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Neste presente trabalho, irei estabelecer diferenças e semelhanças entre os contos “Feliz
Aniversário”, de Clarice Lispector – publicado em 19999 no livro Laços de Família – e
“A terceira margem do Rio, de Guimarães Rosa – publicado em no livro Primeiras
Estórias.
“Cada uma das duas histórias é contada de maneira diferente. Trabalhar com duas
histórias significa trabalhar com dois sistemas diversos de casualidade.
Os mesmos acontecimentos entram simultaneamente em duas logicas narrativas
antagônicas, os elementos essenciais de um conto têm dupla função e são utilizados de
maneira diferente em cada uma das histórias”.1
1
Em Teses sobre o conto – pag. 3
desafiadoras”, 2 delineando perfeitamente a narrativa de Guimarães, numa procura de
atingir questões metafísicas e realidades atemporais.
Ao que atinge a escolha do título dos contos, ambos têm a intenção de instigar o leitor e
a sua leitura para que descubra o significado do mesmo dentro da narrativa – mesmo
não tendo sido citado (como no caso de Terceira Margem do Rio), ou dito pelas
personagens (como em Feliz aniversário, apesar de ter sido dito “Happy Birthday” pelos
netos de Anita, dos diversos “Viva a Dona Anita! ” e de terem faixas com
parabenizações, o “Feliz Aniversário’ não foi diretamente citado no conto.) Na
diligência de procurar dentro do texto algo que remeta ao título, os autores obrigam o
leitor a ultrapassar o episódio “comum” e identificar através de elementos do texto as “
2
Em Situação e formas do conto brasileiro contemporâneo em O conto brasileiro contemporâneo – pg.10
3
Em Situação e formas do conto brasileiro contemporâneo em O conto brasileiro contemporâneo – pg.13
e 14
4
Em Valise de Cronopio - pag 57.
5
Em “O drama da linguagem: Uma leitura de Clarice Lispector – pg. 84
ligeras hermosuras, pequenos encantos muy visibles” (QUIROGA, 1925) que ocultam
questões vultosas dos aspectos psicológicos humanos - estrutura social e cultural.
6
Em a Terceira Margem do Rio
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Em a Terceira Margem do Rio
8
idem
9
idem
força insuspeita cuspiu no chão. ” A festa repleta de laços forçados, como expresso no
uso das palavras “fingir”, “disfarçar e na expressão “como prova de animação”, o conto
acaba como começou: com a figura da D.Anita como objeto, como uma “aniversariante
à cabeceira da mesa”, questionando sua própria morte. Em ambas as obras, a
relação/laços familiares são os fios condutores dos contos.
Manifestados de maneiras diferentes, a culpa, a melancolia e a loucura são alegorizadas
nos contos. Em “A terceira margem do rio”, a escolha do pai não é explicada
racionalmente, e em oposição ao equilíbrio, o narrador expressa preocupação em
relação ao pai e sua condição mental; e paralelamente se vê reflexo daquela experiência
na navegação pelo desconhecido quando incorpora o laço familiar e desmonta o
conceito de loucura, questionando: “Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido
não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido.
Ninguém é doido. Ou, então, todos. ” A melancolia no viver, expressa pela
caracterização da personagem como “homem de tristes palavras”, ou que sofre “o grave
frio dos medos” é alimentada constantemente, também a espelho da figura do pai, que
“sem alegria nem cuidado” decide se isolar. Em um misto de tristeza e medo, “é preciso
se acostumar com algo, sem se acostumar nunca” (GINZBURG). Já em “Feliz
aniversário”, o ataque de fúria de D. Anita, manifestado pela cena em que cospe no chão
ao pensar na família pode ser considerada pela família como sinal de senilidade,
demência. “Mamãe! Gritou mortificada a dona da casa. Que é isso mamãe! Gritou ela
passada de vergonha”, manifestou-se a filha cuidadora, quase num ímpeto de conter e
justificar o surto de demência da senhora que fazia quase noventa anos.
A culpa, em “Feliz aniversário” é uma culpa não propriamente anunciada e talvez, seja
apenas uma ponta de remorso que tão rápido passa quanto a visita à matriarca, quando o
filho José “gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos”. O maior sentimento de
culpa do conto, seja talvez pertencente à Cordelia, que em um breve arrependimento
autocentrado, de antemão se vê na figura da D. Anitta.
Os filhos, nos dois contos, se veem na obrigação de cuidar de seus pais. O filho da
“Terceira Margem”, que ficou para cuidar de seu pai, alimentando-o, vestindo-o e
preocupando-se de longe, afirma que nunca podia querer se casar por ter a incumbência
não enunciada de cuidar de seu pai. “De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? ”,
indagava o filho em busca de compreender o motivo da jornada de seu pai, numa
tentativa de estabelecer uma relação mais profunda com o familiar, colocando-o em um
patamar irreal, fantasmagórico.
10
Em Feliz aniversário –pg. 64
algo não mencionado no texto, o patriarca da família força a estrutura familiar e acaba
com os laços mesmo sendo visto de longe. Desde então, a ausência é cultivada ao longo
dos anos com a contradição da morte e da vida, presença e inexistência – num misto de
relações ambíguas. Embora visto, o pai se encontra numa espécie de “Limbo”, entre as
duas margens, e não é esquecido pela família, pois “...não falávamos mais nele. Só se
pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e se, por um pouco, a gente
fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, coma memória, no
passo de outros sobressaltos. ”.
Já D. Anita, apesar de ter a presença da filha Zilda a todo momento, e de ter seus
familiares presentes na festa de aniversário é tratada como objeto de seu próprio destino.
Entre fingimentos, e simulações a velha sente-se abandonada e morta, em um “ instante
que pedia para ser vivo. Mas que era morto. ”11, ouvindo o barulho vazio das crianças,
que assim como as relações familiares, fazia sua casa (corpórea e física) praticamente
desabitada.
Encerro a análise com uma citação de Guimarães rosa em uma entrevista concedida no
Congresso de Escritores Latino-Americanos em 1965, que traduz a “alta pressão
espiritual” na qual os contos são submetidos para concederem a abertura da consciência
do leitor (CORTAZAR, 1993): “ E não apenas isto, mas tudo: a vida, a morte, tudo é,
no fundo, paradoxo. Os paradoxos existem para que arada se possa exprimir algo para o
qual não existem palavras. Por isso, acho que um paradoxo bem formulado é mais
importante que toda a matemática, pois ela própria é um paradoxo, porque cada fórmula
que o homem pode empregar é um paradoxo. ”
11
P.66
BIBLIOGRAFIA
Livros:
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Paulo: Perspectiva, 1993.
PAZ, Octavio em O arco e a Lira (1882) – ED. Nova Fronteira rj
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312.
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. “A tipologia de Norman Friedman”. In. O Foco
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LISPECTOR, Clarice. “Feliz aniversário” In. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco,
1998 p. 54-67.
PASSOS, Cleusa Rios. “Clarice Lispector: Os Elos da Tradição”. In. Revista da USP
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98-109
XEROX: