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Educação para as Relações Étnico-Raciais: um caminho 17

possível para a desconstrução de estereótipos e preconceitos


LUCIENE CECILIA BARBOSA*

Resumo
Neste artigo relatamos e analisamos a experiência vivenciada como docente
em uma disciplina do curso de graduação ministrado na Faculdade das
Américas, em São Paulo, em 2013 e 2014. A disciplina optativa “Culturas e
Relações Étnico-Raciais” é oferecida aos alunos de todos os cursos dessa
Instituição. A proposta, aqui, é refletir e analisar dois dos tópicos geradores
que fazem parte do curso: branquitude e linguagem.
O curso atende às Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08**, que alteram a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatório o Ensino da Cultura e
História Afro-brasileira, Africana e Indígena nos currículos das unidades
escolares brasileiras. A implementação das Leis aponta caminhos para a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ao analisar o universo
das relações étnico-raciais na sociedade, percebe-se, de acordo com as
pesquisas realizadas sobre o tema, que o preconceito étnico-racial e,
portanto, as práticas racistas estão presentes no cotidiano.
Palavras-chave: Relações étnico-raciais; branquitude; racismo e linguagem.

*
LUCIENE CECILIA BARBOSA é Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade
de São Paulo. Especialista em Gestão Educacional. Atualmente é Assistente Pedagógica no Núcleo de
Educação Étnico-racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Leciona no curso de
Pedagogia da Faculdade das Américas – São Paulo. É pesquisadora do Núcleo de Estudos
Interdisciplinares do Negro Brasileiro da Universidade de São Paulo (NEINB/USP). Integra o Banco de
Avaliadores do INEP/MEC.
**
As Leis Federais 10.639/03 e 11645/08, alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394, que
tornam obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena nas unidades
escolares no Brasil. Dentro do cenário das Relações Étnico-Raciais refletiremos com mais profundidade
sobre a Lei 10.639/03.
Introdução

"Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza, mas devemos
lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”.
Boaventura de Sousa Santos
18
O objetivo do curso “Culturas e do racismo. O preconceito racial já está
Relações Étnico-Raciais” é internalizado no inconsciente coletivo
proporcionar o conhecimento conceitual da sociedade, ele aparece sutilmente,
do que são as relações étnico-raciais no muitas vezes, em forma das ditas
Brasil. O estudo da construção social do “brincadeiras”, no nosso cotidiano! Esse
racismo e suas repercussões na pode ser um dos motivos que algumas
sociedade contemporânea. É pessoas não reconheçam que são
fundamental que os estudantes vítimas de racismo.
percebam que essa discussão não ficou Quando paramos para analisar esses
no passado, mas faz parte de um cenário estereótipos que estão contextualizados
atual no qual estamos inseridos. É no nosso dia-a-dia e nos concentramos
imprescindível, dentro deste contexto, a nos efeitos que eles provocam,
compreensão da relação entre a cultura percebemos que isso não pode passar
brasileira e as especificidades da
como um detalhe banal, pois não é.
diversidade das relações étnico-raciais Poucas vezes refletimos nos efeitos
no Brasil. Para tanto, escolhemos entre
negativos que isso causa na vida da
os tópicos geradores do curso, trazer população negra. Os resultados podem
para esta reflexão as questões sobre
ser negativos tanto no comportamento
branquitude e linguagem.
do discriminado como no
Ao pensarmos a estrutura do curso discriminador. Pois, quem discrimina
tomamos como desafio trabalhar os por algum motivo acredita na farsa de
tópicos geradores de tal forma que a uma suposta superioridade.
relação teoria/prática apareça como
dimensão indissociável da prática
cotidiana. Ressaltamos que a nossa Educação para as Relações Étnico-
intenção é que a disciplina vá muito Raciais – Lei 10.639/03
além dos muros da instituição de Os dados de pesquisas como IBGE e
ensino; é que os conteúdos apreendidos IPEA1 comprovaram e comprovam – a
possam fazer parte da vivência afirmação do Movimento Negro – a
cotidiana dos educandos. exclusão da população negra do sistema
Em um cenário marcado pela falta de educacional e no mercado de trabalho.
uma cultura que, de fato, respeite a As práticas racistas, diferentemente do
diversidade e não enxergue a diferença que defendem alguns, não se trata de
como um defeito que precisa ser opinião, é um crime que interfere
corrigido, as Leis Federais 10.639/03 e negativamente no exercício da cidania
11.645/08 surgem como exercício da dos negros e, por conseguinte, reproduz
diversidade étnico-cultural que compõe e perpetua a desigualdade racial.
o Brasil.
1
Precisamos estar atentos às diferentes IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada. IBGE – Instituto Brasileiro de
formas de propagação e disseminação
Geografia e Estatística.
A implementação da Lei 10.639/03 tem que é muito comum as pessoas negarem
como objetivo a compreensão teórica e a existência do racismo na sociedade
a aplicação na prática, como alternativa, brasileira. Percebemos que existe a falta
de combate aos preconceitos e ao de re (conhecimento) de que o racismo
racismo para a formação de uma faz parte da realidade brasileira e é um
sociedade mais justa. Uma Educação problema social (ou seja, foi produzido
comprometida com a sociedade deve socialmente) e não um fenômeno 19
promover alternativas didáticas que natural, fruto da natureza ou, ainda, um
contemplem a diversidade e consolidem problema cuja vítima (o negro) é o
a igualdade étnico-racial em uma responsável.
sociedade multirracial, como é o caso
da sociedade brasileira. É imprescindível ter em mente que os
princípios democráticos são
É comum os alunos chegarem para fundamentais para trabalhar um tema
cursar a disciplina cheios de convicções, desafiador como este que se relaciona
sobretudo, estas aparecem nos primeiros diretamente com a construção da
discursos como por exemplo, a seguinte subjetividade dos envolvidos no
afirmação: “mas o próprio negro é processo educativo.
racista”. A nossa primeira ação é
chamar a atenção para o fato de que a Combater as injustiças que perpassam a
nossa sociedade tem como prática mais “nossa” História é tarefa de todos
comum culpabilizar a vítima em aqueles que estão comprometidos com a
situação de discriminação. Devemos construção de uma sociedade em que
tratar o racismo como um problema sobressaia o respeito e a tolerância ao
social e não como se fosse um problema igual, mas, sobretudo, ao diferente.
“psicológico” do indivíduo. É preciso Como educadores e educadoras
enfatizar que a questões raciais estão devemos desvelar o sentido ideológico
muito além “dos muros do nosso que se manifesta por meio do ensino
quintal” e que estamos falando de um para manutenção do status quo. Um dos
problema que tem ocupado espaço no caminhos é rever a “História Seletiva” –
debate social e acadêmico há muito como propõe a Lei 10.639/03.
tempo.
A inserção desse tema nos currículos
Percebemos que apesar do título da escolares vai ao encontro do que
disciplina ser “Culturas e Relações defendem autores como Paro (2007) e
Étnico-Raciais”, ainda assim, entre os Luck (2010). Para existir, de fato, uma
matriculados, há aqueles que resistem educação democrática e participativa
ao debate da questão, sobretudo, ao torna-se necessário o combate às
reconhecimento da existência do desigualdades. Paro (2007), por
racismo no Brasil. É um reflexo do que exemplo, ressalta que um dos problemas
vemos, cotidianamente, na sociedade para o sucesso da educação é o fato de
brasileira, a tentativa de silenciar, não serem consideradas as
omitir, esvaziar ou minimizar o debate especificidades e as desigualdades
racial. Por trás do silêncio e da omissão existentes na sociedade.
está a garantia da manutenção do status
quo. Dentro do contexto apresentado, cabe
salientar o que afirma Perrenoud em
A nossa experiência como educadora,
relação ao papel do educador diante dos
pesquisadora e formadora nos cursos de
preconceitos:
capacitação de professores demonstra
(...) não basta ser individualmente brasileira, não é a história “deles”, mas
contra os preconceitos e as é conhecer e reconhecer a “nossa”
discriminações sexuais, étnicas e história como povo brasileiro.
sociais. Isso é apenas uma condição
necessária para que os propósitos Ao abordar a Lei 10.639/03 é muito
do professor sejam confiáveis. (...). comum ouvirmos a pergunta: por que
Há em cada classe alunos educados essa lei agora? A lei é fruto de uma 20
no sexismo ou no racismo, que história de luta dos afrodescendentes
veiculam estereótipos ouvidos que teve início no momento do
desde a mais tenra infância, e embarque, ainda em continente
também crianças mais tolerantes
africano, e vem desde então
pelo fato de sua condição social e
de sua família favoreceram essa perpassando as manifestações religiosas
atitude. (PERRENOUD, 2000, p. e culturais como forma de resistência à
146). imposição cultural do opressor.

Nessa discussão devemos considerar Como consta no texto da Lei Federal


que o currículo é sempre fruto da 10.639/03 para trabalhar a “História e
memória coletiva de uma sociedade e Cultura Afro-brasileira e Africana”
essa memória, como afirma Le Goff teremos que estudar passado, presente e
(1990), está diretamente vinculada às futuro, evitando assim distorções sobre
relações de poder. Conforme Apple a História da África e seus
(1999:59): “o currículo não é um descendentes. É preciso estar atento em
conjunto neutro de conhecimento. Ele é relação à memória coletiva da sociedade
sempre parte de uma “tradição seletiva” brasileira.
resultado da seleção de alguém, da
visão de algum grupo acerca do que seja
conhecimento legítimo”. Branquitude

A Educação deve ser um espaço de Diante dos relatos da História oficial


promoção do respeito à diversidade pode-se constatar a completa ausência
étnico-racial e às diferenças. Não se de uma memória positiva em relação ao
pode reforçar a ideia de apenas um negro e à África, perpetuando-se, cada
modelo de humanidade. E a educação vez mais, uma memória (coletiva)
faz isso quando privilegia a história de repleta de dados incorretos. Tal
um povo em detrimento dos demais. É afirmação reforça-se nas palavras de Le
necessário dar a mesma ênfase para Goff ao abordar a relação entre
todas as culturas que compõem a memória e poder:
diversidade étnico-racial brasileira. A memória coletiva foi posta em
jogo de forma importante na luta das
O debate em torno da questão racial forças sociais pelo poder. Tornar-se
propicia a reflexão sobre a prática senhores da memória e do
educativa como propõe Freire (1996). É esquecimento é uma das grandes
preciso construir e reconstruir a nossa preocupações das classes, dos
prática como educadoras (es) grupos, dos indivíduos que
continuamente. Trabalhar valores sócio- dominaram e dominam as sociedades
históricos que remetem à ancestralidade históricas. Os esquecimentos e os
africana exige ir muito além de silêncios da história são reveladores
(re)visitar a história da população negra: desses mecanismos de manipulação
é necessário reconhecer que a África faz da memória coletiva. (LE GOFF,
1990, p. 426)
parte da cultura e da história da nação
Ao nos remetermos aos mecanismos do relações binárias negro/branco. O objeto
processo de dominação utilizados pela de análise das relações raciais deixa de
sociedade colonial, podemos afirmar ser somente o negro, e passa a incluir,
que estes destroem e comprometem a fundamentalmente, o comportamento do
formação das identidades. A branco.
disseminação de estigmas negativos
Dentro do contexto dessa discussão
reforça a ideia de superioridade de um 21
considera-se importante a definição de
grupo em detrimento do outro. Em
outros conceitos como discriminação e
contrapartida, a identidade de um grupo
preconceito. Embora exista uma
se constrói e se mantêm através da
semelhança entre os dois termos, há
inferioridade do “outro”. Portanto, o
diferenças entre um e outro. De acordo
discriminado tanto quanto o
com Pierson:
discriminador é vítima de uma
armadilha, pois, os considerados “Preconceito” e “discriminação”
“modelos” possuem a “ilusão” de uma são termos semelhantes, mas
suposta superioridade. também diferentes. Não obstante
isso, alguns autores empregam-nos
Ao pensarmos no contexto das relações como sinônimos. A discriminação é
étnico-raciais é preciso analisar os ato; o preconceito é atitude. Um ato
processos de formação da identidade pode ser observado; uma atitude só
branca (branquitude). Para tanto, pode ser inferida. A discriminação é
desigualdade de tratamento. Ocorre
primeiramente, recorremos à definição
em vários casos podendo a
de racismo de acordo com Munanga responsabilidade recair numa coisa
(2004): o racismo é a crença na suposta ou noutra. Na sua origem pode ser
hierarquização das chamadas “raças” individual ou grupal (...).
humanas pela relação intrínseca entre o
físico e o moral, o físico e o intelecto, o O preconceito de raça é uma
atitude. Em outras palavras é uma
físico e o cultural.
tendência para agir num sentido
Um momento do curso impactante é contrário em relação ao membro de
quando discutimos branquitude. Na outro grupo racial presumível ou
real; uma tendência para agir de
maioria das vezes, sequer os estudantes
maneira automática. (PIERSON,
tinham escutado falar sobre o assunto. 1971, p. 40-43).
Para analisar a identidade branca Para compreender o cerne das relações
utilizamos aqui a definição de étnico-raciais torna-se fundamental
Frankenberg (1999, p. 43-44) sobre recorrer aos estudos sobre a
branquitude. Segundo a autora: “é um branquitude. É importante repensar a
lugar estrutural de onde o sujeito branco construção do paradigma estabelecido
vê aos outros e a si mesmo; uma de que o homem branco europeu seja
posição de poder não nomeada, modelo pleno de humanidade.
vivenciada em uma geografia social de
raça como um lugar confortável e do Os relatos preconceituosos deram
qual se pode atribuir ao outro aquilo que margem ao nascimento das teorias que
não atribui a si mesmo”. embasam o pensamento racista. Assim,
contrariando o discurso da igualdade, os
O ponto de partida, dessa reflexão, são pensadores utilizam o conceito de raça
os estudos que enfocam a branquitude e existente, até então, nas ciências
problematizam o papel do branco e a naturais, na classificação das plantas,
construção da identidade branca nas para categorizar a diversidade humana.
De acordo com Munanga, Carl Von com o que é considerado ruim? As
Linné (Lineu), um naturalista sueco, fez questões do pertencimento e da
a primeira classificação da diversidade identidade estão ligadas diretamente à
humana em quatro raças. autoestima e à memória coletiva de um
povo. Por isso, torna-se fundamental a
Americano: que o próprio
classificador comenta como
desconstrução dos preconceitos e
moreno, colérico, cabeçudo, amante estereótipos relacionados à população 22

da liberdade, governado pelo negra e à cultura africana e afro-


hábito, tem corpo pintado. brasileira.
Asiático: amarelo, melancólico, Os estudos sobre as relações raciais, a
governado pela opinião e pelos partir do enfoque da branquitude,
preconceitos, usa roupas largas. auxiliam a focalizar e compreender o
Africano: negro, astucioso, problema bilateral das relações entre
preguiçoso, negligente, governado negros e brancos. Sobre os
pela vontade de seus chefes comportamentos pautados pela
(despotismo), unta o corpo com branquitude. Piza afirma:
óleo ou gordura, sua mulher tem
vulva pendente e quando amamenta Atuar sobre um poder, por vezes
seus seios se tornam moles e mais simbólico do que real, sobre
alongados. crenças de supremacia branca, sobre
valores “neutros” e “transparentes”, é
Europeu: branco, sangüíneo, um esforço igual ou talvez maior do
musculoso, engenhoso, inventivo, que o que se despende para apagar
governado pelas leis, usa roupas das mentes de pessoas discriminadas
apertadas. (MUNANGA, 2004, p. as marcas do preconceito, do medo,
25) da insegurança e da desigualdade.
(PIZA, 2002, p. 72).
A apresentação das teorias racistas é
outro momento importante durante o A representação do branco como padrão
curso, pois demonstra como a ideia de universal de humanidade – a
racismo, tal qual a conhecemos hoje, foi branquitude – garante-lhe um lugar
pensada, manipulada e perpetuada para simbólico e confortável na sociedade. O
a manutenção do status quo. Ao negro, em contraposição, é reduzido a
problematizar as relações binárias uma coletividade sobre a qual se faz
negro/branco, pode-se concluir que tal relação de traços fenotípicos com
operação simbólica é marcada pela estereótipos sociais e morais,
relação de poder e de dominação do culminando no racismo. Como ressalta
grupo que se considera superior, no Carone (2002: 23): “a cor/raça protege o
caso: o branco. indivíduo branco do preconceito e da
discriminação raciais na mesma medida
Ao discutirmos as relações étnico- em que a visibilidade do negro o torna
raciais é preciso considerar que o um alvo preferencial de descargas de
pertencimento a um grupo frustrações impostas pela vida social”.
simbolicamente privilegiado traz mais
vantagens do que pertencer a um grupo Os estudos que enfocam a branquitude
historicamente estigmatizado de forma problematizam o papel do branco e a
negativa. Como não desejar fazer parte construção da identidade branca nas
de um grupo que foi e continua sendo relações binárias negro/branco. O objeto
colocado como paradigma estético e de análise das relações raciais deixa de
cultural? Quem deseja se identificar ser somente o negro e passa a incluir,
fundamentalmente, o comportamento do cultura negro-africana. (SERRANO
branco. & WALDMAN, 2007, p. 19)
A discussão sobre as relações raciais no
A inserção nos currículos escolares da Brasil é de extrema relevância para a
História e Cultura Africana, Afro- intervenção positiva na vida da
brasileira e Indígena é fundamental para população negra para que haja, de fato,
conhecer e (re) conhecer a História do uma sociedade democrática e justa,
23
Brasil e dos brasileiros. Como já foi revertendo os efeitos nefastos de
colocado anteriormente, é importante séculos de racismo e preconceito.
destacar que há uma veiculação de
estereótipos em relação à África e aos Linguagem e Ideologia
afrodescendentes que cabe a uma Desde que nascemos nos relacionamos
sociedade, que se pretende com o mundo e tudo que nos cerca. A
comprometida com a justiça e com a partir dos primeiros momentos de
igualdade racial, reconhecer, rever e nossas vidas começamos a interagir
combater tais preconceitos e com o mundo. Uma das formas dessa
estereótipos. interação se dá através da linguagem.
Silva (2005) – conselheira do Conselho (...) a linguagem contém e se fixa a
Nacional de Educação (CNE) e a experiência e o saber das gerações
primeira negra a ocupar o cargo nesse passadas (...), influencia o nosso
modo de percepção da realidade, é
órgão – ressalta a relevância da Lei
também, em certo sentido, a
10.639/03 para propiciar o criadora da nossa imagem do
conhecimento a respeito da história dos mundo. No sentido em que a nossa
africanos e dos afrodescendentes, tanto articulação do mundo é pelo menos,
para os alunos quanto para os em certa medida, a função de
educadores. A educação deve combater experiência, não só individual, mas
o racismo que traz como uma das também social, transmitida ao
consequências a perpetuação da indivíduo pela educação e, antes de
desigualdade racial e as desvantagens tudo, pela linguagem”. (SCHAFF,
seculares à população negra: como a 1976: 250).
exclusão na Educação e no mercado de Logo cedo, as famílias, a escola, a
trabalho. Serrano & Waldman religião, enfim, a sociedade encarrega-
corroboram tal afirmação: se de passar os valores que regem as
nossas vidas, que já estão formulados e
O argumento pelo qual se estaria perpetua-se, de geração em geração,
privilegiando uma etnia através da história. É através de tudo
determinada, a saber, a dos negros,
que nos é transmitido que formamos as
também não se sustenta. No Brasil,
o grupo afrodescendente, mesmo nossas opiniões, muitas vezes, sem
constituindo maioria demográfica nenhum embasamento empírico,
no Brasil, forma simultaneamente consideradas como verdades. Como
uma minoria sociológica. Em outras salienta Bosi (1997: 100): “confiamos
palavras, o grupo está sub- nas instituições que nos socializam, eis
representado na maioria das esferas a razão das nossas primeiras crenças e
da vida social. Essa ausência de atitudes”.
representatividade obviamente
repercute no sistema de ensino, que Ao considerar que a escola é um espaço
desqualifica ou simplesmente se de formação e informação é necessário
cala a respeito da historia e da garantir aos educandos uma formação
plena para a cidadania, é fundamental Aurélio. A linguagem é uma ferramenta
que os alunos compreendam a realidade eficiente na propagação dos
na qual estão inseridos e seus preconceitos e estereótipos, uma vez,
fenômenos socioculturais para que que propagamos os valores embutidos
possam intervir para transformar a nas palavras de maneira “naturalizada”.
realidade na qual vivem. Como as definições abaixo:
24
Autores como Lippmann (1972), Bosi Branco: adj. 1. Da cor da neve, do
(1997) e Heller (1970), ao descreverem leite, da cal, alvo. 2. Diz-se das
coisas que, não sendo brancas, têm
as armadilhas presentes na
cor mais clara que outras da mesma
disseminação dos preconceitos, espécie. 3. Pálido, descorado. 4.
advertem a respeito dos mecanismos Prateado, argênteo. 5. Diz-se do
utilizados na reprodução dos indivíduo de raça branca. Sm. 6. A
estereótipos, geração após geração, de cor branca. 7. Homem de raça
modo que a estigmatização negativa de branca. 8. Espaço entre linhas
um grupo em detrimento do outro se escritas ou impressas (FERREIRA,
confunda com uma realidade “natural”, 1989, p. 78).
ou seja, desigualdades sociais e raciais, Negro: adj. 1. De cor preta. 2. Diz-
produzidas pela sociedade, são se do indivíduo de raça negra;
transformadas em obras do acaso ou preto. 3. Sujo, encardido. 4.
produtos da natureza. Sombrio. 5. Lúgubre. Sm. 6.
Indivíduo de raça negra. 7. Escravo
Para falarmos sobre as relações étnico- (IDEM, 1989, p. 353).
raciais recorremos aos estudos da
linguagem e sua relação com uma Parafraseando Orlandi (2005) os
ideologia dominante e a visão de mundo sentidos têm a ver com o que é dito ali,
de cada um. Pois, a linguagem, mas também em outros lugares, assim
enquanto discurso, é entendida como com o que não é dito, e com o que
espaço de conflito, onde ocorre o poderia ser dito e não foi. Pois, a
confronto ideológico, próprio dos margem do dizer do texto também faz
processos histórico-sociais. Como parte dele.
afirma Schaff: “O dizer não é propriedade
particular. As palavras não são só
(...) a linguagem, que é um reflexo
nossas. Elas significam pela história
específico da realidade, é também,
e pela nossa língua”. O que é dito
em certo sentido, a criadora da nossa
em outro lugar também significa
imagem do mundo. No sentido em
nas “nossas” palavras. O sujeito
que a nossa articulação do mundo é
diz, pensa que sabe o que diz, mas
pelo menos, em certa medida, a
não tem acesso ou controle sobre o
função da experiência, não só
modo pelo qual os sentidos se
individual, mas também social,
constituem nele. Por isso é inútil,
transmitida ao indivíduo pela
do ponto de vista discursivo,
educação e, antes de tudo, pela
perguntar, para o sujeito o que ele
linguagem. (SCHAFF, 1976, p. 254-
quis dizer quando disse “x”. O que
255).
ele sabe não é suficiente para
Um dos exemplos que apresentamos em compreendermos que efeitos de
sentidos estão ali presentificados
sala de aula para demonstrar como a
(ORLANDI, 2005, p. 32).
linguagem pode naturalizar os
preconceitos é a definição de negro e Uma situação que utilizamos em sala de
branco que encontramos no dicionário aula, que vai ao encontro da afirmação
de Orlandi (2005), é o caso que que é o que temos de fato, o que está aí
aconteceu com o goleiro Aranha, com situações de racismo que
jogador do Santos Futebol Clube (no acontecem todos os dias.
segundo semestre de 2014). Em um
jogo de futebol do Grêmio contra o O nosso desafio é quebrar sim o ciclo
Santos, Aranha foi chamado de vicioso da desigualdade racial e vermos
“macaco” pelos torcedores do Grêmio. os negros ocupando lugares que 25
Na ocasião, uma torcedora do clube majoritariamente são ocupados pelos
ganhou destaque, pois ela foi flagrada brancos. Precisamos, e por meio dos
pelas câmeras das emissoras de cursos tentamos fazer isso, quebrar o
televisão, nitidamente, ofendendo o silêncio e a omissão dessa parte da
jogador. história. Como brasileiros, negros,
brancos e indígenas, temos o direito de
O goleiro santista denunciou os conhecer uma nova versão da nossa
torcedores envolvidos. A torcedora história, a versão dos que foram,
flagrada pelas câmeras defendeu-se da historicamente, explorados e excluídos.
acusação de racismo, alegando-o que
chamou-o de macaco, mas não tinha a O nosso desafio é que os alunos
intenção de ofendê-lo, até porque, manifestem níveis cada vez mais
segundo ela, havia pessoas negras em aprofundados em relação aos estudos
seu círculo de amizades. Ora, não realizados, por meio da compreensão da
adianta negar que ela cometeu um ato importância do respeito às diferenças e
racista, independente da intenção dela a diversidade étnico-racial brasileira e a
ofender ou não, existe todo um contexto conscientização da importância de sua
sócio-histórico no qual uma das contribuição como cidadão na
maneiras utilizadas para inferiorizar e construção de uma sociedade mais justa
desumanizar o negro era e é, e igualitária.
justamente, recorrer à zoologia,
Um aspecto positivo no decorrer do
colocando-o como um ser irracional,
curso, sobretudo no final, é a autocrítica
logo, menos humano, menos capaz e
dos estudantes. Muitos admitem que
menos inteligente do que o considerado
mesmo sem intenção foram racistas em
branco.
algum momento da vida, ou
Cabe aqui apropriar-nos da afirmação vivenciaram momentos de
de Orlandi (2005: 34), pois, “só uma discriminação e sequer perceberam.
parte do dizível é acessível ao sujeito, pois
mesmo o que ele não diz (e que muitas No início do curso é comum ouvirmos
vezes ele desconhece) significa em suas dos alunos que o maior responsável pelo
palavras”. É importante destacar que os racismo é o próprio negro, pois não
sentidos não se esgotam no imediato, devemos alimentar discussões sobre o
fazem efeitos diferentes para diferentes racismo, pois quanto mais atenção se dá
interlocutores. aos casos de racismo, mais esses casos
acontecem. Outra fala muito presente é
Considerações finais
a seguinte: “Ah o negro pobre não sofre
É preciso que tenhamos coragem para mais preconceito do que o branco
encarar o Brasil como ele é pobre, todos sofrem preconceito de
sociologicamente e não como o maneira igual”. No final do curso,
projetamos e desejamos que o seja podemos perceber que, falas como essas
ideologicamente. Sim, existe uma são desconstruídas pelos mesmos que
diferença entre o Brasil ideal e o real, fizeram tais afirmações. Um exemplo
desses momentos é quando uma aluna FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia:
afirma que mesmo em situações sociais saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
iguais (de pobreza) o “pobre branco”
gozará dos privilégios da sua HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004.
branquitude que o pobre negro nunca
poderá gozar. LE GOFF, J. História e Memória. Campinas-
SP, Unicamp, 1990. 26
Outro momento marcante é quando uma
LIPPMANN, Walter. Estereótipos. In:
das alunas diz: “eu era contra cotas STEINBERG, CH. São Paulo, Cultrix, 1972.
raciais, mas mudei de ideia. Pois,
quando começamos a entender a LUCK, Heloísa. Concepções e processos
democráticos de gestão educacional. 5ª ed.
construção social do racismo e suas Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
conseqüências entendemos que a cota é
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem
uma reparação social”. conceitual das noções de Raça, Racismo,
No final do curso apresentamos Identidade
algumas situações de discriminação e Etnia. Cadernos PENESB. Niterói; EdUFF,
racismo aos alunos por meio de textos e p.17-34, 2004.
vídeos para que fossem identificadas as ORLANDI, Eni P. Análise de discurso.
situações discriminatórias e racistas e Princípios e procedimentos. Campinas, SP.
eles apresentassem planos de Pontes, 2005.
intervenção/ação (cada qual em sua área PARO, Vitor Henrique. Gestão escolar,
de atuação) a partir dos conceitos democracia e qualidade do ensino. São Paulo:
apreendidos durante as aulas. O Ática, 2007.
resultado é sempre excelente, pois PERRENOUD, Philippe. 10 Novas
percebemos a inter-relação entre a teoria Competências para ensinar: Convite à
estudada durante o período e a prática Viagem. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
cotidiana de cada um deles. PIERSON, Donald. Brancos e Pretos na Bahia
(estudo de contato racial). São Paulo, Editora
Nacional, 1971.
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Publicado em 2015-05-10

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