Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
G.R.S.Mead
Edição de 1901
CONTEÚDO
I
Introdução
II
As Associações e Comunidades Religiosas do Primeiro Século
III
Índia e Grécia
IV
O Apolônio das Primeiras Descrições
V
Textos, Traduções e Literatura
VI
O Biógrafo de Apolônio
VII
Primeiros Anos
VIII
As Viagens de Apolônio
IX
Nos Santuários dos Templos e Retiros Religiosos
X
Os Gimnosofistas do Alto Egito
XI
Apolônio e os Governantes do Império
XII
Apolônio, o Profeta e Taumaturgo
XIII
Seu Estilo de Vida
XIV
Ele e Seu Círculo
XV
De Seus Ditos e Sermões
XVI
De Suas Cartas
XVII
Os Escritos de Apolônio
I. INTRODUÇÃO
Se, por exemplo, o leitor dirigir-se a trabalhos de história geral como o de Merivale,
History os the Romans under the Empire (História dos Romanos sob o Império –
Londres, 1865), ele encontrará, de fato, no capítulo iv, uma descrição do estado da
religião até a morte de Nero, mas aprenderá pouco de seu estudo. Se ele recorrer à
Geschichte der römischen Kaiserreichs unter der Regierung des Nero (História do
Império Romano sob o Reinado de Nero – Berlin, 1872), de Hermann Schiller, ele
encontrará muitas razões para abandonar as opiniões vulgares sobre os
monstruosos crimes imputados a Nero, como de fato poderia fazer pela leitura do
artigo de G.H.Lewes Was Nero a Monster? (Nero foi um Monstro? – Cornhill
Magazine, julho de 1863) – e ele também encontrará no livro IV, capítulo III, uma
visão geral da religião e da filosofia da época que é muito mais inteligente que a de
Merivale; mas tudo ainda é muito vago e insatisfatório, e nos sentimos fora da vida
íntima dos filósofos e religiosos do primeiro século.
Se, ainda, ele acorrer aos últimos escritores da história da Igreja que abordaram
esta questão específica, verá que eles estão inteiramente ocupados com os
contatos entre a Igreja Cristã e o Império Romano, e só incidentalmente nos dão
alguma informação sobre a natureza do que buscamos. Neste terreno específico, C.
J.Neumann é interessante em seu cuidadoso estudo Der römische Staat und die
allgemeine Kirche bis auf Dioclecian (O Estado Romano e a Igreja Geral até
Diocleciano – Leipzig, 1890); enquanto que o Prof. W.M.Ramsay, em seu The
Church in the Roman Empire before AD 170 (A Igreja no Império Romano antes de
170 d.C. – Londres, 1893) é extraordinário, pois ele tenta interpretar a história
romana através dos documentos do Novo Testamento, cujas datas em sua maioria
são tão calorosamente disputadas.
Mas, você pode dizer, o que tudo isso tem a ver com Apolônio de Tíana? A
resposta é simples: Apolônio viveu no primeiro século; seu trabalho foi realizado
precisamente entre estas associações religiosas, colégios e guildas. Um
conhecimento deles e de sua natureza nos daria uma ambientação natural para
grande parte de sua vida; e informação sobre suas condições no primeiro século
talvez nos ajudasse a entender melhor alguns dos motivos da tarefa que ele
empreendeu.
Entretanto, pode ser dito que esta informação não está disponível simplesmente
porque não é encontrável. De modo geral isto é verdade; não obstante, muito mais
do que já foi feito até agora poderia ser tentado, e os resultados da pesquisa em
direções específicas e nos desvãos da história poderiam ser combinados, de modo
que o leigo pudesse obter alguma idéia geral das condições religiosas da época, e
fosse assim menos inclinado a se juntar à agora estereotipada condenação de todo
o esforço moral e religioso não-Judeu ou não-Cristão no Império Romano do
primeiro século.
Mas o leitor pode redargüir: As coisas sociais e religiosas naqueles tempos devem
ter estado em uma condição muito deplorável, pois, como este ensaio demonstra, o
próprio Apolônio passou a maior parte de sua vida tentando reformar as instituições
e cultos do Império. A isto respondemos: Sem dúvida havia muito a ser reformado,
e quando não há? Mas para nós seria não apenas mesquinho, mas nitidamente
maldoso, julgarmos nossos companheiros daqueles dias somente pelo alto padrão
de uma moralidade ideal, ou mesmo desclassificá-los sob o peso de nossas
próprias supostas virtudes e conhecimentos. Nossa opinião não é que não havia
nada a reformar, longe disto, mas que todas as acusações de depravação
levantadas contra a época não suportariam uma investigação imparcial. Ao
contrário, havia muito bom material pronto para ser desenvolvido de muitas
maneiras, e se não fosse assim, como poderia ter havido entre outras coisas
alguma Cristandade?
O Império Romano estava no auge de seu poder, e se não tivesse tido muitos
administradores notáveis e homens dignos na casta governante, uma consumação
política como aquela jamais poderia ter sido conseguida e mantida. Mais ainda, e
como jamais no mundo antigo, a liberdade religiosa era garantida, e onde
encontramos perseguições, como nos reinados de Nero e Domiciano, isso deve ser
atribuído a razões políticas antes que teológicas. Pondo de lado a disputada
questão da perseguição dos Cristãos sob Domiciano, a perseguição de Nero foi
dirigida contra aqueles que o poder Imperial considerava como revolucionários
políticos Judeus. Assim, também, quando encontramos os filósofos presos ou
banidos de Roma durante aqueles dois reinados, não foi porque fossem filósofos,
mas porque o ideal de alguns deles era a restauração da República, e isto os tornou
passíveis da condenação de serem não só agitadores políticos, mas também de
tramarem ativamente contra a majestas do Imperador. Apolônio, entretanto, foi
sempre um ardoroso defensor da regra monárquica. Quando, então, ouvimos sobre
filósofos sendo banidos de Roma ou sendo lançados na prisão, devemos lembrar
que isto não era uma perseguição total da filosofia por todo o Império; e quando
dizemos que alguns deles quiseram restaurar a República, devemos lembrar que a
sua vasta maioria não se envolvia na política, e este especialmente foi o caso dos
discípulos das escolas religioso-filosóficas.
Não se deve pensar, contudo, que os cultos privados e os atos das associações religiosas
fossem todos desta natureza ou confinados a esta classe; longe disto. Havia irmandades,
comunidades e clubes religiosos – thiasi, erani, e orgeônes – de todos os tipos e
condições. Havia também sociedades de benefício mútuo, grêmios para funerais, e
companhias onde havia refeições grupais, os protótipos de nossos atuais Maçons,
Oddfellows, e etc. Estas associações religiosas não eram só privadas no sentido de que
não eram mantidas pelo Estado, mas também em sua maior parte eram privadas no
sentido de que o que faziam permanecia secreto, e talvez esta seja a razão principal para
que delas tenhamos registros tão falhos.
Entre elas devem ser enumeradas não somente as formas inferiores dos cultos de
mistérios de vários tipos, mas também as maiores, como os Mistérios Frígios, Báquicos,
Isíacos e Mitraicos, que estavam espalhados por todo o Império. Os famosos Mistérios de
Elêusis, entretanto, estavam sob a égide do Estado, mas ainda que fossem tão famosos,
como cultos estatais, eram muito mais perfunctórios.
Além disso, não deve ser pensado que os grandes tipos de cultos de mistérios
acima mencionados fossem uniformes mesmo entre eles mesmos. Não havia
somente vários degraus e graus dentro deles, mas também com toda a
probabilidade havia muitas formas em cada linha de tradição, boas, más e
indiferentes. Por exemplo, sabemos que era considerado obrigatório para todo
cidadão respeitável de Atenas ser iniciado nos Eleusinia, e por isso os testes não
poderiam ser muito exigentes; enquanto que no trabalho mais recente sobre o
assunto, De Apuleio Isiacorum Mysterirorum Teste (Sobre o Teste de Apuleio nos
Mistérios de Ísis – Leyden, 1900), o Dr. K.H.E. De Jong demonstra que numa forma
dos Mistérios de Ísis o candidato era convidado à iniciação através de um sonho;
isto é, ele devia ser psiquicamente impressionável antes que fosse aceito.
Aqui, então, temos um vasto terreno intermediário para o exercício religioso entre as
formas mais populares e indisciplinadas de culto e as formas mais altas, que poderiam ser
abordadas somente através da disciplina e treinamento da vida filosófica. O lado superior
destas instituições de mistérios despertou o entusiasmo de todos os melhores na
antigüidade, e aplauso irrestrito foi dado a uma ou outra de suas formas pelos maiores
pensadores e escritores da Grécia e Roma; de modo que não podemos senão pensar que
aqui o instruído encontrava aquela satisfação para suas necessidades religiosas que era
necessária não só para os que não poderiam se elevar ao ar rarefeito da razão pura, mas
também para aqueles que já haviam subido tão alto aos píncaros da razão que poderiam
captar um vislumbre do outro lado. Os cultos oficiais eram notoriamente incapazes de lhes
dar esta satisfação, e eram tolerados pelos ilustrados apenas como um auxílio para o
povo e um meio de preservar a vida tradicional da cidade ou estado.
Era pensamento geral que as pessoas mais virtuosas da Grécia fossem membros
das escolas Pitagóricas, tanto homens quanto mulheres. Após a morte de seu
fundador, os Pitagóricos parecem ter gradualmente se misturados às comunidades
Órficas e a “vida Órfica” era o termo reservado para uma vida de pureza e auto-
negação. Sabemos igualmente que os Órficos, e portanto os Pitagóricos, estavam
ativamente engajados na reforma, ou mesmo na reformulação completa, dos ritos
Baco-Eleusinos; eles parecem ter recuperado o lado puro do culto Báquico com a
reinstituição ou reimportação dos Mistérios Báquicos, e é muito evidente que tais
ascetas e profundos pensadores não poderiam ter-se contentado com uma forma
inferior de culto. Sua influência também se espalhou amplamente nos círculos
Báquicos em geral, de modo que vemos Eurípides colocando as seguintes palavras
na boca do coro dos iniciados Báquicos: “Envolto em vestes brancas eu fujo da raça
dos mortais, e jamais me aproximarei do vaso da morte novamente, pois eu criei
com alimento aquela alma sempre habitada” (de um fragmento de Os Cretenses.
Vide Aglaophamus, de Lobeck, p. 622). Tais palavras poderiam bem ser colocadas
na boca de um asceta Brâmane ou Budista, ávido por escapar dos laços de
Samsâra [a roda dos eternos nascimentos e mortes – NT]; e tais homens não
poderiam com justiça ser classificados indiscriminadamente junto com álacres
dissolutos – a concepção comum de uma companhia Báquica.
Não estamos, porém, entre aqueles que acreditam que a origem das comunidades
dos Terapeutas de Filo, e dos Essênios de Filo e Josefo, deva ser derivada da
influência Órfica ou Pitagórica. A questão da origem precisa ainda está além do
poder da pesquisa histórica, e não somos daqueles que amplificam um elemento da
massa até que se torne uma fonte universal. Mas quando lembramos da existência
de todas estas comunidades tão amplamente disseminadas no primeiro século,
quando estudamos os registros imperfeitos mas importantes das mui numerosas
escolas e irmandades de natureza semelhante que passaram a contatar
intimamente com o Cristianismo em suas origens, não podemos senão sentir que
havia o fermento de uma forte vida religiosa agindo em muitas partes do Império.
Apolônio circulou neste ambiente; mas quão pouco seu biógrafo parece ter-se
apercebido do fato! Filóstrato tem uma apreciação retórica de uma vida filosófica
palaciana, mas nenhum sentimento para a vida religiosa. É só indiretamente que A
Vida de Apolônio, como agora é descrita, pode jogar alguma luz sobre estas
interessantíssimas comunidades, mas mesmo um clarão ocasional é precioso onde
tudo está em tamanha obscuridade. Fosse possível apenas entrar na memória viva
de Apolônio e ver com seus olhos as coisas que viu quando viveu dezenove
séculos atrás, quão inestimável página da história poderia ser recuperada! Ele não
só percorreu todos os países onde a nova fé estava assentando raízes, mas viveu
durante anos na maioria deles, e estava intimamente relacionado com diversas
comunidades místicas do Egito, Arábia e Síria. Certamente ele deve ter visitado
também algumas das primeiras comunidades Cristãs, deve ter palestrado até
mesmo com alguns dos “discípulos do Senhor”! Mas nenhuma palavra é dita sobre
isso, nem obtemos sequer um simples fragmento de informação sobre estes pontos
do que foi registrado sobre ele. Certamente ele deve ter-se encontrado com Paulo,
se não em outro lugar, pelo menos em Roma, em 66, cidade que ele teve de deixar
por causa do edito de banimento contra os filósofos, no mesmo ano em que
segundo alguns Paulo foi decapitado!
Há contudo uma outra razão pela qual Apolônio é importante para nós. Ele era um
admirador entusiástico da sabedoria da Índia. Aqui também se abre um tópico de
grande interesse. Que influências, se alguma houve, tiveram o Bramanismo e o
Budismo sobre o pensamento ocidental naqueles primeiros anos? Alguns
asseveram enfaticamente que houve grande influência; do mesmo modo enfático
outros negam que tenha havido alguma. Portanto é aparente que não há evidência
realmente inquestionável a respeito do assunto.
A questão certamente não pode ser resolvida com uma negativa ou afirmação
apressadas; requer não apenas um amplo conhecimento de história geral e um
estudo detalhado das indicações esparsas e imperfeitas sobre o pensamento e a
prática, mas também uma fina apreciação do valor correto da evidência indireta,
pois não temos nenhum testemunho direto de natureza realmente decisiva. Não
pretendemos possuir estas altas qualificações, e nossa maior ambição é
simplesmente dar umas indicações muito breves e gerais sobre a natureza do
assunto.
É claramente asseverado pelos antigos gregos que Pitágoras foi à Índia, mas como
a declaração foi feita por escritores Neo-Pitagóricos e Neo-Platônicos, posteriores
ao tempo de Apolônio, é objetado que as viagens do Tianeu sugeriram não só este
item na biografia do grande Samiano mas diversos outros, ou mesmo que o próprio
Apolônio, em sua Vida de Pitágoras, foi o autor do boato. A estreita semelhança,
entretanto, entre muitas das características da disciplina e doutrina Pitagóricas e o
pensamento e prática Indo-Arianas nos fazem hesitar ante rejeitar inteiramente a
possibilidade de Pitágoras ter visitado a antiga Âryâvarta.
E mesmo que não possamos ir tão longe a ponto de acalentar a possibilidade de
um contato direto pessoal, devemos levar em conta o fato de que Ferécides, o
mestre de Pitágoras, possa ter conhecido algumas das idéias principais da
sabedoria Védica. Ferécides ensinou em Éfeso, mas ele mesmo era muito
provavelmente persa, e é muito verossímil que um asiático instruído, ensinando
uma filosofia mística e baseando sua doutrina sobre a idéia do renascimento, possa
ter tido algum conhecimento direto ou indireto do pensamento Indo-Ariano.
A Pérsia deve ter estado naquele tempo em contato estreito com a Índia, pois perto
da morte de Pitágoras, no reinado de Dario, filho de Histaspes, e no fim do sexto e
início do sétimo século antes de nossa era, ouvimos sobre a expedição do general
Persa Scilax sobre o Indo, e aprendemos de Heródoto que neste reino da Índia (isto
é, o Punjab), ele constituiu a vigésima satrápia da monarquia Persa. Mais ainda,
havia tropas indianas entre as hostes de Xerxes; elas invadiram a Tessália e
lutaram em Platéia.
Que os Brâmanes tivessem nesta altura permitido que seus livros sagrados fossem
lidos pelos yavanas (os jônios, o nome genérico para os gregos nos registros
indianos) é contrário a tudo o que conhecemos de sua história. Os yavanas eram
mlechchhas [estrangeiros – NT], estranhos à sociedade dos árias, e tudo o que
poderiam obter da ciosamente guardada Brahma-vidyâ ou teosofia deve ter
dependido somente de observação externa. Mas a atividade religiosa dominante na
Índia de então era o Budismo, e é neste protesto contra as rígidas distinções de
casta e raça feitas pelo orgulho Bramânico, e na extraordinária novidade de uma
propaganda religiosa entusiástica entre todas as classes e raças da Índia, é que
devemos procurar pelo contato mais direto de pensamento entre a Índia e a Grécia.
Por exemplo, em meados do século III a.C., sabemos, pelo XIII Edito de Asoka, que
este imperador Budista da Índia, o Constantino do oriente, enviou missionários a
Antíoco II da Síria, Ptolomeu II do Egito, Antígono Gônatas da Macedônia, Magas
de Cirene, e Alexandre II do Épiro. Quando, em um terreno de registros tão
imperfeitos, a evidência do lado da Índia é tão clara e indubitável, quão mais
extraordinário é que não tenhamos nenhum testemunho direto de nosso lado sobre
uma atividade missionária tão grande. Mesmo que, então, meramente por causa de
uma ausência de toda informação direta a partir de fontes gregas, seja muito
temerário generalizarmos, não obstante por nosso conhecimento da época não é
ilegítimo concluirmos que nenhum grande impacto público poderia ter sido feito por
estes pioneiros do Dharma no ocidente. Com toda probabilidade estes Bhikshus
[sábios ascetas – NT] Budistas não produziram nenhum efeito sobre os
governantes ou sobre o povo. Mas foi sua missão inteiramente improfícua; e a
iniciativa missionária Budista para o ocidente termina com eles?
A resposta para esta pergunta, segundo nos parece, está oculta na obscuridade
das comunidades religiosas. Não podemos, contudo, ir tão longe a ponto de
concordar com os que cortariam o nó górdio assegurando dogmaticamente que as
comunidades ascéticas na Síria e no Egito foram fundadas por estes
propagandistas Budistas. Mesmo na Grécia já havia não só comunidades
Pitagóricas, mas mesmo antes destas, comunidades Órficas, pois mesmo aqui
acreditamos que Pitágoras antes desenvolveu o que encontrou já existindo, do que
estabeleceu algo inteiramente novo. E se eram encontradas na Grécia, é muito
mais que razoável supor que estas comunidades já existissem na Síria, Arábia e
Egito, cujas populações eram muito mais dadas a exercícios religiosos do que os
Gregos, céticos e amantes do riso.
Mas mesmo assim, não somos daqueles que por suas limitações de possibilidades
auto-impostas estão condenados a considerar algum contato físico direto como uma
explicação para a similaridade de idéias ou mesmo de frases. Considerando, por
exemplo, que há muita semelhança entre os ensinamentos do Dharma de Buda e o
Evangelho de Cristo, e que o mesmo espírito de amor e gentileza pervade a ambos,
ainda não há necessidade, por virtude desta semelhança, de procurar por uma
transmissão puramente física. Do mesmo modo quanto a outras escolas e
instrutores; condições semelhantes produzem fenômenos similares; esforços e
aspirações similares produzem experiências e idéias parecidas, e respostas
também semelhantes. E este acreditamos ser o caso não de uma maneira genérica,
mas que tudo é muito definidamente ordenado a partir de dentro pelos servos dos
verdadeiros guardiães das coisas religiosas neste mundo.
Portanto, por mais difícil que seja provar, a partir de registros inquestionavelmente
históricos, qualquer influência direta do pensamento indiano sobre as concepções e
práticas de algumas destas comunidades religiosas e escolas filosóficas do Império
Greco-Romano, e mesmo que em qualquer caso particular a similaridade de idéias
não precise necessariamente ser assinalada pela transmissão física direta, de
qualquer maneira, a maior probabilidade, se não a maior certeza, continua sendo a
de que mesmo antes dos dias de Apolônio havia na Grécia algum conhecimento
privado das idéias gerais do Vedânta e do Dharma; enquanto que no caso do
próprio Apolônio, mesmo se descontarmos nove décimos do que é dito sobre ele,
sua única idéia parece ter sido disseminar largamente entre as irmandades e
instituições religiosas do Império alguma porção da sabedoria que ele trouxe
consigo da Índia.
Porém, não devemos pensar que Apolônio tenha-se disposto a fazer uma
propaganda da filosofia hindu do mesmo modo que os missionários aprontam-se
para pregar sua concepção do Evangelho. De modo algum; Apolônio parece ter
tentado ajudar seus ouvintes, quaisquer que pudessem ser, do modo mais
adequado para cada um deles. Ele não começava lhes falando que aquilo no que
acreditavam era completamente falso e mortal para a alma, e que seu bem-estar
eterno dependia de sua adoção instantânea de seu esquema especial de salvação;
ele simplesmente tentava purgar e explicar melhor aquilo que eles já acreditavam e
praticavam. Que algum grande poder o susteve em sua atividade incessante, e em
sua obra quase universal, não é tão difícil de acreditar; e é uma questão do mais
profundo interesse, para aqueles que tentam enxergar através das névoas da
aparência, especular o modo como não só um Paulo mas também um Apolônio foi
ajudado e dirigido em sua obra a partir de dentro.
Mas ainda não nasceu o dia em que será possível para a mente comum no
ocidente abordar a questão livre de preconceitos, para aceitar o pensamento de
que, vistos de dentro, não só Paulo mas também Apolônio bem podem ter sido
“discípulos do Senhor” no verdadeiro sentido da palavra; e que mesmo que na
superfície das coisas suas tarefas possam parecer tão diferentes em muitos
aspectos, e mesmo, para os preconceitos teológicos, inteiramente antagônicas.
Dion Cássio, em sua história (Lib. I; xxvii, 18), que escreveu entre 211 e 212 d.C.,
diz que Caracala (Imperador entre 211 e 216) honrou a memória de Apolônio com
uma capela ou monumento (heroum).
Foi bem nesta época (216) que Filóstrato compôs sua Vida de Apolônio, a pedido
de Domna Julia, a mãe de Caracala, e é com este documento principalmente que
temos de lidar a seguir.
Vopisco, escrevendo na última década do século III, nos conta que Aureliano
(Imperador entre 270 e 275) dedicou um templo a Apolônio, de quem ele tivera uma
visão quando assediava Tíana. Vopisco fala do Tianeu como “um sábio da mais
larga fama e autoridade, um antigo filósofo, e um verdadeiro amigo dos Deuses”, e
mais, como uma manifestação da deidade. “Pois quem dentre os homens”, exclama
o historiador, “foi mais santo, quem mais digno de reverência, quem mais venerável,
quem mais divinal que ele? Ele foi quem deu vida aos mortos. Ele foi quem operou
e disse tantas coisas além do poder dos homens”. (Life of Aurelian – A Vida de
Aureliano, xxiv). Tão entusiástico é Vopisco sobre Apolônio, que prometeu que se
vivesse, escreveria uma breve história de sua vida em latim, para que seus feitos e
palavras pudessem estar na língua de todos, pois até então os únicos relatos
estavam em grego (“Quae qui velit nosse, groecos legat libros qui de ejus vita
conscripti sunt – Que quem quiser saiba que os gregos deixaram livros sobre sua
vida”. Estes relatos provavelmente foram os livros de Máximo, Merágenes e
Filóstrato). Vopisco, entretanto, não cumpriu sua promessa, mas sabemos que
perto desta data tanto Sotérico (um poeta épico Egípcio, que escreveu diversas
histórias poéticas em grego; floresceu na última década do terceiro século) quanto
Nicômaco escreveram Vidas sobre nosso filósofo, e logo depois Tácio Vitoriano,
trabalhando sobre as obras de Nicômaco (Sidonius Apollinaris, Epistolae - Cartas -,
viii, 3. Vide também Legrand d’Aussy, Vie d’Apollonius de Tyane – A Vida de
Apolônio de Tíana -, Paris, 1807; p. xlvii), também compôs uma Vida. Nenhuma
destas Vidas, contudo, chegou a nós.
Também foi exatamente neste período, a saber, os últimos anos do século III e os
primeiros do IV, que Porfírio e Jâmblico compuseram seus tratados sobre Pitágoras
e sua escola; ambos mencionam Apolônio como uma de suas autoridades, e é
provável que as primeiras 30 estâncias de Jâmblico sejam tomadas de Apolônio
(Porphyryus, De Vita Pythagorae – A Vida de Pitágoras -, seção ii, ed. Kiessling;
Leipzig, 1816. Iamblichus, De Vita Pythagorica – Sobre a Vida Pitagórica -, cap. xxv,
ed. Kiessling; Leipzig, 1913; vide especialmente a nota de Kiessling, pp. II sqq. Vide
também Porphyryus, Frag., De Styge – Sobre o Estige -, p. 285, ed. Holst).
Mas mesmo depois da controvérsia ainda existe uma larga diferença de opinião
entre os Padres, pois já no fim do século IV João Crisóstomo, com grande
mordacidade, chama Apolônio de enganador e fazedor de más obras, e declara que
todos os incidentes de sua vida são ficção desqualificada (Johannes Chrysostomus,
Adversus Judaeos – Contra os Judeus -, v, 3, p. 631; De Laudibus Sancti Pauli
Apost. Homil. – Sobre as Honoráveis Homilias de São Paulo Apóstolo -, iv, p. 493 d;
ed. Monfauc). Jerônimo, ao contrário, na mesmíssima data, assume uma posição
quase favorável, pois, após ler Filóstrato, escreve que Apolônio encontrou em toda
parte algo que aprender e algo por onde se tornar um homem melhor (Hieronymus,
Ep. Ad Paulinum – Epístola aos Paulinos -, 53; texto a partir de Kayser, pref. ix). No
começo do século V também Agostinho, enquanto ridiculariza qualquer tentativa de
comparar-se Apolônio com Jesus, diz que o caráter do Tianeu era “muito superior”
àquele atribuído a Júpiter, no que se tratava de virtude (Augustinus, Epistolae –
Cartas -, cxxxviii. Texto citado por Legrand d’Aussy; op. cit., p. 294).
Por volta da mesma data também encontramos Isidoro de Pelúsio, morto em 450,
negando asperamente que houvesse qualquer verdade na reivindicação feita por
“alguns”, que ele não diz quem são, de que Apolônio de Tíana “consagrou muitos
locais em muitas partes do mundo para a segurança de seus habitantes” (Isidorus
Pelusiota, Epp. – Cartas -, p. 138; ed. J. Billius; Paris, 1585). É instrutivo comparar a
negativa de Isidoro com a passagem que já citamos do Pseudo-Justino. O escritor
de Perguntas e Respostas aos Ortodoxos no segundo século não poderia descartar
a pergunta através de uma simples negação; ele teve de admití-la e discutir o caso
em outras bases, quais sejam, a agência do Diabo. Nem o argumento dos Padres,
de que Apolônio usava magia para produzir seus resultados, enquanto que Cristãos
ignorantes poderiam realizar curas milagrosas através de uma simples palavra (vide
Arnóbio, loc. cit.), pode ser aceito como válido pelo crítico imparcial, pois não há
evidências para sustentar a pretensão de que Apolônio haja empregado tais
métodos para suas obras maravilhosas; ao contrário, tanto o próprio Apolônio
quanto seu biógrafo Filóstrato reiteradamente repudiam a acusação de magia
levantada contra ele.
Por outro lado, poucos anos depois, Sidônio Apolinário, Bispo de Claremont, fala de
Apolônio em termos os mais altos. Sidônio traduziu a Vida de Apolônio para o latim
para Leão, conselheiro do Rei Eurico, e escrevendo para seu amigo, diz: “Lêde a
vida de um homem que, religião à parte, se assemelha à vossa em muitos pontos;
um homem procurado pelos ricos, ainda que jamais tenha procurado riquezas; que
amava a sabedoria e desprezava o ouro; um homem frugal em meio a festins,
vestido de linho no meio dos purpurados, austero no meio da luxúria... Enfim,
falando claramente, talvez nenhum historiador encontrará nos tempos antigos um
filósofo cuja vida fosse igual à de Apolônio” (Sidonius Apollinaris, Epistolae - Cartas
-, viii, 3. Também Fabricius, Bibliotheca Graeca – Biblioteca Grega -, pp. 549, 565;
ed. Harles. A obra de Sidônio sobre Apolônio infelizmente foi perdida.)
Pois Amiano Marcelino, “o último súdito de Roma que compôs uma história profana
na língua latina”, e amigo de Juliano, o Imperador filósofo, refere-se ao Tianeu
como “aquele celebérrimo filósofo” (amplissimus ille philosophus, xxiii, 7. Vide
também xxi, 14; xxiii, 19), enquanto que uns poucos anos depois Eunápio, discípulo
de Crisâncio, um dos professores de Juliano, escrevendo nos derradeiros anos do
século IV, diz que Apolônio era mais que um filósofo; era “um meio-termo, por
assim dizer, entre os deuses e os homens” (τι θεων τε κατ ανΦρωπου •εσο,
significando com isso presumivelmente alguém que tenha atingido o grau de ser
superior ao homem, mas ainda não igual aos deuses. Esta era a ordem “daimôníca”
dos gregos. Mas a palavra “daimon”, devido à aspereza sectarista, há muito
degradou-se de seu antigo patamar elevado, e a idéia original agora encontra
tradução na linguagem comum através do termo “anjo”. Compare com Platão,
Symposium – O Banquete, xxiii, παν τα δαι•σνιον•εταεν εστι θεου τε και ϑνητου –
“tudo o que é daimônico está entre Deus e o homem”. Não só Apolônio era um
adepto da filosofia Pitagórica, mas “exemplificou plenamente o seu lado mais divino
e prático”. De fato, Filóstrato deveria ter chamado sua biografia de “A Estada de um
Deus entre os Homens” (Eunapius, Vitae Philosophorum – Vidas dos Filósofos -,
Proêmio, vi; ed. Boissonade; Amsterdam, 1822; p. 3). Esta apreciação
aparentemente por demais exagerada talvez encontre uma explicação no fato de
que Eunápio pertenceu a uma escola que conhecia a natureza das realizações
atribuídas a Apolônio.
E mesmo que o monge Xiphilinus, no século IX, em uma nota para sua versão
abreviada da história de Dion Cássio, chame Apolônio de astuto ilusionista e
mágico, § (Citado por Legrand d’Aussy, op. cit. p. 286), não obstante Cedreno, no
mesmo século, dá a Apolônio o título não indigno de “adepto filósofo
Pitagórico” (φιλοσοφος ΙΙυφαγσρειος στοιχειω•ατικσς. Cedreno, Compendium
Historiarium – Compêndio de História -, i, 346; ed. Bekker. A palavra que traduzi
como “adepto” – stoicheiomaticos - significa “o que tem poder sobre os elementos”)
e relata diversos exemplos da eficácia de seus poderes em Bizâncio. De fato, se
podemos acreditar em Nicetas, no século XIII ainda havia em Bizâncio certas portas
de bronze, antigamente consagradas por Apolônio, que tiveram que ser postas
abaixo porque se haviam tornado objeto de superstição mesmo entre os próprios
Cristãos. (Legrand d’Aussy, op. cit., p. 308).
Agora passamos aos textos, traduções e literatura geral sobre o assunto em tempos
mais recentes. Apolônio voltou à memória do mundo, depois do esquecimento na
idade das trevas, sob maus auspícios. Desde o início a antiga controvérsia
Hiérocles-Eusébio foi ressuscitada, e todo o assunto foi de uma vez retirado da
calma região da filosofia e história e arremessado mais uma vez na tumultuosa
arena do amargor e preconceito religiosos. Durante muito tempo Aldus hesitou em
publicar o texto de Filóstrato, e finalmente só o fez em 1501, com o texto de
Eusébio como apêndice, para que, como ele piamente diz, “o antídoto possa
acompanhar o veneno”. Junto apareceu uma tradução latina do florentino Rinucci
(Philostratus de Vita Apollonii Tyanei - Sobre a Vida de Apolônio de Tíana, por
Filóstrato, tr. por Rinucci, e Eusebius contra Hieroclem – Eusébio contra Hiérocles,
tr. por Acciolo; Veneza, 1501-04, fol.), a tradução de Rinucci foi retificada por
Beroaldus e impressa em Lion [1504?], e novamente em Colônia [1534]).
Em acréscimo à tradução latina o século XVI produziu também uma italiana (F.
Baldelli, Filostrato Lemnio della Vita di Apollonio Tianeo – A Vida de Apolônio de
Tíana, por Filóstrato de Lemnos, Florença, 1549, 8°) e uma francesa (B. de Vignère,
Philostrate de la Vie d’Apollonius – A Vida de Apolônio, por Filóstrato, Paris, 1596,
1599, 1611). A tradução de Blaise de Vignère subseqüentemente foi corrigida por
Frédéric Morel e mais tarde por Thomas Artus, Sieur d’Embry, com notas
bombásticas nas quais ataca ferozmente a taumaturgia de Apolônio. Uma tradução
francesa também foi feita por Th. Sibilet, em torno de 1560, mas nunca foi
publicada; o manuscrito estava na Biblioteca Imperial. Vide Miller, Journal des
Savants, 1849, p. 625, citado por Chassang, op. infr. cit. P. iv).
A editio princeps de Aldus foi superada um século depois pela edição de Morel (F.
Morellus, Philostrati Lemnii Opera – Obras de Filóstrato Lêmnio, Grega e Latina;
Paris, 1608), que por sua vez um século depois foi superada pela de Olearius (G.
Olearius, Philostratorum quae supersunt Omnia – As Obras Completas
Remanescentes de Filóstrato, Grega e Latina; Leipzig, 1709). Cerca de um século e
meio após o texto de Olearius foi superado novamente pelo de Kayser (o primeiro
texto crítico), cujo trabalho em sua última edição contém todo o moderno aparato
crítico (C.L.Kayser, Flavii Philostrati quae supersunt..., etc; Zurique, 1844, 4°). Em
1849 A. Westermann também editou um texto, Philostratorum et Callistrati Opera –
Obras de Filóstrato e Calístrato, na Scriptorum Graecorum Bibliotheca – Biblioteca
de Escritores Gregos; Paris, 1849, 8°). Mas Kayser trouxe à luz uma nova edição
em 1853 (?), e novamente uma terceira, com informações adicionais no Prefácio,
na Bibliotheca Teubneriana (Leipzig, 1870). Toda a informação que diz respeito aos
manuscritos, é encontrada nos Prefácios Latinos de Kayser.
Agora tentaremos dar alguma idéia da literatura geral sobre o assunto, para que o
leitor possa ser capaz de perceber algumas das várias oscilações da guerra de
opiniões nas indicações bibliográficas. Se o leitor comum for impaciente e ávido de
chegar a algo de maior interesse, ele poderá facilmente omitir sua consulta;
enquanto que se for um amante do caminho místico, e não tiver gosto pela
controvérsia, poderá ao menos simpatizar com o escritor, que foi compelido a
repassar as obras do último século e a dúzia dos séculos precedentes, antes que
pudesse aventurar uma opinião própria com clara consciência.
Não obstante, Bacon e Voltaire falam de Apolônio nos mais altos termos (Vide
Legrand d’Aussy, op. cit., p. 314, onde são dados os textos) e mesmo um século
antes de Voltaire, o Deísta inglês Charles Blount (The Two First Books of
Philostratus concerning the Life of Apollonius Tyanaeus – Os Dois Primeiros Livros
de Filóstrato a respeito da Vida de Apolônio de Tíana, Londres, 1680, fol. As notas
de Blount, geralmente atribuídas a Lord Herbert, suscitaram tamanha grita que o
livro foi condenado em 1693, e sobrevivem poucas cópias. As notas de Blount,
entretanto, foram traduzidas para o francês um século mais tarde, nos dias do
Enciclopedismo, e anexas a uma versão da Vita, sob o título Vie d’Apollonius de
Tyane par Philostrate avec les Commentaires donnés en Anglois par Charles Blount
sur les deux Premiers Livres de Cette Ouvrage – A Vida de Apolônio de Tíana, por
Filóstrato, com os Comentários feitos em Inglês por Charles Blount sobre os
Primeiros Livros desta Obra, Amsterdam, 1779; 4 vols., S°, com uma irônica
dedicatória ao Papa Clemente XIV, assinada “Philaletes”) ergueu sua voz contra o
opróbrio universal lançado contra o caráter do Tianeu; este trabalho, contudo, foi
rapidamente suprimido.
Em meio a esta guerra sobre milagres no século XVIII é agradável assinalar o curto
tratado de Herzog, que tenta dar um esboço da vida filosófica e religiosa de
Apolônio (Philosophiam Practicam Apollonii Tyanae in Sciagraphia – Memento
sobre a Filosofia Prática de Apolônio de Tíana, apresentado por M.Jo. Christian
Herzog; Leipzig, 1709; uma preleção acadêmica de 20 pp.) mas, pena, não houve
seguidores de exemplo tão liberal neste século de contendas.
A fim de tornar o resto de nosso sumário mais claro anexamos no fim deste ensaio
os títulos das obras que apareceram desde o início do século XIX, em ordem
cronológica. Um relance nesta listagem mostrará que o último século produziu uma
inglesa (Berwick), uma italiana (Lancetti), uma francesa (Chassang), e duas alemãs
(Jacob e Baltzer) (Filóstrato é um autor difícil de traduzir; não obstante, Chassang e
Baltzer o conseguiram muito bem; Berwick também vale a pena, mas em sua maior
parte nos dá uma paráfrase antes que uma tradução e amiúde se engana no
sentido. Chassang e Baltzer são de longe as melhores traduções). A tradução do
Rev. E. Berwick é a única versão inglesa; em seu Prefácio, o autor, enquanto
proclama a falsidade do elemento milagroso na Vida, diz que o restante da obra
merece atenção cuidadosa. Nenhum mal sobrevirá à religião Cristã pela sua leitura,
pois não há alusão à vida de Cristo nele, e os milagres são baseados naqueles
atribuídos a Pitágoras.
Esta teoria Crística (levada por alguns extremistas ao ponto de negarem que
Apolônio jamais tenha existido) esteve em grande voga entre escritores deste tema,
especialmente os compiladores de artigos enciclopédicos; de qualquer modo esta é
uma posição mais tolerante do que a tradicional rinha milagreira, que novamente foi
ressuscitada em toda sua antiga estreiteza por Newman, que só usa Apolônio como
pretexto para uma dissertação sobre os milagres ortodoxos, aos quais devota
dezoito das vinte e cinco páginas de seu tratado. Noack também acompanha Baur,
e em alguma medida Pettersch, ainda que trabalhe o tema no terreno da filosofia;
enquanto que Möckeberg, pastor de S. Nicolai em Hamburgo, ainda que tente ser
justo com Apolônio, termina sua prolixa dissertação com uma erupção de louvores
ortodoxos a Jesus, louvores que de modo nenhum criticamos, mas que estão
totalmente deslocados neste assunto.
Tudo isso é lamentável, pois com a exceção da tradução de Berwick, que é quase
inencontrável, não possuímos nada de valor em inglês para o leitor comum (O
Pagan Christ – Cristo Pagão – de Réville é uma completa deformação do assunto, e
o tratamento de Newman sobre a matéria transforma seu tratado em um
anacronismo para o século XX), exceto o breve esboço de Sinnett, que é descritivo
antes que crítico ou explanatório.
Flávio Filóstrato, o escritor da única Vida de Apolônio que chegou até nós
(consistindo de oito livros escritos em grego sob o título geral Τα ες τον Τυανεα
Απολλωνιον), era um distinguido homem de letras que viveu no último quartel do
século II e na primeira metade do século III (c. 175 – 245 d.C.). Ele era um no
círculo de escritores famosos e pensadores que se formou em torno da Imperatriz
filósofa (η θιλοιφος, vide o artigo Filóstrato, no Dicionário de Biografias Gregas e
Latinas, de Smith; Londres, 1870; iii. 327 b.) Julia Domna, que foi o espírito
dirigente do Império durante os reinados de seu marido Septímio Severo e seu filho
Caracala. Todos os três membros da família imperial eram estudantes da ciência
oculta, e era eminentemente uma época em que as artes ocultas, boas ou más,
eram uma paixão. Assim o cético Gibbon, em seu esboço de Severo e sua famosa
consorte, escreve:
“Como a maioria dos africanos, Severo era apaixonadamente dedicado aos vãos
estudos da magia e divinação, profundamente versado na interpretação dos sonhos
e augúrios, e perfeitamente conhecedor da ciência da astrologia judiciária, que em
quase todas as eras exceto a presente, manteve seu domínio sobre a mente do
homem. Ele perdeu sua primeira esposa enquanto era governador da Gália
Lionesa. Procurando uma segunda, desejou ligar-se somente a alguma favorita da
fortuna; e tão logo descobriu que uma jovem dama de Emesa, na Síria, tinha um
horóscopo régio [os itálicos são de Gibbon - NA], ele solicitou e obteve sua mão.
Julia Domna [mais corretamente Domna Julia; Domna não sendo uma abreviação
de Domina, mas sim o nome sírio da Imperatriz - NA], (sendo este seu nome),
mereceu tudo o que os astros poderiam lhe prometer. Ela possuía, mesmo em
idade avançada [morreu em 217 d.C. - NA], os encantos da beleza, unidos a uma
imaginação brilhante, raramente concedida ao seu sexo. Suas cativantes
qualidades nunca fizeram qualquer impressão profunda na sombria e ciumenta
têmpera do marido [outros historiadores sustentam o contrário - NA], mas no
reinado de seu filho, ela administrou os principais negócios do Império com uma
prudência que avalizava a autoridade dele, e com uma moderação que às vezes
corrigia as selvagens extravagâncias dele. Julia dedicou-se às letras e à filosofia
com algum sucesso, e com a mais esplêndida reputação. Ela era a patrona de
todas as artes, e a amiga de todos os homens de gênio” (Gibbon, Decline and
Fall.... – Declínio e Queda do Império Romano, I, vi).
Vemos assim, mesmo a partir da apreciação algo mordaz de Gibbon, que Domna
Julia era uma mulher de caráter notável, cujos atos externos dão evidência de um
propósito interior, e cuja vida privada não foi descrita. Foi a seu pedido que
Filóstrato escreveu a Vida de Apolônio, e foi ela quem o proveu da base de certos
manuscritos que estavam em sua posse; pois a bela filha de Bassiano, sacerdote
do Sol em Emesa, era uma ardorosa colecionadora de livros de todas as partes do
mundo, especialmente de manuscritos de filósofos e de memorandos e notas
biográficas relacionadas aos estudantes famosos da natureza interna das coisas.
Que Filóstrato era o melhor homem a ser encarregado de tão importante tarefa, não
há dúvida. É verdade que ele era um habilidoso estilista e versado homem de
letras, um crítico de arte e aficcionado antiqüário, como podemos ver por seus
outros livros; mas ele era um sofista antes que um filósofo, e mesmo sendo um
entusiástico admirador de Pitágoras e sua escola, o era à distância, considerando-
os mais através de uma adorável e maravilhosa atmosfera de curiosidade e dos
embelezamentos de uma imaginação vivaz do que de um conhecimento pessoal de
sua disciplina, ou de um conhecimento prático das forças ocultas da alma com que
lidavam seus adeptos. Temos, portanto, que esperar um esboço da aparência de
uma coisa desde fora, antes que uma exposição da coisa em si desde dentro.
Abaixo damos uma listagem das fontes de onde derivaram suas informações a
respeito de Apolônio (uso inteiramente as edições do texto de Kayser de 1846 e
1870):
“Coletei meu material em parte das cidades que o amaram, em parte dos templos
cujos ritos e regras ele restaurou de seu antigo estado de negligência, e em parte
de suas próprias cartas [uma coleção destas cartas – mas não de todas – esteve
em posse do Imperador Adriano (117 – 138 d.C.), e foi depositada em seu palácio
de Âncio (viii, 20). Isto prova a grande fama que Apolônio desfrutava logo depois de
seu desaparecimento da história, e enquanto sua memória ainda era viva. Deve ser
notado que Adriano era um governante esclarecido, um grande viajante, um amante
da religião, e um iniciado nos Mistérios de Elêusis – NA]. Informações mais
detalhadas eu procurei do seguinte modo. Damis foi um homem de alguma
educação que antes costumava viver na antiga cidade de Ninus [Nínive – NA].
Tornou-se um discípulo de Apolônio e registrou suas viagens, nas quais ele diz que
também tomou parte, e também as concepções, ditos e predições de seu mestre.
Um membro da família de Damis trouxe à Imperatriz Julia seu livro de notas [τας
δελτους, tabuletas de escrever. Isto sugere que o relato de Damis não poderia ser
muito volumoso, ainda que Filóstrato mais adiante assegure sua natureza detalhada
(i, 19) - NA] contendo estas memórias, que até então não eram conhecidas. Como
eu era um do círculo da princesa, que era uma amante e patrona de todas as
produções literárias, ela me ordenou que reescrevesse estes esboços e melhorasse
sua forma de expressão, pois o ninivita expressou-se claramente, mas seu estilo
estava longe de ser correto. Também tive acesso a um livro de Máximo de Egue
[um dos secretários imperiais da época, famoso por sua eloqüência, e tutor de
Apolônio - NA], que continha todos os feitos de Apolônio em Egue [uma cidade não
longe de Tarso – NA]. Também há um testamento escrito por Apolônio, onde
podemos conhecer como ele quase desdenha a filosofia ως υποφεαζων την
φσλοσφιαν εγενετο. O termo υποφεαζων ocorre só nesta passagem, e não estou
bem seguro de seu significado – NA]. Quanto aos quatro livros de Merágenes [esta
Vida, de Merágenes, é casualmente mencionada por Orígenes, Contra Celsum, vi,
41; ed. Lommatzsch; Berlin, 1841; ii, 373 – NA] sobre Apolônio, não merecem
atenção, pois ele não sabe nada sobre a maioria dos fatos de sua vida” (i, 2,3).
A estas fontes é que Filóstrato deve sua informação, fontes que infelizmente já não
existem, exceto talvez umas poucas cartas. Tampouco Filóstrato poupou quaisquer
esforços para reunir mais informações sobre o assunto, pois em suas palavras
finais (viii, 31), ele nos conta que ele próprio viajou para muitas partes do “mundo” e
em toda parte deparou-se com os “ditos inspirados” (λογοις δαι•ονιος) de Apolônio,
e que ele conhecia especialmente bem o templo dedicado à memória de nosso
filósofo de Tíana e fundado às expensas imperiais (“pois os imperadores não o
julgaram indigno de honras semelhantes às devidas a eles mesmos”), cujos
sacerdotes, presume-se, tinham reunido toda informação que podiam a respeito de
Apolônio.
Além disso, era moda inserir diálogos e colocá-los na boca de personagens bem
conhecidos em ocasiões históricas, e bons exemplos disto podem ser vistos em
Tucídides e no Ato dos Apóstolos. Filóstrato faz isso repetidamente.
Mas ainda que devamos estar agudamente atentos para a importância de uma
atitude inteiramente crítica onde fatos históricos definidos estão envolvidos,
deveríamos estar em guarda da mesma maneira contra o julgamento de tudo a
partir do ponto de vista dos preconceitos modernos. Há somente uma literatura da
antigüidade que foi tratada sempre com real simpatia no ocidente, e é a Judeu-
Cristã; só nela as pessoas foram treinadas para se sentirem à vontade, e tudo na
antigüidade que trata da religião de um modo diverso do Judeu ou do Cristão, é
sentido como estranho, e, se obscuro ou extraordinário, como repulsivo. Os ditos e
feitos dos profetas Judeus, ou de Jesus, e dos Apóstolos, são relatados com
reverência, embelezados com as maiores formosuras de fraseado, e iluminados
com o melhor pensamento da época; enquanto que os ditos e feitos de outros
profetas e instrutores têm sido em sua maior parte sujeitos à crítica mais antipática,
na qual não é feita nenhuma tentativa de entender seus pontos de vista. Tivesse um
julgamento benevolente sido concedido em toda a volta, o mundo hoje seria muito
mais rico em entendimento, em liberalidade de mente, em compreensão da
natureza, da humanidade e de Deus, em resumo, em experiência da alma.
Para Apolônio a mera forma da fé de um homem não era o essencial; ele estava em
casa em todas as terras, entre todos os cultos. Tinha uma palavra de auxílio para
todos, e um conhecimento íntimo do caminho particular de cada um, o que lhe
possibilitava devolvê-los à saúde. Tais homens são raros; os registros de tais
homens, preciosos, e não requerem nenhum embelezamento retórico.
Tentemos então, primeiramente, recuperar o perfil da primeira vida exterior e das
viagens de Apolônio, livre dos embelezamentos de Filóstrato, e então tentemos
considerar a natureza de sua missão, a feição da filosofia que ele tanto amava e
que para ele era sua religião, e enfim, se possível, o modo de sua vida interior.
Quando Euxeno perguntou-lhe como ele iniciaria seu novo modo de vida ele
respondeu: “Como o doutor purga seus pacientes”. Daí em diante ele recusou tocar
qualquer coisa que tivesse tido vida animal, considerando que isso densifica a
mente e a torna impura. Ele considerava que a única forma de alimentação pura era
a produzida pela terra: frutas e vegetais. Também se abstinha do vinho, pois
mesmo sendo feito de frutas, “tornava o éter túrbido [presumivelmente a substância
mental – NA] na alma”, e “destruía a compostura da mente”. Mais ainda, andava
descalço, deixou seu cabelo crescer livremente, e vestia-se somente com tecidos
de linho. Agora vivia no templo, para a admiração dos sacerdotes e com a
aprovação expressa de Esculápio (isto é, presumivelmente ele foi encorajado em
seus esforços por aqueles auxiliares invisíveis do templo através de quem as curas
eram indicadas através de sonhos, e ajuda era dada de modo psíquico e
mesmérico) e rapidamente se tornou tão famoso por seu ascetismo e vida pia, que
uma frase dos cilícios sobre ele (“Para onde estão correndo? Apressam-se para ver
o jovem?”) se tornou um provérbio (i, 8).
Com a idade de vinte anos seu pai morreu (sua mãe havia morrido alguns anos
antes), deixando considerável fortuna, que Apolônio dividiria com seu irmão mais
velho, um jovem selvagem e dissoluto de 23 anos. Sendo ainda menor, Apolônio
continuou a morar em Egue, onde o templo de Esculápio havia se tornado um
movimentado centro de estudos, e reverberava de um extremo a outro ao som dos
elevados discursos filosóficos. Chegando à maioridade, voltou a Tíana para tentar
salvar seu irmão de sua vida viciosa. Seu irmão aparentemente já havia dissipado
sua parte da herança, e Apolônio imediatamente deu metade de sua própria parte
para ele, e através de seus conselhos gentis devolveu-o à humanidade. De fato
parece ter devotado este tempo para colocar em ordem os assuntos da família, pois
então distribuiu o restante de seu patrimônio entre alguns parentes, mantendo para
si apenas uma mínima parte; precisava de pouco, dizia, e jamais casaria (i, 13).
Então fez um voto de silêncio por cinco anos, pois determinou-se que não
escreveria sobre filosofia antes de ter passado por toda sua disciplina. Estes cinco
anos foram passados na Panfília e na Cilícia, e ainda que passasse muito tempo
em estudo, não emparedou-se numa comunidade ou mosteiro, mas manteve-se em
movimento nas proximidades e viajava de cidade em cidade. As tentações de
quebrar seu voto auto-imposto foram enormes. Sua estranha aparência chamava a
atenção de todos, e o populacho amante do chiste fez o silencioso filósofo o alvo de
sua verve inescrupulosa, e toda a proteção que tinha contra suas insolências e mal-
entendidos era a dignidade de seu semblante e o olhar de seus olhos que agora
podiam ver o passado e o futuro. Muitas vezes esteve a ponto de imprecar contra
algum excepcional insulto ou falatório mentiroso, mas sempre se conteve com as
palavras: “Coração, sê paciente, e tu, língua, fica quieta” (compare com a Odisséia,
xx, 18) (i, 14).
Mesmo esta férrea repressão da fala comum não o impedia de fazer o bem. Já
nesta idade juvenil ele havia começado a corrigir abusos. Com olhos e mãos e
movimentos da cabeça, fazia-se entender, e em uma ocasião, em Aspendo, na
Panfília, evitou um grave furto de grãos silenciando a turba com seus gestos
imperiosos e então escrevendo o que queria dizer sobre uma tabuleta (i, 15).
Depois dos cinco anos de silêncio, encontramos Apolônio em Antióquia, mas isto
parece ter sido apenas um incidente em uma longa série de viagens e trabalho, e é
provável que Filóstrato saliente Antióquia meramente porque o pouco que sabia
sobre este período da vida de Apolônio havia conseguido nesta movimentada
cidade. Mesmo do próprio Filóstrato sabemos incidentalmente mais adiante (i, 20;
iv, 38) que Apolônio havia passado algum tempo entre os Árabes, e havia sido
instruído por eles. E por Arábia entendemos o sul da Palestina, que nesta época
acolhia numerosas comunidades místicas. Os locais que visitou eram fora das
rotas, onde reinava o espírito da solitude, e não as populosas e agitadas cidades,
pois o tema de sua conversação, dizia, requeria “homens, e não povo” (φησας ουκ
ανφρπν εαυτω δειν αλλ ανδρων). Ele passou o tempo viajando de um a outro
destes templos, santuários e comunidades; de onde podemos concluir que havia
entre eles algo semelhante a um tipo de maçonaria comum, da natureza de uma
iniciação, que franqueava-lhe as portas de sua hospitalidade.
Mas onde quer que fosse, sempre observava uma divisão regular do dia. Ao nascer
do sol praticava certos exercícios religiosos sozinho, cuja natureza ele só transmitia
a quem passasse a disciplina dos “quatro anos” (cinco anos?) de silêncio. Então
palestrava com os sacerdotes do templo ou os líderes das comunidades, conforme
estava em um templo grego ou não-grego com ritos públicos, ou em uma
comunidade com uma disciplina peculiar à parte do culto público (ιδιοτοπα).
Então tentava trazer os cultos públicos de volta à pureza de suas tradições antigas,
e sugerir melhoramentos nas práticas das irmandades privadas. A parte mais
importante de seu trabalho era com aqueles que estavam seguindo a vida interna, e
que já olhavam Apolônio como um instrutor do caminho oculto. A estes camaradas
(εταιρους) e discípulos (ο•ιλητας), devotava muita atenção, estando sempre pronto
para responder suas perguntas e dar conselhos e instrução. Não que nisso
negligenciasse o povo; era seu costume invariável ensiná-lo; pois os que viviam a
vida interior (τους ουτω φιλοσοφουντας), ele dizia, deveriam ao raiar do dia entrar
na presença dos Deuses (isto é, presumivelmente, passar algum tempo em
meditação silenciosa), e então passar o tempo até o meio-dia dando e recebendo
instrução nas coisas santas, e só depois devotar-se aos afazeres humanos. Isto é,
a manhã era devotada por Apolônio à ciência divina, e a tarde, à instrução em ética
e na vida prática. Depois do trabalho do dia ele se banhava em água fria, como
faziam tantos místicos da época naquelas terras, notavelmente os Essênios e os
Terapeutas (i, 16).
“Depois destas coisas”, diz Filóstrato, tão vagamente como o escritor de uma
narrativa evangélica, Apolônio determinou-se a visitar os Brachmanes e Sarmanes
(isto é, os Brâmanes e Budistas. sarman é a corruptela grega do sânscrito
shramana e do páli samano, o termo técnico para um asceta ou monge Budista. A
ignorância dos copistas mudou sarmanes primeiro para germanes e depois para
hircanianos!). O que induziu nosso filósofo a fazer tão longa e perigosa jornada não
é esclarecido por Filóstrato, que diz simplesmente que Apolônio imaginou ser uma
boa coisa para um jovem viajar (isto mostra que Apolônio ainda era jovem, e não
entre 40 e 50, como alguns têm afirmado. Tredwell, p. 70, data as viagens indianas
em 41-54 d.C.). É mais que evidente, contudo, que Apolônio jamais viajou
meramente por amor da viagem. O que ele faz, faz com um propósito específico. E
seus guias nesta ocasião, como assevera a seus discípulos que tentavam dissuadí-
lo de seu projeto e recusaram acompanhá-lo, foram a sabedoria e seu orientador
interno (daimon). “Já que sois fracos de coração”, diz o peregrino solitário, “dou-vos
meu adeus. Pois eu mesmo devo ir onde quer que a sabedoria e meu eu interior me
levarem. Os Deuses são meus conselheiros e não posso fiar-me senão em suas
direções” (i, 18).
E assim Apolônio parte de Antióquia e viaja para Ninus, relíquia da uma vez grande
Nina ou Nínive. Lá encontra com Damis, que se torna seu companheiro constante e
fiel discípulo. “Vamos juntos”, diz Damis em palavras que nos lembram algo das de
Rute, “tu seguindo Deus e eu a ti!” (i, 19)
Damis era um entusiasta que amava Apolônio com um afeto apaixonado. Ele via
em seu mestre um ser quase divino, possuidor de poderes maravilhosos que
continuamente o assombravam, mas que jamais pôde entender. Como Ânanda, o
discípulo favorito de Buda e seu companheiro constante, Damis avançou só
lentamente na compreensão da real natureza da ciência espiritual; ele tinha sempre
de ficar nos recintos externos dos templos e comunidades a cujos santuários e
círculos internos Apolônio tinha pleno acesso, enquanto que ele freqüentemente
professa sua ignorância dos planos e propósitos de seu mestre (vide especialmente
iii, 15, 41; v, 5, 10; vii, 10, 13; viii, 28). O fato adicional que ele inscreve em suas
notas como as “migalhas” (εκφατνισ•ατα) das “festas dos Deuses” (i, 19), aqueles
festejos que ele na maior parte das vezes podia conhecer só de segunda mão pelo
pouco que Apolônio julgava conveniente lhe contar, e que ele sem dúvida
geralmente compreendia mal e revestia com suas próprias fantasias, confirmará
isso, se alguma confirmação é necessária. Mas de fato é claramente manifesto em
toda parte que Damis estava fora do círculo da iniciação, e isso explica tanto seu
amor pelas maravilhas quanto sua superficialidade geral.
Um outro fato que sobressai na narrativa é sua natureza tímida (vide especialmente
vii, 13, 14, 15, 223). Ele teme constantemente por si e por seu mestre; e mesmo
perto do fim, quando Apolônio é preso por Domiciano, ele precisa ver com seus
próprios olhos a remoção sobrenatural das correntes que prendiam Apolônio para
convencer-se de que ele era uma vítima voluntária.
De qualquer maneira, mesmo que tivéssemos o escalpelo da crítica para cortar fora
cada pedaço de carne deste corpo de tradição e lenda, ainda restaria um esqueleto
de fatos que representariam Apolônio e nos dariam uma idéia de sua estatura.
De Ninus (i, 19) Apolônio passa para Babilônia (i, 21), onde permanece um ano e
oito meses (i, 40), e visita as cidades vizinhas de Ecbatana, a capital da Média (i,
39); de Babilônia até a fronteira da Índia nenhum nome é mencionado; a Ìndia foi
atingida provavelmente através do Passo Khaibar (ii, 6) (aqui de qualquer forma
eles vislumbram as gigantescas montanhas do Imaus, ou Himavat, ou Cordilheira
do Himalaia, onde estava o grande monte Meros, ou Meru. O nome do Olimpo
hindu, mudado para Meros em grego, desde o tempo da expedição de Alexandre,
deu margem ao mito de que Baco nascera da coxa – meros - de Zeus –
presumivelmente um dos fatos que levaram o Prof. Max Müller a estigmatizar toda a
mitologia como uma “doença da linguagem”), pois a primeira cidade que é
mencionada é Taxila (Attock) (ii, 20); e assim seguem caminho através dos
tributários do Indo (ii, 43) até o vale do Ganges (iii, 5), e finalmente chegam ao
“mosteiro dos sábios” (iii, 10), onde Apolônio passa quatro meses (iii, 50).
Tenho poucas dúvidas que Filóstrato não poderia conceber nada da geografia da
Índia a partir dos nomes no diário de Damis; todos lhe são desconhecidos, de modo
que tão logo esgota os poucos nomes gregos conhecidos por ele a partir dos
relatos da expedição de Alexandre, perde-se ele “nos confins da Terra”, e nada
pode fazer até que encontre novamente nossos viajantes já a caminho de volta na
embocadura do Indo. O fato saliente de que Apolônio estava estabelecendo uma
certa comunidade, o que era seu objetivo específico, impressionou tanto a
imaginação de Filóstrato (e provavelmente a de Damis antes dele) que ele a
descreveu como sendo a única em seu gênero na Índia. Apolônio foi à Índia com
um propósito e voltou de lá com uma missão diferente (referindo-se aos seus
instrutores ele diz: “Sempre me lembro de meus mestres e viajo por todo o mundo
ensinando o que aprendi deles”; vi, 18); e talvez suas incessantes indagações a
respeito daqueles “sábios” que ele procurava, induziram Damis a imaginar que só
eles fossem os “Gimnosofistas”, os “filósofos nus” (se formos tomar a palavra ao pé
da letra) da popular lenda grega, que igorantemente atribuía a todos os ascetas
hindus as mais extraordinárias peculiaridades que na verdade pertenciam só a um
reduzido grupo. Mas voltemos ao nosso itinerário.
Filóstrato embeleza o relato da viagem do Indo até a foz do Eufrates (iii, 52-58) com
as lendas de viajantes e nomes de ilhas e cidades que ele apanhou nos livros de
histórias da Índia que lhe eram acessíveis, e assim novamente voltamos à Babilônia
e à geografia familiar seguindo este itinerário: Babilônia, Ninus, Antióquia, Selêucia,
Chipre; e então a Jônia (iii, 58), onde ele passa um tempo na Ásia Menor,
especialmente em Éfeso (iv, 1), Esmirna (iv, 5), Pérgamo (iv, 9), e Tróia (iv, 11. Daí
Apolônio cruza para Lesbos (iv, 13), e subseqüentemente embarca para Atenas,
onde passa alguns anos na Grécia (iv, 17-33), visitando os templos da Hélade,
reformando seus ritos e instruindo os sacerdotes (iv, 25). A seguir o encontramos
em Creta (iv, 34) e depois em Roma no tempo de Nero (iv, 36-46).
Do Pireu nosso filósofo embarca para Quios (v, 21), depois para Rodes e então
para Alexandria (v, 24). Em Alexandria ele passa algum tempo, e tem vários
encontros com o futuro Imperador Vespasiano (v, 27-41), e então empreende uma
longa viagem Nilo acima até a Etiópia, além das cataratas, onde ele visita uma
interessante comunidade de ascetas chamados vagamente de Gimnosofistas (vi, 1-
27).
Em seu retorno a Alexandria (vi, 28), ele foi convidado por Tito, recém coroado
Imperador, para encontrá-lo em Tarso. Depois deste encontro ele parece ter
retornado ao Egito, pois Filóstrato fala vagamente de ele ter passado algum tempo
no Baixo Egito, e sobre visitas aos fenícios, cilícios, jônios, aqueus, e também à
Itália (vi, 35).
Mas Domiciano foi morto em 96 d.C., e um dos últimos atos registrados de Apolônio
é sua visão deste evento no momento de sua ocorrência. Portanto o julgamento de
Apolônio em Roma teve lugar em torno de 93, e temos um intervalo de 12 anos
desde sua entrevista com Tito em 81, que Filóstrato só pode preencher com umas
poucas histórias vagas e generalidades.
Mais tarde o chefe dos sábios indianos faz um discurso sobre Esculápio e sua arte
curativa (iii, 44), onde toda a medicina é dita depender do diagnóstico psíquico e da
presciência (•αντεια).
Finalmente pode ser percebido que era costume invariável dos pacientes recordar
o fato de sua recuperação com uma tabuleta de ex-voto no templo, precisamente
como ainda hoje é feito em países Católicos Romanos (para o mais recente estudo
sobre Esculápio em inglês vide The Cult of Asclepios, de Alice Walton, Ph.D, em
Cornell Studies in Classical Philology – Estudos da Universidade de Cornell sobre
Filologia Clássica, n° III, Ithaca, NY, 1894).
Em sua viagem à Índia Apolônio viu muitos Magos na Babilônia. Ele costumava
visitá-los ao meio-dia e à meia-noite, mas o que transpirava disto Damis não sabia,
pois Apolônio não teria permitido acompanhá-lo, e ao responder à sua pergunta
direta diria somente: “Eles são sábios, mas não em todas as coisas” (i, 26).
A descrição de certo edifício, entretanto, a que Apolônio tinha acesso, parece ser
uma versão deturpada do interior do templo. O telhado era em forma de cúpula, e o
forro do teto era coberto de “safiras”; neste céu azul havia modelos dos corpos
celestes (“aqueles que eles consideram Deuses”), revestidos de ouro, como se se
movessem no éter. Além disso do teto estavam suspensos quatro “lygges” de ouro,
que os Magos chamavam de “Línguas dos Deuses”. Eram anéis ou esferas aladas
relacionadas à idéia de Adrasteia (ou Destino). Seus protótipos são descritos
imperfeitamente na Visão de Ezequiel, e as assim chamadas strophali ou spherulae
Hecatinas usadas em práticas mágicas podem ter sido descendentes degeneradas
destas “rodas vivas” ou esferas dos elementos vitais. O assunto é do mais vivo
interesse, mas desesperadamente impossível de ser trabalhado em nossa presente
era de ceticismo e profunda ignorância do passado. Os “Deuses” que ensinaram
nossa humanidade infante [eram] mais elevados que os que hoje evoluem em
nossa Terra. Eles deram o impulso, e, quando os filhos da Terra se tornaram
crescidos o suficiente para andarem com seus próprios pés, eles se retiraram. Mas
a memória de seus feitos e uma forma corrompida e degenerada dos mistérios que
estabeleceram permaneceu sempre na lembrança do mito e da lenda. Os videntes
captaram obscuros vislumbres do que eles ensinaram e como o fizeram, e a
tradição dos Mistérios preservou alguma coisa disso em seus símbolos e
instrumentos ou maquinismos. As lygges dos Magos diz-se que eram uma relíquia
desta memória.
“Eu vim a vós por terra e vós me destes o mar; não, antes, dividindo comigo vossa
sabedoria vós me concedestes o poder de viajar pelos céus. Estas coisas eu trarei
de volta à mente dos gregos, e conversarei convosco como se estivésseis
presentes, se eu não tiver bebido da taça de Tântalo em vão”.
É evidente, por estas sentenças crípticas, que o “mar” e a “taça de Tântalo” são
idênticos à “sabedoria” que foi concedida a Apolônio – a sabedoria que ele uma vez
mais traria de volta à memória dos gregos. Ele assim assume claramente que
voltava da Índia com uma missão específica e com os meios de levá-la a cabo, pois
não apenas ele de seus lábios tinha bebido do oceano da sabedoria no qual
aprendeu a Brahma-vidyâ, mas também aprendeu como conversar com eles
estando seu corpo da Grécia e o deles na Índia.
Mas um significado assim tão óbvio – óbvio pelo menos para todo estudante da
natureza oculta – estava além do entendimento de Damis ou da compreensão de
Filóstrato. E também sem dúvida é a menção à “taça de Tãntalo” (Tântalo é descrito
na fábula como tendo roubado a taça do néctar dos deuses; era a amrita dos
indianos, o oceano da imortalidade e sabedoria) nesta carta o que sugere o
eternamente adorável episódio da taça em iii, 32, e sua conexão com as fontes
místicas de Baco. Damis usa isso para “explicar” a última frase de Apolônio sobre
os sábios, qual seja, aquela de eles “não possuírem nada exceto o que todos
possuem” – que, entretanto, aparece em outro ponto de outra forma, como “não
possuindo nada, eles têm as posses de todos os homens” (iii, 15) (as palavras
ουδεν κεκτη•ενος ν τα παντων, que Filóstrato cita duas vezes assim, certamente
não podem ser mudadas para •ηδεν κεκτη•ενος τα παντων εχειν, sem praticar uma
violência contra seu significado).
Em Tróia, nos contam, Apolônio passou uma noite sozinho junto ao túmulo de
Aquiles, antigamente um dos locais popularmente mais sagrados da Grécia (iv, II).
Não transpira o motivo de ele ter feito isso, pois a fantástica conversa com a
sombra do herói contada por Filóstrato parece desprovida de todo elemento de
verossimilhança. Mas como, contudo, Apolônio logo depois visitou a Tessália
expressamente para incitar os tessálios a renovar os antigos ritos tradicionais ao
herói (iv, 13), podemos supor que isso formou parte de seu grande esforço para
restaurar e purificar a antiga instituição da Hélade, para que, sendo os canais
tradicionais liberados, a vida pudesse fluir mais saudavelmente no corpo da nação.
Também há o rumor de que Aquiles teria dito a Apolônio onde encontrar a estátua
do herói Palámedes na costa da Eólia. Apolônio restaurou a estátua de acordo, e
Filóstrato nos diz que a viu com seus próprios olhos no local (iv, 13).
Mas isto seria um tópico de escasso interesse, se não houvesse mais menção a
Palámedes em outro lugar da narrativa de Filóstrato. O que tudo isso significa é
difícil de dizer com um Damis e um Filóstrato como intérpretes entre nós e o silente
e enigmático Apolônio. Palámedes foi um dos heróis perante Tróia, e que a lenda
diz ter sido o inventor das letras, ou quem completou o alfabeto de Cadmo (Berwick,
Life of Apollonius, p. 200 n.)
Agora, de duas sentenças obscuras (iv, 13, 33), percebemos que nosso filósofo via
Palámedes como o herói-filósofo do período Troiano, ainda que Homero quase não
o mencione.
Foi esta a razão, pois, para Apolônio ficar tão ansioso por restaurar sua estátua?
Nada disso; parece ter havido uma razão mais direta. Damis pensou que Apolônio
encontrara Palámedes na Índia; que ele estava no mosteiro; que Iarchas havia um
dia indicado um jovem asceta que podia “escrever sem nunca ter aprendido as
letras”; e que este jovem tinha sido ninguém senão Palámedes em uma de suas
vidas pregressas. Sem dúvida o cético dirá: “Claro! Pitágoras era uma
reencarnação do herói Eufórbio que lutou em Tróia, de acordo com a superstição
popular; portanto, naturalmente, o jovem indiano era a reencarnação do herói
Palámedes! Uma lenda simplesmente engendra a outra”. Mas de acordo com este
princípio, para sermos consistentes, esperaríamos descobrir que foi o próprio
Apolônio, e não um desconhecido asceta hindu, quem uma vez foi Palámedes.
Em Lesbos Apolônio visitou o antigo templo dos mistérios Órficos, que em dias
antigos havia sido um grande centro de profecia e divinação. Aqui também lhe foi
concedido o privilégio de entrar no santuário interno ou adytum (iv, 14).
Talvez possa surpreender o leitor ouvir que Apolônio, que já havia sido iniciado em
privilégios maiores do que Elêusis poderia proporcionar, se apresentasse ele
mesmo à iniciação. Mas as razões não precisam ser procuradas longe; os Eleusinia
constituíam uma das organizações intermediárias entre os cultos populares e os
genuínos círculos internos de instrução. Eles preservavam uma das tradições do
caminho interior, mesmo se seus oficiais naquela época houvessem esquecido o
que seus predecessores conheciam. Para restaurar estes antigos ritos à sua
pureza, ou para usá-los para seus fins originais, era necessário entrar nos recintos
da instituição; nada poderia ser feito de fora. A coisa em si era boa, e Apolônio
desejava apoiar a instituição dando o exemplo público de procurar a iniciação ali;
não que ele tivesse algo a ganhar pessoalmente.
Os templos, mencionados por Filóstrato, que Apolônio visitou na Grécia, têm todos
a peculiaridade de serem muito antigos; por exemplo, Dodona, Delfi, o antigo
santuário de Apolo de Abe, na Fócida, as “grutas” de Anfiarau (um grande centro de
divinação através de sonhos, vide ii, 37) e Trofônio, e o templo das Musas no
Helicão.
Quando entrava nos adyta destes templos com o intuito de “restaurar” os ritos, era
acompanhado somente pelos sacerdotes, e certos discípulos imediatos (γνωρι•οι).
Isto sugere uma ampliação do significado do termo “restauração” ou “reforma”, e
quando lemos em outras partes sobre os muitos locais consagrados por Apolônio,
não podemos pensar senão que parte de sua obra era a reconsagração, e com isso
a purificação psíquica, de muitos destes centros antigos. Seu principal trabalho
externo, contudo, foi instruir, e, como Filóstrato retoricamente parafraseia, “taças de
suas palavras foram colocadas em todas as partes para o sedento delas beber” (iv,
24).
Mas não somente nosso filósofo restaurou os ritos antigos da religião; também
prestou muita atenção às antigas constituições e instruções. Assim o encontramos
instando os espartanos a retornarem ao seu antigo modo de vida, a seus exercícios
atléticos, sua vida frugal, e à disciplina da antiga tradição dórica (iv, 27, 31-34);
acima de tudo, ele louvou especialmente a instituição dos Jogos Olímpicos, cujo
elevado padrão ainda era mantido (iv, 29), enquanto que reconvocou o antigo
Conselho Anfictiônico ao seu dever (iv, 23), e corrigiu os abusos da assembléia Pan-
jônica (iv, 5).
Na primavera de 66 d.C., ele deixou a Grécia indo a Creta, onde parece ter passado
a maior parte de seu tempo nos santuários do Monte Ida e no templo de Esculápio
em Lêbene (“pois como toda a Ásia visita Pérgamo, toda Creta visita Lêbene”); mas
mui curiosamente recusou-se a visitar o famoso Labirinto em Cnossos, cujas ruínas
haviam sido recém descobertas para uma geração cética, mais provavelmente
porque (é lícito especular) uma vez foi centro de sacrifícios humanos, e assim
pertencia a um dos antigos cultos da mão esquerda.
Retornando à Grécia via África e Sicília (onde passou algum tempo e visitou Etna),
ele passou o inverno (de 67 d.C.?) em Elêusis, vivendo no templo, e na primavera
do ano seguinte embarcou para Alexandria, onde passou algum tempo, a caminho
de Rodes. A cidade da filosofia e do ecletismo por excelência recebeu-o de braços
abertos como a um velho amigo. Mas reformar os cultos públicos do Egito foi um
trabalho muito mais difícil do que qualquer outro que ele tentou antes. Sua presença
no templo (de Serápis?) inspirou respeito universal, tudo sobre ele e cada palavra
que pronunciava parecia emanar uma atmosfera de sabedoria e de “algo divino”. O
sumo-sacerdote do templo considerou com orgulhoso desdém: “Quem é sábio o
suficiente”, perguntou irônico, “para reformar a religião dos egípcios?” – somente
para deparar-se com a resposta confiante de Apolônio: “Qualquer sábio que venha
da parte dos indianos”. Aqui, como em toda parte, Apolônio opôs-se ao sacrifício
sangrento, e tentou substituí-lo, como o fizera noutros lugares, pela oferenda de
incenso modelado na forma da vítima (v, 25). Tentou reformar muitos abusos nos
modos dos alexandritas, mas sobre nenhum deles foi mais severo do que sobre sua
selvática excitação com as corridas de cavalos, que freqüentemente acabava com
efusão de sangue (v, 26).
Apolônio parece ter passado a maior parte dos vinte anos restantes de sua vida no
Egito, mas por Filóstrato não podemos saber nada do que ele fez nos secretos
santuários daquela terra de mistério, exceto que na prolongada jornada até a
Etiópia Nilo acima nenhuma cidade ou templo ou comunidade deixou de ser
visitado, e em todo lugar havia um intercâmbio de conselhos e instrução nas coisas
sagradas (v, 43)
É difícil tirar dos diálogos, postos nas bocas do líder da comunidade e de Apolônio
(vi, 10-13, 18-22), qualquer detalhe preciso sobre o modo de vida destes ascetas,
além de indicações gerais de uma existência de grande dureza e penúria física, que
eles consideravam o único meio de obter sabedoria. O que era a natureza de seus
cultos, se tinham algum, não nos é dito, exceto que ao meio-dia os Nus se
retiravam para seus monasteria (vi, 14).
No caso das viagens de Apolônio, como no caso das comunidades e templos que
ele visitou, Filóstrato é um cicerone dos mais frustrantes. Mas talvez ele não deva
ser censurado por isto, pois a parte mais importante e mais interessante da obra de
Apolônio era de natureza tão íntima, executada como foi entre associações cujo
caráter secreto era tão ciosamente guardado, que ninguém fora de seus membros
poderia saber nada dela, e aqueles que vinham a saber pela iniciação não diriam
nada.
Portanto, é só quando Apolônio se adianta para executar algum ato público que
podemos obter algum traço histórico preciso dele; em todos os outros casos ele
passa para dentro do santuário de um templo ou penetra na privacidade de uma
comunidade e é perdido de vista.
Pode talvez nos surpreender que Apolônio, depois de sacrificar sua fortuna pessoal,
pudesse empreender viagens tão longas e caras, mas parece que ele
ocasionalmente era provido dos fundos necessários pelos tesouros dos templos (cf.
viii, 17), e que em toda parte lhe era livremente oferecida a hospitalidade do templo
ou comunidade do local onde calhava de ele estar.
Esta influência, contudo, era invariavelmente de natureza moral e não política. Era
levada a cabo através de conversas e instrução filosóficas, pela palavra falada ou
escrita. Do mesmo modo que Apolônio em suas viagens conversou sobre filosofia,
e discursou sobre a vida de um homem sábio e sobre os deveres de um governante
sábio com reis (ele passou, nos dizem, não menos de um ano e oito meses com
Vardan, Rei da Babilônia, e foi o honrado hóspede do Rajá Indiano “Fraotes”),
governantes e magistrados, também tentou aconselhar para seu bem aqueles
imperadores que se dispunham a ouví-lo.
Vespasiano, Tito e Nerva eram todos, antes de sua elevação à púrpura, amigos e
admiradores de Apolônio, enquanto que Nero e Domiciano olhavam o filósofo com
temor.
Durante a breve estada de Apolônio em Roma, em 66 d.C., mesmo que nem uma
só palavra lhe houvesse escapado que pudesse ser transformada em um
pronunciamento traidor pelos numerosos informantes, não obstante ele foi trazido
perante Tigelino, o infame favorito de Nero, e submetido a um cerrado interrogatório
cruzado. Aparentemente até esta época Apolônio estava trabalhando para o futuro,
e tinha restringido sua atenção inteiramente à reforma da religião e à restauração
das antigas instituições das nações, mas a tirânica conduta de Nero, que não deu
paz nem mesmo ao mais inatacável dos filósofos, abriu completamente seus olhos
para um mal mais imediato, que parecia ser nada menos que a ab-rogação da
liberdade de consciência por uma tirania irresponsável. Daí em diante, portanto,
encontramo-lo vivamente interessado nas pessoas dos imperadores seguintes.
De modo que embora Apolônio tenha apoiado Vespasiano enquanto ele tentou
realizar dignamente seu ideal, imediatamente censurou-o pessoalmente quando ele
privou as cidades gregas de seus privilégios. “Vós escravizastes a Grécia”, ele
escreveu. “Vós reduzistes um povo livre à escravidão” (v, 41). De qualquer maneira,
a despeito de sua censura, Vespasiano, em sua última carta a seu filho Tito,
confessou que eles eram o que eram exclusivamente por virtude do bom conselho
de Apolônio (v, 30).
De igual modo ele viajou a Roma para encontrar Domiciano face a face, e mesmo
que tenha sido posto em julgamento e todos os esforços tenham sido feitos para
prová-lo culpado de complot traidor com Nerva, ele não pôde ser indiciado por nada
de natureza política. Nerva era um bom homem, disse ao Imperador, e não um
traidor. Não que Domiciano tivesse realmente alguma suspeita de que Apolônio
estivesse pessoalmente intrigando contra ele; ele o colocou na prisão somente na
esperança de que poderia induzir o filósofo a revelar as confidências de Nerva e
outros homens eminentes que lhe eram objetos de suspeita, e que ele imaginava
que tinham consultado Apolônio sobre suas chances de sucesso.
Os negócios de Apolônio não eram com a política, mas com “os príncipes que lhe
pediam conselho sobre a virtude” (vi, 43).
Agora voltaremos nossa atenção por um breve momento àquele lado da vida de
Apolônio que o tornou objeto de invencível preconceito. Apolônio não foi somente
um filósofo, no sentido de ser um especulador teórico ou de ser o seguidor de um
modo de vida organizado escolado na disciplina da renúncia; ele foi também um
filósofo no sentido Pitagórico original do termo – um conhecedor dos segredos da
Natureza, que assim podia falar como alguém que tinha autoridade.
Ele conhecia o lado oculto das coisas da Natureza por experiência e não por ouvir
dizer; para ele a senda da filosofia era uma vida por onde o próprio homem se
tornava um instrumento do conhecimento. A religião, para Apolônio, não era
somente uma fé, era uma ciência. Para ele o espetáculo das coisas eram
aparências sempre mutantes; cultos e ritos, religiões e crenças, para ele eram todos
um só, considerando o espírito correto que jazia por trás deles. O Tianeu não via
diferenças de raça ou credo; tais estreitas limitações não eram para nosso filósofo.
Acima de todos os outros ele deve ter rido ante a palavra “milagre” aplicada aos seu
feitos. “Milagre”, em seu sentido teológico Cristão, era um termo desconhecido da
antigüidade, e é um vestígio de superstição hoje. Pois ainda que muitos acreditem
que seja possível para a alma efetuar uma multidão de coisas além das
possibilidades de uma ciência que está confinada inteiramente à investigação das
forças físicas, ninguém além daquele que não pensa acredita que pode haver
alguma interferência na operação das leis que a Deidade imprimiu na Natureza. – o
credo dos Miraculistas.
Ainda jovem, no templo de Egue, Apolônio deu sinais da posse dos rudimentos
desta percepção psíquica; não só sentiu corretamente a natureza do passado
sombrio de um rico mas indigno suplicante que desejava a restauração de sua
visão, mas previu, ainda que obscuramente, o mau fim de um que havia atentado
contra sua inocência (i, 12).
Ao encontrar Damis, seu futuro fiel criado ofereceu seus serviços para a longa
jornada à Índia considerando que conhecia as línguas dos diversos países por onde
teriam que passar. “Mas eu entendo-os todos, mesmo que jamais tenha-lhes
aprendido a língua”, respondeu Apolônio, em sua maneira enigmática usual, e
acrescentou: “Não vos admireis que eu saiba as línguas dos homens, pois eu
conheço até o que eles não nunca dizem” (i, 19). E com isso ele queria dizer
simplesmente que podia ler os pensamentos das pessoas, não que ele pudesse
falar todas as línguas. Mas Damis e Filóstrato não podiam entender um fato tão
simples da experiência psíquica; eles devem ter pensado que ele sabia não apenas
as línguas de todos os homens, mas também as dos pássaros e feras (i,20).
De fato, como Apolônio fala ao seu amigo filosófico e estudioso o Cônsul romano
Telesino, para ele a sabedoria era um tipo de divinização ou de tornar divina toda a
natureza, uma espécie de estado de perpétua inspiração (φειασ•σς) (i, 40). E assim
sabemos que Apolônio era informado de todas as coisas desta natureza pela
energia de sua natureza daimônica (δαι•ονιως) (vii, 10). Mas para os estudantes
das escolas Pitagórica e Platônica o “daimon” de um homem era aquilo que podia
ser chamado o Eu Superior, o lado espiritual da alma distinto do puramente
humano. É a melhor parte do homem, e quando sua consciência física é unificada
com o “morador do céu”, ele tem (de acordo com a filosofia mística mais elevada da
antiga Grécia), enquanto ainda na Terra, os poderes daqueles seres incorpóreos
intermediários entre os Deuses e os homens chamados “daimones”; um estado
ainda mais elevado, e o homem vivente se torna um Deus na Terra; e num estágio
ainda mais excelso ele se torna uno com o Bem e então se torna Deus.
Era meio-dia, para citarmos o vívido relato de Filóstrato, e Apolônio estava num dos
pequenos parques ou jardins dos subúrbios, ocupado em dar uma preleção sobre
algum absorvente tópico filosófico. “Primeiro ele baixou sua voz como se fosse
tomado de alguma apreensão; contudo, continuou sua exposição, mas vacilante, e
com muito menos força do que antes, como um homem que tem outra coisa em sua
mente além daquela sobre que está falando; finalmente ele cessou de todo de falar
como se não pudesse encontrar as palavras. Então, olhando fixamente para o chão,
deu três ou quatro passos para diante, gritando: ‘Matem o tirano, matem!’ E isto,
não como um homem que vê uma imagem num espelho, mas como um que tem a
própria cena diante de seus olhos, como se ele mesmo estivesse tomando parte
nela”.
Voltando-se para sua atônita audiência, ele lhes disse o que vira. Mas ainda que
eles esperassem que fosse verdade, recusaram-se a acreditá-lo, como se Apolônio
estivesse fora de si. Mas o filósofo gentilmente respondeu: “Vós, de vossa parte,
estais certos em adiar vosso regozijo até que as notícias sejam trazidas a vós do
modo usual; mas quanto a mim, agradecerei aos Deuses pelo que eu mesmo
vi” (viii, 26).
Por outro lado, o registro de Apolônio “restituindo à vida” uma jovem de berço nobre
em Roma, é contado com grande moderação. Nosso filósofo parece ter encontrado
o féretro por acaso; então ele subitamente aproximou-se do leito, e depois de fazer
alguns passes sobre a donzela, e dizer algumas palavras inaudíveis, “despertou-a
de sua morte aparente”. Mas, diz Damis, “se Apolônio notou que a centelha da alma
ainda vivia, o que seus amigos deixaram de perceber – segundo consta estava
chovendo levemente e se via um tênue vapor em seu rosto – ou se ele fez a vida
nela aquecer-se novamente e assim restaurando-a”, nem ele nem ninguém
presente poderia dizer (iv, 45).
“Ele não usaria nada que proviesse de um animal morto, nem tocaria num bocado
de comida que anteriormente tivesse tido vida, nem a ofereceria em sacrifício; nem
mancharia de sangue os altares; mas só bolos de mel e incenso, e o serviço de sua
canção, subiriam deste homem para os Deuses, pois ele bem sabia que eles
aceitariam tais presentes muito mais que as centenas de bois imolados com a faca.
Pois ele, em verdade, mantinha conversas com os Deuses e aprendia deles o que
lhes agradava dos homens e o que lhes desagradava, e por isso possuía sua
natureza sábia. Para o restante, dizia, consultava o divino, e mantinha opiniões
sobre os Deuses que provavam ser falsas todas as outras; mas junto a ele,
declaradamente, chegava-se a alma [self, no original – NT] de Apolo, sem disfarce
(isto é, não sob alguma “forma”, mas em sua própria natureza), assim como se
aproximavam, ainda que ocultamente, Atena e as Musas, e outros Deuses cujas
formas e nomes a humanidade ainda não conhecia.
“Pois sabei, jovem senhor, que não tenho encantos; minha taça está até a borda
cheia de fadigas. Abrace qualquer um meu modo de vida, e deve resolver-se a
banir de sua mesa todo alimento que uma vez teve vida, deve perder a lembrança
do vinho, e assim não mais poluir a taça da sabedoria – a taça que realmente
consiste de almas não manchadas pelo vinho. Nem a lã irá aquecê-lo, nem nada
feito de animais. Dou a meus servos sapatos de fibra, e nela eles podem dormir. E
se os encontro entretidos nos deleites amorosos, logo lhes trago aquela justiça que
segue os passos da sabedoria, para resgatá-los e corrigí-los; em verdade, sou tão
rigorosa com aqueles que escolhem meu caminho, que mesmo em suas línguas
ponho um ferrolho. Agora ouve de mim quais coisas ganharás, se perseverares. Um
senso inato de prontidão e de correção, e jamais sentir que o quinhão de outrem é
melhor que o próprio; eliminar pelo medo os tiranos antes que ser um temeroso
escravo da tirania; ter tuas pobres ofertas mais abençoadas pelos Deuses do que
aqueles que lhes apresentam o sangue dos touros. Se és puro, conceder-te-ei
como saber as coisas que virão, e encherei tanto teus olhos de luz que poderás
reconhecer os Deuses, os heróis, e provar e dominar as formas sombrias que
assumem a forma de homens” (vi, II).
Toda a vida de Apolônio demonstra que ele tentou seguir consistentemente esta
regra de vida, e as repetidas declarações de que ele jamais se juntaria aos
sacrifícios sangrentos dos cultos populares (vide especialmente i, 24, 31; iv, 11; v,
25), mas os condenava abertamente, mostram não só que a escola Pitagórica tinha
sempre dado o exemplo do modo mais elevado de sacrificar puramente, mas que
eles não só não foram condenados e perseguidos como heréticos por causa disso,
mas foram antes considerados como sendo de especial santidade, e como
seguindo uma vida superior do que os mortais comuns.
Mas embora Apolônio fosse um irredutível mestre de si mesmo, ele não desejava
impor seu modo de vida sobre os outros, mesmo sobre seus amigos e
companheiros pessoais (se, é claro, não o fariam de livre vontade). Assim ele diz a
Damis que não deseja proibí-lo de comer carne e beber vinho, ele apenas reserva-
se o direito de abster-se e de defender sua conduta se chamado a fazê-lo (ii, 70).
Esta é uma indicação adicional de que Damis não era um membro do círculo
interno da disciplina, e este último fato explica o porquê de um seguidor tão fiel da
pessoa de Apolônio ainda estivesse não obstante tanto na escuridão.
E não só isso, mas Apolônio mesmo dissuade o Rajá Fraotes, seu primeiro
hospedeiro na Índia, que desejava seguir sua observância estrita, de fazê-lo,
porque isso o afastaria muito de seus súditos (ii, 37).
Três vezes por dia Apolônio orava e meditava; no alvorecer (vi, 10, 18; vii, 31), no
meio-dia (vii, 10), e no ocaso (viii, 13). Isto parece ter sido seu costume invariável;
não importa onde ele estivesse, parece ter devotado pelo menos uns poucos
momentos para meditação silenciosa nestes momentos. O objeto de seu culto é
sempre dito ter sido o “Sol”, isto é, o Senhor de nosso mundo e seus mundos
irmãos, cujo símbolo encantador é o orbe do dia.
Vimos no breve esboço devotado aos seus “Primeiros Anos” como ele dividia o dia
e repartia seu tempo entre as diferentes classes de seus ouvintes e inquiridores.
Seu estilo de ensino e prédica era o oposto do orador retórico ou profissional. Não
havia arte alguma em suas sentenças, nenhuma busca de efeito, nenhuma
afetação. Mas ele falava “como se de uma trípode” [a trípode era um banco de três
pés onde sentavam-se as Pitonisas ao proferir seus oráculos – NT], com palavras
como “Eu sei”, “Parece-me”, “Por que vós”, “Sabei”. Suas frases eram curtas e
compactas, e suas palavras carregavam convicção com elas e adequavam-se aos
fatos. Sua obra, dizia, não era procurar e questionar como havia feito em sua
juventude, mas ensinar o que sabia (i, 17). Ele não empregava a dialética da escola
Socrática, mas fazia seus ouvintes afastar-se de tudo o mais e dar ouvidos somente
à voz interior da filosofia (iv, 2). Ele tirava suas ilustrações de qualquer incidente
casual ou acontecimento doméstico (iv, 3; vi, 3, 38), e usava tudo para o
melhoramento de seus ouvintes.
Quando foi a julgamento, não fez preparação alguma para sua defesa. Ele tinha
vivido sua vida como ela se apresentava cotidianamente, preparado para a morte, e
assim continuaria (viii, 30). Acima de tudo agora era sua escolha deliberada
desafiar a morte pela causa das filosofia. E diante das repetidas solicitações de seu
velho amigo para que preparasse sua defesa, replicou:
“Damis, pareces ter perdido teu entendimento diante da morte, ainda que tenhas
estado tanto tempo comigo e eu tenha amado a filosofia desde mesmo minha
juventude (leia-se θιλοσοφω por θιλοσοφων), imaginei que estarias tu mesmo
preparado para a morte e igualmente conhecias bem meu generalato nisto. Pois
como os guerreiros no campo de batalha necessitam não só de boa coragem mas
também daquele generalato que os avisa quando lutar, assim devem os que amam
a sabedoria fazer um cuidadoso estudo das boas épocas de morrer, para que
possam escolher a melhor e não encontrar a morte todos despreparados. Que eu
escolhi e agarrei o momento que segundo a sabedoria era o melhor para a
contenda mortal – isto é, se há alguém que deseje matar-me – eu provei a outros
amigos quando estavas perto, tampouco cessei de ensinar-te isto em privado” (vii,
31).
Isto foram algumas poucas indicações de como nosso filósofo vivia, nada temendo
exceto a deslealdade a seu alto ideal. Agora faremos menção a alguns de seus
traços mais pessoais, e a alguns dos nomes de seus seguidores.
Apolônio é dito ter tido formosíssima aparência (i, 7, 12; iv, 1) (Rathgeberger [G] em
seu Grossgriechenland und Pythagoras – A Magna Grécia e Pitágoras; Gotha,
1866; uma obra de maravilhosa indústria bibliográfica, refere-se a três supostos
retratos de Apolônio [p. 621]. Um no Campidoglio Museum of the Vatican,
Indicazione delle Sculture – Catálogo de Esculturas; Roma, 1840; p. 68, n° 75, 76 e
77; outro no Museu Real Boubon, descrito por Michel B.; Nápoles, 1837; p. 79, n°
363; e outro a réplica de uma contorniate, de Visconti. Não consegui encontrar sua
primeira referência, mas em um Guia do Museu Real Bourbon, traduzido por C.J.J.;
Nápoles, 1831; eu encontrei na p. 152 que o n° 363 é um busto de Apolônio, cerca
de 90 cm de altura, cuidadosamente executado, com uma cabeça semelhante a um
Zeus, com barba e longa cabeleira descendo sobre seus ombros, presos por uma
larga faixa. O busto parece ser antigo. Contudo, não pude obter uma reprodução
dele. E.Q. Visconti, no atlas de sua Iconographic Grecque; Paris, 1808; dá a
reprodução de uma contorniate, ou medalha com uma borda circular, cujo um dos
lados tem uma cabeça de Apolônio e a legenda APOLLONIVS TEANEVS. Esta
também representa nosso filósofo com barba e cabelos compridos; a cabeça é
coroada, e a parte superior do corpo coberta com uma túnica e o manto do filósofo.
A medalha, porém, é de artesania muito inferior, e o retrato não é agradável de
modo algum. Visconti em seu folheto devota um raivoso e ofensivo parágrafo a
Apolônio, “ce trop célèbre imposteur”, como o chama, basado em De Tillemont) mas
além disto não temos nenhuma indicação muito precisa de sua pessoa. Seus
modos eram sempre doces e gentis (i, 36; ii, 22) e modestos (iv, 31; viii, 15), e nisto,
diz Damis, ele parecia mais um indiano do que um grego (iii, 36); mas
ocasionalmente ele impreca indignado contra alguma barbaridade especial (iv, 30).
Seu temperamento era freqüentemente pensativo (i, 34), e quando não estava
falando mergulhava longamente em profundos pensamentos, durante o que seus
olhos ficavam fixos no chão (i, 10 et al.).
Ainda que, como vimos, fosse ferrenhamente inflexível consigo mesmo, estava
sempre pronto para desculpar os outros; se, de um lado, aplaudia a coragem dos
poucos que permaneceram com ele em Roma, de outro recusou acusar de covardia
os muitos que haviam fugido (iv, 38). Tampouco sua gentileza era demonstrada
simplesmente pela abstenção de acusar, ele era sempre ativo em atos positivos de
compaixão (cf. vi, 39).
Uma de suas poucas peculiaridades era gostar de ser chamado de “Tianeu” (vii,
38), mas não é dito o porquê disto. Dificilmente pode ter sido porque Apolônio fosse
particularmente orgulhoso de seu local de nascimento, pois mesmo que fosse um
grande amante da Grécia, tanto que às vezes poderíamos chamá-lo de patriota
entusiástico, seu amor pelos outros países era igualmente pronunciado. Apolônio
era um cidadão do mundo, se jamais houve algum, em cuja linguagem a terra natal
não influenciava, e um sacerdote da religião universal em cujo vocabulário a palavra
seita não existia.
Os mais notáveis destes seguidores foram Musônio, que era considerado o maior
filósofo da época depois do Tianeu, e que foi a vítima especial da tirania de Nero
(iv, 44; v, 19; vii, 16), e Demétrio, “que amava Apolônio” (iv, 25, 42; v, 19; vi, 31; vii,
10; viii, 10). Estes nomes são bem conhecidos da história; outros nomes já
desconhecidos são os do egípcio Dioscórides, que devido à má saúde foi deixado
para trás na longa viagem à Etiópia (iv, 11, 38; v, 43), Menipo, a quem livrara de
uma obsessão (iv, 25, 38; v, 43), Fédimo (iv, 11) e Nilo, que o seguiu deixando os
Gimnosofistas (v, 10 sqq, 28), e, é claro, Damis, que nos faz pensar que estava
sempre com ele desde a época de seu encontro em Ninus.
Apolônio acreditava na oração, mas quão diferentemente da vulgar! Para ele a idéia
de que os Deuses pudessem ser desviados da senda da estrita justiça pelas
súplicas dos homens era uma blasfêmia; que os Deuses pudessem se tornar
partidários de nossas esperanças e temores egoístas, para nosso filósofo era algo
impensável. Só sabia de uma coisa: que os Deuses eram os ministros do direito e
os rígidos administradores do justo merecimento. A crença comum, que persiste até
em nossos dias, de que Deus pode ser desviado de Seu propósito, de que pactos
poderiam ser feitos com Ele ou Seus ministros, era inteiramente desprezível para
Apolônio. Seres com quem pactos podiam ser feitos, que podiam ser influenciados
e obrigados, não seriam Deuses, mas menos que homens. Assim encontramos
Apolônio jovem conversando com um dos sacerdotes de Esculápio nos seguintes
termos:
“Já que os Deuses conhecem todas as coisas, imagino que alguém que entre no
templo com uma consciência correta em si rezaria assim: ‘Dai-me, oh Deuses, o
que me cabe!’ “ (i, II)
E assim também ele rezou, em sua longa jornada à Índia, na Babilônia: “Deus do
Sol, envia-me sobre a Terra até onde for bom para Ti e para mim; e que eu possa
conhecer o bem, e jamais conhecer o mal ou ser conhecido por ele” (i, 31).
Uma de suas preces mais comuns era, segundo Damis, assim: “Concedei, oh
Deuses, que eu tenha pouco e não precise de nada” (i, 34).
“Quando entrais nos templos, pelo que rezais?”, perguntou para nosso filósofo o
Pontífice Máximo Telesino. “Eu rezo”, disse Apolônio, “para que a retidão possa
imperar, para que as leis permaneçam intactas, para que o sábio seja pobre e os
outros, ricos, mas honestamente” (iv 40).
A fé de nosso filósofo no grande ideal de nada ter e ainda assim possuir todas as
coisas, é exemplificada em sua réplica ao oficial que demandava como ele
pretendia entrar nos domínios da Babilônia sem permissão. “Toda a Terra”, disse
Apolônio, “é minha, e me é dado que eu a percorra” (i, 21).
Há muitos exemplos de somas de dinheiro sendo oferecidas a Apolônio por seus
serviços, mas ele invariavelmente as recusava; e não só isso, mas seus seguidores
também recusavam todos os presentes. Quando o Rei Vardan, com verdadeira
generosidade oriental, ofereceu-lhe presentes, foram devolvidos; e nisto disse
Apolônio: “Vêde, minhas mãos, ainda que muitas, são todas parecidas”. E quando o
rei perguntou a Apolônio qual presente ele traria para ele da Índia, nosso filósofo
replicou: “Um presente que vos agradará, Sire. Pois se minha estada lá me tornar
mais sábio, voltarei a vós melhor do que sou agora” (i, 41).
Então a maior parte da audiência correu para ver se era verdade, e quando
voltaram todos gritando e gesticulando maravilhados, o filósofo continuou: “Vêde
que cuidado os pardais têm uns para com os outros, e quão felizes ficam em
compartilhar seus bens. Mas nós homens não o aprovamos; antes, se vemos um
homem dividindo seus bens com outros homens, chamamo-lo de esbanjador,
extravagante, e de outros nomes, e acusamos os homens que recebem a partilha
de serem aduladores e parasitas. O que nos resta então senão encerrarmo-nos em
casa como aves de engorda, e empanturrarmos nossos estômagos na escuridão
até que rebentemos de gordura?” (iv, 3).
Também sua resposta a um jovem Creso [Creso, rei da Lídia, ficou famoso por sua
enorme riqueza – NT] da época é tão irônica quanto sábia; “Jovem senhor”, disse
ele, “penso que não sois vós que possuís vossa casa, mas que vossa casa vos
possui” (v, 22).
“Sim”, disse Apolônio, “pois ele era Hércules. Mas vós, que virtude tendes, oh
montanha de gordura? A única coisa que chama a atenção em vós é a
possibilidade de explodirdes” (iv, 23).
“Vós me pedis o que não pode ser ensinado. Pois a realeza é a maior coisa ao
alcance do mortal; e não é ensinada. Mas vos direi o que, se fizésseis, faríeis bem.
Não considereis a riqueza que é acumulada – em que ela é superior à areia reunida
casualmente? Nem aquela que provém de pesadas taxações que oprimem os
homens – pois o ouro que vem das lágrimas é vil e negro. Empregareis melhor do
que qualquer rei a riqueza, se atenderdes às necessidades dos desfavorecidos e
garantirdes a riqueza dos que possuem muito. Temei o poder de fazer o que vos
aprouver, assim o usareis com maior prudência. Não apareis as espigas que
sobressaem dentre as outras – pois Aristóteles não é justo neste ponto (vide
Chassang, op. cit., p. 458, para uma crítica desta declaração) – mas antes separai
sua animosidade como o joio dentre o grão, e intimidai os agitadores em disputa
não dizendo ‘Eu vos puno’, mas ‘Irei fazê-lo’. Submetei-vos à lei, oh Príncipe, pois
fareis leis mais sábias se vós mesmos não desprezardes a lei. Sê mais reverente
do que nunca aos Deuses; grandes são as dádivas que recebestes deles, e orai por
grandes coisas (Isto foi antes de Vespasiano tornar-se Imperador). No que tange ao
estado, agi como rei; no que tange a vós mesmos, agi como um homem comum” (v,
36).
“O que foi? Certamente não podeis dizer que foi algo além de mera imitação!”
A imaginação, diz Apolônio, é uma das mais poderosas faculdades, pois nos
habilita a chegar mais perto das realidades. Geralmente se supõe que a escultura
grega era meramente uma glorificação da beleza física, e bastante desespiritual em
si mesma. Era uma idealização das formas e feições, membros e músculos, uma
glorificação vazia do físico com nada é claro correspondendo a ela realmente na
natureza das coisas. Mas Apolônio declarou que ela traz-nos para mais perto do
real, como Pitágoras e Platão disseram antes dele, e como todos os sábios
ensinaram. Ele queria dizer isto literalmente, e não vaga e fantasticamente. Ele
declarou que os protótipos e idéias das coisas são as únicas realidades. Ele queria
dizer que entre a imperfeição terrena e o mais excelso arquétipo divino de todas as
coisas existiam graus de crescente perfeição. Queria dizer que dentro de cada
homem existe uma forma da perfeição, embora é claro que ainda não
absolutamente perfeita; que o anjo no homem, seu daimon, era de uma beleza
divinal, o resumo de todos os mais finos traços que apresentou em suas muitas
vidas na Terra. Os Deuses também pertencem ao mundo dos arquétipos, dos
modelos, das perfeições, o mundo celeste. Os escultores gregos conseguiram
entrar em contato com este mundo, e a faculdade que usaram foi a imaginação.
Esta idealização da forma era um modo digno de representar os Deuses; “mas”, diz
Apolônio, “se entronizardes um falcão ou uma coruja ou um cão em vossos
templos, para representar Apolo ou Atena ou Hermes, podeis dignificar os animais,
mas fareis os Deuses perder dignidade”.
A isto Tespésion replicou que os egípcios não pretendiam dar nenhuma forma
específica aos Deuses; eles lhes atribuíam meramente símbolos aos quais era
associado um significado oculto.
“Sim”, responde Apolônio, “mas o perigo é que as pessoas comuns adorem estes
símbolos e concebam idéias deformadas sobre os Deuses. O melhor seria não ter
representação alguma. Pois a mente do adorador pode formar e adequar para si
uma imagem do objeto de sua adoração melhor do que qualquer arte”.
“Sim”, replicou Apolônio, “ele não era tolo. Ele jurava por eles não como sendo
Deuses, mas para evitar de jurar pelos Deuses” (iv, 19).
“A lei”, disse Apolônio, “nos obriga a morrer pela liberdade, e a natureza ordena que
morramos por nossos pais, nossos amigos, ou nossos filhos. Todos os homens
estão ligados por estes deveres. Mas um dever superior é imposto sobre o sábio;
ele deve morrer por seus princípios e a verdade que defende mais cara que a vida.
Não é a lei que lhe impõe a escolha, não é a natureza; é a força e coragem de sua
própria alma. Mesmo que o fogo e a espada lhe aflijam, não sobrepujarão sua
resolução ou o obrigarão à menor falsidade; mas ele guardará os segredos das
vidas alheias e tudo o que lhe for confiado à honra tão religiosamente como os
segredos da iniciação. E eu sei mais que os outros homens, pois sei que de tudo o
que sei, algumas coisas são para o bom, outras para o sábio, outras para mim
mesmo, outras para os Deuses, mas nada para os tiranos.
“Além disso, penso que um homem sábio não faz nada sozinho ou por si mesmo, e
nenhum pensamento seu é secreto, pois ele mesmo é sua testemunha. E se o
ditado famoso ‘conhece-te a ti mesmo’ é de Apolo ou de algum sábio que aprendeu
a conhecer-se e proclamou-o como um bem para todos, penso que o homem sábio
que conhece a si mesmo e traz seu espírito em constante camaradagem, para lutar
à sua destra, não temerá o que o vulgo teme, nem condescenderá em fazer o que a
maioria dos homens faz sem a menor vergonha” (vii, 15).
È evidente que Filóstrato teve acesso a cartas atribuídas a Apolônio, pois ele cita
um número delas (vide i, 7, 15, 24, 32; iii, 51; iv, 5, 22, 26, 27, 46; v, 2, 10, 39, 40,
41; vi, 18, 27, 29, 31, 33; viii, 7, 20, 27, 28), e não há razão para duvidarmos de sua
autenticidade. De onde ele as obteve, não nos diz, a menos que fossem a coleção
feita por Adriano em Âncio (viii, 20).
Para que o leitor possa ser capaz de apreciar o estilo de Apolônio anexamos um ou
dois espécimens destas cartas, ou antes notas, pois são tão curtas que não
merecem o nome de epístolas. Eis uma aos magistrados de Esparta:
“Boa recompensa se reserva para vós por vossos bons pensamentos; o que está
reservado para mim é um que espera seu julgamento e prova sua inocência.
Adeus.”
“Sócrates recusou ser livre da prisão por seus amigos e compareceu perante os
juizes. Foi condenado à morte. Adeus”
Sócrates foi condenado à morte porque não preparou sua defesa. Farei o mesmo.
Adeus!”
Eis uma nota ao Cínico Demétrio, um dos mais devotados amigos de nosso filósofo:
“Eu vos dei a Tito, o imperador, para ensiná-lo o caminho da realeza, e vós em
troca destes-me poder falar-lhe com verdade; e com ele sêde tudo, menos irado.
Adeus!”
Aqui damos uma amostra de uma ou duas destas cartas. Escrevendo para
Eufrates, seu grande inimigo, isto é, o campeão da pura ética racionalista contra a
ciência das coisas sagradas, ele diz:
17. “Os persas chamam de Magos aqueles que possuem faculdades divinas (ou
são divinos). Um Mago, então, é um que é um ministro dos Deuses, ou um que tem
por natureza a faculdade divina. Vós não sois nenhum Mago, mas rejeitais os
Deuses (isto é, é ateu)”.
23. “Pitágoras disse que a arte mais divina era a da cura. E se a arte da cura é a
mais divina, deve ocupar-se tanto da alma como do corpo; pois nenhuma criatura
pode estar bem enquanto a parte superior em si está doente”.
27. “Heráclito era um sábio, mas mesmo ele (isto é, um filósofo de 600 anos antes)
jamais aconselhou as pessoas de Éfeso a limparem a sujeira com sujeira” (isto é,
expiar a culpa de sangue com sacrifício sangrento).
Ainda, àqueles que diziam ser seus seguidores, os que “se consideravam sábios”,
escreve em reprovação:
43. “Se alguém disser que é meu discípulo, então que acrescente que se mantém à
parte das termas, que não mata nada vivo, não come carne, é livre de inveja,
malícia, ódio, calúnia e sentimentos hostis, mas tem seu nome inscrito entre a raça
dos que alcançaram sua liberdade”.
Mas por que esta falsa noção (de nascimento e morte) permaneceu tanto tempo
sem refutação? Alguns pensam que o que lhes sucede foi produzido por eles
mesmos. São ignorantes de que o indivíduo é trazido ao nascimento através dos
pais, e não pelos pais, assim como uma coisa produzida através da Terra não é
produzida dela. A mudança que sobrevém ao indivíduo não é nada que seja
causado pelo seu ambiente visível, mas é antes uma mudança na única coisa que
existe em cada um.
“E que outro nome pode ser dado a isso exceto o de ser primevo? A única coisa
que age e sofre se tornando tudo por tudo através de tudo, eterna deidade, privada
e afastada de seu próprio ser [self, no original – NT] por nomes e formas. Mas isso
é menos sério do que um homem lamentar-se quando passa de homem a Deus
pela mudança de estado e não pela destruição de sua natureza. O fato é que longe
de lamentar a morte deveríeis honrá-la e reverenciá-la. O modo melhor e mais
adequado para honrardes a morte é agora liberar o que foi para Deus, e dispor-vos
para encaminhar do modo costumeiro os que ficaram sob vossa responsabilidade.
Seria uma desgraça para um homem como vós deixar que o tempo e não a razão
se encarregue da cura, pois o tempo faz com que até mesmo as pessoas comuns
deixem de lamentar. A maior coisa é uma regra firme, e o melhor governante é
aquele que primeiro governa a si mesmo. E como seria permissível alterar o que
sucedeu pela vontade de Deus? Se há uma lei nas coisas, e há uma lei, e é Deus
quem a dispôs, o homem justo não terá desejo de tentar mudar as coisas boas, pois
tal desejo é egoísta, e contra a lei, mas ele pensará que todas as coisas que
sucedem são boas. Eia! curai-vos, dai justiça aos oprimidos e consolai-os; assim
secareis vossas lágrimas. Não deveis colocar vosso pesar pessoal acima de vossos
deveres públicos, mas antes colocai vossos deveres públicos antes de vosso pesar
pessoal. E vêde também que consolações ainda tendes! A nação se entristece
convosco por vosso filho. Dai algum retorno àqueles que o choram convosco; e isto
fareis mais rápido se cessardes de chorar do que se persistirdes. Não possuís
amigos? Como! ainda tendes outro filho! Não tendes mais o que partiu? Mas o
tendes! – responderá qualquer um que realmente pensa. Pois ‘aquele que é’ não
cessa jamais – melhor: é justamente pelo mesmo fato de que o será para sempre;
ou então ‘não é’, mas como o poderia ser quando o que ‘é’ jamais cessa de ser?
“Mas será dito que falhais na piedade para com Deus e sois injusto. Verdade,
falhais em piedade para com Deus, falhais na justiça para com vosso menino; pior,
falhais em piedade também para comigo. Não sabeis o que é a morte? Então matai-
me e enviai-me para a companhia da morte, e se não alterais o vestido que
colocastes nisto (isto é, sua idéia da morte), tereis me tornado nitidamente melhor
do que vós mesmos” (o texto da última frase é muito obscuro).
Mas além destas cartas Apolônio também escreveu alguns tratados, dos quais,
contudo, apenas um ou dois fragmentos foram preservados. Estes tratados são:
“Nós homens deveríamos procurar o melhor dos seres através da melhor coisa em
nós, pois o que é bom – age através da mente, pois a mente não necessita de
coisas materiais para fazer sua oração. Assim, para Deus, o poderoso Um, que está
acima de tudo, nenhum sacrifício deveria jamais subir.”
b. Os Oráculos, ou Sobre a Divinação, 4 livros. Filóstrato (iii, 41) parece pensar que
o título integral era Divinação dos Astros, e diz que era baseado no que Apolônio
havia aprendido na Índia; mas o tipo de divinação sobre que Apolônio escreveu não
era a astrologia comum, mas algo que Filóstrato considerava superior à arte
humana comum nesta área. Ele, porém, nunca soube de alguém que possuísse
uma cópia desta obra rara.
c. A Vida de Pitágoras. Porfírio se refere a este livro, 8 (vide Noack, Porph. Vit.
Pythag., p. 15) e Jâmblico cita uma longa passagem dele (Ed. Amstelod., 1707, cc.
254-264)
Um Hino à Memória também é atribuído a ele, e Eudócia fala de muitos outros (και
αλλαπολλα) trabalhos.
Aqui indicamos para o leitor toda a informação que existe a respeito de nosso
filósofo. Apolônio, então, foi um pilantra, um embusteiro, um charlatão, um fanático,
um entusiasta mal-orientado, ou um filósofo, um reformador, um trabalhador
consciente, um verdadeiro iniciado, um dos maiores da Terra? Isto cada um deve
decidir por si mesmo, de acordo com seu conhecimento ou sua ignorância.