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Todas estas operações intelectuais são claramente interdependentes e não teriam podido
ser cultivadas e desenvolvidas sem a colonialidade do poder. Ainda segundo Quijano
(2005, p. 239), o fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de uma
trajetória civilizatória desde um estado de natureza, levou-os também a pensar-se como
os únicos modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo
tempo o mais avançado da espécie. Mas já que, ao mesmo tempo, atribuíam ao restante
da espécie o pertencimento a uma categoria, por natureza, inferior - e, por isso também
anterior, isto é, relativa ao passado no processo da espécie - os europeus imagina ra m
também serem não apenas os portadores exclusivos de tal modernidade, mas igualme nte
seus exclusivos criadores e protagonistas.
Essa narrativa eurocêntrica está pautada em uma “monocultura do tempo linear” (SOUSA
SANTOS, 2006), que compreende a história como tendo direção e sentido únicos,
organizando a totalidade do espaço e do tempo (todas as culturas, povos e territórios
presentes e passados) em uma grande narrativa universal.
Essa cosmovisão cria uma forma muito particular de pensar a relação espaço-tempo.
Segundo Doreen Massey (2004), todas essas narrativas compartilham de uma imaginação
geográfica que rearranja as diferenças espaciais em termos de sequência temporal,
suprimindo, desse modo, a espacialidade e a possibilidade da multiplicidade e da
diferença. “A implicação disso é que lugares não são considerados genuiname nte
diferentes; na realidade, eles estão simplesmente à frente ou atrás numa mesma história :
suas ‘diferenças’ consistem apenas no lugar que eles ocupam na fila da história” (p. 15).
Segundo Massey (2005), essa cosmovisão tem algumas consequências na forma como
pensamos o espaço, o tempo e a política, pois se trata de uma imaginação (uma
conceituação implícita) a qual esconde a possibilidade de analisarmos a produção da
desigualdade do mundo que se realiza na atualidade. Além disso, essa imaginação
geográfica reduz a diferença entre países, regiões ou lugares a uma posição “na fila
histórica”; isso, por sua vez, produz um efeito decisivo: nega a igualdade de voz, sendo
uma maneira de depreciar e negar que somos verdadeiramente coetâneos – a existênc ia
de coetâneos de uma multiplicidade é uma propriedade essencial do espaço, afir ma
Doreen Massey.
Para construirmos uma narrativa descolonial, é preciso pensar o espaço como esfera da
possibilidade da existência da multiplicidade; isso implica, segundo Massey (2005), em
colocar a questão da diferença no centro do debate político, permitindo pensarmos na
existência de múltiplas vozes, múltiplas temporalidades, múltiplas histórias na
contemporaneidade, descentrando-nos de uma perspectiva etnocêntrica que afirma
histórias locais como universais, mas que são particulares; entretanto, pelo exercício do
poder e do saber, subalternizam outras histórias, temporalidades, sujeitos e saberes.
Desse modo, a autora conclui que para que haja histórias múltiplas, coexistentes, deve
existir espaço. Em outras palavras: “o pleno entendimento da espacialidade envolve o
reconhecimento de que há mais de uma estória se passando no mundo e que essas estórias
têm, pelo menos, uma relativa autonomia” (MASSEY, 2005, p. 15). Nesse sentido, o
espaço deve ser entendido como “uma simultaneidade de histórias inacabadas, o espaço
como um momento dentro de uma multiplicidade de trajetórias. Se o tempo é a dimensão
da mudança, o espaço é a dimensão da multiplicidade contemporânea” (MASSEY, 2005).
III
A expressão “giro descolonial” é uma forma sintética de nomear uma inflexão epistêmica,
ética e política nas Ciências Sociais latino-americanas e que coloca o nosso passado
colonial como ponto de partida para pensarmos a especificidade de nossas sociedades. Os
autores do chamado pensamento descolonial insistem na diferença entre o colonialis mo
como uma experiência de dominação política e econômica expressa na relação entre
metrópoles e colônias e a colonialidade como uma herança desse processo. Inúmeras
vezes nos lembram de que o fim do colonialismo não significou o fim da colonialidade.
Os processos formais de independência não significaram uma ruptura com as práticas,
experiências e ideias coloniais. Essa colonialidade, na interpretação desses autores,
permanece ativa e atual, e, portanto, o esforço por descolonização da sociedade, do Estado
e do pensamento continua como um horizonte e um desafio cotidiano. Essa interpretação
nos obriga a ter outra leitura do passado e uma compreensão mais complexa dos processos
de mudança/ruptura e continuidade na história e na geografia das sociedades latino -
americanas. Esses autores afirmam que a colonialidade não foi uma etapa ou um estágio
anterior à inserção das nossas sociedades na modernidade, mas uma dimensão
constitutiva da nossa própria forma de viver a modernidade.
Nessa direção, podemos identificar uma longa linhagem de pensamento crítico que
atravessou o século XIX e XX, com pensadores que buscaram compreender a
especificidade das nossas sociedades periféricas através de uma interpretação de nosso
passado colonial e da necessidade de superarmos essa herança. Podemos identificar, por
exemplo, uma leitura descolonial nas obras dos pensadores da Teoria da Dependência,
que se propuseram a rediscutir a relação entre centro e periferia e a desvendar os
mecanismos do tipo de capitalismo dependente a que os países da América Latina
estavam submetidos. Esse “espírito descolonial” orientou movimentos filosóficos e
teológicos como a Teologia da Libertação e a Filosofia da Liberação, que propunham
outros horizontes de espiritualidade e de liberdade, pensando a partir das vítimas e dos
grupos mais vulneráveis da história latino-americana. É possível também identificar um
esforço de descolonização no campo da formulação de uma teoria educacional que está
presente na obra de Paulo Freire, marcada pela busca de uma Pedagogia da Liberdade e
da Autonomia. O esforço de uma crítica radical ao eurocentrismo também está fortemente
presente na crítica ao modo de fazer pesquisa e ciência formulada pelo sociólogo
colombiano Orlando Fals Borda na sua proposta de pesquisa participante e pesquisa-ação.
Essa longa tradição ganhou um novo fôlego pelo esforço de um conjunto de intelectu a is
que no final dos anos 1990 começaram a construção de uma crítica ainda mais radical e
contundente à herança eurocêntrica que está presente de maneira extremamente atual nas
sociedades latino-americanas, seja na forma das relações de poder, na maneira de
produção do conhecimento ou na produção das sociabilidades e subjetividades cotidianas.
Esse grupo tem nas formulações iniciais de Aníbal Quijano (Peru), Enrique Dussel
(Argentina/México) e Walter Mignolo (Argentina/EUA) os aportes teóricos para uma
crítica à ideia de modernidade, uma leitura do sistema-mundo capitalista moderno-
colonial e uma interpretação da constituição das sociedades latino-americanas. Somaram-
se a esses percussores autores como Ramón Grosfoguel (Porto Rico/EUA), Santiago
Castro-Gómez (Colômbia), Nelson Maldonado-Torres (Porto Rico/EUA), Edgardo
Lander (Venezuela), Arturo Escobar (Colômbia), Catherine Walsh (EUA/Equador), entre
outros que vêm, individual ou coletivamente, contribuindo para a construção de um
pensamento descolonial.
Contudo, como nos mostram Lander (2005), Sousa Santos (2006), Grosfoguel (2010) e
Mignolo (2003), a produção do conhecimento não é abstrata, mas sim contextualizada,
localizada, incorporada; ela está situada em histórias locais e arraigada em culturas e
cosmovisões particulares; traz as marcas dos sujeitos-autores que a produzem, sujeitos
estes constituídos a partir de suas experiências e subjetividades configuradas socialme nte.
Desse modo, falamos sempre a partir de um determinado lugar, de algum lugar de
enunciação. Ou seja, existe uma profunda relação entre o que se fala, quem fala e de onde
se fala, ou, como argumenta Mignolo (2003), as localizações epistemológicas têm uma
estreita relação com o lócus geopolítico e biopolítico de enunciação a partir do qual o
pesquisador constrói o seu olhar e o seu discurso. E, até hoje, o perfil epistêmico
dominante na produção do conhecimento ocidental tem uma configuração muito
particular e específica: são homens brancos, heterossexuais, de classes privilegiadas e de
origem europeia falando em inglês, alemão, francês e italiano. Esse perfil está longe de
ser universal!
Mas, apesar de todo o conhecimento ser localizado, a geopolítica do conhecime nto
estabeleceu historicamente uma relação de centro e periferia em termos cognitivos,
atribuindo o caráter de universalidade a determinados conceitos e teorias. De maneira
direta e concreta, produzir conhecimento em certas línguas e a partir de certos lugares,
como, por exemplo, produzir em inglês, francês, alemão ou italiano - do centro da Europa
hegemônica - torna os pensadores oriundos desses lugares de enunciação pensadores
universais, mesmo que estes tenham construído suas reflexões arraigadas em experiênc ias
locais e específicas. Do outro lado, pensadores que formulam seus discursos, teorias,
conceitos em línguas não hegemônicas, como, por exemplo, espanhol, português e
mandarim, suaíli, yorubá, kicongo, kimbundu, falando de continentes e países periféricos,
como a Bolívia, a Colômbia, o Brasil, ou de alguns países africanos ou asiáticos, são
vistos sempre como pensadores locais, e que, portanto, não têm o caráter de
universalidade vinculado a sua fala, seu lócus de enunciação.
O que define essa geopolítica do conhecimento é o que Walter Mignolo (2003) denomina
de diferença colonial, ou seja, as marcas e heranças de um longo processo de experiênc ia
colonial que moldaram o sistema-mundo moderno-colonial, resultando numa relação
entre centro e periferia não só em termos econômicos e políticos, mas em termos cultura is
e cognitivos. Essa relação está expressa na construção dos modelos de universidade e dos
sistemas educacionais baseados, de uma forma geral, naqueles presentes nos países de
origem colonial. Essa geopolítica do conhecimento está concreta e metaforicame nte
representada em nossas bibliotecas, que permanecem como “bibliotecas coloniais”.
Isso não significa negar a importância cultural e intelectual europeia , mas sim, negar o
eurocentrismo. Essa postura não é uma postura relativista, uma visão essencialista ou
fundamentalista, mas sim um exercício de localização dos diferentes lugares de
enunciação em nossa atual geopolítica do conhecimento. É importante lembrar que essa
geopolítica do conhecimento se reproduz em outras escalas e sustenta um imaginá r io
moderno–colonial, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde há claramente uma postura
de privilégio do Sudeste como região central de produção intelectual e artística deixando
marginalizadas as produções intelectuais e artísticas em regiões como o Nordeste e a
Amazônia.
IV
4) A grande maioria das teorias e dos conceitos construídos pelos pensadores descolonia is
operam com uma leitura macrossociológica e uma perspectiva histórica de longa duração,
tomando como centro de referência interpretativo a ideia de sistema-mundo moderno-
colonial (países metropolitanos x colônias, centro x periferia, norte x sul global). Essa
leitura macroescalar e estrutural é importante, contudo, essa escolha metodológica
dificulta a compreensão multiescalar em termos espaço-temporais de práticas e
experiências concretas, nas quais se pode identificar dispositivos da colonialidade do
poder, do saber, do ser e da natureza. É fundamental construirmos uma leitura
multiescalar que ao mesmo tempo seja capaz de compreender a colonialidade do poder,
do saber, do ser e da natureza dos pontos de vista macro e micropolítico, ou seja, tanto
em termos de elementos estruturais como através das práticas e experiências cotidianas.
É preciso construir uma leitura histórica e geográfica que envolva uma multiplicidade de
temporalidades e ritmos, capaz de abarcar a complexidade dos processos concretos.
Referências
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n. 6, 2007.
______. Decolonizar la universidad. La hybris del punto cero y el diálogo de saberes. In:
CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Eds.). El giro decolonial. Reflexiones para
una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Iesco-Pensar-Siglo
del Hombre Editores, 2007.
______. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In:
SOUSA SANTOS, Boaventura. Conhecimento prudente para uma nova vida decente:
um discurso sobre as ciências revistado. São Paulo: Cortez, 2004.
______. Gramática do tempo: por uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.
______. ¿Son posibles unas ciencias sociales/culturales otras? Reflexiones en torno a las
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