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A
COMPANHIA GERAL DE COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO
E OS HOMENS DE NEGÓCIO DE VILA BELA
(1752-1778)
CUIABÁ-MT
DEZEMBRO DE 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
MESTRADO EM HISTÓRIA
HISTÓRIA, TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS
A
COMPANHIA GERAL DE COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO
E OS HOMENS DE NEGÓCIO DE VILA BELA
(1752-1778)
CUIABÁ - MT
DEZEMBRO DE 2008
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
A
COMPANHIA GERAL DE COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO
E OS HOMENS DE NEGÓCIO DE VILA BELA
(1752-1778)
FOLHA DE APROVAÇÃO
__________________________________________________
Profª. Drª. Leny Caselli Anzai
Universidade Federal de Mato Grosso (Orientadora)
__________________________________________________
Profª. Drª. Nauk Maria de Jesus
Universidade Federal da Grande Dourados (Componente Externo)
__________________________________________________
Prof. Dr. Otávio Canavarros
Universidade Federal de Mato Grosso (Componente Interno)
__________________________________________________
Prof. Dr. Oswaldo Machado Filho
Universidade Federal de Mato Grosso (Suplente)
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo privilegiar a análise das relações de um grupo
mercantil residente em Vila Bela da Santíssima Trindade, que mantinha relações comerciais
com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, com vistas a desvelar seu
modo de atuação e os desdobramentos de suas ações. Deste modo, buscamos também
perceber práticas econômicas e políticas desses negociantes no século XVIII, em Vila Bela
da Santíssima Trindade – Capitania de Mato Grosso, entre os anos 1752 e 1778, e para isso
tentamos traçar algumas trajetórias pessoais, embora apenas na esfera de suas vidas públicas.
Para tratar dessas relações mercantis na Capitania de Mato Grosso procuramos articulá-las
a um quadro maior em que as questões geopolíticas relativas à definição das fronteiras entre
portugueses e espanhóis na América, durante a segunda metade do século XVIII,
influenciaram as ações metropolitanas (comércio, agricultura e povoamento) na efetivação
da posse da capitania. As fontes que subsidiaram a pesquisa constam de documentos
manuscritos e impressos pertencentes ao Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, ao
Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR, e ao Arquivo da Casa
Barão de Melgaço – ACBM. Contamos ainda com um vasto conjunto de fontes publicadas
e bibliografia especializada sobre o assunto. Na análise evidenciamos que os principais
homens de negócio de Vila Bela, embora estivessem atrelados aos interesses da Companhia
de Comércio também se dedicavam a outras atividades, como a agricultura e a mineração,
além de ocuparem cargos político-administrativos na Câmara de Vila Bela, o que nos exigiu
compreender também o modo pelo qual articulavam os interesses metropolitanos aos
individuais.
ABSTRACT
Key words: General Company for Trade of the Grão-Pará and Maranhão; traders; Captaincy
of Mato Grosso; economic practices.
Os ideais – ou as ideias – que animavam os portugueses
que saíam voluntariamente de seu país como
descobridores, marujos, soldados, colonizadores,
comerciantes e missionários, entre 1415 e 1825,
percorria naturalmente uma escala que ia do idealismo
mais elevado e desinteressado até a avidez mais sórdida
por ganhos materiais. A maioria, como muitos
imigrantes antes e depois, provavelmente partia apenas
com a esperança de melhorar social e economicamente,
pois acabaria enfrentando a pobreza se simplesmente
ficasse onde estava.
MT – Mato Grosso
PA – Pará
Tabela 1 102
Monções e carregações de fazendas que chegaram em Vila Bela no período de 1749
a 1776
Tabela 2 120
Produtos destinados à Capitania por ordem do governo em 1770
Tabela 3 129
Lojas e fábricas existentes na Capitania de Mato Grosso em 1770
Tabela 4 133
Preços de tecidos e outros produtos no ano de 1770
Tabela 5 140
Ofícios mecânicos existentes na Capitania de Mato Grosso em 1770
Tabela 6 143
Preços das ferramentas e utensílios domésticos no ano de 1770
Tabela 7 152
Comerciantes de Vila Bela que se dedicaram a outras atividades entre 1752 e 1808
LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 01 59
Mapa de todo o vasto continente do Brasil ou América Portuguesa com as fronteiras
respectivamente constituídas pelos domínios espanhóis adjacentes em 1778
IMAGEM 02 67
A Capitania de Mato Grosso e as repartições de Cuiabá e Mato Grosso
IMAGEM 03 79
Tipos de Embarcações. Uma ubá, uma igarité e uma jangada e seus acessórios.
IMAGEM 04 82
Parte do Brazil que comprehende a navegação que se faz pelos tres Rios Madeira,
Mamoré e Guaporé, athe Villa Bella, Capital do Governo do Matto Grosso, com
estabelecimentos Portuguezes, e Espanhoes, a elles adjacentes / O Sarg. Mor. Engro.
Ricardo Franco d'Almeida Serra em 1777.
IMAGEM 05 84
A pesca das tartarugas. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 06 84
O fabrico da manteiga de ovos de tartaruga. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira.
BNRJ.
IMAGEM 07 85
Traíra. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 08 85
Jacundá. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 09 85
Matrincham. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 10 87
Bacia do Guaporé – 1772
IMAGEM 11 91
Paca. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 12 91
Cotia. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 13 91
Lebre. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 14 134
Herreria Salsaparilla. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 15 134
Yandiróba. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 16 138
Theobroma Cacao. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 17 138
Baunilha. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 18
CAPÍTULO 1 32
Conexões marítimas: o império português e a emergência econômica do
Atlântico Sul
A ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal 41
As companhias de comércio europeias 43
As companhias de comércio no Império Português 45
A Amazônia e a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão 52
CAPÍTULO 2 60
Os caminhos do sertão: a Capitania de Mato Grosso e as rotas comerciais
77
As Monções do Norte
CAPÍTULO 3 94
Negócios na fronteira Oeste da América Portuguesa
O comércio da Capitania de Mato Grosso com a Companhia do Grão-Pará 94
As mercadorias e os preços 116
Escravos africanos 121
Os tecidos 129
Produtos de botica e outros alimentos finos 133
Armamentos, ferramentas e outros utensílios domésticos 140
CAPÍTULO 4 145
Os homens de negócio de Vila Bela
Trajetórias na governabilidade local: os principais da terra em Vila Bela 154
Uma “vila de negociantes” 171
GLOSSÁRIO 181
201
ANEXOS
18
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
PRADO JÚNIOR, 1942; FURTADO, 1970; NOVAIS, 1985.
2
FRAGOSO; FLORENTINO, 1997, p. 40.
19
3
FERLINI, 2005, p. 09-10.
4
Idem, ibidem, p. 10.
5
SILVA, 2008, p. 29.
6
FRAGOSO, 2002, p. 62.
20
vistos apenas como resultados das relações de produção, para serem portadores de
experiências socioculturais, das quais sairiam estratégias de vida”7.
Contudo, a realização desse tipo de pesquisa esbarra em alguns obstáculos, devido,
em grande medida, às fragilidades dos arquivos, pois, “a falta de corpus documentais que
permitam o rastreamento das pessoas em suas múltiplas relações dificulta a análise das
experiências sociais” e, nesses casos, “temos no máximo uma micro-história feia, tapuia,
diferente da italiana”, e ter claro esses limites pode impedir “decepções e ciladas”8.
Apesar das pesquisas apresentarem nova roupagem, na década de 1990 ainda foram
poucos os trabalhos que procuravam estudar temas referentes ao pequeno comércio e seus
agentes; a mobilidade social dos pardos e forros; os mecanismos de exclusão social, e as
elites e suas estratégias de acumulação (políticas de casamento, negócios, etc.). Diante
dessas análises, a economia rural e a economia urbana ganhavam grande relevância, por
englobar todas as preocupações citadas.
Nesse sentido, José Roberto do Amaral Lapa, em encontro realizado na mesma
década de 1990, observava que os estudos em economia colonial devem preliminarmente se
realizar em termos regionais, uma vez que certas questões referentes ao mercado interno e
ao próprio comércio colonial, ainda permaneciam sem respostas. No artigo “O interior da
estrutura”, Lapa afirmava que o simples fato de haver circulação de produtos naturais,
agrícolas, manufaturados, em circuitos locais regionais e até coloniais, possibilitava
relativizar a “prevalência de uma economia de autoconsumo, fechada ao nível da
comunidade, isolada ou dependente de suporte da grande lavoura de exportação,
latifundiária, monocultora e escravista, voltada somente para o mercado externo” 9. A
proposta de Lapa é a de se elaborar estudos sobre os circuitos comerciais locais, não se
preocupando apenas com o comércio exterior, de modo que pudéssemos tomar
conhecimento, por exemplo, da atuação dos grupos mercantis que se formavam e possuíam
ativa atuação inter-regional, bem como o capital que levantavam, os investimentos que
faziam, o seu grau de organização, o crédito, a formalização e contabilidade dos negócios,
relações com as autoridades coloniais e metropolitanas, o transporte marítimo, fluvial ou
terrestre, o alcance de seu domínio comercial, as relações com produtores e consumidores,
entre outros aspectos.
7
FRAGOSO, 2002, p. 62.
8
Idem, ibidem, p. 63.
9
LAPA, 2002, p. 163.
21
Nos últimos anos, os estudos sobre os impérios coloniais ibéricos e suas respectivas
sociedades, analisados sob novas perspectivas vêm tomando espaço. Para Fragoso, “apesar
de todas as diferenças das sociedades que compunham o império luso, começou-se a
perceber a existência de fenômenos que aproximavam tais paragens”, isto é, outras partes do
império lusitano. Afirma ainda:
10
FRAGOSO, 2002, p. 41-42.
11
Idem, ibidem, p. 42-43.
12
FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001.
22
13
FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001, p. 15.
14
Idem, ibidem, p. 29. Ver, especialmente, o artigo de João Fragoso.
15
Idem, p. 21.
16
FRAGOSO; BICALHO e GOUVEA, 2001, p. 23-24.
17
ALENCASTRO, 2001.
18
SOUZA, 2006, p. 42-43.
19
SOUZA, 2006, p. 57.
23
é vista enquanto elemento que articulava as relações sociais naquela formação histórica, de
modo que, o que houve nos trópicos foi uma expressão peculiar da sociedade de Antigo
Regime, que se combinou com
20
Idem, ibidem, p. 67.
21
Idem, p. 45-46.
22
Idem, p. 46.
23
Idem, p. 50.
24
diferentes arranjos temporais e espaciais24. Essa nova perspectiva analítica considera que
estudar somente as relações entre metrópole e colônia não são suficientes para dar conta da
multiplicidade das experiências de conquistas e colonização da Época Moderna. Embora se
ressaltem a dimensão plural do Império há uma necessidade de “destacar os elementos que
estruturam as relações entre as partes, afastando a visão de descerebração, de ausência de
25
centralidade” que, segundo Laura Melo e Souza oferece a base do entendimento da
dinâmica do período, e não se corre o risco de despolitizar o processo e deixar de lado a
“identidade dos impérios coloniais modernos, isto é, a exploração e sua vinculação à
acumulação de capitais”, da qual a noção de Antigo Sistema Colonial, desenvolvido por
Fernando Novais 26 é portadora.
Devido a um minucioso exame das evidências empíricas, questões referentes à
sociedade, economia, política e cultura na América Portuguesa, analisadas sob um novo
prisma, permitiram perceber as particularidades e especificidades existentes nesse espaço. A
fuga das análises macroestruturais que cristalizaram a imagem da colônia como um todo
homogêneo, negligenciando, por exemplo, que esta dispunha de duas unidades
administrativas distintas: o Estado do Brasil e o Estado do Grão-Pará e Maranhão ofereceram
maior visibilidade às diversidades políticas, geográficas, econômicas e cronológicas que,
segundo Silvia Hunold Lara, a expressão “Brasil Colonial” desconsiderava27.
Significativamente, as conexões e articulações entre as possessões lusas e a
metrópole não devem ser desconsideradas, principalmente no que toca à especificidade de
cada uma dessas partes. Quando o olhar é focado nas relações econômicas e comerciais,
essas conexões ficam mais evidentes. Entretanto, não se deve tomar essas questões e outros
aspectos admitindo-se uma quase total ausência de centralidade ou uma aparente liberdade
mesmo nas relações comerciais. Podemos observar a presença do Estado português em suas
colônias em todos os âmbitos, inclusive no econômico, seja no fomento da agricultura ou do
comércio, ainda que essa relação não fosse estabelecida apenas pelo rigor, pois algumas
práticas adotadas pelos governadores e capitães-generais vislumbram uma flexibilidade que
tendia à negociação. Nesse sentido, Souza nos diz que:
24
FERLINI, 2005, p. 11.
25
Idem, ibidem.
26
Nessa perspectiva de Antigo Sistema Colonial, a relação dominante é a que se estabelece na diacronia entre
a metrópole e a colônia, tendo por eixo o processo produtivo, base da exploração e acumulação. In: FERLINI,
2005, p. 11.
27
LARA, 2005, p. 24. O artigo de Lara enfoca ainda outras questões a respeito da escravidão africana, inserindo
uma discussão historiográfica recente sobre o tema e também sobre outros temas relevantes em história do
período colonial.
25
28
SOUZA, 2006, p. 15.
29
OLIVEIRA, 2008, p. 05.
26
Entre outros estudos de caráter mais específico, e que estão diretamente ligados à
nossa pesquisa, encontram-se aqueles que versam sobre as companhias de comércio, dentre
os quais destacamos Manuel Nunes Dias31, Antônio Carreira32, José Ribeiro Junior33 e David
Michael Davidson34. Destes, apenas José Ribeiro Júnior tem seus estudos voltados
especificamente à companhia de comércio, e refere-se à Companhia Geral de Pernambuco e
Paraíba.
Manuel Nunes Dias privilegia, na primeira parte de seu estudo, as conjunturas
econômicas e o contexto no qual as companhias de comércio de outros impérios coloniais,
como o inglês e o holandês foram criadas, e de como esses empreendimentos serviram de
exemplo para as formulações de Pombal. Dias também tece algumas considerações sobre o
Mercantilismo e o Estado do Grão-Pará e Maranhão, e apresenta quadros e tabelas que
contêm as relações de produtos transportados do Pará para o Reino, com os nomes dos
respectivos navios, a quantidade, os preços e os anos em que esses gêneros foram exportados.
Minucioso também é o estudo de Antônio Carreira, que discorre sobre as
proximidades dos domínios espanhóis, franceses e portugueses, no norte da colônia.
Discorreu sobre as primeiras experiências de companhias de comércio no Maranhão. Os
30
FURTADO, 2006, p. 18.
31
DIAS, 1970.
32
CARREIRA, 1988.
33
RIBEIRO JÚNIOR, 2004.
34
DAVIDSON, 1970. A tradução de trechos desta obra da língua inglesa para a portuguesa utilizada ao longo
desta dissertação é de minha autoria.
27
quadros e tabelas sobre o tráfico de escravos da companhia que Carreira apresenta são
exemplares, e fruto de um trabalho rigoroso; Carreira elencou os quadros de acionistas da
companhia, a natureza dos produtos vindos de regiões africanas, e elaborou análise das
cobranças de dívidas da companhia do Grão-Pará após sua extinção.
Outro estudo fundamental, e que proporcionou reflexões importantes, é o do
historiador norte-americano David Michael Davidson. Sua análise primou pela construção
das relações comerciais existentes entre a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão e a Capitania de Mato Grosso, estabelecendo como eixo norteador de seus estudos
o rio Madeira. Portanto, buscou fazer uma construção da história do rio Madeira e de como
o controle sobre ele e de todo o trajeto que ligava Mato Grosso ao Pará foi alvo de métodos
e mecanismos pelos quais Portugal implementou políticas estratégicas para resguardar e
sustentar seu domínio americano.
Já o estudo de José Ribeiro Júnior trata do monopólio da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba, nos oferecendo possibilidades de estabelecer comparações sobre a
atuação dessa empresa em região distinta da que estudamos, mas que possuía em comum
com as outras o objetivo de “fomentar e desenvolver” a região na qual estava estabelecida.
Para realizar a dissertação contemplamos também uma gama diferenciada de estudos,
dentre os quais teses e dissertações, artigos, fontes documentais impressas e manuscritas,
desde os mais clássicos, como o de José Roberto do Amaral Lapa 35, aos mais recentes. Da
bibliografia específica sobre o Mato Grosso destacamos os estudos de Otávio Canavarros 36,
37 38
Leny Caselli Anzai e Janaína Amado , e Nauk Maria de Jesus , fundamentais para se
estabelecer um diálogo com as nossas fontes e perspectivas.
No clássico estudo de José Roberto do Amaral Lapa, publicado em 1973, o autor se
dedicou a estudar o comércio monçoeiro, tratando especificamente das monções do Norte,
rota comercial que durante a segunda metade do século XVIII foi responsável pela ligação
fluvial entre a Capitania de Mato Grosso e o Estado do Grão-Pará e Maranhão. O estudo de
Lapa é referencial para o nosso trabalho, pois, embasado em rica pesquisa empírica, produziu
importante análise a respeito das relações comerciais entre a Companhia Geral de Comércio
do Grão-Pará e Maranhão e os comerciantes residentes em Vila Bela, capitania de Mato
Grosso. Lapa se dedicou a discutir também os motivos para a abertura da navegação fluvial
35
LAPA, 1973.
36
CANAVARROS, 2004.
37
AMADO & ANZAI, 2006.
38
JESUS, 2006.
28
entre Mato Grosso e Pará em 1752, os obstáculos do trânsito pelos rios Madeira-Mamoré-
Guaporé e a natureza das mercadorias comercializadas na capitania de Mato Grosso.
Já Otávio Canavarros, em “O poder metropolitano em Cuiabá 1727-1752” se dedicou
a estudar o processo de instalação do poder metropolitano em Cuiabá. O autor estudou a
ação política portuguesa no extremo oeste do Brasil na primeira metade do século XVIII,
fazendo uma análise das estratégias utilizadas por essa metrópole na manutenção deste
território. A criação de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, em 1727, e de Vila Bela
da Santíssima Trindade, 1752, fizeram parte da estratégia política portuguesa para assegurar
o território através da posse pela ocupação, uti possidetis. A vila de Cuiabá, na qual se
instalou um aparato político e burocrático nesse período, é vista por Canavarros como uma
base para a conquista e expansão territorial no Vale do Guaporé nos anos posteriores à sua
criação.
A obra de Canavarros é importante para as discussões de nossa dissertação por
apresentar também uma rica análise da expansão para o oeste, no Vale do Guaporé, no qual
aborda com muita propriedade e vasto manancial de fontes as descobertas de novas lavras
auríferas, as rotas comerciais, a configuração territorial e conflitos, a luta aos indígenas e aos
espanhóis, além de fornecer também considerações sobre o Tratado de Madrid, a criação da
Capitania de Mato Grosso e de Vila Bela e as tentativas de demarcações das fronteiras no
século XVIII.
A tese de Nauk Maria de Jesus, intitulada na “Na trama dos conflitos: a administração
na fronteira oeste da América portuguesa (1719-1778)”, propõe uma análise da implantação
da administração na fronteira oeste, considerando os conflitos existentes entre duas vilas na
Capitania de Mato Grosso: Vila Bela da Santíssima Trindade e Vila Real do Senhor Bom
Jesus de Cuiabá. Esta tese é importante para a construção da dissertação por apresentar uma
análise sobre o poder local e o comércio no confronto entre as duas vilas aqui referidas. A
autora explora farta documentação a respeito da formação e constituição da Câmara de Vila
Bela e seus privilégios, as rendas e contratos, a atuação dos seus membros, além de fornecer
análise sobre a criação da capital Vila Bela, as rotas comerciais e atuação dos homens de
negócio, as tensões na fronteira e práticas de contrabando.
Os “Anais de Vila Bela da Santíssima Trindade” de autoria de Leny Caselli Anzai e
Janaína Amado constitui importante fonte impressa para a compreensão da presença lusa na
Capitania de Mato Grosso, pois contempla assuntos diversos a respeito da atuação
metropolitana nessa região. Para o nosso estudo privilegiamos informações referentes ao
29
39
Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 30/nov/2008. Neste site
estão disponibilizados para a consulta documentos das seguintes capitanias: Alagoas, Amazonas-Rio Negro,
Bahia, Ceará, Colônia de Sacramento e Rio da Prata, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo-
Avulsos, Sergipe e da Secretaria do Conselho Ultramarino. Na base de dados os manuscritos digitalizados
podem ser localizados em simples pesquisa ao digitar as informações a respeito do documento que deseja
encontrar: o nome da capitania, a localidade, a data, a ementa ou trecho de transcrição do documento.
30
Capítulo 1
40
BOXER, 2002, p. 33.
41
COELHO, In: TENGARRINHA, 2001, p. 93.
42
BOXER, 2002, p. 45.
43
BOXER, 2002, p. 47.
33
por Bartolomeu Dias (1488), e Vasco da Gama (1497), que culminaram na abertura do
caminho marítimo para as Índias.
No século XVI, os portugueses se fixaram em regiões do Oriente dando início às
navegações regulares pelo Índico e ao lucrativo comércio de especiarias, e entre 1510 e 1515,
já haviam conquistado as ilhas de Goa, Ormuz e Malaca assegurando o controle das
principais rotas comerciais de especiarias no Índico. Simultaneamente às conquistas no
Oriente, a viagem de Pedro Álvares Cabral em direção à Índia culminou com sua chegada à
América, em 1500, integrando as terras americanas ao império português. Em 1514 D.
Manuel enviou a Roma um cortejo com exemplares de espécimes animais e vegetais, sedas,
além de especiarias, como pimenta malagueta, cravo, canela, gengibre e ouro, em
demonstração de luxo e riqueza “apresentando-se ao mundo como o monarca de um império
internacional que se estendia do Oriente à América”44.
Para Boxer, a característica mais espantosa do império marítimo português que se
estabeleceu em meados do século XVI, foi sua extrema dispersão:
Dentre os produtos encontrados nas regiões deste vasto império estavam o ouro da
Guiné; o açúcar da Madeira, de São Tomé e do Brasil; a pimenta da Indonésia; a noz-
moscada de Banda; o cravo de Termate, Tidore e Amboíno; a canela do Ceilão; o ouro, as
sedas e porcelanas da China; a prata do Japão; os cavalos da Pérsia e da Arábia; os têxteis
de algodão de Guzerate e Coromandel46.
No entanto, essa expansão mercantil não conduzia necessariamente ao reforço do
poder monárquico, e a uma obediência ao rei, por parte dos comerciantes e colonos, e a
presença de portugueses em um território não assegurava a exploração econômica deste, uma
44
AMADO & FIGUEIREDO, 2001, p. 05.
45
BOXER, 2002, p. 66.
46
Idem, ibidem.
34
vez que “o excedente ultramarino escapava à Metrópole, quando caía em circuitos avessos
à malha portuguesa”47. Desse modo, a Coroa lusa teve que enfrentar problemas distintos nas
regiões que conquistou: em Angola, o colonato e os jesuítas; no Índico, os árabes; em Goa,
as diferenças entre grupos de negociantes; em Moçambique, os colonos feudatários se
africanizaram ou se “cafrealizaram”, e passaram a controlar os circuitos regionais de
comércio48; no Brasil, a atuação de comerciantes, aventureiros e piratas de outros países, que
buscavam obter lucros através do comércio de pau-brasil.
Para lidar com estas questões, a Coroa portuguesa lançou mão de estratégias
governativas diferenciadas ao longo dos séculos de ocupação das regiões conquistadas, de
modo que pudesse assegurar seus interesses e seu domínio. Com a mudança de uma
economia de coleta, baseada no trabalho escravo indígena, para uma economia de produção,
fundada nos engenhos de açúcar e assentada pelo trabalho escravo africano49, a colônia
portuguesa americana passou a se integrar às redes internacionais de comércio, rendendo
lucros à metrópole,
47
ALENCASTRO, 2000, p. 19.
48
Idem, ibidem, p. 13-19.
49
Idem, p. 20. Mesmo com a introdução de mão-de-obra escrava africana na América portuguesa o trabalho
indígena não deixou de ser utilizado, sendo a mão-de-obra dos ameríndios muito procurada. Desde o fim do
sistema de capitanias e a implantação do Governo Geral em 1549, que a política empreendida em relação aos
ameríndios tinha por objetivo ensinar-lhes a língua portuguesa, doutriná-los segundo a fé católica e empreender
“guerras justas”, caso fosse necessário para transformá-los em mão-de-obra qualificada. A política da coroa
portuguesa em relação aos ameríndios só mudaria drasticamente com o estabelecimento do Diretório dos
Índios, em meados do século XVIII. Sobre o trabalho indígena na capitania de Mato Grosso ver também:
BLAU, 2007, p. 24.
50
AMADO & FIGUEIREDO, 2001, p. 27.
35
51
FERREIRA, 2002, p. 10.
52
Idem, ibidem, p. 16-21.
53
COELHO, 2001, p. 88.
54
No século XVIII, durante o reinado de D. José I (1750 - 1777) e administração de Pombal, a hereditariedade
foi extinta, mas não a denominação “capitania”.
36
55
Espacialmente, o Estado do Maranhão compreendia os atuais estados do Piauí, Ceará, Maranhão, Pará,
Amapá, e grande parte do Amazonas.
56
REZENDE, 2006, p. 62.
57
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 76.
58
ALMEIDA, 2001, p. 34.
37
A região norte da colônia era ainda pouco conhecida, tanto de espanhóis como de
portugueses59, o que dificultava a definição dos limites, e no processo de ocupação de
territórios, as práticas de ocupação portuguesa, fruto de séculos de experiência colonial,
articulava a fundação de núcleos populacionais, vilas, missões e aldeamentos com fortes,
fortalezas e feitorias, equipamentos de povoamento e de defesa60. Embora não contassem
com uma representação cartográfica rigorosa, na primeira metade do século XVIII os
portugueses exploraram e demarcaram territórios, em processo que envolveu expedições de
reconhecimento – como as de Francisco de Melo Palheta ao rio Madeira, e a de Belchior
Mendes Morais, ao rio Napo – , e lutas contra nações europeias e alianças com grupos
indígenas da região61.
Um ponto importante nesse processo de ocupação foi a fundação de missões
jesuíticas na Amazônia, que se tornaram “marcos da presença portuguesa e viriam a justificar
a expansão dos limites coloniais para muito além de Tordesilhas” 62. Enfatize-se que no lado
espanhol o movimento era correlato, pois interessava tanto à Coroa portuguesa quanto à
espanhola o controle da bacia amazônica. A observação feita pelo jesuíta Simão de
Vasconcelos, em 1654, de que os rios Amazonas e o Prata “fechavam a terra do Brasil”,
demarcando os limites de Castela e de Portugal, é significativa para se compreender os
esforços lusitanos para empreender uma política de ocupação territorial lusa satisfatória.
Em relação à exploração mercantil, a floresta oferecia diversas possibilidades. Ao
longo das margens dos rios havia abundância de raízes aromáticas e frutas bastante cobiçadas
na Europa, além das conhecidas “drogas do sertão”, como o cravo, a canela, a baunilha, a
salsaparrilha, o breu, as resinas, as sementes oleaginosas, a quina, e o cacau, entre outros.
Além do mais, havia produção de cana-de-açúcar introduzida primeiramente pelos
holandeses, madeiras e tabaco, cuja possibilidade de exploração era patente, o arroz silvestre
crescia abundantemente, criava-se gado, e o algodão, nos primeiros tempos de ocupação,
chegou a tomar o lugar de moedas nas trocas comerciais.
Durante a União Ibérica (1580-1640), Portugal sofreu graves prejuízos financeiros,
advindos das invasões de inimigos da Espanha em suas colônias na Ásia e na África. A
América, após o controle efetivo do território, e após a Restauração passou a ser vista como
59
A ocupação sistemática do espaço amazônico pelos portugueses só ocorreu a partir do século XVII. Enfatize-
se que o interior do território amazônico como atualmente conhecemos era completamente desconhecido pelos
portugueses.
60
FERREIRA, 2002, p. 59.
61
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 41.
62
REZENDE, 2006, p. 111.
38
importante fonte de lucro para a metrópole. Passou a haver uma reorientação da economia
portuguesa, que deslocou seu eixo, até então predominantemente oriental, para o “Atlântico
Sul”63, posição reafirmada pela expulsão dos holandeses de sua colônia americana. A
diplomacia portuguesa fez acordos comerciais e alianças políticas64, que lhe permitiram
manter a integridade territorial das colônias ultramarinas, sobretudo dos domínios da
América, conseguindo reorganizar o espaço de sua ação política e econômica, superando
uma fase particularmente difícil, mantendo a independência e preservando a maior e melhor
porção de seus domínios ultramarinos65.
Embora por conta dessas concessões e das disputas políticas entre as nações
hegemônicas, Portugal tenha perdido territórios no Oriente, mesmo assim conseguiu manter
ao longo do século XVIII um de seus principais entrepostos comerciais: Goa. E não somente
Goa, mas também Macau, Moçambique, Diu, Damão, Quelimane e Sofala não perderam seu
papel ─ ainda que bastante diminuído ─, de entrepostos do comércio oceânico66. Segundo
Boxer, as sólidas fortalezas de Moçambique e Macau foram erguidas entre 1600 e 1750, e
não nos dias prósperos do século XVI. Deste modo, ao adentrar o século XVIII, o ouro e o
marfim da África Oriental continuaram a chegar a Goa, e os navios da Carreira da Índia
viajavam sempre carregados cruzando o Atlântico, de onde mantinham sólidas relações
comerciais com a Bahia de Todos os Santos67.
63
NOVAIS, 1985, p. 19. Sobre a expressão “Atlântico Sul”, ver ALENCASTRO, 2000.
64
Os privilégios comerciais cedidos pelos portugueses no século XVII estão explicitados nos Tratados de 1642
e 1654, ambos firmados com a Inglaterra. No tratado de 1642 foram concedidas amplas regalias aos
comerciantes ingleses, inclusive no campo religioso. Concedeu-se à Inglaterra, no que tange às possessões
ultramarinas, a condição de nação mais favorecida, com o que os mercadores ingleses passavam a ter acesso
ao comércio colonial português, pois igual concessão já se tinha feito à Holanda. Neste tratado imposto por
Cromwell, permitiu-se aos ingleses negociarem, por conta própria, de Portugal para o Brasil e vice-versa
(exceção feita ao azeite, vinho, farinha, bacalhau e pau-brasil, produtos que eram comercializados
exclusivamente pela Companhia de Comércio do Brasil). O Tratado de 1654 pode ser considerado como a
“Magna Carta” dos ingleses em Portugal. Com o casamento de Catarina, filha de D. João IV, com Carlos II,
foram dados como dote a praça de Tanger, a ilha de Bombaim e mais dois milhões de cruzados. O alcance de
tais concessões permitiu uma transição de quase monopólio da exploração colonial pelos países ibéricos para
um quadro de intensa concorrência na utilização econômica do ultramar. A instalação das economias
competitivas, sobretudo nas Antilhas, a partir da segunda metade do século XVII, veio deprimir a economia
portuguesa. Com extrema habilidade, o governo português procurou contornar os tratados, procurando
dificultar para finalmente impedir o comércio direto de estrangeiros com as suas colônias. Daí compreende-se
que a diplomacia portuguesa tenha se orientado no sentido de manter a neutralidade nos conflitos europeus e
preservar os domínios que sobreviviam a este quadro complicado. In: NOVAIS, 1985, p. 22-24.
65
NOVAIS, 1985, p. 19.
66
SILVA, 2006, p. 18.
67
BOXER, 2002, p. 162. [Os panos asiáticos, também conhecidos como “fazendas de negro” eram
provenientes das possessões portuguesas de Goa, Diu e Damão, e as naus da Índia, faziam escala no Brasil
desde o século XVI. Estas fazendas faziam parte das principais mercadorias utilizadas na compra de escravos
nos sertões de Angola, no século XVIII. O comércio gerado pelas naus da Índia transformou Salvador num
centro distribuidor de mercadorias asiáticas para todo o Atlântico Sul, e a demanda elevada fizeram nascer um
contrabando de fazendas asiáticas atraindo navios franceses e ingleses, que navegavam da Ásia diretamente
39
para a Bahia. Lisboa perdia três vezes com essa situação: a primeira, era a quantidade diminuta das “fazendas
de negro” que chegavam à metrópole, sendo quase nulas as possibilidades dos negociantes lisboetas
participarem do tráfico de Angola, que nessa época era hegemonia dos negociantes brasileiros; a segunda,
acontecia porque a cidade perdia preeminência como centro distribuidor de “fazendas de negro” para outros
países europeus, que negociavam com escravos na África; e a terceira, era porque o comércio bilateral entre
Brasil e Índia acabava saturando o primeiro com mercadorias asiáticas vendidas a preços baixos, levando a
Coroa a tomar medidas para conter os prejuízos. Cf. FERREIRA, 2001, p. 353-359].
68
SOUZA, 2006, p. 81.
69
O comércio de especiarias orientais, produção colonial e tráfico negreiro, foram objeto de competição por
parte dos ingleses, franceses e holandeses além dos precursores ibéricos. O sistema de alianças que vigorava
no período se dividia entre aqueles que apoiavam a França ou os que apoiavam a Inglaterra. Essa concorrência
colonial, que se acentuou no decorrer da segunda metade do século XVII, engendrou tensões. No princípio do
século XVIII, essas tensões culminaram num confronto global entre as potências. Entre 1701 e 1713 ocorreu a
Guerra da Sucessão pelo trono espanhol, envolvendo as maiores potências da época naquilo que foi apenas
uma questão dinástica. Cf. NOVAIS, 1985, p. 39-40.
70
REIS, 1997, p. 312-315.
71
Idem, ibidem, p. 315.
40
V atenuaram os prejuízos, mas não foram suficientes para impedir o comércio clandestino
no Brasil.
D. João V realizou investimentos na cartografia científica de algumas regiões do
Brasil72, e durante seu governo foram contratados os padres jesuítas e matemáticos João
Baptista Carbone, sucedido por Diogo Soares e Domingos Capassi, que trabalharam a
serviço da corte portuguesa por quase duas décadas. O Conselho Ultramarino ressaltava a
necessidade de se possuir mapas detalhados do território brasileiro, de modo que se pudesse
resolver as confusões dos limites dos governos e bispados, e também separar os domínios de
Castela pelo sertão, pois nos anos iniciais do século XVIII, já estava em curso a expansão
pelo interior do Brasil. Muitos colonos saíam em busca de escravos indígenas e riquezas,
ultrapassando os limites entre Portugal e Espanha estabelecidos pelo Tratado de
Tordesilhas73.
O estabelecimento da Colônia de Sacramento em 1680, a conquista dos sertões de
Mato Grosso, Cuiabá e Goiás, fruto de um processo de expansão territorial portuguesa na
América ocorreram em paralelo às missões dos padres matemáticos. Até o trabalho desses
padres,
... a única região onde era possível identificar a existência de uma larga
faixa fronteiriça entre domínios espanhóis e portugueses era a região
amazônica, de um lado, a partir do Peru estavam as missões espanholas e,
de outro, a partir de Belém, os colonos portugueses, mesmo na ausência de
limites reconhecidos por ambas as partes.74
Com as descobertas de ouro nos finais do século XVII e nos anos iniciais do século
XVIII, e a migração para o interior da colônia, as questões relativas às fronteiras luso-
espanholas exigiam definições, e portugueses e espanhóis tiveram longos embates sobre esta
questão, principalmente quando estavam envolvidos metais preciosos e mão-de-obra
indígena. A descoberta de minas de ouro em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso mostraram
à metrópole a necessidade de políticas mais efetivas de ocupação do interior da colônia, que
vieram com a ascensão de D. José I, cujo governo foi marcado pelo trágico terremoto de
72
BOXER, 2002, p. 173-175.
73
ALMEIDA, 2001, p. 79.
74
Idem, ibidem, 2001, p. 147.
41
Lisboa, ocorrido em 1755, e também pela atuação de Sebastião José de Carvalho e Melo,
futuro Marquês de Pombal.
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal foi nomeado por D. José
I, Secretário do Estado da Guerra e dos Assuntos Estrangeiros, mas foi o acontecimento do
terremoto na cidade de Lisboa75, em 1755, que acelerou sua ascensão, pois recebeu
autoridade do monarca para dirigir os negócios de Portugal e reconstruir Lisboa; este
acontecimento foi decisivo para que assumisse o cargo de Ministro de Negócios do Reino, e
implementasse medidas que contribuíram para a reestruturação política e econômica de
Portugal.
Carvalho e Melo absorveu os mais clássicos textos mercantilistas, e concluiu que as
nações da Europa se engrandeceram pela imitação recíproca, cada uma vigiando as ações
das outras. Pombal foi um observador atento dos problemas enfrentados por Portugal, e se
ocupava em revelar as vantagens comerciais da Inglaterra obtidas através dos tratados
assinados com seu país, o que provocava aborrecimentos entre os ingleses. Outros
contemporâneos do marquês, como o ilustrado D. Luís da Cunha, autor de uma análise
abrangente das fraquezas de Portugal, também propunha meios para remediá-las. Assim,
segundo Maxwell, estava no centro dessas discussões, o “problema de conservar e explorar
os bens ultramarinos que Portugal controlava na Ásia, África e América, e desenvolver um
mecanismo para concorrer com a dominação econômica britânica sem enfraquecer a aliança
política e militar necessária para conter a Espanha” 76.
Nessa direção, a segunda metade do século XVIII foi marcada por políticas que
visavam o fortalecimento da Coroa portuguesa, e o Marquês de Pombal procurou
implementar um complexo conjunto de disposições administrativas e jurídicas articuladas
entre si, cujo propósito era dinamizar a política e a economia do Estado português. O
ministro reformou amplas esferas portuguesas e, nessa perspectiva, também o universo
ultramarino, sua estrutura e sua lógica77. As três mais importantes esferas do reformismo
ilustrado que caracterizam o governo de Pombal enfocam os setores político-administrativo,
75
Sobre o acontecimento do terremoto de Lisboa de 1755 ver: DEL PRIORE, 2003. Sobre a chegada da notícia
e repercussão do terremoto de Lisboa de 1755 na Capitania de Mato Grosso ver: MONLEVADE, 2005.
76
MAXWELL, 1996, p. 06-16.
77
FERREIRA, 2002, p. 35.
42
78
As medidas tomadas pelo ministro no âmbito pedagógico incluíram a reformulação da estrutura
organizacional do sistema de ensino, transformando os currículos e métodos pedagógicos de acordo com os
métodos ilustrados. O quadro docente da Universidade de Coimbra foi laicizado, modernizando o ensino de
direito, matemática e medicina. Cf. FALCON, 2001.
79
FALCON, 2001, p. 236-238.
80
BOXER, 2002, p. 195.
81
FALCON, 2001, p. 233.
43
82
RIBEIRO JÚNIOR, 2004, p.11-12.
83
DIAS, 1970, p. 69.
44
84
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 17.
85
DIAS, 1970, p. 61.
86
Idem, ibidem, p. 62-64.
45
87
DIAS, 1970, p. 72-73.
88
Idem, ibidem, p. 73.
46
89
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 19.
90
REIS, 1997, p. 326.
91
CARREIRA, 1988, p. 41.
92
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 19.
47
93
CARREIRA, 1988, p. 44.
94
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 20.
48
douradas da Coroa”95. Nesse sentido, Faoro observou que a burguesia em Portugal fora
reduzida ao papel de intermediária entre as outras nações durante as primeiras conquistas
ultramarinas, mas esta perseverou em seus empreendimentos ao longo dos séculos e apesar
de não ter se emancipado, a burguesia se enobreceu através da compra de cargos tornando-
se assim como a nobreza fator de poder. Ansiavam os burgueses não só pela partilha do
poder, mas também pela integração social e no século XVIII, segundo Faoro, passaram a
“acotovelar familiarmente a aristocracia”96.
A partir da segunda metade do século XVIII, sob as ordens do Marquês de Pombal,
ao todo foram criadas no império português seis companhias de comércio: “Companhia de
Comércio da Ásia” (1753), e “Companhia de Moçambique” (1766), para o comércio Índico;
“Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro” (1756), e “Companhia das Pescas
do Algarves” (1773), atuando na metrópole; “Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão”
(1755), e a “Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba” (1759), atuando no Atlântico.
Infelizmente, sobre a maioria delas se dispõe de poucas informações, principalmente em
relação às companhias do Reino e aquelas atuantes na Ásia e África, na segunda metade do
Setecentos.
Faz-se importante observar que Portugal criou companhias de comércio num
momento em que o mercantilismo já estava reformulando essa modalidade de expansão
econômica97. Portanto, as companhias criadas para atuar na metrópole tinham por objetivo,
de modo geral, regularizar o setor de pesca e de produção de vinho. A criação da “Companhia
das Pescas do Algarves” recebeu com exclusividade a concessão da pesca do atum e da
corvina por um período de doze anos para a região portuguesa do Algarve. No caso da
produção dos vinhos, as medidas pombalinas visavam essencialmente a criação de uma zona
demarcada, que produziria, em regime de exclusividade, vinhos finos de exportação,
contrariando a aparente desorganização do setor, e o ano de 1756 marca a data de
reconhecimento régio do alvará proposto. Segundo Mourão, esta companhia agregou
interesses de diferentes agentes e setores atuantes na região do Douro, no século XVIII.
Neste sentido, foi contestada por exportadores conectados com os interesses britânicos, bem
95
FAORO, 2001, p. 37-38. Disponível em: http://groups.google.com.br/group/digitalsource. Acesso em:
08/dez/08.
Ver também: FRANÇA, 1946.
96
Idem, ibidem, p. 250. Faoro destacou que a burguesia só existiu, se expandiu e se animou na medida em que
obedeceu a uma diretriz superior. Cf. FAORO, 2001, p. 278.
97
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 15.
49
como por pequenos produtores e retalhistas, e contribuiu para a mono dependência da região.
Enquadrada num contexto dominado pelo Absolutismo, esta companhia pretendeu organizar
uma atividade que funcionava informalmente, e onde a histórica presença inglesa encontrava
uma fonte de lucros. Ainda que constatado o aumento da exportação do produto nesse
período, já perto do seu final, avolumaram-se as críticas de má gestão e de nepotismo98.
Para as possessões na Ásia, novas medidas também seriam tomadas no governo de
Pombal, e uma delas foi a criação, em 1753, da “Companhia de Comércio da Ásia” que
também recebeu o nome do mercador Felix Von Oldenburg, e uma de suas importantes
atribuições foi a concessão de direitos comerciais na Índia e na Ásia, e de fornecer salitre à
Fazenda Real de Lisboa. Além de ter como missão fomentar o comércio de domínio luso na
Ásia era também seu objetivo político consolidar a posição portuguesa na Índia, e fazer
frente à Companhia Inglesa das Índias Orientais. A ela foi concedido, para um período de
dez anos, o monopólio de todo o comércio da Ásia com os centros de Lisboa e Goa, devendo
também se articular com Moçambique.
A importância da articulação da “Companhia de Comércio da Ásia” entre Lisboa,
Goa e Moçambique esteve no fato de transportar tropas e material de guerra, já que havia
um único sentido de tráfico para as relações comerciais entre Portugal e a África oriental,
uma vez que a Índia estava intercalada na rota comercial de Moçambique para a metrópole.
O insuficiente abastecimento de pólvora e munições era constante na África, e dentre outras
incumbências esta empresa deveria garantir o transporte de 100 soldados em cada navio
pequeno, e 300 em cada navio grande. A Fazenda Real de Lisboa pagava 150 cruzados por
cada soldado chegado vivo a Goa, e o dobro por cada oficial. No caso de seguir diretamente
de Moçambique para Bengala, sem aportar em Goa, os soldados podiam ser lá
desembarcados e transportados em navios do Estado. Para o transporte gratuito de material
bélico deveria estar à disposição um porão de 80 toneladas nos navios pequenos, e de 200
toneladas nos navios grandes. Era proibido comerciar, apenas se podia abastecer99. O
terremoto de Lisboa em 1755 prejudicou os fornecimentos da metrópole para Moçambique
até 1757, ano em que foram feitos os últimos carregamentos. Em maio de 1760, a companhia
já não funcionava mais.
Moçambique teve um papel importante no contexto das companhias, uma vez que
era um dos principais centros de fornecimento de mão-de-obra escrava. A partir da década
98
MOURÃO, 2006. Disponível em:< http://www.klepsidra.net/novaklepsidra.html>. Acesso em: 20/dez/2007.
99
HOPPE, 1970, p. 297-298.
50
de 1760, esta ilha foi alvo de um conjunto de medidas tomadas por Pombal, que colocou em
prática um plano para melhor administrar a região, principalmente porque a ilha era um
ponto de entrelaçamento de rotas comerciais, concentrando carregações que vinham,
sobretudo, de Goa, Diu e Damão. Deste modo, começou por extinguir os ouvidores leigos
mandando servir ministros letrados. Extinguiu também o “monopólio real do comércio do
velório” (Alvará de 07/05/1761); unificou o sistema de pesos e medidas, determinando que
em Moçambique e Costa Oriental fosse utilizado o mesmo sistema do Reino (Carta Régia
de 09/05/1761). Entre outras medidas que possibilitaram o desenvolvimento material de
Moçambique destacam-se: a ordem nas cobranças dos rendimentos do Estado; o reforço dos
serviços aduaneiros; o fomento das atividades agrícolas; a reorganização militar e defesa; o
desenvolvimento do comércio, tornando a Ilha de Moçambique centro de articulação;
medidas de caráter administrativo e judiciário; a elevação à categoria de vilas de
Moçambique, Quelimane, Tete, Zumbo, Manica, Sofala, Inhambane e Ilhas de Querimba100.
A importância econômica desta possessão lusa provinha não somente do tráfico de
escravos, mas também do comércio de outros gêneros, como marfim, cera e ouro, mesmo
que até o século XVII o marfim fosse o produto de maior valor, e aquele que alimentava o
comércio indiano. O tráfico de escravos se intensificou somente em meados do século XVIII,
quando o comércio de escravos passou a ser a principal fonte de lucros101. A “Companhia
de Moçambique”, criada em 1766, se articularia com a Índia, e comercializaria com o interior
até o Zumbo. Um dos principais motivos para a instituição dessa empresa foi restabelecer o
controle do comércio na região. Em correspondência do capitão general Pereira do Lago de
Moçambique, ao Secretário Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 1766, este se referia
ao comércio do marfim vendido anualmente. O maior problema apresentado referia-se aos
nativos mujaos, atravessadores, que segundo o capitão general possuíam a mesma vida dos
ciganos da Europa, e introduziam as fazendas que de Moçambique levavam a pouco custo
na Feira do Zumbo102, não pagando as taxas alfandegárias, e realizavam comércio ilícito em
prejuízo daqueles que retiravam lucro dessa negociação. Deste modo, propunha que se
formasse uma companhia por um período de seis anos, para regularizar essa negociação.
Teve curta duração, e em pouco tempo finalizava suas atividades. Os empreendimentos
100
SANTOS, p. 12. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/aladaa/corsino.rtf>. Acesso
em: 10/abr/2007.
101
Idem, ibidem, p. 02.
102
Documento n° 03. Correspondência do Capitão general Pereira do Lago ao secretário dos negócios da
Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 1766. Original AHU, cx. 12 apud HOPPE,
1970, p. 349-351.
51
referentes à Ásia e à África constituíram curtas experiências, mas que ao cabo auxiliaram no
controle do comércio de algumas dessas regiões com a metrópole portuguesa.
As companhias mais duradouras foram aquelas que atuaram exclusivamente no
Atlântico, conectando continentes, distribuindo mercadorias, promovendo fortunas e
transportando riquezas, como aquelas fundadas pela Coroa portuguesa na América, na
segunda metade do século XVIII, a de Pernambuco e Paraíba, e a do Grão-Pará e Maranhão,
que tiveram mais de 20 anos de atuação. Essas companhias envolveram em seus negócios
interesses públicos e privados, a Coroa se aliando a grandes comerciantes reinóis e a alguns
locais, e o ponto comum entre elas é que possuíam o monopólio da exportação e importação
de mercadorias, e também eram responsáveis pelo abastecimento de mão-de-obra escrava
africana.
A “Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba” foi criada em 1759, com a finalidade
de fomentar “as fortunas e agricultura do nordeste, através de um melhor suprimento de mão-
de-obra, de compra de mercadorias de exportação a preços regulamentados e provisão de
103
frotas regulares para transportar as mercadorias para os mercados do Reino” . A
“Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba” foi criada com um capital de cerca de 1360
contos de réis, um monopólio de 20 anos, e com maioria de acionistas oriundos do Reino,
sendo que apenas 10% das ações estavam em mãos de pernambucanos. Sua ação também se
estendeu à Costa Africana, com o lucrativo comércio de escravos e, apesar de desejada por
alguns, foi severamente contestada por outros, como os senhores de engenho, comerciantes,
lavradores de cana, dentre outros, por perceberem na companhia uma ameaça aos seus
interesses comerciais, e aos privilégios que até então gozavam. Segundo Érika Simone
Carlos, os grupos sociais mais abastados da capitania de Pernambuco “dominavam a
produção e os cargos burocráticos, eram oficiais da Câmara, participavam da Mesa de
Inspeção, eram Provedores da Fazenda Real, e tinham o apoio da monarquia em seus
projetos, quando estes não interferiam nos interesses do Reino”104.
De fato, com a instalação da companhia, essa lógica foi apenas reforçada para aqueles
que apoiavam o projeto, mas nem todas as pessoas mais influentes foram convencidas a
participar dele, e tornaram-se fortes opositoras. As muitas queixas relatadas sobre a
companhia ao Marquês de Pombal se referiam a ela como nociva e prejudicial ao comércio
e à lavoura de cana-de-açúcar. Alegavam os reclamantes um excesso de crédito a alguns,
103
CARLOS, 2001, p. 42-44.
104
Idem, ibidem, p. 52.
52
105
CARLOS, 2001, p. 26.
106
Para mais informações sobre a instituição do Diretório dos Índios e sua aplicabilidade ver: COELHO, 2005.
53
107
Em 6 de junho de 1755 foi promulgada uma lei que restituiu a liberdade aos índios transformando, os
“ameríndios em vassalos”. Um dia após a promulgação da lei de liberdade, em 7 de junho de 1755, outra lei
buscou retirar dos administradores a autoridade e tutela sob as povoações indígenas. Entretanto, tais medidas
tiveram sua aplicabilidade efetiva apenas a partir da instituição do Diretório dos Índios em 1757. Cf.
DOMINGUES, 2000, p. 20-42.
108
SAMPAIO, 2001, p. 45.
109
MAXWELL, 1996, p. 59.
54
Segundo Sampaio, a praça paraense não era “uma das mais dadivosas em termos de
recursos”110. Belém, segundo Davidson, em meados do século XVIII, possuía uma economia
que se baseava em larga medida na coleta das drogas do sertão (cacau, cravo, canela,
baunilha, salsaparrilha, resinas, vegetais gomíferos e oleosos), pesca, caça, plantio, e uma
pecuária rudimentar. Produzia-se algum pano de algodão grosseiro para uso local, que,
juntamente com o cacau, tabaco, ou cravo-da-índia, era empregado numa economia de troca
como meio de se obter produtos, na ausência de dinheiro111. A extração das drogas do sertão
para a exportação consistiu numa atividade lucrativa, ainda que as “estatísticas entre 1730 e
1755, indiquem que este comércio permaneceu muito abaixo do valor do volume do
comércio das maiores cidades portuárias do Brasil” 112. A escassez de mão-de-obra africana
para a agricultura era crônica, sendo contornada com o trabalho escravo indígena, muitos
dos quais sofriam com o apresamento violento e o aldeamento desses nativos em missões
religiosas113.
O comércio de especiarias também era controlado por missionários, que
frequentemente negociavam diretamente com agentes em Lisboa. Os privilégios que os
religiosos possuíam, como as isenções do pagamento de impostos e taxas alfandegárias sobre
os gêneros que produziam permitiram lucros às ordens religiosas, em especial à Companhia
de Jesus114. A prosperidade econômica adquirida pelos jesuítas ao longo do tempo
descontentava tanto os colonos quanto as autoridades metropolitanas, principalmente porque
os jesuítas detinham avultado capital proveniente das produções de suas propriedades.
Somente na década de 1720, no Grão-Pará era possível contabilizar cerca de 63 missões,
dentre as quais jesuítas, mercedárias e carmelitas, cuja população totalizava 54.216 índios115.
Quando os missionários jesuítas foram expulsos por Pombal, em 1759, seus bens foram
confiscados pelo Estado. Suas fazendas produziam arroz, algodão, aguardente, milho, feijão,
tabaco, e continham grande número de cabeças de gado. Nos anos de 1760-1764, e 1769-
1770, renderam a importância de 40:938$680 réis116. A expulsão significou despojar os
110
SAMPAIO, 2001, p. 164.
111
DAVIDSON, 1970, p. 142.
112
Mapa dos diferentes gêneros que dos Livros d’Alfandega da Cidade do Pará consta se exportaram do seu
Porto desde o ano de 1730 até 1755 inclusive anexado por João Pereira Caldas à Martinho de Melo e Castro,
Pará, 31/ago/ 1778, IHGB/CU, arq. 1-1-4, fols. 13 ff., e AHU, Pará, caixa 38 apud DAVIDSON, 1970, p. 143.
113
DIAS, 1970, p. 161-164. Sobre a utilização da mão-de-obra indígena ver: DOMINGUES, 2000.
114
MAXWELL, 1996, p. 58-59.
115
DIAS, 1970, p. 173.
116
DIAS, 1970, p. 179-189. Ver: “Quadro de bens seqüestrados aos jesuítas do Estado do Grão-Pará e
Maranhão”.
55
117
COELHO, 2005, p. 100.
118
ALMEIDA, 1997 apud BLAU, 2007, p. 16.
119
BLAU, 2007, p. 16-17.
120
GOMES, 2008, p. 32.
121
Segundo Sampaio, convencido da necessidade da atuação de uma companhia no Pará, Mendonça Furtado
procurou o apoio dos principais homens de negócio da terra, dos quais recebeu inúmeras recusas. Somente com
a entrada dos comerciantes de Lisboa, foi que Mendonça Furtado conseguiu levantar dinheiro necessário para
dar início à companhia. Nesse sentido, Sampaio levanta a possibilidade de que os homens de negócio do Pará
estivessem muito mais vinculados aos comissários volantes e suas “grandes extorsões”. Cf. SAMPAIO, 2001,
p. 163-165.
122
CARREIRA, 1988, p. 78. “Quadro de dividendos da Companhia de 1755 a 1824”.
56
123
Idem, ibidem, p. 65.
124
Idem, p. 66.
125
Idem, p. 67.
126
Idem, p. 71.
127
Idem, p. 71.
57
comissões da Companhia. Uma tarifa continha as taxas de frete dos principais produtos
transportados para a metrópole: cacau/café (400 réis a arroba), cravo (200 réis), algodão
(1000 réis a arroba), arroz descascado (250 réis a saca), atanados e couro (400 réis cada),
óleo de copaíba (2000 réis o barril)128.
As rotas comerciais da companhia incluíam Lisboa, Angola, Cabo Verde, Bissau,
Cacheu, Maranhão e Pará129. Gêneros como tecidos, ferramentas, louças, perfumaria, vinhos,
e alguns gêneros alimentícios finos eram provenientes da Europa, e destinados ao Grão-Pará
e Mato Grosso. As regiões da África forneciam mão-de-obra escrava, e alguns outros poucos
produtos, como o marfim. O Grão-Pará exportava para a Europa as drogas do sertão, o arroz,
o couro e o algodão. Na Amazônia colonial, a “Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará
e Maranhão” incentivou o cultivo do arroz, do algodão, produção de madeiras e tinturas,
carnes, couros, introduziu mão-de-obra escrava africana na bacia do Amazonas, e
“contribuiu para controlar e regulamentar as importações de produtos manufaturados da
metrópole portuguesa, através do monopólio de comércio e navegação”130.
A Companhia Geral de Comércio também promoveu o aumento do Tesouro Real do
Pará, constituindo-se em sua maior fonte de recursos desde 1758 até 1778. Para Davidson,
era da Companhia de Comércio que advinham os recursos para o pagamento dos salários
dos empregados civis, eclesiásticos e militares do Pará, e dela também provinham recursos
para a manutenção de fortes, estaleiros, arsenais e despesas com demarcação de fronteira,
bem como o fornecimento de estabelecimentos reais nas capitanias do Rio Negro e Mato
Grosso131.
Entretanto, houve queixas contra a Companhia a respeito da corrupção de seus
agentes em todos os lugares em que ela atuou. Em Cabo Verde as queixas diziam respeito
ao monopólio e às arbitrariedades com que os agentes administrativos alteravam os preços
de algumas fazendas. Em Bissau, outras reclamações de alguns negociantes são mais
contundentes e se referem não só aos agentes, mas também ao monopólio e aos preços: “...
nos estão impedindo todos os portos para nosso comércio só a fim de que só eles possam
negociar, tirando-nos as regalias com que sustentamos nossas pessoas e famílias”132. As
128
CARREIRA, 1988, p. 189-195.
129
Idem, ibidem, p. 99.
130
FERREIRA, 2002, p. 43.
131
DAVIDSON, 1970, p. 154-155.
132
AHU. Guiné. Papéis Avulsos, 1777, cx. 11, doc. n° 47 apud CARREIRA, 1988, p. 56-57.
58
queixas prosseguiram no mesmo tom, tratando também dos preços dos escravos e de roubos
descarados por parte dos agentes. Argumentavam os negociantes:
... nos estão tomando os nossos escravos por preços tão diminutos que
acaso chegam ao preço que tem custado nos gentios, dando-nos eles as
fazendas mais inferiores que tem. [...] nos estão roubando publicamente de
tudo que possuímos como fizeram as duas embarcações do capitão cabo
desta povoação Antônio Fernandes Martins e outras mais, cujas comprou
a eles mesmos133.
Essas reclamações foram constantes no Pará e em Mato Grosso, questões que serão
tratadas nos próximos capítulos. Em geral, dentre os objetivos da criação da Companhia de
Comércio estava: “estabelecer com regularidade as ligações das praças de Belém e São Luís
com a metrópole e, também, abastecer o mercado local com escravos de Angola, Benguela
e Guiné, incluindo o Mato Grosso”134. A articulação da Companhia de Comércio com a
Capitania de Mato Grosso, colocando em constante comunicação o Estado do Brasil e o
Estado do Grão-Pará e Maranhão auxiliaria não só no abastecimento de gêneros
manufaturados diversos e mão-de-obra escrava como também desempenharia um importante
papel na ocupação dos territórios localizados no norte e extremo oeste da América
portuguesa. Esses territórios estavam ligados por extensa fronteira que dividia domínios
hispânicos e portugueses, e as medidas de Pombal contribuíram para ocupá-los efetivamente,
em um momento decisivo para as negociações e definição de áreas de litígio entre os
impérios ibéricos na América no Setecentos.
133
CARREIRA, 1988, p. 57.
134
SAMPAIO, 2001, p. 164.
59
Capítulo 2
Os caminhos do sertão.
A Capitania de Mato Grosso e as rotas comerciais
135
O termo sertão aparece constantemente nas documentações oficiais do período em estudo, sendo utilizado
para designar as terras localizadas à oeste da América Portuguesa e, ainda outras regiões. Mesmo hoje, este
termo segundo Janaína Amado aparece vivo no pensamento e cotidiano das pessoas de norte a sul do Brasil.
No caso do nordeste, ele está imbuído de significados que sem ele “a própria noção de nordeste se esvazia
carente de uma de suas referências essenciais”. Mesmo em Portugal, era utilizado para se referir às regiões
distantes de Lisboa, e segundo o Dicionário do Padre Raphael Bluteau, sertão era a localidade “apartada do
mar e por todas as partes metida entre terras”. Cf. BLUTEAU, 1720.
No caso do Brasil, inicialmente sertão constituiu uma categoria espacial construída pelos portugueses, ao longo
do processo de colonização. Desde o século XV utilizavam este termo para designar espaços vastos, longínquos
e pouco habitados, cujas áreas distantes do litoral possuíam natureza indomada habitada por nativos da região
e animais ferozes, dos quais as autoridades portuguesas detinham pouca informação e controle insuficiente.
Assim, os sertões aparecem na África, Ásia e América. Ainda segundo Amado, no Brasil Colonial o termo
“sertão” serviu para designar tanto os espaços distantes, desconhecidos, desabitados ou pouco habitados, como
adquiriu uma nova significação que estava vinculada ao “ponto de observação, à localização onde se encontrava
o enunciante ao emitir este conceito”. Cf. AMADO, 1995, p. 145-151.
136
SUSUKI, 2007, p. 47. [Chronicas do Cuyabá].
61
bandeiras, tanto aurinas como aos inimigos bárbaros”137. E foi com ele que se cobraram os
primeiros quintos de ouro para El Rei nas minas do Cuiabá.
No ano de 1722, Moreira Cabral obteve da Coroa portuguesa a confirmação de seu
posto de guarda-mor, e com a descoberta de novas jazidas auríferas no córrego Prainha, um
arraial se formou nesta região, dando início à colonização efetiva, com a invasão das terras
indígenas. Assim, “o próprio lugar onde começou a cidade de Cuiabá era uma grande
aldeia”138. Na margem direita do córrego se edificou uma igreja dedicada ao Bom Jesus, e
em 1723, criava-se freguesia no Cuiabá, sediada na Igreja Bom Jesus, elevada à categoria de
Matriz. O ano de 1726 marcou a transferência do governador de São Paulo Rodrigo César
de Menezes para o Cuiabá, com objetivo de elevar o arraial à categoria de Vila, no ano de
1727, que “até aquele momento, era o ponto mais avançado da fronteira entre os domínios
139
portugueses e espanhóis” . A nova vila foi denominada Vila Real do Senhor Bom Jesus
do Cuiabá, e nela se instalaram poderes metropolitanos, o que significa que se criou uma
câmara, com eleições, estatutos e posturas municipais, normatização da higiene, saúde,
festas e alimentação. As ordens de Sua Majestade implicavam em “fazer casas da câmara e
cadeia, estandarte real, varas ou insígnias do senado, cofres, escrutínio, cadeira, bancos,
mesas e outras coisas inescusáveis” 140.
A fundação da Vila Real representou também o reconhecimento de sua importância
pela Coroa portuguesa, tanto pela presença de minas de ouro em seu território, quanto por
sua localização nas proximidades da fronteira entre os domínios das duas Coroas ibéricas.
Algumas estratégias foram adotadas para promover a fixação da população e o
desenvolvimento da produção local, como a distribuição de sesmarias, entre 1726 e 1728141.
Impulsionados pela descoberta das minas, muitas pessoas se dirigiram ao Cuiabá. Os
Anais do Senado da Câmara de Cuiabá registram que desde 1720 chegavam à região
inúmeras pessoas divididas em comboios de canoas, que haviam subido o rio Anhanduí,
atravessado a Vacaria, descido pelo Mateteú, e deste pelo Paraguai acima. Muitas canoas se
perderam nas cachoeiras por falta de pilotos e práticos, e a mortalidade era alta, pela falta de
mantimentos, por doenças, ataques de animais selvagens e outros problemas ligados à falta
137
SUSUKI, 2007, p. 47. [Chronicas do Cuyabá].
138
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p. 14.
139
JESUS, 2006, p. 86.
140
Correspondência de Antonio Rolim de Moura a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Vila Bela,
01/jul/1761. In: ROSA e JESUS, 2003, p. 16.
141
JESUS, 2006, p. 88.
62
142
SUSUKI, 2007, p. 48. [Chronicas do Cuyabá].
143
CANAVARROS, 2004, p. 92.
144
MONTSERRAT, 1994 apud CANAVARROS, 2004, p. 262.
145
OLIVEIRA, 2008, p. 25.
146
CAMELO, In: TAUNAY, 1961, p. 139.
63
147
LAPA, 1973, p. 57.
148
HOLANDA, 1975, p. 162-163.
149
Para se chegar a Cuiabá as monções de povoado contaram com dois roteiros. No primeiro roteiro partia-se
do Tietê e depois se navegava pelos rios Grande, Pardo, Anhandui, travessia por terra pelos Campos da Vacaria,
rios Mboteteu, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. No segundo roteiro partia-se do Tietê e depois se navegava
pelos rios Grande, Pardo, travessia por terra pelo Varadouro do Camapuã, rios Cochim, Taquari, Paraguai, São
Lourenço e Cuiabá.
64
Pardo, os problemas eram as águas violentas, sendo necessário sirgar as canoas. Nos rios
Camapuã Mirim, e Camapuã Assu, a dificuldade consistia no fato de serem muito “secos”,
isto é, como pouco volume de água. Nos rios Cochim e Taquari, as cachoeiras eram um
empecilho, uma vez que era preciso descarregar e carregar as mercadorias a todo o momento.
O Paraguai Mirim possuía uma vegetação que confundia os pilotos no momento em que
tinham que descobrir os canais e rios para navegar em segurança, e o rio Porrudos (São
Lourenço) também era de difícil passagem, que durava entre sete e oito dias. Por fim, o rio
Cuiabá, considerado o grande responsável por fazer adoecer muitos remeiros, pois seu
volume de água e grandes correntezas implicavam em trabalho exaustivo desses homens150.
Entretanto, o caminho pelas águas não foi o único que dava acesso a Cuiabá. O
caminho terrestre São Paulo-Goiás-Cuiabá, frequentado e aberto desde 1737, também foi
utilizado, pois este trajeto servia para passar o gado, e as demais cargas seguiam por vias
fluviais. A abertura desse caminho possibilitou, dentre outros resultados, a “formação de
fazendas e currais nas redondezas de Cuiabá” e a diminuição de preços de mercadorias
diversas, até então exorbitantes151. As descrições das transações comerciais dos tropeiros em
Cuiabá, segundo Canavarros são pouco minuciosas, mas de fato muitos escravos chegaram
até a Vila Real por este trajeto152. Embora o caminho de terra tivesse duzentas léguas a menos
que a rota das monções de povoado, e fosse mais seguro, a atividade dos tropeiros não
substituiu a das monções, constituindo-se em apenas mais uma rota de acesso às minas
cuiabanas.
A vila de Cuiabá pode ser considerada uma base para a conquista territorial da
região153, e a posse de seu território foi assegurada pela metrópole mesmo com a grande
migração de mineradores que seguiram para as inúmeras lavras nos afluentes do rio Guaporé
a partir da década de 1730. A fronteira oeste foi considerada pela Coroa portuguesa o
“antemural da colônia”, e a instauração nela de poderes metropolitanos, para fins internos e
externos, serviu também como proteção para as minas d’El Rei, principalmente quando se
descobriu ouro nas margens dos rios Sararé e Galera, afluentes do rio Guaporé, o que acabou
por nortear muitas das ações políticas metropolitanas no extremo oeste e norte da América
Portuguesa.
150
GODOY, 2002, p. 81-83.
151
CANAVARROS, 2004, p. 211.
152
Idem, ibidem, p. 214.
153
Idem, p. 49.
65
154
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p. 40.
155
AMADO & ANZAI, 2006, p. 39.
156
Idem, ibidem, p. 40. [Anal de Vila Bela desde o primeiro descobrimento do sertão de Mato Grosso no ano
de 1734].
157
LUCÍDIO, 2004, p. 22.
66
com os jesuítas das províncias de Moxos e de Chiquitos, e à extração das lavras que
requeriam maior investimento de capital, como aquisição de escravos, ferramentas,
construção de açudes e aquedutos”158.
Embora o povoamento da capitania tenha se dado a partir das descobertas auríferas,
havia uma economia local que permitia a manutenção da população. Produzia-se milho,
feijão, farinha, toucinho, aguardente de cana, açúcar, melado; criavam-se galinhas, patos,
porcos e bovinos, que complementava o abastecimento da população. De fora da capitania
vinha sal, ferramentas, armas, pólvora, tecidos e louças, dentre outros159.
A partir da descoberta dessas novas minas no vale do Guaporé, as atenções da Coroa
voltaram-se com mais intensidade para essa região. Novos caminhos e rotas comerciais
foram abertos. Criou-se a capitania de Mato Grosso em 1748, e fundou-se estrategicamente,
em 1752, uma vila em região de fronteira com domínios da Espanha, nas margens do rio
Guaporé, Via Bela da Santíssima Trindade. Intensificaram-se as lutas aos indígenas devido
ao apresamento para trabalho escravo, ainda que considerados vassalos do rei a partir do
estabelecimento do Diretório dos Índios. E, sobretudo a preocupação estava em assegurar a
fronteira, tendo no Tratado de Madrid (1750) uma tentativa de delimitação dos limites das
Coroas de Portugal e Espanha.
158
Idem, ibidem.
159
LUCÍDIO, 2004, p. 26.
67
160
Segundo Canavarros, as negociações do Tratado de Madrid ocorreram pela necessidade de se demarcar
definitivamente os limites entre as duas coroas ibéricas na América. Iniciada em 1746, durante o governo de
D. João V, as negociações se estenderam até 1750. Durante as primeiras décadas do governo de D. João V,
algumas questões de fronteira entre Portugal, Espanha e França foram resolvidas através dos dois Tratados de
Utrecht (1713 e 1715). A colônia de Sacramento, por exemplo, foi objeto de disputas de portugueses e
espanhóis, e em 1715 foi devolvida aos portugueses. Já em relação à região do Cabo do Norte e o controle do
rio Amazonas foi favorável a Portugal, em 1713, o acordo estabelecido com os franceses. Outras questões
externas também influenciaram a assinatura do Tratado de Madrid. Canavarros menciona a Guerra da Sucessão
do Trono da Áustria, por volta de 1739, somada à ameaça de invasão inglesa em Buenos Aires, com o objetivo
de tomar o estuário do Prata, e ali fundar uma colônia. Os informes que Sebastião José de Carvalho e Melo,
nesse momento embaixador na Inglaterra, forneceu sobre os preparativos dos ingleses para tomar o controle
do Prata, ameaçando o domínio espanhol e português na América foi decisivo para levar a cabo as negociações
68
veio como um acordo entre as Coroas ibéricas, no que diz respeito aos limites entre os dois
Estados. A atuação de Alexandre de Gusmão, embaixador e secretário de D. João V, fazendo
prevalecer o uti possidetis e as balizas naturais, assegurou a posse dos territórios já ocupados
pelos portugueses, principalmente o extremo oeste. Portanto, o Tratado de Tordesilhas,
dividindo os dois hemisférios terrestres estabelecido entre Portugal e Espanha em 1494,
estava revogado.
Em 1752 foi criada na fronteira a capital de Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima
Trindade, conforme decisão do Conselho Ultramarino. O objetivo maior era resguardar a
fronteira, garantindo a posse do território, de modo a evitar possíveis investidas espanholas
na região. A escolha do local obedecia a interesses estratégicos, já explicitados pelo
Conselho Ultramarino: “hoje se tem assentado ser mais necessária e concernente a povoação
161
do Mato Grosso que a do Cuiabá” . Nas instruções da Rainha D. Mariana a D. Antônio
Rolim de Moura Tavares se reconhecia que a Vila do Cuiabá era a mais povoada, contudo,
as mesmas instruções evidenciavam que Mato Grosso requeria maior vigilância pela
vizinhança que tinha com os domínios espanhóis, determinando-se que no distrito de Mato
Grosso se fizesse cabeça de governo162. Nas instruções da Rainha D. Mariana a Rolim de
Moura, escolhido para ser o primeiro governador e capitão general da recém criada Capitania
de Mato Grosso, havia ordem de fundar uma vila naquelas paragens, por se entender que
aquele território era a “chave e o propugnáculo do sertão do Brasil pela parte do Peru” 163,
concedendo a quem quisesse lá se estabelecer, diversos privilégios e isenções fiscais.
A partir de então, cresceu a necessidade de povoar as áreas de fronteira da capitania
de Mato Grosso, mas especificamente com o atual oriente boliviano, região das missões
jesuíticas de Moxos e de Chiquitos164. Na área de colonização portuguesa promoveu-se uma
política de povoamento na região de limites entre as duas coroas.
A partir da criação de sua vila capital, em 1752, e nos anos que se seguiram os
portugueses se dedicaram à ocupação de áreas ainda não colonizadas, fundando vilas e
com a Espanha, que parecia aos portugueses ser mais favorável. Dentre os representantes portugueses nas
negociações se destacou o Conselheiro Alexandre de Gusmão, “verdadeiro articulador do acordo”, que se
orientou por objetivos geopolíticos, dentre os quais estabeleceu que o acordo envolveria toda a fronteira
americana, prevalecendo o uti possidetis e as balizas naturais como pontos limítrofes. Pretendiam com isso,
também resolver questões pendentes na Ásia. Cf. CANAVARROS, 2004, p. 298-308.
161
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p. 41.
162
IHGMT, 2001, p. 11-12. Instrução da Rainha D. Mariana para D. Antônio Rolim de Moura de Lisboa,
19/jan/1749.
163
Idem, ibidem, p. 12.
164
ANZAI, 1998, p. 08-09.
69
arraiais, e construindo fortes, como o Forte Príncipe da Beira, e o Forte Coimbra. Essa
presença lusa permitia a defesa do território de possíveis investidas dos espanhóis, e ao
mesmo tempo reafirmava a posição portuguesa naqueles domínios. Pelo fato da colonização
espanhola na América do Sul privilegiar a exploração de seus centros mineradores, em geral
localizados no altiplano e próximas ao litoral, suas fronteiras interiores acabavam por ficar
desguarnecidas165, a exemplo de áreas do atual oriente boliviano, desde fins do século XVII
estavam ocupadas com missões jesuíticas. Os padres da Companhia colocavam em prática
os princípios da Reforma Católica, defendiam os interesses da Ordem e também os da coroa
espanhola, ao proteger, com suas milícias indígenas, territórios da Espanha166.
O ato de tornar o índio vassalo da Coroa portuguesa e a instituição do Diretório dos
Índios, em 1757, proibindo-se sua escravização e incentivando casamentos entre brancos e
índios contribuiu para o aumento do povoamento na área de fronteira. Vila Maria do
Paraguai, atual cidade de Cáceres foi fundada em 1778, pelo governador e capitão general
da Capitania de Mato Grosso Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, com casais
de índios chiquitos desertados das missões, devido à falta de pessoas para se povoar a vila167.
A vila assumiu importância por se localizar às margens do rio Paraguai limitando-se
geograficamente com os domínios de Castela.
As missões religiosas de Moxos e de Chiquitos eram autossuficientes, e nelas era
proibida a entrada de colonos espanhóis ou portugueses. As missões de Chiquitos
encontravam-se sob a jurisdição da Audiência de Charcas e do Vice-Reino do Peru, e
compunham-se de dez reduções: São Xavier, São Rafael, São José, São João Batista,
Conceição de Chiquitos, São Miguel, São Ignácio de Zamucos, Santa Ana, Santo Coração
de Jesus, e Santiago de Chiquitos.
As missões de Moxos estavam localizadas em terras baixas, férteis e alagadiças,
cercada por florestas e muitos rios. Moxos englobava 15 missões, cuja população chegou a
contar com trinta mil habitantes aproximadamente. Além de explorações de outras riquezas
extrativas, as missões de Moxos desenvolveram a produção de Cacau. Em fins do século
XVIII, das quinze missões que existiam restaram apenas onze, cuja população contava com
cerca de vinte mil índios168.
165
Idem, ibidem, p. 08.
166
Sobre esse assunto ver: MEIRELES, 1989.
167
Sobre a política de povoamento da Capitania de Mato Grosso utilizando os indígenas ver: BLAU, 2007.
168
ANZAI, 1998, p. 10.
70
169
LUCÍDIO, 2004, p. 32.
170
Idem, Ibidem, p. 32.
171
CHARUPÁ, 2002, p. 187-190. Para mais informações sobre as missões jesuíticas do atual Oriente boliviano,
ver: ANZAI, 2008, p. 137-168.
172
ANZAI, 1998, p. 12.
173
CHARUPÁ, 2002, p. 194.
71
capital. O comércio feito pelos padres não era realizado somente com os colonos de Santa
Cruz de la Sierra, mas também com portugueses, que muitas vezes chegavam com interesses
comerciais nas missões chiquitanas.
Segundo Anzai, mesmo após a ordem para a expulsão dos jesuítas das missões
espanholas em 1767, em que estas ficaram sob a administração dos curas, sucessores dos
jesuítas, as reduções chiquitanas poderiam abastecer as terras de domínio português com
gado vacum e cavalar, tecidos, além de ser ponto de passagem para se chegar a Santa Cruz
de La Sierra, onde poderiam também abastecer as regiões lusas com instrumentos de
mineração, de lavoura, sal, e gêneros alimentício174. Entretanto, é preciso considerar que o
abastecimento de variados gêneros se dava também de modo inverso. As missões do oriente
boliviano também eram potenciais consumidores de mercadorias diversas introduzidas pelos
portugueses.
Portanto, entre as missões de Chiquitos e a Capitania de Mato Grosso havia contato
clandestino, e o contrabando havia marcado também a vida econômica da região. Nos Anais
de Vila Bela, no ano de 1775, está registrado a chegada de contrabandistas castelhanos na
capitania, relatando-se o modo como se procederam as vendas das cargas que traziam:
174
ANZAI, 1998, p. 20.
175
AMADO & ANZAI, 2006, p. 196-197. [Anal de 1775. Apresentado em Câmara pelo Vereador Francisco
Xavier Antam].
72
176
Idem, ibidem, p. 81. [Anal desta Vila Bela do ano de 1760].
177
JESUS, 2006, p. 349.
178
JESUS, 2006, p. 349-352.
179
Idem, ibidem, p. 354-365.
73
Rodaram estes em uma canoa sem notícia alguma da navegação nem aonde
aquele rio ia surgir, tiveram encontros de gentios, passaram as cachoeiras,
viram o que gentes católicas não tinham ainda visto, deram consigo na
cidade de Belém do Grão-Pará, sem mais para a corrente das águas que os
levaram às cegas, foram na dita cidade presos e remetidos à corte aonde
dando notícias da sua viagem e de tudo o que tinham visto e passado foram
soltos.181
180
LAPA, 1973, p. 28-29.
181
SÁ, 1975, p. 41.
74
Gaspar Barbosa, e um holandês fizeram outra viagem, durante a qual morreram o estrangeiro
e alguns escravos.
Mas foi no ano de 1749 que chegava João de Sousa Azevedo à Capitania de Mato
Grosso, com “a primeira carregação de negócio que nestas minas entrou vindo do Pará”.
Consta que entrou pelo rio Sararé, até o porto chamado dos “Pescadores” ou “Porto Geral”,
e que lá colocou parte das cargas em cavalos, e seguiu em direção à Chapada; outra parte
conduziu em canoas, pelo rio Sararé, até chegar ao porto do Mombeca, localizado no interior
das minas182. João de Sousa Azevedo morava no porto de Araritaguaba de Itu, e de lá seguiu
com carregação ao Cuiabá, de onde, passando pelo Jauru, a vendeu. Suas viagens e seu
comércio não se restringiram apenas ao trajeto de São Paulo-Cuiabá, pois chegou a Belém
percorrendo o rio Arinos. Logo as notícias de descoberta de ouro pelo comerciante João
Azevedo no rio Arinos, que deságua no rio Tapajós, chegaram aos ouvidos do então
governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará, Francisco Pedro de Mendonça
Gorjão. Em correspondência ao rei D. João V, no ano de 1747, o capitão general Gorjão
informava que o rio Tapajós era ordinariamente frequentado pelas canoas das “Missões da
Companhia”, que lá iam extrair as drogas do sertão, abundantes nas matas, como o cravo.
Advertia que, após o descobrimento de ouro no rio Tapajós entre 1746 e 1747 e no rio Três
Barras, que também deságua no rio Tapajós, as ordens deviam ser enviadas às fortalezas do
rio Tapajós, e que toda embarcação que por lá pretendesse navegar deveria ser revistada,
além de observar toda canoa que não seguisse a rota dos que colhiam as drogas do sertão183.
Neste sentido, procurava-se resguardar os novos achados auríferos dos vizinhos espanhóis,
evitando-se deslocamentos para essa área, por conta das novas minas.
A rota seguida por João de Sousa Azevedo está registrada nos Anais de Vila Bela:
Depois de outros intervalos, que não são para esta história, subiu pelo
Paraguai acima; e daí pelo rio Sepotuba. Varando as canoas nos dois
últimos saltos que tem, deu consigo no rio chamado Sumidouro, e deste
passou ao rio dos Arinos, em tempo que ainda lá estavam alguns enganados
182
AMADO & ANZAI, 2006, p. 48-49. [Anal de Vila Bela desde o primeiro descobrimento do sertão de Mato
Grosso no ano de 1734].
183
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 26/set/1747, cx. 29, doc. 2784. Correspondência de Francisco
Pedro de Mendonça Gorjão ao rei D. João V.
75
daquele descoberto no ano de 1746. Rodando por ele abaixo, saiu no rio
das Amazonas; daí até a cidade do Grão-Pará (...). 184
A abertura da navegação em 1752 teve maiores implicações, uma vez que a rota
percorrida por Manuel Félix de Lima assumiu muita importância, pelo fato de, em todo o
trajeto em direção ao Pará pelo rio Madeira haver presença de missões jesuíticas espanholas.
As razões para a abertura desse caminho aparecem expressas na carta de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-Real, de janeiro de 1752. Neste
documento, Mendonça Furtado observou que, quanto menos navegassem embarcações
portuguesas por esse trajeto, mais viável e propício se tornava aos padres castelhanos
avançarem sobre as terras lusas. Exemplificou com os casos das aldeias de Santa Rosa, São
Miguel e São Simão, que já haviam sido fundadas em áreas de domínio português e, de fato,
tempos depois o governo português implementou medidas para retirá-las dessa região, e a
184
AMADO & ANZAI, 2006, p. 49. [Anal de Vila Bela desde o primeiro descobrimento do sertão de Mato
Grosso no ano de 1734].
185
ABREU, 2000, p. 57.
76
aldeia de Santa Rosa passaria a sediar o Forte de Bragança186, por sua importância estratégica
significativa. Dentre outras medidas propostas pelo capitão general para impedir o avanço
espanhol, a principal delas se referia ao estabelecimento de povoações e fortalezas ao longo
da rota das monções187.
As argumentações de Mendonça Furtado também esclareciam que não haveria
prejuízo da Alfândega do Rio de Janeiro por conta do abastecimento da capitania de Mato
Grosso pela rota comercial do norte. O abastecimento das monções que saíam de São Paulo
e chegavam a Mato Grosso eram “precárias e débeis”, e justificava:
186
Lucídio informa que a partir de 1760, Rolim de Moura passou a prover a defesa e fortificação de Santa
Rosa, e a partir de 1762 a antiga aldeia passou a ser denominada Destacamento de Nossa Senhora da Conceição,
ou Presídio da Conceição. As tensões entre Portugal e Espanha em 1763 eclodiram nessa região do Guaporé.
Já no ano de 1765, o capitão general João Pedro da Câmara iniciou os trabalhos para a construção do Forte de
Bragança nesse mesmo local, uma obra feita de cal, pedras, paus e terra, que uma enchente do rio Guaporé
destruiu no ano de 1771. Cf. LUCÍDIO, 2004, p. 56-57.
187
MENDONÇA, 2005, p. 251. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-
Real de 20/jan/1752].
188
MENDONÇA, 2005, p. 252. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-
Real de 20/jan/1752].
77
As Monções do Norte
Por “monções do norte” designavam-se as canoas que, navegando através dos rios
Madeira-Mamoré-Guaporé abasteciam a capitania do Mato Grosso, principalmente as
canoas da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), a quem cabia
transportar e distribuir os produtos que seriam comercializados em Vila Bela da Santíssima
Trindade, capital da capitania de Mato Grosso. As monções que seguiam o roteiro fluvial
Madeira-Mamoré-Guaporé, também eram conhecidas por “monções do Grão-Pará”, ou
apenas “monção do Pará”.
O abastecimento de produtos importados em Vila Bela e suas imediações, até o efetivo
estabelecimento da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão era praticamente
dependente das praças do Rio de Janeiro e de São Paulo. As monções de povoado, quando
chegavam carregadas de mercadorias, aportavam umas em Cuiabá, e outras seguiam pelo
rio Jauru, em direção ao Mato Grosso, para abastecer a vila capital e suas imediações.
Assim como Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o capitão general da Capitania
de Mato Grosso D. Antônio Rolim de Moura sugeria a abertura desse caminho, colocando
em questão as dificuldades pelas quais passava a capitania em relação ao abastecimento. A
rota comercial pelo norte surgiu como alternativa econômica em um momento em que
questões geopolíticas prevaleceram.
189
MENDONÇA, 2005, p. 256-257. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça
Corte-Real de 20/jan/1752].
78
190
Sérgio Buarque de Holanda atribui essa informação a Martius e Pizarro. Interessante observar que 3000
arrobas de capacidade seria o equivalente a aproximadamente 45 toneladas ou 45000 kg. Nesse total incluíam-
se remeiros, pescadores, piloto, donos e agregados. Holanda registrou que o próprio Martius pôde observar as
ubás em uso no segundo decênio do século XIX, que carregavam em média duas a três mil arrobas de
mercadorias. Holanda acrescenta ainda que Luiz d’Alincourt havia registrado em 1830 que as igarités do
Madeira carregavam, em média, mil a duas mil arrobas de mercadorias. Cf. HOLANDA, 1990, p. 30.
191
HOLANDA, 1990, p. 29-30.
192
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 17/ago/1755. Cd 05 (pasta 044/001/146), cx. 38, doc. 3621. Carta
de Miguel de Bulhões e Sousa ao rei D. José I.
79
Joaquim José Codina. “Uma ubá, uma igarité e uma jangada e seus acessórios”.
Desenho em Nanquim. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ, Acervo Digital.
193
SOUZA, In: NOVAIS, 1997, vol. 1, p. 50.
194
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 122, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Carlos Daniel de
Seixas a Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
80
195
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 122, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Carlos Daniel de
Seixas a Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
196
ANZAI, 2003, p. 79.
197
LAPA, 1973, p. 50.
81
feijão, arroz pilado, vinho, azeite de andiroba, vinagre, marmelada, paneiros com farinha,
açúcar, potes de manteiga, chás. Consumiam peixes, e por isso levavam consigo anzóis de
piraíbas, anzóis pequenos e miudinhos, arpões de peixe-boi e tartaruga. Produtos de botica
para cura de doentes consistiam de ipecacuanha, emplasto de D. João, tártaro, quina,
basilicão, unguento branco, dentre outros. Para defesa contra os ataques de índios ou
espanhóis levavam pólvora, balas e armas de fogo198.
Uma viagem do Grão-Pará até Vila Bela durava em média de seis a sete meses. Mas
isso dificilmente acontecia, pois, os inúmeros obstáculos que os comboieiros passavam
durante o percurso acabavam por estender o tempo, que por vezes durava até um ano. As
doenças, as intempéries, como as chuvas e as neblinas, os ataques de índios e as cachoeiras
do Madeira eram motivos suficientes para atrasar a chegada de uma monção em Mato
Grosso. Durante todo o percurso eram dezessete as quedas d’água que os comboieiros
deveriam passar: 1ª Cachoeira de Santo Antônio199; 2ª Cachoeira do Salto; 3ª do Morrinhos;
4ª Caldeirão do Inferno; 5ª do Girau; 6ª Três Irmãos; 7ª do Paredão; 8ª da Pederneira; 9ª das
Araras; 10ª do Ribeirão; 11ª da Misericórdia; 12ª do Madeira; 13ª da Lage; 14ª do Pau
Grande; 15ª da Bananeira; 16ª Guajara-Guasu; 17ª Guajara-Mirim200.
198
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa Ataíde a João Pedro da Câmara. Veja-se também o material transportado pela comitiva da Viagem
Filosófica, de Alexandre Rodrigues Ferreira, em ANZAI, 2003.
199
A cachoeira de Santo Antônio era considerada limite natural entre o Estado do Grão-Pará e a Capitania de
Mato Grosso.
200
GOMES, 2005, p. 27.
82
IMAGEM 4 – Parte do Brazil que comprehende a navegação que se faz pelos tres Rios
Madeira, Mamoré e Guaporé, athe Villa Bella, Capital do Governo do Matto Grosso, com
estabelecimentos Portuguezes, e Espanhoes, a elles adjacentes
201
O Tratado de Santo Ildefonso foi acordado e assinado em 1º de outubro de 1777, na cidade de San Ildefonso,
na província espanhola de Segóvia, com o objetivo de encerrar a disputa entre Portugal e Espanha pela posse
da colônia sul-americana do Sacramento, situação que se prolongava desde a Paz de Utrecht e a guerra de
1735-1737. O tratado foi intermediado pela Inglaterra e a França, que tinham interesses políticos internacionais
na pacificação dos dois países ibéricos. Com a assinatura do tratado, a rainha de Portugal, D. Maria I, e o rei
da Espanha, Carlos III, praticamente revalidaram o Tratado de Madrid, e concederam fundamento jurídico a
uma situação de fato: os espanhóis mantiveram a colônia e a região dos Sete Povos das Missões, que depois
passou a compor grande parte do estado do Rio Grande do Sul, e do Uruguai; em troca, reconheceram a
soberania dos portugueses sobre a margem esquerda do rio da Prata, cederam pequenas faixas fronteiriças para
compensar as vantagens obtidas no sul, e devolveram a ilha de Santa Catarina, ocupada poucos meses antes.
Entretanto, este tratado não foi definitivo, principalmente em relação aos Sete Povos das Missões, tomada pelos
portugueses. Em 1801, o Tratado de Badajós corrigiu o de Santo Ildefonso, restituiu a Portugal as Missões e
outros territórios do Rio Grande, e restabeleceu a divisão definida cinquenta anos antes, no Tratado de Madri
(1750). Cf. Colecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos públicos celebrados entre a Coroa de
Portugal e as mais potências desde 1640 até o presente. Tomo III. Lisboa: Imprensa Nacional, 1856. Disponível
em: http://books.google.com.br. Acesso em: 18/ago/2008.
83
Este rio que ninguém tem navegado daqui para cima por mais de 8 dias nos
é inteiramente desconhecido, assim como a todos os geógrafos, os quais
não tinham visto estas paragens com outros olhos mais do que os dos
jesuítas, quando o descreveram. Esses padres, ou fosse por ignorância ou
por malícia, confundiram sempre, em tudo quanto escreveram, a
verdadeira situação destes países. De sorte que se não encontram nos seus
mapas, mais do que incoerências e erros. Tal é a forma por que o rio
Madeira se acha confundido com o Mamoré, no grande mapa da Província
de Quito, dedicado no ano de 1761 ao seu Geral, Visconti: estampando-se
nele o Rio Madeira, formado unicamente pelas águas dos Rios Mamoré e
Guaporé, desde o ponto da sua junção. Esta mesma confusão se foi
espalhando por quase todos os geógrafos de maior nota, tais como Mr. De
L’ille, La Boache, e Condamine, que também na Sua relação do Amazonas,
p. 132 – fala com o mesmo erro a respeito do Rio Madeira, não sendo nada
disso para admirar, havendo todos copiado estas noticias sobre o mapa que
os referidos jesuítas deram, no tomo 11º das cartas Edificantes das
Províncias de Los Moxos, no ano de 1713. Com igual ignorância também
se tratou este assunto pelos portugueses no Tratado de Madrid, em que
constava que os dois rios, Mamoré e Guaporé, os que formavam, depois da
84
sua junção, o mesmo Madeira, não obstante distar este ainda mais de 35
léguas do termo em que os ditos rios têm ambos a sua confluência. 202
Enfatizou Souza Coutinho: “O rio da Madeira é muito maior do que o Mamoré”, e com
águas turvas e carregadas de troncos arrancados pela violência de seu curso; a velocidade da
corrente represava na confluência do Mamoré as águas deste rio por mais de uma légua de
distância”, cuja medida de seu fundo excede 37 braças de altura.
O rio Madeira, segundo o capitão general recebia pela sua margem ocidental o rio
Marmero, e pela oriental os pequenos rios Manicoré, Capaná e Urapira, considerados de
pouca importância. Os rios aos quais o capitão dedicava maior “apreço”, por serem
navegáveis e desaguarem no Madeira eram o Jamari e o Gi-Paraná, distantes onze léguas um
do outro, e nove léguas da primeira cachoeira que tinha curso na mesma direção, confluindo
no rio Madeira, e sobre os quais Luís Pinto registrou que dispunha de poucas informações.
Nas vizinhanças do rio Jamari encontrou Luis Pinto a praia do Tamanduá, próxima da
primeira cachoeira, onde havia abundância de peixes, de cacau, e de azeite de tartaruga.
IMAGEM 5 IMAGEM 6
[A pesca das tartarugas]. Coleção Alexandre Rodrigues [O fabrico da manteiga de ovos de tartaruga]. Coleção
Ferreira. BNRJ, Acervo Digital. Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ, Acervo Digital.
202
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
85
[Traíra]. Coleção Alexandre Rodrigues [Jacundá]. Coleção Alexandre Rodrigues [Matrincham]. Coleção Alexandre
Ferreira. BNRJ Ferreira. BNRJ Rodrigues Ferreira. BNRJ
Ao passar pela cachoeira do Salto, a segunda do rio Madeira, Souza Coutinho considerou
excelentes as terras localizadas na sua proximidade observando que ali se poderia fundar um
novo estabelecimento, por haver nela abundância de peixes durante todo o tempo,
fundamental para sustentar os moradores e prover as necessidades dos viajantes.
Luís Pinto também deixou registrado seu encontro com as populações nativas. Na área da
cachoeira do Girau, a quinta cachoeira do rio Madeira, habitavam os Pamas, uma pequena
203
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
204
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
86
nação de índios, que Luís Pinto considerou “sumamente dócil e bem constituída”, e fundou
no local uma povoação, com o objetivo de “civilizá-los”205.
Da primeira cachoeira até a décima primeira, que faz a barra o rio Mamoré, não “recebe
o Madeira por uma e outra margem mais do que 3 ou 4 ribeiros, e de um rio, semelhante na
grandeza ao Jamari, desemboca junto à cachoeira chamada da Pederneira, na margem
ocidental do rio Madeira”. O governador registrou que a região das cachoeiras possuía
terreno elevado e abundante em cacau, salsa, baunilha, jalapa, resinas e outras drogas
medicinais, produtos com boas possibilidades de serem comercializados. Sobre o fato das
margens do rio Madeira serem elevadas, Luís Pinto corrigiu suas observações em outra
correspondência, datada de junho de 1769: “deve se entender elevadas com várias exceções:
porém o regular é que quando de uma parte há pantanal ou lagoas, há quase sempre, da outra,
terra firme”206.
O rio Mamoré recebe as águas do rio Guaporé. O Mamoré possui, na parte em que se une
com o Guaporé, 47 braças de largura, e quase 18 de profundidade. Da barra do Guaporé até
a Fortaleza, são quase 20 léguas de caminho. As suas margens são “espraiadas e aprazíveis,
recebendo neste caminho pela parte oriental o rio Cautarios, a 7 léguas e meia da fortaleza e
não chegando a receber algum até defronte desse sítio”207.
O mapa abaixo, além de permitir marcar a localização de Vila Bela e de outros núcleos
de ocupação208 estabelecidos no Guaporé, ao longo do século XVIII, também nos possibilita
identificar os afluentes do rio Guaporé, como os rios Galera e Sararé.
205
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
206
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 13/jun/1769, cx. 14, doc. 848. Ofício de Luis Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
207
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
208
A partir de 1734, além dos arraiais que se formaram (São Francisco Xavier, Sant’Ana, São Vicente, Pilar)
Lucídio identificou outros pontos de ocupação no Vale do Guaporé, dos quais tratou detalhadamente: Ilha
Comprida, Corumbiara, Casa Redonda (Vizeu), Sítio das Pedras (Palmela), Aldeia de São José (Leomil),
Aldeia de São João (Lamego) e os fortes de Bragança, Príncipe da Beira e a povoação de Casalvasco. Para
mais informações ver: LUCÍDIO, 2004.
87
209
ANZAI, 2003, p. 160.
88
expedição filosófica pelos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, registrou aquilo que
considerava serem as principais causas das doenças dos índios:
Entretanto, o saber indígena era fundamental para a travessia fluvial do Pará até Mato
Grosso. Ao empregar seus conhecimentos, tanto na construção de embarcações quanto nas
atividades de remeiros e proeiros, os índios tornaram possível a transposição dos obstáculos
naturais, e em lugares de muitas correntezas e corredeiras, entravam na água e conduziam o
barco nos trechos mais difíceis. Além do mais, eram profundos conhecedores da fauna e da
212
flora . Segundo Holanda, o proeiro era a figura mais importante da embarcação, pois
comandava e governava a proa; batendo com o calcanhar no chão marcava o compasso das
210
ANZAI, 2003, p. 161.
211
APMT. Lata 1758A, Fundo Governadoria, doc. n° 94, Vila Nova de Barcelos, 30/mai/1758.
Correspondência de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
212
LAPA, 1973, p. 44-45.
89
Mas, para Luís Pinto de Souza Coutinho, terceiro governador e capitão general da
Capitania de Mato Grosso, a partir das observações que fez durante sua viagem pelo rio
Madeira havia a possibilidade de contornar os problemas provocados pelos Mura:
213
HOLANDA, 1975, p. 173.
214
APMT. Lata 1759 II, Fundo Justiça, doc. n° 19, Pará, 13/mai/1759. Correspondência de Manoel de Bernardo
de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.
215
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
90
Além das observações sobre os Mura, o capitão general Luís Pinto constatou também
a presença de outras nações de índios como os Caripuam. Em sua passagem pelo rio Madeira,
o capitão general Luís Pinto, quando se encontrou com os índios Caripuam, os descreveu
como “dóceis, bem figurados, francos e tratáveis”216. Em troca dos presentes que ofereceram
aos índios, os navegantes receberam panos de algodão bem trabalhados, concluindo o
governador que, por sua qualidade, só poderiam ter vindo das missões castelhanas. Logo
notou Luís Pinto a importância da rota, e deixou registrado um conselho do qual também
eram partidários os governadores da capitania de Mato Grosso que o antecederam:
Tudo isso nos deu advertir, como bem refletiu já o Conde de Azambuja, de
não perdermos tempo algum em ser formarem estabelecimentos pela nossa
parte sobre uma e outra margem do Madeira, antes que os espanhóis se
antecipem. Porquanto chegando a fazer qualquer fundação nas cachoeiras
e a fortificarem nelas algum posto, perdida fica em um instante toda a
navegação do Pará, e impossibilitados quaisquer socorros para poderem
nunca vir em tempo de guerra, e aos domínios desta capitania.217
216
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
217
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
218
SOUZA, 1997, p. 73.
219
ANZAI, 2003, p. 162.
91
[Paca]. Coleção Alexandre Rodrigues [Cotia]. Coleção Alexandre Rodrigues [Lebre]. Coleção Alexandre Rodrigues
Ferreira. BNRJ, Acervo Digital. Ferreira. BNRJ, Acervo Digital. Ferreira. BNRJ, Acervo Digital.
220
LAPA, 1973, p. 70-5.
221
As feitorias, em geral, constituíam-se em um entreposto fortificado que, na fase inicial da colonização dos
domínios ultramarinos portugueses negociava com os nativos e recolhia e armazenava os produtos que deviam
ser transportados para a metrópole. Portanto, inúmeras foram as feitorias estabelecidas pelos portugueses em
seu vasto império colonial ultramarino erigidas em lugares comercialmente e politicamente estratégicos.
92
na Vila Nova de São José do Javarí (mais tarde Tabatinga), sobre o rio Solimões ou alto
Amazonas, e
... serviriam de centros de distribuição para o contrabando com a Espanha
nas franjas de Nova Granada, Quito e Peru. As cinco feitorias restantes
estariam fundadas nos rios Madeira e Guaporé, para auxiliar e defender o
fluxo Pará-Mato Grosso, e como pontos de contato com os habitantes de
Santa Cruz, Moxos, Chiquitos, Paraguai e, de maneira esperada, Potosí.
Um posto estaria localizado na cidade de Borba (inicialmente a missão
jesuítica de Trocano, secularizada Mendonça Furtado em janeiro de 1756)
cerca de noventa milhas (144,81 km) acima da boca do Madeira; um outro
seria construído em um ponto contando vinte dias de viagem do Borba,
para assistir comerciantes que subissem as cachoeiras; a um terço da
décima segunda cachoeira do Madeira, próximo de onde se encontra com
o rio Beni, seria fortificado, da mesma forma como na quarta, no Forte
Conceição, no Guaporé, e a quinta, a ser erigida entre Conceição e Vila
Bela, onde o Mequéns flui para o Guaporé.222
Uma das primeiras feitorias fundadas no rio Madeira de que dispomos de notícias
pertencia a João de Souza Azevedo, comerciante, que a levantou sem licença régia. Seu
empreendimento se dedicava ao comércio de cacau e cravo, abundante nas margens daquele
rio. No entanto, a fundação deste empreendimento deveu-se a interesses particulares; sua
feitoria não licenciada pelo rei foi denunciada por Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
a Diogo de Mendonça Corte Real, em 1754, mas João de Souza Azevedo não teve sua pena
executada, uma vez que seus conhecimentos sobre a navegação pelos rios Madeira e
Guaporé eram imprescindíveis, além de ser o único prático conhecido habilitado a levar o
Desembargador e Ouvidor Geral para Mato Grosso223 nesse período.
Quanto às outras feitorias erigidas pelo caminho, o Forte Príncipe da Beira foi um
desses importantes locais de abastecimento dos viajantes, pois em suas dependências eram
armazenados os produtos da Companhia de Comércio, além de possui guarnição militar para
proteger os moradores de seu entorno, e oferecer amparo e abrigo aos navegantes: “Cumpriu
papel de feitoria, inclusive arrecadando taxas e tributos”224.
222
DAVIDSON, 1970, p. 160.
223
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 09/mar/1754. Cd 04 (041/002/390), cx. 36, doc. 3365. Ofício de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte Real.
224
FERNANDES, In: ROSA & JESUS, 2003, p. 159.
93
225
GOMES, 2005, p. 09-10.
226
DAVIDSON, 1970, p. 22.
227
CANAVARROS, 2004, p. 246.
94
Capítulo 3
Negócios na fronteira oeste da América Portuguesa
228
ZEMELLA, 1990, p. 82.
229
Idem, ibidem.
230
SAMPAIO, In: FRAGOSO; BICALHO, GOUVEA, 2001, p. 75.
95
231
FURTADO, 2006, p. 198-199.
232
Idem, ibidem, p. 199.
233
IHGMT, 2001, p. 22. Instrução do Conde de Azambuja para João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
234
BLAU, 2007, p. 35-36.
96
o governador que “em qualquer parte que se situem é gravíssimo prejuízo, porque fazendo-
o na margem oriental (direita), interrompem a nossa posse e abrem posse para o nosso sertão;
e se for na margem ocidental, em qualquer parte que seja, nos podem dificultar muito a
navegação”235. Foi durante o governo de Rolim de Moura que se estabeleceu a Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, criada três anos após a fundação da vila
capital, e que foi responsável pelo abastecimento de gêneros importados de outras partes do
Império português para a Capitania de Mato Grosso. A Companhia de Comércio, inclusive,
contribuiu para a entrada de escravos africanos no Grão-Pará e também na capitania de Mato
Grosso, diminuindo a pressão sobre os cativos indígenas naquele Estado, e com o objetivo
de aumentar o número de mão-de-obra escrava já existente na capitania de Mato Grosso,
cujo principal mercado fornecedor era o Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia até o
estabelecimento efetivo do comércio com Belém e com a Companhia do Pará, que por sua
vez, constituiu mais uma rota de abastecimento.
Em maio de 1754, Francisco Xavier de Mendonça Furtado informava D. Antônio
Rolim de Moura sobre as práticas dos colonos em relação ao trabalho dos indígenas no Grão-
Pará destacando que “este Estado inteiro se acha arruinado porque nele os moradores até
agora quiseram fundar-se sobre a tirania de carregarem o imenso trabalho que aqui há que
fazer sobre os ombros dos miseráveis índios, chegando até o ponto de os privarem da
liberdade”236. Nesta mesma correspondência informava das soluções que tomou para aliviar
o trabalho dos indígenas propondo a introdução de negros africanos para realizar trabalhos
nas lavouras. Entretanto, tal proposta conforme informou Mendonça Furtado foi rejeitada
por alguns e o trabalho indígena continuou corrente no Estado do Grão-Pará. Deste modo,
concluiu o capitão-general que “para a cura deste inveterado mal se necessitava de tempo, e
que não perderia a ocasião de lhe aplicar o remédio, que acha-se mais proporcionado ao
dano”237. Nesse sentido buscou reforçar e denunciar essas práticas abusivas para levar ao
cabo a criação da companhia: “dois anos e meio trabalhei para conseguir aquele fim,
valendo-me de diversos meios, até que ultimamente alcancei o convir esta gente em fazerem
uma Companhia Geral de Comércio para a introdução de pretos”238.
235
IHGMT, 2001, p. 24. Instrução do Conde de Azambuja para D. João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
236
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
237
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
238
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
97
239
NDIHR – UFMT, 1982, v. 1, p. 32. Correspondência de D. Antônio Rolim de Moura a Diogo de Mendonça
Corte Real de 27/jun/1751.
240
LAPA, 1973, p. 30.
98
estão nesse país, que por falta deles se acham sós nas faisqueiras, entretidos
a passar a vida, e sem cuidarem na sua utilidade, nem da Real Fazenda. 241
Rolim de Moura observava que o Rio de Janeiro absorvia a “maior parte do ouro que
se tira destas minas”, por não haver concorrência de outra praça comercial no fornecimento
de mercadorias para a capitania de Mato Grosso. Quando João Pedro da Câmara, sucessor
de Rolim de Moura assumiu o governo da capitania, esta se encontrava num momento de
instabilidade das relações entre Portugal e Espanha, e já estava em curso a guerra entre
portugueses e castelhanos nas fronteiras da capitania de Mato Grosso e Santa Cruz de La
241
APMT. Lata 1756 A, Fundo Governadoria, doc. nº 62, Belém, 19/fev/1756. Correspondência de Diogo de
Mendonça Corte Real a D. Antônio Rolim de Moura.
242
CANAVARROS, 2004, p. 212.
243
NDIHR – UFMT, 1982, v. 3, p. 23. Correspondência de D. Antonio Rolim de Moura a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado em 1756.
99
Sierra. Ao contrário de seu antecessor, que utilizou para chegar à capitania o velho caminho
das monções paulistas, Câmara foi a primeira autoridade a viajar pelo rio Madeira, gastando
ao todo sete meses de viagem. Suas preocupações centraram-se na defesa da fronteira,
resguardando os domínios portugueses dos hispânicos. Arthur Reis, em “João Pedro da
Câmara, um fronteiro olvidado”, narrou de modo bastante contundente os esforços do
capitão general para a defesa da fronteira lusa nos anos de 1765 e 1766:
Os socorros mencionados por Reis para a capitania era prática comum em regiões de
domínio português. Davidson observou que
Assim como ocorria em outras regiões que contavam com a atuação da Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, uma de suas atribuições consistia em oferecer
assistência financeira ou fornecer produtos diversos, como tecidos destinados ao fardamento
244
REIS, 2002, p. 31.
245
DAVIDSON, 1970, p. 82.
100
das tropas, armas, munições e outros equipamentos, bem como auxiliar na construção de
fortalezas ou feitorias para a segurança de seu comércio e das regiões em que estava
estabelecida, embora fosse embolsada depois pela Fazenda Real. Os empréstimos de
dinheiro feitos pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão à Companhia do Grão-Pará e
Maranhão serviam para pagar despesas diversas, das quais podemos citar, para a década de
1770, gastos com a fortificação da Vila de São José do Macapá, pagamentos das tropas,
pagamento das côngruas, madeiras para o arsenal, ou ainda com as charruas de Sua
Majestade 246. As despesas da capitania de Mato Grosso para com a Companhia se referiam
basicamente às munições, ferramentas, mantimentos e quinquilharias, medicamentos,
jornais e soldos, e outros empréstimos247.
Sobre o comércio com a Companhia do Grão-Pará, Davidson estabelece fases das
quais discorrerei ao longo do texto. A primeira trata-se da comunicação entre Mato Grosso
e o Pará, denominada pelo autor de “início”, e tem como principal característica o
experimento, indo de 1752 a 1768. Nesta fase os produtos destinados ao abastecimento de
Mato Grosso não eram sortidos, eram relativamente poucos e de má qualidade,
principalmente no que toca à mão-de-obra escrava, pois muitos escravos chegavam aleijados
ou doentes. Para Davidson faltava à cidade de Belém, nesse período, o que era mais
primordial para servir de entreposto comercial, isto é, “um comércio firme com a metrópole
e uma opulenta, bem estabelecida classe comercial capaz de providenciar amplo sortimento
248
de mercadorias em cima de condições de crédito flexíveis.” Entre 1756 e 1760, o
comércio com a Companhia e Mato Grosso foi insatisfatório pelas condições em que se
encontravam as mercadorias, ou mesmo pela falta delas. Durante a década de 1760 houve
um estímulo à produção paraense, e os fazendeiros do Pará tinham prioridade sobre as
vendas, ficando aos comerciantes de Mato Grosso as sobras. Notadamente esse foi um
período complicado, em que as reclamações dos comerciantes de Mato Grosso se fizeram
ouvir249.
246
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 10/mar/1769. Cd 07 (pasta 071/001/031), cx. 64, doc. 5527;
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 18/nov/1770. Cd 07 (pasta 073/003/545), cx. 66, doc. 5703. Ofício
do Provedor da Fazenda Real do Pará Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio para Sebastião José de Carvalho
e Melo.
247
APMT. Lata 1765-1768, Fundo Fazenda, doc. n° 119. Pará, 18/fev/1768. Resumo do que deve a Provedoria
da Capitania de Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em 1761, 1764,
1765 até 1768.
248
DAVIDSON, 1970 p. 141-142.
249
Idem, ibidem, p. 141-142.
101
Era o que se esperava e o que de fato ocorreu no início das atividades comerciais
entre Mato Grosso e Pará. Segundo Lapa, havia negociantes de Mato Grosso que atuavam
nas duas rotas, do norte e do sul. Os conflitos com a companhia em relação à má qualidade
dos produtos, principalmente no que se refere à mão-de-obra escrava foi uns dos motivos
para que alguns preferissem comercializar com o Rio de Janeiro e Bahia, causando grande
preocupação aos capitães-generais, uma vez que o comércio com a Companhia não poderia
deixar de ser realizado. Ainda segundo Lapa, transcorridos cinco anos da atuação da
companhia, os comerciantes alegavam que “o rígido monopólio sobre o comércio entre as
duas capitanias, os obrigou a apenas se dirigirem para o norte, chegando a proibir o trânsito
pelo caminho fluvial para São Paulo, além de outras medidas coercitivas para forçar as
251
transações com o Pará” , medida revogada por Rolim de Moura. Nos anos seguintes, as
relações comerciais com a Companhia primavam pela estabilidade. Os Anais de Vila Bela
registraram para o ano de 1760, a continuidade do comércio com o Grão-Pará, assim como
com o que vinha pelas monções do sul, que também abasteciam Vila Bela e seus arredores.
Segundo os Anais de Vila Bela, neste ano (1760) “não tem sido com muita abundância pelas
faltas da fazenda que tem havido pelos povoados ou portos de mar” 252.
O quadro abaixo foi construído a partir dos Anais de Vila Bela, e procura oferecer
uma ideia geral das monções que ali aportaram de 1749 a 1776. Devemos considerar que
esses dados não são finais, e que o número de monções conduzidas para a capitania pode ter
sido superior.
250
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de
João Pedro da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
251
LAPA, 1973, p. 91-92.
252
AMADO & ANZAI, 2006, p. 81. [Anais de Vila Bela de 1760].
102
253
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de
João Pedro da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
254
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de
João Pedro da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
255
SUSUKI, 2007, p. 91. [Anais do Cuiabá do ano de 1765].
103
que “se chegou a vender a medida a três oitavas de ouro de 1500, que corresponde a quatro
mil e quinhentos, cuja vasilha muito pouco excede de um prato de estanho fundo, e este a
oito oitavas de ouro do mesmo valor, que corresponde a doze mil réis”256.
A partir do governo de Luís Pinto de Souza Coutinho, o trânsito pelo Madeira e as
relações comerciais com a companhia tornaram-se mais intensas, correspondendo à segunda
fase do comércio chamada por Davidson de “prosperidade”, que abarcou 19 anos, de 1769
a 1788, dez anos além de sua extinção oficial, em 1778. Estes anos foram o auge do
desenvolvimento do comércio, cujas dificuldades já estavam relativamente sanadas, se
considerarmos os esforços empreendidos pelas autoridades metropolitanas na manutenção
desse comércio. Para Davidson, alguns fatores contribuíram para que fosse alcançado esse
desenvolvimento, tais como um maior envolvimento da Companhia do Pará “nas transações
públicas e privadas, a proliferação das operações da coroa no oeste, e a expansão da
mineração em Mato Grosso, a qual acrescentou poder de demanda e aquisição, contribuindo
para o florescimento do comércio e da navegação entre Belém e Vila Bela”.257.
Tão logo iniciou seu governo, o capitão general organizou uma assembleia dos
comerciantes de Mato Grosso tentando convencê-los a não se desviar do caminho do Pará,
prometendo-lhes numerosas mercadorias e crédito junto à companhia, sugestão essa que foi
bem recebida por uns, e recusada por outros258. O capitão general tentou ao máximo
persuadir os “negociantes destas minas a frequentação do comércio do Pará, como o mais
vantajoso aos seus verdadeiros interesses, e para que os mesmos tinham a mais decidida
repugnância”259. A relutância mencionada se dava também pela recusa dos comboieiros em
mudarem suas rotas comerciais. Entre 1769 e 1770, Luís Pinto de Sousa Coutinho, após
persuadir e convencer os comerciantes a não abandonarem a rota norte, conseguiu “gerar
condições econômicas em Mato Grosso que tenderam a um comércio florescente”, e além
do mais, “sua promoção da mineração e agricultura foram instrumentais em criar demanda
e liberar capital necessários para o comércio do Madeira” 260.
Garantir a posse das terras devidamente ocupadas pela coroa portuguesa significava
fixar sua população, aumentar a existência de povoações, bem como oferecer os meios
256
Idem, ibidem, p. 91. [Anais do Cuiabá do ano de 1765].
257
DAVIDSON, 1970, p. 157.
258
Idem, ibidem, p. 166-167.
259
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Forte Bragança, 29/abr/1770, cx 15, doc. 893. Correspondência de Luis
Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
260
DAVIDSON, 1970, p. 167-168.
104
261
IHGMT, 2001, p. 36. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
262
IHGMT, 2001, p. 35. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
263
ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1459. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em 18/set/1769.
105
Há muitos anos que esta Companhia deseja fazer para essa capitania um
comércio sólido e avultado, sem lhe ter sido possível consegui-lo até o
presente por encontrar uma grande inconstância nos negociantes, e não
terem estes exigido monções certas de virem a esta cidade fazerem o seu
comércio, e como se pratica nas mais partes, esta incerteza é o motivo
principal se não encontrarem os gêneros que necessitam para bem formar
e surtirem as suas carregações.264
264
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
265
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
106
estabelecerem na cidade até o início do mês de agosto, quando encontrariam todos os gêneros
de que precisassem266.
Os administradores da Companhia reforçavam a inconstância dos comerciantes e
estes a má qualidade dos produtos disponíveis, os preços e juros. Resolver tais questões e
problemas a respeito do trânsito no Madeira era o objetivo de Luís Pinto, que buscou justa
medida para convencer os comerciantes das vantagens desse empreendimento, e os
administradores da companhia da necessidade de fornecer abundantes produtos importados
e crédito267. Mas, as reclamações que chegavam da parte dos comerciantes ao governador
era justamente o fato de que eles “não encontram na Companhia provimentos alguns
competentes para fornecerem as suas carregações, e pouquíssimos escravos, para se
proverem, e juntamente facilitarem o trânsito daquela navegação”268.
Quanto aos administradores, estes foram informados das decisões tomadas a respeito
da regularidade das monções. Em reunião convocada com os homens de negócio, eles
mesmos buscaram uma organização das monções:
266
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
267
DAVIDSON, 1970, p. 168.
268
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Forte Bragança, 29/abr/1770, cx 15, doc. 893. Correspondência de Luis
Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
269
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Forte Bragança, 29/abr/1770, cx 15, doc. 893. Correspondência de Luis
Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
107
deixarem de praticar a navegação em direção ao Pará. Mas, nem sempre tais razões podem
ser consideradas como motivadoras para a mudança na direção dos negócios pessoais, uma
vez que alguns que permaneceram nesse empreendimento obtiveram algum tipo de êxito
como veremos adiante. A busca pela estabilidade comercial e regularidade do comércio com
o Pará foi perseguida pelas autoridades metropolitanas durante quase toda a segunda metade
do século XVIII. Um grupo de comerciantes não se abalou diante dos empecilhos e se
aventurou nessa empreitada comercial. Entre 1774 e 1778, cinquenta e sete comerciantes
navegaram e realizaram negócios com a Companhia, muitos dos quais eram militares,
lavradores, oficiais da câmara, entre outros270.
Ao final do governo de Luís Pinto, alguns entraves no comércio com o Pará ainda
permaneciam, como: a falta de fazendas sortidas, de bons escravos e de preços justos. Em
relação à Companhia do Grão-Pará, os principais empecilhos que resultaram na preferência
dos negociantes pelo comércio com os portos de São Paulo e Rio de Janeiro eram os
seguintes:
270
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira
de França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta
relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso; APMT.
Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das várias
pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
271
IHGMT, 2001, p. 38. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
108
272
IHGMT, 2001, p. 30. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
273
LAPA, 1973, p. 31.
274
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. nº 299, Pará, 25/fev/1771. Correspondência de Gonçalo
Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luís Pinto de Souza Coutinho.
275
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
109
Além de outras capitanias do Brasil, pretendia-se com este plano incluir nos negócios
da Companhia do Grão-Pará “parte das vastas províncias espanholas do Orinoco, Quito e
Peru”276. Os avanços dos espanhóis sobre território português partindo do Orinoco eram
observados rigorosamente pelas autoridades do Estado do Grão-Pará e de Mato Grosso. Com
bastante cautela buscavam os lusitanos resguardar também seus territórios ao norte. Em 1761
Rolim de Moura foi informado dos planos para proteger o Rio Negro das incursões
espanholas. Nas cachoeiras deste rio se estabeleceria uma escolta com o pretexto de se fundar
povoação, informando ao governador de Mato Grosso para “mandar até a cachoeira Grande,
a descobrir alguma notícia dos seus movimentos, sem que eles de nenhum modo possam vir
no conhecimento desse projeto” 277. Contudo, as relações comerciais no norte eram mantidas
não só com os espanhóis do Orinoco, mas também com os franceses de Caiena.
Para animar ainda mais esse comércio o plano propunha a criação de novos
estabelecimentos, como as feitorias. Estava expresso na instrução até o roteiro de navegação
e, portanto, a localização das feitorias, que deveriam estas dispostas da seguinte maneira:
276
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
277
APMT. Lata 1765-1768, Fundo Governadoria, doc. n° 84, Barcelos, 10/fev/1761. Correspondência de
Gabriel de Souza a D. Antonio Rolim de Moura.
278
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
110
espanhóis pelos caminhos de terra, considerados mais árduos que aqueles percorridos até o
Rio de Janeiro e Bahia. O comércio com o Pará, de acordo com essas ordens, deveria assumir
papel principal na distribuição de mercadorias para as referidas regiões, suplantando
inclusive outras praças mercantis:
Para que isto assim se efetue é necessário que o novo comércio seja
dirigido com uma prudência tal, e tão bem regulada, que inteiramente
desterre o abuso dos excessivos preços, a que até agora se venderam os
negros e as ditas fazendas que vem do Rio de Janeiro e da Bahia: é
necessário que a relação delas não [ilegível] de exemplo, mas tão somente
de argumento, para se concluir dela o meio que ministra para o comércio
do Pará suplantar todos os comércios que até agora houve é necessário que
se degrade toda a ideia de cobiça insaciável, entendendo-se por uma parte
que o barateamento das mercadorias do Pará há de ser a espada aguda com
que se cortem todos os referidos comércios, que até agora se fizeram; e
entendendo-se pela outra parte, que quanto mais baratos chegarem os
gêneros ao Mato Grosso, tanto mais se propagará e dilatará a introdução
deles por todas as regiões vizinhas, para se virem a colher na maior
extensão dos consumos os avultados lucros, que não permitem as pequenas
quantidades vendidas. 279
279
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
280
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
111
que 12%. Pereira Caldas cumpriu as ordens, e mandou listas paras os carregamentos de 1774
e 1775281. Essas atitudes foram os primeiros reflexos da Instrução Secretíssima de 1772. Com
base nas ordens que recebeu, Luiz de Albuquerque baixou uma portaria em 1775 fixando o
preço dos produtos vendidos na capitania. Alegava o capitão general que os exorbitantes
preços dificultavam a manutenção das pessoas comuns, impossibilitando que adquirissem
os gêneros mais necessários ao seu sustento282.
Luiz de Albuquerque argumentava também que essa ordem diminuiria a dívida que
se prolongava por anos da maior parte das pessoas que compravam fiado dos comerciantes.
Devidamente informado sobre os custos das fazendas secas e molhadas nos portos do Pará,
Bahia e Rio de Janeiro o governador estabeleceu a pauta de preços. Essa prática de se vender
a crédito propiciava que as mercadorias alcançassem, com o passar do tempo, valor
altíssimo, questão que em muito preocupava Luiz de Albuquerque, em especial o que
chegava a custar os escravos. Sendo assim, foi estabelecido que as vendas a crédito só se
realizariam por tempo determinado, cujo débito não ultrapassasse um ano, limitando os juros
em 5% anualmente sobre o valor da venda a crédito283.
Assim como seus antecessores Luiz de Albuquerque reconhecia que a ordem que
executava se dava em benefício das três bases que sustentavam o Estado: “o comércio, a
agricultura e a população”, segundo suas próprias palavras. A severa portaria previa ainda
para os comerciantes que não respeitassem a taxação dos preços a prisão em cadeia por dois
meses, multa e o confisco das fazendas vendidas, que seriam utilizadas em benefício do
governo, conforme se achasse conveniente284.
Os Anais de Vila Bela registraram para o ano de 1776 nova decisão do Marquês de
Pombal em relação à Companhia de Comércio. Dessa vez, a Companhia faria o
abastecimento diretamente pelos seus administradores:
281
DAVIDSON, 1970, p. 170.
282
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
283
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
284
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
112
285
AMADO & ANZAI, 2006, p. 203. [Anais de Vila Bela de 1776 apresentado em Câmara pelo Vereador
Francisco de Bastos Ferreira].
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/jan/1777, cx. 18, doc. 1143. Ofício de Luiz de Albuquerque
de Mello Pereira e Cáceres ao Marques de Pombal. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
287
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 04/jan/1777, cx. 18, doc. 1145. Ofício de Luiz de
Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres ao Marquês de Pombal. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
113
Esse registro expressa, além dos intentos da empresa, a importância que havia
assumido o grupo mercantil na Capitania de Mato Grosso. Os comerciantes ao se sentirem
lesados com a possível presença da Companhia para realizar negociações diretas,
direcionaram seus capitais à mineração. Durante o período em que vigorou a taxação dos
preços de produtos a partir do bando de 1775, parte dos comerciantes haviam aplicado seus
capitais em outras atividades, em razão dos lucros que julgavam diminutos nos negócios
com a companhia.
Entretanto, em dezembro de 1777, por ordem régia, revogava-se a pauta que havia
estabelecido o preço dos gêneros na capitania em 1775, ficando “sem efeito algum, livre aos
comerciantes, a convenção de preços, como em todas as praças dos negócios” 289. Não sendo
mais necessário o fornecimento direto de gêneros pela companhia, Luiz de Albuquerque se
aproximou dos comerciantes da capitania de Mato Grosso tentando convencê-los a retomar
o comércio e se dirigirem aos portos marítimos, obtendo êxito nesse propósito:
288
AMADO & ANZAI, 2006, p. 213. [Anal de Vila Bela do ano de 1777 apresentado pelo vereador Francisco
de Paula Correa].
289
Idem, ibidem, p. 213. [Anal de Vila Bela do ano de 1777 apresentado pelo vereador Francisco de Paula
Correa].
290
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 23/dez/1777, cx. 19, doc. 1177. Ofício de Luiz de
Albuquerque de Mello Pereira a Martinho de Melo e Castro. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
114
291
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 09/jan/1778, cx. 19, doc. 1183. Correspondência de Luis de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres a Martinho de Melo e Castro. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
292
MAXWELL, 2005, p. 94. Ver especialmente o capítulo 3 – “Divergências”.
115
Nos dois anos seguintes, remessas de pagamentos das dívidas dos comerciantes
saíram de Vila Bela em direção ao Pará com certa regularidade294. Se considerarmos que a
extinta companhia continuou sendo fornecedora de produtos, é possível que não fosse
vantajoso dever a ela. A extinção da companhia, segundo Maxwell, foi um triunfo do velho
grupo de comerciantes livres, do velho sistema e dos devedores brasileiros das companhias,
porém isso não afetou por completo o privilegiado grupo de comerciantes ricos que surgiram
e se fortaleceram durante o governo pombalino. Para Maxwell, “os colaboradores de Pombal
estavam por demais incrustados na estrutura social e associados à arrecadação de tributos e
às repartições públicas, para desaparecerem com a simples abolição de privilégios das
companhias brasileiras” 295.
Em Mato Grosso tornava-se livre o comércio com o Pará, mas a extinta companhia
assegurou remessas de mercadorias durante a década de 1780, convencendo os comerciantes
de que seus armazéns estavam cheios de mercadorias. Apesar de ser um número pouco
expressivo, Davidson estimou que entre 1780 e 1788, apenas nove expedições de comércio
saíram de Belém em direção a Vila Bela, isto é, apenas a metade do número de comboios
296
que fizeram o mesmo percurso entre 1769 e 1778 . Provavelmente, a diminuição de
monções deveu-se à pauta de preços estabelecida em 1775. Quatro anos após a referida
pauta, em 1779, a Câmara dos vereadores havia registrado a “diminuição da entrada das
monções”, que provocou menor entrada de dinheiro e aumento de despesas, dificultando a
realização total dos pagamentos, situação que já se mantinha há cerca de três anos297.
Contudo, o declínio do comércio com a Companhia de Comércio passou a se fazer
sentir entre 1788 e 1808, período que corresponde à terceira fase proposta por Davidson, que
coincide com a perda de importância estratégica e econômica do Madeira, e quando se
293
AMADO & ANZAI, 2006, p. 219. [Anal de Vila Bela de 1779 apresentado em Câmara pelo vereador
Francisco de Bastos Ferreira].
294
Idem, ibidem, 2006, p. 220-223. Os Anais de Vila Bela registram para os anos de 1779 remessa
correspondente ao primeiro semestre das dívidas dos comerciantes no valor de 18:478$431 réis e no ano de
1780 o valor correspondente ao segundo semestre dos devedores foi de 12:619$309 réis.
295
MAXWELL, 2005, p. 95.
296
DAVIDSON, 1970, p. 190.
297
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 105, Vila Bela, 15/set/1779. Ata assinada em Câmara
por Felisberto Leite Pereira, Manoel de Oliveira Pombal, Alberto Nunes de Freitas, Joaquim da Fonseca Freitas
e Antônio Teixeira de Oliveira a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
116
As mercadorias e os preços
298
DAVIDSON, 1970, p. 204.
299
Idem, ibidem, p. 22.
300
FURTADO, 2006, p. 230.
117
quando se estabeleceu um valor a ser pago pela entrada de fazendas e negros301. A partir da
abertura da navegação pelos rios Madeira e Guaporé, os gêneros trazidos para Mato Grosso
por essa rota pagavam as entradas, “na mesma quantia e forma que se pagam nas Minas
Gerais”, excetuando-se os escravos302.
301
ARRUDA, 1987, p. 51.
302
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 25/jan/1754, cx. 07, doc. 438. Carta de Rolim de Moura ao
rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
303
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Grão-Pará, 20/fev/1754, cx. 07, doc. 444. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
304
APMT. Lata 1774, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Vila Bela, 12/mai/1774. Correspondência de Miguel Pinto
Teixeira a Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
305
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765. Rolo 12, cx 13, doc. 763. Ofício de João
Pedro da Câmara a Francisco Xavier de Mendonça Furtado
306
GOMES, 2005, p. 35.
307
Ver: GOMES, 2005, p. 58-85. Transcrição da “Viagem que a expedição destinada à demarcação de limites
fez do Rio Negro até Vila Bela, capital do governo de Mato Grosso”. Neste diário consta relato da jornada do
demarcador desde sua saída da Vila de Barcelos em 1781 até sua chegada em Vila Bela em 1782.
308
CANAVARROS, 2004, p. 204.
118
mineração e o comércio, uma vez que este dependia daquela atividade, que determinava a
intensidade das trocas. Canavarros afirma também que os comerciantes locais eram direta
ou indiretamente mineiros e/ou sertanistas, e por isso propiciavam meios para descoberta de
novas minas, embora essa relação não fosse tão simples como parece, pois “os comerciantes
estavam sempre em busca de alternativas para o seu comércio de alto risco, cuja busca era
tamanha que acabou se constituindo numa espécie de fuga dos devedores falidos”309.
Para Lapa, o sistema monçoeiro envolveu relações comerciais nas quais se observa
“o domínio dos negociantes sobre os lavradores, e também mineradores, principalmente os
de pequenas posses, que se viam sempre na dependência dos comerciantes”313. A
dependência e o domínio dos comerciantes referidas por Lapa se explica pela importância
que os habitantes da capitania conferiam aos produtos manufaturados em relação aos gêneros
309
Idem, ibidem, p. 246.
310
DAVIDSON, 1970, p. 116.
311
ZEMELLA, 1990, p. 179-180.
312
LUCÍDIO, 2004, p. 23.
313
LAPA, 1973, p. 94.
119
314
Idem, ibidem, p. 94.
315
GOMES, 2008, principalmente Capítulo 3 – “Os gêneros do país”.
120
velejarem até Belém com requisições de produtos separados pelo capitão general. As listas
geralmente diziam respeito ao fardamento das tropas, munições, armas, dentre outros316. No
ano de 1770, Antônio de Souza Azevedo ficou encarregado de transportar uma relação de
gêneros destinados a Mato Grosso por ordem do governador Luís Pinto de Souza Coutinho.
Desta lista faziam parte os produtos descritos na tabela abaixo:
316
DAVIDSON, 1970, p. 140.
121
12 libras Ipecacuanha
8 libras Jalapa
½ libra Sal amoníaco
6 libras Raiz da China
20 libras Salsaparrilha
½ libra Láudano líquido
8 onças Láudano opiado
4 libras Ungüento de basilicão
½ libra Ópio
3 libras Xarope de papoulas brancas
1 libra Canela fina
8 libras Mel rosado
2 libras Vitríolo branco
1 libra Bolo Armênio
1 libra Raiz de Tormentina
1 libra Tártaro vitriolado
½ libra Sal gema
8 frascos Água de Melissa
4 libras Mercúrio cru ou azougue
1 libra Óleo de Tormentina
8 libras Ruibarbo
½ libra Olhos de caranguejo preparados
½ libra Cristal tártaro
½ libra Espírito de Nitro
½ libra Mercúrio doce
50 alqueires Sal
Fonte: APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de Ataíde
Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho
Escravos africanos
317
ANZAI, 2006, p. 22-24; p. 142-143. Dentre as diversas mercadorias enviadas a Luiz de Albuquerque
constavam gêneros alimentícios como farinha da terra, queijos flamengos, presuntos, chouriços, manteiga,
salpicões, azeite, vinagre, sal, bebidas como vinhos, chás finos, tecidos, vestimentas e acessórios, tais como
camisas, meias, chapéus finos e ainda algumas armas e munições.
122
318
A experiência de outras companhias para o abastecimento de escravos no Grão-Pará e Maranhão em fins
do século XVII se mostraram frustradas e insatisfatórias, razão pela qual este estado continuou com relativa
carência de escravos ainda durante o século XVIII. Sobre essa questão ver capítulo 1 desta dissertação.
319
Não nos cabe analisar o mercado de escravos na África e suas relações com outras praças marítimas do
Brasil. Bahia e Rio de Janeiro tinham como fornecedores de escravos as regiões da Costa da Mina,
Moçambique e Angola. Sobre essa questão ver ANTUNES, In: BICALHO; FERLINI, 2005; FERREIRA, In:
FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001.
320
CARREIRA, 1988, p. 99.
321
CARREIRA, 1988, p. 112-125.
123
constituam em dados finais, são importante fonte para se ter uma noção do tráfico de
escravos realizado com destino ao Pará durante o monopólio da Companhia de Comércio.
Havia também escravos comprados para serviços na própria companhia, denominados
“escravos grumetes”, que eram cristianizados e possuíam habilidade em algum tipo de ofício
mecânico, como carpinteiro, ferreiro, calafete, serrador, e faziam parte da tripulação de
embarcações do tipo tráfico costeiro.
Essa mão-de-obra escrava africana seria encaminhada tanto para a mineração quanto
para as lavouras na capitania de Mato Grosso. Segundo Zemella, só poderiam receber datas
minerais aqueles que possuíssem escravos para extrair o ouro, de acordo com o Regimento
das Minas de 1702322. Para os trabalhos da mineração, os escravos da Costa da Mina eram
preferidos pelos mineradores das Gerais. Na capitania de Mato Grosso, os escravos, além de
minerar, também foram utilizados como remeiros, para ajudar a transpor os obstáculos
naturais durante as viagens do Grão-Pará ao Mato Grosso, e aprenderam este ofício com os
indígenas: “não há dúvida em meter a companhia maior quantidade de escravos a fim de
323
poderem conduzir as canoas e passá-las nas cachoeiras” . Quando chegavam à vila os
negros utilizados como remeiros eram vendidos; porém por serem adquiridos a elevados
preços, os indígenas sempre tiveram preferência para realizar os trabalhos nas viagens das
monções.
Os agentes da companhia de comércio pretendiam vender os escravos a 115$000 réis
cada um, e consideravam que “nenhum negociante os meterá nesse continente por preço
mais acomodado”324; este preço referia-se às compras no Pará, pois na capitania de Mato
Grosso aumentavam sobremaneira. No entanto, mesmo assim concorriam com os
comerciantes de escravos do Rio de Janeiro. Na década de 1770, vendia-se na capitania “um
negro bom em duzentas oitavas ou 300$000 réis, e os mais inferiores de cento e sessenta até
325
cento e oitenta oitavas” , porém as negras eram vendidas a 384$000 réis. Esses negros
escravos eram aqueles vindos do Rio de Janeiro e da Bahia, sendo que os da Bahia eram
transportados por terra, através de caminhos muito difíceis. Em 1775, o bando de Luís de
322
ZEMELLA, 1990, p. 180.
323
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
324
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
325
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são
vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
124
326
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
327
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 27, Pará, 16/dez/1760. Relação da dívida da Capitania de
Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
328
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. nº 299, Pará, 25/fev/1771. Correspondência de Gonçalo
Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luís Pinto de Souza Coutinho.
329
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 06/ago/1759. Cd 05 (pasta 050/003/452), cx. 45, doc. 4105. Oficio
de Manuel Bernardo de Melo e Castro para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
125
“Erário Mineral” de Luís Gomes Ferreira. Parecia ser prática comum adquirir escravos
doentes e depois curá-los, tanto que Luís Gomes Ferreira advertia aos compradores para que
não adquirissem “escravos com os joelhos inclinados para dentro e as pernas para fora”330,
pois em pouco tempo poderiam perdê-los causando prejuízo financeiro.
Em relação a algumas práticas de compra de escravos de mercadores no Pará, Melo
e Castro fez observações. Referindo-se a Custódio de Freitas, denunciava que este havia
comprado um lote de cinquenta pretos a oitenta réis cada um, entre grandes e pequenos, e
depois os revendia, situação inaceitável, pelo fato deste não ser lavrador, mas apenas
mercador particular, que depois revendia os escravos, em prejuízo da companhia.
A displicência com que agiam os administradores na compra dos escravos na África
e seu transporte dificultava suprir as necessidades do Pará, quem dirá de outras capitanias.
Apesar desses apontamentos não serem fundamentais para explicar o fato do número de
escravos na capitania de Mato Grosso trazidos do Pará serem em quantidade inferior àqueles
vindos de outros portos, deve-se atentar para essas possibilidades, ao menos no que diz
respeito ao abastecimento de mão-de-obra escrava oriunda do Pará em Mato Grosso na
década de 1750. Ademais, é preciso observar que este relato se refere ao ano de 1759, apenas
três anos após a fundação da Companhia, período durante o qual os negócios ainda estavam
por se ajustar no Pará e em Mato Grosso.
No navio Nossa Senhora da Conceição foram embarcados, em 1759, um total de 500
escravos, dos quais morreram 132, restando 368, homens, em sua maioria, mas muito
doentes, magros e fracos. Esta situação foi atribuída ao embarque de escravos já doentes nos
portos africanos, com o agravante das péssimas condições do transporte, e também ao fato
de serem maioria de “negros Moxicongos (sic), que possuíam a reputação por serem
indolentes “e mortais, e todos são tão moles, que pessoa nenhuma se resolve pelo Brasil a
comprá-los, a menos de ser por preços muito módicos”331. Em 1765, Fernando da Costa de
Ataíde Teive informava que o número de escravos que havia chegado ao Pará, no navio da
companhia “Nossa Senhora do Cabo” totalizava 700 escravos de Angola, dos quais
morreram apenas 35 na viagem332.
330
ANZAI, 2003, p. 169.
331
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 06/ago/1759. Cd 05 (pasta 050/003/452), cx. 45, doc. 4105. Oficio
de Manuel Bernardo de Melo e Castro para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
332
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 19/abr/1765. Cd 06 (pasta 063/002/347), cx. 58, doc. 5203. Ofício
de Fernando da Costa de Ataíde Teive a Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
126
333
APMT. Lata 1767, Fundo Governadoria, doc. nº 161, Vila Real do Cuiabá, 02/jan/1767. Correspondência
escrita por Francisco Lopes de Araújo.
334
ANTUNES, p. 204-212. In: BICHAHO; FERLINI, 2005.
335
FERREIRA, p. 345-346. In: FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001.
127
336
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 745. Ofício de João Pedro da
Câmara a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
337
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Mapa do Comércio da Capitania de Mato Grosso, tanto
exterior como interior relativo aos anos de 1769-1770. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
338
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 1773, Rolo 15, cx. 17, doc. 1054. Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme as memórias e
registros existentes.
339
Patrícia Sampaio informa que o projeto pombalino para ampliar a introdução da mão-de-obra escrava
africana em substituição à mão-de-obra indígena no Pará não surtiu os efeitos desejados pelo alto valor de
preço que os africanos atingiram, sendo a mão-de-obra indígena mais barata. Nesse sentido, Sampaio afirma
que os comerciantes de escravos do Pará se aventuraram no comércio interno e no contrabando dirigindo a
mão-de-obra que adquiriram no caso do comércio interno à Bahia e ao Maranhão. Cf. SAMPAIO, 2001, p. 78-
79.
128
340
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 1773, Rolo 15, cx. 17, doc. 1054. Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme as memórias e
registros existentes.
341
FERREIRA, In: FERRÃO; SOARES, 2008. p. 57.
342
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 1773, Rolo 15, cx. 17, doc. 1054. Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme as memórias e
registros existentes.
129
Os tecidos
343
Este documento, composto por 37 páginas apresenta importantes dados a respeito de variados aspectos
econômicos e sociais da capitania. Contém mapas da população, das suas lojas e fábricas, da quantidade de
escravos, exportação do ouro, da situação do comércio, agricultura e da defesa. Ver: PROJETO RESGATE –
AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís Pinto de Sousa Coutinho a
Martinho de Mello e Castro. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
344
LAPA, 1973, p. 12.
130
Sou servido a declarar que toda a pessoa que colher de sua plantação cem
arrobas de algodão em rama ou fabricar em seus teares cinquenta peças de
pano grosso do referido gênero gozará, para si, sua família e domésticos,
de todos os privilégios e isenções que, pela ordenação livro 2 título 53, são
concedidos a todos os caseiros encabeçados dos fidalgos sendo também
escusos de servirem nas ordenanças, auxiliares e ainda pagos, enquanto
não abrirem mão da referida cultura e fábricas. E mesmo privilégio gozarão
aqueles que, aperfeiçoando as mesmas fábricas, tecerem trinta pelas de
riscadilhos, sarjas, e outras drogas de mais curta despesa. Havendo-se,
outrossim, respeito destes serviços, para efeito de serem atendidos e
recomendados a Sua Majestade, com preferência a todas as pessoas que
pretenderem do mesmo senhor alguma graça ou mercê 345.
Se cada arroba equivale nas medidas de peso atuais a praticamente 15 quilos, cem
arrobas de algodão seriam equivalentes a aproximadamente 1500 quilos de matéria-prima
posteriormente transformada em tecidos para consumo da população. Interessante observar
que os tecidos chegavam a Mato Grosso pela Companhia do Grão-Pará, onde inúmeras peças
manufaturadas do Reino e de outras partes da Europa eram destinadas ao consumo local e
também ao fardamento das tropas. Este bando de Luís Pinto buscava estabelecer práticas já
adotadas em outras capitanias, como, por exemplo, a do Pará, que desde 1755 tentava a
autossuficiência na fabricação de panos de algodão para o fardamento das tropas346. No caso
de Mato Grosso, a escala de cultivo do algodão era bem menor que a do Pará, cuja maior
parte da produção era exportada para o Reino.
No Pará, os privilégios e benefícios seriam concedidos não apenas aos fabricantes,
mas também aos lavradores fornecedores da matéria-prima. Ao longo da década de 1750
tentaram incentivar a cultura do algodão e ajustar os preços para não se tornarem excessivos,
com vistas à promoção da produção deste gênero naquele Estado. Em correspondência de
345
ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1484. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em 18/ago/1769.
346
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/ago/1755. Cd 05, (pasta 044/001/122), cx. 38, doc. 3617.
Correspondência de Miguel Bulhões e Sousa a Tomé Joaquim da Costa Corte Real.
131
Miguel de Bulhões e Sousa, governador interino e bispo do Pará, a Tomé Joaquim da Costa
Corte-Real discorria o governador sobre o Bando que proibia a extração do algodão para
fora do Estado que, segundo ele em nada havia prejudicado o comércio referindo-se também
às ordens positivas destinadas às povoações para que tivessem especial cuidado na plantação
de um dos mais importantes gêneros daquele Estado, o algodão. Sobre a Companhia do
Grão-Pará propunha que esta aplicasse todas as suas forças para “introduzir nesta capitania
um grande número de pretos, porque tendo estes lavradores e operários o que necessitam,
logo se animarão a fazer as plantações vindo a aumentar este ramo de comércio”347.
Tecidos importados que compunham o vestuário dos colonos da capitania eram
trazidos em grande quantidade e variedade. Havia tecidos de diversas cores: azuis, amarelos,
pretos, brancos, escarlates, entre baetas, panos de linho, aniagem, bretanhas, brim, estopa,
fustão, cambraia, seda, tafetá, droguetes e chitas, entre outros348.
Dentre os tecidos que mais tinham aceitação na vila-capital e suas imediações,
figuravam: linho, algodão, bretanha, chitas, riscados da Índia e de Hamburgo, ruões, sedas,
retrozes e droguetes castores349.
As demais peças consistiam em enfeites e acessórios, como fitas de cetim, lenços,
chapéus grossos, chapéus finos, meias de seda, meias de linha, camisas de linho, camisas de
algodão, calções de algodão. Havia também artigos de uso pessoal como espelhos, navalhas
de barba, pentes, brincos de vidro, anéis de estanho, e aviamentos como botões, abotoaduras,
miçangas de várias cores, linhas de costura, agulhas, fivelas para calçado350.
Para compor o fardamento dos soldados traziam palmilhas de couro e também couro
de veado para os sapatos. O couro de veado foi muito utilizado no Setecentos para os sapatos,
pois eram resistentes às flechadas dos índios351.
347
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 18/jun/1757. Cd 05, (pasta 048/001/145), cx. 42, doc. 3877.
Correspondência de Miguel Bulhões e Sousa a Tomé Joaquim da Costa Corte Real.
348
LAPA, 1973, p. 79.
349
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são
vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
350
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de
Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho; APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 121, Pará,
20/mai/1775. Correspondência de Antônio Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres; APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 123, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Antônio
Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres; APMT. Lata 1776, Fundo
Governadoria, doc. nº 73, Pará, 27/abr/1776. Correspondência de Manoel José da Cunha e Antônio Coutinho
de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
351
HOLANDA, 1975, p. 85-86.
132
Além dos tecidos, também vinham alguns artigos religiosos nas carregações dos
comerciantes, inclusive vestimentas para uso dos clérigos como sobrepeliz com renda, e
estolas. Dos objetos religiosos chegavam missais, vasos de estanho para comunhão, ritual
romano, cubos de hóstia, entre outros. Até mesmo um sino com badalo de cinco arrobas e
catorze libras foi trazido para Vila Bela, no ano de 1770352.
O governador da capitania de Mato Grosso geralmente fazia uma lista de gêneros
necessários aos funcionários do governo e enviava aos agentes administrativos da
Companhia do Grão-Pará, para que estes separassem os produtos solicitados para a capitania.
As listas, em geral, diziam respeito ao fardamento das tropas, às munições e armas. Nem
sempre os governadores eram prontamente atendidos, e às vezes sequer recebiam satisfações
por parte desses agentes. Assim, podemos observar que o comércio através da companhia
não se fez sem contratempos, provocando mesmo desavenças entre as partes interessadas.
352
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de
Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
353
APMT. Lata 1760 II, Fundo Governadoria, doc. nº 26, Pará, 21/out/1760. Correspondência de Manuel
Bernardo de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.
354
INOUI, 2004, p. 36-37.
133
da capitania. O quadro abaixo oferece uma ideia do valor de venda dos tecidos e peças de
vestuário no ano de 1770.
Fonte: PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que
são vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
355
LAPA, 1973, p. 82. Ver também: ANZAI, 2003.
356
Sobre as práticas de cura, as boticas de embarque e as doenças na capitania de Mato Grosso ver ANZAI,
2003.
134
De um modo geral, uma caixa de botica de viagem para Mato Grosso constava dos
seguintes medicamentos: purgas de jalapa, purgas de quina, bálsamo católico, unguento
refrigerante Galeno357, unguento de alfeia, cremor de tártaro, sene, ipecacuanha, sal
amoníaco, raiz da china, salsaparrilha, láudano líquido, láudano opiado, unguento de
basilicão, ópio, xarope de papoulas brancas, canela fina, água de melissa, mel rosado, vitríolo
branco, espírito de vitríolo, tártaro vitriolado, raiz de tormentina, bolo armênio, raiz de
bardana, mercúrio cru ou azougue, mercúrio doce, ruibarbo, cristal tártaro, espírito de nitro,
espírito de cubuliana358.
Muitos dos produtos de origem do Pará foram utilizados para “as curas da gente
popular da capitania”. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira registrou o uso desses
produtos para a cura de algumas doenças359. Utilizava-se o azougue para tratar as impingens;
o tártaro emético, ipecacuanha, jalapa, ruibarbo, maná, sene, quintilio serviam para purgar.
Com a quina e o sal amoníaco tratavam-se sezões, na cura de febres terçãs aplicava-se uma
purga que continha entre outros medicamentos o vitríolo e o ópio360. Em suma, as moléstias
da capitania eram bem conhecidas de seus moradores, e por isso a botica deveria estar sempre
bem abastecida.
IMAGEM 14 IMAGEM 15
[Herreria salsaparilla]. CODINA, Joaquim José. Coleção [Yandiróba]. CODINA, Joaquim José. Coleção Alexandre
Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital. Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital.
357
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
358
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de
Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
359
ANZAI, 2003, p. 153-154.
360
Idem, ibidem, p. 155-158.
135
361
ANZAI, 2003, p. 159-160.
362
SILVA, 1986, vol. 3, p. 122.
363
CANAVARROS, 2004, p. 213.
364
GOMES, 2005.
365
Descrição da viagem feita por Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres quando foi tomar conta da
Capitania de Mato Grosso (1772). In: FREYRE, 1978. p. 279. Ver também: ANZAI, p. 64. (prelo).
366
Idem, ibidem.
136
era de má qualidade se comparado com outras capitanias do Brasil, porém, advertiu que as
salinas eram pouco férteis367.
Em 1770, o valor de cada alqueire de sal custava de 15$000 até 30$000 réis, preço
muito alto para a maioria dos colonos pobres. No entanto, Luís de Albuquerque, em 1775,
fixou o preço do alqueire de sal em 9$450 réis. No documento denominado “Enfermidades
Endêmicas da Capitania de Mato Grosso”, produzido por Alexandre Rodrigues Ferreira em
sua expedição filosófica consta a seguinte observação sobre o sal:
Na campanha que fica entre poente e sul, do curso geral do rio Jauru do
registro para baixo e a nascente da serra do Aguapeí, se observaram doze
léguas quadradas do país salitroso, aonde se encontram repetidas e
florescências de sal gema, umas mais e outras menos ricas. Todo o terreno
é alagado na estação das chuvas; mas com pequena despesa e benefício se
poderia conseguir uma feitoria de sal culinar, que provesse todo este
continente interior. Há mais de 25 anos que o velho João de Almeida
conhece aquelas salinas, e por meio de decoadas e de lixívias extraiu da
terra o sal de que se servia, e a sua numerosa família, e com ele beneficiava
carnes secas, mas três ou quatro léguas mais para a serra, contando a
feitoria do dito velho, é que encontramos a maior abundância de salinas,
aonde só de uma tomamos, mais de 2 alqueires da medida de Portugal, todo
puro em pó branquíssimo, semelhante ao de escuma, que se fabrica nas
marinhas do rio maior, Comarca de Santarém, etc368.
367
ANZAI, p. 69 (prelo).
368
Enfermidades Endêmicas da Capitania de Mato Grosso por Alexandre Rodrigues Ferreira. Documento
transcrito e editado por José Pereira da Silva a partir do original localizado na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Códice 21,2,5. Disponível no site: <www.filologia.org.br/soletras>. Suplemento 16. Acesso em:
20/out/08. Ver também transcrição comentada da mesma documentação em: ANZAI, 2003, e ANZAI, In:
PORTO, 2008.
137
réis. Cada frasco de vinho tinto, de vinagre, de azeite e de aguardente custava cerca de 3$000
réis369.
Produtos como queijos, presuntos, chocolates e vinhos eram consumidos de modo
restrito, já que apenas uma pequena parcela da população, como as autoridades, funcionários
públicos e famílias ricas possuíam posses para adquiri-los. A exceção estava no consumo do
vinagre, sal e azeite, que deveriam constar da dieta alimentar da maior parte dos colonos370.
Algumas drogas do oriente também eram consumidas na capitania, como alfazema, pimenta-
da-índia e a canela, assim como as drogas do Pará, como o cacau, a baunilha, a salsa e o
cravo.
Do cacau fabricava-se o chocolate. Nos Anais de Vila Bela de 1758 registrou-se que
“se colhe o cacau que o sertão espontaneamente produz, de que se faz suficiente chocolate,
e para composição deste as matas deste continente produzem bastante baunilha”371. O
chocolate, bebida de origem americana consumida pelos povos astecas na região do México,
possuía uma textura espessa, da qual para seu preparo utilizava-se uma mistura de cacau
torrado e moído dissolvido em água quente e temperado com pimenta, urucum e “atolle”.
Essa bebida, inicialmente de sabor amargo, foi difundida na Europa e modificada pelo
europeu ao acrescentar açúcar e algumas especiarias como a baunilha e a canela adaptando-
a ao seu paladar372. O chocolate no Setecentos já era considerado uma bebida aristocrática,
cujo consumo era restrito. Para Gomes, “ser agraciado com o chocolate era motivo de alegria
e sinônimo de distinção para quem o recebia”373.
369
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são
vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
370
LAPA, 1973, p. 82.
371
AMADO & ANZAI, 2006, P. 70 [Anal desta Vila Bela do ano de 1758].
372
GOMES, 2008, p. 129.
373
Idem, ibidem, p. 130.
138
IMAGEM 16 IMAGEM 17
[Theobroma cacao]. CODINA, Joaquim José. Coleção [Baunilha]. CODINA, Joaquim José. Coleção Alexandre
Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital
Existe uma relação entre comida e classe social, uma vez que um dos primeiros
diferenciadores dos tipos de alimentos levados à mesa pelas classes mais altas e mais baixas
está na capacidade econômica que cada um possui para adquirir os alimentos que consome.
Portanto, a utilização de certos tipos de alimentos define também o lugar de quem os
consome na hierarquia social374.
A alimentação dos capitães generais e das pessoas mais abastadas, se comparadas
com a da maioria da população era diferenciada. O capitão general Luiz de Albuquerque
recebia alguns gêneros alimentícios e ainda outros objetos de luxo enviados por seu
procurador Paulo Jorge, de Lisboa. Dentre os mais variados produtos de alimentação, botica
e de uso pessoal remetidos a Luiz de Albuquerque constavam de queijos flamengos, canela,
vinagres, azeites, aguardente, vinhos, chás finos, chouriços, manteiga, presuntos, salpicões,
paios, etc375. Paulo Jorge se referia com regularidade que os gêneros alimentícios e demais
objetos se destinavam à “subsistência” do capitão general. Estes produtos também eram
enviados pela própria família de Luiz de Albuquerque, como foram as aguardentes e vinhos
tintos enviadas pelo pai do governador em 1774376. Estes gêneros também se encontravam
disponíveis para a venda na capitania, mas em menor quantidade, e por isso, quando havia,
os preços eram elevados. Portanto, presuntos e queijos não eram alimentos para serem
consumidos por todos os habitantes da vila e de suas imediações.
374
GOMES, 2008, p. 166.
375
ANZAI, 2006, p. 19. [Cartas de Paulo Jorge a Luiz de Albuquerque, Lisboa, 10/abr/1772].
376
Idem, ibidem, p. 39.
139
A capitania, por sua vez, possuía boa produção local de gêneros como frutas, legumes
e grãos, como o milho, o feijão, o arroz; criavam-se aves, como galinhas, e também suínos,
não dependendo, portanto, da importação de tais gêneros para o consumo dos habitantes. Em
grande parte, o cultivo desses produtos era realizado por escravos índios e negros. Algum
açúcar também era fabricado localmente, produção registrada nos Anais de Vila Bela do ano
de 1758: “se fabricou algum açúcar nos engenhos desta vila e seu distrito, e se vendeu por
preço muito acomodado, tendo na bondade pouca diferença do que vem de fora”. 377
A dieta alimentar das autoridades da capitania e das pessoas mais abastadas incluíam
gêneros do reino e aqueles produzidos no “país”, isto é, na própria capitania, como as carnes
de bois, porcos e aves, além de frutas e legumes. Esses alimentos eram levados à mesa em
banquetes e jantares diplomáticos organizados pelos capitães-generais para recepcionar seus
convidados, muitos dos quais, autoridades espanholas, ou mesmo portuguesas, como foram
os demarcadores. Os jantares promovidos por Luiz de Albuquerque para a equipe de
demarcadores receberam uma designação especial. Utilizado primeiramente por Rolim de
Moura ao se referir a sua alimentação pessoal em 1751, o termo “mesa real” foi usado
novamente por Luiz de Albuquerque para se referir “às despesas feitas para alimentar os
comissários demarcadores”378 durante o período em que estiveram realizando trabalhos na
capitania de Mato Grosso.
O fomento à agricultura foi tema importante nas ordens recebidas pelos capitães-
generais. Imprescindível para a sobrevivência e para a Fazenda Real, segundo Luís Pinto,
algumas proposições deveriam ser aplicadas para o seu desenvolvimento. Segundo o
governador era preciso “satisfazer todas as compras aos lavradores sem lhes taxar os preços,
para poder esperar da abundância a barateza”. Observou o capitão general que:
377
AMADO & ANZAI, 2006, p. 70. [Anal de Vila Bela de 1758].
378
GOMES, 2008, p. 160-161. Para mais informações ver: capítulo 4 “Um olhar sobre práticas alimentares em
Mato Grosso”.
379
PROJETO RESGATE – AHU/MT 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luis Pinto de Souza
Coutinho a Martinho de Melo e Castro.
140
Oleiros 3 1 2 1 1
Barbeiros 4 2 - - -
Alfaiates 9 3 2 1 -
Sapateiros 14 2 - - -
Seleiros 2 - - - -
Carpinteiros 28 5 4 2 1
Caldeireiros 2 - - - -
Ferreiros 7 1 1 1 1
380
IHGMT, 2001, p. 42-43. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres em 24/dez/1772.
381
SILVA, 2005, p. 57-58.
141
Serralheiros 6 1 - - -
Armeiros 1 1 - - -
Pedreiros 9 1 - - -
Pintores 2 - - - -
Fonte: PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís Pinto de
Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>.
Acesso em: 20/fev/2007.
Dentre os ofícios mecânicos listados alguns estavam ligados ao desenvolvimento de
atividades agrícolas, e outros são mais próprios dos ambientes urbanos. Gomes observa a
importância desses ofícios, em especial o dos carpinteiros, pois a maior parte dos objetos de
madeira utilizados nas áreas rurais era fabricado por esses profissionais. Eram usados
também nas construções das casas e edifícios urbanos públicos e privados, como quartéis e
igrejas382. Aos carpinteiros, no caso da Capitania do Pará cabia, além de outros trabalhos
próprios de seu ofício, os consertos e construções de naus e canoas, sendo alguns dos
construtores das naus oriundos do Reino, motivo pelo qual era comum a solicitação de tais
profissionais para a coroa portuguesa. No entanto, os construtores das canoas também
poderiam ser hábeis indígenas, muitos deles retirados das aldeias e utilizados para diversos
serviços, como carregar as naus, conduzir carnes para as gentes, fazer quartéis e fabricar
canoas, o que provocava inúmeras deserções, impedindo ou paralisando os trabalhos,
colocando, como diziam as autoridades da época, toda a “terra em necessidade”. Francisco
Xavier de Mendonça Furtado fez referência às deserções desses trabalhadores no ano de
1753:
382
GOMES, 2008, p. 145.
383
MENDONÇA, 2005, p. 522. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Sebastião José de Carvalho
e Melo, Pará, 18 /jun/1753].
142
384
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
385
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 27, Pará, 16/dez/1760. Relação da dívida da Capitania de
Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
386
VOLPATO, 1987, p. 39.
143
chifarotes; 10 barris com pólvora; 04 arrobas de munição387. Em 1768 tem-se novo registro
da chegada de algumas munições e armas de guerra para os armazéns de Mato Grosso: 200
armas de fogo com vareta de ferro, 12 arrobas de munição, 04 arrobas e duas libras de
chumbo em barra, 10 cunhetes de balas e 200 arrobas de pólvora, em cem barris388. Era
extrema a necessidade de manter as terras já conquistadas, e guarnecê-las com armas e
munições.
Dos utensílios domésticos faziam parte: garfos, colheres, facas, copos de diferentes
volumes, pratos, tachos, frascos e frasqueiras. Abaixo segue um quadro com o preço a que
eram vendidas algumas ferramentas e utensílios domésticos no ano de 1770 na capitania de
Mato Grosso.
Fonte: PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são vendidos
os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
387
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 24, Lisboa, 26/jun/1760. Relação dos produtos que foram
remetidos do Pará para a Capitania de Mato Grosso.
388
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 199, Pará, 09/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara; APMT. Lata 1768, Fundo Fazenda, doc. nº 120, Pará,
29/fev/1768. Correspondência de Fernando da Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
144
de Janeiro foram diminuindo durante os três anos em que vigorou esta ordem, apesar de
alguns comerciantes de Vila Bela terem se recusado a continuar com o comércio. Os preços
em 1775 foram taxados em menor valor em comparação ao que se costumava vender. Se
compararmos as duas tabelas de 1770 e 1775, observamos que os preços de 1775 foram
relativamente menores. Dos tecidos e demais artigos de uso pessoal, as meias de seda, por
exemplo, passaram a custar 5$400 réis, e o tafetá $589 réis. Da mesma maneira diminuíram
os preços de alguns gêneros alimentícios, como a farinha de trigo, difícil de ser encontrada,
e que passou a custar 6$074 réis, e as frasqueiras de vinho, vinagre, azeite e aguardente
foram vendidas a 18$900 réis. As ferramentas e utensílios domésticos também tiveram seu
preço mais acessível. Os machados custavam $842 réis e os martelos $758 réis, cada copo
de vidro ordinário e pratos de estanho vendiam-se a $421 réis389.
389
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
145
Capítulo 4
Os homens de negócio de Vila Bela
390
FURTADO, 2006, p. 32.
391
BOXER, 2002, p. 311.
392
Idem, ibidem, p. 331.
393
FURTADO, 2006, p. 40.
394
Idem, ibidem, p. 40.
146
Para Alves, essa ambiguidade que ora repelia os judeus e cristãos-novos ora receava que
estes se retirassem por completo do território português com suas avultadas riquezas,
demonstrava que os “interesses materiais estavam na base do conflito com os interesses
espirituais, que envenenou durante séculos toda a questão judaica” 395.
Em resumo, judeu, cristão-novo ou não, “o preconceito mercantil evidenciava-se no
ultramar, mesmo em lugares como Macau, cujos cidadãos dependiam inteiramente do
396
comércio para sua sobrevivência” . Entretanto, os grandes e ricos comerciantes foram
adquirindo, ao longo do tempo, proeminência e prestígio junto ao monarca, ascensão social
que se intensificou a partir do governo pombalino, durante o qual se permitiu que
alcançassem o status de nobres, e partilhassem de privilégios, honras e mercês.
No âmbito da construção, e também afirmação de uma elite mercantil, Pombal
buscou formas de valorizar os comerciantes e a atividade mercantil, com a criação da Junta
de Comércio em 1755, órgão cujo objetivo era regular, estimular e profissionalizar essa
atividade, e com a instituição das Aulas de Comércio, cujo objetivo era preparar o pequeno
comerciante para melhor desempenhar suas funções. Foi nesse momento que se constituiu
em Portugal, segundo Pedreira, “um corpo diferenciado de homens de negócio, isto é, de
comerciantes de grosso trato empenhados no tráfego a longa distância e nas operações
financeiras associadas aos contratos com a coroa” 397. O que melhor caracterizou a atividade
desses homens como constatou Pedreira foi a pluralidade dos empreendimentos, pois
atuavam do comércio à navegação, dos seguros ao crédito, das manufaturas aos bens de raiz,
da arrematação de contratos e monopólios régios ao arrendamento de comendas e
propriedades, das ações das companhias aos títulos de dívida pública. Mas, nem sempre os
interesses eram tão variados, podendo eleger certo tipo de tráfego, um produto, uma região
ou uma forma de investimento398.
No caso do Reino, por exemplo, Pedreira ressalta que o nível de vida dos negociantes
caracterizava-se pelo conforto e pela dignidade, mas também pelo comedimento na
ostentação e, se levarmos em consideração os padrões da época, esse conforto era para
poucos. A comunidade mercantil apreciava a moderação, olhando com desconfiança os
395
ALVES, p. 04-05. Disponível em:<http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st12/>. Acesso em: 25/mai/2008.
396
BOXER, 2002, p. 332.
397
PEDREIRA, 2003, p. 39.
398
Idem, ibidem, p. 46.
147
excessos do luxo, que seria reservado aos muito ricos, restando aos outros administrar com
equilíbrio o seu padrão de vida399.
Ao tratar dos níveis de riqueza e acumulação, Pedreira apresenta dados que colocam
o grupo de homens de negócio sempre em posição favorável em relação aos outros grupos
sociais portugueses e ainda a outros comerciantes de outros grandes portos europeus, como
Nantes, La Rochelle, Bordéus ou Cádis, ficando de fora os ingleses, cuja fortuna era superior.
Segundo Pedreira, no século XVIII, embora grande parte dos negociantes tivessem seu
patrimônio avaliado entre 20 e 50 contos de réis, valor nada excepcional, os mais ricos
aproximavam-se dos mil contos de réis, e “com tal opulência, nem a aristocracia conseguia
competir”, isso em relação às fortunas que ficavam longe da dos “magnates dos negócios a
quem não podiam certamente disputar a capacidade de enriquecimento e acumulação” 400.
Sobre os patrimônios dos comerciantes portugueses, os bens imóveis, artigos
domésticos, joias e metais preciosos desempenhavam papel secundário, sendo a maior parte
de suas fortunas constituídas de dívidas ativas – créditos comerciais e empréstimos
hipotecários – os estoques de mercadorias e as aplicações financeiras (ações de companhias
e títulos de dívidas públicas)401.
Do grande ao pequeno comerciante que realizava travessias oceânicas ou fluviais
pelo interior do Brasil, sua atividade estava sujeita a riscos, tanto os de ordem natural, quanto
os colocados pelo Estado Português. Porém, os riscos eram justificáveis pelas possibilidades
de lucro. Ao estudar as cartas de um comerciante de grosso trato português chamado
Francisco Pinheiro, o historiador Laércio Honda percebeu que os registros das atividades
mercantis vislumbram relações que ultrapassam o circuito mais fechado da “dicotomia
metrópole-colônia”. Além de informações especificamente comerciais, como os lucros,
preços de produtos, melhores oportunidades de comércio, justificativa de gastos,
contemplam a precariedade dos transportes, as entradas para o interior e ainda hábitos
alimentares, preferências de vestimentas e cores, etc. Ademais, como afirma Honda, a
análise das cartas de Francisco Pinheiro aos seus procuradores, constituem fontes
privilegiadas para se ter acesso à palavra do mercador, que de diversas formas burlava a
legislação na permanente busca de maximizar seus lucros e muitas vezes queixavam-se das
399
PEDREIRA, 2003, p. 44.
400
Idem, ibidem, p. 41.
401
Idem, p. 42.
148
frotas, dos capitães relapsos, do mau acondicionamento das mercadorias, dos armazéns, das
alfândegas e dos fiscais corruptos402.
O comerciante Francisco Pinheiro foi bastante estudado por historiadores, como
Júnia Furtado403 e Carlos Gabriel Guimarães404, além de ter sido citado por outros, uma vez
que as atividades deste comerciante incluíam a Europa (Hamburgo, Sevilha, Amsterdã,
Londres, Roma, Coimbra, Lisboa, Porto, Açores entre outras), a América Portuguesa (Rio
de Janeiro, Bahia, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo, Colônia do
Sacramento), a África (Angola e Costa da Mina) e Macau, na Ásia. Esse comerciante teve
sua trajetória bem traçada pelos historiadores e mereceu atenção por parte dos pesquisadores
por se tratar de um exemplo de comerciante de “grosso trato” que teve suas atividades
comerciais desenvolvidas nas principais praças comerciais europeias e em grande parte das
capitanias do Brasil.
Infelizmente registros deste tipo, como as cartas de comerciantes aos seus
procuradores, não foram localizados para realização deste estudo. Deste modo para a
construção de nossa análise lançamos mão de outras fontes oficiais que versam sobre a
atividade mercantil na Capitania de Mato Grosso.
As contradições evidenciadas nos registros da época, nas quais muitas vezes
salientam os interesses metropolitanos e individuais em oposição são característicos do
Império Marítimo Português, no qual as reclamações de atividades comerciais perniciosas
praticadas por monopolistas, açambarcadores e contrabandistas eram constantes. Para
Boxer, “essas queixas estendem-se, no tempo, da época do infante Dom Henrique, o
Navegador, até a de Dom João VI, e, no espaço, das Molucas até Mato Grosso”405.
Baseado na natureza e importância do empreendimento comercial, Charles Boxer
havia classificado os comerciantes em três grandes tipos: numa categoria superior
encontravam-se os “negociantes de grosso trato”, cujas atividades estavam ligadas ao grande
comércio, às atividades financeiras e também em tráficos e manufaturas; na intermediária,
os comerciantes que vendiam a varejo, em geral proprietários de lojas, cujas mercadorias
eram vendidas “a retalho”; e no nível inferior estavam os mascastes e vendedores
ambulantes406.
402
HONDA, 2005, p. 09.
403
FURTADO, 2006, p. 197-276. Ver o Capítulo 4: “Negociantes e Caixeiros”.
404
GUIMARÃES, 2007, p. 35-64.
405
BOXER, 2002, p. 331.
406
FURTADO, 2006, p. 231-232.
149
407
LAPA, 1973, p. 78.
408
SAMPAIO, 2003 apud JESUS, 2006, p. 384.
409
JESUS, 2006, p. 385.
150
410
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. n° 300, Pará, 11/mai/1771. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
411
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
412
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela. Código de Postura apreciado pelos Vereadores, Nobreza e
Povo, doc. n° 13, Vila Bela, 15/set/1762. Neste ato da Câmara de Vila Bela com a permissão de Sua Majestade
se confirmam ou se revogam alguns parágrafos do Estatuto ou Código de Postura criado na ocasião da fundação
de Vila Bela.
151
413
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Mapa do Comércio da Capitania de Mato Grosso, tanto
exterior como interior relativo aos anos de 1769-1770. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
414
JESUS, 2006, p. 430-433. Ver: anexo 1 – “Relação parcial dos oficiais da governança local de Vila Bela”
e anexo 2 – “Relação parcial dos oficiais da governança local de Vila Real do Cuiabá”.
415
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira
de França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta
relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso; APMT.
Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das várias
pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
152
Nesse sentido, a câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá também
significou, em determinado momento, possibilidade de participação política para parte
desses comerciantes já no findar do Setecentos. Na documentação do Arquivo Histórico
Ultramarino, referente às capitanias do Pará e do Mato Grosso encontramos embates desses
comerciantes com a Companhia, que auxiliam elucidar a atuação desse grupo mercantil na
capitania de Mato Grosso. Desse modo, procuramos focar alguns aspectos mais específicos,
que possam esclarecer estratégias pessoais desses comerciantes que, ao longo do tempo,
aliaram importância econômica à participação política nas Câmaras ultramarinas.
Tabela 7 – Comerciantes de Vila Bela que se dedicaram a outras atividades entre 1752 e 1808
416
SILVA, 2005, p. 194.
417
AMADO & ANZAI, 2006, p. 276. [Anal de 1789, que o capitão José da Fonseca, vereador segundo,
apresenta em Câmara].
418
SILVA, 2005, p. 159.
419
Idem, ibidem, p. 191.
420
VOLPATO, 1987, p. 42.
155
421
COSTA, Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/068/68costa.htm>. Acesso em:
15/jul./2008.
422
CANAVARROS, 2004, p. 128.
423
COSTA, Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/068/68costa.htm>. Acesso em:
15/jul./2008.
424
CANAVARROS, 2004, p. 130.
425
IHGMT, 2001, p. 28-29. Instrução de do Conde de Azambuja a João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
426
FERNANDES, 2003, p. 55.
156
caminhos fluviais, das fortificações da capitania, dos lugares, sítios e roças, despertando
neles o interesse por outras atividades e possibilidades de ganho pessoal.
Na Companhia de Pedestres os soldados constituíam um grupo misto no qual havia
“bastardos, mesclados, caribocas, e também alguns índios que mostravam desembaraço e
esperteza bastante” 427. Poderiam fazer parte também colonos pobres do reino, ou da própria
colônia, ou ainda aqueles que estavam sob pena de degredo e eram enviados para trabalhar
nas fortificações em lugares distantes428.
Comerciantes ocuparam cargos militares com patentes que variavam de soldado a
sargento-mor, dos dragões às ordenanças, como Antonio da Cruz Leitão; Antônio Gonçalves
dos Santos; Francisco Pedro de Melo; Francisco Pinheiro da Costa; Hilário Antônio de
Almeida Pessoa; José Adão; José Antônio Gonçalves Prego; José Vieira Passos; Manoel
Pedro429.
Durante o governo de Luís Pinto de Souza Coutinho foi permitido aos militares,
mesmo os de baixas patentes, aplicar no comércio o ouro que possuíssem, sendo-lhes
concedido também dispensa para poderem se dedicar exclusivamente à atividade mercantil.
Aos mais abastados, a ocupação dos altos cargos militares significava a possibilidade de
alcançar honrarias, títulos e mercês.
Provavelmente, entre os comerciantes, a atividade militar fosse a mais desejada, pelo
fato de encontrarmos referências de militares que apesar de terem se tornado comerciantes
não abandonaram a atividade militar. Em 1757, encontramos informação sobre Antônio da
Cruz Leitão, capitão de milícias, encarregado de transportar para o Reino o ouro destinado
à reconstrução de Lisboa, que havia sido destruída pelo terremoto de 1755430. Antônio
Gonçalves dos Santos ocupou posto de soldado da Companhia de Ordenanças de Vila
Bela431, em 1765, e quatro anos depois, em 1769, compunha o quadro dos oficiais da
governança local da vila capital. Aliando o oficio militar ao de comerciante Manoel de
Oliveira Pombal era nome importante na vila-capital, e ocupou cargos na Câmara de Vila
Bela, da qual fez parte em 1770, 1775 (vereador), 1777 (Juiz Ordinário), 1779, 1782, 1783
427
IHGMT, 2001, p. 28-29. Instrução de do Conde de Azambuja a João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
428
FERNANDES, 2003, p. 54-55.
429
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
430
AMADO & ANZAI, 2006, p. 66. [Anais de Vila Bela do ano de 1757]; SILVA, 2005, p. 126.
431
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
157
432
SILVA, 2005, p. 193.
433
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Post. 1765, cx. 13, doc. 771. Notícias de Mato Grosso e Vila do Cuiabá
(autor anônimo). Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
434
AMADO & ANZAI, 2006, p. 233. [Anal de 1782, apresentado em Câmara pelo vereador e alferes Gregório
Pereira].
435
SILVA, 2005, p. 218.
436
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira
de França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta
relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso; APMT.
Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das várias
pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
437
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José da Silva e
Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
158
438
SILVA, 2005, p. 198-199.
439
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
440
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 95, Vila Bela, 27/out/1778. Ata assinada em Câmara
pelo Capitão-mor Antônio Soares Lima, João de Souza Pinto, Hilário Antônio de Almeida Pessoa e Antônio
Caetano Bragança a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
441
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
442
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José da Silva e
Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
443
BICALHO, In: FRAGOSO; BICALHO, 2001, p. 193.
159
444
JESUS, 2003, p. 250.
445
BICALHO, 2005, p. 28.
446
Idem, ibidem, p. 29.
447
Idem, p. 30.
160
448
FRAZÃO; REZENDE, 2003, p. 05.
449
BICHALHO, 2005, p. 30.
450
JESUS, 2006, p. 250-277. Para mais informações ver: Capítulo 7 – “As câmaras municipais da Vila Real e
de Vila Bela”. Veja também quadro 8 – “Dados dos oficiais da Câmara de Vila Real (1727-1795)” e quadro
10 “Dados dos oficiais da Câmara de Vila Bela (1752-1808)”.
161
451
JESUS, 2006, p. 264.
452
CANAVARROS, 2004, p. 119-120.
453
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 85, Vila Bela, 04/jan/1778. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Antônio José da Costa e Nóbrega, Hilário Antônio de Almeida Pessoa e Marcelino
Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
454
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 89, Vila Bela, 10/jun/1778. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Manoel de Oliveira Pombal, José da Silva, Hilário Antônio de Almeida Pessoa e
Marcelino Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
455
SILVA, 2005, p. 103.
456
AMADO & ANZAI, 2006, p. 287. [Anal de 1789 que o Capitão José da Fonseca, vereador segundo,
apresenta em Câmara].
457
AMADO & ANZAI, 2006, p. 265. [Anal de 1787 apresentado em Câmara pelo vereador Antônio Leite
Guimarães].
162
458
CANAVARROS, 2004, p. 114.
459
Idem, ibidem, p. 117.
460
AMADO & ANZAI, 2006, p. 245. [Anal de 1784, apresentado em Câmara pelo vereador e ajudante-de-
auxiliares Manoel Rodrigues da Silva].
461
JESUS, 2006, p. 262. Veja: Quadro 10 – “Dados dos oficiais da Câmara de Vila Bela (1752-1808)”.
462
Para mais informações sobre concessão de sesmarias na Capitania de Mato Grosso ver: SILVA, 2008.
463
APMT. Fundo Sesmaria, 1789, doc. n° 247. Requerimento de Joaquim Geraldo Tavares a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
464
SILVA, 2005, p. 245.
465
APMT. Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho
de Almeida e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação
das várias pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
163
Alexandre Henriques foi o único comerciante que podemos afirmar ter sido dono de
engenho, e foi requerente de terras na região do rio Barbado (1/2 légua)466. Atuava na
Câmara de Vila Bela em 1780, como Provedor Tesoureiro, recebendo para os cofres das
câmaras quantias relativas aos contratos de arrematação, aferição e outros. Em outubro de
1780 Alexandre Henriques pagava à Câmara os subsídios de seus engenhos467.
Na segunda metade do século XVIII Vanda da Silva observou que foram diversos os
modos de acesso à terra, e identificou a existência de terras já ocupadas pelos requerentes,
assim como uma quantidade de sesmarias não demarcadas e não confirmadas. Em relação à
ocupação da terra e requerimento de sesmaria mencionou a existência de uma legislação que
indicava que as terras concedidas não deveriam ultrapassar três léguas em quadra. Porém
“muitos sesmeiros possuíam mais terras do que as estipuladas”468 ou ainda não declaravam
as medidas das áreas requeridas, podendo também não fazer declaração alguma do tamanho
de suas propriedades constando apenas a existência dela. De sua pesquisa Vanda da Silva
contabilizou 160 sesmeiros que não fizeram nenhuma declaração das medidas de suas
terras469.
Manoel da Silva Barata, além de vereador, comerciante e militar era dono de
mineração e de propriedades agrícolas. Requereu sesmarias na região do Rio Alegre (1
légua) e Paragem do Porto Velho – Rio Guaporé (3/4 légua) destinadas à agricultura470.
Manoel da Silva Barata abarcou todas as frentes que pôde para ampliar seus negócios e seu
lucro. Segundo Paulo Pitaluga Costa e Silva, este comerciante fazia a rota do Pará, e
distribuía mercadorias para o comércio em Vila Bela e em Cuiabá. Em 1783, já morando em
Cuiabá, teve a sua casa arbitrariamente invadida pelo Tesoureiro da Provedoria dos Defuntos
e Ausentes de Cuiabá, João de Souza Pinto, para cobrança de dívida, e, por isso relatou este
fato ao ouvidor-geral da capitania requerendo providência471. João de Souza Pinto foi
processado pela invasão.
466
APMT. Fundo Sesmaria, 1782, doc. n° 155. Requerimento de Alexandre Henriques a Luiz de Albuquerque
de Melo Pereira e Cáceres.
467
APMT. Fundo Câmara de Vila Bela, Balanço da Câmara (Receitas e Despesas) anos de 1780 a 1789, doc.
n° 181, ano de 1780, Vila Bela, 31/dez/1780.
468
SILVA, 2008, p. 71. Em sua dissertação a autora trabalhou com os dados declarados pelos requerentes e
construiu gráficos que nos fornecem importantes informações sobre os sesmeiros em relação à quantidade de
propriedade que possuíam concluindo que por diversos fatores foi possível a acumulação de terras nas mãos
de um grupo reduzido de pessoas.
469
Idem, ibidem, 2008, p. 71.
470
APMT. Fundo Sesmaria, 1776, doc. n° 090. Requerimento de Manoel da Silva Barata a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres; APMT. Fundo Sesmaria, 1780, doc. n° 135. Requerimento de Manoel
da Silva Barata a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
471
SILVA, 2005, p. 38.
164
472
SUSUKI, 2007, p. 151. [Anais do Cuiabá – Memórias do ano de 1796].
473
SILVA, 2005, p. 207.
474
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José da Silva e
Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
475
JESUS, 2006, p. 430.
476
AMADO & ANZAI, 2006, p. 191. [Anal de 1773. Apresentado em Câmara pelo vereador Antônio Ribeiro
Leite, em 30 de dezembro do mesmo ano].
477
Idem, ibidem, p. 127. [Anal de Vila Bela do ano de 1769].
478
Idem, p. 182. [Notícias do ano de 1771].
479
SILVA, 2005, p. 229.
165
1770, também era um dos mais poderosos e abastados. Em 1780, como ex-escrivão da
Ouvidoria real solicitava permissão da Rainha para proceder com as vendas dos bens
sequestrados de João Antônio Vaz Morilhas, procedimento comum de sua função. O
requerimento feito à Rainha para obter o Hábito de Cristo, indicava que pelos serviços
prestados à coroa, ele estava apto para ao menos solicitar a mercê.
Segundo Almeida, a solicitação mais frequente de mercês e graças em Minas Gerais
referiam-se à confirmação de carta de sesmaria, confirmação de patente militar, pedido de
provimento em cargos públicos, pedidos de licença para passarem ao Reino, e até mesmo
solicitações para que fizessem valer os privilégios cabíveis a seus postos. Os homens mais
ricos solicitavam permissão para ingressar no Hábito da Ordem de Cristo480. Os pedidos de
mercês e privilégios para os “homens bons” da capitania de Mato Grosso eram semelhantes
ao de Minas Gerais. Entretanto, raros foram os casos que encontramos na documentação, de
comerciantes que solicitaram a mercê do Hábito da Ordem de Cristo, questão que carece de
maiores investigações. Outro ponto importante a destacar corresponde a romper com os
silêncios a respeito dos indígenas, africanos forros ou seus descendentes referentes à
ocupação de cargos privilegiados nas Câmaras, altos cargos nas companhias militares, ou
ascensão econômica e social no exercício do comércio, possibilidade que, apesar de rara,
não pode ser descartada. Nesse sentido, não conseguimos identificar comerciantes que
porventura foram indígenas ou africanos forros que se aventuraram na atividade comercial,
entretanto, outros trabalhos estiveram empenhados em dar destaque a esses agentes
históricos481.
Também João de Souza Azevedo requereu o mesmo privilégio que Domingos Jorge
da Silva. Um dos primeiros comerciantes a realizar negócios com o Pará, e considerado pelo
capitão general Rolim de Moura um dos melhores sertanistas daqueles tempos, João de
Souza Azevedo, em período anterior a 1751, requeria ao rei D. José a mercê de “foro fidalgo”
e o Hábito de Cristo, com tença correspondente482. O mesmo Azevedo, em período posterior
a 1762, pedia confirmação de sua patente, remuneração pelos serviços prestados nas
demarcações do Grão-Pará, e requeria o Hábito de Cristo para o seu filho483.
480
ALMEIDA, In: BICALHO; FERLINI, 2005, p. 374.
481
Sobre essa questão ver: SILVA, 2008; JESUS, 2006; FERNANDES, 2003; SILVA, 2001; ROSA, 1996.
482
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 28/set/1762, cx. 11, doc. 678. Requerimento de João de Souza
Azevedo ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
483
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 28/set/1762, cx. 11, doc. 678. Requerimento de João de Souza
Azevedo ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
166
484
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 06/ago/1761, cx. 11, doc. 650. Requerimento de Francisco da Silva
Ribeiro e sócios ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
485
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 20/set/1771, cx. 16, doc. 950. Requerimento de Francisco Mourão
de Miranda ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
PROEJTO RESGATE – AHU/MT. Post. 17/dez/1768, cx. 13, doc. 822. Requerimento de Antônio de Souza
Azevedo à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
487
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 27/nov/1772, cx. 16, doc. 992. Requerimento de Antônio Felipe
da Cunha Ponte ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
488
SILVA, 2005, p. 193.
489
FURTADO, 2006, p. 38.
167
490
Idem, ibidem, p. 38.
491
Essa nobilitação mencionada por Furtado se refere aquela adquirida como privilégio por serviços prestados
à Coroa. Em oposição aqueles que conseguiam nobilitação através dos serviços que prestavam, existiam os
nobres de “sangue” que não viam com bons olhos os acessos à nobilitação de grandes comerciantes, por
exemplo.
492
ALMEIDA, 2005, p. 368.
493
AMADO & ANZAI, 2006, p. 245. [Anal de 1784 apresentado em Câmara pelo vereador e ajudante-de-
auxiliares Manoel Rodrigues da Silva].
168
com os tecidos mais finos, e se alimentar com os alimentos mais caros, esse privilegiado
grupo sempre aparecerá no topo da hierarquia social, e seus membros aptos a exercer funções
administrativas a serviço da Coroa Portuguesa. Pelo fato de não podermos traçar os bens
imóveis e as fortunas desses “ricos comerciantes”, evidentemente não podemos fazer
comparações com aqueles assim considerados em outras capitanias do Brasil.
A respeito do desenvolvimento de atividades agrícolas pelos comerciantes
encontramos informações referentes à Alexandre Henriques e Manoel da Silva Barata. Estes
foram dois comerciantes da carreira do Pará que podemos afirmar terem sido proprietários
de terra. Evidentemente que para o desempenho de suas atividades agrícolas era
imprescindível que possuíssem um considerável número de escravos, e da mesma maneira
isso se dava em relação aos serviços da mineração. Se considerarmos que cada engenho
contava, em média, com a quantia de 20 a 30 escravos494, são poucos os que se dedicavam a
esta atividade. Alexandre Henriques era dono de engenho, e em 1770, período em que Vila
Bela contava com a presença de dezoito engenhos de aguardente e três de açúcar e rapadura
em pleno funcionamento495. Já Manoel da Silva Barata possuía, além das terras destinadas à
agricultura, outras destinadas à mineração. Segundo Masília Gomes era comum as terras
compreenderem os dois setores de produção:
494
Correspondência do ouvidor João Gonçalves Pereira ao rei D. João V. MF.14, doc. 176-(AHU). In:
Coletânea de documentos raros do período colonial (1727-1746). Volume II. Orgs. MORGADO, Eliane
Maria Oliveira; DOURADO, Nileide Souza; CANAVARROS, Otávio, e MACEDO, Vera Lúcia Duarte
Cuiabá. Entrelinhas: EdUFMT. 2007. (Série transcrição: correspondência), p.78.
495
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
496
GOMES, 2008, p. 51.
169
.... assim pelo que tocava à proibição das lojas de fazenda seca nos arraiais,
como pelo que tocava a se proibirem mais vendas de víveres do que as duas
declaradas no parágrafo décimo sexto do capitulo terceiro, por ser a dita
497
OLIVEIRA, 2008, p. 79.
498
Idem, ibidem.
499
Idem, p. 81.
500
JESUS, 2006, p. 281.
170
Apesar das ordens proibitivas os números de vendas existentes nos arraiais eram
superiores ao número permitido. O funcionamento das lojas de fazendas e vendas dependia
do pagamento de licenças; caso o comerciante não fosse licenciado, poderia ser multado no
momento em que o almotacel fazia as fiscalizações. Embora os vereadores tenham alegado
que a medida proibitiva de vendas nos arraiais fosse prejudicial ao povo e à Fazenda Real,
Nauk de Jesus destaca que era bem possível que também fosse prejudicial ao comércio dos
mercadores e homens de negócio, alguns provavelmente vereadores, prejudicando seus
lucros502. Buscavam, então, aliar seus interesses pessoais com os metropolitanos, utilizando
como argumento o aumento da receita da Câmara.
Segundo Nauk de Jesus, a proibição da existência de vendas e lojas nos arraiais
visava evitar desordens, e procurava fazer de Vila Bela o centro distribuidor de mercadorias
para o seu termo, em consonância com a “política de povoamento e normatização de Vila
Bela”503 iniciada por Rolim de Moura. Mesmo com as ordens que impediram a existência de
novos estabelecimentos desse tipo, no decorrer do século XVIII a postura não foi obedecida,
pois “no ano de 1783 das vinte e duas vendas existentes no Arraial de São Vicente restavam
onze”, vendas estas que foram consideradas ilegais, de modo que os vereadores não foram
rigorosos para fechar esses estabelecimentos, uma vez que também estava em jogo o próprio
abastecimento de gêneros de primeira necessidade504.
Como bem observamos os comerciantes foram aos poucos ocupando lugar e posição
privilegiada na vila capital e consideramos que os negócios realizados com a Companhia do
Pará foi uma alternativa para os comerciantes obterem lucros. Evidentemente que neste
percurso esses comerciantes vão trilhando caminhos diferenciados, diversificando seus
empreendimentos, tentando sobreviver motivados pelas mais diversas razões. Até 1778
ainda eram devedores da extinta companhia e ainda pela década de 1780, os mais
proeminentes continuaram envolvidos nas malhas administrativas do poder local, sendo
501
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 13, Vila Bela, 15/set/1762. Código de Postura
apreciado pelos Vereadores, Nobreza e Povo.
502
JESUS, 2006, p. 282.
503
Idem, ibidem, 2006, p. 281.
504
JESUS, 2006, p. 282.
171
possível perceber que alguns não abandonaram os negócios com o Pará e com a própria
companhia conforme a constatação de David Davidson.
Nesse sentido, o ano de 1778 é emblemático para marcar os rumos que tomaram os
negócios com a Companhia e com a Capitania do Pará, uma vez que o monopólio não se fez
mais presente e esta é uma questão que não pode ser desconsiderada em análises futuras.
Algumas práticas comerciais podem ter primado pela continuidade, mas certamente as
negociações ocorreram em outro patamar, uma vez que instruções reais e bandos reguladores
de preços de gêneros diversos que diziam respeito diretamente aos negócios com a
Companhia do Pará parecem não ter sido mais necessários nesse período, entretanto, tal
questão exige maior investigação que não nos cabe responder de imediato. Segundo
Davidson os pagamentos de débitos pelos comerciantes mantiveram o tráfego da “rota do
Madeira” após 1778, e por esta razão créditos moderados foram oferecidos aos comerciantes
apesar de ordens superiores contrárias, a realização de um comércio privado não
monopolístico foi organizado e a capitania continuou sendo abastecida com produtos
europeus e escravos ainda que em menor quantidade se comparada com os anos anteriores à
extinção da empresa505.
Aproveitando-se da ocasião do fim do monopólio da companhia, um grupo de
comerciantes se dirigiu à Rainha D. Maria I tentando obter perdão das dívidas que tinham
com a companhia e informar a soberana dos entraves estabelecidos entre eles e a Companhia
do Pará durante sua vigência evidenciando as divergências de interesses entre eles e a
empresa, questão que nos propomos a discutir no item seguinte.
505
DAVIDSON, 1973, p. 181-182.
172
mais: enfatizavam que o conhecimento da navegação ao Pará se deveu a eles, assim como a
abertura e liberação do caminho de terra de Goiás, além de custear as bandeiras e diligências
para se descobrir novas minas. Enfim, reconhecendo-se como um grupo importante,
buscavam reforçar que era “indispensável que todo estabelecimento, conservação e aumento
desta capitania tem sua base nos negociantes”506.
Essas argumentações foram utilizadas pelos comerciantes da carreira do Pará e Rio
de Janeiro em carta endereçada à Rainha D. Maria, no ano de 1778, na qual apresentavam
sua insatisfação nas transações mercantis realizadas com a Companhia do Grão-Pará, e
pediam restituição pelos danos e prejuízos causados por ela. Pediam também que fossem
suspensas a obrigatoriedade de pagamento de juros de suas dívidas com a Companhia.
Assinada por um grupo de 24 comerciantes, a carta continha diversas acusações contra a
empresa, dentre as quais a tentativa de os arruinarem e à própria capitania de Mato Grosso,
pois uma vez destruídos os comerciantes, destruía-se a capitania, segundo as observações
desse grupo mercantil.
Fazendo um retrospecto de suas relações comerciais com o Pará, para reforçar os
pedidos à Rainha, os comerciantes fizeram referência à tentativa de proibir, após cinco anos
de funcionamento da companhia, a navegação pelos antigos caminhos de São Paulo para
abastecer a vila, medida esta que foi prontamente revogada por Rolim de Moura. Por meio
de cálculos matemáticos apresentaram à rainha, a título de exemplos, preços de alguns
produtos, tentando demonstrar que os gêneros chegavam sobrecarregados ao consumidor
final, como as alavancas de sessenta réis a libra, “em que sobre o principal do ferro e feitio
das mesmas carregam livres mais de 90%”; seis barris de biscoitos foram taxados em 30%
duas vezes; os barris de vinho de “seis em pipa a doze mil e tantos réis”, que custavam nos
primeiros anos “oito mil e tantos réis”. Dentre outras queixas, os comerciantes acusavam
também os administradores, como os alcaides, de os obrigarem a comprar gêneros que não
tinham saída, e que tinham prejuízo com isso. Enfim, segundo os comerciantes, os produtos
já saíam do Pará com valor elevado, e não podiam ser revendidos por preço menor que o de
custo 507.
506
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 10/jan/1778, cx. 19, doc. 1185. Carta dos comerciantes que
fizeram carregações ao Pará à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
507
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 10/jan/1778, cx. 19, doc. 1185. Carta dos comerciantes que
fizeram carregações ao Pará à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
173
De fato, o plano de comércio havia provocado nos comerciantes certa aversão, pois
havia baixado seus lucros aos fixá-los em 12%, o que provocou grandes prejuízos a alguns
comerciantes levando-os a aplicar seus capitais a outros negócios:
508
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 10/jan/1778, cx. 19, doc. 1185. Carta dos comerciantes que
fizeram carregações ao Pará à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
509
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Post. 1765, cx. 13, doc. 771. Notícias de Mato Grosso e Vila do Cuiabá
(autor anônimo). Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
174
510
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Post. 1765, cx. 13, doc. 771. Notícias de Mato Grosso e Vila do Cuiabá
(autor anônimo). Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
175
511
JESUS, 2006, p. 381.
512
AMADO & ANZAI, 2006, p. 213. [Anal de Vila Bela do ano de 1777 apresentado pelo vereador Francisco
de Paula Correa].
176
determinada documentação, e que tomamos por indícios primordiais. Nauk de Jesus aponta
para a possibilidade de ampliação das atividades econômicas que promoveriam ascensão
política e social, e também pelas possibilidades de negócios diversos, como mineração e
agricultura, e outras atividades, tanto lícitas quanto ilícitas513. Esse grupo articulava seus
interesses pessoais aos da Coroa, e essas relações não eram tão simples como podem parecer
à primeira vista, pois eram comuns as resistências ao cumprimento das ordens, imperando,
na maioria das vezes, negociações em nome do “bem-comum”.
513
JESUS, 2006, p. 382.
177
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio deste estudo buscamos inserir na dinâmica comercial estabelecida pelo
Império Colonial Português, os homens de negócio que atuaram em Vila Bela da Santíssima
Trindade, vila capital da Capitania de Mato Grosso, localizada na fronteira oeste do domínio
luso na América. Para tanto, foi imprescindível estabelecer vinculações entre os
comerciantes de Vila Bela, a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, e as
praças comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo. Nesta investigação, foi possível destacar a
participação política dos comerciantes de Vila Bela por meio de levantamento dos cargos
político-administrativos ocupados por eles, o que nos exigiu compreender o modo pelo qual
articulavam os interesses metropolitanos aos individuais.
Durante o levantamento, separação e análise das fontes, etapas próprias do fazer
historiográfico, ao buscar esses comerciantes em Vila Bela, esbarramos em algumas
dificuldades que, no entanto, não prejudicam os resultados aos quais chegamos. Ao produzir
esta dissertação, abrimos novas trilhas investigativas a respeito da formação de um grupo
mercantil privilegiado em Vila Bela. Partimos para nossa investigação de duas listas de
comerciantes devedores da Companhia nos anos de 1774 e 1778, residentes em Vila Bela da
Santíssima Trindade. As duas listas contemplam 57 comerciantes, dos quais buscamos
informações em outras fontes impressas, manuscritas, além de teses e dissertações que,
devidamente cotejadas, nos permitiram realizar nossa análise e construir a dissertação.
Certamente que os comerciantes estudados estavam inseridos nas malhas administrativas do
Império Português, pois exerceram funções administrativas na Câmara de Vila Bela da
Santíssima Trindade, e também de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, alguns deles
por tempo considerável, longos anos e mesmo décadas. Se alguns destes não detinham a
“pureza de sangue” necessária para tal privilégio, a “limpeza” se dava pelos serviços que
prestavam à Coroa. Embora tal aspecto se constate em outras regiões do Império Português,
consideramos necessário expô-los neste caso, quando nosso recorte recai sobre os
comerciantes em direta ligação com uma empresa monopolista de Comércio, a Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
A característica que possuía a capitania de Mato Grosso de ser fronteira e possuir
áreas de mineração orientou sobremaneira as instruções relacionadas ao comércio com a
178
Companhia de Comércio, que eram repassadas pela Coroa aos capitães generais, durante a
segunda metade do século XVIII.
Diversas foram as relações vividas na fronteira, e os estudos sobre atividades dos
comerciantes e da companhia nos oferecem contribuições importantes para percebê-las.
Durante a pesquisa, alguns aspectos se tornaram mais evidentes, como o abastecimento das
missões de Moxos e Chiquitos com gêneros trazidos por comerciantes portugueses, e
também de modo inverso, o abastecimento de regiões em possessão portuguesa de alguns
gêneros oriundos das missões do oriente boliviano, embora os dados que colhemos
referenciem com maior intensidade esse comércio clandestino a partir da década de 1770.
Em 1769, por exemplo, Luís Pinto de Souza Coutinho escrevia a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, sobre as negociações com as missões jesuíticas de Moxos para abastecer
o Forte de Bragança, relatando que, apesar das dificuldades, haviam transportado perto de
trezentas cabeças de gado vacum, por intermédio de negócios feitos com os Curas. Deste
modo, é preciso atentar para o fato desses negócios terem sido praticados após a expulsão
dos jesuítas, pois desconhecemos fontes documentais que evidenciem transações comerciais
entre castelhanos e portugueses na fronteira oeste em período anterior ao da expulsão dos
jesuítas espanhóis em 1767. Embora possam ser interpretadas como práticas de contrabando,
não houve preocupação de Luís Pinto, que encerrou sua correspondência registrando que
tudo transcorria na maior serenidade514.
Esta descrição consiste apenas de um dos elementos de análise das relações na
fronteira. Partindo de um aspecto mais geral, sobre as relações dos comerciantes com a
Companhia foi possível tecer alguns comentários sobre o audaz plano de comércio que
colocaria oficialmente a Companhia em negociação com os domínios espanhóis prevendo
as possibilidades de estender os domínios portugueses, e ainda angariar as ricas e desejadas
minas de prata. A presença da Companhia deve ser vista também como um instrumento que
serviu ao governo português para colocar em prática o projeto político pensado para o Reino,
para o Grão-Pará e Maranhão, e para a Capitania de Mato Grosso. Alguns autores que
trataram de modo mais detalhado dos aspectos que envolveram a criação da companhia,
como Manuel Nunes Dias, Antônio Carreira, David Michael Davidson e Kenneth Maxwell
identificaram o fortalecimento de uma elite mercantil no Reino ligada à Pombal, o fomento
514
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 21/jun/1769, Rolo 13, cx. 14, doc. n° 856. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
179
GLOSSÁRIO
Armênia, de onde tirou o nome. O legitimo bolo armênio era aromático, friável e brando. Na
boca, derretia como manteiga. Era medicamento defecativo e adstringente.
Bretanha: tecido fino de linho ou algodão.
Breu: Substância semelhante ao pez negro, obtida pela evaporação parcial ou destilação da
hulha ou de outras matérias orgânicas. [Cf. pez].
Brim: tecido forte de linho, algodão.
Cabeleira: peruca.
Caixeiro: 1. Empregado em casa de comércio que vende ao balcão; balconista. 2. Aquele
que entrega em domicílio as mercadorias compradas; entregador.
Calafetar: 1. Vedar com estopa alcatroada (as junturas, buracos ou fendas de uma
embarcação). 2. Tapar, vedar com pano, papel, massa, etc. (fenda ou buraco de tonéis,
assoalhos, tabiques, etc.). 3. Tapar ou vedar as fendas ou buracos de.
Caldeireiro: 1. Artífice que faz caldeiras e outros utensílios de cobre ou de outro metal. 2.
Bras. Aquele que trabalha nas caldeiras dos engenhos de açúcar.
Cambraia: tecido de algodão ou de linho muito fino.
Canada: antiga unidade de medida de capacidade para líquidos, equivalente a quatro
quartilhos, ou seja, 2,622 litros.
Carneirada: 1. Febres peculiares à costa da África tropical. 2. Bras. Epidemia de malária.
Charrua: Ant. Mar. Navio-transporte de três mastros, grande porão e fraco armamento,
usado no século XVIII e em parte do XIX.
Chifarote: espada curta e reta, punhal.
Chita: tecido ordinário de algodão estampado a cores.
Chouriço: 1. Enchido de porco, cujo recheio é misturado com sangue e curado ao fumo. 2.
Bras. Iguaria feita de sangue de porco, especiarias e açúcar.
Cochinilha: tecido colorido com a cochonila.
Cochonila: corante obtido de insetos (família dos coccídeos), vermelho, que contém ácido
carmínico.
Cochonilha: Inseto homóptero, da família dos coccídeos, que segrega substâncias especiais
(cera, laca) que servem de revestimento. Os machos adultos têm duas asas; as fêmeas são
sempre ápteras. São pequeníssimas, alimentam-se de seiva de plantas, e vivem nas folhas,
galhos, tronco e raízes.
Côngrua: pensão que se concedia aos párocos para seu sustento.
183
Fontes: BLUTEAU, Raphael. Vocabulário portuguez e latino. Coimbra, 1712. Rio de Janeiro: UERJ,
Brasil 500 anos, 2000; HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa:
dicionário Aurélio Eletrônico (v. 1.4). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994; LAPA, José Roberto
do Amaral. Economia colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973.
188
Fontes Manuscritas:
ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1459. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em
18/set/1769.
ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1484. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em
18/ago/1769.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 13, 15/set/1762. Código de Postura apreciado
pelos Vereadores, Nobreza e Povo.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em
Câmara por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José
da Silva e Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 95, Vila Bela, 27/out/1778. Ata assinada em
Câmara pelo Capitão-mor Antônio Soares Lima, João de Souza Pinto, Hilário Antônio de Almeida
Pessoa e Antônio Caetano Bragança a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 85, Vila Bela, 04/jan/1778. Ata assinada em
Câmara por Francisco Xavier Antão, Antônio José da Costa e Nóbrega, Hilário Antônio de Almeida
Pessoa e Marcelino Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 89, Vila Bela, 10/jun/1778. Ata assinada em
Câmara por Francisco Xavier Antão, Manoel de Oliveira Pombal, José da Silva, Hilário Antônio de
Almeida Pessoa e Marcelino Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 105, Vila Bela, 15/set/1779. Ata assinada em
Câmara por Felisberto Leite Pereira, Manoel de Oliveira Pombal, Alberto Nunes de Freitas, Joaquim
da Fonseca Freitas e Antônio Teixeira de Oliveira a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, Balanço da Câmara (Receitas e Despesas) anos de
1780 a 1789, doc. n° 181, Vila Bela, 31/dez/1780.
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
APMT. Lata 1756 A, Fundo Governadoria, doc. nº 62, Belém, 19/fev/1756. Correspondência de
Diogo de Mendonça Corte Real a D. Antônio Rolim de Moura.
189
APMT. Lata 1758A, Fundo Governadoria, doc. n° 94, Vila Nova de Barcelos, 30/mai/1758.
Correspondência de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
APMT. Lata 1759 II, Fundo Justiça, doc. n° 19, Pará, 13/mai/1759. Correspondência de Manoel de
Bernardo de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 24, Lisboa, 26/jun/1760. Relação dos produtos que
foram remetidos do Pará para a Capitania de Mato Grosso
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 27, Pará, 16/dez/1760. Relação da dívida da Capitania
de Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
APMT. Lata 1760 II, Fundo Governadoria, doc. nº 26, Pará, 21/out/1760. Correspondência de
Manuel Bernardo de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.
APMT. Lata 1765-1768, Fundo Governadoria, doc. n° 84, Barcelos, 10/fev/1761. Correspondência
de Gabriel de Souza a D. Antônio Rolim de Moura.
APMT. Lata 1767, Fundo Governadoria, doc. nº 161, Vila Real do Cuiabá, 02/jan/1767.
Correspondência escrita por Francisco Lopes de Araújo.
APMT. Lata 1765-1768, Fundo Fazenda, doc. n° 119, Pará, 18/fev/1768. Resumo do que deve a
Provedoria da Capitania de Mato Grosso a esta do Pará em 1761, 1764, 1765 até 1768.
APMT. Lata 1768, Fundo Fazenda, doc. nº 120, Pará, 29/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de
Fernando da Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 199. Pará, 09/fev/1768. Correspondência de
Fernando da Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de
Gonçalo Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de
Fernando de Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. n° 300, Pará, 11/mai/1771. Correspondência de
Fernando da Costa de Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. nº 299, Pará, 25/fev/1771. Correspondência de
Gonçalo Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luís Pinto de Souza Coutinho.
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo
Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres
em que consta relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela
de Mato Grosso.
APMT. Lata 1774, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Vila Bela, 12/mai/1774. Correspondência de Miguel
Pinto Teixeira a Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 121, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Antônio
Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
190
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 122, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Carlos
Daniel de Seixas a Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 123, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Antônio
Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Lata 1776, Fundo Governadoria, doc. nº 73, Pará, 27/abr/1776. Correspondência de Manoel
José da Cunha e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio
Coutinho de Almeida e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em
que consta relação das pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da
Companhia Geral do Pará.
APMT. Fundo Sesmaria, 1776, doc. n° 090. Requerimento de Manoel da Silva Barata a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Sesmaria, 1780, doc. n° 135. Requerimento de Manoel da Silva Barata a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Sesmaria, 1782, doc. n° 155. Requerimento de Alexandre Henriques a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
APMT. Fundo Sesmaria, 1789, doc. n° 247. Requerimento de Joaquim Geraldo Tavares a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 20/abr/1751, cx. 05, doc. 336. Requerimento de João de
Souza Azevedo ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
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PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 25/jan/1754, cx. 07, doc. 438. Carta de Rolim de
Moura ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>.
Acesso em: 20/fev/2007.
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Grão-Pará, 20/fev/1754, cx. 07, doc. 444. Correspondência de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao rei D. José. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 06/ago/1761, cx. 11, doc. 650. Requerimento de Francisco
da Silva Ribeiro e sócios ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
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PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 28/set/1762, cx. 11, doc. 678. Requerimento de João de
Souza Azevedo ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
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Câmara a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da
191
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 745. Ofício de João Pedro
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Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
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PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 13/jun/1769, cx. 14, doc. 848. Ofício de Luis Pinto de
Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
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de Luis Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
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<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
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Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Mapa do Comércio da Capitania de
Mato Grosso, tanto exterior como interior relativo aos anos de 1769-1770. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
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Luís Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Disponível em:
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Felipe da Cunha Ponte ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
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e capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos
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Acesso em: 20/fev/2007.
192
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Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres ao Marques de Pombal. Disponível em:
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Francisco Pedro de Mendonça Gorjão ao rei D. João V.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 09/mar/1754. Cd 04 (041/002/390), cx. 36, doc. 3365.
Ofício de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte Real.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/ago/1755. Cd 05 (pasta 044/001/122), cx. 38, doc. 3617.
Correspondência de Miguel Bulhões e Sousa a Tomé Joaquim da Costa Corte Real.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 17/ago/1755. Cd 05 (pasta 044/001/146), cx. 38, doc. 3621.
Carta de Miguel de Bulhões e Sousa ao rei D. José I.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 18/jun/1757. Cd 05 (pasta 048/001/145), cx. 42, doc. 3877.
Correspondência de Miguel Bulhões e Sousa a Tomé Joaquim da Costa Corte Real.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 06/ago/1759. Cd 05 (pasta 050/003/452), cx. 45, doc. 4105.
Oficio de Manuel Bernardo de Melo e Castro para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 19/abr/1765. Cd 06 (pasta 063/002/347), cx. 58, doc. 5203.
Ofício de Fernando da Costa de Ataíde Teive a Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 10/mar/1769. Cd 07 (pasta 071/001/031), cx. 64, doc. 5527.
Ofício do Provedor da Fazenda Real do Pará Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio para Sebastião
José de Carvalho e Melo.
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 18/nov/1770. Cd 07 (pasta 073/003/545), cx. 66, doc. 5703.
Ofício do Provedor da Fazenda Real do Pará Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio para Sebastião
José de Carvalho e Melo.
193
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919.
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201
ANEXOS
202
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e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação de vários
devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso.
203
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e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das pessoas assistentes
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