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E CONCEITO DE SISTEl\1A
A
NA CIENCIA DO DIREITO
Introdução e tradução de
A. MENEZES CORDEIRO
A questão do significado da ideia de sistema para
a Ciência do Direito é dos temas mais discutidos da
metodologia jurídica. Em poucas controvérsias estão,
ainda hoje, as opiniões tão divididas. Enquanto, por
exemplo, SAUERexclama com ênfase: «Apenas o sis-
tema garante conhecimento, garante cultura. Apenas
no sistema é possível verdadeiro conhecimento, ver-
dadeiro saber» (1) e H. J. ,WOLFF diz: «A Ciência do
Direito ou é sistemática ou não existe» (2), EMGE
opina, com discrição céptica: «Um sistema é sempre
um empreendimento da razão com um conteúdo exa-
gerado» (3) ~ uma afirmação que está apenas a curta
distância da célebre frase de NIETZSCHEque caracte-
rizou a aspiração ao sistema como uma «falta na
consecução do Direito» e uma «doença no carác-
ter» (4). No que respeita, em particular, ao direito
privado, a discussão metodológica mais importante
«evite compromissos» (p. 23), que apoie a legitimação das contra as teses de VIEHWEGque «no mundo concreto das '
suas premissas apenas na «aceitação do interlocutof» (p. 24), realidades» aparece «a sua disciplina, ao jurista, como um
etc. etc., não poderia aspirar seriamente à natureza científica. todo significativo e não como uma mistura de questões des-
No entanto, VIEHWEG parece reconhecer, junto das ciências conexas». Esta afirmação - que, aliás, não é inatacável, na
que trabalham de modo lógico-dedutivo, um segundo tipo de sua generalidade - não assume também, naturalmente, força
Ciência (com que ele concordaria) e no qual quer situar a demonstrativa obrigatória; pois a «experiência de unidade»
Ciência do Direito, também através da afirmação da sua estru- dos juristas, como facto meramente psicológico, não afirma
tura tópica fundamental (cf., p. ex., p. 1 s., p. 53 s., p. 63 s.) I nada de definitivo sobre a estrutura da ordem jurídica, nem,
(o que seria difícil de conciliar, pelo menos com o concei~ ao contrário da metodologia, nada sobre a forma de pensa-
tradicional de Ciência). mento jurídico correcto.
exigências da metbdologia ou ainda apenas aparente- tido do conceito de sistema, e por isso a regra da ade-
mente o faria, - ora nada disto pode ser afirmado q uação valorativa, retirada do princípio da igualdade,
da Ciência do Direito actual. Não obstante, este «indí- constitui a primeira indicação decisiva para a aplica-
cio» permanece bastante inseguro, não podendo (;ão do pensamento sistemático na Ciência do
falar-se de uma verificação obrigatória da hipótese.
A ideia da ordem interior e da unidade carece, por
isso, de uma confirmação que se deve fundamentar
Direito, - o que, por exemplo, FL UME ("5), seguindo
S.AVIGN~ ("6), certeiramente exprime quando caracte-
nza o sIstema como «a consequência do Direito, inte-
J
na própria estrutura do seu objecto, portanto na essên- riormente pressuposta» ("7). _
cia do Direito. De modo semelhante, também a característica da
unidade tem a sua correspondência no Direito, embora
a ideia da «unidade da ordem jurídica» pertença ao
2. Adequação e unidade como emanações e pos- domínio seguro das considerações filosóficas ("8).
tulados da ideia de Direito
(25) Allg. Teil des Bürgerl. Rechts, 2.° vaL, 1965, p. 295
De facto, a demonstração não é difícil. A ordem e 296.
interior e a unidade do Direito são bem mais do que (26) Ob. cit., p. 292. A referência a SAVIGNY não se
pressupostos da natureza cienUfica da jurisprudência reporta contudo, como se poderia retirar das considerações
e do que postulados da metodologia; elas pertencem, de FLUME, imediatamente ao sistema, mas sim à analogia; para
antes, às mais fundamentais exigências ético-jurídicas o conceito de sistema de SAVIGNYcf. a citação supra na nota 6.
(27) Em parte semelhantes também as obras citadas
e radicam, por fim, na própria ideia de Direito. Assim, íntra, na nota 35.
a exigência de «ordem» resulta directamente do reGQ- (28) É fundamental o escrito de ENGISCH de 1935, que tem
nhecido postulado da justiça, de tratar o igual de o mesmo nome: Die Einheit der Rechtsordnung. Sobre este
modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo infeliz e relativamente pouco discutido problema cf., do mesmo
com a medida da sua diferença: tanto o legislador autor, Einführung in das juristische Denken, 3." ed., 1964,
p. 156 ss.; EHRLICH, Die juristische Logi.k, p. 121 ss., com uma
como o juiz estão adstritos a retomar «consequente-
panorâmica histórica desenvolvida; STAMMLER, Theorie der
mente» os valores encontrados, «pensando-os, até ao Rechtswissenschaft, p. 209 ss., 211 ss.; WENGLER, Betrachtungen
fim», em todas as consequências singulares e afas- über den Zusammenhang der Rechtsnormen in der Rechtsord-
tando-os apenas justificadamente, isto é, por razões nung und die Verschiedenheit der Rechtsordnungen, em: Fest-
materiais, - ou, por outras palavras: estão adstritos schrift für Rudolf Laun, 1953, p. 719 ss.; LARENZ, Metho-
denlehre cit., p. 135, 353 5.; HANACK, Der Ausgleich
a proceder com adequação. Mas a adequação racional
divergierender Entscheidungen in der oberen Gerichtsbarkeit,
é, como foi dito, a característica da «ordem» no sen- 1962, p. 104 ss.
Também esta não é, de modo algum, apenas um te-se que a «ordem» do Direito não se dispersa numa
«postulado lógico-jurídico» (29), antes se recondu- multiplicidade de valores singulares desconexos, antes
zindo, da mesma forma, ao princípio da igualdade. se deixando reconduzir a critérios gerais relativa-
Por um lado ela constitui - nos seus, por assim dizer, mente pouco numerosos (34); e com isso fica também
componentes negativos - apenas de novo uma ema- demonstrada a efectividade da segunda característica
nação do princípio da igualdade, enquanto procura do conceito de sistema, da unidade (35).
garantir a ausência de contradições da ordem jurídica
(o que já está abrangido pela ideia de adequação (30), quência dele; o puramente individual é, na sua unicidade essen-
cial, sempre «incomparável»; ora a aplicação do princípio da
e por outro - no seu componente positivo (31) - ela igualdade pressupõe, pelo contrário, sempre uma certa abstrac-
não representa mais do que a realização da «tendência ção e generalização que tornam possível uma «comparação»;
generalizadora» da justiça (32), que exige a superação assim a tendência generalizadora da justiça tem, de facto, a
dos numerosos aspectos possivelmente relevantes no sua origem no princípio da igualdade.
caso concreto, a favor de uns poucos princípios, (34) Opõe-se-Ihe, naturalmente, a «tendência individuali-
zadora»; esta não torna impossível a formação do sistema,
abstractos e gerais (33). Através deste último, garan-
apenas lhe apondo limites; cf., quanto a isso, infra § 6 III
(29) Demasiado restrito, quanto a isso, HANACK, ob. cit., e § 7 II 2 b.
p. 107 (cf. também p. 104); trata-se, na verdade, em primeira (35) A conexão entre a ideia da adequação e sobretudo
linha, de um postulado axiológico. a da unidade do Direito e o sistema é muitas vezes salientada,
(30) Assim torna-se de novo clara a conexão estreita ainda que, com frequência, de modo incidental; para além das
existente entre a qualidade de ordem e a da unidade. citações feitas supra, notas 6 a 11, cfr. por exemplo,
(31) A qual tem sido injustamente de5curada, até hoje, na KRETSCHMAR,über die Methode der Privatrechtswissenschaft,
literatura, perante o outro elemento, o da ausência de con- 1914, p. 40 e 42 e JherJb. 67, 264 s., BAUMGARTEN,Die
Wissenschaft vom Recht und ihre Methode, 1920, Bd. I, p. 298
tradições.
(32) Quanto a esta (e quanto à sua inversa, a tendência e p. 344; SAUER, Methodenlehre, ob. cito p. 172; NAWJASKY,
individualizadora) cf., por todos, HENKEL, Recht und Indivi- Al!gemeine Rechtslehre aIs System der rechtlichen Grundbe-
dualiWt, 1958, p. 16 s., 44 S. e passim e Einführung in die griffe, 2." ed., 1948, p. 16 e 264; COING, Rechtsphilosophie,
Rechtsphilosophie, 1964, p. 345 s.; cf. também, por exemplo, ob. cit., p. 276 ss. e JZ 1951, p. 485; ESSER, Gundsatz und
SALOMON, Gundlegung zur Rechtsphilosophie, 2." ed., 1925, Norm, ob. cit., p. 227 e passim; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
p. 147 5S.; RADBRUCH,Rechtsphilosophie, 5." ed., 1956, p. 170; 1958, p. 299 s. e Methodenlehre, ob. cit., p. 133 s.; P. SCHNEIDER,
CorNG, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 1950, p. 114 s.; VVdDStRL 20, p. 38; RAISER, NJW 64, p. 1204; WIEACKER,
ENGISCH, Die Idee der Konkretisierung in Recht und Rechts- Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.a ed., 1967, p. 532; BETTI,
wissenschaft unserer Zeit, 1953, p. 199 ss., com outras indica- Al!. Auslegungslehre, ob. cit., p. 223 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967,
ções; EMGE, Einführung in die Rechtsphilosophie, 1955, p. 174 S. p. 2230; MAYER-MALY, The lrish Jurist, vaI. n, part 2, 1967,
(33) Ela não se coloca, aliás, autonomamente perante o p. 375 (cf. também Festschrift für Nipperdey, 1965, Bd. I,
princípio da igualdade, antes sendo, pelo contrário, conse- p. 522).
Longe de ser uma aberração, como pretendem os dade também com frequência possam realizar-se de
críticos do pensamento sistemático, a ideia do sistema modo fragmentado (37).
jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados Assim se atingiu o objectivo fixado no início deste
valores do Direito, nomeadamente do princípio da parágrafo: apurar-se um fenómeno jurídico, que
justiça e das suas concretizações no princípio da constitui um ponto de contacto com um sistema no
igualdade e na tendência para a generalização (3"). sentido da linguagem filosófica; por consequência,
Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança torna-se agora possível a tarefa de uma melhor deter-
jurídica, aponta na mesma direcção. Também ela pres- tninação do sistema jurídico. Esta pode, por seu turno,
siona, em todas as suas manifestações - seja como formar os princípios para uma mais exacta análise
determinabilidade e previsibilidade do Direito, como sobre o sentido e os limites do pensamento sistemático
estabilidade e continuidade da legislação e da juris- na Ciência do Direito e permitirá igualmente precisar
prudência ou simplesmente como praticabilidade da e testar as afirmações agora feitas, na sequência ~
aplicação do Direito - para a formação de um sis- ,stUdO (38). O papel do conceito de sistema é, no
tema, pois todos esses postulados podem ser muito entanto, como se volta a frisar, o de traduzir e reali-
melhor prosseguidos através de um Direito adequada-
( z. ar (39) a adequação valorativa e a unidade interior da
mente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis .. ordem jurídica.
princípios, portanto um Direito ordenado em sistema,
do que por uma multiplicidade inabarcável de normas
singulares desconexas e em demasiado fácil contradi-
ção umas com as outras. Assim, o pensamento siste-
mático radica, de facto, imediatamente, na ideia de
Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais
elevados). Ele é, por consequência, imanente a cada
Direito positivo porque e na medida em que este ('\7) Esta fragmentação não nega a possibilidade funda-
represente uma sua concretização (numa forma his- mental do sistema; apenas torna claro que são postos certos
toricamente determinada) e não se queda, por isso, limites à sua formação plena (quanto a eles, cf. infra § 6).
('IR) As presentes considerações não são mais do que um
como mero postulado, antes sendo sempre, também,
primeiro esboço do problema do sistema que, na sequência,
pressuposição de todo o Direito e de todo o pensa- ;Iinda irá sofrer múltiplas modificações.
mento jurídico (36) e ainda que a adequação e a uni- ('\!I) Também para realizar; pois a unidade e a adequação
rrito são apenas afirmadas, mas também sempre pretendidas,
(36) Assim falou também SAVIGNY, na citação referida, portanto não apenas pressuposição, mas também um postulado
da «consequência pressuposta do Direito». «'I'. sllpra nota 36 e infra § 5, IV, 2).
Ao atribuir-se, ao conceito de sistema jurídico,
as tarefas acima caracterizadas, afastam-se, de ante-
mão, da multitude dos conceitos desenvolvidos até
hoje (1), todos aqueles que não estejam aptos a
desenvolver a adequação interna e a unidade de uma
ordem jurídica. Isso não implica necessariamente que
eles falhem sem excepção ou que não possam ser
utilizados, em nenhum domínio, para as tarefas da
Ciência do Direito; mas a distinção tem ainda um
certo valor, uma vez que a justificação de um con-
ceito de sistema que não se apoie nas considerações
realizadas no parágrafo anterior é, de antemão, limi-
tada, expondo-se ainda à objecção de poder ignorar
a essência do Direito.
do seu ({carActerestritamente lógico» cla é «em cert. í diferente de modo diferente, de acordo com a medida
Lmedida, comparável à Matemática» (11). ~J da diferença, pode ser acatada com os meios da
Esta concepção da essência e dos objectivos da lógica? Os valores estão, sem dúvida, fora do âmbito
Ciência do Direito pode-se hoje, sem reserva, consi- da lógica formal e, por consequência, a adequação
derar como ultrapassada. De facto, a tentativa de de vários valores entre si e a sua conexão interna
conceber o sistema de determinada ordem jurídica (12) não se deixam exprimir logicamente, mas antes, ape-
como lógico-formal ou axiomático-dedutivo está, de nas, axiológica ou teleologicamente (14). Pode, com
antemão, votada ao insucesso (13). Pois a unidade isso, colocar-se a questão difícil de saber até onde
interna de sentido do Direito, que opera para o erguer- está o Direito ligado às leis da lógica e até onde a
em sistema, não corresponde a uma derivação da ausência lógica de contradições da ordem jurídica
ideia de justiça de tipo lógico, mas antes de tipo valo- pode ser incluída, como previsão mínima, na sua uni-
rativo ou axiológico. Quem poderia seriamente pre- dade valorativa (15); mesmo quando isso seja afir-
tender que a regra de tratar o igual por igual e o mado, é indubitável que uma eventual adequação
lógico-formal das normas jurídicas singulares não
implica a unidade de sentido especificamente jurídica
(11) Cf. Logik, vaI. m, 4." ed., 1921, p. 617 (mas cf. tam~
bém p. 595 s.): já essencialmente realista a respeito da viabi-
de um ordenamento.
lidade de um sistema lógico-fomal para a Ciência do Direito, Este carácter axiológico e teleológico da ordem
SIGWART,Logik, 2.0 vaI., 2." ed., 1893, p. 736 ss. jurídica implica que, comparativamente, os critérios
(12) Os sistemas dos «puros conceitos fundamentais», lógico-formais tenham escasso significado para o
pelo contrário, por força da sua natureza puramente formal,
pensamento jurídico e para a metodologia da Ciência
poderiam satisfazer intBiramente as exigências de um sistema
lógico-formal ou axiomático·dedutivo.
do Direito (Ia). Na verdade, a Ciência do Direito, na
(13) Do mesmo modo COING, Grundzüge der Rechtsphilo-
sophie, p. 276 e Geschichte und Bedeutung des Systemgedan-
kens, p. 27; VIEHWEG,ob. cit., p. 53 SS.; ENGISCH,Stud. Gen. (14) No sentido amplo do termo, cf. infra, p. 41.
10 (1957), p. 173 ss. e 12 (1959), p. 86; ESSER, Grundsatz und (15) Cf. quanto a isso, também infra, p. 122 S.
Norm, 2." ed. (1964), p. 221; LARENZ, ob. cit., p. 134 s.; (16) Compreende-se que no domínio do tema aqui em
SIMITIS, Ratio 3 (1960), p. 76 ss.; EMGE, Philosophie der discussão só seja possível uma caracterização do nosso próprio
Rechtswissenschaft, 1961, p. 289 s.; BÃUMLIN, Staat, Recht ponto de vista, devendo desistir-se de uma discussão alarga da
und Geschichte, 1961, p. 27; PERELMANN,Justice et raison, com outras opiniões. Para o significado da lógica na Ciência
1963, p. 206 ss.; RAISER, NJW 1964, p. 1203 s.; FLUME, Allg. do Direito cf., por exemplo; ENGISCH, Logische Studien zur
Teil des Bürgl. Rechts, 2.° vaI., 1965, p. 295 s.; DIEDERICHSEN, Gesetzesanwendung, 1943 (3." ed. 1963), p. 3 ss. (em especial
NJW 1966, p. 699 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967, p. 2230; cf. também p. 5 s. e p. 13) e Aufgaben einer Logik und Methodik des
já SIGWART,ob. cit., p. 736 ss. juristischen Denkens, Stud. Gen. 12 (1959), p. 76 SS.; KLUG,
32
~~edida em que aspire à cientificidade ou, pelo meno; esclarecido dos valores, pensando-os até ao fim e, a
à adequação racional dos seus argumentos, está evi- concluir, num último estádio, executando-os. Mas
dentemente adstrita às leis da lógica (17); contudo para estas tarefas, a lógica só assume o significado
essa ligação não é condição necessária nem suficiente de um «quadro» (Z0), enquanto o «entender» ou a
para um pensamento jurídico correcto (18); mais ainda: . «valoração» não se podem, no essencial, alcançar
os pensamentos jurídicos verdadeiramente decisivos através dela, - tão pouco como o «entender» um
ocorrem fora do âmbito da lógica formal (19). Assim outro quadro significativo do espírito como, por
sucede com o que é a essência do Direito, com o exemplo, uma obra artística literária ou um textC?
<fi)ncontrar as decisões de valor, com o manuseamento eológica. A hermenêutica como doutrina do entendiD
mento correcto e os critérios para a objectivação dos .
Juristische Denken, 1951, p. 100 ss. (também publicado em
ARSP 39, p. 324 ss.); SIMITIS,Zum Problem einer juristischen
Logik, Ratio 3 (1960), p. 52 ss., com outras indicações alarga-
G
valores desempenham, aliás, em vez dele, o papel
ecisivo dentro do pensamento jurídico (Z').
Tal resulta, sem excepção, de todas as formas de
-.
(~ãO é, de modo algum, apenas de tipo lógico-formal, o mesmo sucede, em medida ainda mais forte,
I antes surgindo, numa parte essencial, ainda que fre- para os restantes «processos de conclusão» jurídicos,
'-..quentemente não explícita, numa ordenação valora- como a analogia, a redução teleológica, o argumentum
tiva (24). Por conseguinte, não aparecem praticamente, e contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum
na Ciência do Direito, complicadas cadeias lógicas de ad absurdum. Na verdade, KLUG representou estes
derivação (24a). E por conseguinte também, todas as processos de argumentação recorrendo aos meios da
conclusões lógicas pretensamente adstringentes dei- lógica moderna (25), mas é duvidoso que, com isso,
xam-se muito facílmente desmascarar como lógica se tenha ganho algo de essencial para o trabalho
aparente, porque o erro reside nas premissas e a jurídico. De facto, o elemento decisivo de todos estes
lógica se comporta, perante elas, de modo neutro. ocessos não é, sem excepção, de natureza lógica
Assim, para recorrer a dois conhecidos exemplos, não mas antes de natureza teleológica ou axiológica,
é de modo algum lógico que um contrato nulo não enquanto que a sua justificação metodológica não se
possa ser impugnado ou que na aquisição a non deixa alcançar com os meios da lógica, mas sim ape-
domino pelo adquirente de boa fé o (outrora) não- nas através da sua recondução ao valor da justiça e
-titular deva adquirir o direito, em detrimento do ao princípio da igualdade, nela compreendido (posi-
(outrora) verdadeiro titular; tudo isto resulta da for- tiva ou negativamente) (26). Quando a investigação
mação da premissa maior e, sobre isso, apenas deci-
dem pontos de vista teleológicos (*). tabular do artigo 17.°/1 do Código do Registo Predial e o caso
particular do artigo 291. do Código Civil; nestes casos, joga
0
mente, em medida ainda maior. Por consequência, KLUG (32), do nosso campo (33). Mas a confecção de
hoje não mais se pode pôr em dúvida que um sistema um sistema axiomático-dedutivo do Direito aparece
lógico-formal não sirva, de alguma maneira, nem a excluída também por outras razões. Deve, designada-
essência do Direito, nem as tarefas especificas do mente, questionar-se que seja possível uma formação
jurista.
plena de axiomas, na Ciência do Direito. Para tal
formação, seria necessário, como é reconhecido, reu-
b) O sistema axiomático-dedutivo no sentido da nir pelo menos duas (34) exigências: a da ausência de
logística
A recusa de um sistema lógico-formal conduz, con- (32) Este exige a axiomatização do Direito; d. ob. cit.,
sequentemente, também à recusa de um sistema p. 172 55. (cf. também KRAFT,ob. cit., p. 263; HARLEN,ob. cit.,
p.477 55.). Poder-se-ia, a isso, objectar que KLUG vê bem os
axiomático-dedutivo (30). Este pressupõe que todas as
limites da lógica na jurisprudência e que ele acentua expres-
proposições válidas dentro de um determinado âmbito samente o significado do elemento teleológico (do, por exem-
material se deixem deduzir de axiomas, através de plo, p. 123, 137, 138 e 176 ss.); tal não seria, porém, exacto
uma dedução puramente lógico-formal (31). Porque pois KLUG pretende proscrever expressamente o elemento
isso, como acima foi dito, é inconciliável com a essên- teleológico do processo de conclusão, mantendo-o na formação
cia da Ciência do Direito, o método axiomático-dedu- das premissas, não determináveis logicamente (a esse propó-
tivo exclui-se, desde logo, contra a opinião de sito a crítica de DIEDERICHSEN,NJW 66, p. 700, nota 40, ao
ent~ndimento de RAISER da afirmação de KLUG, em minha
opinião, não procede); ele não pode, porém, ser seguido
(30) Para o sistema axiomático-dedutivo d., por tod ,
nesse ponto, por força de integração, em cada «conclusão»
HILBERT-AcKERMANN, Grundzüge der theoretischen Logik, 3." edo,
jurídica, de um elemento da ordenação valorativa.
1949, p. 31 ss. e p. 74 SS.; FRAENKEL,Einführung in die Men-
(33) Isso corresponde à opinião dominante; d. as indi-
genlehre, 3." ed., 1928, p. 268 ss. e, sobretudo, p. 334 SS.;
CARNAP,Abriss der Logistik, 1929, p. 70 s. e Einführung in cações dadas supra, nota 13.
die symbolische Logik, 1954, p. 146 ss.; uma panorâmica curta (34) Além disso, é requerida ainda, muitas vezes, a <muto-
e fácil encontra-se em BOCHENSKI,Die zeitgeni5ssischen Denk- nomia», isto é, a indedutibilidade dos axiomas uns dos outros
methoden, 1954, p. 85 s. e em POPPER, Logik der Forschu~ (d., por exemplo, HILBERT-AcKERMANN,ob. cit., p. 33 s.;
1966, p. 413. . FRAENKEL,ob. cito, p. 340 5S.). Esse postulado pode, contudo,
(31) Cf. FRAENKEL,ob. cit., p. 334 e p. 347; CARNAP, não ser considerado no presente desenvolvimento, uma vez
Symbolische Logik cit., p. 147; d., ainda, por exemplo, HARLEN, que tem a natureza de mera economia de pensamento ou é
ARSP 39 (1951) p. 478 5.; VIEHWEG,ob. cit., p. 55; ENGISCH, talvez, também de tipo estético; seria, em qualquer caso, de
Stud. Gen. 10 (1957) p. 174, cal. 1 e 12 (1959), p. 86, coI. 2; acatar na Ciência do Direito, caso, no restante, singrasse uma
KLUG, ob. cit., p. 181; BULYGIN,ARSP 53 (1957), p. 329 s. axiomatização.
contradições (35) e a da plenitude (36); ora se a viabi- porque o sistema, devendo exprimir a unidade agluti-
lidade da primeira é, desde logo, extraordinariamente nadora das normas singulares não pode, pelo que lhe
problemática, a da segunda é de recusar, sem toca, consistir apenas em normas; antes deve apoiar-se
objecções. nos valores que existam por detrás delas ou que nelas
No que respeita, em primeiro lugar, à ausência de estejam compreendidos (40) Além disso, num sistema
o
'
as excepções que as limitam fossem elevadas à cate-
, logia jurídica desenvolvido um instrumentarium que, goria de axiomas; ora estes podem ser tão numerosos
t
«para a regularidade da formação do sistema jurí-
. tões, cria um Código Civil» (70); no entanto, devia-se \,
dicQ», com o que salienta a conexão imanente de pro-
ainda acrescentar: «ele apenas faz um sistema na ~\
blemas, necessariamente ligada a uma determinada
medida em que responda». Mas VON HIPPEL, não diz, I"
contudo, o que dá, a essas respostas, o sentido uni- decisão fundamental- isto é, desde já: a uma solução
tário, nem segundo que pontos de vista valorativos de problemas. É indubitáveI que aquela conexão
sobre-ordenados resolve o legislador os problemas (71), existe, merecendo, por isso, as ideias de VON HIPPEL,
inteira concordância; mas ele não chegou a dar uma
determinada concretização do conceito de sis-
(70) Ob. cit., p. 22. tema (73) - tal como se trata neste parágrafo.
(71) Na linha desta objecção, a crítica que VON HIPPEL
faz ao sistema do iluminismo não é inteiramente convincente.
Nesse projecto esteve-se sempre perante a ideia de que a uni-
dade de sistema, para a qual todo o Direito essencialmente
apontava, só se poderia obter na base de alguns princípios
ético-jurídicos pouco numerosos - e isso constitui a sua indu- À semelhança das conexões de problemas,
bitável grandeza. Que esses princípios tenham sido unilateral- enquanto tais, tão-pouco as relações da vida e a sua
mente sobrevalorizados ou que, pelo menos, hoje isso assim
nos pareça - e que, por isso, eles precisem de complementação
através da aceitação, no nosso sistema, de outros princípios
fundamentais (cf., quanto a isso, sobretudo, COING, Festschrift (72) É duvidoso que ele o tenha querido; cf. o título do
für DalIe, 1963, 1.0 voI., p. 25 ss., em especial p. 29 ss.) apenas seu trabalho e, igualmente, o texto. Mas para a afirmativa a
significa que a escolha da ordenação (de forma, aliás histo- essa pergunta depõe, no entanto, o facto de ele colocar a sua
ricamente compreensível) foi feita de modo unilateral, e não, própria concepção no plano da sistemática do iluminismo e do
em caso algum, que a «regularidade da formação do sistema século XIX; cf. p. 23 e p. 36. ,
jurídico tenha sido desconhecida»; de facto, enquanto res- (73) Poder-se-ia, contudo, em ligação com, as suas :onsl-
posta ao problema fundamental da justiça, este projecto é derações, dar a definição de que o sistema serIa a soluçao de
inteiramente compreensível- em oposição à «teoria dos fac- uma conexão de problemas; manter-se-ia, porém, por um lado,
tos jurídicos», assim chamada por VON HIPPEL - a qual, de a dúvida se VON HIPPEL quis efectivamente considerar a «face
facto, menosprezou a essência da formação do sistema jurídico das respostas» no conceito de sistema e, por outro, não seria
(sem no entanto, dever ser equiparada, em globo, à «sistemá- também a definição suficiente, por lhe faltarem os elementos
tica do século XIX»; .cf., porém, VON HIPPEL, ob. cit., p. 36). essenciais do conceito: a unidade e a ordem.
ordem imanente (74) são suficientes para a construção
contra uma identificação desta ordem com a conexão
do sistema. Pois elas são apenas objecto do pireito,
específica das normas jurídicas, pois haveria aí um
sendo formadas por ele, na sua forma específica; elas
sociologismo alheio ao valor do Direito CG).
não podem, por isso, formar em si próprias a unidade
do Direito nem, também, comportá-Ia por si sós. Isso
não quer, naturalmente, dizer que elas não possam,
por seu turno, influenciar o Direito, como «natureza 6. O «sistema de decisões de conflitos» no sentido
das coisas» e, com isso, em certas circunstâncias, de HECKe da jurisprudência dos interesses
actuar no seu sistema; este, porém, com isso, ainda
não está plenamente implantado nas relações da vida.
Também não deve, evidentemente, negar-se que a Fica por investigar um último conceito de sistema:
ordenação das relações da vida tenha uma influência o de Heck e da jurisprudência dos interesses. Deriva,
essencial no sistema «externo» do Direito - pense-se como se sabe, de HECK a distinção fundamental entre
apenas no apoio de âmbitos jurídicos como do Direito o sistema «externo» e o «interno» (77). Para apurar a
de Família e das Sucessões, do Direito Comercial, do . unidade e a adequação da ordem jurídica releva, de
Trabalho ou de Autor ou dos tipos singulares do . antemão, apenas o sistema interno; pois entre as suas
Direito das obrigações em especial, nos corresponden-
. tarefas deve haver, segundo as palavras de HECK, no
tes fenómenos da vida (75)! Mas deve prevenir-se /... domínio de uma «conexão material», uma «ordem
(74) LARENZ, ob. cito atribui a HECKa opinião de que o -I. imanente» (78). Onde fica, então, este sistema <<in-
sistema interno é «logo dado nas conexões da vida» (cf. p. 57 terno», segundo a opinião de HECK?
e p. 362). De facto, encontram-se afirmações nesse sentido
(cf. p. ex. HECK,ob. cit., p. 149 s. e p. 158); no entanto,este
aspecto do entendimento do sistema de HECKrecua perante
a ideia de um «sistema de decisões de conflitos» (cf. sobre isso, (76) Um exemplo disso ê a poslçao de EHRLICH,que
o texto, infra, n.O6). Elas poderiam ser s6 o prosseguimento nega a «unidade do Direito nas suas proposições» (cf. Die
consequente das proposições sociológicas da «teoria dos inte-
juristische Logik, 2." ed., 1925, p. 137) e apenas a quer reco-
resses genéticos» (cf. infra nota 100); mas também aqui se
mostra que a jurisprudência dos interesses não se reporta a nhecer como «unidade na conexão da sociedade» (cf. p. 146).
isso, antes remetendo para o significado- não casualmente EHRLlCH deveria, consequentemente optar pelo conceito de sis-
determinado - do valor legislado. tema indicado no texto; cf. também infra, nota 100.
(75) Também aqui surge uma estreita relação, determi- (77) Cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932,
nada pela natureza das coisas, entre o sistema «externo» e o p. 139 ss. (142 s.).
«interno».
(78) Cf. ob. cit., p. 143.
juízos de valor expressos nas normas singulares, assim
a) A posição da jurisprudência dos interesses quanto como os mais altos valores do Direito, como a jus-
à ideia da unidade do Direito tiça, a equidade, etc., descurando, no entanto,,,i<O g,.ue_
fica entre. eles, os escopos fundam~n.tai.S-,_e.specif.kD.$
"""
HECK rejeita expressamente a ideia - em si evi-
dente (79) - de que os elementos da ordem imanente ..---
dãr~spectiv:.o asp~cto juri~~(;;) ou, como diríamos
hoje: os princípios gerais do Direito; e de modo
sejam visíveis nos interesses singulares (80) e caracte-
característico, ele associou-lhe a censura da falta de
riza o sistema como «sistema de decisões de confli-
formação do sistema. E também OERTMANN teceu
tos» (81). A questão, porém, de saber até onde este
críticas com palavras persuasivas, dizendo que, ape-
realiza a unidade interior e a adequação da ordem
jurídica conduz imediatamente à questão prévia de sar de todas as «considerações singulares certeiras
como se coloca a jurisprudência dos interesses perante e muitas vezes convincentes» «não se encontra
a ideia da unidade do Direito - e, com isso, a um nenhum todo» nos trabalhos da jurisprudência dos
ponto crítico nas bases filosóficas desta doutrina. interesses e que «nunca e não mais um quadro uni-
Aqui, a jurisprudência dos interesses oferece, de tário» pode ser obtido, e que ele não se pode defender
facto, aos seus adversários, pontos fracos essenciais, de «um certo sentimento de desespero científico» (84).
tendo assim a sua relação com a ideia da unidade COING, por fim, resumiu estas objecções contra a
do Direito sido sempre objecto de crítica. Já no ano
de 1914, KRETSCHMAR, no seu excelente discurso de
reitor, onde ponderou soberanamente as fraquezas e (8~) Zum Gediichtnis von Max Rümelin, Kanzlerrede
1931, p. 19.
as vantagens da jurisprudência dos conceitos como da
(84) Cf. Interesse und Begritf in der Rechtswissenschatt,
dos interesses, criticara, nesta, o abandono da ideia
1931, p. 40; cf., quanto a isso, a réplica de HECK, ob. cit.,
de unidade (82). De modo semelhante, HEGLER criticou
p. 207 ss. e 212 ss. A propósito da interpretação da carta do
jurisprudência dos interesses por ace~~ os estudante, HECK pode ter certa razão (cf. p. 216 s.), mas no
restante, a sua resposta passa, de modo muito característico,
(79) Cf. supra nota 74. ao lado da afirmação de OERTMANN;assim ele confirma a sua
(80) Cf. ob. cit., p. 150. redução do perguntar pela unidade interior à do «panorama
(81) Cf. ob. cit., p. 149 ss. geral» (p. 207 ss.) assim como o reportar das conexões gerais
(82) Über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914, da ordem jurídica meramente às «necessidades da vida» (p. 214)
em especial p. 39 ss.; cf. também KRETSCHMAR, Grundfragen que na opinião representada no texto, HECK contrapunha, em
der Privatrechtsmethodik, Jher. Jb. 67 (1917), p. 233 <3S., em última análise, sem sentido, ao princípio da unidade de sentido
especial p. 271 sS., 285 s. e 291 ss. do Direito.
jurisprudência dos interesses com estas palavras: monias e de conexões multifacetadas» e"); que isso
«o Direito não é assim, para a jurisprudência dos não chega já foi acima (DO) pormenorizadamente expli-
interesses, quer lógica quer moralmente, uma ordem cado. Mas para além disso, o meio com cuja ajuda
unitária. Ele não tem qualquer unidade» (8ü) . HECK pretende captar a unidade do Direito também
Mas o que dizem os próprios partidários da juris- não é frutuoso. Ele apenas considera como adequada
prudência dos interesses a estas questões? As toma- a esse escopo a formação c1assificatória de «conceitos
das de posição são pouco numerosas, mas compreen- de grupos de generalidade sempre crescente» (91).
dem uma adesão clara à ideia da unidade do Conceitos gerais abstractos são porém, inteiramente
Direito (86). Cabe agora perguntar o que entendem inadequados para captar a unidade de sentido, sem-
eles com isso. Vêm a propósito duas afirmações de pre concreta, do Direito (92) e tornam-se totalmente
HECK. A primeira parte da equiparação entre a uni-
inutilizáveis para esse escopo quando se lhes deixe
idade .do Direito e a ausência de contradições (87); apenas a função rudimentar que HECK atribui aos
/ , este e, por certo, um elemento essencial, mas repre- seus «conceitos de grupo». Estes só devem, designa-
damente servir duas «necessidades»: por um lado,
L~en.ta apen~s, por assim dizer, o lado negativo da
eles devem «aligeirar» a «concepção» das realidades
ldela da umdade e não deixa, de forma alguma, reco-
complexas, porque o «espírito humano só pode captar,
nhecer onde está a unidade de sentido do Direito ,
em simultâneo, um número limitado de representa-
positivamente considerada (88). A segunda afirmação
ções singulares» e, por outro lado, devem «facilitar
relaciona-se com a conexão interior da ordem jurí-
a rememoração» (":1). É evidente que, perante tal
dica, procurando-a na relação das normas com «par-
«subjectivização», para não dizer «psicologização»
tes da vida que estão ligadas entre si através de har- do significado dos conceitos, que os reduzem a um
mero veículo auxiliar para as insuficiências das capa-
cidades humanas de representação e de rememoração,
(85) Cf. System, Geschichte und Interesse in der Privat-
rechtswissenschaft, JZ 1951, p. 481 ss. (484); concordando,
LARENZ, Methodenhlere cit., p. 133; essencialmente positivo o
juizo de BINDER, ZHR 100, p. 63 s. (89) Ob. cit., p. 149 s.; cf. também a referência aos
(86) Cf., por todos, STüLL, Begrift und Konstruktion in «conflitos da vida» (em vez dos critérios adequados para a sua
der Lehre der Interessenjurisprudenz, Festgabe für Heck, solução).
Rümelin und Schmidt, 1931, p. 96; HECK, ob. cit., p. 87 s. e (DO) Cf. n." 5.
p. 149 s. (Dl) Ob. cit., p. 150.
(87) Ob. cit., p. 87 s. ('2) Cf. infra p. 49.
(88) Cf., a tal propósito, supra § 1 V 2 e nota 31. (f''') Cf. ob. cit., p. 82 s.
não se considera em nada a unidade objectiva de sen- gia e restrição; ~e-lhe logo, sem comunicaçãQ.,....a
tido e de adequação do Direito. «própria valoração»dQjYL~.Jla não reconhece, pelo
Assim fica apenas uma última indicação: a refe: "'contrário,- uma' função essenCial ao terceiro «grau»
rência de HECK ao «efeito remoto» dos juízos de valor da obtenção do Direito, ao trabalho com os «esco-
legais (01), dos quais apenas haveria um passo até à pos específicos fundamentais» (97), portanto aos prin-
«pressuposta consequência interna do Direito» (05) . cipias fundamentais de um domínio 'urídico; por
Está fora de qualquer discussão que uma das contri: e rás da lex e da ratzo legis colocam-se imediata-
buições metodológicas essenciais da jurisprudência mente os mais altos valores jurídicos como a justiça,
dos interesses está na elaboração deste momento. a equidade e a segurança do Direito. E no que toca
Põe-se agora a questão de onde se encontram esses ao trabalho prático-dogmático dos representantes da
juizos de valor: só nos valores singulares do legisla- velha jurisprudência dos interesses - quem poderia
dor ou também nas camadas mais profundas do não sentir perante largas passagens (98), o mal estar
Direito? Presumivelmente responderia HECK no de OERTMANN (S4), porque, em todas as «considerações
segundo sentido (DG) e então a censura de HEGLER de singulares acertadas e muitas vezes convincentes»,
que a jurisprudência dos interesses negligencia «as não aparece qualquer «quadro de conjunto unitário»?
realidades mediadoras» procederia no essencial. Isso Não há dúvidas: a força da jurisprudência dos interes-
fica igualmente claro na sua instrumentação metodo- ses localizou-se na discussão do problema singular e
lógica como nos seus trabalhos práticos. NlJ.JlLP,ris..ma não na elaboração das «grandes concatenações» (9D),
,metodológico, a jurisprudência dos interessJ:,S__,~ó<.
-- , ",',. '<--~-~'--'-~'-'
con~~~:sen~~l, os aõ1s, pr~e!LQ~.{<gtID!~ULJ1,ª (97) Cf. HEGLER, ob. e loc. cit., nota 83.
obteriçãõdõ Direito:c>dãTriterpretação e o da analo- (98) Há, evidentemente, excepções. Pense-se apenas nos
trabalhos de MÜLLER-ERZBACH sobre a responsabilidade pelo
risco ou de STOLL sobre as perturbações na prestação, ainda
(04) Cf. ob. cit., p. 150; quanto à «efiCácia remota», hoje, em larga medida, modelares, quer metodologicamente
fundamental, HECK, Gesetzesauslegung und Interessenjurispru- quer quanto ao conteúdo.
denz, 1924, p. 230 ss. (OU) HECK, perante as críticas de OERTMANN e de HEGLER,
(05) Cf. § 1, nota 27. responde, na verdade, que colocou no seu manual de Direitos
(9G) Assim ele remete - Gesetzesauslegung cit., p. 231 s., Reais, previamente, uma parte geral; no entanto, em minha opi-
por exemplo - para o efeito remoto da igualdade no Direito nião, justamente nessa parte geral, pouco se torna claro da
Civil; no entanto, não é nenhum acaso que HECK não tenha «unidade interior de sentido» dos nossos Direitos Reais e dos
aqui escolhido nem uma valoração singular nem um princípio seus princípios fundamentais. Poder-se-ia replicar a HECK que
«intermédio»; mas antes, como o princípio da igualdade, uma não é nenhum acaso, antes se ligando estreitamente ao entendi-
das mais elevadas valorações do Direito; cf., também, o texto. mento de sistema e de unidade da jurisprudência dos interesses,
- o que aliás é plenamente compreensível, no prisma suposto para efectuar também um juízo sobre o seu
da história da metodologia, como contra-movimento conceito de sistema: é muito pouco adequado para
antitético contra os exageros da época anterior. ASSil}},.,/. exprimir a unidade interior e a adequação da ordem
dever-se-ia confirmar inteiramente o duro juízo de . jurídica. Um «sistema de decisões de conflitos» não
COING(S5) de que ele corresponde sobretudo apenas., diz praticamente nada sobre a unidade de sentido do
ao princípio sociológico fundamental da «teoria dos ! Direito, ainda quando BECK também acentue a neces-
interesses genéticos» (100). ~~.. i
sidade de destacar «as concordâncias e as diferenças
nas decisões de conflitos» (101). Assim, as ideias bási-
cas do nosso Direito privado, que formam, por exem-
b) As fraquezas do conceito de sistema da jurispru- plo, o seu sistema>-- como os princípios de auto-deter-
dência dos interesses
minação, da responsabilidade própria, da protecção da
confiança, etc. (102) não são idêntiCas às decisões de
Com estas considerações sobre a ideia da unidade conflitos: antes lhes subjazem, dando-Ihes o «sentido»
na jurisprudência dos interesses, obteve-se o pres- e sendo, aliás, mal-entendidos, na sua substância,
quando se quisesse reduzi-Ias a meras «decisões de
que os grandes manuais da parte geral do Direito Civil não pro- conflitos» (l03): ficariam privados do seu conteúdo
venham dos típicos juristas dos interesses, mas sim, desde ético-jurídico. Também na tomada de posição de
VON TUHR, passando por NIPPERDEY e até FLUME e LARENZ,
BECI\: quanto a problemas práticos e singulares do
de Cientistas do Direito cujo pensamento se estende para lá
dos relativamente estreitos limites metodológicos da jurispru- sistema se mostram quão estranha lhe é, no fundo,
dência dos interesses; na realidade, tais limites nunca se a conexão entre o sistema e a ideia da unidade de
puderam mostrar tão claros como perante as exigências da sentido do Direito. Escolha-se, por agora (104), apenas
«parte geral».
um exemplo, o das «teorias dos títulos de crédito»,
(100) Cf., quanto a isso, também supra, nota 74. Conse-
que o próprio HECK caracterizou como especialmente
quentemente, aliás, EHRLICH, Logik cit., partindo da sua posi-
ção sociológica chega ao resultado de que não existe uma típico para o seu entendimento de sistema. BECE: con-
unidade do Direito como unidade das suas normas e continua: sidera decisivo que as proposições jurídicas vigentes
«Para a interpretação histórica, a única científica - isso cor-
responde exactamente à opinião de HECK! - cada proposição
jurídica é uma individualidade, um ser autónomo, que vive a (101) Cf. ob. cit., p. 150.
sua própria vida e tem a sua própria história» (p. 137). Com (102) Cf. infra p. 47 s. e 53 SS.
estas bases, o Direito só pode ter uma unidade no facto de
(103) O que HECK também não faz; ele pura e simples-
«elas (as proposições jurídicas) só vigorarem em conexao com mente o omite.
a sociedade». (Cf. ob. cit., p. 146).
(104) Cf. mais pormenorizadamente infra, § 5 lH.
provenham das necessidades da vida, e, por isso, pr~~) sões sistemáticas incluem, em si, valores, a que haverá
tende reduzir toda a controvérsia das teorias a uma / ainda ocasião de voltar (l07).
pura «questão de formulação» ('05); daí resulta, por(' Assim, o conceito de sistema da jurisprudência
consequência «em grande medida, a possibilidade de." dos interesses não pode, tudo visto, satisfazer plena-
formulações de teor diferente mas equivalentes, isto é, { mente; por outro lado, admite-se que a crítica, por
duma equivalência de construções científicas» (106)..) causa das muitas obscuridades e ambiguidades nas
Poucos lapsos haverá maiores do que este. Na ver- tomadas de posição dos seus seguidores, não seja fácil
dade, não se trata de menos do que da defesa da e que as explicações acima efectuadas não possam
unidade de sentido do nosso Direito privado, designa- aspirar à pretensão de esclarecimento pleno desta
damente da questão de saber se o princípio do con- questão, tão interessante no que toca à história dos
trato, geralmente dominante, pode ser quebrado, com métodos (108). Para além disso, é de acentuar que a
perigo para a unidade, e a favor da possibilidade de jurisprudência dos interesses produziu um trabalho
vinculações unilaterais ou se, em vez disso, se reco- muito valioso, no próprio domínio da problemática do
sistema ('09) e que, sobretudo com a ideia de sistema
nhece, preservando a unidade, o princípio do con-
trato, o qual apenas poderia ser complementado atra-
vés do princípio da aparência jurídica, alargado aliás
(107) Cf. infra § 5 m.
por vastas áreas através da sua ligação com o princí- (108) Totalmente insatisfatório a este propósito é, infe-
pio da auto-responsabilização, igualmente incluído lizmente, o há pouco surgido trabalho de EDELMANN, Die
entre os princípios básicos. Em estreita conexão com Entwicklung der Interessenjurisprudenz, 1967; quando muito
podem-se salientar as considerações de p. 102 s. nas quais,
isto está o não-entendimento de HECK de que as deci-
contudo, o mais digno de nota é a curiosidade de EDELMANN
referir o comentário do § 242 do BGB, feito por WEBER no
STAUDINGER / Kommentar, com referência ao seu âmbito pouco
(105) Cf. Grundriss des Schuldrechts, 1929, § 137.
comum (!), como elemento para os esforços da CiênCia do
(106) Cf. ob. cit., p. 473, nota 2, com referência expressa
Direito na «construção sistemática» (ou será ironia?).
ao § 137. Pelo contrário, com razão, STOLL, ob. cit., p. 117,
('09) STOLL deveria aliás estar mais próximo do que
nota 2 (cf. também p. 110) a cujo desejo HECK, na sua réplica
HECK do entendimento de sistema hoje dominante e defendido,
(Begriffsbildung cit., p. 211) não faz justiça, porque ele per-
também, neste trabalho (cf. STOLL, ob. cit., 77 s., 96 e 100),
manece circunscrito ao erro fundamental do seu modo causal
tal como as ideias de STOLL, em muitos aspectos, foram mais
de consideração; igualmente insatisfatório é o que HECK,
avançadas do que as de HECK; não foi por isso, por acaso que
ob. cit., p. 100 ss. contrapõe contra a crítica plenamente
STOLL foi conotado com a expressão «jurisprudência das valo-
justificada de LEHMANN; cf., quanto a isso, também ínfra
rações» (cf. ob. cit., p. 67, nota 1 e p. 75, nota 5), dando,
p. 96 s.
assim, o mote metodológico à actual dogmática jurídico-civil.
«interno» e com a referência ao seu carácter teleoló- mas sim no sentido mais lato de cada realização de
gico (110), obteve pontos essenciais que cabe receber e escopos e de valores, portanto no sentido no qual a
desenvolver (111).
«jurisprudência das valorações», é equiparada à juris-
prudência «teleológica». Não se entende, porém, só
por si, que semelhante sistema teleológico seja pos-
11- O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SISTEMA A
PARTIR DAS IDEIAS DE ADEQUAÇÃO VALORATIVA E DA
sível. Assim poderia, pelo contrário, a jurisprudência
UNIDADE INTERIOR DA ORDEM JURíDICA dos conceitos ter partido, por exemplo, de que ou
existe um sistema lógico, ou de que não há nenhum.
As considerações críticas feitas até agora facul- E não foi por acaso que a limitação de STAMMLER aos
taram também as bases para o desenvolvimento de «puros» conceitos fundamentais e a sua renúncia
um conceito de sistema que esteja apto para captar resignada à sistematização de uma determinada ordem
a adequação interior e a unidade da ordem jurídica. jurídica positiva, teve a sua base neste entendimento
do conceito de sistema (114). TambémWALTHER
BURCKHARDT distinguiu, ainda em 1936, de modo
estrito, entre a «justeza lógica» do Direito e a «justeza
ética» e limitou o sistema à extrapolação da pri-
Sendo o ordenamento, de acordo com a sua deri- meira (115). Finalmente cite-se o mais recente ULRICH
vação a partir da regra da justiça (112), de natureza
<)' Keuo que considera o significado da ideia de sistema
valorativa, assim também o sistema a ele correspon-
como uma demonstração essencial do peso do pensa-
dente só pode ser uma ordenação QxiológicQ ou teleo-
mento lógico-formal na Ciência do Direito; pois logo
lógica - na qual, aqui, teleológico não é utilizado no
/ o próprio conceito de sistema é um termo especifica-
sentido estrito da pura conexão de meios aos fins (11),
(110) Cf. HECK, ob. cit., p. 147, 155, 160 e passim (com
referência a HEGLER). (114) STAMlVILER considera o seu sistema como lógico-
(111) Para o sistema teleológico cf. igualmente infra, n 1, -formal, construído de conceitos gerais abstractos; ele recusa
no texto. expressamente a possibilidade de confeccionar um sistema de
(112) Cf. supra § II 2. determinada ordem jurídica, <dnteiramente preenchido». Cf.
(113) Também neste sentido, a expressão não foi usada Theorie der Rechtswissenschaft, 2.· ed., 1923, p. 222 ss. e
poucas vezes; d., por exemplo, BINDER, ZHR 100 p. 62 s.; Lehrbuch der .Rechtsphilosophie, 3.· ed. 1928, p. 278 ss.
ENGISCH, Einfii.hrung in das juristische Denken, p. 161 s. e (115) Cf. Methode und System des Rechts, 1936, p. 121 ss.
Stud. Gen. 10 (1957), p. 178 s. e 241 ss.
mente lógico» e «só a lógica permite determinar onde tões de terminologia, pode-se naturalmente discutir
existe, afinal, um autêntico sistema» (116).
sobre a justificação de semelhante estreiteza; como
Esta limitação do conceito de sistema ao sistema saída poder-se-ia, com COING (118), distinguir um
lógico-formal não deixa contudo de ter um certo conceito de sistema mais estrito e um mais amplo,
arbítrio (117). Tanto quanto se trate apenas de ques- sendo o mais estrito idêntico ao lógico-formal
enquanto, dentro do mais amplo, haveria ainda espaço
(116) Cf. ob. cito p. 5; cf. ainda, por exemplo SIGWART, para um sistema teleológico. Mas desde que se trate
ob. cit., p. 695: «A sistemática tem, por tarefa, o representar
de uma problemática material, a limitação do conceito
a totalidade dos conhecimentos alcançados num determinado
momento, e cujas partes estejam inteiramente conectadas atra-
de sistema ao sistema lógico-formal, é uma hipótese
vés de relações lógicas» (os itálicos pertencem ao origi- em nada justificada, para não dizer uma petitio prin-
nal), - no qual, contudo, se deve sublinhar a limitação ao cipii. Pois um sistema não representa mais do que a
sistema de conhecimentos (ao contrário dum sistema objec- tentativa de captar e traduzir a unidade e a ordena-
tivo). - Para uma equivalência entre sistema axiomático e
ção de um determinado âmbito material com meios
sistema em geral, vide ARNDT,NJW 63, p. 1277 S.
(117) De facto a possibilidade de um sistema teleológico racionais: a. recusa da possibilidade de um sistema não
é frequentemente reconhecida, sem que a sua problemática lógico-formal equivale, assim, à afirmação de que a
científico-teorética tenha sido sempre vista. Cf., por exemplo, lógica formal representa o único meio possível para
RADBRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, Frank-Fest- esse fim. Uma tal restrição no âmbito em que sejam
gabe I, 1930, p. 159; HEGLER,ob. cit., p. 216 ss.; ENGISCH,
possíveis (119) o pensamento e a argumentação racio-
Stud. tien. 10 (1957), p. 178 ss.; neste domínio, também
HECK que, a tal propósito, acentua expressamente, várias vezes,
a sua concordância com HEGLERcf. ob. cit., p. 147, 155, 160 (118) Cf. Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 9.
e passim. Aí, contudo, a expressão «teleológica» é, em parte, (119) Nem sempre é claramente evidente que uma tal
usada com o sentido estrito, acima caracterizado, na nota 113. restrição corresponda, de facto à concepção dos partidários
Também em escritos não jurídicos se fala, muitas vezes, de
de um sistema lógico-formal ou axiomático-dedutivo. No
«sistemas de valores» e similares; cf., por exemplo, KRAFT, entanto, merece enfoque que KLUG, ob. cit., perante a análise
Die Grundlage eíner wíssenschaftlichen Wertlehre, 1951, lógica de problemas jurídicos, apenas contraponha a intuição
p. 21, ss., com mais indicações; STARK,Die Wissenssoziologie, (cf. prólogo de 1950). Com isso, a questão do significado da
1960, p. 59 ss., 92 ss., 114 55., 252 55. e passim (cf. no índice, lógica formal para a Ciência do Direito não fica respondida.
a palavra «Wertsystem»), onde, diferenciadamente, também o De facto, a intuição é indispensável em todas as ciências - de
termo «sistema axiológico» é empregado; cf. por exemplo, outro modo não poderia haver génios científicos e o processo
p. 93, 146 e 252; cf., a esse propósito, ainda que sem relação das Ciências seria plenamente «fabricáveb> - e, evidentemente,
expressa com a problemática do sistema, LEINFELLNER,Ein- não pode, também, o jurista, viver sem «fantasia científica»;
führung in die Erkenntnis und Wissenschaftstheorie, 1965, a questão não cai, contudo, na alternativa de lógica formal ou
p. 178 ss.
intuição, mas sim naquele «espaço entre elas», portanto na
nais deve justamente ser rejeitada, como inadmissível, possibilidade de exercer racionalmente a jurisprudên-
pelo jurista (120); porque as dificuldades próprias do cia, no seu âmbito decisivo; pois o sistema, no sentido
pensamento jurídico não se deixam transpor com os aqui entendido (tanto quanto está em discussão neste
meios da lógica formal (121), adviria, daí, uma sen- local (123)) não é, por definição, justamente mais do
tença de morte não só para a jurisprudência como que a captação racional da adequação de conexões
Ciência, mas também, em geral, para cada tentativa de valorações jurídicas.
de entender a aplicação do Direito como um pro- Deve-se, por isso, quando não se queira negar
cesso racionalmente conduzido. Como, de facto, tem radicalmente o entendimento tradicional da Ciência
sido dito com frequência, os juízos dos juristas fica- do Direito, enquanto empreendimento metodologica-
riam, no essencial, reduzidos a avaliar um qualquer mente orientado, assente em argumentos racionais,
«sentimento jurídico», que, como tal, é sempre irra- apoiar a possibilidade de um sistema axiológico ou
cional e sobre cujas «afirmações» não há, pelo menos teleológico, pelo menos como hipótese. Vale aqui para
actualmente, um entendimento que possa aspirar a ideia de sistema o que BINDER afirmou, em geral,
sequer a uma parcela de convincibilidade geral. Por para o carácter científico da jurisprudência: assim
outras palavras: quem negue a possibilidade de um como KANTnão perguntou se existe uma Ciência da
sistema teleológico nega, com isso, igualmente a pos- ' Natureza, .mas antes o pressupôs, tendo procurado,
sibilidade de captar racionalmente a adequação do compreendê-lo, também se deve, primeiro, partir de
pensamento teleológico (122) e, com isso, também a . «que existe uma Ciência do Direito e, então, perguntar
. qual o seu sentido e o que fundamenta a sua pre-
possibilidade e importância de uma metódica não lógico-formal, ~ tensão de cientificidade» (124). De facto, ganhar-se-ia
mas ainda especificamente racional e jurídica, segundo o que muito para a moderna discussão metodológica na
se disse no texto, portanto, uma «teleológica formal». Noutros
locais, contudo, KLUGsublinha expressamente a necessidade logia, que transcenda a pura clarificação da sua estrutura
de uma complementação teleológica da lógica formal; cf. as lógico-formal e que, no seu núcleo decisivo, introduza a ques-
indicações supra nota 27. tão do «encaixe» da ratio legis.
(120) Mas também por outros cientistas do espírito e (123) Isto é, a propósito da característica da ordem e não
pelo filósofo. A multiplicidade de tentativas de alcançar uma da da unidade.
lógica material elaborada mostra com suficiente clareza, como (124) Cf. Philosophie des Rechts, 1925, p. 836 ss. (837) e
é forte a necessidade de uma complementação da lógica for- Der wissenschaftscharakter der Rechtswissenschaft, Kantstu-
mal, através de outro tipo de pensamento racional. dien 25 (1921), p. 321 S8., em especial p. 352 ss.; um paralelo
(121) Cf. supra p. 2 ss. digno de nota encontra-se (com referência a uma seriação geral
(122) Devia-se, portanto, por exemplo, considerar impos- de valores, e portanto não especificamente jurídica) em
sível uma fundamentação racional de cada conclusão por ana- LEINFELLER, Einführung cit., p. 180 s.
Ciência do Direito (e, em geral, nas ciências do Espí- exemplo, a Ciência da Literatura - quando tal juízo
rito) quando se adaptasse este ponto de partida de seja permitido a um diletante (no duplo sentido da
BINDER - infelizmente pouco observado - e, em vez palavra) - fez progressos assombrosos e obteve
de pôr permanentemente em dúvida a cientificidade resultados da mais alta evidência, desde que ela não
dos modos de trabalhar específicos das ciências do mais se assumiu exclusiva ou, pelo menos, predo-
Espírito, em especial do pensamento hermenêutico e minantemente como Ciência histórica (128), mas antes
teleológico, se procurassem entender as especialida- tornou a obra de arte, na sua própria e específica
des destes métodos e apenas no final se colocasse a regularidade, sob o lema da «interpretação imanente
questão da natureza científica (125). A discussão sairia da obra» ou da «análise estrutural», no objecto das
então, com brevidade, de ambos os extremos, entre suas pesquisas e, nesse sentido se tornou uma Ciência
os quais ela hoje oscila, para aquele ponto intermédio hermenêutica. E do mesmo modo a jurisprudência
apenas avaliado pelas tarefas específicas da Ciência teleológica moderna pode requerer para si um êxito
do Direito: da improdutividade das meras pesquisas indiscutível; não se deve, finalmente, olhar, de modo
lógicas e logísticas, por um lado (126) e da não permanente, para as cláusulas gerais (129), antes se
inadstringibilidade da pura tópica, por outro lado (127) ,
para uma teleológica e hermenêutica, que facultem
resultados racionalmente verificáveis através de meios (128) Também aqui o conceito positivista de Ciência pro-
razoáveis e, assim, vinculantes, - mesmo que não voca sérios danos. Pois porque fora das Ciências Naturais e
se pudesse alcançar aquele grau de adstringência da Matemática, só se reconhece como Ciência a descrição histó-
que é característico para as Ciências da Natureza ou rica dos «factos positivos», julga-se que a Ciência da Literatura
para a Matemática. só seja possível como Ciência Histórica; expulsa-se, com isso,
do âmbito da pesquisa científica justamente o que é específico
E está-se assim tão mal quanto à verificabilidade numa obra de arte.
da hipótese questionada? De modo algum! Assim, por (129) E também a sua concretização tem feito, em parte,
progressos admiráveis - pense-se apenas, por exemplo, nos
(125) Não se lhes deve colocar na base o ideal de Ciên- trabalhos de SIEBERT e de WIEACKER sobre o § 242 do BGB (*).
cia do positivismo, que, de antemão, não está apto ao pensa- (*) Nota do tradutor: o § 242 do BGB dispõe:
mento hermenêutico ou a qualquer tipo de teleológica- cor- «O devedor está obrigado a realizar a prestação tal como
respondendo inteiramente a outro modelo, para o qual se requer a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego».
orienta. Por isso, a polémica contra a adstringibilidade única Recorde-se que com base neste preceito, a jurisprudência
desse conceito de Ciência é, por exemplo, e com razão, uma e a doutrina alemãs desenvolveram quatro institutos funda-
das ideias centrais da metodologia de LARENZ. mentais: a culpa na celebração de negócios, a boa fé no
(12G) Cf. também supra, p. 31 S5. cumprimento das obrigações, o abuso do direito e a alteração
(127) Cf. também infra, § 7 1II b. das circunstâncias.
devendo incluir também aquelas partes nas quais, especial, pressuposto de um cumprimento, racional-
como por exemplo nos domínios «construtivos» dos mente orientado e racionalmente demonstrável, do
Direitos Reais, do Direito das Sucessões ou do princípio da justiça de tratar o igual de modo igual
Direito dos Títulos de Crédito, é possível, num número e o diferente de forma diferente, de acordo com a
indefinido de casos, um simples juízo de «errado» ou medida da sua diferença.
«certo» sobre um resultado e onde não pode ser ques- A esse propósito deve-se, por fim, focal' expres-
tão de «admissível», etc. De modo semelhante, samente uma especificidade: quando se fala aqui,
devem-se considerar as múltiplas interpretações, ana- constantemente, da adequação dos valores, preten-
logias e restrições «adstringentes», e não elevar ape- de-se significar isso mesmo. Não se trata, portanto,
nas os problemas do aperfeiçoamento «livre» (isto é, da «justeza» material, mas apenas da «adequação»
não mais orientado por valores imanentes à lei) do formal de uma valoração - na qual «formal» não se
Direito a critério da admissibilidade dos métodos deve, evidentemente, entender no sentido de «lógico-
jurídicos. Finalmente, não pode haver dúvidas de que -formal» mas sim no sentido em que também se fala
o pensamento jurídico aparece tanto ao leigo como, do carácter «formal» do princípio da igualdade. Por
com frequência, ao próprio jurista, justamente como outras palavras: não é tarefa do pensamento teleoló-
um caso modelar de pensamento «lógico»; tenha-se gico, tanto quanto vem agora a propósito, encontrar
presente que, na verdade não é um pensamento uma qualquer regulação «justa», a priori no seu con-
teleológico que rege os problemas específicos da teúdo - por exemplo no sentido do Direito Natural
jurisprudência e que só este faculta conduzir a sua ou da doutrina do «Direito justo» - mas apenas, uma
argumentação; torna-se então claro o que verdadeira- vez legislado um valor (primário), pensar todas as
mente subjaz a esse juízo: a experiência de uma evi- suas consequências até ao fim, transpô-Ia para casos
dência especial da adequação e poder convincente do comparáveis, solucionar contradições com outros
pensamento axiológico e teleológico. Embora a sua valores já legislados e evitar contradições derivadas
estrutura possa ser ainda pouco esclarecedora, poder- do aparecimento de novos valores (130). Garantir a
-se-á dizer em resumo: a hipótese de que a adequação adequação formal é, em consequência também a
do pensamento jurídico-axiológico ou teleológico seja tarefa do sistema «teleológico» (131), em total conso-
demonstrável de modo racional e que, com isso, se
possa abarcar num sistema correspondente, está sufi-
cientemente corroborada para poder ser utilizada (130) Seja através de legislação, seja por via da interpre-
como premissa científica. Ela é a condição da pos- tação criativa de Direito.
(131) Quanto ao tema, na medida em que a justiça mate-
sibilidade de qualquer pensamento jurídico e, em
rial se realiza igualmente, cf. infra § 5 IV 3.
nância com a sua justificação a partir do princípio se pode ficar pelas «decisões de conflitos» e dos
«formal» da igualdade. valores singulares, antes se devendo avançar até aos
valores fundamentais mais profundos, portanto até
aos princípios gerais duma ordem jurídica; trata-se,
2. O sistema como ordem de «princípios geraís assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio legis, a
do Direito» ratio iuris determinante. Pois só assim podem os valo-
res singulares libertar-se do seu isolamento aparente e
Com a caracterização do sistema como ordem
reconduzir-se à procurada conexão «orgânica» e só
teleológica ainda não foi, contudo, dada resposta à
assim se obtém aquele grau de generalização sobre o
segunda pergunta essencial: a dos elementos consti-
qual a unidade da ordem jurídica, no sentido acima
tutivos nos quais se tornem perceptíveis a unidade caracterizado (132), se torna perceptível. O sistema dei-
interna e a adequação da ordem jurídica. No entanto,
xa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou
ficou já esclarecido que se deve tratar de valores,
tclcológica de princípios gerais de Direito (133), na
ainda que isso não possa constituir a resposta final,
pois se mantém a questão mais vasta de que valores (I "") Para a função dos princípios, constituinte do sis-
se trata: todos ou apenas alguns? Se se quisesse tema, cf. principalmente ESSER, Grundsatz und Norm cit.,
optar pelo primeiro sentido, chegar-se-ia a um con- p. 277 s. e 323 ss. Para além disso, poder-se-ia, quando muito,
aproximar o conceito de sistema aqui adaptado do de COING
ceito de sistema que seria muito semelhante ao «sis- e do de LARENZ (indicações importantes também já em STOLL,
tema de conflitos de decisões» de HECK e perante o ob. cit., p. 77 s. e 96); cf. sobretudo, COING, Grundziige der
qual procederiam as mesmas objecções; ele não pode- Rechtsphilosophie, 1980, p. 275 ss., JZ 1951, p. 481 ss. (484 s.),
ria tornar perceptível, de modo algum, a unidade. Geschichte und Bedeutung des Systemgedankes, p. 9 55. e
Trata-se, pois, de encontrar elementos que, na mul- DõIle-Festschrift, p. 25 ss.; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
1958, p. 299 ss. e Methodenlehre p. 133 ss. e 367 ss. No entanto,
tiplicidade dos valores singulares, tornem claras as
ambos colocam o sistema não exclusivamente na conexão dos
conexões interiores, as quais não podem, por isso, ser princípios gerais de Direito, mas sim, em parte, também nas
idênticas à pura soma deles. conexões da vida, dos valores, dos institutos, etc. (cf. COING,
Nesta ocasião, deve-se recordar de novo a carac- JZ cit., p. 485 e Rechtsphilosophie, cit., p. 278; LARENZ, ob. cit.,
terística principal da ideia da unidade, acima elabo- p. 136 s. e 367). Poderia aí, contudo, haver apenas uma opo-
sição relativamente pequena com a opinião representada no
rada (132): a recondução da multiplicidade do singular a
texto. No que respeita, em primeiro lugar, ao significado das
alguns poucos princípios constitutivos. Mas isso signi- conexões da vida, há que separar cuidadosamente o sistema
{ fica que, na descoberta do sistema teleológico, não
externo do sistema interno: elas têm um significado grnnde e
1--- __
imediato para a edificação do externo mas, para a do interno,
(m) Cf. § 1, I. pelo contrário, elas sõ podem ser relevantes mediatamel'l1e,
qual o elemento de adequação valorativa se dirige Não se pode determinar, de antemão, quando deva
mais à característica de ordem teleológica (1~4) e o um princípio valer como «gera!»; também aqui se
da unidade interna à característica dos princípios trata de um critério inteiramente relativo. Para o
gerais (134).
conjunto da nossa ordem jurídica, não se poderiam
actuando sobre a «natureza das coisas» e sobre o que, desta, considerar todos os princípios como «portadores de
o Direito receba, portanto numa forma jurídica específica de unidade» e, com isso, como sistematizadores; e no
pontos de vista transpostos de ordenação e de valoração, que, quanto a essa função, respeita ao Direito pri-
isto é, justamente sobre os princípios jurídicos. Outro tanto vado: neste, nem todos os princípios são, por seu
vale para as «diferenças de estrutura lógico-materiais», por
turno, relevantes para o sistema, como o serão, por
exemplo as que existem entre o Direito das Obrigações e os
Direitos Reais; também aqui se trata de separar entre o sis- exemplo, para o Direito das Obrigações, os Direitos
tema externo e o sistema interno e, quanto ao último, de Reais, o Direito das Sucessões, etc.; dentro desses
aproximar apenas aqueles elementos por detrás dos quais âmbitos, formam-se subsistemas mais pequenos, com
se escondam valores materiais. Quanto aos restantes elemen- princípios «gerais» autónomos, como, por exemplo,
tos, como conceitos, institutos jurídicos ou valores, cf. igual-
o sistema dos actos ilícitos, do enriquecimento sem
mente no texto infra a). - Um sistema no qual todos ou alguns
destes elementos se contivessem em igual posição, no qual, causa, das perturbações na prestação ou da respon-
portanto, por exemplo, conceitos, institutos, valores, conexões sabilidade pela confiança. Em qualquer caso, uma
da vida, etc. estivessem, no mesmo grau, junto dos princípios, parte dos princípios constituintes do sistema mais
parece-me, contudo, poúco conveniente (mas cf. COING e pequeno penetra, como «geral», no mais largo e,
LARENZ,ob. cit.). Com isso, mesmo que não se misturasse,
inversamente, o sistema mais pequeno só em parte
de modo inadmissível, o sistema externo e o interno, tratar-
-se-ia, contudo, de uma equiparação de elementos que estão se deixa, normalmente, retirar dos princípios do mais
em planos distintos. Poder-se-ia, na verdade, em outras cir- largo (135). Assim, modifica-se a «generalidade» dum
cunstâncias, construir o sistema interno com valores, conceitos, princípio com a perspectiva do ponto de vista; final-
institutos, etc. (cf., quanto a isso, igualmente o texto, infra a», mente, é sempre decisiva a questão de quais os prin-
mas melhor seria erguê-Io sobre um desses elementos e não
cípios jurídicos que se devem considerar constitutivos
mudar permanentemente os planos. Poder-se-ia, desta forma,
desenvolver vários sistemas colocados em diferentes planos para a unidade interior do âmbito parcial em causa,
uns por detrás de outros ou em degraus uns sobre os outros, de tal modo que a ordem dele seria modificada, no
que se deixassem reformular uns nos outros, mas que perma-
necessem sistemas (<<científicos»)diferentes, isto é, formas
diferentes de ver e de captar o sistema (<<objectivo»)da ordem (1::") Os princlplOs não são, em regra, materialmente
jurídica (para a relação entre o sistema «objectivo» e a sua bastantes para compreender também todos os pontos de vista
formulação no sistema «científico» cf. supra p. 13). valorativos necessários, para o âmbito mais estreito do orde-
(131) Cf. supra § 1 I e as notas 13 e 14. namento: cf. pormenorizadamente infra p. 96 s.
seu conteúdo essencial, através de uma alteração num No que toca, em primeiro lugar, a um sistema de
desses princípios. Para o Direito civil vigente seriam, normas, surge este como pouco significativo, por-
por exemplo, de reconhecer como constitutivos do quanto se deve procurar justamente, a conexão aglu-
sistema - sem pretensão de exaustividade - os prin- J tinadora das normas - e esta não pode, por seu
cípios da autodeterminação, da auto-responsabilidade,
) turno, consistir também numa norma; de facto, os
da protecção do tráfego e de confiança, da considera-
. princípios jurídicos unificadores e significantes só
ção pelas esferas de personalidade e de liberdade dos
numa parte demasiado pequena se deixam formular
outros e da restituição do enriquecimento injusto (130).
na forma de normas que devam ser firmemente deli-
O significado dos «princípios gerais de Direito»
mitadas segundo as previsões e estatuições normati-
para a formação do sistema precisa contudo, nalguns
pontos, ainda de maior elucidação. vas e, assim, recuam perante a articulação mais
flexível do princípio.
No que respeita agora a um sistema de conceitos
a) As vantagens, na formação do sistema, dos «prin- gerais de Direito, este seria, por certo, pensável não
cípios gerais de Direito», perante normas, con- apenas como um puro sistema formal de conceitos
ceitos, institutos jurídicos e valores. fundamentais gerais (1:;7), mas também como um sis-
tema teleologicamente «preenchido» de uma determi-
Em primeiro lugar, não é de imediato evidente nada ordem jurídica. No entanto, eles deveriam ser
que o sistema deva justamente ser composto de prin- conceitos teleológicos ou «conceitos de valor» (1:\8);
cípios. Põe-se antes a questão de saber se não poderia al<'m disso, também não se deveriam considerar, para
depender de outros elementos «gerais», como por a formação do sistema, os conceitos gerais abstrac-
exemplo, de normas, conceitos, institutos jurídicos ou l.os (' ::0), mas apenas os conceitos concretos no sen-
valores. A resposta não é fácil e não deveria,em tido de HEGEL (140), pois apenas os últimos surgem
última análise, ser determinada pelos pontos de vista capazes de recolher em si o pleno sentido constitutivo
da oportunidade e do acaso.
(l:;ü) Não é objectivo desta pesquisa uma representação (1::7) Cf., quanto a isso, supra § 2 I 2.
do conteúdo do Direito privado actual (cf., quanto a isso, (1:1H) O termo é utilizado por COING, Rechtsphilosophie
sobretudo COING, Dolle-Festschrift cit.); aqui trata-se antes cit., p. 272.
apenas do aspecto metodológico da problemática, e os prin- (l:l!I) Cf. LARENZ,ob. cit., p. 139 s.
cípios referendados no texto visam apenas a ilustração exem- (1,111) Para a significado do conceito geral-concreto na
plificativa. ('il'ncia do Direito é fundamental LARENZ,ab. cit., p. 353 ss.
da unidade interna (141). Mas ainda que um sistema de o sistema deve fazer claramente a adequação valora-
conceitos jurídicos seja possível, isso não quer ainda tiva e a unidade interior do Direito e, para isso, os
dizer que ele também seja adequado. Pelo contrário, conceitos são muito impróprios. Designadamente, e
isso é duvidoso, perante as tarefas aqui em causa. mesmo quando estejam bem construidos, eles apenas
mediatamente contêm as valorações, por assim dizer
(141) BINDER requereu um sistema de conceitos gerais fechadas, enquanto os princípios são abertos; assim
concretos na «Wissenschaftslehre» que deixou depois da sua a valoração é, por exemplo, essencialmente mais
morte; cf. p. 351 ss. (355) do manuscrito na posse do Semi- irnediata e segura no princípio da autonomia do que
nário para a Filosofia do Estado e para a Política do Direito
no (ordenado) conceito de negócio jurídico, e que só
da Universidade de Colónia. Na sua Philosophie des Rechts, de
1925, BINDER fala de um sistema de «conceitos gerais empí- através de considerações relativamente complicadas,
ricos» - cf. p. 921 ss. (924), que ele contrapõe aos «puros» (. possível determinar a valoração que o conceito de
conceitos de Direito; esses conceitos são «empíricos» na direito subjectivo em si contenha. Pode, portanto,
medida em que se devam desenvolver a partir «do conteúdo
dizer-se: No conceito (bem elaborado) a valoração
das ordens jurídicas singulares historicamente dadas». A rela-
ção entre esses «conceitos gerais empíricos» e os «conceitos cslli. implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a
individuais históricos» (no sentido de RICKERT), que BINDER e por isso ele é mais adequado para extra polar a uni-
considera, aliás, adequados para a Ciência do Direito (cf. em dade valorativa do Direito. Para além disso, também
especial ob. cit., p. 841 ss. e 888 ss.), não fica bem clara
n[\o se deve esquecer que, de forma alguma, os con-
(para as dificuldades da formação de conceitos de BINDER cf.
também LARENZ, ob. cit., p. 106 s.). BINDER deveria ter visto ceitos correspondentes a todos os princípios funda-
a solução no conceito geral-concreto de HEGEL, ao qual ele Ilwnlnis da nossa on!<'1ll .jurídica já estão elaborados
também se ligou casualmente a este propósito, na Philosophie (' (tIl(' isso, no essencial, é ainda mais difícil do que
des Rechts (p. 842; cf. também p. 888). - Que os conceitos
iI 1'01'111111,11;110 de principias gerais de Direito. Quanto
devam ser de tipo teleológico indiciou BINDER incansavelmente,
como poucos; cf. por exemplo ob. cit., p. 886, 890 e 897 ss. ao reslo. Iliío s(~rú necessário salientar que a formula-
LARENZ pretende que o sistema do conceito geral-concreto (/IU <1(' conceitos não é, por isso, supérflua. Pelo
é o da filosofia do Direito e não o da dogmática jurídica contrúrio: ela é imprescindível para a preparação da
(cf. p. 367), i. é, portanto, não o de uma determinada ordem
jurídica. Parece-me duvidoso que isto proceda e, também, que
isto surja consequentemente no resto da concepção de LARENZ. h(~ln os princípios, os institutos jurídicos ou até as conexões
A justificação de que a Ciência do Direito vigente precisaria, da vida não são inteiramente capazes de subsunção. Pelo con-
para cumprir as suas tarefas, de conceitos gerais abstractos trário: capazes de subsunção são as normas; o sistema, porém,
por causa da sua capacidade de subsunção é, em qualquer deve descobrir as conexões de sentido existentes «por detrãs
caso, pouco convincente. Isso é verdade, mas não é tarefa do ddas» ou «nelas» e pode, por seu lado, não ser susceptível de
sistema oferecer a possibilidade de subsunção imediata; tam- subsunção.
subsunção, devendo, assim, ser ordenado um sistema genação» de princIplOs fundamentais pode demons-
de conceitos jurídicos correspondente aos princípios. trar-se em todos os «institutos jurídicos». Mas assim
Deve-se ter presente que eles são de natureza teleoló- sendo, um sistema com eles formado iria exprimir a
gica e que, por isso, em caso de dúvida, é sempre unidade da ordem jurídica do modo fragmentário,
necessário o recurso à valoração neles incluída isto pois a conexão ainda mais profunda existente entre
é, ao princípio equivalente; por exemplo, sendo pouco os institutos não se tornaria visível; pelo contrário:
claro se um determinado acto deve ser qualificado o facto de, para vários institutos, os mesmos princí-
como negócio jurídico ou se uma posição jurídica pios serem, em parte,constitutivos (144) - por exemplo
protegida pode ser considerada como um direit;~ para o da auto-responsabilidade ou da protecção da
subjectivo, deve perguntar-se sempre se, no caso esfera de liberdade - mostra que, na procura da uni-
ques~ionado, respectivamente, procede a regulação dade do Direito, se regressa, por último, sempre e de
predIsposta por força da auto-determinação privada / novo aos princípios gerais do Direito, - uma vez
ou se se. deparam aqui os valores vigentes no reco- 1 .'1 que o sistema não resulta da sua mera enumeração
nhecimento de direitos subjectivos. ' desconexa, mas antes é constituído através da sua
"-~":':--'--'-' ... ,- jl
Outro tanto vale perante um sistema de institutos eOllcatenação e ordenação interna (145) e desde que
jurídicos (142). Também estes não tornam a valoração contenha uma componente relativamente semelhante
unificadora de modo algum imediatamente visível. aos institutos. - A mesma objecção feita perante um
Mas sobretudo, eles não se reportam, em regra, a um sistema de institutos, também vale, aliás, em face
único valor, mas sim à ligação de várias ideias jurí- dUIlI dI: conceitos, pois também estes, na maioria,
dicas distintas; assim, o complexo regulativo da auto- cOlllp1'('('I1<I<'llI(:111 si v;í1'ios aspectos valorativos:
nomia privada, que se pode considerar como «insti- assitll, o ql\(' acima foi dito a propósito do instituto
tuto» do nosso Direito privado, só se entende a partir da 1I1110llOnlÍap1'ivad;1 procede, de modo semelhante,
de uma acção conjunta dos princípios da auto-determi- para o ClIllceilo de negócio jurídico; também no con-
nação, da auto-responsabilidade e da protecção do C('ilo d(' ado i1fcito e nos seus elementos singulares
tráfego e da confiança (143); uma semelhante «misce- (p1'evisiío legal, i1icitude, culpa) se abrigam vários
p1'illdpios ou valorações diferentes entre si.
(142)Este corresponde sobretudo ao conceito de sistema
de SAVIGNY; cf. System des heutigen romischen Rechts, 1840, (];") Cf. também LARENZ, ob. cit., p. 139: «... os princí-
§ 5 (p. 10 s.); quanto ao «instituto» como factor constitutivo pios ético-jurídicos, captados através dos institutos síngulares
do sistema cf. ainda EssER,Grundsatz und Norm dt., p. 324 ss. (' constitutivos da conexão de um complexo alargado de
e LARENZ, Methodenlehre cit., p. 137 ss. normas ... )}.
(143) Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 92 ss. ('1") Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 53 e 55 ss.
Segue-se à proposta aqui feita, a tentativa de do prinCIpIO da auto-determinação negocial, está o
entender o sistema como ordem de valores (146). Tam- valor da liberdade; mas enquanto este só por si, ainda
bém isso seria, evidentemente possível; em última não compreende qualquer indicação sobre as conse-
.I"I.
análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns quências jurídicas daí derivadas, aquele já exprime
> valores superiores, cuja protecção ela serve. Mas ao algo de relativamente concreto, e designadamente que
i mesmo tempo boas razões depõem, também, contra a protecção da liberdade é garantida através da legi-
ela. Na verdade, a passagem do valor para o princí- timidade, conferida a cada um, para a regulação autô-
(pio é extraordinariamente fluida; poder-se-ia dizer, noma e privada das suas relações com os outros.
"<luando se quisesse introduzir uma diferenciação de
O ])rinc.l'.PiOocupa pois, justamente, o pon.to i~te..rm.é-
algum modo praticável, que o princípio está já num dio entre o valor, por um lado, e o conceIto, por
grau de concretização maior do que o valor: ao con- (lU t ro: el@.--e:&G€J.d~tl@.le-pg:f-~-:iá--sufkienteJl1~!!te
trário deste, ele já compreende a bipartição, caracte- f....
ti eterminªclQ.12ara _.~(?1ll
pre~.Dde_cllllla_-i:Q9ic~ã.Q_§()})-!~_
rística da proposição de Direito em previsão e conse-
;1 ~ consequências._jurídiGas--e,--GOill.isso,para .possui~
quência jurídica (147). Assim, por exemplo, por detrás
uma configuração. esp~cWçªrrg~l1t~ jurídica e ultra-
I)assa este poraillda não estar sllficieIitt::Illente deter-
Ininado para esconder a valoração. Uma vez por
(146) Cf. sobretudo COING, ob. cito na nota 133. lodas - e mais uma vez se repete, para evitar mal-
(147) Cf. mais pormenorizada mente CANARIS, olJ. cit.,
,('nlendidos - trata-se, predominantemente, de uma
p. 123 S. Isso não significa, evidentemente, que ele aparente,
qlll'stIio d,' oportunidade c de acaso: um sistema de
no restante, já a forma de uma disposição jurídica; ele dis-
tingue-se antes desta por não estar ainda, em regra, suficiente-
mente concretizado para permitir uma subsunção, precisando,
olc'ol •. p"l"'" .1I1I::llIdo fallll' di' um «valor», pois a realização
por isso de uma «normativização»; cf., mais detidamente,
tllI ('111'11111 d" 1111:;/\11110VIII" por si só, mas apenas pela pro-
ob. cit., p. 160 ss. Contra a opinião de BYDLINSKI (6JBI. 1968,
k",;n" «d" '1"1' ":lU por detrás dela» e, portanto, é precisa
p. 223), isso não modifica, contudo, em nada, a justeza da
II/lli! v(,riOll «vl1lol'<·s». D,~ resto, é de admitir que os valores
diferenciação proposta entre princípio e valor; o princípio, ao
IlIIldl('II:1 :lI' d,'I)(11111f:wilmente reformular nos correspondentes
contrário do valor, indica sempre, pelo menos, a direcção da
prllll'ipío:; " '111(', por' isso, as delimitações são fluidas - tra-
consequência jurídica (ob. cit., p. 161 ss.) embora pormenores
'",ul" :;(' 11i1l'IHl:~dI' diversos graus de um processo de concre-
possam ficar em aberto. No que toca, em especial, ao exemplo
'I'/,/I<;l'io ,'m li! eonlínuo (que, na sua fase seguinte, prossegue
citado por BYDLINSKI, do princípio de que a realização do
do prlllc:lpio para a norma e, aí, aparenta de novo delimita-
capital de base de uma sociedade anõnima deve manter-se .;,.••.s I'Il1ldas). - Em compensação, o que BYDLINSKI diz, ob. cito,
assegurado, é inteiramente reconhecível, nele, a bipartição em
qllanto Ü diferença entre a analogia e princípios gerais de
previsão (<<O capital de base») e estatuição jurídica (<<deve
I lin'ito é corNincente e representa um progresso importante
manter-se realizado»); também parece, neste caso, especial-
IH'::ta questão.
conceitos teleológicos, de institutos jurídicos ou ckl ('ns vezes levam a decisões contrárias. Pense-se ape-
valores superiores deveria assemelhar-se muito a uml
ll;lS nas excepções sofridas pelo princípio da liberdade
sistema de princípios: deveria deixar-se reformulal
_ .i de forma dos contratos obrigacionais, pelo da consen-
neste outro, de modo extenso, quando não total. _.~..
sllalidade da procuração, pela possibilidade de repre-
sentação nos negócios jurídicos, pelo da condiciona-
bilidade dos negócios jurídicos, pelo da liberdade de
b) Os tipos de funções dos «princípios gerais do
aceitação dos negócios do representante legal, etc.
Direito» na formação do sistema
Ou pense-se nas múltiplas limitações do princípio da
autonomia negocial que resultam da consideração de
Apurada e demonstrada a escolha para elementos
princípios contrários e das contraproposições daí
constitutivos unitários dos princípios gerais de Direito,
resultantes, como, por exemplo, a limitação da liber-
surge, como nova tarefa, o tecer considerações mais
dade de celebração, através de várias previsões do
pormenorizadas sobre o modo e a forma pelo qual eles
acatam a sua função sistematizadora. Salientem-se, dever de contratar, a limitação da liberdade de esti-
aqui, quatro características: os princípios não valem pulação dos contratos obrigacionais através do
sem excepção e podem entrar entre si em oposição Direito de protecção das denúncias do Direito social
ou em contradição (148); eles não têm a pretensão da do arrendamento e no Direito do trabalho, na limita-
exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio ção da liberdade de testar através do direito de
apenas numa combinação de complementação e res- legítima, etc., etc. Entre a mera excepção e o princí-
trição recíprocas; e eles precisam, para a sua reali- pio contrário existe, naturalmente, uma passagem
zação, de uma concretização através de sub-princípios fluida; deve verificar-se, quanto a isso, se o valor
e valores singulares, com conteúdo material próprio. que requer a limitação possui uma generalidade e
~ Os princípios não valem sem excepção e podem uma categoria bastantes para, por seu turno, valer
~ entrar em oposição ou em contradição entre si. Esta como princípio constitutivo do sistema. Isso não
característica não precisa de explicação; é para oS) sucede, por certo, nos exemplos acima dados, a pro-
juristas um fenómeno seguro o de que, às decisões t. pósito das ideias jurídicas que subjazem às diversas
prescrições de forma, isto é à protecção contra a
fundamentais da ordem jurídica, subjazem muitas i'
excepções e de que os princípios singulares não pou:,,~ precipitação ou à facilitação de prova; o BGB não
confere a esses valores um significado tal que, aqui,
se possa falar em princípio constitutivo do sistema
(148) Para a diferença entre oposição e contradição cf.
intra, § 6 I 2 d.
do Direito civil ou, sequer, apenas do Direito das
obrigações; trata-se, assim, de meras excepções ao
princlplO da liberdade de forma. Pelo contrário, os respectivamente, não são, de modo algum, previsões
princípios de tutela dos trabalhadores e da protecção excepcionais «contrárias ao sistema» mas antes, pelo
da família, que estão por detrás do direito de pro- contrário, expressões (em parte incompletas) de prin-
tecção dos despedimentos e da legítima, respectiva- cípios gerais. Por certo que o princípio do dever de
mente, têm, sem dúvida, uma função constitutiva para responder pelo ilícito culposo merece ainda uma
os nossos Direitos do Trabalho e das Sucessões e, certa primazia, que se baseia em parte no seu signifi-
para além disso, também para todo o Direito Privado; cado histórico, mas também, sobretudo, na sua espe-
. há, pois, princípios opostos. cial evidência ético-jurídica; mas isso não justifica, de
, Os princípios não têm pretensão de exclusividade. modo algum, que lhe seja reconhecida uma pretensão
Isto significa que uma mesma consequência jurídica, de exclusividade; antes conduz a que, no reconheci-
característica de um determinado princípio, também mento de outros fundamentos de imputação, seja
pode ser conectada com outro princípio. Podia-se cuidadosamente verificada a questão do seu poder de
julgar que isto é evidente. Mas tem sido frequente- convicção interior. Compreende-se, por si, que esta
mente posto em causa, pelo menos a propósito de perspectiva tenha o mais alto significado para a inter-
princípios singulares, e este mal-entendido tem-se pretação comum e para a interpretação criativa do
mostrado, em parte, como um obstáculo pesado para Direito (149). Uma problemática muito semelhante à
o progresso do nosso Direito privado. Assim, por colocada a propósito do princípio da culpa, põe-se,
exemplo, nem sempre foi reconhecido que as presta- também, quanto ao princípio de autonomia privada e
ções de indemnização podiam resultar não apenas de possui, ainda hoje, grande actualidade. Não poucas
violações culposas do Direito; hoje já não é discutível vezes parece dominar o mal-entendido de que pre-
que, ao lado dela, haja uma série de outros princípios tensões «como as resultantes de um negócio jurídico»,
de imputação, também constitutivos do sistema, tais portanto, em especial, pretensões de cumprimento, só
como os princípios do risco, da confiança ou da podem, fundamentalmente, resultar de negócios jurí-
imputação por actos lícitos e que as disposições a
eles respeitantes, como as previsões de responsabili-
('ação; o § 307 manda, àquele que conheça a impossibilidade
dade pelo risco, § § 122, 179, 307 e 904/2 BGB (*), duma prestação assumida, indemnizar a outra parte que se
lenha fiado na viabilidade do contrato; o § 904/2, por fim,
(*) Nota do tradutor: o § 122 do BGB obriga o declarante <ktermina que, quem penetre em prédio alheio para prevenir
a inc!emnizar o dec1aratário ou, em certos casos, terceiros, um dano na própria coisa, o possa fazer devendo, no entanto,
quando a declaração seja declarada nula ou seja anulada; o indcmnizar. As indemnizações são, no entanto, limitadas nos
§ 179 estabelece a responsabilidade do representante que não lrüs primeiros casos ao denominado interesse negativo.
prove os seus poderes, quando o representado recuse a ratifi- (119) Cf. também ínfra p. 120 s. e 176 s.
93
"
ções do sistema objectivo. As modificações do pri- palavra «mobilidade» exprime também a proviso-
meiro seguem, fundamentalmente, as alterações do riedade e a modificabilidade do sistema (1); mas não
último; os sistemas objectivo e científico estão se recomenda; o termo foi fixado por WILBURG com
também ligados na dialéctica geral entre o Direito utro sentido (2), e para evitar mal-entendidos, tam-
U
objectivo em vigor e a sua aplicação. bém só se deve usá-Io com o significado que lhe deu
WILBURG. Na sequência, a «mobilidade» será, por
isso, distinguida da «abertura» e só se falará de um
sistema móvel» quando surjam as características
essenciais para o conceito de sistema de WILBURG.
II
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do concurso de culpas, pode operar também um p risco; por outro lado, também não relevam uns
perigo do empreendimento; uma culpa do lesado leve quaisquer pontos de vista - o juiz não pode, sem
pode, através da ocorrência, na esfera do lesado, de dúvida, considerar o estado civil ou a nacionalidade
circunstâncias agravantes do perigo, levar também a dos implicados. e apenas pode considerar as relações
uma diminuição equivalente na sua pretensão putrimoniais no caso excepcional de aplicação analó-
indemnizatória; de igual modo, uma grave culpa do gica do § 829 BGB - mas apenas critérios de imputa-
lesado (22), ou um risco de empreendimento «especial» ç[ío específicos, geralmente rígidos, com a intensidade
ou «elevado» podem compensar em parte uma culpa da culpa, a perigosidade de um empreendimento ou
pesada, etc.; também um risco concorrente do de uma coisa, o grau de adequação ou a «proximi-
empreendimento pode actuar de modo a diminuir a dade» do nexo de causalidade (24), - portanto aqueles
pretensão de indemnização perante a responsabilidade princípios que também dominam o nosso Direito da
pela culpa (23), na ocorrência de culpa leve, perante responsabilidade civil. O seu sistema compreende
a negligência grosseira e, em certas circunstâncias, assim, junto de uma «imobilidade» de princípio, um
até em face do dolo, e, inversamente, a responsabili- scctor no qual os pontos de vista valorativos compe-
dade pelo risco não é necessariamente excluída pela tentes são «móveis}).
culpa do lesado e a responsabilidade por «culpa Outro tanto acontece noutros âmbitos. Encon-
levíssima» não é, sem mais, afastada por grave culpa tram-se numerosos exemplos da mobilidade do sis-
do mesmo lesado. Não é possível confeccionar uma tema, em especial onde as previsões normativas
previsão normativa rígida, mas apenas ponderar entre rrgidas se complementam e acomodam através de
si determinados critérios «de acordo com o número cláusulas gerais: para determinar se um despedimento
e o peso», no sentido de WILBURG, sem que se fixe é anti-social, se existe um fundamento importante,
uma relação de hierarquia, por exemplo entre culpa se um negócio jurídico ou um comportamento são
contrários aos bons costumes, etc., é necessário pon-
derar entre si determinados pontos de vista «segundo
(22) Pois a culpa e a sua graduação são apenas uma das
circunstâncias relevantes, no cálculo do montante da indemni-
o número e o peso», sem uma relação hierárquica
zação; quanto à questão de quais os factores competentes,
cf., principalmente LARENZ, Schuldrecht A. T. 9. ed. 1968,
ft
de um sistema jurídico, apenas referenciar uma realidade iurfdico teleologicamente entendido, como do princípio da auto-
daquele tipo. ',"mia privada.
tos do conceito de sistema: o da ordenação teleoló-
l'Ill' sem significado prático, para a jurisprudência dos
gica e o da defesa da unidade valorativa e da ade-
conceitos, a discussão sobre a qualificação de um
quação do Direito.
determinado acto das partes como negócio jurídico;
pelo contrário, quando se pergunta pela natureza dos
('sponsais, pergunta-se se estes se devem considerar
1- ORDENAÇÃO SISTEMÁTICA E DETERMINAÇÃO DO CON-
TEÚDO TELEOLóGICO
como um contrato, como uma pura relação de facto
ou como uma relação obrigacional «legal» especial,
baseada na confiança e se, em consequência, o rom-
Quando se «ordena sistematicamente», de certa
pimento dos esponsais representa uma violação con-
forma, um fenómeno jurídico, está-se, em regra, com
tratual, um delito ou uma quebra na confiança (Ir5).
isso, a fazer uma afirmação sobre o seu conteúdo
Outro tanto acontece na célebre querela entre a
teleológico. Por exemplo, quando se qualifica um pre-
I (~oria da criação e a teoria contratual (entre
ceito como uma previsão de responsabilidade pelo
outras (17» àcerca da «natureza» do acto de forma-
risco, de responsabilidade pela aparência jurídica ou
<';üode um título de crédito.
de responsabilidade por facto lícito ou quando se
No entanto, este processo de «determinação da
caracteriza uma pretensão como pretensão sub-roga-
essência» não é, por assim dizer, um processo de
tória, não se servem, apenas, «escopos de represen-
s(~ntido único, pelo qual o objecto seja, primeiro,
tação ou de ordenação» (13). Pelo contrário: com isso,
lota!mente desconhecido e, depois, de repente, atra-
solicitam-se de imediato os valores e, em especial,
V(~S da ordenação sistemática, se tornasse compreen-
os princípios gerais da ordem jurídica que estejam
por detrás das normas questionadas. Uma querela
sobre uma ordenação sistemática é, por isso, em ('n) Cf., também BEITZKE, Festschrift für Ficker, 1967,
p. R4, que, com razão, pergunta qual das teorias pode «dar
regra, também uma querela sobre a «essência» de
lima melhor explicação da essência dos esponsais e das suas
um fenómeno jurídico (14), isto é, predominantemente ('ollscquências jurídicas». Não se deve entender aqui a «expli-
àcerca do seu conteúdo valorativo dentro do Direito C;]I;i:íO»como uma derivação causal a partir da teoria - um
vigente (15). Por exemplo, não seria falacioso conside- 11Ial·cntendido no qual caiu, em especial, a velha jurisprudência
do:; interesses - mas antes como descoberta do sentido inte-
(13) Cf., na sequência, vários exemplos. rior do instituto e da adequação (valorativa) das consequências
(14) Assim, com razão, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), illrídicas singulares.
p. 188 S. (I 'I) Trata-se, além disso, da defesa da unidade do nosso
(15) Não se trata, pois, em regra, de uma consideração Diwito (cf. já supra p. 39 s.), o que não pode ser rigidamente
a priori. ::('parad~ da determinação da natureza (cf., mais pormenori-
/'adamcnte, infra II (1».
sível. Existe, antes, um efeito mútuo entre o conhe- e o especial, também bem conhecido na Hermenêu-
cimento do objecto em causa e a sua qualificação tica ("0); ele é próprio de todas as ciências do espírito
sistemática (18). Deve-se, por exemplo, conhecer pri- c nunca se deixa excluir de antemão.
meiro a ratio legis do § 833/1 BGB antes de poder Com isto, não se pode duvidar do «valor para o
ordenar esse preceito na responsabilidade pelo risco. conhecimento» da ordenação sistemática; daí resulta,
Mas por outro lado, a descoberta dessa ratio seria também o seu significado para a obtenção do Direito;
bem mais difícil se a categoria sistemática da res- como se trata aqui do esclarecimento do conteúdo
ponsabilidade pelo risco não estivesse já disponível. teleológico, ela não pode, perante a jurisprudência
Além disso - o que é ainda mais importante - só a preponderantemente virada, hoje, para a argumenta-
ordenação sistemática permite entender a norma ção teleológica, surgir sem influência na interpreta-
questionada não apenas como fenómeno isolado, mas (;ão e no aperfeiçoamento do Direito. As ordenações
como parte de um todo. O § 833/1 do BGB, por exem- sistemáticas desempenham, de facto, um papel con-
plo, entende-se mais cabalmente e melhor quando se siderável, em todos os níveis da obtenção do Direito.
veja como uma previsão de responsabilidade pelo
risco, entre outras, do que quando se reconheça a sua
ratio legis - o dever de indemnizar pelos riscos pro-
vocados por um animal. Inversamente, o sistema
sofre, através da ordenação de uma nova previsão A «interpretação sistemática» ocupa assim um
normativa, em certas circunstâncias, um enriqueci- lugar firme entre os «cânones da interpretação» jurí-
mento ou uma modificação interiores, pois o especial
não é, aqui, uma mera sub-espécie, antes surgindo
como elemento constitutivo do geral (19). Existe por- ("0) Quanto a esta problemática cf., principalmente,
SCIILEIERMACHER, Werke I 7, 1838, p. 37 e 143 ss.; DILTHEY,
tanto, um processo dialéctico de esclarecimento duplo.
(;{'I/wnmelte Schriften VII, p. 212 S.; COlNG, Die juristischen
Não se pode negar que, desse modo, não ameace o IlIIsl('[;ungsmethoden und die Lehren der allgemeinen Herme-
perigo de um círculo fechado; no entanto, trata-se 1i"/lIi!?, 1959, p. 14; BETTl, Zur Grundlegung einer allgemeinen
apenas de um caso especial do círculo entre o geral i\IlHlegungslehre, Festschrift für Rabel, 1954, vaI. 11, p. 102 ss.
" IIlll:elneine Auslegungslehre ais Methodik der Geisteswissen-
(18) Cf. ob. cit., p. 189; concordante, também
ENGI5CH,
,"'1/(/)1('11, 1967, p. 219 5S. O círculo referido no texto não é
ic!(\nlicn ao «círculo hermenêutico» no sentido de HElDEGGER e
DIEDERICH5EN, NJW 66, 701.
.I•. (;AIJAMElt (noutro sentido, este próprio, ob. cit., p. 275 5S.),
(19) O geral não se deve aqui entender como «geral-
-abstractQ», mas sim como «geral-concreto», no sentido de 'iJl(' n·sl)(~il.a ü relação do «pré-entendimento» do interpretando
HEGEL. 111111 " I'l'::ultado da interpretação.
dica (21). A tal propósito pensa-se, normalmente, na
l11entação retirada do sistema externo tenha um certo
interpretação a partir do sistema exterior da lei, por- valor. Assim, por exemplo, não é totalmente inadmis-
tanto nas conclusões retiradas da localização de um sível retirar conclusões da colocação de um preceito
preceito em determinado livro, secção ou conexão de nu parte geral ou na parte especial de uma lei, no
parágrafos, da sua configuração como proposição tocante ao seu âmbito de aplicação; também se deve
autónoma ou como mera parte de uma proposi- esquecer que a divisão de uma lei é, muitas vezes,
ção, etc., etc. No entanto, apenas haveria aqui um influenciada pela «natureza das coisas» e que, por
ponto de apoio relativamente estreito e, além disso, isso, a natureza de um preceito como por exemplo,
não poucas vezes a localização de um preceito surge norma de Direito de família ou de Direito comercial,
materialmente errada; pense-se, por exemplo, para
pode tornar-se frutuosa para o seu entendimento.
referir apenas dois casos, na inclusão do § 833/1
Tais argumentos só são, porém, efectivamente efica-
do BGB na sequência dos delitos ou na remissão para zes quando os valores resultantes da inserção siste-
o § 278 do BGB, feita no § 254/lI, 2 (em vez de no
mática sejam extrapolados; trata-se, então, porém,
número III) (*). No entanto, não se nega que a argu-
já de uma argumentação retirada do sistema interno.
E esta é, de facto, do maior significado. Enquanto a
(21) Cf., por todos, BAUMGARTEN,Die Wissenshaft vom interpretação a partir do sistema externo apenas tra-
Recht und ihre Methode, 1920-22, voI. I, p. 295 ss. e lI, p. 617 ss. duz, em certa medida, o prolongamento da interpre-
e Grundzüge der juristischen Methodenlehre, 1939, p. 35 ss.;
tação gramatical, a argumentação baseada no sistema
ENGISCH, Einführung cit., p. 77 ss.; LARENZ, Methodenlehre
cit., p. 244 ss. interno, exprime o prolongamento da interpretação
(*) Nota do tradutor: de facto, o § 833/1 do BGB, refe- tcIeológica (22) ou, melhor, apenas um grau mais ele-
rente à responsabilidade do detentor de animais, surge na vado dentro desta, - um grau no qual se progrida
sequência dos §§ 823 e ss., relativos à responsabilidade por da «ratio legis» à «ratio iuris», e tal como a inter-
actos ilícitos; o § 278 estabelece a responsabilidade dos repre-
pretação teleológica (22) em geral a argumentação a
sentantes e dos auxiliares no domínio obrigacional, corres-
pondendo, pois, ao artigo 800.°/1 do Código Civil português. partir do sistema interno da lei coloca-se, com isso,
Por seu turno, o § 254/1 do BGB estabelece a regra da redução no mais alto nível entre os meios da interpreta-
da indemnização por culpa do lesado, enquanto o § 254/II <:;10 e:\).
alarga essa regra às hipóteses em que tal culpa se restrinja
ao facto de o lesado não ter prevenido o devedor do perigo (22) Teleológica no sentido mais amplo; cf. supra p. 41.
de um dano excessivamente elevado, perigo esse que este não
conhecesse; nessa sequência, o § 254/II, 2 vem remeter para
e:l) A opinião frequente de que não existe qualquer
llier<lrquia firme entre os diversos meios de interpretação não
o § 278, não havendo qualquer n.O III no § 254. Assim se 11H'rece qualquer concordância. Deve-se, antes, conferir à inter-
compreende a ilustração feita, no texto, por CANARIS. pl'('laç[ío tcleológica a primazia e isso é, hoje, quase sempre
Alguns exemplos práticos tornam perceptível o
do § 833/1 do BGB é consideravelmente solicitada
significado da interpretação sistemática para a obten-
pela sua qualificação como previsão da responsabili-
ção do Direito. Assim, por exemplo, a interpretação
dade pelo risco. Resulta dela, entre outros aspectos,
que, como sempre sucede na responsabilidade pelo
reconhecido, no seu resultado prático. No que toca, primeiro, risco, apenas se responde pelas consequências de um
à relação entre a interpretação teleológica e a gramatical, é «comportamento arbitrário tipicamente animal» e
geralmente aceite a proposição de que «o sentido e o escopo
não, por exemplo, por uma fractura duma perna
da lei estão mais altos do que o seu teor»; quanto ao «sentido
literal possivel» constituir, segundo a doutrina dominante, os sofrida por alguém que tropece num gato adormecido
limites da interpretação e, nessa medida, suplantar o escopo ou pelos danos que um cão açulado cause a uma
da lei é apenas - descontando proibições de analogia ou fenó- pessoa. Também para a delimitação do conceito de
menos similares - um problema puramente terminológico, pois detenção (do animal) se conseguem indícios essen-
perante um ultrapassar do sentido literal, apenas se transitou
ciais quando se tente concretizá-lo em conexão com
da interpretação em sentido estrito para o grau seguinte, o da
analogia e da restrição e, com isso, o escopo da lei é, de outras previsões da responsabilidade pelo risco, por-
qualquer modo, erguido à frente do teor literal - demasiado tanto de modo conforme com o sistema. É certo que
estreito ou demasiado lato. No que respeita, agora, à relação os mesmos resultados se podem obter apenas com
entre a interpretação teleológica e a sistemática, deve-se colo- a interpretação teleológica do § 833/1; no entanto,
car a interpretação efectuada a partir do sistema externo, por
não se deve duvidar de que eles, através de uma
causa da sua grande insegurança (cf. precisamente, o texto),
em qualquer caso, atrás da interpretação teleológica, enquanto argumentação baseada nos princípios gerais da res-
a própria interpretação a partir do sistema interno, como se ponsabilidade pelo risco, não só se tornam mais
diz no texto, é apenas uma forma de interpretação teleológica. ráceis de fundamentar mas, também, mais convin-
No que, finalmente, se prenda com a relação entre a interpre- centes ("'1). Há, também questões para cuja solução
tação teleológica e a histórica, também aqui é de conceder o
primado à teleológica. Para a teoria objectiva, isso não carece
de qualquer justificação; mas também não é duvidoso para a
(24) Não há qualquer objecção em que as regras sobre o
subjectiva, pois também esta não realiza as representações do
perigo de animais e o conceito de detenção se devam aplicar,
legislador histórico em todas as singularidades, mas antes pre-
segundo a doutrina dominante, também ao n." 2, apesar deste
tende promover a prossecução dos seus objectivos; a interpre-
11,10ser uma previsão de responsabilidade pelo risco, mas sim
tação processa-se, portanto, aqui, de modo subjectivo-teleoló-
lima previsão de culpa presumida. Pois por um lado, não é, de
gico e passa inteiramente por cima das representações visíveis
modo algum, fatal antes carecendo, apesar da estreita ligação
do legislador, quando estas sejam inadequadas para a obtenção
.'xterior das duas prescrições e por força do princípio da rela-
dos escopos por ele pretendidos, - um processo que um par-
Iividade dos conceitos jurídicos, de uma fundamentação autó-
tidário tão decidido da teoria subjectiva da interpretação, como
110ma,adequada ao escopo especial do n." 2. Por outro lado, os
HECK, verteu na conhecida máxima da «obediência pensante».
pontos de vista do risco desempenham um papel essencial
apenas resta o recurso ao instituto articulado da res- Da mesma forma, o significado da ordenação sis-
ponsabilidade pelo risco. Assim, por exemplo, em temática torna-se patente na questão discutível de
casos como os do comodato de um animal ou da sua se o § 281 do BGB tem aplicação à pretensão do
entrega a um treinador ou a um veterinário, não se ~ 985 do BGB (*). De novo a argumentação retirada
deve tentar resolver a problemática com ficções como do sistema externo designadamente da inserção do
a da construção de uma exclusão contratual de res- ~ 281 no Direito das Obrigações é pouco convincente.
ponsabilidade ou da aceitação de um concurso de Pelo contrário, a interpretação feita com base no sis-
culpas (25), mas antes apoiar a exclusão da responsa- tema interno alcança logo o objectivo. O § 281 com-
bilidade no ponto de vista da «livre exposição de preende, reconhecidamente, uma pretensão de sub-
interesses» (26), imanente ao sistema e desenvolvido -rogação e, portanto, só pode actuar, existindo os
na doutrina geral da responsabilidade pelo risco (27). pressupostos do princípio da sub-rogação, desde que
a pretensão do § 985 esteja prejudicada. Esta, porém,
não desaparece com frequência, dada a sua natureza
também para o n.O 2; a simples inversão do ónus da prova real, antes se dirigindo contra o novo possuidor; por
compreende um elemento do risco do qual se pode, de facto,
retirar uma consonância ampla entre o conceito de detenção e
o surgimento de deveres especiais de comportamento, como () titular do animal não possa responder, do mesmo modo,
os que subjazem ao § 83312, ligando-se à particular perigosi- independentemente de culpa. Só que isto não é um problema
dade do animal: caso o animal provoque um dano sem ser de responsabilidade pelo risco, mas sim uma ordenação do
pelo «comportamento arbitrário tipicamente animal», a ocor- risco contratual, que se deve distinguir dele quer dogmática
rência prejudicial verifica-se, em qualquer caso, fora do escopo quer praticamente (fundamental quanto à diferença, WILBURG,
de protecção da norma, e já não se trata, então, da eventual Die Elemente des Schadensrechts, 1941, p. 157 ss.); este
prova da ausência de culpa. Aliás, ESSERfaz notar, com razão, remete, por exemplo, no comodato, o risco para o comodatário,
que o preceito do n.O 2 está hoje ultrapassado, em termos de tal modo que a atribuição de uma responsabilidade ao titular
materiais e que, em consequência, a prática o considera quase do animal só ocorre havendo culpa, enquanto que no mandato
como uma previsão da responsabilidade pelo risco (cf. Schuld- ou na gestão de negócios, pelo contrário, o titular do animal
recht, 2." ed., 1960, § 203, 4 a). suporta o risco, com base nos princípios desenvolvidos pela
(25) Para essa problemática cf., principalmente, ENNECCE- opinião dominante em analogia com o § 670 do BGB. [Nota
Rus-LEHMANN, 15." ed., 1958, § 253 V. do tradutor: o § 670 do BGB estabelece a responsabilidade do
(25) Fundamental, MÜLLER-ERZBACH, AcP 106, p. 351 ss., mandante pelas despesas necessárias do mandatário].
396 ss. e 409 ss.; quanto ao assunto, também ESSER,Grundlagen (*) Nota do tradutor: O § 281 do BGB estabelece o
und Entwicklung der Geführdungshaftung, 1941, p. 109 s.; commodum da representação, em termos semelhantes aos do
LARENZ, Schuldrecht A. T., § 15 I C. artigo 794.° do Código Civil português; o § 985 do BGB, por
(27) A rejeição de uma responsabilidade pelo risco !H)U turno, determina que o proprietário possa reclamar do
segundo o § 833/1 do BGB não significa necessariamente que I)()ssuidor a restituição da coisa.
consequência, em todos estes casos fica excluída a
aplicação do § 281. Cessando, pelo contrário, a pre- donal à coisa e não em face da ordenação real mais
tensão do § 985 através da perda da posse, já não há rorte?! Quando se parta da ordenação do § 281 no
qualquer obstáculo contra a aplicação do § 281. I>istema interno da nossa ordem jurídica, chega-se
Quando a supressão derive de um terceiro de boa fé rapidamente a uma solução convincente: só quando
ter adquirido a propriedade, deve-se, então, conferir - mas, também, sempre que - caiba uma sub-roga-
a primazia ao § 816 I 1 BGB como lex specialis <;ão, isto é, a substituição de um direito extinto por
(apesar da aceitação de um concurso de pretensões um novo direito surgido no seu lugar e, portanto,
parecer defendível) (*). Quando a supressão, pelo tenha desaparecido a pretensão do § 985, tem apli-
contrário, se deva a outros fundamentos - isto é, no cação o § 281. Com isso, tanto se evitam as dificul-
essencial, ao próprio perecimento da coisa - então dades, receadas pela doutrina dominante, que possam
a aplicação do § 281 surge como inteiramente justifi- surgir através da co-existência de pretensões do pro-
cada; porque razão não poderá, por exemplo, o pro- prietário contra o novo possuidor, com base no § 985
prietário pretender o montante do seguro ou a even- e contra o antigo, por força do § 281 (29), bem como
tual indemnização (28), quando o § 281 já a concede, as iniquidades a que leva, por seu turno, a doutrina
perante a mera existência de uma pretensão obriga- dominante (30), com a sua recusa geral de aplicação
do § 281 (31).
(28) Baseada, por exemplo, no contrato, em ligação com
o § 278 do BGB, desde que, acessoriamente, jogue também a (29) Em compensação, não se mostra que a aplicação do
problemátíca da liquidação do dano a terceiro. - Na entrega * 281 BGB possa atingir iniquamente o possuidor de boa fé,
da prestação indemnizatória ao possuidor - em vez de ao por ele, porventura, já ter utilizado o sucedâneo para os seus
verdadeiro proprietário - aplica-se, em certas circunstâncias próprios fins, na crença de que ele lhe competia. Ele ficaria,
o § 816/II BGB, em conexão com o § 851. <mtão, normalmente, liberado, nos termos do § 275 BGB.
(*) Nota do tradutor: O § 816 lIdo BGB dispõe: INota do tradutor: o § 275 do BGB estabelece a regra da
«Quando um não-titular pratique, em relação à coisa, um acto liberação do devedor pela impossibilidade superveniente da
de disposição que seja eficaz perante o próprio titular, fica prestação, que lhe seja imputável].
o não-titular obrigado a restituir ao titular o que tenha obtido (lO) Quanto a esta cf. principalmente, WESTERMANN,
através de disposição.» A possibilidade de um não-titular pra- Sachenrecht, 5.a ed., 1966, § 31, IV 4.
ticar, em relação à coisa, actos eficazes perante o titular (:n) Através do § 818 I/2 também nem sempre se deixa
liga-se, em primeira linha, ao princípio «posse vale título» o obter um resultado satisfatório, quando se aplicam os preceitos
qual, como já foi dito, embora comum na generalidade dos ~obre o enriquecimento junto dos §§ 987 ss. do BGB (o que, de
ordenamentos continentais, não vigora no Direito português. I'acto, não levanta problemas a propósito da sub-rogação).
Neste, o caso poderia ser posto perante uma aquisição pelo .Junto da pretensão baseada no § 985 não necessita de estar
registo. a do § 812; segundo o § 819 I, também só o conhecimento posi-
Iivo prejudica (no entanto, poder-se-ia pensar em alargar o
Refira-se ainda um terceiro exemplo. Quando se servação da unidade valorativa com as restantes
ordenem os § § 171)1 e 172/1 do BGB na responsabili- previsões normativas de responsabilidade pela apa-
dade pela aparência jurídica (*), segue-se, daí, que rência jurídica (*) (33).
apenas será protegido o terceiro de boa fé e que este
deve ter tid() conhecimento da previsão aparente,
isto é, da declaração questionável - resultado que
não poderia convincentemente ser retirado apenas
dos §§ 171/1 e 173, por causa da sua redacção o que foi concluído para a interpretação em sen-
pouco feliz (e que, por consequência, também são tido estrito, isto é, para a interpretação das normas
discutíveis). Só a ordenação dos § § 171 e 172 numa no quadro do seu sentido literal vale, mutatis mutan-
conexão sistemática geral (32) permite assim captar dis, para a integração de lacunas. A afirmação da
plenamente o seu conteúdo teleológico e determinar, jurisprudência dos interesses de que a integração das
em cada caso, as consequências jurídicas; joga aqui, lacunas não seria possível através duma argumenta-
ao contrário do último exemplo e em medida mais ção a partir do sistema é improcedente para um sis-
larga do que no primeiro, ainda um segundo ele- tema teleológico (34) e, do mesmo modo, também para
mento, ao qual se irá, em breve regressar: o da pre-
(33) Como exemplo, cf. ainda a esse propósito, a inter-
pretação conforme com o sistema dos § § 370 e 405 do BGB,
§ 819, para garantir a unidade de valoração com as restantes
infra p. 117 s.
previsões, de modo correspondente: cf., também, o problema
(34) Isso não quer naturalmente dizer, de forma alguma,
análogo no § 281 e, sobre isso, vide a antepenúltima nota).
que a integração de lacunas a partir do sistema seja sempre
(32) Coloca-se, nesta, de novo um problema circular. Para
possível. A jurisprudência dos interesses tinha toda a razão
o minorar, é necessário um critério que não esteja em conexão
quanto à rejeição da tese de que a compleitude da ordem jurí-
com a questão da relevância de má fé; desde que este se
dica se podia basear no sistema; cf. mais pormenorizadamente
encontre, resolve-se o problema. infra IV, 4 e § 6 III 1.
I (*) Nota do tradutor: O § 171/1 do BGB confere poderes
(*) Nota do tradutor: Os §§ 171/II e 172/II do BGB
de representação perante um terceiro ou perante a generali-
determinam, respectivamente, que os poderes de representação
dade das pessoas, respectivamente, àquele que, por notificação
estabelecidos nesses preceitos subsistam até que a indicação
especial dirigida a esse terceiro ou por anúncio público, seja
do procurador seja revogada pela mesma forma por que se
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este não faz sentido a contraposição tão apreciada de responsabilidade pelo sacrifício, a correspondente
entre a «construção apreensora» e a «construção Incuna, em concordância com as regras gerais e com
integradora de lacunas» (35). Pois, quando no desen- u consequência interna do princípio do sacrifício, deve
volvimento do sistema interior de uma ordem jurídica, integrar-se no sentido de o beneficiário ser o obri-
se trate da descoberta dos valores fundamentais gado (*). Outro tanto vale no tocante à necessidade
constitutivos, surgem aqueles elementos, com cujo de imputabilidade do responsável: caso se trate de
auxílio não só a determinação (35a) mas também a responsabilidade pela intervenção, ela é exigível, por
integração de lacunas é possível numa série de casos: analogia com os § § 827 s. do BGB; se se tratar de
os princípios gerais. responsabilidade pelo sacrifício, ela é irrelevante (39).
Os exemplos confirmam, de novo, essa afirmação. Assim, com exemplo no § 904/2 do BGB, não só
Quando, por exemplo (com a doutrina ainda plena- resulta claro como os pontos de vista decisivos para
1\ integração de uma lacuna provêm, directamente, de
mente dominante (36» se qualifica o § 904/2 do BGB
como uma previsão normativa de uma responsabili- uma ordenação sistemática, mas também como o
dade por intervenção (31), obtém-se desde logo, a par- resultado se modifica igualmente, com a qualificação
tir daí, a solução para o preenchimento da lacuna sistemática, - o que não admira quando se repara
contida nesse preceito e, designadamente, para a ques- que na diversa ordenação do § 904/2 se exprimem
tão do obrigado a pretensões: o interventor é res- opiniões opostas sobre o seu conteúdo material.
ponsável. Se, pelo contrário, se vir no § 904/2 (de
acordo com a opinião mais convincente (38» um caso
(39) Cf., ainda CANARIS,N. J. W. 64, 1963.
(*) Nota do tradutor: Segundo o § 904/1 do BGB, o pro-
estes esquemas visam a tutela da confiança de terceiros, em
termos semelhantes aos determinados no artigo 266.° do Código pt'ietário de uma coisa não pode proibir a actuação, sobre ela,
Civil português. de outrem, quando tal actuação seja necessária para obstar a
11 III perigo actual e quando, com isso, se provoquem, ao pro-
(35) Esta terminologia pode ser reconduzida a TRIEPEL;
cf. Staatsrecht und Politik, discurso do Reitor em Berlim, prietário danos relativamente pequenos; trata-se, pois, duma
1927, p. 22 s.
previsão de estado de necessidade objectivo. Nessa sequência,
(35a) Quanto a este cf. de seguida, o texto, infra II 2. Cl ~ 904/1I vem declarar que o proprietário pode exigir uma
(36) Cf. a explicação e as indicações em HORN,JZ 1960, indcmnização pelo dano que lhe tenha sido infligido. Com-
p. 350 ss.
pmende-se, assim, a lacuna de que fala CANARIS:a lei não
(37) Este conceito é, no entanto, dogmaticamente, ainda diz quem deve indemnizar: se o interventor ou se a pessoa
um tanto difuso. lJl'neficiada pela sua actuação. Perante a lei portuguesa,
(38) Cf., principalmente, LARENZ, Schuldrecht/B. T., 8." ed. H(~gllndoo artigo 339.°/2 do Código Civil, qualquer deles poderá
~i('1' chamado a indemnizar, de acordo com a decisão do tribunal.
1967, § 72, 1.
Do mesmo modo, das teorias da criação, do con-
direcção, ou renovam-se as suas consequências, e
trato, ou da aparência jurídica resultam, no Direito
assim por diante. Portanto, não se integra primeiro a
cambiário, consequências práticas, a propósito de uma
lacuna e, então, se confecciona a teoria; a lacuna é
série de problemas singulares (40). Não procede, pois,
antes integrada aquando da formação da teoria e a
a afirmação de HECK de que a decisão por uma ou por
teoria é elaborada aquando da integração da lacuna.
outra destas teorias não contém «qualquer juízo de Este processo não é apenas confirmado pela pesquisa
valor» e não deveria ser tomada «antes da integração fenomenológica (4:\) da formação das teorias jurídicas;
da lacuna, mas só depois» (41). Existe antes aqui, ele nem poderia, de antemão, apresentar-se de outra
precisamente, aquele efeito mútuo que foi acima (41a) forma, pois só assim a justeza e a unidade da ordem
descrito: procura-se, primeiro, entender as determina- Jurídica poderiam ser garantidas: apenas um perma-
ções da lei com o auxílio de uma das teorias e nente «vai e vem» pode prevenir o perigo de se
ordená-Ias nos valores fundamentais do nosso Direito solucionar a multiplicidade de questões de que se
privado; de seguida, retiram-se, da teoria, as conclu- trata numa problemática tão complicada como a das
sões para os casos não regulados; pondera-se a con- «teorias dos títulos de crédito», segundo pontos de
vincibilidade dos resultados assim obtidos (42); modi- vista contraditórios, assim como apenas teorias pro-
fica-se, disso sendo o caso, a teoria, numa ou noutra visórias e modificáveis preservam a unidade interior.
O referido efeito duplo existe apenas a propósito dos
problemas mais importantes, enquanto que para ques-
(40) Quanto a estes cf., por exemplo, JACOBI,Ehrenbergs Iôos singulares pouco significativas em termos de
Handbuch IV 1, 1917, p. 304 ss., ENNECCERUS/LEHMANN, ob. cit.,
formação de teorias, pode não assumir uma particular
§ 208 II = p. 844.
(41) Cf. Begriffsbildung cit., p. 103; certo, LEHMANN,ob. consideração; as lacunas podem ser desde logo inte-
e loco cito gradas a partir delas, isto é, do ou dos princípios
(41a) Cf. p. 89 S. constituintes básicos ou seja, sem que se ordenem os
(42) Como se faz tal ponderação é uma questão ainda resultados obtidos nem o seu influxo para uma modi-
pouco esclarecida. O sentimento jurídico joga aqui, por certo,
um papel essencial; no entanto, e para além disso, dever-se-ia
ficação da teoria; para estes casos vale precisamente
ainda tentar assentar a «justeza material» de um resultado o contrário da citada proposição de HECK, remeten-
em critérios objectivos tais como a «natureza das coisas», a do-se de novo para a justificação do princípio da
praticabilidade, a consonância com valores expressos noutros
lugares normativos, a confluência com princípios ou valores
gerais de Direito tais como a tutela do tráfego ou simi-
lares, etc. (I::) Psicologicamente o processo pode, evidentemente, ser
divl'I'SO.
vador, quer dinamizado r, travando, pois, ou acele-
adequação valorativa. Mas com isso acede-se já ao
rando o aperfeiçoamento do Direito. No primeiro caso,
segundo elemento essencial que confere ao sistema a
uma determinada solução é censurada como «contrá-
seu significado para a obtenção do Direito.
ria ao sistema»; no segundo, ela desenvolve-se, de
novo, como determinada pelo sistema; no primeiro
caso trata-se essencialmente da prevenção de contra-
11- O SIGNIFICADO DO SISTEMA PARA A DEFESA DA UNI-
dições de valores, no segundo da determinação de
DADE VALORATIVA E DA ADEQUAÇÃO NA INTERPRETA-
lacunas.
çÃO DO DIREITO
a doutrina dominante. WESTERMANN elaborou na ver- ("6) Isso vale igualmente pelo prisma da teoria objectiva!
Aliús a exclusão da aquisição de boa fé; da parte dos autores
da lei, propositada (cf. Mot. llI, p. 837, 2), de tal modo que
os partidários da teoria subjectiva devem reconhecer a decisão
(61) Cf. por todos WOLFF/RArsER, ob. cit., § 170 II 1 com como vinculativa.
nota 4; BAUR,Sachenrecht, 4." ed. 1968, § 55 B V 3. [Nota do (liO) Quanto à hipoteca, o BGB sujeitou consequentemente
tradutor: segundo o § 1250/1 do BGB,«o penhor transmite-se li cessão do crédito às regras do Direito imobiliário!
para o novo credor, através da cessão de créditos. O penhor (li7) Mesmo quando a tradição fosse constitutiva e a
não pode ser cedido sem o crédito}}.] Iransferência de penhor seguisse, portanto as regras do Direito
(62) Cf. ob. cit., § 105 V. mohiliário, a admissibilidade da aquisição de boa fé seria
(63) Cf. ob. cit., § 132 I 1 b. extremamente questionáveI. A posse confere, na verdade,
tém pois, de novo, a valoração (68); declará-Ia irrele- lima aplicação analógica do § 401 BGB, de tal modo
vante significa assim desconsiderar a valoração em qlloa pré-notação se transmita ipso iure com a cessão
causa. du crMito garantido (69). Mas com isso decide-se
Deve-se aliás ter em conta, também na interpre- IHuuhnente - o que não é suficientemente enfo-
tação criativa do Direito, que as construções legais cado - sobre a questão de saber se é possível uma
incluem, em si, valores. Este ponto de vista ganha l.Jügunda, terceira ou quarta aquisição de boa fé de
significado prático, por exemplo, a propósito da trans- uma pré-notação constituída por quem não tenha
ferência de uma pré-notação. Esta não está expres- poderes para isso. Vale, então, exactamente, o que
samente regulada na lei e a doutrina inteiramente t'ni dito para o correspondente problema quanto ao
dominante resolve, por isso, o problema através de penhor: porque se trata de uma aquisição exterior ao
rogisto O), portanto segundo as regras da cessão de
c •.(-ditos e não de acordo com o Direito imobiliário (70),
segundo o BGB, a propriedade, mas de modo algum, sem fica excluída uma aquisição de boa fé (71). A coloca-
mais, o penhor; é, de facto, muito provável que o possuidor
(;flo da transmissão da pré-notação sob o § 401 em
seja, igualmente, proprietário; mas nenhuma verosimilhança
comparável joga a favor de que o possuidor não proprietá- vez de sob o § 873 BGB (*) só pode ter o sentido de,
rio - o terceiro conhece pois aqui a falta da propriedade!-
seja credor pignoraticio: ele pode igualmente ser comodatário,
locatário, comissionário, etc. No exacto reconhecimento desta ('"1) Cf. por todos RGZ 142, 331 (333); BAUR,ob. cit.,
situação, a lei negou a protecção da boa fé perante o poder Il 20 V 1 a; WESTERMANN, ob. cit., § 84 V 1. Nota do tradutor:
de disposição e seria uma contradição de valores proteger a (l ~ -101 BGB dispõe a transmissão das garantias, com a cessão
boa fé na existência de um direito de penhor, a propósito do do eréditos; corresponde ao artigo 582.° do Código Civil.
qual a mera posse não oferece nenhum fundamento mais ('10) Em compensação, é irrelevante que se trate de uma
seguro do que a propósito do poder de disposição. A partir Ilquisição por força da lei; vale aqui a nota 64.
destas considerações não se poderá, aliás, aplicar também o (71) Muito duvidoso; quanto à problemática cf., sobre-
§ 1006 para além do 1227. tudo, BGHZ 25, 16 (23); MEDIcus, AcP 163, 1 ss. (8 ss.);
(68) Que WESTERMANN, ob. cit., o negue, seguindo HECK, IÜ:INICKE, NJW 64, p. 2373 ss. (2376 ss.); BAUR,ob. cit.,
não parece consequente perante a sua tomada de posição con- \l 20 V 1 a; WESTERMANN, ob. cit., § 85 IV 4, onde, noutra
trária (cf. em geral § 93 II 4 a e para o penhor, § 126 I 3) à posição, se toma expressamente posição também quanto à
polémica de HECKcontra o «dogma da acessoriedade»; pois problemática metodológica e, contra as considerações do texto,
também para a configuração do § 1250 I 1, a opção funda- N(' nega o conteúdo valorativo da construção (mas cf. quanto
mental do legislador a favor da acessoriedade das garantias 11 isso supra, nota 68).
reais jogou, indubitavelmente, um papel considerável e assim (*) Nota do tradutor: o § 873 BGB exige a inscrição no
o relaciona HECK,ob. cit., também expressamente à sua recusa I'('gisto predial para a transmissão ou oneração de direitos
geral do «dogma da acessoriedade». ~;obr() imóveis; o regime português é, sabidamente, diverso.
nela, não se ver um direito de tráfego imobiliário, mas
antes, apenas, um meio de garantia independente
perante o crédito, ou um anexo do mesmo e assim,
tão pouco como em face deste poderá, a propósito Urn primeiro limite resulta da natureza teleológica
daquele, haver uma aquisição de boa fé (72). Com a do todos os argumentos sistemáticos bem entendidos.
primeira questão fica pois decidida a segunda; sobre IkV(l nomeadamente ter-se em conta que o sistema
a solução da primeira pode discutir-se; a da segunda lIilo formula de modo adequado o valor em questão e
está, porém, traçada e aquela divergência deve con- que, por isso, seja sempre necessário um controlo
duzir a uma contradição perante a valoração firmada Ideológico - pelo menos implícito - quanto a saber
na primeira questão, - por onde se verifica, de novo, se a premissa maior ou o conceito mais vasto toma-
o elevado significado assumido pelo sistema para a dos ao sistema comunicam plena e acertadamente o
garantia da adequação valorativa. conteúdo valor ativo significado. Assim, por exemplo,
n proposição muito utilizada como argumento siste-
IlIÚ tico, de que na aquisição por força de lei não é
d(~ considerar a tutela da boa fé só muito condicio-
IV - OS LIMITES DA OBTENÇÃO DO DIREITO A PARTIR DO
SISTEMA nalmente é utilizável. Na verdade, ela prende-se com a
cOllsideração acertada de que ela se relaciona com a
uquisição ex lege independente da vontade das partes
As considerações produzidas até este momento (~ que, por isso, falta nela, em regra, a necessidade
acentuam o significado do sistema para a obtenção de protecção do tráfego indispensável para a aquisi-
do Direito mais do que o habitual; no entanto, não (;1\0 de boa fé; não obstante, ela vai, na sua formula-
se deve sobrestimar este, desconhecendo em especial (:fio, para além desta sua ratio. Mas isso é peri-
os limites que se põem à obtenção sistemática do goso porque, desse modo, não se atingem todas as
Direito (73). Cabe, a tal propósito, distinguir vários formas de aquisição legal (74), uma vez que uma trans-
aspectos. fer0ncia ex lege pode, em cer~os casos, ser apenas o
(12) Ob. cit., p. 162. ('11) Cf. Einführung, p. 161 e para as contradições de
(13) Acertadamente, ESSER,Grundsatz und Norm, p. 81 princípios (ainda mais fortemente diferenciador), p. 164; cf.
e p. 159, onde se diz que através de um princípio se mantém IlImhém jã Einheit, p. 63 s. e p. 84 ss., onde ENGISCH também
o outro em «dimensões razoáveis»; cf., ainda, LARENZ, l'I'conhece que, na verdade, a eliminação de contradições de
Festschrift für Nikisch, p. 301 s. valores - assim como as de normas pode ser «incondicional-
(14) Também ENGISCH não o quer; cf. ob. cit., p. 164; no , Ilwnte necessãria» (cf. p. 84); pergunta-se contudo por onde
entanto, ele não limita essa reserva às oposições de princípios, SI' deve medir a «necessidade» de uma eliminação e na res-
antes incluindo nela (em parte) também as autênticas contra- posta a essa questão, não se pode evitar o recurso à regra
dições (no sentido da terminologia utilizada no texto); no da igualdade, assim como surge a regra fundamental da elimi-
último caso ele não pode, contudo, ser seguido (cf. infra, 3, llaçilo recomendada no texto. - Em qualquer caso a termino-
no texto), e porque o tratamento jurídico de ambos os fenô- logia de ENGISCH,em parte diversa, merece consideração; cf.
menos é diferente, também por isso se recomenda uma clara quanto a isso, as notas 11 e 14.
delimitação terminolôgica. (11) Assim também LARENZ, Methodenlehre, p. 254; reser-
(15) A oposição é, pois, simultaneamente superada e vado, ENGISCH, Einheit, p. 62 s. (<<talvez»).
ainda mantida no compromisso. (lH) Cf. de seguida infra, 4, no texto.
para contrariar o perigo de contradições de valores e 111(;l)cS de valores e de princípios (20), portanto em
de princípios podendo, quando muito, perguntar-se ("/lHOS nos quais a ordem jurídica associou numa norma
que êxito já se obteve desse modo (10). Ó pt'(~vjsão P1 a consequência C e noutra norma a
lIlIllI previsão P2 valorativamente semelhante, no
t'liNl'neial, a consequência jurídica não-C. Além disso
podem-se evitar contradições de valores com recurso
l~ interpretação sistemática na medida em que se
Como meio auxiliar metodológico surge primeiro ílll(~t'pt'ete o teor de diferentes preceitos em confor-
ã interpretação sistemática e, dentro desta, sobretudo
Illidndc com o sistema, isto é, de modo unitário.
os princípios sobre a lex specialis, a lex posterior e a
AI1Nltn, por exemplo, só surge uma responsabilidade
lex superior (19a). Apesar de, inicialmente, elas só
pl'lll confiança pela emissão de uma procuração,
terem sido desenvolvidas a respeito de contradições
IIl'I',undo o § 172 I BGB, quando o sacador tenha
de normas - portanto em casos nos quais a ordem
«1'111 regue» o documento ao procurador e não quando
jurídica associa, à previsão P, numa norma, a conse-
quência C e noutra, a consequência não-C - pode-se t+ Ilw tenha sido roubado, ao passo que dois outros
transferi-Ia, pelo menos em parte, para as contradi- prl'ceitos da responsabilidade pela aparência, estrei-
IUlflente aparentados, a saber os § § 370 e 405 BGB
(30) Ela foi, como exemplo para tanto, apresentada por ('11) Cf., quanto a isso, em geral, CANARIS, ob. cit.,
ENGISCH, Einführung, p. 160, com razão. A polémica de p. 172 ss., com indicações.
SCHREIBER,Logik des Rechts, p. 60, contra ENGISCH é inopor- (:t,,) Cf. principalmente a crítica de LARENZ, VersR 63,
tuna (cf. a penetrante réplica de ENGISCH, ob. cit., nota 198a) p. !l!)( 55. (603) e Schuldrecht B. T., § 71 VIII. Nota do tradu-
e demonstra, tal como outras afirmações de SCHREIBER (cf., 101': quanto ao WHG vide a nota do tradutor, infra, p. 237.
quanto a isso, infra, notas 44 e 67) uma incapacidade alarga da ('''') Neste não se pode, contudo, falar de uma quebra
para colocações problemáticas axiológicas e teleológicas. 110 ~:isl.('ma; cf. infra, p. 128.
do risco - indispensável para a responsabilidade pelo
risco. A falta de uma quantia máxima no § 22 WHG 4. A problemática da vinculabilidade de normas con-
deve assim ser considerada como uma lacuna pois trárias ao sistema e a ligação do legislador ao
os princípios imanentes da responsabilidade pelo risco pensamento sistemático
exigem uma regulação correspondente e porque, por
outro lado, nem a redacção do preceito nem a his- Não foi, com isso, dito que semelhantes contradi-
tória do seu aparecimento deixam pensar que o legis- ções de valores e as quebras no sistema deles deriva-
lador tenha conscientemente pretendido encontrar uma dos devessem ser aceites sem excepção. Tendo-se
decisão contrária. Esta lacuna não pode, porém, ser designadamente presente que as contradiçõs de valo-
preenchida pelo juiz, por não haver disponíveis cri- res representam violações contra o princípio da
térios jurídicos específicos para a necessária deter- igualdade e que este é, de modo reconhecido, tanto
minação de uma quantia certa e porque uma seme- uma emanaç"io da ideia de Direito como também parte
lhante decisão, por força do factor de arbítrio que da lei fundamental, levanta-se a questão de saber se,
sempre contém, deve permanecer reservada ao legis- pelo menos em certas condições, não será, no caso
lador (34). Também aqui os meios de interpretação de uma contradição de valores, de negar eficácia às
criativa jurisprudencial estacam perante contradições normas em questão. Com isso passa a examinar-se
de valoração (35). um novo aspecto da problemática do sistema: a ques-
Em resumo, fica assim determinado que há con- tão da vinculabilidade de normas contrárias ao sis-
tradições de valores que não podem ser ultrapassadas tema e, consequentemente, a questão da ligação do
com auxílio dos métodos legítimos da interpretação legislador ao pensamento sistemático (36). Na sua res-
e da interpretação criativa do Direito. Tal o caso em
que a contradição de valores não se traduza numa
(36) Esta está, até hoje, ainda relativamente pouco estu-
lacuna, .mas num «erro jurídico-político» ou em que
dada. Remete-se, contudo para os trabalhos de ZIMMERL (Der
existia, na verdade, uma lacuna, mas a sua integração Aufbau des Strafrechtssystems, 1930,Strafrechtliche Arbeitsme-
seja proibida ou impossível. thode de lege ferenda, 1931, em especial p. 14 ss., 54 ss. e
146 ss.), nos quais, no entanto, o centro de gravidade não está
na problemática metodológica, mas sim na substantivo-penaIís-
tica; ZIMMERL argumenta também, predominantemente, de lege
(84) Quanto aos fundamentos cf., mais de perto, CANARIS, ferenda, de tal modo que a questão da adstringibilidade de
ob. cit., p. 175 s.
normas contrárias ao sistema, de lege lata, fica, nele, total-
(85) Quanto à questão da validade do § 22 WHG cf. mente subjacente. Cf. também BELING, Methodik der Gesetzge-
infra, p. 128 s., com nota 60. bung, insbesondere der Strafgesetzgebung, 1922, p. 20 s.
posta resultam aspectos metodológicos e ainda, tal Trata-se, agora, também de processar a existência
como perante a problemática da validade não poderia dI' lima contradição de valores e aí, de igual modo,
deixar de se esperar, aspectos constitucionais. lIImentar em que as normas contraditórias se supri-
llltlll c surgem, em consequência, lacunas de coli-
tll'lo C'H). Contra isso levanta-se, de imediato, a objec-
a) A solução com auxílio da aceitação de uma I;f\o de que existe para a eliminação de contradições
«lacuna de colisão» cHltro normas uma necessidade mais forte do que para a
c-litninação de uma contradição de valores C'D). A rele-
No que toca à primeira, reconhece-se na metodolo- vf\l1cia desta prevenção só pode ser ponderada quando
gia tra:dicional, há já muito uma figura que, em certas :w indague pelo fundamento que obriga à exclusão de
circunstâncias, também se pode revelar frutuosa na cOl1l.radições e quando se coloque este perante a
,presente problemática: a das chamadas lacunas de dirl'l'ença entre ambos os tipos de contradições. À pri-
colisão (37). Fala-se, tradicionalmente, de tal figura Illt'il'<l vista, parece jogar aqui um papel a ideia de
sobretudo nos casos de contradição de normas: quando qUI', no caso de uma contradição de normas, há uma
~ a lei, à previsão P, associe, em simultâneo, as con- 1'011 tradição lógica (40), e no de uma contradição de
"sequências jurídicas C e não-C e esta contradição vnlores, pelo contrário, apenas uma contradição axio-
r' não se deixe dirimir com recurso à interpretaçgo~)'
lcomum e à interpretação criativa, desaparecem então, ( ('i") Esta possibilidade já foi vista por ENGISCH,Einheit,
mutuamente, ambas as ordenações normativas do;' p. H~, c afirmada, não em geral, mas antes apenas para casos
Direito, surgindo uma lacuna. Mas com isso já sê' r:i1II~uJares (infelizmente não mais determinados). Contra, con-
ludo, CANARIS,ob. cit., p. 66, nota 32, onde as lacunas de
ultrapassou o âmbito da complementação da lacuna e
mlisfío (teleológicas) são claramente delimitadas das contra-
se penetrou no da derrogação, o que não tem sido, .lil;Cies de valores; a opinião aí expressa é aqui, por mim,
até hoje, suficientemente enfocado na literatura; pois lIhnndonada; d., em breve, no texto.
o passo decisivo ocorre antes da afirmação de uma ('li) Esta é a posição básica de ENGISCH,d. Einheit, p. 63
lacuna, designadamente na aceitação de que se deba- ,. lIihtührung, p. 161; cf. ainda BETTI, Allgemeine Ausle-
1:lIllgs1ehre, cito p. 638 (para a relação entre lex prior e lex
tem normas contraditórias e que, por isso, ambas ) 11 )~, lt~rior).
são nulas. (10) Assim SCHREIBER,ob. cit., p. 60; CANARIS,ob. cit.,
(.fI) Cf., principalmente, SCHREIBER,ob. cit., p. 60, que (11) Quanto à problemática, cf. por exemplo, KELSEN,
considera a necessidade de eliminação de contradições de nor- U"illc Rechtslehre, p. 76 s. e ARSP 52 (1966), p. 545 ss. (548);
mas como «exemplo para o facto de que as leis da lógica são ARSP 52 (1966), p. 195 ss.-A
I'III/,]]'PS, tentativa de SCHREI-
parte evidente do Direito». 111m, ob. cit., p. 63 ss., de encontrar um conceito superior
(42) Nesta direcção, SCHREIBER,ob. cit., p. 60. comum é totalmente errada. Pois quando ele escolhe «válido»
(43) SCHREIBER,ob. cit., p. 90 ss., faz uma tentativa para (~omo tal, isso traduz de novo uma facilmente detectável troca
fundamentar que as leis da lógica sejam parte do Direito. do conceitos: válido tanto pode ser utilizado como sinónimo
As suas considerações são, porém, desesperadamente confusas. dI' verdadeiro (<<uma afirmação válida») como sinónimo de
Em especial, .ele troca, de modo ostensivo a «ligação» às leis vig(~nt:o (<<uma prescrição válida»), tendo, no entanto, em
da lógica com a «ligação» do juiz à lei e ao Direito (cf. p. 93 s), IImbos os casos, um significado totalmente diferente e sendo,
e torna-se, com isso, culpado de uma primitiva troca de con- por isso, um conceito comum impraticável. SCHREIBERreconduz
ceitos, pois a força vinculativa de uma proposição enunciativa depois a transformação ilimitada de regras lógicas às regras
e de uma proposição de dever-ser é qualitativamente diferente. .Iurídicas e, finalmente, a sua própria teoria para o absurdo
Além disso, a citação de KLUG, p. 93, e o apelo às decisões quando ele afirma do conteúdo de uma norma jurídica exis-
jurídicas tomadas em revista, p. 94, deixam pairar a suspeita Il'ote: «Ê legal: os autores de dissertações sobre a lógica do
de que SCHREIBERconfundiu mesmo o carácter jurídico das Direito são relegados ou não relegados» (cf. p. 65 s.) e não
leis lógicas com o da ligação, a estas, do aplicador do Direito considera esta proposição jurídica, que confere escárnio a
(cf., quanto a isso, muito claro, KLUG, Juristische Logik, p. 142; qualquer conceito de validade, como a pura falta de sentido,
a propósito de «regras técnicas» especificamente jurídicas pode qU(~ela é, mas apenas como exemplo de uns «certos rigores
ser diferente, porque e na medida em que estas sejam expres- ti ue proposições jurídicas lógicas comportam» (p. 66). Só se
são de verdadeiras máximas de justiça; cf., quanto a isso, pode ver, nestas considerações, uma auto-crítica - aliás muito
ESSER, Grundsatz und Norm, p. 110 ss.). Infeliz.
assim só se pode, em termos puramente lógicos, 11I(;ÜO de invalidade de ambas as normas (16). Esse
concluir da contradição de duas normas que uma ('rif(-rio assume no entanto, também nas contradições
de elas deve ser inválida; trata-se, no entanto, de dt, valores, um papel decisivo, pois elas representam
explicar porque razão não são ambas inválidas - pois violações do princípio da igualdade, estreitamente
é através desta aceitação que a contradição de nor- ligado à proibição de arbítrio e assim se impõe de
mas deve ser eliminada - não se deixando, assim, facto a conclusão de que também na contradição de
resolver a problemática, de modo algum, com recurso valores se pode ser auxiliado pela aceitação de uma
à lógica. Im.:una de colisão.
Só nos aproximamos da efectiva fundamentação Não deve, a tal propósito, esquecer-se no entanto
da aceitação de uma lacuna de colisão quando per- lima diferença essencial para com as contradições de
guntemos quais de ambas as normas devem ser, res- normas: enquanto nestas o juiz, deve, em qualquer
pectivamente, válida ou inválida, e, ao mesmo tempo, caso, negar obediência a pelo menos uma norma, pode
se deixe claro que uma resposta juridicamente expli- ele, naquelas, seguir ambas as normas; enquanto no pri-
cável não é aqui possível porque, por força da par- meiro caso o juiz não tem pois qualquer possibilidade
ticular problemática da insolúvel contradição de de justificar o atentado à proibição de arbítrio com a
normas, faltam os correspondentes critérios de vali- sua vinculação à lei, pode ele, no segundo, apelar à
dade (45). Nada mais ficaria, aliás do que a mera autoridade do legislador, a cuja determinação respeita
decisão por qualquer de uma ou de outra norma. Mas a violação do princípio da igualdade e cuja vontade
isso seria puro arbítrio equivalendo a uma solução ele não pode desconsiderar. Nesta diferença deveria,
que, por natureza não seria jurídica. Em última aná- por fim fundamentar-se a ideia de que as contradições
lise surge a proibição de arbítrio que conduz à acei- de valores são mais comportáveis do que as contra-
dições de normas. Sendo-lhe atribuído tal significado,
efectivamente decisivo, levanta-se de imediato a objec-
(15) Quando seja possível fundamentar a primazia de
qualquer de ambas as normas, não há nem uma insolúvel .<.;50 de que um tratamento diverso entre as contradi-
contradição de normas, nem uma lacuna de colisão. Uma tal fun. ções de normas e as de valores e a preterição aí
damentação pode não só resultar das regras sobre a lex specialis
mas também de outros pontos de vista, como, por exemplo, de
que uma de ambas as normas contraria o sistema interno, a (iG) Que exista, através disso, uma lacuna de colisão,
natureza das coisas, a ideia de Direito ou os valores morais ~aí se deixa aceitar quando se aceite a proibição de denegar
reconhecidos na comunidade de Direito, enquanto a outra justiça; pois só esta bloqueia a saída existente de considerar
esteja em consonância com esses critérios; então vale apenas insolúvel a questão jurídica, por força da contradição; cf.
a última e não existe uma lacuna de colisão. Ctd\IARIS, ob. cit., p. 65 5S.
expressa do princípio da igualdade a favor da lealdade l.ituição, tanto mais que ela não está apenas assente
à lei deveriam ser rejeitados como um resquício posi- 110 art. 3 I mas antes «para além disso vale em todos
tivista. Esse aspecto pode, contudo, por agora ('Ga) os domínios como princípio constitucional autónomo
ficar em aberto; pois também do ponto de vista de I ilo escrito ... » (48). Com este pano de fundo ganha
um positivismo extremo, não fica o juiz, de modo () 'pensamento sistemático um novo aspecto do mais
algum, submetido sem excepção a normas infra-cons- alto significado prático: as normas contrárias ao sis-
titucionais, antes podendo negar-Ihes obediência com lema podem, por causa da contradição de valores
a fundamentação de que elas são inconstitucionais. nelas incluída, atentar contra o princípio constitucio-
Porque as contradições de valores são violações do nal da igualdade e, por isso, serem nulas. De facto,
princípio da igualdade, surge, precisamente, uma afe- o Tribunal Constitucional manifestou-se, também,
rição pela bitola do art. 3 I GG. A problemática tor- diversas vezes neste sentido e, por exemplo, consi-
na-se assim uma problematização constitucional. derou nula uma norma com a fundamentação de que
() legislador «se afastou do seu próprio princípio»,
sem que «houvesse razões bastantes e materialmente
b) A solução com auxílio do princípio constitucional figuráveis para esta contrariedade ao sistema» (49).
da igualdade Noutro local disse-se que embora o legislador fosse,
na verdade, livre «de se afastar de um certo círculo
Resulta imediatamente do art. 1 III GG que o jurídico de regras fundamentais que ele próprio colo-
a,rt. 3 I GG obriga também o legislador. É também cara» poderia um tal afastamento «ser um indício de
indubitável que ele vale para todos os domínios jurí- arbítrio, ... , quando com isso o sistema da lei fosse
dicos e em especial também para o conjunto do Direito abandonado sem razões materiais suficientes» (50) e,
privado (47), pois a legislação é sempre o exercício em lugar diferente, de novo afirmou o Tribunal Cons-
de um poder soberano e, por isso, não se trata da ti tucional que uma violação contra o art. 3 GG pode-
problemática da «eficácia externa» dos direitos fun- r.ia residir numa «regulação de tipo novo que caísse
damentais. Por consequência, as contradições de valo- fora do sistema, negando o sentido e o escopo da lei
rações não devem ser tratadas de modo diferente do até então existente» (51).
das restantes violações à regra da igualdade da Cons-
valores e, em consequência, quebras no sistema em PJ'oíbe aqui a igualização a casos em si similares, mas
todas as regras que «não permitam encontrar... um niío expressamente referenciados. Mas também se
razoável. .. fundamento para a diferenciação», pois suscitam outros escopos. Por exemplo, pense-se em
elas, por definição, não se reportam a afastamentos que o legislador, para a obtenção de uma unifica-
justificados dos valores da lei; no entanto, não resulta (;::ío jurídica internacional - por exemplo, dentro da
daí necessariamente sempre uma violação contra a CEE - adopta e sanciona legislativamente em deter-
proibição de arbítrio. Apesar de uma contradição de
valores, tal pode ser negado por razões diversas.
(51) Esta formulação corresponde à jurisprudência cons-
!nntc do Tribunal Constitucional; cf. por exemplo BVerfGE 18,
(52) Cf., por exemplo, BVerfGE 9, 20 (28); 12, 264 (273); 121 (124), com indicações extensas.
18, 315 (334). (5[;) Cf. também o exemplo do § 25 I 1 HGB infra, II 1 a. E.
(53) BVerfGE 1, 14 (52). (511) Cf., quanto a isso, ainda CANARIS,ob.· cit., p. 183 ss.
minados âmbitos, regulações que conduzem a que- Ulo-- mas hoje já (58) - considerar como nulos os
bras com princípios fundamentais constitutivos do preceitos da lei sobre sociedades de responsabilidade
nosso Direito, mas que por outro lado, não se pode limitada que não se harmonizavam valorativamente
decidir a revogar de uma maneira geral os princípios com as disposições comparáveis da nova lei das socie-
aprovados e introduzidos na consciência jurídica e· dades anónimas, em vista da planeada reforma do
modificar todas as prescrições comparáveis, em cor- Direito das sociedades de responsabilidade limitada,
respondência com os valores constitutivos da nova por não se «poder encontrar um fundamento para a
regulação. Também então, apesar da quebra do sis- diferenciação».
tema, não se pode falar de uma violação contra a Há assim casos nos quais uma quebra no sistema
proibição de arbítrio. Finalmente o facto de a ordem náo representa uma violação da proibição de arbítrio.
jurídica ter surgido em diversos tempos pode também Não se duvide da vinculabilidade da norma contrária
conduzir a quebras de sistema não elimináveis atra- ao sistema, pois também o fundamento de nulidade
vés da interpretação e da interpretação criativa do primeiro discutido, a aceitação de uma lacuna de coli-
Direito, sem que, por isso, deva sem mais haver sfío, se reporta à proibição de arbítrio e dela
«arbítrio». Na verdade, não se pode reconhecer a mera resulta (58a). Mas em regra haverá, na quebra do sis-
referência a um «crescimento histórico» de uma regu-
lação como justificação satisfatória para uma con- (58) Num certo momento, poderia de novo depender da
tradição de valores; pode no entanto haver um fun- tomada de posição quanto ao problema da omissão legislativa;
damento material para que o legislador não nivele não se duvida de que do princípio da igualdade se pode retirar
imediatamente a parte antiga pela nova. Ele pode, uma determinação constitucional de eliminação de contradi-
ções de valores.
por exemplo, residir em que «o tempo ainda não (58a) Seria por certo imaginável em si colocar na base um
amadureceu», para a nova regulação de outras áreas outro conceito de arbítrio do que o do art. 3 GG e concluir
jurídicas (que podem pressupor ainda, em certos assim pela nulidade dos preceitos contraditórios. Isso levaria
no .entanto o juiz a poder recusar obediência a uma norma
casos, uma quantidade de outros problemas!), ou
que não atentasse contra a Constituição o que parece conci-
muito simplesmente, por força da dificuldade do pro- Iiúvel com a sua adstrição constitucional à lei e com o princípio
cesso legislativo, que ainda precise de um certo da divísão de poderes, quando muíto naqueles casos extremos
tempo (57). Assim, por exemplo, não se deveria en- de «injustiça legislativa», expressos pela conhecida «fórmula
do RADBRUCH»: o reconhecimento de um semelhante caso
exl:remo não é, evidentemente, possível perante contradições
de valores ligeiras, antes pressupondo «arbítrio evidente» ou em
(57) A problemática poderia aqui transferir-se para a da ~mmelhantecritério «extremo», de tal modo que se chega assim
«omissão legislativa». ao mesmo resultado do artigo 3 GG. Aliás trata-se aqui, par-
tema, uma violação do princípio constitucional da t1lUifl do ~ 22 WHG (*). Aqui poderiam ocorrer danos
igualdade, no qual se deve ainda recordar que são dts IlHll1tante verdadeiramente inimaginável, de tal
apenas visadas autênticas quebras do sistema e não mndo que se pode afirmar o perigo da ruína econó-
as meras modificações do sistema, portanto apenas rukl1 do obrigado a indemnizar, colocando-se de facto
casos nos quais, efectivamente, exista uma contradi- -m Cllusa a possibilidade de uma cobertura integral
ção de valores e não apenas uma diferenciação de do dHl;O,através de um seguro. A falta de um mon-
valores - ainda que porventura pouco convincente titlllo Illúximo não se justifica, assim, em comparação
do ponto de vista jurídico-político, mas ainda admis- tHlIl1 nH outras previsões da responsabilidade pelo risco
sível. Como exemplo, pode ainda uma vez, remeter-se " "Ionta por isso contra o artigo 3/1 GG (60). Pelo
para a problemática, acima (59) discutida, da falta, 1111111011 l;onstitucionalmente, muito problemática deve
nalgumas previsões determinadas da responsabilidade Il'unb('1ll ser considerada a contradição acima citada
1'1111'0 o ~ 28/II e os §§ 130/II e 173/II HGB(61)-
pelo risco, do montante máximo. No § 833/1 BGB
('01110 em geral toda a regulação da responsabilidade
não se deve ver uma quebra no sistema mas apenas
1101' débitos antigos pela aquisição de um estabeleci-
uma modificação, porque os danos tipicamente cau-
IIll'nlo comercial ou pelo ingresso nele ou numa
sados por animais não são tão altos que ameacem o
Moelüdade comercial é valorativamente contraditório e
perigo de imputações de danos ruinosas e que o risco
não possa ser calculado totalmente, segundo técnicas (li") Se por isso o § 22 WHG é nulo ou se, do artigo 3 GG,
dos seguros, sem um limite máximo geral; e também fi pt'llWIderiva uma incumbência constitucional de uma corres-
por essa razão, mesmo quando se queira aceitar uma pondí'llle complementação do regime (cujo desrespeito deve
verdadeira quebra do sistema, não há aí uma evidente HI'I'lrnl.udo segundo as regras sobre a omissão legislativa) é
IIl1lnquestão geral de Direito constitucional relativa à presente
contrariedade material, de tal modo que não é alcan- pmhll·mál.ica; como conclusão poderia aqui ser dada a primazia
çado o grau necessário de diferença valorativa injus- li Nl\gundaalternativa.
tificada, em proporção bastante para a aplicação do (li I ) Se hã, efectivamente, ou não um desrespeito pela
art. 3 I GG. Diferentemente sucede, no entanto, no ('OIlH tiluição não tem de ser aqui definitivamente decidido.
hJIIlJ dl'ptmde de a contradição de regras atingir uma tal dimen-
respectivamente, mas também com o património pes- wmllmcnte se aceita. Às possibilidades da interpre-
soal - se pode manter perante a proibição constitu- Lm;llo c da interpretação criativa conformes com o
cional do arbítrio (61). Mas com isso deveriam consi- sistema (61'i) respeita, como saída mais lata, a aceita-
derar-se todas as disposições como nulas (em qual-
pio t.ratado no texto do § 22 WHG, as prescrições sobre a
quer caso nas suas partes contraditórias) (63) e não
quuntia máxima nas restantes previsões de responsabilidade
apenas uma disposição singular, pois não é evidente pI,lo risco - conformes com o sistema e de acordo com os
qual das normas é mais justa material ou sistematica- prlndpios! - não se devem, naturalmente, considerar nulas,
mente ou qual é «mais razoável», - enquanto noutros PUI'll evitar a contradição de valores; antes se deve comple-
casos pode permanecer uma de entre as várias nor- monlar o § 22 UWG através de uma regulação correspondente.
(<ltI) Esta poderia ser como um subcaso da interpretação
mas contraditórias entre si (64).
(l da interpretação criativa conformes com a Constituição,
I1wHlu que se veja o problema das quebras do sistema sob o
prl:iIl1!l, aqui representado, da proibição constitucional do arbí-
(62) Cf. quanto à crítica do § 25 HGB, PISKO, Ehrenbergs t.rio. Contudo, a interpretação e a interpretação criativa siste-
Handbuch des gesamten Handelsrechts, voI. II, 1914, p. 243 s., nllHica não se esgotam na eliminação de contradições que
245 s. e 255; para a crítica do § 28 HGB, Fischer, anotação a 'I'nlllim atingido uma tal dimensão que se ponha o problema
BHG LM Nr. 3 ao § 28 HGB. lh, lima violação do artigo 3/1 GG. Na verdade, poderia inver-
(63) Se o «resto» pode ainda ser considerado como válido IIllJlwnte a interpretação conforme com a Constituição (mesmo
e se, sendo o caso, surge uma lacuna a integrar pelo juiz é quundo não processada perante o artigo 3) ser um subcaso da
um outro problema que não compete a este círculo e que, i1111'J'pretação a partir do sistema (interno!) pois ela vê as
em geral, se coloca nas normas parcialmente inconstitucionais; 1I0J'IIH1Ssingulares perante o pano de fundo da totalidade da
cf., a tal propósito, também KNITTEL, JZ 67, p. 79 ss. onh-nl jurídica e poderia encontrar a sua legitimação última
(64) Vale o mesmo que acima foi dito a propósito das uo prinCÍpio da unidade e da ausência de contradições do
lacunas de ocasião (cf. nota 45). Assim, a propósito do exem- Dll'l'ilo.
ção da inconstitucionalidade e com isso da nulidade c;(IVel, essa discrepância entre o ideal de um sistema
de normas contrárias ao sistema. Estas podem, na 1111 sua realização não implica nada de decisivo con-
verdade, manter-se, em certas circunstâncias, perante lt'll () significado do sistema para a Ciência do Direito.
a Constituição, mas os exemplos acima introduzidos 1'010 contrário, resultou, no decurso dos presentes
a tal propósito deveriam ter tornado claro como são 11/ltudos,um aspecto no qual a formação do sistema
pouco numerosos semelhantes casos, nos quais exista t" de relevância prática: através da possibilidade de
uma verdadeira quebra do sistema, mas nenhuma vio- nulidnde das normas contrárias ao sistema.
lação contra a proibição de arbítrio. Que elas sejam
imagináveis é, de facto «perturbador» para a <<uni-
dade» do sistema, mas não o impossibilita. Pois
enquanto um sistema lógico-axiomático logo se torna
inutilizável perante uma única contradição entre os 1" Normas estranhas ao sistema como violação do
seus axiomas, porque toda a proposição é derivável princípio da unidade da ordem jurídica
dele (66), a contradição deixa-se «isolar» no sistema
axiológico ou teleológico: a formação do sistema é, A problemática das normas estranhas ao sistema
na verdade, impossível nesse ponto - e, consequente- ('I.;l{t estreitamente aparentada à das quebras do sis-
mente, também a obtenção do Direito a partir do lellla. Mas enquanto nestas e, em especial, nas nor-
sistema - mas todos os restantes domínios não são,
pelo contrário, perturbados por isso (67). Ainda quando
l.I'fIrio deve transmitir com fidelidade (cfo, quanto a isso, tam-
uma formação plena do sistema permaneça inalcan-
I)(11l1o~upra, § 2, nota 124). Além disso, SCHRElBER teria final-
Illl'nt.e reconhecido, através de uma simples leitura que LARENZ,
(66) Cf., por exemplo, LEINFELLNER, Struktur und Aufbau COIllOos exemplos claramente mostram, segundo a matéria,
wissenschaftlicher Theorien, 1965, p. 208; BOCHENSKI, Die nno teve em vista, apesar das suas formulações admissivel-
zeitgenossischen Denkmethoden, p. 80; POPPER, Logik der mente mal entendidas, contradições autênticas (e isso até nem
Forschung, p. 59. ('111~ome da lógica), mas apenas meras oposições de princípios
(67) Daqui parte a crítica de SCHREIBER, Die Geltung von I' rl~n6menos semelhantes (cf. mais desenvolvidamente supra,
Rechtsnormen, p. 199, a LARENZ, Festschrift für Nikisch, p. 301, /lolas 7 e 11), que deixam totalmente intocada a própria
e mostra apenas como SCHREIBER captou pouco as especialida- posi(;uo de SCHREIBER, da possibilidade de derivações plenas.
des do pensamento jurídico, i. é, predominantemente teleoló- Ik resto, afasta-se efectivamente do próprio uma proposição
gico (cf., quanto a isso, também as notas 30 e 44); o que vale como «Os vectores e princípios do Direito histórico global são
para um sistema lógico ou para uma proposição lógica não IllIprúprios, por razões lógicas, para mostrar ao juiz que nor-
é por isso necessário para um sistema teleológico e para Illas devem subjazer no domínio da criação juridica da solução
princípios gerais do Direito, cujas regras próprias, pelo con- 11('UIll conflito de interesses» (cf. SCHREIBER, obo cit., p. 198 so).
mas contrárias ao sistema, é violada a regra da ade- que a boa fé do antigo credor não desempenha qual-
quação valorativa, existe, naquela, uma inobservân- quer papel, porque não é, da sua parte, requerida
cia do postulado da unidade interior: trata-se de propo- IIllla «disposição» e também porque não existe
sições jurídicas que não estão numa contradição de nenhuma previsão objectiva de aparência (69). Na
valor com outras determinações ou com os princípios opinião do autor da lei, o sentido do § 25 I 1 HGB
fundamentais da ordem jurídica, mas que, por outro nl\o reside num desses dois princípios do Direito, mas
lado, também não se deixam reconduzir aos princípios ulltes em que se quis «corresponder» à experiência
jurídicos gerais, permanecendo, por isso, valorativa- du tráfego, segundo a qual «o respectivo proprietário
mente isoladas dentro da ordem jurídica global; elas da firma é considerado como titular e obrigado» (70) .
também não formam simplesmente uma modificação Protege-se, pois, a confiança numa falsa aquisição do
no sistema, porque (e na medida em que) a sua ratio direito (e com isso ainda independentemente de o
não possui convivência suficiente para poder valer lllltigo credor ter in concreto as representações jurí-
como enriquecimento consequente dos valores funda- dicas inteiramente acertadas!) Uma tal ratio legis tra-
mentais do âmbito jurídico em causa. duz, na nossa ordem jurídica, uma singularidade par-
Um exemplo retirado do Direito privado poderia ticular e não tem, em si, o mínimo poder convincente.
advir do § 25 HGR À primeira vista, poderia de facto () ~ 25 HGB não se pode, pois, de modo algum, orde-
parecer que ele seria ou (tal como, por exemplo, o 1I11 r sistematicamente.
§ 419 BGB) uma emanação do princípio da indissocia-
bilidade do activo e do passivo ou um subcaso da
responsabilidade pela aparência jurídica (68); mas am-
bas as hipóteses não subsistem a um exame mais /. Interpretação e validade de normas estranhas ao
profundo; não subsiste a primeira porque ela não sistema
poderia depender da manutenção da firma, porque a
responsabilidade deveria ser limitada ao património C::om referência ao manuseamento prático destas
recebido e porque a determinação também não deve- lIurmas estranhas ao sistema vale, de modo inteira-
ria ser dispositiva; não subsiste a segunda uma vez
ridas são uma falha pesada; também muitas normas prilldpio da igualdade e só pode, em consequência
dí'NN(~ carácter «formal», (pelo menos em parte) «pen-
em branco nada mais representam do que uma desa-
rlll r n 1(\ ao fim» valores já existentes, mas nunca
gradável solução de embaraço; mas por outro lado
1I1('III1(Ur valores inteiramente novos. Na verdade, as
as cláusulas gerais «carecidas de concretização» têm
1111 rleN questionáveis da ordem jurídica não devem
frequentemente uma função totalmente legítima e
)Wrlllill1eCer para sempre fora do sistema, mas antes
opõem-se a uma generalização demasiado rígida,
,'W podem tornar, depois de serem suficientemente
facultando a penetração da «equidade» no sentido da
l'ollcretizadas e determinadas para uma sistematiza-
justiça do caso concreto (75). Nesta posição torna-se (;i\o e uma incorporação, acessível ao sistema (77);
portanto notável que à formação do sistema, como 110 entanto, isto apenas é possível em parte, no melhor
já foi salientado (76), não só se oponha a origem his- dos casos e, sobretudo, nem sempre é desejável; pelo
tórica do Direito e a limitação das possibilidades 11]('1108 naquelas lacunas de valoração que respeitam
humanas linguísticas e de conhecimento mas tam- ;'1 erupção da «tendência individualizadora» da justiça,
bém - como limites de certo modo imanentes - a lima determinação sistemática sem sobras seria con-
«tendência individualizadora» da justiça. I r((ria à função. Abre-se, assim, um campo legítimo
pant uma forma de pensamento não sistematizada.
('omo tal refira-se, em primeiro lugar, a «tópica»
cujo significado para a Ciência do Direito vai ser ave-
(74) Estas são separadas, pela doutrina dominante na
Alemanha, das lacunas da lei, mesmo nos casos em que con-
riguado no parágrafo seguinte.
têm lacunas de valoração; cf. pormenorizadamente, CANARIS,
ob. cit., p. 26 ss., com indicações desenvolvidas.
(75) Cf. também supra § 4 IV 3, p. 85 e infra, § 7 II 2.
(76) Cf. p. 112.
No seu escrito
«Topik und Jurisprudenz» (1),
'l'11I<OIlOI{ apresentou a tese de que a estru~
VIEHWEG
Imil da Ciência do Direito não poderia ser captada
1'0111 o auxílio do pensamento sistemático (1a), mas
(I) 1953, 3." ed., 1965; cf. também Stud. Gen. 11 (1958),
IL :\:\/1 (338 s.). De entre as inúmeras recensões cf., princi-
flS.
(49) Quanto ao significado da tópica para a Ciência (1):1) Ob. cit., p. 109; contra ab. cit., p. 110, 112 e 119.
KUHN,
Política cf., por um lado, HENNIS, Politik und praktische Philo- ~I>'i) Cf. ob. cit., p. 607, coluna
1.
sophie, 1963, p. 89 ss. e por outro HELMUT KUHN, Aristateles (55) Nos casos excepcionais ele deve, naturalmente, ter
und die Methode der politischen Wissensscha.ft, Zeitschr. für H coragem de decidir contra a opinião de «todos» ou da
Politik, 1965, p. 101 ss. «maioria» e, sobretudo quando esta não coincida com a opinião
(50) Quanto à questão de até onde assim é cf. o artigo dos mais «sábios»; que a possibilidade de semelhante dis-
informativo de GRIMM, JZ 65, p. 434 ss. crepância resultava já da fórmula de ARISTÓTELES, sem que
(51) Cf. ob. cit., p. 603, coluna 2; cf. também GADAMER, surjam critérios para a sua solução, aparece como uma fra-
ob. cit., p. 18 s. (<<saber prático»); WIEACKER, Privatrechtsge- queza essencial da tópica.
schichte cit., p. 596 (<<justeza prática»). (50) Cf. HENKEL, ob. cit., p. 418 ss. que fala, a tal pro-
(52) Cf. ob. cit., p. 603 s. pósito, de «tópicos do Direito justo a procuran}.
processo pelo qual elas se encontram, como tópico, Por consequência, a Ciência do Direito também
- só que a arte legislativa não é Ciência do Direito Ili\o é, no fundamental (59), uma «Ciência da acção»
no sentido tradicional da palavra; e não se pode
colocá-Ia simplesmente, com esta, no mesmo plano, p()r em causa como se deve argumentar com correcção.
I(IOI<LE mostra, por todas as vias, que ele retira da possibili-
pois de outra forma a diferença fundamental entre finde do legislador de colocar valorações claramente apreen..
argumentação de lege ferenda e de lege lata seria sfveis; assim por exemplo na sua polémica contra o «ideal
abandonada (57). - um resultado inconciliável com a da ~;ubsunçãO»(p. 47 ss.) ou na sua afirmação desmedida-
repartição de poderes e a vinculação da jurisprudên- nwnte exagerada de que «a existência de uma proposição
ria à «lei e ao Direito» estatuída no Art. 20 lU GG (58). .Iurf<.licaque se torne, pelo simples 'entendimento', adequada
pura a subsunção» seja «um caso limite» e que o conceito
(57) Não se deve, naturalmente, negar que haja transi- de lacuna actue, por isso, «de modo mais perturbador do que
ções e casos-limite; isso não impede, contudo, de considerar ('scIarccedon> (p. 196; cf. também p. 205 s.). A opinião de
a diferença como, no essencial, certa (cf., também, a nota KI!IELE não se orienta apenas, de modo evidente, com dema-
seguinte). Não se pode, no âmbito deste trabalho, aprofundar ::iut1a intensidade, pelo Direito constitucional com a sua por-
mais as questões prévias altamente complexas que aqui se c;[ío de cláusulas gerais «carecidas de preenchimento com
conexionam; no entanto, a manutenção da diferença, apesar vIiiorações» mas também, demasiado unilateralmente, pela
de críticas sempre repetidas, corresponde ainda à opinião total- uctividade dos tribunais superiores e da Ciência; pela natu-
mente dominante; caso ela não se efectue, vai-se, naturalmente, reza das coisas, estes ocupam-se quase exclusivamente com
considerar também a tópica de modo totalmente diferente prohlemas de valorações que não foram claramente decididos
ainda que se não devam passar em branco as posições extre- 1)(,10 legislador mas nada depõe contra a existência de um
mas nesta questão prévia. número ilimitado de casos regulados de modo totalmente
(58) Ninguém quereria seriamente afirmar que não seja claro (e que, por isso, na maioria nem são seriamente litigio-
de todo possível uma diferenciação entre política do Direito ~;os!).Que «o BGB abra mais problemas do que os que resolva»
e aplicação do Direito e que, por isso, o Art. 20 lU GG con- (assim, KRIELE, ob. cit., p. 209), é, no entanto, uma afirmação
tenha um postulado inacatável e, assim, vazio. Por isso, contra qUl~ nada faculta e que, na minha opinião, deve ser rejeitada
a opinião de KRIELE, ob. cit., p. 149, não é, de modo algum, como aventureira (HECK é, sem razão, chamado por KRIELE
uma objecção sem sentido que o pensamento jurídico não como testemunha: no local citado, ele apenas diz que segundo
«possa ou não deva ser tópico». A «tese tópica» antes só llmCl 'determinada terminologia «talvez a maior parte das ques-
pode, pelo contrário, de modo razoável, entender-se metodoló- tlJes duvidosas respeita à existência de lacunas na lei»;
gica e normativamente e não fáctica ou fenomenologicamente; KIUELE desconhece aqui (tal como na p. 196), de modo evi-
seria uma afirmação despropositada o dizer que o jurista, ciente, a limitação a questões «duvidosas», sobre cuja relação
«inelutavelmente» (cf. KRIELE, ob. cit.) pensa de modo tópico, numérica com as não duvidosas HECK não diz um mínimo, bem
portanto só pode necessariamente (!) apoiar os seus argu- como sobre o significado puramente terminológico da posição
mentos, de forma exclusiva, na EvlloEa e no common sense na qual se trata de uma delimitação linguística entre «sub-
mas não na ordenação da lei, independentemente disso, e HIIIl<';ÜO» e «complementação da lacuna» e nada mais).
com bastante frequência em contradição com ela e só pode (110) Mas cf. também infra, n.O2.
no sentido em que HORN utiliza o conceito, mas sim fllllll'S (li'). A tópica deveria formar a necessária
uma ciência hermenêutica: ela é, largamente (59), ('lIll1plementação das proposições da lógica formal
uma Ciência do entendimento correcto e não da 1111 Cillncia do Direito; no essencial, apenas um
actuação certa (60). No essencial, o Direito objectivo pt'llsamento teleológico-sistemático, como acima foi
impõe as determinações sobre esta última, devendo, 11Iais detidamente explanado (65) e que corresponde
em regra, o juiz, complementar apenas, de modo 11lI.ie, de modo pleno, ao entendimento metodológico
consciente, os seus valores (61) e não colocar em seu dominante (nro,,), o poderia fazer. Ele distingue-se da
lugar as intuições de outros, sejam elas «as de todos, lópica, sobretudo, em dois pontos: orienta-se em
ou da maioria ou dos sábios». Que este «entendi- t.mll\os hermenêuticos (nn), isto é, visa a execução
mento» não poucas vezes contenha um elemento de
valoração própria - cujo significado não deve ser ("1) Isto tem sido, muitas vezes, contraposto a VIEHWEG;
substimado - e que não se deixe enquadrar com os 1'1' •• p, ex., ENGISCH, ZStrW, 69, p. 600; DIEDERICHSEN,ob. cit"
meios da lógica formal, nada diz a favor da tópica; p. ()!)!) s.; KRIELE, ob. cit., p. 120 ss., em. especial p. 124,
110(a '12; cf., mas cf. ainda a citação da nota Ia).
pois esta não é, de modo algum, a única alternativa
('11\ ) Cf. § 2 lI.
à lógica formal e, de nenhuma forma, o único pro- ("~n) Cf. as indicações do § 2, notas 117 e 133.
cesso para a obtenção de premissas (62) e por isso, as ("11) Perante a multiplicidade de sentidos da expressão
permanentes afirmações de VIEHWEG quanto ao êxito «topos» é de recear que muitos partidários da tópica não
limitado do pensamento lógico-formal na Ciência do vt'nham aqui, a ver qualquer oposição (cf. VIEHWEG, ob. cit.,
p. 24 e sobretudo, bem para além da tornada de posição em
Direito (63) são tão pouco demonstrativas da sua «tese
caul>a na p. 24 e não justificado pelo aí dito, p. 59. Cf. ainda
tópica» como a sua polémica contra um sistema COlN(;, Auslegungsmethoden, p. 22 s. e F. MÜLLER, ob. cit.,
axiomático-dedutivo (63), que já não tem represen- 1'. 45 ss., que fala justamente de «hermenêutica tópica», pon-
do-a, contudo, em oposição à tópica). Mas isso iria apenas
caul>ar confusão terminológica e embaraçar as contraposições
materiais - que existem no essencial, entre uma doutrina do
(60) Nesse sentido, com clareza, WIEACKER, JZ 57, p. 704 «t'nt"endimento justo» e da «actuação justa». Desde que exis-
e 706; d. também Zur rechtstheoretischen Priizisierung des tam certas conexões - por exemplo entre o «pré-entendimento
§ 242 BGB, 1956, p. 19 e Festschrift für Erik Wolf, 1962, p. 451.
hermenêutico» no sentido de HEIDEGGERe GADAMERe a liv õ o E IX
(61) O conceito da «jurisprudência das valorações» não que, p. ex., EHMKE (VVdDStRL 20, p. 53 ss.) relaciona de modo
é isento de confusões pelo que foi, p. ex., recusado por HECK; original (cf. quanto a isso também F. MÜLLER, ob. cit.,
cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, p. 50 s. p. 45 ss.), -, põe-se a necessidade de uma diferenciação básica,
(62) As Ciências Naturais não se servem, por exemplo, t.anto mais que ambas as formas de pensar se completam, em
sem dúvida, da tópica para a descoberta das suas premissas. IHI rlicular na Ciência do Direito e, em parte, se interpenetram
(n3) Cf., sobretudo, p. 53 ss.
lllut.uamente (d., quanto a isso, também no texto infra, 2 e 3).
de criações espirituais objectivamente pré-dadas e COlIlO resultado intermédio pode-se pois conside-
recusa-se, por isso, a apoiar as suas premissas apenas I'/:ll' lJIW a tópica não alcança satisfatoriamente, tão-só
na EliaO~Gl ou no common sense; e não considera todas Jlo l'I'lscncial, a estrutura da jurisprudência. Isso
as questões que surjam como problemas singulares 1'f11H1ltll, sobretudo, de que um tópico, como tal, é
isolados, como é característico da tópica (67), mas fllltllHlHlima proposta de solução e não, desde logo,
antes procura, seguindo a tendência generalizadora DI/'oito positivo e isso ainda que ele se pudesse impor
da justiça (68), e procedendo, assim, de «modo siste- <lU purtir do problema» mesmo quando fosse «mate-
mático», reduzi-Ios a problemas mais gerais, tão I'llllllwllte justificado». A tópica só pode resolver a
extensos quanto possível (68a) a solucioná-Ios sobre o 1I11ostL\oem aberto da adstringibilidade dos pontos de
pano de fundo da «totalidade da ordem jurídica» isto vlHtll, assim levantados, e da escolha entre eles, atra-
é, do sistema teleologicamente entendido. Vt114 do recurso à «opinião de todos ou da maioria
I III dos sábios» ou ao common sense, assim se situando
Cf., ainda, também APEL,Die Idee der Sprache in der Tradition IlJII forte oposição à doutrina jurídica da validade e
des Humanismus von Dante bis Vico, 1963, que quer (p. 143)
c111N fontes do Direito. Por conseguinte, os seus segui-
englobar a tópica numa «hermenêutica transcendental (exis-
tencial)>>,embora assentando, tal como HEIDEGGER, num sentido
di )I'('H nfio distinguem suficientemente entre as tarefas
muito englobante da palavra hermenêutica. Ilu Il'gislação e as da jurisprudência e desconhecem
(67) A tal propósito, também é característico que qUI' li Ciência do Direito tem a ver, em primeira
VIEHWEG considere como tarefa da Ciência do Direito sempre Iínl111,com a execução consciente de valores já legis-
e de novo a busca da «justiça permanente» pela qual «algo se IlIdos e não com a escolha tópica de premissas; por-
justifica aqui e agora» (cf., respectivamente, ob. cit., p. 63 e
p. 65 e passim e também supra, nota 45). Cf. ainda GADAMER,
lunto ó uma doutrina do «entendimento justo» e não
ob. cit., p. 18 s. que coloca a tópica em conexão com a do «comportamento justo».
phronesis aristotélica, caracterizando-a como o conhecimento
«prático» e retratando-a do seguinte modo: «... ela dirige-se
à situação concreta. Deve, portanto, abarcar as «circunstân-
cias» na sua infindãvel variedade». Cf. ainda EHMKE, VVdDStRL
20, p. 55: «A solução do problema deve ser encontrada com
a ponderação de todos os pontos de vista relevantes para o Com isto fica também já claro, como e em que
caso concreto ... ».
circunstâncias tem o pensamento tópico uma função
(68) Quanto à contraposição entre a tendência generali-
sigllificativa a cumprir dentro da Ciência do Direito:
zadora e a individualizadora do princípio da justiça, cf. supra,
§ 1 II 2 com indicações na nota 32 e o § 4 IV 3. ~Wllllll'e que faltem valorações jurídico-positivas sufi-
(68a) Cf., a tal propósito, também, ENGISCIl,Wahrheit cil'lItcmente concretizadas. Pois nesse caso, não só as
und Richtigkeit im juristischen Denken, 1963, p. 20 s. possibilidades do pensamento sistemático deparam
com limites inultrapassáveis (60), como também se
verificam, em regra, as características da tópica: as problema singular e, até, para o caso concreto no
normas só podem aqui ser preenchidas, em termos qual surge o remeter há muito dominante - para a
«vontade hipotética das partes» (70).
de conteúdo, através do juiz, de tal modo que este
deve actuar como o legislador, decidindo, afectiva-
mente, àcerca da máxima do «comportamento cor-
recto»; ele fica adstrito, no campo da sua «auto- b) A tópica como processo adequado perante remis-
-valoração», a considerar os valores e as intuições sões legislativas para o «common sense» e perante
decisões de equidade
jurídicas, culturais e sociais dominantes na comuni-
dade jurídica em causa, o que é dizer: ele deve reme-
ter-se à E\laO~a. De que círculos de problemas se trata, o segundo grupo aqui em causa é o das cláusulas
circunstanciadamente? gerais carecidas de preenchimento com valorações.
Também nestas se deixam surpreender ao caracterís-
ticas do pensamento tópico. Assim, por exemplo a
a) A tópica como meio auxiliar perante a falta de fórmula da consideração «de todos quantos pensam
valores legais bastantes, em especial nos casos justa e equamente», utilizada pela jurisprudência para
de lacunas 11 concretização do § 138 BGB (*), está próxima de
lima definição de ElIaO~a (71): de igual modo, a deter-
Devem-se, em primeiro lugar, referir certos casos Ininação do conteúdo do «cuidado necessário no trá-
de lacunas da lei, para cuja interpretação o Direito feg(»}, no sentido do § 276 BGB (**), só é possível
positivo não compreenda valorações. O exemplo clás-
sico que ocorre, a tal propósito, é a falta de uma (''') Quanto ao estado actual
de discussão cf., principal-
regulação sobre o estatuto das obrigações no Direito 11Il'n t.l', SOERGEL-KEGEL, Bürg. vaI. V, 9." ed., 1961,
Gesetzbuch,
internacional privado alemão. Aqui, nada mais resta 1111 rodução ao artigo 7 EGBGB, notas 167 ss.; SANDROCK,Zur
"I'I:<'i!'zenden Vertragsauslegung im materiellen und Schuldver-
do que recorrer a diversos pontos de vista mais ou
(rju,:srccht, 1966, p. 132 ss.
menos procedentes, experimentá-Ias em face do pro- <li) eL, a tal propósito, também EHMKE, VVdDStRL 20,
blema e ponderá-Ios uns perante os outros, isto é, I', 'lI, onde o poder convincente dos argumentos tópicos se
proceder em termos tópicos, num movimento, carac- IlJil)in no «concurso de todos 'os que pensam razoável e jus-
101111'11""».
terístico para a tópica, fortemente orientado para o
('I-) No/a do tradutor: segundo o § 138 BGB, «um negócio
(69) Quanto a estes cf., mais pormenorizadamente, supra,
IlIl'Idl,'o qlW at.ente contra os bons costumes é nulo».
6, em especial o n. o IH. (""') No/a do tradutor: segundo o § 276 I, 2 BGB, «Actua
'''111 I'lIlpll '1l1('rtl n[[o observe o cuidado necessário no tráfego»,
numa distanciação perante o caso concreto conside-
rado através do que o «comerciante ordenado», o :.L A Interpenetração e a múltipla complementação
«condutor razoável», etc. façam, portanto através da dos pensamentos sistemático e tópico
formulação de regras do «comportamento justo»
- trata-se, justamente, disso! - com auxílio do re- disse que os pensamentos tópico e sistemático
.11'1
curso à opinião «de todos, da maioria ou dos 11110 NÜO opostos exclusivistas, mas antes se comple-
sábios» (72). Perante o pensamento sistemático, a !lH'llllllll mutuamente (75). Assim, eles não estão, como
tópica tem, assim, aqui, uma função complementadora Illlv(':I. possa ter resultado das considerações feitas
inteiramente legítima a cumprir; pode-se mesmo dizer I1lc'·aqui, isolados um frente ao outro, antes se inter-
que, nesta questão, se exprime de novo a «polari- p"lldrando mutuamente. Assim, também quando à
dade» dos valores jurídicos mais elevados (7~): a tópica Iôpkn seja conferida a primazia, não se torna a siste-
ordena-se na equidade, portanto na tendência indivi- 1I1IHica totalmente sem sentido. Isto fica bem patente
dualizadora (68) da justiça (13a); ela representa o pro- III! circulo problemático primeiro referido, portanto
cesso adequado para um problema singular formulado !laqueies casos de lacunas nos quais o Direito posi-
o mais estritamente possível ou uma argumentação Iivo nilo contenha valorações para a integração: a
de equidade, orientada para o caso concreto, na qual, Iópica nada mais é aqui do que um meio auxiliar
no essencial, nenhum ponto de vista discutível se 1l'lllllnc1o-sc então de substituir o mais depressa pos-
pode rejeitar liminarmente como inadmissível, tal IJlvol os inseguros tópicos por claras valorações, isto é,
como é típico do pensamento sistemático abstracto, dI' determinar sistematicamente a resolução.
apoiado na tendência generalizadora (68) da jus- Mas também na concretização de cláusulas gerais
tiça (71). carecidas de preenchimento com valorações, nas quais
(72) Onde, em oposlçao à fórmula aristotéIica, está fora lt'I!f(·S. mas apenas certas soluções de problemas como aten-
de dúvida de que se não trata de uma bitola estatística, mas I"dos contra os princípios fundamentais constitutivos do Direito
sim normativa. VI)~('l\le.
(73) Cf. também supra, § 1 IV 3 nota 390 (th) Para uma ligação da tópica e da sistemática, com
(73a) Quanto à equidade como expressão da tendência IllIrll.iplas variações particulares, cf. também ESSER, ob. cito,
individualizadora da justiça, cf. HENKEL, Einführung in die 1', li N,. 44 5S. e passim e Stud. Gen. 12 (1959), p. 104 e 105,
Rechtsphilosophie, p. 327, com indicações na nota 2. ""I. 2; KASER, ob. cit., p. 53; PETER SCHNEIDER,VVdDStRL 20,
(74) Não há aqui uma contradição perante a «abertura» 1'- :\'1 (' fil; I-fENKEL,ob. cit., p. 426; RAISER, NJW 64, p. 203 s.;
do sistema no sentido do pensamento «aporético»; pois o sis- I )llllI'l(I('IISEN, ob. cit., po 704 s.; F. MÜLLER, obo cito, p. 57 e
tema não exclui determinados problemas como questões apa- 1', 'i'1; /:II'I'El.IlJS, ob. cit., p. 2233, d.
a tópica é bem mais de que um mero auxiliar, surge a4111 111\1(,olljunto de preVlsoes firmes - móveis no
uma tendência clara para sistematização (76). Não só
/:lt1lllfdo de WILllURG ("0) ---e totalmente aberto, num
as cláusulas gerais se devem interpretar sempre à luz
íll11hlto I'miitlual só captável em termos tópicos: a
da ordem jurídica global, portanto sobre o pano de
f1ltC!\IH;1l0do «dolus praeteritus» poderia já ser uma
fundo do sistema - assim, por exemplo, o § 138 BGB
Iln1v!lll1o fixa, largamente preenchida em termos valo~
tem sido interpretado com recurso a valores expres-
IrttlVO~jlldequados (ainda que também com o elemento
sos noutros locais da ordem jurídica e, portanto,
Illll'l1wlivo (''') do «dolo»); a excepção da suppressio
sistematicamente conectados, e não a partir da
l't'prl'Hl'llta, pelo contrãrio uma previsão móvel, na
ElIa()~a (77) --- como ainda, e sobretudo, se verifica que
qllld ümbora os «elementos» estejam firmes (82), a
a sua concretização ocorre, largamente, através da
1'!IIHl!'qll~ncia jurídica só resulta em cada caso da sua
formação de tipos, isto é, em parte, através da for-
«l'olu(;l)o de composição» (83) enquanto a excepção do
mação clara de previsões normativas (78), pressionan-
«V(\lIil'l' contra factum proprium» se poderia, ainda
do-se, com isso, no sentido da determinação siste-
Itll.it'. colocar nos limites entre uma previsão «móvel»
mática. Pense-se, por exemplo, no § 242 BGB, no
!' IImu c1úusula geral topicamente aberta (84); o maior
trabalho de sistematização efectuado pela jurispru-
f1lllhilo destes três tipos permanece contudo ainda
dência e pela doutrina, em prol da sua «precisão jurí-
lu 1'1'.11llIcn te por concretizar, pelo que qualquer tópico
dico-teórica» (79). Assim se autorizou, para referir
(', udrnissíveJ. Assim, não se deve abandonar total-
apenas um exemplo, a «exceptio doli» e, dentro
1I\('nl(~ a cláusula geral à equidade e, com isso, ao
desta, que se conserva ainda como uma «sub-cláusula
pl'll:mnwnto tópico. Antes releva, também nela, a
geral» carecida de preenchimento com valoração, sur-
I I
I
I
I I
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81. Die Bindung des verfassungsandernden Gesetzgebers an 348 S. 1982. DM 118,-.
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10. A evolução do Direito e a sucessão de
modelos sistemáticos; os modelos perifé-
rico, central e integrado . LXX
11. Mpdelos sistemáticos e codificações civis LXXXIV
IV - A REALIZAÇÃO DO DIREITO . . CI
12. O esquema concepto-subsuntivo; críticas;
a unidade da realização do Direito e a
natureza constituinte da decisão. CI
13. Os modelos de decisão; pré-entendimento,
sinépica e integração horizontal . CVII
14. O novo pensamento sistemático. CXII
li I." A FUNÇÃO DA !DElA DE SISTEMA NA CIÊN-
CIA DO DIREITO 9
1. O sistema «externo» . 26
2. O sistema de «puros» conceitos funda-
mentais 27
::I. O sistema lógico-formal 28
a) O sistema lógico da jurisprudência
dos conceitos 28
b) o sistema axiomático·dedutivo no
sentido da logística
I ~"A uIJertura do «sistema científico» como
4. O sistema como conexão de problemas
íncompleitude do conhecimento científico. 106
II A abertura do «sistema objectivo» como
a) O conceito de sistema de MAX lIIodificabilidade dos valores fundamentais
SALOMON da ordem jurídica . 107
b) A concepção de FRITZ VON HIPPEL III - O significado da abertura do sistema para
as possibilidades do pensamento sistemático
5. O sistema como relações da vida . c da formação do sistema na Ciência do
6. O «sistema de decisões de conflitos» no Direito . 109
sentido de HECK e da jurisprudência dos IV - Os pressupostos das modificações do sis-
interesses . tema e a relação entre modificações do
sistema objectivo e do sistema científico 112
a) A posição da jurisprudência dos inte-
resses quanto à ideia da unidade do 1. Modificações do sistema «objectivo» . 114
Direito 2. Modificações no sistema «científico» . 124
b) As fraquezas do conceito de sistema
da jurisprudência dos interesses