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NATHÁLIA MARIA DORADO RODRIGUES

A
COMPANHIA GERAL DE COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO
E OS HOMENS DE NEGÓCIO DE VILA BELA

(1752-1778)

CUIABÁ-MT
DEZEMBRO DE 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
MESTRADO EM HISTÓRIA
HISTÓRIA, TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS

NATHÁLIA MARIA DORADO RODRIGUES

A
COMPANHIA GERAL DE COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO
E OS HOMENS DE NEGÓCIO DE VILA BELA

(1752-1778)

Dissertação apresentada à banca examinadora do


Programa de Pós-Graduação – Mestrado em História,
ICHS, da Universidade Federal de Mato Grosso, para
Defesa de Dissertação de Mestrado, exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre em História, sob a
orientação da Profª. Drª. Leny Caselli Anzai.

CUIABÁ - MT
DEZEMBRO DE 2008
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

D693c Dorado Rodrigues, Nathalia Maria.


A Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e os Homens de
Negócio de Vila Bela (1752-1778) / Nathalia Maria Dorado Rodrigues. -- 2008
203 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientadora: Leny Caselli Anzai.


Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de
Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em História, Cuiabá, 2008.
Inclui bibliografia.

1. comerciantes. 2. companhia de comércio. 3. fronteira. 4. Mato Grosso. 5. século


XVIII. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.


NATHÁLIA MARIA DORADO RODRIGUES

A
COMPANHIA GERAL DE COMÉRCIO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO
E OS HOMENS DE NEGÓCIO DE VILA BELA

(1752-1778)

FOLHA DE APROVAÇÃO

__________________________________________________
Profª. Drª. Leny Caselli Anzai
Universidade Federal de Mato Grosso (Orientadora)

__________________________________________________
Profª. Drª. Nauk Maria de Jesus
Universidade Federal da Grande Dourados (Componente Externo)

__________________________________________________
Prof. Dr. Otávio Canavarros
Universidade Federal de Mato Grosso (Componente Interno)

__________________________________________________
Prof. Dr. Oswaldo Machado Filho
Universidade Federal de Mato Grosso (Suplente)

Cuiabá, 19 de dezembro de 2008.


Ao meu avô Inácio Dorado.
(In Memorian)
AGRADECIMENTOS

A todas as pessoas que me auxiliaram e contribuíram para a realização deste trabalho


dedico meus sinceros agradecimentos. Sendo assim, espero que estas palavras possam
demonstrar ao menos um pouco do quanto tenho carinho e admiração por elas.
Agradeço, primeiramente, a minha orientadora, Profª. Drª. Leny Caselli Anzai por
ter me acolhido como orientanda, pelas sugestões valiosas, pela compreensão, pelo carinho,
pela gentileza e apoio em todos os momentos. Seu auxílio, exemplo e compreensão foram
fundamentais para a elaboração desta dissertação e por isso, espero ter correspondido à
confiança depositada em mim.
Aos membros da banca, Prof. Dr. Otávio Canavarros e Profª. Drª. Nauk Maria de
Jesus agradeço pelas valiosas contribuições, pela avaliação criteriosa e por todas as sugestões
e indicações feitas durante o exame de qualificação que serviram para aprimorar ainda mais
este trabalho. Nesse sentido, espero que possa ter conseguido incorporar essas importantes
contribuições. Agradeço também ao Prof. Dr. Oswaldo Machado Filho pela leitura da
dissertação e por aceitar o convite como membro suplente.
Não poderia deixar de demonstrar minha gratidão à simpática e atenciosa Profª. Drª.
Maria do Carmo Brazil, professora da Universidade Federal da Grande Dourados, pela sua
preciosa sugestão bibliográfica, em especial, por me presentear com a obra de José Ribeiro
Junior ampliando as minhas fontes de análise a respeito da formação e atuação da Companhia
Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba.
Um agradecimento especial gostaria de dedicar ao Prof. MS João Antônio Botelho
Lucídio, que esteve sempre atento aos meus passos acadêmicos desde a graduação e nunca
deixou de contribuir fundamentalmente no percurso da pesquisa e construção da dissertação,
além de oferecer preciosas sugestões para a elaboração deste trabalho.
Sou profundamente grata ao corpo docente do Departamento de História e do
Programa de Pós-Graduação em História, em especial aos professores Fernando Tadeu de
Miranda Borges, João Antônio Botelho Lucídio, Otávio Canavarros, Carlos Alberto Rosa,
Regina Beatriz Guimarães Neto e Leny Caselli Anzai que, em diferentes momentos,
compartilharam comigo e com os demais colegas de mestrado o conhecimento, suas
perspectivas historiográficas e outras questões essenciais para se pensar nosso objeto de
estudo. Deste modo, foram pessoas importantes durante a minha formação acadêmica, e
contribuíram substancialmente para a conclusão desta etapa da minha vida. Agradeço, ainda,
a gentil secretária do Programa de Pós-Graduação em História, Mônica Acendino pela
maneira sempre prestativa e eficiente com que atende a todos.
Sou grata aos funcionários e funcionárias dos arquivos e bibliotecas visitados:
Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDHIR, Casa Barão de
Melgaço e Arquivo Público de Mato Grosso pelo atendimento eficiente prestado. Em
especial à Luzinete e Vanda do Arquivo Público e Jorge da Casa Barão de Melgaço, pela
atenção e dedicação dispensadas.
Aos colegas de mestrado sou grata pela amizade e também pelo agradável convívio,
alguns destes a companhia vem desde a graduação, do tempo do RU e do Neves. Portanto,
agradeço à Masília, Cátia, Gilian, Tiago Kramer, Ana Carolina, Ruy Coelho, Flávia, Vanda
da Silva, Maria Auxiliadora, Maria Arlinda, Carlos, Glauce e Monique por partilharem
comigo um pouco de atenção, momentos agradáveis em longas conversas, planos, sonhos e
também fontes documentais e bibliográficas.
Em relação às fontes sou imensamente grata à Masília e Vanda por disponibilizarem
o acesso à registros documentais importantes sobre o tema aqui estudado. À Masília, amiga
querida desde a graduação agradeço pela companhia, pelas palavras sábias e por toda a
atenção dirigida a mim em todos os momentos em que precisei e, por isso, sempre estará em
meu coração. À Cátia, querida, sempre solícita e pronta a ajudar não poderia deixar de
lembrar de todos os momentos que passamos juntas nessas andanças pelo Brasil
apresentando nossos trabalhos. Sou profundamente grata à sua confiança e amizade. Ao
Tiago e Gilian agradeço pelas discussões frutíferas sobre o período estudado e indicações de
bibliografia bem como pelas agradáveis conversas em momentos de distração.
Agradeço também à Jacilene Natália por estar sempre ao meu lado em todas as
situações boas e ruins e por me motivar a concluir meus projetos pessoais. Parte deste
trabalho eu devo à preocupação que esta querida amiga teve com os meus passos nesta
jornada.
Aos professores Welliton, Wanderson, Maria do Carmo e Elzimar, da Escola Maria
Leite Marcoski, agradeço de coração pela companhia e ajuda em momentos em que os
obstáculos não foram tão fáceis de serem superados. Estas pessoas sempre se
disponibilizaram a me ajudar e por isso, me auxiliaram a solucionar problemas pessoais que
à época eu não conseguiria resolver sozinha. Sem o suporte e incentivo desses queridos
colegas, concluir este trabalho teria sido muito mais difícil.
Desejo agradecer também à minha família, aos meus pais Milton e Célia pelos
ensinamentos de uma vida e aos meus irmãos José Emanuel, Victor e Dione. Ao José
Emanuel agradeço pela paciência enorme em que demonstrou durante o tempo em que estive
elaborando este trabalho, pois sem o seu esforço, carinho e companheirismo que me
auxiliaram a concluir meus outros afazeres meus dias teriam sido bem mais árduos. À minha
irmã Dione agradeço profundamente, pois, mesmo longe, separadas por um oceano, nunca
deixou de se preocupar comigo e me auxiliou em todos os momentos em que precisei de
uma palavra amiga, e, por isso, seremos sempre companheiras onde quer que estejamos.
Finalmente, gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), que com seu apoio institucional viabilizou a realização desta
pesquisa permitindo que, como bolsista eu me dedicasse exclusivamente às atividades
desenvolvidas no mestrado. Agradeço também à Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMT
que com seu apoio financeiro tornou possível a participação de encontros, simpósios e
seminários em outros estados para a apresentação dos resultados desta pesquisa.
RODRIGUES, Nathália Maria Dorado. A Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão e os Homens de Negócio de Vila Bela (1752-1778). 2008. 203f. Dissertação
(Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de
Mato Grosso, Cuiabá.

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo privilegiar a análise das relações de um grupo
mercantil residente em Vila Bela da Santíssima Trindade, que mantinha relações comerciais
com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, com vistas a desvelar seu
modo de atuação e os desdobramentos de suas ações. Deste modo, buscamos também
perceber práticas econômicas e políticas desses negociantes no século XVIII, em Vila Bela
da Santíssima Trindade – Capitania de Mato Grosso, entre os anos 1752 e 1778, e para isso
tentamos traçar algumas trajetórias pessoais, embora apenas na esfera de suas vidas públicas.
Para tratar dessas relações mercantis na Capitania de Mato Grosso procuramos articulá-las
a um quadro maior em que as questões geopolíticas relativas à definição das fronteiras entre
portugueses e espanhóis na América, durante a segunda metade do século XVIII,
influenciaram as ações metropolitanas (comércio, agricultura e povoamento) na efetivação
da posse da capitania. As fontes que subsidiaram a pesquisa constam de documentos
manuscritos e impressos pertencentes ao Arquivo Público de Mato Grosso – APMT, ao
Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR, e ao Arquivo da Casa
Barão de Melgaço – ACBM. Contamos ainda com um vasto conjunto de fontes publicadas
e bibliografia especializada sobre o assunto. Na análise evidenciamos que os principais
homens de negócio de Vila Bela, embora estivessem atrelados aos interesses da Companhia
de Comércio também se dedicavam a outras atividades, como a agricultura e a mineração,
além de ocuparem cargos político-administrativos na Câmara de Vila Bela, o que nos exigiu
compreender também o modo pelo qual articulavam os interesses metropolitanos aos
individuais.

Palavras-chave: Companhia de Comércio; comerciantes; Capitania de Mato Grosso; práticas


econômicas.
RODRIGUES, Nathália Maria Dorado. A Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão e os Homens de Negócio de Vila Bela (1752-1778). 2008. 203f. Dissertação
(Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de
Mato Grosso, Cuiabá.

ABSTRACT

In this dissertation we intended to analyze the relationships of a group of traders


living in Vila Bela da Santíssima Trindade, which maintained trade relations with the
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará (General Company for Trade of the Grão-Pará
and Maranhão), showing their mode of action and their networks of performances. Thus, we
also seek to understand the economic and political practices of traders in the eighteenth
century, in Vila Bela da Santíssima Trindade - Captaincy of Mato Grosso, between the years
1752 and 1778, and so we try to draw some personal trajectories, but only for their public
lives. To address these market relations in the Captaincy of Mato Grosso we articulate them
to seek a larger framework in which the geopolitical issues concerning the definition of the
boundaries between Portuguese and Spanish in America during the second part of the
eighteenth century, influenced the actions of the Metropolis (with regard to trade, agriculture
and the stand) on realization of possession of captaincy. The sources which were used for
this study appear in manuscripts and printed documents belonging to the Arquivo Público
de Mato Grosso (APMT), the Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
(NDIHR), and the Casa Barão de Melgaço (CBM). We count also with a wide range of
sources and published literature on the subject. In our analysis we show that the main men
of business from Vila Bela, but were linked to the interests of the Company for Trade is also
engaged in other activities, such as agriculture and mining, and take political and
administrative positions in the House of Vila Bela, the we understand also demanded the
way in which articulated the interests of individual metros.

Key words: General Company for Trade of the Grão-Pará and Maranhão; traders; Captaincy
of Mato Grosso; economic practices.
Os ideais – ou as ideias – que animavam os portugueses
que saíam voluntariamente de seu país como
descobridores, marujos, soldados, colonizadores,
comerciantes e missionários, entre 1415 e 1825,
percorria naturalmente uma escala que ia do idealismo
mais elevado e desinteressado até a avidez mais sórdida
por ganhos materiais. A maioria, como muitos
imigrantes antes e depois, provavelmente partia apenas
com a esperança de melhorar social e economicamente,
pois acabaria enfrentando a pobreza se simplesmente
ficasse onde estava.

Charles Boxer – O império marítimo português


LISTA DE ABREVIATURAS

ACBM – Arquivo da Casa Barão de Melgaço

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

APMT – Arquivo Público do Estado de Mato Grosso

BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

IHGMT – Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso

MT – Mato Grosso

NDIHR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional

PA – Pará

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 102
Monções e carregações de fazendas que chegaram em Vila Bela no período de 1749
a 1776

Tabela 2 120
Produtos destinados à Capitania por ordem do governo em 1770

Tabela 3 129
Lojas e fábricas existentes na Capitania de Mato Grosso em 1770

Tabela 4 133
Preços de tecidos e outros produtos no ano de 1770

Tabela 5 140
Ofícios mecânicos existentes na Capitania de Mato Grosso em 1770

Tabela 6 143
Preços das ferramentas e utensílios domésticos no ano de 1770

Tabela 7 152
Comerciantes de Vila Bela que se dedicaram a outras atividades entre 1752 e 1808
LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 01 59
Mapa de todo o vasto continente do Brasil ou América Portuguesa com as fronteiras
respectivamente constituídas pelos domínios espanhóis adjacentes em 1778

IMAGEM 02 67
A Capitania de Mato Grosso e as repartições de Cuiabá e Mato Grosso

IMAGEM 03 79
Tipos de Embarcações. Uma ubá, uma igarité e uma jangada e seus acessórios.

IMAGEM 04 82
Parte do Brazil que comprehende a navegação que se faz pelos tres Rios Madeira,
Mamoré e Guaporé, athe Villa Bella, Capital do Governo do Matto Grosso, com
estabelecimentos Portuguezes, e Espanhoes, a elles adjacentes / O Sarg. Mor. Engro.
Ricardo Franco d'Almeida Serra em 1777.

IMAGEM 05 84
A pesca das tartarugas. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 06 84
O fabrico da manteiga de ovos de tartaruga. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira.
BNRJ.

IMAGEM 07 85
Traíra. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 08 85
Jacundá. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 09 85
Matrincham. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 10 87
Bacia do Guaporé – 1772

IMAGEM 11 91
Paca. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 12 91
Cotia. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 13 91
Lebre. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
IMAGEM 14 134
Herreria Salsaparilla. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 15 134
Yandiróba. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 16 138
Theobroma Cacao. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.

IMAGEM 17 138
Baunilha. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ.
SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS 18

CAPÍTULO 1 32
Conexões marítimas: o império português e a emergência econômica do
Atlântico Sul
A ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal 41
As companhias de comércio europeias 43
As companhias de comércio no Império Português 45
A Amazônia e a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão 52

CAPÍTULO 2 60
Os caminhos do sertão: a Capitania de Mato Grosso e as rotas comerciais
77
As Monções do Norte

CAPÍTULO 3 94
Negócios na fronteira Oeste da América Portuguesa
O comércio da Capitania de Mato Grosso com a Companhia do Grão-Pará 94
As mercadorias e os preços 116
Escravos africanos 121
Os tecidos 129
Produtos de botica e outros alimentos finos 133
Armamentos, ferramentas e outros utensílios domésticos 140

CAPÍTULO 4 145
Os homens de negócio de Vila Bela
Trajetórias na governabilidade local: os principais da terra em Vila Bela 154
Uma “vila de negociantes” 171

CONSIDERAÇÕES FINAIS 177

GLOSSÁRIO 181

REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS 188

201
ANEXOS
18

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O objetivo deste estudo é analisar as relações de um grupo mercantil residente em


Vila Bela da Santíssima Trindade, capital da Capitania de Mato Grosso, que mantinha
relações comerciais com Belém e a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará, entre os
anos 1752 e 1778, de modo a evidenciar seu modo de atuação e alguns desdobramentos de
suas ações. Para tanto, elaboramos levantamentos sobre práticas econômicas e políticas
desse grupo, e procuramos traçar algumas trajetórias pessoais, baseadas em documentação
sobre suas vidas públicas.
A escolha do marco inicial 1752, justifica-se pelo fato de ser a data da fundação de
Vila Bela, às margens do rio Guaporé, no mês de março, e também por marcar a abertura
oficial da comunicação fluvial entre as capitanias do Grão-Pará e Mato Grosso, no mês de
novembro. Esta abertura dava-se após dois anos da assinatura do Tratado de Madrid (1750)
entre Portugal e Espanha, e as movimentações aconteciam de ambos os lados, com vistas a
ocupar áreas conquistadas. A abertura da navegação pelos rios Guaporé-Madeira-Mamoré
tornava-se uma alternativa para o abastecimento comercial regular da capitania de Mato
Grosso, como a experiência desde a década de 1740 já havia demonstrado, quando as
primeiras carregações de fazendas chegaram à capitania de Mato Grosso vindas do Pará. O
marco final do estudo 1778, refere-se à extinção oficial da Companhia Geral de Comércio
do Grão-Pará e Maranhão pela Coroa portuguesa, criada em 1755.
Para o desenvolvimento do estudo, elaboramos levantamento historiográfico que
oferecesse subsídio às análises sobre a temática, dentre os quais Caio Prado Junior, Celso
Furtado e Fernando Novais1, que desde 1930 até 1970 buscaram montar quadros explicativos
sobre a sociedade e economia coloniais. Ainda que com divergências teóricas, suas
abordagens tentavam entender a história brasileira como totalidade. Os estudos que
produziram constituíram-se em vertentes da historiografia econômico-social, cujo pano de
fundo eram os “complexos processos gerados pela acelerada urbanização e pelo crescimento
industrial, que remetiam às grandes permanências da nossa história (estruturas agrárias
arcaicas, forte desigualdade de riquezas, etc)”2. Fruto de seu tempo, as discussões sobre

1
PRADO JÚNIOR, 1942; FURTADO, 1970; NOVAIS, 1985.
2
FRAGOSO; FLORENTINO, 1997, p. 40.
19

colonização presentes nestes trabalhos buscavam compreender as possibilidades de


desenvolvimento e mudanças que ocorriam no país questionando seu sentido, suas raízes, a
miscigenação, as bases patrimonialistas do Estado, de modo a ressaltar as tensões geradas e
renovadas pelas estruturas coloniais; enfim, procurava-se compreender o processo, para se
pensar o modo de alcançar a plenitude democrática nacional3.
A abertura de novos eixos temáticos e novas metodologias em história econômica,
sobretudo no que diz respeito à história das sociedades coloniais e dos impérios modernos
(séculos XVI ao XVIII), permitiu que se incorporassem outras propostas de análise, como,
por exemplo, a da micro-história. Paralelamente aos estudos que direcionavam suas
pesquisas às abordagens clássicas da história econômica ou da demografia histórica surgiu
uma gama de trabalhos que exploravam aspectos ligados às mentalidades e ao cotidiano,
como as crenças religiosas, as sexualidades, as heresias sociais, e as formas de viver e sentir.
Nesse contexto, alguns estudos referentes à economia e sociedade coloniais, apoiados na
perspectiva micro-histórica passaram a privilegiar “os circuitos internos de produção e
acumulação, a dimensão e o papel do mercado interno, do comércio local, as possibilidades
de pequenas e médias produções ou de formas protocamponesas” 4, tratando-se de um novo
foco sobre a economia colonial, demonstrando que as “práticas econômicas e políticas
também são práticas culturais orientadoras de representações sociais”5.
De fato, a partir dessa nova perspectiva micro-histórica, as relações sociais
passaram a ser vistas sob diversos ângulos, e as práticas culturais, parentais, econômicas,
políticas, entre outras, tornaram-se inseparáveis, possibilitando, através da composição das
“experiências e estratégias de pessoas e grupos sociais perceber a lógica da sociedade
estudada, não mais petrificada, porém em movimento”6. A partir da escolha do objeto de
estudo e de seus agentes históricos, o próximo passo deveria ser investigá-los em suas
múltiplas relações, o que implicava pesquisas em fontes diversas, que pudessem oferecer
pistas dos diferentes aspectos da vida cultural, política e econômica. Tal técnica, segundo
Fragoso, levava a que o pesquisador se “afogasse em nomes”. Através desse método, foi
possível realizar uma “releitura das hierarquias sociais, na qual os grupos deixavam de serem

3
FERLINI, 2005, p. 09-10.
4
Idem, ibidem, p. 10.
5
SILVA, 2008, p. 29.
6
FRAGOSO, 2002, p. 62.
20

vistos apenas como resultados das relações de produção, para serem portadores de
experiências socioculturais, das quais sairiam estratégias de vida”7.
Contudo, a realização desse tipo de pesquisa esbarra em alguns obstáculos, devido,
em grande medida, às fragilidades dos arquivos, pois, “a falta de corpus documentais que
permitam o rastreamento das pessoas em suas múltiplas relações dificulta a análise das
experiências sociais” e, nesses casos, “temos no máximo uma micro-história feia, tapuia,
diferente da italiana”, e ter claro esses limites pode impedir “decepções e ciladas”8.
Apesar das pesquisas apresentarem nova roupagem, na década de 1990 ainda foram
poucos os trabalhos que procuravam estudar temas referentes ao pequeno comércio e seus
agentes; a mobilidade social dos pardos e forros; os mecanismos de exclusão social, e as
elites e suas estratégias de acumulação (políticas de casamento, negócios, etc.). Diante
dessas análises, a economia rural e a economia urbana ganhavam grande relevância, por
englobar todas as preocupações citadas.
Nesse sentido, José Roberto do Amaral Lapa, em encontro realizado na mesma
década de 1990, observava que os estudos em economia colonial devem preliminarmente se
realizar em termos regionais, uma vez que certas questões referentes ao mercado interno e
ao próprio comércio colonial, ainda permaneciam sem respostas. No artigo “O interior da
estrutura”, Lapa afirmava que o simples fato de haver circulação de produtos naturais,
agrícolas, manufaturados, em circuitos locais regionais e até coloniais, possibilitava
relativizar a “prevalência de uma economia de autoconsumo, fechada ao nível da
comunidade, isolada ou dependente de suporte da grande lavoura de exportação,
latifundiária, monocultora e escravista, voltada somente para o mercado externo” 9. A
proposta de Lapa é a de se elaborar estudos sobre os circuitos comerciais locais, não se
preocupando apenas com o comércio exterior, de modo que pudéssemos tomar
conhecimento, por exemplo, da atuação dos grupos mercantis que se formavam e possuíam
ativa atuação inter-regional, bem como o capital que levantavam, os investimentos que
faziam, o seu grau de organização, o crédito, a formalização e contabilidade dos negócios,
relações com as autoridades coloniais e metropolitanas, o transporte marítimo, fluvial ou
terrestre, o alcance de seu domínio comercial, as relações com produtores e consumidores,
entre outros aspectos.

7
FRAGOSO, 2002, p. 62.
8
Idem, ibidem, p. 63.
9
LAPA, 2002, p. 163.
21

Nos últimos anos, os estudos sobre os impérios coloniais ibéricos e suas respectivas
sociedades, analisados sob novas perspectivas vêm tomando espaço. Para Fragoso, “apesar
de todas as diferenças das sociedades que compunham o império luso, começou-se a
perceber a existência de fenômenos que aproximavam tais paragens”, isto é, outras partes do
império lusitano. Afirma ainda:

Além das distinções óbvias, não há como negar o papel fundamental


exercido pelos comércios ultramarinos na reprodução das sociedades
apreendidas. Basta lembrar que o tráfico atlântico de cativos para a
América tinha como uma de suas moedas de troca, em Angola, os panos
da Índia. Este negócio viabilizava a escravidão brasileira, a reiteração das
sociedades africanas e parte da economia do Estado da Índia, além de gerar
ganhos para o Reino. Assim, tais ligações imperiais permitiram a
manutenção daquelas sociedades com suas respectivas diferenças
estruturais.10

Observa-se, portanto, a presença de laços entre as diferentes partes do Império e,


consequentemente, também as particulares, e ainda as adaptações dos aparatos
administrativos oriundos da metrópole e presentes em todo o império, como, por exemplo,
as Câmaras ultramarinas, que semelhante às da metrópole serviam como locus de negociação
entre a “nobreza da terra” local e os poderes do centro, encontrando-se, por isso, “a existência
de redes políticas que, partindo de Goa ou do Rio de Janeiro chegavam ao paço lisboeta,
sendo base de conflitos e negociações nos rumos do Império”11.
Estudos mais recentes têm contemplado pesquisas que situam as conjunturas do
império colonial português, os poderes e hierarquias locais, a geografia do império e as
conexões imperiais, privilegiando temas relativos à administração portuguesa e às
discussões mais conceituais a respeito do Império Português12. Os arquivos estrangeiros,
como os de Luanda, Goa, Lisboa, Londres, e também Estados Unidos vêm despertando
maior interesse, e os resultados obtidos pelos historiadores apontam para o exame das
instituições e o governo em um contexto Atlântico, estabelecendo comparações no interior
do quadro do Império Português.

10
FRAGOSO, 2002, p. 41-42.
11
Idem, ibidem, p. 42-43.
12
FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001.
22

Um exemplo disto é a publicação “Antigo Regime nos Trópicos”, lançada em 2001,


em que a colônia lusa americana é discutida em um contexto mais amplo, e no qual as
13
pesquisas indicam “uma projeção brasileira na África e no Oriente” . Esta relação é
particularmente visível nos estudos que apresentam um exame minucioso das relações
intercoloniais14, mais precisamente aqueles que se detêm à análise das comunidades de
mercadores e do comércio que envolvia os portos brasileiros e os de Angola, Moçambique,
Goa, e Macau. Nesta perspectiva, o “Brasil-Colônia é tomado enquanto parte constitutiva do
império ultramarino português, sendo esta sociedade colonial marcada por regras
econômicas, políticas e simbólicas de Antigo Regime”15. Portanto, as práticas econômicas,
sociais e políticas, bem como as instituições disseminadas a partir do reino no Brasil e nas
outras partes do império colonial lusitano, embora tenham seu caráter específico, resultaram
na “formação de sociedades reguladas pela economia e pela cultura política do Antigo
Regime português”16. Nessa perspectiva, tornou-se viável o estabelecimento de
comparações e entre histórias distintas.
Os aspectos de caráter teórico e metodológicos referentes aos estudos sobre o período
colonial enfocados em diferentes perspectivas de análise são importantes e contribuem para
o entendimento do processo de ocupação, invasão, conquista e colonização do território por
portugueses, ameríndios e africanos.
Segundo Laura de Mello e Souza, vários trabalhos se empenhavam em demonstrar
as conexões entre África e Brasil, mostrando que não se pode compreender o Brasil como
expressão peculiar dentro do império português, sem antes compará-lo com as outras partes,
inclusive as do Oriente, como no caso de “O trato dos viventes”, de Luís Felipe Alencastro17.
Outros trabalhos propunham ainda comparações da América espanhola com a portuguesa;
entretanto, não se deve perder de vista dois pontos fundamentais: a especificidade dos
diferentes contextos imperiais, e o escravismo que caracterizava a peculiaridade do império
português18. Para Laura Melo, o fato de o Brasil ter tido uma sociedade escravista, pressupõe
que as análises das leis, relações de produção, hierarquia social, conflitualidade e exercício
de poder, só podem ser medidas se relacionadas com o escravismo19. Portanto, a escravidão,

13
FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001, p. 15.
14
Idem, ibidem, p. 29. Ver, especialmente, o artigo de João Fragoso.
15
Idem, p. 21.
16
FRAGOSO; BICALHO e GOUVEA, 2001, p. 23-24.
17
ALENCASTRO, 2001.
18
SOUZA, 2006, p. 42-43.
19
SOUZA, 2006, p. 57.
23

é vista enquanto elemento que articulava as relações sociais naquela formação histórica, de
modo que, o que houve nos trópicos foi uma expressão peculiar da sociedade de Antigo
Regime, que se combinou com

Escravismo, capitalismo comercial, a produção em larga escala de gêneros


coloniais – que nunca excluiu a de outros –, com a existência de uma
condição colonial que, em muitos aspectos e contextos, opunha-se à reinol,
e que, durante o século XVIII, teve ainda de se ver com mecanismos de
controle econômico nem sempre eficaz e efetivo, mas que integravam,
qualificavam e definiam as relações entre um e outro lado do Atlântico: o
exclusivo comercial. 20

Para Souza, as contribuições oriundas de diferentes estudos trouxeram à tona, no


âmbito da administração portuguesa no ultramar, algumas conclusões, como, por exemplo,
a negação de uma “rigidez administrativa” e uma “flexibilidade na interpretação das ordens
ou decretos metropolitanos”21, sugerindo que a eficácia da administração do império deveu-
se a dois eixos que se combinavam: o vertical, que permitia aos colonos serem ouvidos
diretamente pelo centro decisório de poder em Lisboa; e o eixo horizontal, visto no plano
local, que era o que aproximava os colonos dos agentes e governantes metropolitanos. Outras
constatações também ficaram visíveis, como o fato de que “a estrutura administrativa e
organizacional respondia a conjunturas históricas e a necessidades específicas, alterando-se
quando necessário” 22.
Outra questão apontada por Laura Melo se refere à percepção de que, apesar do
império não ser “centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metrópole” atribuir uma
excessiva fragilidade ao poder central é um perigoso caminho a seguir, uma vez que, “ao fim
e ao cabo, tudo se fazia em nome do rei e de Portugal”23. Portanto, para a autora, é
indiscutível a presença do Estado em suas possessões ultramarinas, sendo que o que se deve
desvelar é a expressão e a lógica dessa presença.
Para Vera Ferlini, na nova noção de Império, as conquistas lusas na América, África
e Oriente são vistas como possuidoras de uma dinâmica própria, que se articulavam com o
centro da monarquia em Portugal, e também entre si, conectando-se umas às outras em

20
Idem, ibidem, p. 67.
21
Idem, p. 45-46.
22
Idem, p. 46.
23
Idem, p. 50.
24

diferentes arranjos temporais e espaciais24. Essa nova perspectiva analítica considera que
estudar somente as relações entre metrópole e colônia não são suficientes para dar conta da
multiplicidade das experiências de conquistas e colonização da Época Moderna. Embora se
ressaltem a dimensão plural do Império há uma necessidade de “destacar os elementos que
estruturam as relações entre as partes, afastando a visão de descerebração, de ausência de
25
centralidade” que, segundo Laura Melo e Souza oferece a base do entendimento da
dinâmica do período, e não se corre o risco de despolitizar o processo e deixar de lado a
“identidade dos impérios coloniais modernos, isto é, a exploração e sua vinculação à
acumulação de capitais”, da qual a noção de Antigo Sistema Colonial, desenvolvido por
Fernando Novais 26 é portadora.
Devido a um minucioso exame das evidências empíricas, questões referentes à
sociedade, economia, política e cultura na América Portuguesa, analisadas sob um novo
prisma, permitiram perceber as particularidades e especificidades existentes nesse espaço. A
fuga das análises macroestruturais que cristalizaram a imagem da colônia como um todo
homogêneo, negligenciando, por exemplo, que esta dispunha de duas unidades
administrativas distintas: o Estado do Brasil e o Estado do Grão-Pará e Maranhão ofereceram
maior visibilidade às diversidades políticas, geográficas, econômicas e cronológicas que,
segundo Silvia Hunold Lara, a expressão “Brasil Colonial” desconsiderava27.
Significativamente, as conexões e articulações entre as possessões lusas e a
metrópole não devem ser desconsideradas, principalmente no que toca à especificidade de
cada uma dessas partes. Quando o olhar é focado nas relações econômicas e comerciais,
essas conexões ficam mais evidentes. Entretanto, não se deve tomar essas questões e outros
aspectos admitindo-se uma quase total ausência de centralidade ou uma aparente liberdade
mesmo nas relações comerciais. Podemos observar a presença do Estado português em suas
colônias em todos os âmbitos, inclusive no econômico, seja no fomento da agricultura ou do
comércio, ainda que essa relação não fosse estabelecida apenas pelo rigor, pois algumas
práticas adotadas pelos governadores e capitães-generais vislumbram uma flexibilidade que
tendia à negociação. Nesse sentido, Souza nos diz que:

24
FERLINI, 2005, p. 11.
25
Idem, ibidem.
26
Nessa perspectiva de Antigo Sistema Colonial, a relação dominante é a que se estabelece na diacronia entre
a metrópole e a colônia, tendo por eixo o processo produtivo, base da exploração e acumulação. In: FERLINI,
2005, p. 11.
27
LARA, 2005, p. 24. O artigo de Lara enfoca ainda outras questões a respeito da escravidão africana, inserindo
uma discussão historiográfica recente sobre o tema e também sobre outros temas relevantes em história do
período colonial.
25

A natureza do poder foi vista como eminentemente contraditória, tendendo


ora à centralização, ora à autonomia; pautando-se ora pela violência, ora
pela contemporização. Essa busca oscilante da justa medida foi
constitutiva do processo de construção do poder nos Estados Modernos por
ser imprescindível à preservação e à perpetuação do mando do mundo de
então: no meu entender, os absolutismos procuraram seguir uma prática
política pendular, evitando identificarem-se com um grupo social
específico e combinando o rigor com certa dose de contemporização. As
dimensões do império português, onde grandes distâncias separavam as
diferentes conquistas e o centro decisório do sistema – Lisboa –
imprimiram uma complexidade notável ao poder exercido no seu âmbito.
Até onde se podia apertar sem que a corda arrebentasse? Como temperar o
rigor com a tolerância ou vice-versa, sem pôr em risco o funcionamento do
todo – o mando no império e, em última instância, o próprio Império? 28

A análise das múltiplas relações estabelecidas entre os diversos agentes históricos da


sociedade colonial deve levar em conta essas questões. Ao estudar a formação e reprodução
do meio rural entre 1716 e 1750 na capitania de Mato Grosso, Oliveira percebeu que “uma
análise das articulações entre a formação de espacialidades rurais e realidades que, embora
a priori pareçam exteriores a estas, interiorizam-se nas relações reproduzidas entre homens
e mulheres de diferentes camadas sociais”, constituem-se em elementos fundamentais para
a compreensão do modus operandi da espacialização dos ambientes rurais que se formaram
na Capitania de Mato Grosso. Sem eliminar a existência de “poderes amplos, ao nível
econômico e político que orientam práticas” e, de modo inverso, que a sociedade luso-
americana não pode ser entendida como determinada por processos econômicos e sociais
internos, Oliveira propôs uma análise das articulações, considerando-a mais adequada para
se compreender os processos constitutivos da sociedade colonial que aqui se desenvolveu,
sem níveis hierárquicos de determinação 29.
Ao observar as estratégias dos comerciantes e expansão dos interesses
metropolitanos através da atividade mercantil, Júnia Furtado, ao se referir ao comerciante
em Minas Gerais, para compreender o processo de interiorização da metrópole na colônia,
nos oferece fundamentação para pensar o nosso objeto de estudo:

28
SOUZA, 2006, p. 15.
29
OLIVEIRA, 2008, p. 05.
26

O papel do comerciante que encontrou, na ocupação das Minas, momento


privilegiado para ampliação das suas atividades e ganhos pode ser
compreendido como parte de uma cadeia de poder que se estendia desde o
Reino. O comerciante que para aí se dirigia estabelecia uma série de
vínculos estratégicos que em muito propiciavam a interiorização dos
interesses metropolitanos, mesclando-os com os dos colonos. O controle
do mercado de abastecimento, essencial para sustentar uma população
urbana crescia; a cobrança de impostos sobre a atividade mercantil, como
forma suplementar de arrecadação de metais; e o mecanismo de
endividamento da população local, que ficava nas mãos dos comerciantes,
foram algumas das estratégias de expansão dos interesses metropolitanos
nas Minas, por meio da atividade mercantil. 30

Entre outros estudos de caráter mais específico, e que estão diretamente ligados à
nossa pesquisa, encontram-se aqueles que versam sobre as companhias de comércio, dentre
os quais destacamos Manuel Nunes Dias31, Antônio Carreira32, José Ribeiro Junior33 e David
Michael Davidson34. Destes, apenas José Ribeiro Júnior tem seus estudos voltados
especificamente à companhia de comércio, e refere-se à Companhia Geral de Pernambuco e
Paraíba.
Manuel Nunes Dias privilegia, na primeira parte de seu estudo, as conjunturas
econômicas e o contexto no qual as companhias de comércio de outros impérios coloniais,
como o inglês e o holandês foram criadas, e de como esses empreendimentos serviram de
exemplo para as formulações de Pombal. Dias também tece algumas considerações sobre o
Mercantilismo e o Estado do Grão-Pará e Maranhão, e apresenta quadros e tabelas que
contêm as relações de produtos transportados do Pará para o Reino, com os nomes dos
respectivos navios, a quantidade, os preços e os anos em que esses gêneros foram exportados.
Minucioso também é o estudo de Antônio Carreira, que discorre sobre as
proximidades dos domínios espanhóis, franceses e portugueses, no norte da colônia.
Discorreu sobre as primeiras experiências de companhias de comércio no Maranhão. Os

30
FURTADO, 2006, p. 18.
31
DIAS, 1970.
32
CARREIRA, 1988.
33
RIBEIRO JÚNIOR, 2004.
34
DAVIDSON, 1970. A tradução de trechos desta obra da língua inglesa para a portuguesa utilizada ao longo
desta dissertação é de minha autoria.
27

quadros e tabelas sobre o tráfico de escravos da companhia que Carreira apresenta são
exemplares, e fruto de um trabalho rigoroso; Carreira elencou os quadros de acionistas da
companhia, a natureza dos produtos vindos de regiões africanas, e elaborou análise das
cobranças de dívidas da companhia do Grão-Pará após sua extinção.
Outro estudo fundamental, e que proporcionou reflexões importantes, é o do
historiador norte-americano David Michael Davidson. Sua análise primou pela construção
das relações comerciais existentes entre a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão e a Capitania de Mato Grosso, estabelecendo como eixo norteador de seus estudos
o rio Madeira. Portanto, buscou fazer uma construção da história do rio Madeira e de como
o controle sobre ele e de todo o trajeto que ligava Mato Grosso ao Pará foi alvo de métodos
e mecanismos pelos quais Portugal implementou políticas estratégicas para resguardar e
sustentar seu domínio americano.
Já o estudo de José Ribeiro Júnior trata do monopólio da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba, nos oferecendo possibilidades de estabelecer comparações sobre a
atuação dessa empresa em região distinta da que estudamos, mas que possuía em comum
com as outras o objetivo de “fomentar e desenvolver” a região na qual estava estabelecida.
Para realizar a dissertação contemplamos também uma gama diferenciada de estudos,
dentre os quais teses e dissertações, artigos, fontes documentais impressas e manuscritas,
desde os mais clássicos, como o de José Roberto do Amaral Lapa 35, aos mais recentes. Da
bibliografia específica sobre o Mato Grosso destacamos os estudos de Otávio Canavarros 36,
37 38
Leny Caselli Anzai e Janaína Amado , e Nauk Maria de Jesus , fundamentais para se
estabelecer um diálogo com as nossas fontes e perspectivas.
No clássico estudo de José Roberto do Amaral Lapa, publicado em 1973, o autor se
dedicou a estudar o comércio monçoeiro, tratando especificamente das monções do Norte,
rota comercial que durante a segunda metade do século XVIII foi responsável pela ligação
fluvial entre a Capitania de Mato Grosso e o Estado do Grão-Pará e Maranhão. O estudo de
Lapa é referencial para o nosso trabalho, pois, embasado em rica pesquisa empírica, produziu
importante análise a respeito das relações comerciais entre a Companhia Geral de Comércio
do Grão-Pará e Maranhão e os comerciantes residentes em Vila Bela, capitania de Mato
Grosso. Lapa se dedicou a discutir também os motivos para a abertura da navegação fluvial

35
LAPA, 1973.
36
CANAVARROS, 2004.
37
AMADO & ANZAI, 2006.
38
JESUS, 2006.
28

entre Mato Grosso e Pará em 1752, os obstáculos do trânsito pelos rios Madeira-Mamoré-
Guaporé e a natureza das mercadorias comercializadas na capitania de Mato Grosso.
Já Otávio Canavarros, em “O poder metropolitano em Cuiabá 1727-1752” se dedicou
a estudar o processo de instalação do poder metropolitano em Cuiabá. O autor estudou a
ação política portuguesa no extremo oeste do Brasil na primeira metade do século XVIII,
fazendo uma análise das estratégias utilizadas por essa metrópole na manutenção deste
território. A criação de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, em 1727, e de Vila Bela
da Santíssima Trindade, 1752, fizeram parte da estratégia política portuguesa para assegurar
o território através da posse pela ocupação, uti possidetis. A vila de Cuiabá, na qual se
instalou um aparato político e burocrático nesse período, é vista por Canavarros como uma
base para a conquista e expansão territorial no Vale do Guaporé nos anos posteriores à sua
criação.
A obra de Canavarros é importante para as discussões de nossa dissertação por
apresentar também uma rica análise da expansão para o oeste, no Vale do Guaporé, no qual
aborda com muita propriedade e vasto manancial de fontes as descobertas de novas lavras
auríferas, as rotas comerciais, a configuração territorial e conflitos, a luta aos indígenas e aos
espanhóis, além de fornecer também considerações sobre o Tratado de Madrid, a criação da
Capitania de Mato Grosso e de Vila Bela e as tentativas de demarcações das fronteiras no
século XVIII.
A tese de Nauk Maria de Jesus, intitulada na “Na trama dos conflitos: a administração
na fronteira oeste da América portuguesa (1719-1778)”, propõe uma análise da implantação
da administração na fronteira oeste, considerando os conflitos existentes entre duas vilas na
Capitania de Mato Grosso: Vila Bela da Santíssima Trindade e Vila Real do Senhor Bom
Jesus de Cuiabá. Esta tese é importante para a construção da dissertação por apresentar uma
análise sobre o poder local e o comércio no confronto entre as duas vilas aqui referidas. A
autora explora farta documentação a respeito da formação e constituição da Câmara de Vila
Bela e seus privilégios, as rendas e contratos, a atuação dos seus membros, além de fornecer
análise sobre a criação da capital Vila Bela, as rotas comerciais e atuação dos homens de
negócio, as tensões na fronteira e práticas de contrabando.
Os “Anais de Vila Bela da Santíssima Trindade” de autoria de Leny Caselli Anzai e
Janaína Amado constitui importante fonte impressa para a compreensão da presença lusa na
Capitania de Mato Grosso, pois contempla assuntos diversos a respeito da atuação
metropolitana nessa região. Para o nosso estudo privilegiamos informações referentes ao
29

comércio, comerciantes, atuação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e


Maranhão, dentre outros aspectos que nos auxiliaram a compreender a dinâmica comercial
no setecentos.
Os comerciantes aqui estudados tiveram, de alguma maneira, suas atividades
comerciais ligadas à Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão na segunda
metade do século XVIII. Os inventários post-mortem aliados a outras fontes documentais
constituem registros importantes para traçar o perfil de cada um, mas as dificuldades
advindas dos ainda poucos estudos voltados às trajetórias dos comerciantes da capitania de
Mato Grosso no século XVIII dificultaram a análise. Também se constituiu em obstáculo o
fato de não havermos encontrado inventários desses homens, o que deixa em aberto algumas
questões, como a fortuna média deles, a composição de suas riquezas, o número de escravos
que possuíam, sua naturalidade, a trajetória de seus bens. Traçar o perfil sócio-profissional
desses comerciantes não é tarefa fácil, mas algumas evidências nos permitiram chegar a
algumas conclusões.
Das fontes documentais pesquisadas procuramos oferecer destaque aos registros do
Arquivo Histórico Ultramarino referente à capitania do Pará, e capitania de Mato Grosso.
Os documentos do Arquivo Histórico Ultramarino foram digitalizados e sistematizados em
cds através do Projeto Resgate de Documentação Histórica. Por conta deste projeto estão
também digitalizados documentos do Arquivo Histórico Ultramarino referente às outras
capitanias do Brasil. Os cds que contemplam a documentação do Arquivo Histórico
Ultramarino estão disponíveis para consulta no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso
(APMT). Essa mesma documentação do Arquivo Histórico Ultramarino encontra-se online
também disponível para pesquisa através de acesso à internet e pode ser consultada
livremente por qualquer pesquisador. Os documentos pesquisados e analisados nesta
dissertação referente à Capitania de Mato Grosso foram consultados do sítio do Projeto
Resgate39 e os documentos da Capitania do Pará dos cds localizados no Arquivo Público de
Mato Grosso. A documentação referente ao Pará merece uma dedicação especial, por
oferecer elementos que propiciam o desenvolvimento de novas pesquisas, suscitando outras

39
Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 30/nov/2008. Neste site
estão disponibilizados para a consulta documentos das seguintes capitanias: Alagoas, Amazonas-Rio Negro,
Bahia, Ceará, Colônia de Sacramento e Rio da Prata, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo-
Avulsos, Sergipe e da Secretaria do Conselho Ultramarino. Na base de dados os manuscritos digitalizados
podem ser localizados em simples pesquisa ao digitar as informações a respeito do documento que deseja
encontrar: o nome da capitania, a localidade, a data, a ementa ou trecho de transcrição do documento.
30

questões, e também novos objetos de análise. Nesse sentido, observamos que as


comunicações entre as autoridades metropolitanas do Pará e as de Mato Grosso foram
correntes durante a segunda metade do século XVIII; a história de Mato Grosso colonial
esteve atrelada também à história do Grão-Pará e Maranhão. Se a extensa fronteira dividia
os domínios hispânicos dos domínios portugueses, por outro lado, integrava o Estado do
Brasil ao Estado do Grão-Pará e Maranhão.
Como importantes fontes documentais impressas destacamos os “Anais de Vila
Bela da Santíssima Trindade”, e os “Anais do Cuiabá”. Nos dois anais, publicados
recentemente estão registrados os acontecimentos de maior relevância nas duas vilas e seus
termos. Rico em informações, neles estão presentes nomes, datas, eventos e demais
informações referentes à economia, às negociações na fronteira, constituindo também
importante fonte para os estudos empenhados em identificar uma vida urbana e cultural das
vilas, já que os Anais contemplam também festas e banquetes. Esses documentos históricos
destacam a atuação de portugueses, espanhóis, índios, negros e seus descendentes nas
repartições de Mato Grosso e Cuiabá ao longo do setecentos.
As fontes manuscritas foram abundantes e ricas, e constaram de ofícios,
correspondências, petições, requerimentos, balanços de receita e despesa, localizadas no
Arquivo Público de Mato Grosso - APMT, no Acervo da Casa Barão de Melgaço - ACBM,
e no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR.
Os resultados da pesquisa estão distribuídos em quatro capítulos.
No capítulo 1, intitulado “Conexões marítimas: a emergência econômica do
Atlântico Sul” buscamos situar o contexto a partir do qual o Atlântico Sul tornou-se o
principal foco de interesse da Coroa portuguesa, destacando a política econômica de
Sebastião de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, para as colônias, através da criação
das companhias monopolistas de comércio, que atuaram em várias partes do império colonial
lusitano, com enfoque especial na Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
No capítulo 2, denominado “Os caminhos do sertão: a Capitania de Mato Grosso e
as rotas comerciais”, nosso objetivo foi traçar os caminhos fluviais e terrestres que levavam
à capitania no século XVIII. Neste capítulo tratamos, sobretudo, das monções do Norte, das
rotas comerciais, da abertura da navegação, das dificuldades do trânsito, da transposição dos
obstáculos, e dos recursos alimentares disponíveis no longo caminho fronteiriço percorrido
pelas monções do norte. Focalizamos, neste capítulo, relações comerciais entre portugueses
e espanhóis na fronteira.
31

No capítulo 3, denominado “Negócios na fronteira oeste da América Portuguesa”


focalizamos as relações comerciais estabelecidas entre a Companhia do Grão-Pará e
Maranhão e a Capitania de Mato Grosso. A companhia de comércio, em Mato Grosso atuou
no abastecimento para a capitania e seu distrito, e no auxílio financeiro para diversas
despesas da capitania; esta flexibilidade era necessária para justificar sua própria existência,
e além de servir para concretizar outros objetivos externos de Pombal, também permitiu
frequência e regularidade da navegação pelos rios Guaporé-Madeira-Mamoré, que ligavam
os sertões de Mato Grosso ao porto marítimo de Belém. Contudo, mais do que apresentar
uma história da companhia, já escrita em excelentes trabalhos, como o de Manuel Nunes
Dias e Antônio Carreira, interessa-nos perceber os interesses envolvidos na manutenção
desse projeto, interesses tanto particulares quanto públicos. Ainda neste capítulo tratamos
dos preços das mercadorias e produtos comercializados em Vila Bela da Santíssima
Trindade.
No capítulo 4, intitulado “Os homens de negócio de Vila Bela” optamos por tratar
apenas dos negociantes residentes em Vila Bela que mantinham negócios com a Companhia,
isto é, aqueles que estavam ligados à carreira do Pará. Elaboramos um percurso inicial dos
comerciantes no século XVIII, no Reino e em outras partes do império português, até chegar
aos comerciantes da vila capital e suas trajetórias, sua atuação na governabilidade local,
destacando os setores nos quais esses comerciantes aplicavam seus capitais. Buscamos
também montar um quadro, por meio do qual pudéssemos registrar aspectos ligados à vida
pública destes homens, e que nos permitiu seguir a trajetória política e social deles,
demonstrando como gradativamente foram se tornando os principais da terra em Vila Bela,
e ocupando lugar nas Câmaras de vereadores ou exercendo outras funções administrativas.
Nas “Considerações finais”, retomamos as análises parciais de cada um dos
capítulos, destacando os resultados produzidos por meio de análise das fontes utilizadas.
Com isso, esperamos poder contribuir com os estudos que se desenvolvem sobre o comércio
colonial na Capitania de Mato Grosso, apresentando dados ainda pouco discutidos que, ao
se juntarem a outros, podem oferecer contribuição aos estudos sobre história da fronteira
oeste do império luso na América.
32

Capítulo 1

Conexões marítimas. O império português e a emergência


econômica do Atlântico Sul

As viagens de descobrimento realizadas pelos portugueses no Quatrocentos


desencadearam um processo de expansão ultramarina, cujo marco inicial foi a “Tomada de
Ceuta”. À época, portugueses e espanhóis se aventuraram pela África e pelo distante Oriente,
promovendo uma “ligação marítima regular e duradoura entre os quatro grandes
continentes”40. Impulsionados pela cruzada contra os muçulmanos, pela busca de ouro e
também de especiarias orientais, reis, príncipes, nobres e comerciantes se aliaram
financiando as viagens marítimas do século XV. Inaugurava-se a “Era dos descobrimentos”,
mais conhecida como a época das “Grandes navegações”.
Portugal estendeu seus domínios além-mar, e construíram as primeiras feitorias e
postos comerciais, já que os “navios dos argonautas portugueses necessitavam de bases, pois
ansiavam por terra, e a expansão portuguesa avançava marcando no espaço as bases e as
fortalezas”41. Deste modo, tiveram início conquistas de novos territórios na África, e a
princípio, o comércio de escravos, tecidos, ouro e marfim ajudaram a financiar as viagens
ao longo da costa africana. O estabelecimento de feitorias serviu para controlar esse
comércio, como Arguim, a primeira das feitorias, que serviu de exemplo para muitas outras
durante o domínio português. Sob o mestrado do infante Dom Henrique, as viagens pelo
Atlântico em direção à África se intensificavam, sendo o infante, para Boxer “o
concessionário de todo o comércio ao longo da costa ocidental africana”42. Ainda sob o
mestrado de D. Henrique foram descobertas as ilhas da Madeira, dos Açores, e Cabo Verde.
Nos governos que se seguiram, concederam-se direitos de importação de escravos e
marfim a alguns poucos indivíduos mais favorecidos, mantendo para a Coroa o monopólio
do ouro. Entre 1450 e 1500, estima-se que do continente africano foram retirados cerca de
150 mil escravos43. Referente às navegações, os feitos mais importantes foram os realizados

40
BOXER, 2002, p. 33.
41
COELHO, In: TENGARRINHA, 2001, p. 93.
42
BOXER, 2002, p. 45.
43
BOXER, 2002, p. 47.
33

por Bartolomeu Dias (1488), e Vasco da Gama (1497), que culminaram na abertura do
caminho marítimo para as Índias.
No século XVI, os portugueses se fixaram em regiões do Oriente dando início às
navegações regulares pelo Índico e ao lucrativo comércio de especiarias, e entre 1510 e 1515,
já haviam conquistado as ilhas de Goa, Ormuz e Malaca assegurando o controle das
principais rotas comerciais de especiarias no Índico. Simultaneamente às conquistas no
Oriente, a viagem de Pedro Álvares Cabral em direção à Índia culminou com sua chegada à
América, em 1500, integrando as terras americanas ao império português. Em 1514 D.
Manuel enviou a Roma um cortejo com exemplares de espécimes animais e vegetais, sedas,
além de especiarias, como pimenta malagueta, cravo, canela, gengibre e ouro, em
demonstração de luxo e riqueza “apresentando-se ao mundo como o monarca de um império
internacional que se estendia do Oriente à América”44.
Para Boxer, a característica mais espantosa do império marítimo português que se
estabeleceu em meados do século XVI, foi sua extrema dispersão:

No oriente, estava representado por uma cadeia de fortes e feitorias que se


estendiam de Sofala e Ormuz, na margem ocidental da Ásia das monções,
às Molucas e Macau (em 1557), na costa do Pacífico. Estendia-se
igualmente no outro lado do mundo, possuindo praças-fortes no Marrocos
(Ceuta, Tânger, Mazagão), algumas feitorias e diversos fortes entre Cabo
Verde e Luanda (em 1575) na costa ocidental africana, as ilhas do Golfo
da Guiné e alguns assentamentos militares ao longo do litoral brasileiro.45

Dentre os produtos encontrados nas regiões deste vasto império estavam o ouro da
Guiné; o açúcar da Madeira, de São Tomé e do Brasil; a pimenta da Indonésia; a noz-
moscada de Banda; o cravo de Termate, Tidore e Amboíno; a canela do Ceilão; o ouro, as
sedas e porcelanas da China; a prata do Japão; os cavalos da Pérsia e da Arábia; os têxteis
de algodão de Guzerate e Coromandel46.
No entanto, essa expansão mercantil não conduzia necessariamente ao reforço do
poder monárquico, e a uma obediência ao rei, por parte dos comerciantes e colonos, e a
presença de portugueses em um território não assegurava a exploração econômica deste, uma

44
AMADO & FIGUEIREDO, 2001, p. 05.
45
BOXER, 2002, p. 66.
46
Idem, ibidem.
34

vez que “o excedente ultramarino escapava à Metrópole, quando caía em circuitos avessos
à malha portuguesa”47. Desse modo, a Coroa lusa teve que enfrentar problemas distintos nas
regiões que conquistou: em Angola, o colonato e os jesuítas; no Índico, os árabes; em Goa,
as diferenças entre grupos de negociantes; em Moçambique, os colonos feudatários se
africanizaram ou se “cafrealizaram”, e passaram a controlar os circuitos regionais de
comércio48; no Brasil, a atuação de comerciantes, aventureiros e piratas de outros países, que
buscavam obter lucros através do comércio de pau-brasil.
Para lidar com estas questões, a Coroa portuguesa lançou mão de estratégias
governativas diferenciadas ao longo dos séculos de ocupação das regiões conquistadas, de
modo que pudesse assegurar seus interesses e seu domínio. Com a mudança de uma
economia de coleta, baseada no trabalho escravo indígena, para uma economia de produção,
fundada nos engenhos de açúcar e assentada pelo trabalho escravo africano49, a colônia
portuguesa americana passou a se integrar às redes internacionais de comércio, rendendo
lucros à metrópole,

... participando ativamente de uma florescente economia atlântica, que unia


três continentes - América, África e Europa -, movimentava fortunas e
envolvia constante troca de produtos e pessoas, e portanto também de
idéias, hábitos, valores, crenças e doenças. Essa economia atlântica
relacionava-se à do Índico, seja porque muitos países europeus possuíam
conquistas e colônias no leste da África e na Ásia, e/ou comerciavam com
essas regiões, seja porque, sendo o comércio entre a Ásia e a África oriental
florescente desde pelo menos o período medieval, muitas mercadorias
asiáticas transportadas até a costa leste africana atingiam, a partir do século
XVI, o Atlântico.50

47
ALENCASTRO, 2000, p. 19.
48
Idem, ibidem, p. 13-19.
49
Idem, p. 20. Mesmo com a introdução de mão-de-obra escrava africana na América portuguesa o trabalho
indígena não deixou de ser utilizado, sendo a mão-de-obra dos ameríndios muito procurada. Desde o fim do
sistema de capitanias e a implantação do Governo Geral em 1549, que a política empreendida em relação aos
ameríndios tinha por objetivo ensinar-lhes a língua portuguesa, doutriná-los segundo a fé católica e empreender
“guerras justas”, caso fosse necessário para transformá-los em mão-de-obra qualificada. A política da coroa
portuguesa em relação aos ameríndios só mudaria drasticamente com o estabelecimento do Diretório dos
Índios, em meados do século XVIII. Sobre o trabalho indígena na capitania de Mato Grosso ver também:
BLAU, 2007, p. 24.
50
AMADO & FIGUEIREDO, 2001, p. 27.
35

Deste processo de expansão resultou um Atlântico dinâmico e multicultural,


vislumbrado como um todo físico, geográfico e simbólico, com redes de sentido e conexão
intercontinentais e intra-oceânicas, cujo espaço mundial era resultante do contato da cultura
portuguesa com diversas outras culturas, mas um espaço politicamente (e também
militarmente) incorporado à metrópole lusitana51.
Um aspecto particular na experiência portuguesa é que, ao contrário da tradição de
formação de impérios em territórios terrestres e contínuos, foi criado outro tipo, no qual o
oceano não se apresentava como obstáculo, mas como ponto de união entre os diversos
pontos de terra firme, criando-se uma concepção portuguesa de império, de organização
política do espaço52. Nesse processo, descobriram-se novos mares, confrontaram-se culturas,
evangelizou-se com mão armada e também com martírio, trocaram-se riquezas, idéias,
técnicas, vocábulos, cerimônias, animais, plantas, e muito mais53.
Desde inícios do século XVI, que Portugal procurou métodos adequados para
administrar o território luso-americano, como o sistema de capitanias hereditárias, bem
sucedido nas ilhas da Madeira e na de Cabo Verde, que vigorou sob formas diversas. Quinze
faixas de terra, no sentido leste-oeste, entre o Atlântico e o Meridiano de Tordesilhas foram
doadas, entre 1534 e 1536 a “donatários”, cujo compromisso era administrá-las e fazê-las
desenvolver com seus próprios recursos, e embora tivesse amplos poderes sobre sua
capitania, o donatário não era seu proprietário54. Em quase todas as faixas de terra o sistema
fracassou.
Com o advento da União Ibérica, por questões dinásticas, Felipe II da Espanha
tornou-se rei também de Portugal, embora houvesse autonomia dos portugueses no plano
administrativo, jurídico e cultural, principalmente em relação às suas possessões
ultramarinas resguardando, no caso com o Brasil, principalmente a política do “exclusivo
colonial”. No entanto, no plano da política internacional, os inimigos da Espanha, como
Holanda, França e Inglaterra, passaram a atacar também as possessões portuguesas, o que
tornava premente, da parte dos portugueses, a defesa de sua colônia americana.
O povoamento e colonização por meio da iniciativa particular mostrava-se inviável,
e buscando por medidas administrativas que pudessem minorar o problema, e criou-se, em

51
FERREIRA, 2002, p. 10.
52
Idem, ibidem, p. 16-21.
53
COELHO, 2001, p. 88.
54
No século XVIII, durante o reinado de D. José I (1750 - 1777) e administração de Pombal, a hereditariedade
foi extinta, mas não a denominação “capitania”.
36

1572, o Governo Geral, para coordenar o processo de colonização, e fortalecer as capitanias,


cuja sede se alternou entre Salvador e Rio de Janeiro até 1578.
Como isso ainda não era suficiente para o desenvolvimento econômico e defesa do
território no norte da colônia, em 1621 foram criados o “Estado do Brasil”, com sede em
Salvador, e o “Estado do Maranhão”, com sede em São Luís. Na prática, portanto, duas
colônias, com governadores independentes, cada um obedecendo diretamente à metrópole.
A criação do “Estado do Maranhão” 55 consolidou a presença portuguesa no norte da colônia,
a partir da expulsão dos franceses, e compreendia a capitania do Maranhão, capitania do
Pará, capitania do Piauí, e capitania do Ceará, e seu primeiro governador foi Francisco de
Albuquerque Coelho de Carvalho, nomeado em 1623. Das capitanias que o compunham,
duas eram as mais importantes: a do Maranhão, e a do Pará.
A criação do Estado do Maranhão, e sua divisão em capitanias, ocorreu pela
necessidade de se obter o domínio da região, melhorando sua defesa e estimulando as
atividades econômicas. Administrativamente o “Estado” possuía ligação direta com o Reino,
e um regimento especial determinava normas de administração e de trabalho, comutava
penalidades por parte do poder público, e estabelecia diretrizes para a conquista e ocupação
da terra, regulando a vida dos primeiros colonizadores56. No entanto, foram constantes os
conflitos políticos, por conta de divergências entre os interesses públicos e os privados, e as
ordens que emanavam do Reino nem sempre eram acatadas. Para Carvalho Junior, “os
governadores exerciam muitas vezes um poder absoluto”, e as câmaras das duas principais
capitanias possuíam um poder que muitas vezes “suplantava a dos representantes da corte”
57

Uma vez consolidada a presença portuguesa na região iniciaram-se as primeiras


explorações da bacia amazônica, e a expedição de Pedro Teixeira, em 1637, assinalou as
“intenções expansionistas do governador do Estado do Maranhão e dos colonos do Pará
procurando garantir a posse da maior parte do curso do Amazonas para a Coroa de Portugal”
58
. Havia também outros interesses em questão, como a exploração da mão-de-obra indígena,
das drogas do sertão e, sobretudo, a busca de um acesso pelo Amazonas às minas de prata
do Peru.

55
Espacialmente, o Estado do Maranhão compreendia os atuais estados do Piauí, Ceará, Maranhão, Pará,
Amapá, e grande parte do Amazonas.
56
REZENDE, 2006, p. 62.
57
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 76.
58
ALMEIDA, 2001, p. 34.
37

A região norte da colônia era ainda pouco conhecida, tanto de espanhóis como de
portugueses59, o que dificultava a definição dos limites, e no processo de ocupação de
territórios, as práticas de ocupação portuguesa, fruto de séculos de experiência colonial,
articulava a fundação de núcleos populacionais, vilas, missões e aldeamentos com fortes,
fortalezas e feitorias, equipamentos de povoamento e de defesa60. Embora não contassem
com uma representação cartográfica rigorosa, na primeira metade do século XVIII os
portugueses exploraram e demarcaram territórios, em processo que envolveu expedições de
reconhecimento – como as de Francisco de Melo Palheta ao rio Madeira, e a de Belchior
Mendes Morais, ao rio Napo – , e lutas contra nações europeias e alianças com grupos
indígenas da região61.
Um ponto importante nesse processo de ocupação foi a fundação de missões
jesuíticas na Amazônia, que se tornaram “marcos da presença portuguesa e viriam a justificar
a expansão dos limites coloniais para muito além de Tordesilhas” 62. Enfatize-se que no lado
espanhol o movimento era correlato, pois interessava tanto à Coroa portuguesa quanto à
espanhola o controle da bacia amazônica. A observação feita pelo jesuíta Simão de
Vasconcelos, em 1654, de que os rios Amazonas e o Prata “fechavam a terra do Brasil”,
demarcando os limites de Castela e de Portugal, é significativa para se compreender os
esforços lusitanos para empreender uma política de ocupação territorial lusa satisfatória.
Em relação à exploração mercantil, a floresta oferecia diversas possibilidades. Ao
longo das margens dos rios havia abundância de raízes aromáticas e frutas bastante cobiçadas
na Europa, além das conhecidas “drogas do sertão”, como o cravo, a canela, a baunilha, a
salsaparrilha, o breu, as resinas, as sementes oleaginosas, a quina, e o cacau, entre outros.
Além do mais, havia produção de cana-de-açúcar introduzida primeiramente pelos
holandeses, madeiras e tabaco, cuja possibilidade de exploração era patente, o arroz silvestre
crescia abundantemente, criava-se gado, e o algodão, nos primeiros tempos de ocupação,
chegou a tomar o lugar de moedas nas trocas comerciais.
Durante a União Ibérica (1580-1640), Portugal sofreu graves prejuízos financeiros,
advindos das invasões de inimigos da Espanha em suas colônias na Ásia e na África. A
América, após o controle efetivo do território, e após a Restauração passou a ser vista como

59
A ocupação sistemática do espaço amazônico pelos portugueses só ocorreu a partir do século XVII. Enfatize-
se que o interior do território amazônico como atualmente conhecemos era completamente desconhecido pelos
portugueses.
60
FERREIRA, 2002, p. 59.
61
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 41.
62
REZENDE, 2006, p. 111.
38

importante fonte de lucro para a metrópole. Passou a haver uma reorientação da economia
portuguesa, que deslocou seu eixo, até então predominantemente oriental, para o “Atlântico
Sul”63, posição reafirmada pela expulsão dos holandeses de sua colônia americana. A
diplomacia portuguesa fez acordos comerciais e alianças políticas64, que lhe permitiram
manter a integridade territorial das colônias ultramarinas, sobretudo dos domínios da
América, conseguindo reorganizar o espaço de sua ação política e econômica, superando
uma fase particularmente difícil, mantendo a independência e preservando a maior e melhor
porção de seus domínios ultramarinos65.
Embora por conta dessas concessões e das disputas políticas entre as nações
hegemônicas, Portugal tenha perdido territórios no Oriente, mesmo assim conseguiu manter
ao longo do século XVIII um de seus principais entrepostos comerciais: Goa. E não somente
Goa, mas também Macau, Moçambique, Diu, Damão, Quelimane e Sofala não perderam seu
papel ─ ainda que bastante diminuído ─, de entrepostos do comércio oceânico66. Segundo
Boxer, as sólidas fortalezas de Moçambique e Macau foram erguidas entre 1600 e 1750, e
não nos dias prósperos do século XVI. Deste modo, ao adentrar o século XVIII, o ouro e o
marfim da África Oriental continuaram a chegar a Goa, e os navios da Carreira da Índia
viajavam sempre carregados cruzando o Atlântico, de onde mantinham sólidas relações
comerciais com a Bahia de Todos os Santos67.

63
NOVAIS, 1985, p. 19. Sobre a expressão “Atlântico Sul”, ver ALENCASTRO, 2000.
64
Os privilégios comerciais cedidos pelos portugueses no século XVII estão explicitados nos Tratados de 1642
e 1654, ambos firmados com a Inglaterra. No tratado de 1642 foram concedidas amplas regalias aos
comerciantes ingleses, inclusive no campo religioso. Concedeu-se à Inglaterra, no que tange às possessões
ultramarinas, a condição de nação mais favorecida, com o que os mercadores ingleses passavam a ter acesso
ao comércio colonial português, pois igual concessão já se tinha feito à Holanda. Neste tratado imposto por
Cromwell, permitiu-se aos ingleses negociarem, por conta própria, de Portugal para o Brasil e vice-versa
(exceção feita ao azeite, vinho, farinha, bacalhau e pau-brasil, produtos que eram comercializados
exclusivamente pela Companhia de Comércio do Brasil). O Tratado de 1654 pode ser considerado como a
“Magna Carta” dos ingleses em Portugal. Com o casamento de Catarina, filha de D. João IV, com Carlos II,
foram dados como dote a praça de Tanger, a ilha de Bombaim e mais dois milhões de cruzados. O alcance de
tais concessões permitiu uma transição de quase monopólio da exploração colonial pelos países ibéricos para
um quadro de intensa concorrência na utilização econômica do ultramar. A instalação das economias
competitivas, sobretudo nas Antilhas, a partir da segunda metade do século XVII, veio deprimir a economia
portuguesa. Com extrema habilidade, o governo português procurou contornar os tratados, procurando
dificultar para finalmente impedir o comércio direto de estrangeiros com as suas colônias. Daí compreende-se
que a diplomacia portuguesa tenha se orientado no sentido de manter a neutralidade nos conflitos europeus e
preservar os domínios que sobreviviam a este quadro complicado. In: NOVAIS, 1985, p. 22-24.
65
NOVAIS, 1985, p. 19.
66
SILVA, 2006, p. 18.
67
BOXER, 2002, p. 162. [Os panos asiáticos, também conhecidos como “fazendas de negro” eram
provenientes das possessões portuguesas de Goa, Diu e Damão, e as naus da Índia, faziam escala no Brasil
desde o século XVI. Estas fazendas faziam parte das principais mercadorias utilizadas na compra de escravos
nos sertões de Angola, no século XVIII. O comércio gerado pelas naus da Índia transformou Salvador num
centro distribuidor de mercadorias asiáticas para todo o Atlântico Sul, e a demanda elevada fizeram nascer um
contrabando de fazendas asiáticas atraindo navios franceses e ingleses, que navegavam da Ásia diretamente
39

Durante o reinado de D. João V (1707-1750), deu-se a assinatura dos Tratados de


Utrecht (1713-1715), que conferia a Portugal soberania sobre as terras amazônicas, e a
restituição da Colônia de Sacramento. Desse modo, o rei dirigiu suas atenções para a colônia
americana, para onde enviou imigrantes, e ampliou os quadros administrativos, militares e
técnicos, além de reformar os impostos, governando com o objetivo de assegurar os
territórios portugueses na América, sobre os quais pairava o temor da ameaça externa, em
decorrência da impossibilidade de manter uma política externa neutra68. Portanto, o século
começava crítico, tanto na metrópole quanto em seus domínios ultramarinos69.
Em relação ao comércio, D. João V tentou estabelecer medidas para reprimir os
abusos dos comerciantes estrangeiros, que desde o reinado de D. João IV gozavam de uma
legislação liberal que favorecia suas atividades mercantis, lesando os comerciantes
portugueses. Em 1711, o monarca baixou ordens ao vice-rei e governadores das capitanias
do Brasil estabelecendo que os barcos estrangeiros só tivessem aceitação no Brasil se fossem
com as frotas de Portugal. Em 1718, o Duque de Cadaval e Antônio Rodrigues da Costa
debatiam no Conselho Ultramarino a proporção que tomava o comércio praticado pelos
estrangeiros. Dentre as pautas a serem discutidas constava uma petição de proprietários de
navios que fizeram o tráfico para o Maranhão. As denúncias feitas pelo Conselho
Ultramarino foram várias, como, por exemplo, a de que no Maranhão os estrangeiros
estavam açambarcando os negócios. Denúncias corriam como a de que “ultimamente tem
passado ao Brasil várias casas de homens de negócios ingleses, franceses, holandeses,
italianos e de outras nações, os quais estabeleciam correspondência com Lisboa e o Norte”70.
Segundo Reis, “de quatro partes que se exportava para o Brasil, três eram estrangeiras ou
mercadorias enviadas por mercadores estrangeiros”71. Essas medidas tomadas por D. João

para a Bahia. Lisboa perdia três vezes com essa situação: a primeira, era a quantidade diminuta das “fazendas
de negro” que chegavam à metrópole, sendo quase nulas as possibilidades dos negociantes lisboetas
participarem do tráfico de Angola, que nessa época era hegemonia dos negociantes brasileiros; a segunda,
acontecia porque a cidade perdia preeminência como centro distribuidor de “fazendas de negro” para outros
países europeus, que negociavam com escravos na África; e a terceira, era porque o comércio bilateral entre
Brasil e Índia acabava saturando o primeiro com mercadorias asiáticas vendidas a preços baixos, levando a
Coroa a tomar medidas para conter os prejuízos. Cf. FERREIRA, 2001, p. 353-359].
68
SOUZA, 2006, p. 81.
69
O comércio de especiarias orientais, produção colonial e tráfico negreiro, foram objeto de competição por
parte dos ingleses, franceses e holandeses além dos precursores ibéricos. O sistema de alianças que vigorava
no período se dividia entre aqueles que apoiavam a França ou os que apoiavam a Inglaterra. Essa concorrência
colonial, que se acentuou no decorrer da segunda metade do século XVII, engendrou tensões. No princípio do
século XVIII, essas tensões culminaram num confronto global entre as potências. Entre 1701 e 1713 ocorreu a
Guerra da Sucessão pelo trono espanhol, envolvendo as maiores potências da época naquilo que foi apenas
uma questão dinástica. Cf. NOVAIS, 1985, p. 39-40.
70
REIS, 1997, p. 312-315.
71
Idem, ibidem, p. 315.
40

V atenuaram os prejuízos, mas não foram suficientes para impedir o comércio clandestino
no Brasil.
D. João V realizou investimentos na cartografia científica de algumas regiões do
Brasil72, e durante seu governo foram contratados os padres jesuítas e matemáticos João
Baptista Carbone, sucedido por Diogo Soares e Domingos Capassi, que trabalharam a
serviço da corte portuguesa por quase duas décadas. O Conselho Ultramarino ressaltava a
necessidade de se possuir mapas detalhados do território brasileiro, de modo que se pudesse
resolver as confusões dos limites dos governos e bispados, e também separar os domínios de
Castela pelo sertão, pois nos anos iniciais do século XVIII, já estava em curso a expansão
pelo interior do Brasil. Muitos colonos saíam em busca de escravos indígenas e riquezas,
ultrapassando os limites entre Portugal e Espanha estabelecidos pelo Tratado de
Tordesilhas73.
O estabelecimento da Colônia de Sacramento em 1680, a conquista dos sertões de
Mato Grosso, Cuiabá e Goiás, fruto de um processo de expansão territorial portuguesa na
América ocorreram em paralelo às missões dos padres matemáticos. Até o trabalho desses
padres,

... a única região onde era possível identificar a existência de uma larga
faixa fronteiriça entre domínios espanhóis e portugueses era a região
amazônica, de um lado, a partir do Peru estavam as missões espanholas e,
de outro, a partir de Belém, os colonos portugueses, mesmo na ausência de
limites reconhecidos por ambas as partes.74

Com as descobertas de ouro nos finais do século XVII e nos anos iniciais do século
XVIII, e a migração para o interior da colônia, as questões relativas às fronteiras luso-
espanholas exigiam definições, e portugueses e espanhóis tiveram longos embates sobre esta
questão, principalmente quando estavam envolvidos metais preciosos e mão-de-obra
indígena. A descoberta de minas de ouro em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso mostraram
à metrópole a necessidade de políticas mais efetivas de ocupação do interior da colônia, que
vieram com a ascensão de D. José I, cujo governo foi marcado pelo trágico terremoto de

72
BOXER, 2002, p. 173-175.
73
ALMEIDA, 2001, p. 79.
74
Idem, ibidem, 2001, p. 147.
41

Lisboa, ocorrido em 1755, e também pela atuação de Sebastião José de Carvalho e Melo,
futuro Marquês de Pombal.

A ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal

Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal foi nomeado por D. José
I, Secretário do Estado da Guerra e dos Assuntos Estrangeiros, mas foi o acontecimento do
terremoto na cidade de Lisboa75, em 1755, que acelerou sua ascensão, pois recebeu
autoridade do monarca para dirigir os negócios de Portugal e reconstruir Lisboa; este
acontecimento foi decisivo para que assumisse o cargo de Ministro de Negócios do Reino, e
implementasse medidas que contribuíram para a reestruturação política e econômica de
Portugal.
Carvalho e Melo absorveu os mais clássicos textos mercantilistas, e concluiu que as
nações da Europa se engrandeceram pela imitação recíproca, cada uma vigiando as ações
das outras. Pombal foi um observador atento dos problemas enfrentados por Portugal, e se
ocupava em revelar as vantagens comerciais da Inglaterra obtidas através dos tratados
assinados com seu país, o que provocava aborrecimentos entre os ingleses. Outros
contemporâneos do marquês, como o ilustrado D. Luís da Cunha, autor de uma análise
abrangente das fraquezas de Portugal, também propunha meios para remediá-las. Assim,
segundo Maxwell, estava no centro dessas discussões, o “problema de conservar e explorar
os bens ultramarinos que Portugal controlava na Ásia, África e América, e desenvolver um
mecanismo para concorrer com a dominação econômica britânica sem enfraquecer a aliança
política e militar necessária para conter a Espanha” 76.
Nessa direção, a segunda metade do século XVIII foi marcada por políticas que
visavam o fortalecimento da Coroa portuguesa, e o Marquês de Pombal procurou
implementar um complexo conjunto de disposições administrativas e jurídicas articuladas
entre si, cujo propósito era dinamizar a política e a economia do Estado português. O
ministro reformou amplas esferas portuguesas e, nessa perspectiva, também o universo
ultramarino, sua estrutura e sua lógica77. As três mais importantes esferas do reformismo
ilustrado que caracterizam o governo de Pombal enfocam os setores político-administrativo,

75
Sobre o acontecimento do terremoto de Lisboa de 1755 ver: DEL PRIORE, 2003. Sobre a chegada da notícia
e repercussão do terremoto de Lisboa de 1755 na Capitania de Mato Grosso ver: MONLEVADE, 2005.
76
MAXWELL, 1996, p. 06-16.
77
FERREIRA, 2002, p. 35.
42

cultural-pedagógico78 e o econômico, medidas aplicadas na metrópole e em suas colônias.


No que se refere à colônia americana, as reformas político-administrativas
pombalinas constituem-se na transferência da sede do Governo Geral do Estado do Brasil,
de Salvador para o Rio de Janeiro (1763); a extinção do Estado do Grão-Pará e Maranhão e
sua incorporação como Capitania Geral ao Estado do Brasil (1772); a criação de novas
capitanias, como a de São José do Rio Negro, Piauí e Rio Grande de São Pedro. Em 1761 se
instituía o Real Erário em Lisboa, e foram organizadas as Juntas da Fazenda em cada uma
das capitanias-gerais79.
Com o objetivo de reduzir as importações de produtos manufaturados estrangeiros,
Pombal propôs a formação de companhias privilegiadas de comércio. Para o ministro, a
proposta da criação de companhias comerciais monopolistas, seguindo os modelos
holandeses e britânicos seria uma alternativa para recuperar e desenvolver os setores e
espaços vitais da economia na metrópole, e, sobretudo, nas possessões lusas da América,
África e Ásia. Por apresentarem oposição à criação das companhias de comércio, Pombal
destituiu a Câmara de Comércio de Lisboa (Mesa do Bem Comum). Alguns de seus
membros foram presos ou exilados, e outros se organizaram formando a Junta do Comércio,
em 1755, sob estreita vigilância do governo. A ideia da criação das companhias não foi bem
recebida pelos portugueses, principalmente aqueles que trabalhavam à base de comissões,
como os “comissários volantes” ou comerciantes ambulantes, que foram “atingidos muito
mais profundamente do que os ricos mercadores ingleses”80. Assumidamente de caráter
mercantilista, as reformas do marquês privilegiaram o fomento à produção na metrópole e
no ultramar. Para este último fim as companhias de comércio tinham por objetivo assegurar
o controle da circulação, o incentivo às produções coloniais de interesse comercial e o tráfico
de escravos81.

78
As medidas tomadas pelo ministro no âmbito pedagógico incluíram a reformulação da estrutura
organizacional do sistema de ensino, transformando os currículos e métodos pedagógicos de acordo com os
métodos ilustrados. O quadro docente da Universidade de Coimbra foi laicizado, modernizando o ensino de
direito, matemática e medicina. Cf. FALCON, 2001.
79
FALCON, 2001, p. 236-238.
80
BOXER, 2002, p. 195.
81
FALCON, 2001, p. 233.
43

Companhias de comércio europeias

A atuação de companhias de comércio formadas para administrar e desenvolver


colônias distantes data da Idade Média. As cidades italianas foram as “precursoras da
associação de capitais para comércio a distância”, esboçando os primeiros métodos que
posteriormente foram desenvolvidos pelas grandes empresas de mercadores e colonizadores.
Enquanto ingleses, franceses e holandeses se valeram desse tipo de empreendimento para
controlar seu comércio, Portugal “mantinha suas possessões através de organismos estatais
como a Casa de Ceuta, da Guiné, da Mina, da Índia (durante a União Ibérica) e depois da
Restauração o Conselho Ultramarino, órgãos que administravam todo o Império português”
82
.
De fato, ao criar companhias comerciais em regiões de domínio português Pombal
havia sido inspirado no exemplo das companhias francesas, holandesas e inglesas. A
primeira grande sociedade inglesa de comércio e navegação foi a “Companhia das Índias
Orientais” (1599), a quem foi concedido o privilégio de comércio da Índia por quinze anos.
No período em que vigorou havia proporcionado à Inglaterra um desenvolvimento mercantil
e naval sem precedentes. Durante o governo de Cromwell (1649-1659), as companhias
privilegiadas de comércio foram florescentes, e definiram-se como práticas de exploração
das regiões coloniais.
Nos primeiros anos do século XVII foram criadas, na Inglaterra, companhias de
comércio que atuaram na África, cuja função e privilégio era o de abastecer de escravos a
colônia inglesa na América. Com o estabelecimento do “Ato de Navegação”, em 1651, os
ingleses asseguraram exclusivamente o comércio para si, minando a participação
estrangeira; os produtos estrangeiros só poderiam ser vendidos na Inglaterra mediante
pagamento de direitos dobrados, e o comércio de importação só seria feito em navios
ingleses ou de procedência do país fornecedor do produto negociado. O “Ato de Navegação”
foi considerado um duro golpe no mercantilismo holandês, pois a Holanda “vivia quase
inteiramente da política econômica de transporte como intermediária”83.
Mesmo com a Revolução Inglesa, em 1688, houve continuidade da política iniciada
durante o governo da Rainha Elizabeth I, e a “Companhia das Índias Orientais” persistiu na

82
RIBEIRO JÚNIOR, 2004, p.11-12.
83
DIAS, 1970, p. 69.
44

prática da exploração de suas possessões coloniais. As companhias inglesas desempenharam


um papel vital na formação do império britânico até a segunda metade do século XVIII,
quando a maior parte das concessões passaram para a administração real.
Os holandeses também instituíram companhias privilegiadas de comércio, como a
“Companhia Holandesa das Índias Orientais”, criada em 1602, pela “fusão de várias
companhias que anteriormente competiam entre si e com a Hansa no Báltico e no mar do
norte” 84. Esta companhia representou um “elo de união de esforços da burguesia mercantil
e elemento político”, uma vez que a empresa podia erigir fortalezas, declarar guerra e assinar
tratados com os príncipes no ultramar, em nome dos Estados Gerais aos quais prestava
serviços e fidelidade política85. Foi concedido à companhia holandesa um privilégio de 20
anos, prorrogado várias vezes até 1740. Durante o período de sua atuação, a “Companhia
Holandesa das Índias Orientais” conquistou praças dominadas pelos portugueses, ingleses e
espanhóis; no Oriente, se assentaram nas Molucas, e de lá se dirigiram à costa do Malabar,
Coromandel, Sumatra, Borneo e Ceilão; entre 1618 e 1621, ocupava Java, chamada pelos
holandeses de Batávia, de onde estabeleceu um quartel-general; em 1661, conquistou
Cochim e Cananor.
A partir de 1621, outra importante companhia holandesa foi criada com os mesmos
preceitos da companhia no Oriente, denominada “Companhia das Índias Ocidentais”,
recebendo um monopólio de 24 anos, cuja área de atuação foi o Atlântico.
Para Dias, as companhias holandesas souberam se impor no âmbito das relações
internacionais como força capitalista e arma de guerra, num sistema em que o soldado e o
86
mercador se confundiam . Os holandeses ou se aliavam aos nativos ou exerciam força
bélica, e desta forma puderam erigir fortes no Atlântico africano passando a organizar uma
rede lucrativa de contrabando de mão-de-obra escrava para a América portuguesa e
espanhola. O século XVII foi próspero para a Holanda e suas companhias de comércio, que
só enfraqueceram com as guerras travadas contra a Espanha, a Inglaterra e a França,
passando a ocupar, no século XVIII, posição secundária em relação à hegemônica Inglaterra.
Da mesma maneira que seus rivais em ascensão, os franceses partiram em busca de
conquistas no ultramar, e suas primeiras experiências em relação à fundação de companhias
de comércio datam de fins do século XVI, com a criação da “Companhia do Canadá”, que

84
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 17.
85
DIAS, 1970, p. 61.
86
Idem, ibidem, p. 62-64.
45

explorava os setores da pesca e de peles. Muitas outras companhias francesas foram


instituídas entre 1600 e 1789, porém as duas mais importantes foram criadas em 1664, como
as “Companhias das Índias Orientais e Ocidentais”, que atuavam nas Antilhas, na costa
Atlântica da África e no Oriente. Eram empresas autárquicas, que funcionavam como órgãos
em benefício do Estado. As companhias francesas possuíam privilégio de 40 anos, e podiam
fazer guerras aos príncipes do Oriente e construir fortalezas. Algumas medidas tomadas na
França pelo conselheiro real e chefe da Controladoria Geral de Luís XIV, Jean-Baptiste
Colbert tinham por objetivos proteger a produção interna do país. Portanto, aplicou medidas
que haviam sido tomadas com sucesso por outros países na Europa, e “rebaixou os impostos
à saída de manufaturas do reino. Diminuiu os direitos de entrada às matérias-primas
destinadas à fabricação nacional”. No entanto, Colbert sobrecarregou de obstáculos a
indústria estrangeira, criando um verdadeiro “monopólio em favor do seu mercantilismo
industrialista, senhor absoluto do mercado interno. Os capitais, estimulados pelos largos
privilégios, afluíram copiosamente às manufaturas”87.
O esplendor das companhias de comércio instituídas durante o reinado de Luís XIV
havia passado, tanto na França quanto fora dela. O último empreendimento de tal porte na
França foi a “Companhia do Levante”, em 1770, num momento em que o mercantilismo
francês já estava decadente88.

As companhias de comércio no Império Português

No império português companhias de comércio já haviam sido criadas antes do


século XVIII. Cientes da necessidade de arregimentar capitais, a Coroa portuguesa criou, em
1649, a “Companhia de Comércio do Brasil”. Com influência das ideias esboçadas pelo
padre Antônio Vieira, esta companhia foi formada em grande parte com capital estrangeiro,
sendo-lhe concedido o estanco de todo vinho, azeite, farinha e bacalhau destinados ao
consumo do Brasil. A “Companhia de Comércio do Brasil” deveria cumprir sua tarefa por
intermédio do envio de duas tropas anuais, e deveria também cooperar com as tropas reais
na defesa do território contra invasores. A companhia não possuía poderes amplos e podiam
ser acionistas todos os portugueses ou cidadãos estrangeiros que vivessem em Portugal. Não
havia limitação ao capital e as ações estavam sujeitas a sequestro.

87
DIAS, 1970, p. 72-73.
88
Idem, ibidem, p. 73.
46

Durante a vigência da “Companhia de Comércio do Brasil” chocaram-se os interesses


dos colonos, dos comerciantes livres e da própria companhia89. As principais reclamações
diziam respeito à participação majoritária do capital judaico aprovado por D. João IV, o não
cumprimento das obrigações da companhia, que, segundo seus reclamantes, não traziam
frotas nos totais estabelecidos, e, por isso, ficavam impossibilitados de suprir o mercado
brasileiro das mercadorias que tinham o estanco. Em 1658 o estanco foi revogado, ficando
a navegação livre, mas as embarcações deveriam se incorporar à frota da companhia. Entre
1662 e 1663 a empresa passava por uma reforma administrativa. Segundo Reis, em 1663
esta companhia havia se transformado em Tribunal de Comércio passando a tratar de
variados negócios e não se restringindo mais aos assuntos do Brasil. As providências para
saldar os compromissos da companhia e sua extinção ocorreram somente em 172090.
Com o propósito de promover o tráfico de escravos africanos foi criada, em 1676, a
“Companhia de Cacheu e Rios da Guiné”, autorizada a cobrar um imposto suplementar sobre
cada escravo que saísse de Bissau e Cacheu, com destino a Cabo Verde e ao Brasil,
independente do direito de cobranças das taxas alfandegárias sobre os gêneros de produção
africana. Possuía o privilégio de navegação exclusiva de, e para Portugal e o Brasil, bem
como poderia proibir a entrada nos rios de navios estrangeiros. Dentre suas atribuições
constava arcar com as despesas para a construção de fortificações e pagamentos dos
ordenados aos militares e eclesiásticos, assegurando também o fornecimento de pólvora,
artilharia e armas para a defesa das praças. A “Companhia de Cacheu e Rios da Guiné”
funcionou durante seis anos91.
Outra companhia de comércio foi criada em 1682, com o exclusivo de 20 anos, a
“Companhia do Estanco do Maranhão e Pará”, cuja função era abastecer as capitanias
amazônicas do Maranhão e do Pará de mercadorias diversas (panos, ferramentas, etc), de
adquirir os gêneros de produção local (drogas do sertão), e de introduzir nas duas capitanias
dez mil escravos africanos em 20 anos. Pouco se conhece sobre sua atuação e motivo de sua
efêmera duração de três anos, embora se saiba que esta companhia “provocou no Maranhão
a Revolta de Beckman (1684), em virtude dos desvios dos objetivos para os quais foi
estabelecida, isto é, o fornecimento de mão-de-obra escrava e produtos alimentícios” 92.

89
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 19.
90
REIS, 1997, p. 326.
91
CARREIRA, 1988, p. 41.
92
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 19.
47

Em 1690 Portugal intentou outro empreendimento comercial: a promoção da


“Companhia de Cacheu e Cabo Verde”, com a finalidade de atuar por seis anos no comércio
de escravos, recebendo certos privilégios; em compensação, a companhia arcaria com os
encargos gerados pelos pagamentos de ordenados aos agentes reais, e da manutenção das
fortalezas. Mesmo com sua atuação, a “Companhia de Cacheu e Cabo Verde” não conseguiu
resolver o problema provocado pela falta de mão-de-obra no Maranhão.
Outras companhias de menor importância foram criadas em outras partes do Império
português, como Goa (1687), Timor (1689), e África Ocidental (1697), mas contando apenas
com privilégios fiscais. Tanto Ribeiro Junior como Carreira concordam que o
estabelecimento das companhias portuguesas no século XVII não se assemelhava com suas
concorrentes inglesas, francesas e holandesas no ultramar. Para Carreira, a fragilidade delas
residia, principalmente, na penúria de recursos financeiros, na ausência de uma política firme
e determinada, e talvez até da falta de apoio dos agentes econômicos em Portugal, para poder
enfrentar a concorrência desencadeada pelas potências do período93. Ademais, as
concorrentes estrangeiras minaram a participação do capital estrangeiro nas ações de suas
empresas, estando todas fortemente ligadas ao Estado. Para Ribeiro Junior, não se criou em
Portugal “uma infra-estrutura capaz de reter os produtos (agrícolas e metais preciosos) e
desenvolver uma burguesia à altura da competição mercantilista”. Deste modo, para o autor,

Portugal não criou um mercado de consumo para os seus produtos afro-


asiáticos, isto é, passou a funcionar como intermediário entre os centros
fornecedores e os distribuidores donos do mercado. Os gêneros vindos do
ultramar português iam para as praças do norte da Europa, funcionando
Portugal, apenas como um entreposto. 94

Em relação à burguesia portuguesa Raymundo Faoro destacou que esta surgiu no


século XV desvinculada da terra e capaz de financiar as atividades mercantis, porém,
juntamente com ela apareceu a figura do “príncipe”, dirigente que conduzia as operações
comerciais. Deste modo, Faoro enfatizou que “nenhuma exploração industrial e comercial
está isenta de seu controle – guarda, todavia, para o seu comando os setores mais lucrativos,
que concede, privilegia e autoriza à burguesia nascente, presa, desde o berço, às rédeas

93
CARREIRA, 1988, p. 44.
94
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 20.
48

douradas da Coroa”95. Nesse sentido, Faoro observou que a burguesia em Portugal fora
reduzida ao papel de intermediária entre as outras nações durante as primeiras conquistas
ultramarinas, mas esta perseverou em seus empreendimentos ao longo dos séculos e apesar
de não ter se emancipado, a burguesia se enobreceu através da compra de cargos tornando-
se assim como a nobreza fator de poder. Ansiavam os burgueses não só pela partilha do
poder, mas também pela integração social e no século XVIII, segundo Faoro, passaram a
“acotovelar familiarmente a aristocracia”96.
A partir da segunda metade do século XVIII, sob as ordens do Marquês de Pombal,
ao todo foram criadas no império português seis companhias de comércio: “Companhia de
Comércio da Ásia” (1753), e “Companhia de Moçambique” (1766), para o comércio Índico;
“Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro” (1756), e “Companhia das Pescas
do Algarves” (1773), atuando na metrópole; “Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão”
(1755), e a “Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba” (1759), atuando no Atlântico.
Infelizmente, sobre a maioria delas se dispõe de poucas informações, principalmente em
relação às companhias do Reino e aquelas atuantes na Ásia e África, na segunda metade do
Setecentos.
Faz-se importante observar que Portugal criou companhias de comércio num
momento em que o mercantilismo já estava reformulando essa modalidade de expansão
econômica97. Portanto, as companhias criadas para atuar na metrópole tinham por objetivo,
de modo geral, regularizar o setor de pesca e de produção de vinho. A criação da “Companhia
das Pescas do Algarves” recebeu com exclusividade a concessão da pesca do atum e da
corvina por um período de doze anos para a região portuguesa do Algarve. No caso da
produção dos vinhos, as medidas pombalinas visavam essencialmente a criação de uma zona
demarcada, que produziria, em regime de exclusividade, vinhos finos de exportação,
contrariando a aparente desorganização do setor, e o ano de 1756 marca a data de
reconhecimento régio do alvará proposto. Segundo Mourão, esta companhia agregou
interesses de diferentes agentes e setores atuantes na região do Douro, no século XVIII.
Neste sentido, foi contestada por exportadores conectados com os interesses britânicos, bem

95
FAORO, 2001, p. 37-38. Disponível em: http://groups.google.com.br/group/digitalsource. Acesso em:
08/dez/08.
Ver também: FRANÇA, 1946.
96
Idem, ibidem, p. 250. Faoro destacou que a burguesia só existiu, se expandiu e se animou na medida em que
obedeceu a uma diretriz superior. Cf. FAORO, 2001, p. 278.
97
RIBEIRO JUNIOR, 2004, p. 15.
49

como por pequenos produtores e retalhistas, e contribuiu para a mono dependência da região.
Enquadrada num contexto dominado pelo Absolutismo, esta companhia pretendeu organizar
uma atividade que funcionava informalmente, e onde a histórica presença inglesa encontrava
uma fonte de lucros. Ainda que constatado o aumento da exportação do produto nesse
período, já perto do seu final, avolumaram-se as críticas de má gestão e de nepotismo98.
Para as possessões na Ásia, novas medidas também seriam tomadas no governo de
Pombal, e uma delas foi a criação, em 1753, da “Companhia de Comércio da Ásia” que
também recebeu o nome do mercador Felix Von Oldenburg, e uma de suas importantes
atribuições foi a concessão de direitos comerciais na Índia e na Ásia, e de fornecer salitre à
Fazenda Real de Lisboa. Além de ter como missão fomentar o comércio de domínio luso na
Ásia era também seu objetivo político consolidar a posição portuguesa na Índia, e fazer
frente à Companhia Inglesa das Índias Orientais. A ela foi concedido, para um período de
dez anos, o monopólio de todo o comércio da Ásia com os centros de Lisboa e Goa, devendo
também se articular com Moçambique.
A importância da articulação da “Companhia de Comércio da Ásia” entre Lisboa,
Goa e Moçambique esteve no fato de transportar tropas e material de guerra, já que havia
um único sentido de tráfico para as relações comerciais entre Portugal e a África oriental,
uma vez que a Índia estava intercalada na rota comercial de Moçambique para a metrópole.
O insuficiente abastecimento de pólvora e munições era constante na África, e dentre outras
incumbências esta empresa deveria garantir o transporte de 100 soldados em cada navio
pequeno, e 300 em cada navio grande. A Fazenda Real de Lisboa pagava 150 cruzados por
cada soldado chegado vivo a Goa, e o dobro por cada oficial. No caso de seguir diretamente
de Moçambique para Bengala, sem aportar em Goa, os soldados podiam ser lá
desembarcados e transportados em navios do Estado. Para o transporte gratuito de material
bélico deveria estar à disposição um porão de 80 toneladas nos navios pequenos, e de 200
toneladas nos navios grandes. Era proibido comerciar, apenas se podia abastecer99. O
terremoto de Lisboa em 1755 prejudicou os fornecimentos da metrópole para Moçambique
até 1757, ano em que foram feitos os últimos carregamentos. Em maio de 1760, a companhia
já não funcionava mais.
Moçambique teve um papel importante no contexto das companhias, uma vez que
era um dos principais centros de fornecimento de mão-de-obra escrava. A partir da década

98
MOURÃO, 2006. Disponível em:< http://www.klepsidra.net/novaklepsidra.html>. Acesso em: 20/dez/2007.
99
HOPPE, 1970, p. 297-298.
50

de 1760, esta ilha foi alvo de um conjunto de medidas tomadas por Pombal, que colocou em
prática um plano para melhor administrar a região, principalmente porque a ilha era um
ponto de entrelaçamento de rotas comerciais, concentrando carregações que vinham,
sobretudo, de Goa, Diu e Damão. Deste modo, começou por extinguir os ouvidores leigos
mandando servir ministros letrados. Extinguiu também o “monopólio real do comércio do
velório” (Alvará de 07/05/1761); unificou o sistema de pesos e medidas, determinando que
em Moçambique e Costa Oriental fosse utilizado o mesmo sistema do Reino (Carta Régia
de 09/05/1761). Entre outras medidas que possibilitaram o desenvolvimento material de
Moçambique destacam-se: a ordem nas cobranças dos rendimentos do Estado; o reforço dos
serviços aduaneiros; o fomento das atividades agrícolas; a reorganização militar e defesa; o
desenvolvimento do comércio, tornando a Ilha de Moçambique centro de articulação;
medidas de caráter administrativo e judiciário; a elevação à categoria de vilas de
Moçambique, Quelimane, Tete, Zumbo, Manica, Sofala, Inhambane e Ilhas de Querimba100.
A importância econômica desta possessão lusa provinha não somente do tráfico de
escravos, mas também do comércio de outros gêneros, como marfim, cera e ouro, mesmo
que até o século XVII o marfim fosse o produto de maior valor, e aquele que alimentava o
comércio indiano. O tráfico de escravos se intensificou somente em meados do século XVIII,
quando o comércio de escravos passou a ser a principal fonte de lucros101. A “Companhia
de Moçambique”, criada em 1766, se articularia com a Índia, e comercializaria com o interior
até o Zumbo. Um dos principais motivos para a instituição dessa empresa foi restabelecer o
controle do comércio na região. Em correspondência do capitão general Pereira do Lago de
Moçambique, ao Secretário Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 1766, este se referia
ao comércio do marfim vendido anualmente. O maior problema apresentado referia-se aos
nativos mujaos, atravessadores, que segundo o capitão general possuíam a mesma vida dos
ciganos da Europa, e introduziam as fazendas que de Moçambique levavam a pouco custo
na Feira do Zumbo102, não pagando as taxas alfandegárias, e realizavam comércio ilícito em
prejuízo daqueles que retiravam lucro dessa negociação. Deste modo, propunha que se
formasse uma companhia por um período de seis anos, para regularizar essa negociação.
Teve curta duração, e em pouco tempo finalizava suas atividades. Os empreendimentos

100
SANTOS, p. 12. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/aladaa/corsino.rtf>. Acesso
em: 10/abr/2007.
101
Idem, ibidem, p. 02.
102
Documento n° 03. Correspondência do Capitão general Pereira do Lago ao secretário dos negócios da
Marinha e Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 1766. Original AHU, cx. 12 apud HOPPE,
1970, p. 349-351.
51

referentes à Ásia e à África constituíram curtas experiências, mas que ao cabo auxiliaram no
controle do comércio de algumas dessas regiões com a metrópole portuguesa.
As companhias mais duradouras foram aquelas que atuaram exclusivamente no
Atlântico, conectando continentes, distribuindo mercadorias, promovendo fortunas e
transportando riquezas, como aquelas fundadas pela Coroa portuguesa na América, na
segunda metade do século XVIII, a de Pernambuco e Paraíba, e a do Grão-Pará e Maranhão,
que tiveram mais de 20 anos de atuação. Essas companhias envolveram em seus negócios
interesses públicos e privados, a Coroa se aliando a grandes comerciantes reinóis e a alguns
locais, e o ponto comum entre elas é que possuíam o monopólio da exportação e importação
de mercadorias, e também eram responsáveis pelo abastecimento de mão-de-obra escrava
africana.
A “Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba” foi criada em 1759, com a finalidade
de fomentar “as fortunas e agricultura do nordeste, através de um melhor suprimento de mão-
de-obra, de compra de mercadorias de exportação a preços regulamentados e provisão de
103
frotas regulares para transportar as mercadorias para os mercados do Reino” . A
“Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba” foi criada com um capital de cerca de 1360
contos de réis, um monopólio de 20 anos, e com maioria de acionistas oriundos do Reino,
sendo que apenas 10% das ações estavam em mãos de pernambucanos. Sua ação também se
estendeu à Costa Africana, com o lucrativo comércio de escravos e, apesar de desejada por
alguns, foi severamente contestada por outros, como os senhores de engenho, comerciantes,
lavradores de cana, dentre outros, por perceberem na companhia uma ameaça aos seus
interesses comerciais, e aos privilégios que até então gozavam. Segundo Érika Simone
Carlos, os grupos sociais mais abastados da capitania de Pernambuco “dominavam a
produção e os cargos burocráticos, eram oficiais da Câmara, participavam da Mesa de
Inspeção, eram Provedores da Fazenda Real, e tinham o apoio da monarquia em seus
projetos, quando estes não interferiam nos interesses do Reino”104.
De fato, com a instalação da companhia, essa lógica foi apenas reforçada para aqueles
que apoiavam o projeto, mas nem todas as pessoas mais influentes foram convencidas a
participar dele, e tornaram-se fortes opositoras. As muitas queixas relatadas sobre a
companhia ao Marquês de Pombal se referiam a ela como nociva e prejudicial ao comércio
e à lavoura de cana-de-açúcar. Alegavam os reclamantes um excesso de crédito a alguns,

103
CARLOS, 2001, p. 42-44.
104
Idem, ibidem, p. 52.
52

venda de produtos de baixa qualidade a preços excessivos, e também o não cumprimento da


ajuda em dinheiro aos produtores de cana, tabaco, lavradores e donos de fábricas de
curtimento de couro, bem como a não reposição regular de mão-de-obra escrava a baixo
custo. Os anos finais do monopólio foram uma sucessão de conflitos entre a elite
pernambucana e a Companhia, que encerrou suas atividades em 1780.
No período entre 1750 e 1796 o açúcar, o tabaco e o couro, cujos principais
produtores eram as regiões da Bahia e Pernambuco eram os principais produtos exportados
do Brasil para o Reino. Segundo Carlos, em meados do século XVIII o tabaco produzido na
Bahia e em Pernambuco, “gerava cerca de 100.000 libras anuais, os couros e o algodão
também eram outros dos itens que constavam de forma relevante nas exportações de
Pernambuco, Paraíba, Maranhão e Pará, devido à procura da indústria inglesa”105.
Dos quatro empreendimentos comerciais criados nas colônias lusas, apenas dois
deles tiveram vida mais longa, pelos menos até fins do século XVIII: a “Companhia Geral
do Grão-Pará e Maranhão”, e a “Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba”. O comércio
da companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão entre Lisboa-Costa da África-Grão-Pará e
Maranhão perdurou até o fim do século. Inúmeros privilégios ela recebeu por conta de
serviços prestados à Coroa, como a construção de feitorias e fortes para melhor realizar o
seu comércio e garantir a segurança das regiões nas quais atuavam. A partir de 1770, a
Companhia da Ásia e a Companhia de Moçambique já não mais atuavam. O comércio de
diferentes produtos, inclusive o tráfico de escravos através das companhias atuantes no
Atlântico se intensificou abastecendo a América Portuguesa.

A Amazônia e a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão

A criação da “Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão” (1755),


juntamente com a criação do Diretório dos índios (1757)106 e a expulsão dos jesuítas das
possessões coloniais portuguesas (1759) compunha a tríade de medidas pombalinas
efetivamente aplicadas para a região norte e centro da colônia na segunda metade do século
XVIII.

105
CARLOS, 2001, p. 26.
106
Para mais informações sobre a instituição do Diretório dos Índios e sua aplicabilidade ver: COELHO, 2005.
53

Segundo Sampaio, entre 1757 e 1798, os esforços da administração portuguesa na


região amazônica para a execução do projeto pombalino, passaram também pelo reforço
militar às áreas de fronteira com a “criação de fortificações e pelas inúmeras tentativas de
consolidar a produção de alimentos e a coleta de drogas do sertão, com o estabelecimento
das populações indígenas através dos descimentos, buscando criar ao mesmo tempo
“vassalos”107 e “muralhas” na região amazônica”. Deste modo, lançaram mão de um
conjunto de práticas testadas e adotadas em outras áreas coloniais, tais como: o recurso à
catequese, o emprego da força e das justiças, o estímulo à hierarquização interna das
populações através de uma política de distinções e privilégios às lideranças indígenas108.
Em relação à implantação de uma companhia de comércio, alguns fatores
contribuíram para a impulsionar a criação deste empreendimento no Estado do Grão-Pará e
Maranhão. As discussões e articulações se iniciaram durante o ano de 1754, quando
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, capitão general do Grão-Pará, numa série de cartas
ao Marquês de Pombal, seu irmão, fez apelos a fim de que se formasse uma companhia
comercial de modo a facilitar o fornecimento de mão-de-obra africana à região amazônica,
para aliviar a pressão sobre os colonizadores, pelo fato de escravizarem e maltratarem a
população indígena nativa.
Também desejava Mendonça Furtado, maiores investimentos na economia da região,
para desenvolver seu potencial de exportação que, segundo o capitão general, uma
companhia monopolista poderia fornecer. Um abastecimento abundante de escravos
africanos neutralizaria a necessidade de escravos indígenas, o que faria malograr a influência
jesuítica, e também forneceria mão-de-obra crucial para lavrar a terra e ampliar o comércio.
Isso, por sua vez, aumentaria a receita real, e ajudaria a financiar o novo sistema de defesa
para proteger as fronteiras da América portuguesa109. O discurso de Mendonça Furtado a
respeito das fragilidades econômicas da região aliado ao objetivo da coroa portuguesa em
promover transformações na Amazônia serviu para levar adiante o projeto de criação da
companhia.

107
Em 6 de junho de 1755 foi promulgada uma lei que restituiu a liberdade aos índios transformando, os
“ameríndios em vassalos”. Um dia após a promulgação da lei de liberdade, em 7 de junho de 1755, outra lei
buscou retirar dos administradores a autoridade e tutela sob as povoações indígenas. Entretanto, tais medidas
tiveram sua aplicabilidade efetiva apenas a partir da instituição do Diretório dos Índios em 1757. Cf.
DOMINGUES, 2000, p. 20-42.
108
SAMPAIO, 2001, p. 45.
109
MAXWELL, 1996, p. 59.
54

Segundo Sampaio, a praça paraense não era “uma das mais dadivosas em termos de
recursos”110. Belém, segundo Davidson, em meados do século XVIII, possuía uma economia
que se baseava em larga medida na coleta das drogas do sertão (cacau, cravo, canela,
baunilha, salsaparrilha, resinas, vegetais gomíferos e oleosos), pesca, caça, plantio, e uma
pecuária rudimentar. Produzia-se algum pano de algodão grosseiro para uso local, que,
juntamente com o cacau, tabaco, ou cravo-da-índia, era empregado numa economia de troca
como meio de se obter produtos, na ausência de dinheiro111. A extração das drogas do sertão
para a exportação consistiu numa atividade lucrativa, ainda que as “estatísticas entre 1730 e
1755, indiquem que este comércio permaneceu muito abaixo do valor do volume do
comércio das maiores cidades portuárias do Brasil” 112. A escassez de mão-de-obra africana
para a agricultura era crônica, sendo contornada com o trabalho escravo indígena, muitos
dos quais sofriam com o apresamento violento e o aldeamento desses nativos em missões
religiosas113.
O comércio de especiarias também era controlado por missionários, que
frequentemente negociavam diretamente com agentes em Lisboa. Os privilégios que os
religiosos possuíam, como as isenções do pagamento de impostos e taxas alfandegárias sobre
os gêneros que produziam permitiram lucros às ordens religiosas, em especial à Companhia
de Jesus114. A prosperidade econômica adquirida pelos jesuítas ao longo do tempo
descontentava tanto os colonos quanto as autoridades metropolitanas, principalmente porque
os jesuítas detinham avultado capital proveniente das produções de suas propriedades.
Somente na década de 1720, no Grão-Pará era possível contabilizar cerca de 63 missões,
dentre as quais jesuítas, mercedárias e carmelitas, cuja população totalizava 54.216 índios115.
Quando os missionários jesuítas foram expulsos por Pombal, em 1759, seus bens foram
confiscados pelo Estado. Suas fazendas produziam arroz, algodão, aguardente, milho, feijão,
tabaco, e continham grande número de cabeças de gado. Nos anos de 1760-1764, e 1769-
1770, renderam a importância de 40:938$680 réis116. A expulsão significou despojar os

110
SAMPAIO, 2001, p. 164.
111
DAVIDSON, 1970, p. 142.
112
Mapa dos diferentes gêneros que dos Livros d’Alfandega da Cidade do Pará consta se exportaram do seu
Porto desde o ano de 1730 até 1755 inclusive anexado por João Pereira Caldas à Martinho de Melo e Castro,
Pará, 31/ago/ 1778, IHGB/CU, arq. 1-1-4, fols. 13 ff., e AHU, Pará, caixa 38 apud DAVIDSON, 1970, p. 143.
113
DIAS, 1970, p. 161-164. Sobre a utilização da mão-de-obra indígena ver: DOMINGUES, 2000.
114
MAXWELL, 1996, p. 58-59.
115
DIAS, 1970, p. 173.
116
DIAS, 1970, p. 179-189. Ver: “Quadro de bens seqüestrados aos jesuítas do Estado do Grão-Pará e
Maranhão”.
55

missionários jesuítas do poder temporal que obtiveram através da manutenção e exploração


comercial das missões que administravam abrindo caminho para o controle e presença do
Estado.
O lugar atribuído aos índios nesse contexto estava circunscrito a sua utilidade como
força de trabalho para os colonos, catecúmenos para os missionários e também povoadores
para a metrópole117. Deste modo, o “Diretório dos Índios” caracterizava-se, primeiro, pelo
modo da tutela exercida pelo Estado; segundo, como regimento de trabalho entre índios e
brancos; e, terceiro, como plano de povoamento118. A sua criação visava manter os índios
sob o controle da coroa, cujo “Diretório” tornou-se uma “carta de orientação que
determinava os procedimentos a serem tomados para a implantação e sustentação de novas
aldeias”119. Ao transformá-los em vassalos, tornariam efetivo o direito português às terras
que ocupavam. O Diretório foi na prática, um programa que visava integrar os ameríndios
ao projeto do Estado português de dinamização da economia através do fomento das
atividades coloniais120. Dentre outras atribuições, buscava-se também civilizá-los,
transformando-os em potenciais colonos, trabalhadores produtivos e ainda auxiliadores na
política de povoamento estimulada pelas autoridades coloniais ao permitirem e incentivarem
os casamentos interétnicos questões presentes nas preocupações dos capitães-generais.
Desse modo, os argumentos de Mendonça Furtado, dentre os quais estava a atuação
perniciosa dos missionários, foram aceitos e, em 1755 foi criada a “Companhia Geral de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão”, constituída por mil cento e sessenta e quatro ações,
no valor de 400$000 réis cada uma, proibindo-se a prática de “negócio miúdo”. Seus
acionistas provinham de diferentes camadas sociais, portugueses em sua maioria, sendo dois
do Pará121, dois do Maranhão, e um da Bahia. A distribuição dos dividendos por ação variou
entre os 3% e os 19,5%. De 1755 a 1824 o montante chegou a 1.593.514.836 réis122.
Segundo o estatuto da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, a estrutura
da empresa, no que dizia respeito ao corpo político compunha-se de 1 provedor, 8 deputados,

117
COELHO, 2005, p. 100.
118
ALMEIDA, 1997 apud BLAU, 2007, p. 16.
119
BLAU, 2007, p. 16-17.
120
GOMES, 2008, p. 32.
121
Segundo Sampaio, convencido da necessidade da atuação de uma companhia no Pará, Mendonça Furtado
procurou o apoio dos principais homens de negócio da terra, dos quais recebeu inúmeras recusas. Somente com
a entrada dos comerciantes de Lisboa, foi que Mendonça Furtado conseguiu levantar dinheiro necessário para
dar início à companhia. Nesse sentido, Sampaio levanta a possibilidade de que os homens de negócio do Pará
estivessem muito mais vinculados aos comissários volantes e suas “grandes extorsões”. Cf. SAMPAIO, 2001,
p. 163-165.
122
CARREIRA, 1988, p. 78. “Quadro de dividendos da Companhia de 1755 a 1824”.
56

1 secretário, 3 conselheiros do corpo de comércio, além de agentes auxiliares


administrativos, como guarda-livros, encarregados de armazéns, escriturários, etc123. À
empresa foi concedido o monopólio de navegação, comércio e tráfico de escravos destinados
ao Maranhão e Pará, durante vinte anos contados a partir da saída da primeira frota. No
entanto, isso ocorreu apenas em 1758, pois o terremoto de 1755 destruiu suas instalações e
todas as mercadorias124.
Os preços dos produtos a serem comercializados foram fixados nos artigos 23 e 24
do estatuto de 1755. As fazendas secas não podiam ser vendidas com mais de 45% sobre o
primeiro custo em Lisboa, e se fossem vendidas a crédito, seriam acrescentadas com mais
5% por ano, na proporção do tempo que durasse a liquidação. Já as fazendas molhadas eram
oneradas com 15% livres de frete, direitos e outras despesas de compra, embarque, entrada
e saída. Somente o sal era vendido ao preço fixo de 540 réis o alqueire125.
Entretanto, Carreira menciona um alvará do ano de 1757, que é muito mais vantajoso
que o estatuto de 1755  que sofreu algumas alterações126. O alvará de 1757 não fixava o
preço dos produtos. Esta medida proporcionava lucros acima de 50% sobre os produtos.
Mantiveram-se, porém, iguais os artigos 10, 11 e 12, que isentavam de impostos a
Companhia sobre os gêneros provenientes da África (urzela, panos da terra, cera, marfim e
outros). A justificativa para tal atitude era que os gastos que a Companhia teve com a
construção de feitorias e até mesmo de fortes em Cabo Verde, Bissau, Cacheu, Costa da
Guiné, foram muito grandes, embora desses gastos fosse reembolsada pela Fazenda Real.127.
Nas transações locais, os lavradores do Grão-Pará e Maranhão passavam seus
produtos em consignação aos agentes da Companhia, que os vendiam em um leilão em
Lisboa, e os gastos eram abatidos dos lucros com as vendas. As despesas com o transporte,
o leilão e as comissões dos agentes (entre 3% e 5%) eram abatidas dos lucros com as vendas.
Havia despesas tanto no local de origem como no ponto final do produto, Lisboa. Na origem,
os gastos referiam-se ao ensacamento, às comissões, aos direitos alfandegários, ao ver o
peso, ao subsídio.
Em Lisboa gastavam-se com o consulado, donativos, direitos alfandegários, amostras
para avaliação, descargas, carretos e transportes, juízes da mesa, guardas e porteiros,

123
Idem, ibidem, p. 65.
124
Idem, p. 66.
125
Idem, p. 67.
126
Idem, p. 71.
127
Idem, p. 71.
57

comissões da Companhia. Uma tarifa continha as taxas de frete dos principais produtos
transportados para a metrópole: cacau/café (400 réis a arroba), cravo (200 réis), algodão
(1000 réis a arroba), arroz descascado (250 réis a saca), atanados e couro (400 réis cada),
óleo de copaíba (2000 réis o barril)128.
As rotas comerciais da companhia incluíam Lisboa, Angola, Cabo Verde, Bissau,
Cacheu, Maranhão e Pará129. Gêneros como tecidos, ferramentas, louças, perfumaria, vinhos,
e alguns gêneros alimentícios finos eram provenientes da Europa, e destinados ao Grão-Pará
e Mato Grosso. As regiões da África forneciam mão-de-obra escrava, e alguns outros poucos
produtos, como o marfim. O Grão-Pará exportava para a Europa as drogas do sertão, o arroz,
o couro e o algodão. Na Amazônia colonial, a “Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará
e Maranhão” incentivou o cultivo do arroz, do algodão, produção de madeiras e tinturas,
carnes, couros, introduziu mão-de-obra escrava africana na bacia do Amazonas, e
“contribuiu para controlar e regulamentar as importações de produtos manufaturados da
metrópole portuguesa, através do monopólio de comércio e navegação”130.
A Companhia Geral de Comércio também promoveu o aumento do Tesouro Real do
Pará, constituindo-se em sua maior fonte de recursos desde 1758 até 1778. Para Davidson,
era da Companhia de Comércio que advinham os recursos para o pagamento dos salários
dos empregados civis, eclesiásticos e militares do Pará, e dela também provinham recursos
para a manutenção de fortes, estaleiros, arsenais e despesas com demarcação de fronteira,
bem como o fornecimento de estabelecimentos reais nas capitanias do Rio Negro e Mato
Grosso131.
Entretanto, houve queixas contra a Companhia a respeito da corrupção de seus
agentes em todos os lugares em que ela atuou. Em Cabo Verde as queixas diziam respeito
ao monopólio e às arbitrariedades com que os agentes administrativos alteravam os preços
de algumas fazendas. Em Bissau, outras reclamações de alguns negociantes são mais
contundentes e se referem não só aos agentes, mas também ao monopólio e aos preços: “...
nos estão impedindo todos os portos para nosso comércio só a fim de que só eles possam
negociar, tirando-nos as regalias com que sustentamos nossas pessoas e famílias”132. As

128
CARREIRA, 1988, p. 189-195.
129
Idem, ibidem, p. 99.
130
FERREIRA, 2002, p. 43.
131
DAVIDSON, 1970, p. 154-155.
132
AHU. Guiné. Papéis Avulsos, 1777, cx. 11, doc. n° 47 apud CARREIRA, 1988, p. 56-57.
58

queixas prosseguiram no mesmo tom, tratando também dos preços dos escravos e de roubos
descarados por parte dos agentes. Argumentavam os negociantes:

... nos estão tomando os nossos escravos por preços tão diminutos que
acaso chegam ao preço que tem custado nos gentios, dando-nos eles as
fazendas mais inferiores que tem. [...] nos estão roubando publicamente de
tudo que possuímos como fizeram as duas embarcações do capitão cabo
desta povoação Antônio Fernandes Martins e outras mais, cujas comprou
a eles mesmos133.

Essas reclamações foram constantes no Pará e em Mato Grosso, questões que serão
tratadas nos próximos capítulos. Em geral, dentre os objetivos da criação da Companhia de
Comércio estava: “estabelecer com regularidade as ligações das praças de Belém e São Luís
com a metrópole e, também, abastecer o mercado local com escravos de Angola, Benguela
e Guiné, incluindo o Mato Grosso”134. A articulação da Companhia de Comércio com a
Capitania de Mato Grosso, colocando em constante comunicação o Estado do Brasil e o
Estado do Grão-Pará e Maranhão auxiliaria não só no abastecimento de gêneros
manufaturados diversos e mão-de-obra escrava como também desempenharia um importante
papel na ocupação dos territórios localizados no norte e extremo oeste da América
portuguesa. Esses territórios estavam ligados por extensa fronteira que dividia domínios
hispânicos e portugueses, e as medidas de Pombal contribuíram para ocupá-los efetivamente,
em um momento decisivo para as negociações e definição de áreas de litígio entre os
impérios ibéricos na América no Setecentos.

133
CARREIRA, 1988, p. 57.
134
SAMPAIO, 2001, p. 164.
59

IMAGEM 1 – Mapa de todo o vasto continente do Brasil ou América Portuguesa com as


fronteiras respectivamente constituídas pelos domínios espanhóis adjacentes em 1778

Fonte: GARCIA, 2000, p. 346.


60

Capítulo 2
Os caminhos do sertão.
A Capitania de Mato Grosso e as rotas comerciais

A conquista de terras localizadas a oeste da América Portuguesa se iniciou com as


bandeiras paulistas, nas quais homens munidos de armas se organizaram para aprisionar
índios, e percorreram longas distâncias, por água e por terra. Essas andanças em busca do
gentio Caiapó permitiram que eles alcançassem as terras do sertão135 de Goiás, Cuiabá e
Mato Grosso, nos anos iniciais do século XVIII.
A história da ocupação de Cuiabá oficialmente se iniciou com Pascoal Moreira
Cabral que, no ano de 1719 subiu o rio Cuiabá em busca do gentio Coxiponé, e não o
encontrando seguiu o rio Coxipó acima. Lá encontrou os primeiros veios auríferos, onde
foram “se arranchando fazendo casas e lavouras pela margem do mesmo rio Coxipó e Cuiabá
acima”136. Neste mesmo ano, Moreira Cabral juntou-se com seus demais companheiros e
assinaram termo de certidão, que enviaram a São Paulo, para dar notícia do descobrimento
de ouro no ribeirão do Coxipó, e trazer ordens para o “bem comum e serviço de Sua
Majestade”. Ainda nesta ocasião, Pascoal Moreira Cabral foi eleito guarda-mor regente,
tornando-se autoridade máxima no local, cujas funções atribuídas eram guardar todos os
ribeiros de ouro, bem como “socavar, examinar, fazer composições com os mineiros e botar

135
O termo sertão aparece constantemente nas documentações oficiais do período em estudo, sendo utilizado
para designar as terras localizadas à oeste da América Portuguesa e, ainda outras regiões. Mesmo hoje, este
termo segundo Janaína Amado aparece vivo no pensamento e cotidiano das pessoas de norte a sul do Brasil.
No caso do nordeste, ele está imbuído de significados que sem ele “a própria noção de nordeste se esvazia
carente de uma de suas referências essenciais”. Mesmo em Portugal, era utilizado para se referir às regiões
distantes de Lisboa, e segundo o Dicionário do Padre Raphael Bluteau, sertão era a localidade “apartada do
mar e por todas as partes metida entre terras”. Cf. BLUTEAU, 1720.
No caso do Brasil, inicialmente sertão constituiu uma categoria espacial construída pelos portugueses, ao longo
do processo de colonização. Desde o século XV utilizavam este termo para designar espaços vastos, longínquos
e pouco habitados, cujas áreas distantes do litoral possuíam natureza indomada habitada por nativos da região
e animais ferozes, dos quais as autoridades portuguesas detinham pouca informação e controle insuficiente.
Assim, os sertões aparecem na África, Ásia e América. Ainda segundo Amado, no Brasil Colonial o termo
“sertão” serviu para designar tanto os espaços distantes, desconhecidos, desabitados ou pouco habitados, como
adquiriu uma nova significação que estava vinculada ao “ponto de observação, à localização onde se encontrava
o enunciante ao emitir este conceito”. Cf. AMADO, 1995, p. 145-151.
136
SUSUKI, 2007, p. 47. [Chronicas do Cuyabá].
61

bandeiras, tanto aurinas como aos inimigos bárbaros”137. E foi com ele que se cobraram os
primeiros quintos de ouro para El Rei nas minas do Cuiabá.
No ano de 1722, Moreira Cabral obteve da Coroa portuguesa a confirmação de seu
posto de guarda-mor, e com a descoberta de novas jazidas auríferas no córrego Prainha, um
arraial se formou nesta região, dando início à colonização efetiva, com a invasão das terras
indígenas. Assim, “o próprio lugar onde começou a cidade de Cuiabá era uma grande
aldeia”138. Na margem direita do córrego se edificou uma igreja dedicada ao Bom Jesus, e
em 1723, criava-se freguesia no Cuiabá, sediada na Igreja Bom Jesus, elevada à categoria de
Matriz. O ano de 1726 marcou a transferência do governador de São Paulo Rodrigo César
de Menezes para o Cuiabá, com objetivo de elevar o arraial à categoria de Vila, no ano de
1727, que “até aquele momento, era o ponto mais avançado da fronteira entre os domínios
139
portugueses e espanhóis” . A nova vila foi denominada Vila Real do Senhor Bom Jesus
do Cuiabá, e nela se instalaram poderes metropolitanos, o que significa que se criou uma
câmara, com eleições, estatutos e posturas municipais, normatização da higiene, saúde,
festas e alimentação. As ordens de Sua Majestade implicavam em “fazer casas da câmara e
cadeia, estandarte real, varas ou insígnias do senado, cofres, escrutínio, cadeira, bancos,
mesas e outras coisas inescusáveis” 140.
A fundação da Vila Real representou também o reconhecimento de sua importância
pela Coroa portuguesa, tanto pela presença de minas de ouro em seu território, quanto por
sua localização nas proximidades da fronteira entre os domínios das duas Coroas ibéricas.
Algumas estratégias foram adotadas para promover a fixação da população e o
desenvolvimento da produção local, como a distribuição de sesmarias, entre 1726 e 1728141.
Impulsionados pela descoberta das minas, muitas pessoas se dirigiram ao Cuiabá. Os
Anais do Senado da Câmara de Cuiabá registram que desde 1720 chegavam à região
inúmeras pessoas divididas em comboios de canoas, que haviam subido o rio Anhanduí,
atravessado a Vacaria, descido pelo Mateteú, e deste pelo Paraguai acima. Muitas canoas se
perderam nas cachoeiras por falta de pilotos e práticos, e a mortalidade era alta, pela falta de
mantimentos, por doenças, ataques de animais selvagens e outros problemas ligados à falta

137
SUSUKI, 2007, p. 47. [Chronicas do Cuyabá].
138
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p. 14.
139
JESUS, 2006, p. 86.
140
Correspondência de Antonio Rolim de Moura a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Vila Bela,
01/jul/1761. In: ROSA e JESUS, 2003, p. 16.
141
JESUS, 2006, p. 88.
62

de adequação ao meio ambiente. Houve, inclusive, nos primeiros tempos, “comboio de


canoas em que morreram todos sem ficar um vivo” 142.
O processo de ocupação destas terras não se deu sem entraves e batalhas com as
populações nativas. Desde os primeiros anos de sua administração, Rodrigo César de
Menezes teve que lidar com “variados ângulos da questão indígena, sempre conflituosa para
com os agentes da colonização portuguesa”, conforme Canavarros, já que o trato político
administrativo luso com os índios foi marcado pela ambiguidade, ora atendendo à Igreja que
proibia a escravização de ameríndios, ora permitia aos colonos que os escravizassem para
seu serviço143. Dois povos indígenas, em especial, foram ferozes opositores à invasão de
suas terras pelo colonizador e atacavam as monções: os Payagua e os Guaykuru. Vários
relatos podem ser tomados como exemplo para se ter uma ideia das lutas travadas entre os
Payagua e os paulistas que vinham nas monções, na região do rio Paraguai. Tanto foram os
ataques que se autorizou que os colonos empreendessem “guerra justa” contra estes povos.
Podem-se enumerar outras nações de índios que também resistiram à invasão de suas terras,
como os Bororo, vindos da atual Bolívia144, e os Caiapó. A preação desses indígenas serviu
para suprir a mão-de-obra necessária para trabalhar nas minas de ouro, ou ainda em outros
tipos de serviços, como o agrícola, em substituição ao escravo africano, de alto valor no
mercado.
A extração de ouro não se constituiu na única atividade econômica praticada nas
minas. Durante os primeiros anos de ocupação portuguesa que tiveram início na região
atividades agrícolas, com a produção principalmente de milho, feijão, abóbora, melão,
melancia, banana, mandioca, e também a criação de galinhas, porcos, cabras, e tempos
depois, gado vacum e cavalar. O milho constituía-se em um dos principais alimentos na dieta
dos sertões, tanto para seus moradores quanto para as criações de animais que dele se
alimentavam145. A pesca também constituiu importante atividade, e supria parte das
necessidades de alimentos. Sobre os engenhos, os relatos de João Cabral Camelo informam
que somente na região do local que denominavam Chapada havia cinco engenhos que
produziam a melhor cana146.

142
SUSUKI, 2007, p. 48. [Chronicas do Cuyabá].
143
CANAVARROS, 2004, p. 92.
144
MONTSERRAT, 1994 apud CANAVARROS, 2004, p. 262.
145
OLIVEIRA, 2008, p. 25.
146
CAMELO, In: TAUNAY, 1961, p. 139.
63

As atividades comerciais tinham por principal objetivo prover a região de produtos


manufaturados e mão-de-obra escrava africana, oriundos das praças mercantis do Rio de
Janeiro e de São Paulo, que chegavam à Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá através
das monções. Este comércio abastecia os moradores com diferentes tipos de mercadorias,
tais como tecidos, ferramentas, utensílios domésticos, azeite, vinagre, vinho, alimentos
finos, sal e escravos. As monções que chegavam ao Cuiabá, também conhecidas na
historiografia como “monções de povoado”, por vezes eram compostas por cerca de
trezentas a quatrocentas canoas, para abastecer Cuiabá e suas regiões circunvizinhas,
surgidas a partir da expansão cuiabana.
A palavra “monção” possuía mais de um significado; porém, para os colonos do
século XVIII, servia para designar os comboios, isto é, o conjunto de canoas que cumpriam
certa periodicidade, e chegavam às minas carregadas de produtos e pessoas147. Sérgio
Buarque de Holanda nos informa que no seu significado inicial, “monção” designava os
ventos alternados que marcavam as épocas de navegação no oceano Índico, havendo um
ponto comum entre as monções do Brasil e as do oriente: ambas estavam sujeitas a uma
periodicidade regular, mas o que determinava essa periodicidade no Brasil era o regime das
águas, e não dos ventos148.
As monções destinadas a Cuiabá chegavam após percorrer caminhos perigosos e rios
caudalosos149. Os viajantes dos primeiros empreendimentos das monções percorriam um
trajeto difícil e cheio de obstáculos. Após tempos de experiência, a rota das monções ficou
estabelecida de modo que os viajantes pudessem ter uma estrutura capaz de atendê-los
razoavelmente. Com a utilização do Varadouro do Camapuã, os viajantes contavam com
maior comodidade, podendo consertar as canoas, se alimentar melhor e reabastecer seus
estoques de alimentos, por haver, em Camapuã, produção agrícola e criatória suficiente para
isso.
As monções partiam de Araritaguaba, ultrapassando trechos de difícil navegação até
chegar a Cuiabá. No rio Tietê, o maior obstáculo eram as pedras e as madeiras. Já o rio
Grande era caudaloso, e possuía muitos redemoinhos, dificultando sua navegação. No rio

147
LAPA, 1973, p. 57.
148
HOLANDA, 1975, p. 162-163.
149
Para se chegar a Cuiabá as monções de povoado contaram com dois roteiros. No primeiro roteiro partia-se
do Tietê e depois se navegava pelos rios Grande, Pardo, Anhandui, travessia por terra pelos Campos da Vacaria,
rios Mboteteu, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. No segundo roteiro partia-se do Tietê e depois se navegava
pelos rios Grande, Pardo, travessia por terra pelo Varadouro do Camapuã, rios Cochim, Taquari, Paraguai, São
Lourenço e Cuiabá.
64

Pardo, os problemas eram as águas violentas, sendo necessário sirgar as canoas. Nos rios
Camapuã Mirim, e Camapuã Assu, a dificuldade consistia no fato de serem muito “secos”,
isto é, como pouco volume de água. Nos rios Cochim e Taquari, as cachoeiras eram um
empecilho, uma vez que era preciso descarregar e carregar as mercadorias a todo o momento.
O Paraguai Mirim possuía uma vegetação que confundia os pilotos no momento em que
tinham que descobrir os canais e rios para navegar em segurança, e o rio Porrudos (São
Lourenço) também era de difícil passagem, que durava entre sete e oito dias. Por fim, o rio
Cuiabá, considerado o grande responsável por fazer adoecer muitos remeiros, pois seu
volume de água e grandes correntezas implicavam em trabalho exaustivo desses homens150.
Entretanto, o caminho pelas águas não foi o único que dava acesso a Cuiabá. O
caminho terrestre São Paulo-Goiás-Cuiabá, frequentado e aberto desde 1737, também foi
utilizado, pois este trajeto servia para passar o gado, e as demais cargas seguiam por vias
fluviais. A abertura desse caminho possibilitou, dentre outros resultados, a “formação de
fazendas e currais nas redondezas de Cuiabá” e a diminuição de preços de mercadorias
diversas, até então exorbitantes151. As descrições das transações comerciais dos tropeiros em
Cuiabá, segundo Canavarros são pouco minuciosas, mas de fato muitos escravos chegaram
até a Vila Real por este trajeto152. Embora o caminho de terra tivesse duzentas léguas a menos
que a rota das monções de povoado, e fosse mais seguro, a atividade dos tropeiros não
substituiu a das monções, constituindo-se em apenas mais uma rota de acesso às minas
cuiabanas.
A vila de Cuiabá pode ser considerada uma base para a conquista territorial da
região153, e a posse de seu território foi assegurada pela metrópole mesmo com a grande
migração de mineradores que seguiram para as inúmeras lavras nos afluentes do rio Guaporé
a partir da década de 1730. A fronteira oeste foi considerada pela Coroa portuguesa o
“antemural da colônia”, e a instauração nela de poderes metropolitanos, para fins internos e
externos, serviu também como proteção para as minas d’El Rei, principalmente quando se
descobriu ouro nas margens dos rios Sararé e Galera, afluentes do rio Guaporé, o que acabou
por nortear muitas das ações políticas metropolitanas no extremo oeste e norte da América
Portuguesa.

150
GODOY, 2002, p. 81-83.
151
CANAVARROS, 2004, p. 211.
152
Idem, ibidem, p. 214.
153
Idem, p. 49.
65

A descoberta das minas de ouro no Vale do Guaporé foi oficializada em 1734.


Tratava-se de uma área de floresta de território Pareci, que ficou conhecido como “Mato
Grosso”, “Mato Grosso dos Pareci” ou ainda “Mato Grosso do sertão dos Pareci”154. Foi
espacializado como termo da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, pertencente à
Capitania de São Paulo, e dando origem, a partir desta data, e ao longo da segunda metade
do século XVIII, aos arraiais de São Francisco Xavier, Sant’Ana, Ouro Fino, Brumado,
Nossa Senhora do Pilar, entre outros.
A aventura dos irmãos sorocabanos Fernando Pais de Barros e Artur Pais, que saíram
da Vila de Cuiabá em busca do gentio Pareci, no sertão de Mato Grosso aparece registrada
nos Anais de Vila Bela:

Sendo o gentio Pareci naquele tempo o mais procurado e já quase extinto,


depois de conquistarem alguns nas suas vastas campanhas, cursaram mais
ao poente delas, o mesmo instinto; e arrancharam-se em um ribeirão que
deságua no rio Galera – o qual corre da nascente buscar o rio Guaporé – e,
aquele nasce das fraldas da serra chamada hoje a chapada de São Francisco
Xavier do Mato Grosso, da parte oriental. Fazendo experiência de ouro,
tiraram nela três quartos de uma oitava, na era de 1734. 155

Tão logo se descobriu ouro, as autoridades da Vila de Cuiabá foram avisadas do


ocorrido, e começaram as primeiras incursões para essa região, onde novas lavras auríferas
foram descobertas. O próprio Artur Pais, também nesse mesmo ano havia encontrado outro
ribeiro de ouro na nascente da chapada de Santa Ana. Nesse ribeiro tiraram três oitavas de
ouro. Em outro ribeiro, o Brumado, retiraram mais duas oitavas156. Esta notícia provocou a
saída de pessoas da Vila de Cuiabá em direção às áreas de mineração recém descobertas.
Para Lucídio, a ocupação do Vale do Guaporé e a extração aurífera deu-se em duas
fases: “a primeira se caracteriza por certa mobilidade, em busca de achados que
demandassem menores investimentos de trabalho e capital”, ou seja, o ouro de aluvião, e foi
nesta fase que se formaram os primeiros núcleos de povoação no vale do Guaporé157. A
segunda fase, a partir de 1740, foi destinada “à busca de novas rotas comerciais, aproximação

154
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p. 40.
155
AMADO & ANZAI, 2006, p. 39.
156
Idem, ibidem, p. 40. [Anal de Vila Bela desde o primeiro descobrimento do sertão de Mato Grosso no ano
de 1734].
157
LUCÍDIO, 2004, p. 22.
66

com os jesuítas das províncias de Moxos e de Chiquitos, e à extração das lavras que
requeriam maior investimento de capital, como aquisição de escravos, ferramentas,
construção de açudes e aquedutos”158.
Embora o povoamento da capitania tenha se dado a partir das descobertas auríferas,
havia uma economia local que permitia a manutenção da população. Produzia-se milho,
feijão, farinha, toucinho, aguardente de cana, açúcar, melado; criavam-se galinhas, patos,
porcos e bovinos, que complementava o abastecimento da população. De fora da capitania
vinha sal, ferramentas, armas, pólvora, tecidos e louças, dentre outros159.
A partir da descoberta dessas novas minas no vale do Guaporé, as atenções da Coroa
voltaram-se com mais intensidade para essa região. Novos caminhos e rotas comerciais
foram abertos. Criou-se a capitania de Mato Grosso em 1748, e fundou-se estrategicamente,
em 1752, uma vila em região de fronteira com domínios da Espanha, nas margens do rio
Guaporé, Via Bela da Santíssima Trindade. Intensificaram-se as lutas aos indígenas devido
ao apresamento para trabalho escravo, ainda que considerados vassalos do rei a partir do
estabelecimento do Diretório dos Índios. E, sobretudo a preocupação estava em assegurar a
fronteira, tendo no Tratado de Madrid (1750) uma tentativa de delimitação dos limites das
Coroas de Portugal e Espanha.

158
Idem, ibidem.
159
LUCÍDIO, 2004, p. 26.
67

IMAGEM 2 – A Capitania de Mato Grosso e as Repartições de Cuiabá e Mato


Grosso

Fonte: ROSA & JESUS, 2003, p. 62.


Como se pode observar, a criação da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, em
1727, e Vila Bela da Santíssima Trindade, em 1752, constituíram parte da estratégia política
portuguesa de manutenção do território. A capitania de Mato Grosso, conforme se pode
observar no mapa acima, após sua criação em 1748, passou a ser formada por dois distritos
ou repartições, com administrações distintas: o Cuiabá e o Mato Grosso. A capital da
capitania passou a ser Vila Bela da Santíssima Trindade, localizada no termo do Mato
Grosso.
A região oeste de Mato Grosso, por ser fronteiriça aos domínios de Castela, exigia
cuidados dos portugueses para ter seu domínio assegurado. O Tratado de Madrid160 (1750)

160
Segundo Canavarros, as negociações do Tratado de Madrid ocorreram pela necessidade de se demarcar
definitivamente os limites entre as duas coroas ibéricas na América. Iniciada em 1746, durante o governo de
D. João V, as negociações se estenderam até 1750. Durante as primeiras décadas do governo de D. João V,
algumas questões de fronteira entre Portugal, Espanha e França foram resolvidas através dos dois Tratados de
Utrecht (1713 e 1715). A colônia de Sacramento, por exemplo, foi objeto de disputas de portugueses e
espanhóis, e em 1715 foi devolvida aos portugueses. Já em relação à região do Cabo do Norte e o controle do
rio Amazonas foi favorável a Portugal, em 1713, o acordo estabelecido com os franceses. Outras questões
externas também influenciaram a assinatura do Tratado de Madrid. Canavarros menciona a Guerra da Sucessão
do Trono da Áustria, por volta de 1739, somada à ameaça de invasão inglesa em Buenos Aires, com o objetivo
de tomar o estuário do Prata, e ali fundar uma colônia. Os informes que Sebastião José de Carvalho e Melo,
nesse momento embaixador na Inglaterra, forneceu sobre os preparativos dos ingleses para tomar o controle
do Prata, ameaçando o domínio espanhol e português na América foi decisivo para levar a cabo as negociações
68

veio como um acordo entre as Coroas ibéricas, no que diz respeito aos limites entre os dois
Estados. A atuação de Alexandre de Gusmão, embaixador e secretário de D. João V, fazendo
prevalecer o uti possidetis e as balizas naturais, assegurou a posse dos territórios já ocupados
pelos portugueses, principalmente o extremo oeste. Portanto, o Tratado de Tordesilhas,
dividindo os dois hemisférios terrestres estabelecido entre Portugal e Espanha em 1494,
estava revogado.
Em 1752 foi criada na fronteira a capital de Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima
Trindade, conforme decisão do Conselho Ultramarino. O objetivo maior era resguardar a
fronteira, garantindo a posse do território, de modo a evitar possíveis investidas espanholas
na região. A escolha do local obedecia a interesses estratégicos, já explicitados pelo
Conselho Ultramarino: “hoje se tem assentado ser mais necessária e concernente a povoação
161
do Mato Grosso que a do Cuiabá” . Nas instruções da Rainha D. Mariana a D. Antônio
Rolim de Moura Tavares se reconhecia que a Vila do Cuiabá era a mais povoada, contudo,
as mesmas instruções evidenciavam que Mato Grosso requeria maior vigilância pela
vizinhança que tinha com os domínios espanhóis, determinando-se que no distrito de Mato
Grosso se fizesse cabeça de governo162. Nas instruções da Rainha D. Mariana a Rolim de
Moura, escolhido para ser o primeiro governador e capitão general da recém criada Capitania
de Mato Grosso, havia ordem de fundar uma vila naquelas paragens, por se entender que
aquele território era a “chave e o propugnáculo do sertão do Brasil pela parte do Peru” 163,
concedendo a quem quisesse lá se estabelecer, diversos privilégios e isenções fiscais.
A partir de então, cresceu a necessidade de povoar as áreas de fronteira da capitania
de Mato Grosso, mas especificamente com o atual oriente boliviano, região das missões
jesuíticas de Moxos e de Chiquitos164. Na área de colonização portuguesa promoveu-se uma
política de povoamento na região de limites entre as duas coroas.
A partir da criação de sua vila capital, em 1752, e nos anos que se seguiram os
portugueses se dedicaram à ocupação de áreas ainda não colonizadas, fundando vilas e

com a Espanha, que parecia aos portugueses ser mais favorável. Dentre os representantes portugueses nas
negociações se destacou o Conselheiro Alexandre de Gusmão, “verdadeiro articulador do acordo”, que se
orientou por objetivos geopolíticos, dentre os quais estabeleceu que o acordo envolveria toda a fronteira
americana, prevalecendo o uti possidetis e as balizas naturais como pontos limítrofes. Pretendiam com isso,
também resolver questões pendentes na Ásia. Cf. CANAVARROS, 2004, p. 298-308.
161
ROSA. In: ROSA & JESUS, 2003, p. 41.
162
IHGMT, 2001, p. 11-12. Instrução da Rainha D. Mariana para D. Antônio Rolim de Moura de Lisboa,
19/jan/1749.
163
Idem, ibidem, p. 12.
164
ANZAI, 1998, p. 08-09.
69

arraiais, e construindo fortes, como o Forte Príncipe da Beira, e o Forte Coimbra. Essa
presença lusa permitia a defesa do território de possíveis investidas dos espanhóis, e ao
mesmo tempo reafirmava a posição portuguesa naqueles domínios. Pelo fato da colonização
espanhola na América do Sul privilegiar a exploração de seus centros mineradores, em geral
localizados no altiplano e próximas ao litoral, suas fronteiras interiores acabavam por ficar
desguarnecidas165, a exemplo de áreas do atual oriente boliviano, desde fins do século XVII
estavam ocupadas com missões jesuíticas. Os padres da Companhia colocavam em prática
os princípios da Reforma Católica, defendiam os interesses da Ordem e também os da coroa
espanhola, ao proteger, com suas milícias indígenas, territórios da Espanha166.
O ato de tornar o índio vassalo da Coroa portuguesa e a instituição do Diretório dos
Índios, em 1757, proibindo-se sua escravização e incentivando casamentos entre brancos e
índios contribuiu para o aumento do povoamento na área de fronteira. Vila Maria do
Paraguai, atual cidade de Cáceres foi fundada em 1778, pelo governador e capitão general
da Capitania de Mato Grosso Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, com casais
de índios chiquitos desertados das missões, devido à falta de pessoas para se povoar a vila167.
A vila assumiu importância por se localizar às margens do rio Paraguai limitando-se
geograficamente com os domínios de Castela.
As missões religiosas de Moxos e de Chiquitos eram autossuficientes, e nelas era
proibida a entrada de colonos espanhóis ou portugueses. As missões de Chiquitos
encontravam-se sob a jurisdição da Audiência de Charcas e do Vice-Reino do Peru, e
compunham-se de dez reduções: São Xavier, São Rafael, São José, São João Batista,
Conceição de Chiquitos, São Miguel, São Ignácio de Zamucos, Santa Ana, Santo Coração
de Jesus, e Santiago de Chiquitos.
As missões de Moxos estavam localizadas em terras baixas, férteis e alagadiças,
cercada por florestas e muitos rios. Moxos englobava 15 missões, cuja população chegou a
contar com trinta mil habitantes aproximadamente. Além de explorações de outras riquezas
extrativas, as missões de Moxos desenvolveram a produção de Cacau. Em fins do século
XVIII, das quinze missões que existiam restaram apenas onze, cuja população contava com
cerca de vinte mil índios168.

165
Idem, ibidem, p. 08.
166
Sobre esse assunto ver: MEIRELES, 1989.
167
Sobre a política de povoamento da Capitania de Mato Grosso utilizando os indígenas ver: BLAU, 2007.
168
ANZAI, 1998, p. 10.
70

A preocupação com a presença das missões espanholas na fronteira foi constante, e


as relações com os vizinhos eram tensas, e muitas vezes ambíguas, já que em determinados
momentos havia “a desconfiança e o medo, e em outros o interesse comercial, ora proibido,
ora estimulado pela espionagem”169. Desde a década de 1740 que se procurava conhecer
melhor os vizinhos hispânicos e estabelecer os primeiros contatos. João Gonçalves Pereira,
ouvidor de Cuiabá tentou aproximação com os espanhóis, ao organizar uma expedição, na
qual um dos principais objetivos foi explorar a região com o intuito de estabelecer rotas de
intercâmbio comercial, espionar as aldeias jesuíticas, e iniciar as primeiras negociações
comerciais170. O primeiro contato, embora pacífico, provocou repreensões de ambas as
Coroas ibéricas.
As missões jesuíticas de Chiquitos eram compostas por diversos grupos étnicos, e a
língua falada era a do povo Chiquito, o mais numeroso. Dedicavam-se à agricultura,
desenvolvendo o cultivo de arroz, milho, e extraiam da natureza produtos como madeira,
baunilha, cochonilha, óleos vegetais, mel e cera de abelha. Dedicavam-se também às
atividades de criação de cabras, cavalos, além de bois, cujo rebanho se constituiu e um dos
principais bens das missões chiquitanas, existindo quantidade considerável em cada uma
delas171. Fabricavam tecidos de algodão, e instrumentos musicais, que eram comercializados
fora da missão172. Apenas os padres se dedicavam ao comércio, comprando ou vendendo
produtos, principalmente em Potosí, e com o dinheiro arrecadado compravam ferramentas e
demais utensílios necessários nas missões173. De tudo isso, pode-se supor o interesse que
havia por parte dos colonos e administradores da capitania de Mato Grosso em estabelecer
contatos comerciais com as missões religiosas.
Ao longo do século XVIII, os momentos de tensão e medo de ataques, de um lado e
de outro, não minaram o comércio que existia entre colonos portugueses e espanhóis na
fronteira. A capitania de Mato Grosso e as missões estabeleceram relações comerciais cujos
relatos encontramos não somente nas correspondências deixadas pelos capitães-generais do
período, mas também em importante fonte documental, que são os registros da Câmara de
Vila Bela, isto é, os Anais de Vila Bela. Ainda que cautelosos em seus registros podemos
perceber as relações lícitas e ilícitas na fronteira narrada pelos vereadores da Câmara da vila

169
LUCÍDIO, 2004, p. 32.
170
Idem, Ibidem, p. 32.
171
CHARUPÁ, 2002, p. 187-190. Para mais informações sobre as missões jesuíticas do atual Oriente boliviano,
ver: ANZAI, 2008, p. 137-168.
172
ANZAI, 1998, p. 12.
173
CHARUPÁ, 2002, p. 194.
71

capital. O comércio feito pelos padres não era realizado somente com os colonos de Santa
Cruz de la Sierra, mas também com portugueses, que muitas vezes chegavam com interesses
comerciais nas missões chiquitanas.
Segundo Anzai, mesmo após a ordem para a expulsão dos jesuítas das missões
espanholas em 1767, em que estas ficaram sob a administração dos curas, sucessores dos
jesuítas, as reduções chiquitanas poderiam abastecer as terras de domínio português com
gado vacum e cavalar, tecidos, além de ser ponto de passagem para se chegar a Santa Cruz
de La Sierra, onde poderiam também abastecer as regiões lusas com instrumentos de
mineração, de lavoura, sal, e gêneros alimentício174. Entretanto, é preciso considerar que o
abastecimento de variados gêneros se dava também de modo inverso. As missões do oriente
boliviano também eram potenciais consumidores de mercadorias diversas introduzidas pelos
portugueses.
Portanto, entre as missões de Chiquitos e a Capitania de Mato Grosso havia contato
clandestino, e o contrabando havia marcado também a vida econômica da região. Nos Anais
de Vila Bela, no ano de 1775, está registrado a chegada de contrabandistas castelhanos na
capitania, relatando-se o modo como se procederam as vendas das cargas que traziam:

Em 17 desse mês entraram pela via de Chiquitos, em direitura ao porto do


Jauru, distante desta vila 35 léguas, a leste, pouco mais de duzentas
[léguas] do marco que plantaram na futura demarcação do sul, cinco
contrabandistas castelhanos com uma partida de cento e tantas mulas
suficientes, que foram de bem raridade neste país. Quando se recolheram,
foram acompanhados de alguns portugueses que vieram a comunicar com
os índios da missão de São João, para a qual se faz viagem em seis ou sete
dias por caminho que, sendo muito cheio de águas no inverno, na seca tem
muita falta delas. Alcançaram, dos mesmos índios, duzentas cabeças de
gado vacum. Por mimo lhes compraram mais de 400, por preço muito
módico, e a troco de fazendas e quinquilharias175.

Os Anais de Vila Bela evidenciam ainda a troca de correspondências entre as


autoridades portuguesas e as espanholas. No ano de 1760, chegava em Vila Bela,

174
ANZAI, 1998, p. 20.
175
AMADO & ANZAI, 2006, p. 196-197. [Anal de 1775. Apresentado em Câmara pelo Vereador Francisco
Xavier Antam].
72

... um mestre de campo, D. José Nunes, um cônego de Santa Cruz de la


Sierra, terra de Espanha, com cartas de seus superiores para o governador
desta capitania, o qual lhe deu todo o bom agasalho e o (...) com
afabilidade, honrando e despendendo com ele com mão liberal nos poucos
dias que se demorou nesta vila, em sua contemplação, lhe mandou fazer
um sarau no palácio da sua residência, para o que lhe convidou e um
esplêndido banquete. 176

Como as atividades realizadas na fronteira eram vigiadas de perto pelos capitães-


generais, algumas das correspondências não deixam de constituir informes de caráter
investigativo sobre as atividades dos hispânicos, e a prática da espionagem existia de um
lado e de outro. Em algumas delas, encontram-se expressões como “introduzir com
disfarce”, “debaixo do segredo”, “missão secreta” e “sigilo”. A política do segredo “era uma
das armas mais importantes no estabelecimento do comércio clandestino, de caráter oficial”
177
. A partir das instruções que saíam da alta administração em Lisboa e que chegavam aos
capitães-generais, a Coroa portuguesa procurou desenvolver uma política de comércio
clandestino, na qual as negociações envolviam gêneros diversos, embora o ouro e a prata
fossem os principais interesses de ambos os domínios178.
Ao analisar as práticas de contrabando, Nauk Maria de Jesus identificou dois tipos:
o contrabando oficial secreto, e o contrabando privado. No primeiro, havia a permissão do
rei, era estimulado pelas autoridades metropolitanas, e estava assentado numa rede comercial
constituída por pessoas unidas por interesses diversificados, e a prática do contrabando
passava a ser tolerada. Nele existiam práticas reguladas pelos dois lados envolvidos. Já o
contrabando privado era perceptível nas ações cotidianas desenvolvidas pelas pessoas que
não faziam parte da rede, podendo ser punidas e processadas. Era crime grave, que deveria
ser rigorosamente controlado179.
A capitania de Mato Grosso, por ser de fronteira e possuir em seu território áreas de
mineração, a partir da expansão em direção ao Vale do Guaporé passou a contar com novas
possibilidades de comércio e de abastecimento. Vila Bela e a capitania de Mato Grosso, com

176
Idem, ibidem, p. 81. [Anal desta Vila Bela do ano de 1760].
177
JESUS, 2006, p. 349.
178
JESUS, 2006, p. 349-352.
179
Idem, ibidem, p. 354-365.
73

a abertura oficial da navegação pelos rios Guaporé-Mamoré-Madeira rumo ao Pará tiveram


seus interesses comerciais ligados ao Estado do Grão-Pará e Maranhão e, sobretudo, à
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Tal condição propiciou o
estabelecimento de relações diversas nessa fronteira, tanto lícitas quanto ilícitas.
O Alvará Régio de 27 de outubro de 1733 tinha como objetivo se evitar qualquer
caminho em direção às minas com vistas a impedir o contrabando de ouro, o comércio com
os espanhóis e o despovoamento do norte, em virtude da descoberta de novas lavras
auríferas180. Nesse sentido, qualquer caminho que pudesse ligar a Capitania do Pará às minas
auríferas como a de Cuiabá e seu termo, por exemplo, estaria expressamente proibido.
A primeira navegação pela rota Madeira-Mamoré-Guaporé data de 1742, muito antes
da abertura oficial da navegação por esses rios, e da permissão da Coroa para realizar o
comércio com o Pará. A rota utilizada pelas monções do norte foi percorrida primeiramente
em 1742, por Manuel Félix de Lima. Segundo José Barbosa de Sá, cronista do século XVIII,
Félix de Lima era um negociante falido, morador do arraial de São Francisco Xavier, que
receava ir ao Cuiabá, onde tinha alguns credores. Juntou-se, então, a alguns aventureiros, e
navegaram pelo Guaporé abaixo, à procura de povoações de castelhanos para onde pudessem
passar. Barbosa de Sá nos relata:

Rodaram estes em uma canoa sem notícia alguma da navegação nem aonde
aquele rio ia surgir, tiveram encontros de gentios, passaram as cachoeiras,
viram o que gentes católicas não tinham ainda visto, deram consigo na
cidade de Belém do Grão-Pará, sem mais para a corrente das águas que os
levaram às cegas, foram na dita cidade presos e remetidos à corte aonde
dando notícias da sua viagem e de tudo o que tinham visto e passado foram
soltos.181

O fato de terem sido presos se refere à proibição da Coroa portuguesa de se freqüentar


qualquer trajeto que levasse às minas. Contudo, a viagem de Manuel Felix de Lima foi vital
para que a Coroa percebesse a importância da ocupação das terras localizadas a oeste da
América Portuguesa, sobretudo para que se desse conta da necessidade de navegação pelos
rios que ligam a capitania de Mato Grosso ao Pará. No ano de 1744, seguindo o mesmo
trajeto que fez Manuel Felix de Lima e seus companheiros, Miguel Silva, Mateus Correia,

180
LAPA, 1973, p. 28-29.
181
SÁ, 1975, p. 41.
74

Gaspar Barbosa, e um holandês fizeram outra viagem, durante a qual morreram o estrangeiro
e alguns escravos.
Mas foi no ano de 1749 que chegava João de Sousa Azevedo à Capitania de Mato
Grosso, com “a primeira carregação de negócio que nestas minas entrou vindo do Pará”.
Consta que entrou pelo rio Sararé, até o porto chamado dos “Pescadores” ou “Porto Geral”,
e que lá colocou parte das cargas em cavalos, e seguiu em direção à Chapada; outra parte
conduziu em canoas, pelo rio Sararé, até chegar ao porto do Mombeca, localizado no interior
das minas182. João de Sousa Azevedo morava no porto de Araritaguaba de Itu, e de lá seguiu
com carregação ao Cuiabá, de onde, passando pelo Jauru, a vendeu. Suas viagens e seu
comércio não se restringiram apenas ao trajeto de São Paulo-Cuiabá, pois chegou a Belém
percorrendo o rio Arinos. Logo as notícias de descoberta de ouro pelo comerciante João
Azevedo no rio Arinos, que deságua no rio Tapajós, chegaram aos ouvidos do então
governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará, Francisco Pedro de Mendonça
Gorjão. Em correspondência ao rei D. João V, no ano de 1747, o capitão general Gorjão
informava que o rio Tapajós era ordinariamente frequentado pelas canoas das “Missões da
Companhia”, que lá iam extrair as drogas do sertão, abundantes nas matas, como o cravo.
Advertia que, após o descobrimento de ouro no rio Tapajós entre 1746 e 1747 e no rio Três
Barras, que também deságua no rio Tapajós, as ordens deviam ser enviadas às fortalezas do
rio Tapajós, e que toda embarcação que por lá pretendesse navegar deveria ser revistada,
além de observar toda canoa que não seguisse a rota dos que colhiam as drogas do sertão183.
Neste sentido, procurava-se resguardar os novos achados auríferos dos vizinhos espanhóis,
evitando-se deslocamentos para essa área, por conta das novas minas.
A rota seguida por João de Sousa Azevedo está registrada nos Anais de Vila Bela:

Depois de outros intervalos, que não são para esta história, subiu pelo
Paraguai acima; e daí pelo rio Sepotuba. Varando as canoas nos dois
últimos saltos que tem, deu consigo no rio chamado Sumidouro, e deste
passou ao rio dos Arinos, em tempo que ainda lá estavam alguns enganados

182
AMADO & ANZAI, 2006, p. 48-49. [Anal de Vila Bela desde o primeiro descobrimento do sertão de Mato
Grosso no ano de 1734].
183
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 26/set/1747, cx. 29, doc. 2784. Correspondência de Francisco
Pedro de Mendonça Gorjão ao rei D. João V.
75

daquele descoberto no ano de 1746. Rodando por ele abaixo, saiu no rio
das Amazonas; daí até a cidade do Grão-Pará (...). 184

Estes acontecimentos foram relevantes para que a rota do Guaporé-Mamoré-Madeira


fosse liberada efetivamente somente em 14 de novembro de 1752. Segundo Capistrano de
Abreu, o percurso geográfico das primeiras expedições bandeirantes e também da navegação
de São Paulo a Cuiabá e de Mato Grosso ao Pará, ficou assim estabelecida:

Os bandeirantes deixando o Tietê alcançaram o Paraíba do Sul pela


garganta de São Miguel, desceram-no até Guapacaré, atual Lorena, e dali
passaram a Mantiqueira, aproximadamente por onde hoje transpõe a E. F.
Rio e Minas. Viajando em rumo de Jundiaí e Mogi, deixaram à esquerda o
salto do Urupungá, chegaram pelo Paranaíba a Goiás. De Sorocaba partia
a linha de penetração que levava ao trecho superior dos afluentes orientais
do Paraná e do Uruguai. Pelos rios que desembocam entre os saltos do
Urubupungá e Guaiará, transferiram-se da bacia do Paraná para a do
Paraguai, chegaram a Cuiabá e a Mato-Grosso. Com o tempo a linha do
Paraíba ligou o planalto do Paraná ao do S. Francisco e do Parnaíba, as de
Goiás e Mato-Grosso ligaram o planalto amazônico ao rio-mar pelo
Madeira, pelo Tapajós e pelo Tocantins185.

A abertura da navegação em 1752 teve maiores implicações, uma vez que a rota
percorrida por Manuel Félix de Lima assumiu muita importância, pelo fato de, em todo o
trajeto em direção ao Pará pelo rio Madeira haver presença de missões jesuíticas espanholas.
As razões para a abertura desse caminho aparecem expressas na carta de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-Real, de janeiro de 1752. Neste
documento, Mendonça Furtado observou que, quanto menos navegassem embarcações
portuguesas por esse trajeto, mais viável e propício se tornava aos padres castelhanos
avançarem sobre as terras lusas. Exemplificou com os casos das aldeias de Santa Rosa, São
Miguel e São Simão, que já haviam sido fundadas em áreas de domínio português e, de fato,
tempos depois o governo português implementou medidas para retirá-las dessa região, e a

184
AMADO & ANZAI, 2006, p. 49. [Anal de Vila Bela desde o primeiro descobrimento do sertão de Mato
Grosso no ano de 1734].
185
ABREU, 2000, p. 57.
76

aldeia de Santa Rosa passaria a sediar o Forte de Bragança186, por sua importância estratégica
significativa. Dentre outras medidas propostas pelo capitão general para impedir o avanço
espanhol, a principal delas se referia ao estabelecimento de povoações e fortalezas ao longo
da rota das monções187.
As argumentações de Mendonça Furtado também esclareciam que não haveria
prejuízo da Alfândega do Rio de Janeiro por conta do abastecimento da capitania de Mato
Grosso pela rota comercial do norte. O abastecimento das monções que saíam de São Paulo
e chegavam a Mato Grosso eram “precárias e débeis”, e justificava:

É insignificante e prejudicial à Fazenda Real o seu estabelecimento, porque


todos os que têm conhecimento daquelas minas concordam, que, quando
nelas são precisos cem mil cruzados de fazenda, apenas se lhes entram dez,
e nisto assentam, sem dúvida nenhuma, com tempos despachados dez mil
cruzados de fazendas no Rio de Janeiro, quando deveriam ser cem, do que
se manifesta que esta parcela é insignificante àquela grande alfândega, e
prejudicial à Fazenda Real tudo o que vai de dez para cem. 188

Na ótica de Mendonça Furtado, não apenas o abastecimento precário e demorado


justificava a abertura da navegação, mas também, e principalmente, a proximidade das
aldeias de Santa Rosa, São Miguel e São Simão, consideradas mais preocupante por estarem
“muito metidas no centro, e por isso se deixam ir fazendo novas aldeias nas nossas mesmas
terras”. Após analisar a situação, Mendonça Furtado concluía que o mais conveniente seria
franquear logo a abertura do caminho para Mato Grosso, evitando-se mais dissabores em
relação aos castelhanos. Após a liberação da navegação do Pará ao Mato Grosso, outras
medidas deveriam se voltar ao estabelecimento de novas povoações, com produção de
alimentos, na primeira cachoeira do rio Madeira, e Mendonça Furtado sugeriu também a

186
Lucídio informa que a partir de 1760, Rolim de Moura passou a prover a defesa e fortificação de Santa
Rosa, e a partir de 1762 a antiga aldeia passou a ser denominada Destacamento de Nossa Senhora da Conceição,
ou Presídio da Conceição. As tensões entre Portugal e Espanha em 1763 eclodiram nessa região do Guaporé.
Já no ano de 1765, o capitão general João Pedro da Câmara iniciou os trabalhos para a construção do Forte de
Bragança nesse mesmo local, uma obra feita de cal, pedras, paus e terra, que uma enchente do rio Guaporé
destruiu no ano de 1771. Cf. LUCÍDIO, 2004, p. 56-57.
187
MENDONÇA, 2005, p. 251. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-
Real de 20/jan/1752].
188
MENDONÇA, 2005, p. 252. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-
Real de 20/jan/1752].
77

construção de fortalezas ao longo do percurso, de modo que pudessem agir na defesa da


fronteira, e auxiliar os viajantes que navegavam pelo longo trajeto189.
Quando o caminho pelo Madeira passou a ser frequentado foi constante a presença de
comerciantes na enorme estrada fluvial que ligava o extremo oeste ao norte da América
Portuguesa; inaugurava-se, desse modo, uma rota de comércio que contribuiu para a
consolidação do poder da Coroa portuguesa no território percorrido pelas “monções do
norte”, principalmente durante a atuação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, a partir de 1755, distribuidora de produtos importados para a Capitania de Mato
Grosso.

As Monções do Norte

Por “monções do norte” designavam-se as canoas que, navegando através dos rios
Madeira-Mamoré-Guaporé abasteciam a capitania do Mato Grosso, principalmente as
canoas da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), a quem cabia
transportar e distribuir os produtos que seriam comercializados em Vila Bela da Santíssima
Trindade, capital da capitania de Mato Grosso. As monções que seguiam o roteiro fluvial
Madeira-Mamoré-Guaporé, também eram conhecidas por “monções do Grão-Pará”, ou
apenas “monção do Pará”.
O abastecimento de produtos importados em Vila Bela e suas imediações, até o efetivo
estabelecimento da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão era praticamente
dependente das praças do Rio de Janeiro e de São Paulo. As monções de povoado, quando
chegavam carregadas de mercadorias, aportavam umas em Cuiabá, e outras seguiam pelo
rio Jauru, em direção ao Mato Grosso, para abastecer a vila capital e suas imediações.
Assim como Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o capitão general da Capitania
de Mato Grosso D. Antônio Rolim de Moura sugeria a abertura desse caminho, colocando
em questão as dificuldades pelas quais passava a capitania em relação ao abastecimento. A
rota comercial pelo norte surgiu como alternativa econômica em um momento em que
questões geopolíticas prevaleceram.

189
MENDONÇA, 2005, p. 256-257. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça
Corte-Real de 20/jan/1752].
78

Diferentemente das monções de povoado, as monções do norte chegavam em menor


número, mas suas embarcações eram maiores, o que aumentava sua capacidade de carga.
Enquanto as embarcações do sul possuíam capacidade para transportar de 300 a 400 arrobas
de mercadorias, as canoas do norte, que navegaram o rio Madeira, também denominadas
ubás, eram bem maiores, com capacidade transportar 20 homens e até 3000 arrobas190 de
mercadorias, que se comparadas com a capacidade de carga das embarcações empregadas
nas monções de povoado exigiria nada menos do que seis a sete canoas monóxilas. Para
Holanda, essa capacidade das embarcações do norte se refere às possibilidades em matéria-
prima para a construção das canoas que a floresta amazônica oferecia, como o tamanho das
árvores191.
As embarcações eram feitas na “Casa de Canoas”, no Pará, que durante o tempo em
que existiram as monções do Grão-Pará constituiu-se em importante empresa encarregada
da fabricação de embarcações. Sem dúvida, a fabricação de canoas era muito importante
para o comércio e a navegação pelo Madeira até a Capitania de Mato Grosso. Em 1755,
Miguel de Bulhões e Sousa, bispo do Pará descrevia, em carta endereçada ao rei D. José, a
penúria e a grave situação em que se encontravam as duas “Casas de Canoas” existentes no
Pará. Reclamava da falta de espaço, da falta de ferramentas, do péssimo acondicionamento
das madeiras, que iam apodrecendo com o tempo e, por fim, propunha transformar as duas
em uma única, e construir um armazém para guardar os demais apetrechos utilizados em sua
fabricação192. A penúria das “Casas de Canoas”, segundo o mesmo bispo Miguel Bulhões,
traria prejuízo à Fazenda Real, mas logicamente a falta de canoas também dificultaria a
dinamização do comércio. E isso em 1755, dois anos após a abertura oficial de navegação
pela rota comercial norte, e ano da criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará
e Maranhão, cuja sede administrativa se encontrava no Estado do Grão-Pará e Maranhão.
Portanto, nada mais natural do que se preocupar com questões de ordem material tão
fundamentais.

190
Sérgio Buarque de Holanda atribui essa informação a Martius e Pizarro. Interessante observar que 3000
arrobas de capacidade seria o equivalente a aproximadamente 45 toneladas ou 45000 kg. Nesse total incluíam-
se remeiros, pescadores, piloto, donos e agregados. Holanda registrou que o próprio Martius pôde observar as
ubás em uso no segundo decênio do século XIX, que carregavam em média duas a três mil arrobas de
mercadorias. Holanda acrescenta ainda que Luiz d’Alincourt havia registrado em 1830 que as igarités do
Madeira carregavam, em média, mil a duas mil arrobas de mercadorias. Cf. HOLANDA, 1990, p. 30.
191
HOLANDA, 1990, p. 29-30.
192
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 17/ago/1755. Cd 05 (pasta 044/001/146), cx. 38, doc. 3621. Carta
de Miguel de Bulhões e Sousa ao rei D. José I.
79

IMAGEM 3 – Tipos de Embarcações

Joaquim José Codina. “Uma ubá, uma igarité e uma jangada e seus acessórios”.
Desenho em Nanquim. Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ, Acervo Digital.

Havia canoas de modelos diferenciados. Algumas contavam com proteção, como no


caso das canoas cobertas, que eram muito resistentes, e protegiam seus tripulantes da chuva
e do sol. Era feita com uma cobertura de aniagem lançada sobre uma corda, presa aos paus
em que se amarrava a rede. Quando chovia, colocava-se uma baeta suplementar, que a cobria
completamente193. Encomendar a construção de uma canoa coberta envolvia também
despesas, tanto com a mão-de-obra quanto com os materiais necessários. Tudo era
computado, desde os gastos com as madeiras, os pregos, o breu, os tecidos de lona, algodão,
bretanha, as tintas e os carpinteiros, como se verificou numa encomenda de canoa coberta
feita por Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres governador da capitania de Mato
Grosso, por conta da Fazenda Real. Ao todo, os gastos ficaram em 933$904194. Neste

193
SOUZA, In: NOVAIS, 1997, vol. 1, p. 50.
194
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 122, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Carlos Daniel de
Seixas a Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
80

documento consta detalhadamente o valor de cada material gasto na construção da canoa,


separado em alguns itens:

Madeiras: 7 toros facetados a 4$000, total 28$000 réis, paus de volta no


total de 4$000, 20 tábuas de louro no total de 6$666.
Pregaduras: 450 pregos caibrais, total 1$894 réis, 1350 pregos de galeota,
total de 2$095
Preparamento: 2 arrobas de estopa da terra, total 1$010, cera a 1$010, 1
rolo de pano de algodão a 15$000, 1 pote de óleo a 1$200.
Férias: a importância de uma folha de carpinteiro serrador, total 46$040,
ao escultor totalizando 10$000 e ao alfaiate de cozer as bandeiras no total
de $160
Tintas: um barril e uma frasqueira no total de 34$511.195

A monção do Grão-Pará era anual, e partia de Belém, preferencialmente nos meses de


junho e julho, considerada a melhor época para se navegar o Madeira, evitando-se sezões e
outras doenças196, embora nem sempre isso fosse obedecido. A demora na partida de uma
monção ocorria por diversos motivos, sendo que os mais comuns eram a espera por cargas,
a falta de remeiros, ou número insuficiente de canoas, pois um número maior de barcos
aumentava as possibilidades de defesa contra possíveis ataques de índios ou espanhóis197.
Essas irregularidades das monções, e a pouca disciplina na navegação deste trecho
ocasionaram falta de alguns produtos em Mato Grosso, mas, sobretudo, provocaram
preocupação na administração metropolitana, pois estavam envolvidas questões geopolíticas
de fronteira, e principalmente os interesses comerciais da Companhia Geral de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão.
Preparar uma viagem por tão dilatados caminhos consistia também em aprontar
gêneros alimentícios, armamentos e outros apetrechos, que seriam usados no percurso.
Algumas ferramentas constavam da lista, pois eram necessárias em prováveis consertos de
canoas, tais como machados, foices, serrotes de mão, martelos de orelha, cabos grossos e
finos, alavancas, ferros de calafetar, e pregos de diferentes tamanhos. Os gêneros para
consumo dos viajantes eram compostos por aguardente de cana, frascos com sal e pimenta,

195
APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 122, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Carlos Daniel de
Seixas a Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
196
ANZAI, 2003, p. 79.
197
LAPA, 1973, p. 50.
81

feijão, arroz pilado, vinho, azeite de andiroba, vinagre, marmelada, paneiros com farinha,
açúcar, potes de manteiga, chás. Consumiam peixes, e por isso levavam consigo anzóis de
piraíbas, anzóis pequenos e miudinhos, arpões de peixe-boi e tartaruga. Produtos de botica
para cura de doentes consistiam de ipecacuanha, emplasto de D. João, tártaro, quina,
basilicão, unguento branco, dentre outros. Para defesa contra os ataques de índios ou
espanhóis levavam pólvora, balas e armas de fogo198.
Uma viagem do Grão-Pará até Vila Bela durava em média de seis a sete meses. Mas
isso dificilmente acontecia, pois, os inúmeros obstáculos que os comboieiros passavam
durante o percurso acabavam por estender o tempo, que por vezes durava até um ano. As
doenças, as intempéries, como as chuvas e as neblinas, os ataques de índios e as cachoeiras
do Madeira eram motivos suficientes para atrasar a chegada de uma monção em Mato
Grosso. Durante todo o percurso eram dezessete as quedas d’água que os comboieiros
deveriam passar: 1ª Cachoeira de Santo Antônio199; 2ª Cachoeira do Salto; 3ª do Morrinhos;
4ª Caldeirão do Inferno; 5ª do Girau; 6ª Três Irmãos; 7ª do Paredão; 8ª da Pederneira; 9ª das
Araras; 10ª do Ribeirão; 11ª da Misericórdia; 12ª do Madeira; 13ª da Lage; 14ª do Pau
Grande; 15ª da Bananeira; 16ª Guajara-Guasu; 17ª Guajara-Mirim200.

198
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa Ataíde a João Pedro da Câmara. Veja-se também o material transportado pela comitiva da Viagem
Filosófica, de Alexandre Rodrigues Ferreira, em ANZAI, 2003.
199
A cachoeira de Santo Antônio era considerada limite natural entre o Estado do Grão-Pará e a Capitania de
Mato Grosso.
200
GOMES, 2005, p. 27.
82

IMAGEM 4 – Parte do Brazil que comprehende a navegação que se faz pelos tres Rios
Madeira, Mamoré e Guaporé, athe Villa Bella, Capital do Governo do Matto Grosso, com
estabelecimentos Portuguezes, e Espanhoes, a elles adjacentes

Fonte: Serra, 1777. BNRJ, Acervo Digital.

O mapa acima foi elaborado considerando o Tratado de Limites de 1777, o de Santo


Ildefonso201, e nele se destacam, em cor amarelada, as possessões espanholas, e em cor
avermelhada as portuguesas. Rico em detalhes, este mapa apresenta os rios e as povoações

201
O Tratado de Santo Ildefonso foi acordado e assinado em 1º de outubro de 1777, na cidade de San Ildefonso,
na província espanhola de Segóvia, com o objetivo de encerrar a disputa entre Portugal e Espanha pela posse
da colônia sul-americana do Sacramento, situação que se prolongava desde a Paz de Utrecht e a guerra de
1735-1737. O tratado foi intermediado pela Inglaterra e a França, que tinham interesses políticos internacionais
na pacificação dos dois países ibéricos. Com a assinatura do tratado, a rainha de Portugal, D. Maria I, e o rei
da Espanha, Carlos III, praticamente revalidaram o Tratado de Madrid, e concederam fundamento jurídico a
uma situação de fato: os espanhóis mantiveram a colônia e a região dos Sete Povos das Missões, que depois
passou a compor grande parte do estado do Rio Grande do Sul, e do Uruguai; em troca, reconheceram a
soberania dos portugueses sobre a margem esquerda do rio da Prata, cederam pequenas faixas fronteiriças para
compensar as vantagens obtidas no sul, e devolveram a ilha de Santa Catarina, ocupada poucos meses antes.
Entretanto, este tratado não foi definitivo, principalmente em relação aos Sete Povos das Missões, tomada pelos
portugueses. Em 1801, o Tratado de Badajós corrigiu o de Santo Ildefonso, restituiu a Portugal as Missões e
outros territórios do Rio Grande, e restabeleceu a divisão definida cinquenta anos antes, no Tratado de Madri
(1750). Cf. Colecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos públicos celebrados entre a Coroa de
Portugal e as mais potências desde 1640 até o presente. Tomo III. Lisboa: Imprensa Nacional, 1856. Disponível
em: http://books.google.com.br. Acesso em: 18/ago/2008.
83

ao longo da fronteira entre os domínios ibéricos: de um lado as missões espanholas, e de


outro, as povoações portuguesas. A cor em vermelho mais vivo inicia em parte do rio
Madeira, e percorre os rios Mamoré em direção ao sul traçando os limites entre as duas
coroas, até chegar ao Forte Coimbra, nas proximidades de Albuquerque. Destacamos neste
mapa a rota monçoeira, que saindo do rio Madeira entra no rio Mamoré, e deste ao rio
Guaporé, até chegar a Vila Bela. Neste mesmo mapa encontram-se destacadas as dezessete
cachoeiras existentes no trajeto, numeradas de 1 a 17.
Luís Pinto de Souza Coutinho também fez observações durante sua viagem pelo Rio
Madeira, em 1769. Anotou latitudes, a direção geral dos rios, a situação das produções, e
tudo aquilo que considerava vantajoso, como o fato do rio Madeira possuir margens ricas
em drogas do sertão, como cravo e cacau. O capitão general fez observações importantes
sobre o Madeira, e sobre os cartógrafos da época:

Este rio que ninguém tem navegado daqui para cima por mais de 8 dias nos
é inteiramente desconhecido, assim como a todos os geógrafos, os quais
não tinham visto estas paragens com outros olhos mais do que os dos
jesuítas, quando o descreveram. Esses padres, ou fosse por ignorância ou
por malícia, confundiram sempre, em tudo quanto escreveram, a
verdadeira situação destes países. De sorte que se não encontram nos seus
mapas, mais do que incoerências e erros. Tal é a forma por que o rio
Madeira se acha confundido com o Mamoré, no grande mapa da Província
de Quito, dedicado no ano de 1761 ao seu Geral, Visconti: estampando-se
nele o Rio Madeira, formado unicamente pelas águas dos Rios Mamoré e
Guaporé, desde o ponto da sua junção. Esta mesma confusão se foi
espalhando por quase todos os geógrafos de maior nota, tais como Mr. De
L’ille, La Boache, e Condamine, que também na Sua relação do Amazonas,
p. 132 – fala com o mesmo erro a respeito do Rio Madeira, não sendo nada
disso para admirar, havendo todos copiado estas noticias sobre o mapa que
os referidos jesuítas deram, no tomo 11º das cartas Edificantes das
Províncias de Los Moxos, no ano de 1713. Com igual ignorância também
se tratou este assunto pelos portugueses no Tratado de Madrid, em que
constava que os dois rios, Mamoré e Guaporé, os que formavam, depois da
84

sua junção, o mesmo Madeira, não obstante distar este ainda mais de 35
léguas do termo em que os ditos rios têm ambos a sua confluência. 202

Enfatizou Souza Coutinho: “O rio da Madeira é muito maior do que o Mamoré”, e com
águas turvas e carregadas de troncos arrancados pela violência de seu curso; a velocidade da
corrente represava na confluência do Mamoré as águas deste rio por mais de uma légua de
distância”, cuja medida de seu fundo excede 37 braças de altura.

O rio Madeira, segundo o capitão general recebia pela sua margem ocidental o rio
Marmero, e pela oriental os pequenos rios Manicoré, Capaná e Urapira, considerados de
pouca importância. Os rios aos quais o capitão dedicava maior “apreço”, por serem
navegáveis e desaguarem no Madeira eram o Jamari e o Gi-Paraná, distantes onze léguas um
do outro, e nove léguas da primeira cachoeira que tinha curso na mesma direção, confluindo
no rio Madeira, e sobre os quais Luís Pinto registrou que dispunha de poucas informações.
Nas vizinhanças do rio Jamari encontrou Luis Pinto a praia do Tamanduá, próxima da
primeira cachoeira, onde havia abundância de peixes, de cacau, e de azeite de tartaruga.
IMAGEM 5 IMAGEM 6

[A pesca das tartarugas]. Coleção Alexandre Rodrigues [O fabrico da manteiga de ovos de tartaruga]. Coleção
Ferreira. BNRJ, Acervo Digital. Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ, Acervo Digital.

202
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
85

Tratando ainda das observações de Luís Pinto, na Cachoeira do Salto o governador


observou que a grande quantidade existente de peixes poderia ser vendido aos comboieiros
que por lá passassem203.
IMAGEM 7 IMAGEM 8 IMAGEM 9

[Traíra]. Coleção Alexandre Rodrigues [Jacundá]. Coleção Alexandre Rodrigues [Matrincham]. Coleção Alexandre
Ferreira. BNRJ Ferreira. BNRJ Rodrigues Ferreira. BNRJ

Estabelecendo o percurso, da primeira cachoeira até a barra do Rio Mamoré eram 46


léguas de caminhos, gastando-se no percurso dois meses de viagem, devido aos obstáculos,
que eram muitos, tornando necessário não romper os rochedos, mas também “fixar por uma
vez as diferentes direções que anualmente tomam as correntes, as quais formam canais
diversos, à proporção das águas e do tempo, fazendo umas mudanças tão excessivas, quanto
é a altura das enchentes”, que podiam chegar até 60 palmos de volume. Luis Pinto propunha
a fabricação de canais, para evitar o encontro dos rochedos e facilitar a comunicação204.

Ao passar pela cachoeira do Salto, a segunda do rio Madeira, Souza Coutinho considerou
excelentes as terras localizadas na sua proximidade observando que ali se poderia fundar um
novo estabelecimento, por haver nela abundância de peixes durante todo o tempo,
fundamental para sustentar os moradores e prover as necessidades dos viajantes.

Luís Pinto também deixou registrado seu encontro com as populações nativas. Na área da
cachoeira do Girau, a quinta cachoeira do rio Madeira, habitavam os Pamas, uma pequena

203
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
204
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
86

nação de índios, que Luís Pinto considerou “sumamente dócil e bem constituída”, e fundou
no local uma povoação, com o objetivo de “civilizá-los”205.

Da primeira cachoeira até a décima primeira, que faz a barra o rio Mamoré, não “recebe
o Madeira por uma e outra margem mais do que 3 ou 4 ribeiros, e de um rio, semelhante na
grandeza ao Jamari, desemboca junto à cachoeira chamada da Pederneira, na margem
ocidental do rio Madeira”. O governador registrou que a região das cachoeiras possuía
terreno elevado e abundante em cacau, salsa, baunilha, jalapa, resinas e outras drogas
medicinais, produtos com boas possibilidades de serem comercializados. Sobre o fato das
margens do rio Madeira serem elevadas, Luís Pinto corrigiu suas observações em outra
correspondência, datada de junho de 1769: “deve se entender elevadas com várias exceções:
porém o regular é que quando de uma parte há pantanal ou lagoas, há quase sempre, da outra,
terra firme”206.

O rio Mamoré recebe as águas do rio Guaporé. O Mamoré possui, na parte em que se une
com o Guaporé, 47 braças de largura, e quase 18 de profundidade. Da barra do Guaporé até
a Fortaleza, são quase 20 léguas de caminho. As suas margens são “espraiadas e aprazíveis,
recebendo neste caminho pela parte oriental o rio Cautarios, a 7 léguas e meia da fortaleza e
não chegando a receber algum até defronte desse sítio”207.

O mapa abaixo, além de permitir marcar a localização de Vila Bela e de outros núcleos
de ocupação208 estabelecidos no Guaporé, ao longo do século XVIII, também nos possibilita
identificar os afluentes do rio Guaporé, como os rios Galera e Sararé.

205
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
206
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 13/jun/1769, cx. 14, doc. 848. Ofício de Luis Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
207
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
208
A partir de 1734, além dos arraiais que se formaram (São Francisco Xavier, Sant’Ana, São Vicente, Pilar)
Lucídio identificou outros pontos de ocupação no Vale do Guaporé, dos quais tratou detalhadamente: Ilha
Comprida, Corumbiara, Casa Redonda (Vizeu), Sítio das Pedras (Palmela), Aldeia de São José (Leomil),
Aldeia de São João (Lamego) e os fortes de Bragança, Príncipe da Beira e a povoação de Casalvasco. Para
mais informações ver: LUCÍDIO, 2004.
87

IMAGEM 10 – Bacia do Guaporé – 1772

Fonte: GARCIA, 2000, p. 406.

Além das dificuldades encontradas na navegação, como as diversas vezes em que se


fazia necessário sirgar ou varar as canoas em determinados trechos do percurso, os viajantes
das monções deviam conviver também com o incômodo dos insetos, como mosquitos,
marimbondos e carrapatos. De todos os tripulantes das canoas, os que mais sofriam com as
picadas de insetos, principalmente por não contarem com o abrigo de roupas adequadas,
eram os índios remeiros; as picadas provocavam feridas, mas os índios e demais viajantes
também eram acometidos por enfermidades como obstrução, apoplexia, hidropisia, asma,
febre terçã e quartã e a corrupção209. Destas, a última era a pior, e bastante temida por todos.
Alexandre Rodrigues Ferreira, naturalista de fins do século XVIII, que havia passado com a

209
ANZAI, 2003, p. 160.
88

expedição filosófica pelos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, registrou aquilo que
considerava serem as principais causas das doenças dos índios:

As viagens fora de monção; a inquietação e o constrangimento do espírito;


a assiduidade, a violência do trabalho corporal; a nudez dos corpos sempre
expostos às vicissitudes do tempo; a corrupção dos alimentos que comem
e a impureza da água que bebem; a falta de medicamentos (e se os há); a
sua aplicação vaga e arbitrária. 210

Os índios remeiros também sofreram com os maus tratos e a escravização, embora na


época das monções do norte já estivesse em vigor o Diretório dos Índios, que os tornava
vassalos do rei proibindo-se escravizá-los. Deste modo, o trabalho prestado pelos índios
deveria ser pago como o de qualquer homem livre, mas na prática não era o que acontecia.

Os ditos passageiros, ajustando-se com os índios por umas poucas oitavas


de ouro para os levarem para essas novas minas, em lá chegando lhe
satisfazem o seu trabalho em pano de algodão grosso, descontando-lhe a
meia oitava a vara, que no Pará lhe custou a sete ou oito vinténs, e quando
aqueles miseráveis se recolhem às suas casas, já não há notícia de tal pano,
e ficam as suas pobres famílias em suma necessidade, depois de terem os
seus maridos ausentes tanto tempo, e padecendo a última miséria.211

Entretanto, o saber indígena era fundamental para a travessia fluvial do Pará até Mato
Grosso. Ao empregar seus conhecimentos, tanto na construção de embarcações quanto nas
atividades de remeiros e proeiros, os índios tornaram possível a transposição dos obstáculos
naturais, e em lugares de muitas correntezas e corredeiras, entravam na água e conduziam o
barco nos trechos mais difíceis. Além do mais, eram profundos conhecedores da fauna e da
212
flora . Segundo Holanda, o proeiro era a figura mais importante da embarcação, pois
comandava e governava a proa; batendo com o calcanhar no chão marcava o compasso das

210
ANZAI, 2003, p. 161.
211
APMT. Lata 1758A, Fundo Governadoria, doc. n° 94, Vila Nova de Barcelos, 30/mai/1758.
Correspondência de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
212
LAPA, 1973, p. 44-45.
89

remadas, e possuía uma capacidade de observação apurada, detectando os perigos do


percurso213.
Se nas monções que saíam de Araritaguaba a Cuiabá, os índios Paiaguá e Guaicuru
constituíam principal empecilho, nas monções do norte encontravam-se os índios Mura, alvo
de reclamações constantes por parte dos comerciantes. Os Mura viviam às margens do rio
Madeira, e por serem “de corso”, isto é, não terem povoação fixa, contê-los não era tarefa
fácil. Ainda assim, algumas medidas foram sugeridas às autoridades de Mato Grosso:

[...] Se me faz preciso participar a vossa excelência que, para conter os


índios Muras, que infestam o rio Madeira e prejudicam tão gravemente aos
comerciantes dessas minas com este Estado, julgo de uma indispensável
necessidade, que vossa excelência mande por na povoação do Salto dez ou
doze pedestres com quatro dragões, mandando armar duas igarités de dois
ou três remos por banda, e cada uma com quatro pedestres e um dragão,
que façam corso até a Vila de Borba, a nova, e eu desta parte mandar
guarnecer outras duas semelhantes embarcações, com número competente
de soldados e armas para fazerem o mesmo corso, a encontrarem-se com
as outras até chegarem à povoação do Salto.214

Mas, para Luís Pinto de Souza Coutinho, terceiro governador e capitão general da
Capitania de Mato Grosso, a partir das observações que fez durante sua viagem pelo rio
Madeira havia a possibilidade de contornar os problemas provocados pelos Mura:

E ainda que os terríveis pânicos de que se acham possuídos os navegantes


façam subir o número de gentio a uma soma imensa, contudo, os vestígios
que se encontraram na viagem não poderão persuadir-me de que aquela
nação pudesse ser tão numerosa, como supõe o mesmo vulgo. De sorte que,
estendendo-se os novos estabelecimentos pelas margens daquele rio, não
acho dificultoso extingui-la, ou puderem se descobrir, com o tempo, ainda
alguns meios de domá-la. 215

213
HOLANDA, 1975, p. 173.
214
APMT. Lata 1759 II, Fundo Justiça, doc. n° 19, Pará, 13/mai/1759. Correspondência de Manoel de Bernardo
de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.
215
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
90

Além das observações sobre os Mura, o capitão general Luís Pinto constatou também
a presença de outras nações de índios como os Caripuam. Em sua passagem pelo rio Madeira,
o capitão general Luís Pinto, quando se encontrou com os índios Caripuam, os descreveu
como “dóceis, bem figurados, francos e tratáveis”216. Em troca dos presentes que ofereceram
aos índios, os navegantes receberam panos de algodão bem trabalhados, concluindo o
governador que, por sua qualidade, só poderiam ter vindo das missões castelhanas. Logo
notou Luís Pinto a importância da rota, e deixou registrado um conselho do qual também
eram partidários os governadores da capitania de Mato Grosso que o antecederam:

Tudo isso nos deu advertir, como bem refletiu já o Conde de Azambuja, de
não perdermos tempo algum em ser formarem estabelecimentos pela nossa
parte sobre uma e outra margem do Madeira, antes que os espanhóis se
antecipem. Porquanto chegando a fazer qualquer fundação nas cachoeiras
e a fortificarem nelas algum posto, perdida fica em um instante toda a
navegação do Pará, e impossibilitados quaisquer socorros para poderem
nunca vir em tempo de guerra, e aos domínios desta capitania.217

Um dos problemas enfrentados pelos navegantes da rota dizia respeito à alimentação.


A dieta alimentar dos navegantes consistia em farinha, toucinho, feijão e demais alimentos
fornecidos pela natureza durante o percurso. Alimentavam-se dos peixes do rio Madeira, e
caçavam antas, veados, porcos do mato, pacas, patos silvestres e tartarugas, das quais
aproveitavam os ovos para fazer manteiga, e a banha para fazer azeite, utilizado na
iluminação. Era frequente os navegantes não contarem com bons alimentos à disposição.
Com a umidade e o mau acondicionamento, “a farinha corrompia-se e o feijão brotava
todo”218. Também ficavam “as carnes e peixes mal salgados, amontoados nos porões das
canoas, meio apodrecidos”219, contribuindo para o aparecimento de doenças.

216
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
217
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 20/jan/1769, cx. 13, doc. 829. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
218
SOUZA, 1997, p. 73.
219
ANZAI, 2003, p. 162.
91

IMAGEM 11 IMAGEM 12 IMAGEM 13

[Paca]. Coleção Alexandre Rodrigues [Cotia]. Coleção Alexandre Rodrigues [Lebre]. Coleção Alexandre Rodrigues
Ferreira. BNRJ, Acervo Digital. Ferreira. BNRJ, Acervo Digital. Ferreira. BNRJ, Acervo Digital.

O reabastecimento era feito nas aldeias, feitorias, fortalezas e povoações estabelecidas


ao longo do trajeto fluvial, locais estes nos quais conseguiam legumes, milho, arroz, bananas,
mamões, galinhas, etc.220 As povoações existentes no percurso dos comboios de canoas
foram muito importantes, pois garantiram não só a assistência aos comerciantes e demais
viajantes, como a posse da região ocupada para a coroa lusa.
Nas feitorias221 erigidas no caminho seriam construídos armazéns para estocar as
mercadorias necessárias ao comércio. Estas seriam levantadas com o apoio da Companhia
de Comércio do Grão-Pará, já que ia ao encontro de seus interesses. No caso dos domínios
entre norte e oeste da América Portuguesa, as feitorias, lugares essencialmente de objetivos
comerciais, assumiram também caráter geopolítico. O rio Madeira foi o ponto escolhido para
a fundação desse tipo de estabelecimento. Informações sistematizadas sobre as fundações de
feitorias só aparecem na documentação a partir de 1772, pois foi nesse ano que Pombal
ordenou a fundação de sete feitorias ao longo do trajeto fluvial das monções do norte.
Portanto, provavelmente os armazéns localizados em fortes ou povoações ao longo do
percurso cumpriram papel de feitoria antes da referida ordem, como foi o caso do Forte
Príncipe da Beira, e também do Forte de Bragança, locais de parada das monções. Segundo
Davidson, a partir de 1772 deveriam se fundar feitorias “ao longo das maiores artérias da
navegação”, estabelecidas em Barcelos (capital da Capitania de Rio Negro), no rio Negro, e

220
LAPA, 1973, p. 70-5.
221
As feitorias, em geral, constituíam-se em um entreposto fortificado que, na fase inicial da colonização dos
domínios ultramarinos portugueses negociava com os nativos e recolhia e armazenava os produtos que deviam
ser transportados para a metrópole. Portanto, inúmeras foram as feitorias estabelecidas pelos portugueses em
seu vasto império colonial ultramarino erigidas em lugares comercialmente e politicamente estratégicos.
92

na Vila Nova de São José do Javarí (mais tarde Tabatinga), sobre o rio Solimões ou alto
Amazonas, e
... serviriam de centros de distribuição para o contrabando com a Espanha
nas franjas de Nova Granada, Quito e Peru. As cinco feitorias restantes
estariam fundadas nos rios Madeira e Guaporé, para auxiliar e defender o
fluxo Pará-Mato Grosso, e como pontos de contato com os habitantes de
Santa Cruz, Moxos, Chiquitos, Paraguai e, de maneira esperada, Potosí.
Um posto estaria localizado na cidade de Borba (inicialmente a missão
jesuítica de Trocano, secularizada Mendonça Furtado em janeiro de 1756)
cerca de noventa milhas (144,81 km) acima da boca do Madeira; um outro
seria construído em um ponto contando vinte dias de viagem do Borba,
para assistir comerciantes que subissem as cachoeiras; a um terço da
décima segunda cachoeira do Madeira, próximo de onde se encontra com
o rio Beni, seria fortificado, da mesma forma como na quarta, no Forte
Conceição, no Guaporé, e a quinta, a ser erigida entre Conceição e Vila
Bela, onde o Mequéns flui para o Guaporé.222

Uma das primeiras feitorias fundadas no rio Madeira de que dispomos de notícias
pertencia a João de Souza Azevedo, comerciante, que a levantou sem licença régia. Seu
empreendimento se dedicava ao comércio de cacau e cravo, abundante nas margens daquele
rio. No entanto, a fundação deste empreendimento deveu-se a interesses particulares; sua
feitoria não licenciada pelo rei foi denunciada por Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
a Diogo de Mendonça Corte Real, em 1754, mas João de Souza Azevedo não teve sua pena
executada, uma vez que seus conhecimentos sobre a navegação pelos rios Madeira e
Guaporé eram imprescindíveis, além de ser o único prático conhecido habilitado a levar o
Desembargador e Ouvidor Geral para Mato Grosso223 nesse período.
Quanto às outras feitorias erigidas pelo caminho, o Forte Príncipe da Beira foi um
desses importantes locais de abastecimento dos viajantes, pois em suas dependências eram
armazenados os produtos da Companhia de Comércio, além de possui guarnição militar para
proteger os moradores de seu entorno, e oferecer amparo e abrigo aos navegantes: “Cumpriu
papel de feitoria, inclusive arrecadando taxas e tributos”224.

222
DAVIDSON, 1970, p. 160.
223
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 09/mar/1754. Cd 04 (041/002/390), cx. 36, doc. 3365. Ofício de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte Real.
224
FERNANDES, In: ROSA & JESUS, 2003, p. 159.
93

Não há dúvida de que os governadores e capitães-generais, tanto os do Estado do Grão-


Pará e Maranhão, quanto os de Mato Grosso, e ainda o rei e seus ministros sabiam da
necessidade de firmar sua posição por esses caminhos. Durante toda a segunda metade do
século XVIII, as questões de limites em terras luso-americanas foram debatidas. Delimitou-
se, demarcou-se, ocupou-se. As expedições e comissões demarcadoras de limites
portuguesas e espanholas tiveram o árduo trabalho de estabelecer onde começava e
terminava um e outro domínio. Os engenheiros e astrônomos demarcadores dessas
225
expedições produziram uma “cartografia dos caminhos” , registrando passo a passo sua
jornada. Além das cartas geográficas e mapas, elaboraram diários de viagem, nos quais
registravam os rios, as cachoeiras e as distâncias de uma a outra, os sítios e roças, as
localidades encontradas (arraiais e vilas), nações de índios, os potenciais recursos
alimentares das matas, etc. Os diários de viagem possuíam um caráter científico do maior
interesse, e deveriam ser enviados às autoridades metropolitanas, por serem fontes
importantes de informações.
Para Davidson, a rota do Madeira constituiu artéria indispensável da fronteira de Mato
Grosso, responsável por “assegurar especial sentido à formação e consolidação do Brasil
colonial” 226; por meio da história de uma rota fluvial, Davidson ofereceu um estudo de caso
bem fundamentado sobre a formação e integração territorial do Brasil. Através das monções
do norte foi possível assegurar a posse de um território importantíssimo para a Coroa
portuguesa, pelo fato da rota fluvial estar na fronteira com os domínios espanhóis. De fato,
razões geopolíticas prevaleceram na abertura desse caminho, reafirmando a posição
portuguesa sobre aquelas possessões227, caminho este que contemplou políticas de ocupação,
povoamento, defesa, e também econômicas, durante a segunda metade do século XVIII, que
discutiremos no capítulo seguinte.

225
GOMES, 2005, p. 09-10.
226
DAVIDSON, 1970, p. 22.
227
CANAVARROS, 2004, p. 246.
94

Capítulo 3
Negócios na fronteira oeste da América Portuguesa

O comércio da Capitania de Mato Grosso com a Companhia do Grão-Pará

Os portos do Pará, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia constituíam os principais


mercados fornecedores de produtos oriundos da Europa e de outras partes do Império
ultramarino português para a Capitania de Mato Grosso. Segundo Zemella, em relação ao
comércio europeu, Portugal auferia grandes lucros como intermediário dos fornecimentos
de produtos feitos às Minas Gerais e ao Brasil, pois “ganhava nas taxas alfandegárias que
cobrava nos seus portos e nos portos coloniais; cobrava os direitos de entrada que pagavam
os gêneros para entrar nas Gerais, e recebia imposto das lojas e vendas que revendiam os
228
artigos” . Na metrópole, os artigos provenientes de diferentes regiões do império
português, louças, porcelanas, sedas e tapeçarias da Índia e da China; tecidos da Inglaterra,
França e Holanda; ferro e aço comprado aos suecos, hamburgueses e biscainhos, juntavam-
se à produção metropolitana de alho, azeite, azeitona, bacalhau, nozes, sal, sabão, vinhos,
aguardente, entre outros, e de lá eram embarcados e distribuídos pelos portos coloniais da
Bahia, Rio de Janeiro e Santos229. A partir do Setecentos, a praça carioca, segundo Sampaio,
“vai sobrepujando a de Salvador em importância dentro do sistema mercantil imperial,
tornando-se assim a principal da América Portuguesa”230.
As regiões de mineração do interior representavam um mercado consumidor em
potencial – fator que justificaria o empreendimento das difíceis viagens das frotas de
comércio. Para Furtado, o comércio nas minas floresceu rapidamente pelo fato de os
mineiros possuírem em suas mãos o ouro, um equivalente universal de troca que facilitava
muito as transações mercantis. Acrescente-se a isto

228
ZEMELLA, 1990, p. 82.
229
Idem, ibidem.
230
SAMPAIO, In: FRAGOSO; BICALHO, GOUVEA, 2001, p. 75.
95

... a distância das Minas, a dificuldade dos meios de transporte, os inúmeros


intermediários e a cobrança de vários impostos eram alguns dos motivos
que faziam com que os preços das mercadorias atingissem preços nunca
antes vistos, tornando-a um mercado atrativo para o comércio.231

No caso de Minas Gerais, o comércio era rendoso, e os donos de algumas casas de


comércio de Portugal, e do Rio de Janeiro trataram de enviar seus representantes nas novas
áreas de mineração. Deste modo, formou-se, devido à alta lucratividade do comércio, uma
rede de abastecimento de produtos não só de primeira necessidade, mas também de artigos
de luxo, cujos mercados abastecedores eram os principais portos coloniais232.
A capitania de Mato Grosso, da mesma maneira, constituía um mercado consumidor
propício ao desenvolvimento de atividades mercantis. Através das vias fluviais inúmeros
comerciantes levavam produtos para o consumo da população de Mato Grosso. De modo
singular, o fato da capitania de Mato Grosso ser considerada fronteira norteou a política
metropolitana em relação ao comércio, principalmente no que toca ao abastecimento de Vila
Bela e suas imediações. As primeiras impressões do capitão general D. Antônio Rolim de
Moura sobre Mato Grosso, que descreveu como “sumamente doentio e de grande carestia e
falta de muitas coisas necessárias para a vida humana”233, reforçavam que as autoridades
metropolitanas deveriam se empenhar para sanar essas dificuldades, principalmente em
relação à fixação de pessoas na vila capital estabelecida na fronteira, melhorando suas
condições de vida.
A administração do governador e capitão general Rolim de Moura objetivou, além
da fundação e manutenção de Vila Bela desocupar as aldeias de São Miguel, São Simão e
Santa Rosa que, a partir do Tratado de Madrid estavam localizadas do lado português;
organizar reduções para os índios, armar corpos militares, implementar política de
povoamento com a utilização de índios para povoar os lugares e aldeias que surgiam a partir
de Vila Bela, incentivar casamentos interétnicos, criar pontos de parada para socorro dos
comboieiros, e conservar a comunicação fluvial de Mato Grosso com o Pará livre, impedindo
que os espanhóis ocupassem as margens do rio Guaporé234. Rolim de Moura procurou
cumprir todas as instruções que recebeu, e ao deixar livres as margens do rio Guaporé
reafirmou a posse desse espaço, em prejuízo dos vizinhos hispânicos, pois estava claro para

231
FURTADO, 2006, p. 198-199.
232
Idem, ibidem, p. 199.
233
IHGMT, 2001, p. 22. Instrução do Conde de Azambuja para João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
234
BLAU, 2007, p. 35-36.
96

o governador que “em qualquer parte que se situem é gravíssimo prejuízo, porque fazendo-
o na margem oriental (direita), interrompem a nossa posse e abrem posse para o nosso sertão;
e se for na margem ocidental, em qualquer parte que seja, nos podem dificultar muito a
navegação”235. Foi durante o governo de Rolim de Moura que se estabeleceu a Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, criada três anos após a fundação da vila
capital, e que foi responsável pelo abastecimento de gêneros importados de outras partes do
Império português para a Capitania de Mato Grosso. A Companhia de Comércio, inclusive,
contribuiu para a entrada de escravos africanos no Grão-Pará e também na capitania de Mato
Grosso, diminuindo a pressão sobre os cativos indígenas naquele Estado, e com o objetivo
de aumentar o número de mão-de-obra escrava já existente na capitania de Mato Grosso,
cujo principal mercado fornecedor era o Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia até o
estabelecimento efetivo do comércio com Belém e com a Companhia do Pará, que por sua
vez, constituiu mais uma rota de abastecimento.
Em maio de 1754, Francisco Xavier de Mendonça Furtado informava D. Antônio
Rolim de Moura sobre as práticas dos colonos em relação ao trabalho dos indígenas no Grão-
Pará destacando que “este Estado inteiro se acha arruinado porque nele os moradores até
agora quiseram fundar-se sobre a tirania de carregarem o imenso trabalho que aqui há que
fazer sobre os ombros dos miseráveis índios, chegando até o ponto de os privarem da
liberdade”236. Nesta mesma correspondência informava das soluções que tomou para aliviar
o trabalho dos indígenas propondo a introdução de negros africanos para realizar trabalhos
nas lavouras. Entretanto, tal proposta conforme informou Mendonça Furtado foi rejeitada
por alguns e o trabalho indígena continuou corrente no Estado do Grão-Pará. Deste modo,
concluiu o capitão-general que “para a cura deste inveterado mal se necessitava de tempo, e
que não perderia a ocasião de lhe aplicar o remédio, que acha-se mais proporcionado ao
dano”237. Nesse sentido buscou reforçar e denunciar essas práticas abusivas para levar ao
cabo a criação da companhia: “dois anos e meio trabalhei para conseguir aquele fim,
valendo-me de diversos meios, até que ultimamente alcancei o convir esta gente em fazerem
uma Companhia Geral de Comércio para a introdução de pretos”238.

235
IHGMT, 2001, p. 24. Instrução do Conde de Azambuja para D. João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
236
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
237
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
238
APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.
97

Em 1751, quatro anos antes do início do funcionamento da companhia, a já existente


ligação comercial com o Pará oferecia a Rolim de Moura a possibilidade de solucionar
problemas de abastecimento, além de efetivar para Portugal a conquista desses caminhos, e
Rolim enumerou as vantagens:

A primeira que do Pará hão de concorrer naturalmente muitas pessoas para


aquelas minas. A segunda, que as fazendas e mantimentos do reino vindos
por ali hão de ser mais baratos, o que facilitará a subsistência dos seus
moradores. A terceira, que por aquela parte fica muito mais breve a
comunicação com a corte, donde pode ser socorrida esta capitania com
grande brevidade. E quarta, fazermo-nos senhores daquela navegação.239

Esses motivos eram considerados fundamentais para a conservação desse comércio,


que apesar dos riscos, não poderia ser dispensado, ainda que existissem outras rotas de
abastecimento. Apesar de opiniões contrárias, além dos motivos já expostos por Rolim de
Moura, essa comunicação incrementaria o comércio e traria maior arrecadação, da mesma
forma que a concorrência com as monções do sul conteriam a especulação dos preços240. Na
recém-criada capitania, havia a necessidade de um abastecimento não só de produtos
importados, como também um aumento do número de mão-de-obra escrava africana que, a
partir de 1755, ficaria também a cargo da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão. Dela se esperava a introdução de muitos escravos africanos, que substituiriam o
trabalho escravo dos índios, os quais, desde 1755, eram considerados vassalos do rei, e não
deveriam ser escravizados, embora tal proibição não funcionasse na prática. Para Diogo de
Mendonça Corte-Real, eram claros os benefícios da atuação da companhia em relação ao
abastecimento de escravos:

Como se tem estabelecido, a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, o


grande fim que se propõe é de introduzir muitos negros; espero que a
abundância deles possa chegar a esse país, para que se continue em novos
descobertos de minas, em que não cuidam os mineiros que atualmente

239
NDIHR – UFMT, 1982, v. 1, p. 32. Correspondência de D. Antônio Rolim de Moura a Diogo de Mendonça
Corte Real de 27/jun/1751.
240
LAPA, 1973, p. 30.
98

estão nesse país, que por falta deles se acham sós nas faisqueiras, entretidos
a passar a vida, e sem cuidarem na sua utilidade, nem da Real Fazenda. 241

A utilização da mão-de-obra escrava indígena e africana não estava circunscrita apenas às


minas, sendo também encontrados negros e índios nas lavouras, e ainda no desempenho de
outras funções, como a de remeiros, no beneficiamento de alimentos, bem como em
atividades manufatureiras, como a fiação e a tecelagem.
Umas das razões pelas quais se criaram expectativas quanto ao comércio praticado
com o Pará foram os preços dos gêneros secos e molhados que entravam pelas minas, vindos
do Rio de Janeiro, e que eram absurdamente caros. Um alqueire de sal, por exemplo, que em
sua origem custava 2.200 réis, chegava em Mato Grosso acrescido dos custos com a despesa,
custando 30.440 réis, quase quatorze vezes mais caro242. Em correspondência de Rolim de
Moura enviada a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em 1756, o governador se
mostrava esperançoso em relação ao aumento das transações comerciais com a companhia,
e com a concorrência entre os comerciantes do norte e do sul, apesar das dificuldades
apresentadas no princípio do empreendimento:

Daqui é natural se aumente o interesse à nova Companhia de Comércio;


pois pelas dificuldades que ainda experimentam os viandantes deste
caminho, como sucede a todas as coisas nos seus princípios, não tem agora
podido dar um tal preço, principalmente as fazendas secas, que tire o lucro
as que vêm do Rio de Janeiro, o que faz que para aquela cidade se divirta
a maior parte do ouro que se tira destas minas, o que é certo há de diminuir,
à proporção que o comércio com o Pará se for franqueando e facilitando
mais. 243

Rolim de Moura observava que o Rio de Janeiro absorvia a “maior parte do ouro que
se tira destas minas”, por não haver concorrência de outra praça comercial no fornecimento
de mercadorias para a capitania de Mato Grosso. Quando João Pedro da Câmara, sucessor
de Rolim de Moura assumiu o governo da capitania, esta se encontrava num momento de
instabilidade das relações entre Portugal e Espanha, e já estava em curso a guerra entre
portugueses e castelhanos nas fronteiras da capitania de Mato Grosso e Santa Cruz de La

241
APMT. Lata 1756 A, Fundo Governadoria, doc. nº 62, Belém, 19/fev/1756. Correspondência de Diogo de
Mendonça Corte Real a D. Antônio Rolim de Moura.
242
CANAVARROS, 2004, p. 212.
243
NDIHR – UFMT, 1982, v. 3, p. 23. Correspondência de D. Antonio Rolim de Moura a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado em 1756.
99

Sierra. Ao contrário de seu antecessor, que utilizou para chegar à capitania o velho caminho
das monções paulistas, Câmara foi a primeira autoridade a viajar pelo rio Madeira, gastando
ao todo sete meses de viagem. Suas preocupações centraram-se na defesa da fronteira,
resguardando os domínios portugueses dos hispânicos. Arthur Reis, em “João Pedro da
Câmara, um fronteiro olvidado”, narrou de modo bastante contundente os esforços do
capitão general para a defesa da fronteira lusa nos anos de 1765 e 1766:

Informado pelo comandante de Nossa Senhora da Conceição de que os


espanhóis se apresentavam com grandes contingentes em terra e sobre o
rio, ficou na certeza de que não tardariam a ação. Apelou para os governos
de Goiás, Pará, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, solicitando-lhes
reforços. Em junho partiu com destino a Nossa Senhora da Conceição,
confiando a defesa de Vila Bela a seu ajudante de ordens. Em Nossa
Senhora, as obras de fortificação não marchavam com rapidez à falta de
material, principalmente cal. Imprimiu-lhes o dinamismo de sua presença
e de sua vontade. Em breve, estava concluída e reforçada a guarnição com
o contingente de 100 homens chegados de Belém. Era tempo. Porque a 1°
de outubro, ano de 1766, surgia o inimigo que destacava a meia légua da
margem ocidental do rio oposto à fortaleza. 244

Os socorros mencionados por Reis para a capitania era prática comum em regiões de
domínio português. Davidson observou que

... o governador da capitania tem obrigação de defendê-la quando atacado,


tal como o envio de todas as suas forças para o auxílio de qualquer outra
capitania que seja necessária a sua assistência, sendo certo que nesta
recíproca união do poder essencialmente constituído reside a maior força
de um Estado, e sem ele, a sua fraqueza. 245

Assim como ocorria em outras regiões que contavam com a atuação da Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, uma de suas atribuições consistia em oferecer
assistência financeira ou fornecer produtos diversos, como tecidos destinados ao fardamento

244
REIS, 2002, p. 31.
245
DAVIDSON, 1970, p. 82.
100

das tropas, armas, munições e outros equipamentos, bem como auxiliar na construção de
fortalezas ou feitorias para a segurança de seu comércio e das regiões em que estava
estabelecida, embora fosse embolsada depois pela Fazenda Real. Os empréstimos de
dinheiro feitos pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão à Companhia do Grão-Pará e
Maranhão serviam para pagar despesas diversas, das quais podemos citar, para a década de
1770, gastos com a fortificação da Vila de São José do Macapá, pagamentos das tropas,
pagamento das côngruas, madeiras para o arsenal, ou ainda com as charruas de Sua
Majestade 246. As despesas da capitania de Mato Grosso para com a Companhia se referiam
basicamente às munições, ferramentas, mantimentos e quinquilharias, medicamentos,
jornais e soldos, e outros empréstimos247.
Sobre o comércio com a Companhia do Grão-Pará, Davidson estabelece fases das
quais discorrerei ao longo do texto. A primeira trata-se da comunicação entre Mato Grosso
e o Pará, denominada pelo autor de “início”, e tem como principal característica o
experimento, indo de 1752 a 1768. Nesta fase os produtos destinados ao abastecimento de
Mato Grosso não eram sortidos, eram relativamente poucos e de má qualidade,
principalmente no que toca à mão-de-obra escrava, pois muitos escravos chegavam aleijados
ou doentes. Para Davidson faltava à cidade de Belém, nesse período, o que era mais
primordial para servir de entreposto comercial, isto é, “um comércio firme com a metrópole
e uma opulenta, bem estabelecida classe comercial capaz de providenciar amplo sortimento
248
de mercadorias em cima de condições de crédito flexíveis.” Entre 1756 e 1760, o
comércio com a Companhia e Mato Grosso foi insatisfatório pelas condições em que se
encontravam as mercadorias, ou mesmo pela falta delas. Durante a década de 1760 houve
um estímulo à produção paraense, e os fazendeiros do Pará tinham prioridade sobre as
vendas, ficando aos comerciantes de Mato Grosso as sobras. Notadamente esse foi um
período complicado, em que as reclamações dos comerciantes de Mato Grosso se fizeram
ouvir249.

246
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 10/mar/1769. Cd 07 (pasta 071/001/031), cx. 64, doc. 5527;
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 18/nov/1770. Cd 07 (pasta 073/003/545), cx. 66, doc. 5703. Ofício
do Provedor da Fazenda Real do Pará Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio para Sebastião José de Carvalho
e Melo.
247
APMT. Lata 1765-1768, Fundo Fazenda, doc. n° 119. Pará, 18/fev/1768. Resumo do que deve a Provedoria
da Capitania de Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em 1761, 1764,
1765 até 1768.
248
DAVIDSON, 1970 p. 141-142.
249
Idem, ibidem, p. 141-142.
101

A partir da década de 1760, a atuação dos homens de negócio com a Companhia


aparece com maior regularidade na documentação oficial registrada pelos capitães-generais
e demais funcionários da Coroa. João Pedro da Câmara comentou positivamente a atuação
dos comerciantes:

Os homens de negócio vêm muito satisfeitos do bom tratamento e


franqueza que acharam na Companhia, por cujo motivo julgo que não só
estes, mas outros que negociam para o Rio e Bahia, frequentarão o
comércio por esta parte, com grande utilidade da mesma companhia. 250

Era o que se esperava e o que de fato ocorreu no início das atividades comerciais
entre Mato Grosso e Pará. Segundo Lapa, havia negociantes de Mato Grosso que atuavam
nas duas rotas, do norte e do sul. Os conflitos com a companhia em relação à má qualidade
dos produtos, principalmente no que se refere à mão-de-obra escrava foi uns dos motivos
para que alguns preferissem comercializar com o Rio de Janeiro e Bahia, causando grande
preocupação aos capitães-generais, uma vez que o comércio com a Companhia não poderia
deixar de ser realizado. Ainda segundo Lapa, transcorridos cinco anos da atuação da
companhia, os comerciantes alegavam que “o rígido monopólio sobre o comércio entre as
duas capitanias, os obrigou a apenas se dirigirem para o norte, chegando a proibir o trânsito
pelo caminho fluvial para São Paulo, além de outras medidas coercitivas para forçar as
251
transações com o Pará” , medida revogada por Rolim de Moura. Nos anos seguintes, as
relações comerciais com a Companhia primavam pela estabilidade. Os Anais de Vila Bela
registraram para o ano de 1760, a continuidade do comércio com o Grão-Pará, assim como
com o que vinha pelas monções do sul, que também abasteciam Vila Bela e seus arredores.
Segundo os Anais de Vila Bela, neste ano (1760) “não tem sido com muita abundância pelas
faltas da fazenda que tem havido pelos povoados ou portos de mar” 252.
O quadro abaixo foi construído a partir dos Anais de Vila Bela, e procura oferecer
uma ideia geral das monções que ali aportaram de 1749 a 1776. Devemos considerar que
esses dados não são finais, e que o número de monções conduzidas para a capitania pode ter
sido superior.

250
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de
João Pedro da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
251
LAPA, 1973, p. 91-92.
252
AMADO & ANZAI, 2006, p. 81. [Anais de Vila Bela de 1760].
102

Tabela 1 – Monções e Carregações de Fazendas que chegaram em Vila Bela no período de


1749 a 1776

Ano Mês Descrição


1749 Julho Carregação de fazendas de João de Souza Azevedo
1752 Março Monção vinda do Pará conduzida por José dos Santos Branco, Calixto de Rego
Souza, Antonio Francisco Serra e João Antunes da Costa
1754 Janeiro Carregação de fazendas de João de Moura Colasso
1757 ––– Monção vinda do Pará
1758 Julho Monção vinda do Rio de Janeiro conduzida por José da Silva e José Afonso
Branco
1760 ––– Monção vinda do Pará
1761 ––– Monção vinda do Pará
1762 Agosto Monção vinda do Rio de Janeiro
1762 Outubro Monção vinda do Pará com três canoas
1765 Dezembro Monção vinda do Pará com trinta embarcações
1765 Setembro Monção vinda do Rio de Janeiro com dezessete canoas para Mato Grosso
1770 Novembro Monção vinda do Pará composta de 18 embarcações entre ubás e botes
1772 Janeiro Monção vinda do Pará composta de 24 embarcações entre botes, igarités e
canoas ordinárias
1773 Fevereiro Monção vinda do Pará conduzida por Flavio Antônio de Almeida Pessoa e
Manoel da Silva Barata
1774 ––– Carregação de escravos e gêneros do Pará e Rio de Janeiro composta por José
da Silva Pena e outros cinco comerciantes
1775 Março Correio trazido por Carlos Daniel com botes de fazendas para os Armazéns
Reais e um particular para as viagens de Sua Excelência
1776 Janeiro Monção composta por oito comerciantes carregadas de fazendas secas e
molhadas
Fonte: NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de João Pedro
da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado; AMADO & ANZAI, 2006, Anais de Vila Bela (1734-1789).

Se observarmos o ano de 1765 veremos a chegada de duas monções em Vila Bela.


Nos Anais de Vila Bela consta o relato da chegada dessas monções em tempo muito próximo
uma da outra: em setembro havia chegado a do Rio de Janeiro, “que constou de setenta
canoas, dezessete para Mato Grosso, e as mais para o Cuiabá, trazendo grande quantidade
de pretos” 253, e, em dezembro chegou ao presídio de Nossa Senhora da Conceição, com um
ano de viagem, uma “monção do Grão-Pará, composta de trinta embarcações, carregadas de
molhados, fazendas secas e pretos, de que bem se necessita nesta capitania” 254.
Nos momentos em que ocorria o atraso das monções os mantimentos disponíveis
eram vendidos a preços elevados. Quando chegavam os barcos, os produtos eram vendidos
“pelo costumado preço”255. Nos Anais do Cuiabá encontramos o registro para esse ano do
atraso da monção, que provocou a falta de alguns víveres do Reino, como o sal e o vinho

253
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de
João Pedro da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
254
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765, Rolo 12, cx. 13, doc. n° 763. Ofício de
João Pedro da Câmara para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
255
SUSUKI, 2007, p. 91. [Anais do Cuiabá do ano de 1765].
103

que “se chegou a vender a medida a três oitavas de ouro de 1500, que corresponde a quatro
mil e quinhentos, cuja vasilha muito pouco excede de um prato de estanho fundo, e este a
oito oitavas de ouro do mesmo valor, que corresponde a doze mil réis”256.
A partir do governo de Luís Pinto de Souza Coutinho, o trânsito pelo Madeira e as
relações comerciais com a companhia tornaram-se mais intensas, correspondendo à segunda
fase do comércio chamada por Davidson de “prosperidade”, que abarcou 19 anos, de 1769
a 1788, dez anos além de sua extinção oficial, em 1778. Estes anos foram o auge do
desenvolvimento do comércio, cujas dificuldades já estavam relativamente sanadas, se
considerarmos os esforços empreendidos pelas autoridades metropolitanas na manutenção
desse comércio. Para Davidson, alguns fatores contribuíram para que fosse alcançado esse
desenvolvimento, tais como um maior envolvimento da Companhia do Pará “nas transações
públicas e privadas, a proliferação das operações da coroa no oeste, e a expansão da
mineração em Mato Grosso, a qual acrescentou poder de demanda e aquisição, contribuindo
para o florescimento do comércio e da navegação entre Belém e Vila Bela”.257.
Tão logo iniciou seu governo, o capitão general organizou uma assembleia dos
comerciantes de Mato Grosso tentando convencê-los a não se desviar do caminho do Pará,
prometendo-lhes numerosas mercadorias e crédito junto à companhia, sugestão essa que foi
bem recebida por uns, e recusada por outros258. O capitão general tentou ao máximo
persuadir os “negociantes destas minas a frequentação do comércio do Pará, como o mais
vantajoso aos seus verdadeiros interesses, e para que os mesmos tinham a mais decidida
repugnância”259. A relutância mencionada se dava também pela recusa dos comboieiros em
mudarem suas rotas comerciais. Entre 1769 e 1770, Luís Pinto de Sousa Coutinho, após
persuadir e convencer os comerciantes a não abandonarem a rota norte, conseguiu “gerar
condições econômicas em Mato Grosso que tenderam a um comércio florescente”, e além
do mais, “sua promoção da mineração e agricultura foram instrumentais em criar demanda
e liberar capital necessários para o comércio do Madeira” 260.
Garantir a posse das terras devidamente ocupadas pela coroa portuguesa significava
fixar sua população, aumentar a existência de povoações, bem como oferecer os meios

256
Idem, ibidem, p. 91. [Anais do Cuiabá do ano de 1765].
257
DAVIDSON, 1970, p. 157.
258
Idem, ibidem, p. 166-167.
259
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Forte Bragança, 29/abr/1770, cx 15, doc. 893. Correspondência de Luis
Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
260
DAVIDSON, 1970, p. 167-168.
104

necessários para sua sobrevivência. Como prioridades para o aumento da povoação da


capitania, segundo o governador, estavam: conceder a maior liberdade possível ao comércio,
fomentar a agricultura, animar os descobrimentos das minas, promover casamentos e atrair
novas famílias 261
. As quatro questões apontadas pelo governador constituem o que era de
mais essencial para concretizar seus objetivos.
Para realizar seu propósito em relação ao comércio, em especial o da rota norte, Luís
Pinto tomou algumas medidas, tais como: facilitar aos homens de negócio a liberdade de
partirem em todo o tempo da capitania, “quase soltos”; não negar licença a qualquer pessoa
que quisesse se dedicar ao comércio independente de grandes cabedais; ser menos austero
em dar baixa aos soldados que a requeressem e possuíam algum ouro para empreender em
qualquer negócio262. Era de interesse metropolitano a manutenção da rota comercial pelo
norte, fruto de constantes inquietações, uma vez que os negociantes preferiam o comércio
do Rio de Janeiro, não obstante as maiores despesas e as incomparáveis dificuldades do
trânsito.
Em 18 de setembro de 1769, o capitão general publicou um bando no qual estabelecia
a liberdade de partida das monções:

Atendendo a ser a liberdade do comércio o primeiro princípio, em que


consiste a sua estabilidade, sou servido declarar a todas as pessoas, em
como daqui em diante não fica existindo para a partida das monções tempo
algum pré fixo de meses certos determinados, como até agora se tinha
estabelecido, mas a todos será lícito frequentarem as suas viagens, tanto
deste porto, como do sítio do Camapuã, em todo tempo que se ajuntar um
competente número de embarcações, que possam fazer conserva e resistir
com segurança a qualquer acontecimento, ficando em tudo o mais sujeitas
as ditas expedições, a polícia estabelecida pelos meus antecessores, para a
boa ordem de sua navegação, e para não levarem outras algumas pessoas
nas suas comitivas, mais do que aquelas que derem em relações, sob pena
de serem incursos nos castigos que pelas mesmas ordens se acham
prescritos (...). 263

261
IHGMT, 2001, p. 36. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
262
IHGMT, 2001, p. 35. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
263
ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1459. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em 18/set/1769.
105

O abastecimento pelas monções do norte ao longo da segunda metade do século


XVIII, nem sempre foi regular, fosse pela falta de produtos nos armazéns de seus
fornecedores ou pela falta de remeiros; ou ainda pela época do ano em que os monçoeiros se
dirigiam aos portos para buscar os produtos para serem revendidos na capitania, pois se
chegassem em tempo errado, não coincidia com a chegada dos navios da Europa. As
irregularidades das monções contribuíram para o atraso do abastecimento e pela falta de
mercadorias, ocasionando, por algumas vezes, carência de mantimentos na capitania.
Em correspondência enviada pelos agentes administrativos da Companhia ao
governador e capitão general Luís Pinto de Souza Coutinho, registraram-se os motivos de
tal carestia. Longe de ser uma consequência da liberdade de tempo para a partida das
monções concedida aos comerciantes, essa correspondência expressava os problemas
enfrentados nas transações comerciais com a companhia, e seus administradores no Pará
ofereciam sugestões para assegurar um negócio regular e periódico. Datada de 04 de junho
de 1769, os agentes argumentavam sobre a inconstância dos negociantes e o prejuízo que
isso acarretava à companhia, relatando que,

Há muitos anos que esta Companhia deseja fazer para essa capitania um
comércio sólido e avultado, sem lhe ter sido possível consegui-lo até o
presente por encontrar uma grande inconstância nos negociantes, e não
terem estes exigido monções certas de virem a esta cidade fazerem o seu
comércio, e como se pratica nas mais partes, esta incerteza é o motivo
principal se não encontrarem os gêneros que necessitam para bem formar
e surtirem as suas carregações.264

E continuavam justificando que devido à irregularidade das monções dispunham


somente dos gêneros que consideravam serem mais gastáveis e ter maior consumo, deixando
claro que seria “consequência infalível que a metê-los a Companhia forçosamente os há de
perder, como o tem experimentado em várias ocasiões” 265. Por conta disso, para contornar
a situação, sugeriam que os comerciantes deveriam ir ao Pará todos os anos, mas dividindo-
se em dois corpos, sendo que uns em um ano, e outros no seguinte, de modo a se

264
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
265
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
106

estabelecerem na cidade até o início do mês de agosto, quando encontrariam todos os gêneros
de que precisassem266.
Os administradores da Companhia reforçavam a inconstância dos comerciantes e
estes a má qualidade dos produtos disponíveis, os preços e juros. Resolver tais questões e
problemas a respeito do trânsito no Madeira era o objetivo de Luís Pinto, que buscou justa
medida para convencer os comerciantes das vantagens desse empreendimento, e os
administradores da companhia da necessidade de fornecer abundantes produtos importados
e crédito267. Mas, as reclamações que chegavam da parte dos comerciantes ao governador
era justamente o fato de que eles “não encontram na Companhia provimentos alguns
competentes para fornecerem as suas carregações, e pouquíssimos escravos, para se
proverem, e juntamente facilitarem o trânsito daquela navegação”268.
Quanto aos administradores, estes foram informados das decisões tomadas a respeito
da regularidade das monções. Em reunião convocada com os homens de negócio, eles
mesmos buscaram uma organização das monções:

... pelo que toca a regularidade das monções, já se acha completamente


estabelecida pelo acordo unânime dos homens de negócio, que para isso
fiz convocar, assim como também sobre a partida de todos aqueles que
aqui tem por hora melhor estabelecimento, de sorte que a respeito destes
dois portos ficam removidas todas as dificuldades. 269

As transações comerciais com a companhia deveriam se dar pela boa


correspondência entre os comerciantes e administradores com vistas à satisfação de ambos
em seus negócios e interesses. Uma questão fundamental foi observada pelo governador: as
desculpas dos administradores pela falta de mercadorias em seus armazéns e as queixas da
falta delas pelos comerciantes. Tais desculpas só contribuíram para mais empates nos
negócios que da parte dos comerciantes a falta de provimentos servia como justificativa para

266
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
267
DAVIDSON, 1970, p. 168.
268
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Forte Bragança, 29/abr/1770, cx 15, doc. 893. Correspondência de Luis
Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
269
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Forte Bragança, 29/abr/1770, cx 15, doc. 893. Correspondência de Luis
Pinto de Souza Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
107

deixarem de praticar a navegação em direção ao Pará. Mas, nem sempre tais razões podem
ser consideradas como motivadoras para a mudança na direção dos negócios pessoais, uma
vez que alguns que permaneceram nesse empreendimento obtiveram algum tipo de êxito
como veremos adiante. A busca pela estabilidade comercial e regularidade do comércio com
o Pará foi perseguida pelas autoridades metropolitanas durante quase toda a segunda metade
do século XVIII. Um grupo de comerciantes não se abalou diante dos empecilhos e se
aventurou nessa empreitada comercial. Entre 1774 e 1778, cinquenta e sete comerciantes
navegaram e realizaram negócios com a Companhia, muitos dos quais eram militares,
lavradores, oficiais da câmara, entre outros270.
Ao final do governo de Luís Pinto, alguns entraves no comércio com o Pará ainda
permaneciam, como: a falta de fazendas sortidas, de bons escravos e de preços justos. Em
relação à Companhia do Grão-Pará, os principais empecilhos que resultaram na preferência
dos negociantes pelo comércio com os portos de São Paulo e Rio de Janeiro eram os
seguintes:

1° A falta de provimentos sortidos nos armazéns da Companhia; 2° A


penúria dos escravos com que a mesma Companhia dirigia as suas
especulações, e na carestia e na qualidade deles; 3° A rigorosa obrigação
em que constituía aos negociantes de se abonarem cada um de per si, e um
por todos, contra a prática estabelecida nos mais portos de mar; 4° Em não
dar a Companhia espera alguma de juros, quando se efetua a venda, ao
mesmo tempo em que nas mais praças se lhes faculta ao menos; 5°
Finalmente, nos grandes empates que muitas vezes sofrem as monções
naquele porto, assim por falta dos sobreditos escravos, como pela
dificuldade em lhe aprontarem índios para a sua navegação, por parte do
governo. 271

270
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira
de França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta
relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso; APMT.
Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das várias
pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
271
IHGMT, 2001, p. 38. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
108

As medidas tomadas por Luís Pinto demonstraram clareza para se compreender “o


verdadeiro espírito com que a Corte mandou fundar este estabelecimento e criar o governo
de Mato Grosso” 272. A manutenção da rota comercial pelo norte contou com a assistência
e ajuda do governo, “objetivando seu conhecimento, normalidade e segurança, que se fez
273
sentir praticamente de maneira permanente, atendendo às providências mais diversas” .
Porém, as relações com a companhia de comércio envolveram interesses públicos e privados,
que muitas vezes divergiam.
Em relação às transações comerciais com a companhia, concedia-se aos comerciantes
créditos que variavam de seis meses a um ano, o que era prática comum nas minas. Em
determinados momentos foi preciso a intervenção do capitão general, e do próprio marquês
de Pombal, para assegurar as transações mercantis – como foi o caso da carregação de
fazendas sortidas no ano de 1771, na qual fiou-se aos comerciantes 42.717.468 réis274.
As compras dos gêneros pela Companhia eram asseguradas pelas parcelas que
deveriam pagar os comerciantes devedores. Pagando-se as dívidas, o crédito para novas
compras estava garantido. Embora os negócios fossem permeados de queixas e acusações
de ambos os lados, gerando tensões que deveriam ser controladas, os capitães generais
intervinham para garantir a assistência contínua de mercadorias. As decisões tomadas em
Mato Grosso estavam em consonância com os interesses portugueses não só no plano das
relações políticas entre Portugal e Espanha pelos territórios na América, como também pela
existência e funcionamento da própria companhia, envolvida numa rede comercial de
distribuição de produtos e mão-de-obra escrava que abrangia a Europa, África e América.
Foi durante o governo de Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres que um
ambicioso plano de comércio deveria ser posto em prática. Em instrução chamada
“secretíssima”, esse plano, cujas ordens deveriam ser executadas no mais absoluto segredo,
tinha por objetivo ampliar o comércio da Companhia do Grão-Pará com as “capitanias de
Mato Grosso, de Cuiabá e todas as mais regiões confinantes com as referidas capitanias e a
de São José do Rio Negro”, com a justificativa de que todos ficassem bem supridos com os
gêneros de que careciam275.

272
IHGMT, 2001, p. 30. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres de Vila Bela, 24/dez/1772.
273
LAPA, 1973, p. 31.
274
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. nº 299, Pará, 25/fev/1771. Correspondência de Gonçalo
Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luís Pinto de Souza Coutinho.
275
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
109

Além de outras capitanias do Brasil, pretendia-se com este plano incluir nos negócios
da Companhia do Grão-Pará “parte das vastas províncias espanholas do Orinoco, Quito e
Peru”276. Os avanços dos espanhóis sobre território português partindo do Orinoco eram
observados rigorosamente pelas autoridades do Estado do Grão-Pará e de Mato Grosso. Com
bastante cautela buscavam os lusitanos resguardar também seus territórios ao norte. Em 1761
Rolim de Moura foi informado dos planos para proteger o Rio Negro das incursões
espanholas. Nas cachoeiras deste rio se estabeleceria uma escolta com o pretexto de se fundar
povoação, informando ao governador de Mato Grosso para “mandar até a cachoeira Grande,
a descobrir alguma notícia dos seus movimentos, sem que eles de nenhum modo possam vir
no conhecimento desse projeto” 277. Contudo, as relações comerciais no norte eram mantidas
não só com os espanhóis do Orinoco, mas também com os franceses de Caiena.
Para animar ainda mais esse comércio o plano propunha a criação de novos
estabelecimentos, como as feitorias. Estava expresso na instrução até o roteiro de navegação
e, portanto, a localização das feitorias, que deveriam estas dispostas da seguinte maneira:

Para a mais clara direção dos estabelecimentos das feitorias, e da


navegação e comércio que fazem os objetos delas, vos mando entregar os
roteiros da mesma navegação, calculados sob as mais exatas observações
e experiências dessa mesma cidade de Belém do Grão-Pará até a Vila de
Barcelos, capital da capitania de São José do Rio Negro; até Vila Nova de
São José do Javari; até a Vila de Borba a Nova, primeira povoação dentro
do Rio da Madeira; e da referida vila até a capital de Mato Grosso. 278

A duração das viagens e o elevado preço decorrente das dificuldades de transporte,


que atingiam os escravos africanos e gêneros secos e molhados em Mato Grosso vindos tanto
do Pará quanto do Rio de Janeiro e Bahia impulsionaram a criação destas instruções. Outro
motivador foram as relações comerciais mantidas com os vizinhos hispânicos que
compravam os mais variados gêneros comercializados na capitania de Mato Grosso,
permitindo-se a entrada de prata em domínios portugueses. Essas mercadorias chegavam aos

276
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
277
APMT. Lata 1765-1768, Fundo Governadoria, doc. n° 84, Barcelos, 10/fev/1761. Correspondência de
Gabriel de Souza a D. Antonio Rolim de Moura.
278
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
110

espanhóis pelos caminhos de terra, considerados mais árduos que aqueles percorridos até o
Rio de Janeiro e Bahia. O comércio com o Pará, de acordo com essas ordens, deveria assumir
papel principal na distribuição de mercadorias para as referidas regiões, suplantando
inclusive outras praças mercantis:

Para que isto assim se efetue é necessário que o novo comércio seja
dirigido com uma prudência tal, e tão bem regulada, que inteiramente
desterre o abuso dos excessivos preços, a que até agora se venderam os
negros e as ditas fazendas que vem do Rio de Janeiro e da Bahia: é
necessário que a relação delas não [ilegível] de exemplo, mas tão somente
de argumento, para se concluir dela o meio que ministra para o comércio
do Pará suplantar todos os comércios que até agora houve é necessário que
se degrade toda a ideia de cobiça insaciável, entendendo-se por uma parte
que o barateamento das mercadorias do Pará há de ser a espada aguda com
que se cortem todos os referidos comércios, que até agora se fizeram; e
entendendo-se pela outra parte, que quanto mais baratos chegarem os
gêneros ao Mato Grosso, tanto mais se propagará e dilatará a introdução
deles por todas as regiões vizinhas, para se virem a colher na maior
extensão dos consumos os avultados lucros, que não permitem as pequenas
quantidades vendidas. 279

Estas ordens foram enviadas em 1772 e depois de passados dezessete anos da


instituição da Companhia os mesmos problemas ainda vigoravam, apesar do comércio com
o Pará ter se solidificado, mesmo que para isso pesasse a mão do Estado. Aos “mercadores
d’água”, assim referidos na secreta instrução, cabia se dirigirem ao Pará instruídos de que as
vendas dos produtos, acrescentando-se os preços de transportes pelos rios, não excedessem
os lucros em 12%280. Portanto, nisso consistia a “espada que cortaria todos os outros
comércios”.
Davidson menciona que em 1773, Pombal ordenou a João Pereira Caldas que
remetesse em cada monção com destino a Mato Grosso uma lista exata de produtos e seus
preços, para permitir que Luiz de Albuquerque ajustasse a margem de lucro em não mais

279
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
280
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
111

que 12%. Pereira Caldas cumpriu as ordens, e mandou listas paras os carregamentos de 1774
e 1775281. Essas atitudes foram os primeiros reflexos da Instrução Secretíssima de 1772. Com
base nas ordens que recebeu, Luiz de Albuquerque baixou uma portaria em 1775 fixando o
preço dos produtos vendidos na capitania. Alegava o capitão general que os exorbitantes
preços dificultavam a manutenção das pessoas comuns, impossibilitando que adquirissem
os gêneros mais necessários ao seu sustento282.
Luiz de Albuquerque argumentava também que essa ordem diminuiria a dívida que
se prolongava por anos da maior parte das pessoas que compravam fiado dos comerciantes.
Devidamente informado sobre os custos das fazendas secas e molhadas nos portos do Pará,
Bahia e Rio de Janeiro o governador estabeleceu a pauta de preços. Essa prática de se vender
a crédito propiciava que as mercadorias alcançassem, com o passar do tempo, valor
altíssimo, questão que em muito preocupava Luiz de Albuquerque, em especial o que
chegava a custar os escravos. Sendo assim, foi estabelecido que as vendas a crédito só se
realizariam por tempo determinado, cujo débito não ultrapassasse um ano, limitando os juros
em 5% anualmente sobre o valor da venda a crédito283.
Assim como seus antecessores Luiz de Albuquerque reconhecia que a ordem que
executava se dava em benefício das três bases que sustentavam o Estado: “o comércio, a
agricultura e a população”, segundo suas próprias palavras. A severa portaria previa ainda
para os comerciantes que não respeitassem a taxação dos preços a prisão em cadeia por dois
meses, multa e o confisco das fazendas vendidas, que seriam utilizadas em benefício do
governo, conforme se achasse conveniente284.
Os Anais de Vila Bela registraram para o ano de 1776 nova decisão do Marquês de
Pombal em relação à Companhia de Comércio. Dessa vez, a Companhia faria o
abastecimento diretamente pelos seus administradores:

No princípio do presente ano de 1776 se esperava uma grande revolução


no comércio desta capitania, porque vulgarmente se daria que a Companhia

281
DAVIDSON, 1970, p. 170.
282
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
283
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
284
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
112

Geral do Pará introduziria aqui, diretamente por seus administradores,


todos os gêneros de que a costumam fornecer os comerciantes particulares.
Mas, pareceu ficarem desvanecidos os fundamentos da presunção, por
entrarem nesta vila, a 28 do mês de janeiro e em fevereiro, oito
comerciantes providos com toda a abundância dos gêneros costumados
pelos administradores da mesma companhia na cidade do Pará. 285

Em janeiro de 1777 Luiz de Albuquerque comunicava ao Marquês de Pombal sobre


a escassez do comércio com o Grão-Pará em decorrência da execução das ordens reais que
regularam as tarifas de bens no ano de 1775. A situação estava cada vez mais complicada,
uma vez que os comerciantes relutavam em descer ao Pará para continuar os negócios com
a Companhia. Sugeriu Luiz de Albuquerque que, para dar prosseguimento ao plano de
comércio, era primordial que a Companhia assumisse o mais rápido possível a condução das
“provisões ordinárias do mesmo comércio, na proporção e consumo deste país”,
estabelecendo feitores para administrar as fazendas nas feitorias que seriam erguidas. Caso
não se procedesse desta maneira, argumentava o governador, em pouco tempo faltariam
produtos essenciais na capitania, e informava que os armazéns da Fortaleza da Conceição já
estavam prontos para “logo terem exercício os dois administradores” 286
. Ainda em 1777
Luiz de Albuquerque reclamava da má qualidade dos gêneros disponíveis na capitania, que
não animavam o comércio com os vizinhos hispânicos287. No entanto, em 1777 ainda havia
expectativas em relação à atuação direta da companhia na Capitania de Mato Grosso. O
registro apresentado pelo vereador Francisco de Paula Correa informava:

Agora se fez público que, com efeito, intentará a Companhia Geral


introduzir aqui, imediatamente, o comércio, para o que se esperavam as
divididas carregações que unicamente faltavam. É certo, porém, que
arruinava a Capitania, pois que ela tem sido povoada, na maior parte, pelos
homens de negócios, e os mesmos mineiros atuais o tinham sido
antecedentemente. Não havendo comerciantes, esta Vila viria a ser uma

285
AMADO & ANZAI, 2006, p. 203. [Anais de Vila Bela de 1776 apresentado em Câmara pelo Vereador
Francisco de Bastos Ferreira].
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/jan/1777, cx. 18, doc. 1143. Ofício de Luiz de Albuquerque
de Mello Pereira e Cáceres ao Marques de Pombal. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
287
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 04/jan/1777, cx. 18, doc. 1145. Ofício de Luiz de
Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres ao Marquês de Pombal. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
113

povoação de negros e mulatos, sendo igualmente certo que a mesma


Companhia contraísse muitas dívidas, pois que, de ordinário se vende
fiado, do que se faz uma grande parte incobrável e falida.288

Esse registro expressa, além dos intentos da empresa, a importância que havia
assumido o grupo mercantil na Capitania de Mato Grosso. Os comerciantes ao se sentirem
lesados com a possível presença da Companhia para realizar negociações diretas,
direcionaram seus capitais à mineração. Durante o período em que vigorou a taxação dos
preços de produtos a partir do bando de 1775, parte dos comerciantes haviam aplicado seus
capitais em outras atividades, em razão dos lucros que julgavam diminutos nos negócios
com a companhia.
Entretanto, em dezembro de 1777, por ordem régia, revogava-se a pauta que havia
estabelecido o preço dos gêneros na capitania em 1775, ficando “sem efeito algum, livre aos
comerciantes, a convenção de preços, como em todas as praças dos negócios” 289. Não sendo
mais necessário o fornecimento direto de gêneros pela companhia, Luiz de Albuquerque se
aproximou dos comerciantes da capitania de Mato Grosso tentando convencê-los a retomar
o comércio e se dirigirem aos portos marítimos, obtendo êxito nesse propósito:

Intimei, persuadi, e capacitei com grande eficácia a todos estes povos e


negociantes, de que lhes ficava sendo perfeitamente livre todo o gênero de
comércio, grande ou pequeno, ativo ou passivo, que desejassem fazer,
assim de umas para outras capitanias, como daqui para qualquer dos portos
do Brasil. 290

Durante o período em que vigorou o “plano de comércio” o contrabando com os


espanhóis foi promovido ainda mais. Esse “contrabando oficial”, permitido e reforçado pelas
ordens reais continuou sendo prática corrente controlada pelo governador. Em 1778, Luiz
de Albuquerque informava a Martinho de Melo e Castro sua dúvida em relação ao comércio
clandestino com os espanhóis. Luiz de Albuquerque não sabia se deveria continuar ou parar

288
AMADO & ANZAI, 2006, p. 213. [Anal de Vila Bela do ano de 1777 apresentado pelo vereador Francisco
de Paula Correa].
289
Idem, ibidem, p. 213. [Anal de Vila Bela do ano de 1777 apresentado pelo vereador Francisco de Paula
Correa].
290
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 23/dez/1777, cx. 19, doc. 1177. Ofício de Luiz de
Albuquerque de Mello Pereira a Martinho de Melo e Castro. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
114

com as transações mercantis clandestinas após o cancelamento do “plano de comércio”


secretíssimo; informava também que, enquanto não obtivesse resposta continuaria a
“favorecer sempre o dito comércio clandestino, ainda que não supõe umas tão expressas, tão
vivas e árduas diligências como as que prescreviam o referido plano hoje suprimido”291. Os
castelhanos tinham especial interesse por escravos negros, e ávidos por adquiri-los,
negavam-se a qualquer outro “gênero de tráfico considerável”, e o capitão general tinha
dúvidas se deveria fornecê-los.
A ordem que dissolveu a Companhia de Comércio, em janeiro de 1778 veio de D.
Maria I, em razão das muitas críticas sofridas principalmente pelos opositores de Pombal,
resultado também dos problemas gerados com a execução do plano de comércio. As
preocupações do novo governo centravam-se na definição do destino que dariam às
companhias de comércio criadas durante a administração pombalina. Não obstante a defesa
dos dirigentes da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que argumentavam
sobre os êxitos alcançados por esta na diminuição da dependência do comércio britânico, a
empresa monopolista foi extinta292.
No ano de 1779 chegou um correio do Pará informando ao governador que, por
ordem real deveria convocar uma junta que determinasse o tempo necessário para que os
comerciantes da capitania de Mato Grosso pagassem suas dívidas à Companhia do Comércio
do Pará, que se achava extinta. A Junta foi composta por Luiz de Albuquerque, Felipe José
Nogueira Coelho, Manoel Cardoso da Cunha e Antônio Felipe da Cunha Ponte.

Os sobreditos devedores pagariam, a semestres, apenas dívidas de vulto,


de dois, três, quatro e seis anos, atendendo a maior e menor quantia. Que
os mesmos semestres se pagarão em barras de ouro, na Provedoria da
Fazenda, para do seu cofre serem remetidos, por conta e risco dos mesmos
devedores, na forma de suas obrigações, que eles usarão da mesma
moratória com quem lhes devessem, passando crédito da quantia de cem
oitavas, e não havendo perigo na arrecadação. E que, finalmente, enquanto

291
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 09/jan/1778, cx. 19, doc. 1183. Correspondência de Luis de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres a Martinho de Melo e Castro. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
292
MAXWELL, 2005, p. 94. Ver especialmente o capítulo 3 – “Divergências”.
115

não completassem os seus pagamentos, não fariam comércio algum,


interior e exterior. 293

Nos dois anos seguintes, remessas de pagamentos das dívidas dos comerciantes
saíram de Vila Bela em direção ao Pará com certa regularidade294. Se considerarmos que a
extinta companhia continuou sendo fornecedora de produtos, é possível que não fosse
vantajoso dever a ela. A extinção da companhia, segundo Maxwell, foi um triunfo do velho
grupo de comerciantes livres, do velho sistema e dos devedores brasileiros das companhias,
porém isso não afetou por completo o privilegiado grupo de comerciantes ricos que surgiram
e se fortaleceram durante o governo pombalino. Para Maxwell, “os colaboradores de Pombal
estavam por demais incrustados na estrutura social e associados à arrecadação de tributos e
às repartições públicas, para desaparecerem com a simples abolição de privilégios das
companhias brasileiras” 295.
Em Mato Grosso tornava-se livre o comércio com o Pará, mas a extinta companhia
assegurou remessas de mercadorias durante a década de 1780, convencendo os comerciantes
de que seus armazéns estavam cheios de mercadorias. Apesar de ser um número pouco
expressivo, Davidson estimou que entre 1780 e 1788, apenas nove expedições de comércio
saíram de Belém em direção a Vila Bela, isto é, apenas a metade do número de comboios
296
que fizeram o mesmo percurso entre 1769 e 1778 . Provavelmente, a diminuição de
monções deveu-se à pauta de preços estabelecida em 1775. Quatro anos após a referida
pauta, em 1779, a Câmara dos vereadores havia registrado a “diminuição da entrada das
monções”, que provocou menor entrada de dinheiro e aumento de despesas, dificultando a
realização total dos pagamentos, situação que já se mantinha há cerca de três anos297.
Contudo, o declínio do comércio com a Companhia de Comércio passou a se fazer
sentir entre 1788 e 1808, período que corresponde à terceira fase proposta por Davidson, que
coincide com a perda de importância estratégica e econômica do Madeira, e quando se

293
AMADO & ANZAI, 2006, p. 219. [Anal de Vila Bela de 1779 apresentado em Câmara pelo vereador
Francisco de Bastos Ferreira].
294
Idem, ibidem, 2006, p. 220-223. Os Anais de Vila Bela registram para os anos de 1779 remessa
correspondente ao primeiro semestre das dívidas dos comerciantes no valor de 18:478$431 réis e no ano de
1780 o valor correspondente ao segundo semestre dos devedores foi de 12:619$309 réis.
295
MAXWELL, 2005, p. 95.
296
DAVIDSON, 1970, p. 190.
297
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 105, Vila Bela, 15/set/1779. Ata assinada em Câmara
por Felisberto Leite Pereira, Manoel de Oliveira Pombal, Alberto Nunes de Freitas, Joaquim da Fonseca Freitas
e Antônio Teixeira de Oliveira a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
116

acentuaram os problemas relativos ao transporte e à mão-de-obra indígena necessária às


viagens. Aos poucos, o comércio com o Pará perdia espaço para aquele realizado com os
portos costeiros do Rio de Janeiro e de São Paulo298.
Durante a segunda metade do século XVIII, a Companhia de Comércio esteve em
constante atividade na Capitania de Mato Grosso, o que mantinha os capitães-generais do
Pará e do Mato Grosso em permanente comunicação. Davidson observou que a rota do
Madeira colocava em foco os interesses geopolíticos que Portugal possuía em relação ao
interior da América do Sul, “enquanto sustentável, comercial e burocrática linha vital entre
Mato Grosso e o Pará. Ele foi o teatro dos métodos e mecanismos pelos quais Portugal
costurou, sustentou e explorou seu império americano”299.
Para tornar mais evidente a atuação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão na capitania de Mato Grosso levantamos a natureza das cargas que chegavam até
Vila Bela. Procuramos identificar os produtos de maior aceitação, seus preços, sua origem,
e ainda questões relativas à sua distribuição e comércio.

As mercadorias e os preços

A comercialização dos produtos manufaturados poderia ocorrer nas lojas, vendas ou


boticas, no caso de medicamentos. Porém, existia também um comércio ambulante, exercido
por volantes e negros escravos mascates em Minas Gerais, Mato Grosso e ainda em outras
capitanias. Júnia Furtado identificou em Minas Gerais a existência de vários tipos de
comerciantes: negociantes de grosso trato, mercadores a retalho de secos e molhados,
lojistas, taverneiros, tratantes, tendeiros, caixeiros, escriturários, mascates, viandantes dos
caminhos, lavradores que comerciavam seus gêneros, comboieiros de escravos e outros,
sendo possível encontrar alguns desses tipos pelos sertões de Mato Grosso300.
Todas as carregações trazidas nas monções tinham que pagar o tributo das entradas nos
postos de registro, no qual se anotavam e pesavam todas as cargas que entravam na capitania;
isso fazia com que o preço final se alterasse, e se refletia na diminuição do poder de compra
dos moradores. A cobrança das entradas em Cuiabá foi realizada pela primeira vez em 1724,

298
DAVIDSON, 1970, p. 204.
299
Idem, ibidem, p. 22.
300
FURTADO, 2006, p. 230.
117

quando se estabeleceu um valor a ser pago pela entrada de fazendas e negros301. A partir da
abertura da navegação pelos rios Madeira e Guaporé, os gêneros trazidos para Mato Grosso
por essa rota pagavam as entradas, “na mesma quantia e forma que se pagam nas Minas
Gerais”, excetuando-se os escravos302.

No ano de 1754, Francisco Xavier de Mendonça Furtado informava ao Rei D. José o


estabelecimento de um registro na Cachoeira do Aroaia, localizada no Rio Madeira, limite
norte da Capitania de Mato Grosso pelo Contratador das Entradas Afonso Ginabel303.
Quando o comércio com o Pará já estava bem estabelecido, os produtos que entravam na
Capitania de Mato Grosso eram pesados em dois registros, “do Forte e Jauru, e há todo o
cuidado em cobrar, de sorte que há mais de seis anos não houve uma oitava de caducas nem
se executou ninguém”304. O forte aqui mencionado, provavelmente refere-se ao Forte de
Bragança, também chamado da Conceição. Encontramos registro que nos leva a supor que
este local fosse parada de monção para abastecimento de artilharias, tecidos e outros
produtos para as tropas que lá estavam fixadas. Em ofício de João Pedro da Câmara a
Francisco Xavier de Mendonça Furtado este informava que chegou uma monção ao Presídio
de Nossa Senhora da Conceição em 11 de dezembro de 1765 “toda a salvamento”305. A
chegada a este forte também representava um alívio aos viajantes, principalmente na cura
dos doentes e no reabastecimento de víveres por encontrarem nele boa produção de
alimentos306. Tal descrição sobre a importância deste forte encontra-se também no diário do
demarcador Ricardo Franco de Almeida Serra analisado por Masília Gomes307.

As compras de produtos em Mato Grosso eram pagas em ouro, um privilégio para a


Companhia do Grão-Pará. Para Canavarros, o comércio caminhava ao lado das descobertas
308
de minas de ouro, suplantando-as muitas vezes . Fica evidente a relação direta entre a

301
ARRUDA, 1987, p. 51.
302
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 25/jan/1754, cx. 07, doc. 438. Carta de Rolim de Moura ao
rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
303
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Grão-Pará, 20/fev/1754, cx. 07, doc. 444. Correspondência de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
304
APMT. Lata 1774, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Vila Bela, 12/mai/1774. Correspondência de Miguel Pinto
Teixeira a Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
305
NDIHR – AHU/MT. Nossa Senhora da Conceição, 14/dez/1765. Rolo 12, cx 13, doc. 763. Ofício de João
Pedro da Câmara a Francisco Xavier de Mendonça Furtado
306
GOMES, 2005, p. 35.
307
Ver: GOMES, 2005, p. 58-85. Transcrição da “Viagem que a expedição destinada à demarcação de limites
fez do Rio Negro até Vila Bela, capital do governo de Mato Grosso”. Neste diário consta relato da jornada do
demarcador desde sua saída da Vila de Barcelos em 1781 até sua chegada em Vila Bela em 1782.
308
CANAVARROS, 2004, p. 204.
118

mineração e o comércio, uma vez que este dependia daquela atividade, que determinava a
intensidade das trocas. Canavarros afirma também que os comerciantes locais eram direta
ou indiretamente mineiros e/ou sertanistas, e por isso propiciavam meios para descoberta de
novas minas, embora essa relação não fosse tão simples como parece, pois “os comerciantes
estavam sempre em busca de alternativas para o seu comércio de alto risco, cuja busca era
tamanha que acabou se constituindo numa espécie de fuga dos devedores falidos”309.

Davidson, embasado na ideia de decadência das minas de Mato Grosso a partir da


década de 1740, afirma que a economia do ouro se tornou secundária em relação às
atividades agro-pastoris, que se expandiram durante a segunda metade do século XVIII. É
importante considerar que a extração do ouro dependeu, em grande medida, de um fluxo
constante de importações de itens como ferro, aço, cobre, chumbo e outras ferramentas
necessárias à mineração, que o comércio foi essencialmente destinado a servir310. Segundo
Zemella, o enorme custo que estas mercadorias atingiam podiam afetar os serviços e
descobertas de novas minas, e ainda os trabalhos agrícolas311. Sobre essa questão, Lucídio
observa que a crise ou decadência das minas, nem sempre discutida ou revisada pela
historiografia deve ser relativizada, pois,

É muito provável que tenha havido uma diminuição no volume de ouro


coletado. Por outro lado, existe a hipótese que tenha passado a haver certa
constância nesta produtividade e, uma vez que os serviços de minerar
passaram a requerer mais investimentos, isto tenha limitado o número de
pessoas atuando naquela área; o que não significa necessariamente uma
crise de produção. 312

Para Lapa, o sistema monçoeiro envolveu relações comerciais nas quais se observa
“o domínio dos negociantes sobre os lavradores, e também mineradores, principalmente os
de pequenas posses, que se viam sempre na dependência dos comerciantes”313. A
dependência e o domínio dos comerciantes referidas por Lapa se explica pela importância
que os habitantes da capitania conferiam aos produtos manufaturados em relação aos gêneros

309
Idem, ibidem, p. 246.
310
DAVIDSON, 1970, p. 116.
311
ZEMELLA, 1990, p. 179-180.
312
LUCÍDIO, 2004, p. 23.
313
LAPA, 1973, p. 94.
119

agrícolas que produziam, considerados atividades de “subsistência”. Nesse caso, ganhava


vulto o fornecimento de materiais necessários para a agricultura e para a mineração. Para
Lapa, os lucros do comércio provinham desses dois grupos: lavradores e mineradores, e
concluímos que este lucro advinha dos preços exorbitantes cobrados no fornecimento dos
produtos e da mão-de-obra. O que os comerciantes obtinham aplicando em outras atividades
os lucros conseguidos no comércio nos oferecem informações sobre o alcance de seu
capital314.
No entanto, consideramos não ser possível, no momento, afirmar que houvesse o
domínio de um grupo sobre outro, pois em relação à capitania de Mato Grosso, isto exige
maiores investigações. As vendas a crédito também merecem especial atenção, uma vez que
não sabemos por quanto tempo as dívidas se prolongavam nem se eram pagas, embora
saibamos que à época tudo se fiava, restando ainda por saber se o que se comprava era pago
pela maioria da população. A venda a crédito era um risco que todos corriam, entretanto, tal
prática foi corrente na realização das compras e vendas dos produtos, pois tanto o grande
como o pequeno comerciante comprava e vendia a crédito.
Segundo Gomes, os investimentos dos comerciantes e pessoas que exerciam ofícios
mecânicos em atividades agrícolas não eram bem vistos pelos agricultores, e geravam
contundentes reclamações, principalmente quando aqueles envolvidos no comércio
retiravam uma fatia do lucro que antes pertencia aos lavradores que vendiam o que
produziam. Para Masília Gomes, os agricultores não ficavam descontentes pelo fato dos
comerciantes praticarem a agricultura, mas pelo fato deles comerciarem os gêneros que
produziam, prejudicando os lavradores. Além do mais, contribuía para o descontentamento
“ os altos preços praticados por esses comerciantes, na venda aos lavradores, de escravos e
fazendas, que geralmente eram fiadas, e que por isso mesmo, seus preços alcançavam maior
exorbitância315”.
Em relação aos negócios com a Companhia de Comércio devemos considerar a
distinção entre comércio público e privado – ainda que isto não seja facilmente perceptível
na documentação consultada. Para Davidson, embora fossem em grande parte empresas
separadas, muitas vezes os comboios mercantes e expedições oficiais frequentemente
velejavam juntos, e muitas vezes empresários privados transportavam mercadorias do
governo. Geralmente era função dos oficiais da Companhia de Dragões de Vila Bela

314
Idem, ibidem, p. 94.
315
GOMES, 2008, principalmente Capítulo 3 – “Os gêneros do país”.
120

velejarem até Belém com requisições de produtos separados pelo capitão general. As listas
geralmente diziam respeito ao fardamento das tropas, munições, armas, dentre outros316. No
ano de 1770, Antônio de Souza Azevedo ficou encarregado de transportar uma relação de
gêneros destinados a Mato Grosso por ordem do governador Luís Pinto de Souza Coutinho.
Desta lista faziam parte os produtos descritos na tabela abaixo:

Tabela 2 – Produtos destinados à Capitania por ordem do governo em 1770


Quantidade Tecidos e outros adornos
200 Camisas de pano de linho
106 Lençóis de pano de linho
42 varas Estopa de envolta
320 Chapéus grossos
14 varas Estopa de envolta
48 maços Miçangas brancas
86 maços Miçangas pretas
10 dúzias Espelhos
1 Cordão branco de alva
1 Sobrepeliz com renda
8 rolos Panos de algodão
55 varas Algodão
Quantidade Ferramentas, utensílios domésticos e armamentos
8 dúzias Pratos de estanho
19 dúzias e meia Berimbaus de ferro
2 milheiros Anzóis brancos
60 Facões
148 Aldravas
50 Fechaduras
5000 Pregos
4600 Pregos de meia caverna
12 Barras de ferro com doze arrobas e quinze libras
50 Machados
1 Sino com badalo com cinco arrobas e catorze libras
2 dúzias e meia Facas de mesa
8 dúzias Colheres e garfos de metal amarelo
1 par Galhetas de estanho
1 vaso Comunhão de estanho
1 Campainha
6 dúzias Limas de palmo e meio chatas
6 dúzias Limas pequenas
2 dúzias Verrumas de galeota
24 Formões largos
18 Ferros
12 Ferros de junteira
12 Limas triangulares
6 Guilhermes
Quantidade Condimentos e produtos de botica
1 libra Cremor de tártaro
4 libras Ungüento de Alfeia
22 libras Maná
10 libras Sene

316
DAVIDSON, 1970, p. 140.
121

12 libras Ipecacuanha
8 libras Jalapa
½ libra Sal amoníaco
6 libras Raiz da China
20 libras Salsaparrilha
½ libra Láudano líquido
8 onças Láudano opiado
4 libras Ungüento de basilicão
½ libra Ópio
3 libras Xarope de papoulas brancas
1 libra Canela fina
8 libras Mel rosado
2 libras Vitríolo branco
1 libra Bolo Armênio
1 libra Raiz de Tormentina
1 libra Tártaro vitriolado
½ libra Sal gema
8 frascos Água de Melissa
4 libras Mercúrio cru ou azougue
1 libra Óleo de Tormentina
8 libras Ruibarbo
½ libra Olhos de caranguejo preparados
½ libra Cristal tártaro
½ libra Espírito de Nitro
½ libra Mercúrio doce
50 alqueires Sal
Fonte: APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de Ataíde
Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho

Os navios da Companhia serviram muitas vezes para transportar do reino gêneros


diversos destinados a Luiz de Albuquerque. Do Pará essas mercadorias seguiam em direção
à Vila Bela. Em 1772, Paulo Jorge, procurador do capitão general em Lisboa, enviava pelos
navios Santa Ana e São Francisco Xavier e Nossa Senhora do Cabo remessas de produtos
para uso pessoal de Luiz de Albuquerque e também para uso da equipe encarregada da
Comissão de Demarcação de Limites317.

Escravos africanos

Os capitães generais, possuíam boas expectativas em relação ao abastecimento de


escravos, em quantidade e preço satisfatórios, sendo esta questão bastante considerada para
o desenvolvimento econômico do Estado do Grão-Pará e de Mato Grosso. O abastecimento

317
ANZAI, 2006, p. 22-24; p. 142-143. Dentre as diversas mercadorias enviadas a Luiz de Albuquerque
constavam gêneros alimentícios como farinha da terra, queijos flamengos, presuntos, chouriços, manteiga,
salpicões, azeite, vinagre, sal, bebidas como vinhos, chás finos, tecidos, vestimentas e acessórios, tais como
camisas, meias, chapéus finos e ainda algumas armas e munições.
122

de mão-de-obra africana foi também questão primordial, presença constante nas


correspondências oficiais trocadas entre Pombal e Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
e constituiu um dos argumentos indispensáveis para se concretizar a fundação da Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão318. Os escravos africanos que chegavam a Vila
Bela vinham de diferentes praças marítimas, como Pará, Rio de Janeiro e Bahia, cujas
relações na África referentes ao mercado de escravos se davam em lugares distintos e
também de modos distintos319. Deste modo encontravam-se na capitania escravos de
diferentes etnias, regiões e origens.
Em algumas regiões da África, o objetivo da companhia foi comprar escravos que
seriam conduzidos para venda no Grão-Pará e Mato Grosso. Segundo Carreira, as rotas dos
escravos da companhia se concentraram nas regiões de Cabo Verde, Bissau e Cacheu, sendo
que Angola não fez parte das preocupações dos dirigentes da empresa, cujo tráfico, se
comparado com o de Bissau e Cacheu foi bastante diminuto. Carreira demonstra que a rota
de Angola só foi contínua entre 1756 a 1759, e sua interrupção se deu a partir da entrada da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba no mercado de escravos em Angola320.
Carreira aponta que, dos escravos destinados ao Pará e Maranhão, na rota
correspondente aos setores de Bissau e Cacheu foram embarcados, entre 1756 e 1789, cerca
de 20.339. Os embarques da companhia no escasso período de três anos, de 1756 a 1758, na
rota de Angola corresponderam ao número de 1944 escravos destinados ao Pará, Maranhão
e Rio de Janeiro. Entretanto, no período de 1759 a 1781, a companhia conseguiu angariar
mais de 6920 escravos obtidos pelas cobranças de empréstimos que fez no começo de sua
atuação, e também da cobrança a intermediários. Deste modo, Carreira concluiu que nos
mais de vinte anos de funcionamento da empresa, esta colocou no mercado não mais que 31
mil escravos321.
Esses dados foram construídos por Carreira levando em consideração os escravos
que faleceram durante o trajeto ou fugiram dos barracões da empresa. Outras fontes
documentais tornam esses números superiores, mas Carreira ressalta que, embora não se

318
A experiência de outras companhias para o abastecimento de escravos no Grão-Pará e Maranhão em fins
do século XVII se mostraram frustradas e insatisfatórias, razão pela qual este estado continuou com relativa
carência de escravos ainda durante o século XVIII. Sobre essa questão ver capítulo 1 desta dissertação.
319
Não nos cabe analisar o mercado de escravos na África e suas relações com outras praças marítimas do
Brasil. Bahia e Rio de Janeiro tinham como fornecedores de escravos as regiões da Costa da Mina,
Moçambique e Angola. Sobre essa questão ver ANTUNES, In: BICALHO; FERLINI, 2005; FERREIRA, In:
FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001.
320
CARREIRA, 1988, p. 99.
321
CARREIRA, 1988, p. 112-125.
123

constituam em dados finais, são importante fonte para se ter uma noção do tráfico de
escravos realizado com destino ao Pará durante o monopólio da Companhia de Comércio.
Havia também escravos comprados para serviços na própria companhia, denominados
“escravos grumetes”, que eram cristianizados e possuíam habilidade em algum tipo de ofício
mecânico, como carpinteiro, ferreiro, calafete, serrador, e faziam parte da tripulação de
embarcações do tipo tráfico costeiro.
Essa mão-de-obra escrava africana seria encaminhada tanto para a mineração quanto
para as lavouras na capitania de Mato Grosso. Segundo Zemella, só poderiam receber datas
minerais aqueles que possuíssem escravos para extrair o ouro, de acordo com o Regimento
das Minas de 1702322. Para os trabalhos da mineração, os escravos da Costa da Mina eram
preferidos pelos mineradores das Gerais. Na capitania de Mato Grosso, os escravos, além de
minerar, também foram utilizados como remeiros, para ajudar a transpor os obstáculos
naturais durante as viagens do Grão-Pará ao Mato Grosso, e aprenderam este ofício com os
indígenas: “não há dúvida em meter a companhia maior quantidade de escravos a fim de
323
poderem conduzir as canoas e passá-las nas cachoeiras” . Quando chegavam à vila os
negros utilizados como remeiros eram vendidos; porém por serem adquiridos a elevados
preços, os indígenas sempre tiveram preferência para realizar os trabalhos nas viagens das
monções.
Os agentes da companhia de comércio pretendiam vender os escravos a 115$000 réis
cada um, e consideravam que “nenhum negociante os meterá nesse continente por preço
mais acomodado”324; este preço referia-se às compras no Pará, pois na capitania de Mato
Grosso aumentavam sobremaneira. No entanto, mesmo assim concorriam com os
comerciantes de escravos do Rio de Janeiro. Na década de 1770, vendia-se na capitania “um
negro bom em duzentas oitavas ou 300$000 réis, e os mais inferiores de cento e sessenta até
325
cento e oitenta oitavas” , porém as negras eram vendidas a 384$000 réis. Esses negros
escravos eram aqueles vindos do Rio de Janeiro e da Bahia, sendo que os da Bahia eram
transportados por terra, através de caminhos muito difíceis. Em 1775, o bando de Luís de

322
ZEMELLA, 1990, p. 180.
323
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
324
APMT. Lata 1769, Fundo Governadoria, doc. nº 208, Pará, 04/jun/1769. Correspondência de Gonçalo
Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.
325
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são
vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
124

Albuquerque fixou o preço de um “negro bom” vindo do Pará em 180$000 réis, e o de


qualidade inferior, a 170$000 réis326.
A documentação pesquisada aponta apenas dois documentos que constam referência
específica aos preços de escravos vendidos para Mato Grosso. O primeiro, de 1760,
informava que a Fazenda Real da Capitania de Mato Grosso devia à Companhia Geral de
Comércio do Grão-Pará “um preto que se comprou a Bento, no valor de 180$000”327. O
segundo, data de 1771, e diz respeito a uma entrega feita ao governador Luís Pinto de Souza
Coutinho pela Companhia de Comércio, de “dois escravos para aprenderem a tocar caixa,
na importância de 230$000”328.
Os preços dos escravos não variavam somente em decorrência dos gastos com o
transporte ou despesas, mas também dependiam, evidentemente, do estado físico em que se
encontravam. Ao analisar a documentação do Pará e de Mato Grosso, concluímos que um
escravo “bom” não seria vendido por menos que 180$000 réis, a menos que outros fatores
fizessem baixar seu preço. Se considerarmos especificamente o caso do Pará, em que os
escravos chegavam diretamente da África e não dependiam da transposição de obstáculos
como os caudalosos rios percorridos pelas monções, seus preços variavam também de acordo
com o seu estado de saúde. Em 1759, Bernardo de Melo e Castro informava a Francisco
Xavier de Mendonça Furtado que apesar de terem morrido “cento e oitenta e tantos pretos”,
e de chegarem outros tantos com febres, bexigas e diarreias, os “preços a que se venderam
foram os ordinários, em cento e quinze mil réis até oitenta, a exceção de alguns que se
venderam por preços mais diminutos por estarem mais próximos a morrer que a viver”329.
Além das febres, bexigas e outras doenças que acometiam os escravos tanto nas
viagens nos navios negreiros quanto em terra, havia o escorbuto. Uma das principais causas
dessa doença era a má qualidade da alimentação através da ingestão de alimentos podres e
água impura. Havia uma preocupação com a saúde dos escravos, mão-de-obra cara e
necessária para o desenvolvimento das atividades econômicas. Por esse motivo, os
tratamentos para a cura de escravos possuíam destaque nos manuais da época como foi o

326
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
327
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 27, Pará, 16/dez/1760. Relação da dívida da Capitania de
Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
328
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. nº 299, Pará, 25/fev/1771. Correspondência de Gonçalo
Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luís Pinto de Souza Coutinho.
329
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 06/ago/1759. Cd 05 (pasta 050/003/452), cx. 45, doc. 4105. Oficio
de Manuel Bernardo de Melo e Castro para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
125

“Erário Mineral” de Luís Gomes Ferreira. Parecia ser prática comum adquirir escravos
doentes e depois curá-los, tanto que Luís Gomes Ferreira advertia aos compradores para que
não adquirissem “escravos com os joelhos inclinados para dentro e as pernas para fora”330,
pois em pouco tempo poderiam perdê-los causando prejuízo financeiro.
Em relação a algumas práticas de compra de escravos de mercadores no Pará, Melo
e Castro fez observações. Referindo-se a Custódio de Freitas, denunciava que este havia
comprado um lote de cinquenta pretos a oitenta réis cada um, entre grandes e pequenos, e
depois os revendia, situação inaceitável, pelo fato deste não ser lavrador, mas apenas
mercador particular, que depois revendia os escravos, em prejuízo da companhia.
A displicência com que agiam os administradores na compra dos escravos na África
e seu transporte dificultava suprir as necessidades do Pará, quem dirá de outras capitanias.
Apesar desses apontamentos não serem fundamentais para explicar o fato do número de
escravos na capitania de Mato Grosso trazidos do Pará serem em quantidade inferior àqueles
vindos de outros portos, deve-se atentar para essas possibilidades, ao menos no que diz
respeito ao abastecimento de mão-de-obra escrava oriunda do Pará em Mato Grosso na
década de 1750. Ademais, é preciso observar que este relato se refere ao ano de 1759, apenas
três anos após a fundação da Companhia, período durante o qual os negócios ainda estavam
por se ajustar no Pará e em Mato Grosso.
No navio Nossa Senhora da Conceição foram embarcados, em 1759, um total de 500
escravos, dos quais morreram 132, restando 368, homens, em sua maioria, mas muito
doentes, magros e fracos. Esta situação foi atribuída ao embarque de escravos já doentes nos
portos africanos, com o agravante das péssimas condições do transporte, e também ao fato
de serem maioria de “negros Moxicongos (sic), que possuíam a reputação por serem
indolentes “e mortais, e todos são tão moles, que pessoa nenhuma se resolve pelo Brasil a
comprá-los, a menos de ser por preços muito módicos”331. Em 1765, Fernando da Costa de
Ataíde Teive informava que o número de escravos que havia chegado ao Pará, no navio da
companhia “Nossa Senhora do Cabo” totalizava 700 escravos de Angola, dos quais
morreram apenas 35 na viagem332.

330
ANZAI, 2003, p. 169.
331
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 06/ago/1759. Cd 05 (pasta 050/003/452), cx. 45, doc. 4105. Oficio
de Manuel Bernardo de Melo e Castro para Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
332
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 19/abr/1765. Cd 06 (pasta 063/002/347), cx. 58, doc. 5203. Ofício
de Fernando da Costa de Ataíde Teive a Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
126

Na documentação consultada referente às listas de produtos que chegavam à


capitania não consta nenhuma referência detalhada (sexo, idade, quantidade) dos escravos
chegados por intermédio da Companhia de Comércio. Entretanto, vieram alguns pelas
monções do norte, mas, ao que tudo indica, em menor quantidade que aqueles que vieram
das monções de São Paulo e do Rio; estas últimas, em apenas uma carregação, introduziram
na vila de Cuiabá 400 escravos333. Ademais, também não dispomos de informações se os
escravos que chegavam pela via do Pará em Mato Grosso tinham procedência de Angola,
Cacheu ou Bissau, apesar de ser fato, essas regiões fazerem parte da rota comercial da
Companhia do Pará. Contudo, por haver rotas comerciais que davam acesso à Capitania de
Mato Grosso colocando-a em contato com os principais portos marítimos, podemos
identificar que chegavam à capitania escravos de Angola, Moçambique, Costa da Mina, além
daqueles provenientes de mercados abastecedores de escravos exclusivos da Companhia do
Pará como Cabo Verde, Bissau e Cacheu. Os principais portos marítimos do Rio de Janeiro,
São Paulo, Bahia e Belém eram os principais distribuidores de mão-de-obra escrava para a
Capitania de Mato Grosso, cujos mercados fornecedores de escravos estavam localizados
em diferentes regiões da África.
Segundo Antunes, a partir de meados do século XVIII, Moçambique contou com a
presença contínua de negociantes de escravos provenientes do Rio de Janeiro e Bahia.
Moçambique era considerada um mercado atrativo e lucrativo para os comerciantes do Rio
de Janeiro. Entre 1760 e 1761 haviam partido três navios de Moçambique, sendo um do Rio
de Janeiro e dois da Bahia334. Entretanto, negociantes cariocas também se dirigiram a Angola
para compra de escravos e em fins do setecentos já haviam dominado o tráfico de escravos
dessa região.
Ferreira aponta que o “tráfico angolano era parte integrante de um sistema mercantil
cujo centro estava no centro-sul do Brasil”335 na segunda metade do século XVIII. Tal fator,
adicionado às vantagens de serem grandes produtores de fumo e cachaça, uma das principais
mercadorias utilizadas para compra de escravos levou os comerciantes da Bahia e
Pernambuco a dominarem o tráfico da Costa da Mina, apesar de também negociarem em
Angola.

333
APMT. Lata 1767, Fundo Governadoria, doc. nº 161, Vila Real do Cuiabá, 02/jan/1767. Correspondência
escrita por Francisco Lopes de Araújo.
334
ANTUNES, p. 204-212. In: BICHAHO; FERLINI, 2005.
335
FERREIRA, p. 345-346. In: FRAGOSO; BICALHO; GOUVEA, 2001.
127

Em 1765 João Pedro da Câmara informava a Francisco Xavier de Mendonça Furtado


o número total de escravos existentes nas minas de Mato Grosso –1599 –, sem especificar
sua procedência336. Entre 1769 e 1770, Luís Pinto de Souza Coutinho registrava que na
capitania haviam entrado um total de 952 escravos: 120 eram do Pará; 121 da Bahia; 261 de
São Paulo, Goiás e Minas Gerais; e 450 do Rio de Janeiro337. Nas listas encontradas, nas
quais constam diversas carregações de produtos que vieram do Grão-Pará, não há menção
aos números de escravos vindos por monção. O “Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme
as memórias e registros existentes” informa que o número total de escravos que entraram
pelos caminhos do norte nos anos de 1751 a 1772: no total, 874, e em Cuiabá, via portos do
sul, de 1720 a 1772, 15.606 escravos338. No entanto, o mapa citado corresponde aos escravos
que entraram na capitania do Cuiabá e Mato Grosso, não estabelecendo quantos dos que
entraram pelos portos do sul foram destinados a Vila Bela.
Comparando os dois mapas observamos que a entrada de escravos na capitania de
Mato Grosso por outras vias foi superior em relação àqueles provenientes do Pará, e por isso
o Estado do Grão-Pará constituiu o principal mercado de escravos da companhia339. O
número de escravos provenientes do Pará para Mato Grosso no ano de 1769 foi de apenas
19, e em 1770 o total anual de escravos foi de 101. De acordo com o Mapa Geral de 1751 a
1772, referente a quantidade de escravos provenientes do Pará registrada por governo, o total
de escravos no governo Rolim de Moura foi de 117, no governo João Pedro da Câmara o
total foi de 292, e no governo de Luís Pinto de Souza Coutinho o total foi de 465, números

336
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 745. Ofício de João Pedro da
Câmara a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
337
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Mapa do Comércio da Capitania de Mato Grosso, tanto
exterior como interior relativo aos anos de 1769-1770. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
338
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 1773, Rolo 15, cx. 17, doc. 1054. Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme as memórias e
registros existentes.
339
Patrícia Sampaio informa que o projeto pombalino para ampliar a introdução da mão-de-obra escrava
africana em substituição à mão-de-obra indígena no Pará não surtiu os efeitos desejados pelo alto valor de
preço que os africanos atingiram, sendo a mão-de-obra indígena mais barata. Nesse sentido, Sampaio afirma
que os comerciantes de escravos do Pará se aventuraram no comércio interno e no contrabando dirigindo a
mão-de-obra que adquiriram no caso do comércio interno à Bahia e ao Maranhão. Cf. SAMPAIO, 2001, p. 78-
79.
128

sempre em ascendência, nunca em decréscimo. Comparativamente, apenas no governo de


Luís Pinto de Souza Coutinho o número de escravos dos portos do sul chegou a 1246340.
Nas observações feitas por Alexandre Rodrigues Ferreira, em documento intitulado
“Prospecto Filosófico da Serra de São Vicente” relatou o naturalista que a introdução dos
escravos no período de 1786 a 1789, na capitania de Mato Grosso, correspondeu a um total
de 721, provenientes do Pará, Bahia e Rio de Janeiro341, números reduzidos se comparados
ao número de escravos que entraram em Vila Bela durante os três anos de governo de Luís
Pinto de Souza Coutinho: 465 do Pará e 809 dos portos do sul, totalizando 1274342.
O naturalista atribuía este número aos direitos e despesas que pagavam os
comboieiros nos portos marítimos. Segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, no ano de 1788,
para o comerciante adquirir um negro mina da Bahia teria que pagar entre 18 a 20$000 réis,
entre direitos, sustento e vestuário, custando o escravo 130$000 réis na Bahia e vendido em
Mato Grosso a 165$000 réis. No caso dos escravos comprados no Rio de Janeiro, angolas e
benguelas, estes tinham os direitos a menor custo, no máximo 5$000 réis, e eram vendidos
na capitania por preço “um pouco menores” que os vindos da Bahia. No caso dos escravos
do Pará, que entravam na capitania em quantidade inferior às dos outros portos, e custando
em sua origem 170$000 réis, um escravo “bom” era vendido pelo preço de 190$000 réis,
podendo chegar a 220$000 réis. Nesse aspecto, Ferreira considerava que, pelo fato dos
negociantes nunca venderem à vista, não podiam vender os escravos por preço menor.
Infelizmente nossas limitações não nos permitem traçar o total de escravos vindos do
Pará durante o funcionamento da Companhia, tampouco estabelecer comparação do preço
de venda de escravos em outras capitanias do Brasil, mas o que podemos afirmar é que, de
acordo com os registros oficiais, a Companhia do Pará foi a responsável pela entrada de
poucos escravos em Mato Grosso. Contudo, produtos de extrema necessidade, como foram
os tecidos apontam outra perspectiva.

340
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 1773, Rolo 15, cx. 17, doc. 1054. Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme as memórias e
registros existentes.
341
FERREIRA, In: FERRÃO; SOARES, 2008. p. 57.
342
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 1773, Rolo 15, cx. 17, doc. 1054. Mapa Geral dos escravos que tem entrado
nas capitanias de Cuiabá e Mato Grosso desde que se descobriram as suas minas conforme as memórias e
registros existentes.
129

Os tecidos

O quadro que apresentamos a seguir, cuja fonte é o levantamento feito no ano de


1770, por ordem do governador e capitão general Luís Pinto de Souza Coutinho343 procura
oferecer uma idéia da quantidade de lojas e fábricas de algodão, aguardente e açúcar que
havia à época na Capitania de Mato Grosso, em especial em Vila Bela.

Tabela 3 – Lojas e Fábricas existentes na Capitania de Mato Grosso em 1770

Vila Bela Forte de Bragança Lamego Leomil Balsemão


Lojas de fazendas 18 - - - -
Olarias 03 01 02 01 01
Teares de algodão 01 - 18 01 -
Fábricas de aguardente 16 01 01 - -
Fábricas de açúcar 02 - 01 - -
Fonte: Adaptado do PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
Na década de 1970, José Roberto do Amaral Lapa ressaltava que se conhecia muito
pouco dos produtos tropicais como a madeira, as drogas do sertão, o tabaco, o milho, a
farinha de mandioca, a pecuária, e ainda sobre a construção naval, a fiação e a tecelagem
com o aproveitamento das fibras têxteis344. Embora esse quadro tenha apresentado mudanças
nas últimas décadas, outros estudos ainda se fazem necessários para compreender a
importância da utilização de tais produtos no processo de colonização portuguesa no Brasil,
em especial, no espaço que estudamos, a Capitania de Mato Grosso.
Sabe-se que o milho e o feijão constavam da dieta alimentar da maioria da população
da capitania, e que as drogas do sertão constituíam importante atividade econômica
destinadas à exportação rendendo muitos lucros à Coroa. Porém, sabemos pouco sobre a
fabricação de tecidos, que deveriam ser suficientes para a utilização no próprio local de sua
fabricação, e também para um comércio com os vizinhos do outro lado da fronteira. Em
bando publicado em 1769, Luís Pinto de Souza Coutinho procurava incentivar a produção
de tecidos e a cultura do algodão; considerava de “utilidade pública” promover o cultivo

343
Este documento, composto por 37 páginas apresenta importantes dados a respeito de variados aspectos
econômicos e sociais da capitania. Contém mapas da população, das suas lojas e fábricas, da quantidade de
escravos, exportação do ouro, da situação do comércio, agricultura e da defesa. Ver: PROJETO RESGATE –
AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís Pinto de Sousa Coutinho a
Martinho de Mello e Castro. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
344
LAPA, 1973, p. 12.
130

desse produto e a instalação de manufaturas. Benefícios e privilégios seriam concedidos


àqueles que se dedicassem a estabelecer fábricas e teares de algodão. Assim se referia o
capitão general no bando publicado:

Sou servido a declarar que toda a pessoa que colher de sua plantação cem
arrobas de algodão em rama ou fabricar em seus teares cinquenta peças de
pano grosso do referido gênero gozará, para si, sua família e domésticos,
de todos os privilégios e isenções que, pela ordenação livro 2 título 53, são
concedidos a todos os caseiros encabeçados dos fidalgos sendo também
escusos de servirem nas ordenanças, auxiliares e ainda pagos, enquanto
não abrirem mão da referida cultura e fábricas. E mesmo privilégio gozarão
aqueles que, aperfeiçoando as mesmas fábricas, tecerem trinta pelas de
riscadilhos, sarjas, e outras drogas de mais curta despesa. Havendo-se,
outrossim, respeito destes serviços, para efeito de serem atendidos e
recomendados a Sua Majestade, com preferência a todas as pessoas que
pretenderem do mesmo senhor alguma graça ou mercê 345.

Se cada arroba equivale nas medidas de peso atuais a praticamente 15 quilos, cem
arrobas de algodão seriam equivalentes a aproximadamente 1500 quilos de matéria-prima
posteriormente transformada em tecidos para consumo da população. Interessante observar
que os tecidos chegavam a Mato Grosso pela Companhia do Grão-Pará, onde inúmeras peças
manufaturadas do Reino e de outras partes da Europa eram destinadas ao consumo local e
também ao fardamento das tropas. Este bando de Luís Pinto buscava estabelecer práticas já
adotadas em outras capitanias, como, por exemplo, a do Pará, que desde 1755 tentava a
autossuficiência na fabricação de panos de algodão para o fardamento das tropas346. No caso
de Mato Grosso, a escala de cultivo do algodão era bem menor que a do Pará, cuja maior
parte da produção era exportada para o Reino.
No Pará, os privilégios e benefícios seriam concedidos não apenas aos fabricantes,
mas também aos lavradores fornecedores da matéria-prima. Ao longo da década de 1750
tentaram incentivar a cultura do algodão e ajustar os preços para não se tornarem excessivos,
com vistas à promoção da produção deste gênero naquele Estado. Em correspondência de

345
ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1484. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em 18/ago/1769.
346
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/ago/1755. Cd 05, (pasta 044/001/122), cx. 38, doc. 3617.
Correspondência de Miguel Bulhões e Sousa a Tomé Joaquim da Costa Corte Real.
131

Miguel de Bulhões e Sousa, governador interino e bispo do Pará, a Tomé Joaquim da Costa
Corte-Real discorria o governador sobre o Bando que proibia a extração do algodão para
fora do Estado que, segundo ele em nada havia prejudicado o comércio referindo-se também
às ordens positivas destinadas às povoações para que tivessem especial cuidado na plantação
de um dos mais importantes gêneros daquele Estado, o algodão. Sobre a Companhia do
Grão-Pará propunha que esta aplicasse todas as suas forças para “introduzir nesta capitania
um grande número de pretos, porque tendo estes lavradores e operários o que necessitam,
logo se animarão a fazer as plantações vindo a aumentar este ramo de comércio”347.
Tecidos importados que compunham o vestuário dos colonos da capitania eram
trazidos em grande quantidade e variedade. Havia tecidos de diversas cores: azuis, amarelos,
pretos, brancos, escarlates, entre baetas, panos de linho, aniagem, bretanhas, brim, estopa,
fustão, cambraia, seda, tafetá, droguetes e chitas, entre outros348.
Dentre os tecidos que mais tinham aceitação na vila-capital e suas imediações,
figuravam: linho, algodão, bretanha, chitas, riscados da Índia e de Hamburgo, ruões, sedas,
retrozes e droguetes castores349.
As demais peças consistiam em enfeites e acessórios, como fitas de cetim, lenços,
chapéus grossos, chapéus finos, meias de seda, meias de linha, camisas de linho, camisas de
algodão, calções de algodão. Havia também artigos de uso pessoal como espelhos, navalhas
de barba, pentes, brincos de vidro, anéis de estanho, e aviamentos como botões, abotoaduras,
miçangas de várias cores, linhas de costura, agulhas, fivelas para calçado350.
Para compor o fardamento dos soldados traziam palmilhas de couro e também couro
de veado para os sapatos. O couro de veado foi muito utilizado no Setecentos para os sapatos,
pois eram resistentes às flechadas dos índios351.

347
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 18/jun/1757. Cd 05, (pasta 048/001/145), cx. 42, doc. 3877.
Correspondência de Miguel Bulhões e Sousa a Tomé Joaquim da Costa Corte Real.
348
LAPA, 1973, p. 79.
349
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são
vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
350
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de
Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho; APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 121, Pará,
20/mai/1775. Correspondência de Antônio Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres; APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 123, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Antônio
Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres; APMT. Lata 1776, Fundo
Governadoria, doc. nº 73, Pará, 27/abr/1776. Correspondência de Manoel José da Cunha e Antônio Coutinho
de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
351
HOLANDA, 1975, p. 85-86.
132

Além dos tecidos, também vinham alguns artigos religiosos nas carregações dos
comerciantes, inclusive vestimentas para uso dos clérigos como sobrepeliz com renda, e
estolas. Dos objetos religiosos chegavam missais, vasos de estanho para comunhão, ritual
romano, cubos de hóstia, entre outros. Até mesmo um sino com badalo de cinco arrobas e
catorze libras foi trazido para Vila Bela, no ano de 1770352.
O governador da capitania de Mato Grosso geralmente fazia uma lista de gêneros
necessários aos funcionários do governo e enviava aos agentes administrativos da
Companhia do Grão-Pará, para que estes separassem os produtos solicitados para a capitania.
As listas, em geral, diziam respeito ao fardamento das tropas, às munições e armas. Nem
sempre os governadores eram prontamente atendidos, e às vezes sequer recebiam satisfações
por parte desses agentes. Assim, podemos observar que o comércio através da companhia
não se fez sem contratempos, provocando mesmo desavenças entre as partes interessadas.

Também faço a vossa excelência presente o sentimento com que fiquei de


não surtir o efeito que eu desejava a encomenda que vossa excelência
fazia a Teotônio da Silva Gusmão, pela relação dos gêneros que vossa
excelência recomendava para fardamento das tropas do governo de vossa
excelência fizesse pela Companhia Geral do Comércio desta cidade ... lhe
não remeteram coisa alguma pertencente à encomenda de vossa
excelência, que da muita parte eficazmente fiz pedir. 353

No ano de 1775 havia chegado uma carregação composta basicamente de tecidos e


peças de vestuário, composta, em sua maioria, por baetas azuis e encarnadas, panos de linho,
estopas, droguetes, linhagem, chapéus grossos, e calções de algodão. Ao todo eram 32
fardos, que renderam a importância de 2:998$080 réis à Companhia. Entre os anos de 1774
a 1777, observando-se as listas de produtos observa-se que as carregações foram compostas
basicamente por tecidos, tratando-se, portanto, de comércio público; em geral, muitos dos
pedidos feitos pelos governadores se referiam aos tecidos para o fardamento das tropas.
Segundo Simone Inoui, no século XVIII, na Vila Real de Cuiabá era muito comum
a troca de produtos para saldar dívidas, demonstrando que alguns deles tinham alto valor no
mercado, como foi o caso de alguns tecidos354. Isso também poderia ocorrer em outras partes

352
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de
Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
353
APMT. Lata 1760 II, Fundo Governadoria, doc. nº 26, Pará, 21/out/1760. Correspondência de Manuel
Bernardo de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.
354
INOUI, 2004, p. 36-37.
133

da capitania. O quadro abaixo oferece uma ideia do valor de venda dos tecidos e peças de
vestuário no ano de 1770.

Tabela 4 – Preços de tecidos e outros produtos no ano de 1770

Tecidos, peças de vestuário e demais artigos Preço no ano de 1770


Cada côvado de baeta encarnada, azul ferrete ou parda 15 tostões
Cada côvado de pano entre fino das sobreditas cores 4$000
Cada chapéu fino 10$500
Cada chapéu grosseiro de Braga 4$500
Cada par de meias de seda 7$500
Cada par de meias de linha ordinárias 1$500
Cada vara de pano de linho de lençóis 1$500
Cada vara de pano de linho para camisas 2$250
Cada peça de Bretanha 9$000
Cada vara de cambraia lisa 7$500
Cada abotoadura de metal 9$000
Cada côvado de veludo encarnado, azul claro e preto 7$500
Cada côvado de tafetá 1$500
Cada côvado de seda lisa 4$500
Cada pente de marfim $400
Cada pente de tartaruga 1$500
Cada cabeleira das que se vendem em Lisboa a 1$200 9$000
Cada espelho pequeno $400

Fonte: PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que
são vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.

Produtos de botica e outros alimentos finos

A botica utilizada na Capitania de Mato Grosso constava de produtos vindos da


Europa e do Grão-Pará, além daqueles do próprio local355. Eram produtos essenciais, que
não podiam faltar aos colonos, devido às suas propriedades curativas. As febres, sezões e
outras doenças eram constantes na época, sendo que a enfermidade mais temida era a
corrupção356. Os viajantes das monções eram os que mais estavam vulneráveis às doenças
nos caminhos que navegavam do Pará até Vila Bela, e por isso carregavam uma pequena
botica, que garantia o alívio daqueles que viessem a adoecer.

355
LAPA, 1973, p. 82. Ver também: ANZAI, 2003.
356
Sobre as práticas de cura, as boticas de embarque e as doenças na capitania de Mato Grosso ver ANZAI,
2003.
134

De um modo geral, uma caixa de botica de viagem para Mato Grosso constava dos
seguintes medicamentos: purgas de jalapa, purgas de quina, bálsamo católico, unguento
refrigerante Galeno357, unguento de alfeia, cremor de tártaro, sene, ipecacuanha, sal
amoníaco, raiz da china, salsaparrilha, láudano líquido, láudano opiado, unguento de
basilicão, ópio, xarope de papoulas brancas, canela fina, água de melissa, mel rosado, vitríolo
branco, espírito de vitríolo, tártaro vitriolado, raiz de tormentina, bolo armênio, raiz de
bardana, mercúrio cru ou azougue, mercúrio doce, ruibarbo, cristal tártaro, espírito de nitro,
espírito de cubuliana358.
Muitos dos produtos de origem do Pará foram utilizados para “as curas da gente
popular da capitania”. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira registrou o uso desses
produtos para a cura de algumas doenças359. Utilizava-se o azougue para tratar as impingens;
o tártaro emético, ipecacuanha, jalapa, ruibarbo, maná, sene, quintilio serviam para purgar.
Com a quina e o sal amoníaco tratavam-se sezões, na cura de febres terçãs aplicava-se uma
purga que continha entre outros medicamentos o vitríolo e o ópio360. Em suma, as moléstias
da capitania eram bem conhecidas de seus moradores, e por isso a botica deveria estar sempre
bem abastecida.

IMAGEM 14 IMAGEM 15

[Herreria salsaparilla]. CODINA, Joaquim José. Coleção [Yandiróba]. CODINA, Joaquim José. Coleção Alexandre
Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital. Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital.

357
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
358
APMT. Lata 1770, Fundo Governadoria, doc. n° 262, Pará, 01/04/1770. Correspondência de Fernando de
Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
359
ANZAI, 2003, p. 153-154.
360
Idem, ibidem, p. 155-158.
135

As práticas de cura da “gente popular” na capitania poderiam incluir tratamentos do


modo americano ou europeu, segundo as observações de Alexandre Rodrigues Ferreira. Os
tratamentos também poderiam prescrever uma combinação de práticas de cura europeia e
americana, mistura que demonstrava resultados positivos na cura dos doentes. Para Anzai,
embora o naturalista utilizasse “substâncias da farmacopéia europeia – que por sua vez, já
havia incorporado produtos americanos – lançava mão dos conhecimentos empíricos de
negros e índios ao prescrever os medicamentos”. 361
O sal era produto de extrema importância, era escasso e atingia alto valor no mercado
da capitania, por se tratar de um dos gêneros de primeira necessidade. Desde 1690 era
monopólio régio, cuja produção pertencia a uma indústria salineira de Portugal362. Em
meados do século XVIII houve falta de sal no Rio de Janeiro devido à demora das frotas. A
carestia elevou o preço do produto, e os lucros dos comerciantes chegaram a 350%. Em Mato
Grosso, esse lucro sobre o preço do sal chegou a atingir 1283%363.
A partir do funcionamento da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão
esperava-se que o abastecimento desse gênero fosse barateado e contínuo. No entanto, o sal
foi produto escasso na capitania e extremamente necessário no preparo de alimentos, como
a salga de peixes e carnes, e também para ser utilizado na pecuária.
As preocupações com o sal foram tantas, que durante o governo do capitão general
Luiz de Albuquerque, período em que algumas expedições demarcadoras desenvolveram
atividades, um de seus objetivos, a partir de ordens reais, era que “os naturalistas
observassem os sinais de possíveis salinas”364. O próprio Luiz de Albuquerque durante a
viagem do Rio de Janeiro em direção ao Mato Grosso para tomar posse como governador
em 1772, havia recebido ordens régias para observar com cuidado as minas de sal e salitre
que diziam existir na região entre os rios Cuiabá e Paraguai365. O governador visitou as
salinas no lugar chamado “Vargea Formosa” relatando que neste sítio havia abundância de
gado, tanto vacum quanto cavalar366. Sobre o sal produzido nesta região concluiu que não

361
ANZAI, 2003, p. 159-160.
362
SILVA, 1986, vol. 3, p. 122.
363
CANAVARROS, 2004, p. 213.
364
GOMES, 2005.
365
Descrição da viagem feita por Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres quando foi tomar conta da
Capitania de Mato Grosso (1772). In: FREYRE, 1978. p. 279. Ver também: ANZAI, p. 64. (prelo).
366
Idem, ibidem.
136

era de má qualidade se comparado com outras capitanias do Brasil, porém, advertiu que as
salinas eram pouco férteis367.
Em 1770, o valor de cada alqueire de sal custava de 15$000 até 30$000 réis, preço
muito alto para a maioria dos colonos pobres. No entanto, Luís de Albuquerque, em 1775,
fixou o preço do alqueire de sal em 9$450 réis. No documento denominado “Enfermidades
Endêmicas da Capitania de Mato Grosso”, produzido por Alexandre Rodrigues Ferreira em
sua expedição filosófica consta a seguinte observação sobre o sal:

Na campanha que fica entre poente e sul, do curso geral do rio Jauru do
registro para baixo e a nascente da serra do Aguapeí, se observaram doze
léguas quadradas do país salitroso, aonde se encontram repetidas e
florescências de sal gema, umas mais e outras menos ricas. Todo o terreno
é alagado na estação das chuvas; mas com pequena despesa e benefício se
poderia conseguir uma feitoria de sal culinar, que provesse todo este
continente interior. Há mais de 25 anos que o velho João de Almeida
conhece aquelas salinas, e por meio de decoadas e de lixívias extraiu da
terra o sal de que se servia, e a sua numerosa família, e com ele beneficiava
carnes secas, mas três ou quatro léguas mais para a serra, contando a
feitoria do dito velho, é que encontramos a maior abundância de salinas,
aonde só de uma tomamos, mais de 2 alqueires da medida de Portugal, todo
puro em pó branquíssimo, semelhante ao de escuma, que se fabrica nas
marinhas do rio maior, Comarca de Santarém, etc368.

Entre alguns outros “produtos molhados” consumidos na capitania estavam o queijo


flamengo, que valia 3$000 réis a unidade, o paio custava $900 réis, o arrátel de café $750
réis, e os chás, cujo valor em Lisboa era de $800 réis, na capitania de Mato Grosso alcançava
6$000 réis. Quando havia, o pacote de farinha de trigo com cinco arrobas custava 30$000

367
ANZAI, p. 69 (prelo).
368
Enfermidades Endêmicas da Capitania de Mato Grosso por Alexandre Rodrigues Ferreira. Documento
transcrito e editado por José Pereira da Silva a partir do original localizado na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Códice 21,2,5. Disponível no site: <www.filologia.org.br/soletras>. Suplemento 16. Acesso em:
20/out/08. Ver também transcrição comentada da mesma documentação em: ANZAI, 2003, e ANZAI, In:
PORTO, 2008.
137

réis. Cada frasco de vinho tinto, de vinagre, de azeite e de aguardente custava cerca de 3$000
réis369.
Produtos como queijos, presuntos, chocolates e vinhos eram consumidos de modo
restrito, já que apenas uma pequena parcela da população, como as autoridades, funcionários
públicos e famílias ricas possuíam posses para adquiri-los. A exceção estava no consumo do
vinagre, sal e azeite, que deveriam constar da dieta alimentar da maior parte dos colonos370.
Algumas drogas do oriente também eram consumidas na capitania, como alfazema, pimenta-
da-índia e a canela, assim como as drogas do Pará, como o cacau, a baunilha, a salsa e o
cravo.
Do cacau fabricava-se o chocolate. Nos Anais de Vila Bela de 1758 registrou-se que
“se colhe o cacau que o sertão espontaneamente produz, de que se faz suficiente chocolate,
e para composição deste as matas deste continente produzem bastante baunilha”371. O
chocolate, bebida de origem americana consumida pelos povos astecas na região do México,
possuía uma textura espessa, da qual para seu preparo utilizava-se uma mistura de cacau
torrado e moído dissolvido em água quente e temperado com pimenta, urucum e “atolle”.
Essa bebida, inicialmente de sabor amargo, foi difundida na Europa e modificada pelo
europeu ao acrescentar açúcar e algumas especiarias como a baunilha e a canela adaptando-
a ao seu paladar372. O chocolate no Setecentos já era considerado uma bebida aristocrática,
cujo consumo era restrito. Para Gomes, “ser agraciado com o chocolate era motivo de alegria
e sinônimo de distinção para quem o recebia”373.

369
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são
vendidos os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
370
LAPA, 1973, p. 82.
371
AMADO & ANZAI, 2006, P. 70 [Anal desta Vila Bela do ano de 1758].
372
GOMES, 2008, p. 129.
373
Idem, ibidem, p. 130.
138

IMAGEM 16 IMAGEM 17

[Theobroma cacao]. CODINA, Joaquim José. Coleção [Baunilha]. CODINA, Joaquim José. Coleção Alexandre
Alexandre Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital Rodrigues Ferreira. BNRJ. Acervo Digital

Existe uma relação entre comida e classe social, uma vez que um dos primeiros
diferenciadores dos tipos de alimentos levados à mesa pelas classes mais altas e mais baixas
está na capacidade econômica que cada um possui para adquirir os alimentos que consome.
Portanto, a utilização de certos tipos de alimentos define também o lugar de quem os
consome na hierarquia social374.
A alimentação dos capitães generais e das pessoas mais abastadas, se comparadas
com a da maioria da população era diferenciada. O capitão general Luiz de Albuquerque
recebia alguns gêneros alimentícios e ainda outros objetos de luxo enviados por seu
procurador Paulo Jorge, de Lisboa. Dentre os mais variados produtos de alimentação, botica
e de uso pessoal remetidos a Luiz de Albuquerque constavam de queijos flamengos, canela,
vinagres, azeites, aguardente, vinhos, chás finos, chouriços, manteiga, presuntos, salpicões,
paios, etc375. Paulo Jorge se referia com regularidade que os gêneros alimentícios e demais
objetos se destinavam à “subsistência” do capitão general. Estes produtos também eram
enviados pela própria família de Luiz de Albuquerque, como foram as aguardentes e vinhos
tintos enviadas pelo pai do governador em 1774376. Estes gêneros também se encontravam
disponíveis para a venda na capitania, mas em menor quantidade, e por isso, quando havia,
os preços eram elevados. Portanto, presuntos e queijos não eram alimentos para serem
consumidos por todos os habitantes da vila e de suas imediações.

374
GOMES, 2008, p. 166.
375
ANZAI, 2006, p. 19. [Cartas de Paulo Jorge a Luiz de Albuquerque, Lisboa, 10/abr/1772].
376
Idem, ibidem, p. 39.
139

A capitania, por sua vez, possuía boa produção local de gêneros como frutas, legumes
e grãos, como o milho, o feijão, o arroz; criavam-se aves, como galinhas, e também suínos,
não dependendo, portanto, da importação de tais gêneros para o consumo dos habitantes. Em
grande parte, o cultivo desses produtos era realizado por escravos índios e negros. Algum
açúcar também era fabricado localmente, produção registrada nos Anais de Vila Bela do ano
de 1758: “se fabricou algum açúcar nos engenhos desta vila e seu distrito, e se vendeu por
preço muito acomodado, tendo na bondade pouca diferença do que vem de fora”. 377
A dieta alimentar das autoridades da capitania e das pessoas mais abastadas incluíam
gêneros do reino e aqueles produzidos no “país”, isto é, na própria capitania, como as carnes
de bois, porcos e aves, além de frutas e legumes. Esses alimentos eram levados à mesa em
banquetes e jantares diplomáticos organizados pelos capitães-generais para recepcionar seus
convidados, muitos dos quais, autoridades espanholas, ou mesmo portuguesas, como foram
os demarcadores. Os jantares promovidos por Luiz de Albuquerque para a equipe de
demarcadores receberam uma designação especial. Utilizado primeiramente por Rolim de
Moura ao se referir a sua alimentação pessoal em 1751, o termo “mesa real” foi usado
novamente por Luiz de Albuquerque para se referir “às despesas feitas para alimentar os
comissários demarcadores”378 durante o período em que estiveram realizando trabalhos na
capitania de Mato Grosso.
O fomento à agricultura foi tema importante nas ordens recebidas pelos capitães-
generais. Imprescindível para a sobrevivência e para a Fazenda Real, segundo Luís Pinto,
algumas proposições deveriam ser aplicadas para o seu desenvolvimento. Segundo o
governador era preciso “satisfazer todas as compras aos lavradores sem lhes taxar os preços,
para poder esperar da abundância a barateza”. Observou o capitão general que:

[A] fertilidade do país é extraordinária na maior parte da Capitania, assim


como para a cultura do milho, arroz, feijão, cana de açúcar, do tabaco,
algodão, anil, e em algumas paragens cresce com abundância a erva de
cochinilha. 379

377
AMADO & ANZAI, 2006, p. 70. [Anal de Vila Bela de 1758].
378
GOMES, 2008, p. 160-161. Para mais informações ver: capítulo 4 “Um olhar sobre práticas alimentares em
Mato Grosso”.
379
PROJETO RESGATE – AHU/MT 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luis Pinto de Souza
Coutinho a Martinho de Melo e Castro.
140

Para incentivar a agricultura foi proposta a comercialização dos excedentes, o que


levava à necessidade de produzir não apenas o “necessário para a subsistência”. Essas ações
exigiam o conhecimento das possibilidades dos agricultores e da povoação, o necessário para
a manutenção da tropa, e estudos que pudessem prever as necessidades de reservas, que
deveriam ser armazenadas para casos de necessidades. Essa previsão deveria também
estabelecer a quantidade de monções que seriam necessárias para abastecer a capitania,
tomando-se em consideração a média dos anos 380. As providências visavam evitar que nos
anos estiados houvesse falta de mantimentos, pois uma boa colheita anual e a fartura dos
mantimentos dependiam de outros fatores como o clima, e isto proporcionava que em alguns
anos houvesse muitos alimentos à disposição e outros em que estes eram escassos.

Armamentos, ferramentas e utensílios domésticos

O desenvolvimento de atividades como a mineração, agricultura e o próprio comércio


também dependiam de ferramentas, para trabalhar a terra, para consertar as canoas, e para
descobrir novas minas. À medida que os núcleos populacionais surgiam, outras atividades
econômicas e de serviços eram necessárias para a sobrevivência nas minas. Deste modo, ao
lado das lavras, ao longo dos rios, córregos e riachos, próximos às vilas, arraiais, lugares e
aldeias desenvolveram-se roças, fábricas de cal e de sal, olarias e lojas de fazendas. Nesses
lugares encontravam-se profissionais como pedreiros, arrieiros, serralheiros, ferreiros,
caldeireiros, carpinteiros, seleiros, sapateiros, alfaiates, oleiros e barbeiros381. Muitas dessas
atividades mecânicas poderiam ser exercidas também por indígenas e negros.

Tabela 5 – Ofícios mecânicos existentes na Capitania de Mato Grosso em 1770

Ofícios Vila Bela Forte de Bragança Lamego Leomil Lugar de


Balsemão

Oleiros 3 1 2 1 1
Barbeiros 4 2 - - -
Alfaiates 9 3 2 1 -
Sapateiros 14 2 - - -
Seleiros 2 - - - -
Carpinteiros 28 5 4 2 1
Caldeireiros 2 - - - -
Ferreiros 7 1 1 1 1

380
IHGMT, 2001, p. 42-43. Instrução de D. Luís Pinto de Souza Coutinho para Luiz de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres em 24/dez/1772.
381
SILVA, 2005, p. 57-58.
141

Serralheiros 6 1 - - -
Armeiros 1 1 - - -
Pedreiros 9 1 - - -
Pintores 2 - - - -
Fonte: PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís Pinto de
Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>.
Acesso em: 20/fev/2007.
Dentre os ofícios mecânicos listados alguns estavam ligados ao desenvolvimento de
atividades agrícolas, e outros são mais próprios dos ambientes urbanos. Gomes observa a
importância desses ofícios, em especial o dos carpinteiros, pois a maior parte dos objetos de
madeira utilizados nas áreas rurais era fabricado por esses profissionais. Eram usados
também nas construções das casas e edifícios urbanos públicos e privados, como quartéis e
igrejas382. Aos carpinteiros, no caso da Capitania do Pará cabia, além de outros trabalhos
próprios de seu ofício, os consertos e construções de naus e canoas, sendo alguns dos
construtores das naus oriundos do Reino, motivo pelo qual era comum a solicitação de tais
profissionais para a coroa portuguesa. No entanto, os construtores das canoas também
poderiam ser hábeis indígenas, muitos deles retirados das aldeias e utilizados para diversos
serviços, como carregar as naus, conduzir carnes para as gentes, fazer quartéis e fabricar
canoas, o que provocava inúmeras deserções, impedindo ou paralisando os trabalhos,
colocando, como diziam as autoridades da época, toda a “terra em necessidade”. Francisco
Xavier de Mendonça Furtado fez referência às deserções desses trabalhadores no ano de
1753:

Da Feitoria das Canoas tem fugido uma quantidade de carpinteiros


entrando neste número até os mesmos mestres. Na Feitoria das Madeiras
tem sucedido o mesmo. Finalmente, em uma palavra, todo o trabalho que
há para se mandarem buscar estes índios às povoações se perde, sendo os
mais escandalosos neste, os das três grandes aldeias de Guaricuru, Arucará
[Portel] e Araticu, que sendo a regra geral o não parar nenhum índio dos
da Administração da Companhia [Jesus], nesta ainda é maior o excesso. 383

Em Mato Grosso, os carpinteiros se dedicavam também aos consertos e,


provavelmente, construção de canoas, principal meio de transporte e comunicação em Mato

382
GOMES, 2008, p. 145.
383
MENDONÇA, 2005, p. 522. [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Sebastião José de Carvalho
e Melo, Pará, 18 /jun/1753].
142

Grosso e em outras capitanias, sendo significativa a presença de 28 carpinteiros em Vila


Bela, fundamental para o crescimento da vila.
Carpinteiros, ferreiros, seleiros, pedreiros, armeiros e outros, necessitavam de
ferramentas, que viriam de fora da capitania. Chegavam foices, machados, enxadas, facões,
martelos, alavancas, facas flamengas, serrote de mão, barras de ferro, lancetas de sangrar,
pés de cabra, anzóis para pescar384. Das listas das diversas mercadorias importadas que
entravam na capitania, encontramos determinados materiais utilizados nas construções e na
fabricação de outros objetos, todos comprados da Companhia do Grão-Pará. Através da
listagem que a Companhia elaborou sobre as dívidas da capitania para com ela, no ano de
1760 encontramos estes materiais com as devidas quantidades e seus respectivos preços:

40 fechaduras de porta, compradas a $700 totalizando 28$000;


850 pregos de caverna, com total em 15$420;
600 pregos de meia caverna, com total em 9$000;
2500 pregos caibrais, com total em 19$600;
8000 pregos de galeota grande, com total em 20$092;
6000 pregos de meia galeota, com total em 12$000;
4000 pregos de cabeça redonda, com total em 20$092. 385

Com a implantação do aparelhamento militar da fronteira e a construção de fortes,


cujo objetivo era o de conter as tentativas de avanço espanhol e povoar áreas ainda não
ocupadas pelos portugueses na fronteira, o comércio com a Companhia viria a contribuir nos
socorros bélicos que poderia proporcionar pela distância que estava dos portos marítimos.
Ela deveria abastecer os fortes e a vila de armamentos e munições. Na década de 1760 já
havia se instituído uma Companhia de Dragões, uma Companhia de Pedestres e um Corpo
de Ordenanças386. Foi durante o governo de João Pedro da Câmara que os armamentos foram
mais requisitados.
No ano de 1760 chegavam na capitania algumas armas e demais artigos necessários
à defesa: 100 espingardas; 100 baionetas; 100 patronas; 100 boldriés; 50 facões; 50

384
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
385
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 27, Pará, 16/dez/1760. Relação da dívida da Capitania de
Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
386
VOLPATO, 1987, p. 39.
143

chifarotes; 10 barris com pólvora; 04 arrobas de munição387. Em 1768 tem-se novo registro
da chegada de algumas munições e armas de guerra para os armazéns de Mato Grosso: 200
armas de fogo com vareta de ferro, 12 arrobas de munição, 04 arrobas e duas libras de
chumbo em barra, 10 cunhetes de balas e 200 arrobas de pólvora, em cem barris388. Era
extrema a necessidade de manter as terras já conquistadas, e guarnecê-las com armas e
munições.
Dos utensílios domésticos faziam parte: garfos, colheres, facas, copos de diferentes
volumes, pratos, tachos, frascos e frasqueiras. Abaixo segue um quadro com o preço a que
eram vendidas algumas ferramentas e utensílios domésticos no ano de 1770 na capitania de
Mato Grosso.

Tabela 6 – Preços das ferramentas e utensílios domésticos no ano de 1770


Ferramentas e utensílios domésticos Preço em 1770
Cada tesoura ordinária $750
Cada machado 3$000
Cada ferro de cova $750
Cada foice roçadora 1$500
Cada alavanca de quatro palmos e meio 7$500
Anzóis sorteados para peixe grande e pequeno a dúzia 3$000
Cada fechadura ordinária 2$250
Cada prato dos que custam 10 réis nas olarias $750
Cada prato e tigela finos 20$500
Um aparelho ordinário da Índia para chá ou café 45$000
Cada prato ordinário da Índia 2$250 a 3$000
Cada copo de vidro de beber de um quartilho lisos $750
Cada frasco de vidro verde de boca larga 1$200
Cada frasqueira de doze frascos ordinários das que vem de fora 6$000
Cada frasqueira das boas que vem do Porto 12$000
Cada arroba de ferro da Suécia em barra $400
Cada arrátel de aço $750
Cada arrátel de cobre em caldeiras 1$500
Cada prato pequeno de estanho 1$500
Cada prato médio de estanho 3$000
Cada prato grande de estanho 4$500

Fonte: PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ano de 1770, cx. 15, doc. 916. Memória dos preços comuns a que são vendidos
os gêneros molhados e secos. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.

A pauta de preços estabelecida em 1775 para os produtos vendidos na capitania


agradou a população, mas desagradou alguns comerciantes. Contudo, as importações do Rio

387
APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 24, Lisboa, 26/jun/1760. Relação dos produtos que foram
remetidos do Pará para a Capitania de Mato Grosso.
388
APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 199, Pará, 09/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara; APMT. Lata 1768, Fundo Fazenda, doc. nº 120, Pará,
29/fev/1768. Correspondência de Fernando da Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.
144

de Janeiro foram diminuindo durante os três anos em que vigorou esta ordem, apesar de
alguns comerciantes de Vila Bela terem se recusado a continuar com o comércio. Os preços
em 1775 foram taxados em menor valor em comparação ao que se costumava vender. Se
compararmos as duas tabelas de 1770 e 1775, observamos que os preços de 1775 foram
relativamente menores. Dos tecidos e demais artigos de uso pessoal, as meias de seda, por
exemplo, passaram a custar 5$400 réis, e o tafetá $589 réis. Da mesma maneira diminuíram
os preços de alguns gêneros alimentícios, como a farinha de trigo, difícil de ser encontrada,
e que passou a custar 6$074 réis, e as frasqueiras de vinho, vinagre, azeite e aguardente
foram vendidas a 18$900 réis. As ferramentas e utensílios domésticos também tiveram seu
preço mais acessível. Os machados custavam $842 réis e os martelos $758 réis, cada copo
de vidro ordinário e pratos de estanho vendiam-se a $421 réis389.

389
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 28/jan/1775, cx. 17, doc. 1093. Portaria do governador e
capitão general Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fixando o preço em ouro dos produtos secos e
molhados. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
145

Capítulo 4
Os homens de negócio de Vila Bela

Os comerciantes do Reino, no século XVIII, eram geralmente associados aos judeus


ou aos cristãos-novos, devido, em grande parte, ao fato dos judeus desempenharem, desde a
época medieval, o comércio e o empréstimo de dinheiro. Ao longo dos séculos, a política do
Estado Português em relação aos homens de negócio foi contraditória; a Inquisição permitiu
sistemática perseguição aos judeus e cristãos-novos, que eram em grande parte, homens de
negócio, ao mesmo tempo em que tentava estabelecer diversas legislações e órgãos, cujo
objetivo era aumentar o controle sobre os lucros com a atividade comercial390. Boxer ressalta
esse caráter paradoxal numa sociedade que “dava tanta importância ao status militar,
eclesiástico e senhorial”, e que dependia, em grande medida para o seu desenvolvimento, do
negócio e do comércio391. Essa desvalorização paradoxal do comerciante, segundo Boxer,
devia-se a uma visão medieval da sociedade, que classificava o comerciante em um nível
inferior ao dos praticantes das sete “artes mecânicas”: camponeses, caçadores, soldados,
marinheiros, médicos, tecelões e ferreiros392.
De todo modo, os comerciantes eram necessários, e “a sociedade portuguesa oscilava
entre a aceitação e o repúdio dos homens de negócio, por vezes também identificados como
cristãos-novos até meados do século XVIII”393. Tal situação só se modificou com uma
política efetiva do Marquês de Pombal de integração desses comerciantes, trazendo-os de
volta ao Reino para então, através do capital que possuíam promover o desenvolvimento do
comércio colonial394. Desses comerciantes cooptados por Pombal se esperava a aplicação de
capitais nas Companhias de Comércio, que foram criadas para o Reino e suas colônias.
Segundo Alves, muitas famílias judaicas que saíram de Portugal nos séculos XVII e
XVIII detinham grandes fortunas, que levaram consigo para o estrangeiro, aplicando-as, por
exemplo, em companhias de comércio, com foi o caso da aplicação de capital judaico em
ações da Companhia Holandesa. O capital judaico também havia sido aplicado em
empreendimentos portugueses, como, por exemplo, na Companhia de Comércio do Brasil.

390
FURTADO, 2006, p. 32.
391
BOXER, 2002, p. 311.
392
Idem, ibidem, p. 331.
393
FURTADO, 2006, p. 40.
394
Idem, ibidem, p. 40.
146

Para Alves, essa ambiguidade que ora repelia os judeus e cristãos-novos ora receava que
estes se retirassem por completo do território português com suas avultadas riquezas,
demonstrava que os “interesses materiais estavam na base do conflito com os interesses
espirituais, que envenenou durante séculos toda a questão judaica” 395.
Em resumo, judeu, cristão-novo ou não, “o preconceito mercantil evidenciava-se no
ultramar, mesmo em lugares como Macau, cujos cidadãos dependiam inteiramente do
396
comércio para sua sobrevivência” . Entretanto, os grandes e ricos comerciantes foram
adquirindo, ao longo do tempo, proeminência e prestígio junto ao monarca, ascensão social
que se intensificou a partir do governo pombalino, durante o qual se permitiu que
alcançassem o status de nobres, e partilhassem de privilégios, honras e mercês.
No âmbito da construção, e também afirmação de uma elite mercantil, Pombal
buscou formas de valorizar os comerciantes e a atividade mercantil, com a criação da Junta
de Comércio em 1755, órgão cujo objetivo era regular, estimular e profissionalizar essa
atividade, e com a instituição das Aulas de Comércio, cujo objetivo era preparar o pequeno
comerciante para melhor desempenhar suas funções. Foi nesse momento que se constituiu
em Portugal, segundo Pedreira, “um corpo diferenciado de homens de negócio, isto é, de
comerciantes de grosso trato empenhados no tráfego a longa distância e nas operações
financeiras associadas aos contratos com a coroa” 397. O que melhor caracterizou a atividade
desses homens como constatou Pedreira foi a pluralidade dos empreendimentos, pois
atuavam do comércio à navegação, dos seguros ao crédito, das manufaturas aos bens de raiz,
da arrematação de contratos e monopólios régios ao arrendamento de comendas e
propriedades, das ações das companhias aos títulos de dívida pública. Mas, nem sempre os
interesses eram tão variados, podendo eleger certo tipo de tráfego, um produto, uma região
ou uma forma de investimento398.
No caso do Reino, por exemplo, Pedreira ressalta que o nível de vida dos negociantes
caracterizava-se pelo conforto e pela dignidade, mas também pelo comedimento na
ostentação e, se levarmos em consideração os padrões da época, esse conforto era para
poucos. A comunidade mercantil apreciava a moderação, olhando com desconfiança os

395
ALVES, p. 04-05. Disponível em:<http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st12/>. Acesso em: 25/mai/2008.
396
BOXER, 2002, p. 332.
397
PEDREIRA, 2003, p. 39.
398
Idem, ibidem, p. 46.
147

excessos do luxo, que seria reservado aos muito ricos, restando aos outros administrar com
equilíbrio o seu padrão de vida399.
Ao tratar dos níveis de riqueza e acumulação, Pedreira apresenta dados que colocam
o grupo de homens de negócio sempre em posição favorável em relação aos outros grupos
sociais portugueses e ainda a outros comerciantes de outros grandes portos europeus, como
Nantes, La Rochelle, Bordéus ou Cádis, ficando de fora os ingleses, cuja fortuna era superior.
Segundo Pedreira, no século XVIII, embora grande parte dos negociantes tivessem seu
patrimônio avaliado entre 20 e 50 contos de réis, valor nada excepcional, os mais ricos
aproximavam-se dos mil contos de réis, e “com tal opulência, nem a aristocracia conseguia
competir”, isso em relação às fortunas que ficavam longe da dos “magnates dos negócios a
quem não podiam certamente disputar a capacidade de enriquecimento e acumulação” 400.
Sobre os patrimônios dos comerciantes portugueses, os bens imóveis, artigos
domésticos, joias e metais preciosos desempenhavam papel secundário, sendo a maior parte
de suas fortunas constituídas de dívidas ativas – créditos comerciais e empréstimos
hipotecários – os estoques de mercadorias e as aplicações financeiras (ações de companhias
e títulos de dívidas públicas)401.
Do grande ao pequeno comerciante que realizava travessias oceânicas ou fluviais
pelo interior do Brasil, sua atividade estava sujeita a riscos, tanto os de ordem natural, quanto
os colocados pelo Estado Português. Porém, os riscos eram justificáveis pelas possibilidades
de lucro. Ao estudar as cartas de um comerciante de grosso trato português chamado
Francisco Pinheiro, o historiador Laércio Honda percebeu que os registros das atividades
mercantis vislumbram relações que ultrapassam o circuito mais fechado da “dicotomia
metrópole-colônia”. Além de informações especificamente comerciais, como os lucros,
preços de produtos, melhores oportunidades de comércio, justificativa de gastos,
contemplam a precariedade dos transportes, as entradas para o interior e ainda hábitos
alimentares, preferências de vestimentas e cores, etc. Ademais, como afirma Honda, a
análise das cartas de Francisco Pinheiro aos seus procuradores, constituem fontes
privilegiadas para se ter acesso à palavra do mercador, que de diversas formas burlava a
legislação na permanente busca de maximizar seus lucros e muitas vezes queixavam-se das

399
PEDREIRA, 2003, p. 44.
400
Idem, ibidem, p. 41.
401
Idem, p. 42.
148

frotas, dos capitães relapsos, do mau acondicionamento das mercadorias, dos armazéns, das
alfândegas e dos fiscais corruptos402.
O comerciante Francisco Pinheiro foi bastante estudado por historiadores, como
Júnia Furtado403 e Carlos Gabriel Guimarães404, além de ter sido citado por outros, uma vez
que as atividades deste comerciante incluíam a Europa (Hamburgo, Sevilha, Amsterdã,
Londres, Roma, Coimbra, Lisboa, Porto, Açores entre outras), a América Portuguesa (Rio
de Janeiro, Bahia, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo, Colônia do
Sacramento), a África (Angola e Costa da Mina) e Macau, na Ásia. Esse comerciante teve
sua trajetória bem traçada pelos historiadores e mereceu atenção por parte dos pesquisadores
por se tratar de um exemplo de comerciante de “grosso trato” que teve suas atividades
comerciais desenvolvidas nas principais praças comerciais europeias e em grande parte das
capitanias do Brasil.
Infelizmente registros deste tipo, como as cartas de comerciantes aos seus
procuradores, não foram localizados para realização deste estudo. Deste modo para a
construção de nossa análise lançamos mão de outras fontes oficiais que versam sobre a
atividade mercantil na Capitania de Mato Grosso.
As contradições evidenciadas nos registros da época, nas quais muitas vezes
salientam os interesses metropolitanos e individuais em oposição são característicos do
Império Marítimo Português, no qual as reclamações de atividades comerciais perniciosas
praticadas por monopolistas, açambarcadores e contrabandistas eram constantes. Para
Boxer, “essas queixas estendem-se, no tempo, da época do infante Dom Henrique, o
Navegador, até a de Dom João VI, e, no espaço, das Molucas até Mato Grosso”405.
Baseado na natureza e importância do empreendimento comercial, Charles Boxer
havia classificado os comerciantes em três grandes tipos: numa categoria superior
encontravam-se os “negociantes de grosso trato”, cujas atividades estavam ligadas ao grande
comércio, às atividades financeiras e também em tráficos e manufaturas; na intermediária,
os comerciantes que vendiam a varejo, em geral proprietários de lojas, cujas mercadorias
eram vendidas “a retalho”; e no nível inferior estavam os mascastes e vendedores
ambulantes406.

402
HONDA, 2005, p. 09.
403
FURTADO, 2006, p. 197-276. Ver o Capítulo 4: “Negociantes e Caixeiros”.
404
GUIMARÃES, 2007, p. 35-64.
405
BOXER, 2002, p. 331.
406
FURTADO, 2006, p. 231-232.
149

Quanto à categorização daqueles que se dedicavam ao comércio, em especial àqueles


que exerciam tal atividade na capitania de Mato Grosso ressaltamos que é muito comum
encontrarmos na documentação do período que estudamos a utilização dos termos “homens
de negócio”, “comerciante”, e “mercador”, especialmente àqueles envolvidos em negócios
no Pará e com a Companhia de Comércio sediada naquela capitania. Contudo, esses termos,
apesar de parecerem e muitas vezes serem utilizados como sinônimos, a partir de uma
provisão régia, passaram a apresentar algumas distinções.
Através da Provisão Real datada de 1705, a Coroa instituiu algumas diferenciações
e, por exemplo, passou a designar por “mercador de loja” ou “atacadista” apenas aqueles
que tivessem lojas abertas para vendas de mercadorias407. A principal diferença entre homem
de negócio e mercador, portanto, apareceria na “escala de comércio que realizavam, já que
desenvolviam as mesmas atividades: homens de negócio estavam vinculados ao comércio
ultramarino, e os mercadores, ao comércio interno”408. Nesse sentido, Nauk de Jesus ressalta
que os homens de negócio podiam vender no atacado e também possuir lojas no varejo, para
facilitar a distribuição de mercadorias. A autora destaca ainda a constante utilização do termo
comerciante nos documentos oficiais, o que acabava por encobrir essas distinções,
dificultando perceber a variedade e escala de comércio realizado na capitania de Mato
Grosso409.
Os comerciantes da capitania de Mato Grosso que estavam ligados aos negócios com
a Companhia do Grão-Pará aparecem na documentação designados por: comboieiro,
comerciante, negociante ou homem de negócio, como podemos constatar neste trecho de
uma correspondência de Fernando da Costa Ataíde Teive destinada a Luis Pinto de Sousa
Coutinho:

A carregação da frota desta repartição no ano próximo passado chegou a


um milhão, com pouca diferença, e tendo entrado de poucos meses a esta
parte cinco ou seis navios de pretos por conta da Companhia, acharão os
homens de negócio dessas minas toda a fazenda e escravos que podiam
desejar para sortir e fazer vendáveis as suas carregações. Eles partiram
daqui sumamente satisfeitos, assim pela razão referida, como por terem
notícia do sistema da companhia ou da nova administração dela, o qual é

407
LAPA, 1973, p. 78.
408
SAMPAIO, 2003 apud JESUS, 2006, p. 384.
409
JESUS, 2006, p. 385.
150

fazer anualmente avultadas carregações e boas remessas de pretos, para


que os comboieiros, ou homens de negócio dessa capitania achem sempre
nos armazéns desta cidade toda a fazenda que quiserem levar, conhecendo
quão proveitoso é a esses moradores, aos ditos negociantes, e a mesma
companhia, que daqui e de nenhuma outra parte saiam as fazendas que se
precisarem nas capitanias de Mato Grosso e Cuiabá410. (grifos meu).

Este trecho nos remete ao abastecimento da capitania realizado pelos homens de


negócio que iam buscar em Belém escravos trazidos da África e outros produtos. O termo
“comboieiro” empregado designava aqueles que utilizavam a via fluvial como principal
meio de transporte para comprar as mercadorias nas principais praças mercantis, navegando
em comboios de canoas, também designadas à época pelo termo monções. O comboieiro
poderia também ser apenas representante do homem de negócio, cuja responsabilidade era a
de realizar a longa travessia fazendo as transações comerciais em nome daquele que
representava. Sobre os representantes comerciais, infelizmente não dispomos de
informações, apesar de ser prática mercantil comum nesse período.
Já o termo “mercador” parece ter sido utilizado no Setecentos exclusivamente para
designar o comerciante de loja, uma vez que esse termo é raramente utilizado em
correspondências oficiais que fazem referências aos negócios com a Companhia do Grão-
Pará e Maranhão. A única vez em que identificamos o uso do termo “mercador” para
evidenciar aqueles envolvidos em negócios com a companhia ele aparece seguido do termo
“d’água”, portanto, “mercadores d’água”, utilizado para designar aqueles em particular
ligação com o comércio monçoeiro411. Neste sentido, é mais corrente na documentação
pesquisada o uso do termo homens de negócio, negociante e em menor grau comerciante e
por esta razão optamos por utilizar a designação “homens de negócio” em nosso trabalho.
No Código de Postura da Câmara de Vila Bela de 1762412, em referência específica
às “lojas volantes conhecidas como mascatarias”, ao “mercador de loja” e ao “homem de
negócio que trazia fazenda seca de fora” percebemos as distinções, considerando o homem

410
APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. n° 300, Pará, 11/mai/1771. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.
411
PROJETO RESGATE – AHU/PA. Pará, 16/dez/1772. Cd 07 (pasta 077/001/064), cx. 69, doc. 5919. Ofício
de João Pereira Caldas a Martinho de Melo e Castro.
412
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela. Código de Postura apreciado pelos Vereadores, Nobreza e
Povo, doc. n° 13, Vila Bela, 15/set/1762. Neste ato da Câmara de Vila Bela com a permissão de Sua Majestade
se confirmam ou se revogam alguns parágrafos do Estatuto ou Código de Postura criado na ocasião da fundação
de Vila Bela.
151

de negócio vinculado ao comércio de abastecimento, em particular ligação com as praças


marítimas, ainda que estes também tivessem lojas fixas. Importante ressaltar que maiores
investigações devem ser realizadas sobre os mercadores na capitania de Mato Grosso, isto
é, os “atacadistas”, donos de lojas fixas, assim referenciados segundo a distinção
estabelecida na Provisão Real de 1705. Conforme o mapa elaborado em 1771 no governo de
Luís Pinto de Sousa Coutinho conseguimos constatar que em Vila Bela existiam 18 lojas de
fazendas e em Cuiabá 20 lojas de fazenda, cujos proprietários infelizmente não conseguimos
identificar413.
Nauk de Jesus, em pesquisa realizada nos manuscritos avulsos dos Fundos da Câmara
de Vila Bela e Vila Real levantou nomes de 106 oficiais da governança local de Vila Bela,
no período 1752 a 1789, e 136 nomes envolvidos com a governança local de Cuiabá no
período entre 1727 e 1808414, dados que utilizamos para cotejar com outras fontes
documentais das próprias câmaras, dos Anais de Vila Bela, dos Anais do Cuiabá e da
documentação do Arquivo Histórico Ultramarino referente à Capitania de Mato Grosso, para
chegar a algumas informações sobre os comerciantes de Vila Bela.
Durante nossa investigação, listamos 57 comerciantes devedores da Companhia do
Grão-Pará e Maranhão nos anos de 1774 e 1778415, dos quais obtivemos algumas
informações sobre 30 deles; do restante, sabemos apenas que eram comerciantes em dívida
com a Companhia do Grão-Pará. Desses 30 homens, 18 possuíam duas coisas em comum: o
fato de se dedicarem ao comércio do Pará, e de terem exercido em algum momento funções
administrativas na Câmara de Vila Bela da Santíssima Trindade. Em determinada época
outros comerciantes também partilharam de experiências comuns, ao se dedicarem a outras
atividades econômicas, seja como donos de engenhos ou de propriedades agropastoris, seja
como possuidores de minas auríferas ou ainda por terem feito parte das companhias militares
da vila-capital almejando aumentar suas patentes e obter privilégios.

413
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Mapa do Comércio da Capitania de Mato Grosso, tanto
exterior como interior relativo aos anos de 1769-1770. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
414
JESUS, 2006, p. 430-433. Ver: anexo 1 – “Relação parcial dos oficiais da governança local de Vila Bela”
e anexo 2 – “Relação parcial dos oficiais da governança local de Vila Real do Cuiabá”.
415
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira
de França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta
relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso; APMT.
Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das várias
pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
152

Nesse sentido, a câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá também
significou, em determinado momento, possibilidade de participação política para parte
desses comerciantes já no findar do Setecentos. Na documentação do Arquivo Histórico
Ultramarino, referente às capitanias do Pará e do Mato Grosso encontramos embates desses
comerciantes com a Companhia, que auxiliam elucidar a atuação desse grupo mercantil na
capitania de Mato Grosso. Desse modo, procuramos focar alguns aspectos mais específicos,
que possam esclarecer estratégias pessoais desses comerciantes que, ao longo do tempo,
aliaram importância econômica à participação política nas Câmaras ultramarinas.

Tabela 7 – Comerciantes de Vila Bela que se dedicaram a outras atividades entre 1752 e 1808

Nomes Outra atividade ocupada Anos

Alberto Nunes de Freitas Escrivão da receita e despesa 1776


Fiscal da Real Casa de Fundição 1778
Vereador da Câmara de Vila Bela 1779/1780
Juiz Ordinário de Vila Bela 1786/1788
Alexandre Henriques Proprietário de engenho
Provedor Tesoureiro 1780
Antônio Caetano Bragança Vereador da Câmara Vila Bela 1783
Antônio da Cruz Leitão Capitão de Milícias 1757
Antônio Gonçalves dos Santos Soldado da Companhia de Ordenanças 1765
de Vila Bela
Oficial da governança local de Vila Bela 1769
(função não especificada)
Antônio Leite Guimarães Oficial da governança local de Vila Bela 1777
(função não especificada)
Vereador da Câmara de Vila Bela 1787
Juiz Ordinário de Vila Bela 1789
Antônio Teixeira de Oliveira Contratador das Frasqueiras 1780
Vereador da Câmara de Vila Bela 1779/1780
Oficial da governança local de Vila Bela 1788
(função não especificada)
Dionízio Leite Ribeiro Oficial da governança local de Vila Bela 1785
(função não especificada)
Procurador da Fazenda 1792
Domingos Sambuceti Sargento-Mor Engenheiro 1774-1777
Francisco Botelho Procurador 1776
Francisco Pedro de Melo Cabo do Corpo de Auxiliares
Francisco Pinheiro da Costa Cabo da Companhia de Ordenanças 1765
Hilário Antônio de Almeida Pessoa Soldado da Companhia de Ordenanças 1765
Procurador da Coroa 1776
Oficial da governança local de Vila Bela 1778
(função não especificada)
Jerônimo Martins Fernandes Vereador da Câmara de Vila Bela 1774 / 1776
153

João de Magalhães Coutinho Seria administrador da Companhia Geral 1775


de Comércio em Mato Grosso segundo os
Anais de Vila Bela
João de Moura Colaço Oficial da governança local de Vila Bela 1755
(função não especificada)
Joaquim da Fonseca Freitas Vereador da Câmara de Vila Bela 1779
Oficial da governança local de Vila Bela 1784
(função não especificada)
Joaquim Geraldo Tavares Proprietário de terra
Escrivão da Ouvidoria 1780
Vereador da Câmara de Cuiabá 1783/1796
José Adão Soldado da Companhia de Ordenanças de 1765
Vila Bela
José Antônio Gonçalves Prego Procurador da Coroa em Vila Bela 1776
Escrivão da Conferência 1779
Oficial da governança local de Vila Bela 1789
(função não especificada)
Sargento-Mor do Terço das Ordenanças 1803
de Vila Bela
José Caetano da Fonseca Proprietário de terra
Oficial da governança local de Vila Bela 1789
(função não especificada)
José Gomes da Silva Capitão da Companhia de Fuzileiros 1778
José Pascoal de Lima Oficial da governança local de Vila Bela 1784
(função não especificada)
José Vieira Passos Cabo de Esquadra
Manoel da Silva Barata Soldado da Companhia de Ordenanças de 1765/1778
Vila Bela
Manoel José de Azevedo Vereador da Câmara de Vila Bela 1780
Manoel Pedro Oficial da Companhia de Dragões 1765
Marcelino Ribeiro Escrivão das Forjas 1776
Vereador da Câmara de Vila Bela 1781/1782
Vereador da Câmara de Cuiabá 1796
Rafael Quaresma da Silva Escrivão da Câmara de Vila Bela 1769
Tomás Jerônimo Tavares da Silva Fiscal da Câmara de Vila Bela 1776
Fonte: APMT. Manuscritos diversos do Fundo do Senado da Câmara de Vila Bela e Vila Real; AMADO & ANZAI, 2006;
JESUS, 2006.

Todos os nomes acima relacionados são de comerciantes que realizavam negócios


com a Companhia Geral do Grão-Pará. Por nos faltarem, no momento, fontes documentais,
não podemos traçar minuciosamente suas trajetórias (origem, idade, capital acumulado,
inventários post-mortem), mas procuramos oferecer informações sobre alguns aspectos
sociais e econômicos de suas vidas. Também identificamos outros comerciantes de Vila
Bela, e embora não possamos afirmar que estavam ligados aos negócios da Companhia,
podemos dizer que faziam parte do seleto grupo dos “principais da terra”, podendo ser donos
de lojas localizadas na Vila ou realizar comércio com os portos da Bahia, Rio de Janeiro ou
São Paulo.
154

Envolvidos na vida política temos o proprietário de terra e também contratador


Antônio Ramos Porto, que ocupava, em 1774, o cargo de Juiz Ordinário416; Silvestre de
Castro, comerciante, oficial da Câmara de Vila Bela em 1775 e 1777, e Juiz de Vila Bela em
1788417; Manoel Leite de Moraes, detentor de contratos, oficial da Câmara de Vila Bela em
1788. Manoel Leite, segundo Paulo Pitaluga Costa e Silva, em 1798 era tenente de cavalaria
da Legião de Milícia, em Vila Bela; foi vereador de Vila Bela e no ano de 1804, assumiu
como membro da Junta Governativa que administrou Mato Grosso com a saída de Caetano
Pinto de Miranda Montenegro ocupando na junta o lugar de José da Costa Lima418. Outro
comerciante, João de Souza Pinto foi oficial da Câmara de Vila Bela em 1778 (vereador),
1779, e já no ano de 1783 foi tesoureiro da Provedoria dos Defuntos e Ausentes419.

Trajetórias na governabilidade local: os principais da terra em Vila Bela

Era comum encontrar na capitania três tipos principais responsáveis pelo


desempenho das atividades econômicas mais importantes na sociedade colonial: o lavrador,
o mineiro, e o comerciante. Ao tratar do comerciante, é preciso destacar o caráter versátil de
suas atividades econômicas, pois encontrarmos comerciantes que se dedicavam,
concomitantemente, à agricultura, à mineração e ainda às atividades administrativas. Houve
situações nas quais militares se dedicavam a atividades como a agricultura, cargos
administrativos, e ainda ao comércio em pequenas tabernas. Deste modo, não se pode falar
em poder local, defesa e economia, sem considerar a presença dos comerciantes.
Vila Bela contava com a presença de expressivas companhias militares, como uma
Companhia de Dragões, uma de Pedestres, um Corpo de Ordenanças, e uma Legião de
Auxiliares, cujos cargos mais elevados eram ocupados por oficiais do Reino ou pelos
homens mais abastados420.

416
SILVA, 2005, p. 194.
417
AMADO & ANZAI, 2006, p. 276. [Anal de 1789, que o capitão José da Fonseca, vereador segundo,
apresenta em Câmara].
418
SILVA, 2005, p. 159.
419
Idem, ibidem, p. 191.
420
VOLPATO, 1987, p. 42.
155

Os Corpos de Ordenanças foram criados em 1549, por D. João III, e organizados


conforme o Regimento das Ordenanças de 1570, e constituíram uma das principais forças
militares localizadas nas mais diferentes partes do império lusitano. Segundo Costa, seu
sistema de recrutamento deveria abranger toda a população masculina entre 18 e 60 anos
que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas outras forças militares do período, a saber, a
Tropa Paga, e as Milícias, excetuando-se os privilegiados421.
Também conhecidos como “paisanos armados” os militares das ordenanças
possuíam um forte caráter local e procuravam inventariar toda a população para casos de
necessidade militar. Constituíam, segundo Canavarros, uma “força de terceira linha, não
remunerada, local e de grande autonomia na hierarquia militar” 422. Os postos de Ordenanças
de mais alta patente eram: capitão-mor, sargento-mor, capitão, e os oficiais inferiores eram
os alferes, sargentos, furriéis, cabos de esquadra, soldados, porta-estandartes e tambor. Para
a eleição “os capitães-mores de cada vila, cidade ou concelho do Império Português
escolhiam juntamente com os camaristas, as pessoas da melhor nobreza, cristandade e
desinteresse”423.
Como os requisitos para fazer parte das ordenanças eram restritos, tornou-se bastante
comum a participação de comerciantes de prestígio nas ordenanças dentre os “homens de
bem”, criando-se “um grupo restrito de privilegiados economicamente que detinham os
postos de mando e de prestígio social, prenúncio da formação de uma oligarquia”424.
Em 1751, quando Rolim de Moura chegou ao Cuiabá estava acompanhado da
Companhia de Dragões. Na Companhia de Dragões da capitania aceitava-se
preferencialmente por dragão apenas “brancos inteiros que não fossem casados com
mulheres mescladas”425. Segundo Suelme Fernandes “um dragão via de regra era formado
em Portugal, havendo alguns com carreira reconhecida na colônia. Prestar serviço em postos
de fronteira para Sua Majestade era possibilidade de nobilitar-se ou ganhar privilégios e
mercês”426. A entrega de correspondências oficiais e remessas de pagamentos em ouro ao
Pará eram incumbências desses oficiais, além de sempre acompanharem quando necessário
as diligências para reconhecimento de lugares e rios. Portanto, deviam ser conhecedores dos

421
COSTA, Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/068/68costa.htm>. Acesso em:
15/jul./2008.
422
CANAVARROS, 2004, p. 128.
423
COSTA, Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/068/68costa.htm>. Acesso em:
15/jul./2008.
424
CANAVARROS, 2004, p. 130.
425
IHGMT, 2001, p. 28-29. Instrução de do Conde de Azambuja a João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
426
FERNANDES, 2003, p. 55.
156

caminhos fluviais, das fortificações da capitania, dos lugares, sítios e roças, despertando
neles o interesse por outras atividades e possibilidades de ganho pessoal.
Na Companhia de Pedestres os soldados constituíam um grupo misto no qual havia
“bastardos, mesclados, caribocas, e também alguns índios que mostravam desembaraço e
esperteza bastante” 427. Poderiam fazer parte também colonos pobres do reino, ou da própria
colônia, ou ainda aqueles que estavam sob pena de degredo e eram enviados para trabalhar
nas fortificações em lugares distantes428.
Comerciantes ocuparam cargos militares com patentes que variavam de soldado a
sargento-mor, dos dragões às ordenanças, como Antonio da Cruz Leitão; Antônio Gonçalves
dos Santos; Francisco Pedro de Melo; Francisco Pinheiro da Costa; Hilário Antônio de
Almeida Pessoa; José Adão; José Antônio Gonçalves Prego; José Vieira Passos; Manoel
Pedro429.
Durante o governo de Luís Pinto de Souza Coutinho foi permitido aos militares,
mesmo os de baixas patentes, aplicar no comércio o ouro que possuíssem, sendo-lhes
concedido também dispensa para poderem se dedicar exclusivamente à atividade mercantil.
Aos mais abastados, a ocupação dos altos cargos militares significava a possibilidade de
alcançar honrarias, títulos e mercês.
Provavelmente, entre os comerciantes, a atividade militar fosse a mais desejada, pelo
fato de encontrarmos referências de militares que apesar de terem se tornado comerciantes
não abandonaram a atividade militar. Em 1757, encontramos informação sobre Antônio da
Cruz Leitão, capitão de milícias, encarregado de transportar para o Reino o ouro destinado
à reconstrução de Lisboa, que havia sido destruída pelo terremoto de 1755430. Antônio
Gonçalves dos Santos ocupou posto de soldado da Companhia de Ordenanças de Vila
Bela431, em 1765, e quatro anos depois, em 1769, compunha o quadro dos oficiais da
governança local da vila capital. Aliando o oficio militar ao de comerciante Manoel de
Oliveira Pombal era nome importante na vila-capital, e ocupou cargos na Câmara de Vila
Bela, da qual fez parte em 1770, 1775 (vereador), 1777 (Juiz Ordinário), 1779, 1782, 1783

427
IHGMT, 2001, p. 28-29. Instrução de do Conde de Azambuja a João Pedro da Câmara do Pará, 08/jan/1765.
428
FERNANDES, 2003, p. 54-55.
429
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
430
AMADO & ANZAI, 2006, p. 66. [Anais de Vila Bela do ano de 1757]; SILVA, 2005, p. 126.
431
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
157

(vereador) e 1784432, mantendo-se, portanto, na representatividade política local pelas


décadas de 1770 e 1780. Manoel de Oliveira Pombal residia em Vila Bela e tinha seus
negócios ligados à praça do Rio de Janeiro433.
Francisco Pedro de Melo, comerciante e militar, cabo do Corpo de Auxiliares
cooperou na Comissão de Demarcação de Limites auxiliando Ricardo Franco de Almeida
Serra em princípios da década de 1780. Negociante da carreira do Pará continuou
desenvolvendo sua função militar nesse período, como consta nos Anais de Vila Bela: “no
ano de 1782 Francisco Pedro de Melo chegava em Vila Bela juntamente com alguns dragões
conduzindo 27 escravos que haviam fugido para os domínios da Espanha”434.
A direção dos negócios tomada por Domingos Sambuceti constitui situação mais
específica. Era engenheiro, nascido em Gênova, incorporado ao exército de Portugal.
Chegou a Vila Bela no ano de 1774, vindo do Pará, e em 1775, como ajudante, requereu sua
promoção ao posto de Sargento-mor engenheiro. Foi o construtor do Forte Príncipe da Beira
e, segundo Paulo Pitaluga Costa e Silva, não se sabe ao certo se foi ou não o autor do projeto
arquitetônico do forte. Assinou a ata do início da construção do forte em 20 de junho de
1776, e faleceu em 1777, deixando como herança uma barra de ouro, que foi remetida para
a corte em 1790, não se conhecendo seu destino435. A dívida junto à Companhia para os anos
de 1774 e 1778 possui o montante de 947$467436. De fato, o comércio com o Pará despertou
o interesse do ajudante engenheiro, e, a julgar pelo valor da dívida provavelmente trouxe
apenas uma carregação; esta dívida foi registrada em 1778, após sua morte, e deve remeter
àquela não paga do ano de 1774.
Comerciante e devedor da companhia, José Antônio Gonçalves Prego também era
militar, e em 1776 foi procurador da coroa em Vila Bela437. No ano de 1803 requereu à coroa

432
SILVA, 2005, p. 193.
433
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Post. 1765, cx. 13, doc. 771. Notícias de Mato Grosso e Vila do Cuiabá
(autor anônimo). Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
434
AMADO & ANZAI, 2006, p. 233. [Anal de 1782, apresentado em Câmara pelo vereador e alferes Gregório
Pereira].
435
SILVA, 2005, p. 218.
436
APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira
de França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta
relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso; APMT.
Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das várias
pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
437
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José da Silva e
Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
158

a confirmação de sua patente no posto de sargento-mor do Terço das Ordenanças de Vila


Bela, um dos postos mais altos dessa companhia militar. A 16 de dezembro de 1821 foi eleito
procurador junto à Assembleia da Corte pelo distrito de Vila Bela, mesmo estando em
Lisboa,438.
Em 1765, também Manoel da Silva Barata fazia parte do corpo de soldados da
Companhia de Ordenanças de Vila Bela439, e até 1778 ainda era membro dela quando
almejou um posto mais alto e ficou em terceiro lugar na eleição para ocupar o posto de
Capitão das Ordenanças em Vila Bela, em substituição à Francisco Aranha de Godoy que se
dirigiu ao Reino440. Apesar de não sabermos se ele conseguiu ou não o posto, Manoel da
Silva Barata também ocupou lugar como oficial da Câmara de Vila Bela.
Dentre outros membros da Companhia de Ordenanças de Vila Bela há Francisco
Pinheiro da Costa, cabo, e Hilário Antônio de Almeida Pessoa, soldado441. Ambos exerceram
essa função no ano de 1765. Porém, Hilário Antônio de Almeida Pessoa na década seguinte
passou de soldado das Ordenanças a Procurador da Coroa, no ano de 1776442. Observa-se
que, além dos ofícios militares, os homens de negócio passaram a ocupar também cargos
administrativos, e a Câmara contribuiria para que adquirissem proeminência ao fazer parte
do poder local.
As câmaras espalhadas pelo império português possuíam pontos comuns com as
metropolitanas, embora se adaptassem às diferentes realidades e diversidade sociocultural,
permitindo adequações no “aparato institucional e legal trasladado do reino, colorindo de
tons específicos as mesmas instituições” no ocidente e no oriente443. Dentre as atribuições
que competiam às Câmaras estavam a cobrança de taxas e impostos, administração de
contratos, arrecadação de contribuições dos moradores, manutenção dos custos da defesa,
pagamento de soldos das tropas e guarnições, reparo e construção de fortalezas,

438
SILVA, 2005, p. 198-199.
439
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
440
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 95, Vila Bela, 27/out/1778. Ata assinada em Câmara
pelo Capitão-mor Antônio Soares Lima, João de Souza Pinto, Hilário Antônio de Almeida Pessoa e Antônio
Caetano Bragança a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
441
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 15/fev/1765, cx. 12, doc. 739. Carta de João Pedro da Câmara
a Francisco Xavier de Mendonça Furtado na qual envia relações e o estado de forças da capitania. Disponível
em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
442
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José da Silva e
Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
443
BICALHO, In: FRAGOSO; BICALHO, 2001, p. 193.
159

responsabilidade pelas obras públicas e melhoramentos urbanos. Em geral, as câmaras


deviam ser compostas por um juiz-presidente – que podia ser ordinário (eleito localmente)
ou juiz de fora (nomeado pelo rei) –, dois vereadores e um procurador, sendo que o número
de vereadores poderia variar, dependendo da localidade. Outros oficiais também
compunham o quadro administrativo das câmaras, como os almotacés e escrivães444.
Como afirma Bicalho, se entre os critérios de escolha para a prestação de serviços
mais relevantes à monarquia no ultramar (vice-reis, governadores, capitães-mores, juízes)
pesava a qualidade de nascimento, aos cargos ligados às câmaras não se exigiam os mesmos
atributos, e os assentos camarários dependiam, em grande medida, dos contextos regionais
e as relações de força estabelecidas no interior do grupo dominante445. Como foram raros
aqueles que se aproximaram do centro de decisão política da Coroa devido às distinções
superiores da monarquia que impediam o ingresso das elites coloniais, as Câmaras passaram
a ser vistas pelos conquistadores como “lugar e veículo de nobilitação, de obtenção de
privilégios e, sobretudo, de negociação com o centro da Coroa no desempenho político do
Império”446.
O lugar nas Câmaras foi, por isso mesmo, objeto de disputas entre os grupos
economicamente mais influentes nas localidades. Ainda segundo Bicalho, a categoria de
“principais da terra” ou ainda o conceito de “nobreza da terra” aplicado às conquistas
“ligava-se não só a ascendência familiar ou a pureza de sangue, ou a posição adquirida por
via econômica ou política, como ser senhor de terras e escravos e ocupar lugar na Câmara,
mas incorporava também os méritos da conquista, povoamento e defesa da colônia”447.
As disputas entre os grupos economicamente poderosos pela preferência na
concessão de privilégios ocorriam nas diferentes partes do império português. Os
proprietários de terra, por exemplo, demonstravam preferência pelas mercês, alegando que
além dos serviços prestados à Coroa possuíam ligação com os primeiros conquistadores que
desbravaram o território para a implementação das colônias. Nesse contexto a “nobreza da
terra”, formada primeiramente pelos grandes proprietários de terra teve sua posição
ameaçada pela participação dos comerciantes que buscavam os mesmos privilégios.

444
JESUS, 2003, p. 250.
445
BICALHO, 2005, p. 28.
446
Idem, ibidem, p. 29.
447
Idem, p. 30.
160

Grandes foram os desentendimentos entre a nobreza da terra e a casta de


comerciantes de grosso trato que se formou no interior das colônias e no
estabelecimento das rotas comerciais por todo o Império.
Desentendimentos esses provocados pelas disputas entre os privilégios e
cargos da governança, que eram os canais de negociação direta com o
monarca. Muitos dos comerciantes, em busca de “um lugar ao sol”,
partiram para as chamadas estratégias de nobilitação, tornando-se
proprietários de terras e casando-se com filhas da nobreza da terra. 448

Seguindo esta linha de interpretação, funcionava nas colônias portuguesas uma


“economia da mercê”, na qual o exercício político nas Câmaras “aparecia na dinâmica do
Império português como mecanismos de afirmação do vínculo político entre vassalos
ultramarinos e soberanos”, e a “nobreza da terra” foi a principal encarregada da interlocução
entre os interesses locais e o central449.
As investigações referentes às Câmaras na fronteira oeste, segundo Nauk de Jesus
constituem um desafio, em especial no que tange às informações relativas à sua organização,
ao perfil sócio-profissional dos camaristas, ao recebimento dos privilégios, e à atuação dos
camaristas nos ambientes urbanos; questões como estas ainda exigem maiores investigações,
principalmente pela dificuldade referente à localização de documentação que as elucide.
Entretanto, Nauk de Jesus buscou evidenciar esses aspectos referentes às Câmaras apesar
das dificuldades e para isso sistematizou e analisou dados a respeito das receitas e despesas
das Câmaras de Vila Bela e Vila Real, valores de propinas, identificou oficiais da governança
como vereadores, almotacéis, escrivães e juízes ordinários constatando que alguns também
foram proprietários de terras, contratadores e comerciantes. A partir dessas informações
traçou o perfil de alguns camaristas enfatizando os conflitos em torno de privilégios e
também a rivalidade entre Vila Bela e Vila Real450. Quanto ao acesso às Câmaras de Vila
Bela e Vila Real, concluiu a autora que diferente do que ocorria em outros lugares, não houve
muitas restrições, sendo seu corpo governativo formado por comerciantes, mineradores,

448
FRAZÃO; REZENDE, 2003, p. 05.
449
BICHALHO, 2005, p. 30.
450
JESUS, 2006, p. 250-277. Para mais informações ver: Capítulo 7 – “As câmaras municipais da Vila Real e
de Vila Bela”. Veja também quadro 8 – “Dados dos oficiais da Câmara de Vila Real (1727-1795)” e quadro
10 “Dados dos oficiais da Câmara de Vila Bela (1752-1808)”.
161

oficiais mecânicos, proprietários de engenhos e de lavras que, ao participar das funções da


governança foram se tornando gradativamente os “principais da terra”451.
Dentro do quadro dos oficiais da Câmara estavam juízes, vereadores, procuradores,
escrivães e tesoureiros, e quase todos eram eleitos. Havia também outros cargos inferiores
que dependiam de nomeações ou provisões, como os de Escrivão da Almotaçaria, Alcaide,
Quadrilheiros e Carcereiros. Faziam parte também do oficialato da Câmara os Tabeliães
Notários e do Judicial, Distribuidores, Contadores, Inquiridores e outros mais
especializados, como Escrivão dos Órfãos452. Alberto Nunes de Freitas, Alexandre
Henriques, Dionizio Leite Ribeiro, Joaquim Geraldo Tavares, Manoel da Silva Barata e
Marcelino Ribeiro atuaram como oficiais da Câmara entre 1770 e 1780, exercendo diferentes
funções, que foram de Escrivão a Juiz Ordinário.
A vida desses homens não estava circunscrita a uma única participação na Câmara;
desde que lhes fosse permitido, almejavam postos superiores na governança. Alberto Nunes
de Freitas, nas eleições de 1778 ficou em segundo lugar para ocupar o cargo de Almoxarife
do Real Armazém de Vila Bela453, mas nesse mesmo ano conseguiu ser eleito para o posto
de fiscal da Casa de Fundição454; entretanto, sua participação na governança local nos anos
seguintes saltou de escrivão para a vereança, e culminou com sua eleição para Juiz Ordinário
nos anos de 1786 e 1788455. Outro Juiz Ordinário foi Antônio Leite Guimarães, eleito em
1789456, que também havia sido vereador de Vila Bela em 1787457.
Os juízes ordinários eram oficiais honorários, não remunerados, eleitos entre os
“homens bons”, e possuíam competências jurídicas e administrativas. Sua incumbência na
administração era presidir as sessões da Câmara e representá-la oficialmente. No caso da
justiça era de sua competência conceder audiências públicas e julgar com limite de alçadas

451
JESUS, 2006, p. 264.
452
CANAVARROS, 2004, p. 119-120.
453
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 85, Vila Bela, 04/jan/1778. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Antônio José da Costa e Nóbrega, Hilário Antônio de Almeida Pessoa e Marcelino
Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
454
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 89, Vila Bela, 10/jun/1778. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Manoel de Oliveira Pombal, José da Silva, Hilário Antônio de Almeida Pessoa e
Marcelino Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
455
SILVA, 2005, p. 103.
456
AMADO & ANZAI, 2006, p. 287. [Anal de 1789 que o Capitão José da Fonseca, vereador segundo,
apresenta em Câmara].
457
AMADO & ANZAI, 2006, p. 265. [Anal de 1787 apresentado em Câmara pelo vereador Antônio Leite
Guimarães].
162

e direito à apelação e agravo. Juízes ordinários seguiam o regimento da vila e, juntamente


com os vereadores ordenavam e mantinham a ordem local 458.
Dentre os comerciantes que se destacaram no cargo de vereador constam Alberto
Nunes de Freitas, Antônio Caetano Bragança, Antônio Leite Guimarães, Jerônimo Martins
Fernandes, Joaquim da Fonseca Freitas, Joaquim Geraldo Tavares, Manoel da Silva Barata,
Manoel José de Azevedo, e Marcelino Ribeiro. Aos vereadores da Câmara cabia elaborar os
“códigos de posturas” e zelar por seu cumprimento, exercendo, portanto, o papel de
“legisladores e administradores das questões relacionadas ao bem-comum do concelho”459.
Antônio Caetano Bragança parece ter sido um homem abastado. Eleito vereador em
1783, foi vítima de uma enchente que destruiu muitas casas na vila. Consta, nos Anais de
Vila Bela, que na enchente de 1784 foram destruídas mais de vinte casas na rua de Santo
Antônio, como a “nobre” e recém construída pelo capitão José Caetano da Conceição, e a de
Antônio Caetano Bragança “com a sua grande casa” 460.
José Caetano da Fonseca, militar, proprietário de terra e comerciante461 fez parte da
governança local de Vila Bela em 1789. Além de José Caetano da Fonseca há na
documentação investigada registro de outros proprietários de terra, a saber: Joaquim Geraldo
Tavares, Manoel da Silva Barata e Alexandre Henriques.
Joaquim Geraldo Tavares era proprietário de terra na Vila Real, e foi requerente de
sesmaria462 na região do rio Manso e rio da Casca463. Fez parte da Câmara da vila capital em
1783. Segundo Paulo Pitaluga Costa e Silva, no ano de 1780 Joaquim Geraldo Tavares
exercia a função de escrivão da Ouvidoria, e solicitou, no dia 31 de janeiro desse ano sua
nomeação para outro cargo em Goiás, não sendo atendido. Em 1796 era segundo vereador
no Senado da Câmara de Cuiabá, onde redigiu os registros para o ano de 1796464. É provável
que Joaquim Geraldo Tavares residisse na Vila Real e de lá mantivesse negócios na carreira
do Pará, de quem era devedor, em 1778, de 487$835 réis465.

458
CANAVARROS, 2004, p. 114.
459
Idem, ibidem, p. 117.
460
AMADO & ANZAI, 2006, p. 245. [Anal de 1784, apresentado em Câmara pelo vereador e ajudante-de-
auxiliares Manoel Rodrigues da Silva].
461
JESUS, 2006, p. 262. Veja: Quadro 10 – “Dados dos oficiais da Câmara de Vila Bela (1752-1808)”.
462
Para mais informações sobre concessão de sesmarias na Capitania de Mato Grosso ver: SILVA, 2008.
463
APMT. Fundo Sesmaria, 1789, doc. n° 247. Requerimento de Joaquim Geraldo Tavares a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
464
SILVA, 2005, p. 245.
465
APMT. Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho
de Almeida e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação
das várias pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.
163

Alexandre Henriques foi o único comerciante que podemos afirmar ter sido dono de
engenho, e foi requerente de terras na região do rio Barbado (1/2 légua)466. Atuava na
Câmara de Vila Bela em 1780, como Provedor Tesoureiro, recebendo para os cofres das
câmaras quantias relativas aos contratos de arrematação, aferição e outros. Em outubro de
1780 Alexandre Henriques pagava à Câmara os subsídios de seus engenhos467.
Na segunda metade do século XVIII Vanda da Silva observou que foram diversos os
modos de acesso à terra, e identificou a existência de terras já ocupadas pelos requerentes,
assim como uma quantidade de sesmarias não demarcadas e não confirmadas. Em relação à
ocupação da terra e requerimento de sesmaria mencionou a existência de uma legislação que
indicava que as terras concedidas não deveriam ultrapassar três léguas em quadra. Porém
“muitos sesmeiros possuíam mais terras do que as estipuladas”468 ou ainda não declaravam
as medidas das áreas requeridas, podendo também não fazer declaração alguma do tamanho
de suas propriedades constando apenas a existência dela. De sua pesquisa Vanda da Silva
contabilizou 160 sesmeiros que não fizeram nenhuma declaração das medidas de suas
terras469.
Manoel da Silva Barata, além de vereador, comerciante e militar era dono de
mineração e de propriedades agrícolas. Requereu sesmarias na região do Rio Alegre (1
légua) e Paragem do Porto Velho – Rio Guaporé (3/4 légua) destinadas à agricultura470.
Manoel da Silva Barata abarcou todas as frentes que pôde para ampliar seus negócios e seu
lucro. Segundo Paulo Pitaluga Costa e Silva, este comerciante fazia a rota do Pará, e
distribuía mercadorias para o comércio em Vila Bela e em Cuiabá. Em 1783, já morando em
Cuiabá, teve a sua casa arbitrariamente invadida pelo Tesoureiro da Provedoria dos Defuntos
e Ausentes de Cuiabá, João de Souza Pinto, para cobrança de dívida, e, por isso relatou este
fato ao ouvidor-geral da capitania requerendo providência471. João de Souza Pinto foi
processado pela invasão.

466
APMT. Fundo Sesmaria, 1782, doc. n° 155. Requerimento de Alexandre Henriques a Luiz de Albuquerque
de Melo Pereira e Cáceres.
467
APMT. Fundo Câmara de Vila Bela, Balanço da Câmara (Receitas e Despesas) anos de 1780 a 1789, doc.
n° 181, ano de 1780, Vila Bela, 31/dez/1780.
468
SILVA, 2008, p. 71. Em sua dissertação a autora trabalhou com os dados declarados pelos requerentes e
construiu gráficos que nos fornecem importantes informações sobre os sesmeiros em relação à quantidade de
propriedade que possuíam concluindo que por diversos fatores foi possível a acumulação de terras nas mãos
de um grupo reduzido de pessoas.
469
Idem, ibidem, 2008, p. 71.
470
APMT. Fundo Sesmaria, 1776, doc. n° 090. Requerimento de Manoel da Silva Barata a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres; APMT. Fundo Sesmaria, 1780, doc. n° 135. Requerimento de Manoel
da Silva Barata a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
471
SILVA, 2005, p. 38.
164

Alguns comerciantes, já no findar do Setecentos ocuparam lugar na Câmara de Vila


Real, como foi o caso de Marcelino Ribeiro, que no ano de 1796 foi mencionado nos Anais
do Cuiabá como o “vereador mais velho” da Câmara472, e com a morte do capitão general
João de Albuquerque fez parte da Junta Governativa assumindo o governo da Capitania
juntamente com o ouvidor-geral Antonio da Silva do Amaral e o tenente-coronel de
Engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra473. Marcelino Ribeiro havia sido escrivão das
forjas em 1776474, e fez parte da Câmara de Vereadores de Vila Bela em 1781 e 1782475.
Domingos Jorge da Silva foi grande minerador e comerciante nas minas do Mato
Grosso, e havia sido oficial da Câmara de Vila Bela em 1770 e 1771. Domingos Jorge da
Silva exerceu a função de Juiz Ordinário de Vila Bela em 1773476, e a primeira pista que
encontramos sobre suas atividades mercantis está registrada nos Anais de Vila Bela do ano
de 1769, no qual consta que no mês de janeiro “chegou Domingos Jorge da Silva, vindo da
cidade da Bahia, com o seu comboio, que se compunha de cento e tantos negros, e outro
tanto número de cavalos. Além disto, uma carregação de fazenda seca, comprada no Cuiabá”
477
. Estas informações evidenciam que seus negócios estavam circunscritos à praça da Bahia,
cujas vendas eram direcionadas ao mercado local de escravos e de fazendas, em Vila Bela.
Outra referência feita a Domingos Jorge da Silva aparece no ano de 1771, e se refere à sua
função como “procurador do povo”, e com esta função apresentou na Câmara proposta que
deveria ser entregue ao poder real sobre a concessão da mercê de mais dez anos livre de
quintar478, função esta que estava diretamente ligada aos interesses de sua outra ocupação
como minerador.
Em 1780 Domingos Jorge da Silva requereu à Rainha que lhe fosse concedido o
Hábito de Cristo, com tença anual, por haver colocado na Casa de Fundição de Vila Bela a
quantia de oito arrobas de ouro em um só ano479, o que nos leva a concluir que, além do
prestígio que este comerciante adquiriu ao longo do tempo, ao aplicar seus capitais em
diferentes ramos e se manter em cargos de representatividade política durante a década de

472
SUSUKI, 2007, p. 151. [Anais do Cuiabá – Memórias do ano de 1796].
473
SILVA, 2005, p. 207.
474
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em Câmara
por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José da Silva e
Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
475
JESUS, 2006, p. 430.
476
AMADO & ANZAI, 2006, p. 191. [Anal de 1773. Apresentado em Câmara pelo vereador Antônio Ribeiro
Leite, em 30 de dezembro do mesmo ano].
477
Idem, ibidem, p. 127. [Anal de Vila Bela do ano de 1769].
478
Idem, p. 182. [Notícias do ano de 1771].
479
SILVA, 2005, p. 229.
165

1770, também era um dos mais poderosos e abastados. Em 1780, como ex-escrivão da
Ouvidoria real solicitava permissão da Rainha para proceder com as vendas dos bens
sequestrados de João Antônio Vaz Morilhas, procedimento comum de sua função. O
requerimento feito à Rainha para obter o Hábito de Cristo, indicava que pelos serviços
prestados à coroa, ele estava apto para ao menos solicitar a mercê.
Segundo Almeida, a solicitação mais frequente de mercês e graças em Minas Gerais
referiam-se à confirmação de carta de sesmaria, confirmação de patente militar, pedido de
provimento em cargos públicos, pedidos de licença para passarem ao Reino, e até mesmo
solicitações para que fizessem valer os privilégios cabíveis a seus postos. Os homens mais
ricos solicitavam permissão para ingressar no Hábito da Ordem de Cristo480. Os pedidos de
mercês e privilégios para os “homens bons” da capitania de Mato Grosso eram semelhantes
ao de Minas Gerais. Entretanto, raros foram os casos que encontramos na documentação, de
comerciantes que solicitaram a mercê do Hábito da Ordem de Cristo, questão que carece de
maiores investigações. Outro ponto importante a destacar corresponde a romper com os
silêncios a respeito dos indígenas, africanos forros ou seus descendentes referentes à
ocupação de cargos privilegiados nas Câmaras, altos cargos nas companhias militares, ou
ascensão econômica e social no exercício do comércio, possibilidade que, apesar de rara,
não pode ser descartada. Nesse sentido, não conseguimos identificar comerciantes que
porventura foram indígenas ou africanos forros que se aventuraram na atividade comercial,
entretanto, outros trabalhos estiveram empenhados em dar destaque a esses agentes
históricos481.
Também João de Souza Azevedo requereu o mesmo privilégio que Domingos Jorge
da Silva. Um dos primeiros comerciantes a realizar negócios com o Pará, e considerado pelo
capitão general Rolim de Moura um dos melhores sertanistas daqueles tempos, João de
Souza Azevedo, em período anterior a 1751, requeria ao rei D. José a mercê de “foro fidalgo”
e o Hábito de Cristo, com tença correspondente482. O mesmo Azevedo, em período posterior
a 1762, pedia confirmação de sua patente, remuneração pelos serviços prestados nas
demarcações do Grão-Pará, e requeria o Hábito de Cristo para o seu filho483.

480
ALMEIDA, In: BICALHO; FERLINI, 2005, p. 374.
481
Sobre essa questão ver: SILVA, 2008; JESUS, 2006; FERNANDES, 2003; SILVA, 2001; ROSA, 1996.
482
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 28/set/1762, cx. 11, doc. 678. Requerimento de João de Souza
Azevedo ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
483
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 28/set/1762, cx. 11, doc. 678. Requerimento de João de Souza
Azevedo ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
166

Dentre mineradores e proprietários de terra da Vila de Cuiabá e Vila Bela que


solicitaram a mercê constam Antônio Pinho de Azevedo, Francisco da Silva Ribeiro,
Francisco Mourão de Miranda, e Antônio Mendes. Por outros tipos de serviços prestados à
Coroa, também Antônio Felipe da Cunha Ponte e Antônio de Souza Azevedo solicitavam a
mercê do Hábito. Os argumentos apresentados iam desde a extração do ouro até a defesa da
capitania. No caso dos mineradores Francisco da Silva Ribeiro484, morador da Vila Real, e
responsável pelo serviço de captação de água e extração do ouro, e Francisco Mourão de
Miranda485, morador de Vila Bela, a solicitação de mercê se baseava no fato de terem extraído
muitas arrobas de ouro. Nas justificativas pessoais, Antônio de Souza Azevedo486 alegava ter
ido à sua custa socorrer o destacamento de Nossa Senhora da Conceição e ter realizado
outros serviços na capitania, e Antônio Felipe da Cunha Ponte justificava a solicitação por
ter prestado serviços diversos ao rei, em “lugar tão remoto e doentio”487. Cunha Ponte era
português, oficial do exército, foi ajudante de ordens do capitão general Luiz de
Albuquerque, e em 1781 foi designado Primeiro Comissário da Terceira Divisão de
Demarcação de Limites. Obteve o posto de Capitão dos Dragões, recebeu carta de sesmaria
em Vila Bela e participou da fundação de Casalvasco. Cunha Ponte faleceu em 1806488.
Importante destacar que obtivemos nomes de comerciantes que solicitaram mercês,
mas que não podemos afirmar se foram atendidas. Receber o Hábito da Ordem de Cristo era
honraria que proporcionava possibilidade de outros privilégios, forma segura de alcançar
promoção social. Em Portugal existiam três importantes ordens militares: a de Avis, a de
Santiago, e a de Cristo, fundadas durante a época das Cruzadas. A Ordem de Cristo foi a que
mais permitiu o acesso de comerciantes, inclusive de cristãos-novos. Para Furtado, “o que a
princípio era visto como exceção foi sendo posto como norma, e tornou-se forma segura de
reconhecimento e afirmação aos grandes comerciantes do Reino” . As possibilidades de
489

484
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 06/ago/1761, cx. 11, doc. 650. Requerimento de Francisco da Silva
Ribeiro e sócios ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
485
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 20/set/1771, cx. 16, doc. 950. Requerimento de Francisco Mourão
de Miranda ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
PROEJTO RESGATE – AHU/MT. Post. 17/dez/1768, cx. 13, doc. 822. Requerimento de Antônio de Souza
Azevedo à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
487
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Ant. 27/nov/1772, cx. 16, doc. 992. Requerimento de Antônio Felipe
da Cunha Ponte ao rei D. José. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso
em: 20/fev/2007.
488
SILVA, 2005, p. 193.
489
FURTADO, 2006, p. 38.
167

acesso de grandes comerciantes, banqueiros e letrados aos diversos graus da nobreza


geraram em Portugal uma reação da alta nobreza, oriunda de sangue, que passou a
estabelecer distinção entre fidalgos e nobres, alocados em três hierarquias nobiliárquicas: os
nobres em geral, os cavaleiros, e um círculo restrito de fidalgos490. O acesso à Ordem de
Cristo só se dava mediante algumas condições, e, por essa razão, obter a nobilitação491 não
foi fácil para todos que a requereram.
Parece ter sido comum essa tendência à diversificação de atividades econômicas. O
enriquecimento nas Minas Gerais, por exemplo, não se dava somente pela mineração, mas
também pelo comércio e agricultura ou por uma junção dessas atividades, situação esta que
também pode ser percebida na Capitania de Mato Grosso, apesar de suas particularidades.
Embora não possamos contar com dados que nos permitam estabelecer um parâmetro do que
significava ser rico em Mato Grosso no século XVIII, pudemos destacar da documentação
alguns aspectos socioeconômicos dos comerciantes que nos levam a observar que alguns
deles fossem efetivamente ricos, baseados no modo pelo qual ampliavam seus negócios ou
ainda pelo modo como sustentavam sua posição de “principais da terra” através do assento
nas Câmaras, de Vila Bela e da Vila Real. A fortuna média dos homens considerados ricos
provavelmente diferiu ao longo do tempo e dos diferentes lugares. No caso de Minas Gerais,
os homens ricos investiam seus recursos primeiramente em escravos, e em seguida em bens
imóveis, sendo os negociantes os que apresentavam fortunas superiores às dos produtores492.
Esse investimento na mão-de-obra africana se explica pelo fato da aquisição de escravos
estar diretamente ligada aos serviços nas minas e nas lavouras.
Para chegar a conclusões mais objetivas a respeito dos comerciantes abastados da
capitania seguimos algumas linhas de interpretação. Informações colhidas em diferentes
tipos de documentos, aparentemente desconectados, nos levou a precisar que Antônio
Caetano Bragança, era proprietário de um dos imóveis mais ricos de Vila Bela, como foi a
sua casa destruída pela enchente do Guaporé, no ano de 1784493.
Percebemos em nossas pesquisas também que em comparação com os demais
habitantes da vila, que não possuíam condições de habitar casas confortáveis ou se vestir

490
Idem, ibidem, p. 38.
491
Essa nobilitação mencionada por Furtado se refere aquela adquirida como privilégio por serviços prestados
à Coroa. Em oposição aqueles que conseguiam nobilitação através dos serviços que prestavam, existiam os
nobres de “sangue” que não viam com bons olhos os acessos à nobilitação de grandes comerciantes, por
exemplo.
492
ALMEIDA, 2005, p. 368.
493
AMADO & ANZAI, 2006, p. 245. [Anal de 1784 apresentado em Câmara pelo vereador e ajudante-de-
auxiliares Manoel Rodrigues da Silva].
168

com os tecidos mais finos, e se alimentar com os alimentos mais caros, esse privilegiado
grupo sempre aparecerá no topo da hierarquia social, e seus membros aptos a exercer funções
administrativas a serviço da Coroa Portuguesa. Pelo fato de não podermos traçar os bens
imóveis e as fortunas desses “ricos comerciantes”, evidentemente não podemos fazer
comparações com aqueles assim considerados em outras capitanias do Brasil.
A respeito do desenvolvimento de atividades agrícolas pelos comerciantes
encontramos informações referentes à Alexandre Henriques e Manoel da Silva Barata. Estes
foram dois comerciantes da carreira do Pará que podemos afirmar terem sido proprietários
de terra. Evidentemente que para o desempenho de suas atividades agrícolas era
imprescindível que possuíssem um considerável número de escravos, e da mesma maneira
isso se dava em relação aos serviços da mineração. Se considerarmos que cada engenho
contava, em média, com a quantia de 20 a 30 escravos494, são poucos os que se dedicavam a
esta atividade. Alexandre Henriques era dono de engenho, e em 1770, período em que Vila
Bela contava com a presença de dezoito engenhos de aguardente e três de açúcar e rapadura
em pleno funcionamento495. Já Manoel da Silva Barata possuía, além das terras destinadas à
agricultura, outras destinadas à mineração. Segundo Masília Gomes era comum as terras
compreenderem os dois setores de produção:

A unidade produtiva escravista, ou seja, sítios ou fazendas cujo caráter do


processo de produção seguia o modelo escravista eram, geralmente,
propriedades extensas, que contavam com um grande número de escravos
para o trabalho. Em áreas de mineração, como no Mato Grosso, a maioria
dessas unidades compreendia os dois setores, minerador e agrário, sendo,
portanto, as responsáveis pela produção de boa parcela dos excedentes
voltados para o atendimento das demandas geradas pelo mercado intra-
capitania. 496

494
Correspondência do ouvidor João Gonçalves Pereira ao rei D. João V. MF.14, doc. 176-(AHU). In:
Coletânea de documentos raros do período colonial (1727-1746). Volume II. Orgs. MORGADO, Eliane
Maria Oliveira; DOURADO, Nileide Souza; CANAVARROS, Otávio, e MACEDO, Vera Lúcia Duarte
Cuiabá. Entrelinhas: EdUFMT. 2007. (Série transcrição: correspondência), p.78.
495
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 01/mai/1771, cx. 15, doc. 927. Correspondência de Luís
Pinto de Sousa Coutinho a Martinho de Mello e Castro. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
496
GOMES, 2008, p. 51.
169

A participação desses “homens bons” nas Câmaras, além das possibilidades de


obtenção de privilégios e mercês, acesso a títulos nobiliárquicos, e ascensão política e social,
significa dizer também que, ao ocupar lugar na Câmara, interesses pessoais estavam
envolvidos, principalmente os de ordem econômica, em especial por se tratar de um canal
de negociação entre os poderes local e central. Para Tiago Kramer de Oliveira, embora a
autoridade do rei fosse maior que a da Câmara, longe de uma subserviência, havia “um jogo
de poder marcadamente assimétrico, em que a manutenção de um equilíbrio controlável era
fundamental”497. Para Oliveira, “destacar a ação das Câmaras e suas implicações na
reprodução do espaço urbano e rural, não significa defender a hipótese de que as Câmaras,
instituição imperial que reconhece e legitima expressões locais de poder, governe em
detrimento de uma centralidade administrativa”498, mas sua fundação instaurava a
comunicação direta e oficial dos seus membros com a autoridade metropolitana.
Oliveira ressalta, ainda, que se deve romper com visão simplista de que houvesse
oposição marcada entre as práticas dos colonos e o poder metropolitano: “Os colonos pedem
a presença destes instrumentos para oficializar as relações entre eles e, deste modo, articulam
seus interesses pessoais com os interesses do império, suas práticas de conquista às
estratégias de conquista do poder central”499.
Para exemplificar as articulações dessas práticas, citamos a proibição que consta no
Código de Posturas de Vila Bela (1753), analisada por Jesus, cuja postura elaborada para a
recém criada vila capital estabelecia que deveria haver nos arraiais de São Francisco Xavier
e Nossa Senhora de Santana apenas um ponto de venda de gêneros de primeira necessidade.
Pertencentes ao termo da capitania de Mato Grosso, ambos os arraiais eram áreas de
mineração, portanto, seus moradores eram mineiros, escravos, forros, oficiais mecânicos e
demais pessoas livres, como constatou a autora500. No entanto, em 1762, os vereadores da
Câmara se reuniram com a intenção de revogar um parágrafo do Código de Postura, com o
objetivo de ampliar o número de lojas e vendas nos arraiais:

.... assim pelo que tocava à proibição das lojas de fazenda seca nos arraiais,
como pelo que tocava a se proibirem mais vendas de víveres do que as duas
declaradas no parágrafo décimo sexto do capitulo terceiro, por ser a dita

497
OLIVEIRA, 2008, p. 79.
498
Idem, ibidem.
499
Idem, p. 81.
500
JESUS, 2006, p. 281.
170

proibição prejudicial ao povo, e que só devia subsistir a postura, enquanto


proíbe as lojas volantes, a que vulgarmente se chama mascataria. 501

Apesar das ordens proibitivas os números de vendas existentes nos arraiais eram
superiores ao número permitido. O funcionamento das lojas de fazendas e vendas dependia
do pagamento de licenças; caso o comerciante não fosse licenciado, poderia ser multado no
momento em que o almotacel fazia as fiscalizações. Embora os vereadores tenham alegado
que a medida proibitiva de vendas nos arraiais fosse prejudicial ao povo e à Fazenda Real,
Nauk de Jesus destaca que era bem possível que também fosse prejudicial ao comércio dos
mercadores e homens de negócio, alguns provavelmente vereadores, prejudicando seus
lucros502. Buscavam, então, aliar seus interesses pessoais com os metropolitanos, utilizando
como argumento o aumento da receita da Câmara.
Segundo Nauk de Jesus, a proibição da existência de vendas e lojas nos arraiais
visava evitar desordens, e procurava fazer de Vila Bela o centro distribuidor de mercadorias
para o seu termo, em consonância com a “política de povoamento e normatização de Vila
Bela”503 iniciada por Rolim de Moura. Mesmo com as ordens que impediram a existência de
novos estabelecimentos desse tipo, no decorrer do século XVIII a postura não foi obedecida,
pois “no ano de 1783 das vinte e duas vendas existentes no Arraial de São Vicente restavam
onze”, vendas estas que foram consideradas ilegais, de modo que os vereadores não foram
rigorosos para fechar esses estabelecimentos, uma vez que também estava em jogo o próprio
abastecimento de gêneros de primeira necessidade504.
Como bem observamos os comerciantes foram aos poucos ocupando lugar e posição
privilegiada na vila capital e consideramos que os negócios realizados com a Companhia do
Pará foi uma alternativa para os comerciantes obterem lucros. Evidentemente que neste
percurso esses comerciantes vão trilhando caminhos diferenciados, diversificando seus
empreendimentos, tentando sobreviver motivados pelas mais diversas razões. Até 1778
ainda eram devedores da extinta companhia e ainda pela década de 1780, os mais
proeminentes continuaram envolvidos nas malhas administrativas do poder local, sendo

501
APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 13, Vila Bela, 15/set/1762. Código de Postura
apreciado pelos Vereadores, Nobreza e Povo.
502
JESUS, 2006, p. 282.
503
Idem, ibidem, 2006, p. 281.
504
JESUS, 2006, p. 282.
171

possível perceber que alguns não abandonaram os negócios com o Pará e com a própria
companhia conforme a constatação de David Davidson.
Nesse sentido, o ano de 1778 é emblemático para marcar os rumos que tomaram os
negócios com a Companhia e com a Capitania do Pará, uma vez que o monopólio não se fez
mais presente e esta é uma questão que não pode ser desconsiderada em análises futuras.
Algumas práticas comerciais podem ter primado pela continuidade, mas certamente as
negociações ocorreram em outro patamar, uma vez que instruções reais e bandos reguladores
de preços de gêneros diversos que diziam respeito diretamente aos negócios com a
Companhia do Pará parecem não ter sido mais necessários nesse período, entretanto, tal
questão exige maior investigação que não nos cabe responder de imediato. Segundo
Davidson os pagamentos de débitos pelos comerciantes mantiveram o tráfego da “rota do
Madeira” após 1778, e por esta razão créditos moderados foram oferecidos aos comerciantes
apesar de ordens superiores contrárias, a realização de um comércio privado não
monopolístico foi organizado e a capitania continuou sendo abastecida com produtos
europeus e escravos ainda que em menor quantidade se comparada com os anos anteriores à
extinção da empresa505.
Aproveitando-se da ocasião do fim do monopólio da companhia, um grupo de
comerciantes se dirigiu à Rainha D. Maria I tentando obter perdão das dívidas que tinham
com a companhia e informar a soberana dos entraves estabelecidos entre eles e a Companhia
do Pará durante sua vigência evidenciando as divergências de interesses entre eles e a
empresa, questão que nos propomos a discutir no item seguinte.

Uma “vila de negociantes”

Os negociantes, em carta dirigida à Rainha na ocasião da extinção da Companhia do


Pará em 1778, colocavam-se como os primeiros povoadores, aqueles que percorreram
caminhos árduos e arriscados por rios caudalosos rios e impetuosas cachoeiras trazendo
mercadorias diversas, vendendo fiado, responsáveis pelo aumento das fábricas e pelos
serviços de minerar, defendendo a capitania de invasores, pagando soldos a militares às suas
próprias custas, tudo visando o bem público, e da Real Coroa, por serem fiéis vassalos. E

505
DAVIDSON, 1973, p. 181-182.
172

mais: enfatizavam que o conhecimento da navegação ao Pará se deveu a eles, assim como a
abertura e liberação do caminho de terra de Goiás, além de custear as bandeiras e diligências
para se descobrir novas minas. Enfim, reconhecendo-se como um grupo importante,
buscavam reforçar que era “indispensável que todo estabelecimento, conservação e aumento
desta capitania tem sua base nos negociantes”506.
Essas argumentações foram utilizadas pelos comerciantes da carreira do Pará e Rio
de Janeiro em carta endereçada à Rainha D. Maria, no ano de 1778, na qual apresentavam
sua insatisfação nas transações mercantis realizadas com a Companhia do Grão-Pará, e
pediam restituição pelos danos e prejuízos causados por ela. Pediam também que fossem
suspensas a obrigatoriedade de pagamento de juros de suas dívidas com a Companhia.
Assinada por um grupo de 24 comerciantes, a carta continha diversas acusações contra a
empresa, dentre as quais a tentativa de os arruinarem e à própria capitania de Mato Grosso,
pois uma vez destruídos os comerciantes, destruía-se a capitania, segundo as observações
desse grupo mercantil.
Fazendo um retrospecto de suas relações comerciais com o Pará, para reforçar os
pedidos à Rainha, os comerciantes fizeram referência à tentativa de proibir, após cinco anos
de funcionamento da companhia, a navegação pelos antigos caminhos de São Paulo para
abastecer a vila, medida esta que foi prontamente revogada por Rolim de Moura. Por meio
de cálculos matemáticos apresentaram à rainha, a título de exemplos, preços de alguns
produtos, tentando demonstrar que os gêneros chegavam sobrecarregados ao consumidor
final, como as alavancas de sessenta réis a libra, “em que sobre o principal do ferro e feitio
das mesmas carregam livres mais de 90%”; seis barris de biscoitos foram taxados em 30%
duas vezes; os barris de vinho de “seis em pipa a doze mil e tantos réis”, que custavam nos
primeiros anos “oito mil e tantos réis”. Dentre outras queixas, os comerciantes acusavam
também os administradores, como os alcaides, de os obrigarem a comprar gêneros que não
tinham saída, e que tinham prejuízo com isso. Enfim, segundo os comerciantes, os produtos
já saíam do Pará com valor elevado, e não podiam ser revendidos por preço menor que o de
custo 507.

506
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 10/jan/1778, cx. 19, doc. 1185. Carta dos comerciantes que
fizeram carregações ao Pará à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
507
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 10/jan/1778, cx. 19, doc. 1185. Carta dos comerciantes que
fizeram carregações ao Pará à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
173

Na mesma carta à rainha, os comerciantes registraram que a pauta de preços lançada


em 1775 por Luiz de Albuquerque ordenada por Pombal havia afetado consideravelmente
seus lucros, independentemente da praça mercantil que negociavam. Segundo os mesmos
comerciantes, eles haviam perdido vultosas quantias. Em defesa do capitão general
informavam à Rainha D. Maria que a taxação dos lucros em 12% não havia agradado nem
ao governador Luiz de Albuquerque, mas que este prontamente acatou as ordens reais e fez
cumprir o plano. Perderam, portanto, os lucros de suas carregações, cujas despesas do Rio
de Janeiro estavam entre 21 e 22%, e as do Pará pouco menos, e ressaltaram ainda as pesadas
penas impostas pelo não cumprimentos das ordens régias508.
No caso da taxação de preços em 1775, em documento anônimo, cujo título é
“Notícias de Mato Grosso e Cuiabá”, a ordem régia e a atividade mercantil mereceram
algumas considerações:

Dissipada a fazenda pelo efeito da pauta meteram-se os mercadores a


mineiros empregando em escravos o fundo que não podia chegar para
pagar nos portos de mar o capital das fazendas que ali tinham trazido.
Destes, foram José da Silva Serra, que tinha um comércio na última
carregação feita em 74 de 80 cruzados, este mesmo homem [ilegível] anos
por 30 cruzados que tinha fiado à Fazenda Real na guerra de João Pedro da
Câmara com boas certidões do [ilegível] do Conde, e Manoel Veloso
Rebelo, Francisco Aranha de Godoi, [ilegível], João de Sousa, Vicente da
Silva, todos mercadores grossos, em virtude da Pauta largaram a carreira
do comércio e compraram as lavras dos falecidos mineiros, para ver se por
meio das minas satisfaziam seus empenhos. Todos estes eram da praça do
Rio de Janeiro, e o Serra foi o prático que fez a navegação do Jauru até o
Porto do Registro. 509

De fato, o plano de comércio havia provocado nos comerciantes certa aversão, pois
havia baixado seus lucros aos fixá-los em 12%, o que provocou grandes prejuízos a alguns
comerciantes levando-os a aplicar seus capitais a outros negócios:

508
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Vila Bela, 10/jan/1778, cx. 19, doc. 1185. Carta dos comerciantes que
fizeram carregações ao Pará à Rainha D. Maria I. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 20/fev/2007.
509
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Post. 1765, cx. 13, doc. 771. Notícias de Mato Grosso e Vila do Cuiabá
(autor anônimo). Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
174

Da praça do Pará se arruinaram José Caetano da Fonseca, com uma


carregação de 70 cruzados [de mais], com o capitão Serra acima dito,
Antonio Nunes, Alberto Nunes de Freitas, Joaquim da Fonseca Freitas, este
que era muito moço, e a fazenda a crédito de seu [tio] Felipe dos Santos,
da praça do Pará, vendeu fazenda ainda por menos do preço da pauta, de
que tirou certidão o governador para a todo tempo se abonar, mas sem
contar as condições do vendedor, e o medo e pânico que o tomou, a este se
comprou por quatro contos de fazenda, por que ainda hoje se lamenta e se
arrepela. Toda esta ruína e de outros que não refiro, por serem de menor
capital, entre os quais é Pedro Álvares, Antonio de Sousa, Alexandre
Henriques. 510

Observa-se, pois, que a mineração, antes da agricultura já havia despertado o


interesse dos negociantes, o que nos leva a relativizar a questão da decadência do ouro, e
também da própria pobreza da capitania. Os comerciantes, grandes ou pequenos, estavam
sempre atentos às novas possibilidades para aplicar seus capitais onde pudessem assegurar
lucros.
À carta que enviaram à rainha, os comerciantes anexaram certidões, pauta de preços
e duas listas sobre as dívidas da Companhia do Pará. Pode parecer, à primeira vista, que os
comerciantes “engoliram” por quase meio século os “abusos” da Companhia do Pará, e que
seu manifesto mais concreto só apareceu quando a companhia já estava extinta e se iniciava
um novo governo. Mas, isso pode ser apenas impressão. Devemos relembrar que os
comerciantes reagiram de várias maneiras em diferentes momentos quando as ordens régias
não lhes eram favoráveis, e também em muito se aproveitaram quando elas eram
convenientes. Os comerciantes se organizavam e se reuniam dirigindo-se às autoridades
quando se sentiam lesados em seus negócios, e parece que o discurso da vila “que tem sua
base nos negociantes” foi utilizado para provar a importância do grupo na capitania. A carta
endereçada à Rainha D. Maria I, constitui o exemplo mais completo dessa organização, e
nela os comerciantes tentavam convencer a soberana a perdoar suas dívidas para com a
companhia. Os negociantes, portanto, se colocavam como grupo responsável por todos os

510
PROJETO RESGATE – AHU/MT. Post. 1765, cx. 13, doc. 771. Notícias de Mato Grosso e Vila do Cuiabá
(autor anônimo). Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/form-pesquisa.jsp>. Acesso em:
20/fev/2007.
175

investimentos no desenvolvimento da capitania, e desconsideravam os outros agentes


históricos envolvidos nesse processo. Neste sentido, Nauk de Jesus observou que os
comerciantes “eliminaram toda e qualquer referência aos primeiros paulistas que se
deslocaram à fronteira oeste”511. Entretanto, no caso das petições do século XVIII, para
tentar obter os privilégios, era comum aos interessados mencionarem os serviços prestados
à Coroa, e, muitas vezes se colocavam como os “primeiros desbravadores” ou os “primeiros
povoadores”, enfim, os principais responsáveis pela conquista, argumentos que os
aproximavam do soberano como bem observou a autora.
A reação dos comerciantes em relação às ordens régias, como por exemplo, a do
Bando de 1775, são melhor percebidas através da relutância que demonstraram em se
dirigirem ao Pará, embora como conste na carta endereçada à Rainha D. Maria I, em 1778,
que as despesas com o trânsito do Pará são um pouco menores que as do Rio de Janeiro, sem
mencionar que a viagem ao Pará se dava em tempo menor, se comparada à rota das monções
do sul. Tanto Luis Pinto de Souza Coutinho quanto Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e
Cáceres tiveram que “intimar e persuadir” os comerciantes para se dirigirem ao Pará em
nome do “bem-comum”, que era o abastecimento da população e os interesses da coroa
portuguesa, já que havia questões geopolíticas entre Portugal e Espanha. Durante todo o
período em que vigorou o comércio com a Companhia, questões relacionadas aos preços
foram reguladas pelos capitães-generais, que intervinham quando necessário.
O discurso da vila povoada por negociantes aparece em outra documentação do
período, como os Anais de Vila Bela. Em 1777, o vereador Francisco de Paula Correa, em
clara objeção à atuação direta da companhia na capitania de Mato Grosso registrou nos Anais
daquele ano que, “não havendo comerciantes, esta Vila viria a ser uma povoação de negros
e mulatos” 512. Relatavam que vendiam fiado, que os custos das viagens eram enormes, mas
não diziam que compravam a crédito, e que os custos eram “pouco menores que as do Rio
de Janeiro”. Enfim, pequenas contradições presentes na dinâmica do trânsito entre pequenos
e grandes comerciantes durante segunda metade do século XVIII, que circulavam pela
extensa fronteira que ligava o Pará ao Mato Grosso.
O que explicaria o fato de 57 comerciantes terem se disposto a percorrer esses árduos
caminhos fluviais? Este número corresponde a apenas o que encontramos em uma bem

511
JESUS, 2006, p. 381.
512
AMADO & ANZAI, 2006, p. 213. [Anal de Vila Bela do ano de 1777 apresentado pelo vereador Francisco
de Paula Correa].
176

determinada documentação, e que tomamos por indícios primordiais. Nauk de Jesus aponta
para a possibilidade de ampliação das atividades econômicas que promoveriam ascensão
política e social, e também pelas possibilidades de negócios diversos, como mineração e
agricultura, e outras atividades, tanto lícitas quanto ilícitas513. Esse grupo articulava seus
interesses pessoais aos da Coroa, e essas relações não eram tão simples como podem parecer
à primeira vista, pois eram comuns as resistências ao cumprimento das ordens, imperando,
na maioria das vezes, negociações em nome do “bem-comum”.

513
JESUS, 2006, p. 382.
177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste estudo buscamos inserir na dinâmica comercial estabelecida pelo
Império Colonial Português, os homens de negócio que atuaram em Vila Bela da Santíssima
Trindade, vila capital da Capitania de Mato Grosso, localizada na fronteira oeste do domínio
luso na América. Para tanto, foi imprescindível estabelecer vinculações entre os
comerciantes de Vila Bela, a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, e as
praças comerciais do Rio de Janeiro e São Paulo. Nesta investigação, foi possível destacar a
participação política dos comerciantes de Vila Bela por meio de levantamento dos cargos
político-administrativos ocupados por eles, o que nos exigiu compreender o modo pelo qual
articulavam os interesses metropolitanos aos individuais.
Durante o levantamento, separação e análise das fontes, etapas próprias do fazer
historiográfico, ao buscar esses comerciantes em Vila Bela, esbarramos em algumas
dificuldades que, no entanto, não prejudicam os resultados aos quais chegamos. Ao produzir
esta dissertação, abrimos novas trilhas investigativas a respeito da formação de um grupo
mercantil privilegiado em Vila Bela. Partimos para nossa investigação de duas listas de
comerciantes devedores da Companhia nos anos de 1774 e 1778, residentes em Vila Bela da
Santíssima Trindade. As duas listas contemplam 57 comerciantes, dos quais buscamos
informações em outras fontes impressas, manuscritas, além de teses e dissertações que,
devidamente cotejadas, nos permitiram realizar nossa análise e construir a dissertação.
Certamente que os comerciantes estudados estavam inseridos nas malhas administrativas do
Império Português, pois exerceram funções administrativas na Câmara de Vila Bela da
Santíssima Trindade, e também de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, alguns deles
por tempo considerável, longos anos e mesmo décadas. Se alguns destes não detinham a
“pureza de sangue” necessária para tal privilégio, a “limpeza” se dava pelos serviços que
prestavam à Coroa. Embora tal aspecto se constate em outras regiões do Império Português,
consideramos necessário expô-los neste caso, quando nosso recorte recai sobre os
comerciantes em direta ligação com uma empresa monopolista de Comércio, a Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
A característica que possuía a capitania de Mato Grosso de ser fronteira e possuir
áreas de mineração orientou sobremaneira as instruções relacionadas ao comércio com a
178

Companhia de Comércio, que eram repassadas pela Coroa aos capitães generais, durante a
segunda metade do século XVIII.
Diversas foram as relações vividas na fronteira, e os estudos sobre atividades dos
comerciantes e da companhia nos oferecem contribuições importantes para percebê-las.
Durante a pesquisa, alguns aspectos se tornaram mais evidentes, como o abastecimento das
missões de Moxos e Chiquitos com gêneros trazidos por comerciantes portugueses, e
também de modo inverso, o abastecimento de regiões em possessão portuguesa de alguns
gêneros oriundos das missões do oriente boliviano, embora os dados que colhemos
referenciem com maior intensidade esse comércio clandestino a partir da década de 1770.
Em 1769, por exemplo, Luís Pinto de Souza Coutinho escrevia a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, sobre as negociações com as missões jesuíticas de Moxos para abastecer
o Forte de Bragança, relatando que, apesar das dificuldades, haviam transportado perto de
trezentas cabeças de gado vacum, por intermédio de negócios feitos com os Curas. Deste
modo, é preciso atentar para o fato desses negócios terem sido praticados após a expulsão
dos jesuítas, pois desconhecemos fontes documentais que evidenciem transações comerciais
entre castelhanos e portugueses na fronteira oeste em período anterior ao da expulsão dos
jesuítas espanhóis em 1767. Embora possam ser interpretadas como práticas de contrabando,
não houve preocupação de Luís Pinto, que encerrou sua correspondência registrando que
tudo transcorria na maior serenidade514.
Esta descrição consiste apenas de um dos elementos de análise das relações na
fronteira. Partindo de um aspecto mais geral, sobre as relações dos comerciantes com a
Companhia foi possível tecer alguns comentários sobre o audaz plano de comércio que
colocaria oficialmente a Companhia em negociação com os domínios espanhóis prevendo
as possibilidades de estender os domínios portugueses, e ainda angariar as ricas e desejadas
minas de prata. A presença da Companhia deve ser vista também como um instrumento que
serviu ao governo português para colocar em prática o projeto político pensado para o Reino,
para o Grão-Pará e Maranhão, e para a Capitania de Mato Grosso. Alguns autores que
trataram de modo mais detalhado dos aspectos que envolveram a criação da companhia,
como Manuel Nunes Dias, Antônio Carreira, David Michael Davidson e Kenneth Maxwell
identificaram o fortalecimento de uma elite mercantil no Reino ligada à Pombal, o fomento

514
NDIHR – AHU/MT. Vila Bela, 21/jun/1769, Rolo 13, cx. 14, doc. n° 856. Ofício de Luís Pinto de Souza
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
179

e desenvolvimento econômico do Estado do Grão-Pará e Maranhão e a manutenção de


extensa fronteira que ligava a capitania de Mato Grosso à capitania do Pará.
Nosso objetivo, no entanto, foi estabelecer como se deram as relações, os
intercâmbios, os problemas surgidos e sua administração, e, principalmente, a inserção da
capitania de Mato Grosso no projeto comercial para Reino e suas demais colônias, os
interesses que estiveram em jogo durante a atuação da empresa.
Evidentemente que neste percurso foram identificados problemas referentes ao
abastecimento, como as irregularidades das monções e os preços dos produtos, questões que
colocaram em risco a própria manutenção do comércio com o Pará e das possessões lusas.
Percebemos também, a atuação de um grupo mercantil que ora se sentia estimulado com as
negociações no Pará, ora fugia dos interesses metropolitanos quando se sentiam diretamente
lesados em seus negócios por conta das ordens régias. Os termos “insisti” e “persuadi”
utilizado pelos capitães-generais nos permitiram perceber as negociações estabelecidas entre
as autoridades metropolitanas e os negociantes de Vila Bela, na procura pela manutenção
dos interesses metropolitanos. Neste caso, nos apropriamos das palavras de Laura de Melo
e Souza, quando afirma que a prática do “bater e soprar” imperou nesses domínios.
Os negociantes se consideravam pessoas imprescindíveis e únicos portadores de
capital necessário para a realização de investimentos em novas descobertas de minas
auríferas ou também na aplicação para a produção agropastoril da capitania de Mato Grosso,
a ponto de registrar que foram os responsáveis pela conquista e manutenção das terras
localizadas a oeste da América Portuguesa. Deste modo, eles se organizavam e
demonstravam a importância de sua atuação nos discursos contidos, por exemplo, em cartas,
como a que foi enviada à Rainha D. Maria I, em 1778.
Outro aspecto evidenciado foi a diversidade das atividades desempenhadas pelos
comerciantes, e a necessidade que possuíam em ascender social e economicamente,
tornando-se os “principais da terra”. Esta prática de atividades diversas sabemos, não é
prerrogativa da Capitania de Mato Grosso; por isso, procuramos estabelecer articulações e
vinculações, principalmente por meio de estudo de algumas trajetórias pessoais,
identificando alguns desses homens de negócios. Este caminho inicial de nosso estudo, por
sua vez, provocou a formulação de novos objetos, suscitados por algumas questões sem
respostas, pois as lacunas são inevitáveis.
Não foi possível investigar com maiores detalhes a vida desses comerciantes, o que
significa que também ficaram em suspenso suas relações econômicas, políticas e sociais das
180

quais emergem práticas e estratégias de sobrevivência, que nos permitiriam compreender a


sociedade colonial na Capitania de Mato Grosso no século XVIII e, sobretudo, a lógica da
presença portuguesa nessa região da América. Reconhecemos que algumas considerações
merecerem maiores explicações, como as diferenças entre o grande e o pequeno, entre o rico
e o pobre, o valor de seus investimentos ou ainda o valor de seus bens e fortunas. Ficarão
para outro momento.
Este estudo também procurou contribuir para o levantamento de fontes sobre o tema,
sejam manuscritas ou impressas. Foi possível, para a construção dessa dissertação contar
com os documentos do Arquivo Histórico Ultramarino do Pará, documentação fundamental
para a realização deste trabalho, e que merece ser consultada para o desenvolvimento de
outros estudos sobre história de Mato Grosso colonial. Além desta, outras fontes merecem
maior atenção e, sobretudo, devem ser utilizadas, como os Anais de Vila Bela. Esta
riquíssima fonte, se observada com cuidado, nos oferece respostas ou indícios para responder
a questionamentos sobre a política comercial na fronteira, política de povoamento, extração
aurífera, diligências para descoberta de novas minas, abertura de caminhos, fundação de
povoados, relações licitas e ilícitas na fronteira, festas, alimentação, etc.
Esperamos que esta dissertação possa oferecer contribuições para estudos sobre
homens de negócio e práticas comerciais e políticas levadas a efeito na Capitania de Mato
Grosso, pouco conhecidas da historiografia nacional que trata sobre comércio colonial.
181

GLOSSÁRIO

Água de Melissa: Erva-cidreira, planta da família das Labiadas.


Alcaide: 1. Antigo oficial de justiça. 2. Resto de mercadoria que não encontra comprador.
Aldrava: 1. Tranqueta de metal com que se fecha a porta. 2. Tranca de porta.
Alqueire: 1. Antiga unidade de medida de capacidade para secos equivalente a 36,27 litros.
2. Unidade de medida de superfície agrária equivalente a 4,84 hectares.
Andiroba: árvore da família das meliáceas da qual se extrai o azeite de Andiroba.
Aniagem: pano grosseiro sem acabamento de juta (erva sublenhosa da família das tiliáceas
originária da Índia da qual se obtém fibras têxteis) ou outra fibra vegetal análoga usada para
confecção de fardos.
Anil: Quím. Composto heterocíclico existente em diversas plantas, cristalino, azul, utilizado
como corante; índigo.
Apoplexia: 1. Afecção cerebral que se manifesta imprevistamente, acompanhada de
privação dos sentidos e do movimento, determinada por lesão vascular cerebral aguda
(hemorragia, embolia, trombose). 2. Qualquer das afecções resultantes da formação rápida
de um derrame sanguíneo ou seroso no interior de um órgão.
Armeiro: 1. Fabricante ou vendedor de armas. 2. Aquele que conserta armas.
Arrátel: Antiga unidade de medida de peso equivalente a 459 g ou 16 onças; libra.
Arroba: Antiga unidade de medida de peso equivalente a 32 arráteis, ou seja, 14,7 kg
aproximadamente.
Azougue: designação de mercúrio.
Baeta: tecido felpudo de lã.
Berimbau: 1. Pequeno instrumento de ferro, semelhante a uma ferradura, no centro do qual
há uma lingüeta, e que se toca pondo a parte curva entre os dentes e fazendo vibrar com o
indicador a extremidade livre da lingüeta; marimbau. 2. Bras. Instrumento de percussão, de
origem africana, com o qual se acompanha a capoeira, e que é um arco de madeira retesado
por um fio de arame, com uma cabaça presa ao dorso da extremidade inferior.
Biscainho: pertencente à Biscaia (Espanha).
Boldrié: correia a tiracolo, à qual se prende a espada ou outra arma.
Bolo Armênio: uma espécie de torrãozinho ou pedaço de terra pesada de cor avermelhada.
Essa terra era retirada de cavernas localizadas na Capadócia, numa área confinante com a
182

Armênia, de onde tirou o nome. O legitimo bolo armênio era aromático, friável e brando. Na
boca, derretia como manteiga. Era medicamento defecativo e adstringente.
Bretanha: tecido fino de linho ou algodão.
Breu: Substância semelhante ao pez negro, obtida pela evaporação parcial ou destilação da
hulha ou de outras matérias orgânicas. [Cf. pez].
Brim: tecido forte de linho, algodão.
Cabeleira: peruca.
Caixeiro: 1. Empregado em casa de comércio que vende ao balcão; balconista. 2. Aquele
que entrega em domicílio as mercadorias compradas; entregador.
Calafetar: 1. Vedar com estopa alcatroada (as junturas, buracos ou fendas de uma
embarcação). 2. Tapar, vedar com pano, papel, massa, etc. (fenda ou buraco de tonéis,
assoalhos, tabiques, etc.). 3. Tapar ou vedar as fendas ou buracos de.
Caldeireiro: 1. Artífice que faz caldeiras e outros utensílios de cobre ou de outro metal. 2.
Bras. Aquele que trabalha nas caldeiras dos engenhos de açúcar.
Cambraia: tecido de algodão ou de linho muito fino.
Canada: antiga unidade de medida de capacidade para líquidos, equivalente a quatro
quartilhos, ou seja, 2,622 litros.
Carneirada: 1. Febres peculiares à costa da África tropical. 2. Bras. Epidemia de malária.
Charrua: Ant. Mar. Navio-transporte de três mastros, grande porão e fraco armamento,
usado no século XVIII e em parte do XIX.
Chifarote: espada curta e reta, punhal.
Chita: tecido ordinário de algodão estampado a cores.
Chouriço: 1. Enchido de porco, cujo recheio é misturado com sangue e curado ao fumo. 2.
Bras. Iguaria feita de sangue de porco, especiarias e açúcar.
Cochinilha: tecido colorido com a cochonila.
Cochonila: corante obtido de insetos (família dos coccídeos), vermelho, que contém ácido
carmínico.
Cochonilha: Inseto homóptero, da família dos coccídeos, que segrega substâncias especiais
(cera, laca) que servem de revestimento. Os machos adultos têm duas asas; as fêmeas são
sempre ápteras. São pequeníssimas, alimentam-se de seiva de plantas, e vivem nas folhas,
galhos, tronco e raízes.
Côngrua: pensão que se concedia aos párocos para seu sustento.
183

Corrupção: também chamado maculo, corrução ou mal-de-bicho. Doença dos negros


novos, quando era intenso o tráfico da escravatura, caracterizada por diarréia com
relaxamento do esfíncter anal.
Corso: Vida errante e vagabunda de povos “bárbaros” que se mantêm com o fruto dos
roubos praticados nos lugares por onde passam.
Côvado: Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a três palmos, ou seja, 0,66
m.
Cremor de tártaro: tártaro indicava a borra do vinho que chegava a se endurecer e
petrificar-se pegada aos lados da vasilha. O cremor de tártaro era essa borra quando
purificada pelo fogo. Também chamado sal de tártaro.
Cristal de tártaro: era o tártaro branco purificado, fervido, evaporado e cristalizado.
Cunhete: caixote de madeira utilizado para guardar ou transportar munições de guerra.
Droguete: estofo ordinário de lã, seda ou algodão, ou só de lã.
Encarnado: da cor da carne, vermelho escarlate, rosa encarnada.
Escarlate: de cor vermelha, muito viva.
Espírito de Vitríolo: vitríolo nome de um sal mineral de aparência semelhante à do vidro.
Havia de quatro espécies: branco, verde, azul e vermelho. Cada uma delas servia como
medicamento para as mais diversas finalidades. O “espírito” era a parte mais pura que se
obtinha de uma substancia sólida ou liquida – no caso do vitríolo – geralmente por destilação.
Estola: 1. Fita larga que os sacerdotes põem por cima da alva. 2. Espécie de xale comprido,
retangular que as mulheres usam como agasalho ou adorno.
Estopa: 1. Na indústria da tecelagem, o resíduo da fibra depois de penteada, com o qual se
elabora o fio cardado. 2. Sobras de fio não aproveitado na tecelagem. 3. Aproveitamento
comercial de tais sobras (especialmente as de algodão) para uso em operações de limpeza de
motores, automóveis, etc. 4. Tecido fabricado com os filamentos de estopa.
Fazenda: 1. mercadoria, gêneros. 2. panos, tecidos. 3. Grande propriedade rural de lavoura
ou criação de gado.
Febre quartã: febre intermitente que se repete de quatro em quatro dias.
Febre terçã: aquela cujos acessos se manifestam de três em três dias.
Forja: 1. Conjunto de fornalha, fole, bigorna, do qual se utilizam no seu ofício os ferreiros
e outros artífices que trabalham em metal. 2. Oficina de ferreiro; fundição.
Formão: utensílio de carpinteiro ou de ferrador, com uma extremidade chata e cortante, e a
outra embutida em um cabo de madeira.
184

Fralda: a parte inferior, as abas, o sopé (de serra, monte, etc.).


Frasco: garrafa de pequena de vidro, cristal ou de barro vidrado para medicamentos ou
perfumes.
Frasqueira: caixa com divisões para acomodar os frascos.
Fustão: tecido natural ou sintético, de algodão, linho, seda ou lã, que apresenta o avesso liso
e o direito em relevo, formando cordões justapostos paralelos, ou desenhos variados.
Galheta: 1. Vaso pequeno, de vidro, em que se serve o azeite e o vinagre nos serviços de
mesa. 2. Pequeno vaso que contém água ou vinho para a missa.
Goma arábica: era um licor ou suco que se obtinha da semente ou das folhas e frutos da
acácia que se dava no Egito. Era adstringente, fortificante servindo para debelar as
hemorragias e fluxos de ventre.
Guilherme: utensílio usado pelos carpinteiros para fazer os filetes das portas, as junturas
das tábuas, frisos de caixilhos, etc.
Hidropisia: acumulação anormal de líquido seroso em tecidos ou em cavidade do corpo.
Igarité: Bras. Amaz. Embarcação de tamanho entre montaria e galeota [q. v.], capacidade
de carga de 1 a 2 toneladas, impulsionada a remo, varejão ou sirga.
Ipecacuanha: planta medicinal da família das Rubiáceas.
Jalapa: planta medicinal da família convolvuláceas e das apocináceas, cujas flores são
vistosas e coloridas e com tubérculos subterrâneos tidos popularmente como purgativos.
Jornal: paga de cada dia de trabalho; salário diário.
Lanceta: instrumento cirúrgico de dois gumes.
Láudano: medicamento preparado basicamente com ópio a que se somavam ainda outros
ingredientes.
Légua: antiga unidade brasileira de medida itinerária, equivalente a 3.000 braças, ou seja,
6.600 metros.
Lima: ferramenta manual, de aço, cuja superfície é lavrada de estrias muito próximas entre
si, e utilizada para polir, ou desbastar ou raspar metais ou outros objetos duros.
Loja: estabelecimento comercial fixo, onde se vende qualquer mercadoria. Segundo Bluteau
a oficina em que se venda qualquer mercância, taberna.
Maná: planta medicinal e alimentícia.
Mascate: mercador ambulante que percorre as ruas e estradas a vender objetos
manufaturados, panos, jóias, etc.
Mercúrio cru: o mercúrio não retirado da matriz ou mina geradora.
185

Mercúrio doce: é o mercúrio do qual se obtinha quimicamente o sal e outras matérias


corrosivas. Era muito usado para as moléstias venéreas.
Miçanga: 1. Contas de vidro sortidas. 2. Ornato feito dessas contas.
Missal: livro que encerra as orações das missas.
Obstrução: Patol. Impedimento parcial ou total, mecânico, devido a causas diversas, do
livre trânsito no interior de uma estrutura ou órgão.
Oitava: 1. Antiga unidade de medida de peso, equivalente a 1/8 da onça, ou seja, 3,586
gramas; dracma. 2. Bras. Ant. Unidade monetária, e moeda, correspondentes a 1.200 réis.
Oleiro: aquele que trabalha em olaria, ceramista.
Óleo de Terebentina: também conhecido pelo nome de terebintina ou tormentina. Óleo
obtido da resina de plantas coníferas ou da ordem terebinthales.
Onça: 1. Antiga unidade de medida de peso, equivalente a 28,691 g. 2. Medida de peso
inglesa, equivalente a 28,349 g. 3. Moeda espanhola do valor de 14.672 réis. 4. Moeda
havanesa de ouro, equivalente a 17 piastras. 5. Entre os romanos, a 12ª parte da libra. 6.
Bras., S. Antiga moeda de ouro que equivalia aproximadamente a Cr$ 0,03.
Ópio: substância que se extrai das diversas espécies de papoula utilizada como narcótico.
Paneiro: 1. Cesto de vime com asas. 2. Constr. Nav. Espaço situado na parte de ré de uma
embarcação miúda, guarnecido de bancadas em volta, para assento dos passageiros. 3.
Espécie de carruagem de verga. 4. Bras. Folha-de-flandres na qual os pedreiros deitam a
argamassa que estão utilizando. 5. Bras., Amaz. Cesto de tala de palmeira e trançado largo,
geralmente forrado de folhas:
Patrona: bolsa de couro dos sertanejos.
Pez: designação comum a substâncias betuminosas, sólidas ou semi-sólidas, naturais ou
artificiais, resíduo da destilação de líquidos densos, de alcatrões, etc.; piche.
Prego caibral: grande prego com que se fixam caibros ou madeira grossa; prego de caverna.
Produtos Molhados: gêneros líquidos, ou umedecidos, banhado em qualquer líquido.
Produtos Secos: gêneros desprovidos de líquidos, ou umidade. Ex: carne seca, ou frutas
secas.
Proeiro: aquele que vigia, trabalha ou rema à proa da embarcação.
Quartilho: 1. Antiga unidade de medida de capacidade para litros, equivalente à quarta parte
de uma canada. e., 0,6655 litro. 2. A unidade de capacidade do sistema inglês, equivalente a
0,568 litro.
186

Quina: 1. Arvoreta da família das rubiáceas (Cinchona ledgeriana), originária do Peru e


notável por suas propriedades antitérmicas. 2. Designação comum a numerosas plantas
nativas (falsa-quina, quina-mineira, murta-do-mato, etc.) cuja casca é amarga e sem motivo
reputada ativa contra febres e malária, por comparação à quina.
Quintílo: preparado farmacêutico de antimônio em pó.
Remeiro: que atende com facilidade ao impulso dos remos, remador.
Retrós: fios de seda torcidos ou de algodão mercerizados (tratamento da fibra pela lixívia
de sódio ou potássio para obter aspecto brilhoso) para costura.
Riscadilho: tecido com listras.
Ruão: tecido de linho que se fabricava em Ruão (França).
Ruibarbo: planta medicinal da família das poligonáceas.
Sal amoníaco: uma espécie de goma destilada por uma árvore. Nas boticas da época era o
sal amoníaco feito como pez.
Sal-gema: cloreto de sódio
Salpicão: paio ou chouriço grosso, preparado com lombo de porco ou presunto e temperado
com sal, alho e, por vezes, vinho.
Salsaparrilha: planta da família das poligonáceas.
Sarja: tecido entrançado de seda, lã ou algodão.
Seleiro: fabricante ou vendedor de selas.
Sene: nome genérico que se dá a algumas plantas medicinais leguminosas.
Sezão: febre intermitente ou periódica.
Sirga: 1. Ato ou efeito de sirgar. 2. Corda com que se puxa uma embarcação ao longo da
margem.
Sirgar: 1. Puxar ou conduzir por meio de sirga. 2. Atar com sirgas.
Sobrepeliz: veste branca com rendas ou sem, usada por clérigos sobre a batina.
Soldo: quantia básica de referência para pagamento militar.
Taberna/taverna: termo empregado para designar a casa em que se vende vinho a varejo.
O termo taberna ou taverna, segundo Bluteau designava a casa em que se vendia vinhos,
azeites e algumas coisas de comer. Bluteau em relação ao sentido da palavra informa que
faz-se necessário acrescentar ao termo um epíteto, por exemplo, taverna lanaria (onde se
vende lãs), taverna olearia (onde se vende azeite), taverna vinaria (onde se vende vinho).
Tafetá: tecido lustroso e armado de seda, de trama finíssima.
Tártaro emético: sal duplo, cristalino e incolor usado como emético (que provoca vômito).
187

Tendeiro: pessoa que vende em tenda.


Tratante: pessoa que trafica ou faz negócio.
Ubá: Bras. Amaz. 1. Embarcação indígena sem quilha e sem banco, constituída de um só
lenho, escavado a fogo, ou de uma casca inteiriça de árvore cujas extremidades são
amarradas com cipós.
Ungüento de Basilicão: ungüento supurativo de cera, azeite, pez e resina.
Varar: varar a canoa significa empurrar, ou transportá-la por terra de um lugar a outro.
Venda: Segundo Bluteau taberna de estrada.
Verruma: instrumento cuja extremidade inferior é lavrada em hélice e acaba em ponta,
usado para abrir furos na madeira; tradinha, broca.
Vitríolo Branco: a palavra vitríolo designa diversos sulfatos.
Xarope de Papoulas Brancas: devia ser medicamento na base de ópio.

Fontes: BLUTEAU, Raphael. Vocabulário portuguez e latino. Coimbra, 1712. Rio de Janeiro: UERJ,
Brasil 500 anos, 2000; HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa:
dicionário Aurélio Eletrônico (v. 1.4). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994; LAPA, José Roberto
do Amaral. Economia colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973.
188

REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS

Fontes Manuscritas:

Arquivo da Casa Barão de Melgaço (ACBM)

ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1459. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em
18/set/1769.

ACBM. Acesso Pasta 95, doc. n° 1484. Bando de Luís Pinto de Souza Coutinho publicado em
18/ago/1769.

Arquivo Público de Mato Grosso (APMT)

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 13, 15/set/1762. Código de Postura apreciado
pelos Vereadores, Nobreza e Povo.

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 70, Vila Bela, 14/set/1776. Ata assinada em
Câmara por Francisco Xavier Antão, Jerônimo Martins Fernandes, Francisco de Bastos Ferreira, José
da Silva e Francisco Botelho a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 95, Vila Bela, 27/out/1778. Ata assinada em
Câmara pelo Capitão-mor Antônio Soares Lima, João de Souza Pinto, Hilário Antônio de Almeida
Pessoa e Antônio Caetano Bragança a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 85, Vila Bela, 04/jan/1778. Ata assinada em
Câmara por Francisco Xavier Antão, Antônio José da Costa e Nóbrega, Hilário Antônio de Almeida
Pessoa e Marcelino Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 89, Vila Bela, 10/jun/1778. Ata assinada em
Câmara por Francisco Xavier Antão, Manoel de Oliveira Pombal, José da Silva, Hilário Antônio de
Almeida Pessoa e Marcelino Ribeiro a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, doc. n° 105, Vila Bela, 15/set/1779. Ata assinada em
Câmara por Felisberto Leite Pereira, Manoel de Oliveira Pombal, Alberto Nunes de Freitas, Joaquim
da Fonseca Freitas e Antônio Teixeira de Oliveira a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Fundo Senado da Câmara de Vila Bela, Balanço da Câmara (Receitas e Despesas) anos de
1780 a 1789, doc. n° 181, Vila Bela, 31/dez/1780.

APMT. Lata 1754, Fundo Governadoria, doc. n° 37, Pará, 28/mai/1754. Correspondência de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.

APMT. Lata 1756 A, Fundo Governadoria, doc. nº 62, Belém, 19/fev/1756. Correspondência de
Diogo de Mendonça Corte Real a D. Antônio Rolim de Moura.
189

APMT. Lata 1758A, Fundo Governadoria, doc. n° 94, Vila Nova de Barcelos, 30/mai/1758.
Correspondência de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a D. Antônio Rolim de Moura.

APMT. Lata 1759 II, Fundo Justiça, doc. n° 19, Pará, 13/mai/1759. Correspondência de Manoel de
Bernardo de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.

APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 24, Lisboa, 26/jun/1760. Relação dos produtos que
foram remetidos do Pará para a Capitania de Mato Grosso

APMT. Lata 1760 II, Fundo Fazenda, doc. nº 27, Pará, 16/dez/1760. Relação da dívida da Capitania
de Mato Grosso com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.

APMT. Lata 1760 II, Fundo Governadoria, doc. nº 26, Pará, 21/out/1760. Correspondência de
Manuel Bernardo de Melo e Castro a D. Antônio Rolim de Moura.

APMT. Lata 1765-1768, Fundo Governadoria, doc. n° 84, Barcelos, 10/fev/1761. Correspondência
de Gabriel de Souza a D. Antônio Rolim de Moura.

APMT. Lata 1767, Fundo Governadoria, doc. nº 161, Vila Real do Cuiabá, 02/jan/1767.
Correspondência escrita por Francisco Lopes de Araújo.

APMT. Lata 1765-1768, Fundo Fazenda, doc. n° 119, Pará, 18/fev/1768. Resumo do que deve a
Provedoria da Capitania de Mato Grosso a esta do Pará em 1761, 1764, 1765 até 1768.

APMT. Lata 1768, Fundo Fazenda, doc. nº 120, Pará, 29/fev/1768. Correspondência de Fernando da
Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.

APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 195, Pará, 10/fev/1768. Correspondência de
Fernando da Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.

APMT. Lata 1768, Fundo Governadoria, doc. nº 199. Pará, 09/fev/1768. Correspondência de
Fernando da Costa de Ataíde Teive a João Pedro da Câmara.

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Gonçalo Pereira França a Luís Pinto de Souza Coutinho.

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Fernando de Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.

APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. n° 300, Pará, 11/mai/1771. Correspondência de
Fernando da Costa de Ataíde Teive a Luís Pinto de Souza Coutinho.

APMT. Lata 1771, Fundo Governadoria, doc. nº 299, Pará, 25/fev/1771. Correspondência de
Gonçalo Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luís Pinto de Souza Coutinho.

APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo
Pereira França e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres
em que consta relação de vários devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela
de Mato Grosso.

APMT. Lata 1774, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Vila Bela, 12/mai/1774. Correspondência de Miguel
Pinto Teixeira a Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 121, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Antônio
Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
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Daniel de Seixas a Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.

APMT. Lata 1775, Fundo Fazenda, doc. nº 123, Pará, 20/mai/1775. Correspondência de Antônio
Coutinho e Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Lata 1776, Fundo Governadoria, doc. nº 73, Pará, 27/abr/1776. Correspondência de Manoel
José da Cunha e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio
Coutinho de Almeida e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em
que consta relação das pessoas assistentes em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da
Companhia Geral do Pará.

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Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

APMT. Fundo Sesmaria, 1780, doc. n° 135. Requerimento de Manoel da Silva Barata a Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

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Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

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201

ANEXOS
202

Anexo 1 – Relação dos devedores da Companhia de Comércio do Grão-Pará e


Maranhão no ano de 1774

Nome Valor dívida 1774


Antonio Caetano de Bragança 5.150$589
Alberto Nunes de Freitas 14.095$735
Antonio de Souza Ferreira e Alexandre Henriques 13.638$204
Antonio Rodrigues Álvaro 5.165$661
Antonio Quaresma da Silva 425$475
Antonio Pereira Homem 860$277
Caetano José de Ataíde 4.116$611
Cláudio Antonio de Oliveira, anspeçada 101$464
Diogo José Samorinha 631$607
Domingos Sambuceti, ajudante enge. 947$067
Dionísio Leite Ribre. 690$905
Francisco José Camargo 44$195
Francisco Botelho 13:198$800
Francisco Pinheiro da Costa 4:484$310
Francisco Pedro Mello 2:616$883
Hilário Antonio de Almeida 8:846$711
Joaquim da Fonseca Freitas 5:945$463
José Vieira Passos, cabo de esquadra 472$163
Jerônimo Martins Fernandes 4:343$863
José Vieira de Magalhães 1:206$383
José Caetano Garcez 13$243
José Adão 5:262$698
José Gomes da Silva 1:568$722
José Paschoal de Lima 5:366$459
Leandro José Pinheiro 582$255
Leandro José da Silva 198$684
Manoel Antonio de Souza 5:492$226
Manoel José de Azevedo 679$929
Manoel Machado de Barros 10:873$914
Manoel José de Lima 3:408$977
Manoel da Silva Barata 10:783$838
Marcelino Ribeiro 5:879$293
Pedro Álvares de Carvalho 5:227$931
Rafael Quaresma da Silva 2:432$540
Raimundo Vaz e por ele Silveira José 1:903$322
Simão Francisco 309$353
Thomaz Nogueira Picansso, soldado 157$243
Thomaz Jerônimo Tavares 2:283$692
Vicente da Silva Martins 5:293$734

Fonte: APMT. Lata 1774, Fundo Governadoria, doc. n° 02, Pará, 18/jun/1774. Correspondência de Gonçalo Pereira França
e Antônio Coutinho de Almeida a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação de vários
devedores da Companhia Geral do Pará que se acham em Vila Bela de Mato Grosso.
203

Anexo 2 – Relação dos devedores da Companhia de Comércio do Grão-Pará e


Maranhão no ano de 1778

Nome Valor dívida 1774


Antonio da Cruz Leitão 6$937
Antônio Pereira Homem 566$263
Alberto Nunes de Freitas 8:469$454
Antônio de Souza Ferreira e Alexandre Henriques 11:183$462
Antonio Caetano Bragança 4:541$532
Antônio Rodrigues Álvaro 3:133$000
Antônio Gonçalves dos Santos 9:315$156
Antônio Leite Guimarães 11:265$315
Antônio Teixeira de Oliveira 8:284$538
Cláudio Antônio de Oliveira 46$400
Caetano José de Ataíde 1:459$434
Dionísio Leite Ribeiro, fiador Manoel da Silva Barata 513$820
Domingos Sambuceti, ajudante engenheiro 947$067
Francisco Pedro de Melo, fiador Manoel da Silva Barata 2:072$826
Francisco José [ilegível], fiador Manoel José Azevedo 44$195
Francisco Botelho e por ele Simão Francisco 1:832$160
Francisco da Costa Teixeira 7:077$871
Hilário Antônio de Almeida 855$266
José Soares Ribeiro 115$000
Joaquim da Fonseca Freitas 3:305$000
José Pascoal de Lima 3:729$144
José Gomes da Silva, fiador Alberto Nunes de Freitas 1:568$722
José Caetano da Fonseca 16:636$115
Ignácio José de Sousa 4:584$649
José Antônio Gonçalves Prego 3:604$360
José Alexandre Picat 188$071
Joaquim Geraldo Tavares 487$835
Jerônimo Martins Fernandes 28$753
João de Magalhães Coutinho 653$899
João de Moura Colaço 494$430
José Vieira de Magalhães 487$382
José Caetano Garcez 6:256$564
Leandro José Pinheiro 123$255
Miguel Antonio da Costa Marceneiro 15$000
Manoel da Silva Barata 2:532$973
Manoel Machado de Barros 2:353$454
Marcelino Ribeiro 5:038$098
Manoel Antonio de Souza 3:335$840
Manoel Pedro 2:057$098
Manoel José de Azevedo 9:775$681
Pedro Álvares de Carvalho 4:208$651
Silvestre Teixeira D’Avila 3:148$137
Tomás Jerônimo Tavares 769$760
Vicente da Silva Martins 4:145$902

Fonte: APMT. Lata 1778, Fundo Fazenda, doc. n° 33, Pará, 20/set/1778. Correspondência de Antônio Coutinho de Almeida
e Manoel José da Cunha a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres em que consta relação das pessoas assistentes
em Vila Bela de Mato Grosso que são devedoras da Companhia Geral do Pará.

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