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complicado, o jogo se insinuava em sua relação com sua parceira (a laranja); que tudodependia
da qualidade ou da espessura de sua casa, dos espirros de suco, da pequenadificuldade para
efetuar esse gesto simples em público, sem ostentação, mas também semque ele se tornasse
mecânico. Neste caso, o jogo reside na atenção prestada ao parceiro, nasua
escuta
, fosse ele fruta ou objeto, na consciência da variação em relação a seu estado(sua qualidade) da
noite anterior. A mecanização é o oposto do jogo, e o paradoxo do teatroé o fato de ser
indispensável construir e rodar uma mecânica que funcione, e, no entanto,uma vez construída a
mecânica, ser preciso velar para que esta não prevaleça sobre o que évivo e sobre a capacidade
dos atores de garantir que eles estão bem presentes, em jogo.Os homens de teatro calejados
sabem que estão roubando quando recorrem aostruques da profissão; eles diminuem a parte do
jogo, reduzindo o leve risco que, pelocontrário, correm os atores que se autorizam a pequena
oscilação indispensável para quehaja sempre jogo. A linha de separação não é sempre nítida,
evidentemente não é possívelapresentar hipóteses definitivas sobre a questão do jogo. Contudo,
e muito brevemente,evoco aqui três elementos essenciais para o desenvolvimento da capacidade
de jogo,sabendo que existem muitos outros.A presença é uma qualidade misteriosa e quase
indefinível, que discernimos semconhecer sua fonte. Ela não está necessariamente ligada às
qualidades físicas do indivíduo,mas antes à sua energia radiante cujos efeitos sentimos antes
mesmo de o ator ter agido outomado a palavra, no vigor de seu
estar-ali
. A presença evidentemente não se confundecom uma vontade de se mostrar de maneira
ostensiva. Não podemos querer que todos osatores tenham, de imediato, essa qualidade
excepcional que, em suas manifestaçõesúltimas, talvez seja reservada a apenas alguns, quase-
predestinados, como às vezes se diz.Pelo contrário: se é difícil aprender a ter presença –, e é isso
que importa para o jogo – creioque é possível aprender a estar presente, disponível, ao mesmo
tempo imerso na situaçãoimediata, e no entanto livre, aberto a tudo o que pode modificar essa
situação. Em algumamedida, a aptidão para a concentração age sobre a qualidade da presença. A
tal ponto que,na história do teatro, atores se dedicam a uma verdadeira busca iniciática, a uma
ascese queleva à vacuidade por caminhos quase místicos. Mais modestamente, o fato de estar
em jogoleva a uma disponibilidade sensorial e motora que libera um potencial de
experimentação.A escuta é uma palavra hoje em dia muito usada, pois, depois de ter passado
pelasescolas de teatro, predomina também no vocabulário dos políticos. Contudo, nada
poderiaser mais evidente em aparência: escutar um parceiro consiste em se mostrar atento ao
seudiscurso ou aos seus atos, e reagir em consequência. Alguns atores (e sem dúvida
tambémalguns políticos) fingem escutar, e mostram, através de algumas mímicas escolhidas,
quesão todo ouvidos. É evidente que escutar de verdade é ainda mais difícil uma vez que
arepresentação organiza a ordem dos textos e das réplicas e que, por isso, é tentador,
mesmoinconscientemente, colocar-se no piloto automático, já que não é indispensável escutar
paraque o espetáculo prossiga. Pelo contrário, é indispensável escutar para que o jogo
aconteçano espetáculo. A escuta real exige que se esteja totalmente receptivo ao outro, mesmo
(ousobretudo) quando não se está olhando para ele. Essa qualidade não diz somente respeito
aoteatro, mas é essencial no jogo, pois garante a verdade da continuidade e do
encadeamento.Ademais, a escuta do parceiro comanda, em larga medida, a escuta da sala. O
colocar emestado de alerta é uma forma de apoio ao outro, qualquer que seja a estética
darepresentação. Ele se combina com a qualidade da presença, pois se trata de estar
efetivamente presente para o outro e para o mundo. O espaço do jogo, como espaçopotencial, é
um lugar em que se experimenta a escuta do outro, como tentativa de relaçãoentre o dentro e o
fora.A capacidade de reação é, na minha opinião, o terceiro elemento fundador dojogo. Na
representação teatral contemporânea, onde em geral as partituras são fixas, muitose discute a
autonomia do ator, especialmente com o objetivo de deixá-lo disponível paratodos os acidentes
do jogo. Neste caso, em vez de ficar dependentes de uma variaçãoimprevista com relação à
partitura, os atores treinam para aproveitar a mais leve variaçãoque sentem no palco, reagindo a
ela de maneira criativa, enquanto mantêm-se dentro doslimites gerais fixados. Por exemplo, em
uma noite de cabaré apresentada no teatro
Bouffesdu Nord
por Peter Brook, os atores levaram em consideração a saída precipitada de umespectador pouco
familiar com o teatro, que achou que a representação havia terminado porcausa de injunções
cômicas que faziam parte do espetáculo. Imediatamente, os atorescercaram esse espectador
ingênuo, trouxeram uma mesa e uma cadeira, o instalaramamavelmente e transformaram o
incidente, que poderia ter sido desagradável, em umfabuloso momento de jogo que integrava o
espectador perdido à representação. Essasreações espontâneas de um grupo com muito treino
em práticas coletivas e emimprovisação mostram bem como a realidade imprevista do palco
pode ser levada em contano desenvolvimento previsto do jogo. Em situações menos
excepcionais, mas segundo omesmo princípio, em vez de serem vítimas de pequenos
contratempos na manipulação deacessórios, ou, de maneira mais interessante, de pequenas
falhas na continuidade darepresentação, os atores os integram e se servem deles para dar mais
jogo, provando aomesmo tempo sua disponibilidade e sua capacidade de reação. De maneira
mais fina destavez, uma leve mudança de humor, a percepção afinada de uma atmosfera,
alimenta o jogo.Em vez de lutar para manter a qualquer preço a perfeição utópica da partitura
inicial, fazemde todas essas pequenas variações a origem do jogo, o trampolim que levará
frescor evitalidade de volta à representação.A capacidade de jogo de um ator (e de um sujeito
qualquer) se mede à sua aptidãopara levar em conta o movimento que está se fazendo naquele
momento, para assumirtotalmente sua presença real a cada instante da representação, sem
memória aparente doque aconteceu antes, e sem antecipação visível do que se produzirá no
instante seguinte. Elase funda na disponibilidade e em um potencial de reação a qualquer
modificação, mesmoleve, da situação. Ela não é suficiente para definir a arte do ator, mas é, na
minha opinião,um componente fundamental desta. O jogo é um recurso contra a rotina da
representaçãocotidiana, contra o enclausuramento do teatro em uma rede de técnicas
engessadas; contra oempobrecimento de nossas imagens em benefício de formas espetaculares
repetitivas.Aquele que não sabe ou não quer jogar é aquele que afirma conhecer de antemão
todas asrespostas e todas as soluções, e sem dúvida também todas as perguntas, o que é
umapostura curiosa no plano artístico. O espírito de jogo ajuda a acolher a experimentação,
aconsiderar a novidade e a surpresa como positivas, inclusive quando elas fazem correrriscos.
Ele permite “se experimentar”, multiplicando suas relações ao mundo. É justamentepor isso que
os atores nunca terminam de aprender a jogar e mantêm o espírito de jogo.
Acidente de jogo (enquadrado, ou fora do texto)
Noite após noite, perseguida por seu pai Oronte, ela foge, leve, em direção aos
bastidores, abandonando Pourceaugnac à sua perplexidade. Falaram tão mal dessa jovem, eele a
acha tão sedutora... Curto instante de jogo mudo. Ele tem medo, mas, contudo, elegostaria de
segui-la, falar com ela talvez, achar um momento em que ficasse a sós com ela,apesar de sua má
reputação. Logo Oronte está de volta, logo Pourceaugnac retoma a cara depretendente que, no
entanto, ninguém lhe dá, pronto para discutir negócios com seueventual sogro.Naquela noite,
ela escorrega, deixa cair um sapato, e foge assim mesmo,abandonando o objeto sob a luz
branca. A personagem não o pode ignorar, já o ator gostariade fazê-lo evaporar para que não
obstruísse o espaço, cena após cena. Súbito, Pourceaugnacse apodera dele, como o suvenir
daquela que ele viu apenas furtivamente. Sapato-fetiche,sapato de Cinderela, jogo apenas
esboçado de uma ternura leve, rastro daquela que o atrai eque ele teme. Logo Oronte está de
volta, logo ele precisa esconder o sapato do olharinquisidor do pai e, sem vulgaridade, com essa
graça indolente de alguns palhaços, ele fazdesaparecer o objeto dentro de seu bolso, depois do
tempo de hesitação daquele que se crêperdido.O jogo do sapato foi mantido.Uma noite, ela
perdeu os dois. Foi decidido que era jogar demais com o acaso, eum cordão fixou os limites do
acidente. O jogo do sapato se integrou à partitura.