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BARBOSA, Raoni Borges. Rituais de interação estratégica, dinâmicas simbólicas e definição da situação: a
produção da normalidade normativa no PCC. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia,
v.3, n.9, p. XXX-XXX, novembro de 2019. ISSN 2526-4702.
RESENHA
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

Rituais de interação estratégica, dinâmicas simbólicas e definição da


situação: a produção da normalidade normativa no PCC

Ritual of strategic interaction, symbolic dynamics and definition of situation: the production of
normative normality in the PCC
BIONDI, Karina. Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São
Paulo: Terceiro Nome, 2018.

Nesta obra, resultado de pesquisas que redundaram em tese de doutorado, - e que


compreendem uma extensa trajetória de problematização teórico-metodológica sobre a
criminalidade organizada enquanto movimento autônomo e autorreferente da periferia urbana
em relação ao Estado autoritário brasileiro 1, - Biondi explora a dinâmica material e simbólica
de produção e reprodução cotidiana do PCC Primeiro Comando da Capital a partir de
conceitos de território, hierarquia e lei. Estes conceitos, com efeito, são tensionados pelas
noções êmicas correspondentes de movimento, ideias e situação, apreendidos em intenso e
profundo trabalho de campo de recorte etnográfico.
A favela, a quebrada, a periferia urbana tomada em sentido amplo, assim como os
centros prisionais e de detenção espalhados pelo Brasil, - mas principalmente, pelo Estado de
São Paulo, - compõem o vasto território de pertença e de atuação do PCC em relação à
sociedade e ao mundão, tal como os ladrões ou irmãos, membros do Comando, do Crime, do
Partido, do Quinze, da Família, se referem às pessoas e às instituições que marcam as
fronteiras externas do PCC. E é justamente esta dialética de estar simultaneamente dentro e
fora da tutela coercitiva do Estado, - na prisão e na quebrada, - em confronto com a
normatividade legal e com a moralidade dos códigos burgueses, - mas, também, para além
destes, - que torna, na perspectiva de Biondi, tão interesse etnografar os processos de
invenção e reinvenção da imanência e da transcendência dos movimentos, ideias e situações
do PCC.
Nas palavras de Biondi (2018, p. 33), a problematização antropológica do fenômeno
etnografável do PCC pode desestabilizar noções arraigadas, no discurso acadêmico, de
sociedade e cultura como forças externas e determinantes das subjetividades, como proposto
por autores como Latour (2005) e Strathern (1996):
[...] ao levar meus interlocutores a sério e conferir centralidade às reflexões que
acionavam, vi como a produção imanente do PPC ocorria concomitantemente à
construção – também imanente – de um PCC-transcendência, uma força dotada de
certa autonomia e capaz de garantir a manutenção desse coletivo, ao passo que
reunia cada um de seus participantes a partir da ligação com tal figura autônoma
num estado de coisas que independia de vínculos interpessoais ou territoriais
estáveis. Com isso, meu objetivo passou a ser procurar descrever o modo pelo qual
essa transcendência era construída, bem como sua eficácia. [...] O desafio foi, então,
observar na instância local, cotidiana, nas relações mais sutis e casuais travadas
entre os interlocutores como acontecia a produção dessa figura e em que medida ela
atuava como exterior. Em suma, o que propus foi uma antropologia imanentista de
uma construção nativa de transcendência.
1
Ver a resenha de Barbosa (2019), também publicada pela Sociabilidades Urbanas, sobre o livro: BIONDI,
Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. 2 ed. ampl. São Paulo: Terceiro Nome, 2018.

Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v.3 n.9 novembro de 2019 ISSN 2526-4702
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Os ideais de paz, justiça, liberdade e igualdade, - como pilares dos modos de ação e
de realidade dos membros do PCC em suas relações recíprocas como membros da Família, -
são operados nas dinâmicas simbólicas de definição da situação em rituais de interação
estratégica, denominados debates, haja vista que o Comando atua como potencializador, e não
como um fator de constrangimento aos corres de cada individualidade no mundo do crime. A
situação se expressa, então, na linguagem nativa, como a lei do Comando, arquitetada
fluidamente na forma de aval (autorização individual para a realização de alguma atividade) e
de salve (chamado coletivo para a realização de alguma atividade) e no discurso racional de
consequência, de certo e pelo certo.
Este modo sempre a posteriori da produção da normalidade normativa2, - valendo-se
dos ideias supracitados como balizas morais, - permite a construção de consensos passíveis de
rápida mobilização territorial e também o aplainamento e a racionalização das hierarquias
internas do PCC. Este densa rede comunicacional e de reconhecimento se consolidada, na
prática e no discurso de seus membros, como caminhada, como movimento de ideias que, por
não ter autolimitações temporais e espaciais e sociais, pode se infiltrar e colonizar as
quebradas e favelas e também a própria lógica interna do Estado.
Este caráter imanente e transcendente do PCC, avesso a processos de enquadramento
totalizante de dentro e de fora, permite a imposição de sua dinâmica simbólica e de seus
rituais de interação estratégica mesmo na ausência de irmãos. Este fato foi etnografado por
Biondi em unidades prisionais e centros de detenção de São Paulo, mas também em
quebradas e favelas que atualizam o PCC enquanto território, hierarquia e lei, ainda que sem
a presença de membros batizados pelo Comando.
Etnografia exigente e complexa, a obra de Biondi é também um manual heterodoxo de
metodologia, de discussão recorrente sobre como não trair as experiências acessadas em
campo quando do momento da escrita; sobre como levar o nativo a sério; sobre como não
confundir a perspectiva do etnógrafo e antropólogo com os sentidos íntimos, e nunca
totalmente revelados ou translúcidos, dos contextos interacionais sob observação e análise.
Nesta proposta de produzir uma objetificação participante (WACQUANT, 2006) do objeto e
universo de pesquisa, Biondi (2018, p. 46s) esclarece que:
[...] este livro não tem a pretensão de falar em nome dos ladrões nem adota o ponto
de vista deles. Tampouco falo “por sobre os ombros” dos nativos (Geertz, 1989
[1973]: 321). A descrição do PCC aqui apresentada expõe o meu ponto de vista no
interior do movimento, uma posição que só pode ser assumida porque me permiti
saltar para o seu interior. Assim, a alternativa por mim escolhida [...] foi descrever o
meu próprio ponto de vista, a partir do interior do movimento. Dessa posição, pude
enxergar que as diferenças que se apresentavam eram manifestações de uma forma
singular de conceber essas próprias diferenças. É disto que trata esse livro: a
descrição de uma maneira de conceber diferenças que tem como resultado a
multiplicação dessas diferenças.
Diferentemente de uma proposta analítica que encara a cultura como realidade
semiótica, texto e contexto manipulados por atores e agentes sociais, de modo que seria
possível observar “por sobre os ombros” dos nativos; e diferentemente de uma proposta de
análise do social como elemento estruturante e estruturador da ação social individual, Biondi,
portanto, conduz sua produção etnográfica no sentido de adentrar os sentidos íntimos nativos
a partir de uma perspectiva própria de valorização das experiências acessadas em campo.
Experiências estas, com efeito, pautadas na problematização do mundo nativo desde suas
lógicas e preocupações internas, distanciadas de quaisquer classificações moralizantes.

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Biondi (2019, p. 378) enfatiza: “[...] se o certo só ocorre no interior de cada situação, quer dizer, em cada
arranjo de movimentos apreendido a partir de um ponto de vista, ele é suscetível a mudanças a cada mirada, a
cada deslocamento no interior do movimento, enfim, a cada situação”.

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Cabe aqui, então, retomar, a título de conclusão, as palavras de Biondi (2018, p. 49),
quando enfatiza a complexidade e ousadia da sua construção etnográfica e da sua reflexão
antropológica: “[...] cada partícula do meu material etnográfico contém o livro inteiro”.
Raoni Borges Barbosa
Referências
BARBOSA, Raoni Borges. Políticas de imanência e transcendência na construção cotidiana
de gramáticas emocionais e morais: uma etnografia dos significados íntimos dos modos de
ação e de realidade do PCC. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia,
v.3, n.8, p. 111-114, 2019.
LATOUR, Bruno. “Une sociologie sans objet? Remarques sir l’interobjectivité”. Sociologie
du Travail, v. 36, n. 4, p. 587-607.
STRATHERN, Marilyn. “1989 Debate: The concept of society is theoretically obsolete. The
presentations: For the motion (1)” In: IMNGOLD. Tim. (org.) Key Debates in Anthropology.
Londres: Routledge, p. 50-55.
WACQUANT, Löic. Seguindo Pierre Bourdieu no campo. Revista Sociologia Política.
Curitiba, 26, p. 13-29, 2006.

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