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29/04/2019 Zizek é melhor que Jordan Peterson até para chutar cachorro morto - 22/04/2019 - Ilustríssima - Folha

Zizek é melhor que Jordan Peterson até para chutar


cachorro morto
Escritor Francisco Bosco analisa debate entre filósofo esloveno e psicólogo
canadense

22.abr.2019 às 21h40

Francisco Bosco

[resumo] Autor analisa debate que colocou frente a frente um expoente do


pensamento conservador, Jordan Peterson, e um dos principais filósofos
contemporâneos, Slavoj Zizek, identificado com a esquerda. O "duelo do
século", como foi apelidado o confronto, na verdade revela um "mal do
século": o narcisismo como compulsão. Leia também o texto de João Pereira
Coutinho (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/04/entre-zizek-e-peterson-nao-ha-vencedor-ou-vencido-
nem-combate.shtml) sobre o encontro.

Nas semanas que antecederam o debate entre Jordan Peterson e Slavoj Zizek,
comentou-se que os termos da conversa —Felicidade: Capitalismo
x marxismo— eram inadequados. A crítica se revelaria acertada. Mas talvez
ela tenha notado menos um erro do que um sintoma — ou até mesmo uma
estratégia. Veremos.

Com a palavra inicial, Peterson (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/04/jordan-peterson-


atrai-multidoes-com-discurso-epico-e-conservador.shtml)dedicou seu tempo a uma dura leitura do

"Manifesto Comunista". Considero seus pontos em geral pertinentes.

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Ele começa refutando a perspectiva da luta econômica como motor da


história. Os conflitos da humanidade seriam mais complexos que a dimensão
econômica. Além disso, a hierarquia, a competição, a dominação, lembra o
"lobster man", são princípios pré-históricos e mesmo pré-humanos; existem
nos animais e até no nível dos organismos mais primários. Irrefutável, mas
observar que o capitalismo não instaura a competição tampouco exime o
sistema de ser criticado por um outro que postule a limitação, o controle
desse princípio. É oportuno lembrar que geralmente a evocação do estatuto
"natural" da dominação serve ao propósito da legitimação de um capitalismo
darwinista. Com efeito, seu principal advogado, Herbert Spencer, é "o pai do
evolucionismo como uma ideologia geral", como o definiu José Guilherme
Merquior. Em outras palavras, a moral do capitalismo, como a da evolução —
e justificada por esta— seria a sobrevivência dos mais aptos.

Ilustração de Carcarah mostra Jordan Peterson (esq.) e Slavoj Zizek - Carcarah

Peterson prossegue criticando o esquematismo radical do binarismo de


classe marxista: burgueses versus proletários, esquema distante da
complexidade social real e produtor de tenebrosas consequências.

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Na leitura de Peterson, esse binarismo de classe se desenvolve em um plano


moral, no qual o crivo entre bons e maus é definido pela inscrição nas
respectivas classes sociais. Essa perspectiva de superioridade moral
atribuída não a indivíduos concretos e específicos, mas a burgueses ou
proletários é o que sustenta e legitima a ditadura do proletariado: os
cidadãos de bem "avant la lettre" seriam incorruptíveis precisamente por
serem proletários.

Outro ponto colocado é uma crítica à economia totalmente centralizada e


sua promessa de hiperprodutividade, como se a mera expulsão da classe
proprietária tradicional fosse instaurar na sociedade um mecanismo
produtivo. Esse tópico, como se sabe, remete a toda a tradição do
pensamento de direita, que desde Adam Smith entende que a economia de
mercado e sua "mão invisível" é a melhor forma de orientar a relação entre
oferta e demanda, fornecendo a única base confiável para o crescimento da
produtividade. Nos termos de Hayek, "o liberalismo econômico é contrário à
substituição da concorrência por métodos menos eficazes de coordenação
dos esforços individuais".

A economia dirigida leva à crítica seguinte, que incide sobre a utopia da


sociedade comunista, percebida por Perterson como homogeneizante,
solapadora das singularidades individuais. Também esse ponto tem rica
tradição no pensamento de direita. Sua formulação mais profunda talvez seja
a de Robert Nozick (esse sim um verdadeiro ultraliberal), cuja proposta de
sociedade utópica começa com o reconhecimento de que as pessoas são
diferentes, e que a ideia de que haja "uma sociedade ideal para todos viverem
parece inacreditável".

Peterson critica ainda a aposta de Marx e Engels na necessária


autocontradição do capitalismo. O ponto é igualmente bem repisado pela
tradição. Refere-se ao que Thomas Piketty chama de "princípio da
acumulação infinita", segundo o qual "ou a taxa de rendimento do capital
cairia continuamente (emperrando o motor da acumulação e fomentando
conflitos violentos entre os donos do capital), ou a participação do capital na
renda nacional cresceria indefinidamente (o que, mais cedo ou mais tarde,
levaria a uma revolta dos trabalhadores)".

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A aposta foi perdida, conforme se sabe, porque Marx, como os demais


grandes economistas do século 19 (Malthus e Ricardo, por exemplo), era
pessimista por sua condição histórica: a situação absolutamente aviltante
dos trabalhadores em meados do 19 fez surgir tanto o "Manifesto
Comunista" quanto "Germinal", de Émile Zola, e "Os Miseráveis", de Victor
Hugo.

Em suma: Peterson critica com pertinência diversos esquematismos de


Marx, ou mais exatamente do "Manifesto" — mas as suas críticas resultam
elas mesmas um tanto esquemáticas, seja pelo objeto demasiadamente
restrito (apenas o "Manifesto"), seja por elas serem demasiadamente
conhecidas na tradição da direita, seja ainda por serem às vezes redutoras
das formulações do "Manifesto", seja finalmente pelo fato de elas se
dirigirem, quase sempre, a perspectivas que a esquerda pós-Marx igualmente
repudia (como atestou o próprio Zizek
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/04/provocador-e-ecletico-zizek-dobra-a-aposta-contra-o-

capitalismo.shtml)ao declarar concordar em boa medida com elas).

É aqui que se revela acertada a desconfiança quanto aos termos do debate.


Ao atacar o marxismo, Peterson se dedica ao exercício um tanto improdutivo
de chutar cachorro morto. O marxismo, tal como apresentado em sua fala,
só é defendido hoje por dinossauros da esquerda sem força política real em
quase todo o mundo. Na verdade, o marxismo é hoje muito mais falado pela
direita do que pela esquerda. A princípio pode parecer apenas uma paranoia
bizarra, do tipo olavista (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/olavo-de-carvalho-redefiniu-
nocao-de-intelectual-publico-afirma-ex-aluno.shtml),
chamar governos sociais-democratas, como
o do PT, de socialistas ou comunistas (é importante ressaltar que a esquerda
também costuma caricaturar a direita, por exemplo tachando de neoliberal
posições de centro-direita que se aproximam da social-democracia).

 
Mas há lógica na paranoia. Quem a decifra é o próprio Zizek. Ele começa por
evocar uma passagem de Lacan sobre um hipotético marido ciumento.
Mesmo se suas suspeitas forem todas reais, observa o psicanalista, seu ciúme
permanecerá patológico, porque ele se tornou o fudamento de sua
identidade. Zizek dirá o mesmo sobre a visão dos nazistas sobre os judeus:

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mesmo se suas acusações aos judeus fossem verdadeiras, o nazismo seguiria


falso, pois os judeus são o bode expiatório necessário para a criação da ficção
de uma sociedade harmoniosa e para preservar, pela via do inimigo externo,
a sua ilusão de integridade. Ora, a comparação pode ser extensiva à obsessão
da nova direita (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/eleicao-de-bolsonaro-marca-fim-da-nova-
republica-diz-historiadora.shtml) reacionária pelo marxismo (ou socialismo, ou

comunismo): sua função é mascarar os conflitos constitutivos de sua própria


perspectiva por meio dessa caricatura fácil de demonizar. É provável que a
verdadeira estratégia em jogo seja atacar a possibilidade real da social
democracia através do fantasma do socialismo.

Nessa passagem, como em toda a sua fala inicial, Zizek repõe o debate em
termos mais produtivos. Ele não se ocupou com o cachorro morto —que, de
resto, ele sabe chutar melhor que seu oponente. Ele se dedicou a pensar
problemas reais. Em seu conhecido estilo errático-brilhante, criticou a China
e sua combinação de autoritarismo político e economia de mercado; bateu
duro nos neoconservadores ao lhes inverter uma de suas hipóteses
fundamentais (o mundo não está em crise por causa da falta de Deus, mas
porque a crença nele faz com que alguns se sintam legitimados para realizar
atos terroristas); bateu ainda mais duro em certa conduta da esquerda, que
transforma o potencial afirmativo do igualitarismo em ressentimento;
abordou tudo por meio de uma perspectiva radicalmente psicanalítica, em
que nada é o que aparenta ser (de quebra, demonstrou a força da psicanálise
como instrumento de compreensão do mundo contemporâneo).

Os termos inadequados do debate fizeram-no perder tempo, mas a exposição


inicial de Zizek repôs o registro mais produtivo e a partir daí também
Peterson passou a abordar problemas reais, em vez de fantasmagóricos.
Nesse mundo real, a suposta oposição profunda entre os debatedores deu
lugar a posições mais nuançadas e até aproximadas. Distante do marxista
radical que costumava dizer coisas provocativas e ambíguas como
"deveríamos repetir Mao", o filósofo esloveno criticou o capitalismo,
reivindicando sua autolimitação, mas situou portanto sua fala dentro do
capitalismo, e não em um sistema alternativo. Peterson, por sua vez, falou
em responsabilidade moral do indivíduo pela sociedade, distanciando-se de
qualquer alinhamento com a direita radical.

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Não deixa de ser sintomático que algumas pessoas tenham se decepcionado


com o esvaziamento do antagonismo do debate. O editor da revista de
análise política Current Affairs, por exemplo, declarou: "Isso não é de forma
alguma um debate, porque esses homens são praticamente idênticos para
mim".

Não foi por nada que o debate entre Jordan Peterson e Slavoj Zizek se
espalhou na forma imaginária do seu slogan publicitário. O "duelo do século"
é uma expressão que revela um "mal do século": o narcisismo como
compulsão. Essa exortação imaginária (no sentido lacaniano do termo:
espaço do narcisismo, da rivalidade, da agressividade) foi comprada por
parte da plateia, que ridiculamente aplaudiu os títulos curriculares dos
debatedores, e prosseguiu aplaudindo argumentos, reproduzindo a lógica da
lacração característica das redes digitais.

Compreende-se que Zizek, depois de demonstrar enfado com esse


comportamento, chegou a pedir explicitamente que ele fosse interrompido.
As redes digitais transformaram a luta por reconhecimento em compulsão
por reconhecimento. O modo como as pessoas se deixam cair na armadilha
evidencia sua ignorância quanto à natureza ambígua do narcisismo: por um
lado ele é necessário, pois estruturante; por outro, é frívolo, baixo,
empobrecedor. O narcisismo está para o século 21 como o "culto ao corpo"
esteve para o final do século 20: dedicar a vida a obter likes é tão servil
quanto dedicá-la ao abdôme perfeito (a servilidade: curvar-se totalmente ao
discurso do Mestre do seu tempo).

Mas é na dimensão política que o narcisismo contemporâneo tem causado os


piores problemas. Entrincheiradas em suas bolhas identitárias, por sua vez
fomentadas pelos algoritmos, as pessoas tendem a caricaturar a diferença,
suprimindo quase ao ponto da anulação as possibilidades de denominadores
comuns ou ao menos o reconhecimento da eventual pertinência dos
argumentos do outro. A polarização decorrente é uma força centrífuga que
empurra as perspectivas para os extremos. Isso resulta em má interpretação
da realidade e impasses políticos paralisantes.

Francisco Bosco é ensaísta, autor de "A Vítima Tem Sempre Razão?" (Todavia).

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