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INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

RENAN DE AMORIM PEÇANHA

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

Etnografia Urbana

Rio de Janeiro

2018
Sociedade de Esquina foi uma obra idealizada não somente como um projeto
acadêmico, mas também como um projeto pessoal do autor. Após terminar sua
graduação em economia, Whyte ganhou uma bolsa de três anos de Harvard para
pesquisar o que quisesse, desde que não valesse créditos para um doutorado. Dando
atenção a uma vocação de reformista social, decide pesquisar uma região degradada
de Boston. Passou quase quatro anos vivendo no North End, embrenhando-se em
densas redes de relações ao passo que também fazia extensas leituras em
antropologia e sociologia e reformulava sua pesquisa, até chegar ao formato que lhe
permitiu escrever Sociedade de Esquina, questionando preceitos compartilhados
pelos sociólogos urbanos da época, como a noção de desorganização, cara a Louis
Wirth, em Chicago.
Whyte inicialmente se incomodava com a sensação de desconhecimento da
população de uma área espacialmente tão próxima de seu circuito como universitário
de classe média, e procurava meios de transformar as áreas pobres e degradadas.
É importante ainda situar a obra em questão como estando dentro do quadro de
referência de estudos urbanos dos anos de 1930/1940. Embora Whyte sempre tenha
feito questão de dizer que seu trabalho não se adequava aos cânones da Escola de
Chicago. Em Harvard, travou contatos com uma teoria de interação social que teve
grande influência na formulação da metodologia que foi utilizada, que se diferenciaria
de outros autores e seus respectivos estudos de comunidade. Isso pode ser explicado
pela atmosfera da época, o New Deal e aos ainda sensíveis efeitos da crise
ocasionada pela quebra da bolsa de Nova York em 1929 que, de uma maneira ou de
outra, conduziam as mentes na academia para a investigação de preocupações
semelhantes.
O livro começa opondo a perspectiva da classe média branca norte-americana,
da qual Whyte fazia parte, que via todas as áreas pobres como caóticas, ou seja, o
autor nega o conceito de “desorganização social” elaborado por teóricos da Escola
de Chicago. Whyte acreditava que tal perspectiva não satisfazia o que era observado
no campo. Ao contrário de desorganização, ausência de normas ou manifestações
de anomia, o que ele encontrou foi uma comunidade hierarquizada, com padrões de
comportamento e valores que entretanto nem sempre coincidiam com os das classes
médias americanas. O autor propõe, então, justamente compreender essa
organização social existente. Constrói uma narrativa dinâmica, complexa e
abrangente, permitindo ao leitor acompanhar com clareza aquela estrutura social
formada por diferentes padrões de interação, através dos quais indivíduos se
movimentam e organizações formais e informais surgem, desaparecem e brotam
novamente, em diversos níveis da hierarquia social.
Mas apesar de a construção de Whyte apresentar uma impressionante sofisticação
teórico-metodológica, sem a qual seria impossível chegar ao resultado atingido, o
texto não cita obras nem autores e tampouco procura adequar o material de campo a
modelos abstratos previamente elaborados. Nas palavras do autor:
“Nesta pesquisa sobre Cornerville, pouco iremos nos preocupar com as pessoas
em geral. Encontraremos pessoas particulares e observaremos as coisas particulares
que fazem. O padrão geral de vida é importante, mas só pode ser construído por meio
da observação dos indivíduos cujos padrões configuram esse padrão” (p.23).
“...Percebi finalmente que não escrevia um estudo de comunidade no sentido
usual do termo. O leitor que examinar Middletown notará que o livro trata das pessoas
em geral naquela comunidade. Indivíduos ou grupos não figuram na história, exceto
para ilustrar os aspectos que os autores estão desenvolvendo (...). E simplesmente
acabei compreendendo que minha tarefa era diferente: eu lidava com indivíduos
particulares e grupos específicos” (p. 319-320).
A contribuição do autor, contudo, vai além da militância social que seu trabalho
inevitavelmente possui. A utilização da pesquisa participante em um nível tão
profundo, o preciosismo das notas e a aplicação metodológica faz de seu estudo um
dos mais importantes em termos de utilização racional do método etnográfico. Um
traço essencial da pesquisa de Whyte foi a relação “indivíduo-sociedade”, herança do
pensamento sociológico alemão de Simmel. Whyte estabelece como primeira tarefa
de seu estudo a investigação sobre o estabelecimento de hierarquias nas gangues
(analisando-as como microesferas sociais) com o objetivo de demonstrar como tais
regras refletiam-se em âmbitos cada vez mais abrangentes da sociedade, no caso,
as relações entre indivíduos e políticos, policiais e gângsters. Competições por
lideranças, composição de alianças políticas e econômicas, distribuições de bens e
favores, estabelecimento, manutenção e rompimento de laços de amizade… compõe-
se uma Cornerville que passa a fazer sentido como organização social, mas que tem
sua própria lógica, diferente dos padrões estabelecidos e aceitos pela sociedade
norte-americana mais abrangente. O livro é um amplo exercício de relativização e
retomada do "ponto de vista nativo", segundo os preceitos de Malinowski nos quais o
autor diz ter se inspirado.
A supracitada ideia de hierarquia ocupava um papel fundamental nas conclusões
de Whyte, sendo a base do sistema social de Corneville, mas tal compreensão não
poderia se dar a partir do discurso dos sujeitos, pois nem sempre estes seriam
capazes de objetivá-la: tal entendimento só seria possível mediante a observação do
cotidiano. Para Whyte, muito mais interessante que os “eventos espetaculares” aos
quais se prendiam as notícias de jornais, era importante observar as rotinas, os
indivíduos em seus contextos para compreender mais profundamente até os fatos
extraordinários. Para tanto, Whyte propunha-se a utilizar como principal elemento
revelador de tais relações ao estudo objetivo de ações:
“As atitudes de um homem não podem ser observadas, mas devem, em vez
disso, ser inferidas a partir de seu comportamento. Como as ações estão diretamente
sujeitas à observação e podem ser registradas como outros dados científicos, parece
válido tentar entender o homem por meio do estudo de suas ações. Essa abordagem
não apenas fornece dados sobre a natureza das relações informais de grupos, como
também provê um quadro de referência para se compreender o ajustamento dos
indivíduos à sua sociedade” (op. Cit.: 274-275).
Daí sua preocupação em focar seu estudo em determinados tipos de pessoas, e
não nas pessoas em geral como em geral faziam as etnografias sobre comunidades
urbanas.
Uma das noções criadas por Whyte para construção do referencial analítico foi a
de eventos-grupo e eventos-par. O último aconteceria entre duas pessoas, o primeiro
origina a ação para dois ou mais. A originação de eventos-grupo é uma prerrogativa
do líder. Um evento-par poderia ser originado por um membro comum, mas só um
líder seria capaz de transformar um evento par em um evento coletivo. O elemento
que mantém o grupo unido é o líder, ao seu redor o grupo reúne-se e sua presença é
aguardada para se dar início a qualquer atividade. A principal motivação do grupo
parece estar na relação de pertencimento, de “não ser deixado pra trás”, visivelmente
inspirada na solidariedade orgânica proposta por Durkheim que se constitui numa
influência fortemente presente ao longo do estudo.
Na segunda parte do livro encontramos os gângsteres e os políticos com suas
organizações. Com três capítulos, foi dedicada a tratar dos “peixes graúdos” como os
racketeers, os agentes da polícia e os políticos. O capítulo VI, sem dúvida é um dos
mais intensos do trabalho, desnuda a prática da política partidária nos bairros pobres.
Afirma ainda que as grandes organizações mafiosas desenvolveram-se na época da
Lei Seca, como os negócios de venda de bebidas. Elas foram posteriormente
legalizadas ou transformaram-se em outro tipo de empreendimento, desta vez lidando
com jogos ilegais, como o jogo de números. Relata também a prática da política
partidária revelando desde os expedientes utilizados pelos moradores como moeda
de troca com os políticos, como o de uma única pessoa votar várias vezes
apresentando-se em zonas eleitorais diferentes. Deste modo, Whyte mostrava o
quanto a concepção democrática preconizada pela política estadunidense estava
longe de seu ideal em lugares como Corneville.
Ao longo de todo o livro, Whyte procura mostrar ao leitor como os indivíduos de
Cornerville e principalmente os líderes de diversos grupos sociais encontram-se em
posições ambíguas, entre um tipo de padrão de interação baseado em altos níveis de
sociabilidade e códigos de obrigações recíprocas e outro tipo, valorizado pela
sociedade envolvente, baseado no desempenho individual, o que facilita o
reconhecimento por pessoas de fora, como assistentes sociais, professores e
estudantes das grandes universidades norte-americanas e políticos republicanos.
Estes últimos opõem-se aos políticos do partido democrata, os quais se mantêm
conectados às redes que incluem rapazes de esquina e seus líderes, famílias e
agências funerárias, sociedades ligadas à igreja católica e, como não poderia deixar
de ser, aos gângsteres.
A complexa organização social de Cornerville nos é introduzida através de uma
narrativa repleta de personagens, grupos formais e informais, conflitos e alianças.
Mas além dos já citados, existe outro personagem que aparece no livro em diversas
posições e sendo até mesmo um agente influenciador nas decisões tomadas nos
grupos: é Bill Whyte. Nesse ponto, impressiona a forma como o autor evidencia sua
própria participação na dinâmica social que procura compreender. Aparece jogando
boliche, votando nas reuniões de clubes e até fazendo campanha política para um
senador. Afinal de contas, nos diz o autor, "assim como seus informantes, o
pesquisador é um animal social" (p. 283).
Escrito em diversas etapas, o livro é um clássico dos estudos urbanos e um
valioso trabalho sobre organizações, lideranças e as relações entre o que mais
recentemente vem sendo chamado de "agência" individual e a construção social da
pessoa, o anexo A, intitulado "Sobre a evolução de sociedade de Esquina", inclui
preciosas considerações sobre o histórico da pesquisa, a construção do objeto, a
inserção do pesquisador no campo e seus relacionamentos com os membros dos
grupos pesquisados.

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