Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Resumo
Não é difícil perceber que o “desenvolvimento” E quais são as principais virtudes levantadas
econômico e social desses países figurava como a respeito da atuação desses Estados? Em pri-
estratégico em um contexto de política de con- meiro lugar, o assim chamado regime comercial
tenção do avanço comunista, encampada espe- não-neutro, indicando que esses países pratica-
cialmente pelos governos dos EUA ao longo do vam proteção a indústrias nascentes, eram ra-
período. Concretamente, a Europa ocidental zoavelmente livres quanto à importação de in-
pôde reconstruir-se, sob os auspícios do Plano sumos (mas subsidiavam setores exportadores),
Marshall a partir de 1947, conformando uma bar- buscavam ativamente coordenar investimentos
reira política e geográfica a oeste do bloco sovi- complementares, regulavam pesadamente a en-
ético. O leste asiático (principalmente o Japão), trada e saída dos mercados etc. Em segundo
por seu turno, teve sua ascensão econômica am- lugar, perseguiam a assimilação das melhores
plamente impulsionada pela demanda industrial tecnologias por meio de um sistema educacio-
americana relacionada aos esforços de guerra na nal tornado uma das principais prioridades da
península da Coreia e no Vietnã, criando uma política de Estado, de subsídios ao P&D privado,
barreira a leste da União Soviética e da China. de P&D público, de licenciamento tecnológico
para facilitar e estimular transbordamentos, en-
Sem tais elementos, não se consegue compreen-
tre outros. Terceiro, quanto à política industrial,
der adequadamente, por exemplo, o que levou os
praticavam a identificação de setores estratégi-
EUA a abrirem seus mercados de forma pratica-
cos e prioritários, criando mecanismos de acesso
mente unilateral a alguns países da Europa e do
privilegiado a moeda estrangeira, crédito, regi-
leste Asiático. Esse ponto é ilustrativo, pois cos-
mes tributários, mecanismos de financiamento
tuma-se ressaltar com muito mais frequência (ou
com muito mais ênfase) a outra ponta das rela-
ções internacionais da época, de uma espécie de 2
Que Rostow (1959) o fizesse, ainda na década de 1950, é pas-
sível de crítica, mas muito mais justificável do que concepções
rompimento unilateral com regimes comerciais semelhantes veiculadas ainda hoje.
possíveis, de ilustrar o quão fragilmente o sis- Ora, para que o direito de participar das recei-
tema financeirizado encontra-se apoiado em ex- tas anuais do Estado seja possível, as contas do
pectativas, projeções, humores coletivos etc. Não Estado devem estar minimamente saneadas. E
surpreende, portanto, a obsessão teórica do ide- para que seja possível a venda desses títulos, sem
ário neoliberal em identificar como tarefa prio- perdas, a terceiros, é preciso haver uma expec-
ritária de política econômica a gestão diligente tativa razoavelmente generalizada de que (2) é
das expectativas “do mercado”. E, mais uma vez, executável.
o que está em jogo é a própria reprodução do sis-
Podemos avançar esse mesmo raciocínio traba-
tema. Para a razão conservadora não há, de fato,
lhando o trecho inicial do capítulo 26 do livro III
alternativa. Esse imperativo manifesta-se com
de O Capital, em que Marx cita o The Currency
total evidência na dívida pública.
Theory Reviewed. Ali aparecem duas ideias per-
tinentes à nossa discussão. A de que a dívida pú-
4.2.1. Adendo: a economia política da dí-
blica funciona como meio de absorção da riqueza
vida pública e a obsessão pela austeridade excedente e a de que há um nível máximo para a
Caracterizando a dívida pública como uma for- dívida pública, para além do qual ela perde a sua
ma de capital fictício, Marx (2017, p. 523; ênfase eficácia de absorção. Se o argumento construído
adicionada) afirma: até aqui estiver correto, claro está que, estando
a sociedade do capital em um estágio de supe-
O próprio capital foi consumido, gasto pelo Es- racumulação crônica15, a dívida pública torna-se
tado. Ele deixou de existir. O que o credor do
um destino crescentemente desejável e atraente
Estado possui é: 1) um título de dívida pública,
digamos de £100; 2) o direito, que esse título
14
“A queda da cotação desses títulos nos boletins da Bolsa não
de dívida lhe confere, de participar das receitas tem nenhuma relação com o capital real que representam, mas
anuais do Estado, isto é, sobre o produto anual sim com a solvência de seus proprietários” (MARX, 2017, p. 550).
15
Cf. páginas 130 e 131 deste trabalho.
de maneira irreversível para a esfera financeira relutante e provisória a ele), revelando sua raiz
na exploração da força de trabalho. Trata-se de
e, segundo, o envolvimento do Estado compatí-
dizer que aquilo que chamamos de crise do valor
vel com essa nova realidade é o envolvimento de
fecha definitivamente até mesmo essa possibili-
contornos neoliberais. Ou seja, o Estado desen-
dade. Em outros termos, os determinantes eco-
volvimentista não teria sido derrotado na arena
nômicos não dizem a priori quem vai ganhar as
política e substituído pelo Estado neoliberal; ao
disputas, ou o quão frequentemente. Mas nem
contrário, ele transmutou-se no Estado neolibe-
todas as vitórias obtidas são portadoras de pro-
ral, alterando seu envolvimento com o processo
jetos executáveis (dentro dos limites que elas
de acumulação porque mudaram as condições
mesmas se impõem, i.e., a sociedade capitalista).
dominantes vigentes desse processo.
O que se está afirmando, então, é que, nessa qua-
Para que não haja mal-entendidos, é preciso su- dra histórica, ao contrário de todas as demais,
blinhar que a luta de classes não está abstraí- o rol das plataformas executáveis (efetiváveis)
da (ou excluída) do argumento, ainda que não reduziu-se dramaticamente.
esteja tratada explicitamente. Reconhecemos
Nesse sentido, de modo sintético, a crítica mar-
simplesmente que essa luta não ocorre em abs-
xista sempre enxergou na via desenvolvimentista
trato, ou no vácuo. É evidente que, no seio da
um posicionamento “em cima do muro”, entre um
luta de classes surgem frequentemente proje-
liberalismo mais selvagem (de primazia quase ab-
ções de outros mundos possíveis (radicalmente
soluta do mercado) e aspirações de emancipação