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TEORIAS DA PERSONALIDADE parei pag. 72

PSICANÁLISE (Freud, M. Klein, D. Winnicott, J. Lacan).

FREUD

A psicanálise teve Sigmund Freud como seu precursor. Ele tentou


ordenar em três componentes básicos a vida psíquica humana. São
eles: o id, o ego e o superego. O id é a instância inteiramente
inconsciente; o ego, a instância consciente; e o superego possui
aspectos inconscientes e aspectos conscientes.

O id é a parte mais primitiva da personalidade, o sistema original com


o qual o recém-nascido já nasce. Ele é formado por instintos,
impulsos orgânicos e regido pelo prazer. Contém tudo o que é
herdado dos pais, que se acha presente no indivíduo desde o
nascimento, ou seja, aquilo que está presente na constituição do ser
da pessoa. O id é um componente fundamental da estrutura da
personalidade. É a estrutura original, básica e mais central da
personalidade. As outras estruturas se desenvolvem a partir dele. Ele
próprio é amorfo, caótico, e desorganizado; é o reservatório de
energia de toda a personalidade. O id em si mesmo é cego. Os seus
conteúdos são quase todos inconscientes, incluem configurações
mentais que nunca foram conscientes, como também o material que
foi considerado inaceitável pela consciência. Estes materiais
esquecidos conservam a mesma quantidade de energia.

Outra estrutura existente na perspectiva freudiana é o ego. Ele


começa a se desenvolver logo após o nascimento, quando o bebê
inicia sua interação com o seu ambiente. O ego busca o prazer em
contato com a realidade. É a parte do aparelho psíquico que se
desenvolve a partir do id, para atender e aplacar suas exigências.

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Tem como tarefa garantir a saúde, segurança e sanidade da
personalidade. A sua função é enfrentar a necessidade de reduzir a
tensão e aumentar o prazer. Busca controlar ou regular os impulsos
do id, de modo que o indivíduo possa buscar soluções menos
imediatas e mais realistas.

A terceira parte da estrutura da personalidade é o superego, que


representa o aspecto moral dos seres humanos; o seu
desenvolvimento ocorre quando os pais, ou outros adultos,
transmitem os valores e as normas da sociedade para a criança. O
superego é a última parte da personalidade e se desenvolve a partir
do ego. Atua como juiz censor dizendo para o ego o que é certo e o
que é errado sobre as atividades mentais e pensamentos do ego. É o
depósito dos códigos morais, modelos de conduta e dos construtos
que constituem as inibições da personalidade. Freud descreve três
funções do superego: consciência, auto-observação e formação de
ideais. O superego é o processo que a criança faz de identificação
com a figura paterna. Ele é construído a partir do superego dos pais.
É o veículo da tradição e de todos os duradouros julgamentos de
valores que se transmitiriam de geração em geração.

O id, o ego e o superego constituem o modelo estrutural da


personalidade segundo Freud, e pode-se dizer que representam a
impulsividade, a racionalidade e a moralidade, respectivamente. No
entanto, é importante lembrar que são simplesmente conceitos.

Freud, quando propôs esta divisão da estrutura da personalidade deu


um passo à frente na história da psicologia. Com a criação da
psicanálise ele muito colaborou com a medicina e para o tratamento
de diversas doenças mentais. No início, recebeu críticas, mas, ao
longo do tempo conseguiu muitos adeptos.

Contudo, nota-se que a contribuição freudiana é incalculável quando


se trata do avanço do pensamento. Como a psicologia era incapaz de

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lidar com algumas questões relativas à mente humana, a psicanálise
abriu novas perspectivas e encontrou novas respostas para o
entendimento da consciência humana. Mesmo assim, o homem sente
anseios por desvendar este "mistério" que ele próprio desconhece
que é a sua própria consciência.

A personalidade é uma construção evolutiva. Freud utiliza uma


abordagem estruturalista, fundamentada sobre uma lógica formal
através da interligação entre os elementos.

Antes de Charcot, qualquer perturbação mental estava supostamente


ligada a problema lesional. Inaugura-se, então, a ideia de que o
psiquismo possui certa autonomia com relação ao organismo.

Freud estudou as ideias trabalhadas por Nietzsche – o ser humano


precisa ser forte, dominante, realizar-se sem freio moral, deve
guerrear a existência. Nietzsche criticava o Cristianismo e
considerava a filosofia grega falha até o final da era pré-socrática.
Freud organizou reuniões às quartas-feiras para estudar Nietzsche,
que também se interessou pelo inconsciente. Freud foi quem
cientificou o aparelho psíquico.

A primeira teoria do aparelho psíquico foi a biológica, com uma


concepção anátomo-fisiológica. Trabalha com duas fontes de energia
segundo o princípio da constância: a excitação externa e a interna. A
excitação produz um aumento de tensão, identificada como
desprazer, o que acarreta uma descarga energética fazendo com que
a tensão diminua, o que é sentido como prazer. A excitação externa
não é do campo da investigação psicanalítica. A Psicanálise foca na
excitação interna. A ênfase é a história individual do sujeito; e é uma
das raras linhas da psicologia que se preocupa com a estrutura da
personalidade ou aparelho psíquico.

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Essa primeira descrição representa uma tentativa que reduz o
funcionamento do aparelho psíquico a um sistema mecânico de
neurônios. Como uma máquina mental.

Já a primeira teoria psicológica foi a de uma concepção topológica:


consciente, pré-consciente e inconsciente – que trabalha o espaço
virtual, metafórico. Com essa concepção, situa-se maior quantidade
de fenômenos, mas conservando alguns princípios da teoria biológica.

O pré-consciente é um sistema situado entre o consciente e o


inconsciente. Do primeiro ao segundo existiria a “censura”, impedindo
que certos conteúdos presentes no inconsciente, fiquem livres ao
acesso sem que haja preparação para aceitar esse material ainda.
Esta censura é responsável pelo recalcamento. O pré-consciente é
formado por atos psíquicos que tiveram a passagem liberada do
inconsciente, os traços mnêmicos. Caracteriza-se pelo pensamento
racional lógico, pelo esquema referencial da realidade, memória,
moralidade, dá a noção do bem e do mal, energia ligada aos
conteúdos psíquicos pelo código representacional – a linguagem, o
controle motor. Pelo princípio de realidade, o processo secundário, o
qual adia a satisfação do desejo conforme coordenadas
espaçotemporais, o pré-consciente constitui-se, a exemplo do
inconsciente, em um sistema no qual podemos distinguir um
conteúdo e um processo que regem o seu funcionamento. Isso é
possível através do contrainvestimento e o desinvestimento.

O consciente é formado por atos psíquicos focalizados


momentaneamente. Caracteriza-se pela atenção, repressão,
pensamento racional e recepção das excitações externas e internas.
As demais funções são iguais às do pré-consciente excluindo o
recalcamento. É como se esse sistema se situasse na periferia do
aparelho psíquico. Sua função principal consiste na recepção de
excitações externas ou internas. Entretanto, ao contrário do que

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ocorre no pré-consciente, bem como no inconsciente, o consciente
não marca nenhuma excitação. A censura que separa o consciente do
pré-consciente é simplesmente “funcional”, deixa passar os
elementos psíquicos pré-conscientes que interessam à consciência
num dado momento.

O inconsciente não é uma negação do consciente, mas outra cena


(escondida) da personalidade. Esse território inconsciente é ativo,
organizado por leis e princípios que lhe são próprios. O conteúdo do
inconsciente consiste, pois, em impulsos carregados de desejo. Outro
aspecto é um modo de funcionamento que o torna organizado. O
inconsciente apresenta características que não são encontradas em
nenhum outro sistema, como o desconhecimento da negação (não e
sim aí não faz diferença), é regulado pelo princípio do prazer,
dispensa qualquer referência à realidade, seus processos são
atemporais, é estruturado por relações de semelhança e
contiguidade, por meio dos mecanismos de deslocamento (uma ideia
liga-se a outra sem precisar de lógica ou qualquer regra da
linguagem) e condensação (vários conteúdos podem aparecer
misturados e simultaneamente, por exemplo).

Teorias de Freud

Concepção de Psiquismo

1ª Tópica

Na 1ª Tópica Freud dividia a mente em três "partes": consciente;


subconsciente (ou pré-consciente) e inconciente.

Consciente: Zona do psiquismo que corresponde ao raciocínio,


operações lógicas e sentimentos aos quais o sujeito tem acesso por
meio da introspecção. Por exemplo, pensamentos como "não gosto
deste livro", " gostava de ir ao cinema" ou "aquele colega irrita-me".

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Subconsciente: Corresponde à zona do psiquismo que se situa entre
o consciente e o inconsciente constituída por conteúdos que podem
ser trazidos à consciencia. Por exemplo, lembranças como " o nome
da primeira professora" ou "o primeiro filme que se viu".

Inconsciente: A maior das "partes" da constituição do psiquismo


que Freud caracterizou onde se inserem conteúdos como pulsões,
desejos, instintos, sentimentos, recordações recalcadas cujo acesso
ao consciente é impedido pela censura social. Por exemplo,
experiências traumáticas vividas na infância ou desejos sexuais
recalcados. Apesar de Freud não elaborar uma lista de instintos,
acreditava que todos eles se inseriam numa de duas categorias: os
instintos de vida e instintos de morte.

Quanto as instintos de vida que são, por exemplo, a fome, a sede e o


sexo são aqueles a ajudam o sujeito a sobreviver e a reproduzir-se.
Freud expressou maior interesse pelo sexo do que a qualquer outro
instinto. No entanto, a expressão "instinto sexual" é muito ampla
abrangendo várias pulsões corporais prazerosas como são os casos
da sucção e da defecção.

Os instintos de vida têm como função gerar energia, a conhecida


libido. Quando os instintos de vida não são satisfeitos a libido
acumula-se resultando em comportamentos anormais.

Segundo Freud todas a pessoas desejam inconscientemente morrer,


este tipo de sentimentos eram designados por Freud de instintos de
morte. Freud também supunha que os seres humanos são agressivos
pois os instintos de morte eram bloqueados pelos instintos de vida e
outras forças da personalidade. Também era sugerido que a
agressividade era a auto-destruição mas voltada para um substituto,
ou seja, para outra pessoa que não o sujeito.

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2ª Tópica

Na sua segunda teoria sobre a concepção de psiquismo Freud afirmou


a existência de três estruturas que constituem a personalidade: o id,
o ego e o superego. As estruturas mantêm uma interacção
conflituosa que caracteriza a dinâmica psíquica.

Id (infra-eu):

 Zona inconsciente, primitiva, instintiva, a partir da qual se


formam o ego e o superego.

 É constituído por pulsões, instintos, e desejos completamente


desconhecidos.

 Está desligado do real.

 Não se orienta por norma ou princípios morais, sociais e


lógicos.

 Inconsciente, ilógico e amoral.

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 Rege-se pelo princípio do prazer, que tem como objetivo a
realização, a satisfação imediata dos desejos e pulsões. Grande
parte destes desejos são de natureza sexual.

 É o reservatório da libido.

 Existe desde o nascimento.

Ego (eu):

 Zona fundamentalmente consciente que se forma a partir do id.

 Rege-se pelo princípio da realidade, orientando-se por


princípios lógicos e decidindo quais os desejos e impulsos do id
que podem ser realizados.

 É lógico e racional.

 É o mediador entre pulsões inconscientes (id) e as exigências


do meio, do mundo real.

 Tem de gerir as pressões que recebe do id e as que recebe do


superego.

 Forma-se durante o primeiro ano de vida.

Superego (supereu):

 Zona do psiquismo que corresponde à interiorização das


normas, dos valores sociais e morais.

 Resulta do processo de socialização, da interiorização de


modelos como os pais, os professores e outros adultos.

 É a componente ética e moral do psiquismo.

 Funciona como censura face às pulsões do id.

 Pressiona o ego para controlar o id.

 Constituído pelas imagens idealizadas das regras sociais.


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 Forma-se entre os 3 e os 5 anos com a vivência e
ultrapassagem do complexo de Édipo.

Estádios de Desenvolvimemnto

Para Freud a personalidade do ser humano desenvolve-se por meio


de uma sequência de estádios psicossexuais que decorrem do
nascimento até a adolescência. Cada estádio corresponde a uma zona
erógena e a conflitos psicossexuais específicos. Segundo o fundador
da psicanálise, o desenvolvimento da sexualidade está ligado à
qualidade das experiências emocionais vividas nos diferentes
estádios. Para Freud as grande modificações do afetivas acontecem
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nos três primeiros estádios e a personalidade estaria praticamente
formada por volta do 7 anos.

Estádio oral (do nascimento até cerca dos 12 meses):

 A zona erógena principal é a boca: o bebê sente prazer ao


mamar, ao levar os objetos a e através de estimulações
corporais.

 A sexualidade é auto-erótica.

 O desmame corresponde a um dos primeiros conflitos vividos: o


id, orientado pelo princípio do prazer, é dominante, opondo-se
ao ego, que se rege pelo princípio da realidade.

 É neste estádio que o Ego se forma.

Estádio anal (1-3 anos):

 A zona erógena principal é a região anal: a criança sente prazer


na estimulação do ânus ao reter e expulsar as fezes.

 Adquire controle dos esfíncteres.

 É nesta fase que se faz a educação para a higiene.

 O controle da defecção gera simultaneamente sentimentos de


prazer e de dor - ambivalência.

 A sexualidade é auto-erótica.

 Há um reforço do ego.

Estádio Fálico (3-5 anos):

 A zona erógena principal é a região genital: os órgãos sexuais


são estimulados pela criança obtendo prazer. A curiosidade
sobre as diferenças sexuais é grande.

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 Surge o Complexo de Édipo, que consiste na atracção da
criança pelo progenitor do sexo oposto e agressividade para
com o progenitor do mesmo sexo. É com este, que surge como
modelo, que ela se vai identificar.

 A identificação com o progenitor do mesmo sexo leva a criança


a adotar os seus comportamentos, valores e atitudes. É a sua
interiorização que conduz à formação do superego.

 É por meio do processo de identificação que se supera o


Complexo de Édipo.

 A sexualidade auto-erótica passa a ser investida nos pais.

Período de Latência (6-11/12):

 Período caracterizado por uma aparente atenuação da atividade


sexual.

 É neste estádio que ocorre a amnésia infantil: a criança reprime


no inconsciente as experiências que a perturbaram no estádio
fálico. É uma forma de defesa.

 A criança investe a sua energia nas atividades escolares,


ganhando especial importância as relações que estabelece entre
os colegas e o professor.

Estádio Genital:

 A zona erógena principal é a região genital. Há uma ativação da


sexualidade que esteve latente no período anterior.

 Apesar de os investimentos afetivos se desenrolarem fora da


família, há uma reativação do complexo de Édipo.

 O processo de autonomia relativamente aos pais passa por os


encarar de forma mais realista (luto das imagens idealizadas
dos pais que caracterizam os estádios anteriores).

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 O prazer sexual envolve todo o corpo integrando todas a zonas
erógenas.

 É o último estádio de desenvolvimento da personalidade

MÉLANIE KLEIN

Melanie Klein concordou com Sigmund Freud que a agressão e a


libido são os dois instintos básicos. Ela também concordou com Freud
que o instinto agressivo é uma extensão do instinto de morte e a
libido uma extensão do instinto de vida. Klein divergiu de Freud na
suposição de que o ego existe ao nascimento. Ela acreditava que o
instinto de morte é traduzido após o nascimento em sadismo oral, o
qual, projetado para fora, dá lugar às fantasias de um seio mau,
destrutivo, devorador. Tanto agressão como libido são expressas
desde o nascimento em diante por fantasias inconscientes. Klein
diferenciou inveja, ganância e ciúme como manifestações do instinto
agressivo. Inveja é o sentimento raivoso de que alguém mais tem e
desfruta de algo desejável; a resposta invejosa é tomar isso ou
estragá-lo. Inveja oral, por exemplo, resulta da fantasia de que o seio
frustrante retém deliberadamente. Ela conduz a esforços de danificar
o seio frustrante e torná-lo menos desejável. Esta inveja primária dá
lugar a outras formas de inveja, incluindo a inveja do pênis. Em um
nível mais maduro, a inveja é voltada em direção à criatividade dos
outros e frustra o desenvolvimento da criatividade pessoal devido ao
medo da inveja projetada sobre os outros. Ganância é a manifestação
da insaciabilidade humana; sua meta é a absorção destrutiva do
objeto desejado. Ciúme é o medo de perder o que se tem. Ela se
desenvolve a partir de relacionamentos triangulares, como na
situação edípica; a terceira pessoa é odiada porque esta pessoa
recebe amor ou atenção e potencialmente diminui a disponibilidade
das provisões libidinais. Embora o instinto de morte seja em grande

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parte projetado como medos paranóides, parte dele funde-se com a
libido, dando lugar a tendências masoquistas.

Desde o momento do nascimento, o ego tenta preservar uma visão


de si mesmo como apenas uma fonte de prazer e sentimentos
positivos; tensão e desprazer são projetados sobre objetos que são
então vistos como persecutórios. O bebê fica grato quando é física ou
emocionalmente saciado. Esta gratidão, a manifestação mais precoce
do instinto de vida é a base do amor e da generosidade. Libido é
investida em objetos como o seio. O seio gratificante é então
introjetado como a base para um sentimento do self como bom. A
projeção do objeto interno bom sobre objetos recém-experimentados
é a base da confiança, o que torna a aprendizagem e o acúmulo de
conhecimento possíveis.

Teoria do ego. O ego tanto experimenta como se defende contra a


ansiedade. Ele desenvolve e mantém relações de objeto e tem
funções integrativas e sintéticas. A ansiedade é a resposta do ego ao
instinto de morte. Ela é reforçada pela separação do nascimento e
por necessidades corporais frustrantes como a fome. A princípio, o
medo de objetos persecutórios, a ansiedade posteriormente torna-se
o medo de objetos maus introjetados que são a origem da ansiedade
de superego primitiva. Medos de ser devorado no estágio oral do
desenvolvimento tornam-se medos do estágio anal de ser controlado
e envenenado e os medos edípicos de castração.

Os principais meios de crescimento do ego e defesa de ego são


projeção e introjeção, os quais integram o ego e neutralizam o
instinto de morte. Projeção de tensões internas e percepção de
estímulos externos dolorosos resultam em medos paranoides. Sua
projeção resulta em objetos persecutórios internalizados. A projeção
de estados prazerosos dá lugar à confiança. A introjeção de
experiências positivas torna possível desenvolver bons objetos

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internos que são a base para o crescimento do ego. Anteriormente
objetos no ambiente, tais como a mãe, são reconhecidos como tal,
determinados aspectos, como o seio, são tratados como objetos.
Assim, um estágio transicional nas relações de objeto é relações de
objetos parciais.

Experiências desagradáveis e emoções associadas a objetos externos


e introjetados são dissociadas de experiências e emoções agradáveis
por meio de um processo de cisão. À medida que a criança
amadurece, a cisão diminui, a síntese de bons e maus aspectos de
objetos ocorre e relacionamentos ambivalentes tomam-se possíveis.
Relações de objeto parciais caracterizam o estágio mais inicial do
desenvolvimento, a posição paranoide-esquizoide; as relações de
objeto totais caracterizam a posição depressiva. A eventual síntese de
bons e maus objetos parciais capacita o crescimento de ego e a
integração da realidade. Se a agressão predomina sobre a libido, a
idealização ocorre e a cisão é reforçada. O reforço de cisão pode
interferir com a percepção acurada e pode resultar na eventual
negação da realidade.

Idealização é uma operação defensiva que preserva objetos


internos e externos todos bons, deste modo satisfazendo fantasias de
gratificação ilimitada, como um seio inexaurível para proteger contra
frustração. Objetos externos idealizados também protegem contra
objetos persecutórios. Fuga em direção a um objeto interno bom
idealizado pode proteger a pessoa da realidade, mas pode fazer isso
ao custo de testagem de realidade prejudicada e pode dar lugar a
estados psicóticos exaltados ou messiânicos.

Identificação projetiva, o protótipo de todos os mecanismos


projetivos, a projeção de partes dissociadas de um objeto interno
sobre uma outra pessoa é usada principalmente para expelir maus
objetos internos e partes más do self. A pessoa sobre quem a

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projeção de impulsos sádicos é feita passa a ser vista como um
perseguidor que deve ser controlado. Tentativas de controlar o
perseguidor percebido então se tornam um veículo para a atuação de
sadismo contra o perseguidor imaginado.

Embora Klein concordasse que fatores ambientais podem


desempenhar um papel em estimular a agressão excessiva, ela
enfatizou como a causa de distúrbio emocional a força inata da
agressão, aliada à formação de ansiedade excessiva do ego e baixa
tolerância à ansiedade.

Posições esquizoparanoide e depressiva. O termo "posição foi


preferido por Klein em relação a "estágio" porque ele enfatiza o efeito
do ponto de vista da criança sobre suas relações de objeto. A posição
paranoide-esquizoide e a posição depressiva ocorrem na primeira e
segunda metade, respectivamente, do primeiro ano de vida. Elas
também podem ocorrer em diversos momentos na vida como
constelações defensivas e estão envolvidas em conflitos relacionados
a todos os níveis psicossexuais.

A posição paranoide-esquizoide é caracterizada por dissociação,


idealização, negação, identificação projetiva, relações de objeto
parciais e uma preocupação básica ou ansiedade persecutórias a
respeito da sobrevivência do self.

Os medos persecutórios são impulsos oral sádicos e anal sádicos


projetados. Se eles não são super intensos, a posição
esquizoparanoide dá lugar, nos segundos seis meses de vida, à
posição depressiva. Se, no entanto, a agressão inata é abertamente
forte e se maus introjetos predominam, a dissociação secundária dos
maus introjetos pode levar a projeção sobre muitos objetos externos,
resultando em muitos perseguidores externos. A dissociação pode
persistir e fragmentar experiências afetivas, levando a
despersonalização ou superficialidade afetiva. Ela pode também

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interferir na percepção acurada e conduzir à negação da realidade.
Na posição depressiva, a libido predomina sobre a agressão, o bebê
reconhece que sua mãe tanto gratifica como frustra e ele se torna
ciente de sua própria agressão voltada em direção a ela. O
reconhecimento da mãe como uma pessoa integral torna a criança
vulnerável à perda, especialmente perda causada pela agressão da
criança. O mecanismo da idealização evolui durante o período
depressivo na idealização do objeto bom (mãe) como uma defesa
contra a agressão da criança em direção a ela e sua culpa
acompanhante. Este tipo de idealização conduz a uma super
dependência sobre outros. Os maus aspectos de pessoas necessárias
são negados, levando a um empobrecimento tanto da experiência de
realidade como da testagem de realidade. A posição depressiva
também mobiliza defesas maníacas, cuja principal característica é a
negação de realidades psíquicas dolorosas. Sentimentos ambivalentes
e dependência de outros são negados; objetos são onipotentemente
controlados e tratados com desprezo, de modo que a sua perda não
dá lugar à dor ou à culpa.

TEORIA DO SUPEREGO. O superego kleiniano funciona como o


superego freudiano clássico. Ele coloca valor sobre o comportamento
e ele pune ou proíbe o comportamento que ele considera ser errado
ou mau. Klein sustentou que o desenvolvimento do superego começa
durante a posição depressiva; a pressão de superego excessiva causa
regressão para a posição esquizoparanoide. O superego desenvolve-
se de maus objetos projetados cindidos experimentados como
persecutórios, que são posteriormente introjetados. Culpa é a reação
aos impulsos sádicos atribuída a estes introjetos que se tornam parte
do self. No período depressivo, os objetos são introjetados tanto no
ego como no superego. O ego assimila os objetos com os quais ele
pode identificar-se positivamente. O superego assimila os aspectos
proibitivos exigentes destes objetos. O predomínio normal de amor

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sobre ódio na posição depressiva resulta na internalização de objetos
principalmente bons no superego. Estes objetos bons neutralizam os
objetos internos maus, mas mesmo sob circunstâncias ideais
predominantemente bons objetos de superego são contaminados
pelos objetos maus. O superego, portanto, tem qualidades
persecutórias (derivadas de introjetos persecutórios) e exigentes
(derivados dos aspectos exigentes dos pais bons idealizados).

Por meio da culpa ou preocupação em relação à perda de amor


parental, o superego protege seus objetos bons introjetados. Quanto
mais idealizados são os bons objetos contidos no superego, mais
perfeccionistas são as exigências do superego. A idealização de
objetos internos bons geralmente conduz a bom comportamento e a
compensação pelo mau comportamento.

ESTÁGIOS INICIAIS DO COMPLEXO DE ÉDIPO. Os estágios


iniciais do complexo de Édipo começam durante a posição depressiva.
Klein supôs um conhecimento inato dos genitais de ambos os sexos,
com fantasias orais e genitais influentes desde o nascimento em
diante. O desejo por dependência oral da mãe é deslocado para o pai.
Ansiar pelo seio bom torna-se um desejo pelo pênis do pai. O seio
mau é também deslocado para o pênis mau. A predominância nos
meninos de uma boa imagem do pênis do pai promove o
desenvolvimento do complexo de Édipo positivo; confiar em um pai
bom e dotar a mãe com um pênis bom inicia um complexo de Édipo
positivo em meninas. Quando a agressão predomina, o menino
edípico vê o pai como um perigoso castrador potencial. O medo de
castração é, de fato, o medo do desejo oral sádico projetado de
destruir o pênis do pai. Este medo torna a identificação com o pai
difícil e predispõe à inibição sexual e medo de mulheres. Culpa em
relação à agressão em direção ao pai reforça a repressão do
complexo de Édipo. Boas experiências orais em meninas resultam na
expectativa de um pênis bom; esta expectativa baseia-se na

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experiência de um seio bom. Agressão excessiva em meninas pode
dar lugar a fantasias inconscientes de roubar a mãe do amor, do
pênis e dos bebês do pai e pode estimular medos de retaliação
materna. Em meninas, os desejos orais e genitais pelo pênis do pai
combinam com inveja do pênis desenvolvendo-se como um derivativo
da inveja do seio interior. Deste modo, a inveja do pênis deriva de
sadismo oral e não é uma inveja primária dos genitais masculinos ou
um aspecto primário da sexualidade feminina.

À medida que a cisão decresce durante o primeiro ano de vida, a


criança torna-se ciente de que bons e maus objetos externos são em
realidade um só. Os bebês então reconhecem sua agressão em
direção ao objeto bom e também reconhecem os aspectos bons das
pessoas a quem eles atacaram por ser más. Este reconhecimento
corta o mecanismo de projeção. Além disso, as crianças tornam-se
cientes das suas próprias partes infernais, mas, em contraste com o
medo de prejuízo externo encontrado na posição esquizoparanoide, o
medo principal na posição depressiva é de prejudicar os objetos
externos e internos bons daí a necessidade para o superego.

A tarefa emocional principal da posição depressiva é lidar com o


medo do ego de perder os objetos externos e internos bons. As
reações emocionais correspondentes são ansiedade e culpa. A
preservação de objetos bons torna-se mais importante do que
preservar o próprio ego. Objetos maus internalizados que foram
anteriormente projetados compõem o ego primário, o qual ataca o
ego com sentimentos de culpa. Os maus objetos dentro do superego,
conforme observado acima podem contaminar os bons objetos
internos do superego que se tornaram incorporados no superego
devido às suas demandas por determinados tipos de comportamento
(eu amarei você se você fizer bem as suas tarefas; eu aceitarei você
apenas se você trabalhar duro).

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MECANISMOS DE RESOLUÇÃO DO TRABALHAR. Normalmente, os
mecanismos de reparação, aumentados pela testagem de realidade,
aceitação de ambivalência, gratidão e luto capacitam a criança a
resolver o período depressivo. A reparação, o antecedente da
sublimação, é um esforço saudável para reduzir culpa em relação a
ter atacado o objeto bom tentando reparar o dano, expressando amor
e gratidão e assim, preservando-o. A criança chora, corre para a
mãe, joga seus braços ao redor dela e diz "desculpa".

A testagem de realidade aumentada resulta de cisão reduzida e da


capacidade crescente de avaliar objetos inteiros e o self total. Os
objetos introjetados são vistos como inteiros e vivos, ao invés de
como fragmentos autônomos. Sentindo-se amadas, as crianças vêm
a enxergar a si mesmas e a seus objetos internos como bons. A
crescente percepção de amar e odiar a mesma pessoa promove a
capacidade de experimentar e tolerar ambivalência, idealmente com
uma preponderância de amor sobre ódio. Klein acreditou que o luto
normalmente reativa a culpa da posição depressiva, a diferença
sendo que, durante o desmame na posição depressiva, a mãe boa
real ainda está presente e ajuda o bebê a reconstituir e a consolidar
objetos internos bons.

PSICOPATOLOGIA. Muitos tipos de psicopatologia severa são


atribuídos à fixação em uma das duas posições kleinianas. A fixação
na posição esquizoparanoide conduz a alguns transtornos psicóticos.
Os transtornos psicóticos em geral negam a realidade, usam projeção
extensamente e engajam-se em dissociação. Escape para um objeto
interno idealizado conduz a estados exaltados autistas; dissociação
generalizada e reintrojeção de objetos fragmentados múltiplos conduz
a estados de confusão. Medo predominante de perseguidores
externos é a marca registrada do transtorno delirante; projeção de
perseguidores sobre o próprio corpo resulta em hipocondríase. As

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pessoas com transtorno de personalidade esquizoide são
emocionalmente superficiais e intolerantes de culpa, tendem a
experimentar os outros como hostis e retraem-se de relações de
objeto.
A partir da fixação, na posição depressiva vem o luto patológico
(depressão) ou o desenvolvimento excessivo de defesas maníacas. O
luto patológico resulta da destruição fantasiada por ataque sádico de
objetos internos e externos bons. Os objetos internos maus que
permanecem funcionam como um superego sádico primitivo
evocando culpa excessiva e estimulando o sentimento de que todos
os objetos bons estão mortos e que o mundo não tem amor. O
superego sádico é cruel, exige perfeição e opõe-se aos instintos.
Tentativas são feitas para idealizar objetos externos como um meio
de autopreservação; deste modo, quaisquer reprovações são feitas
contra o eu, ao invés de aos outros. O suicídio pode incorporar a
noção de que o objeto externo bom pode ser preservado apenas por
meio da destruição do self mau.

Síndromes hipomaníacas e maníacas são promovidas por um


predomínio de defesas maníacas, incluindo onipotência, identificação
com o superego, introjeção, o triunfo maníaco e idealização maníaca.
A onipotência resulta da identificação com um objeto bom idealizado
e negação do resto da realidade. A identificação com um superego
sádico permite que objetos externos sejam tratados com desprezo. A
introjeção é manifestada como fome de objeto, com negação de
perigo para e dos objetos; triunfo maníaco é manifestado por um
senso de ter conquistado o mundo; e idealização maníaca é
manifestada por fantasias de fusão com Deus.

TÉCNICA. Klein acreditava que todas as situações produtoras de


ansiedade, incluindo a hora analítica, reativam ansiedades das
posições paranoide, esquizoide e depressiva. As defesas e medos
primitivos são interpretados da primeira sessão em diante tão

20
profundamente quanto possível e envolvem material tanto de
transferência (você deseja me aniquilar) como de não transferência
(você desejou eliminar o seio mau da sua mãe). A mesma técnica é
usada com todos os pacientes, focalizando sobre fantasias
inconscientes que representam o conteúdo e as operações defensivas
nos níveis mais primitivos da mente. A técnica foi usada até mesmo
com crianças com menos de 6 anos de idade, usando seu brinquedo
livre como a base para a interpretação em sessões de 50 minutos
cinco dias por semana. Para Klein, o brinquedo livre de uma criança
era análogo as livre associações de um adulto. Suas visões
opuseram-se às de Anna Freud, a outra analista infantil dominante do
dia que sustentava que a análise do complexo de Édipo de crianças
pré-latência não é possível, já que ela pode interferir com
relacionamentos parentais; a análise desta criança é em grande parte
uma experiência educacional para a criança; que uma neurose de
transferência não pode ser efetuada devido à atividade dos pais na
vida diária da criança; e que o analista deveria fazer todo o esforço
para obter a confiança da criança. Klein sustentou que uma neurose
de transferência pode ser efetuada e então resolvida por
interpretação. Ao invés de tentar obter favor com a criança, Klein
imediatamente interpretava transferências negativas (você quer se
ver livre de mim) e verificou que fazer isso aliviava a ansiedade ao
invés de intensificá-la.

Terapeutas kleinianos são interessados em tratar pacientes nos quais


conflitos e defesas primitivos predominam. Eles fazem isso assumindo
uma posição estritamente interpretativa, interpretando tanto
aspectos negativos como positivos da transferência, mas
especialmente enfatizando os aspectos negativos.

21
LACAN

Para esse autor, a personalidade é um conjunto de funções que


incluem:

● o desenvolvimento do tema;

● o entendimento que tem de si mesmo; e

● a natureza de suas relações com os outros.

A personalidade é equipada com três polos: individual, estrutural e


social. É ela que permite definir a psicogenia do sintoma.

A patogênese da psicose se divide em dois tipos:

 psicogênica – inclui fatores hereditários congênitos ou


adquiridos, independe de influências, em especial aquelas do
ambiente social; é uma gênese anormal da personalidade ou,
mais precisamente, uma parada no desenvolvimento que se
relaciona ao narcisismo primário;

 organogênese – leva em conta o início da doença é prevalente


na esquizofrenia e no TAB.

Lacan, tendo se aproximado do estruturalismo, procurou ler com o


simbólico o imaginário dos textos de Freud, identificando aí, uma
prática sustentada no efeito do significante. Nesta oportunidade,
valorizando o campo da linguagem e a função da fala passou a
interrogar a noção de estrutura e a estabelecer uma aproximação
formal entre certos mecanismos linguísticos e as leis que passariam a
reger o funcionamento do inconsciente. Além disso, procurou
formalizar o discurso analítico com esquemas, grafos, matemas e
mesmo com a topologia dos objetos de superfície e, mais tarde, com
a topologia da cadeia borromeana.

22
Por meio de uma leitura de Saussure, concebeu a noção de estrutura
como um sistema de elementos covariante e definiu o “inconsciente
estruturado como uma linguagem”. Mesmo utilizando-se de
instrumentos relacionados à linguística, ele não deixou de seguir um
caminho que o distanciasse dela. Assim, em oposição à teoria do
signo, desenvolveu uma prioridade ao significante. Quando se referiu
à pura diferença que existia no sistema linguageiro, não a manteve
implicada a uma oposição primária de um elemento a outro; ele
supôs, de início, a presença de um conjunto finito de elementos em
seu sistema, os significantes, e que, para que este sistema tivesse
consistência, um de seus elementos deveria ser excluído do conjunto.

Essa exclusão de um elemento do sistema passaria a determinar a


presença de “ao menos um” elemento fora da estrutura, que viria a

ser matemizado por . Isso queria dizer que faltaria um


significante no campo do grande Outro. Em contrapartida, a expulsão
desse elemento do conjunto inicial, daria lugar à presença desse
significante como mais UM, um significante-mestre (S1) que
representaria o sujeito para um outro significante (S2).

Para escrever os grafos e os matemas, a topologia dos objetos de


superfície e, mais tarde, aquela da cadeia borromeana, Lacan
necessitou das matemáticas, pois suas escrituras e operações literais
passavam a se constituir em condições privilegiadas de efetuação do
real. Todavia, desde quando o real passava a concernir à psicanálise,
e que o discurso do analista se constituía numa torsão do discurso do
mestre, estas escrituras deveriam sempre levar em conta a função do
sujeito e ainda guardar uma implicação com as diferentes
consistências do corpo.

Desta maneira, essa dimansão do real, a partir de certo momento,


nunca mais deixou de não interrogar a Lacan. Por isso mesmo, o que
ele havia dito no início sobre o real e mesmo de outros fundamentos

23
da psicanálise, nem sempre se manteve da mesma maneira. Suas
ideias se transformavam e ele chegou mesmo a afirmar que seu
ensino só poderia ser esclarecido “numa volta sobre si mesmo”,
evocando um enunciado que dizia respeito traçado do oito interior da
fita de Moebius. Um objeto que revelava uma estrutura muito mais
apropriada do que a antiga esfera para responder pelo que se propõe
ao sujeito como dentro e fora.

A esfera quando passa por uma transformação topológica contínua e


pode ficar reduzida a um ponto, deixa de contemplar as diferentes
funções da falta - a privação, a frustração e a castração – e,
sobretudo, a noção de buraco que passou a fundamentar a própria
constituição do sujeito do inconsciente. Desta maneira, Lacan se
afastava da ideia tradicional de representar o sujeito e seu in-mundo
por uma esfera, esta figura ideal do espaço euclidiano.

Logo cedo, em seu ensino, para dar conta desta noção de buraco que
a intuição e mesmo a doxa não podem resolver, Lacan enuncia
durante o seminário da Identificação (Sem. IX) “uma era dos
pressentimentos”, para introduzir o campo da topologia na
psicanálise. De início, por meio dos objetos de superfície - o toro, a
fita de Moebius, o cross-cap e a garrafa de Klein – e, posteriormente,
com a cadeia borromeana.

A topologia, que chegou a ser definida por Lacan como “um dizer
matemático”, vinha sustentar o lugar do real, que se presentificava
na interface entre o discurso analítico e o discurso das ciências.
Todavia, para não confundir o real da psicanálise com aquele das
ciências, ele não parou de afirmar que o lugar de onde falava era a
partir de sua prática clínica que se fundamentava nos efeitos
causados pelo real.

O ESPAÇO E A GEOMETRIA

24
Desde a origem dos tempos que o humano tratou de produzir
conhecimentos sobre o que lhe acontecia, relacionando-os aos
objetos que faziam parte de sua existência. Estes objetos à medida
que iam sendo apreendidos por seus tamanhos, suas formas ou
mesmo pelas diferentes posições que ocupavam no espaço, produzia-
se um conhecimento em torno deles, fornecendo variadas
significações ao mundo das percepções. A partir daí, inventaram-se
instrumentos que passavam a auxiliar certas necessidades do
humano, como medir as distâncias, delimitar os espaços e mesmo
levantar áreas de proteção.

Estas descobertas foram ocorrendo de uma maneira bastante


empírica. Muitas vezes utilizava-se de partes do corpo ou do
deslocamento das sombras dos objetos na superfície da terra para
funcionar como padrões de medida, determinando uma
transformação essencial na teoria do conhecimento. Todavia, o que ia
sendo revelado ia se tornando cada vez mais abstrato,
proporcionando a construção de uma série de conceitos ideais, como
a noção de ponto, de linha reta, de plano e da própria teoria de
medida. A produção e a sistematização destes conhecimentos
passaram a ser incorporados como modelos fundamentais para
explicar as dimensões de nosso mundo físico, dando origem ao que
se nomeou de Geometria.

Talvez se possa considerar que uma das obras que mais tenha
influenciado o pensamento humano em torno destas questões tenha
sido aquela escrita por Euclides de Alexandria. Ainda hoje, quando se
quer fazer qualquer comentário sobre o mundo físico ou do espaço
onde o humano habita e se movimenta, levando-se em conta as
noções de medida (as distâncias, o comprimento, os ângulos...) se
está sempre fazendo alusão a esta contribuição de Euclides.

25
A geometria euclidiana, portanto, desde que mantenha algumas
características bem definidas, vem se constituir, de um ponto de vista
imaginário, na melhor referência para dar conta de nosso espaço
comum. Nesse espaço euclidiano, quando se quer saber se dois
corpos são iguais, ou como é mais adequado falar, equivalentes, vai
depender de que se possa fazer coincidir as medidas de um objeto
com aquelas do outro no qual ele se transforma por meio de
movimentos rígidos de rotação e de translação, ou mesmo numa
combinação dos dois. Esta referência alude aos corpos rígidos, estes
que não sofrem qualquer modificação de suas propriedades métricas
(tamanho, forma, ângulos...) quando se movimentam no espaço. Por
isso mesmo, o estudo destas propriedades que permanecem
constantes quando estes corpos rígidos se deslocam em nosso espaço
cotidiano vem definir o que se nomeia de geometria plana ou
euclidiana.

Deve-se considerar, no entanto, que ao se tratar de espaços muito


reduzidos, como os espaços atômicos, ou de grandes espaços, como
o espaço cósmico, a geometria euclidiana não dá conta. Será
necessário se levar em conta outra geometria, na qual as medidas
mesmo que ainda possam guardar alguma importância deveria
realizar outros tipos de projeção, que não a projeção plana. Aqui,
para que uma figura possa se tornar equivalente a outra não é
essencial a permanência destas dimensões métricas dos objetos, mas
que se leve em conta sua forma e que se possa realizar uma projeção
por meio de uma série de linhas retas. Neste caso, pode-se mesmo
estabelecer uma proporção entre estas duas figuras ou mesmo se
encontrar a razão de uma proporção entre elas. Esta transformação
projetiva deu origem à geometria das qualidades ou como também é
chamada, geometria linear ou projetiva.

Existe ainda uma terceira possibilidade para se produzir a


transformação de um objeto em outro. Trata-se de uma condição em

26
que as propriedades métricas e projetivas ficam inteiramente
suprimidas, só se levando em conta uma relação de continuidade
entre o objeto inicial e o final. Assim, para que dois objetos ou duas
figuras sejam considerados equivalentes, não importam seus
tamanhos ou formas, mas a condição de que esta transformação seja
realizada por meio de uma deformação contínua de um objeto ao
outro. Neste caso, os pontos vizinhos que existem num determinado
objeto, mantêm as mesmas relações de vizinhança depois da
transformação ter sido realizada. Não importa que sejam retas,
ângulos, curvas, circunferências... o que é preciso considerar, é que
exista uma continuidade do espaço ou que a transformação seja
contínua.

Neste caso, o objeto mesmo sofrendo uma deformação radical,


manterá certas propriedades inalteradas. Elas não se modificam
ainda que o espaço se deforme ou quando o objeto se transforma.
Estas propriedades passam a ser nomeadas de invariantes
topológicos.

Aqui, vou acrescentar um outro tipo de invariante topológico que


interessa à psicanálise e que foi identificado a partir do teorema de
Jordan. Toda superfície conexa, como um plano, uma circunferência,
um conjunto finito de pontos ou de números e para nosso uso, a
própria estrutura da linguagem, quando se corta qualquer uma delas
com uma linha de percurso fechado (curva de Jordan), o espaço se
divide em duas regiões distintas, em dois campos heterogêneos que
não mantêm qualquer ponto em comum: um equivalente a um disco
que determina um espaço fechado (o interior) e um outro, um espaço
aberto que se torna equivalente ao exterior.

Desta maneira, o limite que se constitui no ponto do corte ficará


sempre ligado a um dos lados, delimitando um espaço fechado,
equivalente a um interior. O outro lado, por sua vez, permanecerá

27
aberto, configurando o que se pode chamar de um espaço exterior,
onde passa a existir uma série infinita de elementos, de pontos ou de
números; um espaço que tende a convergir em direção ao limite do
corte, sem jamais conseguir alcançá-lo.

O estudo destas transformações contínuas ocorridas no espaço e que


são produzidas pelas modificações do objeto vai constituir o que se
nomeia de Topologia.

Neste espaço topológico sempre que se quer determinar a


equivalência ou a diferença dos objetos que estão aí localizados deve-
se recorrer a certos tipos de invariantes topológicos: as relações de
oposição dos objetos no espaço, se destrógiro ou levógiro, ao número
de bordas, de faces, ao número de buracos que contêm, aos
cruzamentos, ou mesmo à impossibilidade de se passar
geometricamente de um lugar a outro, quando o objeto está
localizado em nosso espaço comum.

Se de Aristóteles a Kant existem duas grandes concepções sobre a


noção de espaço, aqui, vou considerar a possibilidade de uma terceira
concepção que pode ser inferida a partir das ideias de Freud e da
leitura de Lacan.

Para Freud, ele se referiu a um espaço psíquico, que aparece desde


cedo como um lugar ideal, e que é tomado como uma analogia do
aparelho psíquico. Mais tarde, vai concebê-lo diferente da estética
kantiana e próximo ao espaço topológico, isto é, como “uma projeção
da extensão do aparelho psíquico”.

Lacan, por sua vez, quando retornou a Freud, acrescentou sua parte.
Mesmo que ele tenha levado em consideração que a topologia poderia
definir, de uma maneira rigorosa, o estudo do espaço a partir das
relações de vizinhança, dos limites e das propriedades que
permanecem inalteradas nos objetos quando situados num espaço de

28
n dimensões, ele procurou estabelecer algo que fosse próprio ao
“sujeito como tal”.

Lacan procurou dar ao espaço a condição de uma “realidade


operatória da topologia” e que pudesse servir para interrogar o
sofrimento do sujeito como um efeito do real. Assim, o espaço não
era dado como uma condição a priori, mas era construído e
transformado a partir das palavras, dos traços e, sobretudo, das
letras, seguindo um ato de escritura. Talvez, por isso mesmo, ele não
tenha se interessado pela topologia por sua complexidade, mas por
sua vertente geométrica, na qual se contemplaria sua simplicidade.
Ele chegou a se referir que se a utilizasse de uma forma “besta”.

Desta maneira, fundamentado por suas propriedades qualitativas,


essa nova concepção do espaço passava a sustentar os efeitos do
significante.

LACAN E A TOPOLOGIA

Para dar conta deste efeito do significante, Lacan utilizou-se de início


dos objetos topológicos de superfície (o Toro, a Fita de Moebius, a
Garrafa de Klein, o Cross-cap), como um tipo de representação
operativa para o sujeito, com que procurava realizar leituras
analógicas do discurso analítico. Buscava representar com eles as
operações que se sucediam no curso de uma análise em intenção.

Desde o Discurso de Roma, quando levantou sua tese sobre o


automatismo de repetição e implicando o nascimento do sujeito às
figuras da morte, ele afirmava: “Dizer que esse sentido mortal revela
na palavra um centro exterior à linguagem é mais do que uma
metáfora e manifesta uma estrutura. Esta estrutura é diferente da
espacialização da circunferência ou da esfera em que alguém se
compraz em esquematizar os limites do ser vivo e de seu meio: ela
responde talvez a este grupo relacional que a lógica simbólica
designa topologicamente como um anel. [...] Para lhe querer dar uma
29
representação intuitiva, parece que mais que a superficialidade de
uma zona, é a forma tridimensional de um toro que precisaria
recorrer, porquanto sua exterioridade periférica e sua exterioridade
central não constituem senão uma só região”.

Enquanto as revoluções do anel gerador do Toro metaforizavam os


cortes do significante e as repetições que vêm representar uma
demanda, ao mesmo tempo elas circunscrevem e instituem um lugar,
um buraco onde se localiza o objeto (a). Esta função do buraco que
organiza a superfície do Toro e faz vir ao mundo o efeito do
significante, aparece também no círculo central do Toro, guardando
uma mesma natureza do vazio que rodeia sua exterioridade
periférica.

Esta condição tem servido a Lacan para fundar a estrutura, para dar
lugar ao nascimento do sujeito e ainda dialetizar as relações entre a
demanda e o desejo. Assim, o sujeito quando dá uma volta completa
pela superfície do Toro integra neste único percurso as propriedades
das duas outras voltas que o constitui: a do círculo pleno e a do
círculo vazio. Nesta volta a mais, que em sua forma simplificada
corresponde ao traçado do oito interior de uma fita de Moebius, passa
a ter uma propriedade equivalente à própria estrutura do sujeito que
passa a se constituir numa condição impossível a ser subjetivada.

Esta volta a mais e a própria ex-sistência do sujeito só podem ser


contabilizadas pela intermediação do Outro. Este fato de estrutura
cria a exigência lógica de um Toro complementar que se encadeia ao
primeiro, numa posição determinada em que o buraco central de um
dos toros fica ocupado pela espessura do outro e vice versa. Desta
maneira, o círculo do desejo do sujeito vem se constituir no círculo da
demanda do Outro. Esta união mostra a relação do sujeito com o
Outro real da linguagem, como também metaforiza a posição
subjetiva do sujeito neurótico.

30
Mais tarde, com a topologia da cadeia borromeana, Lacan procurou
realizar efeitos de mostração do real, tratando de escrever aquilo que
do real ex-siste, na experiência analítica. A Topologia vinha conceber
um novo espaço para a psicanálise, subvertendo também a noção dos
limites e das quantidades.

Aqui, talvez não seja excessivo se colocar uma questão. A partir da


topologia dos objetos e, mais tarde, com a cadeia borromeana, o que
Lacan encontrou na superfície para que lhe tenha atribuído o estatuto
de estrutura?

Não importa que uma superfície seja diferente de uma linha ou


mesmo de um corpo, que seja colorida ou enrugada, ou mesmo que
intuitivamente divida o espaço. O que importa é que nela se possa
traçar ou inscrever algo, produzindo-se essa noção de corte, que é
essencial à psicanálise. À medida que a superfície se apresenta como
suporte para uma escritura, ela adquire o estatuto de estrutura. Vou
insistir sobre este ponto para afirmar que o Toro quando se constitui
como suporte da inscrição do significante em sua superfície, o que é
equivalente a uma operação de corte, vem sustentar a noção de
estrutura e da própria função do sujeito. Essa propriedade topológica
permitiu a Lacan conceber o sujeito como um “sujeito de superfície”
que tem sua estrutura definida pelo Toro.

Assim, esse suposto sujeito do inconsciente passava a se metaforizar


num ser “infinitamente plano” (expressão de Poincaré) que se funda
a partir de uma superfície sobre a qual opera um efeito do
significante.

A partir de sua prática clínica e com a manipulação dos diferentes


objetos de superfície, Lacan foi atribuindo ao real uma condição
privilegiada para o discurso analítico. Este fato exigia um novo giro
para redefinir a noção de estrutura.

31
Se Lacan, na leitura inicial que fez com o simbólico do imaginário dos
textos de Freud, concebeu o campo da linguagem como um sistema
de elementos covariantes e que matemizou pela relação [S1 - S2], a
partir da lógica matemática e da teoria dos conjuntos, ele foi buscar o
axioma do par ordenado para redefinir a noção de estrutura.

Por meio deste axioma, a estrutura da linguagem passava a ser


concebida a partir de um conjunto de dois elementos (S1, S2), que
para ser escrito deveria obedecer a uma ordem. Enquanto que o
primeiro subconjunto correspondia ao significante primeiro (S1), esse
UM que não pára de não insistir em representar o sujeito, o segundo
subconjunto deixa de ser simplesmente (S2), para vir se constituir na
conexão (S1  S2); uma condição que guarda uma implicação lógica
em que passa a existir uma inclusão do primeiro elemento no
segundo. Assim, para esta relação inicial, pode-se passar a escrever

uma conexão {S1, S2} {{S1}, {S1  S2}}.

Ou ainda, se poderá substituir o significante (S2), pela conexão que


lhe corresponde. Portanto, a partir do par ordenado pode-se inscrever

{S1, S2} {S1},  {S1  {S1 {S1 ... S2}}}.

Anteriormente, na definição canônica do sujeito de ser “representado


por um significante para outro significante” o que foi considerado era
a relação dos dois significantes. Agora, a partir do axioma do par
ordenado, o que é contemplado é o Outro significante, que não só se
duplica como alteridade radical em relação ao significante primeiro,
como passa a se constituir na própria conexão (S1 … S2).

Nesta escritura do par ordenado, esse deslocamento de (S2) guarda


uma posição lógica de que jamais poderá ser alcançado, passando a
se constituir, na topologia, como uma condição equivalente à noção
de um buraco. Assim, desde quando esse Outro significante jamais
poderá ser alcançado pelo primeiro, por mais longe que se vá, o
grande Outro passa a conter um buraco em sua estrutura.

32
Esta incompletude que passa a existir no Outro, Lacan também vai
tratá-la por meio de um axioma. Se anteriormente essa condição da
incompletude do Saber inconsciente pôde ser definida a partir da falta
de um significante, agora esse buraco que existe no Outro tem uma
consistência do real e passa a ser chamado de pequeno (a). Dito de
outra maneira, esse buraco que existe no lugar do “outro significante”
toma a forma de pequeno (a), é em-forma de pequeno (a). Esta
condição, portanto, sugere que o Saber inconsciente, que se
matemiza nesta conexão S1  S2, passa a conter também esta
mesma incompletude em sua estrutura. Existe, assim, uma
impossibilidade lógica deste Saber ser “todo” apreendido, já que o
Outro não é completo, nem identificável a um UM.

Como me referi acima, esse buraco que tem uma consistência do


real, cada vez que de um ponto de vista imaginário se pretende
preenchê-lo, o objeto que é pensado para isso não pode satisfazê-lo,
pois se trata de outra coisa, “não é isso” (ce n’est pas ça) de que se
trata.

Desta maneira, se a conexão (S1… S2) torna-se equivalente ao


grande Outro em-forma de pequeno (a), então ela pode também ser

escrita de uma outra maneira: {S1, S2} {S1},  {S1  {S1 {S1
... a}}}.

A topologia do Outro em-forma de pequeno (a) vem determinar a


posição do sujeito num lugar exterior ao Outro, numa exterioridade
que tem relação com a própria topologia. Na psicanálise em intenção,
enquanto o objeto (a) passa a se constituir na própria estrutura
topológica do Outro, a linguagem deixa de ser concebida só como
uma superfície e passa a ser olhada também como forma, de uma só
vez superfície e forma.

Para dar consistência a essa nova concepção de estrutura, Lacan


mais uma vez presta homenagem a Clérambault, convocando a

33
presença de uma superfície real para sustentar o discurso analítico. A
respeito desta questão, ainda é interessante observar o comentário
feito por Deleuze, para tratar do significante, da emergência do
objeto e do sujeito, quando cita Lewis Carroll: “… a superfície plana é
o caráter de um discurso”. Assim, na psicanálise, o significante
precisa de uma superfície real para se inscrever, ou melhor, numa
dimensão real do corpo onde vem deixar sua marca.

Em contrapartida, a ex-sistência do sujeito passa a ser inferida como


uma resposta do real, como a hipótese de uma expressão pontual e
evanescente dos efeitos da linguagem sobre o real. Mais do que isso,
desde quando o sujeito é engendrado a partir de um não saber
(l’insu…) que se revela no ato de uma claudicação (l’une-bévue…), ele
não pode ser pensado como único sujeito, mas por meio de uma
multiplicidade de sujeitos que se realiza sob uma forma infixável e
indeterminável na cadeia que o causa e o sustenta. Nesta ocasião,
Lacan vai afirmar que se o sujeito é tórico, é porque é ao mesmo
tempo ele é hystórico.

Neste caso, mesmo que não exista outro signo do sujeito que o signo
de sua abolição como sujeito, Lacan não se intimida em indicar
lugares onde ele possa se ancorar. Para isso, propôs diversas
escrituras que determinaram um estatuto lógico e, mais tarde,
topológico do objeto (a), passando a manter uma reciprocidade total
do sujeito com o próprio objeto (a): o sujeito é o a-bjeto.

Dito de outra maneira, o objeto pequeno (a) se torna o único


“Dasein” do sujeito, isto é, é sua única substância ou mesmo sua
essência. Ou ainda, o sujeito é isso que falta em um determinado
lugar no in-mundo e que se chama gozo.

O discurso analítico à medida que faz laço entre o sujeito a esse


Outro em-forma de pequeno (a) e que tem uma consistência do real,

34
revela que na ex-sistência do sujeito não se trata só de uma condição
espacial, mas que também se deveria incluir o tempo.

Desde seu primeiro movimento para introduzir a noção do tempo na


psicanálise, que Lacan procurou mostrar que não se tratava de uma
“propriedade linear”, isto é, de um tempo com uma única dimensão.
Assim, procurou pluralizá-lo num instante de ver, num tempo de
compreender e num momento de concluir, buscando convertê-los
numa medida do espaço.

Aqui, no entanto, mesmo que a topologia do significante venha criar


a superfície que funda o sujeito, estes diferentes tempos à medida
que se modulam, cada tempo anterior é absorvido e constituído pelo
tempo seguinte. Assim, só depois do momento de concluir é que se
precipita o tempo de compreender e o instante de ver,
fundamentando as diferentes posições do sujeito em sua ex-sistência.
O sujeito vai construindo aquilo que pode ver.

Em seu programa de escrituras do objeto (a), quando Lacan se


referiu a um estatuto topológico que pudesse dar conta do sujeito,
num primeiro momento de seu ensino ele se utilizou da topologia dos
objetos de superfície. Serviu-se dela para desenvolver modelos ou
ilustrações com os quais pudesse fazer leituras analógicas que
representassem as operações que se sucediam no curso de uma
análise em intenção.

Mais tarde, passou a se utilizar dos “nós borromeanos”, ou melhor,


da topologia da cadeia borromeana, procurando esvaziar a noção do
sentido e da intuição, na psicanálise. Procurou formalizar o discurso
analítico através dos efeitos do simbólico, do imaginário e do real.
Estas três consistências tornavam-se homeomorfas e passavam a
escrever o próprio discurso analítico. O que não podia ser falado
deveria se mostrar através de uma escritura que se aproximava
àquele sentido concebido por Wittgenstein, como de figurabilidade.

35
Mas e o que é o “nó borromeano?” Ou como venho me utilizando, o
que é a “cadeia borromeana?” O que é que levou Lacan a se
interessar pela topologia borromeana? Que importância ela adquiriu
na psicanálise?

No começo dos anos setenta, após uma sucessão de seminários onde


tratou da topologia das superfícies, da lógica e da teoria dos
conjuntos, Lacan promoveu uma modificação fundamental em seu
ensino. Ele procurou colocar as dimansões do real, simbólico e
imaginário numa condição que pudessem ser tratadas, no discurso
analítico, de uma maneira conjunta.

Para isso, tratou de reafirmar a impossibilidade da “proporção


sexual”, utilizando-se no seminário ...Ou pire (XIX, 71/72), de um
determinado enunciado: “eu te peço, que tu recuses, o que eu te
ofereço, porque: não é isso”. A estes três verbos – pedir, recusar e
oferecer - ele lhes atribuiu o estatuto de uma função, relacionando
cada um deles com os outros dois, num tipo de permutação cíclica
que arrastava sempre no final essa conclusão: “não é isso”. Uma
expressão que vinha guardar uma posição homeomorfo ao objeto (a).
Assim, através da gramática criava a possibilidade de que o
simbólico, o real e o imaginário pudessem ser tratados numa relação
a três, ao mesmo tempo e num determinado espaço.

Na aula de 09/02/1972, após algumas considerações, ele afirmou:


“quero lhes mostrar algo que tomei conhecimento ontem à noite [...]
o brasão dos Borromeos”. Com efeito, na noite anterior, ele teve
conhecimento de uma estrutura identificada como “nó borromeano”.
Uma estrutura que havia sido desenvolvida num curso de iniciação
elementar de topologia, promovido pelo matemático Georges
17
Théodule Guilbaud, em Paris X.

Esta estrutura borromeana, antes mesmo de despertar o interesse da


topologia e, sobretudo, da psicanálise, já havia sido utilizada no séc.

36
XV, como um brasão de três famílias italianas de Milão, sendo uma
delas a dos Buono Romeo. Tratava-se de uma estrutura formada por
três anéis, em que cada um deles passava a corresponder a uma das
famílias. Eles estavam entrelaçados de tal forma que se qualquer um
deles fosse rompido, os outros dois também se soltariam. Eles
representavam, portanto, um pacto de indissolubilidade entre as três
famílias, onde se qualquer uma delas rompesse com o acordo, a
união das três estaria automaticamente desfeita.

Lacan da mesma maneira que usou da antropologia, da lingüística, da


filosofia, da matemática e da lógica, passou a usar também da
topologia, procurando aplicá-la à psicanálise. Foi assim que se serviu
da topologia borromeana, procurando mostrar aquilo que se
desenvolvia numa psicanálise e assegurando que ela pudesse
circular. As operações realizadas na análise em intenção e mesmo na
transmissão da psicanálise poderiam ser mostradas através da
topologia do “nó borromeano”.

Essa aproximação com a topologia impulsionou a psicanálise para um


novo estatuto. Ela passou a ser fundamentada através de uma outra
lógica, desde quando a topologia da cadeia borromeana não mais
deixou de não interrogá-lo. Ela pode mesmo ser considerada como
uma de suas últimas tentativas para formalizar seu “programa de
escrituras” do objeto (a).

Mas, e o que é um nó? Apesar das diferentes concepções que se


possa ter, como em seu uso comum (nó de marinheiro, nó de
costureira...), ou em seu uso inapropriado quando se fala de “nó
olímpico”, aqui, essa noção de “nó” deve ser considerada em sua
aplicação matemática, como “uma linha fechada ou mesmo aberta
18
que é submersa no espaço com mais de três dimensões”.

Todavia, seu uso deve ser tomado para a psicanálise com alguma
prudência, pois como Lacan chegou a afirmar, essa estrutura

37
borromeana rompe com nossas categorias habituais do pensamento.
Assim, “os nós são a coisa para que o espírito é o mais rebelde [...]
19
meter-se na prática dos nós é romper com a inibição”.

Uma outra questão a se considerar, é que esta estrutura denominada


de “nó borromeano”, de uma maneira rigorosa ela não corresponde à
definição de um nó, desde quando um nó é o que se constrói com um
fio ou um aro quando se os mergulha num determinado tipo de
espaço. A partir de dois fios ou dois aros entrelaçados, como no caso
dos borromeanos, o que se tem é uma cadeia. Essa estrutura
borromeana, portanto, não corresponde a um nó, mas a uma cadeia,
20
como vou passar a chamá-la daqui em diante: uma topologia da
cadeia borromeana.

A cadeia borromeana, portanto, em sua apresentação mais simples é


construída a partir de três linhas fechadas, por três anéis submersos
num espaço real. Nessa sua apresentação mais simples, eles não só
correspondem às três dimensões do espaço, como também podem
representar o real, o simbólico e o imaginário, combinados de tal
forma que ao se cortar qualquer um deles, a união dos três se desfaz.
Isto quer dizer que os anéis não se ligam entre si, mas de uma
maneira em que um deles vem ligar os outros dois.

Assim, a partir dos anos setenta, Lacan veio criar


para a psicanálise um espaço abstrato, uma cadeia
mental que operasse com as dimansões do real,
simbólico e imaginário, conjuntamente, e que
pudesse dar conta do discurso analítico e das
vicissitudes do sujeito. Tratava-se de uma estrutura que embora se
inscrevesse num espaço de n dimensões, ela poderia ser mostrada
através de uma geometria que, localmente, se assemelhava ao
próprio plano euclidiano.

38
Para realizar esta passagem, de sua condição abstrata para uma
apresentação como superfície, a cadeia borromeana deveria sofrer
dois tipos de operação. Uma primeira, em que lhe fosse retirada a
21
espessura; em seguida, uma segunda operação em que se
estabelece uma convenção que vai delimitar os arcos e os
cruzamentos que a constitui, observando-se uma ordem em cada
arco. Estas duas operações, a perda de espessura e a convenção que
determina o trajeto dos arcos e seus cruzamentos, retiram a cadeia
borromeana da categoria de uma ilustração, de um modelo ou
mesmo de uma teoria, como Lacan chegou a afirmar, convertendo-a
numa escritura que passava a se sustentar numa consistência do
real.

Existe ainda algo de sutil a se considerar nesta escritura da cadeia


borromeana. Quando se quer instituir uma ordem nos anéis que a
constitui, pode-se de início até mesmo se escolher uma seqüência.
Por exemplo, em primeiro lugar, o anel que representa o Simbólico
(vermelho) e, em segundo lugar, sobre ele, o anel que representa o
Real (verde) e que o toca em dois pontos. Para se completar o
enodamento borromeano deve-se usar um terceiro anel (vermelho)
que representa o Imaginário e que vem ligar os outros dois. Ele o faz
à medida que vai passando por cima do que está por cima e por
baixo do que está por baixo.

Após se ter realizado esse enodamento borromeano, quando se quer


estabelecer uma ordem para os anéis, trata-se de uma condição que
a intuição não pode mais resolver. Não se sabe qual é o primeiro ou o
terceiro dos anéis, pois eles são intercambiáveis. Esta condição de
qualquer um deles ocupar o lugar de um outro, mostra uma outra
propriedade da cadeia borromeana que é de se converter numa
estrutura homogênea.

39
Além destas considerações feitas sobre a cadeia borromeana, quando
ela é planificada e adquire o estatuto de uma escritura, através de
sua ortografia mínima com os três anéis, pode-se identificar uma
outra propriedade topológica e invariante de sua estrutura que vai
corresponder ao seu número de buracos.

Um primeiro, no Imaginário. Um buraco que mantém uma relação


com o corpo e ainda com a função de menos phi (-), que é
equivalente à castração imaginária. Existe um segundo buraco, agora
no Real, que vem dar uma sustentação lógica e topológica ao
enunciado: “não há proporção sexual” e que Lacan ainda denota
como o lugar de avida (“lavie”) e da morte. O terceiro buraco é no
Simbólico. Deve ser considerado como o verdadeiro buraco; Lacan o
denota como lugar do Gozo e ainda lhe atribui o estatuto do recalque
primário, o Ürverdrangt, essa condição que não vai permitir aos
significantes permanecerem unidos num conjunto universal,
formando um “todo”. Como um fato de estrutura, portanto, não há
um conjunto completo, desde quando haverá sempre “ao menos um
significante” que irá cumprir sua função fora do conjunto. Um
elemento que se manterá expulso do conjunto inicial e que, em
contrapartida, lhe dará consistência.

Existe ainda um quarto buraco no centro do “nó borromeano” ou da


cadeia borromeana, que é construído a partir da superposição destes
três buracos anteriores. Este buraco central torna-se causa do próprio
enodamento do real, simbólico e imaginário. Neste lugar formado por
esse triplo buraco, Lacan deposita o objeto pequeno (a), que faz
corresponder ao centro da subjetividade. Essa condição que já havia
sido estabelecida desde o Seminário XX, vem equivaler a cadeia
borromeana à estrutura do sujeito e revelar sua homotopia com o
com o próprio objeto (a): “o sujeito é o objeto”.

40
Além destes quatro buracos que foram
identificados nessa escritura mínima da cadeia
borromeana com três anéis, pode-se ainda
encontrar mais três buracos nas interseções
das consistências do RSI. Um deles que
aparece na interseção entre o simbólico e o

real, que Lacan fez corresponder ao gozo do phalus . Aqui, o


significante do phalus não alude a qualquer órgão e muito menos ao
órgão genital. Quanto ao gozo do phalus vai corresponder a um tipo
de satisfação que se manifesta através das formações do inconsciente
e que afeta o sujeito de uma maneira sempre anômala, como um tipo
de gozo “fora corpo”, um gozo que vem suprir o sujeito na falta de
sua proporção sexual. Não é excessivo se dizer que se trata de algo
que vem se realizar também no phantasma (phantasme), como na
“phunção de phonação” (“phonction de phonation”), fundamentando
que a psicanálise não está na lingüística e na polissemia do
significante, mas naquilo que tende para o real, isto é, na polifonia.

Existe um outro buraco na interseção entre o imaginário e o real,


onde se manifesta um tipo de gozo que é nomeado de gozo do Outro

, um Outro barrado que presentifica esta condição de que o


grande Outro não existe. Trata-se de um tipo de gozo “fora
linguagem”, um gozo suposto de avida (“lavie”) e da morte, ou ainda
daquilo que uma mulher pode supor do gozo do homem e vice versa.

Por fim, entre o simbólico e o imaginário, Lacan atribuiu de início essa


noção de sentido que se realiza como uma expressão da lingüística.
Mais tarde, no seminário Le Sinthome, vai reafirmar que se não
existe gozo do Outro, desde quando o grande Outro não existe, é
preciso fazer algo, suturar o simbólico e o imaginário como um
“sentido” que vá determinar uma outra costura entre o simbólico e o
real. Uma condição que vem ensinar ao analisante fazer a emenda
entre o real, parasita de gozo, e seu próprio sinthoma. Utilizando-se
41
de uma homofonia entre jouissance (gozo) j’ouïs-sens (eu escuto-
sentido) e ainda jouis-sens (gozo-sentido), Lacan vai atribuir ao
sentido uma condição de também de gozo, de fazê-lo participar de
22
um campo de gozo.

Se desde cedo, em seu ensino, Lacan veio enfatizando essa noção de


buraco, aqui, também através da topologia da cadeia borromeana,
ele passou a afirmar que se trata de uma noção que também faz
buraco, que faz “trou-matisme” no sujeito e que, sem sua existência,
não se pode fazer um nó, uma cadeia ou “qualquer outra coisa”. Para
fazer frente a isso, procurou inventar um truque que viesse
23
preencher esse lugar aonde “não há relação sexual”, considerando
que juntamente com essa noção do buraco se deveria levar em conta
a presença de duas outras noções: a consistência e a ex-sistência.

Quanto à primeira, a consistência, ele não a utiliza a partir de seu


ponto de vista lógico-matemático. Isto é, como uma noção que venha
corresponder à presença lógica e necessária de uma não contradição
num sistema. Para se afirmar que um determinado sistema é
consistente, deve-se considerar que todas as proposições que lhe
dizem respeito apareçam como válidas, isto é, que não se consiga
provar, ao mesmo tempo, a existência de A e não A.

Para a psicanálise, portanto, essa noção de consistência é outra coisa


que aquilo que se qualifica na linguagem da não-contradição. Lacan
vai tomá-la a partir de sua etimologia. Isto é, como um significante
que deriva do verbo consistere (latim) e que corresponde a essa
condição da estrutura em que seus elementos “se sustentam juntos”.

Em primeiro lugar, a cadeia borromeana desde quando dá suporte à


escritura e se fundamenta em “cordas” que podem ser manipuladas e
trançadas para a construção da própria estrutura, ela tem uma
consistência do real .

42
Aqui, por extensão, a cadeia borromeana vai também realizar através
dessa noção de consistência uma garantia de que os objetos do
mundo estarão sempre sustentados juntos, mantidos numa condição
tal que podem, inclusive, fazer imagem. Diferentes imagens, que
embora não sejam muito evidentes, servem para que o sujeito possa
24
se situar nelas. Assim, desde quando a presença destas imagens
remete também à noção de superfície, isso lhe permitiu inferir que a
cadeia borromeana além de uma consistência do real, tem também
uma consistência do imaginário.

Ainda a partir dessa homogeneização entre o real, o simbólico e o


imaginário e de se considerar que a cadeia borromeana é formada e
suportada por elementos discretos, os arcos e os cruzamentos, que
se tornam capazes de determinar um tipo de escritura, não é
excessivo se afirmar que ela tem também uma consistência do
25
simbólico.

Quanto à ex-sistência, é uma noção que se desenvolveu, de início,


em torno da própria noção de existência, isto é, como algo que gira
em torno de algum sentido da vida.

Com efeito, a ex-sistência tem uma história “filosófico-religiosa”,


desde quando a essa noção de existência está relacionada às
palavras. Aqui, no entanto, se aquilo que se pode dizer do geral, se
pode aplicar para cada um, quando se trata da existência, o que é de
um, não serve para o universal. Por isso mesmo, a existência é o que
é “ex-” (“ek-“), “o que gira em volta do consistente, mas que faz
intervalo, e que, nesse intervalo tem trinta e seis maneiras de se
enodar, justamente à medida que não temos com os nós, a menor
familiaridade nem manual nem mental. O que, aliás, é a mesma
26
coisa”.

Trata-se, portanto, de uma noção que se sustenta de ser fora do


sentido e, como tal, torna-se equivalente ao real. Assim, a ex-

43
sistência e o real são colocados numa categoria comum, numa
27
equivalência com o ab-sens, com o sexo e o gozo.

Dito de outra maneira, a ex-sistência é, “no final das contas esse fora
que não é um não-dentro [...] é esse em volta do que se evapora
28
uma substância” e que está além do sentido, como um limite
infranqueável que vem impedir, na psicanálise, a noção de uma
totalidade e de um mundo esférico para o sujeito. Uma condição que
possibilitou à Lacan abrir os anéis da cadeia borromeana, passando a
escrevê-la também com retas infinitas.

A partir do desenvolvimento destas três dimansões e ainda desta


propriedade de homogeneidade, Lacan vai inferir que a cadeia
borromeana é ao mesmo tempo um buraco (do simbólico) uma
consistência (do imaginário) e uma ex-sistência (do real) e que ao
atuarem de uma maneira conjunta adquirem o estatuto da própria
estrutura para o sujeito. Mais do que isso, tanto o real, como o
simbólico e o imaginário, cada uma destas dimansões tem um
buraco, uma consistência e uma ex-sistência.

Após ter desenvolvido estas questões, quando se olha a cadeia


borromeana mais de perto, pode-se visualizar em sua posição central
um traçado que se nomeia de “nó em trevo” (“noeud en trefle”).

Uma estrutura que vem corresponder a uma continuidade das


dimansões do real, simbólico e imaginário, construída a partir de
cortes e ligaduras realizados nos pontos centrais de seus
cruzamentos. Esta transformação das três dimansões em uma só

44
consistência determina uma espécie de “gel imaginário” que tem sido
29
identificado por Lacan como a escritura da psicose paranóica.

De um ponto de vista clínico, esta dimansão unificada das três


consistências tende, através do Imaginário, não só duplicar o real,
como também abolir uma propriedade essencialmente simbólica da
estrutura, desde quando anula a presença e uma alteridade com o
Outro.

Uma questão fundamental a se considerar é que essa continuidade


que se realiza entre as dimansões do real, simbólico e imaginário,
não define simplesmente a Paranóia, como uma patologia. Ela vem
presentificar uma condição estrutural do sujeito, isto é, seu núcleo
paranóico. Isso quer dizer que o nó em trevo vem se constituir numa
estrutura básica do sujeito, já que esse núcleo paranóico passa a se
constituir no geral, no que Lacan chamou de uma “medida comum”
que está implicada com o que muitas vezes se chama de
personalidade, desde quando “psicose paranóica e personalidade [...]
30
são a mesma coisa”.

Mesmo que essa qualidade paranóica se presentifique como um tipo


de identificação que disponibiliza o sujeito como um objeto para o
conhecimento e gozo do Outro, ainda que esse grande Outro não
31
exista, o privilégio de ser louco não é para qualquer um. Lacan não
parou de não insistir nesta afirmação, de que não é louco quem quer.
Por isso mesmo, para que se possa conceber a estrutura da Paranóia,
será necessário que além desta “medida comum”, exista também a
presença de uma outra condição que venha corresponder a uma
regressão tópica ao Estádio do Espelho.

Ainda nesta estrutura da cadeia borromeana, quando se olha mais de


perto em sua parte central, encontra-se uma forma mais elementar
que é identificada como nó em trevo e que funciona como ponto de

45
partida para escrevê-la. É uma estrutura mais simples, formada por
traços, por traços unários e que foi nomeada de trisquel.

Numa das aulas do Seminário RSI, Lacan vai


afirma que a consistência de base para fazer o nó borromeano é essa
estrutura do trisquel, que “não é um nó [mas que] em todo nó
borromeano [ele] é o coração, o centro do nó... onde marquei se
32
situar o desejo [...] e o objeto pequeno (a)”.

Ainda para reafirmar a importância que essa


noção de buraco adquiriu na psicanálise, Lacan tratou o trisquel a
partir de uma paráfrase: “Fiat trou”.

Nesse buraco do trisquel, ele colocou uma outra noção que já havia
33
identificado desde o seminário sobre a Identificação e que nomeou
34
de “turbilhão”. Naquela ocasião, tratava-se de uma noção que se
sustentava num ponto central que era colocado além do nó
imaginário do fantasma fundamental por onde deveria sair o objeto
(a). Aqui, agora, a “noção de turbilhão” vem se constituir num lugar
que além de reter o objeto (a) passa a adquirir o estatuto do
recalque primário, onde o inconsciente “tem a propriedade de ser
35
aspirado”.

Outra propriedade a se acrescentar à cadeia borromeana quando


introduzida na psicanálise, é de se poder ligar a noção de superfície à
pluralidade do tempo. Uma condição que institui uma lógica do ato
36
que vem fundar o sujeito, determinando suas diferentes formas de
subjetivação. Se, anteriormente, o objeto (a) foi concebido como
suporte dos objetos de superfície e mesmo da cadeia borromeana,

46
agora ele vai também ser inserido nestas diferentes dimensões do
tempo.

37
No seminário Encore, e no ano seguinte, com Les non-dupes
errent, Lacan retorna a seu escrito sobre o Tempo Lógico…, voltando
sua atenção para as relações entre o objeto (a) e o tempo. Ele vai
afirmar que a função da pressa [hâte] é a função desse pequeno (a),
pequeno a-pressado [h(â)te] e ainda considerar que a cadeia
borromeana é um avanço do tempo lógico, à medida que pode
38
realizar de uma só vez superfície e tempo. Lacan vai afirmar ainda
que esse escrito não é “uma pequena adivinhação (…), pois quando
olhado mais de perto, vê-se que cada um dos sujeitos não intervém
por ser Um-entre-outros, senão por ser, com respeito aos outros
dois, aquilo que é a causa de seus pensamentos… precisamente… o
minúsculo que ele é sob o olhar dos outros, o objeto (a), eles são
dois mais (a) [e] vocês sabem que usei estas funções para tentar
representar o inadequado da relação do Um ao Outro. [...] À medida
39
que… os outros dois são tomados como Um mais a...”.

Na linguagem, portanto, em lalíngua todo evento do real repercute


como superfície e tempo nos diferentes corpos do real, simbólico e
imaginário, nos campos de gozo e no triplo buraco de (a), que é
equivalente ao sujeito.

Desta maneira, a escritura borromeana ao enodar de uma só vez as


consistências do real, simbólico e imaginário, como uma forma tripla
do objeto (a), passa a fazer eco a um desenvolvimento de uma
“relatividade restrita”, em que o tempo no qual ocorre um
determinado evento não é independente da superfície onde ele
acontece. Desta maneira, desde quando se nasce, e não se o faz sob
a condição de vivente, pois antes mesmo de ter nascido o sujeito já
recebe sinais que o funda como um sujeito de linguagem e de sexo,
obedecendo a um tempo lógico, em que o momento de concluir irá

47
determinar os tempos anteriores: o tempo de compreender e o
instante de ver. A partir daí, portanto, será o próprio sujeito que irá
construindo a percepção que vai tendo em suas diferentes realidades.

Lacan não só insiste na escritura do nó borromeano com este


enunciado de realizar de uma só vez superfície e tempo, mas vai
apresentá-lo com um estatuto diferenciado de outras escrituras.
Primeiro por sua autonomia em relação ao significante e, em segundo
lugar, pela implicação que a cadeia borromeana tem com o corpo.
Não se trata da imagem do corpo como é contemplado no Estádio do
Espelho, mas de sua consistência que é dada pelo RSI. Isto coloca o
corpo como mais um dos elementos fundamentais da psicanálise,
pois sem ele, o discurso analítico não caminha, fica letra morta ou se
transforma em filosofia, religião, magia ou até mesmo em ciência.

Diante do real da cadeia borromeana, o sujeito se mantém marcado


40
por este estigma de que o real não se liga a nada, mas o lança
numa errância singular das variáveis do seu destino, em repetições
que o funda em ato. Com efeito, a repetição não é a reprodução no
presente de um acontecimento passado, nem mesmo reprodução do
idêntico, mas a celebração de um fracasso do encontro com o real
que faz uma ruptura na hystória do sujeito, uma condição que o
torna responsável pelo que vai lhe acontecendo. Aqui, não importa
mais a versão oficial de sua história, mas a posição que irá manter
em relação a um Saber que o discurso histérico constrói. Ou melhor,
que o próprio sujeito inventa no curso de uma análise.

Para fazer frente ao SABER que existe no real, o sujeito se utiliza das
dimansões do simbólico e do imaginário, relançando-as num discurso
a partir do qual poderá realizar distintas fixções do real. O sujeito
quando se realiza, o faz de uma maneira sempre singular,
representado pelo significante S1 (l’essaim), o enxame, que lhe
assegura uma unidade de copula com o Saber inconsciente. Um tipo

48
de Saber que embora seja inventado pelo sujeito, não lhe dá
41
qualquer garantia de identidade de seu ser de sujeito. .

Esta sua singularidade se manifesta na equivalência entre a própria


cadeia borromeana e o UM. Uma condição que Lacan não parou de
não afirmar: Há do UM (“Il y a d’l’Un”). Esta importância atribuída ao
UM, traz suas conseqüências.

Se a estrutura da linguagem, ou melhor, de lalíngua é um efeito de


que “HÁ DO UM”, o Saber poderia ser atribuído à condição de que
poderia existir um Outro, o que faria, em aparência, dois. Todavia,
não existe relação entre eles. A relação só se faz entre o UM e o
buraco, sendo necessário que existam três para uni-los. A cadeia
borromeana, portanto, é uma estrutura que emerge da linguagem e
que vem determinar efeitos localizados e pontuais onde se capta um
efeito de sujeito, desde quando é ele mesmo que inventa o Saber
42
inconsciente.

Este fato de estrutura dá à cadeia borromeana a condição de “melhor


43
metáfora... de que procedemos do UM”. Cada anel deve ser
considerado como um UM. Um um-entre-outros ou, talvez, um um-à-
mais do sujeito, em oposição ao um-à-menos que poderia ser o
44
grande Outro, que não existe. Esta série de UNS não faz conjunto,
mas transforma a cadeia borromeana numa estrutura que nomeei em
45
outra oportunidade de uniana. Neste caso, as diferentes funções
do UM fazem suporte para a própria ex-sistência do sujeito, que
passa a sofrer efeitos localizados e pontuais de lalíngua durante toda
sua ex-sistência.

Aqui, o sujeito vai estar submetido aos efeitos do real, do simbólico e


do imaginário enodados nesta estrutura borromeana que se funda a
partir da noção do buraco, da consistência e da ex-sistência,
conjuntamente. Como o grande Outro não existe e, portanto, não lhe
pode dar qualquer garantia, o próprio sujeito é que é convocado a

49
fazer bordas desse buraco que o causa. Ele é intimado a inventar o
próprio Saber inconsciente, a escrever suas respostas sobre a vida e
a morte, sobre o sexo, sobre o gozo e, sobretudo em relação àquilo
que vem se constituir como esse “enigma do UM”, que é a própria
noção de estrutura.

Assim, a cadeia borromeana evoca algo que não para de se não


escrever, já que essa relação do sujeito com o real se constitui numa
condição que não lhe dá tréguas e vem causar a origem de seus
sofrimentos. Quer como uma dor da existência, como causalidade de
seus sintomas, de seus impedimentos, de suas inibições e
embaraços, de suas manifestações somáticas ou mesmo como aquilo
que escreve seu “destino”. Um destino tragicômico para sua

ex-sistência e que ele deverá aprender o que fazer para se


desembaraçar o quanto pode dos efeitos do real.

Aqui, estou aludindo a uma simultaneidade de atos que se sucedem


numa sucessão de UNS, que leva em conta uma modulação do tempo
de compreender, metaforizando a diacronia em que uma análise pode
ser levada até certo ponto; uma condição que será mantida por uma
sincronia destas três dimansões, onde o valor instantâneo da
evidência equivale ao zero que se situa entre o antes e o depois. Uma
condição que possibilita que o momento de concluir deixe cada
sujeito no mesmo ponto de partida… que lhe supõe um passado
46
infinito e… provavelmente um futuro que não o é menos.

Concluindo, mas sem finalizar, no curso de uma análise, esse objeto


pequeno (a) que o analisante deve vir a ser e que o analista deve
fazê-lo advir, o sujeito cada vez que se inaugura, o faz em ato, sem
saber o que era antes e nem mesmo o que vai vir a ser, em seguida.
Vou insistir neste enunciado, para reafirmar que só no momento de
concluir, pode-se determinar os tempos anteriores e ainda incluí-los,
possibilitando ao sujeito construir as percepções que vai podendo ter.

50
Nos sucessivos encontros faltosos com o Saber do real, o sujeito é
impelido a usar de sua arte, de um artifício para que possa fazer algo
que estabeleça limites a um suposto gozo do Outro, desse Outro que
nem mesmo existe. Cada vez em ato, à medida que vai fazendo seu
artesanato... inventa o Saber inconsciente que fibra o real,
possibilitando-lhe construir estas diferentes fixções que passam a
fazer parte de sua ex-sistência. O sujeito vai inventando à medida
que vai dizendo ou fazendo, que pode vir dar no mesmo, desde
quando dizer é fazer. Lacan chegou a afirmar ainda que o que você
faz, sabe o que você é.

O ato analítico, portanto, a partir da topologia da cadeia borromeana


revela que numa análise em intenção não se trata de buscar a
verdade que se sustenta de uma ética apofântica, mas de que se
deve procurar uma “vari(e)dade” (varité) da verdade, que seja
singular a cada um. E que se possa suportar com alguma alegria este
encontro.

PERLS

A unidade de referencial adotada inicialmente pelos autores da


Gestalt terapia foi a de organismo.

Este termo organismo foi empregado originalmente devido à adoção


da Teoria Organísmica do neurofisiologista Kurt Goldstein como
modelo de referência teórica para a Gestalt Terapia. Kurt Goldstein
era um adepto da Psicologia da Gestalt e, apoiando-se sobre a lei de
figura e fundo, descrita por esta escola para explicar os processos de
percepção no homem, adota esta noção da percepção como uma
dinâmica na formação de figuras e fundos para buscar um modelo
referencial adequado para tratar da natureza do homem. A
preocupação deste teórico e pesquisador era buscar um modelo
holístico que pudesse explicar as mudanças de personalidade
apresentadas por pacientes que haviam sofrido lesões cerebrais

51
permanentes. Kurt Goldstein não acreditava na possibilidade de
entender estes indivíduos dentro de um ponto de vista que
valorizasse apenas as mudanças no ambiente (dados socioculturais
ou geográficos), nem apenas os aspectos meramente físicos de suas
doenças (lesões cerebrais). O que ele verificara é que a personalidade
total destes indivíduos mudava em função das lesões sofridas, não
podendo esta mudança ser entendida apenas como meros reflexos
fisicalistas destas lesões.

Na realidade, ao pesquisarmos a obra de Kurt Goldstein mais


aprofundadamente, podemos notar o quanto os questionamentos
deste autor, relativos à primazia do método experimental nas ciências
naturais como o mais adequado para estudar os fenômenos
perceptivos do ser humano, foram fundamentais para a construção
da Teoria da Gestalt terapia. Grande parte das considerações feitas
por Kurt Goldstein em seu livro “The Organism”, publicado na década
de 50 são transpostas pela Gestalt Terapia para explicar o processo
de autorregulação organísmica do homem de modo abrangente. É
importante ressaltar que os estudos efetuados por Kurt Goldstein
foram basicamente implementados dentro da área de pesquisas da
neurofisiologia dedicada a acompanhar as mudanças que ocorriam
em pessoas vítimas de sequelas produzidas por diversos tipos de
lesões cerebrais causadas por ferimentos de guerra. Kurt Goldstein
deixa claro em seu livro que acreditava que estes estudos, mesmo
que voltados para o entendimento dos comportamentos adaptativos
de pacientes lesionados, poderiam ser de grande valia para a
compreensão dos processos de funcionamento adaptativos dos
indivíduos de um modo geral, não só dos ditos “doentes”. Parece que
Fritz Perls realmente acreditou nesta premissa, pois percebemos,
claramente, grande parte dos resultados das observações e da
teorização decorrentes destas efetuadas por Kurt Goldstein, sendo
literalmente transcritas e adaptadas para explicar a visão de homem

52
global da Gestalt Terapia. Os conceitos básicos desta abordagem, já
citados acima, apoiam-se totalmente na visão organísmica de Kurt
Goldstein.

1 - A teoria organísmica-holística de Kurt Godstein como


parâmetro para a construção de uma teoria da personalidade
humana.

Há evidente preocupação do autor em buscar uma abordagem


holística na biologia e a direta conexão com suas pesquisas na área
das patologias neurofisiológicas. Kurt Goldstein não se propunha a se
dedicar ao estudo do comportamento humano do ponto de vista
psicológico e sim biológico, mesmo que holisticamente
compreendendo não ser possível isolar estas áreas de estudo. Além
disso, Kurt Goldstein também não pretendeu criar leis ou premissas
que pudessem ser aplicadas de modo amplo aos modelos normais de
comportamento humano. Seu modelo, mesmo que inovador e crítico
em relação ao método preponderante de estudo nas pesquisas
naturais, é ainda um modelo biológico e voltado para o estudo
de fenômenos patológicos. Esta marca se faz presente na
Gestalt terapia e transparece, muitas vezes, por trás de uma
conceituação ainda com traços de um linguajar fisicalista e de
comportamento normal e anormal. Esta é uma contradição na teoria
da Gestalt Terapia, que dentro de uma visão filosófica basicamente
fenomenológica e existencial pretendia abandonar a ideia de
normalidade e anormalidade e de funcionamento biologicamente
embasado. Mesmo assim, a riqueza da teoria organísmica presente
na obra de Kurt Goldstein foi enriquecedora e fundamental para a
visão de homem, ainda não muito mudada, na teoria da abordagem
gestáltica.

Este método, chamado de holístico, propunha-se a entender o


organismo como um todo e não como a soma de partes isoladas. Pelo

53
método holístico, nenhum tipo de experiência deve ser excluída, ao
se estudar os seres vivos - toda e qualquer forma de experiência é
válida para o entendimento global do funcionamento deste ser.

Quanto à visão de ser humano, contida na teoria holística de Kurt


Goldstein, esse defendia que o sentido de “ser” só é possível por meio
da experiência conjunta de existência com os outros e no mundo.
Esta visão fenomenal trazida pela teoria organísmica de Kurt
Goldstein é bastante próxima ao descrito também por Kurt Lewin na
sua Teoria de Campo, sendo uma das premissas da abordagem
gestáltica.

Kurt Goldstein fazia um alerta de que procedimentos de estudo


reducionistas ou isolacionistas não permitiriam alcançar-se a
“essência” (a natureza intrínseca) do homem.

Quanto a noção de sintoma, a Gestalt terapia tinha o claro objetivo


de construir uma conceituação bastante diversa das teorias
psicopatológicas preponderantes na psicologia, no momento de sua
criação. Kurt Goldstein já defendia que os sintomas deveriam ser
encarados como tentativas de adaptação do organismo, como
respostas deste na busca do equilíbrio entre as demandas do meio e
as necessidades prioritárias para o funcionamento do organismo. Um
mesmo distúrbio pode ser a base de sintomas bastante distintos em
indivíduos diferentes ou em momentos de vida diversos de um
mesmo indivíduo. Não há uma regra clara e simples para descrever
sintomas esperados a partir de um distúrbio diagnosticado. A ressalva
que Kurt Goldstein faz é de que, de um modo geral, quando o
organismo é confrontado a executar uma tarefa que, por qualquer
razão, não está habilitado a executá-la, apresentará um
comportamento desordenado diante da situação. Goldstein destacava
que estas situações de ser provocado a realizar algo que não tem
condições de fazer geravam, o que podemos chamar, de grande

54
ansiedade no organismo e que os comportamentos desordenados
resultantes são comportamentos desarmônicos, tanto do ponto de
vista do organismo, quanto do meio ambiente. No homem isto levava
há um fenômeno descrito por Goldstein, principalmente nos casos de
indivíduos lesionados cerebralmente, em que o sujeito evitava, de
todos os modos possíveis, expor-se às situações onde fosse
necessária a execução de ações que não estivesse apto a executar.
Goldstein apontava como uma consequência, do descrito acima, uma
tendência destes pacientes em buscar comportamentos padronizados
de ordem, uma tendência em evitar experiências que pudessem gerar
qualquer sensação de vazio, de desordenação.

Fritz Perls amplia esta noção para descrever comportamentos


presentes nos mecanismos neuróticos, nos quais essa evitação da
novidade, de situações geradoras de sensação de vazio, também se
faz notar como uma tentativa neurótica de padronização de modos de
atuação já conhecidos.

A teoria da Gestalt terapia vai compartilhar com a teoria organísmica


de Kurt Goldstein a idéia de que tentativa de repetição de padrões de
comportamentos já conhecidos, a não mudança e não exposição a
situações novas, é uma tentativa dos indivíduos de não lidar com a
ansiedade gerada pelo inesperado. Este mecanismo justifica-se, no
caso de lesões de ordem neurológica, como um mecanismo
adaptativo onde o indivíduo busca não se expor a situações que lhe
demandem respostas que não está apto a manifestar. Já nos ditos
casos de “normalidade”, esta repetição de padrões já conhecidos de
comportamento diz respeito à tentativa de evitação da ansiedade
gerada pela experiência do vazio, da novidade. Quando há uma
cristalização deste padrão a teoria da personalidade da Gestalt
terapia vai entendê-la como um padrão neurótico de comportamento,
padrão este que vai levando ao empobrecimento das experiências do
sujeito, a um repertório repetitivo e limitado de comportamentos que

55
não propiciam a mudança. Conforme citação de Kurt Goldstein: “ The
environment of on organism is by no means something definite and
static but is continuosly forming commensurably with the
development of the organism and its activity.” (p. 85)

Goldstein já trazia o pensamento sistêmico para constituir as bases


da teoria organísmica. Dentro desta visão, o organismo é
compreendido em si como um sistema, que funciona como uma
unidade, sendo que qualquer estímulo que atinja este organismo em
qualquer um dos seus subsistemas, necessariamente promoverá
mudanças na unidade total. Os padrões de resposta (perfomances)
desta unidade são guiados por um objetivo único – a busca de
equilíbrio do sistema global. Kurt Goldstein já dizia que este modo de
funcionamento se dava de forma semelhante à lei de figura-fundo da
Psicologia da Gestalt para explicar os fenômenos perceptivos. Fritz
Perls irá ainda mais longe, estendendo a lei de figura-fundo para
todas as áreas de funcionamento do homem. Sendo assim, a
emergência de tarefas, desafios, ou ações necessárias ao bom
funcionamento do organismo surgem como figuras que se destacam
como prioridades para o indivíduo. Estes desafios conforme Goldstein,
Perls chamará meramente de necessidades. Goldstein dizia que estas
eram definidas pela “essência” (dotação natural) do organismo. As
mesmas são atualizadas diante das mudanças trazidas pela relação
com o meio circundante, que está interagindo permanentemente com
o organismo total. O equilíbrio acontece quando o organismo
consegue se atualizar através de suas perfomances [i]*, lidando
simultaneamente com as demandas do meio.

Goldstein definia a auto-regulação organísmica como uma forma do


organismo de interagir com o mundo, segundo a qual o organismo
pode se atualizar, respeitando a sua natureza, do melhor modo
possível. Este lidar com o meio pode se dar tanto através de reações
de aceitação e adaptação a este, quanto também através de ações de

56
rejeição e fuga do mesmo. Quanto à continuidade do sistema é
ameaçada pelo contato com o meio, a retirada do contato é uma
tentativa de adaptação do organismo. Esta noção de fuga, de
resistência, como respostas também de equilibração, é claramente
levada para o campo conceitual da Gestalt terapia.
Goldstein trouxe importantes contribuições para as teorias dos
instintos e dos reflexos. Ele destacou que os reflexos também
deveriam ser estudados e explicados dentro de uma visão holística –
que assim como qualquer outra reação do organismo eles deveriam
ser entendidos como uma resposta do organismo de modo global. Ele
mostrou que um reflexo não sofria modificações relativas apenas ao
estado geral do organismo, premissa esta já aceita na teoria dos
reflexos vigentes, mas sim que desde o início as reações do
organismo estão condicionadas pelo campo muito mais além do que o
do arco-reflexo. Goldstein opunha-se, radicalmente, a visão que
defendia que as perfomances do organismo seriam uma mera
composição de reflexos. Até mesmo as ações instintivas também só
poderiam ser compreendidas do ponto de vista holístico, ou seja,
como referentes ao organismo como um todo e de acordo com as
diversidades de cada situação.

Goldstein não descartava a importância da formação de reflexos


condicionados para o processo educativo da criança. Ele defendia que
alguns hábitos (citando especificamente a formação de hábitos
relativos ao toalete) eram adquiridos através da formação de reflexos
condicionados. No entanto, com o amadurecimento desta criança,
haveria uma integração destes hábitos com uma reflexão (insight)
sobre estes, levando a execução de comportamentos intencionais. A
maturação dotaria então o organismo da capacidade de lidar de modo
satisfatório com situações novas. Sendo assim, quanto mais madura
a criança menos ela apresentará comportamentos governados por
instintos. Nesta linha de pensamento, Goldstein trouxe considerações

57
muito inovadoras sobre o conceito de drives*. Ele questionou o
pensamento vigente que pregava que o objetivo primeiro dos drives
(impulsos) seria o de descarregar o organismo de algum excesso de
tensão. Na realidade, Goldstein acreditava que esta tendência à
descarga de tensão como a prioridade do organismo é uma expressão
de desarranjo, de mau funcionamento do mesmo.

A lei que governaria o funcionamento dos organismos era, para a


Goldstein, a da tendência para atualizar-se. Segundo suas palavras:

“ We can say that an organism is governed by the tendency to


actualize, as much as possible, its individual capacities, its “nature” in
the world. This nature is what we call the psychosomatic
constitution,... This tendency to actualize its nature, to actualize
“itself”, is the basic drive, the only drive by which the life of the
organism is determined.” (p. 162)

Podemos dizer que a Gestalt terapia foi construída sobre esta crença,
de que a lei que governa o funcionamento do ser humano é a da
busca da auto-atualização, salvo condições de extrema anormalidade.
Fritz Perls iria pregar, na teoria da abordagem gestáltica, que os
indivíduos se auto-atualizariam dando prioridade para a execução de
ações que visassem a satisfação das necessidades emergentes como
figuras. Sendo alguma necessidade satisfeita, esta deixaria de ser
figural e outra necessidade emergeria. As complicações surgiriam,
neste processo de auto-atualização, quando não houvesse a
possibilidade de satisfação de uma necessidade básica. Se um
indivíduo é forçado a conviver com uma situação de restrição por
muito tempo, o seu modo de funcionamento é afetado e este passa a
se comportar de um outro modo não harmônico. Portanto o
funcionamento não harmônico é o resultante de situações de limite,
onde se forma um padrão de adaptação emergencial.

58
Goldstein já tinha dito que a noção de drives (impulsos) deveria ser
substituída pela idéia de que o organismo é dotado de
potencialidades que são capacidades da natureza do organismo de
lidar com o meio de modo a estar sempre buscando a
autoatualização. Isto que Goldstein nomeou de capacidades naturais
do organismo, potencialidades, ele afirmou que as mesmas não são
guiadas pela consciência (apesar de ser influenciadas por esta) pois,
mesmo em pacientes que apresentavam distúrbios da consciência,
haviam mecanismos de autorregulação organísmica presentes.
Goldstein dizia também que estas potencialidades também não são
biologicamente determinadas, mas sim só podem ser entendidas de
modo holístico. Uma destas potencialidades apresenta-se como uma
tendência do indivíduo de completar ações incompletas, ou seja, em
finalizar situações inacabadas. Na Gestalt terapia diz-se que uma
necessidade impossível de ser satisfeita leva a formação de uma
situação inacabada, de uma gestalt aberta. Que a busca do indivíduo
é completar suas situações inacabadas levando ao fechamento de
gestalten.

Então, compreendendo o processo de busca de autoatualização como


um processo holisticamente natural do organismo, como uma
potencialidade intrínseca do ser humano, Goldstein afirmava que
quando o indivíduo apresentava respostas antagônicas ou
desarmônicas a este princípio é por que este estava submetido a
condições inadequadas de funcionamento. Neste sentido, Goldstein
deu grande destaque ao papel da ansiedade como um dos grandes
desestabilizadores do funcionamento harmônico do indivíduo. Ele
dizia que no caso da ansiedade as variações das respostas
desarmônicas poderiam ser entendidas pelo grau de severidade da
experiência de perigo ou de dano ao qual o indivíduo estava sendo
submetido. A ansiedade é uma experiência de ordem essencialmente

59
subjetiva mas que interfere, holisticamente, no todo da experiência
do indivíduo (física, motor, psicológica, intelectiva, etc.).

Uma discussão muito importante que Goldstein trouxe para o seu


livro inicial, foi sobre a distinção entre o fenômeno da ansiedade e do
medo. Segundo este autor, esta discussão já se fazia bastante
presente na obra de vários filósofos, destacando o pensamento
fenomenológico existencial representando por Kierkgaard e
Heidegger, que consideravam que o fenômeno do medo dizia respeito
ao medo de alguma coisa ou situação específica, já a ansiedade não
se relacionava com nenhum objeto específico. Goldstein percebia
grandes semelhanças nas manifestações da ansiedade nos indivíduos
normais com as respostas catastróficas apresentadas por pacientes
portadores de lesões cerebrais quando confrontados com tarefas que
não tinham condições de resolver. Goldstein dizia que, na realidade,
não é correto afirmar que uma pessoa tem um sentimento de
ansiedade mas sim, que esta pessoa é a personificação do estado
ansioso em um dado momento. Ou seja, assim como as respostas
catastróficas dos pacientes lesionados, o fenômeno da ansiedade diz
respeito à experiência vivida por uma pessoa quando ela se defronta
com sua impossibilidade de reagir diante de demandas do meio. Ou
seja, para se compreender o fenômeno da ansiedade é primordial
compreender também o meio específico desta situação.

O movimento do sujeito em situações de medo é se livrar daquilo que


lhe causa o medo, podendo este medo se tornar ansiedade quando a
pessoa se encontra impossibilitada de fazer isto. No entanto, na
experiência da ansiedade o movimento do indivíduo é o de evitar a
situação, de escapar da mesma. Na teoria da Gestalt Terapia a
experiência da ansiedade é considerada como uma constante na
personalidade do neurótico, como um dos traços mais marcantes e
presentes. A ansiedade gera imobilidade, uma postura de evitação

60
das situações e de mau funcionamento, portanto, do mecanismo
holístico natural da auto-regulação organísmica.

Goldstein compreendia que no funcionamento do indivíduo normal


poderíamos verificar dois movimentos distintos na sua interação com
o meio – um que busca evitar a experiência da ansiedade através da
criação de padrões de conduta e de mecanismos estereotipados para
lidar com as situações, e outro, igualmente importante, que leva o
indivíduo a buscar novas experiências através da expansão de suas
possibilidades de ação e de reflexão. Neste sentido, Goldstein deu
grande importância ao papel da criatividade como um dos potenciais
naturais do ser humano que lhe possibilitam se autorregular. Ou seja,
evitação de ansiedade e busca da novidade, da mudança, são
movimentos igualmente importantes para o processo de
autorregulação do sujeito. Na obra de Fritz Perls ele destacava a
importância do sujeito de saber lidar com as frustrações e não só com
as satisfações obtidas na relação com o meio. Fica evidente que
aquilo que Perls denominava frustração tinha uma direta relação com
a possibilidade do sujeito de suportar um certo grau de ansiedade em
nome de experimentar respostas criativas e novas para o
desenvolvimento? Goldstein acreditava que nos bebês havia uma
primazia de comportamentos baseados me reflexos condicionados.
Durante o processo de desenvolvimento da criança começaria a se
travar uma luta entre as demandas do meio e as necessidades da
criança, sendo esta batalha fundamental para a criança começar a
ensaiar novos modos de funcionamento, tornando-se mais capaz de
lidar com as demandas do meio de um modo satisfatório. Este
processo não acontece precisamente de forma consciente. A
maturidade se expressa quando a criança vai substituindo ações que
se dão de modo não consciente por um número maior de ações que
foram iniciadas de modo consciente, através de um processo de
elaboração mais acurado da realidade.

61
Goldstein descrevia três padrões diferentes do comportamento do
indivíduo – o que ele nomeava performance estaria relacionado ao
comportamento consciente, as atitudes que estariam ligadas aos
estados internos nos quais ele incluía os sentimentos, humores e
afetos e os processos fisiológicos que se relacionariam aos eventos
somáticos. A estes três aspectos do comportamento corresponderiam
os conceitos tão conhecidos de mente, alma e corpo. Goldstein
destacava que é fundamental entender que esta distinção é artificial,
é um artifício para se compreender aspectos isolados do
comportamento total do indivíduo. Algumas vezes estes modos do
comportamento poderiam aparecer como entidades de fato isoladas,
mas seria um fenômeno compreensível pela lei de figura-fundo, a
qual possibilitaria explicar que haja, temporariamente, um destaque
para um dos campos da experiência mas estando os outros aspectos
do comportamento compondo o fundo da realidade global do homem.
Sendo assim, o pensamento só pode se dar de modo conjunto com
uma experiência emocional em um ser que experimenta um estado
de corporeidade. Esta visão de Kurt Goldstein trouxe uma nova
possibilidade para o entendimento do dito inconsciente – àquilo que
não está presente na consciência em um determinado momento
compõe um fundo também constituinte do todo do ser global. Esta
noção de consciente e inconsciente como possibilidades
intercambiáveis do comportamento do homem se manifestar,
também foi adotada pela teoria da gestalt terapia.

O que Kurt Goldstein descreveu como o processo de desenvolvimento


anormal na criança, Fritz Perls iria nomear como a formação da
neurose no homem. Esta acontece quando os impedimentos que
atuam no relacionamento da criança com o meio são tão drásticos
que impossibilitam a criança de lidar com seu mecanismo de busca de
satisfação de necessidades. Na criança o mecanismo de auto-
regulação ainda não está plenamente desenvolvido, o que facilita com

62
que ela desenvolva comportamentos desarmônicos diante dos
impedimentos do meio. Este padrão de funcionamento baseado em
comportamentos desarmônicos também é uma das características do
modo do funcionamento neurótico que Fritz Perls descreveu na teoria
da personalidade da gestalt terapia.

A teoria organísmica de Kurt Goldstein já trazia algumas críticas ao


pensamento psicossomático da época. Este autor não acreditava na
possibilidade de descrever processos mentais como interferindo no
corpo físico, ou vice-versa. Temos que levar em consideração o
funcionamento do organismo como um todo integrado. Podemos até
considerar que o organismo é composto por partes (membros,
órgãos, etc.), mas o comportamento só pode ser visto como um
modo de representação deste organismo total.

Goldstein não negava o fato de que os indivíduos formem


determinados padrões de conduta, apresentem a preferência por
manifestar respostas repetitivas em determinadas circunstâncias,
mas a cristalização excessiva de um indivíduo em um repertório
limitado de respostas é um modo desviante do seu funcionamento
saudável, o que Fritz Perls também considerou como um mecanismo
neurótico. Sendo assim, Goldstein percebeu que era possível
descrever tipos de pessoas por seus comportamentos preferenciais,
por algumas mais frequentes no seu modo de lidar com diversas
situações,. Os comportamentos preferenciais são entendidos como
formados a partir da performance total da pessoa buscando maior
conforto e naturalidade nas suas ações. Golstein destacava que, para
se entender a razão de um comportamento preferencial ter se
tornado preferencial, precisa-se levar em consideração a situação
total em que este se formou. Além disto, quanto há uma modificação
em algum outro campo do organismo, há também uma modificação
no modo desta atitude preferencial se manifestar. Podemos
compreender os comportamentos preferenciais como

63
comportamentos que visam atingir uma auto-organização do sistema
(organismo), uma “boa” gestalt. No entanto, o que pode do
organismo em buscar os comportamentos mais adequados, para cada
situação ser considerado uma “boa” gestalt em um momento
determinado, pode deixar de ser diante de alguma modificação do
campo que aconteça no organismo. Isto quer dizer que conceitos
como o de estabilidade e adequação organísmica são muito relativos
e sempre dependentes das condições momentâneas do sistema.

Diante do que foi argumentado acima, fica evidente que para a teoria
organísmica de Kurt Goldstein, o que se considera como equilíbrio em
um sistema é sempre visto de modo dinâmico. Goldstein dizia – em
se considerando a personalidade humana enquanto um sistema em
equilíbrio dinâmico, que: “The better centered and integrated a
personality is, the more definite and stable are these “Gestalten”.”
(p.291) As leis da pregnância e da busca de fechamento estudadas
pelo gestaltismo são consideradas por Goldstein para compreender
esta tendência do organismo pela “boa” gestalt.

A teoria organísmica de Kurt Goldstein também se propunha a ser


inovadora pela rejeição ao modelo do paralelismo psico-físico, até
então bastante defendido nas ciências. Esta negação do modelo do
paralelismo psico-físico foi um dos pontos sobre o qual se edificou a
teoria da Gestalt terapia, inclusive no que tangem as críticas de Perls
à psicanálise. Dentro desta perspectiva trazida pela teoria
organísmica, a distinção entre mente e corpo e tão inadequada
quanto a uma visão separatista de organismo e meio. Goldstein já
defendia que a autorregulação organísmica se dá enquanto um
processo interacional, permanentes, onde há uma co-influenciação
entre os sistemas envolvidos.

Partindo do campo conceitual do gestaltismo, o conceito de que os


sistemas deveriam ser compreendidos dentro de uma visão

64
topográfica foi adotado por Kurt Goldstein. No conceito de
autoatualização de Goldstein ele considerava a noção de equilíbrio
dinâmico topográfica do gestaltismo enquanto um processo de busca
de equalização, por parte do organismo, entre tensão e relaxamento.
As forças que atuam sobre o organismo não podem ser consideradas
enquanto forças internas ou externas, mas sim como forças sempre
contextualizadas no campo interacional. Goldstein destacou que a
complexidade do comportamento humano está no fato de que este é,
ao mesmo tempo que holisticamente guiado, também apto a exercer
uma ação voluntária pela capacidade de abstração do homem. Este
modo de funcionamento do homem que tem o poder da abstração lhe
dota da possibilidade de assumir respostas isoladas, não
holisticamente guiadas, dependendo de circunstancias específicas.

Uma das grandes críticas feitas ao modelo organísmico é a de que


estaria comprometido com uma visão mecanicista. Este destaque que
Goldstein dá a singularidade do modo de funcionamento
autorregulativo no homem é uma das formas de se resguardar deste
modelo mecanicista, dotando o ser humano de uma autonomia maior
em relação aos seus processos de busca de auto-organização diante
de sua capacidade de abstrair. A capacidade de abstração e de
simbolização são duas características marcantes para o entendimento
dos processos autorregulativos no homem. Goldstein dizia que os
símbolos também possuem as características de uma “gestalt”. O
pensamento holístico também se faz presente para o entendimento
dos símbolos no homem, mostrando que os mesmo também são
relacionados a todos os aspectos do sistema e não meras
representações mentais.

A obra de Kurt Goldstein foi também extremamente rica nos


questionamentos que trouxe sobre os conceitos de normalidade,
saúde, doença, anomalias, etc. Dentre deste campo conceitual
Goldstein também trouxe propostas, bastante relevantes, sobre

65
outras formas de se considerar estes conceitos que não as até então
utilizadas pelo pensamento atomista/causalista, mas sim coerentes
com o pensamento holístico. Grande parte dos estudos na área
biológica trataram da questão da normalidade de um ponto de vista
da apresentação de comportamentos constantes, padrões constantes
de conduta, que fossem estatisticamente coerentes com aquilo que se
adequasse ao modo de funcionamento da espécie humana, de um
modo geral. Goldstein abre a discussão apontando que o pensamento
estatístico não se propõe a tratar da individualidade de cada pessoa
considerada. Para se expandir este questionamento sobre o que seria
anormalidade devemos ter em conta outra discussão, o que seria
então anormalidade ou doença. Goldstein parte do ponto de visto de
Karl Jasper que defendia que a doença é muito mais um conceito de
valor, atrelado ao julgamento sócio cultural, do que propriamente de
um julgamento médico. Goldstein concorda com esta perspectiva e
defende que, holisticamente pensando, é muito mais importante se
tratar do fenômeno do que é estar doente do que da doença
propriamente dita. Goldstein, já defendia que para se considerar um
padrão de normalidade deve-se ter em consideração o indivíduo, por
si próprio, como sua medida. Então, dentre deste critério holístico
organísmico, o que é pertinente para se considerar que alguém está
doente? Goldstein apontou:

“ And likewise the patient himself experiences disease primarily as a


básic change of his attitude toward the environment, as uncertainty
and anxiety – the subjective manifestations of catastrophic
conditions.” (p.328).

Para se entender a doença é necessário partir de uma concepção da


natureza daquele indivíduo. A doença é vista como um distúrbio no
processo vital do homem (autorregulação organísmica) diante de uma
situação que o coloca em risco. Qualquer forma de perigo ao qual um

66
sujeito é submetido, sempre alterará o seu modo de funcionamento e
sua maneira de lidar com seus potenciais naturais autorregulativos.
Goldstein considerava perigo, risco, ameaça, tanto àquilo que diz
respeito aos distúrbios objetivos, quanto às experiências subjetivas.
Para que haja uma reabilitação deste estar doente é imprescindível
que um novo modo de funcionamento, individual, surja permitindo
uma adequação as restrições experimentadas. Então, o bem estar se
apresenta como um novo modo harmônico de funcionamento, dado
que o antes experimentado já não é mais viável. Deste modo,
podemos pensar que a possibilidade de mudar surge como uma
habilidade do indivíduo de restaurar seu bem estar. Apenas em
condições patológicas é que a tendência em tentar preservar um
estado inalterado de comportamento se manifesta. É importante
ressaltar que quando Goldstein fala da mudança no organismo, ele
considera que qualquer mudança nesta unidade é consoante com um
mudança que também ocorre no meio. A necessidade de um olhar
individual sobre as alterações apresentadas por uma pessoa doente
não significa a defesa de um olhar individualista pois, este sujeito, é
um ser social que manifesta uma doença não desvinculadamente de
sua experiência global.

PERLS, Fritz. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da


Terapia. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

1. FUNDAMENTOS

A PSICOLOGIA DA GESTALT

O homem moderno vive num estado de baixo grau de vitalidade.

Seu mundo lhe oferece amplas oportunidades de enriquecimento e


diversão e ele ainda vagueia sem objetivo, não sabendo o que quer, e
por isso, completamente incapacitado de imaginar como alcançá-lo.
Sequer aborda a aventura de viver com excitação ou interesse.
67
Parece sentir que o tempo para diversão, prazer , crescimento e
aprendizagem, e abdica da vida em si, quando atinge a maturidade.
Reduziu a vida a uma série de exercícios verbais e intelectuais.
Substitui o processo de viver pelas explicações psiquiátricas da vida.

Compreender o comportamento humano é a meta da Psicologia,


visando atingir o auto-conhecimento, a satisfação e a auto-
sustentação .

A abordagem Gestáltica constitui a exploração de um enfoque


relativamente novo à totalidade do comportamento humano, tanto
em sua realidade quanto em sua potencialidade. Partimos do princípio
de que a crença que o homem pode viver uma vida mais plena e rica
do que a maioria vive agora. O homem não começa ainda a descobrir
o potencial da vida e energia que nele repousa.

Se não podemos nos compreender nem entender o que fazemos, não


pretendemos resolver nossos problemas nem esperar viver vida
gratificantes.

A primeira premissa básica deste livro é a organização de fatos,


percepções, comportamentos ou fenômenos, e não os aspectos
individuais do que são compostos, que os define e lhes dá um
significado específico e particular.

Originalmente este conceito foi desenvolvido por um grupo de


psicólogos alemães, que trabalhavam no campo da percepção, e que
mostraram que o homem não percebe as coisas isoladas e sem
relação, mas as organiza no processo perceptivo como um todo
significativo.

Podemos exemplificar esta questão relacionando-a com o rapaz que


entra em uma festa e no meio da multidão só vê sua namorada. Ela é
sua figura e todo o restante do conjunto como demais convidados,
ambiente, quadros estejam em segundo plano, ou seja, o fundo.

68
A Escola de Psicologia, que desenvolveu estas observações é
chamada Escola Gestáltica . Gestalt é uma palavra alemã para a qual
não há tradução equivalente em outra língua. Uma gestalt é uma
forma, uma configuração, o modo particular de organização das
partes individuais que entram em composição. A premissa básica da
Psicologia da Gestalt é que a natureza humana é organizada em
partes ou todos, que é vivenciado pelo indivíduo nestes termos, e que
só pode ser entendida como uma função das partes ou todos dos
quais é feita.

HOMEOSTASE:

Os cientistas chamam de homeostase o processo pelo qual o


organismo mantém seu equilíbrio e, consequentemente, sua saúde
sob condições diversas; o processo através do qual o organismo
satisfaz suas necessidades. A esse processo, os leigos chamaram
adaptação.

Poderíamos chamar o processo homeostático de processo de auto-


regulação, o processo pelo qual o organismo interage com seu meio.

O organismo para atingir esse equilíbrio e essa adaptação necessita


do contato tanto psicológico e fisiológico. Essa necessidade é sentida
cada vez que o equilíbrio psicológico e fisiológico são alterados.
Podemos chamar estas necessidades de correlato Psicológico do
Processo Homeostático.

Podemos dizer que a necessidade dominante do organismo, em


qualquer momento, se torna a figura do primeiro plano e as outras
necessidades recuam, pelo menos, temporariamente, para o segundo
plano. O primeiro plano é aquela necessidade que exige agudamente
ser satisfeita, quer seja relativa à necessidade de preservar a vida, ou
seja relacionada a áreas fisiologicamente menos vitais: sejam
fisiológicas ou psicológicas.

69
A DOUTRINA HOLÍSTICA:

O Homem é um organismo unificado e está profundamente


concentrado para entender o que o outro esta dizendo. Quando
falamos que estamos trabalhando nesse problema, estamos
concentrando nossas percepções sensoriais, estamos fantasiando.

A atividade fantástico, no sentido amplo em que usamos o termo, é


aquela em o ser humano, através da adoção de símbolos, tende a
produzir a realidade em uma escala reduzida. Em primeiro lugar,
mantendo uma conversa sobre meu problema, depois, reproduzo com
o olhar de minha mente a situação que minha decisão precipitará em
mim. Eu antecipo em fantasia, o que acontecerá na realidade e,
embora a correspondência entre minha antecipação imaginária e a
situação real possa não ser absoluta, assim como a correspondência
entre a palavra e o objeto é só aproximada, é suficientemente forte
para que eu me baseia nela minhas ações. Pensamos nos problemas,
em imaginação, para sermos capazes de resolver na realidade.

A atividade mental parece ser a atividade que a pessoa total exerce


num nível energético inferior ao das atividades que denominamos
físicas.

Cada geração herda as fantasias de todas as gerações anteriores, e


assim, acumulada maior conhecimento e compreensão.

LIMITE DE CONTATO:

O tipo de relação homem/meio determina o comportamento do ser


humano se o relacionamento é mutuamente satisfatório o
comportamento do indivíduo é o que chamamos de normal. Se é de
confeito, trata-se do comportamento descrito como anormal. O meio
não cria o indivíduo, nem este cria o meio cada um é o que é, com
suas características individuais, devido ao seu relacionamento com o
outro e o todo.

70
Há pessoas que literalmente não vêem o que não querem ver, não
ouvem o que não querem ouvir, não sentem o que não querem sentir
– tudo isso para acabar com o que consideram perigoso – os objetos
ou situações que, para eles, tem catéxis negativas. A aniquilação
mágica é uma fuga parcial, um substituto para fuga real.

Catéxis é a força, energia, impulso que nos leva a realizar algo, pode
ser positiva se nos aproximar de algo, ou negativa se nos afasta ou
protege de algum perigo.

A insônia, uma queixa freqüente dos neuróticos (individuos que


sofrem com a adaptação ao meio e não se sente pessoa total), é um
exemplo da incapacidade de fugir. O fenômeno do tédio é outra. O
tédio ocorre quando tentamos ficar em contato com algo que não fixa
nosso interesse. Rapidamente exaurimos qualquer excitação;
tornamos-nos cansados e desinteressados e queremos fugir das
situações.

O neurótico perde sua liberdade de escolha, não pode selecionar


meios apropriados para seus objetivos finais porque não tem
oportunidade de ver as opções que lhes estão abertas.

A Gestalt vai estudar estas questões para que o indivíduo ajuste-se


ao meio e possa e deixe de ser neurótico, vivendo em harmonia
mente e corpo, e consigo mesmo no âmbito de sua totalidade.

2. MECANISMOS NEURÓTICOS:

No nível psicológico, o homem necessita de contato com outros seres


humanos, no nível fisiológico, necessita de comida e bebida.
Psicologias mais antigas descreviam a vida humana em um conflito
constante entre o indivíduo e o meio.

A Gestalt vê como uma interação entre os dois dentro da estrutura de


um campo constantemente mutável.

71
O indivíduo tem que mudar constantemente se quiser sobreviver.
Quando ele se torna incapaz de alterar suas técnicas de manipulação
e interação, é que surge a neurose. O homem parece nascer com um
sentido de equilíbrio social e psicológico tão acurado quanto seu
sentido de equilíbrio físico.

Quando a busca do equilíbrio do homem o leva a retira-se mais e


mais, a permitir que a sociedade o influencie demais, a subjugá-lo
com suas exigências, ao mesmo tempo a separá-lo com suas
exigências, ao mesmo tempo a separá-lo do convívio social, a
pressioná-lo e moldá-lo passivamente, nós o chamamos de neurótico.
O neurótico não pode claramente suas próprias necessidades e,
portanto, não pode satisfá-las.

O que permite que tais distúrbios no equilíbrio surjam no campo


organismo/meio?

O desequilíbrio surge quando vivificam necessidades diferentes e,


quando o indivíduo é incapaz de distinguir qual é dominante.

O indivíduo que é parte desse grupo vivência a necessidade de


contato com ele, com ele, com um dos seus primitivos impulsos
psicológicos de sobrevivência, mas quando sente uma necessidade
pessoal, para cuja satisfação necessita que podem surgir os
problemas.

Em todos os seres humanos há uma tendência inata para rituais e


essa necessidade parece formar a base das neuroses obsessivas e
compulsivas, aquelas que se rebelam através de necessidades tão
ridículas como a compulsão de lavar as mãos a cada vinte minutos.
Mas também pessoas normais sentem necessidade de rituais. O ritual
parece dar forma, ordem e objetivo a tal experiência. Em termos
Gestativos, poderíamos dizer que torna mais evidente, faz a figura
sobressair mais nitidamente.

72
Os distúrbios neuróticos surgem da incapacidade do indivíduo
encontrar e manter o equilíbrio adequado entre ele e o resto do
mundo e todos têm em comum o fato de que na neurose o social e os
limites do meio sejam sentidos como se estendendo demais sobre o
indivíduo.

As neuroses traumáticas são essencialmente padrões de defesa e se


originam numa tentativa de o indivíduo se proteger contra uma
intromissão complemente apavorante da sociedade ou de um choque
com o meio.

INTROJEÇÃO:

Os conceitos, fatos, padrões de comportamento, a moral, os valores


éticos, estéticos ou políticos, todos nos chegam, originalmente, do
mundo externo. Não há nada em nossas mentes que não venha do
meio e não há nada no meio para o qual não haja necessidade
orgânica, física ou psicológica. Estas devem ser digeridas e
dominadas se quiserem se tornar nossas de verdade, realmente uma
parte da personalidade. Mas se simplesmente as aceitamos
complemente e sem críticas, tornam-se um peso para nós. São
realmente indigeríveis. Tais atitudes não digeridas, modo de agir,
sentir e avaliar, a psicologia chama de introjeções e o mecanismo
pelo qual estes acréscimos estranhos são anexados à personalidade,
chamamos de introjeção.

A introjeção é pois o mecanismo neurótico pelo qual incorporamos


em nós mesmos normas, atitudes, modos de agir e pensar, que não
são verdadeiramente nossos.

PROJEÇÃO:

O contrário de introjeção é a projeção; assim como a introjeção é a


tendência a tornar o indivíduo responsável pelo o que na realidade
faz parte do meio, a projeção é a tendência a fazer o meio

73
responsável pelo o que se origina na própria pessoa. Na projeção,
pois, deslocamos a barreira entre nós e o resto do mundo
exageradamente a nosso favor de modo que nos seja possível negar
e não aceitar as partes de nossa personalidade que consideramos
difíceis, ofensivas ou sem atrativos.

A personalidade introjetiva que se torna um campo de batalha para


idéias contrárias não assimiladas, é acompanhada pela personalidade
projetiva, que faz do mundo o campo de batalha em que devem ser
vencidos seus conflitos íntimos. A pessoa excessivamente alerta e
cautelosa, que diz que quer muitos amigos e quer ser amada, mas
diz, ao mesmo tempo que “você não pode confiar em ninguém, que
todos estão afim de saquear o que puderem”, é uma projetiva por
excelência.

CONFLUÊNCIA:

Quando o indivíduo não sente nenhuma barreira entre si e o sem


meio, quando sente que ele próprio e o meio são um, está em
confluência com esse meio. O homem que está em confluência
patológica amarra suas necessidades, emoções e atividades em um
amontoado de completa confusão até que não mais se dá conta do
que quer fazer e de como está impedido de fazê-lo.

RETROFLEXÃO:

O quarto mecanismo neurótico pode ser chamado de retroflexão, o


que significa, literalmente, voltar-se rispidamente contra.

O retroflexivo diz: “Estou envergonhado de mim mesmo.” Ou “tenho


que me forçar a fazer este trabalho”, faz uma série quase
interminável de afirmações deste tipo, todas estão baseadas na
surpreendente concepção de que ele mesmo está dividido em duas
pessoas diferentes. Na verdade, esta confusão de identificação, é de
fato, a neurose; e se ela se apresenta inicialmente pelo uso dos

74
mecanismos de introjeção, projeção, retroflexão ou confluência, seu
sinal característico é a desintegração da personalidade e a falta de
coordenação entre pensamento e ação.

3. E AQUI TEMOS O NEURÓTICO:

Ligado ao passado com modos obsoletos de agir, vago quanto ao


presente porque o vê apenas através de óculos escuros, torturado em
relação ao futuro porque o presente lhe escapa. Quaisquer que sejam
as fantasias que passem pôr sua cabeça quando chega, seja qual for
sua aparência, o paciente vem para tratamento porque está numa
crise existencial_ isto é, sente que as necessidades psicológicas com
as quais se identificou e que lhe eram vitais como ar que respira não
estão sendo satisfeitas pôr seu modo de vida social.

Quaisquer que sejam as necessidades existenciais, o fato de vir para


a terapia é a admissão pôr fazer parte do paciente de que elas não
estão sendo satisfeitas. Ele pensa que, com a ajuda do terapeuta,
será capaz de satisfazer essas necessidades que nem ele nem seu
meio podem agoira suprir satisfatoriamente.

A terapia bem sucedida lhe dará, pois, maior auto-afirmação. Não é


tarefa do terapeuta fazer julgamento de valor sobre as necessidades
existenciais de seus pacientes; não é tarefa do terapeuta, reduzir
todos os seus pacientes à uniformidade, dando os seus pacientes o
mesmo conjunto de necessidades existenciais, feitas sob medida para
se ajustar a cada um deles, o menos e o mais capacitado. Sua tarefa
é facilitar a cada um o desenvolvimento que lhe habilitará a encontrar
objetivos que lhe sejam significativos e trabalhar pôr eles, de um
modo maduro. Mas está trabalhando o suficiente para que o
desequilíbrio produza uma uma necessidade de corrigi-lo e esta
necessidade é sentida como uma catéxis positiva do terapeuta.

75
Bem, que necessita o paciente de nós? Ele não pode conseguir pôr si
só, nem pôr intermédio do seu meio ambiente. Uma vez que não foi
bem sucedido, vem até nós frustrado e sem ter adquirido uma
satisfação completa. Não chega, porém, de mãos vazias. Traz consigo
seus meios de manipulação, seus meios de mobilizar e usar o meio
para que faça a tarefa que lhe compete.

O neurótico não é um bobo. Tem que ser bastante astuto para


sobreviver, uma vez que lhe está faltando, em alto grau, uma das
qualidades essenciais que promovem a sobrevivência: a
autoconfiança. Infelizmente, no entanto, todas as suas manobras são
dirigidas para minimizar os efeitos de uma desvantagem ao invés de
supera-los. As manobras podem ter sido deliberadas numa
determinada época e agora serem tão habituais que o neurótico não
tem consciência delas.

O problema de neurótico não é que não possa manipular, mais sim


que suas manipulações são mais dirigidas para preservar e nutrir sua
desvantagem do que para se livrar dela. Sua capacidade de
manipular é o seu ponto forte, como a falta de capacidade para
enfrentar sua crise existencial é seu ponto fraco.

Quando o paciente perceber que está manipulando seu meio de um


modo que, não obstante quão complicado seja, é autodefensivo, e
quando tiver consciência das próprias técnicas manipulatórias, estará
apto a fazer mudanças. Pode se zangar e entrar em greve, acima de
tudo, ele manobra com dissociações e perguntas.Com relação a suas
perguntas mascaradas de um apelo a nossa onisciência, elas tem
finalidade de arrancar-nos informações que são esquecidas no minuto
seguinte; nos testam, pretendem nos pôr em ridículo e pegar-nos
desprevenidos são as principais ferramentas do paciente para não
enfrentar seus problemas.

76
As resistências são tão valiosas para nós quanto foram para os
aliados os movimentos da resistência durante a segunda guerra
mundial. O neurótico, como todo todo mundo, está ajustado para
viver manipulando seu meio. De qualquer modo, o paciente não
pensa em sua resistência como resistência, geralmente a vivência
como ajuda; quer ajudar, pois o que ele receia é a rejeição, a não
aprovação e finalmente, a alta pôr parte do terapeuta. Trata-se
freqüentemente de um conceito complemente errôneo de si próprio,
em que cada característica representa exatamente o oposto de sua
realidade. Este auto-conceito não pode dar ao paciente qualquer tipo
de apoio; ao contrário, se ocupa em resmungar, se desaprovar,
esmagando toda auto-expressão genuína.

Ao faltar o apoio fornecido pela auto-estima, o resultado é uma


necessidade constante de apoio externo: a necessidade de ser
estimado pêlos outros, a verdadeira natureza do homem, é a
integridade, somente numa integração de integridade, somente numa
integração de espontaneidade e propósito pode ele fazer uma uma
escolha existencial eficiente. O só dar conta e se responsabilizar pelo
campo total, pelo si mesmo tanto quanto pelo outro, dão significado e
configuração à vida de indivíduo.

Na maior parte das formas de terapias não se dá atenção suficiente à


camada de confusão que separa o si mesmo da auto-estima. Uma vez
que a confusão é extremamente desagradavél, funciona como um
poderoso impedimento e o paciente mobiliza todos os meios a sua
disposição para evitar ver claramente suas áreas de confusão. A
confusão é o problema de orientação inadequada, e a confusão não
reconhecida é uma das características da neurose, quando estamos
confusos e não o sabemos não o temos liberdade de escolha, lidamos
com nossas experiências como se certas técnicas especificas de
manipulação fossem necessidades absolutas.

77
Na terapia, se o apoio ambiental que o paciente espera de nós não
estiver aparecendo, se não lhe damos as respostas a que ele se julga
com direito, se não apreciamos suas boas intenções, admirarmos seu
conhecimento psicológico, se não nos congratularmos com ele devido
a seus progressos, receberemos a cateis negativa de sua frustração.
Mas a terapia gestáltica também lhe dá constantemente muito do que
quer atenção , atenção exclusiva e não o censuramos por suas
resistências , deste modo, a terapia começa com um certo equilíbrio
entre frustração e satisfação.

Cada uma dessas contribuições é válida , mas todas elas falham no


ponto básico, porque ainda estão limitados por um enfoque que não
vê o campo organismo/meio como um todo. Todas são abstrações do
processo total; o se humano simultaneamente e, por natureza, como
um indivíduo e um membro do grupo, uma neurose é um estado de
desequilíbrio no indivíduo, que surge quando ele e o grupo do qual é
membro vivenciam, simultaneamente , necessidades distintas e o
indivíduo não sabe dizer qual é a dominante. Se este tipo de vivência
desta espécie é suficientemente marcante, o sentido de equilíbrio do
indivíduo no campo ficará alterado o bastante para que perca a
capacidade de julgar adequadamente o estado de equilíbrio ou
desequilíbrio em qualquer situação. Ele responderá, então, às
situações de um modo neurótico que não tem conexão intrínseca com
a vivência ou vivências em que a maneira do neurótico enfrentar as
situações é interrompendo a si mesmo; o criminoso interrompe o
ambiente.

Acreditamos que qualquer situação ou situações – agudas ou crônicas


– que o indivíduo aprendeu a manipular pôr um processo
insatisfatório de auto-interrupção pode estar por trás da neurose. A
fantasia é a realidade diminuída e o pensamento é a ação reduzida,
de modo que podemos usar o fantasiar como meio terapêutico, na

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medida em que é relacionado com a ação, e podemos usar a atuação
enquanto relacionada com o fantasiar.

O que é ativo na terapia não é o que foi; ao contrário, é algo que não
foi – um déficit ou algo que faltou. Ela progride pela satisfação e
integração na formação do si mesmo. Em vez de especular sobre ele,
pedimos a nossos pacientes que o vivam mais extensiva e
intensivamente, para descobrir o paradoxo. Tem que admitir
sensações, emoções, bem como gestos. Ele só pode interpretar o
sonho e chegar a uma solução de paradoxo pela re-identificação,
particularmente com os aspectos perturbadores do sonho, não
assumindo a responsabilidade por nossas próprias esperanças e
desejos.

4. TERAPIA AQUI E AGORA:

Do ponto de vista de Gestalt , o neurótico não é uma pessoa que


meramente teve um problema ,é uma pessoa que teve um problema
contínuo, aqui e agora no presente.

O objetivo da terapia então, deve ser lhe dar meios para que possa
resolver seus problemas atuais e qualquer outro problema que surja
amanhã ou no próximo ano. Este instrumento é a auto-estima.

O neurótico é uma pessoa cuja as necessidades tornam infeliz a sua


vida atual. É uma pessoa que engaja, cronicamente em se auto
interromper , que tem um sentido de identidade inadequado (e,
portanto não pode distinguir adequadamente entre sí mesmo e o
resto do mundo).

A terapia gestáltica é uma terapia experencial, mais que uma terapia


verbal ou interpretativa. Pedimos ao paciente para não falar de seus
traumas e problemas da área remota do passado e da memória, mas

79
para re-experenciar seus problemas e traumas – que são situação
inacabadas no presente- aqui e agora.

A técnica gestáltica exige do paciente que ele experiencie a si mesmo


tanto quanto possa , que ele se experiencie tão completamente
quanto possa no aqui e agora. Pedimos ao paciente que se de conta
de seus gestos, de sua respiração, de suas emoções, de sua voz e de
suas expressões faciais, tanto quanto dos pensamentos que mais o
pressionam.

O EU : O “eu” é usado como um antídoto, para “estar” ou “aquela”


parte minha e desenvolver o sentido de responsabilidade do
pacientes por seus sentimentos , pensamentos e sintomas. O “sou” é
um símbolo existencial. As situações vivenciadas pelo pacientes como
apenas uma parte do seu ser são trazidas a ele juntamente com o
agora e o seu vir a ser.

5. DESCASCANDO A CEBOLA:

“Agora me conscientizo”, a área de autopercepção do paciente, no


princípio, fica limitada às impressões sensoriais externas. Mais tarde,
se expande para incluir muitos outros fatores externos e internos, à
medida que ela continua. O simples começar a dar-se conta de que
se conscientiza aumenta nossa área potencial de operação. Propicia
uma orientação mais ampla e maior liberdade de escolha e ação.

Não lhe falta a habilidade de manipular o meio, mas definitivamente


lhe falta uma orientação dentro dele. Ele está fechado em sua falta
de consciência de si mesmo e da situação externa, e tem pouco
espaço em que manobrar. Mas logo que aumenta sua
conscientização, sua orientação e mobilidade também aumentam.

O neurótico tem pouca consciência do si mesmo; está sempre


interrompendo a si próprio. Este só raramente se conecta a ele.

80
Consequentemente, ele não pode se expressar. Mesmo este modo de
expressão rudimentar e um tanto simples é um grande passo à
frente.

Se o terapeuta se limitasse em seu trabalho a responder apenas a


três perguntas, poderia, eventualmente, ter sucesso com todos os
seus pacientes, menos os seriamente perturbados. São estas as três
perguntas que se constituem, essencialmente, na reformulação da
afirmação “agora me conscientizo?”: “O que você está fazendo?”, “O
que você sente?”, “O que você quer”.

Dão a ele um sentimento de mesmice porque são dirigidas a si


mesmo. E é um indicador de sua personalidade total. Além das
respostas apropriadas, que são sempre prontamente acessíveis a ele,
haverá quase sempre alguma reação adicional – uma confusão, uma
hesitação, um franzir a testa, um balançar os ombros, um “que
pergunta boba!”.

Cada uma dessas respostas é muitas vezes mais importantes que a


resposta verbal. Cada uma delas é uma indicação do si mesmo e do
estilo do paciente. No início, o comportamento do paciente pode ser
de maior valor para o terapeuta do que para o próprio paciente. Pode
ver o comportamento como uma função da personalidade total,
estalo também na conscientização do paciente. Este será o primeiro
grande passo que ele dá na terapia.

O terapeuta não pode fazer descobertas para o paciente, só pode


facilitar o processo no paciente. Através de suas perguntas, pode
levar o paciente a ver mais claramente seu próprio comportamento e
ajuda-lo a determinar para si mesmo o que representa aquele
comportamento.

Necessita apenas olhar. Mesmo isto não é tão fácil, pois olhar e ver
exige que o terapeuta esteja completamente imparcial e sem a priori.
Uma vez que o contato sempre ocorre na superfície, é na superfície
81
que o terapeuta deve ver. Mas não no enganamos a respeito – esta
superfície é bem mais ampla e mais significativa do que admitirá o
terapeuta ortodoxo.

Tudo que o paciente faz, óbvio ou oculto, é uma expressão de si


mesmo. Estes são os únicos materiais com que pode trabalhar o
terapeuta.

As perguntas do terapeuta serão baseadas então em suas


observações e dirigidas para trazer certos fatores à área da
conscientização do paciente. Suas perguntas são, realmente,
traduções de suas observações.

As perguntas “porquê?” só produzem respostas no passado, defesas,


racionalizações, desculpas e a ilusão de que um evento pode ser
explicado por uma causa única. O por que não discrimina finalidade,
origem ou motivo. Nada disso acontece com o “como”. O como
averigua a estrutura, todos os porquês são automaticamente
respondidos.

Se gastarmos nosso tempo procurando causas em vez de estruturas


podemos também abandonar a idéia de terapia e nos juntarmos ao
grupo de mães preocupadas, que atacam suas presas com perguntas
tão sem graça como: “Por que você pegou este resfriado?”

O terapeuta tenta resolver o paradoxo psicoterapêutico de trabalhar


tanto com o apoio como com a frustração, seus procedimentos se
tornarão adequados. “O que você quer dizer” e “o que significa o que
você diz”.

A maior parte das perguntas que faz o paciente são seduções do


intelecto, ligadas à noção de que explicações verbais são um
substituto para o entendimento.

A idéia de frustrar as perguntas dos pacientes é tão velha quanto a


própria psicoterapia. Mesmo uma resposta simples como “por que

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você faz esta pergunta?” se destina a devolver o paciente a seus
próprios recursos. Mas como queremos trazer à tona a estrutura da
pergunta do paciente, sua pressa; e possivelmente podemos alcançar
o si mesmo no processo. E assim nossa técnica é pedir ao paciente
que converta suas perguntas em proposições ou afirmações.

As perguntas iniciais propiciadoras da conscientização são um meio


do terapeuta atingir o si mesmo do paciente, de modo que suas
afirmações e modos de manipular o terapeuta nos dão a chave para
atingir os mecanismos neuróticos, nos quais se apoia contra o que se
considera um desmoronamento existencial. As afirmações do
paciente são, sempre, chaves para perguntas posteriores,
possivelmente mais específicas.

O que faz o paciente, através destes mecanismos, é em essência,


esquivar-se da responsabilidade por seu comportamento. Para ele, a
responsabilidade por uma acusação, e medroso como é de ser
acusado, ele está pronto para acusar.

Para reintegrar o neurótico, temos que usar qualquer parcela de


responsabilidade que ele deseje assumir. O mesmo se aplica ao
terapeuta. Este tem que assumir inteira responsabilidade pôr suas
reações ao paciente. Ele não é o responsável pela neurose do
paciente, nem pôr sua miséria ou incompreensão, mas é responsável
pôr seus próprios motivos e sua manipulação do paciente na situação
terapêutica.

O terapeuta pode sempre trabalhar com os eventos presentes, tanto


na realidade física, quanto na fantasia. Em segundo lugar, pode
integrar imediatamente o que quer que surja no curso da sessão, e
não precisa que se acumulem situações inacabadas. E, finalmente, o
terapeuta pode trabalhar com experiências e não só com
verbalizações ou lembranças.

83
Um problema na terapia gestáltica é que o paciente se ajusta a
nossas técnicas. Pode, então, começar a manipular o terapeuta com
experiências fabricadas e irrelevantes, só para agrada-lo e, ao
mesmo tempo, evitar lidar com suas reais dificuldades. Neste caso a
técnica deve mudar do vivenciar para o representar, e o terapeuta
tem que lidar com a atitude de “vamos fazer de conta” do paciente.

A meta da terapia é dar ao paciente um instrumento – o auto-suporte


– com o qual possa resolver suas próprias dificuldades, podemos
trabalhar efetivamente com cada situação como ela se apresenta.
Num momento podemos abrir uma porta, e noutro podemos
descascar uma camada de cebola. Cada camada é uma parte da
neurose, e à medida que se lida com ela muda o problema, à medida
que muda o problema, também mudam os medicamentos. A cada
passo do caminho, desde que a auto-suficiência do paciente seja
aumentada, a cada sessão o próximo passo se torna mais fácil.

6. IR E VIR, PSICODRAMA E CONFUSÃO:

Reconhecido a relação entre fantasia e realidade, podemos na terapia


fazer uso integral da fantasia e de todos os seus crescentes estados
de intensidade na direção da realidade.

É a técnica do ir e vir. Como abordagem, não é nada de novo. Os


freudianos manipulam o sonho exatamente deste modo, quando
pedem ao paciente para ir e vir entre os conteúdos manifestos de um
sonho e suas associações. O recordar de uma lembrança e o aqui e
agora. Como se fosse aqui e agora, pois conscientizar-se e vivenciar
só podem ocorrer no presente. O conhecimento de que ela é algo do
passado permanece em segundo plano.

O próximo passo é ir e vir entre os sentimentos do paciente e suas


projeções. Pedimos para ele se visualizar falando com eles ou,

84
psicodramaticamente, para falar com o terapeuta como se ele fosse a
mulher, filhos ou o que lhe fosse desagradável.

Três posições entre as quais ir e vir: as queixas do paciente, sua auto


expressão inadequada e suas inibições.

Adquirir esta conscientização pela atuação – na terapia, no nível da


fantasia – seja o que for que haja para ser completado. Na verdade,
este é o conceito básico da terapia gestáltica. O paciente se sente
compelido a repetir no cotidiano tudo que não pode levar a uma
conclusão satisfatória.

Outros atalhos que podemos usar para chegar a conscientização. A


técnica de ir e vir aguça a conscientização dando ao paciente uma
consciência mais clara das relações estabelecidas em seu
comportamento. Essas outras técnicas, encorajando a auto-
expressão, produzem ambas maior conscientização e maio auto-
apoio. Há muitas escolas, além da nossa, que fazem uso do método
de auto-expressão como um meio de re-identificação. Todas são
abordagens essencialmente interativas, mas eu gostaria de selecionar
a técnica psicodramática de Moreno como uma das demonstrações
mais vívidas do modo de aplicar a técnica de ir e vir, como
demonstraremos posteriormente.

O paciente não se separará desta máscara enquanto seu sentimento


de segurança por trás dela não for maior que o desconforto de usa-la,
e certamente objetará e tê-la retirada de seu rosto. O fato de que ele
tenha trazido sua dor de cabeça para a terapia significa que ele
estava pronto para reconhecer uma situação não resolvida; neste
aspecto ele está de acordo com o terapeuta.

Quando chega o final da sessão, o paciente está em contato consigo


mesmo, e este é o primeiro passo para entrar em contato com os
outros.

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Para ser capaz de fugir para o vazio fértil devem ser obtidas duas
condições. A pessoa deve ser capaz de permanecer com sua própria
técnica de interrompe-la. Então pode entrar no vazio fértil, que é um
estado um tanto semelhante a um transe, mas ao contrário deste
vem acompanhado de um estado de completa conscientização. O que
acontece no vazio fértil é uma experiência esquizofrênica em
miniatura. A experiência do vazio fértil não é nem objetiva nem
subjetiva. Nem é introspecção. Simplesmente é. É dar-se conta sem
especulação sobre a coisa que se percebe.

A meta de consultar o vazio fértil é basicamente extinguir a confusão.


No vazio fértil, a confusão é transformada em claridade, a urgência
em continuidade, interpretação em vivência. O vazio fértil aumenta a
auto-afirmação, tornando-a aparente para aquele que percebe que
tinha muito mais potencial do que acreditava.

7. QUEM ESTÁ OUVINDO?

Quando o paciente vem ao consultório pela primeira ou pela vigésima


vez, traz consigo todos os problemas não resolvidos do passado.
Todavia, desta multiplicidade de eventos possíveis, ele traz um de
cada vez para o primeiro plano. Confusas como estão suas formações
de Gestalt, mesmo que possuam forma e organização, se estivessem
profundamente fragmentadas ele não poderia operar de modo
nenhum. O que o paciente traz para primeiro plano é sempre ditado
pelo impulso de sobrevivência prevalecente que funciona na época.
Embora a conexão seja geralmente remota, é nossa função na
terapia determina-la. Freqüentemente descobrimos que esta
necessidade dominante é de segurança ou de aprovação do
terapeuta.

A psicoterapia bem sucedida libera no paciente a habilidade de


abstrair e de integrar suas abstrações. Para fazer isto, o paciente

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deve atingir seus “sentidos”. Deve aprender a ver o que há, e não o
que imagina que exista. Deve para de alucinar, transferindo e
projetando. Deve parar de retrofletir e de se interromper. Deve
liberar suas faculdades semânticas. Deve entender-se e aos outros, e
parar de torcer e distorcer os significados através das lentes
desfocadas da introjeção, preconceitos e convicções. Então adquirirá
liberdade de ação, transcendendo os limites de sua natureza
específica e aprendendo a lidar com cada nova situação como uma
situação nova, e a lidar com ela usando todo seu potencial.

Há três caminhos para o terapeuta, independente de sua linha de


abordagem teórica. Um é a simpatia ou envolvimento no campo total
– dar-se conta de ambos, do si mesmo e do paciente. Outro é a
empatia – um tipo de identificação com o paciente que exclui o
próprio terapeuta do campo, portanto exclui meio campo. Na empatia
o interesse do terapeuta se centra exclusivamente em torno do
paciente e suas reações. O terapeuta ideal que mencionei
anteriormente é um empático. Por último, há a apatia – desinteresse
– representada pela velha piada psiquiátrica, “quem ouve?”.
Obviamente a apatia não nos leva a lugar algum.

Não pode ocorrer qualquer desenvolvimento antes que o paciente


adquira satisfação em todas as áreas nas quais está confuso, vazio ou
paralisado. E o pré-requisito para a total satisfação é o sentido de
identificação do paciente com todas as ações das quais ele participa,
inclusive suas auto-interrupções. Uma situação só pode ser terminada
se o paciente estiver totalmente envolvido nela.

A terapia gestáltica estabelece o postulado básico de que falta ao


paciente auto apoio, e que o terapeuta simboliza o si mesmo
incompleto do paciente. O primeiro passo na terapia, portanto, é
descobrir o que o paciente necessita. E se ele não é psicótico, o

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paciente se dá conta, parcialmente, se suas necessidades e pode,
pelo menos parcialmente, expressa-las.

O problema do neurótico comumente começa se, na infância, o


imperativo for contra a natureza mas, não obstante, aceito de bom
grado. Então a área de confusão simples ou dupla é criada, e
qualquer decisão tomada leva ao desesperado.

A exigência do paciente é um verdadeiro imperativo. Expressa suas


necessidades. É significativo para ele e para o terapeuta. O terapeuta
pode e deveria fazer o que pode para satisfazer tais necessidades e
exigências verdadeiramente sentidas.

À medida que progride a terapia, a sessão terapêutica se torna mais


o ideal da vida cotidiana. À medida que aumenta a sua experiência de
si mesmo, ele se torna mais auto-apoiado e mais capaz de fazer bom
contato com os outros. À medida que ele afasta mais e mais suas
técnicas neuróticas de manipulação, o terapeuta precisa frustá-lo
menos e menos, e fica cada vez mais capaz de ajuda-lo a obter
satisfação. Como dissemos antes, o auto-apoio e muito diferente da
auto-suficiência. Quando o paciente sair da terapia ele não perderá
sua necessidade de outras pessoas. Ao contrário, pela primeira vez,
ele derivará satisfações reais de seu contato com elas.

8. A GESTALT EM AÇÃO:

A idéia da terapia Gestalt é tornar pessoas de papel em pessoas real.

A principal idéia de Gestalt é a de que uma Gestalt é um todo um


complemento em si, permanecendo um todo. Se desfizermos um
Gestalt teremos partículas e pedaços não mais um todo.

A gestalt quer ser completada. Se a Gestalt não for completada


ficamos com situações inacabadas , e estas pressionam a ser
completadas.

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Não temos que cavar a maneira de Freud , no inconsciente mais
profundo. Temos que nos dar conta do óbvio. Se compreendermos o
óbvio , tudo está lá , cada neurótico é uma pessoa que não vê o
óbvio. Assim o que estamos tentando fazer na terapia Gestáltica é
compreender a palavra agora, o presente , a dar-se conta e ver o que
aconteceu no agora. E conhecer o agora o levará a qualquer lugar, de
quatro semanas a vinte anos.

Agora é um conceito tão interessante e difícil porque um lado você só


pode trabalhar e adquirir algo, se trabalha no agora e no presente.
Por outro lado logo que lhe faz uma exigência , moralista , você vê
imediatamente que é impossível. Se você tenta agarrar o agora ele já
se foi.

O segundo ponto a abordar com vistas a nossa terapia, é a palavra


“como”. Investigamos e quando entendemos a estrutura podemos
mudá-la . E a estrutura em que estamos mais interessados , é a
estrutura do enredo de nossa vida.

Assim o que queremos fazer é reorganizar o enredo de nossa vida.

9. CONSCIENTIZAR-SE:

Definição de aprendizagem : descobrir que algo é possível. Não é


apenas o armazenamento de algumas informações.

Se você tentar se conscientizar do que está acontecendo então você


observa que rapidamente você deixa a base do agora e se torna
fóbico. Então você começa a fugir do passado e a associar
livremente, ou você foge para o futuro e começa a fantasiar as coisas
terríveis , que sucederão se você ficar com o que está acontecendo
ou dizer todo o tipo de coisas. Subitamente você tomou muito tempo
do tempo do grupo , e isso é tarefa do terapeuta. Ou se você
trabalhar com alguém mais , tarefa do seu parceiro- procurar mante-

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lo no foco da experiência, e faze-lo entender aquele exato momento e
descobrir o que é que está provocando a fuga. Há um processo de
auto decepção muito complicado envolvido.

O sofrimento do neurótico , é sofrimento em imaginação , alguém o


xinga e você pensa que está sofrendo. Mas na realidade não ; você se
sente ferido . Não há contusão , não há feridas reais aí. Seu chamado
ego ou vaidade é que está ferido.

Autor: Kátia Regina Beal Rodrigues

SKINNER

Quando Skinner começou a estudar e desenvolver sua teoria, o


paradigma existente era puramente mentalista dentro da Psicologia.
Uma época em que Freud tinha desenvolvido uma teoria
psicodinâmica que era sólida e estava sendo difundida no mundo
todo. Diferente do que Freud postulou, Skinner começou falando que
a mente como agente imaterial responsável por todos os
acontecimentos que afligiam o homem não existia. Obviamente essa
nova postura defendida por Skinner, (já defendida anteriormente por
Watson em seu manifesto) foi recebida com duras criticas.

Antes do primeiro laboratório de Psicologia experimental de Wundt ,


os experimentos de Pavlov e o Behaviorismo Metodológico de Watson
não existia espaço para o comportamento propriamente dito. Tudo
era atribuído ao inconsciente que Freud, Bauer e todos os que vieram
junto descreviam tão bem, e no contexto que estavam imersos
explicava todos os questionamentos que uma comunidade se fazia.
Nessa época Freud e seus colaboradores tinham criado teorias para
explicar e descrever o que era a personalidade e como ela
influenciaria o aparelho psíquico. A teoria do Inconsciente estava em
alta.

90
Para Freud a Personalidade era uma estrutura interna ordenada em
EGO, ID e SUPEREGO, organizada como um sistema que permite
manter a saúde mental equilibrando forças inconscientes entre o ID
(regido pelo principio do Prazer) e o superego (a Lei interiorizada
adquirida com a resolução do Complexo de Édipo) com a mediação do
EGO.

A Psicanálise era determinista, ou seja, não existe acontecimento


interno que não tenha causa. Todo evento mental é causado
conscientemente ou inconscientemente e é determinado pelos fatos
que a precederam. Fatos esses que podem ser apenas simbólicos e
não necessariamente reais. Freud então se dedicou a explicar as
ligações inconscientes que uniam os processos mentais que ligavam
um evento a outro.

Mas o que eu quero dizer com tudo isso ?


Por que estou delimitando uma psicologia Ocidental denominada
Behaviorismo Radical focada em comportamentos observáveis e
mensuráveis e definindo personalidade das correntes psicodinâmicas
e falando em Budismo?
Bom, Skinner diz que a Personalidade como algo imaterial resultado
de processos internos do inconsciente simplesmente não existe. A
personalidade como um EU separado não poderia existir em uma
análise científica do Comportamento.

É exatamente aí que behaviorismo Radical e Budismo se aproximam


e se chocam com o paradigma de entendimento da personalidade até
então vigente, do mentalismo da Psicanálise.
Skinner diz que “Personalidade é uma coleção de padrões de
comportamento em que estímulos diferentes evocam ou produzem
diversos tipos de respostas”. Portanto a emissão de respostas é
definida pelo histórico de vida denominada Ontogênese, fatores
ambientais e fatores biológicos denominada Filogênese.

91
Essa nova definição entre a relação do Ambiente, história de vida e
Cultura se propõe a mudar o paradigma de personalidade mentalista
para um paradigma Behaviorista, em que o Inconsciente é ignorado
dando lugar a definição de Níveis de Seleção (Filogenéticos,
Ontogenéticos e Culturais) como determinantes para a formação da
personalidade e não mais como um Eu interno inconsciente, mas
como um conjunto de comportamentos que podem ser previstos e
controlados.

Skinner responde aos críticos que se relacionarmos o EU ou EGO em


comportamento observável, não existiria a necessidade de falar em
personalidade como um eu interior e imaterial que só pode ser
descrito ou estudado metafisicamente. O budismo fala a mesma coisa
que Skinner afirmou. A filosofia Budista também não acredita que
exista uma entidade chamada personalidade, algo imaterial e interno
criada a partir de conteúdos inconscientes e simbólicos. Os budistas,
assim como Skinner revelam que existe uma superposição de
comportamentos e sensações, mas que nenhuma delas é permanente
pois fazem parte de um jogo que é mutável e constantemente
alterado pelo ambiente.

Skinner e os budistas desenvolveram a sua filosofia com base no


pressuposto que não existe EU ou Personalidade exceto se
considerarmos personalidade como um conjunto de comportamentos
observáveis. Tanto o Budismo quanto o Behaviorismo Radical
enfatizam que conhecer as causas reais dos comportamentos como
resultado de uma história do Ambiente e aspectos Biológicos ajudam
a entender o porquê de as pessoas se comportarem como se
comportam. O próprio Skinner diz que “Os maiores problemas
enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se
melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano (…). O
behaviorismo oferece uma alternativa promissora…” (Skinner,
1974/2004, p.11).

92
Ambas as teorias divergem quanto as causas, pois o Budismo
considera os fatores Motivacionais e Éticos e Skinner permanece
focado no comportamento em si entendendo e buscando causas no
determinismo ambiental e nas consequências que essas mesmas
respostas provocavam no ambiente aumentando ou diminuindo a
frequência que uma determinada resposta aconteceria.
Atualmente há uma boa discussão sobre Fatores Motivacionais e
Éticos dentro da Análise do Comportamento.

Alias uma das mais “novas” técnicas utilizadas pela ACT, DBT e FAP é
uma adaptação de técnicas budistas de meditação chamada
“Minfullness”, e está substituindo alguns dos procedimentos há muito
utilizados pelas Terapias Cognitivas Comportamentais para lidar com
Comportamentos de Fuga/esquiva. Apesar do mind (mente) no nome
da técnica, que deixa os Behavioristas mais ortodoxos de cabelos em
pé, ela não tem nada de mentalista.

De fato existem muitas relações entre a psicologia Ocidental e as


culturas Orientais. Não existe psicologia no Oriente, pois as filosofias
orientais buscam fazer exatamente o que a psicologia ocidental se
propõe: aumentar a qualidade de vida e saúde dos organismos desse
planeta.

Por : Marcelo C. Souza

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Definição e aplicações clínicas Dentro da Análise do
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usados em qualquer situação ? O presente texto pretende
discutir alguns aspectos do reforçamento positivo enquanto
técnica comportamental e suas aplicações na clinica....

93
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Behaviorismo teve sua origem em 1913, com a publicação do
artigo “A psicologia como um behaviorista a vê”, de autoria de
Watson; artigo este em que Watson criticava, dentre outras
coisas, o uso da introspecção como método investigativo da
Psicologia. De acordo com Watson, este método não era
confiável porque estava muito sujeito aos [...]...

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do comportamento verbal ? Como é que o Terapeuta
comportamental provoca as mudanças comportamentais no seu
cliente através da Regra e da Instrução. Esse artigo tem como
objetivo uma breve introdução a essas respostas....

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Assim como hoje muitos entendem o comportamento como


algo inacessível à ciência, barrando assim a evolução dos
estudos a respeito, há alguns séculos o que hoje se chama de
física, química, biologia, também eram barradas pelos mesmos
problemas....

Behaviorismo

O behaviorismo é uma técnica de terapia e abordagem da pessoa


baseada no comportamento. Essa tendência surgiu com John Watson
em 1912 começando assim o período conhecido como o do

94
behaviorismo clássico que durou, mais ou menos, até 1930.

A partir desse ano até 1940 surgiu o neo-behaviorismo, mais


minucioso experimentalmente e baseado na teoria do
comportamento adaptado de Pavlov. Um dos neo-behavioristas mais
importante foi Skinner.

Pavlov descreveu o processo do condicionamento clássico o qual


consiste na substituição de estímulos: "Um estímulo, antes neutro,
adquire o poder de eliciar a resposta que originalmente era eliciada
por outro estímulo". Skinner chama o experimento pavloviano de
condicionamento do tipo S e o seu de tipo R.

No primeiro tipo as respostas são eliciadas (respondentes) e no


segundo, emitidas (operantes). O reforço no condicionamento
operante é dado após a resposta exigida, quando aparece a resposta
condicionada. A ação do organismo produz o agente que reforça.
Portanto, o condicionamento do tipo S diz respeito a respostas do
sistema nervoso autônomo e o do tipo R ao comportamento motor
(músculos estriados).

Tipos de Reforços

a) Reforço Positivo: é aquele que apresentado a uma situação


favorece o surgimento da resposta operante. Água e alimento, por
exemplo.
b) Reforço Negativo: é um estímulo que, removido, fortalece a
probabilidade de uma resposta operante. Choque elétrico, calor ou
frio intenso, barulho etc.
c) De Intervalo: é o reforço intermitente apresentado em intervalos
fixos de tempo (de 5 em 5 minutos, por exemplo).
d) De Razão: o reforço é apresentado em intervalos de tempo
padrão, após um número x de respostas.

No experimento do rato na caixa, um pedaço de queijo reforça a

95
pressão da barra. Ele só aparece quando o rato pressionar a barra e
se for suspenso, dar-se-á a extinção do operante. O rato também
pode discriminar: só recebe alimento quando a barra é pressionada e
uma lâmpada acende; quando pressiona no escuro, não. Por
discriminação, só pressionará com a lâmpada acesa.

A teoria de Skinner teve pronta aceitação porque na prática o reforço


é dado justamente pela ação do indivíduo. O pai só elogia o filho
quando este dá a resposta esperada; o filho, fazendo o desejado pelo
pai recebe o prêmio, a recompensa ou reforço positivo. E vai
aprendendo a buscar o incentivo positivo com diferentes tipos de
comportamento.

Uma série de operantes podem ser estabelecidos, com reforços


primários e secundários (alimentos e palavras, por exemplo),
formando encadeamentos. Por meio de sucessivas aproximações é
possível obter-se uma sequencia desejada.

Para o behaviorismo, o organismo se parece com um responding (um


ser respondente) às condições (estímulos), produto de processos
ambientais e internos. O objeto da Psicologia tinha sido até então a
alma, ou a consciência, a mente.

A personalidade para o behaviorista é um conjunto, um sistema de


hábitos condicionados por meio de reforços positivos e negativos. A
maior importância é dada aos fatores ambientais e a hereditariedade
é relegada para segundo plano.

Para o behaviorismo ou neo-behaviorismo o ser humano é produto


do ambiente e essa afirmação é valida no sentido bem radical.

Podemos resumir a posição de Skinner nas seguintes declarações:


Quando ocorrer uma reação, reforce-a e o sujeito tenderá a reagir de
novo da mesma maneira. Negue o reforço ou castigue o sujeito e a

96
reação tenderá a desaparecer.

O reforço operante é um meio extremamente possante para


"modelar a personalidade". Skinner e outros o usaram em grande
número de problemas práticos, incluindo aprendizagem programada
e o tratamento de distúrbios comportamentais.

ROGERS

Carl Rogers definiu uma teoria da personalidade na qual defende


existir uma força pessoal e inata para a auto-realização. Surge assim
o sentido do Self para denominar a estrutura interna do indivíduo.
De fato, a inovação em Rogers não se encontra no reconhecimento
de uma estrutura interna, mas sim no fato de atribuir ao homem todo
o protagonismo na definição e regulação desta estrutura.
Para o autor, há uma capacidade de auto-regulação que permite ao
indivíduo atuar sempre como Ser primordial na sua construção e ação
face ao mundo exterior. Tal como Maslow, Rogers entendia que a
auto-realização consiste no mais alto nível de saúde psicológica e que
as pessoas com esta característica teriam uma mente aberta,
capacidade para se orientar pelo seu instinto e não pelas opiniões de
terceiros e uma necessidade contínua de se melhorar, Schultz &
Schultz (2005). Assim, o ser humano é um ser em interação com o
mundo e com os outros, mas assume sempre o protagonismo na sua
construção. Está mais uma vez subjacente a esta posição uma
perspectiva do Ser Humano enquanto Único e com potencial em si.
Quando as perspectivas psicanalítica e behaviorista concebiam o ser
humano como, em parte, um produto ou do seu inconsciente
(psicanalítica) ou do seu meio (behaviorista), em Rogers, toda a
responsabilidade da construção do Ser, reside no próprio indivíduo.
Esta posição tem por base a exaltação do homem enquanto ser ativo
e potencial. Esta posição traduz-se numa libertação do Ser humano

97
face ao seu meio e ao seu inconsciente. Para Rogers, o
desenvolvimento pessoal e a construção do Ser dependem
inteiramente da própria pessoa. O homem constrói ativamente a sua
existência e é capaz de auto-regular a sua estrutura interna em
função dos seus objetivos

Fonte: http://pt.shvoong.com/social-sciences/psychology/2040487-
teoria-da-personalidade-carl-rogers/#ixzz3qEZAKgmu

MODELO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Fernando Nogueira Dias

1. INTRODUÇÃO

Como sabemos, há vários conceitos e teorias sobre o que se deve


entender por desenvolvimento humano. Não é intenção deste capítulo
dissertar sobre as diferentes abordagens ou fazer uma resenha das
últimas investigações produzidas sobre esta matéria.

Atemo-nos por isso a aflorar algumas ideias-base do pensamento do


psicólogo americano Carl Rogers (1984a) sobre a ideia de
desenvolvimento humano, consubstanciada naquilo que os seus
seguidores vieram a denominar Abordagem Centrada na Pessoa.

Há duas razões fundamentais que nos impeliram a procurar neste


pensamento a matriz de referência para este trabalho sobre
desenvolvimento humano. Uma diz respeito ao contacto com as obras
do autor há mais de vinte anos, o que proporcionou uma certa
familiaridade com o seu sistema de pensamento. A outra tem a ver
com a longa formação obtida no âmbito da psicoterapia centrada na
pessoa.

98
A segunda razão apontada pesa mais do que a primeira. Com efeito,
foi possível no decurso de treze anos observar directamente os
efeitos da impregnação deste modelo na vida das pessoas. Quer
porque se tratou de mudanças ocorridas nas suas vidas no decurso
da formação que fizeram em psicoterapia, quer porque nos foi
possível observar a melhoria da qualidade de vida de pessoas que
solicitaram ajuda para as suas dificuldades pessoais ou familiares, em
contexto de consulta clínica ou de intervenção comunitária, a
convicção da eficácia deste modelo acabou por arraigar-se ao longo
do tempo.

Não se trata por isso de uma convicção baseada em actos de fé ou de


esperança, que agora se pretende anunciar. Trata-se, antes, de
pretender partilhar um modelo de desenvolvimento humano testado
empiricamente e ensinado a muitos milhares de indivíduos, tanto em
Universidades como em Sociedades Científicas sedeadas em várias
partes do mundo.

Mas nem sempre o sistema de princípios da Abordagem Centrada na


Pessoa tem sido correcta e honestamente apreendido e difundido por
aqueles que se dizem rogerianos, não-directivos ou centrados.
Sobretudo no campo da educação o oportunismo baseado no conceito
de não-directividade tem feito mais estragos do que trazido qualquer
tipo de vantagem para a educação ou para o próprio modelo.

Em virtude das perversões e dos desvios que o conceito de não-


directividade trouxe pela mão de pseudo terapeutas ou educadores
não-directivos, aquele conceito haveria de se esvair como elemento
identificativo do movimento rogeriano, para dar lugar ao de
Abordagem Centrada na Pessoa.

A Abordagem Centrada na Pessoa constitui uma espécie de pano de


fundo filosófico e de princípios que norteiam a intervenção no campo

99
da psicoterapia, da educação, da liderança, da intervenção nos
grupos, nas organizações, na família, em grupos de risco, etc.

Podemos dizer que, no âmbito da Abordagem Centrada na Pessoa, o


desenvolvimento humano e as relações grupais passam
essencialmente pela activação de um conjunto de atitudes por parte
do facilitador e do desenvolvimento de uma comunicação autêntica
entre os participantes de um sistema interaccional, seja ele dual,
grupal, organizacional ou comunitário.

Vejamos, pois, alguns princípios da Abordagem Centrada que


constituem um modelo de desenvolvimento humano em geral e das
relações grupais em particular, de acordo com a descrição que nos é
feita por Gilles Amado et al. (1982: 124-134).

2. A PERSONALIDADE EM CARL ROGERS

1. O núcleo da personalidade humana é considerada como sendo de


natureza fundamentalmente positiva, racional e realista.

2. O ser humano é perspectivado como tendo uma tendência inata


para desenvolver as suas próprias potencialidades. A sua capacidade
de desenvolvimento, ou de auto-direção, apresenta duas dimensões
que interagem uma com a outra e simultaneamente com o meio
ambiente social: a tendência atualizante e o sistema de auto-
regulação.

A tendência actualizante. O organismo tende a ir ao encontro dos


seus próprios fins. Esta tendência constitui a fonte de energia e de
ação, ou seja, de motivação para o ser humano.

O sistema de auto-regulação. Todo o ser humano está dotado de um


sistema de auto-regulação que lhe permite avaliar as suas ações e
experiências, em função dos seus próprios objetivos, e proceder às

100
correções necessárias para as ações futuras.

3. QUANDO O DESENVOLVIMENTO É ALIENADO

O desenvolvimento do ser humano não se faz de forma linear. Na


busca dos fins que lhe são particulares, o ser humano defronta-se
com entraves ao seu próprio desenvolvimento.

Neste sentido, o ego é resultado da conjugação de uma multiplicidade


de fatores pessoais e sociais; endógenos e exógenos ao indivíduo.

Por um lado, temos a experiência do sujeito, que lhe é intrínseca e


única. Por outro, as interações que o indivíduo tem com os outros,
que lhe dão um sentido particular à sua própria experiência.

Na relação com os outros, o sujeito experiencia a valorização que eles


fazem de si e acaba por interiorizar a hierarquia de valores que lhe
sugerem ou impõem, como sendo os melhores ou os mais adequados
para si mesmo.

Mas como o ser humano tem tendência a valorizar a sua experiência


de acordo com os fins que lhe são próprios, acaba por produzir-se um
desvio entre aquilo que é por si realmente experienciado e as
experiências que provêm da relação com os outros.

Resultado disto, é que o sujeito em vez de seguir o seu próprio


caminho, com base na experiência de si mesmo, tende a seguir o
curso proposto ou imposto pelos outros, ou seja, a deixar-se guiar
por eles.

O indivíduo passa, então, a ser dirigido por uma espécie de forças


exteriores a si mesmo, por pessoas de quem normalmente depende,
de alguma forma. Assim sendo, a percepção do mundo e da vida
começa a basear-se não na sua própria experiência, mas na
experiência alheia.

101
A via para a maturação cognitiva e afetiva consiste, de acordo com a
Abordagem Centrada na Pessoa, em desfazer este tipo de alienação
no funcionamento do ser humano. Quer dizer, consiste em refazer a
estrutura valorativa do sujeito, permitindo-lhe a reconstrução do ego,
em função da sua própria experiência.

4. A COMUNICAÇÃO AUTÊNTICA

A ideia fundamental em Carl Rogers é a de que, para que a


comunicação entre os indivíduos seja autêntica deve ocorrer entre
pessoas.

Ser pessoa, na acepção do autor, significa que o sujeito é


independente, que se afirma por si próprio e se revela aos outros
pela sua experiência subjetiva, não tendo por conseguinte
necessidade de artifícios que mascarem a sua experiência.

Quando o ser humano consegue assumir a sua diferença e a sua


individualidade, revelando-se aos outros naquilo que ele
propriamente é, deixa de sentir-se isolado.

A autenticidade reside para Rogers na capacidade de os homens se


aproximarem uns dos outros por meio de uma comunicação que
privilegia aquilo que é próprio de cada um, que faz parte da sua
experiência pessoal.

No caso dos grupos de desenvolvimento, não é suficiente desejar que


a comunicação autêntica ocorra entre os seus membros. É necessário
revelar um conjunto de atitudes e pô-las em prática na relação dos
indivíduos uns com os outros, sobretudo por parte do facilitador,
como propõe Rogers: a congruência, a aceitação positiva
incondicional e a empatia.

102
5. AS ATITUDES INTERPESSOAIS (OU DE COMUNICAÇÃO)

A empatia é, de acordo com este modelo de desenvolvimento


humano, a atitude fundamental para uma verdadeira compreensão do
ser humano e para uma efetiva comunicação autêntica entre pessoas.

No entanto, para que melhor possamos compreender e perceber as


vantagens do seu exercício e aplicação, a seguir se procede a uma
comparação com outras atitudes, propostas por Porter, que podem
ocorrer nos processos interacionais, sejam eles grupos ou não. Dizem
elas respeito a: avaliação, orientação, apoio, interpretação,
exploração e compreensão.

Estas atitudes constituem uma tipologia de intervenções verbais por


parte do facilitador ou do líder de um grupo, depois da expressão por
parte de um participante de um sistema interacional.

O objetivo da abordagem a esta tipologia de atitudes é o de


tomarmos consciência de que tudo o que o facilitador possa proferir
não deixa de ter uma ressonância especial nos outros. As palavras
não são anódinas, e por isso mesmo vale a pena pesar o significado
de cada uma destas atitudes no processo interacional.

Podemos entender como atitude de comunicação uma predisposição


do indivíduo para assumir determinadas orientações na dinâmica
interacional. Ou seja, é uma predisposição permanente ou durável
para agir de determinada maneira, condicionando desta forma a ação
do interlocutor.

Atitude de avaliação. É uma atitude que assenta no julgamento do


outro à luz de critérios lógicos, de normas ou de valores. É uma
espécie de censura aos atos praticados pelo interlocutor.

Na maioria dos casos, esta atitude traduz uma reação de defesa por
parte do facilitador relativa a tudo o que possa ser estranho ao seu

103
sistema de referência. O utilizador desta atitude procura substituir-se
ao interlocutor mediante a imposição de um modelo, mostrando-lhe o
que deve fazer ou pensar. Acaba por ser uma forma de controle do
comportamento do interlocutor.

Quanto ao participante, esta atitude pode induzir-lhe um sentimento


de desnivelamento, de desigualdade ou de inferioridade. Nesta
situação, ou o participante se submete ao julgamento avaliativo, na
esperança de obter aprovação moral, ou a atitude de avaliação
desencadeia no participante um sentimento de culpa e inibição,
tendendo isto a reduzir-lhe o desejo de interação ou a revoltar-se
contra um julgamento que rejeita.

Esta atitude poderá provocar no interlocutor os seguintes efeitos:


inibição, choque, revolta, tensão entre emissor e receptor,
dissimulação, ativação dos mecanismos de defesa e redução das
capacidades de comunicação.

Atitude de orientação ou de sugestão. Esta atitude revela por parte


do entrevistador ou do facilitador o desejo de propor algo que
constitua uma solução para o problema expresso pelo participante do
grupo, a qual pode apresentar-se sob a forma de uma diretiva mais
ou menos disfarçada.

Esta atitude revela a intenção de controlar o comportamento futuro


do interlocutor, mostrando-lhe o que deve fazer e como fazer. Supõe
que o facilitador domina os diferentes aspectos do problema e por
isso se sente no direito ou no dever de propor um modelo de solução.

Por parte do participante pode sentir que tem uma solução, amparo
ou proteção. Caso aceite a sugestão como boa, pode mais tarde vir a
culpar seu autor por ela se ter revelado desajustada ao seu problema.

Esta atitude poderá provocar no interlocutor os seguintes efeitos:


sensação de ser encaminhado ou manipulado, sensação de

104
autoridade, dependência e reforço da dependência, tendência à
contestação, redução da capacidade de comunicação.

Atitude de apoio. É uma atitude de matiz afetivo que revela interesse


por parte do seu autor para com outra pessoa. Mas é uma atitude
que não deixa de ser uma intenção de influência.

A atitude de apoio tem por finalidade encorajar, consolar e


compensar o outro, procurando tranquilizar o participante por meio
da minimização do seu problema ou da relativização de um dos seus
aspectos.

A atitude de apoio pode provocar no participante uma reação de


hostilidade por este se sentir objeto de compaixão, mas pode
igualmente originar uma atitude de dependência em face de novos
apoios e sugestões.

Esta atitude poderá provocar no interlocutor os seguintes efeitos:


tendência para o conformismo, dependência, recusa da dependência
e da intenção benevolente do outro, dificultação na análise dos
problemas e manutenção do estado afetivo criado.

Atitude de interpretação. A atitude interpretativa tem por objetivo


clarificar ou explicitar o que foi dito pelo participante grupal. É uma
proposta por parte do facilitador relativa ao discurso do participante.

Trata-se de um julgamento subjetivo em que o facilitador procura


clarificar junto do seu interlocutor, relativamente às suas palavras,
comportamentos ou sentimentos, colocando-o perante eles e
dissecando-os.

Caso a interpretação proposta pelo facilitador não seja consonante


com o sentimento do participante e se lhe afigure deformada,
distorcida ou uma perspectiva tendenciosa, esta será sentida de
forma incompreensível pelo interlocutor.

105
Assim sendo, o participante poderá pôr fim à sua comunicação ou
responder com uma explicação defensiva, sem que isto traga uma
mais valia em termos de comunicação eficaz ou de aprofundamento
do assunto.

Esta atitude poderá provocar no interlocutor os seguintes efeitos:


sentimento de incompreensão ou de deturpação, necessidade de
retificação, choque, desinteresse, resistência às mensagens do outro
e agressividade ou depressão.

Atitude de exploração ou de pesquisa. Tem por objetivo obter mais


informações julgadas necessárias para a compreensão de
determinada situação.

Esta atitude orienta a comunicação para os detalhes pretendidos pelo


facilitador. Com ela, o facilitador procura recolher informação que lhe
permita perceber corretamente a situação traçada pelo seu
interlocutor, ou obter dados indispensáveis à compreensão do
problema.

Mas é uma atitude que, quando não adequada, pode ser sentida
como um interrogatório e suscitar assim uma reação de defesa à
curiosidade manifestada.

Esta atitude poderá provocar no interlocutor os seguintes efeitos:


aumento da capacidade de análise, interesse pelo problema ou pela
situação, aumento da profundidade da comunicação e reações hostis
perante o que considera curiosidade.

Atitude de compreensão ou empática. Esta atitude corresponde na


Abordagem Centrada na Pessoa à atitude empática. A atitude
empática não significa ter pena ou ser simpático para com o
interlocutor. Significa compreender o outro à luz do seu próprio
quadro de referência interno.

106
É uma tentativa de o facilitador se colocar no lugar do interlocutor
para melhor o compreender, como se fosse esse outro, sem no
entanto perder a sua condição ou deixar de ser quem é.

Socorrendo-nos do pensamento de Rogers (1984a: 64-65), a


compreensão empática diz respeito à sensibilidade que o facilitador
deve ter para com os sentimentos e as reações pessoais que o outro
experimenta a cada momento; ao compreendê-los de dentro, tal
como o outro os vê, e quando consegue comunicar com êxito sobre
essa mesma compreensão ao outro, então dá-se a mudança.

Ou seja, quando o facilitador faz compreender ao seu interlocutor que


o compreende sem o analisar ou julgar, este começa a desabrochar e
a desenvolver-se nesse clima de compreensão.

Na atitude de compreensão o facilitador centra-se no seu interlocutor,


tanto ao nível das palavras como dos sentimentos, procurando
compreendê-lo profundamente.

Esta atitude poderá provocar no interlocutor os seguintes efeitos:


Redução da tensão existente no interlocutor, aumento da capacidade
de análise, aumento da racionalidade, aumento da profundidade da
comunicação e maior envolvimento, compreensão do problema ou da
situação e sensação de que se está a ser ouvido e respeitado.

A atitude empática, ou por outras palavras, a compreensão empática,


para melhor funcionar num sistema interacional, quer ao nível da
compreensão, quer ao da comunicação autêntica, faz recurso a outro
meio fundamental: a reformulação.·.

6. A REFORMULAÇÃO NO PROCESSO COMUNICACIONAL

A reformulação é uma técnica de intervenção sobre o dito e o não


dito, no âmbito de um sistema interacional, mas que está
intimamente ligada à atitude de compreensão empática.

107
Consiste em dizer de outra forma o que foi expresso pelo outro. Na
reformulação, e de um modo geral, o facilitador repega o que foi dito,
ou não dito, pelo interlocutor e devolve-lhe de uma forma mais
concisa, ordenada e explícita.

A reformulação incide ou pode incidir sobre três dimensões da


interação: conteúdo manifesto, conteúdo latente e conteúdo não-
verbal.

O conteúdo manifesto diz respeito àquilo que é dito, que é expresso


pelo interlocutor, no aqui e agora. Por sua vez, o conteúdo latente
refere-se àquilo que está implícito no discurso verbal ou não-verbal
do interlocutor. Finalmente, o conteúdo não-verbal concerne a todas
as formas de expressão humana, como posturas corporais, mímicas,
olhares, gestualidade, sons vocais, silêncios e ocupação do espaço
físico.

A questão fundamental da reformulação não consiste na repetição


daquilo que é dito pelo outro, pois ao facilitador não lhe cabe o papel
de caixa de ressonância daquilo que é expresso pelo participante.

Uma reformulação correta pressupõe que o participante se reveja


naquilo que foi dito, de outra forma, pelo facilitador. A prova de que
uma reformulação foi convenientemente formulada manifesta-se
usualmente em expressões por parte do interlocutor, como estas:
sim, é isso..., exatamente, é isso que eu sinto, é mesmo isso que eu
queria dizer.

A reformulação é, acima de tudo, um processo de verificação e uma


manifestação de respeito pela pessoa humana. Por isso mesmo, a
reformulação pode constituir uma técnica ao serviço da mudança e do
desenvolvimento humano.

A reformulação tem sido uma técnica usada pelo psicoterapeuta


formado no âmbito da Abordagem Centrada na Pessoa. No entanto, a

108
reformulação empática pode igualmente ser aplicada a outros fins
que não a psicoterapia. É o caso de grupos de formação profissional,
educação formal, grupos de casais, reuniões comunitárias, grupos de
desenvolvimento, etc.

Todavia, há que ressalvar o seguinte. A utilização da reformulação


empática de forma estrita só faz realmente sentido quando aplicada à
relação terapêutica. Fora disso, esta técnica de intervenção pode
tornar-se num instrumento de poder sobre o interlocutor, o que
realmente não faz parte dos pressupostos da Abordagem Centrada
na Pessoa, e muito menos do desenvolvimento humano.

A Questão do método em Rogers

1.1 O método Clínico

Rogers desenvolveu sua Terapia Centrada no Cliente a partir de


observações tiradas diretamente da clínica, não sendo uma mera
especulação para ser aplicado na prática. Pelo contrário, a partir de
fatos observados na clínica Rogers desenvolveu suas teorias, tanto a
de intervenção clínica, quanto a de personalidade (apesar de esta
última ter tido menos ênfase do que a primeira).

Segundo Rogers(1970a,p.221)

"a partir de um ponto de vista limitado largamente apoiado na


prática, sem verificação empírica, chegou-se a uma teoria da
personalidade e das relações interpessoais bem como da terapia, que
coordena à sua volta um notável corpo de conhecimentos
experimentalmente conhecidos".

Portanto, pode-se inferir que a Abordagem Centrada na Pessoa não é


teorizante (no sentido de não produzir teoria antes da prática), mas
ela não prescinde de uma teoria, pois, afinal, a preocupação de

109
Rogers era a de fundar uma abordagem psicológica; para isso,
logicamente, era necessário que se elaborassem teorias.

Rogers foi pioneiro na psicologia em coleta de dados através de


sessões gravadas, tanto em vídeo quanto em áudio. Em seu
momento mais experimental (Rogers oscilava entre a objetividade e a
subjetividade do cientista), Rogers chegou a medir a precisão de
determinadas palavras no decorrer de uma sessão terapêutica *.

Epistemologicamente, Rogers vivia o conflito da objetividade de uma


ciência Psicológica-principalmente em um meio eminentemente
empirista como o americano (com uma predominância do
comportamentismo e da Psicanálise- daí o nome de terceira força
dado às teorias "humanistas"), e a sua subjetividade colocada na
relação terapêutica. É visível, em seus textos, que o citado Psicólogo
norte-americano se questionava, não raro, sobre a neutralidade
científica, principalmente na ciência Psicológica, que, diferente das
ciências físicas, lidam com pessoas e estas respondem ao que é dito a
respeito delas (daí, por exemplo, tantas psicologias). Ou seja, este
objeto da Psicologia não é algo estático, pois, por se tratar de um ser
humano, responde ao que é dito a seu respeito.

Rogers(1970a, p.177) diz a respeito do seu conflito objetividade


versus subjetividade que trata-se de uma "oposição entre o
positivismo lógico em que eu fora educado e pelo qual tinha profundo
respeito e um pensamento existencial orientado subjetivamente que
crescia em mim, porque me parecia adequar-se perfeitamente à
minha experiência terapêutica".

Sobre seu objeto de estudos, Rogers não o parece centrar no cliente


nem no terapeuta, mas no entre. De acordo com as leituras feitas
para este trabalho, o objeto de estudos de uma Abordagem Centrada
na Pessoa não é exatamente o sujeito em terapia (ou os sujeitos),
mas a relação terapêutica. Daí, porque, toda a querela a respeito do

110
termo técnica na abordagem. Rogers o contestava, dizendo tratarem-
se de atitudes, e não técnicas. Contudo, a confusão parece de ordem
semântica.

Se entendermos técnica como um meio de que se utiliza para chegar


a um determinado fim (no caso de Rogers, a "pessoa em
funcionamento pleno"), toda teoria que se produza a respeito de
como se chegou a este fim tem as suas técnicas, ou seja, o seu meio
de como se chegou a este fim.

Contudo, se técnica for entendido como um apertar ininterrupto de


botões como se o cliente fosse uma máquina (por exemplo: se o
cliente chorar, deve-se usar tal comportamento para fazer com que
ele cesse seu mal-estar), não podemos falar de técnicas em
Abordagem Centrada na Pessoa e, muito provavelmente, em
pouquíssimas Psicologias.

Parece que, para Rogers, essa segunda definição de técnica era a que
lhe convinha, por isso, talvez, utilizava a palavra atitude para se
referir ao comportamento humano, e não técnica. Segundo Kinget
(1977b, p.9)

"A afirmação de que não existem técnicas rogerianas, por mais


paradoxal que seja, não deixa de exprimir uma característica
primordial desta prática terapêutica tal como Rogers a concebe. Para
ele, o terapeuta deve se esforçar, tão plenamente quanto possível,
em se conduzir como pessoa- não como especialista. Seu papel
consiste em pôr em prática atitudes e concepções fundamentais
relativas ao ser humano".

Portanto, depois desta tentativa de elucidar esta confusão semântica,


parece ser possível se falar em técnica na terapia centrada no cliente,
como um meio para se chegar a um fim, pois Rogers mostra de
forma muito clara os meios para se chegar a um sucesso em terapia,
através do que ele chama de três atitudes facilitadoras. Vale ressaltar

111
o que já dissemos, de que estas três atitudes não se centram nem
somente no terapeuta, nem somente no cliente, mas, principalmente,
na relação dos dois.

Explanemos de forma breve quais são e como são concebidas as três


atitudes facilitadoras. Estas atitudes são: a consideração positiva
incondicional, a empatia e a autenticidade. Vejamos um pouco de
cada uma delas:

Consideração positiva incondicional: Consiste em considerar o cliente


como um todo, sem submetê-lo a qualquer tipo de julgamento de
valores sociais, para que este possa experimentar-se livremente, sem
qualquer empecilho ou bloqueio de sua consciência aos seus
sentimentos ou atitudes. Segundo Rogers (1992, p.564) "[...] o
comportamento do orientador minimiza influências prejudiciais sobre
as atitudes expressas. A pessoa, normalmente, sente-se motivada a
comunicar seu próprio mundo especial e os procedimentos utilizados
encorajam-na a isso [...]".

Empatia: é a capacidade de colocar-se no lugar do outro como se


fosse o outro, fazer este outro saiba que está sendo compreendido e
respeitado, mesmo que, na relação, haja uma gama de diferenças
entre este o terapeuta. Aliás, a diferença, para uma Abordagem
Centrada na Pessoa, é algo de fundamental, pois implica em saúde,
em "ser você mesmo", num sentido de não se deixar guiar por um
outro referencial, que não o da sua própria avaliação enquanto
sujeito livre.

Autenticidade: Trata-se da capacidade do terapeuta de ter abertura


para a alteridade do cliente, sem precisar se esconder por trás de
uma máscara de profissionalismo, tendo acessível, à sua consciência,
os dados do momento em que se desenvolve a relação e expressar o
que sente ou pensa a qualquer momento em que achar conveniente.

112
Convém lembrar que Rogers utilizava o termo atitudes para designar
o fato de não era algo que poderia ser praticado sem qualquer
sinceridade e fora do contexto de uma relação terapêutica específica
com cada indivíduo. Portanto, não se trata ações pré-fabricadas para
determinadas situações, mas de atitudes vividas e experienciadas no
momento de uma específica relação, tendo estas atitudes um total
imbricamento entre si, sendo uma totalmente dependente uma da
outra.

Já que Rogers elaborou sua terapia, qual seria seu conceito de


normalidade? Rogers não se ateve a uma rotulação, uma
psicopatologia, pois, para o mesmo (Evans, 1979, p.110), "o uso de
testes diagnósticos é pior do que perda de tempo[...] relega o
indivíduo para a categoria de objeto, de modo que você possa pensar
nele , confortavelmente, sem considera-lo como uma pessoa real
com quem você se relaciona".

Apesar de sua resistência a conceitos como normalidade e patologia,


Rogers (1992, p.577) consegue dar a sua definição de neurose, pois,
segundo o mesmo "na neurose típica, o organismo satisfaz uma
necessidade não reconhecida pela consciência através de meios
comportamentais coerentes com o conceito de self e que, portanto,
podem ser conscientemente aceitos".

Para que se compreenda de forma mais clara o que foi explicitado


acima, faz-se necessário que falemos acerca da teoria de
personalidade de Rogers, pois foi usado o termo self, o que exige
uma explanação um pouco mais detalhada.

Para Rogers, o indivíduo cria uma imagem de si, chamada de self,


que pode ou não reagir a uma experiência de maneira realista; ou
seja, se o indivíduo se percebe como alguém "bonzinho" e que as
exigências do meio social onde convive definem que ter atitudes
agressivas é algo ruim, quando uma reação de raiva for

113
desencadeada pelo organismo, esta poderá até nem ser
experimentada, ou, na melhor das hipóteses, negada, pois, segundo
a imagem que o indivíduo tem de si mesmo, ele não é alguém que
experimente este tipo de sentimento. Para Rogers (1978b, p.197), as
religiões e a família vêm a ser as grandes causadoras de distúrbios
psicológicos, com noções como pecado ou o filho ideal. Segundo
Rogers (1992, p.566)

"como resultado da interação com o ambiente, e particularmente,


como resultado da interação avaliatória como os outros, é formada a
estrutura do self- um padrão conceitual organizado, fluido e coerente
de percepções de características do eu e do mim, juntamente com
valores ligados a este conceito".

Quando se tem uma situação como a citada acima (a do filho ideal),


causa-se um desequilíbrio entre a experiência vivida pelo cliente e a
percebida pelo organismo. Esse desequilíbrio ocorre, para Rogers, a
partir de uma introjeção de valores que não são propriamente do
indivíduo, mas de uma série de exigências feitas por sua sociedade. O
grande mérito da terapia, portanto, é o de deixar com que o indivíduo
seja livre para experimentar todo e qualquer sentimento sem
qualquer medo de repressões sociais, uma vez que o terapeuta
mantém uma atitude de consideração positiva incondicional, empatia
e autenticidade.

Uma vez em terapia, o sujeito pode ser quem ele é, sem medo de
sofrer qualquer exigência de valores por parte do terapeuta. Para
Rogers (1974, p.47) o terapeuta "estimula a livre expressão de
sentimentos em relação com o problema. Em certa medida essa
liberdade é provocada pela atitude amigável, interessada e receptiva
do conselheiro".

Poderia-se, talvez, suscitar a seguinte questão: a atitude do


terapeuta pode ser considerada uma "amizade comprada"? A

114
resposta para esta questão é negativa, uma vez que se tratam de
atitudes e, como tal, é um modo de concepção de ser humano.
Portanto, o terapeuta não age de forma artificial, com o mero uso de
suas atitudes na clinica, mas na vida de um modo geral, em todas as
relações interpessoais.

Por que se dar uma liberdade tão grande de expressão para o cliente?
Será que esta pessoa não poderia, por exemplo, ter reações
agressivas, ou coisa parecida, para com o terapeuta? A resposta para
esta pergunta encontra-se no que Rogers (1978b, p.194) considerava
o único postulado básico da ACP: a Tendência Atualizante. Mas que
tendência é essa?

Seria uma tendência para a manutenção, crescimento e reprodução


do organismo. Além destas características, a tendência atualizante é
uma abertura para o novo, para a criatividade. Parte daí a crença de
que é o próprio cliente quem vai encontrara a saída para os seus
problemas, desde que lhe sejam dadas as condições básicas para que
estes problemas sejam superadas.

Esta tendência atualizante pode, eventualmente, segundo Rogers


(1983, p.40) "ser frustrada ou desvirtuada, mas não pode ser
destruída sem que se destrua o organismo". O comportamento
neurótico, segundo Rogers (1978b, p.198) "é o produto dessa
dissociação dessa tendência à realização".

Uma questão levantada para a elaboração deste trabalho (e que


agora faz mais sentido ainda faze-la, depois de realizadas as leituras)
foi a de se a Tendência Atualizante de Rogers pode ser considerada
como que fazendo parte da Matriz Funcionalista e Organicista de que
fala Luís Cláudio Figueiredo.

A matriz funcionalista e organicista vê o homem através de tre


processos básicos: manutenção, reprodução e crescimento do
organismo. Rogers (1983, p.40) afirma textualmente que "os
115
comportamentos de um organismo estão voltados para sua
manutenção, seu crescimento e sua reprodução".

Qual era a função da consciência (agida) para os funcionalistas? A de


adaptação do organismo a uma determinada situação. Para Rogers,
como veremos quando abordarmos a questão da pessoa em
funcionamento pleno, é exatamente esta uma característica patente
numa pessoa psicologicamente saudável: a fácil adaptação, por ser
aberta a novas experiências.

Segundo Figueiredo (1996, p.75) a imagem de organismo para a


Matriz Funcionalista e Organicista é a de "um ser vivo plástico,
adaptativo, participando ativamente do processo de equilibração em
suas interações com o meio".

Portanto, pensando por esse viés, a resposta a pergunta de se


podemos ver a tendência atualizante em uma Matriz Funcionalista e
Organicista parece ser positiva, mas apenas em parte, pois, como já
foi dito, Rogers viveu de forma muito nítida o conflito entre
objetividade e subjetividade, e os funcionalistas buscavam ser o mais
objetivos e pragmáticos quanto fosse possível.

Na verdade, atribui-se* muito mais a tendência atualizante a um


fisiológo norte-americano chamado Kurt Goldstein, que desenvolveu
para a psicologia um conceito muito parecido com o da Biologia, o de
homeostase. Aliás, não raro, vê-se a citação de The Organism (livro
de autoria de Kurt Goldstein) nas bibliografias das obras de Carl
Rogers. Contudo, não podemos dizer que Rogers não escapou de
influencias de seu contexto sócio-cultural e, no caso dos Estados
Unidos, o rastro deixado pela matriz funcionalista deixou pegadas que
levaram a caminhos muito bem aceitos naquele meio.

Voltemos à questão do self. Como desenvolver um self saudável? Isso


se daria dentro de uma relação que não fosse ameaçadora para a
estrutura do self, onde a pessoa fosse considerada de forma integral
116
e um ser múltiplo de possibilidades, podendo apresentar
comportamentos variados- socializados ou não. Rogers (1992, p.571)
diz que

"o pai ou a mãe capaz de aceitar sinceramente esses sentimentos de


satisfação [em bater no irmãozinho] experimentado pela criança,
aceitar integralmente a criança que os experimenta, e aceitar, ao
mesmo tempo, seus próprios sentimentos de que tal comportamento
é inadmissível na família, cria para a criança uma situação muito
diferente da habitual".

É notável, portanto, que a terapia centrada no cliente vem reproduzir


este ambiente propício para a experimentação, para a interpretação
(num sentido de ação, como no teatro) de si mesmo, onde as
possibilidades de existência são respeitadas a partir das condições
facilitadoras.

Como seria a "Pessoa em Funcionamento Pleno" descrita por Rogers?


Esta pessoa teria algumas características básicas, tais como: maior
abertura para o novo, percepção de si, não como uma estrutura
rígida e imutável, mas como um ser humano pleno de possibilidades
e que pode se reconhecer em sua experiência, porque ele "é" a sua
experiência. Para Rogers (1970b, p.263) o cliente

"descobre-se a experimentar [...] sentimentos de modo amplo,


completo, no relacionamento, de modo que, em um dado instante,
ele "é" o seu medo, a sua ira, a sua ternura, a sua força. E quando
vive estes sentimentos amplamente diversos, em todos os graus de
intensidade, descobre que teve uma experiência de si próprio, que ele
é tudo o que sente".

É preciso que se defina essa abertura para a experiência para que


fique claro o que significa este termo para esta Abordagem de
Psicologia, pois segundo Rogers (1970, p.266), isso não quer "dizer
que o indivíduo se capacitaria, autoconscientemente, de tudo o que

117
se passa no seu íntimo, como a centopéia se tornaria consciente de
todas as suas pernas". Uma avaliação organísmica da experiência não
se daria em um patamar intelectual, não seria exatamente fazer
escolhas a partir de deliberações, mas ser este próprio processo de
escolhas, de ser um eterno devir.

A compreensão de si, como esse devir, essa multiplicidade de


possibilidades não é, segundo Kinget (1977a , p.70) "refletida ou
articulada. É um tipo de conhecimento essencialmente implícito,
existindo na experiência[...] Este tipo de compreensão de si é menos
um conhecimento do que um modo de funcionamento".

A Pessoa em Funcionamento Pleno seria, mais plenamente, ela


mesma. Vale ressaltar, contudo, que este ser ela mesma não é
fundado em uma mesmidade. Pelo contrário; ser você mesmo
significa não introjetar valores e desejos que não são os
experimentados na experiência pontual do momento. Portanto, é ser
um fluido, um devir, e não algo estático que consistiria na "essência"
da pessoa. Para Rogers, a pessoa hipotética aqui descrita é um
processo. Ainda segundo Rogers (1970b, p.267) "o eu e a
personalidade emergiriam da experiência, em vez de ser esta
traslada ou distorcida para adaptar-se a uma auto-estrutura pré-
concebida".

É lógico que não podemos nos livrar de valores sociais e jogá-los na


lata do lixo, "sendo nós mesmos" o tempo todo; portanto, a pessoa
plena de Rogers é hipotética. Esse ser você mesmo implica uma
situação ética, pois, a partir da aceitação de sentimentos de si
mesmo, por parte do individuo, ele considera a diferença do outro,
porque ele quer ser o diferente.

Quais seriam as vantagens de uma Terapia Centrada no Cliente? Para


Rogers (1992, p.564)

"a situação [de terapia] minimiza a necessidade de atitudes


118
defensivas [...] a pessoa normalmente sente-se motivada a
comunicar seu próprio mundo especial, e os procedimentos utilizadas
encorajam-na a isso. A comunicação cada vez maior traz,
gradualmente, mais experiências para o âmbito da consciência, e
assim, obtém-se um quadro cada vez mais completo e acurado do
mundo de experiências do individuo. Dessa forma, emerge um
quadro de comportamento muito mais compreensível"

E quais seriam as limitações do que Rogers chamava de observação


fenomenológica? Segundo Rogers (1992, p.563)

"Em primeiro lugar, estamos limitados, em grande medida, a obter


um contato com o campo fenomenológico da forma como este é
experimentado na consciência. [...] quanto mais tentamos inferir o
que está presente no campo fenomenológico não consciente [...]
mais complexas ficam as inferências, até que a interpretação das
projeções do cliente pode tornar-se meramente uma ilustração dos
projeções do clínico[...] Além disso, [...] a comunicação é sempre
falha e imperfeita. Assim, só de maneira vaga podemos ver o mundo
da experiência da forma como ele parece ser para o individuo".

Vale lembrar que, em se tratando de método, Rogers tinha plena


convicção de que ciência é um sistema aberto e, portanto, nunca
responde de forma completa a pergunta alguma. É fato, por exemplo,
que, em todo o decorrer do desenvolvimento da ACP até a sua morte
(em 1987), vários foram os métodos e as formas de se abordar o
sujeito em sua Psicologia. Portanto, portanto, provavelmente, se
ainda estivesse vivo, sua abordagem poderia, possivelmente, ter
outro nome e, até, abordar o ser humano de forma diferente da que é
praticada ainda hoje pelos que clinicam na Abordagem Centrada na
Pessoa.

119
1.2. O Modelo de Trabalho com Grupos

Assim como na clínica, as teorias acerca do modelo de trabalho com


grupos da Abordagem Centrada na Pessoa partiram de observações
diretas das realizações do que Rogers convencionou chamar de
Grupos de Encontro.

Na segunda metade da década de quarenta, Rogers, juntamente com


seus colaboradores, em Chicago, estavam empenhados em um
treinamento de conselheiros para administradores dos veteranos, que
lidariam com os soldados regressados, contudo, segundo Rogers
(1978, p.13)

"Nenhum treino intelectual poderia prepará-los, por isso tentamos


uma experiência de grupo intensiva na qual os participantes se
reuniam várias horas por dia, a fim de [...] se relacionarem uns com
os outros, por formas que pudessem vir a ser de ajuda e que se
pudesse transpor para o trabalho de aconselhamento".

Contudo, é somente a partir do final da década de sessenta que o


trabalho com grupos vem a fazer parte mais constantemente do
trabalho de Carl Rogers. É tanto, que, a partir deste período, encerra
o atendimento individual e se dedica exclusivamente ao trabalho com
grupos, a partir dos workshops.

Antes de Rogers, Kurt Lewin já desenvolvia ideias de trabalhos com


grupos, que se chamavam grupos "T" (de training, em inglês, devido
ao treino de capacidades humanas). Os primeiros trabalhos, contudo,
só foram realizados, na prática, após a morte de Lewin.

Rogers (1978, p. 13) relata que seu trabalho com grupos era algo
paralelo à aplicação práticas das idéias de Kurt Lewin, em 1947. Não
podemos, contudo, esquecer-nos de que um pensador não pode fugir
das influências que culturais presentes em seu meio. No caso de
Rogers, como americano que era, e conhecedor do trabalho de Lewin,
parece bastante coerente se falar em uma ressonância do trabalho de

120
Kurt Lewin no do criador da ACP, pois, segundo Rogers (1978, p.14)
"os alicerces conceptuais de todo este movimento [dos grupos]
foram, por um lado, inicialmente, o pensamento lewiniano e a
psicologia gestaltista e, por outro, a terapia centrada no cliente".

Rogers (1978, p.14) estabelece uma diferença inicial entre seu estilo
de trabalho com grupos e o dos grupos de Bethel (como eram
conhecidos os grupos de Kurt Lewin e seus colaboradores), afirmando
que os grupos de encontro que desenvolveu "tinham [...] uma
orientação experiencial e terapêutica maior do que a dos grupos
originados em Bethel". Contudo, segundo o mesmo Rogers (1978,
p.14) "esta orientação para o crescimento pessoal e terapêutico
fundiu-se com o processo do treino de capacidades em relações
humanas e ambas em conjunto formam o núcleo do movimento que
se espalha hoje rapidamente [...]".

Feito este pequeno apanhado históricos, podemos nos perguntar a


respeito dos grupos: com eles se caracterizam? Os grupos
começaram de forma pequena (constando de oito a doze pessoas),
mas, numa fase já final do trabalho de Rogers, em Recife, chegou-se
a ser registrado um workshop com oitocentas pessoas*. Entre essas
pessoas, há a figura do facilitador, que tem como "tarefa" facilitar a
expressão dos membros do grupo.

O facilitador, contudo, não exerce, exatamente, um papel de


liderança, nem se encontra em um lugar privilegiado ou diferente do
dos outros membros. Wood (1983b, p.27) afirma que "[...] o grupo
usualmente não tolerará ninguém, nem mesmo o facilitador (como o
profissional de ajuda é chamado agora) mantendo-se, com um líder,
separado, ou diferente dos outros membros do grupo [...]".

Qual seria a diferença entre o trabalho diádico e o de grupos? Será


que é apenas uma ampliação? Wood (1983b, p.28) esclarece que

"[...] Na situação de um para um é possível para o profissional de


121
ajuda manter o drama da outra pessoa sempre em mente. No grupo
de encontro, quando se transforma num membro do grupo, o
facilitador, sendo agora mais ‘humano’ e vulnerável, tem mais
dificuldade de seguir e lembrar-se do drama de cada pessoa. Ele tem
de renunciar, a mais ainda, abrir mão do papel de especialista,
curador, ou de terapeuta, ou mesmo de profissional de ajuda [...]".

Muitas vezes, críticas infundadas colocam que o facilitador utiliza um


laissez-faire, sem ter um papel atuante dentro do grupo. Isso é uma
incompreensão do processo, pois, segundo Fonseca (1998, p.222), "o
facilitador assume e respeita na alteridade dos participantes o vigor
de uma atitude ativa [pois a ele] não interessa programar ou liderar
o grupo, mas privilegiar a espontaneidade dialógica [...] no processo
de constituição e desdobramento da realidade grupal".

A atmosfera que caracteriza o grupo é muito parecida com a


experimentada na Psicoterapia Centrada na Pessoa, onde as pessoas
têm toda uma liberdade para se experimentarem, expressando aquilo
que sentem, inclusive sentimentos hostis com relação a outros
membros do grupo, sem que isso venha a prejudicar os seus
relacionamentos. Na verdade, há uma confiança no auto-
direcionamento do grupo, como há na relação terapeuta-cliente
(tendência atualizante presente também nos grupos). Segundo Wood
(1983b, p.37) "[...] Existe uma ‘sabedoria’ no grupo. Emerge
sutilmente e faz-se sentir quando o promotor e outros no grupo se
entregam a uma resposta que ninguém espera [...]".

Ainda a respeito da confiança no grupo, Rogers (1978, p.17) afirma


que "há um maior feedback de uma pessoa para a outra, de tal modo
que cada indivíduo aprende de que maneira é visto pelos outros e
que efeito tem nas relações interpessoais". Além do que, se os
indivíduos do grupo estão mais abertos para o novo (característica de
saúde apontada por Rogers em sua "Pessoa em funcionamento
pleno"), o respeito ao outro vai existir.

122
Os grupos de encontro poderiam, então, ser considerados como um
modo de amenizar características existentes em relações, ou seja,
fazer com que as pessoas gratuitamente passem a se relacionar
melhor? A resposta para Rogers não parece ser positiva, pois
segundo o mesmo (1978a, p.136)

"se esse fosse o resultado, poderia ser muito prejudicial, a longo


prazo. Pelo contrário, a profunda compreensão que tenho visto
aparecer nestes grupos culmina muitas vezes em medidas de ação,
positivas [...] que fornecem uma base de ações construtivas
comunitárias para remover os piores obstáculos à igualdade racial".

Rogers via como importante o trabalho com grupos, pois, segundo


mesmo (1978a, p. 158) "numa cultura atingida por explosões raciais,
violência dos estudantes, tensões internacionais insolúveis e todo tipo
de conflito, instrumento para a melhoria da comunicação profunda é
da maior importância".

O modelo de trabalho com grupos, após a morte de Rogers, se


esgotou? Será que Rogers desenvolveu tudo que havia para sê-lo?
Fonseca (1998, p.225) não pensa assim, pois afirma que

"o modelo de trabalho com grupos[...] está longe de esgotar suas


possibilidades, demandando uma compreensão de seus fundamentos
fenomenomelogico-existenciais-organismicos, e a ousadia pragmática
da experimentação e do intercambio de nossa aprendizagem, para
que possa ser utilizado em suas potencialidades próprias, e
desenvolvido em sua proposta e aplicações".

Portanto, assim como o trabalho clínico diádico da ACP, o trabalho de


grupo ainda tem que ser bastante explorado e experimentado por
nós, dentro de nosso próprio contexto e levando este contexto em
consideração, pois não podemos considerar as obras de Carl Rogers
como livros sagrados onde todas as verdades estão contidas. Antes,
faz-se necessário que vejamos Rogers apenas como o iniciador da

123
Abordagem Centrada e que cabe a nós o desenvolvimento infinito do
modelo iniciado por este psicólogo americano, pois a ciência nunca
pode deixar de ser compreendida como um sistema aberto, sempre
com teses prontas para serem refutadas por outras teses que,
provavelmente, também o serão.

As principais influências da ACP

Feitas explanações a respeito do método do trabalho clínico (diádico)


e dos métodos do trabalho com grupos da Abordagem Centrada na
Pessoa, faz-se necessária uma reflexão acerca das influências de
outros pensadores no desenvolvimento da ACP e no pensamento de
Carl Rogers.

Falar de influências para a Abordagem Centrada é percorrer um


caminho tortuoso, pois Rogers não parece ter deixado muitas pistas
sobre os lugares teóricos por onde passou. Logicamente, que Rogers
chega a comentar, como será visto no decorrer deste tópico, algumas
de suas influências; contudo, é a partir de estudos posteriores (onde
muitos brasileiros estão envolvidos) que o trabalho de Rogers vem
ganhar uma nova cara, saindo do que se poderia chamar de
humanismo (possivelmente, no sentido mais ingênuo do termo) para
o que os pesquisadores da abordagem aqui estudada vão chamar de
Psicologia fenomenológica-existencial, alegando que os pensadores
da fenomenologia e do existencialismo influenciaram o pensamento
de Carl Rogers, além de uma teorização mais rica do que a presente
no trabalho original do fundador da ACP.

A influência a que por repetidas vezes Rogers se refere é a de Otto


Rank, a partir de seu modelo de relação terapêutica. Rogers chegou a
ver seminários de dois dias com Otto Rank e contratou uma

124
assistente social de orientação "rankiana", com quem, segundo o
mesmo (1978, p.202), aprendeu bastante. Rogers (1978, p.202)
enfatiza, contudo, que não foi a teoria, mas a terapia de Otto Rank
que o atraiu. Rogers (1973, p.39) afirma que, apesar da dificuldade
de enumeração das influências recebidas por sua abordagem
psicológica, ela tem como "ponto de partida importante" (Rogers,
1973, p.39) a relação terapêutica de Otto Rank, além de críticas
feitas por dissidentes da Psicanálise. Pois Rogers (1973, p.40) afirma
que "a actual* análise freudiana que ganhou suficiente confiança para
criticar os modos terapêuticos de Freud e aperfeiçoá-los é outra
fonte".

A respeito da influencia de Otto Rank na prática da Abordagem


Centrada na Pessoa, Fonseca (no prelo, p.11) diz que

"[...] Otto Rank imigrou para os Estados Unidos e lá teve forte


influência, a partir de suas perspectivas - que valorizavam a relação
espontânea entre o terapeuta e o cliente e a potencialização da
criatividade - sobre o meio do qual emergiria a Psicologia humanista
norte-americana, em particular sobre Rogers[...]".

Esta "relação espontânea" a que se refere Fonseca pode ser bastante


percebida no modo como o psicoterapeuta "centrado na pessoa" lida
com o seu cliente. A palavra espontânea nos remete ao conceito de
autenticidade usado por Rogers (uma de suas condições
facilitadoras).

Uma outra influência que Rogers dizia ter recebido é a da Psicologia


da Gestalt, a partir de noções do tipo análise do todo, relação figura-
fundo e trabalho com a percepção do cliente. Detenhamo-nos um
pouco em como podemos perceber estes conceitos no modo de
aplicação da Abordagem centrada na pessoa.

A partir do momento em que a preocupação da Abordagem Centrada


na Pessoa não é elementarista, uma vez que se preocupa com o

125
como e não com o porquê do desajuste psicológico, podemos ver a
noção de todo presente no modo de concepção teórico-prática da
ACP, pois é o modo como o mundo fenomenal se apresenta para o
cliente que é enfatizado, e não os elementos que o levaram a
percebem uma determinada situação de uma maneira "distorcida" da
"realidade".

A relação figura-fundo está presente nos destinos que Rogers dizia


existirem para as experiências, pois, segundo o mesmo (1992, p.
550) "[...]a maior parte das experiências do indivíduo constitui o
plano de fundo do campo de percepções, mas podem facilmente
tornar-se figura, enquanto outras experiências retornam ao plano de
fundo".

Para Rogers, a realidade é aquilo que o indivíduo percebe como sendo


real, é uma verdade fenomenal, pois segundo o mesmo (1992,
p.551) "[...] o campo perceptivo é, para o indivíduo, a realidade".
Portanto, é de acordo com a percepção do cliente que a ACP trabalha.

De acordo com algumas afirmações de Rogers (1992, p.559), quando


diz que "[...] é fácil perceber como essa necessidade [de afeto] e
todas as outras, é elaborada e canalizada [...] em necessidades que
se baseiam remotamente na tensão fisiológica subjacente"
questionamo-nos se haveria alguma influência da biologia no modo
com Rogers concebia o Homem.

Leitão (1986, p.77-8) afirma que "[...] Rogers tem raízes


camponesas e seu interesse inicial foi para a biologia e a agronomia,
havendo na sua teoria uma forte tendência para explicar o processo
da vida e seus conceitos teóricos[...]". Rogers relatava ter vivido em
uma fazenda boa parte de sua infância e juventude *, sendo estas as
raízes camponesas a que Leitão se refere.

Influência posterior, que algumas pessoas confundem com as


anteriores, foi a dos pensamentos de Buber e Kierkegaard, com suas
126
noções de encontro e afirmação do valor da subjetividade,
respectivamente.

Rogers afirma que estes pensadores não foram uma influência


originária, e que só os leu porque alguns alunos o alertaram a
respeito da similaridade de concepção do humano destes pensadores
e a sua. Sua sensação foi a de que "[...] era muito agradável
descobrir, aí, amigos que nunca pensei que tivesse [...]"(Evans,
1979, p.90).

Apesar de não ter uma leitura prévia de Kierkegaard e de Buber ao


elaborar sua teoria, Rogers admitia uma influencia posterior. Até
porque leu o que estes pensadores produziram na década de 50 e
produziu até a década de sua morte (80). Rogers fala de uma "[...]
influência posterior* de homens como Kierkegaard e Buber, que foi
realmente grande[...]"(Evans, 1979, p.118).

Mesmo sendo influências posteriores, Kierkegaard e, principalmente,


Buber têm sido estudados por psicólogos que trabalham dentro da
Abordagem Centrada na Pessoa, como uma possibilidade de diálogo
entre o pensamento de Rogers e destes dois grandes pensadores.
Rogers, inclusive, chegou a ter um encontro com Buber.

Mesmo tentando fazer da terapia um lugar para ocorrer o que Buber


chamava de encontro, não o era possível acontecer por completo,
visto que, se pensarmos com Buber, veremos que o encontro não
tem hora nem local para acontecer (pode ser no âmbito da terapia,
como também não) e, quando nos apercebemos desse encontro
através da relação Eu-Tu, ele já é passado. Além do que, é uma
relação em que, por mais que o psicoterapeuta se esquive do poder
sobre ele colocado, existe uma relação de poder através dos papéis
que são atribuídos a cada pessoa, sendo impossível a ocorrência de
uma mutualidade, um pré-requisito para a relação horizontal que
caracteriza a relação Eu-Tu.

127
Amatuzzi (1994, p.58) coloca que

"[...]Rogers gostaria de pensar que um dos exemplos mais eminentes


da relação Eu-TU é o da relação terapêutica, coisa que Buber nega,
exatamente pela restrição da mutualidade que aí se verifica, pela
própria definição da natureza da relação, definição que não depende
nem de Rogers nem de Buber, mas está assim socialmente definida
ou institucionalizada, faz parte da expectativa de papéis com as quais
as pessoas chegam à situação. A relação terapêutica é também uma
relação específica e não uma relação totalmente aberta, como seria o
contexto para o melhor exemplo de concretização da relação Eu-Tu

Outras influências são relatadas por grandes estudiosos da


Abordagem Centrada na Pessoa, mas não citadas por Carl Rogers em
sua obra. Na verdade, não podemos dizer que, mesmo não citando
estas influências, Rogers não tenha sido tocado por algumas idéias
que fizeram parte do contexto cultural onde viveu.

Estas influências relatadas por outras pessoas que estudam Rogers


tratam da Fenomenologia e do Existencialismo. Como já dissemos,
apesar da pouca leitura de Rogers tanto na Fenomenologia quanto no
Existencialismo (havendo, inclusive, má interpretação *, em alguns
momentos), o contexto cultural pode ter trazido estas influências
para seu trabalho.

A partir da década de 80, quando os estudos fenomenológicos-


existenciais se iniciaram em torno da ACP, a abordagem saiu de uma
matriz romântica e humanista (na concepção mais ingênua do termo)
para um corpo teórico mais sólido, recebendo então o rótulo de uma
abordagem fenomenológica-existencial, juntamente com a Gestalt-
terapia, de Fritz Perls.

"[...] Falar da vertente européia de constituição da ACP e da


psicologia humanista é remontar, inevitavelmente, à contribuição de
F. Nietzsche ao processo de constituição da cultura da civilização

128
ocidental [...]" (Fonseca no prelo, p.5). Nietzsche afirmava
(diferentemente de Sócrates) o valor dos sentidos, do corpo, a
afirmação da vida e do vivido, indo contra o azedume da vida e o
conceito de culpa pregados pela religião de sua época.

Rogers vem exatamente trabalhar a questão dos valores como algo


que impede o crescimento e o desenvolvimento do organismo. Centra
na confiança no indivíduo, no organismo, a base para o "sucesso" do
processo terapêutico, aproximando seu conceito de "tendência
atualizante" do de "vontade de potência", de Nietzsche.

Assim como para Nietzsche, para Rogers a existência também é


inocente; não há uma procura no que está por trás de um discurso ou
uma descrença nos instintos desprovidos de razão, algo que se
expressa no que Rogers chamava de tendência atualizante. Se forem
dadas as condições básicas para o organismo crescer, e lhe for
proporcionado um clima de liberdade, este vai saber se desenvolver
rumo ao melhor caminho possível.

Além do que, Otto Rank, segundo Fonseca (no prelo, p.10), "[...] foi
profundamente influenciado pelas perspectivas de F. Nietzsche e
buscou integrar estas perspectivas como fundamento de seu sistema
de psicoterapia[...]" e, como sabemos, Rogers teve, na relação
terapêutica de Otto Rank uma grande influência no inicio de seu
trabalho. Portanto, mesmo que "por tabela", Rogers possivelmente
recebeu a influência do pensamento nietzscheano em seu trabalho,
através de Otto Rank.

Dissidentes do movimento psicanalista também exerceram influência


no pensamento rogeriano. Assim como Rogers, Jung, por exemplo, se
centra na saúde para o seu conceito de individuação, vendo
benignidade na existência humana, ao contrário de uma perspectiva
psicanalítica.

129
Reich também teve uma contribuição, quando trouxe o corpo para
psicologia e, segundo Fonseca (no prelo, p.10), foi "[...] um dos
primeiros a sustentar a perspectiva de uma auto-regulação
organísmica [...]". Reich, inclusive, segundo Fonseca (no prelo, p.9)
influenciou Kurt Goldstein, que, por isso, "valorizou
fundamentalmente estas capacidades de auto-regulação e de auto-
atualização do organismo humano como fundamentos [...] de sua
psicologia organísmica [...]".

Kurt Goldstein, médico que estudou psicologia, foi uma outra grande
influência ao trabalho de Rogers. Segundo Fonseca (no prelo, p.8)
"[...] de um eminente neuropsiquiatra e pesquisador, Goldstein
morreu estudando fenomenologia e existencialismo [...]". Goldstein é
um grande alicerce para a psicologia organísmica, e teve seu trabalho
baseado na Psicologia da Gestalt, pois segundo Fonseca (no prelo,
p.9)

"[...] contrapôs os seus estudos a uma psicologia fundamentada na


distinção corpo-mente e na compartimentalização do corpo e do
psiquismo humano em funções independentes, sem uma
consideração adequada para com os importantes aspectos de seu
funcionamento sistêmico[...]".

A noção de organismo como um todo organizado é bastante visível


em Rogers, quando este afirma que "[...] o organismo reage ao seu
campo fenomenológico como um todo organizado [...]" (Rogers,
1992, p.553). Rogers (1992, p.554) complementa esta frase,
afirmando que "[...] o organismo, em todos os momentos, é um
sistema organizado total, no qual a alteração de uma das partes pode
produzir modificações em qualquer outra [...]". Diante do exposto,
podemos perceber que, tanto a visão de Kurt Goldstein quanto a de
Rogers são holísticas.

130
James também influenciou o pensamento de Carl Rogers,
principalmente em seus primórdios, quando a coleta de dados
estatísticos e a tentativa de tornar a Abordagem Centrada na Pessoa
eram preocupações constantes (preocupações estas que foram cada
vez mais diminuindo na obra de Rogers). Segundo Leitão (1986,
p.80) "[...] um aspecto a ser salientado na história da vida de Rogers
é sua formação experimentalista, que o levou a pesquisar
longamente seus pressupostos teóricos [...]". Talvez, isso responda
um pouco acerca da questão sobre o enquadramento da Tendência
Atualizante em uma matriz Funcionalista e Organicista.

Segundo Fonseca (no prelo, p.15) o encontro

"[...] da vertente européia com a vertente norte-americana de


psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial estas
perspectivas da filosofia pragmática de W. James serviram como um
poderoso gancho de integração entre a mentalidade da psicologia
pragmática norte-americana e as influências fenomenológico
existenciais que lhe chegavam, então, da Europa[...]".

Contudo, como já foi salientado, a influência do pragmatismo de


James se deu para o nascimento da ACP, pois, já no final de sua vida,
Rogers não mais acreditava neste tipo de ciência empirista, propunha
uma nova filosofia da ciência para a Psicologia. Dizia Rogers:

"[...] O empirismo permanecerá como parte de nossa ciência, mas


para vastas áreas do conhecimento psicológico, precisamos de uma
ciência muito mais humana. Não sei que forma poderá tomar, mas
sei que não estará longe da fenomenológica[...] Acho que a Psicologia
se preocupou tanto em tornar-se ciência para se comparar com a
física, que, sob muitos aspectos, virou cientismo. Não creio que
estejamos enfrentando os problemas mais fundamentais da condição
humana [...]" (Evans, 1979, p.79)

131
Há, ainda, a influência de dos psicólogos fenomenológico-existenciais
europeus, como Ludwig Binswanger, M. Boss e E. Minkovski, que
foram impulsionados pela idéias de Heidegger * e romperam com a
Psicanálise.

Além destes psicólogos europeus, houve, evidentemente, a influência


óbvia de psicólogos humanistas americanos, como Maslow, Angyal e
Rollo May, que, segundo Fonseca (no prelo, p.16) [...] foi um dos
organizadores do livro Existência, que pela primeira vez trazia aos
Estados Unidos as concepções de psicoterapeutas existenciais
europeus,como Binswanger, Minkovski, Stauss e outros [...]". Aliás,
segundo o próprio Fonseca (idem) Rogers foi o revisor do livro
organizado por May.

A influência de Kurt Lewin é visível no trabalho com grupos e já foi


comentada anteriormente.

Vê-se, portanto, a partir do que foi dito neste tópico, que muitas são
as influências recebidas pela Abordagem Centrada na Pessoa, fato
que abre espaço para bastantes pesquisas e uma verdadeira
arqueologia acerca da história desta abordagem Psicológica. Aliás,
Rogers (1974, p.39) já apontava para este fato ao afirmar que a
Abordagem Centrada na Pessoa "[...] tem suas raízes em fontes
muito diversas. Seria muito difícil indicá-las todas [...]".

As visões que Rogers tinha de Ciência

Depois de fazer uma visita pelo método de Rogers, tanto na clínica


quanto no trabalho com grupos, e observar as influências recebidas
por este psicólogo americano, chegamos agora à última parte do
trabalho: as visões que Rogers tinha de ciência como e da Psicologia

132
em particular, com posições manifestadas, textualmente, acerca da
Teoria Comportamental e da Psicanálise.

Como Rogers via ciência? Será que ele a concebia como um sistema
aberto, ou imaginava produzir uma verdade e que todas as outras
abordagens de Psicologia não tinham nada a contribuir? Tentemos
responder estas questões.

Em se tratando de Psicologia, Rogers via o grande número de Teorias


como algo benéfico e rico para esta ciência. Segundo ele (1992,
p.14) "[...] a atitude um tanto crítica geralmente empregada com
relação a tudo que possa ser definido como uma ‘escola de
pensamento’ origina-se de uma falta de apreciação do modo como a
ciência se desenvolve [...]". Rogers parecia saber, portanto, que cada
método tinha os seus méritos e só vinham enriquecer o
desenvolvimento da ciência Psicológica.

Fica claro, então, que, para Rogers, a ciência nada mais é do que um
grande número de hipóteses testáveis, e não uma produção de
dogmas, de verdades absolutas, onde um grande guru carrega
consigo a verdade. Aliás, Rogers se esquivava de uma posição de
Guru. Em Evans (1979, p. 118) Rogers diz que "[...] quando se
encontra a pessoa que é a chave de tudo, a ‘resposta’, ‘esse é meu
guru’, etc., essa é a hora de afastá-lo desta posição [...]".

Trabalhos como os que são realizados no Brasil acerca de uma maior


teorização para a Abordagem Centrada na Pessoa e o percurso por
caminhos por onde Rogers não passou, através da Filosofia (tentativa
feita principalmente por Fonseca) são vistas como benéficas pelo
cientista americano. Rogers dizia sentir "[...] pena das pessoas que
trabalharam comigo e se sentiram inclinadas a me destacar como a
principal influência em seu trabalho [...]" (Evans, 1979, p.118).
Continua, afirmando que "[...] os estudantes que mais me alegraria
ter influenciado são os que se dispuseram a ir além, que não hesitam

133
em discordar de mim, que são pessoas independentes [...]" (Evans,
1979, p.118).

Como exemplo vivo do tipo de influência que Rogers gostaria de ter


exercido, temos o americano, residente no Brasil, John Wood, que foi
colaborador de Rogers no Centro de Estudos da Pessoa, em La Jolla,
Califórnia. Wood, segundo Gobbi e al (1998, p. 152) a maior
personalidade da ACP, não chega a negar Rogers, mas, assim com
Fonseca, propõe uma revisão teórico-prática da abordagem criada
por Carl Rogers.

A posição de ciência como um sistema aberto foi imutável no


pensamento de Carl Rogers, mas o modo como sua ciência devia ser
organizada mudou muito durante a obra do criador da Abordagem
Centrada na Pessoa.

Como já foi dito anteriormente, Rogers viveu de forma intensa o


conflito entre objetividade e subjetividade. No início de sua produção,
Rogers via a psicoterapia como uma técnica, uma tecnologia a ser
aplicada sobre o ser humano. Dizia em seu livro (1992, p.23)
"Terapia Centrada no Cliente", publicado em 1951, que "[...] no
campo da terapia, o primeiro requisito é uma técnica que produza um
resultado efetivo [...]".

Portanto, dependendo do período do pensamento rogeriano a ser


estudado, há uma preocupação técnica. "Terapia Centrada no
Cliente", por exemplo, é, segundo Belém (no prelo, p.15) uma obra
clássica do período da "Psicoterapia Reflexiva", quando ainda tinha
uma preocupação técnica, neste caso, a técnica da reflexão de
sentimentos. A função do terapeuta era comparável a um espelho.

Na última fase de sua carreira, Rogers parecia já ter se decidido a


respeito do dilema entre a objetividade e subjetividade, optando pela
última. Sabia, inclusive, das críticas que lhe eram feitas pelas outras
pessoas, como a de ser um ingênuo. Sobre estas críticas, Rogers
134
(1977c, p.32) dizia: "[...] Para a maioria dos autores, a melhor
maneira de lidar comigo é me considerar, em um parágrafo, como o
autor de uma técnica - a ‘técnica não diretiva’. Definitivamente, não
pertenço ao grupo fechado da academia psicológica [...]".

Rogers passou a não crer mais numa ciência empírica e dentro de


todo o padrão de ciência concebido em nossa civilização. Na verdade,
houve como que um desencantamento com as questões suscitadas
pela Psicologia e por todas as ciências em geral. Para Rogers, as
ciências estavam longe de estudar algo que realmente interessasse e
contribuísse para um progresso humanitário.

O criador da ACP cria em uma ciência autêntica, mais criadora. A este


respeito, Rogers dizia: "[...] Ver cientistas autênticos, se me permite
a expressão, cientistas imaginativos, curiosos e, prontos a sonhar,
cheios de convicção e prontos a testar suas hipóteses e constatar que
se enganaram - e comparar com eles os cientistas do
comportamento, é muito deprimente [...]" (Evans, 1979, p.89).

Os cientistas do comportamento a que Rogers se refere acima são


cientistas presos em um academicismo e uma visão rígida do que é
ciência, academicismo este que, segundo o mesmo Rogers "[...] é
um dos motivos que impedem a psicologia de ser socialmente
importante [...]" (Evans, 1979, p.88).

Rogers achava que o saber psicológico poderia prestar grandes


serviços a uma ditadura com planos para a manipulação de
indivíduos. Segundo ele, os psicólogos "[...] poderiam ensinar o
ditador a manipular a opinião pública e moldar o comportamento
[...]". Estas críticas de Rogers, evidentemente, dirigiam-se ao
Behaviorismo radical de Skinner, seu contemporâneo e compatriota e
cuja perspectiva de Rogers a seu respeito será em breve abordada
neste trabalho.

135
Ainda a respeito da manipulação, podemos pensar: onde entra a ACP
na questão relativa ao controle do comportamento humano? Será
que ela também não direciona, não controla? A resposta de Rogers a
este respeito é que a sua abordagem direciona, sim, mas no sentido
de uma autonomia. Diz ele (1970a, p.319): "[...] Estabelecemos,
através de um controle exterior, condições que, segundo as nossas
previsões, serão acompanhadas por um controle interior do indivíduo
sobre si próprio nos seus esforços para atingir os objetivos que
interiormente escolheu [...]". Rogers (1970a, p.319) continua,
afirmando, mais adiante, que "[...] essas condições estabelecidas por
nós [psicólogos que trabalhamos com a ACP] prevêem um
comportamento que é essencialmente ‘livre’ [...]".

Parece haver uma contradição no discurso de Rogers. Como pode ele


criticar a manipulação do comportamento, se, de acordo com o que
se pode concluir de suas palavras, é "dada" ao indivíduo a sua
liberdade? Parece que há uma modelação do individuo para ser a
"pessoa em pleno funcionamento" que Rogers nos descreve. Seria o
próprio Rogers esta "pessoa em funcionamento pleno"? Esta questão
merece um maior aprofundamento e este não é, neste trabalho, o
nosso intuito.

Passemos, agora, para a visão de Rogers sobre outras abordagens de


Psicologia. Qual era sua opinião acerca do Behaviorismo? E da
Psicanálise? São questões que tentaremos elucidar nos próximos
parágrafos. Comecemos com o Behaviorismo.

Rogers, como já foi dito aqui, foi contemporâneo e patrício de


Skinner. Segundo o modelo de Psicologia eminentemente empirista
americano, Skinner tinha um maior respeito e foi, nos anos 70,
considerado pela revista Times como o maior psicólogo americano de
todos os tempos. Era constante o debate de ambos.

136
A posição de Rogers era, claramente em oposição ao Behaviorismo.
Que fique claro que se tratava de uma questão científica, ou melhor,
filosófica, segundo Rogers (1977c, p.36), que acabou "[...]
percebendo que a diferença básica entre as posições comportamental
e humanística em relação aos seres humanos reside numa opção
filosófica* [...]".

A opção filosófica residiria na questão do livre arbítrio, negada pelos


behavioristas. Rogers (1977c, p.36) "[…] impossível negar a
realidade e a significância do livre arbítrio humano [...]". Quanto à
questão de ser a abordagem comportamental a preferida da
"psicologia acadêmica" norte-americana, Rogers achava que isso se
devia ao seu contexto cultural eminentemente tecnologicamente
orientada.

Além disso, a questão não parece ser apenas filosófica, mas de


método. Acerca do condicionamento operante, Rogers afirmava que
foi "[...] uma verdadeira contribuição, mas acho que o tempo
mostrará que foi uma contribuição acanhada, no sentido de que
precisamos de algo que inclua muito mais da totalidade da pessoa na
ciência da Psicologia [...]" (Evans, 1979, p.122).

Outra abordagem a quem Rogers se opunha era a Psicanálise *, o que


é bastante óbvio pelo fato de que ele próprio afirmara receber
influências de dissidentes do movimento psicanalítico, como Otto
Rank.

Sobre a Psicanálise, de onde, curiosamente, Rogers veio (mesmo que


não fosse um psicanalista ortodoxo), Rogers achava que se tratava
de uma abordagem ortodoxa. Dizia ele que "[...] na prática o ponto
de vista freudiano o degenerou numa ortodoxia muito estreita que
poderia realmente ser comparada ao fundamentalismo. Os freudianos
têm que aceitar esse credo, ou não são freudianos [...]" (Evans,
1979, p.103).

137
Rogers comparava, portanto, a psicanálise a uma religião. Ou
melhor, os psicanalistas como religiosos, pois acusar a psicanálise em
se tratando de seu criador de ortodoxa pode ter, a meu ver (e não
sou um grande estudioso de psicanálise, admito), no mínimo, duas
respostas.

Assim como Rogers, Freud tinha na sua teoria um organismo vivo e,


de acordo com o que se verificava na clínica, modificava-a sem o
menor constrangimento por fazê-lo. Contudo, Freud rompia com
aqueles que tivessem um ponto de vista diferente do seu. Assim foi,
por exemplo, com Carl Gustav Jung, que era considerado por Freud o
príncipe coroado, mas que, ao falar que nem toda pulsão é sexual, foi
expurgado do círculo psicanalítico.

Rogers afirmava a respeito dos psicanalistas que eles "[...] se uniram


mais firmemente entre si e se organizaram em atitudes cada vez
mais defensivas, o que, no final das contas, deixa-os frustrados [...]"
(Evans, 1979, p.105). Ainda acerca da teoria psicanalítica Rogers
afirmava que esta "[...] repousa, de fato, em dogmas essencialmente
não comprovados e acho que, depois de algum tempo, o mundo
começa a ficar um pouco cansado disso [...]" (Evans, 1979, p.104).

Outra divergência que podemos encontrar entre Freud e Rogers diz


respeito à questão da natureza humana. Enquanto Freud via-a de
forma predominantemente pessimista, Rogers era otimista (e, às
vezes, até ingênuo demais). Segundo Gusmão (texto da internet,
p.2)

"[...]Quando apreciamos a obra freudiana, observamos que toda ela


é marcada por um certo ceticismo em relação ao homem. Sendo a
natureza humana, na sua visão, determinada, sobretudo, pelas
pulsões e forças irracionais, oriundas do inconsciente; pela busca de
um equilíbrio homeostático; e pelas experiências vividas na primeira
infância [...]"

138
Para Rogers, a confiança no Homem era a base para o
desenvolvimento de sua abordagem, uma vez que, como já
dissemos, é a tendência atualizante, que leva a uma crença na
benignidade humana, pois se for proporcionado um clima de
liberdade, o ser humano saberá reagir de forma sábia, sem instintos
destrutivos ou algo do tipo (pelo menos, esta é a proposta da ACP).

Em se tratando de críticas à sua abordagem psicológica, Rogers se


irritava muito com as pessoas que o consideravam superficial.
Afirmava ele que "[...] isso simplesmente não é verdade. Essa crítica,
que me lembre, me perturbou mais do que qualquer outra, porque
não me considero superficial. Não se pode levar a sério muitas
críticas porque se baseiam na mais completa falta de compreensão
do que eu e meus colegas temos feito [...]" (Evans, 1979, p.121).

Como Rogers tinha conhecimento de que saber é poder, tinha muito


medo de o que poderia ser feito de seu trabalho com relação ao
futuro. Portanto, quero encerrar este tópico, citando um longo trecho
do prefácio de seu terceiro livro: Terapia Centrada no Cliente, de
1951, onde já temia os rumos que sua abordagem poderia vir a
seguir:

"[...] De boa vontade, eu eliminaria todas as palavras deste original,


se pudesse, de alguma forma, apontar com eficácia a experiência que
é a terapia. A terapia é um processo, uma coisa em si, uma
experiência, uma relação, uma dinâmica. Não é o que este livro diz a
seu respeito, não mais do que uma flor é a descrição de um botânico
ou o êxtase do poeta diante dela. Se este livro servir como um
grande indicador apontando para uma experiência que está aberta
aos nossos sentidos da audição e da visão e a nossa capacidade de
experiência emocional, e se despertar o interesse de alguns e
estimulá-los a explorar a coisa-em-si, ele terá cumprido seu
propósito. Se, por outro lado, este livro for se juntar à massa já

139
avassaladora de palavras escritas sobre palavras, se incutir nos
leitores a idéia de que a pagina impressa é tudo, então terá
fracassado lamentavelmente. E, se sofrer a degradação definitiva de
tornar-se conhecimento de sala de aula- no qual as palavras mortas
de um autor são dissecadas e despejadas na mente de estudantes
passivos, de tal maneira que indivíduos vivos carreguem consigo as
partes mortas e dissecadas do que já foram pensamentos e
experiências vivas, sem ao menos a consciência de que algum dia já
foram vivas- melhor seria que este livro jamais houvesse sido escrito
[...]".

Que Fenômenos são Contemplados pelo Método da ACP?

Basicamente, onde houver relações humanas, podem ser aplicados os


conceitos da Abordagem Centrada na Pessoa. Portanto, não há uma
restrição ao campo da Psicoterapia, até pelo trabalho de grupos
desenvolvido por Carl Rogers.

Não raro, podem ser encontrados chefes de recursos humanos de


empresas com uma orientação "rogeriana". Segundo Gobbi et al
(1998, p.23) a aplicação da ACP em uma organização seria no
sentido de "[...] ‘liderança e administração centradas no grupo’, seja
no treinamento de pessoal, ou mesmo no acompanhamento de
atividades desenvolvidas em organizações [...]".

A pedagogia é uma outra área onde as teorias de Rogers podem ser


aplicadas*, pois Rogers dedicou duas obras suas à pedagogia,
propondo o que chamou de "Ensino Centrado no Aluno", que,
segundo Gobbi et al (1998, p.23), "[...] consiste numa grande
discussão de Rogers a respeito de educação e escolas, que se
desenvolve em uma nova perspectiva pedagógica, bem como numa
formulação própria do sentido de aprendizagem [...]".

140
Os trabalhos da Psicologia Comunitária usam recursos desenvolvidos
nos de Grupos de Encontro, juntamente com os Círculos de Cultura
de Paulo Freire, o que os profissionais de Psicologia comunitária
chamam de "Círculos de Encontro".

Rogers tentou explicar fenômenos sociais a partir de sua abordagem,


mas pecou pela ingenuidade presente em sua proposta, pois
acreditava que, a partir de uma revolução pessoal, poderia haver
uma revolução social. Este tipo de visão por parte do citado psicólogo
americano deu margem a uma série de produções na década de 80
criticando sua visão não-dialética dos processos sociais *.

Mesmo assim, é possível uma aplicação da ACP para a Psicologia


social a partir de "[...] especificações para a psicoterapia de grupo,
condução de grupos de trabalho, aplicações pedagógicas, aplicações
à pesquisa não social (prática da entrevista ‘não-diretiva’), aplicações
ao aconselhamento e á intervenção psicossocial [...]".

Como se percebe, os fenômenos cujo método da Abordagem


Centrada na Pessoa são eminentemente práticos (daí, talvez, a razão
de se dizer que a preocupação da abordagem é técnica), não
possuindo explicação para fenômenos sociais ou subjetivos, não se
caracterizando, portanto, como uma super-teoria, diferente do que
acontece com a Psicanálise (que leva seu conceito de Inconsciente
até às últimas conseqüências) e com o Comportamentismo (que tudo
explica a partir do conceito de Condicionamento Operante); com isso,
conclui-se que a Abordagem Centrada na Pessoa não é, ao contrário
das outras duas abordagens citadas, um sistema, configurando-se
como uma teoria aplicável a relações humanas.

MASLOW

141
Teoria

Uma das muitas coisas interessantes que Maslow descobriu quando


pesquisava o comportamento de macacos, logo no início de sua
carreira, é que algumas necessidades têm mais prioridade que
outras. Por exemplo, se você sente fome e sede, a tendência é tentar
resolver a sede primeiro. Afinal, você pode ficar sem comida por
semanas, mas apenas sobreviverá por alguns dias se não beber
água. Por isso, a sede é uma necessidade "mais forte" que a fome.
Do mesmo modo, se você está com muita sede e alguém impede
você de respirar, o que é mais importante? A necessidade de respirar,
é claro. Por outro lado, sexo é a necessidade mais fraca de todas
essas. Sejamos francos, você não vai morrer se ficar sem fazer sexo.

Maslow aproveitou essa ideia e criou sua famosa Hierarquia de


Necessidades. Ele definiu cinco níveis de necessidades:

1. as necessidades fisiológicas (onde se localizam as necessidades


de ar, água, comida e sexo que mencionamos);

2. as necessidades de segurança e estabilidade;

3. necessidades de amor e pertencimento;

4. as necessidades de estima;

5. a necessidade de auto-realização.

As necessidades básicas

1. As necessidades fisiológicas. Essas incluem as necessidades


que temos de oxigênio, água, proteínas, sais, açúcares, cálcio e
outros minerais e vitaminas. Também incluem a necessidade de
manutenção do pH do organismo (uma acidez excessiva ou muito
baixa pode matar você) e da temperatura (36oC ou próximo disso).

142
Além disso, há necessidade de ter atividades, de descansar, dormir,
livrar-se de substâncias tóxicas ou inúteis (CO2, suor, urina, fezes),
de evitar dor e de fazer sexo. Uma coleção de necessidades bastante
grande!

Maslow acreditava, e a pesquisa confirma, que uma falta de, por


exemplo, vitamina C, provocará um desejo por coisas específicas que
forneceram vitamina C no passado – por exemplo, suco de laranja.

2. As necessidades de segurança e estabilidade. Quando as


necessidades fisiológicas são resolvidas de um modo geral, o segundo
nível de necessidades entra em jogo. Você se tornará gradualmente
mais interessado em encontrar circunstâncias seguras, de
estabilidade e proteção. Você vai desenvolver a necessidade de ter
uma estrutura, alguma ordem e alguns limites.

Olhando pelo lado negativo, você vai passar a se preocupar não mais
com sua fome e sua sede, mas com seus medos e ansiedades. Esse
grupo de necessidades se manifesta no desejo de ter um lar seguro,
um emprego, um plano de saúde, um plano de aposentadoria, e
assim por diante.

3. As necessidades de amor e pertencimento. Quando se


consegue suprir, de modo geral, as necessidade fisiológicas e de
segurança, surge um terceiro nível. Você começa a sentir necessidade
de ter amigos, um namorado ou namorada, filhos, bons
relacionamentos em geral, e mesmo um senso de comunidade.
Olhando pelo lado negativo, você se torna gradualmente mais
sensível à solidão e às ansiedades sociais.

No nosso dia-a-dia, expressamos essas necessidades em nossos


desejos de casar, ter uma família, ser parte de uma comunidade,
membro de uma religião, torcedor de um time, etc. Isso também é
parte do que procuramos quando escolhemos uma profissão.

143
4. As necessidades de estima. Em seguida, começamos a desejar
um pouco de auto-estima. Maslow percebeu duas versões das
necessidades de estima: uma inferior e uma superior. A inferior é o
desejo de ter o respeito dos outros, a necessidade de status, fama,
glória, reconhecimento, atenção, reputação, apreciação, dignidade e
mesmo dominância. A versão superior envolve a necessidade de
auto-respeito, incluindo sentimentos como confiança, competência,
capacidade de realização, mestria, independência e liberdade. Note
que essa é uma forma "superior" porque, diferente do respeito que os
outros têm por você, uma vez que você tenha auto-respeito, este é
muito mais difícil de perder.

A falta de satisfação dessas necessidades são o que geram a baixa


auto-estima e os complexos de inferioridade. Maslow percebeu que
Adler tinha encontrado algo importante quando propôs que essas
eram as raízes de muitos, senão da maioria, de nossos problemas
psicológicos.

Os quatro níveis anteriores são chamados D-Needs (Deficit Needs,


necessidades geradas pela falta). Isso significa que, se você não tem
o que precisa – ou seja, se você tem um déficit – então você sente a
necessidade.

Maslow também fala desses níveis inferiores em termos de


homeostase. Homeostase é o princípio pelo qual a temperatura do
seu organismo é controlada, buscando sempre o ponto de equilíbrio.
Quando o tempo está muito quente, a transpiração faz com que seu
corpo esfrie. Quando o tempo está frio, o metabolismo se acelera
para aquecer o corpo. Do mesmo modo, quando seu corpo precisa de
alguma substância, surge um desejo por algum alimento que
contenha aquela substância. Quando você tiver essa substância em
quantidade suficiente no corpo, aquela fome específica cessará. O
ponto de equilíbrio foi atingido, pelo menos por enquanto. Maslow

144
simplesmente estendeu o princípio da homeostase para as
necessidades de segurança, pertencimento e estima.

Maslow vê esses quatro primeiros níveis como necessidades de


sobrevivência. Até mesmo amor e estima são necessários à
manutenção da saúde. Ele diz que todos nós temos essas
necessidades implantadas geneticamente, como se fossem
instintivas. De fato, ele usa o termo "necessidades instintóides"
(instintóide significa "como se fosse um instinto").

Em termos de desenvolvimento geral, nós percorremos esses níveis


um pouco como se fossem estágios. Quando somos recém-nascidos,
nosso foco está no fisiológico. Mas logo começamos a reconhecer
nossa necessidade de segurança. Logo depois disso, o bebê se
esforça por conseguir atenção e afeição. Um pouco mais tarde,
procuramos auto-estima. Veja só, isso tudo nos primeiros anos de
vida!

Em situações de estresse, ou quando nossa sobrevivência é


ameaçada, pode acontecer de "regredirmos" a um nível inferior de
necessidades. Quando sua maravilhosa carreira profissional vai por
água abaixo, pode ser que você comece a procurar um pouco de
atenção. Se sua família vai embora de repente, vai parecer que amor
é tudo que você sempre precisou na vida. Se você vai à falência
depois de uma vida longa e feliz, de repente você não consegue
pensar em nada além de dinheiro.

Essas coisas podem acontecer também além do nível individual, no


nível social. Quando uma sociedade se desorganiza, as pessoas
começam a desejar um líder forte que conserte as coisas. Se o país
entrar em guerra e bombas começarem a cair, a principal
preocupação das pessoas passará a ser a segurança. Se os alimentos
pararem de chegar aos mercados, as necessidades se tornarão ainda
mais básicas, chegando ao nível fisiológico.

145
Maslow sugeria que se perguntasse às pessoas sobre sua "filosofia do
futuro" – ou seja, como seria a vida ideal ou o mundo ideal para elas.
Pelas respostas, pode-se obter informações importantes sobre quais
necessidades elas tinham ou não suprido.

Se você teve problemas significativos ao longo do desenvolvimento –


um período de muita insegurança ou fome quando criança, ou perda
de um membro da família devido a morte ou divórcio, ou ainda
negligência ou abuso – pode ser que você se "fixe" naquele grupo de
necessidades pelo resto de sua vida.

Esta é a compreensão de Maslow sobre a neurose. Imagine que você


passou por uma situação de guerra quando criança. Agora você pode
ter tudo que precisa, mas ainda poderá estar obcecado por guardar
dinheiro ou ter um estoque de comida. Ou talvez seus pais se
divorciaram quando você era jovem. Agora você tem uma
maravilhosa esposa, mas tem um ciúme doentio e um medo de que
ela o deixe porque você não é bom o suficiente para ela.

Auto-realização

Os quatro níveis na parte de baixo da Pirâmide de Necessidades são


os D-Needs (Deficit Needs). Ou seja, se você tem falta em algum
desses níveis, você sente a necessidade, e procura supri-la. Mas se
você tiver tudo que precisa, o que você sente? Nada?! É isso mesmo!
Ou seja, essas necessidades deixam de ser motivadoras. É estranho
pensar dessa forma, mas se você supriu todas as necessidades
fisiológicas, de segurança, de amor e de estima, então você não
sente mais falta de nada! Qual então a motivação para continuar se
desenvolvendo?

É por isso que o último nível é um pouco diferente. Maslow usou uma
variedade de termos para se referir a este nível. Ele o chamou de B-

146
Needs (Being Needs, ou Necessidades de Ser), ou ainda "motivação
para o crescimento", ou ainda "auto-realização". As pessoas que
atingem esse nível foram chamadas por Maslow de "auto-
realizadoras".

As necessidades desse nível não se referem à busca de equilíbrio ou


homeostase. Uma vez que essas necessidades são acionadas, elas
continuam a ser sentidas indefinidamente, e não há como atendê-las
plenamente. É como se elas se tornassem mais fortes quanto mais
você tenta alimentá-las. Elas se referem ao contínuo desejo de
desenvolver potencialidades, de "ser tudo que você pode ser". Elas o
impelem a se tornar o mais completo "você" que só você pode ser.
Daí o termo auto-realização.

As pessoas auto-realizadoras

Vamos pensar um pouco na teoria até este ponto. Se você quer ser
realmente uma pessoa auto-realizadora, você precisa suprir suas
necessidades inferiores, pelo menos até certo nível. Isso faz sentido:
se você tem fome, você vai se virar para conseguir comida; se você
não se sente seguro, estará constantemente em alerta; se você está
isolado e sem amor, você vai tentar satisfazer essa necessidade; se
você tem uma baixa auto-estima, vai se tornar defensivo ou tentar
compensar de alguma forma. Ou seja, quando suas necessidades
inferiores não são satisfeitas, você não consegue se dedicar
totalmente ao desenvolvimento de seus potenciais.

Não é surpresa, portanto, com o mundo difícil em que vivemos hoje,


que apenas uma pequena porcentagem da população mundial seja,
verdadeira e predominantemente, auto-realizadora. Maslow em certo
ponto sugeriu que apenas 2% da humanidade são pessoas auto-
realizadoras.

147
Surge então a questão: o que exatamente Maslow chama de auto-
realização? Para responder a isso, precisamos dar uma olhada nas
pessoas que ele chamava de auto-realizadoras. Felizmente, Maslow
fez isso para nós, usando um método qualitativo denominado análise
biográfica.

Para começar, ele selecionou um grupo de pessoas. Algumas eram


figuras históricas, outras eram pessoas que ele conhecia. As pessoas
escolhidas eram aquelas que Maslow sentia que se encaixavam no
padrão de auto-realização. Nesse grupo estavam Abraham Lincoln,
Thomas Jefferson, Albert Einstein, Eleanor Roosevelt, Jane Adams,
William James, Albert Schweitzer, Benedict Spinoza, Aldous Huxley, e
mais 12 pessoas cujos nomes foram mantidos em segredo e que
estavam vivas na época em que Maslow conduziu a pesquisa. Ele
então estudou suas biografias e escritos, e os atos e palavras
daquelas que ele conhecia pessoalmente. A partir dessas fontes,
Maslow criou uma lista de qualidades que pareciam características
dessas pessoas, em oposição à grande maioria de pobres mortais
como nós.

Essas pessoas eram "centradas na realidade" (reality-centered), o


que significa que elas conseguiam distinguir o que é falso e enganoso
do que é real e genuíno. Elas eram "centradas em problemas"
(problem-centered), o que quer dizer que elas tratavam as
dificuldades da vida como problemas que precisavam de soluções,
não como frustrações pessoais com as quais devessem se irritar e se
conformar. Elas tinham uma percepção diferente de meios e fins.
Elas sentiam que os fins não necessariamente justificavam os meios,
mas que os meios poderiam ser fins em si mesmos e que os meios –
a jornada – eram, com muita frequência, mais importantes que os
fins.

148
Os auto-realizadores também têm um modo diferente de se
relacionar com os outros. Primeiramente, eles apreciam a solidão e
se sentem confortáveis em estar sozinhos. E eles apreciam relações
pessoais profundas com alguns poucos amigos próximos e
membros da família, mais do que relações superficiais com muitas
pessoas.

Eles apreciam a autonomia, uma relativa independência das


necessidades físicas e sociais. E eles resistem à aculturação, ou
seja, não são suscetíveis à pressão social de serem "bem ajustados"
ou de se adequarem ao padrão – eles são, na verdade,
inconformados, no melhor dos sentidos.

Eles têm um senso de humor não hostil – preferem fazer piada de


si próprios, ou da condição humana, e nunca fazem humor às custas
de alguém. Eles têm uma qualidade que Maslow chamou de
aceitação de si-mesmo e dos outros, que significa que eles são
mais propensos a aceitar você como você é do que tentar mudá-lo
para o modo como eles acham que você deveria ser. Essa mesmo
aceitação aplica-se às atitudes deles em relação a si mesmos: se
alguma característica pessoal não é prejudicial, eles a aceitam, até
mesmo apreciando-a como uma peculiaridade pessoal. Por outro
lado, eles são fortemente motivados a mudar características
negativas de si próprios que podem ser mudadas. Paralelamente a
essa aceitação, possuem espontaneidade e simplicidade: eles
preferem ser eles mesmos a serem pretensiosos ou artificiais.

Além disso, eles tinham um senso de humildade e respeito para


com os outros – algo que Maslow também chamou de "valores
democráticos" – significando que eles eram abertos à diversidade dos
indivíduos e à diversidade étnica, considerando-as inclusive um
tesouro da humanidade. Eles tinham uma qualidade que Maslow
chamou "human kinship", termo que denota um sentimento de

149
fraternidade para com a raça humana. Significa interesse social,
compaixão, humanidade. Essa qualidade era acompanhada de um
forte senso ético, que tinha uma conotação espiritual, mas
raramente ligado a religiões convencionais.

E essas pessoas tinham uma habilidade de ver as coisas, até mesmo


as coisas comuns, com admiração. Em paralelo a isso há a
capacidade de serem criativas, inventivas e originais.

E finalmente, essas pessoas tendiam a ter mais experiências


culminantes (peak experiences) do que as pessoas comuns. Uma
experiência culminante é um momento em que você é tirado de si
mesmo, que faz você se sentir minúsculo, ou muito grande, em certa
medida sentir-se um com a vida, ou com a natureza, ou com Deus.
Dá a sensação de ser parte do infinito e do eterno. Essas experiências
tendem a deixar marcas profundas na vida da pessoa, mudá-la para
melhor, e muitas pessoas procuram essa experiência ativamente. São
também chamadas de experiências místicas, e são conhecidas em
muitas tradições religiosas e filosóficas.

Maslow obviamente não declara que os auto-realizadores são


perfeitos. Há muitas falhas ou imperfeições que ele descobriu ao
longo de suas pesquisas. Em primeiro lugar, essas pessoas
frequentemente sofrem de considerável ansiedade e culpa – culpa e
ansiedade realistas, e não as versões neuróticas. Alguns deles
estavam sempre perdidos em pensamentos ou eram exageradamente
bondosos. E finalmente, alguns deles tinham momentos inesperados
de crueldade, frieza e perda de humor.

Há duas outras observações sobre os auto-atualizadores: a primeira é


que seus valores eram "naturais" e pareciam fluir sem esforço de
suas personalidades. Em segundo lugar, eles pareciam transcender
muitas das dicotomias que outros aceitavam como inquestionáveis,

150
como por exemplo, as diferenças entre espiritual e físico, ou entre
egoísmo e o altruísmo, ou entre o masculino e o feminino.

Metanecessidades e metapatologias

Outro modo como Maslow abordou o problema de definir o que é a


auto-realização foi falando sobre as necessidades especiais, também
chamadas de metanecessidades (B-needs), que direcionam a vida
dos auto-realizadores. Eis o que eles precisam em suas vidas para
serem felizes:

Desejados Indesejados

Verdade Desonestidade

Beleza Feiúra ou vulgaridade

Unidade, completude, Arbitrariedade ou escolhas


transcendência de opostos forçadas

Morte ou mecanização da
Vitalidade
vida

Singularidade Uniformidade

Descuido, inconsistência ou
Perfeição e necessidade
acidente

Justiça e ordem Injustiça e ausência de leis

Complexidade
Simplicidade
desnecessária

Riqueza Empobrecimento ambiental

Ausência de esforço Esforço excessivo

Auto-suficiência Dependência

Sentido Ausência de sentido

151
À primeira vista, pode parecer que todo mundo obviamente precisa
disso. Mas pense: se você vive em dificuldades econômicas ou em
meio a uma guerra, se você vive numa favela, você se preocupa mais
com esses valores, ou em como conseguir comida ou um teto para
passar a noite? De fato, Maslow acredita que muito do que está
errado no mundo é devido ao fato de muito poucas pessoas estarem
interessadas nesses valores – não porque sejam más pessoas, mas
porque elas nem sequer conseguiram atender suas necessidades
básicas.

Quando o auto-realizador não consegue satisfazer essas


necessidades, ele desenvolve metapatologias – uma lista de
problemas tão grande quanto a lista de metanecessidades! Vamos
resumir dizendo que, quando forçado a viver sem esses valores, o
auto-realizador desenvolve depressão, falta de esperança, desgosto,
alienação e certo grau de cinismo.

Maslow esperava que seus esforços em descrever as pessoas auto-


realizadoras eventualmente levassem a uma "tabela periódica" dos
tipos de qualidades, problemas, patologias e soluções características
dos mais altos níveis do potencial humano. Com o tempo, ele dedicou
atenção crescente não à sua própria teoria, mas à Psicologia
Humanista e ao movimento dos potenciais humanos.

O modelo de hierarquia de necessidades foi desenvolvido entre 1943


e 1954, e sua primeira publicação extensiva ocorreu em 1954, no
livro Motivação e Personalidade. Nessa época, o modelo de hierarquia
de necessidades era composto de cinco níveis, esses que
apresentamos aqui. Mais tarde, em seu livro Introdução à Psicologia
do Ser (1962), que acabou por se tornar o mais popular, Maslow já
apresentava uma noção mais ampliada das necessidades humanas e
já incorporava elementos do que seriam a semente do pensamento
transpessoal em Maslow, em especial a noção de transcendência.

152
Estudiosos da obra de Maslow posteriormente refizeram a clássica
pirâmide, que passou então a ter oito camadas:

No fim de sua vida, Maslow inaugurou o que ele chamou de Quarta


Força em psicologia. O behaviorismo era a primeira força; A
psicanálise freudiana e demais "psicologias profundas" constituíam a
segunda; sua própria Psicologia Humanista, incluindo os
existencialistas europeus era a terceira força. A Quarta Força é
representada pela Psicologia Transpessoal que, buscando inspiração
nas filosofias orientais, pesquisa assuntos como meditação, níveis
superiores de consciência, e mesmo fenômenos parapsicológicos.
Talvez o transpersonalista mais conhecido atualmente seja Ken
Wilber, autor de livros como O Projeto Atman e Uma Breve História
de Tudo.

Maslow depositava uma esperança otimista nessa nova corrente da


psicologia. Vejamos suas próprias palavras, no Prefácio à segunda
edição de "Introdução à Psicologia do Ser":

Considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia,


apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Psicologia ainda
"mais elevada", transpessoal, transumana, centrada mais no cosmo

153
do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do
humanismo, da identidade, da individuação e quejandos. [...] Esses
novos avanços podem muito bem oferecer uma satisfação tangível,
usável e efetiva do "idealismo frustrado" de muita gente entregue a
um profundo desespero, especialmente os jovens. Essas Psicologias
comportam a promessa de desenvolvimento de uma filosofia de vida,
de um substituto da religião, de um sistema de valores e de um
programa de vida cuja falta essas pessoas estão sentindo. Sem o
transcendente e o transpessoal ficamos doentes, violentos e niilistas,
ou então vazios de esperança e apáticos. Necessitamos de algo
"maior do que somos", que seja respeitado por nós próprios e a que
nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-
eclesiástico [...]

Maslow não chegou a ver fundada a Associação de Psicologia


Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology), o que só
ocorreu em 1972, dois anos após sua morte.

Principais influenciadores

Alfred Adler (1970-1937), médico e psicólogo austríaco

Erich Fromm (1900-1980), psicanalista alemão

Harry Harlow (1905-1981), psicólogo americano

Kurt Goldstein (1878-1965), psiquiatra alemão

Max Wertheimer (1880-1943), psicólogo tcheco

Ruth Benedict (1887-1948), antropóloga americana

Linha do Tempo

154
1908 No dia 1 de abril, nasce Abraham Harold Maslow,
no Brooklyn, Nova Iorque (EUA).

1928 Casa-se, contra a vontade de seus pais, com


Bertha Goodman, sua prima em primeiro grau

1930 Forma-se em Psicologia, pela Universidade de


Wisconsin

1931 Termina seu mestrado em Psicologia, na


Universidade de Wisconsin

1934 Termina seu doutorado em Psicologia, também


pela Universidade de Wisconsin

1937- Leciona no Brooklyn College, em Nova Iorque.


1951

1943 Publica o artigo "A Theory of Motivation" (Uma


teoria sobre a motivação), que acabaria se
tornando famoso por introduzir a primeira noção
da Hierarquia de Necessidades.

1951 Torna-se chefe do departamento de Psicologia da


Universidade de Brandeis.

1954 Publica o livro "Motivação e Personalidade"


(Motivation and Personality)

1961 Maslow ajuda Anthony Sutich a criar a Revista de


Psicologia Humanista.

1962 Escreve o livro "Introdução à Psicologia do Ser"


(Towards a Psychology of Being)

1962 Maslow ajuda Anthony Sutich a fundar a


Associação de Psicologia Humanista (Association
for Humanistic Psychology).

155
1968 Maslow é eleito presidente da Associação de
Psicologia Americana.

1970 Em 8 de junho, Maslow morre, aos 62 anos, de


ataque cardíaco

A PSICOLOGIA DA AUTO-ATUALIZAÇÃO OU AUTO-REALIZAÇÃO


A imagem da natureza humana feita por Maslow é otimista, enfatiza o


livre-arbítrio, a escolha consciente, a singularidade, a capacidade de
superar as experiências da infância e uma bondade inata. Para ele, a
personalidade é influenciada tanto pela hereditariedade como pelo
meio. Nosso objetivo fundamental é a auto-realização.

- AUTO-ATUALIZAÇÃO –

“O uso e a exploração plenos de talentos, capacidades,


potencialidades, etc.”

Representa um compromisso a longo prazo com o crescimento e o


desenvolvimento máximo das capacidades, e não um acomodamento
no mínimo por causa de preguiça ou falta de auto-confiança. O
trabalho da auto-atualização envolve a escolha de problemas criativos
e valiosos.

Trata-se de uma experiência de modo pleno, intenso e


desinteressado, com plena concentração e total absorção. Refere-se a
um modo continuo de viver, trabalhar e relacionar-se com o mundo,
e não a uma simples realização.

Maslow vê o homem comum como um ser humano completo com


poderes e capacidades amortecidos e inibidos. Sua pesquisa parte da

156
análise das vidas, valores e atitudes das pessoas que considerava
mais saudáveis e criativas. Aqueles que

Haviam alcançado um nível de funcionamento melhor, mais eficiente


e saudável do que o homem ou a mulher comuns, podendo com isso
explorar os limites da potencialidade humana.

Características de pessoas auto-atualizadoras:

1. percepção mais eficiente da realidade e relações mais


satisfatórias com ela;

2. aceitação de si, dos outros e da natureza;

3. espontaneidade, simplicidade, naturalidade;

4. concentração no problema, em oposição ao estar centrado no


ego;

5. a qualidade do desprendimento, a necessidade de privacidade;

6. autonomia, independência à cultura e ao meio;

7. vigor de apreço;

8. experiências místicas e culminantes;

9. sentimento de parentesco com os outros;

10. relações interpessoais mais profundas e intensas;

11. estrutura de caráter democrático;

12. criatividade e originalidade;

13. resistência a pressões sociais: transcendência de qualquer


cultura especifica.

157
Oito modos pelos quais o individuo se auto-atualiza
(comportamentos que levam à auto-atualização):

1. estar consciente ao que acontece dentro de si e ao redor com


intenso interesse;

2. fazer de cada escolha uma opção para o crescimento. Escolher o


crescimento é abrir-se para experiências novas e desafiadoras que
nem sempre são seguras, portanto, muitas vezes o crescimento
poderá ser contrário à segurança;

3. tornar verdadeiro, existir de fato e não somente em potencial. Para


isso é preciso aprender a sintonizar-se com sua própria natureza
intima. Isto significa decidir sozinho se gosta de determinadas
comidas ou filmes, independentes das idéias e opiniões dos outros;

4. honestidade e assumir a responsabilidade dos próprios atos. As


respostas devem ser procuradas em nós mesmos, assim entramos
em contato com o nosso intimo.

Estes quatro primeiros comportamentos ajudam a desenvolver a


capacidade de “ melhores escolhas de vida”

5. confiando em nosso próprio julgamento e em nosso próprios


instintos e a agir em termos deles; levando a melhores decisões (de
comida à marido);

6. usar as habilidades e inteligência e “trabalhar para fazer bem


aquilo que queremos fazer”. (pessoas dotadas que não usam suas
habilidades e pessoas com talentos médios, realizam muita coisa);

7. “experiências culminantes são momentos transitórios de auto-


atualização.” Durante estes momentos, estamos inteiros, mais
integrados e mais conscientes de nós mesmos e do mundo. Em tais
momentos pensamos, agimos e sentimos mais clara e acuradamente.
Amamos e aceitamos mais ou outros, estamos mais livres de conflitos

158
interiores e ansiedade e mais capazes de usar nossas energias de
modo construtivo.

8. reconhecer as próprias defesas e trabalhar para abandoná-las.


Precisamos nos tornar mais conscientes das maneiras pelas quais
distorcemos nossa auto-imagem e a do mundo exterior através da
repressão, projeção e outros mecanismos de defesa.

HIERARQUIA DE NECESSIDADES BÁSICAS DE MASLOW

 Maslow propôs uma hierarquia de cinco necessidades inatas


que ativam e direcionam o comportamento humano:
necessidades fisiológicas, de segurança, de afiliação e amor, de
estima e de auto-realização.

 Elas podem ser influenciadas ou anuladas pelo aprendizado,


pelas expectativas sociais e pelo medo de desaprovação.

 Embora venhamos dotados dessas necessidades ao nascer, os


comportamentos que efetuamos para satisfazê-las são
aprendidos e, portanto, sujeitos a variação de uma pessoa para
outra.

 São dispostas ordenadamente, da mais forte a mais fraca. As


necessidades inferiores têm de ser pelo menos parcialmente
satisfeitas antes que as superiores se tornem influentes.

 Não somos impulsionados por todas as necessidades ao mesmo


tempo. Geralmente, apenas uma dominará nossa
personalidade. Qual delas será, dependerá de quais das outras
terão sido satisfeitas.

 Quanto mais inferior ela for na hierarquia, maiores serão seu


poder, sua força e prioridade. As superiores são mais fracas.

159
 Como as superiores são menos importantes para a
sobrevivência real, sua satisfação pode ser postergada, não
produzindo nenhuma crise. Já o fracasso em satisfazer uma
necessidade inferior pode produzir déficit ou privação no
individuo.

 As superiores aprimoram a saúde e a longevidade – por isso,


são necessidades de crescimento ou de ser. É benéfica
psicologicamente e leva ao contentamento, à felicidade – à
realização.

 A natureza superior do homem repousa sobre a natureza


inferior do homem, precisando desta última como alicerce e
desmoronando se esse alicerce lhe faltar. Quer dizer, para a
grande massa da humanidade, a natureza superior do homem é
inconcebível sem uma natureza inferior satisfeita como sua
base.

 Assim podemos pensar no que acontece com os desejos do


homem quando há muito pão e sua barriga está cronicamente
cheia (interrogação) imediatamente emergem outras (e
superiores) necessidades e são essas, em vez de apetites
fisiológicos, que dominam seu organismo. E quando elas, por
sua vez, são satisfeitas, novamente novas (e ainda superiores)
necessidades emergem e assim por diante.

 Maslow argumenta que um sentido de identidade, uma carreira


meritória e o compromisso com um sistema de valores são tão
essenciais ao bem-estar psicológico quanto a segurança, amor
e auto-estima. Segundo ele, quando há falta de valores, sentido
ou realização na vida, pode ser ocasionar “metapatologias”, que
se refere justamente a frustração dessas necessidades de
realização.

160
Crescimento psicológico

Maslow aborda o crescimento psicológico em termos de satisfação


bem sucedida de necessidades mais “elevadas” e satisfatórias. A
busca de auto-atualização não pode começar até que o individuo
esteja livre da dominação de necessidades inferiores, tais como a
necessidade de segurança e estima. Segundo Maslow, a frustração
precoce de uma necessidade pode fixar o individuo naquele nível de
funcionamento. Por exemplo: alguém que, quando criança, não foi
muito popular, pode continuar a se preocupar profundamente com
necessidades de auto-estima por toda vida. A busca de necessidades
mais elevadas é, em si, um índice de saúde psicológica

PSICOLOGIA INDIVIDUAL (Adler)

Alfred Adler nasceu de uma família de classe média em Viena, em


1870, e morreu na Escócia em 1937. Foi um dos fundadores da
Sociedade Psicanalítica de Viena e depois seu presidente. Não
demorou muito para que começasse a desenvolver ideias que
divergissem das de Freud. Formou, então, seu próprio grupo,
denominando-o grupo do sistema holístico da psicologia individual.

A abordagem criada por Adler compreende as pessoas como sendo


totalidades integradas dentro de um sistema social. Sustenta a
motivação do homem como sendo fundamentada pelas solicitações
sociais. Para Adler, o homem procura contato com os outros,
empreende atividades sociais em cooperação, põe o bem-estar social
acima do interesse próprio, adquirindo um estilo de vida que é,
predominantemente, orientado para o meio externo.

Adler manifesta uma preocupação biológica, tanto quanto Freud e


Jung. Freud enfatiza o sexo, Jung os padrões primitivos de
pensamento e Adler o interesse social.

161
Adler cria alguns conceitos muito importantes para a psicologia da
personalidade:

Self – corresponde a um sistema altamente personalizado e subjetivo


que interpreta e tornam significativas as experiências do organismo.
É criador, unitário, consistente e soberano na estrutura da
personalidade.

É algo que intervém entre os estímulos que agem sobre a pessoa e as


respostas que ela oferece. O homem constrói sua personalidade com
a matéria-prima da hereditariedade e da sua experiência. O self
criador dá sentido à vida; cria tanto o ideal como os meios de atingi-
lo. É o princípio ativo da vida humana.

Estilo de vida – corresponde ao princípio do sistema pelo qual a


personalidade funciona; é o todo que comanda as partes. É o
princípio que explica a singularidade da pessoa. Cada pessoa tem um
estilo de vida e não há dois iguais.

Todos têm o mesmo objetivo, a superioridade, mas há inúmeras


maneiras de atingi-lo. Toda conduta de uma pessoa tem origem em
seu estilo de vida. Este se forma na infância, por volta dos quatro
anos de idade e, daí por diante, as experiências são assinaladas e
utilizadas de acordo com ele. É uma compensação para determinada
inferioridade.

Luta pela superioridade – corresponde ao objetivo superior do


homem na sua luta contra os obstáculos: ser agressivo, poderoso
superior.

“Superioridade é algo análogo ao conceito de self em Jung, ou ao


princípio de auto-realização de Goldstein. É um esforço da
personalidade no sentido de completar-se. É ‘a força que arrasta para
cima.’” (Hall & Lindzey)

162
Todas as funções do homem seguem a direção da luta pela
superioridade, que é inata, é um princípio dinâmico preponderante –
uma luta pela plena realização de si mesmo.

Inferioridade e compensação – há a inferioridade orgânica, pois,


para Adler, cada região do corpo apresenta uma inferioridade básica,
inferioridade essa que existe em virtude de herança ou de alguma
anomalia do desenvolvimento.

Depois Adler ampliou o conceito, incluindo quaisquer sentimentos de


inferioridade, tanto os que decorrem de incapacidades psicológicas ou
sociais sentidas subjetivamente, como os que se originam de
fraqueza ou deficiência física.

No princípio, Adler correlacionava a inferioridade com feminilidade,


cuja compensação ele chamou de “protesto masculino”. Os
sentimentos de inferioridade decorrem de um senso de imperfeição
em alguma esfera da vida. Adler afirmava que os sentimentos de
inferioridade não são indícios de anormalidade; são a causa de todo
melhoramento na vida humana.

Sob condições normais o sentimento de inferioridade ou um senso de


imperfeição é a grande mola propulsora da humanidade. O homem é
impulsionado pela necessidade de superar sua inferioridade e
arrastado pelo desejo de ser superior.

Interesse social – corresponde à verdadeira e inevitável


compensação pela natural fraqueza dos seres humanos. É quando a
luta pela superioridade torna-se socializada.

Adler acreditava que o interesse social é inato; que o homem é uma


criatura social por natureza e não por hábito. Contudo, à semelhança
de qualquer outra aptidão natural, esta predisposição inata não surge
espontaneamente. Ela torna-se atuante quando orientada e treinada.

163
É esse interesse social inato que motiva o homem a subordinar o
interesse pessoal ao bem-estar comum.

Finalismo de ficção – Adler descobriu a ideia de que o homem é


motivado mais pelas expectativas do futuro do que por suas
experiências do passado. Esses objetivos de ficção eram, para Adler,
a causa subjetiva dos acontecimentos psicológicos.

Adler identificou a teoria de Freud com o princípio da causalidade e


sua própria teoria com o princípio do finalismo.

“Só o objetivo final pode explicar a conduta humana.” (Adler,


1930)

Esse objetivo final pode ser uma ficção, isto é, um ideal impossível de
realizar-se mas que é, não obstante, um estímulo real para o esforço
humano e para a explanação última de sua conduta. Adler acreditava,
contudo, que a pessoa podia libertar-se da influência dessas ficções e
enfrentar a realidade quando necessário, o que o neurótico é incapaz
de fazer.

Conclusão

Adler interessou-se, especialmente, pelas espécies de influências que


predispõem a criança para um defeituoso estilo de vida. Descobriu
alguns fatores importantes, como as crianças com inferioridades, as
crianças mimadas, as crianças rejeitadas.

As crianças com enfermidades físicas e mentais sofrem muito e têm


tendência a se sentir deficientes face às solicitações da vida. Em
geral, consideram-se fracassadas. Se, porém, tiverem pais
compreensivos e encorajadores, poderiam compensar suas
inferioridades e transformar sua fraqueza em força.

Muitos homens famosos começaram a vida com deficiências


orgânicas, que depois superaram. Constantemente, e com

164
veemência, Adler levantou sua voz contra os males da
superproteção; pois, para ele, esse é o maior castigo que se pode
impor à uma criança.

As crianças superprotegidas não conseguem desenvolver sentimentos


sociais; tornam-se déspotas, à espera que a sociedade se conforme
com seus desejos egoístas. Adler considerava isso danoso à
sociedade.

A rejeição também produz consequências desastrosas nas crianças.


Maltratadas na infância, tornam-se adultas inimigas da sociedade.
Seu estilo de vida é dominado pela necessidade de vingança.

Essas condições – enfermidade orgânica, superproteção e rejeição –


produzem concepções errôneas sobre o mundo, resultando num estilo
patológico de vida.

PSICOLOGIA ANALÍTICA (Jung)

De acordo com Jung, a psique se compõe de vários sistemas e níveis


diversificados que interatuam. Há 3 níveis na psique:

Consciência é a única parte da mente conhecida diretamente pelo


indivíduo. Aparece provavelmente antes do nascimento. Esta
percepção consciente cresce diariamente devido à aplicação das 4
funções mentais: pensamento, sentimento, sensação e intuição. A
utilização predominante de uma dessas funções é que diferencia o
caráter básico de uma criança do de outra.

Além destas 4 funções mentais, existem 2 atitudes que determinam a


orientação da mente consciente: a extroversão e a introversão.

O processo pelo qual a consciência de uma pessoa se individualiza ou


se diferencia da de outra é a individuação (é ela que permite a uma
pessoa se tornar um "indivíduo psicológico", isto é, uma unidade ou

165
um 'todo' separado e indivisível); ela desempenha um papel
primordial no desenvolvimento psicológico.

A individuação e a consciência caminham pari pasu no


desenvolvimento da personalidade. Do processo de individuação da
consciência nasce o EGO (é a organização da mente consciente; é
composto por: recordações, pensamentos e sentimentos).

Embora o ego ocupe um pequeno espaço da psique total,


desempenham uma função básica de vigia da consciência. O ego é
altamente seletivo.

O ego fornece à personalidade identidade e continuidade; a pessoa só


poderá se individualizar à medida que o ego permitir que as
experiências vividas mantenham-se conscientes.

Inconsciente pessoal

As experiências que não têm aceitação no ego ficam aí depositadas;


este nível é contíguo ao ego. É o receptáculo que contém todas as
atividades psíquicas e os conteúdos que não se harmonizam com a
individuação ou função consciente. Podem também ser experiências
reprimidas ou desconsideradas por diversos motivos. Todas as
experiências fracas demais para atingirem a consciência ou nela
permanecer ficam armazenadas no inconsciente pessoal.

Os conteúdos aí alocados têm fácil aceso à consciência, quando se faz


necessário. O inconsciente pessoal desempenha um papel importante
na produção dos sonhos.

Complexos é a possibilidade de reunião dos conteúdos para formar


um aglomerado ou constelação. Os complexos são grupos de
sentimentos, pensamentos e lembranças inconscientes. Os complexos
funcionam como pequenas personalidades separadas da
personalidade total. São autônomos, possuem a força propulsora

166
própria e podem atuar de modo intenso no controle dos pensamentos
e comportamentos.

Os complexos estão diretamente ligados à condição neurótica e, um


dos objetivos da terapia analítica é libertar a pessoa da tirania deles.

Na verdade, um complexo não tem necessariamente de ser um


obstáculo ao ajustamento de uma pessoa; eles pode, ser, e
frequentemente são, fontes de inspiração e de impulso essenciais
para a realização de um fato notável.

Os complexos devem ter raízes em algo muito mais profundo na


natureza humana que as experiências da primeira infância.

Inconsciente coletivo

Sua descoberta constituiu um marco decisivo na história da


Psicologia.

A mente, por intermédio do cérebro, herda as características que


determinam de que maneira uma pessoa reagirá às experiências de
vida, chegando até a determinar que tipos de experiências terá. A
mente humana é prefigurada pela evolução.

Dessa maneira, o indivíduo está preso ao passado, não somente de


sua infância, mas também do passado da espécie, e antes disso, à
longa cadeira da evolução orgânica.

O inconsciente pessoal compõe-se de conteúdos que foram em certos


momentos conscientes, ao passo que os conteúdos do inconsciente
coletivo jamais o foram no período de vida de um indivíduo.

O inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes


"imagens primordiais" (originais); portanto, uma imagem latente diz
respeito ao desenvolvimento mais primitivo da psique.

167
O homem herda tais imagens do passado ancestral, que inclui todos
os antecessores humanos, pré-humanos e animais. Estas imagens
étnicas não são herdadas no sentido de uma pessoa se lembrar delas
conscientemente, ou de ter visões com as dos antepassados. São
antes predisposições ou potencialidades no experimentar e no
responder ao mundo tal como os antepassados.

O desenvolvimento e a expressão do pensar, perceber, sentir e agir


dependem inteiramente das experiências do indivíduo.

Os conteúdos do inconsciente coletivo estimulam um padrão pré-


formado de comportamento pessoal que o indivíduo seguirá desde o
dia do nascimento. A forma do mundo em que nasce lhe é inata como
uma imagem virtual. Essa imagem virtual se transforma em realidade
consciente ao se identificar com os objetos que lhe são
correspondentes. Os conteúdos do inconsciente coletivo são
responsáveis pela seletividade da percepção e da ação.

Quanto maior o número de experiências, mais numerosas são as


probabilidades de as imagens latentes se tornarem manifestas. Eis
por que um ambiente rico e muitas oportunidades de educação e
aprendizado se fazem necessárias à individuação de todos os
aspectos do inconsciente coletivo.

Os arquétipos são os conteúdos do inconsciente coletivo. A palavra


arquétipo significa um modelo original que conforma outras coisas do
mesmo tipo; significa o mesmo que protótipo.

De acordo com Jung, existem tantos arquétipos quantas são as


situações típicas da vida. Uma repetição infinita gravou estas
experiências em nossa constituição psíquica como formas sem
conteúdo que representavam apenas a possibilidade de certo tipo de
percepção e de ação.

168
Os arquétipos não são representações plenamente desenvolvidas na
mente; assemelham-se mais a um negativo a espera de ser revelado
pela experiência. Uma imagem primordial só é determinada quanto
ao conteúdo depois que se tornou preenchida pelo material da
experiência consciente.

Embora no inconsciente coletivo os arquétipos constituam estruturas


separadas, eles podem formar combinações; sendo eles capazes de
interagir uns com os outros, isto também constitui um fator na
produção das diferenças de personalidade entre os indivíduos.

Os arquétipos são universais, isto é, todos herdam as mesmas


imagens arquetípicas básicas, embora surjam, desde cedo, diferenças
individuais em suas formas de expressão.

O arquétipo constitui núcleo de um complexo; funciona como imã e


atrai para si experiências significativas a fim de formar um complexo.
Tornando-se forte, pode chegar à consciência

Há 4 arquétipos básicos na teoria junguiana:

Persona dá ao indivíduo a oportunidade de compor uma personagem


que necessariamente não seja ele mesmo; trata-se de uma máscara
ou fachada ostentada publicamente com a intenção de provocar uma
impressão favorável para que a sociedade o aceite. É o arquétipo da
conformidade. É a "face externa" da psique (porque é a face vista
pelo mundo).

A persona é imprescindível à sobrevivência. Ela torna o ser humano


capaz da convivência social e comunitária, constituindo-se na sua
base. A recompensa material que ela acarreta pode ser utilizada para
se levar uma vida privada mais satisfatória e quiçá, mais natural.

Uma pessoa pode usar mais de uma máscara; o conjunto de todas


elas constitui a sua persona.

169
O papel da persona na personalidade tanto pode ser benéfica como
prejudicial quando um indivíduo se deixa enlear demais ou se
preocupa excessivamente com o papel que está desempenhando e
seu ego começa a se identificar unicamente com tal papel, os demais
aspectos de sua personalidade são postos de lado; este indivíduo se
torna alheio à sua natureza e vive em permanente estado de tensão
devido ao conflito entre a persona super desenvolvida e as partes
subdesenvolvidas de sua personalidade (inflação = identificação do
ego com a persona).

As vítimas da inflação podem experimentar sentimentos de


inferioridade e recriminação de si mesmas quando se sentem
incapazes de corresponder aos padrões que delas se esperam;
também podem experimentar sentimentos de superioridade:
projetam seu papel nos demais e exigem que desempenhem um
papel idêntico ao seu. Os costumes e as leis relacionadas com a
conduta pessoal constituem a expressão da persona de um grupo.
Visam a impor padrões uniformes de comportamento
desconsiderando as necessidades individuais.

Anima e animus

É "face interna" da persona. A anima constitui o aspecto feminino da


psique masculina, enquanto que o animus compõe o lado masculino
da psique feminina. Ambos os arquétipos têm um valor muito grande
para a sobrevivência.

A anima tem um apreço preconcebido por tudo o que é fútil,


desamparado, incerto e não intencional numa mulher. O animus
prefere se identificar com homens heróicos, intelectuais, artistas ou
atletas célebres. A anima e o animus se projetam no sexo oposto e
são responsáveis pelas relações entre os sexos.

Tais arquétipos se apresentam muitas vezes desinflados ou


subdesenvolvidos. O desequilíbrio entre a persona e a anima ou o
170
animus pode ter como corolário o desencadeamento de uma rebelião
de um dos dois, o que leva a pessoa a reagir exageradamente.
Alguns travestis masculinos e homossexuais efeminados se incluem
nesta categoria.

Sombra

Representa o gênero da pessoa e influi em suas relações com


pessoas do próprio sexo. No homem a sombra contém uma maior
quantidade de natureza animal do que qualquer outro arquétipo. Por
suas raízes profundas na história evolutiva, este é provavelmente o
mais poderoso e o mais perigoso de todos os arquétipos. É a fonte de
tudo o que há de melhor e de pior no homem, particularmente em
suas relações com outras pessoas do mesmo sexo.

Estas relações podem ser amistosas ou hostis, dependendo de ser a


sombra aceita ou não pelo ego e incorporada de modo adequado à
psique ou rejeitada pelo ego e banida para o inconsciente.

Para que um indivíduo se torne um ser essencial em sua comunidade,


ser-lhe-á necessário dominar os ímpetos animais contidos na sombra;
esta supressão o torna civilizado, mas só o consegue às custas da
capacidade motivadora da espontaneidade, da criatividade, das fortes
emoções e da intuição profunda. Priva-se da sabedoria de sua
natureza instintiva, que pode ser mais profunda que outra que pode
ser proporcionada pelo estudo ou pela cultura. Mas a sombra não é
facilmente derrotada pela supressão. Tem a capacidade de reter e
afirmar ideias ou imagens que podem vir a ser vantajosas para o
indivíduo; graças à sua tenacidade, pode impelir uma pessoa a
atividades mais satisfatórias e mais criativas.

Quando o ego e a sombra trabalham em perfeita harmonia, a pessoa


se sente cheia de vida e energia. O ego canaliza, ao invés de obstruir,
as forças emanadas do instinto. A consciência se expande e a
atividade mental fica cheia de vivacidade e vitalidade.
171
Os "elementos maus" da sombra quanto são eliminados da
consciência não são descartados; eles simplesmente se recolhem ao
inconsciente onde permanecem em estado latente enquanto tudo
corre bem no ego consciente. Mas, se a pessoa se encontrar numa
crise ou tiver de enfrentar uma situação vital difícil, a sombra
aproveitará a oportunidade para exercer o seu poder sobre o ego.

A sombra é dotada de um enorme poder de resistência, nunca é


vencida. Quando a sombra é fortemente reprimida pela sociedade, ou
quando lhe são dadas válvulas de escape inadequadas,
frequentemente ocorrem desastres.

A sombra contém os instintos básicos ou normais e é fonte de


intuições realistas e de respostas adequadas, importantes para a
sobrevivência; a sombra confere à personalidade uma qualidade
tridimensional, de plenitude. Tais instintos são os responsáveis pela
vitalidade, criatividade, vivacidade e vigor humanos. A rejeição da
sombra reduz a personalidade.

Eu ou self

É o princípio organizador da personalidade; é o principal arquétipo do


inconsciente coletivo. É o arquétipo da ordem, da organização e da
unificação; atrai a si e harmoniza os outros arquétipos e suas
atuações nos complexos e na consciência, une a personalidade e lhe
confere um senso de "unidade" e firmeza.

Quando uma pessoa declara se sentir em paz consigo mesma e com


o mundo, é que o self está exercendo com eficácia o seu trabalho.
Por outro lado, quando se sente "fora do eixos" e insatisfeita ou em
um conflito mais sério e tem a impressão de que "desmorona", é
porque o self não está atuando de modo conveniente.

O self é um fator interno de orientação; tem a capacidade de regular


ou governar e de influenciar a personalidade; pelo desenvolvimento

172
do self a pessoa fica motivada a aumentar a consciência, a
percepção, a compreensão e o rumo da própria vida.

O conceito de self é o mais importante das investigações junguianas


sobre o inconsciente coletivo. De acordo com ele, o self é a meta de
nossa existência, por ser ele a mais completa expressão da
combinação a que estamos fadados e que denominamos
individualidade.

Os conceitos estruturais de Jung são interativos; eles podem:


compensar fraquezas entre si, um componente pode se contrapor a
outro e duas ou mais estruturas podem se unir formando uma
síntese.

A PSIQUE: UM SISTEMA RELATIVAMENTE FECHADO

Ela deve ser tratada como um fenômeno unitário em si mesma, ou


seja, como um sistema de energia mais ou menos autocomandado,
distinto de qualquer outro sistema de energia.

A psique pode ser descrita como uma esfera de natureza permeável,


que permite o acréscimo de mais energia procedentes de fontes
externas ao sistema. A energia fornecida pelas fontes externas
procede das coisas que tocamos, cheiramos, sentimos, vemos,
degustamos ou ouvimos.

Os cinco sentidos constituem uma fonte contínua de estimulação por


meio da qual a psique é alimentada; por isto o sistema psíquico está
em constante mudança e nunca pode atingir um estado perfeito de
equilíbrio. Apenas consegue uma estabilidade relativa.

Os estímulos provenientes do meio exterior e do corpo provocam


uma incessante redistribuição, ou transferência de energia do
sistema.

173
Se fosse um sistema fechado, a psique poderia alcançar um estado
de perfeito equilíbrio porque não estaria sujeita a interferências
externas; nesse caso ela poderia ser comparada a um poço que
secasse por falta de água fresca.

Jung denomina esta energia de "energia psíquica" ou "libido (=


apetite: da fome, da sede, do sexo e as emoções). A libido se
manifesta de modo consciente por meio dos esforços, do desejo e da
determinação.

A energia psíquica se expressa por meio de forças reais ou potenciais


que executam o trabalho psicológico. Perceber, lembrar, pensar,
sentir, desejar, querer, aplicar-se e se esforçar são atividades
psicológicas, assim com respirar, digerir e suas são atividades
fisiológicas. Forças potenciais da personalidade são as predisposições,
as tendências latentes e as propensões. Tais forças potenciais ou
latentes podem ser ativadas a qualquer momento.

As experiências são "consumidas" pela psique e transformadas em


energia psíquica. Mesmo quando estamos dormindo, a psique
continua ativa, produzindo os sonhos.

A energia física se transforma em energia psíquica e vice-versa; as


drogas produtoras de efeitos químicos no corpo também lhe
provocam alterações no funcionamento psicológico; e os sentimentos
e os pensamentos parecem afetar as funções psicológicas. É sobre
esta base que se assenta a medicina psicossomática; Jung pode ser
considerado um dos precursores desta nova e importante concepção
médica.

Segundo Jung, valor é uma medida de quantidade de energia


consagrada a um elemento psíquico em particular. Quando se atribui
um alto valor a uma ideia ou sentimento isto que dizer que eles
exercem uma força considerável para controlar e dirigir o
comportamento individual.
174
O valor absoluto da energia psíquica aplicada a um elemento
psicológico não pode ser determinado, mas seu valor relativo diante
de outros pode sê-lo. Podemos pensar ou comparar nossos valores
psíquicos uns com os outros e lhes determinar as forças relativas.

Como sistema dinâmico, a psique está constantemente atribuindo


várias quantidades de energia às diversas atividades psicológicas.
Tais quantidades variam de um momento para outro. A escala de
valores de uma pessoa não segue um padrão constante.

Quando um valor consciente desaparece sem aparecer outra


atividade consciente e equivalente, pode-se esperar que ele apareça
no inconsciente; portanto, não há perda de energia no sistema.

Em relação aos complexos, podemos dizer que:

Os psicólogos analíticos não tomam ao pé da letra as afirmações e


seus pacientes: trata de descobrir o que se oculta por detrás delas;

Todo distúrbio de comportamento pode ser indício de um complexo;

É difícil descobrir um complexo quando existe uma super


compensação: quando o núcleo de um complexo fica obscurecido por
outro complexo que temporariamente adquire um valor energético
mais alto. Este valor mais alto advém do fato de a pessoa ter
deliberadamente transferido a energia do complexo "verdadeiro" para
o que serve de "disfarce". Uma vez identificado o verdadeiro
complexo, pode-se lidar com ele;

As reações emocionais exageradas indicam a existência de um


complexo subjacente;

Jung acreditava na existência da intuição (capacidade natural e


espontânea que toda pessoa possui de perceber no outros até a mais
leve oscilação emocional); ela é mais desenvolvida em umas pessoas
que em outras.

175
PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA

A psicodinâmica junguiana se vale de dois princípios básicos extraídos


da Física: o princípio da equivalência e o princípio da entropia.

Segundo o princípio da equivalência, e a quantidade de energia de


um elemento psíquico diminuir ou desaparecer, igual quantidade de
energia aparecerá noutro elemento psíquico. Portanto, pode-se
afirmar que não há perda de energia na psique; o que ocorre são
transferências de uma posição a outra; a energia pode ser distribuída
pelos diversos componentes; a energia utilizada durante o dia para as
atividades, à noite se transfere para os sonhos. A energia também
pode ser transferida do ego para o inconsciente pessoal ou para o
coletivo. Na transferência de um tipo de energia para outra, algumas
características da primeira passam para a segunda.

Normalmente, a energia só pode ser transferida em termos de


equivalência; por vezes, entretanto, nem toda a energia será usada
no novo valor: neste caso a energia excedente passa para um
elemento inconsciente. A energia não pode desaparecer; pode ser
somada à psique pelas experiências, mas dela não pode ser
subtraída.

Em sendo a energia um recurso finito, haverá ma competição por ela


entre as várias estruturas.

PRINCÍPIO DA ENTROPIA

A distribuição da energia na psique visa a obtenção de um equilíbrio


em todas as suas estruturas. A psique não é uma estrutura
totalmente fechada: ela recebe continuamente novas energias vindas
de fontes exteriores. Tal acréscimo de energia gera desequilíbrios que
geram tensão e conflitos. Entretanto, equiparação de dois valores ou
estruturas que originalmente possuíam quantidades desiguais de

176
energia pode levar a uma forte e duradoura síntese dos valores ou
estrutura que dificilmente será dissolvida.

Em condições normais a energia nova pode encontrar lugar na psique


sem provocar sérios deslocamentos. Mas se a psique for instável, em
virtude de uma distribuição desigual de energia, e se a estimulação
for tão forte que não possa ser controlada, talvez o indivíduo busque
se proteger fechando-se numa concha.

As pessoas mais normais dispõem de recursos para se proteger em


situações angustiantes: fecham as suas mentes e se recusam a dar
ouvidos a tudo o que lhes possa perturbar as convicções. Fechando
suas mentes a novas experiências, podem se aproximar mais de um
estado de perfeita entropia.

O princípio da entropia não pode funcionar com suficiente rapidez


para lidar adequadamente com uma grande quantidade de energia
trazida à psique. Quando isto ocorre, os sentimentos de incerteza,
perplexidade, conflito, insegurança, angústia e confusão são
projetados para fora em forma de rebelião, mau-humor,
imprevisibilidade e impulsividade.

O fluxo de energia de uma estrutura forte para uma estrutura fraca


além de ficar bloqueado, fica também invertido. Dessa fora a psique
se desequilibra acentuadamente e nela surge uma estrutura
dominante cada vez mais forte e outras muito fracas. O súbito fluxo
de energia para fora de um sistema poderoso pode acarretar
consequências tão desastrosas quanto as consequentes do
rompimento de um dique.

A contrapartida psicológica da entropia é o eu.

PROGRESSÃO E REGRESSÃO

Progressão são as experiências cotidianas promotoras da adaptação


psicológica do indivíduo. A progressão de um indivíduo constitui um

177
processo contínuo, pois o ambiente e as experiências se modificam
continuamente. Por conseguinte, a progressão nunca chega a se fazer
de modo completo.

A progressão da libido se faz de acordo com as exigências das


condições ambientais. Desde o início da vida o indivíduo entra em
contato com o mundo predisposto a desempenhar uma função mental
específica; quanto tal função se torna por demais dominante e
poderosa, por progressão, atrai a si toda experiência possível e toda
energia psíquicas. Entretanto, há um momento em que a nova função
se faz necessária pelo fato de a função anterior ter deixado de ser
adaptativa. Nesse caso a atitude perderá sua força e cessará a
progressão da energia psíquica nessa função. A certeza e a segurança
antes presentes se dissipam e são substituídas por uma miscelânea
de valores psíquicos caóticos, o que torna a psique dominada pela
tensão.

Para que se reinstale a progressão da libido é necessário que fique


unido o par das funções contrárias, devendo ambas atingir um estado
de interação e influência mútuas, evitando dessa maneira que se
desequilibre o desenvolvimento das funções psíquicas. Quando isso
não acontece a energia psíquica é paralisada e o par de contrários
não podem se coordenar.

A luta entre os contrários prosseguiria infinitamente se o processo de


regressão não entrasse em cena para interromper o conflito. Por
meio da colisão e das interações, os contrários se privam
continuamente de sua energia (despotencializam-se) pelo processo
de regressão. A regressão subtrai energia dos elementos psíquicos,
enquanto que a progressão adiciona energia a eles.

Durante a crise, ao longo do processo de regressão ocorre uma


constante perda de valor dos contrários e a nova função pode evoluir
de maneira gradual, esta nova função recentemente desenvolvida só

178
se afirma a princípio indiretamente sobre o comportamento
consciente.

A nova função ativada pela regressão ao atingir a consciência parece


um tanto estranho, disfarçado e rude de aspecto ou "estará
encoberto pelo lodo do fundo". Esse fundo é o estado inconsciente
profundo de onde se fez emergir a função regredida.

Ao ativar pela regressão uma função inconsciente, a nova função se


depara com problemas de adaptação externa. Uma vez obtida essa
adaptação inicial, pode recomeçar a progressão da libido.

A adaptação não se faz necessária apenas pelas exigências do mundo


exterior; é mister que a pessoa se adapte também a seu mundo
psíquico. A interdependência das duas espécies de adaptação significa
que não é licito a uma pessoa negligenciar uma delas sem prejudicar
a outra. Tanto a progressão quanto a regressão são essenciais para
um bom ajustamento.

Não podemos confundir progressão com desenvolvimento: o primeiro


diz respeito à direção em que flui a energia; o segundo, à
diferenciação (individuação) das estruturas. Regressão e Progressão
são análogos a fluxo e a refluxo da maré; tanto uma quanto outra
quando ativam as estruturas, podem influir indiretamente sobre o
desenvolvimento.

Não se confunda também progressão e regressão com extroversão e


introversão: na realidades as duas primeiras podem ocorrer sobre as
formas extrovertidas e introvertidas; elas são conceitos de energia e
não estruturas formais ou elementos da psique.

CANALIZAÇÃO DA ENERGIA

Tal como a energia física, a energia psíquica é encaminhada,


desviada e transformada, ou seja, canalizada.

179
A fonte natural de energia está nos instintos; esta energia segue seu
próprio curso ou gradiente, mas não canaliza nenhum trabalho; ela
precisa ser encaminhada a novos canais para que se faça um
trabalho. A transformação da energia é efetuada graças à sua
canalização a um análogo do objeto do instinto. Esse análogo recebe
o nome de símbolo. O símbolo, embora se assemelhe ao original não
é idêntico a ele. Canalizando a energia dos instintos para seus
respectivos símbolos científicos, o homem é capaz de moldar o
mundo.

Só uma pequena parte da energia instintiva pode ser desviada para a


constituição dos símbolos. A maior parte prossegue em seu fluxo
natural para manter o curso regular da vida.

Embora a libido seja utilizada exclusivamente para sustentar o


sistema da personalidade, certa quantidade de energia permanece
não utilizada e disponível para a criação de novos símbolos. Este
excesso se libido se deve à incapacidade do sistema da personalidade
de igualar completamente as diferenças entre as intensidades das
energias.

O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

INDIVIDUAÇÃO

É o conceito-chave de desenvolvimento para Jung. Os vários sistemas


de personalidade vão se tornando cada vez mais individualizados
durante a vida da pessoa: cada sistema se diferencia dos outros e
dentro de si mesmo. Começa como uma simples estrutura e se
transforma numa estrutura complexa, podendo se expressar de
diversas maneiras.

O ego individualizado é capaz de proceder a sutis discriminações


entre suas percepções do mundo; ele capta relações tênues entre as

180
ideias e esquadrinha mais profundamente o significado dos
fenômenos objetivos.

Da mesma forma, a persona, a anima, o animus, a sombra e os


demais arquétipos do inconsciente coletivo, assim como os complexos
do inconsciente individual passam a se expressar de maneira mais
sutil e intrincada à medida que se vão individualizando.

A individuação é um processo autônomo e inato – não precisa de


estimulação externa para começar a existir. A personalidade de um
indivíduo está destinada a se individualizar tão fatalmente quanto o
corpo está destinado a crescer.

Assim com o corpo precisa de uma alimentação adequada e de


exercícios, também a personalidade necessita de experiências
adequadas e de educação para sua individuação sadia. Somente por
meio da conscientização, pode a personalidade proceder à sua
individuação.

A psicoterapia é, antes de tudo, um processo de individuação.

TRANSCENDÊNCIA E INTEGRAÇÃO

A integração da personalidade constitui uma dos temas dominantes


na psicologia junguiana. O primeiro passo para a integração é a
individuação de todos os aspectos da personalidade. O segundo
estágio é controlado pela função transcendente. Essa função é
dotada da capacidade de unir todas as tendências contrárias da
personalidade e de trabalhar para que se atinja a meta da totalidade;
seu objetivo é a realização de todos os aspectos da personalidade
originalmente ocultos no plasma do germe do embrião.

A função transcendente é o instrumento de realização da unidade ou


arquétipo do eu; tal como o processo de individuação, a função
transcendente é inerente à pessoa.

181
A individuação e a integração são etapas distintas que caminham pari
pasu, de modo que a diferenciação e a unificação são processos
coexistentes no desenvolvimento da personalidade. Todo ato
consciente vem exprimir os dois lados da natureza humana. Em lugar
de oposição ou separação, há uma mistura harmoniosa.

Devemos considerar o fatores que se opõem à realização de uma


personalidade completamente individualizada e integrada: a
hereditariedade pode ser uma delas; a outra é o ambiente, embora
este também possa ajudar no desenvolvimento.

O papel dos pais – de acordo com Jung, a criança não possui uma
identidade distinta nos primeiros anos de vida: o que ocorre em sua
psique reflexo do que ocorre na psique dos pais. Portanto, a psique
infantil está sujeita a refletir todos os distúrbios psíquicos dos pais.

Quando a criança vai para a escola sua identificação com os pais


começa a diminuir e ela passa a desenvolver sua própria
individualidade.

O papel da mãe é diferente do papel do pai; as experiências da mãe


com o menino determinam de que maneira sua anima vai se
desenvolver, enquanto suas experiências com o pai determinam
como se fará o desenvolvimento de sua sombra. Com a menina
acontece o oposto. Tanto o pai quanto a mãe contribuem para a
formação da persona do filho.

A influência da educação – assim com os filhos refletem os problemas


psíquicos dos pais, também refletem os problemas psíquicos dos
professores. Para este pensador, os professores constituem as
influências mais poderosas sobre a individuação das crianças,
sobrepujando até mesmo a dos pais. Eles ampliam suas consciências
e lhes proporcionam uma profusão de novas experiências e símbolos
que atraem a energia dos instintos.

182
Os professores estão em condições de identificar as desarmonias da
personalidade das crianças e de ajudá-las a fortalecer os elementos
mais fracos. Entretanto, a função primordial do professor é
reconhecer a individualidade de cada um de seus alunos e favorecer o
desenvolvimento equilibrado de tal individualidade.

Outras influências – a sociedade mais ampla em que vive o indivíduo


também provoca um impacto sobre a personalidade da criança.
Culturas diferentes podem favorecer diferentes tipos de
personalidade.

A individuação não é um processo que se opera apenas no indivíduo;


ela se exerce também ao longo das sucessivas gerações.

REGRESSÃO

O desenvolvimento tanto pode seguir no sentido da progressão


quanto da regressão. Quando a harmonia interna se rompe devido à
alguma frustração ou privação criada pelo ambiente, a libido se retrai
dos valores extrovertidos do ambiente para se aplicar aos valores
introvertidos do inconsciente. É a essa retração para dentro do
próprio self que Jung denomina de regressão.

A regressão pode ser útil para o ajustamento quando a pessoa


encontra no inconsciente a solução do problema. A meditação é uma
medida altamente preconizada por Jung como recurso para preservar
ou conseguir a harmonia e a integração.

A regressão noturna por meio dos sonhos proporciona à pessoa


informações úteis sobre a natureza dos obstáculos que impedem seu
desenvolvimento e oferece sugestões quanto à maneira de superá-
los.

As pessoas não costumam dar muita importância aos sonhos, que


constituem para Jung uma fonte rica de sabedoria psíquica. A maioria
das pessoas se sentem aprisionadas às convenções e recorrem a

183
diversões como a bebida, o jogo, as brigas e a sensualidade, com as
quais elas nada aprendem.

ESTÁGIOS DA VIDA

Embora o desenvolvimento se faça continuamente durante toda a


existência individual, ocorrem no seu desenlace diversas transições
importantes, de modo que se pode falar em estágios da vida.

a) INFÂNCIA: tem início no nascimento e vai até a puberdade ou


maturidade sexual. Nos primeiros anos de vida, quando a vida
psíquica é governada pelos instintos, a criança se vê inteiramente
dependente dos pais e vive cercada por uma atmosfera psíquica
proporcionada por eles.

Quando o ego começa a se formar parcialmente, a criança começa a


falar de si na primeira pessoa; quando entra na escola, começa a
emergir da clausura paterna, ou do útero psíquico.

JUVENTUDE E INÍCIO DA MATURIDADE: este estágio é anunciado


pelas alterações fisiológicas ocorridas na puberdade; a psique começa
a adquirir forma própria. Muitos dos problemas enfrentados pelos
adolescentes têm origem no momento em que o indivíduo se defronta
com as imposições da vida que abruptamente põem fim às fantasias
infantis.

Nem todos os problemas surgidos neste estágio estão relacionados


com questões externas, também podem ser de origem interna: trata-
se de um desequilíbrio psíquico provocado pelo instinto sexual,
sentimento de insegurança etc.

Em geral os inúmeros problemas da juventude têm uma característica


comum: o apego a um estágio infantil da consciência; um arquétipo
infantil prefere permanecer e não permitir que a criança cresça.

184
As tarefas com as quais se defronta neste estágio tem mais a ver
com os valores extrovertidos: ele precisa criar o próprio lugar no
mundo; por isto, será da maior importância o fortalecimento da
vontade.

A MEIA-IDADE: nesta fase a pessoa geralmente já está adaptada de


maneira mais ou menos eficiente ao ambiente externo. Entretanto,
não é o que sempre acontece: esta etapa da vida apresenta
problemas de adaptação que lhe são peculiares e para os quais a
pessoa não está preparada.

A tarefa primordial neste estágio consiste em centrar de novo a


existência em torno de um novo conjunto de valores. A energia
anteriormente usada nas adaptações externas deve ser agora dirigida
para os novos valores: os valores espirituais que sempre estiveram
presentes na psique em estado latente, mas tinham que ficar
descurados em virtude da inflação dos interesses extrovertidos e
materialistas dos anos da juventude. A necessidade de desviar a
energia psíquica dos velhos canais abertos no segundo estágio
constitui um dos maiores desafios da vida.

VELHICE: foi de pouco interesse para Jung. A velhice se assemelha à


infância: a pessoa submerge no inconsciente e não vacila em
considerar o problema de uma vida futura que assoma à consciência;
o idoso mergulha no inconsciente e nele se dissolve.

Jung considera que a vida após a morte seja um outro estágio da


individuação da psique. Supõe-se que a vida psíquica prossiga após a
morte física porque a psique não havia alcançado a sua auto-
realização completa.

TIPOS PSICOLÓGICOS

185
Na extroversão a libido é canalizada para as representações do
mundo exterior objetivo e aplicada a percepções, pensamentos e
sentimentos referentes a objetos, pessoas e animais, assim como às
outras circunstâncias e condições ambientais. Na introversão, a libido
flui para estruturas e processos psíquicos subjetivos. A extroversão é
uma atitude objetiva; a introversão é uma atitude subjetiva.

Essas duas atitudes se excluem mutuamente; elas não podem


coexistir simultaneamente na consciência, embora possam alternar
uma com a outra e realmente o fazem. Geralmente uma dessas
atitudes predomina num indivíduo durante sua existência.

O introvertido se interessa pela exploração e análise de seu mundo


interior; é introspectivo, retraído e muito preocupado com os próprios
assuntos internos. Pode parecer aos outros distante, anti-social e
reservado. O extrovertido se preocupa com as interações com as
pessoas e as coisas. Dá a impressão de ser mais ativo e amistoso e
de se interessar pelas coisas que o cercam.

A ascendência de uma atitude sobre a outra é questão de grau. O


extrovertido é um introvertido em seu inconsciente e o oposto ocorre
com o introvertido. Esse é um dos exemplos do papel compensatório
que o inconsciente desempenha na psique.

A atitude compensatória inconsciente não se pode expressar


abertamente porque é reprimida. Entretanto, ela exerce,
indiretamente, uma influência sobre o comportamento, como quando
uma pessoa age de uma maneira que, nela, parece incoerente ou
estranha.

Os processos inconscientes não são tão desenvolvidos e diferenciados


como os conscientes, de modo que o efeito da atitude reprimida
tende a tornar o comportamento mais primitivo e grosseiro.

186
Tão importante quanto as atitudes são as funções psicológicas. São
elas: pensamento, sentimento, sensação e intuição. O pensamento
consiste em associar ideias umas às outras para chegar a um
conceito geral ou à solução de um problema. Trata-se de uma função
intelectual que procura compreender as coisas.

O sentimento é uma função avaliadora; ele aceita ou rejeita uma


ideia tomando como base o sentimento agradável ou desagradável
que tal ideia suscita.

O pensar e o sentir são funções racionais porque ambas exigem um


ato de julgamento.

A sensação é uma percepção sensorial que inclui todas as


experiências conscientes produzidas pela estimulação dos órgãos dos
sentidos, tanto quanto as sensações que têm origem no interior do
corpo. A intuição tal como a sensação, é uma experiência dada
imediatamente e não produzida como resultado do pensamento ou do
sentimento. Ela não exige nenhum julgamento. A intuição difere da
sensação porque a pessoa que tem uma intuição não sabe de onde
ela vem, nem de como se origina. Ela surge "do nada". A sensação
sempre pode ser explicada pela indicação da fonte de estimulação. A
intuição é por vezes denomina de sexto sentido ou de percepção
extra-sensorial.

A sensação e a intuição são tidas como funções irracionais porque


não apelam para a razão. São estados mentais que evoluem a partir
do fluxo de estímulos em ação sobre o indivíduo. Esse fluxo carece de
direção ou intencionalidade; não tem nenhuma meta, ao contrário do
pensamento e do sentimento. Para Jung, tais fatos são não-racionais
e não-conceituosos.

Para ele, esses quatro tipos funcionais correspondem aos recursos


óbvios por meio dos quais a consciência obtém sua orientação para a
experiência. A sensação, ou percepção sensorial, nos diz que uma
187
coisa existe; o pensamento nos diz o que é essa coisa; o sentimento
nos informa se essa coisa é agradável ou não; a intuição nos diz de
onde ela vem e para onde vai.

O pensamento extrovertido utiliza a informação fornecida ao cérebro


pelos órgãos dos sentidos. O objeto que ativa o processo do
pensamento é uma coisa que existe no mundo exterior.

Segundo Jung há também o pensamento introvertido: ele consiste


em refletir subjetivamente. Em lugar de formular pensamentos
extraídos exclusivamente do mundo exterior, a pessoa também
reflete a respeito do mundo interior e mental. Pode-se dizer que o
pensador introvertido se compraz em lidar com as ideias por elas
mesmas. Ele pode investigar o mundo exterior em busca da
confirmação para as suas ideias. É o que em ciência se chama
pensamento dedutivo, por oposição ao pensamento indutivo no qual
as ideias ou conceitos, ou hipóteses decorrem da informação factual e
nela se baseiam. Ou a pessoa pode continuar a ruminar as ideias,
sem levar em conta se têm alguma importância para o mundo
exterior.

O pensador extrovertido é mais pragmático; é um solucionador de


problemas. O sentimento extrovertido é governado por critérios
externos ou objetivos e tende a ser conservador. Já o sentimento
introvertido é suscitado por condições subjetivas, particularmente
pelas imagens primordiais oriundas dos arquétipos. Os sentimentos
introvertidos tendem a ser originais, incomuns, criativos, e, por
vezes, bizarros porque eles se afastam das convenções.

TIPOS DE INDIVÍDUOS

PENSADOR EXTROVERTIDO – é personificado pelo cientista que


dedica toda a sua energia a aprender tudo o que pode a respeito do
mundo exterior. Sua meta é compreender os fenômenos naturais,
descobrir as leis da natureza e as formulações teóricas. A pessoa
188
pode se tornar autocrática, fanática, supersticiosa e impermeável à
crítica. Sendo carente de sentimento, seu pensamento tende a se
esterilizar e empobrecer.

PENSADOR INTROVERTIDO – é o tipo cujo pensamento se dirige para


dentro: o filósofo, o psicólogo existencial que busca compreender a
realidade do seu próprio ser. Nos casos extremos, o resultado de
suas explorações pode ter pouca relação com a realidade. Pode
eventualmente romper com os laços da realidade e se tornar
esquizofrênico. Compartilha muito de seus traços de caráter de seu
correlato extrovertido e pelo mesmo motivo, isto é, pela necessidade
de se proteger contra os sentimentos eu ficaram reprimidos em seu
inconsciente. Dá a impressão de ser um indivíduo distante e sem
emoções porque não dá valor às pessoas. Quer que o deixem
sozinho para poder levar adiante suas reflexões. Não cogita
particularmente de fazer com que as ideias sejam aceitas por outros,
embora possa encontrar seguidores dedicados pertencentes ao
mesmo tipo que ele. É propenso a se mostrar obstinado, teimoso,
desrespeitoso, arrogante, irritadiço, inabordável e convencido. Com a
intensificação desse tipo, o pensamento se torna mais sujeito a sofrer
as influências anormais e quixotescas da reprimida função do
sentimento.

SENTIMENTO EXTROVERTIDO – é mais frequentemente encontrado


entre as mulheres e subordina o pensamento ao sentimento. São
pessoas efusivas, emocionais, exibicionistas e instáveis. Criam laços
muito fortes com as pessoas, mas transitórios e seu amor se
transforma facilmente em ódio.

SENTIMENTO INTROVERTIDO – também mais encontrado entre as


mulheres. Estas pessoas escondem do mundo seus sentimentos.
Tendem a ser silenciosas, inacessíveis, indiferentes e inescrutáveis.
Apresentam com freqüência um aspecto melancólico ou deprimido.

189
Mas também podem dar a impressão de possuir uma harmonia
interior, uma tranquilidade e auto-suficiência. Parecem muitas vezes
ao demais dotadas de um misterioso poder ou carisma.

SENSAÇÃO EXTROVERTIDA – gostam de acumular fatos sobre o


mundo exterior. São realistas, práticas e obstinadas, mas não têm
nenhum interesse particular pelo significado das coisas. Seus
sentimentos são superficiais. Estão sujeitas a vícios de todas as
espécies, a perversões e compulsões.

SENSAÇÃO INTROVERTIDA – considera o mundo banal e


desinteressante frente às próprias sensações interiores; gostam de se
expressar por meio da arte; é deficiente de pensamento e
sentimento.

INTUITIVO EXTROVERTIDO – em geral mulheres; são volúveis e


instáveis; pululam de uma situação para outra a fim de descobrir
novas possibilidades no mundo exterior. Estão sempre em busca de
novos mundos que possam conquistar antes mesmo de terem
conquistado os antigos. Sendo nelas deficiente a função do
pensamento, não lhes é possível levar adiante diligentemente suas
intuições durante muito tempo, devendo pular para novas intuições.
Essas pessoas podem prestar serviços excepcionais como promotoras
de novos empreendimentos e de novas causas, mas são incapazes de
manter seu interesse por elas. As atividades rotineiras as enfadam; a
novidade é o sustentáculo de suas existências. Elas tendem a
consumir a vida em intuições sucessivas. Não se pode confiar em sua
amizade, muito embora entrem em cada relacionamento novo com
um grande entusiasmo pelas possibilidades que ele pode conter.
Consequentemente, elas magoam involuntariamente as outras
pessoas por sua falta de interesse contínuo. Entregam-se a inúmeros
passatempos que bem depressa as aborrecem e só com dificuldade
conservam um emprego.

190
INTUITIVO INTROVERTIDO – o artista é um dos representantes desse
tipo que inclui também os sonhadores, profetas, visionários e
excêntricos. Para os amigos é um enigma, para ele próprio é um
gênio incompreendido.

Estas caracterizações dão mais ideia de caricaturas que de


verdadeiros personagens, por se tratar de extremos. É muito mais
típico que uma pessoa seja ao mesmo tempo extrovertida e
introvertida e utilize todas as funções em proporções variáveis,
embora raramente as duas atitudes se equilibrem de modo perfeito.
A pessoa também pode usar mais uma função que as outras três. A
esta, Jung dá o nome de função principal, e às outras, de função
auxiliar.

Como tanto o pensamento quanto o sentimento são funções


racionais, ambos tendem a se opor um ao outro e, portanto nenhum
deles pode ser auxiliar do outro.

Haverá sempre desigualdades entre os componentes da psique,


muito embora, como um todo, essa se esforce para chegar à
harmonia e ao equilíbrio.

Jung acredita que o padrão de atitude depende de fatores inatos e se


manifesta muito cedo na vida da criança; esse padrão inato fica
sujeito a ser modificado pelas influências dos pais e de outros fatores
sociais.

Grande parte do conflito que e estabelece entre pais e filhos pode ser
atribuído à incompatibilidade dos tipos de caráter.

Cada um dos tipos tende a desenvolver um tipo de neurose ou


psicose. O tipo de sentimento extrovertido é predisposto à histeria,
enquanto o de sentimento introvertido tende a neurastenia cujos
sintomas são a fadiga, a exaustão e a pouca energia. Os tipos em
que predomina a sensação estão predispostos às fobias, compulsões

191
e obsessões. Essas patologias decorrem da repressão muito severa,
resultando geralmente de pressões ambientais exageradas.

A tipologia de Jung tem sido severamente criticada por psicólogos


que insistem em afirmar que as pessoas na se encaixam
perfeitamente nestas categorias. Afirma que cada indivíduo é único e
não membro de uma classe específica qualquer.

Na verdade, o que Jung propôs é um sistema que caracterize as


maneiras significativas de como as pessoas diferem umas das outras.
As atitudes e funções estão presentes em todas as personalidades,
porém em diferentes proporções e níveis de consciência e de
inconsciência. Trata-se de um sistema que serve acima de tudo, para
descrever as diferenças individuais e não para reduzir as pessoas a
um dos oito tipos fixados.

SÍMBOLOS E SONHOS

Os dois conceitos mais importantes de Jung são símbolo e arquétipos.


Os símbolos são manifestações exteriores dos arquétipos, visto que
os últimos só podem se manifestar por meio dos primeiros em razão
de se encontrarem profundamente escondidos no inconsciente
coletivo sem que o indivíduo o conheça ou possa vir a conhecer.

Apesar disso, os arquétipos exercem uma função constante que lhes


influencia e dirige o comportamento consciente. É somente através
da análise e interpretação dos sonhos, dos símbolos, fantasias,
visões, mitos e da arte é que se pode chegar a conhecer alguma coisa
do inconsciente coletivo.

192
Sei que os seguidores de ambas as escolas (Freud e Adler) me
consideram, sem mais, no caminho errado, mas a história e os
pensadores imparciais me darão razão. Não posso deixar de criticar
as duas escolas por interpretarem as pessoas demasiadamente pelo
lado patológico e por seus defeitos. Exemplo convincente disso é a
impossibilidade de Freud de entender a vivência religiosa

O reconhecimento do caráter subjetivo da psicologia que cada um


produz é talvez o ponto que mais me separa de Freud.

Minha atitude é positiva com relação a todas as religiões. Também é


positiva minha atitude para com a biologia e para com o empirismo
das ciências naturais em geral; nelas vejo uma tentativa hercúlea de
entender o íntimo da psique partindo de fora. Num movimento
inverso, considero também a gnose religiosa um empreendimento
gigantesco do espírito humano que tenta extrair um conhecimento do
mundo a partir do interior. Na minha concepção do mundo há um
grande exterior e um grande interior; entre esses pólos está o
homem que se volta ora para um, ora para outro e, de acordo com
seu temperamento e disposição, toma um ou outro como verdade
absoluta e, conseqüentemente, nega e/ou sacrifica um pelo outro.

Esta hipótese que certamente brotou de dentro de mim mesmo,


ainda que eu julgue tê-la extraído da experiência, foi a responsável
por minha teoria dos tipos e minha reconciliação com pontos de vista
tão divergentes como, por exemplo, os de FREUD.

Em tudo o que acontece no mundo, vejo o jogo dos opostos e dessa


concepção derivo minha idéia de energia psíquica. Acho que a energia
psíquica envolve o jogo dos opostos de modo semelhante como a
energia física envolve uma diferença de potencial, isto é, a existência
de opostos como calor-frio, alto-baixo etc. Freud começou por
considerar como única força propulsora psíquica a sexualidade e,
193
somente após minha ruptura com ele, levou também outros fatores
em consideração. Eu, porém, reuni os diversos impulsos ou forças
psíquicas — todos constituídos mais ou menos ad hoc — sob o
conceito de energia a fim de eliminar a arbitrariedade quase
inevitável de uma psicologia que lida exclusivamente com a força.
Portanto, já não falo de forças ou de impulsos individuais, mas de
i
"intensidades de valores" . Com isso não pretendo negar a
importância da sexualidade na vida psíquica, conforme Freud me
acusa de fazê-lo. O que pretendo é colocar limites à terminologia
avassaladora do sexo que vicia toda discussão da psique humana e,
também, colocar a própria sexualidade em seu lugar.

GESTALT TERAPIA ( Perls).

BEHAVIORISMO ( Skinner)

ABORDAGEM COGNITIVA SOCIAL ( Bandura)

HUMANISMO (Rogers e Maslow)

DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL (Erikson).

Bases Teóricas

Erikson foi treinado na tradição freudiana por Anna Freud, tendo


ampliado o escopo da obra de Freud e criado um conjunto específico
de novos conceitos;

Alguns conceitos freudianos foram preservados, porém com


inovações;

Para Erikson, a psicanálise é um ponto de partida;

194
Tendo em vista seus aprimoramentos da teoria freudiana é
considerado um neopsicanalista;

Obteve proeminência sem ter diploma universitário.

Este autor ampliou a teoria freudiana de três maneiras:

1- Aprimorou os estágios de desenvolvimento, ou seja, Freud previa


cinco estágios de desenvolvimento, Erikson sugeria que a
personalidade continuava a se desenvolver numa sucessão de oito
etapas durante toda a evolução da vida. Cada estágio tem aspectos
positivos e negativos, é marcado por crises emocionais, afetado pela
cultura do indivíduo e influenciado pelo tipo de interação na
sociedade da qual ele faz parte;

2- Enfatizou mais o desenvolvimento do ego do que do id. Para ele, o


ego é uma parte independente da personalidade, não depende do id e
nem é submisso a ele;

3- Percebeu o impacto na personalidade das forças culturais e


históricas, ou seja, não somos regidos totalmente por fatores
biológicos inatos.

Dividiu o desenvolvimento da personalidade em oito estágios


psicossociais. Os primeiros são semelhantes aos estágios oral, anal,
fálico e de latência freudianos.

A principal diferença é que Erikson enfatiza os correlatos


psicossociais e Freud se concentrava nos fatores biológicos;

Erikson sugere que o processo de evolução era regido pelo princípio


epigenético da maturação, ou seja, as forças herdadas são as
características determinantes dos estágios de evolução.

As forças sociais e ambientais influenciam a forma como as fases


geneticamente determinadas se realizam, assim o desenvolvimento é
afetado por variáveis pessoais e situacionais.

195
Como se dá o desenvolvimento?

O desenvolvimento envolve uma série de conflitos.

O potencial para esses conflitos existe no nascimento como


predisposições inatas, que se tornam proeminentes nas várias fases
da vida, quando o ambiente requer determinadas adaptações;

Cada confronto com o ambiente é denominado de crise;

A crise envolve uma mudança de perspectiva que requer que


reencontremos a nossa energia instintiva de acordo com as
necessidades de cada estágio do ciclo de vida;

Cada fase do desenvolvimento tem sua crise.

Como respondemos às crises?

As crises surgem nos momentos em que precisamos fazer alguma


mudança de comportamento e de personalidade decisivas em nossa
vida;

Podemos responder às crises de maneira positiva ou negativa;

Somente quando resolvemos cada um dos conflitos daquele


momento, a personalidade pode continuar sua sequência normal de
desenvolvimento e adquirir forças para enfrentar a próxima fase;

Conflitos mal resolvidos acarreta menor probabilidade de nos


adaptarmos aos problemas que surgirão. Um resultado favorável é
possível sempre, mas será mais difícil de obter.

Como o ego opera nas crises?

O ego deve incorporar as maneira positivas e negativas de lidar com


as crises;

Ex: na primeira fase do desenvolvimento podemos responder à crise


do desamparo e dependência, desenvolvendo um senso de confiança

196
e desconfiança. A confiança é uma atitude psicológica saudável, mas
a desconfiança é necessária à proteção;

Em termos ideais, em cada uma das fases, o ego deverá buscar uma
atitude positiva ou bem adaptada, mas será sempre equilibrado em
alguma parte da atitude negativa. Só assim a crise poderá ser
considerada resolvida de modo satisfatório.

As forças básicas

Durante os oito estágios do desenvolvimento psicossocial é propiciado


o surgimento de forças básicas ou virtudes;

As forças básicas surgem quando a crise é resolvida, e são


interdependentes;

Uma força básica não pode se desenvolver enquanto a força básica


associada à fase anterior não for confirmada.

Os oito estágios propostos por Erikson

Estágio Idades Forças Forças


Positivas x Básicas
Negativas
Oral-sensorial Nascimento- 1 Confiança x Esperança
ano desconfiança
Muscular-anal 1-3 anos Autonomia x Vontade
dúvida,
vergonha
Locomotora- 3-5 anos Iniciativa x Objetivo
genital culpa
Latência 6-11 anos- Diligência x Competência
puberdade inferioridade
Adolescência 12-18 anos Coesão de Fidelidade
identidade x
confusão de
papéis

197
Idade jovem 18-35 anos Intimidade x Amor
adulta isolamento
Adulto 35-55 anos Preocupação Carinho
com as
próximas
gerações x
estagnação
Maturidade e 55 em diante Integridade x Sabedoria
velhice desespero

1º Estágio: Oral sensorial. Confiança x desconfiança

Fase paralela à fase oral do desenvolvimento freudiano;

Ocorre durante o primeiro ano de vida;

Época de maior desamparo. A criança é totalmente dependente dos


cuidados básicos da mãe para sobreviver e ter segurança e afeto;

A boca é de vital importância;

A interação do bebê com a mãe determinará se será incorporada à


sua personalidade uma atitude de confiança ou desconfiança.

Uma mãe que responde adequadamente proporcionando afeto, amor


e segurança desenvolve confiança. A criança pode aprender a esperar
consistência, continuidade e mesmice de outras pessoas e situações e
permite o início de nossa identidade do ego;

Se a mãe a rejeita, não presta atenção nela ou for inconsistente no


comportamento, a criança se tornará desconfiada, temerosa e
ansiosa. Mães que trabalham fora, segundo Erikson, desenvolvem
desconfiança.

A força básica da esperança é associada à resolução bem sucedida


deste período.

198
A esperança é a crença de que nossos desejos serão satisfeitos;
envolve um sentimento persistente de confiança de que vamos
sobreviver aos revezes.

2º Estágio: Muscular-anal. Autonomia X dúvida/vergonha

Ocorre entre o segundo e o terceiro anos de vida;

Corresponde à fase anal de Freud na qual as crianças desenvolvem


uma série de habilidades físicas e mentais e fazem muitas coisas
sozinhas.

As crianças aprendem a se comunicar mais eficazmente, a andar, a


empurrar, puxar, segurar ou largar um objeto, sendo essas duas
últimas as mais importantes. A forma como segura ou larga um
objeto pode revelar sentimentos carinhosos ou hostis e, portanto,
oferecer indicadores de como pode vir a reagir diante dos conflitos.

A crise mais importante está relacionada ao treino ao banheiro


(controle do esfíncter), pois é o primeiro tipo de controle que a
sociedade exerce sobre as necessidades instintivas da cç;

Os pais podem reagir de diferentes formas a este momento: se


frustram as tentativas da cç de exercer independência, ela pode
desenvolver dúvida e vergonha em lidar com os outros;

Embora a região anal seja o foco dessa fase, a expressão do conflito


é psicossocial;

A força básica que surge da autonomia é a vontade que envolve a


determinação de exercer a escolha e autolimitação imposta pelo
social.

3º Estágio: Locomotora – genital. Iniciativa x culpa

Ocorre entre os três e os cinco anos e é semelhante à fase fálica do


período freudiano;

199
A cç, mais desenvolvida, consegue fazer mais coisas por conta
própria e expressa um forte desejo de tomar a iniciativa em várias
atitudes;

A iniciativa também pode se desenvolver na forma de fantasias:


manifestar o desejo de possuir o pai (meninas) ou a mãe (meninos);

A reação dos pais, em caso negativo, pode produzir uma inibição das
demonstrações de iniciativa ou permanentes sensações de culpa
voltadas para o self durante toda a vida.

Na relação edipiana, a criança inevitavelmente falha, mas se os pais


forem compreensivos e amorosos, ela adquirirá consciência do que é
permissível e do que não é;

A iniciativa da cç para metas realistas e socialmente sancionadas


prepara o caminho para a formação da responsabilidade e moralidade
adulta;

A força básica chamada objetivo surge da iniciativa. O objetivo


envolve a coragem de conceber e buscar metas.

4º Estágio: Latência. Diligência x inferioridade

Ocorre dos 06 aos 11 anos (até a puberdade); e corresponde ao


período da fase de latência de Freud;

Tanto em casa como na escola a cç aprende bons hábitos de trabalho


e estudo como meio de conseguir elogios e obter satisfação extraída
da execução bem sucedida de uma tarefa;

A cç tem maiores habilidades de raciocínio dedutivo e a habilidade de


seguir as regras que levam ao refinamento deliberado das habilidades
exibidas na construção das coisas.

200
As atitudes de pais e professores também aqui são determinantes,
pois as crianças acham que estão desenvolvendo e utilizando suas
habilidades;

Repreensão, ridicularização ou rejeição provavelmente desenvolverão


sentimentos de inferioridade e inadequação; elogios e reforços
produzem a sensação de competência e incentivam a luta constante;

A força básica que surge da diligência nesta etapa é a


competência.

Como se dá a resolução da crise nesses períodos?

Nesses quatro períodos iniciais, a solução das crises em cada um


deles depende de outras pessoas;

A resolução é uma função do que é feito a ela e não depende daquilo


que pode fazer sozinha;

Nos próximos períodos, o controle passará gradualmente à pessoa


em desenvolvimento;

Ela estará mais consciente, porém sofrerá influência daquilo que


obteve como resultado nos períodos anteriores.

5º Estágio: Adolescência. Coesão da Identidade x confusão de


papéis

Ocorre dos 12 aos 18 anos. A adolescência é o momento que temos


de resolver a crise de nossa identidade básica do ego;

Nesse momento, formamos nossa autoimagem, a integração das


idéias sobre nós mesmos e o que os outros pensam sobre nós;

Uma boa solução dos conflitos levará a uma personalidade


consistente, congruente. Porém este processo não é fácil, e
geralmente é vivido com ansiedade.

201
Para Erikson, a adolescência é um hiato entre a infância e a idade
adulta;

As pessoas que saem dessa fase com um forte senso de


autoidentidade estão equipadas para enfrentar a vida adulta com
certeza e confiança; as que não conseguem atingir uma identidade
coesa terão uma crise de identidade e confusão de papéis;

Nesses casos parecem não saber quem são ou qual é o seu lugar e o
que querem se tornar, podendo afastá-las do curso comum da vida
(educação, trabalho e casamento)

O resultado de uma crise de identidade pode ser a formação de uma


identidade negativa – crime ou drogas – mas é preferível, segundo
Erikson a nenhuma formação;

O papel de grupos é decisivo neste período podendo resultar numa


limitação do desenvolvimento do ego, nos casos de identificação
obsessiva;

A força básica que deveria se desenvolver neste período é a


fidelidade que surge de uma identidade coesa e engloba a
sinceridade , genuinidade e um senso de dever nos relacionamentos.

6º Estágio: Idade jovem adulta. Intimidade x isolamento

Desenvolve-se entre os 18 e 35 anos. O início da idade adulta é o


período mais longo;

Neste período, se estabelece a independência dos pais e das


instituições. Começa-se a atuar como adultos maduros e
responsáveis, assume-se algum tipo de trabalho produtivo e
estabelece-se relacionamentos íntimos;

A intimidade não se limita a relacionamentos sexuais, mas engloba


carinho e compromisso.

202
É um momento onde as emoções podem ser demonstradas
abertamente e sem medo;

Os que não conseguem estabelecer essas intimidades, no início dessa


fase, desenvolvem uma sensação de isolamento. Nesses casos,
podem evitar os contatos sociais, rejeitar pessoas e até se tornarem
agressivos;

A força básica que surge nesse momento é o amor que, para


Erikson, é a maior virtude humana.

7º Estágio: Adulto. Preocupação com as próximas gerações x


estagnação

Estende-se dos 35 aos 55 anos. É a fase da maturidade na qual


precisamos estar envolvidos no ensino e na orientação da próxima
geração. As preocupações tornam-se mais amplas e de maior alcance
envolvendo as gerações futuras e o tipo de sociedade na qual
viverão;

Qualquer atividade em que estejamos envolvidos nesta idade nos


permite encontrar uma forma de nos tornarmos mentores,
professores. No caso de pessoas que não conseguem ou não
procuram uma vazão para a preocupação com as próximas gerações
podem ser observados o tédio, a estagnação e o empobrecimento
interpessoal;

A força básica resultante de uma boa resolução da crise deste


período é o cuidar que surge da preocupação com aqueles que vêm
depois.

8º Estágio: Maturidade e Velhice. Integridade do ego x


desespero

Desenrola-se a partir dos 55 anos. Na maturidade e na velhice nos


deparamos com a opção entre a integridade do ego e o desespero.

203
Essas atitudes regem a forma como avaliamos nossa vida como um
todo. Se olhamos a vida com sentimento de realização e satisfação
acreditando que lidamos de maneira adequada com vitórias e falhas
pode-se dizer que temos integridade do ego.

A pessoa aceita o seu lugar e o seu passado. De outro lado, quando a


avaliação da vida resulta num sentimento de frustração,
aborrecimento pela perda de oportunidades e arrependimento pelos
erros que não pode corrigir, ficamos desgostosos conosco,
desdenhamos dos outros e ficamos amargos. As pessoas mais velhas
precisam mais do que refletir sobre o passado, precisam continuar
ativas, participantes e vitais, buscando desafios e estímulos no
ambiente, assim como novas habilidades;

A força básica dessa fase final do desenvolvimento é a sabedoria.

Fraquezas Básicas

Ao lado das forças básicas em cada fase do desenvolvimento


encontramos as fraquezas básicas. As formas bem e mal resolvidas
de lidar com as diferentes crises são incorporadas na identidade do
ego numa espécie de equilíbrio. Embora o ego deva ser composto
basicamente de atitudes de adaptação - confiança, autonomia,
iniciativa, etc. - ele também contém uma parcela de atitude negativa:
desconfiança, vergonha, culpa etc. Num desenvolvimento
desequilibrado, o ego é composto de apenas uma atitude - a bem
ou a mal resolvida. Essa situação foi denominada de mau
desenvolvimento;

Quando só a tendência positiva e adaptável está presente no ego a


situação é chamada de mal adaptada. Quando só a tendência
negativa está presente ela é chamada de maligna;

As más adaptações podem levar às neuroses e as malignidades às


psicoses.

204
O mau desenvolvimento

Fase/Estági Idades Maneira de Mau Result


o Reagir Desenvolvi ados
mento
Oral-sensorial Até 1 ano Confiança Desajustame Neurose
x nto s
Desconfiança sensorial Psicoses
Afastamento
Muscular- 1-3 anos Autonomia Obstinação Neurose
anal x sem s
Dúvida, acanhament Psicoses
vergonha o
Compulsão
Locomotora- 3-5 anos Iniciativa Crueldade Neurose
genital x Inibição s
Culpa Psicoses
Latência 6-11 anos Diligência Virtuosidade Neurose
puberdade x limitada s
Inferioridade Inércia Psicoses
Adolescência 12-18 anos Coesão de Fanatismo Neurose
identidade Repúdio s
x Psicoses
Confusão de
papéis
Idade jovem 18-35 anos Intimidade Promiscuidad Neurose
adulta x e s
Isolamento Exclusividad Psicoses
e
Adulto 35-55 anos Preocupação Superexpans Neurose
com as ão s
próximas Rejeição Psicoses
gerações
x

205
Estagnação
Maturidade e 55 em diante Integridade Presunção Neurose
velhice x Desdém s
Desespero Psicoses

Questões sobre a natureza humana

Erikson tinha uma visão otimista da natureza humana, portanto, se


nem todos fossem bem sucedidos na obtenção de esperança,
objetivo, sabedoria, dentre outras, todos teriam o potencial para
obter isso;

Nada na natureza nos impede neste processo, nem temos que sofrer
inevitavelmente com conflitos, neuroses, ansiedade, devido a forças
biológicas instintivas;

A teoria de Erikson permite otimismo e traz a idéia de que somos


capazes de resolver cada situação de maneira ajustada e
fortalecedora.

A avaliação na teoria de Erikson

Diferentemente de Freud, Erikson não trabalhava com o divã, preferia


uma relação mais pessoal e que vissem um ao outro; por vezes
usava a associação livre, mas raramente analisava um sonho;

As técnicas de avaliação deveriam ser ajustadas e modificadas de


acordo com a necessidade do paciente;

Ao trabalhar com crianças criou a ludoterapia;

A técnica mais incrível foi a análise psico-histórica que é basicamente


um estudo biográfico;

Não usou testes psicológicos, mas vários deles foram criados a partir
de suas formulações:

206
Escala de Desenvolvimento do Ego, Questionário do Processo de
Identidade do Ego e a Escala de Preocupação com as Próximas
Gerações.

Diferentemente de Freud não trabalhava com o divã, preferia uma


relação mais pessoal e que vissem um ao outro, por vezes usava a
associação livre, mas raramente analisava um sonho;

As técnicas de avaliação deveriam ser ajustadas e modificadas de


acordo com a necessidade do paciente;

Ao trabalhar com crianças criou a ludoterapia;

A técnica mais incrível foi a análise psico-histórica que são


basicamente estudos biográficos;

Não usou testes psicológicos, mas vários deles foram criados a partir
de suas formulações: Escala de Desenvolvimento do Ego,
Questionário do Processo de Identidade do Ego e a Escala de
Preocupação com as próximas Gerações. Desenvolveu um número
significativo de pesquisas;

Tinha como métodos de avaliação a ludoterapia, realizava estudos


antropológicos e a análise psico-histórica.

Erikson e a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial

Erik Homburger Erikson (Frankfurt, 15 de Junho de 1902 —


Harwich, 12 de Maio de 1994). Criador da expressão "crise da
adolescência”, foi um psiquiatra responsável pelo desenvolvimento da
Teoria do Desenvolvimento Psicosocial na Psicologia e um dos
teóricos da Psicologia do Desenvolvimento.

207
Na Teoria Psicossocial do Desenvolvimento, a pessoa evolui em
oito estádios. Os primeiros quatro estádios decorrem no período de
bebé e da infância, e os últimos três durante a idade adulta e a
velhice, sendo que o outro estádio se verifica na adolescência.

Cada estádio contribui para a formação total da personalidade,


sendo por isso todos importantes mesmo depois de os atravessar.
Como cada criança tem um ritmo biológico próprio, não se deve
atribuir uma duração exacta a cada estádio. O núcleo de cada estádio
é uma “crise básica”, que existe não só durante aquele estádio
específico, nesse será claramente mais proeminente, mas também
nos posteriores a nível de consequências, tendo raízes prévias nos
anteriores.

Erikson dá especial importância ao período da adolescência, devido


ao facto de ser a transição entre a infância e a idade adulta, em que
se verificam acontecimentos relevantes para a personalidade adulta.

Temos então oito estádios de desenvolvimento:

- 1º estádio: confiança básica vs desconfiança básica;

- 2º estádio: autonomia vs vergonha e dúvida;

- 3º estádio: iniciativa vs culpa;

- 4º estádio: diligência vs inferioridade;

208
- 5º estádio: identidade vs difusão/confusão;

- 6º estádio: intimidade vs isolamento;

- 7º estádio: generatividade vs estagnação;

- 8º estádio: integridade vs desespero

209
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