de reajustes
salariais do mutuário no prazo improrrogável de 30 dias, a fim de viabilizar a
perícia (itens 2 e 4 da decisão fl. 338). Foi ressalvado que o não atendimento
do disposto nos itens 3 e 4 seria tido como desistência da prova pericial (item 5
fl. 338). E tal decisão foi publicada no Diário Oficial em 16.03.2009.
Verifica-se que a CEF indicou assistente técnico e apresentou seus quesi-
tos às fls. 340/342. O advogado da parte autora, por sua vez, requereu dilação
do prazo, em razão de dificuldade na localização dos autores, nos termos da
petição de fl. 360, protocolada em 06.04.2009, o que foi deferido, conforme
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decisão de fl. 361, publicada em 09.10.2009. Em 01.03.2010, foi certificada
a falta de manifestação da parte autora (fl. 361). Foi, então, determinada a in-
timação pessoal dos autores para cumprimento dos itens 3 e 4 da decisão de
fl. 338, no prazo de 10 dias, sob pena de perda da prova pericial (em 02.08.2010
fl. 362). A certidão foi negativa, com informação de que os autores teriam ven-
dido o imóvel e se mudaram para Mauá (fl. 365). Na sequência, foi proferida a
decisão de fl. 366, ora agravada, que decretou a perda da prova pericial.
Não há, assim, que se falar em cerceamento de defesa. Foram dadas
diversas oportunidades para que a parte autora fornecesse seus contracheques,
apesar de ter sido determinado prazo improrrogável de 30 dias na decisão de
fl. 338. Ora, se há questionamento de inobservância do plano de equivalência
salarial no reajuste das prestações, a prova pericial contábil é, de fato, impres-
cindível para se verificar tal alegação. Entretanto, cabe à parte autora, ao reque-
rer tal produção de prova, fornecer os elementos necessários para a realização
da perícia, o que não foi feito. Ademais, é dever do autor manter seu endereço
atualizado nos autos, observado que é o maior interessado na prestação da
tutela jurisdicional. Portanto, foi a parte autora quem efetivamente deu causa à
perda da prova pericial, razão pela qual o agravo retido é desprovido.
Passo a apreciar o apelo.
Quanto ao pedido de sobrestamento do feito até o julgamento definitivo
do RE 627.106/PR e RE 556.520/SP pelo STF, deve-se observar que inexiste
determinação de suspensão dos julgamentos dos processos com o tema objeto
de repercussão geral. E, enquanto não julgado pelo STF (há pedido de vista do
Ministro Gilmar Mendes em ambos os recursos), vale o entendimento anterior
pela constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial.
Com efeito, a inconstitucionalidade da execução extrajudicial do Decre-
to-Lei nº 70/1966 já foi categoricamente rejeitada pelo Supremo Tribunal Fe-
deral, em inúmeros julgados, reconhecendo a recepção do aludido dispositivo
legal com a Constituição Federal, pelo que, desde que respeitadas todas as for-
malidades exigidas pelo referido Decreto, a vergastada execução extrajudicial
caracteriza exercício de um direito subjetivo na forma da lei. Direito este que
nasce da eventual inadimplência do mutuário. Nessa linha:
“EMENTA: Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Execução extrajudicial.
Decreto-Lei nº 70/1966. Recepção pela Constituição Federal de 1988. Jurispru-
dência assentada. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo
regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a im-
pugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na
Corte.” (AI 678256-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª T., DJe 26.03.2010)

“CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL –


1. Não ofende a Constituição o procedimento previsto no Decreto-Lei nº 70/1966.
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Precedentes. 2. Ausência de argumento capaz de infirmar o entendimento ado-
tado pela decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido.” (AI 663578-AgR,
Relª Min. Ellen Gracie, 2ª T., DJe 28.08.2009)

E ainda: REAgR 513546/SP, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, DJ 15.08.2008;


REAgR 408224/SE, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 31.08.2007; AI-AgR
509379/PR, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 04.11.2005.
A execução extrajudicial do Decreto-Lei nº 70/1966 não viola os prin-
cípios da inafastabilidade do controle jurisdicional, do contraditório, da am-
pla defesa e do devido processo legal. A própria lei, constitucional, permite o
procedimento extrajudicial e a eventual inobservância das regras previstas no
mencionado Decreto-lei poderá sempre ser examinada pelo Judiciário.
Entretanto, a eficácia do Decreto-lei está condicionada ao cumprimento
das regras estabelecidas em seu diploma e respectiva regulamentação comple-
mentar. Assim, apenas diante da inobservância de tais regras pode ser autori-
zada a decretação da nulidade do procedimento, e, no caso, nada foi provado.
As provas dos autos demonstram a inadimplência dos mutuários des-
de junho de 2004 (prestação nº 83 – fl. 166) e o Contrato de Compra e Ven-
da e Mútuo com Obrigações (fls. 185/198) é expresso quanto à possibilidade
de execução extrajudicial conforme as disposições inseridas no Decreto-Lei
nº 70/1966 (cf. cláusula 27ª – fl. 195).
No que tange à nulidade sob o argumento de que não foram anexados os
avisos de cobrança de acordo com o art. 31, IV, do Decreto-Lei nº 70/1966, tal
tese deve ser rejeitada.
Consoante o Decreto-Lei nº 70/1966 os avisos reclamando o pagamen-
to da dívida serão “expedidos segundo instruções regulamentares relativas ao
SFH” (art. 31, IV). A Resolução RD nº 8/1970 previa a expedição de três avisos
de cobrança. Com o advento da Resolução RC nº 11/1972, do Conselho do
Banco Nacional da Habitação (BNH), a previsão passou a ser de dois avisos de
cobrança (item 4.1), exceto o caso em que a mora for superior a seis meses, o
qual poderá o credor expedir apenas um único aviso de cobrança (item 4.4, e).
No caso, portanto, deveria ter sido expedido apenas um aviso de co-
brança, já que a inadimplência dos mutuários era superior a seis meses
(fls. 166/172). Não há, entretanto, cópia do aviso nos autos, apenas de ARs
que informam o não recebimento com informação de mudança de endereço
(fls. 179/182).
Porém, verifica-se que os apelantes foram notificados para purgar a mora,
por edital, conforme documentos de fls. 177/178 e 183/184, em consonância
com o disposto no art. 31, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 70/1966, sendo-lhes
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 169
concedido o prazo de vinte dias para purgar a mora. Ressalte-se que a notifi-
cação por edital é permitida quando o devedor se encontrar em lugar incer-
to ou não sabido, nos termos do mencionado § 2º do art. 31 do Decreto-Lei
nº 70/1966, situação dos presentes autos.
Assim, não cabe a alegação de nulidade do procedimento por não terem
sido expedidos os avisos de cobrança ou pela falta de notificação pessoal. A
intenção do legislador foi dar a possibilidade ao mutuário de quitar a dívida,
a fim de evitar a execução extrajudicial. Os apelantes tinham ciência de sua
inadimplência, por óbvio (desde junho de 2004, fl. 166). E foram notificados
por edital para purgar a mora, nos termos do art. 31, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei
nº 70/1966, conforme se comprovou dos documentos anexados aos autos.
Neste sentido, cite-se o seguinte aresto deste Tribunal:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – SFH – EXECUÇÃO EXTRAJUDI-
CIAL – DECRETO-LEI Nº 70/1966 – NOTIFICAÇÃO PARA PURGAR A MORA
– RD 08/1970 – LEILÃO – AGENTE FIDUCIÁRIO E PREPOSTO – EXTINÇÃO DO
CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL
1. A jurisprudência já se encontra sedimentada no sentido da constitucionalidade
do procedimento de execução extrajudicial promovido com base no Decreto-Lei
nº 70/1966.
2. Não restou demonstrado nos autos a inobservância por parte da Caixa Eco-
nômica Federal do princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da
CRFB/1988), visto que expedidas cartas registradas e carta de notificação ao de-
vedor a que se refere o § 1º do art. 31 do Decreto-Lei nº 70/1966, por intermédio
do 6º Ofício de Registro de Títulos e Documentos, concedendo aos inadimplen-
tes o prazo de 20 (vinte) dias para a purgação da mora, tendo sido certificado
pelo oficial do referido cartório que a notificação foi entregue ao mutuário.
3. Melhor sorte não assiste à alegação de nulidade do procedimento com fulcro
no art. 10, da RD 08/1970 do extinto BNH, por não terem sido expedidos os três
avisos de cobrança previstos por tal norma, na medida em que a mens legis do
referido dispositivo identifica-se com a possibilidade dada ao devedor/mutuá-
rio de purgar a mora, nos mesmos termos do art. 31, §§ 1º e 2º do Decreto-Lei
nº 70/1966, que restou obedecida.
4. O primeiro e o segundo leilões foram precedidos de publicação de edital em
jornal de grande circulação, por três vezes, sendo certo que ‘inexiste previsão
legal que determine a notificação do mutuário acerca dos leilões do imóvel finan-
ciado, bastando para tanto a publicação dos editais, pois a mens legis se destina
a ciência pessoal para o início da execução extrajudicial, nos termos previstos
pelo art. 31, do DL 70/1966, não se vislumbrando qualquer ilegalidade no seu
cumprimento pela parte ré.’ (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 200451010227870/RJ, Rel.
Des. Fed. Raldenio Bonifácio Costa, DJU 13.09.2007, p. 188)
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5. Não se trata de irregularidade ou violação do contrato celebrado entre as par-
tes a condução do procedimento extrajudicial por agente fiduciário eleito unila-
teralmente pela CEF, por se tratar de hipótese admitida pelo art. 30, § 2º do DL
70/1966. Precedente do STJ-e deste Tribunal.
6. Nem se diga que seria irregular a realização dos atos inerentes ao procedimen-
to de execução extrajudicial por terceiro que não o próprio agente fiduciário,
porque não se verifica na legislação regente qualquer vedação à prática desses
atos por terceiro contratado pelo agente fiduciário.
7. Devida a execução extrajudicial da dívida hipotecária promovida pela CEF
quando constatado, através de laudo pericial, que as determinações contratuais
foram devidamente cumpridas pela instituição ré, resultando, deste modo, em
quitação do débito e extinção da avença em discussão.
8. Apelação provida. Agravo retido prejudicado.” (TRF 2ª R., AC 438094, Pro-
cesso nº 200251010225177, Órgão julgador: 8ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Marcelo
Pereira/no afast. Relator, Fonte: DJU, de 19.01.2010, p. 245) (Destacamos)

Quanto à atuação do leiloeiro, também não há qualquer nulidade. O


leiloeiro público tem atribuição legalmente prevista no Decreto-Lei nº 70/1966
e no Decreto nº 21.981/1932 para a realização do leilão de imóvel. E, para
dirimir qualquer dúvida, a norma do art. 19, parágrafo único, do Decreto
nº 21.981/1932, não se aplica à presente hipótese, uma vez que a atuação de
leiloeiro em execução extrajudicial não possui a mesma restrição profissional
prevista nas execuções judiciais, conforme já manifestou a jurisprudência desta
Corte Regional:
“AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL – DECISÃO QUE NEGOU SEGUI-
MENTO AO RECURSO – MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA – SFH – EXECUÇÃO
EXTRAJUDICIAL – DECRETO-LEI Nº 70/1966 – AGENTE FIDUCIÁRIO QUE
ATUA EM NOME DO BNH – REGULAR ATUAÇÃO DE PREPOSTO – ATRI-
BUIÇÃO LEGAL DO LEILOEIRO PÚBLICO – PUBLICAÇÃO DE EDITAL PARA
ALIENAÇÃO DO IMÓVEL PELO VALOR DO SALDO DEVEDOR
[...]
IV – O Leiloeiro Público tem atribuição, legalmente conferida, para presidir o
leilão advindo da execução extrajudicial, já que a exceção de sua atribuição
para conduzir o leilão advindo de execução fundada em garantia real hipotecária
restringe-se apenas à massa falida ou liquidanda.
[...]
VII – Agravo interno improvido.” (TRF 2ª R., AC 1995.51.01.0178247/RJ, Rel.
Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 7ª T.Esp., DJU de 21.05.2008)

“SFH – NULIDADE DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – DECRETO-LEI Nº 70/1966


– RECEPCIONADO – PREPOSTO DO AGENTE FIDUCIÁRIO – ATUAÇÃO RE-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 171
GULAR – LEILOEIRO PÚBLICO – ATUAÇÃO REGULAR – LEILÃO PELO VALOR
DO SALDO DEVEDOR – POSSIBILIDADE
[...]
4. A restrição profissional às atividades do leiloeiro público impostas no Decre-
to nº 21.981/1932 dizem respeito ao procedimento de execução judicial, não
havendo que se falar em irregularidade de sua atuação nos procedimentos de
execução extrajudicial.
[...]
7. Recurso desprovido. Sentença mantida.” (TRF 2ª R., AC 2008.51.01.
0077075/ RJ, Rel. Des. Frederico Gueiros, 6ª T.Esp., Julgamento em 31.05.2010)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – SFH – EXECUÇÃO EXTRAJUDI-


CIAL – DECRETO-LEI Nº 70/1966 – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INO-
CORRÊNCIA – AMPLA DEFESA – AGENTE FIDUCIÁRIO E PREPOSTO – NO-
TIFICAÇÃO PARA PURGAR A MORA – ATUAÇÃO DO LEILOEIRO PÚBLICO
– LEILÃO – NOTIFICAÇÃO POR EDITAL – VALOR DO EDITAL – ARREMATA-
ÇÃO – EXIBIÇÃO DO PREÇO
[...]
5. Inexiste óbice legal a impedir que o agente fiduciário, legalmente incumbido
de publicar editais e efetuar o leilão público, nos termos do art. 32, do Decreto-
-Lei nº 70/1966, autorize o leiloeiro público a conduzir o leilão, sendo descabida
a interpretação de que tal artigo impede delegações nesse sentido
[...]
9. Apelação desprovida.
(TRF 2ª R., AC 2003.51.01.0096977/RJ, Rel. Juiz Federal Conv. Marcelo Pereira,
8ª T.Esp., DJU de 13.02.2008)

Ressalte-se, ainda, que o Decreto-lei é claro ao dispor que nas hipóte-


ses de hipoteca pelo Sistema Financeiro de Habitação o agente fiduciário é o
Banco Nacional da Habitação BNH (art. 30, I). Entretanto, há previsão expressa
no sentido de que instituição financeira pode atuar como mandatária do BNH,
desde que esteja credenciada, independente de comum acordo entre credor e
devedor, ainda que exista expressa previsão contratual (art. 30, § 2º, in fine).
Citem-se os seguintes acórdãos:
“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – SFH – ESCOLHA DO
AGENTE FIDUCIÁRIO – POSSIBILIDADE – OBSERVÂNCIA DO PRAZO PARA
INTIMAÇÃO DO LEILÃO – SÚMULA Nº 07/STJ – AUSÊNCIA DE NULIDADE –
1. Não se aplica aos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação
SFH a exigência de comum acordo entre credor e devedor na escolha do agente
172 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
fiduciário para promover a execução extrajudicial (art. 30, I, § 2º do Decreto-Lei
nº 70/1966).
[...]
3. Recurso especial conhecido em parte e, n essa parte, não provido.” (REsp
200600862673, Eliana Calmon, 2ª T., DJ 29.10.2008)

“SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – AU-


DIÊNCIA PRÉVIA DE CONCILIAÇÃO – DISPENSA – JULGAMENTO ANTECIPA-
DO DA LIDE – AUSÊNCIA DE NULIDADE – DECRETO-LEI Nº 70/1966 – CONS-
TITUCIONALIDADE PRESSUPOSTOS FORMAIS – ESCOLHA DO AGENTE
FIDUCIÁRIO – [...] O art. 30, inciso II, do DL 70/1966 prevê que a escolha do
agente fiduciário entre ‘as instituições financeiras inclusive sociedades de crédito
imobiliário, credenciadas a tanto pelo Banco Central da República do Brasil,
nas condições que o Conselho Monetário Nacional, venha a autorizar’, e pros-
segue afirmando, em seu § 2º, que, nos casos em que as instituições menciona-
das inciso transcrito estiverem agindo em nome do extinto Banco Nacional de
Habitação – BNH, fica dispensada a escolha do agente fiduciário de comum
acordo entre o credor e o devedor, ainda que prevista no contrato originário do
mútuo hipotecário. Além disso, não indica a recorrente quaisquer circunstâncias
que demonstrem parcialidade do agente fiduciário ou prejuízos advindos de sua
atuação, capazes de macular o ato executivo, o que afasta a alegação de nulida-
de de escolha unilateral pelo credor. 6. Recurso especial parcialmente conhecido
e, nesta parte, desprovido.” (REsp 200201221489, Teori Albino Zavascki, 1ª T.,
DJ 18.04.2005)

Assim, não há que se falar na aplicação do disposto no art. 40 do Decre-


to-Lei nº 70/1966, considerando-se regular o procedimento de execução extra-
judicial iniciado.
No tocante à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor,
muito embora o E. Superior Tribunal de Justiça tenha reconhecido sua incidên-
cia às relações contratuais bancárias, ressalto que tal entendimento não socorre
alegações genéricas para fim de amparar o pedido de revisão e modificação de
cláusulas contratuais convencionadas, sem a devida comprovação da existên-
cia de cláusulas abusivas, ou da onerosidade excessiva do contrato, bem como
da violação do princípio da boa-fé e da vontade do contratante. E, no caso,
nada foi provado.
Em relação à tese de falta de liquidez, certeza e exigibilidade do título
executivo, melhor sorte não tem a parte apelante.
No que concerne às prestações do contrato imobiliário e ao comprome-
timento de renda fixado em 30%, a tese de incorreção do reajuste é rejeitada,
ante a ausência de prova nesse sentido, observada a perda da prova pericial
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 173
contábil, conforme anteriormente analisado no agravo retido, que restou des-
provido.
O contrato firmado deve ser observado pelas partes, não sendo possível
alterar o critério ajustado de correção monetária do saldo devedor para que seja
aplicada a equivalência salarial. O PES nada tem a ver com a correção do saldo
devedor e somente está previsto para o reajuste das prestações.
Ressalte-se que, em relação ao índice de correção do saldo devedor, o
Supremo Tribunal Federal não vedou a utilização da TR genericamente nos con-
tratos, mas sim a substituição do indexador expressamente previsto em ajuste
anterior à Lei nº 8.177/1991. A parte autora assinou contrato no qual é expressa
a previsão no sentido de que o saldo devedor será atualizado mensalmente
mediante a aplicação do coeficiente de atualização monetária idêntico ao utili-
zado para o reajustamento dos depósitos de poupança (cláusula nona fl. 188).
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça é pacífico em admitir o uso da
TR, “inclusive na atualização de saldo devedor de contrato firmado no âmbito
do Sistema Financeiro da Habitação antes da Lei nº 8.177/1991, sendo possí-
vel quando o contrato o preveja ou haja pacto de utilização do mesmo índice
aplicável à caderneta de poupança” (AgRg-Ag 916642/SP, 4ª T., Rel. João Otá-
vio de Noronha, DJ 05.05.2008, p. 1; AgRg-REsp 1005486/RS, 1ª T., Rel. Min.
Francisco Falcão, DJ 05.05.2008, p. 1; AgRg-AgRg-REsp 937435/DF, 3ª T., Relª
Min. Nancy Andrighi, DJ 10.03.2008, p. 1).
Assim, correta a aplicação da TR como índice de correção monetária
do saldo devedor, não havendo que se falar em equivalência salarial na sua
atualização.
Quanto à forma de amortização feita pela CEF, verifica-se que foi feita
corretamente, não procedendo a alegação dos apelantes. A CEF não praticou
ilegalidade ao reajustar o saldo devedor do contrato de mútuo antes da amor-
tização decorrente do pagamento das prestações, segundo entendimento juris-
prudencial pacífico sobre a matéria:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – SFH – CONTRATO DE MÚTUO
COM COBERTURA DO FCVS – ART. 535 – OMISSÕES – ARTS. 9º DO DECRE-
TO-LEI Nº 2.164/1984, 22 DA LEI Nº 8.004/1990, 778 DO CÓDIGO CIVIL E 2º,
§ 3º, DA LEI Nº 10.150/2000 – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – ANATO-
CISMO – AFASTAMENTO – FALTA DE INTERESSE – AFASTAMENTO DA TAXA
DE COBRANÇA E ADMINISTRAÇÃO E DO COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO
SALARIAL – SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ – CORREÇÃO DE SALDO DEVEDOR –
SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR – LEGALIDADE – DEVO-
LUÇÃO EM DOBRO DAS QUANTIAS COBRADAS INDEVIDAMENTE – INAPLI-
CABILIDADE
[...]
174 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
7. É considerado legal o critério de amortização do saldo devedor mediante a
aplicação da correção monetária e juros para só então efetuar o abatimento da
prestação mensal do contrato de mútuo para aquisição de imóvel pelo Sistema
Financeiro de Habitação. Precedentes. [...]” (STJ; REsp 990.331/RS, Rel. Min.
Castro Meira, Órg. Julg.: 2ª T., Pub. DJe de 02.10.2008)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – SFH – PERÍCIA – PES/CP – SALDO


DEVEDOR – TR – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE 84,32% –
ANATOCISMO – TABELA PRICE – AMORTIZAÇÃO
[...]
6. Não configura a prática de anatocismo quando a CEF, primeiramente, atualiza
o saldo devedor para depois proceder à aplicação dos juros e à amortização
dos valores pagos, valendo ressalvar que esse procedimento não viola o art. 6º,
alínea c, da Lei nº 4.380/1964. [...]” (TRF da 2ª R., AC 337023/RJ, Rel. Des. Fed.
Raldênio Bonifacio Costa, Órg. Julg.: 8ª T.Esp., Pub. DJ de 07.10.2008,
p. 112/113)
Não se verifica, também, a prática de anatocismo, ante a inexistência de amorti-
zação negativa, conforme a planilha de fls. 344/356.
Em relação à taxa de administração, o Superior Tribunal de Justiça vem se posi-
cionando no sentido da legitimidade de tal cobrança, desde que prevista no con-
trato, face à ausência de qualquer vedação legal neste sentido. A este respeito:

“ADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – REVISÃO E


REAJUSTE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS – PEC/CP – SALDO DEVEDOR –
ATUALIZAÇÃO – ABRIL DE 1990 – PRÉVIO AJUSTE E POSTERIOR AMORTI-
ZAÇÃO – TAXA DE COBRANÇA E ADMINISTRAÇÃO – CONTRATO ACES-
SÓRIO DE SEGURO – CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS

1. [...]

3. A averiguação de suposta abusividade de cobranças estipuladas em contra-


to de mútuo depende de elementos e parâmetros a serem trazidos pela parte
que faz essa alegação.

4. A prestação relativa a contrato de mútuo é composta por três variáveis:


amortização, juros e acessórios, nestes últimos incluídas taxas como as de
cobrança e administração.

5. Não é admitida, em sede de contrato ligado ao Sistema Financeiro da Habi-


tação, a incidência de juros capitalizados anualmente, de acordo com a regra
insculpida no art. 6º da Lei nº 4.380/1964.

6. A condenação ao pagamento da repetição do indébito em dobro somente


tem aplicação nos casos de comprovada má-fé daquele que logrou receber a
quantia indevida.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 175
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”
(STJ, 2ª T., REsp 647.838/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ
06.06.2005, p. 275)

Nesta Corte, vale conferir:


“DIREITO CIVIL – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – CONTRATO
REGIDO PELO SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CRESCENTE SACRE – NÃO
REALIZAÇÃO DE PERÍCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊN-
CIA – JUROS CAPITALIZADOS – NÃO INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR – APLICAÇÃO AOS CONTRATOS REGIDOS PELO SFH
– CLÁUSULAS ABUSIVAS – NÃO COMPROVAÇÃO – COBRANÇA DE TA-
XAS DE ADMINISTRAÇÃO E DE RISCO CONTRATUAL – INEXISTÊNCIA DE
ILEGALIDADE NA COBRANÇA
1. [...]
6. Em consonância com entendimento firmado pelo Eg. STJ no sentido de
que, ante a inexistência vedação legal, é legítima a cobrança de TRC (Taxa
de Risco de Crédito) e de TA (Taxa de Administração) desde que previstas no
contrato.
7. Apelação conhecida e improvida. Sentença integralmente mantida.
(TRF 2ª R., 6ª T., AC 430179, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da
Gama, DJU 18.11.2009, p. 84)

No caso dos autos, a taxa de administração não foi cobrada, conforme se


verifica pelo contrato (quadro C – item 11 – fl. 186 e cláusula quarta – fl. 187)
e na planilha de fls. 344/356.
Logo, a tese da parte apelante é rejeitada.
Quanto ao saldo devedor residual, não contando o contrato com a co-
bertura do FCVS, existindo saldo devedor ao final do prazo contratado, este
poderá ser refinanciado, no prazo máximo constante da letra “c” do contrato
(fl. 186). Não é possível, porém, simplesmente declarar a nulidade desta cláu-
sula, transferindo a responsabilidade pelo débito remanescente para o SFH, em
evidente ofensa aos princípios da isonomia e da obrigatoriedade dos contratos.
A jurisprudência é uníssona quanto à validade desta cláusula contratual, como
ilustra, a propósito, o entendimento a seguir:
“SFH – REVISÃO DO SALDO DEVEDOR – REAJUSTE PELA VARIAÇÃO SALA-
RIAL DA CATEGORIA PROFISSIONAL – IMPOSSIBILIDADE – REAJUSTE CON-
FORME O CONTRATO – LEGALIDADE DA TR – INAPLICÁVEIS OS ARTS. 27,
§ 5º DA LEI Nº 9.069/1995 E 2º, § 1º, DA LEI Nº 10.192/2001 – SALDO RESI-
DUAL – RESPONSABILIDADE DO MUTUÁRIO SE NÃO HÁ COBERTURA PELO
FCVS – LEGALIDADE DO DECRETO LEI Nº 70/1966
176 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
[...]

5. O contrato está sujeito aos princípios pacta sunt servanda e da autonomia da


vontade, não havendo que se falar em nulidade da cláusula que prevê o paga-
mento de eventual saldo residual.

6. O Decreto-Lei nº 70/1966 já teve sua constitucionalidade definitivamente re-


conhecida pelo Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados.

7. Apelação conhecida e improvida.” (TRF 2ª R., AC 200151020043973, Rel.


Des. Fed. Frederico Gueiros, 6ª T.Esp., DJU 08.09.2008, p. 320)

Em relação ao seguro, a tese de sua exclusão ante a prática de venda


casada não se sustenta.
Cumpre acrescentar que a parte autora assumiu a obrigação de pagar o
prêmio do seguro contratado (conforme cláusula décima nona do contrato –
fl. 193), não havendo prova de desrespeito ao contrato ou de que seu valor é
bem superior ao bem segurado. O seguro é calculado com base no valor do
bem segurado e não em função da prestação. Ressalte-se que regula o tema, fi-
xando os coeficientes dos prêmios mensais e consolidando toda a legislação em
matéria de seguro habitacional, a Circular Susep nº 111, de 3 de dezembro de
1999, alterada pela Circular nº 121, de 3 de março de 2000, cabendo ao agente
financeiro, tão-somente, aplicar a legislação e os coeficientes nela previstos.
Acrescente-se, ainda, que, dadas as particularidades dos contratos de mútuo
para financiamento de imóveis firmados junto à CEF, não se podem comparar
índices dos contratos acessórios de seguro com os de outros seguros.
Deve-se ressaltar que houve pedido de exclusão do seguro, ao argumen-
to de que sua cobrança é indevida, com condenação da ré a devolver o que foi
cobrado em dobro. Contudo, como visto, tal tese não é acolhida.
Quanto ao pedido de livre escolha da seguradora, deve-se observar que
o STJ, no recurso considerado repetitivo REsp 969.129/MG, reconheceu o di-
reito do mutuário à escolha. Contudo, no caso dos presentes autos, houve o
vencimento antecipado da dívida, em razão do atraso no pagamento das pres-
tações desde junho de 2004 (fl. 351), o que impede a troca da seguradora. Com
as prestações em atraso, o seguro também deixou de ser pago, não cabendo,
assim, a troca de seguradora. Situação diferente seria se houvesse o pedido de
escolha de outra seguradora com o regular pagamento das prestações, o que
não ocorreu na hipótese dos autos.
Cumpre destacar que as teses de recálculo das prestações e do saldo de-
vedor foram rejeitadas, inexistindo justificativa de abusividade das cláusulas do
contrato para a inadimplência.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 177
Logo, a tese de falta de liquidez do título é rejeitada, já que os argumen-
tos levantados contra os critérios da CEF são desprovidos de amparo, conforme
vários precedentes sobre a matéria.
O pedido de indenização por danos morais sequer foi fundamentado na
inicial, não devendo, a rigor, ser conhecido o apelo neste particular.
Mas, de qualquer forma, segue a sorte do principal, pela improcedência.
Por fim, quanto à anotação da lide no Registro de Imóveis, também não
assiste razão aos apelantes. A discussão é de índole pessoal (e não real) e a
constituição de hipoteca sobre o imóvel não altera tal conclusão. Sobre o tema,
confiram-se os seguintes excertos:
“[...] O Registro Geral de Imóveis não comporta inscrição de relações de nature-
za pessoal, ainda que indiretamente envolvam direitos reais” (vide Ag 130149,
Processo nº 2004.02.01.0095136, 4ª T., Rel. Des. Fed. Benedito Gonçalves, DJU
de 10.01.2005, p. 40). [...]” (TRF 2ª R., Ag 200802010175344, Rel. Des. Fed.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, 6ª T.Esp., DJU 15.05.2009, p. 276).
[...]
II – Descabe o pleito de expedição de ofício ao RGI, por não se tratar aqui de
ação reipercussória, sendo o imóvel, no contrato de mútuo, tão-somente uma
caução real, a assegurar a solvabilidade da dívida, que tem cunho pessoal; [...]”
(TRF 2ª R., AGT 200702010151542/RJ, 7ª T.Esp., unân., Rel. Des. Fed. Sergio
Schwaitzer, DJU 16.01.2008, p. 115/116)

A sentença deve, portanto, ser mantida.


Isto posto, 1) Não conheço dos agravos retidos interpostos às fls. 199/218
e 219/231; 2) Conheço do agravo retido de fls. 367/374 e nego-lhe provimento;
3) Conheço da apelação e nego-lhe provimento.
É como voto.

José Antonio Lisbôa Neiva


Desembargador Federal
Relator
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2139

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios


Órgão: 2ª Turma Cível
Classe: Agravo de Instrumento
Nº Processo: 20150020112637AGI (0011377-74.2015.8.07.0000)
Agravante(s): Contratti Administração de Imóveis Ltda.
Agravado(s): Hospital São Francisco, Instituto Mutsaude, Jorge Eduardo Rodrigues de Miranda, João Rodrigues
de Freitas, Marcelo Ribeiro dos Reis, Ranulfo Guedes Saraiva, Pollo Invest .e Assessoria Ltda., Construtora
Villela e Carvalho Ltda.
Relatora: Desembargadora Leila Arlanch
Acórdão nº 890160

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO PAULIANA – ANTECIPAÇÃO DE


TUTELA – PRESSUPOSTOS LEGAIS DEMONSTRADOS – INDISPONIBILIDADE DO BEM – CAUTELA
DO MAGISTRADO – DECADÊNCIA – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – RECURSO NÃO PROVIDO
1. O deferimento da antecipação de tutela deve estar lastreado nos
requisitos do art. 273 da Lei Processual, isto é, devem estar presen-
tes, simultaneamente, a verossimilhança do direito, isto é, deve haver
probabilidade quanto à sua existência, podendo ser identificado me-
diante prova sumária, e o reconhecimento de que a natural demora
na respectiva definição, em via de ação, possa causar dano grave e de
difícil reparação ao titular do direito violado ou ameaçado de lesão.
2. Constatado a presença dos pressupostos e considerando, ainda,
que a medida deferida (indisponibilidade dos bens) não obsta a frui-
ção regular do imóvel, salvo em relação à transferência de domínio,
a cautela do magistrado deve ser prestigiada.
3. Mesmo considerando tratar-se de matéria de ordem pública, sua
apreciação em sede de agravo, sem que a questão tenha sido aprecia-
da pelo juízo original, constitui supressão de instância. Precedentes
deste egrégio TJDFT e do colendo STJ.
4. Agravo de Instrumento conhecido e não provido.

ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Leila Arlanch – Relatora, Gislene
Pinheiro – 1º Vogal, J. J. Costa Carvalho – 2º Vogal, sob a presidência do Senhor
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 179
Desembargador Mario-Zam Belmiro, em proferir a seguinte decisão: negar pro-
vimento. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 26 de agosto de 2015.

Documento assinado eletronicamente


Leila Arlanch
Relatora

RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Contratti Administra-
ção de Imóveis Ltda. contra decisão proferida pelo juízo da 8ª Vara Cível de
Brasília que, na ação pauliana ajuizada por Hospital São Francisco em desfavor
do agravante e dos demais agravados, autos nº 2015.01.1.015863-9, deferiu
em parte a antecipação de tutela para decretar a indisponibilidade do imóvel
situado na Área Especial nº 02, Setor E, Sul, Taguatinga/DF, matrícula 33595 do
Livro 2 – Registro Geral do 3º Ofício de Registro Imobiliário do DF.
Em suas razões recursais, a agravante aduz, em síntese, a decadência do
direito de anulação pretendida pela autora da ação pauliana e, em consequ-
ência, que os pedidos da ação originária devem ser julgados improcedentes,
inclusive sem a necessidade da instrução processual. Requer a atribuição de
efeito suspensivo ao agravo e, no mérito, a reforma da decisão, inclusive reco-
nhecendo a decadência do direito vindicado pelo primeiro agravado.
Regular preparo às fls. 14/15.
O pedido liminar de atribuição de efeito suspensivo ao recurso foi inde-
ferido (fls. 635/636v).
O agravado Hospital São Francisco contrariou o recurso consoante peti-
ção de fls. 640/651.
Os recorridos Construtora Villela e Carvalho Ltda., Ranulfo Guedes
Saraiva e Jorge Eduardo Rodrigues Miranda, devidamente intimados, não ofe-
receram resposta ao recurso. Os demais agravados não foram localizados para
serem intimados.
Às fls. 679/81, foi negado seguimento ao recurso em face de sua mani-
festa inadmissibilidade. Contudo, essa decisão foi posteriormente reconsiderada
(fls. 692/694).
É o relatório.
180 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

VOTOS
A Senhora Desembargadora Leila Arlanch – Relatora:
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu
em parte a antecipação de tutela para decretar a indisponibilidade do imóvel
situado na Área Especial nº 02, Setor E, Sul, Taguatinga/DF, matrícula 33595 do
Livro 2 – Registro Geral do 3º Ofício de Registro Imobiliário do DF.
A questão litigiosa neste agravo cinge-se à verificação dos pressupostos
autorizadores da medida antecipatória de tutela deferida pelo Juízo de origem
nos termos acima referidos.
De acordo com o art. 273 do Código de Processo Civil, o juiz poderá
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido ini-
cial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança
da alegação.
Assim, para a concessão da medida de urgência devem estar presentes,
simultaneamente, a verossimilhança do direito, isto é, deve haver probabilidade
quanto à sua existência, podendo ser identificado mediante prova sumária, e o
reconhecimento de que a natural demora na respectiva definição, em via de
ação, possa causar dano grave e de difícil reparação ao titular do direito violado
ou ameaçado de lesão.
No caso em apreço, verifica-se presentes os pressupostos para a medida
de urgência.
Conforme explicitado por ocasião da decisão que negou a concessão de
efeito suspensivo ao presente agravo (fls. 635/636), o ato judicial impugnado
limitou-se a decretar a indisponibilidade do imóvel indicado pelo agravante,
fundando a antecipação da tutela na constatação de que o negócio jurídico
entabulado entre Construtora Villela e a Pollo Invest ocorreu após a cessão de
direito entabulada entre a Assefe e o Instituto de Saúde Mutmed, e, ainda, que o
patrimônio deste Instituto deve responder pelos débitos exequendos.
Com efeito, considerando que o processo se encontra em sua fase inicial,
com formação da relação da relação processual, por meio da citação dos réus,
a indisponibilidade do bem litigioso não evidencia qualquer lesão grave ou de
difícil reparação para a agravante. Importa destacar que a medida acautelatória
deferida não obsta a fruição regular do bem, salvo em relação à transferência de
domínio. Contudo, não havendo qualquer notícia de que a recorrente preten-
da a sua alienação ou que a indisponibilidade decretada esteja criando algum
óbice ao exercício do domínio sobre o imóvel, a cautela do magistrado deve
ser prestigiada.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 181
No que se refere a alegada decadência, verifica-se que a decisão agra-
vada não apreciou a matéria. Nesse sentido, mesmo considerando tratar-se de
matéria de ordem pública, sua apreciação neste sede recursal constitui supres-
são de instância.
A propósito, confira-se os seguintes precedentes desta egrégia Corte,
verbis:
PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMEN-
TO – IMÓVEL – IMISSÃO NA POSSE – ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO
JUÍZO EM RAZÃO DA MATÉRIA – LEILÃO EXTRAJUDICIAL – AUSÊNCIA DE
NOTIFICAÇÃO – PREÇO VIL – INOCORRÊNCIA – MANUTENÇÃO DA DECI-
SÃO AGRAVADA

1. À míngua do requisito da relevância da fundamentação, eis que, a toda evidên-


cia, houve a intimação do leilão e o imóvel foi arrematado por preço que não se
considera vil, inviável a concessão de liminar determinando o recolhimento do
mandado de imissão na posse.

2. Na esteira da jurisprudência desta Corte, ainda que a matéria seja de ordem


pública, deverá ser apreciada, num primeiro momento, pelo Juízo de origem, sob
pena de supressão de instância.

3. Se o agravo regimental não aduz argumentos suficientes a modificar os fun-


damentos externados na r. decisão guerreada, não há motivo para se proceder à
reconsideração, devendo subsistir os fundamentos já expendidos.

4. Recurso desprovido. Decisão mantida.

(Acórdão nº 681313, 20130020089482AGI, Relator: Mario-Zam Belmiro,


3ª T.Cív., Data de Julgamento: 22.05.2013, Publicado no DJe: 05.06.2013,
p. 174) (grifo nosso)

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁ-


RIO – IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCD)
– COMPETÊNCIA – JUÍZO DAS SUCESSÕES – DECADÊNCIA – MATÉRIA DE
ORDEM PÚBLICA – ÂMBITO DE COGNIÇÃO DO AGRAVO – SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA

1. Compete ao juiz do inventário julgar questões atinentes ao imposto sobre


transmissão causa mortis, mormente por se tratar de matéria unicamente de direi-
to, com apoio no art. 984 do Código de Processo Civil.

2. Conquanto a decadência seja matéria de ordem pública, não deve ser ana-
lisada em sede recursal, pois não foi objeto de apreciação pelo juiz a quo, sob
pena de supressão de instância, em obediência ao princípio do duplo grau de
jurisdição (precedentes).
182 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
3. Deu-se parcial provimento ao agravo para declarar o ilustre juízo a quo como
competente para dirimir a questão atinente a decadência e outras correlatas.
(Acórdão nº 863440, 20140020236232AGI, Rel. Flavio Rostirola, 3ª T.Cív., Data
de Julgamento: 22.04.2015, Publicado no DJe 30.04.2015, p. 218)

O entendimento supra não destoa da orientação jurisprudencial do co-


lendo STJ, verbis:
PROCESSUAL CIVIL – CORREÇÃO MONETÁRIA DE DEPÓSITOS JUDICIAIS –
LEGITIMIDADE AD CAUSAM DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – RECURSO
ESPECIAL – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – PRESCRI-
ÇÃO – QUESTÃO NÃO DEBATIDA PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA – AUSÊN-
CIA DE PREQUESTIONAMENTO – AGRAVO REGIMENTAL DO BANCO SAN-
TANDER
I – Não há a suscitada contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil. A
Corte de Justiça pronunciou-se expressamente no tocante à alegada prescrição,
nestes termos: “a questão relativa à prescrição, reconhecidamente ainda não sus-
citada nos autos, embora possa ser alegada em qualquer instância (art. 162 do
Código Civil), não foi objeto da respeitável decisão agravada nem foi suscitada
nas razões do agravo interposto e, em se cuidando de matéria de ordem pública,
poderá ser examinada na instância a quo, evitando-se, assim, supressão de grau
jurisdicional”.
II – Assim sendo, descabe na instância extraordinária o julgamento de tal questão,
diante da conclusão a que chegou o Tribunal a quo sobre o tema, ou seja, de que
inoportuno o julgamento de tal questão em sede de agravo de instrumento – para
evitar supressão de instância – não estando, por isso mesmo, prequestionado o
dispositivo do Código Civil alegadamente malferido (Súmula nº 211/STJ).
III – Agravo regimental improvido.

AGRAVO REGIMENTAL DE MARIA AUGUSTA DE CAMARGO FRANCO – ES-


PÓLIO
I – De acordo com a Súmula nº 179/STJ, o estabelecimento de crédito depositário
é responsável pelo pagamento da correção monetária sobre os valores recolhi-
dos a título de depósito judicial. Entretanto, no período em que os valores foram
transferidos para o Banco Central, em razão da MP 168/1990, cessa a respon-
sabilidade da Instituição Financeira sobre a correção monetária dos respectivos
valores.
Precedentes: REsp 818.813/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 15.10.2007 e REsp
178.228/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.08.2006.
II – Agravo regimental improvido.
(AgRg-REsp 1066764/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., Julgado em
04.11.2008, DJe 12.11.2008) (grifo nosso)
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Ressalte-se que estão presentes os riscos de graves danos que justificam a
medida antecipatória deferida na decisão agravada, porquanto a ação pauliana
visa exatamente anular negócio jurídico entabulado pelo devedor insolvente
com bens que garantiriam a execução do débito.
Nesses termos, constatado a presença dos pressupostos autorizadores
para a concessão da antecipação de tutela, bem como que não subsistem as
razões do inconformismo do agravante, a manutenção da decisão recorrida é
medida que se impõe.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
É como voto.
A Senhora Desembargadora Gislene Pinheiro – Vogal
Com o relator.
O Senhor Desembargador J. J. Costa Carvalho – Vogal
Com o relator.

DECISÃO
Negar provimento. Unânime.
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2140

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás


Poder Judiciário
Gabinete do Desembargador Amaral Wilson de Oliveira
Agravo Interno dos Embargos de Declaração na Apelação Cível nº 505466-09.2011.8.09.0097 (201195054661)
Comarca de Jussara
Agravante: Antônio Joaquim Duarte
Agravada: Edvaldo Vicentini e outro
Relator: Des. Amaral Wilson de Oliveira

EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL – EMBARGOS DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEG­
RAÇÃO DE POSSE – ESTRADA – SERVIDÃO – ESBULHO CONFIGURADO – PROTEÇÃO POSSES­
SÓRIA DEVIDA – INSPEÇÃO JUDICIAL – PRESCINDIBILIDADE – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – NÃO CARACTERIZADOS – RESTRIÇÃO – PASSAGEM –
FATO INCONTROVERSO – EXISTÊNCIA DE OUTRO ACESSO ALTERNATIVO – DESNECESSIDADE
– AUSÊNCIA FATO NOVO – REDISCUSSÃO
I – A inspeção judicial afigura-se necessária quando se tratar de causa
de maior complexidade quanto à situação fática, o que não é o caso
dos autos, pois o douto julgador tomou ciência da situação do imóvel
objeto do litígio, por meio do Auto de Constatação e com base nas
provas e testemunhos já existentes nos autos. Desse modo, não há
se falar em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
II – A restrição procedida pelo apelante à estrada de acesso existente
em sua propriedade encontra-se incontroversa nos autos. Portanto,
independente da inspeção judicial a ser realizada, ainda assim seria
possível o julgamento do litígio de forma justa e satisfatória, com base
exclusivamente nas provas apresentadas pelas partes.
III – A estrada que atravessa a propriedade do apelante é utilizada
pelos apelados e pelos moradores do município de Jussara, há pelo
menos 20 anos, tendo sido, muitas vezes, beneficiada com a manu-
tenção da Prefeitura Municipal, servindo, portanto, aos interesses de
toda a comunidade.
IV – É cediço que a existência de passagem alternativa não descons-
titui ou inviabiliza a servidão, que prescinde do encravamento do
imóvel.
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V – O fato de existirem outros caminhos que dão acesso ao imóvel
dominante não afasta o reconhecimento da servidão, já que o encra-
vamento, tal como ocorre no direito de vizinhança, não se constitui
como requisito.
VI – Deve ser desprovido o agravo regimental quando a intenção do
agravante é unicamente a rediscussão de matéria já exaustivamente
examinada quando do julgamento do recurso, mormente quando não
apresentado qualquer fundamento novo capaz de infirmar a decisão
hostilizada.
Agravo interno conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível
(Agravo Interno nos Embargos de Declaração) nº 505466-09.2011.8.09.0097
(201195054661), Comarca de Jussara, sendo agravante Antônio Joaquim
Duarte e agravados Edvaldo Vicentini e outro.
Acordam os componentes da Quarta Turma Julgadora da 2ª Câmara Cí-
vel do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade, em co-
nhecer e desprover o Agravo Interno nos Embargos de Declaração na Apelação
Cível, nos termos do voto do Relator.
Votaram, com o Relator, os Desembargadores Ney Teles de Paula e
Zacarias Neves Coêlho.
Presidiu o julgamento o Desembargador Amaral Wilson de Oliveira.
Presente o Dr. José Carlos Mendonça, Procurador de Justiça.
Goiânia, 27 de outubro de 2015.

Desembargador Amaral Wilson de Oliveira


Relator

RELATÓRIO E VOTO
Cuida-se de agravo interno interposto por Antônio Joaquim Duarte em
face do julgamento monocrático de fls. 333/341 que rejeitou os embargos
de declaração opostos da apelação cível manejada em desfavor de Edvaldo
Vicentini e Outro, ora agravado.
Nas razões do presente regimental (fls. 344/352), o agravante reitera as
pretensões apresentados no apelo e nos embargos declaratórios, aduzindo,
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novamente, em sede de preliminar que a sentença afrontou os princípios do
contraditório e da ampla defesa por ter levado em consideração o auto de cons-
tatação produzido de forma unilateral, pois não houve comunicação prévia de
sua produção.
Enfatiza, mais uma vez, que o oficial de justiça designado para a referi-
da diligência “à época do fato, teve problemas pessoais, que com total certe-
za influenciaram no relatório confeccionado, pois só demonstrou no referido
auto pontos negativos da estrada e fez suposições sobre o tráfego na região,
elucidando até, que na época da chuva, com certeza a estrada atolaria, o
que não poderia acontecer, como prova a sentença prolatada no Processo nº
201401400927.” (fls. 345) Conclui que o magistrado de origem não apreciou
o pedido de produção de provas técnicas, o que deu ensejo ao julgamento sem
que tenham sido produzidas as provas pertinentes.
Ainda, quanto ao mérito, prossegue que não há nenhuma servidão de
trânsito apta a justificar a proteção possessória vindicada, tanto que inexiste
comprovação de registro em cartório do direito à estrada.
Informa que só permitia a passagem em sua propriedade por mera tole-
rância e cordialidade entre os vizinhos, o que não constitui direito de servidão,
em especial, porque, a saída da Fazenda Brasília para o município de Jussara
é pela Estrada do Boi e que o acesso pela sua propriedade aumenta em 30km
seu percurso.
Repisa que os agravados não demonstraram qual o prejuízo com a perda
da passagem, inexistindo, portanto, interesse processual para o exercício do
direito de ação.
Noticia que a Estrada do Boi que deveria ser utilizada para o acesso ao
município de Jussara, por representar o caminho mais curto, encontra-se em óti-
mo estado de conservação com condições adequadas de trafegabilidade, tendo
sido considerada importante escoamento da pecuária nacional.
Invoca dispositivos da legislação civil pátria.
Arremata que “o provimento do presente recurso com a modificação da
sentença atacada é medida que se impõe, devendo ser a servidão de tráfego,
bem como a reintegração de posse determinada alteradas para a nova estrada
construída, nos termos do art. 1384 do Código de Processo Civil, o que seria
provado caso designada perícia.” (sic fls. 351-v) Ao final, requer o conhecimen-
to e provimento do presente recurso, para que ocorra a retratação da decisão
recorrida, ou, caso não seja esse o entendimento, que a insurgência seja subme-
tida à apreciação do Órgão Colegiado, para regular julgamento, reformando-se
a decisão monocrática agravada.
Preparo regular às fl. 353.
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É o relatório. Passo ao Voto.
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.
Como visto, busca a parte agravante, por meio do presente reclamo, a
retratação do acórdão que rejeitou os aclaratórios opostos do recurso apelató-
rio, ou o julgamento deste recurso perante o órgão colegiado, a fim de que seja
reformada a decisão recorrida nos moldes de seu inconformismo.
Na espécie, em que pese os argumentos do agravante, tenho que a insur-
gência recursal outrora intentada de fato poderia ter sido apreciada via decisão
monocrática, nos moldes do art. 557, caput e § 1º-A do CPC, haja vista a exis-
tência de jurisprudência dominante sobre o tema.
Outrossim, da leitura do agravo extrai-se o nítido propósito da parte agra-
vante em promover o reexame da matéria que já restou exaustivamente deci-
dida pela decisão hostilizada, tendo em vista que todas as questões aventadas
foram expressamente examinadas pelo Relator.
Com efeito, o decisum censurado analisou minuciosamente a questão
apresentada no recurso apelatório e fundamentou de maneira coerente o por-
quê a pretensão recursal não mereceria guarida.
Reportando-me à decisão monocrática ora recorrida, tenho que outro
caminho não me resta, senão ratificá-la, valendo-me de seus próprios funda-
mentos:
“[...] Cinge-se a controvérsia em saber se a utilização da estrada que atravessa
a propriedade do apelante constituiu ato de mera permissão ou se existe uma
servidão de trânsito ali instituída.
Preliminarmente, impende consignar que não há se falar em afronta aos princí-
pios do contraditório e da ampla defesa, pois não se vê nos autos, condução uni-
lateral do processo ou qualquer ofensa ao direito de defesa do apelante. Explico.
Embora o recorrente sustente que o feito tenha sido julgado sem a necessária
perícia no local – inspeção judicial –, tem-se que não se mostra imprescindível,
a medida que a inspeção judicial afigura-se necessária quando se tratar de causa
de maior complexidade quanto à situação fática, o que não é o caso dos autos,
pois o douto julgador tomou ciência da situação do imóvel objeto do litígio, por
meio do Auto de Constatação e com base nas provas e testemunhos já existentes
nos autos.
Sobre o Auto de Constatação da situação de fato do local, é de se ressaltar que
não há se falar em ausência de comunicação prévia de sua produção. Isso por-
que, é desnecessária a intimação das partes para acompanhar a realização dessa
diligência, ao reverso da inspeção judicial – em que é necessária a presença das
partes –, bem como pelo fato do apelante ter sido devidamente intimado para
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impugnar o laudo apresentado após sua redução a termo, oportunidade em que
apresentou as manifestações pertinentes.
Nesta via, também não há se falar em ausência de imparcialidade na certidão
expedida pelo Sr. Oficial de Justiça que realizou a diligência, haja vista que os
atos por eles praticados gozam de fé pública, que somente podem ser infirmados
diante de prova em contrário, idônea e inequívoca, o que não ocorreu no caso
dos autos.
Sob esse prisma, não há razão alguma e qualquer prejuízo ao contraditório com
a expedição de Auto de Constatação sem a intimação do apelante, por se tratar
de prova destinada a convicção do magistrado.
Ademais, verifica-se que a restrição procedida pelo apelante à estrada de aces-
so existente em sua propriedade encontra-se incontroversa nos autos. Portanto,
independente da inspeção judicial a ser realizada, ainda assim seria possível o
julgamento do litígio de forma justa e satisfatória, com base exclusivamente nas
provas apresentadas pelas partes.
Quanto a alegação de falta de interesse processual dos apelados para o exercício
do direito de ação, tenho que tal matéria confunde-se com o mérito da demanda
e como tal será analisada.
Pois bem. O instituto da servidão, nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald, é conceituado como “direito real sobre coisa imóvel, que
impõe restrições em um prédio em proveito de outro, pertencentes a diferentes
proprietários.” (Curso de Direito Civil. v. 5. Ed. 2012; editora JusPodivm).
Desta forma, tem-se que a servidão se constitui por testamento ou pelo acordo de
vontades entre os proprietários dos dois imóveis, no qual um grava parte de seu
prédio (serviente) de modo a prestar certa utilidade ao outro imóvel (dominante)
e se obriga a deixar de exercer suas faculdades de domínio que impliquem em
perda da utilidade da servidão.
Cumpre mencionar ainda que, nos termos do art. 1378 do Código Civil, a ser-
vidão pressupõe, em regra, o ‘registro no Cartório de Registro de Imóveis’, po-
rém, acerca da matéria, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 415,
no sentido de que a servidão de trânsito não titulada, mas aparente, também
merece a proteção possessória, confira: “Servidão de trânsito não titulada, mas
tomada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se
aparente, conferindo direito à proteção possessória”. No caso dos autos, restou
devidamente comprovado pelos documentos de fls. 18/22 e depoimentos de
fls. 231/234 que a estrada que atravessa a propriedade do apelante é utilizada pe-
los apelados e pelos moradores do município de Jussara, há pelo menos 20 anos,
sendo, muitas vezes, beneficiada com a manutenção da Prefeitura Municipal
(fls. 35), servindo, portanto, aos interesses de toda a comunidade.
Em complemento, das afirmações contidas nas razões recursais e das fotografias
anexas às fls. 23/34, denota-se que o apelante estava ciente de que a estrada
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 189
além de servir aos recorridos, beneficiava toda a comunidade local, tanto é que
foram colocadas faixas pelo próprio recorrente informando a terceiros acerca da
interdição da estrada, o que nos leva a crer que o caminho era de conhecimento
público e geral, configurando verdadeira servidão de trânsito para que os pro-
prietários das fazendas vizinhas realizassem travessias. Assim, embora não esteja
registrada em cartório, é de conhecimento público.

De outro lado, o recorrente defende a existência de outras vias de acesso ao


município de Jussara.

Contudo, é cediço que a existência de passagem alternativa não desconstitui ou


inviabiliza a servidão, que prescinde do encravamento do imóvel.

Em casos análogos, a jurisprudência deste Tribunal assim se manifestou:

DUPLO APELO – AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE E PEDIDO CONTRA-


POSTO – SERVIDÃO DE PASSAGEM CONSTITUÍDA POR FATO HUMANO
– DESNECESSIDADE DE ENCRAVAMENTO – TURBAÇÃO VERIFICADA –
PROTEÇÃO POSSESSÓRIA DEVIDA – IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO
DA SERVIDÃO MEDIANTE ATOS QUE INVIABILIZEM O EXERCÍCIO PARA
O FIM E A NECESSIDADE PARA A QUAL FOI CONSTITUÍDA

I – A servidão é um direito real e acessório sobre coisa alheia, imposto a um


prédio (serviente) em favor de outro (o dominante), em que aquele perde o
exercício de algum de seus direitos dominicais, sendo possível a sua cons-
tituição por fato humano, negócio jurídico, sentença proferida em ação de
divisão, destinação do proprietário ou usucapião.

II – Demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e aparente, de ser-


vidão de passagem, ainda que não titulada porque constituída por fato hu-
mano, impõe-se a proteção possessória de manutenção da posse, uma vez
verificados os atos de turbação pelo conjunto probatório dos autos, com base
no art. 927 combinado com Súmula nº 415, STF.

III – A circunstância de existir outros caminhos que dão acesso ao imóvel


dominante não afasta o reconhecimento da servidão, já que o encravamento,
tal como ocorre no direito de vizinhança, não se constitui como requisito.

IV – O exercício da servidão deve ficar adstrito às necessidades para as quais


foi constituída, bem como à finalidade a que foi proposta, de modo que de-
vem ser concedidos ao imóvel dominante os meios necessários e adequados
para tanto. Assim, é possível a colocação de cadeados na porteira que dá
acesso à passagem, desde que as cópias das chaves sejam fornecidas ao dono
do prédio dominante.

V – É possível a modificação da servidão de trânsito, com o deslocamento das


cercas, desde que não resulte em prejuízo à Fazenda dominante, com base
no art. 1.384, do CC.
190 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
VI – O valor arbitrado a título de astreintes deve ser discutido quando da
execução dessas.
1º Apelo conhecido e parcialmente provido.
2º Apelo conhecido e improvido. (TJGO, AC 390150-22.2012.8.09.0158,
Relª Des. Amelia Martins de Araujo, 1ª C.Cív., Julgado em 27.01.2015, DJe
1727 de 12.02.2015) Grifei
Apelação Cível. Ação de Reintegração de Posse. Servidão de passagem apa-
rente. Aplicação da Súmula nº 415 do STF. Configuração do esbulho. Existên-
cia de outro acesso alternativo. Desnecessidade. Possibilidade de alteração
da área de Reserva Legal.
I – Se a parte demonstrar o exercício de posse mansa, pacífica e aparente,
restando comprovado o esbulho da servidão de passagem, mesmo que não
titulada, impõe-se a procedência da pretensão formulada em ação de reinte-
gração de posse, conforme exegese dos arts. 926 e 927 do Código de Proces-
so Civil, conjugados com a redação da Súmula nº 415 do STF.
II – O fato de existir outra via de acesso à propriedade dos recorridos não
obsta o exercício da ação de reintegração de posse, mormente quando com-
provada a utilização da via esbulhada por mais de trinta anos.
III – A averbação da área esbulhada como reserva legal não impede que o
proprietário do imóvel requeira junto ao Ibama a alteração da área, mormente
quando, por meio de perícia, constata-se a existência de regiões preferenciais
àquela onde se localiza a servidão de trânsito, além de não ser aceitável
a escolha de áreas de reserva legal com o intuito de prejudicar a servidão
de passagem antiga existente no imóvel. Apelação Cível conhecida e des-
provida. Sentença mantida. (TJGO, AC 25904-88.2008.8.09.0107, Rel. Des.
Carlos Alberto Franca, 2ª C.Cív., J. 08.10.2013, DJe 1410 de 17.10.2013) Grifei
Sendo assim, o caso não é de aplicação do art. 1.208 do Código Civil (ato de
mera permissão ou tolerância), merecendo proteção a composse dos apelados
sobre a servidão de trânsito.
Destarte, demonstrada a regularidade da r. sentença recorrida, proferida com
base nos fatos e documentos trazidos aos autos pelas partes, sua manutenção é
medida imperativa.
Por todo o exposto, já conhecido do apelo, nego-lhe seguimento pela via mono-
crática (CPC, art. 557, caput), à guisa da fundamentação supra, em vista de sua
manifesta improcedência e por estar em confronto com jurisprudência dominan-
te neste Tribunal.”

Portanto, resta evidente a impertinência de que se revestem as razões


regimentais, uma vez que não possuem força para elidir os fundamentos pelos
quais foi negado seguimento ao recurso manejado em desfavor dos agravados,
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 191
mesmo porque não apresentado qualquer fato novo a ensejar a reabertura da
discussão.
Depreende-se, repiso, que na verdade a pretensão da recorrente é rea-
cender discussão sobre matéria já decidida, com o intuito de fazer prevalecer os
seus entendimentos, o que é vedado.
Eis, em corroboração, o seguinte aresto:
[...] 3 – De acordo com reiterados julgados desta Corte, o agravo regimental não
se presta à rediscussão de teses apreciadas no recurso principal, sem demonstra-
ção de elemento novo apto a ensejar a reconsideração do entendimento cons-
tante da decisão agravada, a qual concedeu parcial provimento à apelação, com
amparo na jurisprudência dominante deste Tribunal e do STJ.
Agravo regimental desprovido. (2ª C.Cív., AC 50261-32, Rel. Dr. Carlos Roberto
Fávaro, DJ de 02.12.2011)

Por todo o exposto, por não estar convicto de que deva modificar a de-
cisão recorrida, atento ao disposto no art. 364, § 3º, do RITJGO, deixo de re-
considerar o ato e submeto a insurgência à apreciação do Órgão Colegiado,
manifestando-me, desde logo, pelo desprovimento do recurso.
É o meu voto.

Desembargador
Amaral Wilson de Oliveira
Relator
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2141

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais


Apelação Cível nº 1.0024.13.338492-5/005
Numeração 3384925-
Comarca de Belo Horizonte
Apelante(s): Anna Cristina Correa Marchezine
Apelado(a)(s): Nelson Welington Tupiná
Relator: Des.(a) Mariângela Meyer
Relator do Acordão: Des.(a) Mariângela Meyer
Data do Julgamento: 08.09.2015
Data da Publicação: 30.09.2015

EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA – LOCAÇÃO RESIDENCIAL -–
INADIMPLEMENTO – DESPEJO -– POSSIBILIDADE – COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO POR MEIO
DE GARANTIA RECONHECIDA – MULTA MORATÓRIA DE 20% – LEGALIDADE – JUROS –
CORREÇÃO – INCIDÊNCIA – VENCIMENTO DA PRESTAÇÃO – HONORÁRIOS CONTRATUAIS
Tendo sido a garantia prestada através de título de capitalização devi-
damente compensada com o débito, não há que se falar em excesso
de cobrança diante da existência de valor superior ao devido.
Não há vedação legal de que a multa moratória pactuada entre as
partes seja de 20% e nem mesmo que tal penalidade repercuta no
IPTU.
Os juros e a correção monetária deverão incidir a partir do vencimen-
to da prestação, nos moldes do art. 397 do Código Civil.
Evidenciando-se que as verbas de sucumbência foram criteriosamen-
te estabelecidas, conclui-se que nenhuma modificação se pode fazer
na sentença.

ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar
provimento ao recurso.

Desª Mariângela Meyer


Relatora
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 193
VOTO
Trata-se de apelação cível interposta por Anna Cristina Correa
Marchezine, contra a sentença de fls. 99/99v, proferida pelo MM. Juiz da
27ª Vara Cível da comarca da Capital que, nos autos da “Ação de Despejo por
Falta de Pagamento de Aluguel e Encargos c/c Cobrança” proposta por Nelson
Welington Tupina, julgou procedente o pedido de despejo para declarar a res-
cisão do contrato e procedente em parte a cobrança, para condenar a ré a pagar
ao autor o valor de R$ 26.251,26 (vinte e seis mil, duzentos e cinqüenta e um
reais e vinte e seis centavos), relativos aos aluguéis vencidos, seus acessórios,
acrescidos de correção monetária pela tabela da CJMG e juros de mora de 1%
ao mês, ambos a partir de 06.05.2014, vide planilha de fls. 78/79, além dos
aluguéis e encargos vencidos durante a o curso da lide com correção monetária
e juros, do vencimento de cada parcela. Por fim, determinou que a requerida
arque com as custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência
fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
Inconformada, pleiteia a apelante às fls. 106/120, preliminarmente, o re-
cebimento do recurso em ambos os efeitos, bem como os benefícios da justiça
gratuita.
No mérito, argumenta que foi contratado junto a Sul América Ca-
pitalização S/A, um título de capitalização no valor de R$ 24.000,00 (vinte
e quatro mil reais) representando pela subscrição de título e capitalização
nº 888.10.027404.80-0, tendo restado aplicado desde o início da locação, sen-
do o montante muito superior ao valor supostamente devido pela apelante.
Insurge-se contra o valor que o apelado alega ter recebido referente ao
título de capitalização, argumentando é descabida a presente ação, haja vista
que os aluguéis e encargos estão assegurados pelo título de capitalização muito
superior ao valor apontado como devido. Com essas considerações requer a
cassação da sentença com a extinção do feito.
Em relação à multa moratória, alerta que é abusivo e ilegal o percentual
de 20%, atribuindo um caráter remuneratório ao encargo, sustentando que deve
ser reduzida a 2% do valor da prestação, de acordo com o Código de Defesa
do Consumidor.
Transcreve jurisprudência sobre o patamar de incidência de multa.
No que pertine aos juros moratórios e correção, defende que os primeiros
devem incidir a partir da citação e a correção a partir do ajuizamento da ação.
Inconformada, garante que a sentença merece reforma também no que
tange a incidência da multa sobre o IPTU.
Requer a condenação proporcional das partes a arcar com os honorários.
194 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Pugna, ao final, pelo provimento do recurso para que, com a reforma da
sentença, seja modificada a sentença.
Embargos de declaração foram opostos pelo autor contra a decisão de
fl. 138 que recebeu o recurso em ambos os efeitos, tendo o douto juiz a quo,
acolhido os embargos à fl. 142, declarando o recebimento do recurso apenas
no efeito devolutivo.
Contrarrazões do apelado, às fls. 143/157.
Relatado, examino e, ao final, decido.
Inicialmente, registro que da decisão de fl. 142, que recebeu o recurso da
autora somente no efeito devolutivo, foi interposto agravo de instrumento pela
autora, tendo sido deferida, em antecipação de tutela recursal, a atribuição do
efeito suspensivo ao apelo (fls. 174/176).
Registro, ainda, que intimada à apelante, nesta seara, para comprovar a
necessidade do benefício da justiça gratuita pleiteado no apelo, optou por pre-
parar o recurso, o que por certo, é ato incompatível com o pedido, motivo pelo
qual, deixo de analisar e, em conseqüência, de conceder o benefício.
Recurso próprio, tempestivo, devidamente preparado, pelo que dele co-
nheço ante os seus pressupostos de admissibilidade.

NO MÉRITO
O mérito recursal diz respeito à irresignação da requerida no que con-
cerne (i) ausência de dívida, ii) multa de 20%, iii) multa sobre IPTU, iv) juros e
correção monetária, v) sucumbência recíproca.
Devo registrar que não há impugnação quanto ao valor dos aluguéis e
dos encargos locatícios, nem tampouco quanto ao modo de atualização da dí-
vida.
Manuseando os autos, verifico que em 21 de março de 2011 as partes,
ora litigantes, firmaram contrato de locação de um imóvel residencial situado
na Av. Bandeirantes 1732, apto. 302, Mangabeiras, nesta Capital, de proprieda-
de do autor, por um período de 12 (doze) meses, com início em 21.03.2011 e
término em 20.09.2013 (termo aditivo de fl. 16).
Em virtude da inadimplência no pagamento dos aluguéis e demais en-
cargos, o apelado ajuizou a presente demanda, tendo sido a pretensão julgada
procedente, em parte, o que motivou a interposição do recurso de apelação.
Sobre o primeiro ponto do apelo, em relação à garantia prestada pela
apelante, verifico que o tema foi destacado na parte decisão, tendo o MM.
Juiz de Primeiro Grau feito menção expressa de o “autor levantou o valor de
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 195
R$ 23.563,61 que foi devidamente atualizado e deduzido do saldo deve-
dor conforme planilha de fls. 78/79, restando ainda um saldo devedor de
R$ 36.549,12”.
Quanto à alegação da apelante acerca do saldo existente, nada restou
comprovado acerca da existência de saldo superior àquele devidamente com-
pensado com o débito locatício, não tendo a autora apenas alegado a existência
de um saldo diverso, sem nada comprovar acerca do alegado.
Ademais, o extrato de fl. 83, apresenta o saldo total da conta do admi-
nistrado do imóvel em questão, Silvio Ximenes Imóveis Ltda., e não o saldo o
título de capitalização, até porque não seria crível tal rentabilidade em tão curto
período.
Verifica-se, ainda, que o crédito foi devidamente compensado com o
débito, desmerecendo modificação sentencial nesse ponto.
Do mesmo modo, no tocante à insurgência acerca do alegado excesso de
cobrança de multa, sem razão a apelante, pois, em havendo ajuste escrito entre
as partes, reputo viável a incidência da multa moratória de 20%, nos termos
previstos na cláusula quinta do contrato locatício (fls. 10/14), não se visualizan-
do ilegalidade em tal pactuação, devendo ser dito, ainda, que não há qualquer
ilegalidade na incidência de multa também sobre os encargos locatícios, no
caso, o IPTU, nos termos da previsão contratual.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE
JUSTIÇA GRATUITA – RECOLHIMENTO DO PREPARO RECURSAL – INCOM-
PATIBILIDADE – INDEFERIMENTO MANTIDO – AÇÃO DE DESPEJO C/C CO-
BRANÇA DE ALUGUÉIS – MULTA MORATÓRIA – PATAMAR CONDIZENTE
COM O MERCADO IMOBILIÁRIO – OBRIGAÇÃO DO FIADOR – RESPONSA-
BILIDADE ATÉ A ENTREGA DO IMÓVEL – O recolhimento do preparo recursal é
ato incompatível com o pedido de justiça gratuita, devendo ser indeferido o pedi-
do das benesses nesta hipótese. Ao contrato de locação entre particulares, por ab-
soluta ausência de relação de consumo, não se aplicam as disposições do Código
de Defesa do Consumidor e, assim, a contratação da multa em 20% sobre o valor
do débito é legal e condizente com o mercado imobiliário. A teor do disposto no
art. 39 da Lei nº 8.245/1991, salvo disposição contratual em contrário, qualquer
das garantias da locação, inclusive a fiança, se estende até a efetiva devolução do
imóvel. Para se desobrigar o fiador da garantia dada ao locador, cumpre àquele
propor ação própria para exonerá-lo da obrigação assumida. (Apelação Cível
nº 1.0210.13.002877-7/001, Des.(a) Valdez Leite Machado, 17.04.2015) (grifei)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ADITAMENTO À INICIAL ANTES DA CITAÇÃO
DE TODOS OS RÉUS – VALIDADE – COBRANÇA DE ALUGUÉIS – RESPONSA-
BILIDADE DO LOCATÁRIO E FIADORES PELO PAGAMENTO, INDEPENDENTE
DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE SEGURO – Havendo vários réus na ação
proposta, o aditamento à inicial é válido até a citação válida do último réu. A
196 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
existência do contrato de seguro não exonera o locatário e os fiadores do débito
oriundo da inadimplência do pagamento dos aluguéis.
(VV) AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA – ADITAMENTO DA INICIAL – FOR-
MULAÇÃO DO PEDIDO DEPOIS DA CITAÇÃO DO RÉU – IMPOSSIBILIDADE
– MULTA – REDUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – INAPLICABILIDADE DAS DISPO-
SIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – SEGURO PARA CO-
BERTURA DO INADIMPLEMENTO DOS ALUGUÉIS – IMPOSSIBILIDADE DE
O LOCADOR DIRIGIR A COBRANÇA CONTA OS LOCATÁRIOS – RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO – Considerando que tais pedidos foram formulados
após a citação de um dos réus do processo, tal aditamento não pode ser aceito,
pois implicaria em violação do disposto no art. 294 do CPC, que admite o adita-
mento ao pedido apenas antes da citação dos réus, in verbis: “Art. 294. Antes da
citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo por sua conta as custas acresci-
das em razão dessa iniciativa”. No tocante à redução da multa de 20% incidente
sobre cada parcela de aluguel em atraso, cumpre salientar que não são aplicáveis
aos contratos de locação as disposições do Código de Defesa do Consumidor,
por não se tratar de relação de consumo, de modo que a multa pode ser livre-
mente pactuada entre as partes. Incompatível a pretensão da apelada de buscar o
recebimento dos aluguéis inadimplidos, porquanto a cláusula transcrita é expres-
sa que aludido seguro inclui a cobertura por perda dos aluguéis até o importe de
10% do imóvel objeto do contrato. (Apelação Cível nº 1.0024.10.211994-8/002,
Des.(a) Alberto Henrique, 14.08.2014). (grifei)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS – PRE-
LIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – REJEIÇÃO – MULTA MO-
RATÓRIA – 20% – MANUTENÇÃO – PRIMEIRO RECURSO PROVIDO, DES-
PROVIDO O SEGUNDO
A análise das condições da ação deve ser realizada in statu assertionis, com base
na narrativa realizada pela autora na petição inicial. Em se concluindo que a
autora é a possível titular do direito sustentado na peça de ingresso, bem como
que os réus devem suportar a eventual procedência da demanda, estará consubs-
tanciada à condição da ação relativa à legitimidade das partes.
A autora demonstrou sua pertinência subjetiva e a pertinência objetiva dos réus,
ao requerer, na qualidade de proprietária, o despejo e a condenação dos loca-
tários e fiadores ao pagamento dos aluguéis em atraso, referentes ao contrato de
locação por eles firmado.
Deve prevalecer a multa moratória de 20% prevista no contrato, vez que pactu-
ada livremente entre as partes, não ofendendo os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade.
Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam rejeitada; segundo recurso despro-
vido; provido o primeiro. (Apelação Cível nº 1.0024.08.106507-0/003, Des.(a)
Eduardo Mariné da Cunha, 04.02.2014)

Insta ainda registrar a esse respeito que é inaplicável o Código de Defesa


do Consumidor nos contratos de locação, haja vista que a relação estabelecida
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 197
entre as partes não é de consumo, estando regida por legislação especial, Lei
nº 8.245/1991, questão que, na atualidade, não alberga maiores discussões.
A propósito:
“Consoante iterativos julgados deste Tribunal, as disposições contidas no Código
de Defesa do Consumidor não são aplicáveis ao contrato de locação predial
urbana, que se regula por legislação própria – Lei nº 8.245/1991” (STJ, 6ª T.,
REsp 175.053-MG, Rel. Min. Vicente Leal, J. 24.04.2001, não conheceram, v.u.,
DJU 20.08.2001, p. 543).

Por derradeiro, a definição dada em relação ao termo inicial dos juros


moratórios e a correção monetária aplicadas na condenação é passível de con-
firmação, posto que os mesmos devem ser fixados a partir do vencimento da
prestação, por se tratar de obrigação positiva e líquida, de modo que, ultrapas-
sado o prazo para cumprimento da obrigação, a constituição em mora da deve-
dora é automática, conforme dispõe expressamente o art. 397 do Código Civil:
“Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo,
constitui de pleno direito em mora o devedor.”

Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça Mineiro:


AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA – COMPENSAÇÃO DE
CRÉDITO POR MEIO DE GARANTIA RECONHECIDA – INCLUSÃO NA PLANI-
LHA DE DÉBITOS DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – IMPOSSIBILIDADE
– MULTA MORATÓRIA DE 10% – LEGALIDADE – JUROS – CORREÇÃO – IN-
CIDÊNCIA – VENCIMENTO DA PRESTAÇÃO – A garantia prestada através de
título de capitalização mostra-se passível de ser utilizada como compensação do
crédito locatício. No cálculo do valor condenatório não pode incidir a cobrança
de honorários advocatícios que não sejam os da sucumbência, arbitrados pelo
Juiz quando da prolação da sentença, para que não ocorra verdadeiro bis in
idem. Não há vedação legal de que a multa moratória pactuada entre as partes
seja de 10% e nem mesmo que tal penalidade repercuta na multa rescisória do
contrato. Os juros e a correção monetária deverão incidir a partir do vencimento
da prestação, nos moldes do art. 397 do Código Civil. (TJMG, Apelação Cível
nº 1.0024.11.333009-6/002, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato, 9ª C.Cív., Julga-
mento em 11.03.2014, publicação da Súmula em 17.03.2014) (destaquei)

Por fim, no que diz respeito ao questionamento quanto aos honorários


advocatícios, entendo, não obstante a procedência, em parte, das razões recur-
sais do apelante, que devem eles arcar com a totalidade da verba, eis que res-
ponsáveis não só pelo inadimplemento do contrato, dando causa à sua rescisão,
como também para propositura da presente ação.
198 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Ademais, verifica-se que a verba foi criteriosamente fixada, nos termos
do art. 20, III, do CPC, em 10% do valor da condenação, não merecendo qual-
quer reparo.
Mediante tais considerações, nego provimento ao apelo, para manter a
sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas pela apelante.
Des. Vicente de Oliveira Silva (revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Anacleto Rodrigues – De acordo com o(a) Relator(a).
Súmula: “Negaram provimento ao recurso.”
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2142

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná


Processo: 1406756-0 (Acórdão)
Segredo de Justiça: Não
Relator(a): Pericles Bellusci de Batista Pereira
Órgão Julgador: 18ª Câmara Cível
Comarca: Ponta Grossa
Data do Julgamento: 11.11.2015 18:45:00
Fonte/Data da Publicação: DJ 1694 20.11.2015
Apelação Cível nº 1.406.756-0 1ª Vara Cível da Comarca de Ponta Grossa
Apelante: Marcos Eron Natel de Oliveira
Apelados: Sebastião Diomar da Silva e outro
Relator: Péricles Bellusci de Batista Pereira

Decisão: Acordam os integrantes do 18ª Câmara Cível do Tribunal de


Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento à
apelação cível, nos termos do voto do relator.

EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIO.JUSTO TÍTULO – AUSÊNCIA –
TRANSFERÊNCIA ASSINADA POR QUEM NÃO É PROPRIETÁRIO – PRESENTES AS CONDIÇÕES
DO USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO – DEMONSTRAÇÃO DO
CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS ELENCADOS NO ART. 1.238 DO CC – POSSE COM
ÂNIMO DE DONO, CONTÍNUA E SEM OPOSIÇÃO, POR PERÍODO SUPERIOR A QUINZE ANOS –
POSSIBILIDADE DO CÔMPUTO DO TEMPO DE POSSE EXERCIDA PELO ANTECESSOR DE ACORDO
COM O ART. 1.243 DO CC – SENTENÇA REFORMADA – Apelo provido.
Vistos, etc.

I – RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Marcos Eron Natel de Oliveira,
em face da sentença de fls. 255/258, que julgou improcedente o pedido inicial,
extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC,
e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advoca-
tícios, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais).
Por fim, foram arbitrados honorários no importe de R$ 400,00, em favor
da curadora nomeada a lide, a serem custeados pelo Estado do Paraná.
200 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Contra a sentença foram opostos, primeiramente, embargos de declara-
ção (fls. 263/264), os quais foram recebidos pelo Magistrado singular, para fazer
constar no dispositivo da sentença a suspensão da exigibilidade do pagamento
das custas e honorários, de acordo com o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 (fl. 267).
Nas razões de apelação (fls. 273/278), o apelante aduz, que muito embo-
ra exerça há 13 anos a posse contínua e incontestada, com justo título e boa-fé,
a magistrada a quo descaracterizou a qualidade de justo título, do contrato de
compra e venda, por entender que o instrumento não é hábil a lhe transferir a
propriedade.
Assevera, que a magistrada passou a analisar a possibilidade da declara-
ção de usucapião extraordinário, contudo, entendeu que o autor não dispunha
do tempo necessário para tanto, não aceitando o computo da posse anterior-
mente exercida pela Sra. Patrícia Maciel dos Santos.
Assegura, que restou devidamente comprovado que a Sra. Patrícia
Maciel dos Santos, de quem adquiriu o imóvel, exerceu anteriormente, durante
02 anos, posse mansa e pacífica sobre o bem.
Assim, pleiteia pela soma deste período à sua posse, e pela procedência
do pedido de usucapião na modalidade extraordinária, prevista no art. 1.238
do CC, eis que demonstrada sua posse mansa, pacifica e ininterrupta pelo prazo
de 15 anos.
O recurso foi recebido em ambos os efeitos (fl. 285), e foram apresenta-
das contrarrazões (fls. 293/295 e 298/300).

II – VOTO
O autor pugna pela reforma da sentença, pleiteando a aquisição do bem
através de usucapião extraordinário, requerendo, para tanto, que seja somado
à sua posse o tempo de fruição do seu antecessor sobre o imóvel, a fim de que
seja reconhecida a sua propriedade relativa ao bem objeto destes autos.
Pois bem.
A procedência do pedido de usucapião extraordinário pressupõe o pre-
enchimento dos requisitos legais elencados no art. 1.238 do Código Civil, que
compreende o exercício da posse pelo requerente com ânimo de dono, sem
interrupção ou oposição, pelo lapso temporal de 15 (quinze) anos, independen-
temente de justo título e boa-fé.
No caso dos autos todos os pressupostos acima restaram demonstrados.
Conforme se depreende do instrumento contratual juntado (fls. 13/14), a
contagem do prazo teve início em 10 de janeiro de 2002 e, até a data do ajuiza-
mento da presente ação (03.07.2013 – fl. 02), o usucapiente já havia exercido
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 201
cerca de 11 anos e 6 meses de posse sobre o imóvel, que somado com o tempo
transcorrido até a data do presente julgamento, resulta em pouco mais de 13
anos e 7 meses.
Outrossim, o autor pleiteia pela soma à sua posse a de sua antecessora,
o que é cabível de acordo com o art. 1.243 do Código de Processo Civil, face
a identidade da natureza das posses exercidas pelo autor Marcos Eron Natel de
Oliveira e sua antecessora, Patrícia Maciel dos Santos, de modo que deve ser
reconhecida a almejada acessão.
Por outro lado, a prova testemunhal produzida em juízo foi hábil a de-
monstrar que a referida posse foi exercida pelo autor sem interrupção ou opo-
sição, veja-se:
Denise Aparecida da Silva, em audiência de instrução e julgamento, afir-
mou, em síntese, que:
“[...] O imóvel foi de seu pai, ele adquiriu este terreno antes de seu nascimento.
Hoje conta com 42 anos. Seu pai vendeu o imóvel no ano de 2010, quando
foi morar em Tibagi. Ele vendeu para a Patrícia e esta vendeu para o Marcos.
Atualmente eles moram juntos, mas na época eles não se conheciam. No local
havia uma casa de madeira; Atualmente o Marcos não mora no imóvel; Em todo
tempo que seu pai morou no local ninguém nunca reclamou; Cheguei a morar no
imóvel até os 12 anos, quando me mudei do local e em 2009 meu pai se mudou
também; O imóvel ficou abandonado, até seu pai vender; A patrícia mora ao lado
do imóvel; O Marcos está construindo no local; Afirma que faz 22 anos que seu
pai mora em Tibagi [...].”

José Ildo Maciel dos Santos, em audiência de instrução e julgamento,


afirmou, em síntese, que:
“Este imóvel foi comprado pela Patrícia no ano de 2000/2001 do Sr. Sebastião e
logo após foi vendido para o Marcos; no imóvel havia uma casa de madeira; o
imóvel estava defasado, mais foi cuidado e limpo neste período; havia cerca no
local; depois a Patrícia vendeu para o Marcos e ele desmanchou a casa que tinha,
aplainou o terreno e está construindo uma casa; o Sr. Sebastião, anteriormente
morava com sua família no local; sou vizinho do local, estou lá há uns 25-26
anos; Nunca houve nenhuma reclamação sobre a posse do imóvel; a posse foi
contínua, o imóvel não ficou abandonado [...] Dessa maneira, demonstrado nos
autos que Patrícia Maciel dos Santos, exerceu posse mansa e pacifica sobre o
imóvel entre os anos de 2000 a 2002, e que após firmar compromisso de compra
e venda, no ano de 2002, a posse passou a ser exercida pelo autor, é admissível
a somatória de tais lapsos temporais.

Portanto restou incontroverso que o apelante detém o período aquisitivo


descrito como necessário para usucapir o imóvel, eis que a posse exercida sobre
o bem imóvel totaliza pouco mais 15 anos e 7 meses.
202 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Ademais, restou demonstrado nos autos, através dos depoimentos teste-
munhais, que não houve qualquer ato de oposição às posses do apelante e de
sua antecessora, até porque o imóvel foi compromissado para Sebastião Diomar
da Silva (conforme averbação na matrícula) e este teria procedido a alienação
(verbal) dos direitos a Patrícia que, por sua vez, entregou a posse ao autor, de
forma a estar configurada toda a cadeia de possuidores que agiram com a inten-
ção de se tornarem donos.
E ainda veja-se que restou demonstrado que o apelante exerce posse so-
bre o imóvel, com ânimo de dono, inclusive ao tempo da audiência encontrava-
-se promovendo a edificação de uma casa no local.
De tal modo, o autor comprovou o fato constitutivo de seu direito como
manda o art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
Em caso análogo, apartadas as particularidades, esta Câmara assim de-
cidiu:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – REQUISI-
TOS COMPROVADOS.DEMANDA PROCEDENTE – POSSE MANSA, PACÍFICA
E CONTÍNUA POR PRAZO SUPERIOR A 20 ANOS COM A ACESSÃO À POSSE
DO ANTECESSOR.AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍ-
CIOS ADEQUADAMENTE FIXADOS.SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CO-
NHECIDO E NÃO PROVIDO.
(TJPR, 18ª C.Cív., AC 977856-9, Terra Boa, Rel. Marco Antonio Antoniassi, Unâ-
nime, J. 19.06.2013)

A esse respeito, ainda, cita-se a seguinte lição doutrinária:


“No usucapião extraordinário, com lapso de tempo muito maior (originalmente,
o Código de 1916 o fixava em 30 anos), basta que ocorra o fato da posse, não
se investigando o título ou a boa-fé. Basta a posse mansa, pacífica e ininterrupta.
Ocorrendo posse nesses termos, não podemos contestar o direito à prescrição
aquisitiva. Na realidade, se por um lado o usucapiente adquire o domínio, aquele
que eventualmente o perde sofre a punição por sua desídia e negligência em não
cuidar do que é seu. Como já acentuamos, o preço da posse é a permanente vigi-
lância.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 14. ed. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 211-212).

Assim, verificado nos autos a efetiva comprovação dos pressupostos le-


gais para a aquisição da propriedade mediante usucapião, o que se depreende
ante a formação de um conjunto probatório harmônico, decorrente da apresen-
tação de prova documental, corroborada por prova testemunhal coesa, imposi-
tiva se faz a reforma da sentença.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso de apelação, para re-
conhecer a prescrição aquisitiva, do imóvel descrito na inicial (transcrição
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 203
nº 40.841 do 1º Registro de Imóveis de Ponta Grossa, devendo o juízo de ori-
gem oficiar para a criação de matrícula própria, inexistindo obrigação fiscal a
ser satisfeita, visto se tratar de aquisição originária.
Por fim, em face da procedência do pedido, determino a inversão da
sucumbência, mantida a condenação do Estado ao pagamento dos honorários
do curador especial.

III – DECISÃO
Diante do exposto, acordam os integrantes do 18ª Câmara Cível do Tri-
bunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provi-
mento à apelação cível, nos termos do voto do relator.
Participaram do julgamento o Desembargador Marcelo Gobbo Dalla
Dea e o Juiz Helder Luis Henrique Taguchi.
Curitiba, 11 de novembro de 2015.

Péricles Belusci de Batista Pereira


Desembargador Relator
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2143

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul


Agravo de Instrumento nº 70065837544
CNJ: 0269132-34.2015.8.21.7000
Décima Nona Câmara Cível
Comarca de Porto Alegre
Agravante: Ricardo Caruso Madera
Agravante: Simone Chaves Madera
Agravado: Ivete Eisenhut Lutz

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ação de dano infecto – TUTELA ANTECIPADA de EMBARGO


DA OBRA deferida na origem – prestação de caução – prosseguimento da obra –
possibilidade
1. A antecipação de tutela somente poderá ser deferida nos casos
em que restar comprovada o preenchimento dos pressupostos do
art. 273 do Código de Processo Civil, quais sejam, a verossimilhança
do direito alegado e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação. Em sede de cognição sumária, tenho como verossímeis as
alegações da parte autora/agravada, porque há prova que ateste o seu
direito de embargo da obra realizada pela demandada. O fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação também se mostra
presente, pois demonstrado o comprometimento da habitualidade do
imóvel, considerando as rachaduras entre outros problemas decor-
rentes da obra. Assim, o perigo de dano para o imóvel e para a agra-
vada estaria a exigir pronta e enérgica reação contra a obra, o que
consiste em sua imediata paralisação.
2. Por outro lado, na ação de nunciação de obra nova, o nuncia-
do pode requerer a qualquer tempo que o embargo da obra seja
levantado, desde que preste caução e demonstre o prejuízo de sua
paralisação, nos termos do que dispõe o art. 940 do Código de
Processo Civil. Considerando a informação trazida na ata notarial
de que a obra se encontra 80% concluída, o cronograma financei-
ro da obra, o contrato de construção por empreitada, o contrato
de locação da empresa dos agravantes (fls. 188/193), no qual de-
monstram os prejuízos resultantes na suspensão da obra, entendo
que o prosseguimento da obra pode ocorrer, sob a condição de
que agravada preste caução.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 205
3. A caução, no caso, são as realizações das medidas protetivas suge-
ridas na petição inicial (reparos), no imóvel da autora, sob às expen-
sas dos agravantes e mediante caução idônea a ser aferida na origem.
Agravo de instrumento parcialmente provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cí-
vel do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento
ao agravo de instrumento.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
Desª Mylene Maria Michel (Presidente) e Des. Marco Antonio Angelo.
Porto Alegre, 24 de setembro de 2015.

Des. Eduardo João Lima Costa,


Relator

RELATÓRIO
Des. Eduardo João Lima Costa (Relator):
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Ricardo
Caruso Madera e Simone Chaves Madera, relativamente à decisão judi-
cial que deferiu o embargo da obra nos autos da Ação de Dano Infecto
nº 001/11500918335, movida por Ivete Eisenhut Lutz.
Aduzem, em suma, a inexistência da fumus boni iuris para concessão
da medida liminar, pois não se verifica nos autos qualquer informação sobre
as condições estruturais da casa supostamente danificada ou sobre as etapas da
construção dos agravantes que impõe ao imóvel lindeiro.
Referem que o engenheiro responsável pelos cálculos estruturais da
edificação encaminhou a Secretaria Municipal de Urbanismo de Porto Alegre
(Smurb) laudo de estabilidade estrutural da casa da agravada atestando, inequi-
vocamente, que a estrutura está estável, não apresentando qualquer risco de
desabamento ou impossibilidade de ocupação.
Sustentam ausência do periculum in mora, pois a agravada está residin-
do na casa e a continuidade da construção não se refere aos atos externos que
implicasse algum risco.
206 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Alegam a necessidade de continuação da obra, a fim de receberem o
financiamento imobiliário do qual depende da conclusão das etapas, eis que o
agente financeiro vistoria o andamento da edificação.
Postulam a revogação da liminar ou a continuação da obra com a per-
missão que os agravantes adotem, as suas expensas, as medidas protetivas su-
geridas na exordial.
Indeferido requerimento de antecipação de tutela em efeito ativo (fl. 195).
Contrarrazões não foram ofertadas (certidão de fl. 213).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.

VOTOS
Des. Eduardo João Lima Costa (Relator):
Estão preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos para apreciação do
agravo.
Pretende a parte agravante a reforma da decisão que deferiu o embargo
liminar da obra, na qual restou assim lançada (fl. 40 da origem):
Concedo a gratuidade judiciária.
Karin Muller Sachs ajuizou demanda em desfavor de Ricardo Karuso Madera
e Simone Chaves Madera, relatando que a parte demandada vem construindo
prédio no terreno vizinho ao seu, ocasionando em seu imóvel inúmeros danos,
dentre eles o deslocamento e desprendimento do revestimento em reboco das
paredes, rachaduras e queda de azulejos. Juntou laudo de vistoria contratado por
engenheiro civil.
Pugnou pelo deferimento do embargo liminar da obra, com base no art. 937 do
CPC com o objetivo de fazer cessar os danos, além da prestação de caução em
valor correspondente aos reparos que são exigidos.
É o relatório.
Passo a decidir.
Pela análise dos documentos juntados com a inicial, verifico que a obra executa-
da pela parte ré vem acarretando danos à estrutura do imóvel de propriedade da
demandante, de forma a comprometer sua higidez.
Releva-se que o pedido vem instruído com laudo de vistoria firmado por enge-
nheiro civil, conferem plausibilidade, em sede de cognição sumária dos fatos, ao
alegado pela parte autora.
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 207
Ademais, sobrelevo que a suspensão da obra, ainda que temporária, implica em
menor prejuízo às partes no caso de possível agravamento na estrutura do imóvel
da autora.
Isto posto, concedo, liminarmente, o embargo da obra.
Intime-se com urgência, devendo o Oficial de Justiça, na diligência, observar o
disposto no art. 938 do CPC.

Enfrento a tese da parte agravante e adianto que o recurso merece parcial


provimento.
A parte autora/agravada narrou, na inicial (fls. 13/20), que o seu imóvel
localizado na Rua General Tasso Fragoso, nº 297, em Porto Alegre/RS, vem so-
frendo inúmeros danos decorrentes da obra que está em andamento no terreno
situado ao lado (nº 267), de propriedade dos demandados.
Referiu que o laudo elaborado por engenheiro civil (fls. 14/27 da origem),
após vistoria, descreveu que há deslocamento das paredes em alvenaria, de
azulejos, da lateral da estrutura do abrigo de veículos, o desaprumo da porta
principal de acesso à residência e desprendimento do revestimento em reboco
de várias paredes, inclusive na divisa com a obra em questão.
Diante destes argumentos e dos documentos juntados foi deferida liminar
para embargo da obra.
Para a concessão da tutela antecipada, necessário que se façam presentes
os requisitos insculpidos no art. 273 do Código de Processo Civil, quais sejam,
a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano irreparável ou
de difícil reparação.
No caso em pauta, em sede de cognição sumária, tenho como verossí-
meis as alegações da parte autora/agravada, porque há prova inequívoca que
ateste o seu direito de embargo da obra realizada pela demandada, tendo em
vista as fotografias constantes no laudo (fls. 24/27 da origem).
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também
se mostra presente, pois demonstrado, através das mesmas fotografias, o com-
prometimento da habitualidade do imóvel, considerando as rachaduras entre
outros problemas decorrentes da obra.
A parte ré/agravante trouxe versão diversa, garantindo que há estabilida-
de estrutural da casa da agravada e que o laudo apresentado pela autora indica,
abstratamente, que a perfuração ocorrida no solo dos agravantes supostamente
afetou o solo da agravada; que o imóvel da autora trata-se de casa antiga de má
qualidade construtiva; e que a degradação do imóvel da parte autora ocorreu
com o decurso do tempo e com a deterioração do material empregado. Juntou
documentos (fls. 60/193).
208 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Inicialmente, nada a modificar na decisão recorrida porquanto prudente
que a parte ré seja proibida de dar continuidade à construção, a fim de evitar
prejuízos ao lindeiro, estando presente o risco de dano irreparável ou de difícil
reparação com eventual demora na concessão da medida.
Assim, o perigo de dano para o imóvel e para a agravada estaria a exigir
pronta e enérgica reação contra a obra, o que consiste em sua imediata parali-
sação.
Por outro lado, na ação de nunciação de obra nova o nunciado pode
requerer a qualquer tempo que o embargo da obra seja levantado, desde que
preste caução e demonstre o prejuízo de sua paralisação, nos termos do que
dispõe o art. 940 do Código de Processo Civil, senão vejamos:
Art. 940. O nunciado poderá, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdi-
ção, requerer o prosseguimento da obra, desde que preste caução e demonstre
prejuízo resultante da suspensão dela.
§ 1º A caução será prestada no juízo de origem, embora a causa se encontre no
tribunal.
§ 2º Em nenhuma hipótese terá lugar o prosseguimento, tratando-se de obra nova
levantada contra determinação de regulamentos administrativos.

É o que pretende a parte agravante no recurso, em pedido alternativo.


Considerando a informação trazida na ata notarial (fl. 70) de que a obra
se encontra 80% concluída, o cronograma financeiro da obra (fls. 109/116),
o contrato de construção por empreitada (fls. 118/186), o contrato de locação
da empresa dos agravantes (fls. 188/193), no qual demonstram os prejuízos
resultantes na suspensão da obra, entendo que o prosseguimento da obra pode
ocorrer, sob a condição de que agravada preste caução.
No caso, são autorizadas as realizações das medidas protetivas sugeridas
na petição inicial, ou seja, os reparos no imóvel (pedido alternativo do item “a”,
fl. 19), sob as expensas dos agravantes e mediante caução idônea a ser aferida
na origem, mas sem a supervisão do engenheiro perito designado pela autora.
Destarte, ainda que havendo indícios da irregularidade da construção,
mas existindo prova do prejuízo causado aos recorridos em razão do embargo e
a prestação de caução, é caso de parcial provimento ao recurso para que ocorra
o prosseguimento da obra.

DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instru-
mento, a fim de permitir a continuação da obra, mas sob a condição de que os
agravantes efetuem, às suas expensas e mediante caução idônea, as medidas
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 209
protetivas sugeridas na petição inicial no imóvel da agravada (letra “a”, à fl. 19),
ou seja, os devidos reparos no imóvel.
É o voto.
Desª Mylene Maria Michel (Presidente) – De acordo com o(a) relator(a).
Des. Marco Antonio Angelo – de acordo com o(a) relator(a).
Desª Mylene Maria Michel – Presidente – Agravo de Instrumento
nº 70065837544, Comarca de Porto Alegre: “Deram parcial provimento ao
agravo de instrumento. Unânime”.
Julgador(a) de 1º Grau: Ketlin Carla Pasa Casagrande
Parte Geral – Acórdão na Íntegra
2144

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


Voto nº 15/15961
Apelação nº 0001766-41.2012.8.26.0011
Comarca: São Paulo
Apte.: Cleber Teixeira Baroni
Apdo.: Ana Lucia Valentin, Ademir Scorsatto e Maria Doralice da Silva Pião Scorsatto e Dhener Vanir Scorsatto e
Danilo Ernesto Scorsatto
Juiz: Régis Rodrigues Bonvicino

AÇÃO PAULIANA
Autor que pretende ter declarada a nulidade dos negócios jurídicos
que envolvem o imóvel dos correqueridos Ademir e Maria Doralice,
contra quem move execução para recebimento de honorários advo-
catícios. Doação do imóvel por estes aos filhos Dhener e Dailo, e
posterior venda do bem, por estes, a Ana Lucia. Venda realizada anos
antes da execução de título extrajudicial, movida pelo autor. Inviabili-
dade, pela cronologia dos fatos, que a execução produzisse qualquer
gravame sobre o bem. Inexistência de prova de que os correqueridos
Ademir e Maria Doralice são insolventes e que o imóvel objeto desta
ação é o único bem de sua propriedade. Ausência de elementos que
possam caracterizar fraude contra credores. Inteligência dos arts. 158
a 165 do Código Civil. Sentença de improcedência mantida pelos
próprios fundamentos. Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 463/464, que


julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos negócios jurídi-
cos referentes ao imóvel de propriedade dos correqueridos Ademir Scorsatto e
Maria Doralice da Silva Pião Scorsatto, sob o fundamento de que a correquerida
Ana Lucia Valentin, não tinha ciência da insolvência daqueles, adquirindo o
bem de boa-fé e, portanto, devendo ter ressalvados os direitos que sobre ele
detém.
Inconformado apela o autor (fls. 469/472), arguindo que a doação do
imóvel dos correqueridos Ademir e Maria Doralice aos seus filhos e a venda
deste a terceiro foram atos de simulação, visando a fraudar o recebimento dos
honorários advocatícios que executa em face dos primeiros.
Afirma que a correquerida Ana Lucia teve conhecimento da existência de
gravame do executivo sobre o imóvel e que participou passivamente da fraude
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 211
consignada na escritura quanto ao valor de venda do bem, declarando-o em
quantia inferior ao do compromisso de venda e compra. Assim, aduz inexistir
boa-fé da parte da adquirente do imóvel, requerendo a reforma da sentença.
O recurso foi recebido (fl. 473), e contrarrazoado por todos os requeridos
(fls. 476/477, fls. 485/489 e fls. 493/497).
É o Relatório.
Anoto a prioridade de julgamento, em razão do Estatuto do Idoso, por
contar o autor com 76 anos (nascido em 16/01/1939 - fl. 43).
Cuida-se de ação pauliana em que o autor pretende a declaração de nu-
lidade da doação do imóvel registrado sob a matrícula 91.012, no Registro de
Imóveis do Guarujá, realizada pelos correqueridos, Ademir Scorsatto e Maria
Doralice da Silva Pião Scorsatto, aos seus filhos Dhener Vanir Scorsatto e Da-
nilo Ernesto Scorsatto; e da venda deste bem realizada por estes à correquerida
Ana Lúcia Valentin (fls. 38/42).
Argui ser credor de honorários advocatícios decorrentes de serviços pres-
tados a Ademir e Maria Doralice e que, no curso do processo da execução
provisória dos respectivos valores, estes simularam a doação do imóvel acima
referido único de sua propriedade a seus filhos, que, posteriormente, o vende-
ram a terceiro, Ana Lúcia, a qual tinha ciência do gravame incidente sobre o
bem, agindo todos de má-fé e em nítida fraude à execução.
A ação de execução de título extrajudicial, para recebimento dos hono-
rários advocatícios pelo autor foi ajuizada em 24.04.2010 (fl. 9) e, em razão
da interposição de recurso especial, este houve por bem dar início à execução
provisória de seu crédito, em 16.11.2011(fls. 31/32), sendo os correqueridos
Ademir e Maria Doralice intimados para pagamento do respectivo valor pela
imprensa oficial, por meio de decisão publicada em 11.01.2012 (fls. 34/35).
Ocorre que a doação do imóvel em questão foi feita pelos correqueridos
Ademir e Maria Doralice por escritura datada de 28.01.2008 e averbada em
03.03.2008 na respectiva matrícula (R.11 fl. 40v.), isto é, quase dois anos antes
de o autor iniciar a persecução de seu crédito judicialmente.
Os filhos donatários, Dhener e Danilo, por sua vez, celebraram com-
promisso de venda e compra do imóvel com Ana Lucia, em 29.03.2009
(fls. 165/168), denotando que o bem foi transacionado um ano antes da referida
execução extrajudicial.
Por óbvio, não constava na matrícula, à época, o registro de qualquer
gravame sobre o imóvel ou averbação que pudesse indicar que a correquerida
Ana Lucia tinha ciência de alguma execução movida pelo autor contra os cor-
requeridos Ademir e Maria Doralice.
212 D��������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Noto, ainda, inexistir prova nos autos acerca da insolvência dos corre-
queridos Ademir e Maria Doralice ou que o imóvel acima fosse o único bem
de sua propriedade. O autor juntou apenas algumas das peças das execuções
a que faz referência, não sendo possível aferir o insucesso de busca por bens
móveis e imóveis daqueles. Assim, apenas o ajuizamento desta ação não credita
a insolvência arguida.
Por fim, a questão relativa à divergência entre os valores da transação
do imóvel consignados no compromisso de venda e compra (fls. 164/165) e na
respectiva escritura (fls. 172/173v), levantada pelo autor, é questão que escapa
ao objeto desta ação, diante do contexto acima e que já vem sendo apurada
pela via própria, como noticiado em sua apelação (fl. 471) e evidenciado pela
cota Ministerial e pela decisão de fls. 454/455.
Assim, em que pese a irresignação do autor, não há nas hipóteses os
elementos caracterizadores da fraude contra credores, elencados nos arts. 158
a 165 do Código Civil, a justificar a declaração de nulidade dos negócios jurí-
dicos acima descritos.
Desta feita, a sentença merece ser mantida como lançada, uma vez que,
da reanálise do caso, a interpretação é a mesma dada pelo Juízo originário,
cujos fundamentos transcrevo, porque os estou adotando, a teor do art. 252 do
Regimento Interno desta Corte:
A ação improcede. Verifica-se que a corré Ana Lucia Valentin adquiriu de boa-fé
o imóvel em questão. Não ficou comprovado que ela tinha conhecimento do es-
tado de insolvência dos demais corréus. Nas palavras do sólido Magistrado Paulo
Henrique Ribeiro Garcia: “São requisitos para a inviabilidade do negócio jurí-
dico por fraude contra credores: o ato de disposição; a insolvência do devedor;
o evento danoso (eventus damni); a anterioridade do crédito em relação ao ato
de disposição; e a ciência da insolvência pelo adquirente, em caso de negócio
jurídico oneroso (scientia fraudis)” (TOLEDO, Armando Sérgio Prado de (Coord.).
Negócio jurídico. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 217). Por outro lado, não há
qualquer elemento que faça presumir que Ana Lucia Valentin sabia que Ademir
Scorsatto e Maria Doralice da Silva Pião Scorsatto eram insolventes. Ainda que
se presuma a fraude da doação anterior, em favor de Danilo Ernesto Scorsatto,
Dhener Vanir Scorsatto, há que ressalvar os direitos do adquirente de boa-fé e
manter reconhecer a perfeição da compra e venda posterior. Leia-se a jurispru-
dência: “AÇÃO PAULIANA – Fraude contra credores. Apelação contra sentença
de improcedência. Ausência de prova do consilium fraudis, a pressupor existên-
cia de má-fé entre o comprador e o vendedor do imóvel transacionado. Má-fé
não demonstrada. Falta de prova da existência de protestos contra os vendedo-
res. Boa-fé dos adquirentes reconhecida, a não autorizar a anulação pretendida.
Improcedência mantida. Honorários bem fixados. Apelo improvido, com fulcro
no art. 252 do RITJSP” (TJSP, Apelação APL 19749019998260072/SP, 0001974-
90.1999.8.26.0072). É valor consagrado no Direito Civil pátrio a preservação dos
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA................................................................................................. 213
direitos do terceiro de boa-fé. Note-se que sequer o negócio simulado, que enseja
inclusive a nulidade da avença, pode prejudicar os interesses do terceiro de boa-
-fé. Sendo assim, não se pode admitir que a fraude na doação anterior contamine
a aquisição realizada por Ana Lucia Valentin. (fls. 463/464).

Pode parecer comodismo a adoção/ratificação dos fundamentos da sen-


tença em Segundo Grau. Mas não o é. Bem ao contrário, aliás. O art. 252 do
Regimento Interno deste Tribunal permite simples prática, aceita, inclusive, pe-
los Tribunais Superiores.
Diante dessas considerações, pelo meu voto, nego provimento ao
recurso.

Miguel Brandi
Relator

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001766-
41.2012.8.26.0011, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Cleber
Teixeira Baroni (Justiça Gratuita), são apelados Ana Lúcia Valentin, Ademir
Scorsatto, Maria Doralice da Silva Pião Scorsatto, Danilo Ernesto Scorsatto e
Dhener Vanir Scosatto.
Acordam, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Pri-
vado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que
integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Luis Mario
Galbetti (Presidente) e Mary Grün.
São Paulo, 28 de setembro de 2015.

Miguel Brandi
Relator
Assinatura Eletrônica
Parte Geral – Ementário
2145 – Ação anulatória – negócio jurídico – compra e venda de imóvel

“Ação anulatória. Negócio jurídico. Compra e venda de imóvel. Extinção sem exame do mérito.
Ausência de interesse de agir. Inadequação da via. Apelante que visa invalidar compra e venda
de imóvel, alienado por seu ex-marido a terceira pessoa, sob o fundamento de que o negócio foi
celebrado mediante simulação. Pedido que objetiva o retorno do bem à esfera de disponibilidade
do corréu, possibilitando sua futura excussão para satisfazer pensão alimentícia inadimplida. Hi-
pótese para a qual o ordenamento reserva o manejo de ação pauliana. Inteligência do art. 161 do
Código Civil. Ausência de fungibilidade entre as hipóteses. Ação que se circunscreveu à causa de
pedir da simulação, tendo este sido o escopo da prova produzida, e bem da defesa exercitada pelos
corréus. Anulação do negócio por fraude contra credores que reclama a demonstração de requisitos
específicos bem diversos. Processo extinto por falta de interesse, ressalvado à autora o exercício da
via adequada. Sentença mantida. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0006492-57.2007.8.26.0068 –
Barueri – 6ª CDPriv. – Rel. Vito Guglielmi – DJe 01.10.2015

2146 – Ação anulatória de negócio jurídico – depósito dos alugueres vencidos e vincendos –
locação

“Agravo de instrumento. Ação anulatória de negócio jurídico. Decisão que indeferiu o depósito
dos alugueres vencidos e vincendos. Contrato de locação de imóvel. Existência de escritura pública
com direito real de superfície em favor de terceiro. Direito de preferência ao imóvel que não con-
templa direito de superfície. Exegese do art. 27 da Lei nº 8.245/1991. Recurso desprovido.” (TJPR
– AI 1364392-4 – 12ª C.Cív. – Rel. Des. Mário Helton Jorge – DJe 16.10.2015 – p. 313)

2147 – Ação declaratória – reconvenção – contrato de parceria agrícola – pedido de retomada


– notificação – requisitos legais – preenchimento

“Recurso especial. Ação declaratória. Reconvenção. Contrato de parceria agrícola. Pedido de re-
tomada. Notificação. Requisitos legais. Preenchimento. 1. No contrato de parceria agrícola não se
admite a denúncia vazia, devendo o pedido de retomada do bem imóvel ter sempre como causa
subjacente um dos motivos admitidos na legislação de regência (art. 22, caput e § 2º, do Decreto
nº 59.566/1966). 2. No caso dos autos, a denúncia não pode ser considerada vazia, porquanto efe-
tivada a notificação extrajudicial a que se refere o § 2º do art. 22 do Decreto nº 59.566/1966, tem-
pestivamente, no ano de 2009, tendo, ademais, as instâncias ordinárias assentado que desde 2005
o parceiro agricultor tinha plena ciência da intenção da parceira proprietária de retomar o imóvel
para uso próprio. 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.535.927 – (2012/0128260-0) –
3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 20.10.2015 – p. 2914)

2148 – Ação de cobrança – cotas condominiais – prescrição quinquenal

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Cotas condominiais. Pres-
crição quinquenal. Precedentes da Corte. Prestações anteriores à vigência do atual Código Civil.
Aplicação da regra de transição do art. 2.028. 1. O prazo prescricional aplicável à pretensão de
cobrança de taxas condominiais é de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do Código Civil.
2. Quando ainda não transcorrida a metade do prazo prescricional previsto no código anterior,
aplica-se o prazo reduzido pelo Código Civil de 2002, contado a partir da vigência do código atual,
ou seja, 11.01.2003. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-Ag-RE
745.276 – (2015/0169901-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 01.10.2015 – p. 5021)
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 215
2149 – Ação de cobrança – taxa de manutenção – associação de moradores – descabimento
“Recurso especial. Civil e processual civil. Ação de cobrança. Taxa de manutenção. Associação
de moradores. Descabimento. Proprietário não associado. REsp 1.439.163/SP. Rito do art. 543-C
do CPC. 1. ‘As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não
associados ou que a elas não anuíram’ (REsp 1.439.163/SP, rito do art. 543-C do CPC). 2. Ausência
de prequestionamento da questão referente à anuência tácita do morador. 3. Agravo regimental
desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.494.283 – (2014/0290110-7) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino – DJe 22.10.2015 – p. 1547)

2150 – Ação de cobrança – taxa de manutenção – associação de moradores – proprietário não


associado – impossibilidade
“Agravo regimental no recurso especial. Civil. Associação de moradores. Cobrança de taxa de ma-
nutenção. Proprietário não associado. Impossibilidade. Matéria decidida sob a sistemática do art.
543-C do CPC. Recurso não provido. 1. A jurisprudência desta Corte Superior, consolidada através
do julgamento dos REsps 1439163 e 1280871, submetidos à sistemática do art. 543-C do Código
de Processo Civil, estabelece que ‘as taxas de manutenção criadas por associações de moradores
não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram’. 2. Agravo regimental a que se nega
provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.351.730 – (2012/0228870-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo –
DJe 01.10.2015 – p. 5045)

2151 – Ação de obrigação de fazer – demolição de imóvel – alienação posterior à propositura


da ação – efeitos subjetivos da coisa julgada inalterados
“Processual civil e ambiental. Matéria devidamente prequestionada. Obrigação de fazer. Demo-
lição de imóvel. Alienação posterior à propositura da ação. Efeitos subjetivos da coisa julgada
inalterados. Precedentes. Fato consumado. Matéria ambiental. Inexistência. 1. Cuida-se de ação
civil pública na qual a parte ora recorrente foi condenada a demolir casa que edificou em área de
preservação permanente correspondente a manguezal e a margem de curso d’água, a remover os
escombros daí resultantes e a recuperar a vegetação nativa do local. 2. O imóvel em questão foi
alienado. Entretanto, a alienação promovida em momento posterior à propositura da Ação Civil
Pública pela empreendedora não tem o condão de alterar os efeitos subjetivos da coisa julgada,
conforme disposto no art. 42, § 3º, do CPC, pois é dever do adquirente revestir-se das cautelas
necessárias quanto às demandas existentes sobre o bem litigioso. Em razão do exposto, o não
cumprimento da determinação contida no art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/1973, o qual afirma a ne-
cessidade de averbação das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis
não altera a conclusão do presente julgado. 3. Cumpre asseverar que a possibilidade do terceiro ter
adquirido o imóvel de boa-fé não é capaz, por si só, de afastar a aplicação do art. 42, § 3º, do CPC;
para que fosse afastada, seria necessário que, quando da alienação do imóvel, não houvesse sido
interposta a presente ação civil pública. O que não é o caso. 4. Por fim, cumpre esclarecer que, em
tema de direito ambiental, não se admite a incidência da teoria do fato consumado. Precedentes.
Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.491.027 – (2014/0275509-9) – 2ª T. – Rel. Min.
Humberto Martins – DJe 20.10.2015 – p. 2794)

Comentário Editorial SÍNTESE


Cuida-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que apreciou recurso
especial interposto pelo Ibama com o objetivo de reformar acórdão proferido pelo Tribunal
Regional Federal da 5ª Região assim ementado:
“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – DISCUSSÃO DE MATÉRIAS SEDIMENTADAS PELA
COISA JULGADA – PRECLUSÃO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – CABIMENTO – FATO SUPERVE-
216 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
NIENTE – ALIENAÇÃO DO BEM ANTES DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA – INOCUIDADE
DA EXECUÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ART. 42 DO CPC – AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO
ACERCA DA PENDÊNCIA DE AÇÃO – DESCONHECIMENTO DO TERCEIRO ADQUIRENTE –
INEXISTÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO – AGRAVO PROVIDO
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por Maria Arlete do Amaral Araújo contra
decisão interlocutória prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba,
e cujo teor rejeitou exceção de pré-executividade então oposta.
2. O Ibama propôs ação civil pública em que se pleiteou a demolição de imóvel construído e
recuperação da área degradada, então localizada no Loteamento Expansão Village Jacumã,
em Conde/PB. Após o trânsito em julgado da sentença, foi requerida a execução da sentença
pelo Ibama, o que ensejou a oposição de exceção de pré-executividade, então rejeitada pelo
Juízo a quo.
3. Foi interposto o presente agravo de instrumento, a que foi atribuído efeito suspensivo,
notadamente pela eminente presença de perigo e irreversibilidade da medida cominada na
sentença. No recurso, a agravante sustenta: o cabimento da exceção de pré-executividade;
nulidade processual por falta de citação de litisconsorte necessário, ilegitimidade passiva ad
causam, na medida em que, antes do cumprimento da sentença, houve alienação do imóvel.
4. Contrarrazões apresentadas, o Ibama aduziu: o descabimento da oposição de exceção de
pré-executividade em obrigação de fazer; observância da coisa julgada e preclusão de questões
suscitadas; a alienação fraudulenta do bem com fulcro no art. 42 do CPC.
5. É cediço que se admite o manejo da exceção de pré-executividade desde que haja prova pré-
-constituída das alegações, não sendo admitida dilação probatória a respeito, bem como quan-
do a impugnação versar sobre questões de ordem pública. Nesse ponto, importante registrar
que a exceção de pré-executividade se destina a suscitar discussões quanto à admissibilidade
do procedimento executivo, ou seja, questões a que o órgão jurisdicional deve se pronunciar
de ofício, como a falta de condições da ação e de pressupostos processuais, mas desde que
supervenientes à sentença.
6. Trata-se, pois, da hipótese dos autos, eis que a agravante questiona a própria viabilidade e
a efetividade do procedimento executivo, razão pela qual tenho por adequada a impugnação
então apresentada através do mecanismo atípico de defesa do executado. O fato de se tratar
de cumprimento de sentença em que se cominou obrigação de fazer não é incompatível com o
manejo de tal modalidade de defesa, eis que para tanto, como dito alhures, somente se exige
a existência de prova pré-constituída, ou se trate de questão de ordem pública cognoscível
de ofício.
7. A alegação de nulidade do processo pela não formação de alegado litisconsórcio necessário,
seja em relação ao cônjuge da autora, ou mesmo quanto ao município de Conde, não merece
prosperar, e sequer é digna de enfrentamento acerca de seu mérito, na medida em que sobre
tal questão já houve expresso pronunciamento jurisdicional a respeito, então acobertado pelo
manto da coisa julgada material, de forma que se impõe o reconhecimento da preclusão quan-
to as ilações aduzidas pela agravante.
8. Malgrado a preclusão quanto à alegação acerca da ausência de citação de litisconsorte
necessário então aduzida pela agravante, penso que a execução contra si dirigida carece de
elementos que a sustentem, na medida em que se tem notícia de que fatos supervenientes à
sentença tornam inócuo o cumprimento da sentença prolatada. A recorrente foi condenada a
demolir imóvel residencial localizado no Loteamento Expansão Village Jacumã, em Conde/PB,
em razão de ter sido este construído em área de preservação permanente. A sentença proferi-
da, em feito que correu à revelia, e que sequer houve interposição de recurso, data de 19 de
maio de 2004. Ocorre que em 06.05.2005, foi realizada a alienação do bem imóvel, conso-
ante consta na escritura pública colacionada.
9. Assim, desde 06.05.2005, a recorrente não é mais a proprietária do aludido imóvel, de
modo que não vislumbro possibilidade, no caso, de compeli-la ao cumprimento da sentença,
dado ser inviável a admissão de que a então ré promova per si, os atos de execução ne-
cessários ao cumprimento da sentença, e cujos efeitos atingem terceiro estranho à relação
processual.
10. Não se olvida do disposto no art. 42, caput, e § 3º do CPC, cujos termos enunciam que
a alienação de coisa ou direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a
legitimidade das partes, bem como que a sentença proferida entre as partes originárias estende
seus efeitos ao adquirente ou cessionário. Note-se que o art. 42 do CPC refere-se à alienação
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 217
de coisa litigiosa, o que não corresponde à situação dos autos. Decerto, ainda que a ação
promovida pelo Ibama envolvesse a demolição de imóvel, não era a propriedade imobiliária
o objeto da lide, e sim a tutela do meio ambiente, bem como os meios necessários para sua
proteção.
11. A legislação processual coíbe a má-fé de condutas que visem a atentar contra a dignidade
da justiça, e um dos atos elencados é a fraude à execução, conforme previsão do art. 600, I,
do CPC. A fraude à execução ocorre quando o réu promove alienação ou oneração de bens,
quando sobre eles pende ação fundada em direito real, ou quando ao tempo da alienação ou
oneração corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, ou nas demais
hipóteses previstas em lei. Nenhuma das situações então citadas acima se subsume à hipó-
tese do feito, eis que não houve alienação de bem na pendência de ação fundada em direito
real, nem sequer há de se cogitar de insolvência, notadamente por se tratar de execução por
obrigação de fazer.
12. Além do mais, ainda que se cogitasse de uma modalidade atípica de fraude à execu-
ção, com espeque em uma das cláusulas do art. 600 do CPC, não se pode afastar a boa-fé
processual sem perquirir acerca da conduta de terceiro supostamente envolvido no negócio
fraudulento. Não é por outro motivo, destarte, que um dos requisitos da fraude à execução é a
presença da scientia fraudis pelo terceiro adquirente, consoante destacado na Súmula nº 375
do STJ, vejamos: ‘O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do
bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente’.
13. No caso, não há qualquer evidência de má-fé pelo terceiro adquirente ou mesmo conluio
fraudulento, a fim de obstar o prosseguimento da execução, notadamente porque não há que
se presumir seu conhecimento quanto à existência de ação que visava à demolição do imóvel
por si adquirido.
14. Cumpre registrar que ao Ibama, notadamente pela natureza do pedido formulado na ação,
cumpriria promover a averbação da pendência de ação na matrícula do imóvel, cujo objeto
se destinava à demolição da construção, consoante o disposto no art. 659, § 4º, do CPC, ou
mesmo diante do disposto no art. 167 da Lei nº 6.015/1973. Dessa forma, além de apontar
a diligência e comprometimento com a eficácia da decisão, o registro da ação tem o benefí-
cio de conduzir à presunção absoluta de conhecimento pelo terceiro quanto à pendência de
processo. Decerto, sendo de difícil demonstração a prova de que o terceiro adquirente sabe
da existência de processo, torna-se útil o registro da ação, o que, todavia, não foi promovido
pela parte agravada.
15. Agravo provido.”
Alegou a agravante que é “inviável para a recorrida o cumprimento da sentença, sem observar
o direito do terceiro adquirente, este que se encontra de boa-fé, bem como frente à ausência
dos procedimentos devidos pelos exequentes para a satisfação da execução”.
Sustentou, outrossim, que, “em nenhum momento houve o debate pelo Colegiado da aplicação
do art. 42 do CPC da forma como pretendem o recorrente apresentar, acerca da extensão dos
efeitos da coisa julgada ao terceiro ou alteração da legitimidade das partes, mas sim com rela-
ção ao questionamento de suposta alienação fraudulenta, o que restou afastado”. A alegação
de infração à súmula não pode prosperar, tendo em vista que tal não pode ser enquadrada no
conceito de lei federal para que seja objeto do estreito recurso especial.
Aduziu que “não obstante o disposto no art. 42, § 3º, do CPC, não se pode menosprezar a
existência da boa-fé na aplicação de tal dispositivo”.
Por fim, afirmou que, “mesmo com a demolição do referido imóvel, impossível será a recu-
peração da suposta área degradada, assim não vislumbramos como se atingirá o resultado
pretendido com a presente demanda, tornando-a inclusive inútil e desnecessário o provimento
jurisdicional, no caso concreto”.
Pugnou, por fim, caso não seja reconsiderada a decisão agravada, pela submissão do presente
agravo à apreciação da Turma.
O STJ negou provimento ao agravo regimental asseverando que os agravantes não trouxeram
argumento capaz de infirmar a decisão agravada.
O relator assim concluiu:
“Por fim, quanto à afirmação de que, ‘mesmo com a demolição do referido imóvel, impossível
será a recuperação da suposta área degradada, assim não vislumbramos como se atingirá o
resultado pretendido com a presente demanda, tornando-a inclusive inútil e desnecessário o
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provimento jurisdicional, no caso concreto’, verifica-se que a recorrente intenta furtar-se ao
cumprimento da condenação alegando ‘fato consumado’.
Entretanto, esta Corte entende que a teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale
a perpetuar, a perenizar um suposto direito de poluir que vai de encontro, no entanto, ao
postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia
qualidade de vida.”
Oportuno colacionar trecho da doutrina do ilustre Jurista Humberto Theodoro Júnior sobre
obrigação de fazer:
“A obrigação de fazer, por se estampar numa atividade do devedor, é que traz maiores trans-
tornos ao quando se defronta com inadimplemento.
[...]
O credor pode escolher determinado para prestar a obrigação, não admitindo substituição. Isto
em razão de o devedor ser um técnico especializado, um artista ou porque simplesmente o
credor veja no obrigado qualidades essenciais para cumprir a obrigação. É o caso do exemplo
clássico da contratação de um pintor para executar um retrato, de um cantor para uma apre-
sentação etc. Desse modo, como estava exposto no art. 878 do velho Código, ‘na obrigação de
fazer, o credor não é obrigado a aceitar de terceiro a prestação, quando for convencionado que
o devedor a faça pessoalmente’. O atual Código preferiu definir imediatamente, na abertura do
capítulo, a obrigação de indenizar nas obrigações de fazer no art. 247: ‘Incorre na obrigação
de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou por ele
exequível’. Cuidamos, aqui, portanto, das chamadas obrigações de fazer de natureza infun-
gível, intuitu personae, quando a pessoa do devedor não admite substituição.” (Direito civil:
teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2004. p. 101-102)

2152 – Área de preservação permanente – atividades agressoras – edificações – demolição –


possibilidade
“Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Área de preservação permanente (Rio Grande).
Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Princípios da reparação integral e do polui-
dor-pagador. Cumulação de obrigação de fazer (reparação da área degradada e demolição de edi-
ficações), de não fazer (inibição de qualquer ação antrópica sem o regular licenciamento ambien-
tal). Possibilidade. I – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não
pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole
meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a
disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que
privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente
das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espa-
ço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de
impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromis-
sos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilí-
brio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse
postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma
condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um
dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz
bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras
gerações” (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma
sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais,
na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da
vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005),
estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio
natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, de-
vendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 219
nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das socie-
dades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração ex-
cessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da pre-
caução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela
constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar,
para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia
qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF,
art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quan-
do houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se
a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se
possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degra-
dação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF,
art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T.,
e-DJF1 p. 172 de 12.06.2012). II – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato
Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24.05.2015, ‘Toda a intervenção na paisagem urbana ou
rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos habi-
tantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de
ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma
razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem inter-
venções humanas que os alterem constantemente [...] Neste contexto, sempre se deve recordar que
«a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos
e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender
ou a promover adequadamente». Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica
do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lu-
cros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximi-
zação dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações?
Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de
degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente altera-
dos pela intervenção humana’. III – Na inteligência jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de
Justiça, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, em defesa do meio ambiente equilibrado
autoriza o entendimento de que ‘o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurí-
dico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo
e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou
espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intrans-
ponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológi-
cos essenciais (art. 225, § 1º, I)’ (AgRg-AREsp 327.687/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julga-
do em 15.08.2013, DJe 26.08.2013). IV – Na hipótese dos autos, as edificações descritas nos autos
foram erguidas, sem o prévio, regular e competente licenciamento ambiental e a rigorosa observân-
cia dos marcos regulatórios da legislação ambiental, no interior de Área de Preservação Permanen-
te (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a
ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas
restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antrópicas outras, des-
providas de regular autorização do órgão ambiental competente, apurando-se o quantum indeniza-
tório do dano material ao meio ambiente agredido através de competente prova pericial, na fase de
liquidação do julgado, por arbitramento (CPC, arts. 475-C e 475-D). V – Nas demandas ambientais,
por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação
simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do
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art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjunção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa
excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. ‘A recusa de aplicação, ou aplicação
truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar,
moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta admi-
nistrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem
debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabi-
lidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspira-
dos no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imi-
tem ou repitam seu comportamento deletério’ (REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin,
2ª T., Julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012). VI – Ordenou-se, ainda, o cumprimento das obri-
gações de fazer e de não fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa coercitiva, no mon-
tante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso, a contar da intimação deste Acórdão
mandamental, sem prejuízo das sanções penais previstas no art. 14, inciso V, e respectivo parágrafo
único, do CPC vigente. VII – Provimento da apelação do Ministério Público Federal. Sentença refor-
mada.” (TRF 1ª R. – AC-ACPúb 2006.38.05.000160-6/MG – Rel. Des. Fed. Souza Prudente –
DJe 20.10.2015)

Comentário Editorial SÍNTESE


O acórdão em tela trata de apelação interposta contra sentença nos autos da Ação Civil Pú-
blica.
Consta dos autos que a referida ação busca a concessão de tutela jurisdicional, visando à
proteção ambiental da área de preservação permanente, localizada às margens da represa
da Hidrelétrica de Mascarenhas de Morais, em virtude de edificação de construções e de
supressão de vegetação nativa dentro dos limites da referida área. Impôs aos promovidos as
seguintes obrigações:
“1. desocupação e recuperação da área de preservação permanente em referência, adotando-
-se as medidas necessárias a serem indicadas por técnico habilitado do órgão ambiental com-
petente;
2. demolição de qualquer edificação ali existente;
3. apresentação, ao órgão ambiental competente, de projeto de adequação ambiental, inician-
do-o em até 180 dias;
4. abstenção de realização de novas construções ou qualquer outra ação antrópica na aludida
área;
5. adoção de medidas compensatórias e mitigatórias correspondentes aos danos ambientais
que a perícia indicar como irrecuperáveis;
6. pagamento de indenização, correspondente aos danos ambientais causados pela ocupação
irregular da APP até o início do projeto de adequação ambiental e de indenização correspon-
dente aos danos ambientais que, no curso do processo, mostrarem-se técnica e absolutamente
irrecuperáveis na referida área.”
Nas razões recursais o Ministério Público Federal insiste na concessão da tutela jurisdicional
postulada, reiterando os fundamentos da inicial:
“a) independentemente de culpa, as pessoas físicas ou jurídicas que, de qualquer modo,
degradarem as florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente,
são responsáveis por recuperar ou reparar os danos causados; b) as áreas no entorno dos
reservatórios d’água artificiais constituem áreas de preservação permanente; c) à época de
sua implantação, o loteamento Lago Azul foi implantado em zona rural, vez que não dispunha
dos requisitos de infraestrutura e densidade demográfica exigidos pela Resolução Conama
nº 302/2002 para que a área pudesse ser considerada como urbana consolidada, segundo
comprova o Laudo Técnico; d) a Usina Hidrelétrica de Marechal Mascarenhas de Moraes até
a presente data não teve seu licenciamento ambiental concluído, motivo pelo qual deve ser
considerada como área de proteção permanente o máximo previsto em lei; e) as intervenções
efetuadas no local não são de interesse social, de utilidade pública ou de baixo impacto
ambiental, devendo as construções serem removidas e a área recuperada. Requer, assim, o
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 221
provimento do recurso de apelação, para que seja reformada a sentença recorrida, a fim de
que sejam integralmente acolhidos os pedidos ventilados na petição inicial (fls. 761/775).”
Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:
“[...]
A referida Resolução Conama nº 04/1985, definiu como ‘Reservas Ecológicas as florestas
e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios
d’água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em fai-
xa marginal cuja largura mínima será de 100 (cem) metros para as represas hidrelétricas’
(art. 3º, alínea b, inciso II), afinando-se, assim, com as disposições do art. 2º, alínea b, da Lei
nº 4.771/1965 (Código Florestal vigente na época).
Assim posta a questão, em se tratando de represas hidrelétricas, como no caso, a largura
mínima da faixa marginal, independentemente da sua localização, será de 100 (cem) metros,
e não de 30 (trinta) metros, que deverá ser observada, apenas, em relação às lagoas, lagos ou
reservatórios d’água naturais ou artificiais situados em áreas urbanas.
[...]
Nessa mesma linha de entendimento, confiram-se, dentre outros, o seguinte julgado:
‘ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DESMATAMENTO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR) – DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE
– BIOMA DO CERRADO – ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI Nº 6.938/1981, E ART. 3º DA
LEI Nº 7.347/1985 – PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL
– REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM – FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA
RESPONSABILIDADE CIVIL – CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA
ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO) – POSSIBILIDADE –
DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO – ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS
NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por
danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em
Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou
provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido
indenizatório cumulativo.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser
interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da
eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A herme-
nêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por
força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação,
simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação
do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz
alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.
4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador
e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o
ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e
gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório,
a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção
geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade
de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu compor-
tamento deletério.
5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original
(reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possi-
bilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se
mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro
as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano
ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou
inapropriável. Por isso, a simples restauração futura – mais ainda se a perder de vista – do
recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do
poluidor-pagador e da reparação in integrum.
222 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansi-
vo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo
que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos re-
trospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura
bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que
eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação
remanescente ou reflexa.
7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto
a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição
da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano
interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (=
deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços
de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o
proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia
ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do
imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril,
turístico, comercial).
8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumu-
lação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura
do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipó-
tese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.’
(REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 27.09.2011,
DJe 04.09.2012)
Na hipótese dos autos, o laudo técnico de fls. 196/210, assim como o laudo pericial de
fls. 594/610, não deixam dúvidas quanto ao dano ambiental ali existente, devendo, assim,
tais danos serem devidamente apurados na fase de liquidação de sentença, por arbitramento
judicial (CPC, arts. 475-C e 475-D) e o quantum indenizatório ser cobrado de acordo com a
disciplina dos arts. 475-J, §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, do aludido diploma processual.
Com estas considerações, dou provimento à apelação para, reformando a sentença monocrá-
tica, julgar procedentes os pedidos formulados na inicial, impondo-se aos promovidos as obri-
gações de fazer a demolição das edificações descritas nos autos, sob a supervisão técnica do
Ibama; de apresentar, ao referido órgão ambiental, projeto de recuperação da área degradada,
com cronograma de recuperação a ser por ele definido, a fim de revitalizar o ecossistema ao
seu estado natural; de se abster de realizar novas ocupações, edificações, corte, exploração
ou supressão de qualquer tipo de vegetação, de realizar ou permitir que realizem qualquer
outra ação antrópica na aludida área de preservação permanente, sem o prévio e competente
licenciamento ambiental. Condeno, ainda, os promovidos, no pagamento de indenização cor-
respondente aos referidos danos ambientais, na forma acima explicitada.”
Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento à apelação.

2153 – Ação de repetição de indébito – dano moral – parcial procedência – corretagem efetiva­
mente paga pela compradora

“Civil. Processual civil. Recurso especial. Ação de repetição de indébito c/c indenização por dano
moral. Parcial procedência. Corretagem efetivamente paga pela compradora. Inexistência de con-
venção a respeito no contrato de promessa de compra e venda. Devolução devida. Reforma do
julgado. Incidência das Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte. 1. O Tribunal local, soberano na análise do
conjunto fático dos autos, concluiu não ter sido comprovado que a demandada tenha efetivamente
intermediado ou aproximado os interessados na venda da área ali discutida. Rever tal entendimento
requer o reexame dos fatos da causa e análise de cláusulas contratuais. Incidência das Súmulas
nºs 5 e 7 do STJ. 2. Não sendo a linha argumentativa apresentada pela agravante capaz de eviden­
ciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não
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se revela apto a alterar o conteúdo do julgado Impugnado, devendo ele ser integralmente man-
tido em seus próprios termos. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.423.648 –
(2013/0360032-7) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 06.10.2015 – p. 2835)

2154 – Ação pauliana – fraude contra credores – doação de imóvel

“Apelação cível. Ação pauliana. Fraude contra credores. Doação de imóvel após a mora. Improce-
dência da ação com fundamento em fraude à execução. Sentença baseada em premissa equivoca-
da. Sentença cassada, de ofício. Recurso prejudicado. 1. Não subsiste o fundamento que embasou
a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, vez que analisou a ação pauliana, na qual se
invoca fraude contra credores, como se fraude à execução fosse. 2. A sentença proferida baseou-se
em premissa equivocada, deixando inclusive de analisar se estavam presentes os requisitos confi-
guradores da fraude contra credores, pelo que, deve ser cassada a decisão, de ofício, a fim de que
tais questões sejam analisadas em primeiro grau de jurisdição, sob pena de supressão de instância.”
(TJPR – AC 1210275-5 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Prestes Mattar – DJe 10.11.2015 – p. 587)

2155 – Ação pauliana – fraude contra credores – venda de imóvel de propriedade

“Fraude contra credores. Ação pauliana. Venda de imóvel de propriedade do apelado para a sua
filha. Alienação ocorrida anteriormente ao ajuizamento de medida cautelar de protesto contra alie-
nação de bens imóveis interposta pela empresa Apelante. Alienação deste bem e de diversos outros
que levou o devedor à insolvência. Eventus damni caracterizado. Existência do conluio fraudulento.
Alienação que ocorreu entre pais e filha, por valor bem abaixo do praticado no mercado. Procedên-
cia da ação pauliana que, no entanto, leva à ineficácia e não à anulabilidade do negócio jurídico.
Honorários advocatícios sucumbenciais. Valor fixado em 10% do valor da causa. Inteligência do
art. 20, § 3º do CPC. Recurso provido.” (TJSP – Ap 0182322-62.2012.8.26.0100 – São Paulo –
1ª CDPriv. – Rel. Rui Cascaldi – DJe 10.11.2015)

2156 – Ação pauliana – separação judicial consensual – destinação de bens superiores à meação
– doação configurada

“Civil e processual civil. Apelação. Recurso adesivo. Ação pauliana. Separação judicial consen-
sual. Destinação de bens superiores à meação. Doação configurada. Patrimônio insuficiente para
a satisfação do crédito. Fraude contra credores. Eventus damni. Nulidade do formal de partilha.
Sucumbência recíproca. Recursos improvidos. 1. Considera-se fraude contra credores toda dimi-
nuição maliciosa levada a efeito pelo devedor, com o propósito de desfalcar a garantia patrimonial,
em detrimento dos direitos creditórios alheios. 2. O art. 158, do Código Civil deixa claro que os
negócios de transmissão gratuita de bens e de remissão de dívida, se o devedor praticá-los mediante
estado de insolvência ou for reduzido à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirogra-
fários como lesivos aos seus direitos. Nessas hipóteses, a fraude contra credores será configurada
pelo simples estado de insolvência, independentemente da demonstração do conluio fraudulento,
que é presumido pela lei. 3. Doutrina. Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado, 17. ed., Saraiva,
2014, p. 228. ‘A fraude contra credores constitui a prática maliciosa, pelo devedor, de atos que des-
falcam seu patrimônio, com o fim de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento
dos direitos creditórios alheios. Dois são os seus elementos: o objetivo (eventos damni), que é todo
ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de
insolvência, ainda quando o ignore, ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente depois de
executada; e o subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor ou
do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da cobrança’. 4. Quando o devedor é insolvente ou
224 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
torna-se insolvente pela disposição gratuita de seus bens, a parte do seu patrimônio que foi doada
é, na realidade, porção daquilo que pertence indiretamente a seus credores, restando configurada
a fraude contra credores. 4.1 Aliás, toda execução é real, ou seja, incide sobre os bens do devedor,
presentes, futuros e aqueles maliciosamente transferidos objetivando a frustração da atividade juris-
dicional executiva do Estado. 5. Configurada a fraude contra credores em relação à doação ocorrida
entre os ex-cônjuges no valor que superou a meação, a nulidade do formal de partilha, especifica-
mente quanto ao imóvel doado, é medida que se impõe. 6. Assim, correta a sentença ao considerar
que o bem doado por meio da partilha retornará ao patrimônio do devedor (primeiro Réu) e que
em nada lhe aproveitará, na medida em que deverá voltar-se para a satisfação do crédito. 7. Os
honorários advocatícios devem ser fixados de acordo com a sucumbência de cada parte. 7.1 Tendo
o autor sucumbido, integralmente, quanto à condenação de um dos três réus, deve responder inte-
gralmente quanto aos honorários do respectivo patrono. 7.2 A sucumbência recíproca quanto aos
demais requeridos implica na condenação dos honorários dos próprios patronos e no pagamento
das custas pro rata, entre os sucumbentes. 8. Recursos improvidos.” (TJDFT – PC 20150110521285
– (901359) – 2ª T.Cív. – Rel. Des. João Egmont – DJe 27.10.2015 – p. 244)

2157 – Ação reivindicatória – sucessão causa mortis – partilha – imóvel – conclusão – condomí­
nio – formação
“Civil e processual civil. Ação reivindicatória. Sucessão causa mortis. Partilha. Imóvel. Conclusão.
Condomínio. Formação. Substituição do espólio por herdeiro. Legitimidade ativa. Afirmação. For-
mal de partilha. Registro. Inexistência. Transmissão da herança com os atributos que lhe são ineren-
tes. Ajuizamento de ação de desapropriação indireta. Irrelevância para o pleito petitório. Bloqueio
da matrícula. Registro incólume. Propriedade preservada. Lote inserido em área maior. Individua-
lização. Pressuposto atendido. Carência de ação afastada. Rejulgamento. CPC, art. 543-C, § 7º, II.
Teses firmados em sede de recurso representativo da controvérsia (STJ, REsp 990.507/DF). Acórdão
originário reformado. 1. Concluído o processo sucessório e aperfeiçoada a partilha, ensejando a
formação de condomínio sobre o imóvel partilhado, cada um dos herdeiros, de forma isolada, está
legitimado a suceder o espólio na ação petitória que manejara por deter legitimidade para reclamar
do terceiro o imóvel que ilegitimamente detém (CC, art. 1.314), independentemente de o formal
de partilha ainda não estar transcrito, pois, assumindo a condição de proprietário e possuidor da
herança na proporção do quinhão que lhe fora destinado, a assume com os atributos anteriormente
detidos pelo sucedido (CC, arts. 1.784 e 1.791). 2. O detentor da propriedade está revestido de
legitimação para reivindicar total ou parcialmente o imóvel de quem ilegitimamente o possua, com-
petindo-lhe simplesmente individualizá-lo, se reivindicado na íntegra, ou individualizar o quinhão
indevidamente ocupado, sendo irrelevante o fato de não deter matrícula particularizada, de forma
a modular o objeto da pretensão reivindicatória de conformidade com o seu alcance e prevenir que
atinja área não ocupada. 3. O bloqueio da matrícula do imóvel determinada através de decisão
judicial de natureza liminar, cingindo-se a obstar a efetivação de novos registros ou averbações,
não retira daqueles em nome de quem se encontra transcrito a presunção de que continuam sendo
proprietários, devendo continuar a ser havidos como titulares do domínio até que o registro que
lhes confere esse atributo eventualmente venha a ser invalidado e cancelado, assistindo-lhes, pois,
o direito de usufruírem das prerrogativas que irradiam do domínio que ostentam (CC, art. 1.245,
§ 2º). 4. O ajuizamento de ação de desapropriação indireta tendo como objeto o imóvel reivindica-
do não encerra nenhuma incompatibilidade com a pretensão petitória, com ela, ao invés, se con-
formando, pois ambas as lides têm como pressuposto a detenção do domínio, que, ante os atributos
que lhe são inerentes, municiam os proprietários com legitimação e lastro para manejarem todos os
instrumentos processuais que se conformam com a qualidade e o título que ostentam, notadamente
para defender a posse e propriedade do imóvel que lhes pertence contra a atuação de terceiros. 5. A
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 225
ação reivindicatória consubstancia o instrumento processual apropriado para o proprietário que não
detém a condição de possuidor reaver a posse do imóvel que lhe pertence de quem injustamente o
vem possuindo ou detendo, destinando-se, pois, a resguardar ao titular do domínio o direito que lhe
assiste de elidir a indevida ingerência de terceiros sobre aquilo que é seu, permitindo-lhe que dele
se aposse e passe a fruir e usufruir das prerrogativas que irradiam da propriedade. 6. Apelação co-
nhecida e, em rejulgamento, provida. Sentença cassada. Maioria.” (TJDFT – PC 20061010032269
– (902903) – 1ª T.Cív. – Rel. p/o Ac. Des. Teófilo Caetano – DJe 13.11.2015 – p. 190)

2158 – Bem de família – uso indevido de imóvel – indenização

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Indenização. Uso indevido de imóvel. Bem de
família. Omissão não configurada. 1. Tendo o Tribunal de origem indicado adequadamente os mo-
tivos que lhe formaram o convencimento, não há falar em prestação jurisdicional lacunosa ou defi-
citária apenas pelo fato de o acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da par-
te recorrente. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 135.068 – (2012/0001152-6)
– 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 27.10.2015 – p. 775)

Comentário Editorial SÍNTESE


Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso especial. O apelo extremo, interposto
com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, insurge-se contra acórdão
assim ementado:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO PELO USO INDEVIDO DE IMÓVEL – IRMÃ
QUE RECEBEU TODOS OS VALORES DEIXADOS PELO FALECIDO IRMÃO EM DETRIMENTO
DOS INTERESSES DA COMPANHEIRA, ASSIM RECONHECIDA EM SENTENÇA – EFEITOS
COLATERAIS DA DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA NA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES COM
TRÂNSITO EM JULGADO QUE RECONHECEU O DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA
– CASO CONCRETO EM QUE O BEM SEMPRE TEVE DESTINAÇÃO COMO BEM DE FAMÍLIA,
NO MÍNIMO TIPIFICANDO-SE COMODATO – POSSE LEGÍTIMA QUE NÃO AUTORIZA INDE-
NIZAÇÃO PELO USO
1. Tempestividade. Ambos os apelos estão tempestivos. Tramitação processual irregular que,
todavia, não prejudicou os recorrentes, nem lhes cerceou a defesa.
2. Prescrição. O caso não se subsume a regra: do art. 2.028 do CPC, estando intenso ao prazo
prescricional de 20 anos do Código Civil de 1916.
3. Cumulação indevida de pedidos. Descabe cumulação de pedido de prestação de contas com
pedido indenizatório por conta da diferença de ritos processuais. De acordo com o Código de
Processo Civil, a ação de prestação de contas possui rito especial, dividido em duas fases, in-
viabilizando sua cumulação com ações de rito diverso, especialmente com as que demandam
maior dilação probatória.
4. Pedido de indenização pelo uso indevido do imóvel deixado por seu ex-companheiro. Des-
cabimento em vista da ocupação precedente e regular do imóvel, sempre tido como bem de
família, e autorizado não apenas pelos pais que ali residiram, como também pelo falecido
irmão a quem o bem coube por herança, consentido que se mantivesse o uso pela sua irmã
e familiares. No mínimo, tipificada relação de comodato que não se rescindiu. Descabimento
do pleito indenizatório.
Preliminares rejeitadas à unanimidade. Apelo dos réus provido e prejudicado o recurso da
parte autora, por maioria.”
Tanto os embargos declaratórios quanto os infringentes foram rejeitados. Seguiram-se novos
aclaratórios, que foram acolhidos parcialmente, sem efeitos infringentes.
Nas razões do especial, a agravante alegou violação dos arts. 535, II, 128, 219, 458, I e II,
e 460 do Código de Processo Civil e 1.711 do Código Civil.
Sustentou, em síntese, que:
a) houve negativa de prestação jurisdicional;
b) o imóvel em questão não poderia ser considerado bem de família; e
c) a citação da recorrida foi válida e o dever de indenizar é medida que se impõe.
226 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
O agravante sustentou que houve violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil, pois
o julgado de origem foi omisso quanto ao argumento de que a proteção do bem de família
somente pode ser invocada pelo dono do imóvel, e aduz que, neste caso, a referida proteção
foi pleiteada por terceiro não proprietário.
O STJ negou provimento ao agravo regimental.
O relator aduziu que não se vislumbra a apontada omissão. O Superior Tribunal de Justiça
entende não violar o referido dispositivo legal nem importar negativa de prestação jurisdicional
o acórdão que adota, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da
pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a controvérsia posta, como neste
caso.
Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:
“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas pertenças e
acessórios, destinando-se ao domicílio familiar, podendo, ainda, ser constituído por valores
mobiliários.
O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se
provenientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção perdurará
enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a maioridade, vale
dizer, nesse caso, a impenhorabilidade é relativa.
[...]
No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impenhora-
bilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respectivos
incisos, quais sejam:
a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previdenciárias;
b) crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel;
c) crédito decorrente de pensão alimentícia;
d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;
e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;
f) aquisição do imóvel com produto de crime;
g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no diploma civi-
lista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanência, a fim
de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família. Repertório de
Jurisprudência IOB, 3/23193, v. III, n. 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov. 2005)

2159 – Cédula de crédito rural hipotecária – aval prestado por pessoa física – validade

“Agravo regimental no recurso especial. Cédula de crédito rural hipotecária. Aval prestado por
pessoa física. Validade. Precedente. Incidência. Súmula nº 83/STJ. Agravo improvido. 1. Se a parte
agravante não apresenta argumentos hábeis a infirmar os fundamentos da decisão regimentalmente
agravada, deve ela ser mantida por seus próprios fundamentos. 2. Agravo regimental a que se nega
provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.538.456 – (2015/0143303-6) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1196)

2160 – Compra e venda de imóvel – comissão de corretagem – interpretação de cláusulas con­


tratuais

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Compra e venda de imóvel. Comissão de corre-
tagem. Interpretação de cláusulas contratuais. Reexame de prova. 1. Inviável a análise do recurso
especial quando dependente de reexame de cláusulas contratuais e matéria fática da lide (Súmulas
nºs 5 e 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 775.136 –
(2015/0221556-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 06.11.2015 – p. 1116)
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 227
2161 – Compra e venda de imóvel – escritura – alegação de ofensa à constituição da república
– legalidade

“Direito civil e processual civil. Eficácia de escritura de compra e venda de imóvel. Alegação de
ofensa ao art. 5º, II e LV, da Constituição da República. Legalidade. Contraditório e ampla defesa.
Natureza infraconstitucional da controvérsia. Eventual violação reflexa da Constituição da Repúbli-
ca não viabiliza o manejo de recurso extraordinário. Acórdão recorrido publicado em 05.09.2014.
1. Obstada a análise da suposta afronta aos incisos II e LV do art. 5º da Carta Magna, porquanto
dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, procedimento
que refoge à competência jurisdicional extraordinária desta Corte Suprema, a teor do art. 102 da
Magna Carta. 2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos
que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal
a preceito da Constituição da República. 3. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF –
AgRg-RE-Ag 915.700 – Rio de Janeiro – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 20.10.2015)

2162 – Compromisso de compra e venda – despesas condominiais – promissário comprador –


ação de cobrança – penhora dos direitos – possibilidade

“Recurso especial. Civil. Despesas condominiais. Promissário comprador. Ação de cobrança. Com-
promisso de compra e venda. Penhora dos direitos. Possibilidade. Constrição. Imóvel gerador da dí-
vida. Inadmissibilidade. Princípio da continuidade. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se, não tendo
o proprietário do bem figurado na ação de cobrança de cotas condominiais, mas tão somente o pro-
missário comprador, é possível, em execução, a penhora do próprio imóvel que gerou a dívida ou
apenas a constrição sobre os direitos aquisitivos decorrentes do compromisso de compra e venda.
2. Ajuizada a ação contra o promissário comprador, este responde com todo o seu patrimônio
pessoal, o qual não inclui o imóvel que deu origem ao débito condominial, haja vista integrar o
patrimônio do promitente vendedor, titular do direito de propriedade, cabendo tão somente a pe-
nhora do direito à aquisição da propriedade. 3. A penhora do unidade condominial em execução
não pode ser autorizada em prejuízo de quem não tenha sido parte na ação de cobrança na qual se
formou o título executivo. Necessária a vinculação entre o polo passivo da ação de conhecimento
e o polo passivo da ação de execução. 4. Pelo princípio da continuidade registrária (arts. 195 e 237
da Lei nº 6.216/1975), a transferência de direito sobre o imóvel depende de que este preexista no
patrimônio do transferente, o que, no caso, torna inviável a penhora do próprio imóvel em virtude
da ausência de título anterior em nome dos executados. 5. Recurso especial não provido.” (STJ –
REsp 1.273.313 – (2011/0134155-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 12.11.2015
– p. 1313)

2163 – Compromisso de compra e venda de imóvel – rescisão – comprovação da realização de


benfeitorias – ônus da prova

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Rescisão de compromisso de compra e venda


de imóvel. Comprovação da realização de benfeitorias. Ônus da prova. Prequestionamento. Au-
sência. Analogia. Súmula nº 282/STF. Possuidor de boa-fé. Direito de retenção. 1. Ausente o pre-
questionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivo apontado como violado no recurso
especial, incide, por analogia, o disposto na Súmula nº 282 do Supremo Tribunal Federal. 2. O
acórdão recorrido está em harmonia com a orientação desta Corte no sentido de que o possuidor
de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, sob pena de enri-
quecimento ilícito. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 742.303
– (2015/0167754-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 23.10.2015 – p. 1123)
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2164 – Condomínio – ação ordinária – convenção – critérios de voto e rateio de cotas – regula­
ridade
“Agravo regimental em agravo em recurso especial. Condomínio. Ação ordinária. Negativa de pres-
tação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Convenção condominial. Critérios de voto e rateio de cotas.
Regularidade. Reversão do julgado. Súmula nº 7/STJ. 1. Não há falar em negativa de prestação
jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a contro-
vérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido preten-
dido pela parte. 2. Tendo a Corte de origem concluído, à luz das provas e das peculiaridades do
caso concreto acerca da conformidade do rateio de cotas e distribuição de votos em assembleia,
inviável a inversão do julgado, por força da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.”
(STJ – AgRg-Ag-REsp 168.369 – (2012/0080527-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva –
DJe 20.10.2015 – p. 2832)

2165 – Contrato de compra e venda de imóvel – resolução – culpa da construtora – devolução


de comissão de corretagem
“Agravo regimental em recurso especial. Resolução de contrato de compra e venda de imóvel por
culpa da construtora. Devolução de comissão de corretagem e taxa Sati. Dispositivos legais não
prequestionados. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Caso fortuito e força maior. Dispositivo
legal não prequestionado. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. Nos termos das Súmulas
nºs 211/STJ, 282 e 356/STF, não merece seguimento o recurso especial fundado na indicação de
ofensa ou na alegação de divergência interpretativa de dispositivos legais não prequestionados.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.539.132 – (2015/0146445-3)
– 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1198)

Comentário Editorial SÍNTESE


Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a
recurso especial, assim ementada:
“Recurso especial. Resolução de contrato de compra e venda de imóvel por culpa da construto-
ra. Devolução de comissão de corretagem e taxa Sati. Dispositivos legais não prequestionados.
Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Caso fortuito e força maior. Dispositivo legal não
prequestionado. Recurso especial a que se nega seguimento.
A agravante sustentou, em síntese, que os temas veiculados no recurso especial estão devida-
mente prequestionados, que não há necessidade de reexaminar matéria fático-probatória e que
impugnou todos os fundamentos do acórdão recorrido.
No mais, reitera os argumentos aduzidos por ocasião do recurso especial.
Pleiteou, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou, subsidiariamente, a apreciação
da questão pelo órgão colegiado.
O STJ negou provimento ao agravo regimental.
O ilustre Jurista Denis Donoso assim assevera sobre a remuneração do corretor:
‘De acordo com o art. 724 do Código Civil, “a remuneração do corretor, se não estiver fixada
em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos
locais”. É dizer, pois, que a remuneração do corretor será arbitrada conforme os usos e cos-
tumes sempre que não for fixada em lei ou não prevista no contrato, valendo relembrar que
este pode ser verbal.
Nas corretagens imobiliárias, por exemplo, a tabela do Creci fixa a remuneração em 6% (seis
por cento) sobre o valor do contrato principal, sendo este o parâmetro utilizado pela jurispru-
dência quando a fixação da verba for judicial.
Assim:
“Mediação. Comissão de corretagem. Cobrança. Fixação em 6%. Tabela Creci 2ª Região. Apli-
cabilidade. Os negócios imobiliários possuem características próprias colimando propiciar ao
mediador da transação negocial, direito ao recebimento da comissão, via de regra, estimada
em 6% conforme tabela homologada pelo Creci 2ª Região em 17.10.1996, como remunera-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 229
ção por seu trabalho.” (TJSP, Apelação sem Revisão nº 642.667-00/7, 2º TACív., Rel. Des.
Américo Angélico, J. 04.02.2003; JTA-Lex 199/487)
Nada impede, a nosso ver, que a remuneração seja combinada com base no chamado over
price, isto é, o valor que exceder o pretendido pelo vendedor. Assim, se o vendedor quer o
preço de R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela coisa e o corretor conseguir realizar sua venda
por R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), a comissão será de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais). Sendo o direito em questão disponível, basta que haja previsão expressa neste sentido
no contrato celebrado entre as partes.’ (Aspectos relevantes sobre o contrato de corretagem no
Código Civil de 2002. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 51, jan./fev. 2008)”

2166 – Contrato de financiamento – ação de revisão – juros remuneratórios – abusividade


“Agravo regimental no recurso especial. Ação de revisão de contrato de financiamento. Juros re-
muneratórios. Abusividade constatada na origem. Capitalização mensal de juros. Fundamento não
atacado. Súmula nº 283/STF. 1. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros
remuneratórios que foi estipulada pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), em consonância
com a Súmula nº 596/STF, sendo também inaplicável o disposto no art. 591, c/c o art. 406, do
Código Civil para esse fim, salvo nas hipóteses previstas em legislação específica. A redução dos
juros dependerá de comprovação da onerosidade excessiva – capaz de colocar o consumidor em
desvantagem exagerada – em cada caso concreto, tendo como parâmetro a taxa média de mercado
para as operações equivalentes (REsp 1.061.530/RS). 2. A teor da Súmula nº 283/STF, aplicada
por analogia, não se admite recurso especial quando a decisão recorrida assenta-se em mais de
um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. 3. Agravo regimental não provido.”
(STJ – AgRg-REsp 1.494.438 – (2014/0290539-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva –
DJe 20.10.2015 – p. 2910)

2167 – Contrato de financiamento imobiliário – embargos à execução e repetição de indébito –


reajuste das prestações – amortização
“Contrato de financiamento imobiliário. Embargos à execução e repetição de indébito. Reajuste
das prestações. Amortização do saldo devedor. Coisa julgada. 1. Há coisa julgada quando se re-
pete ação já julgada e da qual não caiba recurso (CPC, art. 301, § 3º). 2. Julgada a ação de revisão
contratual, transitada em julgado a sentença, não se admite que, em embargos à execução e ação
de repetição de indébito, sejam as mesmas questões levantadas, apreciadas e decididas. 3. Agravo
retido da ré provido. Prejudicadas as apelações da autora.” (TJDFT – Proc. 20070110436508 –
(901579) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Jair Soares – DJe 27.10.2015 – p. 353)

2168 – Corretagem – cobrança abusiva – imposição da construtora incorporadora – transferên­


cia de encargo ao consumidor – taxas condominiais – obrigação propter rem
“Direito do consumidor. Civil e processual civil. Apelação. Prestação de serviço de corretagem. Co-
brança abusiva. Imposição da construtora incorporadora. Transferência de encargo ao consumidor.
Taxas condominiais. Obrigação propter rem. Promessa de compra e venda do imóvel a terceiro.
Responsabilização adquirente antes da efetiva entrega das chaves. Impossibilidade. Responsabilida-
de da construtora/incorporadora. 1. A solidariedade dos fornecedores decorre do próprio sistema de
defesa do consumidor (art. 7º, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor). Independente
de ter recebido ou não algum valor referente à comissão de corretagem, o fato da incorporadora
ser a parte fornecedora da relação de consumo atrai a sua legitimidade. 2. Observação da ativida-
de desenvolvida no mercado imobiliário confirma que o comprador (consumidor), em regra, não
tem qualquer vínculo obrigacional com o corretor, pois este não foi contratado pelo adquirente
do imóvel para prestar-lhe qualquer tipo de serviço, mas sim em benefício exclusivo do vendedor
230 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
(construtora ou incorporadora) e sob suas instruções. 3. É abusiva a transferência de responsabili-
dade pelo pagamento da comissão de corretagem ao consumidor, quando não exista outra opção
de aquisição sem a intermediação e sendo tal serviço de responsabilidade da fornecedora, devida a
restituição do valor pago a título de comissão de corretagem. 4. As taxas e despesas condominiais
possuem natureza de obrigações propter rem, podendo ser exigidas do proprietário, do promissário
comprador ou do cessionário. 5. Embora reconhecida a natureza propter rem da obrigação condo-
minial, tratando-se de imóvel adquirido na planta, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do
julgamento do EREsp 489.647, já consolidou o entendimento segundo o qual a efetiva posse do
imóvel, com a entrega das chaves, define o momento a partir do qual surge para o condômino a
obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais? 6. É de responsabilidade da constru-
tora/incorporadora suportar as taxas condominiais geradas pelo imóvel antes de sua efetiva entrega.
7. Apelação desprovida.” (TJDFT – DirCons. 20150110076724 – (904141) – 6ª T.Cív. – Rel. Des.
Hector Valverde Santanna – DJe 10.11.2015 – p. 327)

2169 – Corretagem – promessa de compra e venda de imóvel – responsabilidade pelo


pagamento
“Direito civil. Comissão de corretagem. Promessa de compra e venda de imóvel. Responsabilidade
pelo pagamento. Promitente vendedor. 1. Na forma do art. 46 da Lei nº 9.099/1995, a ementa
serve de acórdão. Recurso próprio, regular e tempestivo. 2. Comissão de corretagem. Pagamento
indevido. No julgamento do Incidente UNJ 2014071017302-9, na Turma de Uniformização de
Jurisprudência dos Juizados Especiais do Distrito Federal restou decidido que ‘na promessa e na
compra e venda de imóveis na planta, só vincula o consumidor à obrigação de pagar a comissão
de corretagem o ato negocial concernente à manifestação de que estabeleça com clareza ou que
contempla no preço o encargo’. O documento de fl. 27 não informa com clareza sobre a obriga-
ção do promitente comprador de arcar com a comissão de corretagem. Devida, pois, a repetição.
3. Repetição em dobro. Relação de consumo. Nas relações de consumo a repetição do indébito em
dobro é cabível ante a simples ausência de engano justificável (art. 42, parágrafo único, Cf. REsp
1099680/SP, Recurso Especial nº 2008/0227635-7, Rel. Min. Mauro Campbell Marques). Ademais,
os documentos dos autos revelam uma sistemática atuação da parte ré na transferência, ao con-
sumidor, de despesas operacionais de sua atividade, buscando, com isso, falsear os valores reais,
o que revela a má-fé. Em face do art. 42, parágrafo único do CDC, cabível a repetição em dobro.
4. Recurso conhecido e não provido. O recorrente arcará com as custas processuais e com os
honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.” (TJDFT –
Proc. 20140111333018 – (905387) – 2ª T.R.J.E. Distrito Federal – Rel. Juiz Aiston Henrique de
Sousa – DJe 13.11.2015 – p. 310)

2170 – Dano moral – atraso na entrega de imóvel – prescrição – aplicação do art. 27 do CDC –
valor razoável – modificação
“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Atraso na entrega de imóvel. 1. Prescrição. Apli-
cação do art. 27 do CDC. Revisão das conclusões alcançadas na origem. Impossibilidade. Súmula
nº 7 do STJ. 2. Dano moral. Valor razoável. Modificação. Necessidade de reexame de fatos e provas.
3. Lucros cessantes. Presunção de prejuízo. Precedentes. Súmula nº 83 do STJ. 4. Agravo improvido.
1. O Tribunal estadual, ao interpretar as cláusulas contratuais e analisar o conjunto fático-probatório
constante dos autos, entendeu haver relação de consumo entre as partes. Sendo assim, aplica-se
à cobrança indevida o prazo prescricional quinquenal, nos termos do art. 27 do Código de Defe-
sa do Consumidor. Rever tal entendimento importa em análise do contrato e o revolvimento do
acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pelos Enunciados nºs 5 e 7 da Súmula desta
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 231
Corte Superior. Precedentes. 2. No tocante ao valor da indenização fixada a título de danos morais,
a análise dos precedentes desta Casa revela que o montante arbitrado na origem – R$ 8.000,00
(oito mil reais) – não se distancia dos padrões de razoabilidade. Incidência do Enunciado nº 7/STJ.
3. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a presunção da existência dos lucros
cessantes decorre da impossibilidade de uso e locação do bem, em razão do atraso na sua entrega,
circunstância essa que denotaria presunção relativa do prejuízo do promitente-comprador, cabendo
ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é
imputável. Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp
748.501 – (2015/0178559-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1131)

Comentário Editorial SÍNTESE


Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática, de minha lavra, que
negou seguimento ao agravo em recurso especial.
Em suas razões, esclarece a agravante que “resta manifestamente caracterizada a divergência
jurisprudencial, uma vez que, enquanto o acórdão recorrido expressamente aplica o prazo do
CDC quanto à matéria e devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem, o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no acórdão utilizado como paradigma,
afasta qualquer tentativa de aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando o assunto
é a devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem”.
No tocante à compensação extrapatrimonial, afirma não envolver o tema o “reexame de pro-
vas, eis que o valor arbitrado pelo aresto recorrido, a título de indenização por danos morais,
em muito destoa de condenações impostas em casos similares, que atingem patamares bas-
tante inferiores àquela conferida no caso em tela, ou seja, há manifesta desproporção”.
Por fim, reverbera que “a indenização pretendida pelo recorrido a título de lucros cessantes, em
função de um dano hipotético, não possui qualquer fundamento, razão pela qual torna-se evi-
dente que a manutenção da decisão recorrida viola expressamente os arts. 402 e 944 do CC”.
Diante disso, busca a reconsideração da decisão ou, caso assim não se entenda, a remessa
do recurso à Terceira Turma desta Casa a fim de que seja determinado o processamento do
especial.
O STJ negou provimento ao agravo regimental.
Oportuno colacionar trecho do voto do relator:
“Por fim, afirma a agravante que na hipótese de atraso na entrega do imóvel objeto da contra-
tação os lucros cessantes não podem ser presumidos.
Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte já pacificou o entendimento de que a presunção
da existência dos lucros cessantes decorre da impossibilidade de uso e locação do bem, em
razão do atraso na sua entrega, circunstância essa que denotaria presunção relativa do pre-
juízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar,
fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. Portanto, uma vez que o acórdão
recorrido seguiu o entendimento acima referido, aplica-se, no particular, o óbice previsto na
Súmula nº 83/STJ.”
O ilustre Jurista José Carlos Arouca assim disciplina sobre o dano moral:
“Dano moral, como conceituado por Pinho Pedreira, é todo e qualquer dano extrapatrimonial,
afastando ‘as definições que o identificam com os sofrimentos que pode experimentar uma
pessoa e que se expressam por meio da dor física ou moral, do menoscabo de sentimentos, da
pena moral, das inquietações, dos padecimentos não suscetíveis de apreciação econômica’.
Não há, também, como vinculá-lo a direitos personalíssimos.
O dano moral, no ensinamento de Carlos Alberto Bittar, qualifica-se ‘em razão da esfera da
subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,
havendo-se, portanto, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da persona-
lidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da
pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração pessoal)’.
O dano moral deriva do simples fato da violação, tornando-se, pois, desnecessária a prova
do reflexo. A indenização, por conseguinte, será fixada mediante arbitramento, na forma do
art. 606, II, do CPC.
232 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
A reparação, seguindo-se a teorização de Bittar, deve levar em conta a situação da vítima, a
posição do lesante, seu patrimônio, a gravidade do fato, seus reflexos. Mas, além disso, deve
ter efeito inibitório de repetição de práticas semelhantes.
[...]
Não foi fácil determinar parâmetros para a aferição do dano e sua valoração. Num primeiro
momento, lembra Beatriz Della Giustina, a falta de meios, mas principalmente de precedentes
e um pouco de coragem para avançar, apelou-se para o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965),
servindo-se mesmo de dispositivos legais do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações
(Lei nº 4.117/1962), arts. 81 a 88, que enumera as formas delituosas que podem produzir o
dano moral (arts. 289 e ss.), com o objetivo de assegurar sua reparação quando ocasionados
por propaganda eleitora injuriosa ou deletéria (art. 243, §§ 1º e 2º), para a Lei de Imprensa,
nº 5.250/1967, que, regulando a liberdade de manifestação do pensamento e de informações,
dispõe no art. 49, I: ‘Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e
de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar: I – os danos morais e materiais nos casos previstos no art. 16, II e IV, no art. 18 e
de calúnia, difamação ou injúria’. Estabelece, ainda, nos arts. 53 e 54, clara distinção entre
indenização por dano moral e indenização por dano material. O art. 53, I a III, por sinal, dispõe
como deverá o Magistrado proceder no arbitramento do quantum indenizatório.
Na vigência do Código Civil de 1916, acenava-se ao art. 1.533 para o arbitramento da in-
denização, ‘de maneira equitativa, prudente, não abusiva, atentando para a capacidade de
pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir
a prática de outras situações semelhantes’. Na opinião de Sérgio Pinto Martins, ‘uma forma
de pagamento, completa, seria a aplicação analógica da indenização dos arts. 477 e 478
da CLT, do pagamento de um salário por cada ano de serviço trabalhado pelo empregado,
considerando-se ano o período igual ou superior a seis meses’, lembrando a regra do art. 948
do antigo Código Civil, o qual explicita que ‘nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor
mais favorável ao lesado’. Refere-se, mais, à decisão do TRT da 8ª Região, sendo Relator o
Juiz José Maria Quadros de Alencar, que condenou o infrator ao pagamento de um piso e meio
da convenção coletiva, pelo período em que ficou desempregado. E, dentre outras hipóteses,
o fornecimento de carta de referência, publicação de nota na imprensa local dando conta do
rompimento do contrato de trabalho sem que para tanto tivesse contribuído o empregado.
O Código Civil vigente, no art. 946, remete à Lei processual a fixação do valor das perdas e
danos, se a obrigação for indeterminada. A indenização, todavia, na forma do art. 944, ‘mede-
-se pela extensão do dano’.
O art. 1.533 do diploma anterior foi substituído pelo art. 946: ‘Se a obrigação for indetermina-
da, e não houver na Lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadim-
plente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a Lei processual determinar’.
Para Orlando Teixeira da Costa, ‘na fixação do valor, o julgador, normalmente, subordina-se a
alguns parâmetros procedimentais, considerando a extensão espiritual do dano, a imagem do
lesado e a do que lesou, a intenção do autor do ato danoso, como meio de ponderar o mais
objetivamente possível direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem da pessoa’.
De nossa parte, lembramos Graciliano Ramos, que, sem pensar no tema, mas em função
dos males causados pelo homem, distinguia o capitalista abastado e o proletário sem nada;
o intelectual com grande capacidade de discernimento e o inculto, com formação rudimentar.
A reparação do dano deve ter presente o perfil do ofendido e do ofensor, isto é, do empregado
e do empregador, e, na hipótese colocada, no poderio econômico da empresa, no seu porte,
a gravidade do ato ofensivo, a profundidade do dano causado e sua repercussão, interna, no
âmbito da empresa, e externa, no meio em que se situa o trabalhador, familiar e social.” (Dano
moral. Disponível em: online.sintese.com)

2171 – Defesa do consumidor – atraso entrega imóvel – mora – cláusula de tolerância em dias
úteis – invalidade – responsabilidade da construtora – termo inicial
“Apelação cível. Consumidor. Atraso entrega imóvel. Mora. Cláusula de tolerância em dias úteis.
Invalidade. Interpretação das cláusulas contratuais. Força maior. Inexistência. Mora. Responsabili-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 233
dade da construtora. Termo inicial. Lucros cessantes. Termo final. Vistoria insatisfatória. Ausência
de habitabilidade. Recebimento das chaves pelo promitente. Comprador. Cláusula moratória em
favor do consumidor. Cumulação com lucros cessantes. Possibilidade. Natureza jurídica distinta.
Previsão contratual. Danos morais. Descumprimento contratual. Mero aborrecimento. Sentença
parcialmente reformada. 1. Este c. Tribunal tem reiteradamente proclamado a validade da cláusula
de tolerância, declarando, contudo, a abusividade da fixação do prazo em dias úteis, determinando
o seu cômputo em dias corridos. Precedentes. 2. Os entraves administrativos que atrasam o regular
andamento das atividades de construção civil não constituem eventos revestidos de imprevisibili-
dade, de modo que não se erigem à condição de casos fortuitos ou de força maior aptos a elidirem
a responsabilidade civil da incorporadora pela falta de entrega das unidades no prazo avençado.
3. O atraso injustificado na entrega do imóvel origina a presunção de lucros cessantes suportados
pelo promitente-comprador, pois o inadimplemento retira deste a possibilidade de explorar econo-
micamente o imóvel adquirido. 4. São devidos lucros cessantes em razão do atraso na entrega do
imóvel, pois o consumidor, sem poder usufruir o bem no período em que faria jus, não pode alugá-
-lo nem mesmo nele residir. 5. Os lucros cessantes correspondem à quantia que razoavelmente
o Autor deixou de auferir, no caso, os aluguéis correspondentes, a ser liquidado oportunamente.
6. Havendo previsão contratual de pagamento de multa e, ainda, caracterizada a mora, deve esta
ser paga nos termos pactuados. 7. Sendo certo que se está diante de cláusula penal moratória, é
possível sua cumulação com a indenização por lucros cessantes, sem configurar bis in idem, eis
que tais institutos possuem naturezas distintas. A responsabilidade pelos lucros cessantes surge ex
lege e possui natureza reparatória; ao passo que a obrigação de pagar a referida multa, decorre de
previsão contratual, possui caráter meramente moratório e não visa à substituição ou à compen-
sação do inadimplemento, mas sim à coerção do contratante que incorreu em mora. 8. O mero
inadimplemento contratual não gera danos morais à parte lesada, pois não tem o condão de violar,
por si só, seus direitos da personalidade. 9. Recurso da ré conhecido e desprovido. Recurso do autor
conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – AC 20140111373544 – (902019) – 2ª T.Cív. – Rel.
Des. J. J. Costa Carvalho – DJe 27.10.2015 – p. 243)

2172 – Defesa do consumidor – incorporação imobiliária – atraso na entrega de imóvel – lucros


cessantes – valor de locação do imóvel – apuração

“Direito do consumidor. Incorporação imobiliária. Atraso na entrega de imóvel. Lucros cessantes.


Valor de locação do imóvel. Apuração. Liquidação de sentença. Termo final. Atualização do saldo
devedor durante o atraso. Despesas do imóvel após a conclusão da obra. I – O atraso na entrega
do imóvel priva o promitente comprador dos frutos civis decorrentes do seu uso ou gozo. E, como
toda e qualquer utilização ou fruição dos bens pode ser expressada monetariamente mediante o
parâmetro locativo, esse é o referencial para a condenação da promissária vendedora ao pagamento
dos lucros cessantes. II – À falta de consistência probatória quanto ao valor dos lucros cessantes,
deve ser remetida para a fase liquidatória a apuração do quantum debeatur. III – Os lucros cessantes
devem ter como termo final a data em que a incorporadora conclui o empreendimento e promove
a averbação do habite-se e do cancelamento da hipoteca, removendo assim os obstáculos à obten-
ção do financiamento para a quitação do saldo devedor. IV – O atraso da entrega do imóvel não
pode ser utilizado como fundamento para o ‘congelamento’ do saldo devedor, dada a neutralidade
jurídica e econômica da correção monetária. V – Concluído o empreendimento e instalado o con-
domínio, as taxas condominiais não podem ser imputadas à incorporadora, salvo ação ou omissão
que tenha provocado a demora na imissão do adquirente na posse do imóvel. VI – Recursos conhe-
cidos e desprovidos.” (TJDFT – DirCons. 20120710126719 – (901169) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. James
Eduardo Oliveira – DJe 27.10.2015 – p. 284)
234 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
2173 – Desapropriação direta – conexão – falta de prequestionamento – Súmula nº 282/STF –
interrupção da cadeia dominial
“Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Desapropriação direta. Art. 535
do CPC não violado. Conexão. Falta de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Interrupção da
cadeia dominial. Novo exame fático-probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Decisão agra-
vada mantida. Improvimento. 1. O Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões
que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos, não
se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou
ausência de prestação jurisdicional. 2. As matérias pertinentes aos arts. 102, 103, 105, 399 do CPC
e 18 da LC 76/1993 não foram apreciadas pela instância judicante de origem, tampouco foram
opostos, no ponto, embargos declaratórios para suprir eventual omissão. Portanto, ante a falta do
necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula nº 282/STF. 3. A alteração das conclusões
adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria,
necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada
em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental a que
se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 149.887 – (2012/0058649-1) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio
Kukina – DJe 07.10.2015 – p. 915)

2174 – Desapropriação – imissão na posse – suspensão


“Processo civil. Administrativo. Desapropriação. Imissão na posse. Suspensão. Decisão mantida.
Agravo desprovido. 1. Não se apresentando como incontroversa a improdutividade do imóvel ex-
propriando, é de se ter por juridicamente possível a suspensão da imissão na posse pela autarquia
federal expropriante, de modo a se evitar a constituição de uma situação irreversível que pode-
ria ocorrer, no caso do reconhecimento de sua produtividade em momento posterior à imissão
na posse. 2. Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal Regional Federal. 3. Decisão reformada.
4. Agravo de instrumento provido.” (TRF 1ª R. – AI 0046712-63.2012.4.01.0000 – Relª Juíza Fed.
Conv. Rosimayre Gonçalves de Carvalho – DJe 06.11.2015 – p. 60)

2175 – Desapropriação indireta – implantação de rodovia estadual – proprietários após o desa­


possamento – ilegitimidade ativa
“Desapropriação indireta. Implantação de rodovia estadual. SCT-283. Deinfra. Ilegitimidade ativa
dos autores. Proprietários que adquiriram o imóvel após o desapossamento. Precedentes. Extinção
do feito sem resolução de mérito. Art. 267 do Código de Processo Civil. Proibição do enriquecimen-
to ilícito. Recurso desprovido. Esta 3ª Câmara de Direito Público tem entendimento firmado no sen-
tido de que, adquirido o imóvel pelo autor após o apossamento administrativo, falta-lhe a necessária
legitimidade para ajuizar a ação de desapropriação indireta (Apelação Cível nº 2013.069004-3, de
Ipumirim, Rel. Des. Stanley da Silva Braga).” (TJSC – AC 2014.082278-4 – Rel. Des. Pedro Manoel
Abreu – DJe 06.08.2015)

Comentário Editorial SÍNTESE


A apelação em tela é oriunda de ação de indenização por apossamento administrativo – de-
sapropriação indireta ajuizada contra o Departamento Estadual de Infraestrutura – Deinfra.
Os autores almejavam o pagamento de indenização diante da ocupação, pelo Deinfra, de
parte da sua propriedade, destinada à implantação da Rodovia Estadual SCT-283. Sobreveio
sentença reconhecendo a ilegitimidade dos autores, já que a aquisição da propriedade ocorreu
após a ocupação do imóvel pelo ente público.
Inconformado, interpuseram apelação alegando que quando da aquisição do imóvel inexistiu
qualquer negociação entre os particulares quanto à área expropriada e que todos os direitos
e obrigações relacionados à propriedade lhes foram transmitidos. Salientaram que como ad-
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 235
quirentes do imóvel se sub-rogam em todos os direitos do antigo proprietário, inclusive o seu
direito à indenização.
Na análise recursal, a 3ª Câmara de Direito Público do TJSC entendeu que, como ficou evi-
dente que os apelantes adquiriram o imóvel desapossado após a realização da obra da rodovia
que o atravessa, inexiste legitimidade para figurar no polo ativo da demanda, pois somente o
antigo proprietário sofreu com o ato ilícito da Administração, cabendo-lhe a este a faculdade
de exercer sua pretensão.
Em seu voto, o Relator assim se manifestou:
“[...] Sabe-se que a legitimidade das partes é uma das condições da ação, verificando-se que,
em verdade, os autores da presente demanda não possuem legitimidade para figurar no polo
ativo da demanda. Nesse sentido, em processo originário da comarca de Ipumirim decidiu esta
Câmara de Direito Público:
APELAÇÃO CÍVEL, AGRAVO RETIDO E REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO
POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – ILEGITIMIDADE ATIVA – MATÉRIA DE ORDEM PÚ-
BLICA CONHECIMENTO DE OFÍCIO – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE SEU
MÉRITO – ART. 267, § 3º, DO CPC – AQUISIÇÃO POSTERIOR AO DESAPOSSAMENTO – NA-
TUREZA JURÍDICA DA AÇÃO – IRRELEVÂNCIA – PROIBIÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
– REMESSA OFICIAL CONHECIDA – RECURSOS VOLUNTÁRIOS NÃO CONHECIDOS, POR-
QUANTO PREJUDICADOS – ‘[...] Na remota hipótese de os autores terem pago efetivamente
o valor integral do imóvel, ou seja, sem cogitar a perda de parte do terreno à Administração, o
que seria extraordinário, é razoável exigir que aquele que assumiu onerosidade alheia consiga
demonstrar a sub-rogação do respectivo direito ao ressarcimento, nem que seja por contrato
particular ou prova testemunhal, o que não ocorre nos autos, sequer em início de prova,
sendo oportuna a lição de Nicola Framarino dei Malatesta, segundo o qual “se o ordinário se
presume, o extraordinário se prova” (A lógica das provas em matéria criminal, LZN, 2003,
p. 132). Ainda que se leve em conta a natureza jurídica da ação de desapropriação indireta,
cuja doutrina e a jurisprudência não vacilam em afirmar, com razão, ser de direito real, tal fato
não garante, por si só, a indenização dos atuais proprietários do bem expropriado. Caso se
extraia dos autos que os proprietários não sofreram mal algum com a expropriação indevida
da Administração, independentemente da natureza jurídica da actio, a pretensão indenizatória
encontra óbice no princípio jurídico segundo o qual é vedado o enriquecimento ilícito, visto
que somente que sofreu o dano tem o direito de ser reparado, consoante interpretação do
art. 927 do Código Civil’ (TJSC, Apelação Cível nº 2014.007509-3, de Coronel Freitas, Rel. Des.
Carlos Adilson Silva, J. 01.04.2014). (TJSC, Apelação Cível nº 2013.069004-3, de
Ipumirim, Rel. Des. Tanley da Silva Braga, J. 03.06.2014)
Do referido voto extrai-se:
Esta 3ª Câmara de Direito Público tem entendimento firmado no sentido de que, adquirido o
imóvel, pelo autor, após o apossamento administrativo, falta-lhe a necessária legitimidade para
ajuizar a ação de desapropriação indireta, conforme os arestos a seguir transcritos:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – EXPRO-
PRIAÇÃO DO IMÓVEL – OBRA DE CONSTRUÇÃO E PAVIMENTAÇÃO DA RODOVIA SC-480
(TRECHO SÃO LOURENÇO DO OESTE – GALVÃO) – AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓ-
VEL EM MOMENTO POSTERIOR AO DESAPOSSAMENTO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO COM-
PROVADO A SER INDENIZADO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO – ‘É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hi-
pótese em que a aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos
atos normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis [...]’ (EREsp
209297/SP, Min. Luiz Fux). (Apelação Cível nº 2013.009868-9, de São Lourenço do Oeste,
Rel. Des. Carlos Adilson Silva, J. 25.03.2014)
Mais:
PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – AQUISIÇÃO DA PRO-
PRIEDADE POSTERIORMENTE À IMPLEMENTAÇÃO DA RODOVIA – SUB-ROGAÇÃO QUE
NÃO OCORRE DE FORMA AUTOMÁTICA – INDENIZAÇÃO INDEVIDA – 1. A indenização
prevista no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, só é devida ao proprietário que à épo-
ca do esbulho foi afetado em sua esfera jurídica pela construção de rodovia estadual ou ao
adquirente que expressamente tenha se sub-rogado nos direitos daquele. 2. Para sustentar
o pedido indenizatório incumbe ao adquirente e atual proprietário demonstrar, por meio da
declaração do proprietário anterior, que este não recebeu a respectiva indenização à época do
236 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
esbulho e expressamente cedeu àquele o direito de recebê-la. A não ser assim, o adquirente
estaria se locupletando de valores que deveriam ser destinados ao antigo proprietário com a
finalidade de cobrir os prejuízos que teve com a afetação de seu imóvel. (TJSC, Apelação Cível
nº 2013.068119-2, de Modelo, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, J. 10.12.2013).[...]”

2176 – Despejo – omissão – ausência – prequestionamento – ausência


“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de despejo. Omissão. Au-
sência. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça. 1. A Corte de
origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e ade-
quado, apenas não adotando a tese vertida pelo Agravante. Inexistência de omissão. 2. A ausência
de enfrentamento da questão objeto da controvérsia pelo Tribunal a quo, não obstante a oposição
de embargos de declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o
requisito constitucional do prequestionamento, nos termos da Súmula nº 211/STJ. 3. Agravo regi-
mental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 390.738 – (2013/0294179-4) – 4ª T. – Relª
Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 27.10.2015 – p. 880)

2177 – Locação de imóvel comercial – ação de despejo e cobrança de aluguéis – ausência de


interesse e de comprovação de quitação tempestiva
“Civil e processual civil. Apelação. Contrato de locação de imóvel comercial. Ação de despejo e
cobrança de aluguéis. Preliminares de não conhecimento do recurso por falta de fundamentação.
Ilegitimidade passiva. Ausência de interesse. Rejeição. Mérito. Ausência de comprovação de quita-
ção tempestiva dos encargos locatícios. Sentença mantida. 1. Apelação contra sentença proferida
em ação de despejo cumulada com cobrança de encargos locatícios. 2. Deve ser rejeitada a prelimi-
nar, suscitada em contrarrazões, de não conhecimento do recurso, por ausência de fundamentação,
quando a parte ataca os argumentos da sentença. 3. Segundo a teoria da asserção, as condições da
ação devem ser aferidas à luz das afirmações contidas na inicial. 3.1 Sob esse prisma, o demandado
é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, porque é apontado pelo autor como sen-
do quem celebrou contrato de locação e não pagou, em tempo, os aluguéis. Além disso, é ele quem
sofrerá os efeitos da condenação. 3.2 O autor possui interesse em pleitear a rescisão contratual, o
despejo do réu e o recebimento dos encargos locatícios, quando alega que o demandado não pagou
o que era devido. Eventual pagamento, caso comprovado pelo locatário, ocasiona a improcedência
do pedido, mas não a ausência de interesse. 4. Mostra-se correta a sentença que rescindiu o con-
trato de locação e determinou o despejo do réu e ainda o condenou a pagar os aluguéis vencidos e
vincendos, acrescidos das penalidades contratuais, porque o locatário não quitou, tempestivamen-
te, os encargos que eram devidos e, embora intimado a purgar a mora, por duas vezes, no transcurso
do processo, manteve-se inerte, dando causa, assim, à ruptura contratual. 5. Preliminares rejeitadas.
Recurso improvido.” (TJDFT – PC 20120111977070 – (901390) – 2ª T.Cív. – Rel. Des. João Egmont
– DJe 27.10.2015 – p. 234)

2178 – Penhora sobre o faturamento – Substituição da constrição por bem imóvel – Satisfação
do débito
“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Autos de agravo de instrumento. Penhora sobre o
faturamento. Substituição da constrição por bem imóvel suficiente à satisfação do débito. Súmula
nº 7/STJ. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo. Irresignação da agravante. 1. O
entendimento firmado na Corte a quo acerca da possibilidade de substituição da penhora, de modo
a se realizar a execução pelo meio menos oneroso ao devedor, ensejaria o reexame do acervo
fático-probatório dos autos, providência esta que atrai o óbice da Súmula nº 7/STJ. Incidência da
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 237
Súmula nº 83/STJ. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 285.538 –
(2013/0011975-9) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 26.10.2015 – p. 1183)

2179 – Promessa de compra e venda – adquirentes e possuidores de apartamento – litígio entre


os proprietários do terreno e a construtora
“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Embargos de terceiro. Adquirentes e possuidores
de apartamento. Litígio entre os proprietários do terreno e a construtora que com eles havia cele-
brado contrato de promessa de compra e venda. Inaplicabilidade da disciplina do art. 42 do CPC.
Momento da aquisição do apartamento pelos terceiros. Ausência desse dado fático no acórdão lo-
cal. Questão relativa aos requisitos para a prestação de tutela possessória. Inviabilidade em recurso
especial. Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. Agravo regimental improvido. 1. Nas hipóteses em que
o acórdão local não esclarece o momento da aquisição da coisa, é impossível discutir, em recurso
especial, a aplicabilidade do art. 42, § 3º, do CPC ao caso, porque isso exigiria o revolvimento de
aspectos fáticos, vedado pela Súmula nº 7 do STJ. 2. A verificação da presença, no caso concreto,
dos requisitos para a outorga da tutela jurisdicional possessória requer a reapreciação de aspectos
fáticos, por meio do revolvimento das provas, impossível em recurso especial (Súmula nº 7 do STJ).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 756.478 – (2015/0187946-
9) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 03.11.2015 – p. 902)

2180 – Promessa de compra e venda – arras confirmatórias – devolução – impossibilidade


“Processual civil. Civil e consumidor. Promessa de compra e venda. Arras confirmatórias. Devolu-
ção. Impossibilidade. Exceção do contrato não cumprido. Inexecução contratual. Boa-fé objetiva.
Dano moral indevido. Sentença mantida. 1. Nos termos do art. 418, do CC, para a devolução do
pagamento do sinal, pelo dobro do valor, é necessário o recebimento do valor das arras confir-
matórias pela outra parte contratante, comprovando-se, ainda, a sua desistência do ajuste. 2. Em
atenção à boa-fé objetiva, e nos termos do art. 476, do CC, não é possível reclamar o cumprimento
da contraparte no ajuste, sem antes pagar o que é devido pela própria parte. 3. Recurso não provi-
do. Sentença mantida.” (TJDFT – PC 20150110166763 – (905062) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. Arnoldo
Camanho de Assis – DJe 13.11.2015 – p. 236)

2181 – Promessa de compra e venda de imóvel adquirido na planta – ação declaratória de nuli­
dade – dano moral – atraso na entrega de imóvel
“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Promessa de compra e venda de imóvel adqui-
rido na planta. Ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais cumulada com indenização
por dano moral. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Atraso na entrega de imóvel. Dano
moral in re ipsa. Responsabilidade objetiva. Nexo causal não afastado. Revisão do valor arbitrado.
Impossibilidade. Reexame de prova. Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido. 1. O acórdão
recorrido está devidamente fundamentado e não contém omissão, obscuridade ou contradição,
uma vez que foi dirimida a questão pertinente ao litígio, não se revelando os embargos de declara-
ção como a via adequada à revisão do julgado, em manifesta pretensão infringente. 2. Na espécie,
alterar as conclusões do acórdão recorrido, no sentido de verificar a inexistência de falha na pres-
tação do serviço e a ausência de nexo causal, demandaria reexame de fatos e provas providência
vedada na instância especial, conforme dispõem o Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 3. A pre-
tensão de reforma do acórdão quanto ao valor indenizatório encontra óbice no Enunciado nº 7/STJ,
porquanto o Tribunal de origem decidiu as questões em atenção às peculiaridades fáticas dos autos.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 715.293 – (2015/0113385-8)
– 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 12.11.2015 – p. 1295)
238 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO
2182 – Promessa de compra e venda de imóvel – atraso na entrega pela construtora – cláusula
penal moratória – possibilidade de cumulação
“Agravo regimental no recurso especial. Promessa de compra e venda de imóvel. Atraso na entrega
pela construtora. Cláusula penal moratória. Possibilidade de cumulação com lucros cessantes. Juris-
prudência consolidada no STJ. Decisão mantida por seus próprios fundamentos. Agravo desprovido.
1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ocorrendo atraso na entrega do
imóvel pela construtora, é perfeitamente possível cumular a cláusula penal decorrente da mora
com indenização por lucros cessantes pela não fruição do imóvel, pois aquela tem natureza mora-
tória, enquanto esta compensatória, razão pela qual não há que se falar em bis in idem. 2. Agravo
regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.544.333 – (2015/0177574-9) – 3ª T. – Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze – DJe 13.11.2015 – p. 1177)

2183 – Promessa de compra e venda de imóvel – resolução – denúncia pelo compromissário


comprador – insuportabilidade no pagamento das prestações – possibilidade – devolu­
ção parcial dos valores pagos – taxa de ocupação
“Direito civil. Recurso especial. Promessa de compra e venda de imóvel. Resolução. Denúncia pelo
compromissário comprador em face da insuportabilidade no pagamento das prestações. Possibili-
dade. Devolução parcial dos valores pagos. Taxa de ocupação devida por todo o período de posse
sobre o imóvel. Entendimento adotado para evitar o enriquecimento sem causa do comprador. Juros
moratórios. Termo inicial. Data do trânsito em julgado. Recurso especial provido. 1. O entendimen-
to firmado no âmbito da Segunda Seção é no sentido de ser possível a resolução do compromisso
de compra e venda, por parte do promissário comprador, quando se lhe afigurar economicamente
insuportável o adimplemento contratual. 2. Ocorrendo a resolução do compromisso por culpa do
promissário comprador, este deverá ser ressarcido parcialmente sobre o valor pago. 3. No caso em
julgamento, considerando suas peculiaridades, a taxa de ocupação deve incidir desde o início da
permanência no imóvel até sua efetiva devolução, tendo em vista a necessidade de não gerar enri-
quecimento sem causa por parte do promissário comprador. 4. Na hipótese de resolução contratual
do compromisso de compra e venda por desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos
autores, a restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada, os
juros moratórios serão computados a partir do trânsito em julgado da decisão. 5. Recurso especial
provido.” (STJ – REsp 1.211.323 – (2010/0162820-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe
20.10.2015 – p. 3033)

2184 – Registro imobiliário – fraude na lavratura da escritura pública – promessa de compra e


venda de imóvel – acordo homologado
“Agravo regimental nos embargos de declaração no agravo de instrumento. Ação declaratória de ine-
xistência de relação jurídica, cumulada com cancelamento de registro imobiliário em razão de frau-
de na lavratura da escritura pública de promessa de compra e venda de imóvel julgada procedente
com posterior acordo homologado nos autos. Reforma da decisão homologatória de transação com
determinação de normal tramitação do feito em razão de constatação de nulidade. Decisão mono-
crática que não conheceu do reclamo ante a incidência do óbice da Súmula nº 182/STJ. Insurgência
dos réus. 1. Razões do regimental que não impugnam os fundamentos invocados na deliberação
monocrática. Em razão do princípio da dialeticidade, deve o agravante demonstrar de modo funda-
mentado o desacerto da decisão agravada. Incidência da Súmula nº 182/STJ: ‘É inviável o agravo do
art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’. 2. Agra-
vo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-EDcl-ARE-RE-EDcl-AgRg-EDcl-EDcl-EDcl-AI 1.292.542
– (2010/0057478-1) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 23.10.2015 – p. 1283)
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO................................................................................................................... 239
2185 – SFH – ação revisional – admissibilidade – negativa de prestação jurisdicional
“Agravo regimental no recurso especial. Sistema financeiro de habitação. Ação revisional. Admissi-
bilidade. Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência. Prequestionamen-
to. Ausência. Súmula nº 211/STJ. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal
de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do
direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. Ausente
o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivos apontados como violados
no recurso especial, incide o disposto na Súmula nº 211/STJ. 3. Agravo regimental não provido.”
(STJ – AgRg-REsp 1.545.641 – (2015/0183695-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva –
DJe 27.10.2015 – p. 871)
Clipping Jurídico
Comissão da Desburocratização avalia proposta de registro eletrônico de imóveis
A comissão de juristas que irá propor medidas para a desburocratização do País discutiu
proposta do Governo Federal de criação do Sistema Nacional de Gestão de Informações
Territoriais (Sinter). O Sinter foi apresentado à comissão pelo subsecretário de Arrecada-
ção e Atendimento da Receita Federal, Carlos Roberto Occaso. O objetivo é formar uma
base de dados dos imóveis rurais e urbanos do País. O sistema, além de informações de
registro, repassadas por cartórios, contará também com dados fiscais, cadastrais e georre-
ferenciais, contribuindo para agilizar o acesso de órgãos públicos, sobretudo da Receita
Federal e do Judiciário, a informações sobre imóveis. De acordo com Carlos Occaso,
os cadastros de imóveis rurais e urbanos são totalmente separados no Brasil, sendo que
somente a União tem mais de 20 bases de dados sobre imóveis rurais que não se comu-
nicam entre si. Segundo ele, alguns dos principais problemas que resultam desse modelo
fragmentado de registro de imóveis são a falta de segurança jurídica na regularização
fundiária, o impedimento ao combate eficiente à corrupção e à lavagem de dinheiro,
e dificuldades na cobrança de créditos tributários por parte da Receita Federal. Após a
apresentação do sistema Sinter, o presidente da Comissão da Desburocratização, Mi-
nistro Mauro Campbell Marques, elogiou a iniciativa do Governo Federal considerando
que sua implementação contribuirá para o aprimoramento da gestão territorial do País.
O Professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo (USP) Otávio Rodrigues, re-
presentando o relator da comissão, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli,
falou sobre a proposta de uma lei sobre desburocratização que está sendo desenvolvida
pelo grupo temático de que faz parte. Segundo ele, entre as inovações que deverão con-
tar na minuta desta lei estão, entre outras, a exigência de título de eleitor somente em
algumas situações específicas, como, por exemplo, no momento de votação; a aceitação
de carteira de identidade com mais de dez anos; a proibição de retenção de documentos;
o fim da exigência de comparecimento a cartório para transferência de veículo automo-
tor, entre outras. (Conteúdo extraído do site do Senado Federal)

Negado à Infraero o direito à imissão na posse de imóvel a ser desapropriado por


interesse público
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou à Empresa Bra-
sileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) o direito à imissão na posse de imóvel a
ser desapropriado por interesse público sem que seja atualizado o valor depositado para
fins de indenização. A área a ser desapropriada é o lote 5 da quadra E da Chácara Vista
Alegre, declarado de utilidade pública para o fim de ampliação do Aeroporto Interna-
cional de Viracopos. Os expropriantes, a Infraero, a União e o Município de Campinas
requereram a imissão na posse do terreno, nos termo do art. 15, § 1º, do Decreto-Lei
nº 3.365/1941, independentemente de citação e oitiva dos expropriados, tendo ofere-
cido, a título de depósito, o valor de R$ 78.226,00, apurado em laudo elaborado pela
empresa federal em agosto de 2011. Em primeiro grau, o pedido foi negado pelo fato de
o valor ofertado estar desatualizado. A Infraero interpôs recurso de agravo de instrumen-
to. Ao analisar o recurso, o órgão julgador em 2º grau assinala que o art. 5º, XXIV, da
Constituição Federal garante que a desapropriação por necessidade ou utilidade pública
se dará mediante justa e prévia indenização em dinheiro, com ressalva dos casos ali
previstos. Diz a Turma que é certo que o depósito inicial corresponde a uma estimativa
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – CLIPPING JURÍDICO................................................................................................................................ 241
do valor do bem desapropriado, e não ao seu valor definitivo, podendo ser modificado
no curso da ação de desapropriação, que, aí sim, respeitará a garantia de prévia e justa
indenização. O colegiado observa que, conforme a norma prevista no art. 15 do Decre-
to-Lei nº 3.365/1941, se o expropriante pretende a imissão na posse do imóvel sem a
obrigação de avaliação prévia judicial, deverá depositar o valor atualizado da avaliação,
conforme determinado pelo juízo de primeiro grau. Não é permitido, ao expropriante,
depositar valor de acordo com sua própria vontade, especialmente quando se trata de
valor apurado unilateralmente em agosto de 2011. Há precedentes nesse sentido. Assim,
ficou mantida a decisão de primeiro grau que determina a complementação do depósito.
Agravo de Instrumento 2014.03.00.003248-4/SP. (Conteúdo extraído do site do Tribunal
Regional Federal 3ª Região)

STF decide suspender trâmite de projeto de lei por “contrabando legislativo”


O Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar
no Mandado de Segurança (MS) nº 33889 e suspendeu o trâmite do Projeto de Lei de
Conversão (PLV) nº 17/2015, exceto naquilo que corresponde ao Regime Diferenciado
de Contratações Públicas, tema original da media provisória (MP) que originou o projeto
de lei. O MS foi impetrado pelo Senador Álvaro Dias (PSDB-PR). O relator apontou que
houve afronta à decisão do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADIn) nº 5127. Na ocasião, a Corte reconheceu a “impossibilidade de se incluir emen-
da em projeto de conversão de medida provisória em lei com tema diverso do objeto
originário da medida provisória”, fato conhecido como “contrabando legislativo”, e pre-
servou, até a data do julgamento (15 de outubro deste ano), “as leis fruto de emendas em
projetos de conversão de medida provisória em lei”. Segundo o Ministro Barroso, o PLV
17/2015, decorrente da Medida Provisória nº 678/2015, foi aprovado pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado e encaminhado à sanção no dia 29 de outubro. A MP tratava
originalmente apenas do acréscimo de dois incisos ao art. 1º da Lei nº 12.462/2011 para
autorizar a utilização do RDC em “obras e serviços de engenharia para construção, am-
pliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducati-
vo” (inciso VI) e “ações no âmbito da segurança pública” (inciso VII). Conforme o relator,
durante a tramitação no Congresso Nacional, a MP recebeu 72 emendas parlamentares,
com matérias completamente estranhas ao seu propósito original, entre elas alterações
na Lei de Execuções Penais, renegociação de dívida do Proálcool, registro de títulos e
documentos (central eletrônica), atribuições dos oficiais de registro de imóveis, compen-
sação de crédito de PIS/Pasep e Cofins e disposição final ambientalmente adequada de
rejeitos. “Difícil imaginar um diploma legal mais heterogêneo, com matérias que apa-
rentemente não guardam relação com o texto original da medida provisória. E a sanção
ou veto do projeto ocorrerá posteriormente ao julgamento da ADIn 5127 (15.10.2015)”,
apontou o Ministro Roberto Barroso. O relator destacou que o perigo da demora (um dos
requisitos para a concessão da liminar) é “claramente evidenciado” pelo fim próximo do
prazo para a sanção ou veto do projeto pela Presidência da República. Por isso, deferiu
a liminar, a ser referendada pelo Plenário, preservando apenas os dispositivos que tratam
do RDC. Caso sancionado o projeto nos outros pontos, fica suspensa a sua eficácia até
posterior deliberação. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)
242 D�������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – CLIPPING JURÍDICO
STJ determina que adjudicação compulsória para obter escritura definitiva pode ser
proposta a qualquer tempo
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o prosseguimento de
ação de adjudicação compulsória de imóvel adquirido em 1984 por meio de compro-
misso de promessa de compra e venda. Para os ministros, como não existe previsão legal
sobre o prazo para o exercício desse direito, ele pode ser realizado a qualquer momento.
A decisão reforma acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que decla-
rou a prescrição do prazo de 20 anos para ajuizamento da ação, ocorrida em 2009.
A controvérsia analisada pelo colegiado em recurso especial era decidir se o pedido
de adjudicação compulsória, que é a concessão judicial da posse definitiva de imóvel,
submete-se a prescrição ou decadência. Após essa definição, era preciso determinar
qual o prazo aplicável. O relator, Ministro Luis Felipe Salomão, apontou a diferença
entre os dois institutos. Explicou que a prescrição é a perda, em razão da passagem do
tempo, do poder (pretensão) de exigir que um dever seja cumprido, ou seja, um direito
subjetivo. A decadência é o perecimento da faculdade de exercer um direito potestativo,
fundado apenas na manifestação de vontade, pelo não exercício no prazo determinado.
Os direitos subjetivos são exigidos, ao passo que os direitos potestativos são exercidos.
Assim, o relator explicou que o prazo de prescrição começa a correr assim que nasce
a pretensão, que tem origem com a violação do direito subjetivo. O prazo decadencial
tem início no momento em que surge o próprio direito, que deverá ser exercido em de-
terminado tempo legal, sob pena de perecimento. No caso, uma empresa adquiriu uma
área de 725m2 pelo valor de Cr$ 22 milhões, devidamente pagos em fevereiro de 1984.
Foi imitida na posse do imóvel na data da celebração do contrato de compra e venda,
mas não obteve sua escritura definitiva. O Ministro Salomão observou que não mais se
discute a pretensão do direito real à aquisição gerado pelo compromisso de compra e
venda, mas sim o direito de propriedade, que é potestativo, sujeito a prazo decadencial.
Contudo, os Códigos Civis de 1916 e de 2002 não estipulam um prazo geral e amplo
de decadência, pois elencam os direitos potestativos cujo exercício está sujeito a prazo
decadencial. Para os que não são vinculados a prazo, prevalece o princípio da inesgota-
bilidade ou perpetuidade. Por essa razão, a Turma afastou a prescrição e determinou que
o tribunal mineiro julgue a apelação da empresa, como entender de direito, avaliando se
foram preenchidos os requisitos legais do pedido de adjudicação, que pode ser realizado
a qualquer tempo. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Negado direito à partilha de bens mesmo com declaração de união estável


O Código Civil traz que é preciso que a convivência entre homem e mulher seja contí-
nua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. A 7ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do RS negou a um homem pedido de partilha de bens por
não reconhecer a constituição de união estável dele com uma mulher. De acordo com
o Código Civil, é preciso que a convivência entre homem e mulher seja contínua, dura-
doura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. O autor sustentou que
viveu com a apelada de maio de 2011 até fevereiro de 2013, como marido e mulher, e
que construíram patrimônio comum. Ela alegou que houve apenas um relacionamento
afetivo, e que o apelante a utilizava para obter financiamentos e vantagens pecuniárias,
além de agredi-la. O pedido foi negado na Comarca de Palmeira das Missões e o autor
apelou ao TJRS. O relator, Desembargador Jorge Luís Dall’Agnol, votou por manter a
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – CLIPPING JURÍDICO................................................................................................................................ 243
sentença de 1º Grau, considerando que o reconhecimento da união estável solicitada é
juridicamente inviável. Em seu voto, o desembargador ressaltou que a prova dos autos
demonstra que o relacionamento havido entre as partes não tinha contorno de união
estável. Ficando comprovado, isto sim, que não há fotografias, nem testemunha que diga
que as partes viviam como marido e mulher de forma pública. Sobre o fato de as partes
terem firmado escritura pública, afirmando que mantiveram união estável e mantiveram
comunhão universal de bens, o Magistrado esclareceu que, “por si só, não é capaz, de
ante todo o conteúdo probatório apresentado, manter o reconhecimento de união está-
vel, que claramente inexistiu”. Segundo o desembargador, a fé pública do documento
vale no sentido de ser verdadeiro o que lhe foi transmitido, e, não necessariamente,
atesta a veracidade do declarado. Dessa forma, o relator negou o pedido de partilha de
bens, em face do não reconhecimento da união estável. (Conteúdo extraído do site do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)

Fechamento da Edição: 01.12.2015


Bibliografia Complementar
Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados
nesta edição os seguintes conteúdos:

Artigos Doutrinários

• Bem de Família no Novo Código Civil e o Registro de Imóveis


Ademar Fioranelli
Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET
disponíveis em: online.sintese.com

• Condomínio Edilício Redução da Multa de 20% para 2%


Fernando Henrique Guedes Zimmermann
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disponíveis em: online.sintese.com

• O Condomínio Edilício no Código Civil de 2002


Carlos Alberto Bittar Filho
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• A Estatização dos Serviços de Registros de Imóveis


Marcos Sousa e Silva
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Índice Alfabético e Remissivo
Índice por Assunto Especial • IPTU – imunidade – propriedade da via eleita
– Súmula nº 7/STJ – aplicabilidade.............2132, 69

Doutrinas • IPTU – lançamento complementar – Súmula


nº 282/STF – alteração da situação do imóvel
– reexame de matéria fático-probatória – impos-
Assunto
sibilidade....................................................2133, 70
IPTU • IPTU – RFFSA – sucessão tributária pela
• Do Marco Prescricional para a Cobrança do União – imunidade recíproca – não incidência
Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU (MB ...................................................................2134, 70
Menezes)..............................................................57 • IPTU – sucessão patrimonial pela União –
• Imposto Predial e Territorial Urbano: Análise da art. 515, § 2º do CPC – aplicabilidade........2135, 72
Regra-Matriz (Gabriel Azi)....................................24
• O IPTU Progressivo no Tempo e a Função Social
da Propriedade (Carlos A. M. Murrer).....................9
Índice Geral
Autor
Doutrinas
Carlos A. M. Murrer
• O IPTU Progressivo no Tempo e a Função Assunto
Social da Propriedade ............................................9
Alienação fiduciária
Gabriel Azi • Alienação Fiduciária em Xeque: a Visão do Su-
• Imposto Predial e Territorial Urbano: Análise da perior Tribunal de Justiça (Luiz Antonio Scavone
Regra-Matriz.........................................................24 Junior)...................................................................74

MB Menezes Compra e venda


• Do Marco Prescricional para a Cobrança do • Cautelas na Aquisição de Imóveis (Patrí-
Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU............57 cia da Silva Feitosa e José Eduardo Parlato
Fonseca Vaz)........................................................86

Acórdãos na Íntegra Condomínio


• Condomínio Edilício e o Novo CPC (Olney
Assunto
Queiroz Assis)....................................................126
IPTU
Direito de Superfície
• Tributário – Agravo regimental no agravo em
• O Direito de Superfície: uma Análise de Sua
recurso especial – IPTU – Ilegitimidade ativa
Evolução Histórica e o Direito Positivado Na-
do locatário para postular declaração de ine-
xistência de relação jurídica tributária e repeti- cional (Cesar Calo Peghini).................................100
ção de indébito – Precedentes (STJ)............2127, 63
Locação
• Da Aplicabilidade do Código de Defesa do
EMENTÁRIO Consumidor nos Contratos de Locação (Paula
Saleh Arbs).........................................................123
IPTU
Sociedade imobiliária
• IPTU – cobrança – imóvel da extinta RFFSA –
imunidade recíproca – impossibilidade......2128, 68 • As Vantagens Fiscais Proporcionadas pela So-
• IPTU e taxas – art. 166 do CTN – comprovação ciedade “Holding Imobiliária” (João Glicério de
de inexistência de repasse de imposto – desne- Oliveira Filho e Luis Henrique Monteiro Brecci)
cessidade....................................................2129, 68 .............................................................................78
• IPTU – imóvel afeto ao programa de arrenda-
mento residencial – imunidade – configuração Autor
...................................................................2130, 69
Cesar Calo Peghini
• IPTU – imóvel pertencente à União – con-
cessão de uso – ausência de animus domini • O Direito de Superfície: uma Análise de Sua
– imposto cobrado do concessionário – impos- Evolução Histórica e o Direito Positivado Na-
sibilidade....................................................2131, 69 cional.................................................................100
246D����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO
João Glicério de Oliveira Filho e to por meio de garantia reconhecida – Multa
Luis Henrique Monteiro Brecci moratória de 20% – Legalidade – Juros – Cor-
• As Vantagens Fiscais Proporcionadas pela So- reção – Incidência – Vencimento da prestação
ciedade “Holding Imobiliária”..............................78 – Honorários contratuais (TJMG)...............2141, 192

José Eduardo Parlato Fonseca Vaz e Hipoteca


Patrícia da Silva Feitosa • Recurso especial – Direito civil – Extinção da
• Cautelas na Aquisição de Imóveis.........................86 hipoteca – Prescrição da obrigação principal
– Interpretação do art. 1499, I, do CC/2002 –
Luis Henrique Monteiro Brecci e Procedência do pedido de cancelamento (STJ)
João Glicério de Oliveira Filho .................................................................2137, 153
• As Vantagens Fiscais Proporcionadas pela So-
ciedade “Holding Imobiliária”..............................78 Posse
• Agravo regimental – Embargos declaração
Luiz Antonio Scavone Junior – Apelação cível – Ação de reintegração de
posse – Estrada – Servidão – Esbulho configu-
• Alienação Fiduciária em Xeque: a Visão do Su-
rado – Proteção possessória devida – Inspeção
perior Tribunal de Justiça......................................74
judicial – Prescindibilidade – Ofensa aos prin-
cípios do contraditório e ampla defesa – Não
Olney Queiroz Assis
caracterizados – Restrição – Passagem – Fato
• Condomínio Edilício e o Novo CPC...................126 incontroverso – Existência de outro acesso alter-
nativo – Desnecessidade – Ausência fato novo
Patrícia da Silva Feitosa e José Eduardo Parlato – Rediscussão (TJGO)...............................2140, 184
Fonseca Vaz
• Cautelas na Aquisição de Imóveis.........................86 SFH
• Agravo regimental no agravo em recurso espe-
Paula Saleh Arbs cial – SFH – Aferição de interesse jurídico da
• Da Aplicabilidade do Código de Defesa do Consu- Caixa Econômica Federal – Competência da
midor nos Contratos de Locação.........................123 Justiça Federal – Súmula nº 150 do STJ – Agravo
regimental não provido (STJ).....................2136, 148

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
Usucapião
• Apelação cível – Ação de usucapião ordinário.
Assunto
justo título – Ausência – Transferência assina-
da por quem não é proprietário – Presentes as
Ação de dano infecto
condições do usucapião extraordinário – Pos-
• Agravo de instrumento – Ação de dano infec- sibilidade de conversão – Demonstração do
to – Tutela antecipada de embargo da obra cumprimento dos requisitos legais elencados no
deferida na origem – Prestação de caução – art. 1.238 do CC – Posse com ânimo de dono,
Prosseguimento da obra – Possibilidade (TJRS) contínua e sem oposição, por período superior
.................................................................2143, 204 a quinze anos – Possibilidade do cômputo do
tempo de posse exercida pelo antecessor de
Ação pauliana acordo com o art. 1.243 do CC – Sentença re-
• Ação pauliana (TJSP).................................2144, 210 formada – Apelo provido (TJPR)................2142, 199
• Agravo de instrumento – Processual civil – Ação
pauliana – Antecipação de tutela – Pressupos- EMENTÁRIO
tos legais demonstrados – Indisponibilidade do
bem – Cautela do magistrado – Decadência –
Supressão de instância – Recurso não provido Ação anulatória
(TJDFT).....................................................2139, 178 • Ação anulatória – negócio jurídico – compra e
venda de imóvel.......................................2145, 214
Contrato de mútuo • Ação anulatória de negócio jurídico – depó-
• SFH – Contrato de mútuo – Revisão – Amor- sito dos alugueres vencidos e vincendos – lo-
tização – Equivalência salarial – TR – Seguro cação........................................................2146, 214
(TRF 2ª R.)................................................2138, 163
Ação declaratória
Despejo • Ação declaratória – reconvenção – contrato de
• Apelação cível – Ação de despejo c/c cobrança parceria agrícola – pedido de retomada – no-
– Locação residencial – Inadimplemento – Des- tificação – requisitos legais – preenchimento
pejo – Possibilidade – Compensação de crédi- .................................................................2147, 214
RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO.......................................................................................................... 247
Ação de cobrança de cobrança – penhora dos direitos – possibi-
• Ação de cobrança – cotas condominiais – pres- lidade.......................................................2162, 227
crição quinquenal.....................................2148, 214 • Compromisso de compra e venda de imóvel
• Ação de cobrança – taxa de manutenção – as- – rescisão – comprovação da realização de
sociação de moradores – descabimento...2149, 215 benfeitorias – ônus da prova.....................2163, 227
• Ação de cobrança – taxa de manutenção – as- Condomínio
sociação de moradores – proprietário não asso-
ciado – impossibilidade............................2150, 215 • Condomínio – ação ordinária – convenção
– critérios de voto e rateio de cotas – regulari-
Ação de obrigação de fazer dade.........................................................2164, 228
• Ação de obrigação de fazer – demolição de Contrato
imóvel – alienação posterior à propositura da
ação – efeitos subjetivos da coisa julgada ina- • Contrato de compra e venda de imóvel – reso-
lterados.....................................................2151, 215 lução – culpa da construtora – devolução de
comissão de corretagem...........................2165, 228
Área de preservação permanente • Contrato de financiamento – ação de revisão –
• Área de preservação permanente – atividades juros remuneratórios – abusividade..........2166, 229
agressoras – edificações – demolição – possibi- • Contrato de financiamento imobiliário – em-
lidade.......................................................2152, 218 bargos à execução e repetição de indébito –
reajuste das prestações – amortização......2167, 229
Ação de repetição de indébito
• Ação de repetição de indébito – dano moral – Corretagem
parcial procedência – corretagem efetivamente • Corretagem – cobrança abusiva – imposição da
paga pela compradora..............................2153, 222 construtora incorporadora – transferência de
encargo ao consumidor – taxas condominiais
Ação pauliana – obrigação propter rem...........................2168, 229
• Ação pauliana – fraude contra credores – doa- • Corretagem – promessa de compra e venda
ção de imóvel...........................................2154, 223 de imóvel – responsabilidade pelo pagamento
• Ação pauliana – fraude contra credores – venda .................................................................2169, 230
de imóvel de propriedade.........................2155, 223
Dano moral
• Ação pauliana – separação judicial consensual
– destinação de bens superiores à meação – • Dano moral – atraso na entrega de imóvel
doação configurada..................................2156, 223 – prescrição – aplicação do art. 27 do CDC –
valor razoável – modificação....................2170, 230
Ação reivindicatória
Defesa do consumidor
• Ação reivindicatória – sucessão causa mortis
– partilha – imóvel – conclusão – condomínio • Defesa do consumidor – atraso entrega imó-
– formação...............................................2157, 224 vel – mora – cláusula de tolerância em dias
úteis – invalidade – responsabilidade da cons-
Bem de família trutora – termo inicial...............................2171, 232
• Bem de família – uso indevido de imóvel – in- • Defesa do consumidor – incorporação imobili-
denização.................................................2158, 225 ária – atraso na entrega de imóvel – lucros ces-
santes – valor de locação do imóvel – apuração
Cédula de crédito rural .................................................................2172, 233
• Cédula de crédito rural hipotecária – aval pres-
tado por pessoa física – validade..............2159, 226 Desapropriação
• Desapropriação direta – conexão – falta de
Compra e venda prequestionamento – Súmula nº 282/STF – in-
• Compra e venda de imóvel – comissão de cor- terrupção da cadeia dominial...................2173, 234
retagem – interpretação de cláusulas contratuais • Desapropriação – imissão na posse – suspensão
.................................................................2160, 226 .................................................................2174, 234
• Compra e venda de imóvel – escritura – ale- • Desapropriação indireta – implantação de ro-
gação de ofensa à constituição da república dovia estadual – proprietários após o desapos-
– legalidade..............................................2161, 227 samento – ilegitimidade ativa...................2175, 234

Compromisso de compra e venda Despejo


• Compromisso de compra e venda – despesas • Despejo – omissão – ausência – prequestio-
condominiais – promissário comprador – ação namento – ausência..................................2176, 236
248D����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 30 – Nov-Dez/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO
Locação prador – insuportabilidade no pagamento das
• Locação de imóvel comercial – ação de despe- prestações – possibilidade – devolução parcial
jo e cobrança de aluguéis – ausência de inte- dos valores pagos – taxa de ocupação......2183, 238
resse e de comprovação de quitação tempes-
tiva...........................................................2177, 236 Registro imobiliário
• Registro imobiliário – fraude na lavratura da es-
Penhora critura pública – promessa de compra e venda
• Penhora sobre o faturamento – Substituição de imóvel – acordo homologado .............2184, 238
da constrição por bem imóvel – Satisfação do
débito.......................................................2178, 236 SFH
• SFH – ação revisional – admissibilidade – nega-
Promessa de compra e venda tiva de prestação jurisdicional..................2185, 239
• Promessa de compra e venda – adquirentes e
possuidores de apartamento – litígio entre os CLIPPING JURÍDICO
proprietários do terreno e a construtora....2179, 237
• Promessa de compra e venda – arras confirma- • Comissão da Desburocratização avalia propos-
tórias – devolução – impossibilidade........2180, 237 ta de registro eletrônico de imóveis....................240

• Promessa de compra e venda de imóvel adqui- • Negado à Infraero o direito à imissão na pos-
rido na planta – ação declaratória de nulidade se de imóvel a ser desapropriado por interesse
– dano moral – atraso na entrega de imóvel público...............................................................240
.................................................................2181, 237 • Negado direito à partilha de bens mesmo com
• Promessa de compra e venda de imóvel – atra- declaração de união estável................................242
so na entrega pela construtora – cláusula pe- • STF decide suspender trâmite de projeto de lei
nal moratória – possibilidade de cumulação por “contrabando legislativo”.............................241
.................................................................2182, 238 • STJ determina que adjudicação compulsória
• Promessa de compra e venda de imóvel – re- para obter escritura definitiva pode ser proposta
solução – denúncia pelo compromissário com- a qualquer tempo...............................................242

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