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Resumo
Neste artigo relatamos e analisamos a experiência vivenciada como docente
em uma disciplina do curso de graduação ministrado na Faculdade das
Américas, em São Paulo, em 2013 e 2014. A disciplina optativa “Culturas e
Relações Étnico-Raciais” é oferecida aos alunos de todos os cursos dessa
Instituição. A proposta, aqui, é refletir e analisar dois dos tópicos geradores
que fazem parte do curso: branquitude e linguagem.
O curso atende às Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08**, que alteram a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatório o Ensino da Cultura e
História Afro-brasileira, Africana e Indígena nos currículos das unidades
escolares brasileiras. A implementação das Leis aponta caminhos para a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ao analisar o universo
das relações étnico-raciais na sociedade, percebe-se, de acordo com as
pesquisas realizadas sobre o tema, que o preconceito étnico-racial e,
portanto, as práticas racistas estão presentes no cotidiano.
Palavras-chave: Relações étnico-raciais; branquitude; racismo e linguagem.
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LUCIENE CECILIA BARBOSA é Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade
de São Paulo. Especialista em Gestão Educacional. Atualmente é Assistente Pedagógica no Núcleo de
Educação Étnico-racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Leciona no curso de
Pedagogia da Faculdade das Américas – São Paulo. É pesquisadora do Núcleo de Estudos
Interdisciplinares do Negro Brasileiro da Universidade de São Paulo (NEINB/USP). Integra o Banco de
Avaliadores do INEP/MEC.
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As Leis Federais 10.639/03 e 11645/08, alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394, que
tornam obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena nas unidades
escolares no Brasil. Dentro do cenário das Relações Étnico-Raciais refletiremos com mais profundidade
sobre a Lei 10.639/03.
Introdução
"Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos
lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”.
Boaventura de Sousa Santos
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O objetivo do curso “Culturas e do racismo. O preconceito racial já está
Relações Étnico-Raciais” é internalizado no inconsciente coletivo
proporcionar o conhecimento conceitual da sociedade, ele aparece sutilmente,
do que são as relações étnico-raciais no muitas vezes, em forma das ditas
Brasil. O estudo da construção social do “brincadeiras”, no nosso cotidiano! Esse
racismo e suas repercussões na pode ser um dos motivos que algumas
sociedade contemporânea. É pessoas não reconheçam que são
fundamental que os estudantes vítimas de racismo.
percebam que essa discussão não ficou Quando paramos para analisar esses
no passado, mas faz parte de um cenário estereótipos que estão contextualizados
atual no qual estamos inseridos. É no nosso dia-a-dia e nos concentramos
imprescindível, dentro deste contexto, a nos efeitos que eles provocam,
compreensão da relação entre a cultura percebemos que isso não pode passar
brasileira e as especificidades da
como um detalhe banal, pois não é.
diversidade das relações étnico-raciais Poucas vezes refletimos nos efeitos
no Brasil. Para tanto, escolhemos entre
negativos que isso causa na vida da
os tópicos geradores do curso, trazer população negra. Os resultados podem
para esta reflexão as questões sobre
ser negativos tanto no comportamento
branquitude e linguagem.
do discriminado como no
Ao pensarmos a estrutura do curso discriminador. Pois, quem discrimina
tomamos como desafio trabalhar os por algum motivo acredita na farsa de
tópicos geradores de tal forma que a uma suposta superioridade.
relação teoria/prática apareça como
dimensão indissociável da prática
cotidiana. Ressaltamos que a nossa Educação para as Relações Étnico-
intenção é que a disciplina vá muito Raciais – Lei 10.639/03
além dos muros da instituição de Os dados de pesquisas como IBGE e
ensino; é que os conteúdos apreendidos IPEA1 comprovaram e comprovam – a
possam fazer parte da vivência afirmação do Movimento Negro – a
cotidiana dos educandos. exclusão da população negra do sistema
Em um cenário marcado pela falta de educacional e no mercado de trabalho.
uma cultura que, de fato, respeite a As práticas racistas, diferentemente do
diversidade e não enxergue a diferença que defendem alguns, não se trata de
como um defeito que precisa ser opinião, é um crime que interfere
corrigido, as Leis Federais 10.639/03 e negativamente no exercício da cidania
11.645/08 surgem como exercício da dos negros e, por conseguinte, reproduz
diversidade étnico-cultural que compõe e perpetua a desigualdade racial.
o Brasil.
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Precisamos estar atentos às diferentes IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada. IBGE – Instituto Brasileiro de
formas de propagação e disseminação
Geografia e Estatística.
A implementação da Lei 10.639/03 tem que é muito comum as pessoas negarem
como objetivo a compreensão teórica e a existência do racismo na sociedade
a aplicação na prática, como alternativa, brasileira. Percebemos que existe a falta
de combate aos preconceitos e ao de re (conhecimento) de que o racismo
racismo para a formação de uma faz parte da realidade brasileira e é um
sociedade mais justa. Uma Educação problema social (ou seja, foi produzido
comprometida com a sociedade deve socialmente) e não um fenômeno 19
promover alternativas didáticas que natural, fruto da natureza ou, ainda, um
contemplem a diversidade e consolidem problema cuja vítima (o negro) é o
a igualdade étnico-racial em uma responsável.
sociedade multirracial, como é o caso
da sociedade brasileira. É imprescindível ter em mente que os
princípios democráticos são
É comum os alunos chegarem para fundamentais para trabalhar um tema
cursar a disciplina cheios de convicções, desafiador como este que se relaciona
sobretudo, estas aparecem nos primeiros diretamente com a construção da
discursos como por exemplo, a seguinte subjetividade dos envolvidos no
afirmação: “mas o próprio negro é processo educativo.
racista”. A nossa primeira ação é
chamar a atenção para o fato de que a Combater as injustiças que perpassam a
nossa sociedade tem como prática mais “nossa” História é tarefa de todos
comum culpabilizar a vítima em aqueles que estão comprometidos com a
situação de discriminação. Devemos construção de uma sociedade em que
tratar o racismo como um problema sobressaia o respeito e a tolerância ao
social e não como se fosse um problema igual, mas, sobretudo, ao diferente.
“psicológico” do indivíduo. É preciso Como educadores e educadoras
enfatizar que a questões raciais estão devemos desvelar o sentido ideológico
muito além “dos muros do nosso que se manifesta por meio do ensino
quintal” e que estamos falando de um para manutenção do status quo. Um dos
problema que tem ocupado espaço no caminhos é rever a “História Seletiva” –
debate social e acadêmico há muito como propõe a Lei 10.639/03.
tempo.
A inserção desse tema nos currículos
Percebemos que apesar do título da escolares vai ao encontro do que
disciplina ser “Culturas e Relações defendem autores como Paro (2007) e
Étnico-Raciais”, ainda assim, entre os Luck (2010). Para existir, de fato, uma
matriculados, há aqueles que resistem educação democrática e participativa
ao debate da questão, sobretudo, ao torna-se necessário o combate às
reconhecimento da existência do desigualdades. Paro (2007), por
racismo no Brasil. É um reflexo do que exemplo, ressalta que um dos problemas
vemos, cotidianamente, na sociedade para o sucesso da educação é o fato de
brasileira, a tentativa de silenciar, não serem consideradas as
omitir, esvaziar ou minimizar o debate especificidades e as desigualdades
racial. Por trás do silêncio e da omissão existentes na sociedade.
está a garantia da manutenção do status
quo. Dentro do contexto apresentado, cabe
salientar o que afirma Perrenoud em
A nossa experiência como educadora,
relação ao papel do educador diante dos
pesquisadora e formadora nos cursos de
preconceitos:
capacitação de professores demonstra
(...) não basta ser individualmente brasileira, não é a história “deles”, mas
contra os preconceitos e as é conhecer e reconhecer a “nossa”
discriminações sexuais, étnicas e história como povo brasileiro.
sociais. Isso é apenas uma condição
necessária para que os propósitos Ao abordar a Lei 10.639/03 é muito
do professor sejam confiáveis. (...). comum ouvirmos a pergunta: por que
Há em cada classe alunos educados essa lei agora? A lei é fruto de uma 20
no sexismo ou no racismo, que história de luta dos afrodescendentes
veiculam estereótipos ouvidos que teve início no momento do
desde a mais tenra infância, e embarque, ainda em continente
também crianças mais tolerantes
africano, e vem desde então
pelo fato de sua condição social e
de sua família favoreceram essa perpassando as manifestações religiosas
atitude. (PERRENOUD, 2000, p. e culturais como forma de resistência à
146). imposição cultural do opressor.