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BARBOSA, Raoni Borges. Rituais de interação estratégica, dinâmicas simbólicas e definição da situação: a
produção da normalidade normativa no PCC. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia,
v.3, n.9, p. XXX-XXX, novembro de 2019. ISSN 2526-4702.
RESENHA
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
Ritual of strategic interaction, symbolic dynamics and definition of situation: the production of
normative normality in the PCC
BIONDI, Karina. Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São
Paulo: Terceiro Nome, 2018.
Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v.3 n.9 novembro de 2019 ISSN 2526-4702
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Os ideais de paz, justiça, liberdade e igualdade, - como pilares dos modos de ação e
de realidade dos membros do PCC em suas relações recíprocas como membros da Família, -
são operados nas dinâmicas simbólicas de definição da situação em rituais de interação
estratégica, denominados debates, haja vista que o Comando atua como potencializador, e não
como um fator de constrangimento aos corres de cada individualidade no mundo do crime. A
situação se expressa, então, na linguagem nativa, como a lei do Comando, arquitetada
fluidamente na forma de aval (autorização individual para a realização de alguma atividade) e
de salve (chamado coletivo para a realização de alguma atividade) e no discurso racional de
consequência, de certo e pelo certo.
Este modo sempre a posteriori da produção da normalidade normativa2, - valendo-se
dos ideias supracitados como balizas morais, - permite a construção de consensos passíveis de
rápida mobilização territorial e também o aplainamento e a racionalização das hierarquias
internas do PCC. Este densa rede comunicacional e de reconhecimento se consolidada, na
prática e no discurso de seus membros, como caminhada, como movimento de ideias que, por
não ter autolimitações temporais e espaciais e sociais, pode se infiltrar e colonizar as
quebradas e favelas e também a própria lógica interna do Estado.
Este caráter imanente e transcendente do PCC, avesso a processos de enquadramento
totalizante de dentro e de fora, permite a imposição de sua dinâmica simbólica e de seus
rituais de interação estratégica mesmo na ausência de irmãos. Este fato foi etnografado por
Biondi em unidades prisionais e centros de detenção de São Paulo, mas também em
quebradas e favelas que atualizam o PCC enquanto território, hierarquia e lei, ainda que sem
a presença de membros batizados pelo Comando.
Etnografia exigente e complexa, a obra de Biondi é também um manual heterodoxo de
metodologia, de discussão recorrente sobre como não trair as experiências acessadas em
campo quando do momento da escrita; sobre como levar o nativo a sério; sobre como não
confundir a perspectiva do etnógrafo e antropólogo com os sentidos íntimos, e nunca
totalmente revelados ou translúcidos, dos contextos interacionais sob observação e análise.
Nesta proposta de produzir uma objetificação participante (WACQUANT, 2006) do objeto e
universo de pesquisa, Biondi (2018, p. 46s) esclarece que:
[...] este livro não tem a pretensão de falar em nome dos ladrões nem adota o ponto
de vista deles. Tampouco falo “por sobre os ombros” dos nativos (Geertz, 1989
[1973]: 321). A descrição do PCC aqui apresentada expõe o meu ponto de vista no
interior do movimento, uma posição que só pode ser assumida porque me permiti
saltar para o seu interior. Assim, a alternativa por mim escolhida [...] foi descrever o
meu próprio ponto de vista, a partir do interior do movimento. Dessa posição, pude
enxergar que as diferenças que se apresentavam eram manifestações de uma forma
singular de conceber essas próprias diferenças. É disto que trata esse livro: a
descrição de uma maneira de conceber diferenças que tem como resultado a
multiplicação dessas diferenças.
Diferentemente de uma proposta analítica que encara a cultura como realidade
semiótica, texto e contexto manipulados por atores e agentes sociais, de modo que seria
possível observar “por sobre os ombros” dos nativos; e diferentemente de uma proposta de
análise do social como elemento estruturante e estruturador da ação social individual, Biondi,
portanto, conduz sua produção etnográfica no sentido de adentrar os sentidos íntimos nativos
a partir de uma perspectiva própria de valorização das experiências acessadas em campo.
Experiências estas, com efeito, pautadas na problematização do mundo nativo desde suas
lógicas e preocupações internas, distanciadas de quaisquer classificações moralizantes.
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Biondi (2019, p. 378) enfatiza: “[...] se o certo só ocorre no interior de cada situação, quer dizer, em cada
arranjo de movimentos apreendido a partir de um ponto de vista, ele é suscetível a mudanças a cada mirada, a
cada deslocamento no interior do movimento, enfim, a cada situação”.
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Cabe aqui, então, retomar, a título de conclusão, as palavras de Biondi (2018, p. 49),
quando enfatiza a complexidade e ousadia da sua construção etnográfica e da sua reflexão
antropológica: “[...] cada partícula do meu material etnográfico contém o livro inteiro”.
Raoni Borges Barbosa
Referências
BARBOSA, Raoni Borges. Políticas de imanência e transcendência na construção cotidiana
de gramáticas emocionais e morais: uma etnografia dos significados íntimos dos modos de
ação e de realidade do PCC. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia,
v.3, n.8, p. 111-114, 2019.
LATOUR, Bruno. “Une sociologie sans objet? Remarques sir l’interobjectivité”. Sociologie
du Travail, v. 36, n. 4, p. 587-607.
STRATHERN, Marilyn. “1989 Debate: The concept of society is theoretically obsolete. The
presentations: For the motion (1)” In: IMNGOLD. Tim. (org.) Key Debates in Anthropology.
Londres: Routledge, p. 50-55.
WACQUANT, Löic. Seguindo Pierre Bourdieu no campo. Revista Sociologia Política.
Curitiba, 26, p. 13-29, 2006.
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