Sei sulla pagina 1di 256

JUNSUEIRАамАRIN

вотоквS

c5
САРЕ S

АграрEsp
А ESCOLA
СОМО
ОВЛЕТО DE
ESTUDО
ESСОША,
DESIGUALDADES,
D|/ERS|DADES

JosE GERALро SILVERA вUENo


КАZUМ| МUNАКАТА
DANIEL FERRAZ СН|О27|N|
— ORGANIZADORES

ALDA JUNOUE|RА МАFIN


ANTON coSTA Rico
С|RСЕ FERNANDES BITTENСОURT
|VOR GООDSON
JoSE GERALDoSILVERA BUENo
КАZUM| МUNАКАТА
МАРСЕ О САRUSО
ТНОМДS SKRT|С

JUNeUEIRAамАRIN
EDIToRES

о5
САРЕ S

АграрEsp
....................................................................................................................................................................................
Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin
Produção: ZEROCRIATIVA
Impressão: Gráfica Viena
...........................................................................................................................................................................................
Conselho Editorial da Junqueira&Marin Editores:
Profa. Dra. Alda Junqueira Marin (coord.)
Profa. Dra. Adriane Knoblauch
Profa. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro
Profa. Dra. Fabiany de Cássia Tavares Silva
Profa. Dra. Geovana Mendonça Lunardi Mendes
Profa. Dra. Graça Aparecida Cicillini
Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno
Profa. Dra. Luciana de Souza Gracioso
Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio
Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha
Prof. Dr. Odair Sass
Profa. Dra. Paula Perin Vicentini
Profa. Dra. Suely Amaral Mello
...........................................................................................................................................................................................

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
E73

A escola como objeto de estudo: escola, desigualdades, diversidades / organização José Geraldo Silveira Bueno,
Kazumi Munakata, Daniel Ferraz Chiozzini. - 1. ed. - Araraquara, SP: Junqueira&Marin, 2014.

256 p.: il. ; 26 cm.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8203-064-6

1. Igualdade na educação - Brasil. 2. Problemassociais - Brasil. 3. Descriminação na educação - Brasil. 4. Igualdade


na educação - Brasil. 5. Renda - Distribuição - Brasil. 6. Mobilidade social. 7. Sociologia educacional. I. Bueno, José
Geraldo Silveira. II. Munakata, Kazumi. III. Chiozzini, Daniel Ferraz.

14-14435 CDD: 306.43


CDU: 316.74:37
25/07/2014 30/07/2014
..........................................................................................................................................................................
Esta edição recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
...........................................................................................................................................................................................
Todos os textos estãoidênticosaos originais recebidos pela Editora e sob responsabilidade dos
Organizadores e dos(as) Autores(as).
...........................................................................................................................................................................................
Verificar no site da Editora, na página deste livro, eventuais erratas elaboradas pelos Organizadores e/ou
pelos(as) Autores(as).
...........................................................................................................................................................................................
Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa ou
qualquer outro idioma, semapréviae expressa autorização da editora.
..........................................................................................................................................................................
Impressono Brasil
Printed in Brazil
..........................................................................................................................................................................
DIREITOS RESERVADOS:

JUNQUEIRA&MARIN EDITORES
J. M. Editorae Comercial Ltda.
Rua Voluntários da Pátria, 3238 Jardim Santa Angelina
CEP 14802-205 Araraquara - SP
Fone/Fax: 16-33363671 www.junqueiraemarin.com.br
...........................................................................................................................................................................................
---------- S U M Á R I O ----------

11 ApReSentAçãO
José Geraldo Silveira Bueno, Kazumi Munakata, Daniel Ferraz Chiozzini

15 pReFÁCIO
Maria Amalia pieAbib Andery

pARte I
A eSCOLA COMO OBJetO De eStUDO

21 O futuro da democracia social e o desenvolvimento de uma


nova política de educação
Ivor Goodson

61 Em busca da compreensão sobrea escola


AldaJunqueira Marin
pARte II
AS COnFIGURAçÕeS DA eSCOLA

87 El encuentro de la burocracia y la pastoralización: el


fin del utilitarismo urbano en los orígenes de la escuela
moderna
Marcelo Caruso

111 O ocaso das palavras: mudanças nos paradigmas


epistemológicoe pedagógico no século XIX
Kazumi Munakata

pARte III
eSCOLA e DIVeRSIDADeS

129 A escola fronteá diversidade cultural


Antón Costa Rico

153 Reflexões sobre currículoe diversidade cultural


Circe Fernandes Bittencourt
pARte IV
eSCOLA e DeFICIÊnCIA

173 A injustiça institucionalizada: construção e uso da


deficiência na escola
thomas M. Skrtic

211 A pequisa brasileira sobre educação especial: balanço


tendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)
José Geraldo Silveira Bueno

SOBRe OS AUtOReS

249 Sobre os Autores


A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

APRESENTAÇÃO

iferentes estudos sobre a escola foram realizados em países


D diversos desde meados do século XXmas, nosanos de 1960, passaram
a ser incrementados na busca da compreensão do que ocorre no seu
interior.

As obras já clássicas de Willard Waller (The sociology ofteaching, 1962)


e Philip W. Jackson (La vida en las aulas, 1996), estas últimas publicadas
originalmente 1932e 1968, bem como a coletânea organizada por Michael
Young (Knowledge and control: new directions of sociology of education,
1978), são exemplos de estudos que foram desenvolvidos no século XX,
tomando facetas da escola por meio de objetos específicos.

Apesar de contarmos hoje com expressiva produção internacional e


nacional sobrea instituição escolar, continua sendo um grande desafio
o seu estudo, no sentido de apreendê-la de modo total, com tantas
questões, problemase fenômenos que nela ocorreme que só podem ser
compreendidos na relação como contexto social.

Com a perspectiva de contribuir para o adensamento de estudos e


investigações sobre a escola, o Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP tem realizado
Seminários Internacionais trienais, comfocos definidos sobrea educação
escolar no Brasil.

O primeiro seminário internacional (1995) abordou as políticas


internacionais e a influência do Banco Mundial sobre as políticas
educacionais nacionais, com destaque para os países da América Latina,
com a participação de estudiosos do tema, como José Luiz Coraggio, Rosa
Maria Torres, Marcos Arruda, Livia De Tommasi, Maria Clara Couto Soares
e Marília Fonseca.

O segundo (1998) se voltou para as políticas educacionais, agora sob


o enfoque dos impactos das reformas educativas, e que contou com

11

Junqueira&Marin Editores
AprEsEntAção

pesquisadores como Michael Apple, Cecília Braslavsky, Anne-Marie


Chartier, José Luiz Coraggio, José Gimeno Sacristán, Christian Laville,
Vanilda Paiva, José Roberto Perez, Thomas Popkewitz, Rosa Maria Torres
e Geoff Whitty.

Oterceiro (2008) teve como tema central Escola e cultura, integrado por
temas sobre diversidade culturale currículo em sua relação coma escola,
abordados por especialistas como Kabengele Munanga, Bernard Lahire,
Fúlvia Rosemberg, Teresa Artieda, Angelina Peralva, Wolfgang Leo Maar,
Clarice Nunes, Pablo Pineau e Lucíola Licínio de Castro Paixão Santos.

Neste quarto seminário, o Programa – um dos mais antigos da Pós


Graduação em Educação no Brasil e primeiro doutorado na área –
comemorou 40 anos de existência, reafirmando a tradição em estudose
pesquisas comfocos na constituição, organização e práticas educativase
sua relação com problemas oriundos das condições sociaise econômicas
da população e das diversas culturas que caracterizam nossa sociedade.
Poresses motivos, a organização do IV Seminário privilegiou os campos
temáticos sobre os quais nossos docentes têm dirigido seus estudose
investigações, quais sejam:

• A configuração da escola moderna;

• A escola como objeto de estudo;

• A escolaea diversidade cultural; e

• A escolaeosalunos com deficiência.

Além disso, o Programa decidiu que deveria compor mesas com apenas
dois participantes em cada uma, sendo um conferencista estrangeiro,
referência nos temas indicados, acompanhado de um professor do
Programa com trajetória e reconhecimento acadêmico, ambos com
tempo alargado para suas apresentações e para responder as questões
apresentadas pelopúblico.

A conferência inaugural, sob a responsabilidade de Ivor Goodson


(Inglaterra) desenvolveu reflexão ampla e abrangente sobre a

12

Junqueira&Marin Editores
AprEsEntAção

escolarização, dentro de um contexto político marcado pela desigualdade


sociale pela diversidade cultural.

Aprimeirasessãoplenária, a cargo de Marcelo Caruso (Alemanha)eKazumi


Munakata, teve por fim analisara trajetória histórica da constituição da
escola moderna nesse cenário de desigualdades e diversidades.

A segunda sessão plenária, sob a responsabilidade de José Alberto


Correia (Portugal) e Alda Junqueira Marin, teve por objetivoanalisar os
desafios teóricos de estudo e investigação da escola no mesmo cenário de
desigualdades sociaise diversidades culturais.

Aterceira sessão plenária, composta por Antón Costa Rico (Espanha)e


Circe Bittencourt, colocou sob crivo crítico o problema da diversidade
culturalemterraseuropeias,aoladodeanálisedeescolasdascomunidades
indígenas e quilombolas, ambas as abordagens privilegiando seus
processos de históricos de constituição, nas peculiaridades das políticas
educacionaise na análise de práticas curriculares em dimensões políticas
e epistemológicas.

A quartasessão plenária, a cargo de Thomas Skrtic (EUA) e José Geraldo


Silveira Bueno, teve como focoa relação entreprocessos de escolarização
e deficiência, especialmente no que se refere à produção de conhecimento
nessa área relativamente novae de pouca tradição de pesquisa.

Esta coletânea reúne os textos apresentados, com exceção do Prof. Dr.


José Alberto Correia que, por motivosalheios à sua vontade, não pode
enviá-loa tempo para publicação.

Os organizadores da coletânea decidiram que os textos escritos em


espanholegalego, respectivamente de autoria de Marcelo Caruso e Antón
Costa Rico, muito próximos de nossa língua, deveriam ser publicados na
língua original, para se manter fidelidade do seu conteúdo. No entanto,
visandoampliar o acesso deleitores aos textos eminglês de Ivor Goodson
e Thomas Skrtic, esses trabalhos foram traduzidos para o português.

Sob a mesma óptica decidimos padronizar as referências bibliográficas


dos autores brasileiros, mas não modificar as elaboradas pelos diferentes

13

Junqueira&Marin Editores
AprEsEntAção

autores estrangeiros no intuito de manter o padrão utilizado em seus


países de origem.

Não podemos, neste momento, deixar de agradecer esses últimos,


que permaneceram conosco durante toda a realização do Seminário,
abrilhantando-o, ainda mais, com diálogos públicos com os demais
conferencistas, bem como a todos os professores e alunos do Programa
que contribuíram para a realização do seminário e aos participantes
(alunos e pesquisadores convidados).

Nosso especial agradecimento à Profª Drª Maria Amália Pie Abib Andery,
pesquisadora reconhecida nacionalmente no campo da Psicologia, que,
apesar dos imensos compromissos que suas funçõesatuais exigem, se
dispôs a prefaciaresta obra.

Por fim, cabe uma menção especial ao apoio da FAPESP, sem o qual seria
impossível a realização do Seminário e, especialmente, o da CAPES que,
além de contribuir para a suaefetivação, contribuiu decisivamente paraa
publicação desta coletânea.

São Paulo, agosto de 2014

JOSÉ GERALDO SILVEIRA BUENO


KAZUMI MUNAKATA
DANIEL FERRAZ CHIOZZINI

Organizadores

14

Junqueira&Marin Editores
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

PREFÁCIO

COntRIbuIçõEsàEduCaçãO FutuRa

que defineahumanidade? Há ehouvenahistóriamuitas respostas


O diferentes a tal pergunta, provavelmente tão ancestral como oé a
própria história das ideias. Uma das respostas mais confiáveis do ponto
de vista de padrões científicosatuais, e de compreensão relativamente
simples, é a de humanidade definida biologicamente, ou melhor,
geneticamente, como espécie.

a resposta parece mais simples do que realmente é, nãoapenas porque


a própria definição de espécie é difícil, mas porque a humanidade do
homem se define, para os próprios biólogos evolucionistas, de um modo
que expandeem muito os limites da definiçãobiológica. Por quê? Porquea
espécie humana, como produto dos próprios processos históricos regidos
pela seleção biológica, transcendeu a seleção natural. Porque a espécie
humana se mostrou capaz de se construir como espécie, superando os
processos biológicos evolutivos.

Com esta conclusão, biólogos e estudiosos com abordagens mais


filosóficas retornam à questão original: o que define a humanidade?
Muitos concluem que a definição de humanidade se dá naquele “turning
point” da história em que o humano se converte em agente e ator da
cultura. a espécie humanatornar-se-ia de fato humana quando e porque
setornou culturalmente uma espécie.

Isso nos remete às perguntas seguintes: afinal, o que é a cultura? Por


que a cultura é definidora da espécie? A respostaaambas é uma só: a
cultura como a possibilidade de reinvençãoe reinserção da espécie e –
portanto – dos indivíduos no mundo. A cultura éoambiente do homem,
é seu ecossistema, é seu universo, por assim dizer. a cultura é o conjunto

15

Junqueira&Marin Editores
PrEfácio

detodas as práticas humanas – de intervenção no mundo, de invenção de


coisase de modos deagir do mundo. a cultura é o conjunto das maneiras
humanas de criare recriar o mundo.

Mas o que tornou a cultura possível? No contexto recente da biologia, da


paleontologiae da própria história social encontramos uma sucessão de
respostas: o tamanho do cérebro do Homo sapiens, o polegar opositor, a
habilidade de fazer ferramentas, a ausência de especialização biológica, a
socialidade, entre outras. ainda que todas essas respostas sejam corretas,
indiscutivelmente, a característica humanafundamentale necessáriapara
a evolução da cultura como modo de vida éa linguagem, indissociável de
sua consequência mais importante: nossa capacidade de comunicar aos
outros o que aprendemos, permitindoa acumulação e a preservação de
práticas, descobertas, invençõese modos de ser. Esta característica nos
fez humanose, neste sentido, define a humanidade.

Esta característica resume o que podemos chamar de educação:


os conjuntos de práticas dos grupos humanos que são socialmente
aprendidos e ensinados por sucessivas gerações de indivíduos,
permitindoa inserção histórica dos grupos em seus ambientes físicos,
sociais, culturais, simbólicos.

A educação é nosso “modo de vida”: todos somos produto de práticas


educativas etodos somos agentes de práticas educativas.

Os processos educativos não sãoapenas relevantes para a espécie, mas


constituem nossa fonteprimordial desobrevivência, já que estão nabase de
todaapossibilidade deacumulaçãoe depreservação deconhecimento, além
deserem a fonte que permite a produção de nossa própria inventividade.

Tãoimportante éa educação apreendida como modo de vida, queficamos


intrigados e encantados quando testemunhamos casos em que adultos
(em geral) de outras espécies, propositalmente ou não, ensinam “algo”a
um filhote. Por quê? Em parte porquesomos biologicamente sensíveisaos
outros, especialmente quando bebês ou crianças, e porque “gostamos”
de nos ver refletidos nos outros. Mas, sobretudo, porque tais exemplos
indicam demaneira simples e direta aimportância das práticas educativas
para a preservação ea possível reinvenção de nossos modos deser.

16

Junqueira&Marin Editores
PrEfácio

Defato, tãoimportanteéa educação como modo devida, que associedades


humanas se organizam, por assim dizer, ao seu redor, investindo partes
consideráveis de seus recursos materiais, sociais e simbólicos nas suas
práticas educativas.

Entendida desse modo, a educação seriaumfenômenoinvasivoeuniversal


nas culturas humanas: está presente nas relações familiares, nas relações
sociaisafetivas ou profissionaise nas instituições sociais.

Tãoimportante é a educação que, na medida em quese complexificamas


sociedades, a própria educação torna-se uma instituição com conjuntos
de práticas específicas e definidas tanto externa quanto internamente,
convertendo-se assim emestrutura cultural dotada de recursos sociaisa
elaalocadose que assume papeise compromissosdefinidosculturalmente
e limitados socialmente.

Desse ponto de vista, a educação torna-se um novo fenômeno, distinto


daquele que se define apenas como transmissão cultural de práticas
selecionadas historicamente, erigindo-se em vetor de construção da
cultura e do que é propriamente humano na humanidade. A educação
torna-se instituição e passa a ser parte da estrutura também formal das
culturas/sociedades humanas.

A educação como fenômeno social é marca humana. Como instituição


social, a educação constitui nossos modos de ser: é meio de construção de
nossaindividualidade enossassociabilidades. Como instituição, participa
da construção simbólicae material do mundo. Éatividade econômicae
estruturanteno mundoatual. Éatividade quecondicionae écondicionada
sociale historicamente.

Éumfenômenoúnicopelasuaimportânciaepelasua complexidade,quese
converte na história das ideias humanas em um campo de conhecimento,
ou melhor, um objeto de estudo e de investigação.

Entretanto, as mesmas características constitutivas de nossa humanidade


eas características que contribuíram para quea educaçãose constituísse
como campo de investigação são muitas vezes uma ameaça ao próprio
campo. Setodos somos simultaneamente objeto eagentes da educação,

17

Junqueira&Marin Editores
PrEfácio

todos nos sentimos um pouco especialistas e conhecedores do campo,


aptosa dizer o que é e o que não é, o que é bom e o que não é, o que é
legitimo e o que não é, o que é desejáveleo que nãoée, principalmente,
como deve sera educação.

assim, corremos o risco de desconstituir como campo de conhecimento


aquele que talvez seja um dos mais difíceise importantes de todos os
campos de conhecimento humanos.

desse ponto de vista, uma coletânea como a que aqui se apresenta é


não apenas relevante pela qualidade acadêmica de cada texto, mas é
fundamental como processo educativo em si mesmo: a sua leitura nos
ensina que o fenômeno da educação é multidimensional, é histórico, é
complexo, é controvertido. sua leitura nos conduz para além daquilo que
constituia contribuição acadêmica explícita de cada trabalho/capítulo.

Sua leitura nos ensina que a compreensão do fenômeno da educação


transcende a nossa experiência cotidiana e nossa familiaridade com o
tema. A leitura nosensina que há necessidade premente de que o campo
seja explorado como área de conhecimento e como estrutura social,
sistematicamente, em todas as suas facetas.

Se nosso passado e nosso presente dependeram de nossas práticas


educativas, seguramente nosso futuro também dependerá delas e não
parece razoável deixar tal futuro à mercê de acasos ou da mera repetição
irrefletida da nossa experiência pessoal.

Maria Amalia Andery


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Agosto de 2014

18

Junqueira&Marin Editores
PARTE I

A ESCOLA COMO OBJETO DE ESTUDO


A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

O futurO da demOcracia sOcial e O desenvOlvimentO de uma


nOvapOlítica de educaçãO

Ivor F. Goodson
Universidade de Brighton

neste trabalho, revisamos a história das formas sociais e


econômicas dopós-guerrae como elas incidiram sobre a democracia
e educação. É importante ter uma noção dos períodos e contextos
históricos, poiseles constituem“aberturas de oportunidade”1 conflitantes
ou espaços para a delineação dasatividades educacionaise democráticas.

Ao aprofundar nossa compreensão sobre os períodos históricos,


podemos começara explorar como diferentes projetos e movimentos
sociais podematingir metas distintas em momentos diferentes. Não sóo
papel do Estado, e particularmente oestado-nação, varia deacordo com
operíodo histórico, mastambémasatividades financeirase corporativas,
especialmente se existirem transições importantes nos regimes da
acumulação do capital. Com graus variados de refraçãoeatraso no tempo,
as práticas públicase particulares, projetos sociais, projetospessoaise
modalidades democráticas são reformulados e reconstituídos dentro do
contexto dos principais períodos históricos conhecidos.

É um mistério recorrente para aspessoas compreparação na área de


história que muitas de nossasanálises sociais, particularmente as que se
voltam para a educação, não dêematenção para o tempo. Nós tentamos
explicar isso pela obsessão atual com a mudança contemporânea,
pela “velocidade da mudança” em si, ou pela erosão progressiva das
disciplinas fundadoras, tais como a “história da educação”. Mas essas

1 “Windows of opportunity”, eminglês (nota do tradutor).

21

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

próprias asserções seriam “a-históricas”, ignorando o tempo, pois


de fato, a obviedade é que o tempo é tomado como uma das grandes
continuidades.

Mesmo assim, nós vivemos nossas vidas de acordo com o relógio.


Somos regulados pelo tempo todos os dias. Eis o paradoxo – aquilo
que é onipresente torna-se invisível a nós. Como notaram Younge
Schuller (1988, p. 2), no seu estudo pioneiro The Rhythms ofSociety:
“se nós estamos não somente obcecados com o relógio-tempo, mas
de modo crescente, é mais estranho ainda que os cientistas sociais
tenham feito tão pouco para fazer do tempo uma das suas apreensões
especiais”. Essa omissão misteriosa é comum nos estudos de educação
eensino. Nesse sentido, o estudioso da educação reflete a consciência
dos seus sujeitos – os professores, administradores e estudantes que
tomam o tempo como óbvio: “a autoridade diária do tempo é, mesmo
numa sociedade permissiva, tão completa que raramente parece
ser problemática, e se não for problemática às pessoas que sãoseus
sujeitos, não seria nem um pouco problemática às outras pessoas”
(YOUNGe SCHULLER, p. 3).

Existe, portanto, umaironia específicae peculiar nofato de que osestudos


sobre a “mudança” social – aqui contida a mudança educacionale escolar
– devemignoraro tempo. Parece, prima facia, uma omissão ilógica. Afinal,
se mudança lida com alguma coisa, essa coisa éo tempo. Mesmo assim,
emum breve exame da literatura, poderemos confirmar que essa omissão
ocorre.

Essa gama ampla de estudos sobre mudança escolar, incluindo cross


site studies,2 trabalha somente com instantâneos do contexto sociale
do tempo (Por exemplo, LIEBERMAN, 1995; FULLAN, 1999; 2000). Essa
categoria predominante de estudos sobre mudançaescolar não favorece
os esforços de mudança e reforma fundamentados em trajetórias
de influência e causalidade que estão ligadas ao passado, ou mesmo
perseguidos longitudinalmente a partir do passado para opresente e
daqui para o futuro.

2 Segundo Kalaian (2003), cross-site studies referem-sea pesquisas realizadas por meio de acesso a sites
da web (nota do tradutor).

22

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Essa característica a-histórica da literatura dominante sobre mudança


é generalizada e endêmica. De fato, ela invade a verdadeira retórica da
“mudança” que é vista de certa maneira como singularmente poderosa
num momento de reestruturação global (como veremos mais tarde, essa
é uma afirmação com certa virtude, mas precisa ser cuidadosamente
estabelecida historicamente e não suposta e afirmada de modo não
polêmico). Mais uma vez, a história nos alerta sobre continuidades:

Uma vez que o tempo é reconhecido como um fluxo contínuo – com a


continuidade essencial de seu próprio fluxo – o que está sendo observado
não pode ser outra coisa que não seja a mudança, mudança contínua. Isso
não quer dizer que não exista um padrão, nenhumaestrutura na confusão.
Mas tudo o que tem padrão, estrutura, uma aparência de ser estático, é
feito de mudança, mudança envolvida em mudança. (YOUNGe SCHULLER,
1988, p. 5.)

Essa continuidade tem sido, com certeza, sistematicamente observada


por alguns historiadores da educação. Contudo, seu foco tem sido os
padrões largos de persistência e evolução organizacional (por exemplo,
CUBAN, 1984), na “persistência de recitação” (WESTBURY, 1992) ou
nas reformas em áreas específicas – tais como currículo (por exemplo,
GOODSON, 1994). De novo, o que falta na larga esfera longitudinal
da mudança educacional é uma concentração nas “ondas longas” de
mudança e reforma. Essa esfera longitudinal precisairalém dos padrões
internos de persistênciae evolução organizacional, estudandoainteração
entre esses padrões internoseos movimentos externos, isto é, dentro das
estruturas econômicase sociaise nas “consistências externas” (MEYERe
ROWAN, 1978), quese impõem nas possibilidades de mudança e reforma
educacional.

Por esses motivos e, sobretudo, porque a mudança tem de ser vista


historicamente, nosso trabalho adotará um foco na mudança localizada
em períodos históricos. Essa abordagem é derivada da metodologia da
Escola dos Annales para compreender a mudança social e histórica.
Rigorosamentefalando, a Escola dos Annales desenvolve uma combinação
de Sociologiae História. Na Inglaterra, essa abordagem foi desenvolvida
por Philip Abrahams e Peter Burke noJournal of Historical Sociology,
tendo seguido os mesmos temas desde sua fundação, em 1988.

23

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Historiadores e cientistas sociais, segundo a Escola dos Annales, vêem


a mudança se desenvolvendo em três níveis de tempo – longo, médio e
curto – que se interpenetram de forma complexa. Seus teóricos utilizam
a alegoria do mar para capturar as características principais dessastrês
categorias ou níveise seus modos interdependentes de operação.

Observando-se o fundo do mar como representando o longo prazo,


existem correntes profundas que, apesar de parecerem bem estáveis,
estão constantemente em movimento. Tais tempos longos cobrem alguns
fatores estruturais importantes: visões globais, formas do Estado etc. O
movimento de formas pré-modernas para modernas, ou de modernas
para pós-modernas pode ser compreendido nos termos dessasamplas
transformações notáveis (MILLS, 1959; BELL, 1973; LYOTARD, 1984;
DENZIN, 1991). Os efeitos das emergentes condições sociais, econômicas
e políticas da era pós-moderna sobrea organização e a prática escolar
também podem ser compreendidos nesses termos (por exemplo,
HARGREAVES, 1994; ARONOWITZe GIROUX, 1991).

Acima desse nível, existem as ondulaçõese marés de ciclos específicos


que representam oprazo médio. Esse prazo médio tem sido concebido
em aproximadamente 50 anos – embora com a compressão de tempo
e espaço na idade pós-moderna, esses próprios ciclos possam ser
submetidos à compressão (GIDDENS, 1991). Édentro deles que alguém
pode explicar o estabelecimento da atual “gramática de escolarização”
– por exemplo, a escolarização baseada na sala de aula, graduada e
especializada em disciplinas dos últimosanos do século XIX eo início do
século XX. Como advertem Tyack e Tobin (1994), se os reformadores não
começarem a utilizar a “gramática da escolarização”, suas tentativas de
iniciara mudança educacional serão semprefrustradas.

No nível maisalto do mar, as ondas ea espuma representam o curtoprazo,


o tempo do cotidiano: os eventos diários e as ações humanas da vida
cotidiana comum. Os proponentes dessa visão da história celebram com
frequência suas especificações empíricas contra as asserções teóricas
maiores das transformações notáveisentre diferentes períodos históricos
(por exemplo, MCCULLOCH, 1995). No entanto, essas teorizações da
histórianão devem ser tratadas como competitivas. Detalhes empíricos
minuciosos e a sensibilidade teórica amplamente fundamentada são

24

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

forças complementares na história e recursos adicionais para a sua


interpretação.

Os momentos maisinteressantes parapesquisae investigaçãosão aqueles


nos quais os níveis do tempo histórico coincidem; nesses momentos, as
inclinações e capacidades para mudança e reforma são as mais fortes.
Tais coincidências ou conjunturas são visíveisem momentos-chave da
históriae mudança educacional.

Por que, então, essas perspectivas históricas podem chamar tanto


a atenção em nossas análises das expectativas para uma educação
democrática? A resposta é que diferentes regimes de acumulação de
capital, acompanhando diferentes períodos históricos, têm implicações
substanciais para as formas de organização econômica e social. Assim, as
perspectivas de formas democráticas de governoe estados de bem-estar
estão fundamentalmente relacionadas aos períodos históricos nos quais
elas são contextualizadas.

Controle social democrático e o emergente estado de bem-estar


desenvolveram-se essencialmente duranteos anos que Eric Hobsbawm
denominou de “Os Anos Dourados”. Hobsbawmafirma que foi somente no
final do período compreendido no fim dos anos 1970 que observadores
“começaram a perceber que o mundo, especialmente o mundo
desenvolvido do capitalismo, tinha passado por uma fase totalmente
excepcional na sua história, talvez uma fase única” (HOBSBAWM, 1994,
p. 258). Eleprossegue:

Éagoraevidente quea Época Douradapertenceuessencialmenteaospaíses


capitalistas desenvolvidos, que, ao longo destas décadas, representaram
quase três quartos da produção mundiale mais do que oitenta por cento
das exportações de produtos manufaturados. (HOBSBAWM, 1994, p. 259.)

Segundo ele, a economia do mundo estava crescendo numa “velocidade


explosiva”:

Na década de 1960 ficou claro que nunca havia existido nada igual. A
produção mundial de manufaturados tinha quadruplicado entre o início
dos anos de 1950e oinício dos anos de 1970, e mais impressionante ainda,

25

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

o comércio mundial em produtos manufaturados cresceu cerca de dez


vezes. (HOBSBAWM, 1994, p. 261.)

Um ponto importante sobre “Os Anos Dourados” é que, por um tempo,


os regimes de acumulação e controle democrático social e a construção
de um estado de bem-estar puderam existir numaaliança relativamente
benigna. Como David Harvey tem argumentado, foi o período que ele
chamou“reprodução expandida”:

Investimentos em educação, os sistemas rodoviários interestaduais,


ampliando a suburbanização, e o desenvolvimento do Sul e o Oeste
absorveram grandes quantidades de capitale da produçãonosanos de 1950
e 1960. Os EUA, para desapontamento dos neoliberais e conservadores,
tornou-se um estado de desenvolvimento durante estes anos. (HARVEY,
2003, p. 56.)

Nesse período histórico, tivemos, então, um exemplo de governos


nacionais social-democráticos, crescente sistemas de bem-estar e um
sistema capitalista funcionando, até certo ponto, harmoniosamente, para
o bem detodos:

A acumulação do capital prosseguiu de forma acelerada por meio da


“reprodução expandida”. Os lucros eram investidos no crescimento,
bem como em novas tecnologias, capital fixo e grandes melhorias na
infraestrutura. isso deu a cada Estado um poder discricionário sobre
as políticas fiscais e monetárias. O papel da especulação financeira
permaneceu relativamente discreto e confinado territorialmente. Esse
contexto “keynesiano” para gastos estatais coexistiu com a dinâmica da
luta de classes dentro de cada Estado em relação a questões distributivas.
Esse foi um período no qual o trabalho organizado tornou-se bastante
forte eos estados social-democráticos de bem-estar disseminaram-se pela
Europa. (HARVEY, 2003, p. 57.)

O divisor deáguas desse período de organização econômica foia crise


de petróleo de 1973. Ela reverteu a força viva da expansão dos “Anos
Dourados” eapresentou um problema novopara a acumulação de capital.
Como Harvey tem argumentado, o novo modo de acumulação foio de
“acumulação por espoliação” que “se tornou cada vez mais marcante

26

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

depois de 1973. Em parte, como compensaçãopara os problemascrônicos


de superacumulação decorrentes da reprodução expandida”. (HARVEY,
2003, p. 153.)

A eleição de Margaret Thatcher, em 1979, solidificou esse novo modo da


organização econômica:

Juntamente com Reagan, ela transformou toda a orientação daatividade


estatal em direção oposta ao estado de bem-estare na direção a um apoio
ativo das condições do “lado da oferta” da capitalização. O FMI e o Banco
Mundial mudaram as estruturas das suas políticas quase da noite para
o dia e dentro de poucos anosa adulteração neoliberal tinhafeito uma
marcha curta e vitoriosa, por meio destas instituições, para dominar suas
políticas, primeiro no mundo anglo-americano, mas subsequentemente
se expandindo por grande parte de Europa e do mundo. Desde então, a
privatização e liberalização do mercado foi a mantra do movimento
neoliberal, cujo efeito foio de transformaruma nova fase de “cercamento”3
em objetivo das políticas do estado. Ativos do estado ou públicos foram
liberados para o mercado no qual o excesso de acumulação poderia investir,
atualizar ou especular. Novos terrenos para a lucratividade se abrirame
isso ajudou a adiar o problema da superacumulação, pelo menos por um
tempo. Uma vez em ação, portanto, este movimento criou uma pressão
incrível para encontrar cada vez mais arenas, dentro ou fora do país, onde
a privatização pudesse ser alcançada. (HARVEY, 2003, pp. 157-158.)

O que essa citação de Harvey destaca é a surpreendente velocidade e


o considerável escopo desse novo padrão de organização econômica.
Na Grã-Bretanha, um dos primeiros bens a ser privatizado foi o grande
estoque de council housing 4, ou moradias públicas, que tinha sido uma
característica da política habitacional social-democrata na Grã-Bretanha
dopós-guerra. A venda dessas casas tornou-seuma marca registrada do

3 Cercamento (enclosure of the common) – originalmente, processo na Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII,
pelo qual terras comuns foram cercadas por nobres que expulsaram os camponeses e passaram a seros
seus donos exclusivos; o resultado disso foia concentração do capital e a Revolução Industrial (nota do
tradutor).

4 councilhouse é um tipo de moradia social ou públicano Reino Unido, construídae operada por conselhos
locais para suprir falta de habitação (nota do tradutor).

27

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Governo Thatchere de seu modelopioneiro de privatização eacumulação


por espoliação. Mas a privatizaçãoiria mais longeainda:

Na Grã-Bretanha, a privatização subsequente dos serviços públicos (água,


telecomunicações,eletricidade, energia, transporte), aliquidação de empresas
públicas e a mudança em muitas outras instituições públicas (tais como
as universidades), de acordo com uma lógica empresarial, significou uma
transformação radical dos ativos que favoreceram cada vez mais as classes
mais altas ao invés das classes mais baixas. (HARVEY, 2003, pp. 158-159.)

Essas mudanças no padrão de organização econômica de “reprodução


ampliada”para “acumulação por espoliação” ocasionaram consequências
profundas e duradouras para aqueles interessados nas concepções
mais amplas de democracia e educação democrática. O que as
interpretações acima mostram é como os partidos governantes do
estado estão programados por um processo similar de privatização.
O que os comentários também mostram é como isso favorece grupos
específicos e discrimina completamente outros. Assim, a noção de uma
democracia que representea todos é minada pela ordem econômicaem
que a governançase realiza. Operando plenamente dentro do mantra de
acumulação por espoliação, os governos abandonam seu deveranterior
de “representatividade”. Ao invés de ser um processo de representar “o
povo” contra interesses poderosos, a democracia é invertidae representa
os poderosos grupos de interesse contra “o povo”. Essa inversão da
democracia anda de mãos dadas com a nova ordem econômica. Donald
Savoie, no seu estudo Power: Where Is It? faz essa afirmação sobreas
instituições políticas “que perderam seu rumo”:

A democracia representativa está sendo substituída, aos poucos, por


pesquisas de opinião, grupos de discussão e de pressão, lobistas e
indivíduos poderosos que perseguem seus próprios interesses. Oscidadãos
são deixados de fora, assistindoa um jogo que se chama “política”em telas
de TV evendo um executivo superpoderoso, contido somente por juízes
não eleitos e por jornalistas. (SAVOIE, 2010.)

Percebe-se queele está sendo muito otimista ao considerar jornalistase


juízes não eleitos como forças compensatórias para o poder autoritário
do regimeatual.

28

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

A “inversão de democracia” no nível da política formal tem implicações


enormes, não somente para a sociedade e a cultura de modo geral,
mas para educação especificamente. Sea acumulação para poucos é
acompanhada pela espoliação de muitos, será rapidamente representada
por meio das instituiçõese práticas educacionais.

Podemos esperar, por exemplo, um rápido endurecimento do controle


sobre as vagas nas universidades favorecendo os poucos nas escolas
“públicas” (uma elite de 7%), à custa de muitos nas verdadeiras
escolas públicas, comuns para a grande maioria. Podemos esperar as
universidades concentrando seus processos seletivos na nova nota “A”
para os exames “nívelA”, privilegiando as disciplinas tradicionaise não
as novas disciplinas criadas para ensinarum grupo maior de alunos.
Essas políticas e prioridades nos processos seletivos favorecerão
predominantemente as escolas particulares que conseguem treinar
seus alunos em grupos pequenos especificamente para passarem tais
exames.

Podemos esperar que o processo seja mais restrito ainda pelaintrodução


de mensalidades para as universidades mais bem conceituadas, criando
mais um veto financeiro para alunos com menos recursos. Finalmente,
podemos esperar menos verbas direcionadas à pesquisa sobre educação,
especificamente para os estudos que investigam, do ponto de vista da
sociologia, os temas da igualdadee da distribuição.

Dessa forma, a apropriação feita por poucos das facilidades


educacionais custeadas pelas massas será atingida em segredo.
Podemos esperar que tais estratégias setornema norma na educação
durante o período de “acumulação por espoliação”. Esses padrões
globais difusos de privatização, acompanhados pela inversão da
democracia, levam claramente para esse tipo de “esvaziamento” do
espaço democrático. Nosso sistema de educação para as massas,
financiado por recursos públicos, também será esvaziado da mesma
forma.

Em nosso trabalho recente, temos estudado esses padrões no Sul e no


Norte da Europa. A trajetória de mudança no sul da Europa foiafetada
pelo período no qualos estados de bem-estar foram construídos.

29

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Respostas às questões do público

Quando se vive sob ditaduras por muito tempo, como vocês sabem,
adquire-se outra visão do governo. Elenão está necessariamente aoseu
lado eele nãoé necessariamente de confiança. Os gregos, os espanhóis
e os portugueses sabiam disso. Quando as reformas chegaram, elas
tenderam a fazero que chamamos de “dissociação”. Por exemplo, você
ia fazer uma entrevista e perguntava: “O que você pensa das reformas?”.
“Ah, as reformassão ótimas, sim. Eu gosto muito das reformas – o governo
está fazendo um bom trabalho!”. “E você tem feito algumas reformas?”.
“Oh, não. Nós não temos interesse em reformas. Eu sou a favor das
reformas... Mas não, não sãopara mim, não!”. Isto é dissociação. Em outras
palavras, as pessoas constatam o que o governo está fazendo e falam:
“Beleza! Reformas ótimas!” e, então, fazem exatamente ao contrário;
fazem o que estavam fazendoantes. Isto é dissociaçãoe não resistência.
É simplesmente dissociação eéisso que osportugueses, espanhóise
gregos estavam fazendo. Eu considero que, agora, consegue-se enxergar
esse fato, pelomenos um pouco, porque ocorre uma crise nos mercados
da Grécia, Espanhae Portugal.

Talvez nós possamos falar sobre isso mais tarde... Vamos passar para
outra coisa. Quero mostrar o efeito que períodos de mudança histórica
tem tido sobre as formas pelas quais o currículo é distribuído. Como
vocês talvez saibam, uma boaparte do meutrabalhoanterior foi sobreas
mudanças curriculares. Eu acrediteie ainda acredito que o currículo nas
escolase universidades constitui uma mediação muito importante entre
a estrutura social e o povo. Vejamoso Quadro 1.

QUADRO 1
PAÍS PERÍODO CARACTERÍSITCAS

Inglaterra 1945-1979 Narrativa progressista sobrea expansão do estado de bem


1979-1997 estar.

Narrativa mercantilizada.

1997-2007 Narrativa de meiotermo: metas, testes etabelas.

30

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Finlândia 1990-2007
1970-1989
1945-1969 Fase preparatória para a construção do estado de bem-estar.

A época dourada.

Reestruturação.

Grécia 1990-2007
1975-1989
1967-1974
1945-1967 Períodopós-guerra.

Ditadura.

Construção do estado de bem-estar.

Reestruturação.

irlanda 1997-2007
1987-1997
1970-1986 O fim da era do aprendizado e o aumento da secularização.

Visando uma parceria futura para uma nova abordagem.

Abrindo as comportas da reforma.

Portugal 1985-2007
1977-1985
1974-1976
1945-1974 Ditadura.

Período revolucionário.

Normalização.

Reestruturação.

espanha 2000-2007
1990-2000
1977-1990
1939-1976 Ditadura.

Normalização.

Construção doestado de bem-estar.

Reestruturação.

Suécia 2000-2007
1992-2000
1975-1992
1945-1975 Expansão do estado de bem-estar – serviços paratodos.

Descentralização e desregulamentação.

Mercantilização.

Agenda de qualidade.

Quero voltar aos anos 1960, minha “época dourada”, qunado os


professores falavam doensino nos anos 1960, que era a sua vida. Nessa
época, o currículo era muito importante na maioria dos países europeus;
embora me refira à Europa, issotambémera a verdade nos EUAe Canadá.
O currículo era frequentemente determinado e controlado pelos próprios
professores. A maioria das disciplinas escolares que tenho estudado
detalhadamente (História, Biologia, Inglês e Matemática) passou por
quatro etapasantes deserem devidamente consagradas como disciplinas
escolares.

31

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

QuadrO 2
1.A invenção ou a formulação de mudanças podem surgir das ideias ou
atividades de equipes educacionais, muitas vezes como resposta ao “clima de
opinião”; ou de invenções no mundo exterior (forças indiretas de mudança
externa), como resposta às novas direções e disciplinas intelectuais ou de
novas exigências escolares dos estudantes (forças externas indiretas de
mudança). A conceituação das etapas dessa teoria de mudança estava de
acordo com o trabalho de Bucher e Strauss sobre mudanças profissionais.
Para eles, novas formulações de mudança, ideias e invenções normalmente
existem em muitos lugares ao longo de um período de tempo, mas que
somente algumas dessas formulações são adotadas (BUCHER e STRAUSS,
1976, p. 19).

2.A promoção ou a implementação de mudanças podem ocorrer nos currículos


escolares quando novos temas são assumidos por grupos de educadores e
promovidos “onde e quando houver pessoas interessadas em ideias novas,
não somente como conteúdo intelectual, mas também como um meio de
estabelecer uma nova identidade intelectual e especialmente um novo
papel ocupacional” (BEN-FAVID e COLLINS, 1966, p. 461). A resposta de
professores de ciênciase matemática à tecnologia dos computadores é típica.
Nessa etapa, a promoção de mudança surge das percepções que as pessoas
têm sobre as possibilidades para melhorias básicas nos seus papeise status
ocupacionais.

3. A legislação ou o estabelecimento de políticas de mudança ampliam o alcance


e o impacto das mudanças. Embora as mudanças sejam mais frequentemente
formuladas e implementadas inicialmente pelos grupos internos de educadores, seu
estabelecimento e financiamento requerem o apoio de políticas eapoios externos
(MEYEReROWAN, 1978). Aalteração dalegislação está associadaao desenvolvimento
e manutenção detais discursos ou retóricas legitimadoras que propiciam um apoio
automático dos grupos externos paraaatividade, agora devidamente rotulada seja
como “ciência”, seja como “avaliação de alunos para ingresso no ensino superior”
(SATTests).
4. A mitologização ou mudança permanente institucionalizam a mudança em
questão. Uma vez que o apoio externo foi atingido por uma determinada
categoria de mudança, uma variedade bem ampla de atividades pode
acontecer. Os limites da ação no âmbito da nova política de mudança
são somente aquelas atividades que ameaçam a retórica legitimadora e,
portanto, o apoio do eleitorado. Dentro desses limites, as mudanças são
alcançadas e desenvolvem um status quase mitológico, como se sempre
existissem. Essencialmente, esse processo representa a garantia de uma
licença com o apoio pleno da força da lei pelo establishment por detrás
dela.

32

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

O primeiro éo período de “invenção”. Coisassão inventadas poropinião,


por grupos dentro da profissão de ensino ou através do surgimento
de uma invenção nova; por exemplo, computadores. Os computadores
foram inventados e depois a Ciência de Computação tornou-se uma
disciplina nova. Houve, então, a etapa 1 – um processo de “invenção”
nos anos 1960 e 1970. A etapa 2 é um processo de “promoção” no
quala disciplina nova é inventada, por exemplo, Estudos Ambientais
ou Geografia, sendo então promovida pelos grupos. “Promoção” é a
maneira pela qualela é incrementada, captando recursose construindo
apoio político. Na etapa 3, existe a “legislação”, quando o governo diz,
“Tudo bem, a disciplina deve fazer parte do currículo nacional” e ela
setorna legal. A última etapa éa “criação do mito”. Agora a disciplina
já tem status iguala muitas disciplinas que são vistas como óbvias,
por exemplo, a Matemática, a História: um mito é criado e ela se torna
se óbvia. Éassim que o currículo costumavaser inventado, quando
os professores tinham a autonomia profissional, quando governos
acreditavam queos educadorese professores sabiamo queseria melhor
para a educação, quando a educação tinha algum poder. Agora vamos
mudar para o próximo período que é o período de “neoliberalismo”.
Estou tentando mostrar como ocurrículo e as mudanças educacionais
são formuladasagora. Podemos passar para opróximo quadro.

QUADRO3
Formulação das mudanças. Mudanças em educação são discutidas numa variedade de
arenas externas incluindo gruposempresariais, especialistas associados, grupos novos
de pressão e uma variedade de novos grupos de pais recém-formados. Muitas vezes,
essas alterações se assemelham aos movimentos mundiais que têm suas origens no
Banco Mundiale no Fundo Monetário Internacional (TORRES, 2000). Grande parte
dessas mudanças é impulsionada pela crença na mercantilização da educação e na
prestação de serviços educacionais aos pais consumidores, que são livres para escolher
e negociar sobre sua provisão (KENWAY, 1993; WHITTY, 1997; ROBERTSON, 1998).

Promoção das mudanças. É controlada de modo similar por grupos externos com
envolvimento internovariado. Como escreve Reid (1984):
forças e estruturas externas emergem, não meramente como fontes
de ideias, lembretes, induzimentos e restrições, mas como definidoras
e operadoras das categorias de conteúdo, função eatividade para as
quais as práticas escolares devem se aproximar para atrair apoio e
legitimação. (REID, 1984, p. 68.)

33

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Legislação das mudanças. Propicia a indução legal para que as escolas sigam as
mudanças ordenadas externamente. Em alguns países, as escolas são avaliadas pelos
resultados dos exames (que são publicados em formato detabela). As medidas relativas
ao processo de subordinar a remuneração dos professores ao seu desempenho por
meio dos exames dos alunos ou dos resultados das provas também existem ou estão
em curso (MENTER, et al., 1997). Tal legislação lida com um regimenovo de ensino,
mas permite que os professores tragam algumas das suas próprias respostas em
termos de pedagogiae profissionalismo. No geral, as políticas de mudança escolar eas
políticas de currículo e avaliação são assim legisladas, masalgumas áreas de autonomia
profissionale algumasarenasassociadas a mudanças podem aparecer. Em certos países
(Escandinávia, por exemplo) isso está levando para uma descentralização progressiva
e um novo impulso para a autonomia profissional. Mais uma vez, os movimentos
mundiais para mudança são refratados historicamente pelos sistemas nacionais.

Estabelecimento de mudanças. Quando a mudança externa foi estabelecida sistemática


elegalmente, o poder reside principalmente nas novas concepções categoriais de como
as escolas funcionam – aplicando o currículo oficial, sendo avaliadas e fiscalizadas,
respondendo às escolhase demandas dos consumidores (HARGREAVES, EARL, MOORE
& MANNING, 2001). Uma boa parte da mercantilização das escolas éconsiderada óbvia
agora em muitos países, no sentido queatingiu o status mitológico.

a formulação de mudanças está acontecendo agora de forma misteriosa.


A defesa de um novo currículo e de mudanças é proveniente, agora, de
instituições como o Banco Mundialeo Fundo Monetário Internacional. O
que é que esses sujeitos sabem sobrea educação? Nada. Porque devemos
ouviro Banco Mundial? Écompletamente ridículo, masse se olhar de
onde vieram muitas das iniciativas novas e reformas, elas estão sendo
produzidas pelos especialistas financiadospelaindústria. Eis um exemplo
do mundonovo em que vivemos, que éum mundo do domíniocorporativo.
Não se deveacreditar que vivemos sob controle governamental, pois,
de fato, vivemos sob o domínio corporativo e o currículo demonstra
isso claramente. Não se trata mais de raízes educacionais, mas tem a
ver como FMI, o Banco Mundial, tem a ver com laboratórios de ideias.
O que acontece com o neoliberalismo e as práticas educacionais? A
privatizaçãose inicia no nível da sala deaula, o currículo, a maneira que a
educação éformada. Então verifica-sea “formulação de mudanças”, esses
interesses corporativos que controlamatelevisão, a maioria dos jornais,
e basicamente conseguiram o controle da narrativa. Eles promoveme
impulsionam as mudanças; eles podem dizer “nós precisamos de testes,
precisamos de professores mais responsáveis, precisamos deste currículo,

34

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

precisamos um currículo que seja mais econômico, não precisamos de


Sociologia, nós precisamos...” Eles podem dizer tudo isso e promover o
que eles quereme depois legalizar isso. Nos velhos tempos, quandoeu
estava dandoaula na escola, podia ensinar as disciplinas que quisesse
ensinar. Agora, na Inglaterra, o professor tem de escrever um relatório
sobrealição etem deapresentarum plano deaula para cada aula, os quais
são testados e fiscalizados e sua remuneração eas condições de trabalho
estão subordinadas aos resultados dos exames. O controle é bem rígido,
umagaiola de ferro de controle neoliberal assegurando que nenhum tipo
de conhecimento poluído, nenhum tipo de conhecimento radical, social,
útil ou alternativo consiga entrar nasala deaula.

É disso que se trata. Esse é o caminho dos padrões neoliberais:


metas, testes, tabelas de controle. Na Inglaterra existe uma tabela de
classificação para cada escola. Se sua escola está no topo, recebe mais
dinheiro. Se está na parte inferior, recebe menos. Pode-seadivinharem
quais escolas estudam os pobres. Eem quais escolas estudam os ricos?
Os ricos estudam nas escolas do topo databelaeos pobres estudam nas
escolas quese situam na parteinferior; as escolas dos ricos recebem mais
dinheiro e as dos pobres recebem menosporque elas estão na parte de
baixo databela. Temos, então, o mesmojogo neoliberal, que já mencionei,
de encaminhamento para as oportunidades de vida escolar das criançase
dos alunos da universidade.

Vamos considerarum pouco sobre os dois períodos que tentei discutir.


Claro,éaEuropaqueestoudiscutindo,masessesdoisperíodossemisturam
um pouco. Voltemosaos anos 1960, 1970 e oinício dos anos 1980. Esse é
operíodo no qual os estados de bem-estar estavam sendo construídose
o capitalismotinha um interesse neles. O capitalismo não é sempre uma
coisaruim – esse éoprimeiropontoaressaltar. Eusei que deveparecerum
pouco estranho vindo de mim, mas para mimele não é sempre ruim. No
período depois daguerranão havia prédios na Europa. Todoselestinham
sidos destruídos. Foi quando se tevea oportunidade de reconstruirum
continente inteiro, para construir sistemas de bem-estar, para construir
escolas, hospitais e rodovias, para seganhardinheiro com os sistemas de
bem-estar. Construindo escolas públicas, hospitais, rodoviase pontes, o
capitalismo ganhou dinheiro, então o sistema de bem-estar satisfazia o
capitalismo. Harvey chama esse período de “reprodução estendida”, que

35

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

para ele significa que capitalismo e democracia social estavam ligados de


alguma forma, numa relação difícil, masos dois projetospodiam caminhar
um ao lado do outro. Foi uma época de convivência entre corporações, o
mundo das finançase os estados de bem-estar, em que se podia ganhar
dinheiro construindo hospitais públicos e escolas públicas, em que
todos estavam razoavelmente satisfeitos. Quando isso mudou? Quando
chegaram osanos 1980e 1990, todas as escolastinham sido construídas,
todos tinham duas geladeiras, três carros, uma casa, todo mundo tinha
tudo que precisavae não se podia continuar ganhando dinheiro naquela
situação. Entãotivemos que mudar para o segundo regime, a segunda
forma de ganhar dinheiro, uma fase de “acumulação por espoliação”, na
qual seganha dinheiro entrando no Iraque, bombardeando-ototalmente
e ganhando uma fortuna na sua reconstrução. Nova Orleans submerge
nas águase seganhauma fortuna reconstruindo-a. Em termos deserviços
públicos, é o mesmoato de espoliação. Se remover escolas e hospitais
do domínio público para oprivado para que se possa ganhar dinheiro
com eles. O período de “acumulação por espoliação” está agora em pleno
andamento na Europa. Basta olhar para o que está acontecendo na Grécia,
na Itália. Na Gréciaelestiverama ideia estranha de fazer um plebiscito,
perguntando para o povo o que eles pensavam. Isso causou indignação
nos mercados! A ideia de perguntar para as pessoas! Elas poderiam ter
dito “Não”! Os mercados poderiam não gostar da solução, entãoeles não
deveriam ter perguntado para o povo. Isso éa “inversão da democracia”,
que vai de mãos dadas como novo regime da acumulação por espoliação,
de desapropriação de países, de cidades, dos serviços públicos, para
ganhar dinheiro comisso.

Essas mudanças no padrão da organização econômica, da “reprodução


expandida”à“acumulação por espoliação”, têm consequências profundas
e duradouras para aqueles interessados nos conceitos amplos de
democracia e democracia social, como espero que vocês estejamaqui
no Brasil. Issoporque o comentárioacima demonstra que os partidos
governantessão atraídosporum processo similar deprivatização em cada
país. O que essas interpretaçõestambém mostramé como essa espoliação
favorece alguns grupos específicos, os ricos, e discrimina outros grupos,
os mais pobres. Então a noção de uma democracia que representatodasas
pessoas é minada pela nova ordem econômica na qual nós vivemosagora.
Funcionando sob o mantra da “acumulação por espoliação”, os governos

36

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

abdicam dos seus deveresanteriores de representação das pessoas. Ao


invés da democracia ser representativa das pessoas contra interesses
dos poderosos nos negóciose nas finanças, a democracia está invertida,
representando os poderosos grupos de interesse contra as pessoas. Essa
inversão da democracia vai de mãos dadas coma nova ordem econômica.
O estudo de Donald Savoie (Power: Where Is It?), um estudo brilhante
que acabou deser lançado, demonstra como a democracia representativa
está sendo substituída, aos poucos, por levantamentos de opiniões,
grupos de pressão, grupos de discussão, lobistase indivíduos poderosos,
seguindo seus próprios interesses econômicos, tais como Rupert
Murdoch, Berlusconi. Os cidadãos estão sendo deixados do lado de fora
para assistir ao jogo chamado democracia nastelas de televisão e para
ficar olhando enquanto os poderosos constroem a história sozinhos. A
inversão da democracia, no nível da política formal,é um motivo parauma
crise gigantesca e tem implicaçõesenormes para associedades que estou
discutindo. Sea acumulação é para poucose a espoliação para muitos éo
queenfrentamos, pode-seimaginar o que isso significa para instituições
educacionais, como as escolase universidades.

Vou dar uma resposta específica à pergunta: “O que aconteceu com os


resultados do Projeto da Fundação Spencer?” O projeto Spencer5 foi
financiado pelo governoe os resultados demonstram claramente que
as reformasatuais não estavam funcionando. E uma das partes mais
interessantes do projeto inteiroparamimfoi queele destacoue esclareceu
onde reside o poder, porque o que aconteceu foi maravilhoso. O que
aconteceu foi quetrês dias depois dolançamento do nosso relatório, todos
os funcionários públicos responsáveis pelas reformas foram convocados
paraumareunião nasede de IBM, a empresa de computação, quandoforam
dadasinstruções sobre como responder a esse conjunto de resultados. Ai
ficou evidente quem controlouas reformase de onde as reformas estavam
surgindo, e que os funcionários públicos da área de educação estavam
sendo instruídos bem claramente pelos interesses corporativos. Em
resposta à sua pergunta geral, não é sobre educação, é sobre a produção
de um relacionamento com o poder econômico, que torna os cidadãos
consumidores econdescendentes com esse relacionamento. Não é sobre

5 Ver http://www.spencer.org/content.cfm/research (nota do tradutor).

37

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

umatentativa de aumentara qualidade da educação-isso énítido. Agora


se tem um projeto de pesquisa, muito bem financiado, mostrando qual
éo problema. E não foi uma pesquisa de perspectiva esquerdista. Foi
uma pesquisa muito sensata mostrandoporque os professores estavam
seaposentando. Maseles nãose importaram nem um pouco, então, isso
me mostrou com bastante clareza ondeficavamas prioridades do projeto
neoliberal.

Agora, a respeito dos anos 1960 e 1970, que designei como “época
dourada”. O que eu quis dizer é que esses foram períodos em que as
pessoas visavam o ensino como o centro dos seus mundos. Mas é
também a verdade que não eram anos perfeitos, pois sempre existiram
professores que não tinham um bom desempenhoe sempre existiram,
como vocêafirma corretamente, sindicatos que obstruíam boas práticas,
pois os sindicatos nem sempre estão do lado do bem e os professores
nem sempre são bons professores. Sempre haverá alguns professores
incompetentes, alguns professores preguiçosos, assim como sindicatos
incompetentese preguiçosos. Então, um dos problemas com essa análise,
como todo mundo sabe que é a verdade, é que os serviços públicos
não são perfeitos. Existem alguns problemas com os serviços públicos,
existem alguns problemas com as burocracias, existem problemas
com interesses arraigados e existem problemas, nemadianta discutir.
Mesmo na época dourada dos anos 1960, os sindicatose professores às
vezes eram preguiçosos, incompetentese obstrutivos. Isso é a verdade.
A pergunta é o que se faz com isso? Eis a pergunta. Você tenta fazeros
sindicatos menos obstrutivos e mais sensatos? Melhorar os professores
preguiçosos? A questão é: como fazerisso? Uma solução é melhorar
os serviços públicos, investir mais dinheiro, gastar mais tempo, tentar
negociarcom os sindicatoseos elementos obstrutivos. Para mim, essa éa
resposta:tentarmelhorarosserviços públicos. A resposta ésimplesmente
esta: se existem problemas como setor público, nãose podeabandoná-lo
completamente, espoliá-lo ou dá-lopara os outros! Você honestamente
acredita que dando os hospitaise escolas para os financistas vai torná
los mais eficientes? Isso simplesmente nãoé verdade. Uma vez que você
entregar essas coisas às empresas e aos lucros, o jogo acaba e o controle
passa completamente da zona pública, da democracia representativa, às
mãos dos empresários gerando lucros. Então é um enigma complicado,
não é? Seria absurdoafirmar que os serviços públicos são ótimos; não,

38

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

não são ótimos e tem de ser melhorados. Os sindicatos não deveriam ser
tão obstrutivos, os professores às vezes deveriam trabalhar mais. Isso
tudo é a verdade, existe muita burocracia, essa éa situação. A questãoé,
qual é a solução? Porque eu tenho certeza absoluta que a solução nãoé
entregartudo issoao mundo de negócios para gerar lucros.

Quanto ao Projeto RIAPE 36, ele investiga a velocidade com que


a educação tem sido privatizada na América Latina. O líder, não é
surpresa, é o Chile, que tem um número enorme de instituições
privadas e praticamente nenhuma pública. O Chile sempre foi líder
em termos de neoliberalismo e sempre teve o maior número de
instituições privadas. O país com mais instituições públicas é a
Argentina, pois lá sempre houve um setor privado muito pequeno e
um númeroalto de instituições públicas. Uma das lições que se pode
tirar disso, uma lição importante para o Brasil, é nós voltarmos paraa
ideia de refração e vislumbrarmos como resistirà dominação privada
da educação superior, pois os estados fortes financeiramente sempre
tiveram que fazer exatamente isso. Para dar mais um exemplo do que
está acontecendo na Inglaterra, tem-se um partido de homens ricos
que assumiu o poder. Quando meu filho estudou na universidade era
de graça, o Estado pagava para ele estudar, recebia auxílio; agora, você
tem de pagar valores deaté 29 mil libras esterlinas para um curso de
trêsanos. Então, não é difícil saber quetipo de pessoa estuda em Oxford
e Cambridge e que tipo nãoestuda. Seeu viesse de uma família pobre,
seria impossívelestudar numa universidade, poiseu nunca conseguiria
ter 29 millibras esterlinas. Quanto éisso em reais? Mais ou menos 100
mil reais, eu acho. Então o que está acontecendo é que a privatização
está sendo cada vez mais impulsionada eé preciso cuidar dissoaqui
no Brasil. Eles aumentam tanto as taxas na universidade pública quese
torna mais baratoe eficiente estudar numa universidade privada; essa
éa situação na Inglaterra. Estou prestes a lecionar numa universidade
na Estôniae muitas pessoas estão indo para a Estônia estudar porque
a educação lá é gratuita. Isto é ridículo! Se eu fosse uma pessoapobre
na Inglaterra agora, eu provavelmente estudaria na Holanda ou na
Estônia, onde poderia estudar de graça porquelá os governos custeiam

6 Ver http://www.riaipe-alfa.eu/.

39

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

os estudos. Isso é um aviso: é perigoso começara aumentar as taxas


nas universidades. Agora, na Inglaterra, está acontecendo uma coisa
interessante, e desculpepor sempre falar sobre a Inglaterra, mas é o
meu paíse eu o conheçobem. A coisa mais interessante, no momento, é
que o governo conservador quer entregartudo ao mundo de negócios,
as universidades especificamente, e existem empresas americanas
fazendo fila para assumir nossas universidades. As universidades
americanas estão entrando e cobrando taxas mais baixas, destruindo
as universidades públicas, maso que é mais interessante é que não
são somente as empresas americanas que estão entrando no espaço
público. Nós temos uma coisa, não sei se existe no Brasil, mastemos
uma coisa chamada “movimento cooperativo”. Isso soa familiar a
vocês? Existe um movimento cooperativo bem grande na Espanha.
O movimento cooperativo não é somente uma empresa de sucesso,
é também socialista nos seus princípios e está começando a entrar
nas escolase universidades, construindo suas próprias universidades
sociocooperativas, nas quais cooperação e serviço público ajudam as
pessoas, se importam com os outros, compartilhando etc. Portanto,
a coisa interessante é que, enquanto em determinados lugares se
destrói o espaço público, outros espaços que podem ser ocupados
por grupos cooperativos mais radicalmente sociais, se abrem. Eu não
sei o que vai acontecer no Brasil, mas a verdade é que, quando se
tenta desestabilizarum sistema público, não entra somente dinheiro
privadoamericano, mas pode entrar de outras fontes e outras coisas
acontecerem. Parece que na Inglaterra vai ser uma disputa muito
interessante: como será a universidade pós-pública que vaiaparecer?
Algumas das universidades pós-públicas parecem mais cooperativas,
mais inclusivas socialmente, mais seletivas socialmente que as antigas.
Então não soutãopessimista quantojá fui. A suposição de que o setor
público está sendo desestabilizado e substituído por universidades
com fins lucrativos não está funcionando assim na Inglaterra: estão
emergindouniversidades mais cooperativase conscientessocialmente.
Averdade no mundo é que tem sempre uma luta pelopoderenenhum
ladoganha para sempre. Chomsky disse que o neoliberalismo tem
a população do mundo pelo pescoço e ele provavelmente está certo
no momento, mas eu penso que novos movimentos sociais estão
emergindoe novas forças sociais emergirão. Não é possível sustentar
uma ordem econômica que serve somenteauma elite muito pequena.

40

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

A questão crucial, em termos de ensino, sobre o futuropolítico, é que,


pela primeira vez na história, seenxerga uma ordem econômica que está
atacandonão somente oproletariado, os trabalhadores, mastambémos
grupos profissionais. Quandose fala da crise nas universidades, pode
se falar que existe uma crise no Direito, na Medicina, entre os médicos,
enfermeiros, professores, uma crise que envolve grupos profissionais
inteiros, em cada sociedade. Os próprios grupos profissionais estão
sendo atacados por essa ordem e se examinarmosa história dastiranias
desse tipo que tentam atacar os elementos influentes da burguesia
profissional, veremos que elas normalmente falham. Esse é o meu
argumento no livro Professional Knowledge: Professional Lives: o
neoliberalismo está sofrendo como chamado overreach, ou estendendo
se demais; está fazendo muitos inimigos e beneficiando um grupo
pequeno demais. Éfácil demaisespoliarospobres, é fácil demais punir
as favelas. Sim, dá para fazer, é muito fácil. É muito mais difícil matarum
setor profissional inteiro. Então, parafraseando Lênin, parafraseando
o comunismo: pode nãoser oproletariado que se levante aqui, pode
ser as classes profissionais que se levantam. De fato, Christopher Lasch
escreveu que a revolução que desafiará o neoliberalismo será a revolta
da classe média e dos ricos, será uma revolta dos grupos profissionais,
pois essa crise nas universidades está acontecendo em todos os países.
Os professores universitários se sentem em crise, eles se sentem
ameaçados, é uma declaração incisiva dizer que osadvogados se sentem
ameaçados! Éextraordinário que uma ordem mundialesteja seopondo
à base profissional inteira, seopondo à cultura inteira, que atacaa arte,
a música. O capitalismo quer assumir tudo e ganhar dinheiro com isso,
masterá que excluir muitas pessoase substituí-las. Terá que espoliar
90% da população de cada país parater sucesso. Dá para imaginarisso
funcionando? Consegue-se imaginarum sistema que tenha o controle
das representações e dos grandes exércitos? Que tenha controle de
uma situação na qual 90% da população está contra ele? Eu penso que
não. Quer dizer, Hitler e Stalin não conseguiram, Franco não conseguiu,
Salazar não conseguiu. Por que acreditar que o capitalismo vai
conseguir? Eles têm controle sobreas representaçõese podem controla
las, mastente se livrar de 90% da população. Eu nãoacredito nisso. Eu
penso que a crise doensino é muito profunda, mas também existe uma
crise profunda do próprio neoliberalismo. Não se podeatacar todos os
professores, médicos, advogados, enfermeiros. Sim, ocorre o controle da

41

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

mídia, da narrativa, mas não suficientemente de todas as pessoas. Sinto


muito, mas não vão conseguir!

Retomando o RIAPE 3: esse projeto surgiu pela iniciativa em Portugal


de um homem chamado António Teodoro, líder do Sindicato Português
de Professores. Ele reuniu um grupo na América Latina e convidou
a Universidade de Brighton para acompanhar o projeto. Houve um
concurso e eu acredito que havia 130 inscrições para os 1,3 milhões de
euros. Eu penso que temaver coma maneira como eleconstruiu sua rede
na America Latina.

Sobre a participação brasileira no projeto, acho que estou certo ao


aformar que as duas universidades são da Bahia e do Rio. Foram esses
lugares que fizeram ligação como projeto. Aliás, se se quiser saber mais
sobre os projetos que discuti – RIAPE 3, Profknow,7 Spencer –, meu
filho criou um site legal (www.ivorgoodson.com) em que se pode baixar
informações sobre os projetos e a maioria das minhas publicações, sem
precisar comprá-las.

Perguntaram-me sobre a Inglaterra. Quando terminamos esse projeto


(Profknow), também terminamos um outro projeto grande chamado
Learning Lives,8 que investigou como as pessoas na Grã-Bretanha
aprendiam, um estudo de cincoanos que tentou produzir uma política
sobre aprendizagem ao longo da vida para o governo do Partido
Trabalhista. Tivemos que relatar seus resultados numa maneira
persuasiva, pois se eu tivesse falado tudo que faleia vocês hoje (sobre
a crise das classes profissionais etc.) o governo não teria escutado
nada. Eles teriam dito: “Esse sujeito é somente um velho, um maníaco
esquerdista...”. Isso mostra um dos microjogos políticos que é necessário
jogar se você for um gramsciano, se for um intelectual público, ou seja,
falar de formas diferentes paraaudiências diferentes. Não é uma forma
falsa de se comportar, não é desonesto, mas é falar a verdade de uma
formapoderosa. Tem-se quese falar de uma maneira específica.

7 Profknow:http://www.ips.gu.se/english/Research/research_programmes/pop/current_research
profknow/.

8 Learning Lives: http://www.learninglives.org/index.html.

42

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Então eu estrutureia discussão como governo assim: eu mostrei de um


lado todas as narrativas sistêmicas, eu mostrei que Inglaterraeralíder na
conformidade como neoliberalismo. Tínhamos produzido mais políticas
que estavam deacordo com o Banco Mundial e o FMI e que na parte
inferior da tabela classificatória estava a Finlândia, que basicamente
ignoroutudo o que o FMI orientoue seguiu uma política de investimento
na autonomia profissional dos professores. Eles tinham um lema do
governo, e isso é interessante, o lema de “confiar nos professores” – e,
na Inglaterra, o governo estava satisfeito por estarmos no topo da escala
neoliberal. Mas, em seguida, mostrei a tabela do PISA (PISA é uma
avaliação de desempenho em várias disciplinas) e o que foi mais estranho
era que a Inglaterra estava lá em baixo, ou seja, o país que foi o mais
neoliberal apresentou opior desempenho educacional e o líder natabela
foia Finlândia, o menos neoliberal. Em vez de começara dar lição para
eles, euperguntei: “Porque será que é assim? Será que isso não devefazê
los pensar que o neoliberalismo tem alguns problemas?”.

Como resultado dessa discussão, acredito que conseguimos envolveropoder


einfluenciá-lopara oafrouxamento de algumas posições neoliberais. Estão
testando menos os professores, existem menos exames nas escolas, menos
responsabilização e avaliação em termos de tabelas e índices. Em vez de
tabelas classificatórias que avaliam o sucesso das universidades ou escolas
com base em resultados de exames, o governo foi persuadido a interpretá
las deacordo com os “valores agregados”. Em outras palavras, as escolas
que se destacaram foramas que demonstraram resultados melhores para
as crianças que começaram em níveis mais baixos. Com o “valor agregado”,
comprova-se que as escolas com alunos pobres ficam no topoe escolas
com alunos ricos ficam em patamares mais baixos, que é exatamente o
que eu gostaria de ver, o valor que as escolas produzem. Para concluir, o
estudo demonstrou a relação entreas tabelas, os resultados educacionais
eo neoliberalismo na Finlândiaea Inglaterra, levando o governoa pensar:
“Bem, de fato, se quisermos fazer alguma coisa na educação, temos que nos
distanciarum pouco do neoliberalismo”. Talveza coisa maisinteressanteem
tudo isso é que os países que foram mais longe como neoliberalismo são os
queestãosedistanciandomaisrapidamente deleagora. Éummundopeculiar
onde vivemos, no quala maioria dos países está mudando em direçãoao
neoliberalismo enquanto os países que começaram com eleagora estãose
distanciando... Éum momento estranho na educaçãoe na história humana.

43

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Agora, as questõessobre oensino, sobrea“reprodução social”, elas surgem


de um trabalho queando fazendo. Não sei se vocês estão familiarizados
com otrabalho de Pierre Bourdieu, queafirmou que a “reprodução social”
acontece através do capital social, simbólico e cultural das pessoas. Em
outras palavras, o tipo de pessoa que David Cameron é na Inglaterra: um
homeminglês, refinado, quefalabem, conhece os clássicos, conhece grego,
sabe remarum barco, veste um beloterno. Isso é“capital simbólico”, isso
é “capital cultural”e que, portanto, deve assegurar o sucesso social. De
acordo como que acabo de argumentar, o neoliberalismo está perdendo
o seu poder narrativo em grupos profissionais. Estou sugerindo que
há uma forma nova de “reprodução social” e ela está de acordo com o
trabalho de Richard Sennett. No seu livro maravilhoso the corrosion of
Character(1999), Sennettargumenta que o neoliberalismo está perdendo
seu controle sobre a história. As pessoas nãoacreditam na narrativa do
neoliberalismo e existem formas novas de reprodução social que não são
através da forma antiga de aquisição do capital culturale social simbólico,
masatravés da aquisição do que eu chamo de “capital narrativo”. Capital
narrativo é a capacidade de criarum caminho pelo qual as pessoas vão
querer seguir. Alguém comum nível baixo de capital simbólico, mas um
nível alto de capital narrativo, é Obama. Alguém com um nível alto de
capital simbólico e nenhum capital narrativo são George Bush ou David
Cameron. Elestêm níveisaltos de capital simbólico, mas ninguémacredita
em nenhuma palavra do que eles dizem. Quem vai acreditar em David
Cameron? Quem vai acreditar queele se importa com os pobres? Ele é
um multimilionário que estudou em Cambridge e que não dá a mínima
para os pobres, claro que não! Assim, o capital narrativo vaiser a chave
para as formas novas de reprodução social. Agora, paravoltar à pergunta
anterior, seas pessoas envolvidas na preparação dos professores estão
tentando vender seus programas, devem vendê-los não nas formas
antigas de capital cultural e social, mas na capacidade de gerar capital
narrativo, a capacidade das pessoas para contar histórias poderosase
engajadoras que constroem movimentos sociaise universidadese escolas
bem sucedidas. Estamos nos afastando de um período de objetividade,
um período de fatos, figurase tabelas e estamos nos movendo para um
momento de subjetividade, um momento subjetivo, não um momento
objetivo e de neoliberalismo que está no lado errado. E se é um tempo
de subjetividade, o tipo de capital crucial que as pessoas precisam
desenvolver é seu capital narrativo enãoseu capital social ou simbólico.

44

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Referências

ARONOWITZ, S.; GIROUX, H. Postmodern Education: Politics, Culture and Social Criticism.
Minneapolis: University of Minnesota Press, 1991.

BELL, D. The Coming of Post-Industrial Society. New York: Basic Books, 1973.

CUBAN, L. How Teachers Taught: Constancy and Change in American Classrooms, 1890
1980. New York: Longman, 1984.

DENZIN, N. Images of Postmodern Society: Social Theory & Contemporary Cinema.


London: Sage, 1991.

FULLAN, M. Change Forces: The Sequel. London: Falmer Press, 1999.

FULLAN, M. The Return of Large-scale Reform. The Journal of Educational Change, p. 5-28,
v. 1, n. 1, 2000.

GIDDENS, A. Modernity and Self-Identity: Self and Society in the Late Modern Age.
Stanford, CA: Stanford University Press, 1991.

GOODSON, I. Studying Curriculum: Cases and Methods. Buckingham: Open University


Press, 1994.

HARGREAVES, A., Changing Teachers, Changing Times: Teachers’ Work and Culture in the
Postmodern Age. New York: Teachers’ College Press, 1994.

HARVEY, D. The New Imperialism. Oxford: Clarendon Press, 2003.

HOBSBAWN, E. Age of Extremes: The Short Twentieth Century, 1914-1991. London:


Penguin, 1994.

LlEBERMAN, A. (Org.). The Work of Restructuring Schools. New York: Teachers College
Press, 1995.

LYOTARD, J. (Org.). The Postmodern Condition: A Report on Knowledge. Minneapolis:


University of Minnesota Press, 1984.

45

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

McCULLOCH, G. Essay review of Changing Teachers, Changing Times, by A.


Hargreaves. British Journal of Sociology of Education, p. 113-117, v. 16, n. 1, 1995.

MEYER, J.; ROWAN, B. The structure of educational organizations. In: MEYER,


J.; MARSHALL, W. (Org.). Environments and Organizations: Theoretical and
Empirical Perspectives, San Francisco: Jossey-Bass, 1978. p. 78-109.

MILLS, C. The sociological imagination. London: Oxford University Press, 1959.

SENNETT, R. The Corrosion of Character: The Personal Consequences of Work in


the New Capitalism. London: W.W. Norton, 1999.

SAVOIE, D. J. Power: Where is it? Queens: McGill University Press, 2010.

TYACK, D.; HANSOT, E. Learning Together: A History of Coeducation in American


Public Schools. New York: Russell Sage, 1992.

TYACK, D.; TOBIN, W. The ‘Grammar’ of Schooling: Why Has it Been so Hard to
Change? American Educational Research Journal, p. 453-479, v. 31, n. 3, Fall,
1994.

WESTBURY, I. Conventional classrooms, ‘open’ classrooms and the technology of


teaching. Journal of Curriculum Studies, p. 99-121, v. 5, n. 2, 1973.

YOUNG, M.; SCHULLER, T. (Org.). The Rhythms of Society. London & New York:
Routledge, 1988.

Leituras complementares

Livros

GOODSON, I. Studying Teachers’ Lives. London & New York: Routledge, 1992.

——— Livshistorier – kildetil forståelse avutdanning. Bergen, Norway: Fagbokforlaget,


2000.

46

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— Life Histories ofTeachers: understanding life and work. Japan: Koyo Shobo, 2001.

——— The Birth of Environmental Education. P.R. China, East China: Normal University
Press, 2001.

——— Professional Knowledge, Professional Lives: studies in education and change.


Maidenhead& Philadelphia: Open University Press, 2003.

——— Vädär Professionell Kunskap? Förändrade Värdingarav Lärares Yrkesroll. Sweden:


Studentlitteratur, 2003.

——— Learning, Curriculum and Life Politics: the selected works of Ivor F. Goodson.
Abingdon: Taylor & Francis, 2005.

——— Politicas do Conhecimento: vida e trabalho docente entre saberes einstituições.


(Organizaçâoetradução:RaimundoMartinse Irene Tourinho),Brasil: ColeçãoDesenrêdos,
2007.

——— Professional Knowledge, Professional Lives. Beijing: Beijing Normal University


Press, 2007.

——— Professionel Viden. Professionelt Liv: studier af uddannelse og forandring.


Denmark: Frydenlund, 2007.

——— Investigating the Teacher’s Life and Work. Rotterdam, Boston & Taipei: Sense, 2008.

GOODSON, I. Developing Professional Knowledge about Teachers. Hangzhou: Zhehiang


University Press, 2009.

———Through the Schoolhouse Door. Rotterdam, Boston & Taipei: Sense Publishers, 2010.

——— Life Politics: Conversations about education and culture. Rotterdam, Boston &
Taipei: Sense Publishers, 2011.

——— The Life History of a School. New York & London: Peter Lang, 2011.

——— Narrative Theory: Life histories and personal representation. London & New York:
Routledge, 2012.

47

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

GOODSON, I. ; BALL, S. (Org.). Defining the Curriculum: Histories and ethnographies.


London, New York & Philadelphia: Falmer, 1984.

——— Teachers’ Lives and Careers. London, New York & Philadelphia: Falmer, (1985).

——— Teachers’ Lives and Careers. London, New York & Philadelphia: Falmer/Open
University, Open University Set Book Edition, 1989.

GOODSON, I.; BIDDLE, B.J.; GOOD, T.L. (Org.). La Enseñanza y los Profesores, III, la Reforma
de la Enseñanza en un Mundo en Transformación. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2000.

GOODSON, I.; BIESTA, G.J.J.; FIELD, J.; MACLEOD, F., et al. Improving Learning Through the
Life Course. London & New York: Routledge, 2011.

GOODSON, I.; BIESTA, G.J.J.; TEDDER, M.; ADAIR, N. Narrative Learning. London & New
York: Routledge, 2010.

GOODSON, I.; GILL, S. Narrative Pedagogy. New York: Peter Lang, 2010.

GOODSON, I.; HARGREAVES, A. (Org.). Teachers’ ProfessionalLives. London, New York and
Philadelphia: Falmer Press, 1996.

GOODSON, I.; LINBLAD, S. (Org.). Professional Knowledge and Educational Restructuring


in Europe. Rotterdam, Boston & Taipei: Sense, 2010.

GOODSON, I. LOVELESS, A.; STEPHENS, D. (Org.). Explorations in Narrative Research.


Rotterdam, Boston & Taipei: Sense Publishers, 2012.

GOODSON, I.; NUMAN, U. Life History and Professional Development: stories ofteachers’
life and work. Lund: Studentlitteratur, 2003.

GOODSON, I.; SIKES, P. Life History Research in Educational Settings: learning from lives.
Buckingham & Philadelphia: Open University Press, 2001.

GOODSON, I.; SIKES, P. Life History in Educational Settings. Japan: P. Koyoshuto, 2006.

GOODSON, I.; WALKER, R. Biography, Identity and Schooling. London, New York &
Philadelphia: Falmer, 1991.

48

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

Capítulos de livros

——— Life histories and teaching. In: HAMMERSLEY, M. (ed.) The Ethnography of
Schooling, Driffield: Nafferton, 1991.

———History context and qualitative method. In: BURGESS, R.C. (Org.). Strategies for
Educational Research, London, New York & Philadelphia: Falmer Press, 1985.

———Putting life into educational research. In: WEBB, R.; SHERMAN, R. (Org.).
Qualitative Studies in Education, London, New York & Philadelphia: Falmer Press, 1988.
p. 110-122.

———Understanding/undermining hierarchy and hegemony – a critical introduction.


In: HARGREAVES, A. Curriculum and Assessment Reform, Milton Keynes & Philadelphia:
Open University Press, 1989. p. 1-14.

———Teachers’ lives’. In: ALLEN, J.; GOETZ, J. Qualitative Research in Education, Atlanta:
Nova Science Publishers, 1990. p. 150-160.

——— (1992) ‘Dar voz ao professor: as historias de vida dos professores e o seu
desenvolvimento profissional’, in A. Novoa (ed.) Vidas de Professores, Coleccao Ciencias
Da Educacao, Portugal: Porto Editora.

GOODSON, I.; (1992) ‘Laroplansforskning: mot ett socialt konstruktivistiskt


perspektiv’, in S. Selander (ed.) Forskning om Utbildning, 136–155, Stockholm/
Skane: Brutus Ostlings Bokforlag Symposion.

——— (1992) ‘Studying teachers’ lives: an emergent field of inquiry’, in I.F. Goodson
(ed.) Studying Teachers’ Lives, 1–17, London and New York: Routledge.

——— (1992) ‘Studying teachers’ lives: problems and possibilities’, in I.F. Goodson
(ed.) Studying Teachers’ Lives, 234–249, London and New York: Routledge.

——— (1993) ‘ ‘Un pacte avec le diable’ ou des éléments de réflexion à l’intention
des formateurs de maîtres’, in L’université et le milieu scolaire: partenaires en
formation des maîtres, Actes du troisième colloque, 3–21, November, Montreal:
Université McGill.

49

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (1993) ‘Sponsoring the teacher’s voice’, in M. Fullan and A. Hargreaves (eds),
UnderstandingTeacher Development, London: Casselland New York Teachers’ College Press.

——— (1995) ‘Basil Bernstein and aspects of the sociology of the curriculum’, in P.
Atkinson, B. Davies and S. Delamont (eds), Discourse and Reproduction, Cresskill, New
Jersey: Hampton Press.

——— (1995) ‘The context of cultural inventions: learning and curriculum’, in P. Cookson and
B. Schneider (eds) TransformingSchools, 307–327, New York and London: Garland Press.

——— (1996) ‘Representing teachers: bringing teachers back in’, in M. Kompf (ed.),
Changing Research and Practice: teachers’ professionalism, identities and knowledge,
London and New York and Philadelphia: Falmer Press.

——— (1996) ‘Scrutinizing life stories: storylines, scripts and social contexts’, in D.
Thiessen, N. Bascia and I. Goodson (eds), Making a Difference About Difference, 123–138,
Canada: Garamond Press.

——— (1996) ‘Studying the teacher’s life and work’, in J. Smyth (ed.), Critical Discourses
on Teacher Development, London: Cassell.

GOODSON, I.; (1996) ‘The personal and political’, in T. Tiller, A. Sparkes, S. Karhus and
F. Dowling Naess (eds), Reflections on Educational Research: the qualitative challenge,
Landas: Caspar Forlag A/S.

——— (1996) ‘Towards an alternative pedagogy’, in S. Steinberg andJ. Kincheloe (eds),


Taboo, The Journal of Culture and Education, autumn

——— (1997) ‘Action research and the reflexive project of selves’, in S. Hollingsworth
(ed.) International Action Research: a casebook for educational reform, London and
Washington: Falmer Press.

——— (1997) ‘Holding on together: conversations with Barry’, in P. Sikes and F. Rizvi
(eds) Researching Race and Social Justice Education – essays in honour of Barry, Troyna,
Staffordshire: Trentham Books.

——— (1997) ‘New patterns of curriculum change’, in A. Hargreaves (ed.) A


Handbook of Educational Change, Netherlands: Kluwer.

50

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (1997) ‘The life and work of teaching’, in B. Biddle, T. Good and I. Goodson
(eds) A Handbook of Teachers and Teaching, 1 and 2, Netherlands: Kluwer.

——— (1997) ‘Trendy theory and teacher professionalism’, in A. Hargreaves


and R. Evans (eds) Beyond Educational Reform, Buckingham (UK) and
Philidelphia (USA): Open University Press.

——— (1998) ‘Storying the self’ in W. Pinar (ed.) Curriculum: Towards New
Curriculum Identities, London and New York: Taylor and Francis.

——— (1999) ‘A crise da mudança curricular: algumas advertências sobre


iniciativas de reestruturação’, in L. Peretti and E. Orth (eds), Século XXI: Qual
Conhecimento? Qual Currículo? 109–126, Petrópolis, Brazil: Editora Vozes.

——— (1999) ‘Entstehung eines Schulfachs’, in I. Goodson, S. Hopmann


and K. Riquarts (eds), Das Schulfach als Handlungsrahmen: vergleichende
Untersuchung zur Geschichte und Funktion der Schulfächer, 151–176,
Cologne, Weimar, Vienna, Böhlau: Böhlau-Verlag GmbH & Cie.

GOODSON, I.; (1999) ‘Representing teachers’, in M. Hammersley (ed.) Researching School


Experience: ethnographic studies ofteaching and learning, London and New York: Falmer
Press.

——— (1999) ‘Schulfächer und ihre Geschichte als Gegenstand der Curriculumforschung
imangelsächsischen Raum’, in I. Goodson, S. Hopmann and K. Riquarts (eds), Das Schulfach
als Handlungsrahmen: vergleichende Untersuchung zur Geschichte und Funktion der
Schulfächer, 29–46, Cologne, Weimar, Vienna, Böhlau: Böhlau-Verlag GmbH & Cie.

——— (2000) ‘Professional knowledge and the teacher’s life and work’, in C. Day, A.
Fernandez, T.E. Hauge andJ. Møller (eds), The Life and Work of Teachers: international
perspectives in changing times, London and New York: Falmer Press.

——— (2001) ‘Basil Bernstein F. 1925–2000’, in J. Palmer (ed.) Fifty Modern Thinkers on
Education: from Piaget to the present, 161–169, London and New York: Routledge.

——— (2002) ‘Afterword – international educational research: content, context, and


methods’, in L. Bresler and A. Ardichvili (eds) Research in International Education:
experience, theory, with practice, 180, 297–302, New York: Peter Lang.

51

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (2004) ‘Change processes and historical periods: an international perspective’,


in C. Sugrue (ed.) Curriculum and Ideology: Irish experiences, international
perspectives, Dublin: The Liffey Press.

——— (2005) ‘The personality of change’, in W. Veugelers and R. Bosman (eds) De


Strijd om het Curriculum, Antwerpen/Apeldoorn: Garant (sociology of education
series).

——— (2006) ‘Socio-historical processes of curriculum change’, in A. Benavot and


C. Braslavsky (eds) School Knowledge in Comparative and Historical Perspective:
changing curricula in primary and secondary education, Comparative Education
Research Centre, Hong Kong: The University of Hong Kong.

——— (2008) ‘Procesos sociohistóricos de cambio curricular’ in A. Benacot and C.


Braslavsky (eds) El Conocimiento Escolar en una Perspectica Histórica y Comparativ:
cambios de currículos en la educación Primaria y Secundaria, in Perspectivas en
Educación.

——— (2008) ‘Schooling, curriculum, narrative and the social future’, in C. Sugrue
(ed.) The Future of Educational Change: international perspectives, 123–135,
Routledge: Abingdon.

GOODSON, I.; (2008) ‘The pedagogic moment: searches for passion and purpose in
education’, in At Sætte Spor en Vandring fra Aquinas til Bourdieu – æresbog til Staf
Callewaert, Denmark: Forlaget Hexis.

——— (2009) ‘L’interrogation des réformes éducatives: la contribution des études


biographiques en éducation’, in J.-L. Derouet and M.-C. Derrout-Bresson (eds)
Repenser la justice dans la domaine de l’éducation et de la formation, 311–330, Berlin,
Brussels, Frankfurtam Main, New York, Oxford, Vienna: Peter Lang.

——— (2009) ‘Listening to professional life stories: some cross-professional


perspectives’, in H. Plauborg and S. Rolls (eds) Teachers’ Career Trajectories and Work
Lives, 3, 203–210, Dordrecht, Heidelberg, London and New York: Springer.

——— (2009) ‘Personal history and curriculum study’, in E. Short and L. Waks (eds)
Leaders in Curriculum Studies: intellectual self-portraits, 91–104, Rotterdam, Boston
and Tapei: Sense.

52

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (2012) ‘Case study and the contemporary history of education’, in J. Elliot and
N. Norris (eds) Curriculum, Pedagogy and Education Research: the work of Lawrence
Stenhouse, London and New York: Routledge.

——— and Ball, S. (1985) ‘Understanding teachers: concepts and contexts’, in S. Ball
and I. Goodson (eds) Teachers’ Lives and Careers. London and Philadelphia: Falmer
Press.

——— and Cole, A. (1993) ‘Exploring the teacher’s professional knowledge’, in D.


McLaughlin and W.G. Tierney (eds) Naming Silenced Lives, 71–94, London and New
York: Routledge.

——— and Gill, S. (2011) ‘Life history and narrative methods’, in B. Somekh and
C. Lewin (eds) Theory and Methods in Social Research, 2nd edition, Los Angeles,
London, New Delhi, Singapore, Washington DC: Sage.

———and Walker, R. (1995) ‘Telling tales’, in H. McEwan and K. Egan (eds) Narrative
in Teaching, Learning, and Research, 184–194, New York: Teachers College Press.

Relatórios técnicos

GOODSON, I.; (1991) ‘Studying teacher’s lives: problems and possibilities’ from the
project ‘Studying Teacher Development’, London, Ontario: Faculty of Education,
University of Western Ontario.

——— (1999) ‘Studying the teacher’s life and work’, in P. Kansanen (ed.) ‘Discussions
on some educational issues VIII, Research Report’, Volume 204, Helsinki, Finland:
Department of Teacher Education, University of Helsinki.

———, Biesta, G., Field, J., Hodkinson, P. and Macleod, F. (2008) ‘Learning lives:
learning, identity and agency in the life course’, The Economic Research Council
[Reference: RES-139-25-0111].

———, Fliesser, C. and Cole, A. (1990) ‘Induction of community college instructors’,


from the Interim Report of the project ‘Studying Teacher Development’, 50–56,
London, Ontario: Faculty of Education, University of Western Ontario.

53

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— and Mangan, J. (1991) ‘An alternative paradigm for educational research’, from
the project ‘Studying Teacher Development’, London, Ontario: Faculty of Education,
University of Western Ontario.

———, Mangan, J. and Rhea, V.A. (eds) (1990) ‘Teacher development and computer
use in schools’, Interim Report No. 4 from the project ‘Curriculum and Context in the
Use of Computers for Classroom Learning’, London, Ontario: Faculty of Education,
University of Western Ontario.

Monografias

———, Biesta, G. J. J., Tedder, M. and Adair, N. (eds) (2008). ‘Learning from life: the
role of narrative’, Learning Lives summative working paper, University of Stirling: The
Learning Lives project.

——— and Mangan, M. (eds) (1991) ‘Qualitative studies in educational research:


methodologiesintransition’, RUCCUSOccasionalPapers,1,334, University of Western Ontario.

——— and Mangan, M. (eds) (1992) ‘History, context, and qualitative methods in the
study of education’, RUCCUS Occasional Papers, 3, 279, University of Western Ontario.

———, Müller, J., Hernández, F., Sancho, J., Creus, A., Muntadas, M., Larrain, V. and Giro,
X. (2006) ‘European schoolteachers’ work and life under restructuring: professional
experiences, knowledge and expertise in changing contexts’ for the ProfKnow
Consortium, Brighton: University of Brighton.

——— and Norrie, C. (eds) (2005) ‘A literature review of welfare state restructuring
in education and health care in European contexts: implications for the teaching and
nursing professions and their professional knowledge’ for the ProfKnow Consortium,
Brighton: University of Brighton.

Artigos em periódicos

GOODSON, I.; (1980–1981) ‘Life histories and the study ofschooling’, Interchange, 11 (4).

54

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (1986) ‘Stuart’s first year’, New Era, August.

——— (1990) ‘Laronplansforskning: mot ett socialt konstruktivistiskt perspektiv’,


Forskning om utbildning, 1,4–18.

——— (1991) ‘Sponsoring the teacher’s voice’, CambridgeJournal of Education, 21 (1), 35–45.

——— (1992) ‘Investigating schooling: from the personal to the programmatic’, New
Education, 14 (1), 21–30.

——— (1993) ‘Forms of knowledge and teacher education’, in P. Gilroy and M. Smith
(eds) International Analyses ofTeacher Education, Jet Papers 1, Abingdon, Oxfordshire:
Carfax.

——— (1993) ‘The Devil’s bargain’, Education Policy Analysis Archives (electronic
journal), 1 (3).

——— (1994) ‘From personal to political: developing sociologies of curriculum’, Journal


of Curriculum Theorizing, 10 (3),9–31.

GOODSON, I.; (1994) ‘Qualitative research in Canadian teacher education: developments


in the eye of a vacuum’, International Journal of Qualitative Studies in Education, 7 (3),
227–237.

——— (1994) ‘Studying the teacher’s life and work’. Teaching and Teacher Education, 10
(1), 29–37.

——— (1994) ‘The story so far: personal knowledge and the political’, Resources in
Education, ERIC Issue RIEMAR95, I.D.: ED 376 160.

——— (1995) ‘A genesis and genealogy of British curriculum studies’, Curriculum and
Teaching, 9 (1), 14–25.

——— (1995) ‘Education as a practical matter’, Cambridge Journal of Education, 25 (20),


137–148.

——— (1995) ‘Storying the self: life politics and the study of the teacher’s life and work’,
Resources in Education, ERIC Issue RIEJAN96, I.D.: 386 454.

55

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (1995) ‘The story so far: personal knowledge and the political’, International
Journal of Qualitative Studies in Education, 8 (1), 89–98.

——— (1996) ‘Towards an alternative pedagogy’, Taboo, The Journal of Culture and
Education, autumn.

——— (1997) ‘Action research and the reflective project of self’, Taboo, The Journal of
Culture and Education, spring.

——— (1997) ‘Representing teachers’, Teaching and Teacher Education: An International


Journal of Research and Studies, 13 (1).

——— (1997) ‘Trendytheory and teacher professionalism’, Cambridge Journal, 27 (1),


7–22,spring.

——— (1998) ‘Preparing for post-modernity: storying the self’, Educational Practice and
Theory, 20 (1), 25–31.

——— (1999) ‘Professionalism i reformtider’, Pedagogiska Magasinet, 4, 6–12, December.

GOODSON, I.; (1999) ‘The educational researcher as a public intellectual’, British


Educational Research Journal, 25 (3).

——— (2000) ‘Life histories and professional practice’, Curriculum and Teaching, 16 (1).

——— (2000) ‘The principled professional’, Prospects, UNESCO, Geneva, January, 181–188.

——— (2001) ‘Med livet sominnsats (faktor)’, Bedre Skole: Norsk Lærerlags Tidsskrift
for Pedagogisk Debatt, Oslo, 1, 49–51.

———(2001)‘Socialhistoriesofeducationalchange’,Journal ofEducationalChange,2(1),45–63.

——— (2001) ‘The story of life history: origins of the life history method in sociology’,
IDENTITY: An International Journal ofTheory and Research, 1 (2), 129–142.

——— (2002) ‘De la historia al futuro: nuevas cadenas de cambio Entrevista a Ivor
Goodson’, Revista Páginas de la Escuela de Ciencias de la Educación U.N.C., 2 (2) and 3,
9–17, Córdoba, September.

56

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— (2002) ‘La personalidad de las reformas’, Cuadernos de Pedagogía, 319, 34–37,
December.

——— (2002) ‘Un curriculum para una sociedad democrática y plural Entrevista con …
Ivor Goodson’, KIKIRIKI-62/63, 25–30, September 2001/February 2002.

——— (2003) ‘Hacia un desarrollo de las historias personales y profesionales de los


docentes’, Revista Mexicana de Investigacion Educativa, VIII (19), September–December.

——— (2004) ‘Onderwijsvernieuwers vergeten de leerkracht’, Didaktief, 34 (3), March.

——— (2005) ‘The exclusive pursuit of social inclusion’, Forum, 47 (2), 145–150.

——— (2006) ‘The reformer knows best, destroying the teacher’s vocation’, Forum, 48
(3), 253–259.

——— (2007) ‘Currículo, narrativa e o futuro social’, Revista Brasileira de Educação 12


(35), May/August.

GOODSON, I.; (2007) ‘All the lonely people: the struggle for private meaning and public
purpose in education’, Critical Studies in Education, 48 (1), 131–148, March.

——— (2007) ‘Questionando as reformas educativas: a contribuição dos estudos,


biográficos na educação’ (Dossiê Temático: Em Multiplicidades nomeia-se currículo,
organizado por Antonio Carlos Amorim), Pro Posições, 8, No. 2 (53), 17–38, May/August.

——— (2010) ‘Times of educational change: towards an understanding of patterns of


historical and cultural refraction’.Journal of Educational Policy, 25 (6), 767–775.

——— and Adlandsvik, R. (1999) ‘Møte med Ivor F. Goodson’, Norsk PEDAGOGISK
ttidsskrift, 82 (2) 96–102.

——— and Anstead, C. (1993) ‘Structure and mediation: glimpses of everyday life at the
London technical and commercial high school, 1920-40’, American Journal of Education,
102 (1), 55–79.

——— and Anstead, C. (1995) ‘Schooldays are the happiest days of your life’, Taboo, The
Journal of Culture and Education, 11, 39–52.

57

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— and Anstead, C. (1998) ‘Heroic principals and structures of opportunity: conjoncture at
avocational high school’, InternationalJournalofLeadership in Education, 1 (1), 61–73, January.

———and Baraldi, V. (1999) ‘Entrevista, Ivor Goodson with V. Baraldi’, Revista El Cardo, UNER,
Year2,2 (2), – 29-31.

———and Cole, A. (1994) ‘Exploring the teacher’s professional knowledge’, Teacher Education
Quarterly, 21 (1),85–106.

——— and Fliesser, C. (1994) ‘Exchanging gifts: collaborative research and theories of context’,
AnalyticTeaching,15 (2).

———andFliesser,C.(1995) ‘Negotiatingfairtrade: towards collaborative relationships between


researchers andteachers in collegesettings’, PeabodyJournal of Education, 70 (3), 5–17.

———andFliesser,C.(1998)‘Exchanginggifts:collaborationandlocation’,ResourcesinEducation,
February.

——— and Foote, M. (2001) ‘Testing times: a school case study with M. Foote’, Education Policy
Analysis Archives, 9 (2), January (http://epaa.asu.edu/epaa/v9n2.html) accessed 28 February
2012.

——— and Hargreaves, A. (2006) ‘The rise of the life narrative’, Teacher Education Quarterly, 33
(4),7–21.

——— and Mangan, J.M. (1996) ‘Exploring alternative perspectives in educational research’,
Interchange, 27 (1), 41–59.

———andMangan,J.M. (1996) ‘Newprospects/new perspectives:a replytoWilsonandHolmes’,


Interchange, 27 (1),71–77.

———, Moore, S. and Hargreaves, A. (2006) ‘Teacher nostalgia and the sustainability of reform:
the generation and degeneration of teachers’ missions, memory, and meaning’, Educational
Administration Quarterly,42 (1), 42–61.

———, Muller, J., Norrie, C. and Hernandez, F. (2010) ‘Restructuring teachers’ work-lives and
knowledge inEnglandandSpain’,Compare: AJournalofComparative and International Education,
40 (3), 265–277, May.

58

Junqueira&Marin Editores
O futurO da dEMOcraciasOcial EO dEsEnvOlviMEntO dEuManOvapOlítica dE EducaçãO

——— and Norrie, C. (2009) ‘Les enseignants de demain: perspective anglo-saxonne


sur la restructuration des vies professionnelles et des connaissances des enseignants du
primaire’, Desensiegnants pour demain, éducation et sociétés, edited by Patrick Rayou,
No. 23 (1), 153–168.

——— and Numan, U. (2002) ‘Teacher’s life worlds, agency and policy contexts’, Teachers
and Teaching: Theory and Practice, 8 (3/4), 269–277, August/November.

——— and Pik Lin Choi, J. (2008) ‘Life history and collective memory as methodological
strategies: studying teacher professionalism’, Teacher Education Quarterly, 35 (2), 5–28.

———, Sikes, P. and Troyna, B. (1996) ‘Talking lives: a conversation about life’, Taboo, The
Journal of Culture and Education, 1, 35–54.

59

Junqueira&Marin Editores
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

EM BUSCA DA COMPREENSãO SOBREA ESCOLA

Alda Junqueira Marin


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Introdução

esdeosanos de 1950 e 1960, diversosautoresdaáreadasCiências


D Humanas, sobretudo da Sociologia, focalizaram a educação para, por
diversos meios e com diferentes enfoques, apontar problemas vividos
pelas e nas escolas no que se refere a resultados de aproveitamento dos
estudos de seus alunos.

Nos estudos conhecidos como aritmética política, realizados sobretudo


na Europa e Estados Unidos, cadapesquisador, ou equipe de pesquisa,
trouxe facetas desses resultados alertando para as relações entrea escola
e a sociedade na transmissão de características da sociedade moderna
com seus valores e normas, com destaque para as crenças sobre mérito e
as diferenças interindividuais detalento, tanto na vertente escolar quanto
na vertente social; as marcas da eficácia como resultado da busca da
racionalização e padronização ao lado da duplaexpansão da escolaridade
(numérica e longeva) propiciada pela sociologia das organizações; os
estudos sobre clima e efeito de escolas e as relações com o clima da
famíliae seus apoiosaosestudantes, suas características, desigualdades,
motivação, com abordagens sobreas explicações socioculturais.

Na década de 1970 e seguintes, os estudos, ainda em continuidade,


já evoluem para focalização mais densa sobre as escolas e algumas
das medidas internas de organização de turmas; aos estudos sobre
conhecimento a ser transmitido, processos de seletividade e construção
do currículo; o aparecimento da “nova sociologia da educação”; as

61

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

análises críticas sobre o interior da escola focalizando questões de


poder, de interação, com decorrência de muita fecundidade teórica. Tais
estudos, por demais extensos e variados em seus focose referenciais para
esta apresentação, estiveram, também, relacionados com tentativas de
mudançase variadasações políticas.

Alguns movimentos nessa direção ocorreram, no Brasil, desde o final


da década de 1950, com grupos de pesquisadores, oportunizados pela
criação do Centro Brasileiro e Centros Regionais de Pesquisa Educacional,
em capitais do país, estudando a escola e seus agentes em diferentes
regiões, sobretudo para produzir dados que pudessem ser úteis às
políticas educacionais.

Essa síntese é relevante nesta introdução porque estudos com esses


referenciais vêm sendofeitosporalunos e professorese, nesse conjunto, um
amplo foco chamou a atenção de um grupo de pesquisadores do Programa
de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, no
decorrer dos últimosanos em que oeixo norteador passou aser oestudo da
escola, notadamente a partir dos anos 2000. Esse interesse transformou-se
emum projeto de pesquisa denominado “Escola:entre saberes, professores
e alunos”. Com essa preocupação de ser um amplo projeto, e ter muitos
subprojetos, foram desenvolvidos estudose pesquisascoletivas eindividuais,
sendo que os resultados promissores fizeram com que pudéssemos obter
outros focos mais específicosa partir da entrada na escola real com tais
intenções. Definimos, então, em um desses novos projetos, a organização
da escolaeas práticas pedagógicas como novoâmbito de interesse, mais
restrito, demodo a poderaprofundaranálises (MARIN etal., 2006).

É sobre alguns resultados detalprojeto que incide este capítulo, optando


por identificar alguns dados dessas pesquisas. A questão, para este
texto, éa de tentar identificar o que já conseguimos aglutinar, a partir
das pesquisas, como focoincidindo sobre as relações entre organização
da escola e práticas pedagógicase suas consequências, orientada pelo
tema “escola, desigualdades e diversidade” no que tangea aspectos do
conhecimento escolar, sua função precípua.

Para tanto, considero fundamental especificar que dois trabalhos


fornecem indicadores iniciais para esta apresentação: umartigo de Pierre

62

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

Bourdieu (1998a) e um trecho de um capítulo de Rui Canário (2005).


Eles não foram os únicos a serem utilizados nos estudos, pois outros
referenciais fornecem categorias conceituais similarese complementares
e, portanto, auxiliarame continuam auxiliando também a detecção das
questões postas para os estudos realizados pelos pesquisadores desse
projeto. Inicialmente estão apresentadastais idéiase as bases do projeto
que vem sendo desenvolvido de 2006 para cá. A seguir estãoanálises a
partir de projetos de professores, mestrandose doutorandos na busca de
umasistematização que auxilie a compreensão da escola por meio dessas
relações.

As bases dos estudos

Em 1966 foi publicado, na França, um artigo de Pierre Bourdieu,


posteriormente traduzido e publicado no Brasil, no qual o autor analisa
o efeito de inércia cultural da escola como fator dos mais eficazes
de conservação social “pois fornece a aparência de legitimidade às
desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social
tratados como dom natural” (2001a, p. 41). No decorrer dessaintrodução
o autor desafia seus leitores a percorrerem a trilhainvestigativa que, em
parte, nortearia também os seus estudos, qual seja: a da negação dos
donse dos méritos naturaisenunciados portantos autores das décadas
anteriores, buscandoanalisar o papel da herança cultural, e não natural,
na formação dos homens na sociedade. Dizele que “não é suficiente
enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é necessário descrever
os mecanismos objetivos que determinam a eliminação contínua
das crianças desfavorecidas” (2001a, p. 41). Procura, no restante do
capítulo, desdobrar essa questãoanalisando situações sociais, escolares
e familiares francesas operando como conceito de capital cultural que
orienta parte central desse texto e de muitas das pesquisas dele e seus
colaboradores, e também algumas nossas.

A relevância desse conceito no processo educativo tem sido considerada


por nós como norteadora fundamental para compreensão de diferentes
situações investigativas, em particular o que se refere às situações
escolares a partir do momento em que nosso campo empírico tem sido

63

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

fundamentalmente a escola pública. Consideramos a escola, sobretudo a


escolapública,comoainstituiçãosocialprioritáriaaatendertaisnecessidades
educativas da população estudantil, principalmente quando advém de
camadas despossuídas de condições culturais valorizadas pela escola.

É particularmente crucial considerarmos nãosó esse artigo, mas outros


do mesmo autor e de autores diversos que contribuem com conceitos
valorizadores detal foco da escola, ou seja, a transmissão e aquisição de
conhecimentos.

De certo modo, uma das dimensões analíticas da escola propostas por Rui
Canário (2005) incide sobre a mesmaidéia, qual seja: a da naturalização
da organização escolar no modo como se encontra hoje. Fruto da história
na emergência da escola na modernidade, a organização da escola é uma
dimensão que menos causa polêmica e debate, pois ao longo dos últimos
séculos “sofreuum processo de naturalização, que lhe confereum caráter
inelutável e o faz parecer como ‘natural” (2005, p. 62). Esse processo
“torna a dimensão organizacional relativamente ‘invisível’, como também
contribui para a estabilidade da escola” (p. 62). Comisso impedea análise
crítica da instituição aos agentes que nelaatuam, assim como a daqueles
que estão fora. Essa é outra faceta do desafio de nosso grupo de pesquisa:
percorrer essa constatação como trilha investigativa para compreensão
de aspectos organizacionais da escola demodo que possamosapreendera
relação dessa dimensão comas questões relativasaotrabalho pedagógico
envolvendo professores e alunos.

Trata-se, portanto, da reposição e dedicação à elucidação de aspectos


pedagógicos considerados nas décadas de 1960e 1970 como abordagens
insuficientes à compreensão do que se passava na escola, antes que as
demais áreas das Ciências Humanasadentrassem o campo da educação.
As categorias conceituais nos auxiliam na percepção de aspectos
fundamentais e críticos.

Assim, concordando com Canário (2005) de que a organização escolar


“corresponde a modos específicos de organizar os espaços, os tempos,
osagrupamentos dos alunos e as modalidades de relação como saber”
(p. 62), temos tentado compreender a escola apreendendo tais relações
aliadas à experiência docente e discente no que tange aos modos de

64

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

operar em diferentes situações nas quais desempenham suas funções


pedagógicas como expressão de cultura própria produzida no âmbito
institucional com certa “gramática”, elucidando sua inserção social geral
e nas redes escolares brasileiras a que pertencem.

Investir nessas trilhas investigativas tem exigido considerar opanorama


macro de delineamento político educacional. Desde a década de 1970,
diversasações político-educacionaistêmincidido sobre a escolatentando
alterar sua organização com consequências para a esfera pedagógica no
que tange aos modos de distribuição e organização do conhecimento
escolar e o trabalho de ensinar e aprender de professores e alunos,
medidas essas já tomadas em decorrência da expansão da escolaridade
e resultados de rendimentos escolares. Étambém na consideração detal
relevância que os estudostomam taisações, não em si mesmas, mas como
pano de fundo para as análises.

No início da década de 1970, a legislação federal reorganizou a escola


fundamental brasileiraagrupando sobotítulo de “1º grau” as oito séries
antes separadas em quatro séries doensinoprimário e quatro do ensino
ginasial. A concepção fundamental orientadora pretendeu unificar tais
séries para eliminar um exame que constituía gargalo no avanço da
escolaridade presente na passagem do 4º ano primário para o 1º ano
ginasial. Juntamente com tal medida foram eliminadas as diferenças
entre os cursos de diferentes destinações (ginásios profissionalizantes
e acadêmicos) propugnando-se a extinção de redes paralelas e
reorganização dos currículos com os conhecimentos escolares definidos
por áreas, matérias e disciplinas baseadas em concepção comfronteiras
menos marcadas no início da escolaridade. Verifica-se, então, desde
esse período, novase fortes definições sobre ocurrículo e a docência da
escola básica. Entretanto essa alteração ocorreu fundamentalmente no
seu delineamento legal, formal, pois as escolas continuaram mantendo
seus esquemas práticos de trabalho, constituindo o que Azanha
(1987) denominou de mentira pedagógica, ou seja, a escola de oito
anos, inexistente, pois havia a justaposição de professores primários
e secundários e a convivência sem integração, embora eliminados os
exames e a duplicidade das modalidades. Essa situação inadequada foi
reconhecida pela própria Secretaria Estadual de Educação do Estado de
São Paulo nos anos de 1990 (SÃO PAULO, 1995).

65

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

A partir dos anos de 1980, sobo impacto de interferências do Banco


Mundiale seus financiamentos para a educação, novas reorganizações
tiveram início no país coma criação de ciclos, inicialmente nas duas
séries iniciais (1ªe 2ª séries do então 1º grau) medida expandida
para as demais séries nos anos de 1990. Neste novo período – pós
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 – retorna-se
à separação entreas séries iniciaise finais coma criação dos Ciclos
I e II da educação que passou a ser denominada fundamental. Essa
organização foi acompanhada de um regime avaliativo denominado
progressão continuada que exige não reprovação interna nos ciclos,
mas possibilita a retenção entre ciclos. Éa organizaçãoainda vigente
na maioria das escolas de redes públicas, portanto, substrato
institucional sob o qual foi realizada a maioria dos estudos aqui
relatados.

Tomando como eixo a relação escola e cultura, esse conjunto


de estudos teve como preocupação central a entrada na escola
focalizando práticas como seu ponto de partida, adentrando as
salas deaula e demais ambientes, ouvindo gestores, professores e
alunos, examinando documentos, tentando paciente trabalho de
reconstrução, como aponta Hutmacher (1995), para que seapreenda
e compreenda otrabalho da educação escolar.

A escola, alguns dadosorganizacionais e relações com práticas


pedagógicas

Nesse conjunto de estudos foram organizadas algumas formas de


agrupamento para realizar as sínteses, quais sejam: 1) organização da
escolae relação coma organização do trabalhopedagógico; 2) organização
dos espaços, dos lugares e dos territórios; 3) organização dos tempos; 4)
organização das turmas; 5) os procedimentos de ensino e materiais; 6)
avaliação.

Cada um desses agrupamentos contém os estudos que foram analisados


eapresentados, nesta oportunidade, segundo o tema das relações entre
escola, desigualdades e diversidades.

66

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

1)Organizaçãodaescolaerelaçõescoma organizaçãodotrabalhopedagógico

O primeiro ponto que quero por em destaque diz respeito ao conceito de


que falar de organização da escola é diferente de falar em organização
do trabalho pedagógico. Falar de organização da escola significa falar da
divisão do trabalhopelosagentes que estão nas escolas (OLIVEIRA, 2010).
Assim, quandose fala em organização escolar, há que se pensar primeiro
em como estetrabalho interno é dividido por diferentes agentes com suas
funções específicas, muitas delas definidas por regulamentações legaise
muitas delas criadas internamente na escola. A divisão detrabalho pelos
agentes da escola segue, em primeiro lugar, algumas regulamentações
representadas por uma divisão formal, legal, burocrática versus outras
regras informais, as regras criadas pelas próprias escolas. Lima (2008)
nos auxilia na compreensão desse quadro com dois modelos vigentes
– o modelo racional legal e o modeloanárquico – que divulga a partir
de autores americanos. Esses autores auxiliam a elucidar aspectos
da organização das escolas na relação com as consequências para a
organização do trabalho pedagógico e o conhecimento escolar. Há uma
regulamentação legal formal de que os professores têm a docência como
função básica na escola, portanto, a condição básicaea incumbência do
ensino dos conhecimentosaosalunos. No entanto, veremos como algumas
questões sérias da vida interna escolar, no Brasil, emergem a partir de
aspectos da organização escolar interferindo sobre essa função básica.

Os estudos sintetizados neste agrupamento foram realizados por Reis


(2006), Santos (2006) e Gesqui (2008).

Vejamos. Na vida da escola é bem conhecido o fato de que os professores


faltamàsaulas. E, de repente, essa função precisa ser cumprida, porque
ela é a função básica da escola. Como reorganizar essa função e como
reorganizar essa situação para que essa função possa serfeita quando os
professores não estão presentes para assumiro seu trabalho? O primeiro
trabalho que nos trouxe notícias sobre esse fato foio de Reis (2006). Na
sua pesquisa detectou, na escola, a presença de critérios utilizados pela
direção da escola para aceitar, ou não, os professores enviados pelo órgão
encarregado da escala deaulas, pois háuma escala construída a partir
do registro de interesse dos professores que se candidatama assumir
aulas vagas nas escolas. Quando essa situação ocorre, os professores são

67

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

contactados e vão às escolas. Masa Direção pode, repentinamente, tomar


a decisão de “não, eu não vou aceitar esse e vou buscar outro”. Verifica,
então, disponibilidades de pessoas, mesmo que sejam de áreas diferentes
daquelas em queatuam os professores não presentes na escola naquele
dia. São professores que nãotêm as credenciais adequadas para assumir
tais tarefas, mas seu chamado decorre de outras relações sociais. Desse
modo, contrata-se uma professora (conhecida) formada em Pedagogia
para assumiraulas no ensino médio regular em que não há disciplinas
pedagógicas.

Depois desse estudo veio o de Santos (2006) investigando situações da


rede municipal de São Paulo. Detectou diferentes formas de a escolaatuar
para fazer frente às faltas dos professores. Uma delas éa de “entraraquele
que dá, seja da área ou de outra”. São diferentes professores que assumem
essasaulas vagas. Além dessa modalidade de solução háa alternativa de
distribuir osalunos das turmas em que não há professores por diferentes
salas; neste caso, de repente, os professores vêem chegar 5, 10 ou 15
alunos para aumentar sua turma, que nunca é menor do que 20 alunos,
sem ter noção do que fazercom esses estudantes, que “não são os seus”.
Uma terceira alternativa éa deos estudantes ficarem no pátio, ou serem
dispensados. Épossível identificaras diferentes formas de interferência
no trabalho pedagógico das turmas que ficam sem os professores que
deveriam estar nas escolas naqueles horários, em qualquer dessas
soluções adotadas pelas escolas. Além disso, é possível, também,
identificar as consequências para esses professores que recebemalunos,
sem esperar, adentrando suas salase interferindo notrabalho pedagógico
emandamento.

A partir desses indicadores trazidos pelo estudo anterior, o então


mestrando Gesqui (2008) ficou intrigado com a situação das escolas da
rede estadual do estado de São Paulo. Em seu estudo, verificou que, na
escola estudada, durantetodoumano, quem controlava esseprocessonão
eram a direção, a coordenação pedagógica, ou a secretaria da escola, mas
era, sim, oinspetor dealunos que tomava todas as decisões. Nessa escola
darede estadualidentificou que a presença, ou a ausência de um professor
substituto (eventual) era decidida por esse inspetor que encaminhavaa
situação para desencadear seaturmateria aula, ou não, e quem seria esse
professor. Um exemplo ilustra essassituações: na área de Matemática, nas

68

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

séries finais do Ciclo II, em uma sétima série, houve sete substituições de
professores, sendo responsabilidade (duas vezes) de um professor com
formação em Geografia e História; duas vezes comum professor formado
em Letras; uma oportunidadeem que um professor formado em Ciências
e Biologia assumiu a turma; outra vez foi um estudante de Químicae
outra vez, ainda, um estudante de Matemática, o que mais seaproximava
da situação em questão. Nesse estudo verificou-se que havia, no ano em
que o levantamento foi feito, 13.448aulas previstas, massó8.664 foram
ministradas pelos professorestitulares; 2.067 por professores eventuais;
801 foramaulas vagas (em que osalunos nãotêmaulas) e 1.916 foram
aulas não dadas por motivos diversos. Não é preciso muito exercício
mental paraidentificar os prejuízos na escolarização desse alunado.

Dentro, ainda, desse item de organização escolar e suas relações com


organização do trabalho pedagógico, temos outros estudos como o de
Santos (2011), Lara (2008) e Ferreirinho (2004), que trazem questões
ligadas a relações hierárquicase de poder com impactos previsíveis sobre
aatuação dos professores. No estudo de Santos (2011) estão analisadasas
relações hierárquicas flagradas diante de diferentes episódios no conjunto
dos professores e demais agentesatuandona escola. Emum dos episódios
detectados, e exemplificadores neste momento, o zelador da escola, que
não erauma pessoa da carreira oficial, masuma pessoa contratada, decidia
uma série de situações e, portanto, tinha um poder bem maior do que
muitas pessoas dentro da escola. Além disso, durante seu estudo flagrou
toda a reestruturação da divisão de trabalhoem escolas envolvidas com
a reestruturação da carreira na rede municipalocasionadora de disputas
por vagase turmas em diferentes escolas e a mobilidade dos professores,
proporcionando clima institucional nada favorávelaoensino. No estudo
de Ferreirinho (2004), também, a mestranda detectou questões relativas
a decisões deatribuição deaulas, ou seja, a divisão do trabalho interno
na escola: os professores mais antigos na escola ficam responsáveis
pelas melhores turmas; podem escolher operíodo em queatuarão. Os
professores, que ela denominou de “novatos” mesmo sendo experientes,
mas vindos de outras escolas, são considerados como novose, portanto,
sujeitos a nova socialização no interior da “nova” escola. Lara (2008),
estudando questões relativas a rendimento escolar dealunos de escola
de ciclo II, identificou processos, similares aos do estudo anterior, em
que alunos de turmas diferentes recebiam professores deacordo como

69

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

tempo deatuação dos mesmos numa hieraraquia em que aos professores


mais antigos cabiam as melhores turmase melhores blocos deaulas.

Que síntese pode ser feita com esses poucos estudos exemplificados
nessa questão central da organização da escola? Nem é preciso muitas
digressões para verificar os malefícios desses tipos de situações no
que diz respeito à distribuição do conhecimento escolar para osalunos
dessas escolas diante de situações como as relatadas. Épossívelapontar
que, com isso, a organização da escola vai sendo desnaturalizada em
questões de poder, evidenciando a organização não formal com novas
regras criadas pelas escolas. Muitas aulas deixam de ser dadas; em
muitas delas, quandosão dadas, os conhecimentos escolares específicos
não são ministrados, poisos professores nãosão ostitularese, ainda, em
muitas escolas em que professores melhorese mais experientes ensinam
aqueles considerados como melhores alunos. Como decorrência, é clara
a acentuação das desigualdades culturais, as diferenças de distribuição
desse capital cultural que é o escolar (BOURDIEU, 2001b). Ou seja,
flagram-se situações internas das escolas em que alguns professores
considerados menos experientes, e que eventualmente são considerados
como de menor condição profissional, atuam com as crianças que já
chegam commenores condições em face do quea escola prevê, compondo
as chamadas “classes mais fracas”, formadas por alunos que “não são”
fracos, mas foram deixados e rotulados assim. Identificam-se, então, os
modos pelos quais há fortalecimento da desigualdade na escolarização
e na condição de enfrentamento da vida social. Com tais situações temos
umaparte da compreensão sobre a gramática escolar, quer dizer, algumas
regras que funcionam, ora sendo aquelas formais, legais, ora sendo
aquelas criadas a cada momento no interior das escolas.

2) Organização dos espaços, dos lugares e dos territórios

Neste item apresento oagrupamento de alguns estudos que abordam a


organização da escolatrazendo dados no que tange aos espaços, lugarese
territórios, aquianalisados segundo os conceitos de Viñao Frago (1998).
O que os trabalhos de algunsalunos nos permitemidentificar?

Os estudos inicialmente referidos são os de Martins (2009), Delgado


(2004) e Molinari (2010) abordando algumas questões pouco usuais nas

70

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

análises sobre as escolas. No estudo de Martins (2009), as salas deleitura


da rede municipal de ensino foram conceituadas como territórios, pois
cadauma delas éumespaço elaborado; são organizadascom seuspróprios
esquemas, com suas subjetividades, com suas seleções e ordenações de
objetos, havendo diferenças marcantes de uma escola para outra, e bem
diferentes das demais salas da escola, com consequências para oprocesso
educativo quealiocorre.

Os demais lugares existentes nas escolas podem ser passíveis de novas


análises neste momento, pois são definidos quanto às suas finalidades
e funções, entretanto pouco referenciadas como de aprendizagens. Éo
caso das quadras de esporte para as atividades de educação física, ou
as salas de vídeo, laboratórios de informática, bibliotecas que quando
existem são ambientes considerados como de menorligação comensino e
aprendizagem. Mesmo nesses exemploshá redefinições, pois a educação
física, em algumas escolas, acontece nos corredores, nos pátios, nas salas
deaula, como temos vistoacontecer nas escolas da rede estadual de São
Paulo.

Outras questões relativas ao uso dos espaços estiveram presentes em


outros estudos, demonstrando diversos modos de disporosalunos eas
relações comas questões do ensino e aprendizagem desiguais. No estudo
de Molinari (2010), a professora organizava as crianças, consideradas
como as portadoras de piores condições quanto ao aprendizado, todas do
ladoesquerdo da sala em que elas ficavam, defato, segregadas em relação
às demais da turma, ou seja, não havia interação entre esses alunose os
demais das outras fileiras. Embora a autora da dissertação não tenha
utilizado os conceitos aqui referidos, é possível dizer, em uma meta
análise, que esse era o território dos que não sabem, que nãoaprendem
como os demais. Outro exemplo está no estudo de Delgado (2004) em
que a professora organizava sua sala com base na cromoterapia: “em
uma parede eu coloco papel crepom laranja e deixo as crianças mais
lentas viradas para esse lado porque o laranja é uma cor estimulante; do
outro lado, virado para a cortina azul, eu viro as crianças agitadas, o azul
tranquiliza, é o que diz a cromoterapia” (professora). Esse é o modo de
atuar dessa professora no dia a dia, criando o que podemos interpretar
agora, dois territórios, dois lugares diferenciados, em que está presente
a subjetividade da professora, onde tudo é diverso, mas fazendo outra

71

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

organização mais formal, em fileiras, nos dias de prova. Ou seja, essas


condutas já são resultado mesclado de cultura escolar (arrumar por
fileiras) e de interpretação distorcida de princípios veiculados para as
escolas desta “nova organização escolar”, em que épreciso considerar
as condições do alunoporque há aqueles que são agitados e outros
que são calmos demaise lentos demais! Éo rótulo do aluno que ditaa
forma de organizaro trabalho pedagógico e a professora mobiliza esse
conhecimento que possuiem função de seu trabalho.

Atítulo de síntese pode-se dizer que há certos padrões no dia a diadas


escolas, como, a rotulação e, como decorrência, contraditoriamente, há
padrões de ensino diferenciado dentro das mesmas salas, há segregação;
há o “nãoensino”; há modos diversos de que uma parcela da população
não sejaensinada, ou seja, menosensinada, marcados por modos diversos
de organização espacial interna das salas de aula. Essa diversidade
permite dizer que há territórios diversificados nas escolas, pois essas
formas diferentes e subjetivas de organizar osambientes, eas crianças
dentro deles, constituem organizações, muitas vezes bem peculiares, e
perversas.

3) Organização dos tempos

Passando para o terceiro agrupamento temosa organização dos tempos


com excertos dos estudos de Delgado (2004), Lara (2008) e Barbosa
(2007). Na escola, oprimeiroaspecto que chamaaatençãoéo calendário
escolar, isto é, a manutenção doesquema de distribuição das atividades
por ano dividido em semestres e bimestres, poisaatividade escolar não
se desprega do ano civil. A proposta de organização das escolas por ciclos
nãoalterou, até o momento, substantivamente, a organização dos tempos
nas escolase redes. Assim, chama aatenção, desde logo, a organização
fundamental dos dois grandes blocos: o tempo dasaulas e o das férias/
feriados.

Verifica-se, em todos os estudos, e nesses em particular, os anos, dias


e horas regulamentados; o tempo todo dividido em aulas de períodos
curtos com 45, 50 minutos, entrecortados, no ciclo II da escola
fundamentale da escola média, com várias disciplinas: são 45 minutos de
Matemática, depois Geografia, História, sem continuidade, e geralmente

72

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

sem relaçõesumas comas outras. Em sala deaula são 45 ou 50 minutos,


mas que realmente se convertem em 40, 30, ou menos, pelas diversas
intercorrências. Em outra direção, há aulas com períodos muito longos
nas classes de ciclo I, com crianças que ficam até duas horas, uma hora
e meia sem nenhum intervalo, comatividades sequenciadas, umasatrás
das outras sem parar. Tempos de manter as crianças ocupadas. Tempos
marcados com campainhas ou com outros sinais, desigual para os
componentes curriculares, comaulas únicas de Artes e quádruplas, ou
quíntuplas, de Matemáticae Português na mesma semana, ocasionando
desigual peso na formação dos estudantes. São desiguais também nas
redes; o dasaulas nas redes estaduais é diferente das redes municipais,
e, no entanto, éo mesmotipo de população, o que significa outro traço de
desigualdade noatendimento.

Recreio e intervalos entreaulas (que fazem a alegria dos estudantes),


mesmo na educação infantil, decisões de “quem come primeiro”, “quem
come depois” porque não dá para todos entrarem na mesma hora, são
ocorrências diárias.

O ritmo éacelerado na sequência das atividades programadas, em alguns


casos, como no de leituras no ensino médio, numa área que é fulcral por
diversos motivos (a leitura e a compreensão, as expectativas das provas
de seleção do vestibular). Esse ritmo não permite umtrabalho pedagógico
mais profundo, poisaintençãoéa da quantidade, um livro atrás do outro,
sem haver dedicação analítica ou de fruiçãoefetiva.

Na escola, o tempo é um grande organizador daatividade e o padrão


é que o tempo escolar seja sempre controlado e ocupado. De fato, a
disciplina do tempo é uma das principais aprendizagens escolares, que
se estende enquanto dura o processo de escolarização, e se desenvolve
a cada ano, a cada mês e a cada dia letivo. (SAMPAIOe MARIN, 2008, p.
32.)

Essa assertiva podeser verificada, comtodaforça nos estudos que temos


feito, embora em muitos casos em prejuízo das demais aprendizagens,
aquelas fundamentais para as quais a escola também foi instituída.
Em função desse aprendizado do tempo e seu ritmo há interdição da
leitura, das respostas às perguntas, à escrita, aos exercícios, porque os

73

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

professores passam para outras atividades sem mesmo que osalunos


tenham terminado de fazê-las. Um prejuízo na conclusão das tarefas,
no distanciamento do leitor na relação com a obra literária, no não
atendimento aos ritmos biológicos de cada um e detodos em cada etapa,
com inversão na duração dos períodos deaula quando se compara os
pequenose os maiores alunos da escola.

4) Organização das turmas

Aorganização das turmas dealunos, em algumas pesquisas, foi detectada


com critérios variados. Ébem conhecida, até mesmo no senso comum
social, que a entrada das crianças nas séries iniciais da escola segueum
critério de organizaçãopautado na origem institucional anterior quando
as turmas dos primeiros anos são agrupadas em função da posse de
experiências, ou não, na educação infantil. Nas demais séries, ou anos,
também são consideradas tais origens anteriores. Em uma das pesquisas
desenvolvidas coletivamente nos últimosanos, verificamos mecanismos
pouco explícitos de organização detais turmas. Ao buscar informações
para identificar o modo dessa organização a resposta da direção foia
de que era seguida a ordem de matrícula. Certamente esse deve ser um
critério vigente nas redes, ou recomendado que seja. Porém, computados
alunos de cadaturmaverificamos que em algumasturmashavia22alunos
e em outras havia 35, embora sendo das mesmas séries. Evidentemente, o
critério não era a ordem de matrícula, pois asturmas deveriam seriguais
do ponto de vista numérico. Havia, sim, uma distribuição subliminar, ou
pouco esclarecida, de que o rendimento escolar era o organizador das
turmas (MARINe NASCIMENTO, 2010).

Essa mesma direção, mascom consequências duradouras na organização


escolar, foi flagrada na pesquisa de Lara (2008). Em um estudo sobre
as oitavas séries do ensino fundamental a mestranda quis analisar as
diferenças entre três turmas, principalmente a turma C, considerada
por todos como a “pior” turma. Analisando os períodos pregressos de
escolarização dessas turmas identificou-se que, nos prontuários dos
estudantes, na passagem da quarta para a quinta série, havia muitas
descriçõesarespeito deles. Todos os prontuários que possuíam descrições
negativaseram de estudantesagrupados em uma únicaturma, exatamente
aquela que, no momento da pesquisa, era considerada a pior das três. A

74

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

rotulaçãofeita, anos antes, vigia até aquele momento, com os professores


tendo condutas diferenciadas nessa turma quando comparadas às outras
duas: as relações, a quantidade e, muitas vezes, o tipo deatividade eram
diferentes. Havia apenas um professor que conseguia trabalhar de um
modo diferenciadoporque tinha acabado de chegar paraatuarna escola
eacreditava nos meninos que faziam tudoo que deveria ser feito, como
os das demais séries.

Esses exemplos permitem tera clareza da presença de mecanismos sutis,


sub-reptícios, pouco explícitos de que nos fala Bourdieu (2001a). Entre
esses mecanismos são muito frequentes os de rotulação do alunado,
pautados em julgamentos os mais variados que operam para auxiliara
organização das turmas nas escolas, e organização dos alunos nasturmas,
compondo o quadro tão bem apresentado por Jacobson e Rosenthal
(1986) ao considerar o peso que têm as expectativas dos professores
sobre osalunose suas aprendizagens.

5) Procedimentose materiais de ensino

Adentrando, ainda mais, a sala deaula, temos dados de várias etapas da


escolarização desdea educação infantil. Pinho (2009), emum estudo com
professoras de educação infantil, identificou que, apesar da formação
superior e de vários cursos de formação continuada, as atividades e
materiais eram escolhidos por critérios bem diferentes dos esperados.
Essas escolhas ocorriam por elas gostarem das atividades, mais para
elas mesmas do que para as criançase diante das quais nãotêm clareza
das aprendizagens que estãoem jogo; para darem menos trabalho, para
evitaremos conflitos entreas crianças.Já a escolha dos livrosocorriapelos
valores moraise pela disciplina transmitida pelas mensagense nãopela
qualidade do texto ou do material, enquanto que 88% das músicas, ao lado
das fábulas, eram as infantise moralizadoras sem qualquer preocupação
com ampliação de aspectos diversificados da formação humana literária
ou musical das crianças.

Os estudos sobre primeiros anos escolares permitiram verificar que


se desenvolveu, nas redes escolares, uma rotina de trabalho já bem
disseminada. Trata-se da sequência procedimental do “leia, escreva, pinte
e cole”, em que a leitura é mínima ea escrita menorainda. Onãoensino

75

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

de como usar as folhas do caderno (ou qualquer outra), ou não escrever


nas linhas, oportunizam que muitas crianças, que chegam à escola sem
saber tais coisas básicas da escola, vãopassar muito tempo sem que tal
aprendizagem ocorra pois os cadernos tornaram-seo suporte para essas
colagens de folhinhas que vêem mimeografadas ou impressas a partir do
computador. Os estudos de Simão (2011) e Molinari (2010) flagraram
tais situações, em escolas que têm orientação para trabalhar com
construtivismo, com conteúdos totalmente definidos, em que há certa
margem de escolha (?) nos procedimentos, sempre de papel e lápis, com
atividades na lousa como prêmios para os “bons”alunos, deslocamento
de certas crianças para fazer outrasatividades dentro da sala deaula
(arrumar o armário, distribuiros cadernos) em lugar de se dedicarem às
tarefas cognitivas, que elas “não conseguem”.

As atividades são sempre pouco diversificadas, constituindo padrões


compostos por passar o ponto na lousa, copiar e ler um texto, fazer
questionário, receber explicaçõese fazer exercícios.

Nas turmas mais avançadas do ensino fundamental, que frequentam o


Ciclo II, a sequência da rotina de procedimentos é composta por “livro,
caderno, prova”, ou então “ler o livro, copiar ponto da lousa, responder
questionário, estudar para a prova”, com as mesmas questões.

Acompanhando tais procedimentos, estão os materiais padronizados,


repetitivos, pouco significativos, em queosalunos não conseguem sequer
detectar quem é o narrador nostextos dos quartosanos (DIAS, 2008). São
insuficientese estãoausentes materiais como equipamentos, mobiliário
adequado, brinquedos, ventiladores, pias, espelhos, tapetes, almofadas,
bebedouros, murais nas classes, carteiras adequadas para crianças de
seis anos que ficam com os pés balançando e deitam parapoder realizar
as tarefas, esta a única posição possível parapoderacessar os cadernos
de suporte.

Diante de situações como essas os alunos reagem de maneira similar,


marcadas por fraca mobilização, ematividades que parecem sem sentido,
descontínuas em seu processo, não importa qual seja o componente
curricular; o que varia éo modo como professor interpreta essas reações
(OLIVEIRA, 2009).

76

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

No ciclo IIe ensino médio (BARBOSA, 2007) ocorre a mesma situação


com improvisação de estratégias, modos deatuar mediante os quais
os professores dizem “olha, a gente vai tentando e errando de um jeito
e tentando e acertando de outro”. Verifica-se que o modelo implantado
é o de ensaio e erro ou é a reprodução de modelos consolidados nas
suas experiências vividas como alunos. Um trabalho extremamente
fragmentado com práticas centradas na história da literatura e não
na relação do leitor com o texto; procedimentos muito restritos no
que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo dos alunos; utilização
de procedimentos com visões que parecem, aos professores, mais
confortáveis para eles. Com isso, crescente restrição aos conteúdos,
crescentes restrições quanto à leitura em classe, crescentes restrições
quanto à escrita, influência de novas formas de organização em ciclos,
desconhecimento dos professores quanto aos procedimentos e o que eles
significam doponto de vista das aprendizagens.

Com isso vamos verificando as condições objetivas em que ocorrea


didática da escola pública básica, ou seja, uma didática da produção
de desigualdades na escolarização de todas as faixas etárias, a
ausência de percepção de qual é aatividade central desse lugar em
que as crianças ficam a maior parte de suas vidas quando estão fora
de suas casas.

6) Avaliação

O último item deste texto abrangea avaliação. Éum foco que desde
muito tempo vem sendo apontado como constituidor de questões
centrais e fulcrais no processo de escolarização. Procedimentos
muito diversificados manifestos pelos professores no que diz respeito
àavaliação e observações em sala de aula permitem detectar que
os alunos fazem tudo aquilo que se manda, ou seja, nem sempre
a verificação de aprendizagem efetiva: são sempre os mesmos
escolhidos para ir à lousa (como prêmio), julgamentos com critérios
pouco clarose menos explícitosainda, expectativas do aluno perfeito.
Diferentes trabalhos têm detectado essas questões, inclusive uma
das nossas pesquisas coletivas, em que Bueno e Giovinazzo Jr. (2010)
analisam com pertinência tais questões em turmas iniciais de ensino
fundamental.

77

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

Detecta-se o uso de escalas diferenciadas nas escolas, pois há escalas


numéricas de zeroa dez, uma de menções A, B, Ceuma escala de conceitos
qualificadores (insuficiente, adequado, bom, ótimo), por exemplo. Masas
escalas que nãosão numéricas sempre têm relação comas numéricas, ou
seja, comas notas, conformetradição, conformeparte da cultura da escola.
Desencontros entre conceitos e pareceres descritivos sobre as produções
dos alunos foram detectados em vários trabalhos (COLACIOPPO, 2008;
DIAS, 2008; TWIASCHOR, 2008; KNOBLAUCH, 2008).

Outros desencontros foram detectados entreas ações de compensação


nos rendimentos dos alunos. Há regulamentações oficiais e nos projetos
das escolas informando que as desigualdades podem ser compensadas no
própriointeriordasescolase, como decorrência,criaram-se duasmedidas:
a do reforço e a da recuperação paralela. De modo geral os professores,
nas pesquisas que envolvem a vida interna da sala deaula, apontam fazer
a recuperação paralela, mas elas nãoaparecem, de fato, nos resultados,
embora haja algumasatividades extrasalegadamente comtal finalidade.
Já as atividades do reforçosão muito mais complexas posto que exigem
elaboração de projeto próprio, contratação de professor(a) específico(a)
e presença dos alunos em horários alternativos aos das jornadas, com
pouco ou quase nenhum resultado comprovado de seu resultadoefetivo
nas aprendizagens. Um exemplo disso é o trabalho de Dias (2008) que
acompanhou as crianças de quarta série (antes da implantação da escola
denoveanos)queficaramacompanhandoasatividades do reforçodurante
um ano. Tais crianças foram selecionadas por não saberem ler, embora
estivessem presentes também crianças consideradas indisciplinadas.
Feitas todas as verificações no início das atividades detectou-se que elas
teriam condições de aprendizagem regular. Ao final novamente foram
feitas outras verificações comatividades específicas sobre a leitura eas
crianças continuaram sem habilidades básicas de leitura, aprovadas para
continuidade dos estudos na 5ª série, ciclo II doensino fundamental.

Além desses dados específicos, as atividades de avaliação internas nas


escolas estão demonstrando as dificuldades de escrita em que, mesmo
em redações extremamente curtase simples, há muitos erros de grafia,
sem pontuação adequada; matemática com erros nas quatrooperações;
presença forte de treinamento das crianças para as provas de avaliação
externa que estão cada vez mais delimitando, delineandotodo otrabalho

78

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

o interior das salas de aula, pois em alguns lugares os agentes da


escola falam coma maior tranquilidade “ah! Hojeé dia de sarespinho”,
acompanhada de folhinhas como mesmocabeçalhoe tipos de exercícios
das atividades solicitadas nasavaliações externas.

Outra questão bem séria éa do desaparecimento daavaliação nas escolas no


que tange às correções detrabalhos, de redações, constituindouma facebem
perversa do trabalho docente. Os professores alegam dar muito trabalho,
ser muito cansativo sobretudo como número de turmase alunos que ficam
sob suas responsabilidades, no que eles têm sua dose de razão. Porém os
professores das séries iniciais nãotêmessa condição detrabalhotão difícil,
mas seguem as orientações que as ações políticas especificam seguindoo
construtivismo. Masanalisando os prontuários de alunos os julgamentos
são uma constante, exemplificados por conjunto de qualificações: lentidão;
agressivo;não copiatarefas; fazembrincadeirasfora dehora; nãoapresentam
caderno; conversador; não éatento; é tímida; é chato; é preguiçoso. Por
outro lado há qualificações positivas como dizer que não precisa corrigir
otrabalho porque já sabe quea aluna é boa; é caprichosa; tem atitudes
adequadas; ele vem com roupas limpas; é responsável; é organizado.

Verifica-se, nesses exemplos de dados de pesquisa com aspectos da


avaliação, que a vida da escola está permeada de julgamentos, de
desencontros, de distorções interpretativas das regulamentações oficiais
e de criação de suas próprias regras. Aavaliaçãointerfere quando ocorre
e nem sempre a favor da superação das desigualdades, pois, apesar de
os exemplos permitirem que pensemos nas diversidades entre osalunos
exemplificados, nãoé uma qualificaçãofeita paraatentar positivamente
nessa mesma diversidade, esim, depreciá-la; mas também interferepela
suanão realização quandonão ofereceas condições de osalunos terem
conhecimento de suas condiçõese poderem lutar pela sua superação.

Algumas considerações a mais

As escolas – como as demais instituições – são organizadas e, portanto,


atuam de acordo com alguns princípios. Extraio desses dados alguns
pontos para pensarmos juntos.

79

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

Um primeiro ponto a destacar éo da classificação. A classificação não


é só da escola; todo o tempo e em todas as circunstâncias sociais há
classificações na vida social; nós não conseguimos passar nem meia
hora em qualquer circunstância social sem termos classificações. Esse
ponto já foi detectado desde o início do século XX a partir de estudos
realizados também por outros estudiosos do final do século XIX sobre
as formas primitivas de classificação por Durkheim e Mauss (2005). A
grande questão para as classificações sociaise também para as questões
escolares, é a sua hierarquização mediante valores diuturnamente
presentes. O aspecto negativo desse ponto aqui abordado não é o de
classificar, mas sim o deatribuir valores apontando o melhor ou pior.
No caso das escolas há muitas formas de se fazer essa hierarquização,
a começar por dizer que as pessoas que cursam a escola básica nãotêm
um ensino que é “superior”, qualidade reservada àqueles que cursam
a universidade. Então, dizer “ensino superior” é dizer hierarquização,
valores.

Outroponto a ser observado a partir dos dados éo da ordem, também


sempre muito presente nas escolas, em parte devido às práticas que
conformama cultura escolar, como também pelas constantes relações
sociais mediante as quais a vida social existe. Nós não vivemos sem
esse elemento organizador, qualquer que seja. Nas escolas é possível
flagrar que a organização graduada não é eliminada, mesmo com
a proposta de ciclos implantada em muitas redes escolares do país;
com a rigidez nas formas de agrupamento de alunos; no desperdício
de informações de outras formas de organização e distribuição do
conhecimento escolar; na rigidez dos tempos que não respeitam
critérios biológicos e etários; impossibilidade de reorganização dos
lugares e suas funções; incapacidade de superara condição de escolas
que se desconhecem.

Na desnaturalização, então, o que se percebe que a escola não faz? Ela


não auxilia a maioria da população estudantilaadquiriro capital cultural
que a que tem direito e cuja transmissão é sua função precípua; ela não
auxiliaaadquirir ea manter o ethos necessárioa isso, ou seja, valores
que facilitem a aquisição e a propensão a essa aquisição, mas trabalha
no sentido contrário, destruindoaquilo queoalunado traz. A escola não
ensina e eles vêm com a expectativa de que ela tambémensine, o que

80

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

provoca descrença, pois parece muito presente o lúdico nas séries finais
do fundamental I. Éuma escola feia, os professoressão chatos, a comida
é ruim, segundo muitas das manifestações; ensina superficialidades e
insuficiências. Éuma escola quesótira da rua–eàs vezes–, dizem muitos
pais, muitas criançase jovens.

Não setrata de uma questão só morfológica, mas de perceber assutilezas


da morfologia no que tangeà manutenção, pela escola, das desigualdades
sociais. Não se trata de culpabilizar, mas de ampliar a compreensão de
que há contradições entre os discursos político-pedagógicos internos
às escolas sobreatendimento às diferenças individuais e à diversidade;
aos ritmos diversos de aprendizagem; há agrupamentos e busca de
homogeneidade que consideram iguais aqueles que chegam diferentes,
que continuam favorecidos aqueles que jásão favorecidos, nãoatendidos
os desfavorecidos pela herança cultural, mas não por dons naturais.

De fato, a escolanão é mesmo um objeto só, mas muitos que dependem


da construção que fazemos deles. Conhecê-los éfundamental para quese
saiba, na micro, na meso e na macropolítica, onde e comoagir.

Referências bibliográficas

AZANHA, J. M. P. Democratização do ensino: vicissitudes da idéia no ensinopaulista. In


AZANHA, J. M. P. Educação: alguns escritos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987,
p. 25-43.

BARBOSA, N. L. A leitura no currículo do ensino médio como meio de inserção social.


Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In


NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. M. (orgs.). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, p. 39
64, 2001a.

____________ Os três estados do capital cultural. In NOGUEIRA, M. A.e CATANI, A. M. (orgs.).


Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2001b, p. 71-79.

81

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

BUENO, J. G. S. e GIOVINAZZO Jr., C. A. A relação entre práticas pedagógicas e baixo


rendimento. In MARIN, A. J. e BUENO, J. G. S. Excluindo sem saber. Araraquara:
Junqueira&Marin, 2010. p. 95-120.

CANÁRIO, R. O que é a escola?Um“olhar”sociológico. Porto: Porto Editora, 2005.

COLACIOPPO, A. C. Baixo desempenho na escrita de alunos das frações da classe média


que freqüentam a quarta série do ensino fundamental em escola privada. Dissertação
(Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2008.

DELGADO, A. P. Um estudo sobre práticasavaliativas no regime deprogressão continuada:


limitese possibilidades. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade)
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.

DIAS, E. D. As ações – contribuindo para o sucesso e fracasso- nas aulas de reforço para
alunos de 4ª série que não sabem ler. Dissertação (Mestrado em Educação: História,
Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

DURKHEIM, E. e MAUSS, M. Algumas formas primitivas de classificação. In MAUSS, M.


Ensaios de Sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 399-455.

FERREIRINHO, V. C. Começar de novo: práticas de socialização do professor eminício de


carreira. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.

GESQUI, L. C. Organização da escola, absenteísmo docente, discente e rendimento


escolar. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

HUTMACHER, W. Aescola em todos osseus estados: das políticas desistemasàs estratégias


de estabelecimento. In NÓVOA, A. As organizações escolares em análise. Lisboa: Dom
Quixote, 1995, p. 43-76.

JACOBSON, R. ; ROSENTHAL, L. Profecias auto-realizadoras em sala de aula: as


expectativas dos professores como determinantes na intencionais da competência
intelectual. In PATTO, M. H. S. Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A. Queiroz,
1986, p. 258-205.

82

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

KNOBLAUCH, A. Aprendendo a ser professora: um estudo sobre a socialização de


professoras iniciantes no município de Curitiba. Tese (Doutorado em Educação: História,
Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

LARA, P. T. Classificação de alunos no ensino fundamental: a imputação do fracasso


ou sucessoa alunos do ciclo II. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política,
Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

LIMA, L. 2008. A escola como organização educativa - uma abordagem sociológica. São
Paulo: Cortez.

MARIN, A. J. e NASCIMENTO, N. B. Ações escolares em tempos de escolas cicladas. In


MARIN, A.J. ; BUENO, J. G. S. Excluindo sem saber. Araraquara: Junqueira&Marin, 2010,
p. 79-93.

MARIN, A. J. et al. Organização escolar e práticas pedagógicas. Projeto de pesquisa


coletivo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

MARTINS, A. C. S. O lugar da sala de leitura na rede municipal de ensino de São Paulo.


Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

MOLINARI, S. G. S. Escolhas didáticas de uma professora. Dissertação (Mestrado em


Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2010.

PINHO, F. M. R. Origem, formação e representações sobre o exercício da profissão de


professores de educação infantil. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política,
Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola.


In OLIVEIRA, Dalila A. e ROSAR, Maria de Fátima F. Política e gestão da educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010, p. 127-146.

REIS, R. R. O professor do ensino médio público estadual de Santos (SP), sua formação e
seleção. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

83

Junqueira&Marin Editores
EM BUSCA DA COMPREENSÃO SOBREA ESCOLA

SAMPAIO, M. M. F.e MARIN, A.J. A escola, o tempo eas crianças. Salto para o futuro. Ano
XVIII, Boletim 22, 2008, p. 31-36.

SANTOS, S. L. As faltas dos professores e a organização de escolas na rede municipal de


São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

___________ Hierarquias e poderes no cotidiano escolar: da organização burocrática à


organização de pessoas. Tese (Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

SIMÃO, A. L. Escola fundamental de noveanos: em destaque otrabalho do professor do 1º


ano na rede municipal paulistana. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política,
Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação. Educação paulista: corrigindo rumos:


mudar para melhorar: uma escola para a criança, outra para o adolescente: venha
conhecer, 1995.

TWIASCHOR, M. P. G. G. O significado e os sentidos que alunos do ensino fundamental


atribuem à escola. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

VIÑAO FRAGO, A. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostase questões. In


VIÑAO FRAGO, A.e ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A,
1998, p. 59-139.

84

Junqueira&Marin Editores
PARTE II

AS CONFIGURAÇÕES DA ESCOLA
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIóN:

EL FIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORÍGENES DE LA ESCUELA


MODERNA 1

Marcelo Caruso
Universidad Humboldt, Berlin

Historiografíay puesta en perspectiva

a escuela moderna – objeto privilegiado y, a la vez, obsesionante


L delhistoriador de la educación – comprende una serie de características
tan conocidas y aceptadas, que la “rarificación” de esas dimensiones
desde el punto de vista de la investigación es un verdadero desafío
argumentativo. El conocimiento experiencial y biográfico del mundo
escolar por el público general dificulta la tarea de distanciamiento y de
interrogación que es parte de la empresa historiográfica. En este sentido,
líneas de interpretación histórica que recurren a propuestas teóricas
explícitas y estructuradas juegan un rol central en latarea de “rarificación”
o de puesta en perspectiva de la escuela como problema historiográfico.

Entre las hipótesis de carácter teórico de mayor originalidad de los


últimos años, la obra de Ian Hunter acerca de la emergencia de la

1 La discusiónteórica alabase de este artículofue posible graciasalproyecto deinvestigación:“Negociación


e imposición de normas de organización de la enseñanza: Una comparación de procesos de transferencia
de sistemas mixtos de enseñanza (España, Irlanda, India, aprox. 1840-1900)” financiado por la Agencia
Alemana de Investigación (Deutsche Forschungsgemeinschaft).

87

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

escolaridad moderna ha planteado una hipótesis de peso acerca de


la extraña combinación de lógicas que la escolaridad moderna como
actividad y como espacio social y cultural implica. Hunter planteó en su
ensayo magistral que la escuela moderna nace como una combinación
aleatoria – o, al menos, no necesaria y contingente – de dos lógicas
diferentes de relaciones de saber-poder. Por un lado, setrata de la lógica
de la organización, operada desde la autoridad burocrática y desde el
creciente interés estatal por las prácticasarcanas de la escolaridad. Por
elotro, setrata de la lógica del pastorado, de esa relación de poder-saber
que Foucault con brevedad magistral describió en términos latinizados
en relación a sus objetos: omnes et singulatim.2 Ian Hunter plantea que
la escuela modernatal como la conocemos es un híbrido de estas dos
lógicas y las especificidades de la escolaridad deberían versea través del
doble prisma de estas lógicas constitutivas.

A continuación, quisiera notanto discutir la hipótesis de Hunter – la cual


nuncafue refutada desdelateoríanidesdelahistoriografía dela educación
– sinomás bien quiero concentrarme en el tipo detrabajo histórico que él
utilizópara plantear esta potente tesis. En este escrutinio, laidea central
de Hunter de que el cruce de ambas lógicasse dio en el cruce aleatorio de
las mismas en el siglo XVIII tiene queser seriamente reconsiderado. Voya
proponer una discusión históricamente diferenciada de su aproximación.
Es posible que un programa concientey explícito de combinación de la
lógica pastoral con la lógicaburocráticase haya dado recién en el contexto
de los ambiciosos proyectos de transformación de las poblaciones que
se conoce como Ilustración. Ahora bien, una serie de medidas y de
consideraciones acerca del cruce de estas racionalidades nos transporta
hacia otro horizonte temporal. Setrata de reconsiderar una etapa que los
historiadores de la educación – sobretodo si trabajamos en el campo de
las ciencias de la educación – tendemosa ignorar: La época transicional
del mundo tardo-medieval hasta la consolidación de las denominaciones
cristianas como guardianas de prácticamente todo tipo de educación. En
este sentido, quisiera darlea la escuela moderna una densidad histórica
diferente y mostrar que la concentración de la historiografía educativa
en los siglos XVIII al XX nos muestra solamente una fragmento de una

2 Véase: Michel Foucault, Omnes et singulatim: Haciauna crítica de la ‘razón política’”, en Tecnologías delyo
(Barcelona: Paidós, 1990), 95-140.

88

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

historia más compleja de vicisitudes que la narrativa de la fundación de la


escuela moderna en el siglo XVIII nos propone.

En primer lugar, voy a re-examinar la hipótesis de Hunter desde sus


principalestesis y desde eltipo detrabajo historiográfico que realizópara
introducir su idea de re-conceptualización de la escuela como objeto de
investigación. En un segundo paso, quisiera mostrar algunas tendencias
en el mundo tardo-medieval vinculadas a la emergencia de la ciudad
como espacio específico de comunicación y de prácticas educativas. En
este sentido, las primeras tensiones en la relación entre poderes públicos
ypoderes eclesiásticos – consus discusiones acerca de la naturaleza del
objeto escolar – seasomanen conflictos de tortuosa y lentaresolución. En
un tercer momento, quieroplantear que el momento de la combinación
de la lógica pastoral con la lógicaburocrática puede ser rastreado hasta el
mundo luterano temprano, donde ambas lógicas encuentransu expresión
en centrales documentos y acciones. Estos cambios – que pueden datarse
a grandes pinceladas entre los siglos XIII al XVI – nos plantean un desafío
historiográfico al cual quiero delinear en mi último apartado.

1. Consideraciones sobre burocracia y poder pastoral en la escuela moderna

La obra de Ian Hunter “Repensar la escuela” (1994) sobre los orígenes de


la escolarización moderna constituye uno de los más originales trabajos
ligados a la historización de la naturaleza de la escolarización. Su mirada
poco convencional puede atribuirse tanto a su carácter de intelectual
periférico – australiano – observando el entretejido de la modernidaden
ciernes en la lejana Europa noroccidental comoal hecho de que Hunter
proviene delasciencias humanasy no delestrecho campo dela educación.
Sustesis desafiantes y nada modestas requieren una discusión que vaya
más allá de la afirmación/negación y que continúen con el trabajo de
historizar las prácticas y lainstitución escolar.

Hunter definebajo los conceptos de socialgovernancey spiritualguidance


los dos tipos de lógicas que se encontrarían a la base de la escuela
moderna. Plantea que en los siglos XVII yXVIII emergió untipo de Estado
que actúa como el “expert Management of a territory and its resources”.

89

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

La segunda línea, la del “spiritual disciplines and institutional milieu of


the Christian pastorate” es presentada como parte de una cristianización
más abarcadora de las sociedades europeo-occidentales. En el proceso
de Reformay Contrarreforma habría habido una intensificación de este
tipo de vínculo más profundo entre las religiones institucionalizadas y
la formación de sujetos.3 Hunter plantea el diagnóstico de una escasez
cultural de estetipo de relacionespedagógicas, algo quesuvinculación con
los estados administrativosiría a cambiar radicalmente, multiplicando y
diversificando alas mismas4. Ambaslíneasdeintervenciónsonhabilitadas
y operacionalizadaspordiversostipos desaberes–lascienciasdelapolicía
y del estado, por un lado, y la “psicagogía” o pedagogías de la disciplina
espiritual, por el otro5. En el siglo XIX, seconsolida definitivamente esa
escuela “pastoral-burocrática”, como élla denomina, un proceso que yase
había intensificado a nivel de los proyectos y programas en lugares como
Prusia en el siglo XVIII.6

Uno de los aspectos teóricamente más críticos de la obra de Hunter puede


verse ensuidea delaarticulación de doslógicasen la escuela moderna como
una meraadición de dos registros o dos estrategias. En efecto, las prácticas
de articulación – y la emergencia de la escuela moderna es, sin duda, un
proceso de ensamblaje de materiales diversos – se caracterizan por el hecho
de que en el acto de articulación, ninguno de los términos participantes
quedaninmodificados después quela articulación misma hayatenido lugar.7

3 Ian Hunter, Rethinking the School. Subjectivity, Bureaucracy, Criticism. (New York: St. Martin Press, 1994),
p. 34.

4 Ibid., p. 37.

5 Ibid., p. 57.

6 Ibid., p. 78.

7 Este concepto de articulación se halla desarrollado en: Ernesto Laclau and Chantal Mouffe, Hegemonie
und radikale Demokratie. Zur Dekonstruktion des Marxismus (Viena: Passagen Verlag, 2000) (castellano:
Hegemonía y estrategia socialista, 1987). La relación entre la categoría de “articulación” en Laclau
y Mouffey laidea, por cierto muy en boga actualmente, del “ensamblaje” de Bruno Latour no ha sido
discutida sistemáticamente. Sibien aquítambién utilizo a esta última, no todas las consecuenciasteóricas
de esta categoría estántomadas en cuenta en este caso. Para laidea de ensamblaje, véase: Bruno Latour,

90

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

En este caso, se trata de pensar, qué significa para una lógica burocrática
de gobierno la articulación escolar y qué significa para la lógica de la
psicagógica pastoral su vinculación a unaparato burocrático de gobierno.

Este tipo de crítica no obsta valorar el fuerte nivel explicativo de sus


tesis en torno a la emergencia de un espacio denso de auto-reflexión
subjetivante en el cual no sólo la disciplina encuentra su interfase con
el cuerposino que también se vincula con la esfera de gobierno ya que
justamentelaimagen de gobierno esla de una conductaauto-reflexiva que
seconstituye en una oferta masiva de subjetivación con la expansión del
mundo escolar.8 Elaulano sería, portanto, otra cosa quela preparación de
un campo de oferta y de coerción en el cual las prácticas de subjetivación
son preparadas y organizadas paragrupos de niños y adolescentes.

En lo que sigue, quisiera discutir estas hipótesis no desde sus flancos


abiertos a nivel de las categorías utilizadas, sino seguir la línea de
indagación de Hunteren un sentido estrictamente historiográfico. Hunter,
comotodos los seguidores de Michel Foucault, se sirven de un archivo
personal muy particular, muy programático y muy ligado a la generación
de nuevas hipótesis. Aquí quisiera seguir una línea historiográfica más
conservadora en el sentido de referirme a producciones que superan las
limitaciones de estearchivo de contornos programáticos. No se trata de
presentaruna narrativa alternativaala de Hunter – aunquesí diferenciada
– de la emergencia de un poder burocrático-pastoral que toma en cuenta
un horizonte temporal másabarcadory olvidado para la historia de la
educación: el mundo urbano tardo-medieval.

2. La secularización escolar y el mundo urbano tardo-medieval

Mi principal reconsideración de la tesis de Hunter se centra en el


hecho de trastocar decididamente su cronología – al fin y al cabo,

Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory (Oxford: Oxford University Press,


2007).

8 Hunter, Rethinking the School., pp. 176-177.

91

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

como historiadores, tenemos que ver con narrativas de un pasado


algo nebuloso pero al que podemos datar – y, consecuentemente,
las condiciones de emergencia de la articulación entre pastorado
y burocracia en el campo escolar. En mi tesis, la cesura pastoral
burocrática se dio en el contexto convulsivo de la Reforma
protestante y de la Reforma Católica y el enemigo común al que
ambos seenfrentaban era al mundo escolar urbano de la época tardo
medieval, un tercero en discordia que no siempre es considerado
seriamente en la historiografía educativa. Este mundo escolar
urbano se caracterizaba por su profundo utilitarismo tanto en los
aspectos institucionales como curriculares y en su descuido parcial
de las demandas pastoralistas que ya existían. Mi tesis es que en
la Reforma luterana particularmente se forja la alianza pastoral
burocrática que se extenderá y estatalizará definitivamente dentro
de las coordenadas planteadas por Hunter.

En la historiografía se ha establecido el renacimiento del siglo XII como


una categoría de utilidad para aprehender la dinámica propia de la Edad
Media.9 Frenteal Renacimiento “oficial” de las ciudades-estado italianas
posterior al 1400, este primer renacimiento alude a la dinámica de
urbanización presente a partir de este momento, las libertades urbanas
conquistadas y a la expansión de ese nuevotipo de institución educativa,
la universidad, que se afianzó en las zonas más dinámicas de Europa.
Este tipo de dinámica cultural tuvo incluso consecuencias inmediatas a
nivel de la altapolítica: la emergencia del pensamiento laicoal interior
del Cristianismo. Como puede verse en la obra de Marsilio de Padua
(1275/1280-1342/1343), un miembro de los nuevos grupos vinculados
a y educados en la universidad, en el siglo XIII, las ideas regulativas parael
orden político no son máslajusticia o el orden por símismo – ambas ideas
profundamente ligadas a la teología política cristiana más tradicional
marcada por la De civitate Dei de San Agustín – sino a la felicitas civilio

9 Si bien esta categoría fueacuñada a principios del siglo XX, para la historiografía educativa no hatenido
impacto significativo por lo cual, en este campo, contiene cierta “novedad”. Una discusión de la misma
en diversos campos puede verse en: Benson, Robert L., Giles Constable y Carol D. Lanham, (comps.),
Renaissance and Renewal in the Twelfth Century (Cambridge: Harvard University Press, 1982). Una
discusión de esta categoría en sus aspectos educativos puede verse en: José María Soto Rábanos, “Las
escuelas urbanasyel Renacimiento del siglo XII”, en: de la Iglesia Duarte (comp.), La enseñanza en la edad
media: XSemana de Estudios Medievales (Nájera: Instituto de Estudios Riojanos, 2000), pp. 207-242.

92

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

la utilidad común.10 Emerge así una esfera diferenciada de acción, una


esfera en la cualla Iglesia misma no seríala encargada de su organización.
En esta concepción, “(…) para enseñary conducir a los hombres en esta
materia, la ciudad debe designar ciertos expertos; en ese sentido, los
sacerdotes son en realidaduna especie de ‘médicos delalma’ que cumplen
una función cívica y utilitaria para la conducta moral en este mundo”.
Mientras el poder de la Iglesia se basa en verdades indemostrables para
este mundo y sólo deberíaaplicarse a la vida futura, la vida terrenales
la vida marcada por la utilidad11. Como puede verse, la secularización
y la emergencia del utilitarismo social es un movimiento al interior de
la Iglesia medieval y, por ello, las viscisitudes de la pastoralización no
pueden reducirse a la mera oposición catolicismo-laicismo, como en el
siglo XIX.

En este mundo urbano, estamental, pero dislocado y extraño frentea


los órdenes consolidados de otras unidades políticas como el feudo
y la comunidad rural, las universidades representan tanto un primer
contexto de pastoralización expansiva (ya que no era monástica)
como de pluralización y dinamización cultural. En pocas décadas,
este tipo de institución favoreció una imagen de lo urbano en la cual
las ciudades eran espacios algo desordenados frente a las imágenes
de orden imperantes, una constelación que fue espléndidamente
trabajada por José Luis Romero hace varias décadas con respecto a sus
consecuencias culturales.12 Las universidades han sido celebradas como
la salida del saber elaborado de los espacios clausurados de conventos
y monasterios. Por ello, podría plantearse que un desacople de la
vigilancia pastoral con respecto a la actividad del estudio y la erudición
se produciría en esta transformación. En términos del análisis pastoral
estricto, sin embargo, puede considerarse que justamente el pastorado
en el sentido trashumantey movedizo comienza con este movimiento.
Se plantea en ese espacio urbano, donde los “estudiantes” podían ser

10 Carmen Iglesias, “Fundamentos del Estado laico: Marsilio de Padua,” in No siempre lo peor es cierto.
Estudios sobre Historia de España, ed. Carmen Iglesias (Barcelona: Círculo de Lectores, 2008), p. 754.

11 Ibid., pp. 760-761.

12 José Luis Romero, La revolución burguesa en elmundo feudal (Buenos Aires: Sudamericana, 1967).

93

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

tan jóvenes como un alumno actual de quinto grado de primaria, un


desafío particular: la reproducción y ampliación de lazos pastorales más
allá de las condiciones facilitadoras de encierro de carácter monacal.

En el mundo urbano tardo-medieval, la emergencia de gruposespecíficos


como los comerciantes y los artesanos determinólaexistencia de formas
de enseñanza que parecían desmarcarse de la estrecha vinculación entre
trabajo educativo y trabajo pastoral.13 Sin duda, el primer movimiento
es el del debilitamiento del latín para la transmisión de saberes en
determinados círculos, como en el de los comerciantes. Elavance de las
así llamadas lenguas vulgares, ya que eran usadas por el “vulgo”, alejaba
la cultura escrita de la lengua oficial de la curia y de la Sagrada Escrituray
posibilitabala emergencia de una cultura escrita orientada alutilitarismo
urbano en ciernes. Este avance en la cotidianeidad de lasciudades y de las
prácticas estatales es innegable: ya hacia 1230, por ejemplo, aparece el
primer código de derechosen lengua vulgar alemana (el Sachsenspiegel)
y la primera cédula imperial en lengua vulgar del Sacro Imperio Romano
Germánicose firma en 1235, siguiendo una transformación que ya se veía
en los documentos privados. A mediados del siglo XIV, la correspondencia
pública y privada en lengua vulgaraumenta considerablemente.

La urgencia apremiante por dominar las habilidades contables y


caligráficas generaba también la emergencia de un canon de saber
considerado elemental que se diferenciaba del canon cultural
tradicionalmente custodiado por la religión organizada. No es de
extrañar que este mundo urbano generara una demanda de educación
con énfasis en ciertas calificaciones básicas. Setrataba de escuelas y
enseñanzas centradas en la contabilidad, en el cálculo – básica habilidad
para comerciar por la tremenda disparidad de las unidades de pesos
y medidas que podía encontrarse incluso al interior de una misma
comarca – y en la escritura. Más allá de invocaciones moralizantes
generales, se observaba en estas escuelas un fuerte énfasis en las
habilidades y en su adaptación al mercado laboral y no tanto en
aspectos pastoralizantes vinculados a la conducción de la subjetividad,
a la inspección introspectiva, yalescrutinio del alma.

13Martin Kintzinger, “Eruditus in arte. Handwerk und Bildung im Mittelalter,” in Handwerk in Europa vom
Spätmittelalter bis zur frühen Neuzeit, ed. Knut Schulz (München: Oldenbourg, 1999).

94

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Comienzan a fundarse escuelas urbanas en la segunda mitad del siglo


XIII, promovidas a veces por los propios gobiernos locales y con fuerte
autonomía con respecto al pastorado organizado por la Iglesia14. En esta
dinámica puede verse un documentotaninédito parala Cristiandad como
el reglamento del Duque de Brabante de 1320 ordenando la instalación
de escuelas en Bruselas. El decreto agregaba cinco escuelas para niñosa
las dos ya existentes y cuatro nuevas escuelas para niñas a la única que
había hasta ese momento en funcionamiento. Con el paso del tiempo, la
presión por la fundación de escuelas en lengua vulgar – o, al menos, la
existencia de una clase en lengua vulgar al interior de una escuela latina
– creció considerablemente. Esta presión originó incluso los primeros
atisbos de una política escolar algo más orgánica por parte de los
cuerpos municipales. La reforma de las escuelas triviales de Nuremberg
de 1485, planteada por una comisión ad hoc, ordenaba a las escuelas a
enseñar a los niños en alemán junto al latín. Explícitamente se hablaba
de la formación diferenciada de aquellos que no querían seguir la carrera
eclesiástica15. Incluso, la vieja denominación latina “Schola” comenzó
a ser reemplazada por una muy sugerente denominación – “dudesche
schrifscholen” (Lübeck, comienzos del siglo XIV) o “escuelas de escribir
alemán” – que aludía sin duda a las cualificaciones propias de los grupos
urbanos ascendentes.

La variación de este panorama escolar presentó, por supuesto, un


desafío para las tradiciones escolares que provenían de laidentificación
del mundo escolar con el mundo de la religión organizada. El conflicto
que el Concejo Municipal de la ciudad de Hamburgo mantuvo con
la Iglesia durante casi todo el siglo XV es muy ilustrativo de estas
nuevas tensiones. Tradicionalmente, había existido en las ciudades
con catedrales el cargo de Scholasticus el cual se desempeñaba como
rector de la escuela catedralicia y tenía el derecho general de inspección
de todas la escuelas de la localidado de la región. El Scholasticus de

14 Gray Cowan Boyce, “Erfurt Schools and Scholars in the Thirteenth Century,” Speculum. A Journal of
Mediaeval Studies XXIV, no. 1 (1949).

15 John N. Miner, “Change and Continuity in the Schools of Later Medieval Nuremberg,” the catholic
Historical Review LXXIII, no. 1 (1987); RudolfEndres, “Das Schulwesen von ca. 1200 bis zur Reformation.
Gesamtdarstellung,” in Handbuch der Geschichte des Bayerischen Bildungswesens, ed. Max Liedtke (Bad
Heilbrunn: Klinkhardt, 1991).

95

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Hamburgo se dirigió al Papa a comienzos del sigo XV para denunciar


la “enseñanzailegal” que a su parecer se estaba dando en la ciudad con
auspicio del cuerpo municipal. Estoes, la oferta municipal de escuelas –
una oferta para las élites y lejana a cualquier tipo de intención que hoy
vincularíamos con la educación popular – era vista por el Scholasticus
como una intromisión en un campo eminentemente eclesiástico. Las
peripecias vinculadas a este conflicto son innumerables e incluyeron
colectas de dineroen Hamburgo para sobornar a los peritos de Roma.
A la ciudad le interesaba extender la oferta escolar – explícitamente
las mencionadas “escuelas de escribir” – y había negociado un primer
permiso en 1472 paramantener cuatro de estas escuelas. El Scholasticus
volvióa impugnar estas escuelas – tan centrales en una ciudad portuaria
eminentemente comercial – yamenazó con excomulgar a todos los que
concurrieran otrabajaran en las escuelas no aprobadas por él mismo.
Más allá de los enredos en la negociación, la argumentación de las
autoridades municipales de Hamburgo es de extremo interés para la
discusión de la emergencia de formas diferenciadas de escolarización
orientadas al utilitarismo urbano y, por ende, con una relación variable
con respectoalprogramapastoral. El cuerpomunicipalargumentaba que
las pretensiones del Scholasticus no eranlegítimas ya que el Scholasticus
sólo podía determinar la apertura de escuelas y la contratación de
personal si éstas estaban dedicadas a las siete artes liberales y a la
gramática. La escritura, afirmaban, no pertenecía a estasartes sino que
setrataba de un arte “mechanicis et factivis” – estoes, “artesanal” – que
noafectaba a las “ciencias”. En este sentido, la corporación municipal de
Hamburgo intentaba establecer una diferenciación de áreas de saber y
de tipos de transmisión. Sibien reconocía el monopolio de la Iglesia para
las ciencias, los conocimientos elementales y prácticos estarían fuera de
esta esfera. La ciudad de Hamburgo perdió este pleito definitivamente
en 1477, pero la diferenciación de saberes y de espacios escolares que
la municipalidad de Hamburgo estaba buscando era ya una categoría
pública másallá de que no fuera aceptada por la autoridaden Roma.16

Amén de que las escuelas municipales planteaban unenfrentamiento


abierto a la Iglesia, que ésta podía asumir y ganar, la multiplicación

16Konrad Fischer, Geschichte des deutschen Volksschullehrerstandes, tomo I (Hannover: Verlag von Carl
Meyer, 1892), 9-11.

96

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

de escuelas particulares, en las casas de “maestros” – Meister, en el


sentido artesanal, de maestro de un oficio – eran más difíciles de
controlarasí como también la oferta de enseñanza individual o grupal
de otros artesanos y estudiantes pobres. En este mundo urbano se
multiplican las categorías de enseñantes que se definen a través de
habilidades y no como pastores. Los famosos “maestri d’abbaco” en
la ciudades del norte de la penínsulaitálica – los primeros datados en
Bolonia (1265) y en Verona (1284) – muestran la emergencia de una
categoría enseñante vinculada a una técnica novedosa de un cálculo
centrado en las grandes cantidades17. Paul Grendler ha mostrado
con toda claridad en su paciente trabajo de reconstrucción de la
escolaridad renacentista de esta región que la multiplicación de estos
maestros condujoo, al menos, acompañó la disminución significativa
de escuelas directamente operadas por organizaciones eclesiásticas.
Aunque las escuelas comunales italianas no abandonaron el canon
latino, como en el mencionado caso de Nuremberg o Hamburgo,
comenzaron a financiar maestros de ábaco con fondos comunales,
como en Volterra, Pistoia, Luccay, a veces, se pagabanestos maestros
de nuevo tipo a través de la universidad local como en Florencia,
Perugia y Bolonia.

Si bien nos adentramos a la época posterior a la amenaza de la Reforma


luterana, la situación en la ciudad de Venecia en 1587 nos muestra
la diferenciación del personal docente incluso en plena ofensiva
contrarreformista. Delos 263 maestros de la ciudad, el 62% eran clérigos,
ahora bien, la distribución de los mismos era extremadamente desigual:
mientras que el 80% de los maestros queenseñaban latín eran clérigos,
sólo el 25% de los que enseñaban en lengua vernácula eran personal
eclesiástico. Más allá del conformismo religioso de rigor, estos últimos
maestros probablemente se definían a través de su utilitarismo del saber
yno en primerlugar como pastores especializados en la niñezignorante18.
Estetipo de diferenciación no era general en Europa. El caso de Inglaterra
– donde el monopolio de la educación a través de las “chantry schools”

17 Paul F. Grendler, Schooling in Renaissance Italy. Literacy and Learning, 1300-1600 (Baltimore, London:
The John Hopkins University Press, 1989), 22-23

18 Ibid., 42-56.

97

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

incluso se consolidó hacia el cambio del siglo XV – es significativo19. Pero


donde la dinámica económica y cultural lo permitía, la despastoralización
de la actividad docente era evidente. En la ciudad de Sevilla, por ejemplo,
el mecanismo básico de organización de la escolarización elementalera
la producción de un contrato de aprendizaje, como el firmado por el
maestro de oficio y los padres del futuro aprendiz, en el campo de los
saberes elementales20. Desde 1450, esta práctica se encuentra bien
documentaday, si bien no descarta elementos pastorales muy propios de
la mentalidad del oikos del mundo del taller, los elementos utilitarios del
contratoprevalecían.

En suma, aunque las fuentes de las que disponemos no son detal detalle
para reconstruir la realidad institucional de los vínculos pastorales, el
mundo urbano tardomedieval estaba constituyéndose en un desafío
curricular, lingüístico y de personal con respecto a la constelación
educativa monástica y catedralicia vinculada al mundo de la Iglesia.
Este mundo, organizado a través del valor de la utilidad, será uno de los
contextos centrales que tendrán los reformadores varios del siglo XVI
cuando hablen de su programa de “escuelas cristianas”, una marca de una
re-pastoralización en ciernes.

3. La re-pastoralización de la escuela en los orígenes de la modernidad

Uno de los grandes equívocos historiográficos – hoyaún explotado por


algunos grupos protestantes – constituye en haber considerado a Martín

19 Estaclericalizaciónincluíala adopción delábacomismo.Véase: Gillian R. Evans,“SchoolsandScholars: The


Study of the Abacus in English Schools C. 980-C. 1150,” The English Historical Review94, no. 370 (1979).
Para latemática general de la clericalización del oficio docente en Inglaterra véase la obra concluyente de
Nicholas Orme, Medieval Schools (New Haven: Yale University Press, 2006). Un estudio regional puede
verseenJ.J. Vickerstaff, “Profession and Prefermentamongst Durham County Schoolmasters, 1400-1550,”
History of Education 19, no. 4 (1990).

20María Carmen Álvarez Márquez, “Laenseñanza de las primeras letras y el aprendizaje de lasartes del
libro en el siglo XVI en Sevilla,” Historia, Instituciones, Documentos, no. 22 (1995). Estetipo de prácticas
se encontrabanen muchos contextos urbanos en España. Véase: Manuel Ferraz Lorenzo, “Los orígenes de
la educación pública y profesionalen Canarias. Siglo XVI,” in XIII Coloquio de Historia Canario-Americana,
ed. Francisco Morales Padrón (Las Palmas: Cabildo de Gran Canaria, 2000).

98

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Luterocomo el padre de la alfabetización de masas de la modernidad.


En lengua alemana, un cierto protestantismo cultural y rabiosamente
anticatólico mostraba en el siglo XIX a través del trabajo histórico cómo
el protestantismo había sido más moderno que el catolicismo a través de
este rolatribuido a Lutero. En el campo de la historiografía educativa, el
tema de la pretendida superioridad educativa del protestantismo ha sido
planteado, sin que ningún trabajo haya analizado en profundidad esta
constelación21. La línea de razonamiento principales la siguiente. Lutero
planteó desde muy temprano su impulso anti-institucionalista, el cualse
expresaatravésdellemasolagratia,solafide,solascriptura, solusChristus.
En su famosa prédica dirigida a los nobles cristianos de Alemania (1520)
había propuesto, incluso, usar la escritura sagrada como texto de base
paraenseñar yaprender. Deaquí se deduciría que un encuentro directo
del rebaño – de cada oveja del rebaño – con la sagrada escritura seríael
camino directo en la renovación del Cristianismo propuesta por el padre
agustino. Deallí, se deriva una supuesta apertura del protestantismoa
la alfabetización popular y el protestantismo podría ser considerado, en
esta visión, como una religión mas estrechamente ligada al mundo de la
escritura frente a la liturgia visualysensorial del catolicismo tradicional.

Este relato historiográfico, válido hasta hace pocas décadas, era planteado
en la historiografía educativa sin ninguna discusión más allá del
evidente malestar de los católicos. Sin embargo, ha sido definitivamente
impugnado por Gerald Straussy Richard Gawthropen un maravilloso y
conciso artículo publicado en la célebre revista pastand presenten elaño
1984. Allí, estos historiadores muestran con toda claridad cómo algunas
posiciones algo nebulosas del comienzo de la Reforma se transforman
luego de la gran sublevación campesina de tintes milenaristas en gran
parte del Sacro Imperio Romano Germánico en 1525. En efecto, estos

21Véase, entre otros, Georg Metz, Das Schulwesen der deutschen Reformation (Heidelberg: Winter, 1902);
Wilhelm Flintner, “Die vier Quellen des Volksschulgedankens,” en Volksschule und Elementarbildung
(Paderbon, Munich, Viena, Zürich: Ferdinand Schöningh, 2005); Friedrich Hahn, Die evangelische
Unterweisung in den Schulen des16.Jahrhunderts (Heidelberg: Quelle & Meyer, 1957); ReinhardSchwarz,
“Luther als Erzieher des Volkes. Die Institutionalisierung der Verkündigung,” Lutherjahrbuch 57(1990);
Erhard Wiersing, “Martin Luther und die Geschichte der Erziehung,” en Luther in der Schule. Beiträge
zur Erziehungs – und Schulgeschichte, Pädagogik und Theologie, comp. por Klaus Goebel (Bochum:
Studienverlag Dr. N. Brockmeyer, 1985). A veces, las historias educativas de algunos países católicosen un
espíritulaicista repitieroneste argumento: Mario Alighiero Manacorda, Historia de la educación. Del 1500
a nuestros días (México: Siglo XXI, 1987), 305-313.

99

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

movimientos campesinos, tan celebrados por la historiografía marxista


de la educación como el verdadero espíritu revolucionario de la Reforma,
citaban para sus exigencias sociales, económicas y políticas el texto
bíblico. La pérdida del monopolio interpretativo de la sagrada escritura,
que Lutero mismo con sus tesis había impulsado, se transformó en un
problema de primer nivel para la consolidación de la Reforma misma. Por
ello, no essorprendente que Lutero cambie deposición ante estos desafíos
de interpretación popular y que proponga luego que la Biblia misma
quedara confinada a ciertos grupos de elite y de garantías hermenéuticas,
relativizando fuertemente ellema delalibreinterpretación dela Escritura.
Luteroplanteó luego de la experiencia rupturista de 1525eluso exclusivo
de catecismos parala educación popular. Él mismo compuso dos célebres
textos que fueron adoptados ampliamente y cuyo propósito era dar
consistencia y centralidad argumentativa a la aún joven y tambaleante
Reforma. Formalmente, la libertad del cristiano debía encontrar la verdad
dela escriturasin una coercióninstitucional; de hecho, la vigilancia de tipo
institucional – como en el caso de la Inquisición católica – fue reemplazada
por una vigilancia de tipo discursiva, teológica y de generación de grupos
con autoridad interpretativa. Un punto de carácter pedagógico es aquí
de suma importancia: El catecismo puede memorizarse y ejercitarse
en la misa, y no supone un proceso de alfabetización previo, es un texto
en el límite entre oralidad y literalidad. Muchas de las catequizaciones
populares de los siglos XVI y XVII tomaron esta forma de usar el
texto como mero soporte de performances ligadas a la memoria y la
reproducción oral. Con el desplazamiento de la Biblia a los catecismos,
la vinculación religión-alfabetización no retuvo el nivel de necesidad que
lastesis historiográficas tradicionales le habían otorgado22. Ser un buen
cristiano era definidocomo saber los catecismos y éstospodían ‘saberse’
sin ser leídos.

Másallá de este desplazamiento,unpuntocentralqueintroducela Reforma


es que Lutero sí propuso a las escuelas como el lugar fundamental para
garantizar la extensión de relaciones pastorales. Si bien, de principio, la
Biblia plantearía la educación como una cuestiónvinculada a la autoridad
paterna, Lutero enfatizó en su celebérrimo “Sermón a los magistrados de

22 Richard L. Gawthropy Gerald Strauss, “Protestantism and Literacy in Early Modern Germany,” Past &
present, no. 104 (1984).

100

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

todas las ciudadesalemanas para que construyany mantengan escuelas


cristianas” (1523)23 las múltiples razones por las cuales el pastorado dela
cabeza del oikos – un pastor quenosolo regía sobre la familia nuclear sino
también sobre la servidumbre y sus familias, aprendices y otros parientes
– no podía ocuparse de esta pesada responsabilidad. Sea por ignorancia,
falta de tiempo, irresponsabilidado por la gran cantidad de huérfanos, un
lugar para el establecimiento de estas relaciones pastorales sería ahora
la escuela24. Si bien Lutero no perdía de vista la necesidad específica de
una educación que atendiera las necesidades de reproducción social,
su énfasis era claramente en el ámbito de la salvación de las almas. El
refrán de su propia época escolar – “non minus est negligere scholare,
quam corrumpere virginem” – quería verlo realizado a través de un
cuidado de los escolares efectivo y extendido25. Lutero mismo pensaba
este pastorado institucional desde una clara perspectiva coercitiva.
En una cartaal Duque de Sajonia en 1529, al cualaconsejaba en varios
asuntos de gobierno, Luteroplanteaba sin dudar que si un príncipe puede
legítimamente obligara sus súbditos a ir a la guerra, másaún debería
obligarlos a buscar la salvación de su alma y ordenar la asistencia de
todos a “escuelas cristianas”.

Independientemente del hecho de que los programas de reforma del


primerluteranismo no hayansido realmente exitosos másallá de los límites
estrechos del mundo urbano26, el programa luterano implicabano sólo una
reconquista de la escuela por un pastorado detono fundamentalista – en
tantolaReformadeseabavolveralapurezadelareligiónyasusfundamentos,
estoes,alatransparenciadelaSagrada Escritura combatiendola corrupción
del mundo y del “demonio” tan invocado por Lutero ensus escritos – sino

23 Martin Luther, “An die Bürgermeister und Ratsherrn aller Städtein deutschen Landen, daß sie christliche
Schulen aufrichten und halten sollen,” en Pädagogische Schriften (Paderborn: Ferdinand Schöningh,
1957).

24 Ibid., 69.

25 Ibid.

26 Gerald Strauss, Luther’s House of Learning: Indoctrination of the Young in the German Reformation
(Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978).

101

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

también un pastorado que se había transformado en una lógica expansiva.


Como la reforma condenó la vida monacal, el cierre de conventos implicó
la idea de que todo el mundo debía ser purificado y no los espacios
cerrados y exclusivos. Los llamados de Lutero y sus contemporáneosal
activismo reformadorson muy claros:setrataba de extender las relaciones
pastorales a la totalidad de la población y la escuela sería uno de los
instrumentos privilegiados – aunque no el único – de esta estrategia. El
pastorado ilimitado que imaginaban los reformadores encontraba en el
espacio estrecho de las ciudades una especie de primera extensión de las
relaciones pastorales, perola ambición pastoral nose detenía en los muros
de lasaglomeraciones, sino que su programa implicabasu extensión a toda
la población en el mediano plazo. La Iglesia Luterana no parece haber sido
la más eficaz a la hora de establecer estas relaciones en la cotidianeidad
del rebaño – un privilegio detecnología social más vinculadoal mundo del
calvinismo27. Sin embargo, laidea de un tipo de relación cercana aunque
grupal comoeje de un proyecto de conducción másamplio provenía de este
primerimpulso.

Una de las hipótesis más interesantes en la historiografía renovada


de las ideas en el mundo de habla alemana alude a estas genealogías.
Si bien las consecuencias de la teología luterana no se verían en toda
su extensión hasta el temprano siglo XVIII, Fritz Osterwalder ha
planteado con razón que “así como el dogma protestante en su origen
en Lutero abogó por la interioridad y la individualidaden detrimento
de la institucionalización de la iglesia, en la pedagogía mantiene esta
tradición de la indiferencia frente a la institucionalidad, es más, todo
tipo de institucionalidad pedagógica es trascendido inmediatamente
en términos de educación (Erziehung), esto es, de interioridad”28.

27 Leendert F. Groenendijk, “Die reformierteKirche und die Schulein den Niederlanden während des 16. und
17.Jahrhunderts,”en Frühneuzeitliche Bildungsgeschichte derReformierten in konfessionsvergleichender
Perspektive. Schulwesen, Lesekultur und Wissenschaft, comp. por Heinz Schillingy Stefan Ehrenpreis,
Zetischrift für Historische Forschung Beiheft 38 (Berlin: Duncker & Humblot, 2007); Johannes Arndt,
“Reformatio Vitae. Reformierte Konfessionalisierung und Bildungsreform 1555-1648,” Zeitschrift für
Geschichtswissenschaft 51(2003); Stefan Ehrenpreis, “Das Schulwesen reformierter Minderheiten im
Alten Reich 1570-1750: Rheinische und fränkische Beispiele,” en Frühneuzeitliche Bildungsgeschichte
der Reformierten in konfessionvergleichender Perspektive. Schulwesen, Lesekultur und Wissenschaft,
comp. por Heinz Schillingy Stefan Ehrenpreis (Berlín: Duncker & Humblot, 2007).

28 Fritz Osterwalder, “Die Geburt der deutschsprachigen Pädagogik aus dem Geist des evangelischen

102

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Justamente en este “encantamiento de la subjetividad a través de la


pedagogía” (Osterwalder) se ancla una de las dos caras del poder
pastoral.

Si bien la documentación de la época es limitada en términos de


una detallada y sustantiva historia de las subjetividades, las luchas
curriculares que se dieron frente al programa de pastoralización de la
escuela muestran grietas al interior de la nueva coalición reformista.
En la ciudad de Kassel, uno de los terrenos pioneros de la reforma
ubicado hoyal norte del estado federado de Hesse, William J. Wright ha
encontrado evidencias contundentes del conflicto desatado entre la nueva
pastoralización que la burguesía urbana apoyaba y la tradición de una
escolarización utilitaria, con saberes considerados ajenos a las ciencias
controladas por la institución eclesiástica – como se había definido en
Hamburgo – y ligada a las actividades del comercio y del artesanado.
Wright reconstruyó las peripecias que experimentó el concejo municipal
deKasselen su resistenciaal cambio curricular ordenado porellandgrave
Felipe I el Magnánimo. El mismo, alineado con el espíritu de la Reforma,
había exigido una conversión de las “escuelas” en verdaderas “escuelas
cristianas” yello se mostraba en cambios que favorecían la instrucción
religiosa en detrimento de la escolaridad utilitaria. La población de
Kassely sus autoridades municipales defendieronatravés de peticiones
su currículourbano con un fuerte peso delaaritmética, la contabilidad, el
arte de la escritura y la geometría29.

Mientras la Reforma impulsaba un nuevotipo de pastorado, el pastorado


extendido post-conventual, el segundo tipo de racionalidad que Hunter
encuentra en la base de la escuela moderna, la racionalidad burocrática,
también se cristalizabajo el impulso de la Reforma. En un movimiento
sin precedentes, el luteranismo abre una carrera de burocratización de
lainstitución escolar – tanto la de masas como en el nivel de la educación
de segundo grado – que no deja lugara dudas acerca de la construcción
de escolaridad como parte de una estrategia de gobierno. A veces como

Dogmas”, Vierteljahrsschrift für wissenschaftliche Pädagogik 68(1992).

29 William J. Wright, “The Impact of the Reformation on Hessian Education,” Church History44(1975).

103

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

parte de ordenanzas eclesiásticas, pero también como ordenanzas


escolares separadas, ya en el siglo XIX Reinhold Vorbaum encontró 26
ordenanzas escolares paraterritorios y ciudades y otras 17 ordenanzas
escolares con carácter local. Comenzando por las ordenanzas escolares
de Sajonia, escritas por el propio Lutero, en 1528, y las respectivas
ordenanzas del principado de Braunschweig (1528), y de las ciudades
de Hamburgo (1529) y Wittemberg (1533), la apuesta por la lógica
burocrática en el mundo reformista era precisa, aunque no siempre
eficaz30. La innovación de este tipo de instrumento de regulación no
puede ser despreciada. Hasta ese momento, el mundo escolar parecía
ser regulado por la tradición, la costumbre y las personalidades máso
menos carismáticas quelas dirigían que por reglas anónimasygenerales
vinculadas a la lógica burocrática. Ejemplos aislados anteriores a la
reforma como las ordenanzas para la escuela comunal de San Esteban
en Viena (1446) son claras excepciones y muyacotadas – vinculadas a
una sola escuela o localidad.

En suma, el reformismo luterano se posiciona frente al mundo escolar


de los maestros utilitarios en una tensión evidente. El hecho de que
los vínculos pastorales y los contenidos curriculares asociados a esos
vínculos no fueran definitorios del mundo escolar urbano tardo
medieval – más allá del conformismo religioso evidente de estas
instituciones – fue visto con sospechay distancia por los reformadores.
Susprogramas curriculares, pedagógicos y de política escolar – como
el de la idea, todavía muy nebulosa, de la obligatoriedad escolar –
se enfrentaban no sólo a la herencia del catolicismo, sino también a
este mundo algo desordenado y en ebullición en el medio urbano. La
moralización pastoral no sólo es re-evaluada y re-valorada en este
contexto, sino que también la lógicaburocrática comienza a construirse
através de ordenanzas escolares, eclesiásticas, inspecciones periódicas
y documentaciones escritas varias. Es en este sentido en que la
cronología de Hunter parece basarseen un relato historiográfico algo
convencional, marcado por la cesura de la Ilustración. Setrata de un
relato que, al centrarse en el tardío siglo XVIII, clausura varios siglos
de historia educativa como estructurantes de la escolaridad moderna.

30 Reinhold Vormbaum, comp. Die evangelischen Schulordnungen des 16. Jahrhunderts (Gütersloh:
Bertelsmann, 1860).

104

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

4. Analizar el pastorado y la burocracia escolares: consecuencias


historiográficase investigativas

La revisión del relato histórico de Hunter tiene consecuencias a varios


niveles. Por empezar, define a la modernidad temprana e, incluso,
al medioevo tardío como elementos esenciales – y no como meros
prolegómenos – de la historia educativa moderna. La caracterización de
esta época como siendo parte de tiempos premodernos estaría ocultando
el carácter profundamente estructurante de estos procesos para la
consolidación de la modernidad clásica post-ilustrada. La reconsideración
de la cronología reubica la cesura de la Ilustración como una reacción
a una estructura ya existente y debilita la imagen todavía difusa pero
persistente en la historiografía educativa de que la escuela moderna
sería algo así como una invención ex-nihilo originada en la Ilustración. La
cronología aquí propuesta, además, permite ubicar la historia educativa
latinoamericana – su historia “colonial” – en un horizonte de modernidad
periférica y libera a esta etapa de su papel historiográfico de ser el fondo
algopasivo de los procesos de reforma educativa quelosindependentistas
latinoamericanos propondrán como educación moderna. Otros temas de
la historiografía como el delaestructuración de un “sistema”educativo, sin
embargo, permanecen sin mella como una forma de regulación originaria
de la modernidad clásica. En suma, la diferenciación de la historia de la
escuela de la historia del sistema educativo sería uno de los resultados
laterales detal re-conceptualización.

Ahora bien, la cuestión de las consecuencias historiográficas de la


revisión de la tesis de Hunter no sólo se reduce a la cronología. La idea
post-estructuralista de que las prácticas de articulación transformanen
el acto mismo de articulación las prácticas articuladas podría traducirse
historiográficamente en preguntas vinculadas a las interferencias que
experimentanlaslógicas pastoralesyburocráticas cuando son articuladas
como fundantes de la escolaridad. La idea de que la lógica burocrática
y sus consecuencias de judicialización y legalismo “interfieren” en el
despliegue de relaciones “pedagógicas” o interiores constituye una
primera dimensión de este cambio de perspectiva. Una segunda línea
es la de observar el malestar de la institucionalización de las relaciones
pedagógicas en el horizonte de su burocratización. Mientras el primer

105

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

problema alude a los dilemas conceptuales de unapolítica escolar – algo


vistocasicomo antipedagógico – el segundo problema alude altonoanti
institucionalista de los discursos pedagógicos modernos.

Ambas alternativas ofrecen una perspectiva diferenciada, densa


teóricamenteyrica en consecuenciasparauna revisión de la historiografía
de la escuela. Las diferentes versiones confesionales, locales, nacionales y
estratificadas de estos dilemas de la emergencia de la institución escolar
presentan una complejidady un desplieguetemáticos de una envergadura
considerable y que sugieren que la indagación histórica de la escolaridad,
lejos de un síndromedeagotamiento, continúa su despliegue como objeto
de indagación einterpretación.

Bibliografía

Álvarez Márquez, María Carmen. “Laenseñanza de las primeras letras y elaprendizaje de


lasartes del libro en el siglo XVI en Sevilla.” Historia, Instituciones, Documentos, no. 22
(1995): 39-85.

Arndt, Johannes.“Reformatio Vitae. ReformierteKonfessionalisierung undBildungsreform


1555-1648.” Zeitschrift für Geschichtswissenschaft51 (2003): 707-28.

Benson, Robert L., Giles Constable y Carol D. Lanham, (comps.), Renaissance and Renewal
in the Twelfth Century. Cambridge: Harvard University Press, 1982.

Boyce, Gray Cowan. “Erfurt Schools and Scholars in the Thirteenth Century.” Speculum. A
Journal ofMediaeval Studies XXIV, no. 1 (1949): 1-18.

Ehrenpreis, Stefan. “Das Schulwesen reformierter Minderheiten im Alten Reich 1570-1750:


Rheinischeundfränkische Beispiele.”En Frühneuzeitliche Bildungsgeschichte der Reformierten
in konfessionvergleichender Perspektive. Schulwesen, Lesekultur und Wissenschaft,
compilado por Heinz Schillingy Stefan Ehrenpreis. 97-122. Berlín: Duncker & Humblot, 2007.

Endres, Rudolf. “Das Schulwesen von ca. 1200 bis zur Reformation. Gesamtdarstellung.” En
Handbuch der Geschichte des Bayerischen Bildungswesens, compilado por Max Liedtke.
141-88. Bad Heilbrunn: Klinkhardt, 1991.

106

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Evans, Gillian R. “Schools and Scholars: The Study of the Abacus in English Schools C. 980
C. 1150.” The English Historical Review 94, no. 370 (1979): 71-89.

Ferraz Lorenzo, Manuel. “Los orígenes de la educación pública y profesional en Canarias.


Siglo XVI.” En XIII Coloquio de Historia Canario-Americana, compilado por Francisco
Morales Padrón. 2488-500. Las Palmas: Cabildo de Gran Canaria, 2000.

Fischer, Konrad. Geschichte des deutschen Volksschullehrerstandes. Tomo I, Hannover:


Verlag von Carl Meyer, 1892.

Flintner, Wilhelm. “Die vier Quellen des Volksschulgedankens.” En Volksschule und


Elementarbildung. 124-311. Paderbon, Múnich, Viena, Zürich: Ferdinand Schöningh,
2005.

Foucault, Michel. “Omnes et singulatim: Hacia una crítica de la ‘razón política’”, en


Tecnologías delyo. 95-140. Barcelona: Paidós, 1990.

Gawthrop, Richard L., and Gerald Strauss. “Protestantism and Literacy in Early Modern
Germany.” Past & Present, no. 104 (1984): 31-55.

Grendler, Paul F. Schooling in Renaissance Italy. Literacy and Learning, 1300-1600.


Baltimore, Londres: The John Hopkins University Press, 1989.

Groenendijk, Leendert F. “Die reformierte Kirche und die Schule in den Niederlanden
während des 16. und 17. Jahrhunderts.” En Frühneuzeitliche Bildungsgeschichte der
Reformierten in konfessionsvergleichender Perspektive. Schulwesen, Lesekultur und
Wissenschaft, compilado por Heinz Schillingy Stefan Ehrenpreis. 47-74. Berlín: Duncker
& Humblot, 2007.

Hahn, Friedrich. Die evangelische Unterweisung in den Schulen des 16. Jahrhunderts.
Heidelberg: Quelle & Meyer, 1957.

Hunter, Ian. Rethinking the School. Subjectivity, Bureaucracy, Criticism. Nueva York: St.
Martin Press, 1994.

Iglesias, Carmen. “Fundamentos del Estado laico: Marsilio de Padua.” En No siempre lo


peor es cierto. Estudios sobre Historia de España. 741-80. Barcelona: Círculo de Lectores,
2008.

107

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Kintzinger, Martin. “Eruditus in arte. Handwerk und Bildung im Mittelalter.” En Handwerk


in Europa vom Spätmittelalterbis zur frühen Neuzeit, compilado por Knut Schulz. 155-87.
Munich: Oldenbourg, 1999.

Laclau,ErnestoyChantalMouffe.Hegemonieundradikale Demokratie.ZurDekonstruktion
des Marxismus. Viena: Passagen Verlag, 2000.

Latour, Bruno. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory.


Oxford: Oxford University Press, 2007.

Luther, Martin. “An die Bürgermeister und Ratsherrn aller Städte in deutschen Landen,
daß sie christliche Schulen aufrichten und halten sollen.” En Pädagogische Schriften. 64
83. Paderborn: Ferdinand Schöningh, 1957.

Manacorda, Mario Alighiero. Historia de la educación. Del 1500 a nuestros días. México:
Siglo XXI, 1987.

Metz, Georg. Das Schulwesen der deutschen Reformation. Heidelberg: Winter, 1902.

Miner, John N. “Change and Continuity in the Schools of Later Medieval Nuremberg.” the
Catholic Historical Review LXXIII, no. 1 (1987): 1-22.

Orme, Nicholas. Medieval Schools. New Haven: Yale University Press, 2006.

Osterwalder, Fritz. “Die Geburt der deutschsprachigen Pädagogik aus dem Geist des
evangelischen Dogmas.” Vierteljahrsschrift für wissenschaftliche Pädagogik 68 (1992):
426-54.

Romero,JoséLuis.La revolución burguesaenelmundofeudal.BuenosAires:Sudamericana,


1967.

Schwarz, Reinhard. “Luther als Erzieher des Volkes. Die Institutionalisierung der
Verkündigung.” Lutherjahrbuch 57 (1990): 114-27.

Soto Rábanos, José María. “Las escuelas urbanas y el Renacimiento del siglo XII”. En:
de la Iglesia Duarte (comp.), La enseñanza en la edad media: X Semana de Estudios
Medievales, compilado por de la Iglesia Duarte. 207-242. Nájera: Instituto de Estudios
Riojanos, 2000.

108

Junqueira&Marin Editores
EL ENCUENTRO DE LA BUROCRACIA Y LA PASTORALIZACIÓN:
EL fIN DEL UTILITARISMO URBANO EN LOS ORígENES DE LA ESCUELA MODERNA

Strauss, Gerald. Luther’s House of Learning: Indoctrination of the Young in the German
Reformation. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978.

Vickerstaff, J. J. “Profession and Preferment amongst Durham County Schoolmasters,


1400-1550.” History of Education 19, no. 4 (1990): 273-82.

Vormbaum, Reinhold, comp. Die evangelischen Schulordnungen des 16. Jahrhunderts.


Gütersloh: Bertelsmann, 1860.

Wiersing, Erhard. “Martin Luther und die Geschichte der Erziehung.” En luther in
der Schule. Beiträge zur Erziehungs- und Schulgeschichte, Pädagogik und Theologie,
compilado porKlaus Goebel. 27-54. Bochum: Studienverlag Dr. N. Brockmeyer, 1985.

Wright, WilliamJ. “The Impact of the Reformation on Hessian Education.” Church History
44 (1975): 182-98.

109

Junqueira&Marin Editores
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

O OcasO das palavras:

mudanças nOs paradigmas epistemOlógicOe pedagógicO nO


séculO XiX

Kazumi Munakata
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

por convenção, denomina-se aqui “Escola Contemporânea” o


padrão de escolarização que emergiu no decorrer do século XiX
condenando o ensino “livresco” e “verbalista”, a favor da observação
direta das coisas, da realidade1. Certamente, essa proposta não era
nova, tendo sido enunciado, por exemplo, por Rousseau (1999), no
século Xviii:

Não gosto das explicações em forma de discurso. Os jovens prestam


pouca atenção nelas e não as retêm. As coisas! As coisas! Nunca terei
repetido suficientemente que damos poder demais às palavras. (p. 225.)

Um século depois, no entanto, tais formulações tornaram-se lugar


comum. Propõe, por exemplo Calkins, na tradução de Ruy Barbosa
(1886):

Da natureza derivam primordialmente todas as nossas idéas (...). (...)


Desde que as idéas não dimanam primitivamente das palavras, mas das
coisas, segue-se que a nossa instrucção há de começarpelas coisase suas
idéas, passando d’ahi para os principios que as regem. (p. 6.)

1 Nãose emprega, aqui, a expressão “Escola Moderna”para evitara confusão coma proposta particular de
Francisco Ferrer Guardia (1859-1909) para a educação dos trabalhadores.

111

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Daí, o método intuitivo, a lição de coisas, a escola racionalista, oensino


científico, a escolaativa, a escola nova... – a diversidade daterminologia
muitas vezes indica propostas divergentes, mashá consenso em torno
da precedência da observação e da experimentação direta das coisas,
em oposição àquilo que doravante será estigmatizado como ensino
“tradicional”. O novo paradigma educacional parecia apontar para o
óbvio: conhecere educar nãose faz pela leitura e pela memorização
de livros, mas pelo contato direito comas coisas a serem conhecidas,
manipulando-as, experienciando-as.

Mas cabelembrar que essa obviedadesó emerge porque entra em crise


aquilo que era o suporte por excelência do conhecimento, da verdade,
do modo de fazer expressar as coisas: exatamente as palavras. A arte
do manejo da palavra – a retórica – torna-se sinônimo de falácia e
demagogia, lugar das intenções inconfessadas, suspeitas.

Marx (1968), em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, publicado em 1852,


testemunhaessa crise, escancarada durante as jornadas da revolução
de 1848. Nessa guerra fratricida, marcada pela luta de classes2, as
tentativas de restaurara concórdia dacidadania da Grande Revolução
aparecem ridículas. A caracterização de Marx é bem conhecida: a
tragédia que se repete como farsa. Nesse “teatropolítico” osatores
imitam os heróis do passado e são “como sombras que perderam
seus corpos”. Eles deixam de se levar a sério, e a peça murcha
lamentavelmente como um balão furado; a burguesia representa a
mais completa comédia, mas com a maior seriedade do mundo, sem
infringir qualquer das condições pedantes da etiqueta dramática
francesa; bonecos de engonço; representações de amadores que
vinham sendo encenadas até então. Ao final, Luís Bonaparte, obufão
sério que não mais toma a história universal por uma comédia e sima
sua própria comédia pela história universal; acabaria por proclamara
paródia do Império3.

2 Marx analisa a revolução de 1848 em obraintitulada justamente As lutas de classes na França, publicada
em 1850.

3 Os termos empregados nesse parágrafo e no próximo foram ou copiados ou parafraseados da obra de


Marx. Por motivos sentimentaise de comodidade, utilizou-sea edição de 1968, da Escriba.

112

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Nessa farsa, em que os espíritos tornam-se fantasmas, as “palavras


[são] transformadas em frases”, as quais Marx ridiculariza com uma
série de imagens: jactanciosos latidos, trovão vibrado da tribuna,
a cortina de relâmpagos da imprensa diária, frases altissonantes,
ação anunciada tão estrepitosamente, trombetas diante de cujos
toques ruíram as muralhas de Jericó, a estrepitosa abertura que
anunciou, murmúrio pusilâmine, ruidosa oratória, barulho confuso
do Parlamento, grunhidos recriminatórios, tempestade de indignação,
discursos monossilábicos – insípidos como uma charada cuja solução
já é conhecida, oratória oca4. O desfecho disso tudo – o golpe de Luis
Bonaparte – não poderia ser outro senãoa “vitória da força sem frases
[sans phrases, ou seja, força bruta] sobre a força das frases” (MARX,
1968, p. 129).

A condenação de Marx (1968) é severa: “Seexiste na história do mundo


um período sem nenhuma relevância é este” (p. 45). Nessa não-história,
ocorrem “solenessermões sem verdade, verdadesem paixões, heróis sem
feitos heróicos, história semacontecimentos; desenvolvimento cujaúnica
força propulsora parece ser o calendário” (p. 44). A farsa, a paródia, a
comédia a que se refere Marx é, portanto, uma história que derrapa, sem
relevância, em que a sucessão dos acontecimentos obedecem apenas à
sucessão dos minutos, das horas, dos dias, um tempo marcado apenas
pelo relógio e pelocalendário.

Essa temporalidade a-histórica aparece tambémem Gustave Flaubert


(1821-1880), não por acaso o grande escritor da revolução de 1848. Em
A Educação Sentimental, de 1869, no capítulo V, hácenas das jornadas
de junho, quando os socialistaseos operários são massacrados, maso
capítulo seguinte, openúltimo, registra o vazio dos dias, meses eanos
seguintes de Frédéric, opersonagem principal:

Viajou.
Conheceu a melancolia dos paquetes, o frio despertar sob a tenda de
campanha, o atordoamento das paisagens e das ruínas, a amargura das
simpatias interrompidas.

4 Ostemas da fantasmagoria e dafraseologia são constantes em Marxe aparecem fartamente examinados


em a ideologia alemã, de 1845.

113

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Voltou.
Frequentoua sociedade, eteve novosamores. Masa permanentelembrança
do primeiro tornava-os insípidos; e, além disso, a veemência do desejo, a
própria flor da sensação, já não existia. Também suasambições espirituais
tinham diminuído. Passaram-seos anos; e suportava a ociosidade da sua
inteligência ea inércia do seu coração.
Em fins de março de 1867 (...) (FLAUBERT, 1985, p. 429.)

Quase 20anos haviam se passado e o máximo queaconteceu foi “viajou


/voltou”!

em Bouvard e Pécuchet, obra inacabada de Flaubert e publicada


postumamente em 1881, um ano após a morte do autor, os dois
personagens experimentam tudo o que a humanidade produziu como
saber etécnica: horticultura, química, arqueologia, história, gramática,
literatura e, em meio às agitações revolucionárias de 1848, decidem
pela ação política. Mas sobreveio o golpe de Luis Bonaparte (“Eraa 3 de
dezembro de 1851”, FLAUBERT, 1981, p. 159). Bouvard praguejou: “O
Progresso, que pilhéria, hein? (...) Ea Política, uma bela sujeira. (...) Tudo
me enoja. O melhoré vender a nossa tendae – o diabo que nos carregue –
viver com os selvagens!” (p. 160). E...

Começaram os diastristes.
Não estudavam mais, com medo das decepções (...).
De vezem quando, abriam um livro, tornando a fechá-lo; valeria a pena?
(...)
Bouvard quis organizar o catálogo do museue declarou estúpidos aqueles
bibelôs.
(...)
Então, passaram a viver o fastio do campo, tão enervante quando o céu
branco afaga com a sua monotonia um coração sem esperança. Ouve-se
o passo de um homem em tamancos, que se esgueira pelo muro, os as
gotas da chuvacaindo nas calhas. Devezem quando, uma folha morta vem
roçara vidraça, depois, gira, regira e desaparece. Badaladas indistintassão
trazidas pelovento. No fundo do estábulo muge uma vaca.
Eles bocejavam, um diante do outro, consultavam o calendário,
acompanhavam o pêndulo, esperavam o repasto; e o horizonte, sempre
o mesmo; os campos em frente, a igreja à direita, uma cortina deálamos

114

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

à esquerda, cujos cimos balançavam na bruma, perpetuamente, de modo


lamentável. (p. 161.)

Os dois personagensainda experimentariam a ginástica, o espiritismo,


a magia, a metafísica e a filosofia, a lógica, a ética, a teologia, pedagogia
etc., até que ao final, segundo os rascunhos deixados peloautor, decidem
retornarao antigo ofício, o de copistas. Assim, lançam-seàtarefa de copiar
asidiotices produzidas pela humanidade, afim de comporo Dicionário de
Ideias Feitas, que deveria constituira segunda parte da obra flaubertiana.
Dessa verdadeira“apologia dacanalhice humana”, como explicou Flaubert
numa carta à escritora Louise Colet5, organizada em verbetes dispostos
em ordem alfabética, restaram alguns fragmentos:

Artes – Completamente inúteis, pois podem ser substituídas pelas


máquinas que fabricam mais rapidamente.
(...)
crianças – Fingir por elas umaternura lírica, quando há pessoas por perto.
(...)
Crítico – Sempre eminente – Deve fingir tudo conhecer, tudo saber, haver
lidotudo, vistotudo. – Quando o crítico nos desagrada, devemos chamá-lo
de Aristarco (ou eunuco).
Doutrinadores – Desprezá-los. Por quê? Nãose sabe.
(...)
Deveres – Exigir de outrem, mas eximir-sea eles. Ou outros têm deveres
para conosco; não temos deveres para com quer que seja.
(...)
Exposição – Motivo de delírio no século XIX.
(...)
Filosofia – Devemos sempre escarnecê-la.
(...)
Gênio (O) – Éinútil admirá-lo; trata-se de uma nevrose.
(...)
ideal– Inteiramente inútil.
(...)
Literatura – Ocupação dos ociosos.

5 A referida carta é mencionada no “Apêndice” à edição de Bouvard e Pécuchet, da Nova Fronteira, mas,
apesar da sua utilidade, não há referência da autoria.

115

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

(...)
romance – Pervertem as massas. – Em folhetins são menosimorais do que
em volumes. (...)
(...)
Republicanos – Nem todos os republicanos são ladrões, mas todos os
ladrõessão republicanos. (FLAUBERT, 1981, p. 291-305.)

Nesse eventual segundo volume do romance, não há mais enredo, nem


personagem, nem ações. Os autores, Bouvarde Pécuchet, são personagens
de ficção, masapenas recolhem, domesmo modo que o autor real, Flaubert,
as ideias feitas, asidiotices, proferidas ao léu. O Dicionário, não por acaso,
também remete aos topoi, aos loci communes, ou lugares-comuns da
argumentação retórica, seja como “formasgeraisderaciocínioque podemos
teresperança de dominarem termosabstratose deaplicaracasosisolados”,
sejacomo“máximasoutemastriviaisgenéricosquepodemosteraexpectativa
de empregaralém das considerações específicas do caso” (SKINNER, 1999,
p. 160-161). A banalização dos lugares-comuns como “ideias feitas” (no
origninal,idée reçue,ouseja, clichê, chavão)alémda própria desqualificação
da expressão “lugar-comum” são índices do que Perelman e Olbrechts
Tyteca (2000) denominam “a degenerescência da retórica” (p. 94-95).

Segundo Sartre, no seu monumental L’Idiot de la Famille (1971), dedicado


a Flaubert, o tema da bêtise, besteira, é-lhe recorrente, até mesmo
constitutivo da sua personalidade (p. 612 ss.).6 A experiência da besteira,
no entanto, não é exclusividade de Flaubert; éantes de uma geração –
a chamada “quarente-huitard”, os quarenta-e-oito, como mostra Oehler
(1999). Baudelaire, por exemplo, que considerava Paris ocentro da bêtise
universelle (OEHLER, 1999, p. 287), escarnecia:

1848 divertiu-nos porque todos arquitetávamos utopias como se fossem


sonhos.

O encanto de 1848 está no seu próprio excesso de ridículo. (BAUDELAIRE,


1982, p. 75.)

6 Devoa Paulo Eduardo Arantes e suasaulas a inspiração das análises sobre Marxe Flaubert, além da
indicação de Sartre. Ele, que também compilou um dicionário de besteiras brasileiras (1997), não tem,
contudo, nenhuma responsabilidade como que foi feito dessainspiração.

116

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Num outro fragmento, intitulado “Política”, elecomenta:

Osditadoresnãosão mais do queoscriados dopovo–aliás,um papelbastante


estúpido. A glória pessoal não é mais do que o resultado da acomodação
de um espírito à imbecilidade de um povo. (BAUDELAIRE, 1982, p. 72.)

O lugar-comum também o fascina: “Criarum lugar-comum, marca de


genialidade. Devo criarum” (BAUDELAIRE, 1982, p. 49).

Oimpériodabesteiraétambémaimpossibilidadedemanterosparadigmas
prevalentes do saber: “Houve pessoas inteligentes que ficaram idiotas
para o resto davida”, afirma FlaubertemA Educação Sentimental(p. 349).
O historiador Augustin Thierry (1795-1856) confessou sua incapacidade
de compreender osacontecimentos:

quandoveio estourar sobre nós a catástrofe de 1848, eu sentio contragolpe


de duas maneiras, como cidadão e como historiador; com essa nova
Revolução, a história da França pareceu-metão subvertida como a própria
França. (ApudARANTES, 1977, p. 58.) 7

Do mesmo modo, Engels (s.d.), em Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia


clássica alemã, de 1888, aponta para oamesquinhamento da Filosofia

Com a revolução de 1848, a Alemanha “culta” abandonou a teoria,


enveredando pelo caminho da prática. (...) Mas, na medida em que a
especulação abandonava a sala de trabalho do filósofo para estabelecer
o seu templo na Bolsa, a Alemanha culta perdia aquele grande interesse
teórico que a tornara famosa (...). (...) E no campo das ciências históricas,
incluindo a filosofia, desapareceu radicalmente com a filosofia clássica o
antigo espírito indomável, vindoa ocupar o seu lugarum vago ecletismo
e uma angustiosa preocupação pelas carreiras eo ingresso em empregos,
raiando pelo mais vulgar arrivismo. (p. 96-97.)

Lukács (1959), em Oassalto à razão, de 1953, buscaria aprofundar essa


análise de Engels, criticando autores como Schopenhauer, Kierkegaard,

7 Arantes (1977) também cita o historiador Mignet (1796-1884), que assinala a mesma perplexidade
diante dos acontecimentos de 1848.

117

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Nietzsche etc. como arautos do irracionalismo e precursores do


nazismo.

Foto: Kazumi Munakata, a partir da reprodução fotográfica do painel Filosofia, em


Leopold Museum, Viena (2010).

118

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

O painel Filosofia, que Klimt pintou no salão nobre da Universidade de


Viena, entre 1899 e 1907, expressa essa nova configuração da filosofia. A
respeito, escreve Schorske (2000):

Onovopainel central do teto deveria mostrara luta vitoriosa da luz contra


as trevas. (...)

A primeira pintura que Klimt terminou, “Filosofia”, não transmitia essa


confiança iluminista. (...)

Avisão de mundo dolorosamente psicologizada queKlimtprojetouaquiestava


fundadanasfilosofias de Schopenhauere Nietzsche. Éum mundo da Vontade,
energia cega num círculo sem fim de nascimento, amore morte. (p. 154.)

Compare-sea obra de Klimt, com, por exemplo, A Escola de Atenas (1509


1510), de Rafael, sobre o mesmo tema de filosofia, mas cuja composição
calculadamente geométrica produza imagem da razão resplandecente8.

Do mesmo modo, o quadro A Liberdade guiando o povo (1830), de


Delacroix (1798-1863), capta, emimagem, o momento do triunfo darazão
que, na sua longa marchapela História, transfigura-se como Liberdade9.
Oimpressionista Monet (1840-1926), ao contrário, não pretende mais
flagrar o momento-síntese da trajetória da História, masapenas captar
o instante fugidio, único, extemporâneo e insignificante, em que cintilam
aquela cor das flores, certa luminosidade, essa ondulação das águas. Por
isso, os quadros em que retrata incansavelmente o jardim da sua casa, em
Giverny, ou a Catedral de Rouen sãotodos iguais etodos diferentes; neles,
a temporalidade é descontínua, fragmentada, etérea, a-histórica10.

8 O quadro de Rafael, que, por motivos de direito autoral, não é reproduzido aqui, pode ser visto no
website http://2.bp.blogspot.com/-1xlZkfD_lqg/Tbc6UbqR60I/AAAAAAAAALw/BsNBmtzq1lY/s1600/
Escola+de+Atenas+I.png. acesso em novembro de 2011.

9 O famoso quadro pode se encontrarem http://lucies.files.wordpress.com/2007/10/delacroix-liberty1.


jpg, acesso em novembro de 2011.

10Osquadrosretratandoojardim deMonetpodemservistosemhttps://www.google.com.br/search?q=monet&hl=pt
BR&client=firefox-a&hs=PnE&rls=org.mozilla:pt-BR:official&prmd=imvnsa&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=
X&ei=cO6PUIn1HaWF0QGK1IGQCA&ved=0CC4QsAQ&biw=1067&bih=707#hl=pt-BR&client=firefox-a&rls=org.

119

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Na música, as célebres quatrobatidas trágicas do destino, no início da


Quinta Sinfonia (1804-1808), de Ludwig van Beethoven (1770-1827),
dão lugar, no final do século XIX, a melodias impalpáveise fluidas de um
Claude Debussy (1862-1918), buscando mimetizara luz da Lua (clair
de lune), o mar (la mer), o entardecer contemplado por um fauno
(Prélude à l’après-midi d’um faune). O rigor matematicamente racional
datonalidade do sistema clássico, cujo representante exemplar foi Johann
Sebastian Bach (1685-1750) e seu O cravo bem temperado (1722 e
1744),11 é subvertido pelo cromatismo de Richard Wagner (1813-1883)
– que também participara das jornadas revolucionárias de 1848, ao lado
doanarquista russo Mikhail Bakunin –, e pelo dodecafonismo de Arnold
Schoenberg (1874-1951). Não que o cromatismo ou o dodecafonismo
carecessem de racionalidade, mas instauraram uma nova lógica musical:
o cromatismo, segundo Everdell (2000), exige que a música se mova “de
tom paratom, através deacordes comunsa ambos, adiando eternamente
a resolução no lugar onde começou” (p. 314). No caso de Schoenberg, a
técnica da chamada “leidos dozetons” – dodecafonismo ou serialismo –,

pegaas doze notas da escala cromática, coloca-as em ordem no começo de


umapeça, usando fragmento da escala, geralmente três notas, como núcleo
de uma melodia. Como esses núcleospodem ser invertidos, tocados detrás
para a frente e de ponta-cabeça, elas dão ao compositor um vasto espaço
de manobra dentro da composição desejada – a autonomia disciplinada.
(GAY, 2009, p. 248.)

Tal disciplina estava a serviço da libertação da música das exigências


formais da música ocidental, a começarpelo que Schoenberg denominava
“aemancipação da dissonância” (GAY, 2009, p. 245). Esses objetivos foram
expostos em 1909, numa carta escrita em versos destinada ao músico
Ferruccio Busoni:

mozilla:pt-BR%3Aofficial&tbm=isch&sa=1&q=monet+ninf%C3%A9ias&oq=monet+ninf%C3%A9ias&gs_
l=img.3...150.6242.1.6559.10.10.0.0.0.0.435.2498.0j2j7j0j1.10.0...0.0...1c.1.qGEeWuD1Lkc&pbx=1&bav=on.2,or.r_
gc.r_pw.r_cp.r_qf.&fp=232a3a00dfd59d6c&bpcl=36601534&biw=1067&bih=707;asériesobreaCátedradeRouen,
emhttps://www.google.com.br/search?q=monet+catedral&hl=pt-BR&client=firefox-a&rls=org.mozilla:pt-BR:offici
al&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=sPaPUPbePKKZ0QG9y4CYCg&ved=0CB8QsAQ&biw
=1067&bih=707

11A respeito de O cravo bem temperado, de Bach, verJardim, 2003, p. 62, nota 51.

120

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Luto pela liberação completa de todas as formas / detodos os símbolos


de coerência e / de lógica. / Logo / fim à “execução de motivos”. / Fim à
harmonia como / cimento ou tijolos de uma construção / Harmonia é
expressão / e nada mais. / Portanto / Fim ao Pathos / Fim às partituras
longas e maciças de torres erigidas ou construídas, / rochedos e outras
lengalengas pesadas. / Minha música tem de ser breve. (Apud GAY, 2009,
p. 245.)

Comoaponta Everdell (2000), a brevidade preconizada por Schoenberg


– e que o aproximou do francês Erik Satie (1866-1925) e do norte
americano Charles Ives (1874-1954) – correspondia à “redescoberta das
partes menores, osátomos e as moléculas da música” (p. 329). O próprio
Schoenberg explicaria em 1948:

(...) em meu segundo Quarteto de cordas, (...) tornei-me o primeiro


compositor do período a escrever composições pequenas. Logo depois
disso escreviem formas bem pequenas. Embora eu não tenha permanecido
por muito tempo neste estilo, ele me ensinou duas coisas: primeiro,
formular idéias de uma maneira aforística, que não exige continuações
extraídas de razões formais; segundo, uniridéias sem o uso de conectivos
formais, meramente por justaposição. (Apud EVERDELL, 2000, p. 329.)

Amigo de Schoenbeg, Theodor Adorno (1903-1969), também defendeu


a formulação de ideias de modo aforístico em mínima moralia (1993),
escrito entre 1944 e 1947. Além disso, estudou composição com Alban
Berg (1885-1935), um dos integrantes da chamada “Segunda Escola de
Viena”, grupo de musicistas reunidos em torno de Schoenberg. Em um
texto dedicado a esse mestre, Adorno (2010) comentaria que Berg, em
Suíte Lírica (1925-1926),

procede como se tivesse se cansado de todas as formas acabadas e


da imanência estética nas quais ele desperdiçou sua vida (...). (...)
Compositores sinfônicos como Berg, compositores das grandes formas,
são frequentemente louvados, pois saberiam construir seus edifíciosa
partir dos menores elementos construtivos, a partir do nada. Seguramente,
uma proporção liga a completude e a obrigatoriedade da grande forma,
de modo que, nesta, nenhum elemento isolado seemancipe por si mesmo,
de maneira demasiado independente do todo. Em Berg, a atomização do

121

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

material e a integração que lhe é concedida são, de maneira indiscutível,


reciprocamente correspondentes. Mas em Bergtal atomização possui uma
motivação subjacente. Aqueles motivos mínimos (...) na verdade ignoram
a ambição de compor-se e fundir-se em um todo de poder e grandeza.
Quando se mergulha na música de Berg é como se, por vezes, sua voz
nos falasse na mais frágil sonoridade que mesclasse ternura, niilismo e
confinação: no fundo, tudo é absolutamente nada. (p. 34-35.) 12

O que se sobressai desses exemplos (que poderiam ser multiplicados ad


nauseam) é uma grande crise das linguagens, em particular da verbal.
As solenes declarações sobre o mundo tornam-se objeto de suspeição,
uma grande besteira. “Chega de lira!”, teria dito o operário Marche,
interrompendo “a cantilena de Lamartine”, poetae membro do governo
provisório da “República social”, que emergira com a deposição do rei
Luís Felipe, em 1848 (OEHLER, 1999, p. 14). Segundo Oehler (1999),

a inovação essencial da modernidade literária depois de 1848 consiste


justamente na distância que ela toma da linguagem de seu século.
Assim como o público afastou-se da literatura, a literatura afastou-se do
palavrório; em outros termos, a literatura moderna caracteriza-sepelo fato
de denunciar toda cumplicidade como espírito do tempo. (p. 18.)

Contra opalavrório na literatura, contra a lengalenga na música, contra


as solenes representações históricas na pintura, propõe-se agora o
fragmento, a dissonância, o fugaz, a descontinuidade, o não-sentido. Por
fim, as investigações de Sigmund Freud (1856-1939) sobre os lapsose
os chistes “levaram-no às regiões mais remotas da mente” (GAY, 1989,
p. 121). Paraele, as linguagens contêm na sua aparente transparência,
lapsose não-ditos que são indícios depulsões do inconsciente:

Éeste último, depósito desordenado dos mais explosivos materiaisantigos


e novos, que preserva asideiase afetos reprimidos, bem como as pulsões
em sua forma original; as pulsões, disse Freud claramente, nunca podem
setornar conscientessem mediação ou disfarce. Éum lugarestranho, esse
inconsciente dinâmico: repleto de desejos, totalmenteincapaz dealimentar
dúvidas, tolerar delongas ou entender a lógica. (GAY, 1989, p. 338.)

12 Todas as peças musicais aqui mencionadas podem ser conferidas em www.youtube.com.

122

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

As palavras ainda podem falar sobre a realidade? Em que condições?


Essa é a questão básica dos filósofos do chamado “Círculo de Viena”.
Moritz Schlick (1882-1936), seu principal expoente, indaga:

Em que circunstâncias (...) podeter sentido inquirir pela significação


de umenunciado que temos bem presente aos olhos ou aos ouvidos?

Evidentemente, a única possibilidade é que não o tenhamos


compreendido.

Neste caso, o que na realidade temos diante dos olhos ou aos nossos
ouvidos não passa de uma seqüência de palavras que somos incapazes
de manejar; não sabemos comoutlizá-las, como “aplicá-las à realidade”.
(SCHLICK, 1975, p. 89.)

Não interessa aqui examinar a argumentação desse filósofo, cuja


corrente – o chamado “positivismo lógico” – foi considerada pela
chamada Teoria Crítica uma grande inimiga a ser combatida. O
importante é que a questão posta é sintoma dos dilemas de uma
época em que a linguagem torna-se um problema, não solução. Cabe
assinalar a conclusão de Schlick (1975), que também é sintomática.
Apósafirmar que se pode falar do “mundo como sendo um universo de
experiência possível” (p. 116), elearremata:

As últimas considerações podem servir como exemplo de uma das


principaisteses do verdadeiropositivismo, ou seja: que a representação
singela do mundo, quala vêo homem da rua, éperfeitamente correta;
que a solução dos grandes problemas filosóficos consiste em retornara
esta mundivisão original, após termos demonstrado que os problemas
penosos se originaram exclusivamente de uma descrição inadequada
do mundo mediante uma linguagem defeituosa. (p. 116)

Essa formulação nada mais é do que a expressão tardia de um


conjunto de práticas já em curso. Independentemente dessas querelas
filosófico-linguísticas, a escola contemporânea já havia substituído
os paradigmas epistemológicos e pedagógicos de aquisição do
conhecimento baseada nas palavras pelos que enfatizama observação
direta do mundo.

123

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor. Berg: o mestre da transição mínima. São Paulo: Unesp, 2010.

ARANTES, Paulo Eduardo. Nota sobre a crítica de filosofia da História. almanaque 3, São
Paulo: Brasiliense, 1977, p. 53-62.

ARANTES, Paulo Eduardo. Diccionário de bolso doAlmanaque Philosófico Zeroà Esquerda.


Primeira dentição, Ano III daEra FHC. Petrópolis: Vozes, 1997.

BAUDELAIRE, Charles. 1982. Escritos íntimos. Lisboa: Estampa.

CALKINS, Norman Alisson. Primeiras lições de coisas. Manual de ensino elementar para
uso de paese professores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886 [1861].

ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. In MARX, Karl;
ENGELS, Friedrich. Textos filosóficos. Lisboa: Presença, s.d. [1886].

EVERDELL, William R. Os primeiros modernos. As origens do pensamento do Século XX.


Rio de Janeiro: Record, 2000.

FLAUBERT, Gustave. Bouvarde Pécuchet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981 [1881].

FLAUBERT, Gustave. A educação sentimental. São Paulo: Abril Cultural, 1985 [1869].

GAY, Peter. Freud. Uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

GAY, Peter. modernismo. O fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckette mais um pouco.


São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

JARDIM, Vera Lúcia Gomes. “Os sons da República”. O ensino da música nas escolas
públicas de São Paulo na Primeira República – 1889-1930. Dissertação (Mestrado em
Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2003.

LUKÁCS, Georg. El asalto a la razón. La trayetoria del irracionalismo desde Schelling a


Hitler. México: Fondo de Cultura Econômica, 1959.

124

Junqueira&Marin Editores
O OcasO das palavras: Mudanças nOs paradigMas EpistEMOlógicOEpEdagógicO nO séculOXiX

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro: Escriba, 1968 [1852].

MARX, Karl. As lutas de classes na França de 1848 a 1850. InMARX, Karl. 2008. A revolução
antes da revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008 [1850]. p. 37-196.

OEHLER, Dolf. O Velho Mundo desce aos infernos. Auto-análise da modernidade após o
trauma de junho de 1848em Paris. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. A nova


retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. emílio: ou da educação. 2a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999
[1762].

SARTRE, Jean-Paulo. L’Idiot de la famille. Gustave Flaubert de 1821 à 1857. v. 1. Paris:


Gallimard, 1971.

SCHLICK, Moritz. Sentido e Verificaçãoin SCHLICK, Moritz; CARNAP, Rudolf; POPPER, Karl
r. Coletânea de textos. (col. “Os Pensadores” 44). São Paulo: Abril Cultural, 1975 [1936].
p. 89-116.

SCHORSKE, Carl E. Pensando com a história. Indagações na passagem para o modernismo.


São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SKINNER, Quentin. Razão e retórica na filosofia de Hobbes. São Paulo: Unesp, 1999.

125

Junqueira&Marin Editores
PARTE III

ESCOLA E DIVERSIDADES
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

A escolA fronteá diversidAde culturAl

Antón Costa Rico1


Universidade de Santiago de Compostela

“chacunappelle barbarie ce qui n´estpas de son usage”2

A problemática a considerar

falamos das escolas e da diversidade cultural. Isto é, por unha


parte,do sistema educativo entendido como un conxunto de servizos
fundamentalmente públicos, destinados a proveer aos cidadáns, a
todos os cidadáns en condicións similares de accesibilidade e disfrute,
dunha educación básica acaída ao tempo no que vivimos. Ou o que
é o mesmo, un conxunto de instrumentos cunha importante función
cultural e panca de desenvolvemento social, que haberían de combinar
a liberdade, coa igualdade eaxustiza; un conxunto, sometido na hora
aos desafíos da globalización, das migracións, do multiculturalismo e
mesmo do abaixamento das fronteiras políticas estatais que coñecimos

1 O autor é membro investigador do Grupo SEPA da Universidade de Santiago, integrado na Rede de


Investigación en Educación e Formación para a Cidadanía ea Sociedade do Coñecemento. O presente
contributo está escrito en lingua galega. O leitor brasileiro e portugués deben tomar en consideración
á hora da lectura que o dígrafo “ll” éequivalente ao “lh” na súa pronunciación; así tamén, a letra “ñ” é
equivalente a “nh”; outras terminacións e rasgos serán facilmente lidos e entendidos, ao situarse nun
mesmosistemalingüístico.

2 “Cada quen chama barbarie ao que difire dos seus propios costumes”: MONTAIGNE (1580). essais, Lib. I,
cap. 31. Madrid: Cátedra, 1996.

129

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

nos dous últimos séculos. Ademais, tamén un conxunto de instrumentos


de intervención e de construcción social en entornos de diversidade
humana; diversidade social, cultural, sexuale de razas.

Eporiso que, por outra parte, habemos de falar da diversidade cultural


e das súas variadas manifestacións. Do que non acertaríamos a falar
adecuadamente sen antes sinalar oportunas concrecións conceptuais
sobre a cultura. Acollémonos, unha vez máis, á definición socio
antropolóxica lanzada en 1871 por Edward Burnett Tylor, quen falou
en Primitive Culture dela como unha “totalidade” que comprende o
coñecemento, as crenzas, aarte, a moral, odereito, o costume e calquera
outra capacidade e hábitos adquiridos polas persoas en canto que
membros dunha sociedade; unha totalidade de factores unidos entre si
compoñendo unhaestrutura que inclúe modos de expresión simbólica
dos que son participes os membros dunhatal sociedade3. De outro modo,
un conxunto ou combinación de formas simbólicas socio-historicamente
configuradas, ou tamén un conxunto coherente de prácticas sociais, de
normas, de símbolos, de representacións, e de obxectos identificadores,
que perviven en canto son consideradas como universos significativos
por parte dos membros do grupo comunitario eactores da construción
social, e queen cantotal deberían serprotexidas, como sostén Habermas4.

O que nos leva a sinalara existencia de diversas culturas humanas, o que


de outromodo presentamos como diversas identidades culturais5. Eentre

3 Pode ollarse un rico e oportuno balance sobreas orientaciónse debates en relación coas concepcións da
culturae das identidadesen CARIDE GÓMEZ,J. A. (2000). “Culturae culturas: cara a un diálogo en plural”.
in VIEITES, M. F. (Coord.). Animación teatral. Teorías, experiencias, materiais. Santiago de Compostela:
Consello da Cultura Galega, pp. 13-38. Tamén: CABRAL BASTOS & DAMOITA LÓPES, L. P. (Orgs.) (2011).
Estudos de identidade: entre sáberes e práticas. Rio de Janeiro: Garamond; TADEU DA SILVA, T. (Org.)
(2009). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes; TREVISAN, A. et
alii (Orgs.) (2010). Diferença, cultura e educação. Porto Alegre: Sulima.

4 HABERMAS, J. (2002). A inclusâo do outro. Estudos de teoría política, Sâo Paulo: Edições Loyola, p. 258.

5 Estamos ante un asunto que pertence a actual axenda de debates, máis isto non debería ocultar a
existencia de textos e apreciacións que teñen décadas de existencia; éo caso de ERIKSON, H. E. (1963).
Childwood and Society (New Cork: W. Norton), ou o do monográfico “Construction et dynamique de
l´identité culturelle” de Les Amis de Sevrès (1987, n. 1) con contribucions de Chombart de Lauwe e de Ana
Vásquez, entre outras destacadas.

130

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

as distintas identidades, que configuran a fenomenoloxía da diversidade


cultural, poden rexistrarse movementos de tensión, de conflito e de
separación, ou tamén movementos de diálogo e transicionais tendentes
á unidade. A propósito, é mester dicir que as escolas son conxuntos de
instrumentos que viven intensamente esas posibles tendencias ou cara
á separación ou cara a unidade. Eis a importancia da reflexión sobrea
cuestión.

Sendo así, precisamos descortinar os varios significados dos dous


conceptos de identidade e diversidade, pois non son conceptos simples
e tampouco o é, en particular, o de identidade, porque hoxe sabemos
da carencia de pureza, asi como da hibridación e mestizaxe intensa que
existe no mundo. A identidade e a diversidade son conceptos construídos.

A identidade6, que pode ser definida como a radical manifestación da


individualidade de cada ser humano7, tamén se extendeu como concepto
á caracterización de rasgos apreciados con estabilidade temporal
suficiente8 nun grupo humano máis ou menosamplo, en canto se pode

6 O estudo da/s identidade/s, entre o indivíduo e os grupos, de grande centralidade na observación


etnográfica, veuse avivecido polas correntes de pensamento coñecidas como subaltern studies e
Postcolonial Studies dos pasados anos oitenta, así como portodo o que supuxo o cultural turn, ea análise
do discurso, coasúa apostapragmática superadora dos enfoques semiolóxicos estruturalistas. Dito estudo
éactualmente considerado un campointelectual “altamente polifacético, diverso, dinámico e abarcador”,
sendo difícil crear unha linguaxe común para conceptualizala; mais, aínda así, considérase como unha
ferramenta analítica notábelpara o estudo dunha ampla diversidade defenómenos. Véxase: FERNÁNDEZ
ENGUITA, M., TERRÉN, E. (2008). “Presentación monográfico”, Revista de Educación, n. 345, pp. 19-20.

7 Nun plano personal, a identidade constrúese mediante un proceso de individualización en contraste


dialóxico cosdemais; a construción dun “eupersoale social” – un proceso dinámico deinternalizacióne de
apropriación-a través de procesos de recoñecemento e de identificación de valores, coa contribución da
linguaxe e do discurso como ferramentas, quetamén supón construíraidentidade cultural individual, en
contextos de homoxeneidade cultural ou de cruces culturais, detal modo que frecuentemente “as persoas
experimentan sentimentos identitarios múltiples”, tal como, entre outros, sinalou Maaloufao falar das
identidades compostas, das súas proprias vivencias desde que deixou o Líbano en 1976: “a identidade
dunha persoa está composta por infinidade de elementos e de pertenzas, aínda que non todas teñena
mesma importancia”. Vid. MAALOUF, A. (1999). Identidades asesinas. Madrid: Alianza Editorial, pp. 9, 10
e 18. Vid.JORBA, R. (2011). La mirada del otro. Manifiesto por la alteridad. Barcelona: RBA. A identidade
exprésase nun marcopolifónico de pluralidade deidentidades.

8 Mesmo que sabemos da volatilidade da propia “estabilidade cultural”, como se fixo notar en LORENZO
MOLEDO, Mª. M. (Ed.) (2008). Inmigración, cidadanía e identidade. Santiago de Compostela: Instituto de
estudos das identidades /Museo do Pobo Galego, p. 8.

131

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

distinguir como diferente de outros grupos humanos nos rasgos que


se consideren: usos de convivencia, modos de relación, lingua, historia
vivida, comportamentos tocantesá economía, e valores sociais. Falamos
de identidades grupais que se trasladan, cuando menos parcialmente
entre xeracións, podendo facelo coa axuda/ ou aínda algún grao de
oposición de procesos educativos formalizados.

Identidades grupais que poderiamos entender como modos culturais


elaborados nos diversos entornos socio-históricos, “como construcións
simbólicas de sentido (imaxinarias), que organizan un sistema
compreensivo a partir da idea de pertencimento, que permiten a
identificación do indivíduo cunha colectividade, pautanapreciacións de
valor e producen cohesión social”9. Modos culturais que agora mesmo
seven confrontados con outros modos culturais de alcance planetario
e global, construídos de diferente modo10 e cunha alta potencia, capaz
de configurar novas identidades culturais que, por poderosas, poden
contribuíra destruir/reconfigurar identidades anteriores.

Hai que salientar que no pasado se foran solidificando espacios de


hábitat, con lazos comunitarios ou políticos de diverso alcance, no
interior dos que os seus habitantes deron en recoñecerse entre si con
rasgos de similitude, queos diferenciaban de outros próximos, marcando
a modo dun perímetro ou fronteira, e iso permitiu falar “dos outros” e
de “nós”. Cando as xentes vivían de modo suficientemente estábel nun
entorno territorial, asumindo nas súas prácticas sociais condutas e
valores aceptábeis para todos, istopodía dar suficiente estabilidade de
identificación e valoración, contribuíndoaxerar sentidos e sistemas de
significados transferidos socialmente.

Non se trataría só de condutas manifestas aprendidas, senon tamén


de ideas, valores e crenzas latentes a esas condutas transmitidas
simbólicamente, debendo saberse que os sistemas simbólicos que
as articulan están construídos a partir de elementos arbitrarios,

9 PESAVENTO, S.J. (2008). História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, pp. 89-91.

10A cuestión está presente en FERREIRA DOS SANTOS, C.J. (2006). Identidade urbana e globalizaçâo. A
formaçâo dos múltiplos territorios en Guarulhos/Sâo Paulo. Sâo Paulo: Anna Blune Ed.

132

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

consensuados, cambiantese flexibles, conformando un todo estruturado


no que se pode identificar un certo ordenamento interno e non unha
suma aleatoria de trazos, costumes, valores ou crenzas11.

Era toda unha configuración cultural a que daba lugara unha tradición
cultural, ao lograr un denso precipitado de valores, usos, coñecementos,
sensibilidades, simbolizaciónseesquemas ou patróns de comprensión de
alcance compartido e diferenciado de outros;é dicir, formando un círculo
(inmaterial en canto tal) de saberes, convencións, símbolos e valores.
Un circulo, en todo caso, imperfecto: o reexame e revisión da cuestión
parecesinalar que aínda no pasado “tradicional” as identidades grupais
teñen sido máis cambiantese mestizase menos estábeis do que puidese
parecer. 12

Otraslado interxeracional destes símbolos, convencións, saberes evalores


mediante unhaadecuada narratividadesostida no tempo permitía formar
parte dese círculo, ao situar aos seus componentes no contexto próximo
dun profundo substrato histórico agregativo.

Ao respeito, ten escrito Terry Eagleton (1981) que as narraciónsatodos


nosaxudan a representar o mundo; estruturan os nosos soños, os nosos
mitos, ou as nosas visións; axúdannosa compartir unha mesma realidade
social, tantopolo que exclúen como polo que inclúen (…) e mediante elas
os individuos forxan cadeas “estruturadas” designificantes, con cohesión
imaxinaria suficiente13.

E, como resultado da narratividade da vida social, unha narratividade

11JIMÉNEZ, C. (1998). “Cultura”. in GINER, S. et alii (eds.). Diccionario de sociología. Madrid: Alianza
Editorial.

12Éatese quesostén Lévi-Strauss candosinalou que “todacultura é o resultado dunha mezcolanza”, ou


como tamén indicou Edward Said “a historia detodacultura é a historia dun préstamo cultural”, segundo
recolleu P. Burke, quen polasúa partesinalou: “O que hai é unha especie de continuidade cultural, máis
que fronteiras culturais”, falando así domestiçageme da miscigenaçâo, en BURKE, P. (2010). Hibridismo
cultural. Madrid: Akal, pp. 62-65.

13EAGLETON, T. (1997). In MCLAREN, P. Pedagogía crítica y cultura depredadora. Políticas de oposición en


la era postmoderna.Madrid: Paidós, pp. 116-117.

133

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

asentada na memoria14 do tempo como sucesión de acontecementos


significativos (para o grupo) teríamos a configuración das identidades
comunitarias (un Volkgeisttan caro ao idealismo alemán coseu construto
metafísicoda“alma dopobo”,quetanamiudoincorporaronaoseudiscurso
moitos nacionalismos decimonónicos), suma homeostática de historias
de vida e de narracións particulares, dado lugar asíá configuración de
pobos, que, en ocasións, acadan a categoría política de nación, dada a
forza cohesiva dos soportes identitarios (por exemplo, a lingua15) e da
súa narratividade interxeracional (por exemplo, a memoria reactualizada
do grupo e o modo de interpretación histórica), fornecendo consciencia
simbólicaeidentificatoria para o grupo comunitario.

Sendo así, a tradición intervén no presente davida das xentes, aínda sendo
“tradicións inventadas” en intres dados16, dando continuidade e formaá
vida17. Maisisto está amudarno contexto da mundialización, dasociedade
dixitale da globalización, coasúaincidencia na volatilización dos espazos
fronteira, aínda que non debemos descoñecer que, igualmente, no pasado
tampouco as distintasidentidades culturaisgrupais construídas chegaban
aaglutinar no seu seo a todas as persoas ligadas aos distintos grupos,
como se falásemos dunespazobinario entre “totalidades simbólicas”, pois
sempre houbo rupturas, transicións, hibridacións exentes con posición
fronteirizas, do que poderían ser un acabado exemplo os intelectuais

14 A memoria transmitidae re-elaborada nosseus elementos a recordar narrativamente ten unha singular
importanciana construción daidentidade,tanto persoal como grupal.Amemoria mostraas raíces: “Cortar
las raíces essegar la memoria de la vida y la de quienes le precedieron” dicía en 2004 Demetrio Bilbatua,
fillo de exilados republicanos galegos en México, como consecuencia do trunfo militar do franquismo en
España en 1939 (faro de vigo, 29/VII/2004).

15Todos os estudosos poñen de relevo o alto valor simbólico das linguas como códigos e ferramentas
de comunicación. Xogan un fundamental papel noautorrecoñecemento cultural, para a transmisión
ea conservación da memoria e para aidentificación por parte dos outros, permiten a transmisión ea
creación de coñecementos. Son, pois, instrumentos de construción daidentidade e poden ser mesmoa
manifestación socio-política da diferenciación e do poder territorial dunha comunidade con respeito de
outras. Como escribiu Miguel Siguan “cada lingua é signo daidentidade dun grupo”, in SIGUAN, M. (1996).
la europa de las lenguas. Madrid: Alianza Editorial, p. 182.

16HOBSBAWM, E., RANGER, T. (1983). The invention of Tradition. Cambridge: The University Press.

17GIDDENS, A. (2000). Un mundo desbocado. Los efectos de la globalización en nuestras vidas. Madrid:
Taurus, p. 59.

134

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

europeos das universidades medievais ou aqueles outros posteriores que


se recoñecían como membros da “repúblique de savants”, unha a modo de
“internacional” antecedente de outras “internacionais” posteriores.

Por todo o dito, adóitase falar de diversas identidades: tradicionais,


modernistas, “proprias dun mundo líquido”18 e de mercado19 . Nada
é simples intelectualmente. E se a polifonía de identidades aporta
diversidade, isto é, biodiversidade, como significou a UNESCO coa
súa Declaración sobre a Diversidade Cultural20, tamén teremos de ser
conscentes dos retos que impón a heteroxeneidade cultural, ou mesmo
de onde remata, como puxo de relevo Maalouf, a “lexítima afirmación
daidentidade”, á hora de falar, en particular, dos migrantes cando seven
condenados a treizoara súa identidade cultural primeira21 para asumir
desdea dependencia as identidades dominantes no país deacollida, que
igualmente deste modo serían “identidades asesinas”.

Falamos, pois, de diversidade cultural, dunha cuestión complexa que as


escolas teñen que afrontar como reto. E diante disto, cómpre dicir que
talafrontamento non ten perspectivas eestratéxias con alta regularidade
internacional; polo contrario, asoma a diversidade nas actuacións.
Porque tamén os sistemas escolares son distintos, estrutural e socio
historicamente.

18SinalaBaumanque“nun mundovolátile decambio imprevisible aidentidade determinadaterritorialmente


perde capacidade simbólica para as persoas” (pp. 110 e 173); “para un mozoo máis importante é
conservara capacidade de redefinir a súa identidade, pois as identidades deben ser desbotáveis…ao
existir un crecente interese por unha perpetua reidentificación; así, a biodegradabilidade sería, se cadra,
o atributoideal daidentidade máis desexado no noso tempo” (p. 24). Vid. BAUMAN, Z. (2011): 44 cartas
desde elmundo líquido. Barcelona: Paidós.

19Cales son aqueles elementos (valores, crenzas, coñecementos,…) que con máis forza e solidez configuran
unhaidentidade é algo que varía en razón dos contextos socio-históricos, dado o mesmo carácter dinámico
daidentidade. Eporiso que falan diversos autores dunha tipoloxía deidentidades grupais como as arriba
sinaladas. Así, parece que as referencias identitarias para considerábeis colectivos de inmigrantes en
Inglaterrapertencentes á segundaxeración serían: opaís de orixe, o grupo étnico ou relixioso de pertenza
da familia, o país deacollida e o equipo defutbolescollido.

20Declaración Universal da UNESCO sobre a diversidade cultural (31 sesión da Conferencia Xeral; 2/
XI/2001)

21MAALOUF, A. (1999), Identidades asesinas, op. cit., p. 40-48.

135

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

Sobrea diversidade socio-histórica das escolas: os “templos de


civilización”22 decimonónicos ea “cultura nacional” paraa escola
de masas

Unharápidaolladainternacionalatodooqueéomundoescolaramostranos
días de hoxe notábeis regularidadese similitudes, máis tamén abondosas
diferenzas, estando unha parte delasagochadas mesmosobaapariencia
de similitude superficial. Venaquíao caso expresar unha vez máis que as
ideas dominantes manexadas nunha sociedade sobre a súa organización
e ordenación, ou en relación por exemplocoposíbel protagonismo social
das mulleres, a presenza escolar daslinguas deusoambiental23, a presenza
social dos usos relixiosos, ou as prácticas políticas, transparéntanse
como aprecio ou inconsideración/menosprezo nas súas escolas.

Contribúen tales factores socio-históricos a que os sistemas escolares


manifestentrazos de diversidade, a pesar delevaren décadas de resolucións
de alcance internacional impulsadas pola Oficina Internacional de
Educación (UNESCO, Xenebra) a través das Conferencias Internacionais de
Educación, coseu carácer orientador das políticas nacionais de educación.

As diferenzas, que se transparentan nos currículos24 e nas prácticas

22A expresión, presente na literatura educativa do XIX, serviu como expresivotítulo da de obra de FÁTIMA
DESOUZA, R. (1998). Templos de Civilizaçâo. A implantaçâo da escola primáriagraduada no estado de Sâo
Paulo (1890-1910). Sâo Paulo: Editora UNESP.

23 Amiudo, fóra como dentro das escolas, os individuos viven en circunstancias de conflito lingüístico, a causa
dainterferencia habitual de dous códigos ouferramentas de representación ecomunicación, con prevalencia
nonigualitaria dun deles, o que é distintoao dalingua familiar, imposto e deslexitimizador dalingua familiar
que é, porén, fonte esoporte deidentidade. Unha cuestión benapreciadapolos estudos de sociolingüística,
e da que falaron Franz Fanon ou Albert Memmi. Memmien Retrato del colonizado (Madrid: Cuadernos para
el Diálogo, 1974) refíreseá situación de desprezo dalingua materna ante o que os colonizados terminan por
ocultaranteos de fóra (“os outros”) esa lingua considerada feble: “A lingua materna do colonizado, aquela
que sealimenta das súas sensacións, soños e paixóns, na que se expresa a súatenrura e se produce o seu
maior asombro, aquela que canalizaasúa maior carga afectiva, éprecisamente a menos valorada” (p. 171).

24Nos currículospodemos observar os contidos cognitivos e simbólicos que foran seleccionados, por alguén
con autoridade e poder, sometidos a un condicionamento didáctico ( modelo e modo de proceder) e
organizados baixo a forma de programas de estudos para a súa transmisión deliberada no contexto das
institucións escolares.

136

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

escolares, tal como no presente puxeron de manifesto, en particular, os


estudos etnográficos, que permitiron abrir a “caixa preta” das escolas,
están inscritas en claves e razóns socio-xenéticas e non só socio
estruturais, como levan posto de relevo notables estudos de educación
comparada, como os realizados a mediados do século XX por autores
como Kandel, Nicolas Hans ou Arthur Moehlman. Claves e razóns que
unha ollada sociolóxica e política de orientación estruturalista non tivo
adecuadamente en conta á hora de analizar as lóxicas dos sistemase das
súas diferenzas.

Éhora de que falemos da construción dos Estados-nación. As revolucións


burguesas decimonónicas, coa creación da imaxe docidadá, tiveron de
ordinario lugar no conxunto dos entornos europeos (que influenciaron
outros territorios mundiais) con desconsideración cara as primixénias
identidades comunitarias, ou mellor, por medio da selección dunha
das identidades comunitarias presentes no perímetro de cada Estado
sobre a que construíras novas expresións da modernidade: a Nación e
o Estado proclamáronse como superiores valores políticos que exixían
a constitución dunha nova identidade cultural e cívica en cada un
dos territorios políticamente acoutados, dunha “nova racionalidade
nacional”. A unificación política, a centralización dosasuntos do Estado
e o socavamento dos poderes políticos locais tradicionais (en ocasións
nefandos, non se esqueza), sostidos a miudo á sombra de fidelidades
locais comunitariase identitarias foron, así, mecanismos que propiciaron
a asimilación ou a destrución das identidades culturais comunitarias,
entremedias da defensa crecente do protagonismo do indivíduo e da
proclamación da súa liberdade fronte ao grupo de pertenza socio
comunitaria.

Foi deste xeito como se impuxeron a miudo conflitivamente uns


modos culturais exóxenos, por veces coacompañamento dunha lingua
exterior, sen iludir a presenza e participación de actores membros
das comunidades afectadas, co que o conxunto dos membros destas
comunidades vían dificultada a recreación eactualización máis natural
da cultura comunitaria, ao ollárense en confrontación con outros modos
provistosdecrecenteinfluenzaeamparadosouimpulsadosporpoderosos
aparatos político-administrativos dos Estados nacentes, ocasionándose
a degradación violenta (real e simbólicamente) da cultura tradicional

137

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

comunitaria, a discontinuidade culturalentreas persoase mesmo a perda


e a conflitividade entre identidades. Esta constitución das modernas
identidades estatais (franceses, españois, brasileiros, italianos… eran, en
cada caso, todos oshabitantes decadaterritorioacoutado), foiplenamente
aceptada nuns casos polo conxunto social, máis, noutros, viviuse ou é
vivida no presente como unha imposición, que ten levado a movementos
de rechazoe de construción de outras propostas decidadanía, falándose
nestes casos de dominación culturale de violencia simbólica.

Dentro da preocupación dos Estados-nación por crear unha “identidade


superior”25, os sistemas educativos estatais viñeron xogando un principal
protagonismo. Os profesores, mesmo foron calificados en Francia como
“húsares da República”, cando a Repúblicaxanoneraporigualarquitectura
socio-política de todos, senon instrumento da burguesía liberal
conservadora. O comparatista Kandel sinalara en 1934 que “a cultura
(tamén a escolar), como produto estatal, é unha parte da maquinaria
do Estado para promover a igualdade de pensamento e a lealtade”26 e
Nicolas Hans nas súas conferencias no King´s College de Londres de 1945
así mesmoosinalaba: “os sistemas nacionais de educaçâo, ao utilizarem
osidiomas nacionais como veículo de instruçâo, pôem en funcionamento
o máis poderoso instrumento que existe para a moldagem damentalidade
da geraçâo que surge”27.

Isto quere dicir, que a socialización e a enculturación realizada


desde as escolas procuraba ser situada nun contexto socio
cultural monoreferencial e relativamente monolítico, na procura da
promoción forte dunha identidade nacionalista estatal, que afogabao
recoñecemento da diferencia, cuestión que, en troques farán valer a
Escola de Frankfurt, coasúa teoría social crítica, como igualmente as
posición postmodernas ao afirmara pedagoxía da diferencia. Aoafogar
a diferencia por esa procura de novas identidades colectivas desde a

25 “Todo por la Patria” éo rótulo que preside os frontispicios dos edificios cuartel da Garda Civil, un corpo
policial-militarespañol presenteen todo o territorio español.

26 KANDEL, I. L. (1947). Educaçâo Comparada. Sâo Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 35.

27 HANS, N. (1951): Educaçâo Comparada. Sâo Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 16.

138

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

educación, os sistemas escolares, sen embargo, abriron frecuentemente


espazos de discontinuidade cultural negativa entre as escolas e as
comunidades.

A discontinuidade, que adoito é lingüística, soe instaurar entre os


escolaresdesectorespopularesunhaamplia conciencia de desprotección
e de identidadeasediada e ferida, que no caso de conflito lingüístico
entre dous códigos (lingua A, dealta consideración social, e lingua B,
de baixa consideración), se traduce frecuentemente na deslexitimación
da lingua B, porque ao delatar a quena emprega como pertencenteá
clase social baixa convértese nun dos signos que compriríaabandonar
por quen coida que existen posibilidades de alguna movilidade social
ascendente Eis aquímoito do que ten sucedido no tempo do século XIX,
e que aínda continuou durante o XX, un tempo no que, porén, tamén se
rexistraron experiencias que procuraron eliminar tal discontinuidade.

A “socioloxía das desigualdades” dos pasados anos sesenta e setenta


estudaría esta problemática suscitada ao fio da prevalencia da “cultura
nacional” como construción cultural de parte sustentada pola idea
dun “ideal de suxeito” proprio de cada sociedade e non integradora
socialmente. BasilBerstein falará do “capitale dos códigos lingüísticos”,
mentres Bourdieu e Passeron formularían a “teoría da reprodución”:
o capital cultural dos nenos de medios sociais ricos en recursos e
experiencias culturais adaptaríanse mellorao modelo cultural burgués
acreditado polas escolas, e deste xeito, o capital cultural herdado
familiarmente aparece como un instrumento ou mediación para a
reprodución social, unha tese, con todo, hoxe sometida a algunha
controversia dado o seu determinismo sociolóxico, que por fortuna
nin sempre se cumpre ao observase tamén que existen investimentos
culturais en contextos familiares, que funcionan como estratéxias
de mobilidade escolar exitosa, e mesmo porque máis recentemente
as escolas veñen perdendo a autoridade cultural da que noutrora
disponíane que incidía na notábel lexitimación do credencialismo ou
acreditacións escolares28.

28 O que mesmotiña aver coa alta lexitimación da “cultura escolar nacional”, hoxesen embargo sometidaa
unha reconsideración como categoría absolutizante, ante a comprensión de que é un problema encontrar
un criterio dexuizoparaavaliar unha cultura.

139

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

Estamos, pois, ante interrogantes. Aaposta do liberalismo pola “cultura


nacional” presenta de ordinario unha visión do que é a cultura que non
atende debidamente ás dimensiónsantropolóxicae sociolóxica da cultura,
destrúe a miudo identidades culturais comunitarias que poden ser
socialmente moi valiosase, por todo iso, denota carencias democráticas.
Sen contarcos retos que a mundialización está aintroducir. Eo dito non
é todo.

Políticas escolares democráticas”?: “cultura nacional”,


diversidade cultural e mundialización

Do ponto de vista formal, teñen avanzado as ópticas e as políticas


escolares de orientación democrática. Parlamentos democráticamente
constituídos aquí e acolá fixeron e fan opción polas “escolas
democráticas”, e a “democracia cultural” é un reto que ven recibindo
algunas consideracións. Éinnegábel. En moitos espazos socio-culturais
veñen desenvolvéndose políticas antidiscriminatorias, poñendo en
valor aspectos considerábeis que son expresión da diversidade cultural
e lingüística. A conciencia social acumulada nas últimas décadas ten
influído nas políticas escolares aprol dun maior respeito e promoción
da diversidade cultural, rebaixando o valor da “cultura nacional” como
categoría absolutizante.

Como exemplos paradigmáticos de todo o expresado aí están os


programas de “educación compensatoria”, dos que porén xa secoñecen
osseus efectos limitados, ou a crecente presenzainternacional de ciclos
escolares intermedios e universalizadores en canto á escolarización
situados entre os de estudo primario e os de estudo secundario. Mais,
con todo, non debemos de deixar de examinar a realidade escolar e
cultural desde un punto de vista crítico.

As escolas, como sinalou Perrenoud en 1984, seguen a fabricar unha


excelencia, tinxida de contidos de clase, para una sociedade desigual. A
pesaren de políticas compensatorias, Bourdieu observou e indicou en
la distinction (1979) que as escolas seguen a discriminar socialmente
aínda que non mediante procesos de eliminación tallante como

140

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

no pasado; agora, as “políticas democráticas” realizan procesos de


eliminación diferidos e diluidos no tempo, provocando unha relegación
solapada que afecta sobre todo aos escolares con fracaso escolar, que
son orientados cara acanais de menor valor.

Se a “diversidade cultural” puidera entenderse como a presenza


conflitiva ou non de culturas diversas, entendidas comototalidades
simbólicas, a tal como se dixo atrás, aínda hai outro concepto que
hai que descortinar: o da “heteroxeneidade cultural”, que por súa
volta nos leva cara a cuestión dos “patróns culturais” e a da “mente
cultural”.

Osbalances devariosprogramasintensivos de educación compensatoria,


cos seus exercicios de discrimación positiva puxeron de relevo os seus
efectos limitados desde o punto de vista da democracia cultural. Os
interrogantes poristosuscitados encontrarían algunha resposta precisa
eoportuna de considerarmosas “configuracións culturaisidiosincráticas
dos suxeitos”29 das que falou Ruth Benedict (1934); configuracións que
compre coñecere comprender:

Nointerior dauniformidade cultural dassociedadesindustriaisavanzadas


–dicíase nun Informe da OCDE, 1989- mantéñense, baixo formas máis ou
menos visíbeis, prácticas sociais, modos de vida domésticos, formas de
solidariedade e de pensamento, e crenzas que funcionen segundo outros
códigos30.

Éo quese pode entendercomo a presenza da “mente cultural”, concepto


que elaborou o sociólogo Raul Iturra e que Ricardo Vieira traduciu
nestes termos:

A mente cultural está formada por saberes que se aprenden e se


reproducen de xeración en xeración, saberes que son herdanza cultural
do grupo doméstico e do social no que se insertan os mozos, e que está

29 Cada cultura valora e privilegia certas condutas esópodeser comprendida desde osseus propios termos.

30 CERI/ OCDE (1989): L ´école et les cultures. París, p. 11.

141

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

tamén formada por estruturas e hábitos mentais, formas de pensar, de


seleccionar, de reter, de aprendere de actuar, que se desenvolven –como
estilos cognitivos culturalmente distintos– no proceso de socialización.31

A mente cultural, un auténtico background cultural, co que cada


persoa seapresta á realización aprendizaxes, impregna o conxunto dos
procesos cognitivos, intervindo na xenealoxía e desenvolvemento dos
estilos cognitivos, que se manifestan, como di Vieira (1992:104), “de
forma sensorial, racional e emocional e inclúen as formas de coñecer,
comprender, imaxinar, razoar exulgar”.

Estes procesos, estilose patróns (hábitos que predispoñen ás diferenzas


de percepción), que configuran a “mente cultural” constitúense, en
parte como herdanza cultural, nosámbitos familiares e de socialización
máis inmediatos, dependendo de diferentes historias de vida e aínda
da heteroxeneidade psico–social e cultural, chegando a determinar a
cognición dos nosos entornos, isto é as diferentes formas e tipos de
recepción da información e de elaboración dos coñecementos32.

Por isto existen a heteroxeneidade cultural e os “modelos culturais


cualitativamente distintos das diversas clases sociais” en expresión de
Pierre Bourdieu. Poristo mesmo, osámbitos familiares seguenintervindo
decisivamente na construción e rasgos do coñecemento de todos os
membros individuais dunha sociedade, detal modo que cando un neno
chega á escola (“lugar de saberes e de cultura racionalista”) exa portador
dunestilo cognitivo, duns patróns, dun ethos, que é necesario coñecer, tal
comoa antropoloxía culturalnos puxo de relevo. Sonasítaménportadores
de coñecementos diversos que son con frecuencia desprezados, polas
escolas, dado que xeralmente os curricula escolares son abstractos e
móstranse distanciados da cotidianidade, como sostén a OCDE33.

31 VIEIRA, R. (1992): Entre a escola e o lar. Lisboa: Fim de Século, p. 87.

32 A problemática está presente en SCANDIUZZI, P. P. (2008). Educaçâo indígena X educaçâo escolar


indígena. Uma relaçâo etnocidaem umapesquisa etnomatemática. Sâo Paulo: UNESP.

33 “Épenoso observar–diaOCDE–aausencia en casetodos os documentos sobrea educación multicultural


das análises epistemolóxicas sobre a caracterización cognitiva da cultura escolar. (…) As interaccións

142

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

Por tanto, a heteroxeneidade cultural acarrexa unha ineludíbel


problemática que as políticas educativas deben abordare un reto para
unha pedagoxía epara unha política educativa de aspiración democrática.

Este convencemento tiña levado ao profesor galego Eloy Luis André a


escribiroseguinte en 1931, nun momento de emerxencia rexionalista que
pugnaba por manifestarseasimesmo no terreo da educación en defensa
daidentidade da nación–cultura, a propósito da non presencia do galego
na escola con nenos, porén inculturados ambientalmente en galego:

A escola galega non é unhainstitución social e nacional en Galicia, non é


un fogar de cultura e de vida espiritual, que dea acobillo a todos os valores
dogaleguismo e os irradie á conciencia das novas xeracións… A escola en
Galicia non está en sintonía coa sinfonía subconscente de aspiracións, de
recordos e de ideais soñados polo povo, de problemas vivos presentes
do mismo. A escola non é do povo e para o povo, senon do Estado, parao
cacique e o seu amo (…).

Nesta circunstancia, a escola carece de eficiencia espiritual, social etécnica


como institución de cultura nacional gallega34.

As escolas hoxe ante os retos da diversidade

Avanzamos argumentos sobre a cuestión, máisaínda nos debemos deter


noasunto.

En efecto, podenapreciarse frecuentemente importantes distancias entre


a mente cultural, a cultura ambiental, ea cultura escolar, para o caso de

entre a cultura dun povo e as súas prácticas deadquisición e de transmisión de coñecementos son
profundas”. (…) Eporiso “hai que interrogarse sobreas estruturas epistemolóxicas dos modos depensar
e das formas de coñecemento proprias ás tradicións culturais diferentes. (Neste senso) o problema non é
sóa equivalencia das culturas (o relativismo cultural), senon taménasúaequivalencia epistemolóxica (o
relativismo epistemolóxico)”, en CERI/OCDE, L’école et les cultures, pp. 70-71 y21.

34 LUÍS ANDRE, E. (1931). “La lucha por la escuela en Galicia”. In Galleguismo. Lucha por la personalidad
nacionalyla cultura (Ensayos).Madrid:J. Murillo, p. 291.

143

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

moitos dos escolares, que son posuídores dun ethos (duns esquemas
inconscientes e hábitos de pensamento, que poderían anoarse nun a
modo de “sistema” de pensamiento) e dun capital cultural conformado
por contidos que podendo ser valiosos eportadores designificado, porén
non o son tantoantea realidade dos sistemas escolares oficiais. Un ethos
e un capital que mesmo poden interpoñerseá asimilación da máis ou
menos distanciada cultura escolar.

Fálase nestes casos casos da disonancia cognitiva, que plantea auténticos


retos a unha educación democrática, porque, de ordinario, como nos
alertou Basil Bernstein, se espera que o neno que ten tal disonancia
cognitiva co mundo da escuela abandoe á porta dela a súa identidade
eas súas representacións simbólicas, xa que a escola se preocupa do
desenvolvemento de ordes designificación máis universalistas.

Sabemos que non hai unha adecuada construción do coñecemento


escolare un adecuado desenvolvemento da personalidade senon existe
un continuum formativo que parte da conciencia e da valoración das
aprendizaxes previas, e por iso é mester revisar e coñecer mellor os
procesos e plasmacións da enculturación dos individuos, e seleccionar
máis adecuadamente todo aquelo que son contidos de aprendizaxe
(¿cales?, ¿cal é a súa procedencia?) eas estratexias didáctico–formativas,
desde a maior consciencia das diferentes configuraciónss socio–culturais
e dos estilos cognitivos.

Conscentes desta heteroxeneidade, as políticas escolares e curriculares


haberían de estar, pois, atentas non só áidentidade e á diversidade cultural,
senon tamén á heteroxeneidade cultural. Isto supón recoñecer que os
pais son polo común os protagonistas de primeiro proceso enculturador,
que transmite unha identidade socio–cultural que podería conformar
unha especie de corpus cultural proprio desde o que entender o mundo
circundante, equea escolahabería de proveer unha enculturación codificada
e controlada para completar, coasúa “tópica cultural”e a partir das proprias
experiencias e identidades particulares do alumnado, os procesos de
socialización, desdea óptica dunha sociedade participativa e democrática.

Non debemos deixar de referirnosaos fenómenos de mundialización, ou


globalización, de mestizaxes de identidades, da cada vez maior presenza

144

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

de identidades fronteirizas35, e de identidade electrónica ou de mercado.


Estamos en tempo de crecente interculturalidade, é dicir, de intercambio,
de influencias mutuas, e deapertura e de intersección de círculos, todo
iso expresión dun clima dinámico e de intensas influencias culturais, ao
punto de semellar que imos cara a unha importante homoxeneización
cultural que chouta por riba das “culturas nacionais”, asentada nunha
nova narrativa monolítica, universalista e esencialista, máis entre tanto
novasidentidades culturais, conxeometrías exeografías distintas, aboian
ou se reafirman, con perdurabilidade entretanto dunha heteroxeneidade
cultural de rasgos parcialmente novos. No tempo da “aldea global”
da que falara Mc Luhan en 1962. O que antes era máis definido ven
transformándose agora nun espazo de identidades múltiples ou
multiestratificadas, que poden coexistir conflitivamente, caso de seren
expresións esclerotizadas e estáticas que só se reforzan reactivamente,
ou que, polo contrario, poderían convivir dinámicamente integradas,
caso de seren expresións e procesos dinámicos, plurais, e en contínua
reconstrucción criativa. Estariamos a falar de identidades mestizas,
flexíbeis, que son resultado de procesos de negociación designificados36,
que implican cesións, que deslexitiman as imposicións pola forza da
dominación, que son construídos como identidades dialóxicas.

Políticas e prácticas escolares antea diversidade a e


heteroxeneidade

Unha presenza constatábel da diversidade cultural no entorno escolar37


ocorre, singularmente, nos casos da población inmigrante, o que
plantea específicos retos ao mundo escolar, sendo a miudo ocasión

35 Sobre toda a fenomenoloxía que aquí se encerra podemos ver, KYMLICKA, W. (1996). Multicultural
Citizenship (en castelán, Barcelona: Paidós).

36entre o ontem e o horizonte, entre a memoria ea innovación, entre o local e o supralocal, entre unha
comunidade e os outros, como sostén Mc Laren; MC LAREN (1997). Pedagogía crítica y cultura
depredadora. Políticas de oposición en la era postmoderna. Barcelona: Paidós, p. 131.

37A cuestión está na axenda actual das políticas educativas. vid. COLL, C., FALSAFI, L. (2010). “Identidady
educación”. Revista de Educación. Madrid: MEC, n. 353.

145

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

de desencontro entre as familias, os grupos étnicos e os colexios,


isto é, entre as expectativas, e as diversas lóxicas socio-culturais de
estas instancias38. En Francia, por ejemplo, ten sido habitual práctica
política liberal ha de minusvalorar esta presenza da diversidade (a
indiferencia ante as diferencias) a prol dun “modelo republicano de
integración social” que prometía a movilidade social ascendente a partir
de propostas deasimilación cultural, do esforzo persoale dos méritos
académicosacadados polossuxeitos precisados de integración, sen facer
a precisa consideración do currículum proposto, da heteroxeneidade
e da disonancia cultural prendida nas diversas “mentes culturais”;
destexeito, a esperable movilidade, porén, non se ten dado en termos
sociológicos, o que en consecuencia ten desencadeado diversas mostras
de conflitividade social diante das promesas incumplidas, ante a
existencia de prácticas de segregación social, territoriale étnica (como
a concentración de inmigrantes en bairros dormitorios con pésima
calidade deservizos socio-comunitarios) eafalta de efectiva integración
e inclusión social. A esto ten aludido Mona Ozouf recentemente e
partindo do rastreo da súainfancia bretona:

Os integristas republicanos de hoxe, ao excluiras pertenzas múltiples,


territoriais, familiares, relixiosas, profesionais ou sexuais, que bautizan
liberalmente como “comunitarismos”, e denuncian como tales, negan a
pluralidade. Defeito, nunha sociedade da división, da contradicción, da
mobilidade, ningunha pertenza é exclusiva, ningunha é suficiente para
asegurarunhaidentidade, ningunhasabería expresaro eu íntimo da persoa,
que se pode sentirá vez bretón, francés, investigador, fillo, pai, membro
dunha igreza…Cada un debe compoñer a súa identidade recollendo
préstamos de fidelidades diferentes. Recoñecer, pois, a pluralidade
destas identidades cruzadas, complexas, variables, ten consecuencias de
importancia eisto obriga a saír da oposición binaria que tende a cerraro
debate, que opón universalistase comunitaristas39.

38 Asíoteñen observadoaínda recentemente varios investigadores no caso da inmigración en Cataluña


(España). Vid.ARJONA, A., CHECA,F., BELMONTE,T. (eds)(2011). Biculturalismoysegundasgeneraciones.
Integración social, escuelaybilingüismo. Barcelona: Icaria.

39 OZOUF, M. (2009). Composition française. Retoursurune enfance bretone. París: Gallimard (Folio).

146

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

Esta problemática irresolta leva suscitado discursos e controversias


acedas de política educativa, con numerosas posicións substentadoras
mesmo do fatalismo dos chamados handicaps socio-culturais. Posicións
alimentadas esostidas sobre todo desdeas ópticas neo-liberaise neo
conservadoras dahora presente. Desde elas óptasepolahomoxeneización
ea diferenciación dos públicos escolares sobre a base da súa variada
diversidade (distanciándose do pretenso modelo común francés), ao
sostera existencia de diferencias significativas no rendemento académico
eo suposto mellor rendemento que experimentanos indivíduosao seren
formados mediante unha nítida pedagogía diferencial.

Máis tamén, outras fórmulas se veñen ensaiando desde posicións


socialdemócratas e liberal-progresistas. Neste sentido, nas últimas
décadas poden rexistrarse políticas escolares que mudaron nalgunha
medida a súa linguaxe en relación coa diversidade, sendo igualmente
apreciábeis algunhas modificacións rexistradas en canto ás prácticas
escolares. Con distinto grao de incidencia aí están os “grupos de
diversificación curricular”, os de “reforzo curricular”, as “adaptacións
curriculares”, os programas de educación compensatoria, os de garantía
social, osincrementos en canto á optatividade de materias escolares, ou os
desdobres de grupos, máis, non é menos certo que o valor destas medidas
presenta limites de eficacia sociale escolar caso de non estar vertebradas,
o que máis habitualmente sucede, por unha intensa orientación de
inclusión social, “que supón unha necesaria reelaboración dos contidos
básicos escolares e unha considerábel transformación dos currículos”40,
ou o que é o mesmo, a revisión en profundidade dun canon “occidentale
burgués” dos contidos curriculares logocéntrico e disciplinar.

A este respecto, Torres Santomé ten apuntado ao que considera


“intervencións curricularesinadecuadas”antea cuestión da diversidade41,
sexanestasaplicadasdesdeópticaneo-liberaloudesdeamáiscomprensiva
da socialdemocracia: a presenza deaulas segregativas do alumnado, a
exclusión ou osilenciamento escolar de “culturas” presentessocialmente,

40TORRESSANTOMÉ, J. (2008). “Diversidad culturaly contenidos escolares”. Revista de Educación, n. 345,


p. 86.

41Ibid., pp.87-107.

147

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

a parcelación disciplinare especializada en contraste coas continuidades


sociais, o cultivo de estereotipos culturais42, sendo un ejemplo o
“eurocentrismo” como sentido común, a psicoloxización de procesos
de aprendizaxe con desconsideración dos seus aspectos sociológicos,
a “infantilización” curricular, unha marca de cultura empobrecidae
superficial, ou a eliminación de trasfondos socio-históricos en canto a
contidos culturais escolares.

Oanterior pon, tamén, de manifesto a existencia de diversas perspectivas


arredor das políticas culturaisante a diversidade43.

O fracaso sociológico, por unha parte, do pretendido asimilacionismo, ou


a falta de confianza, por outra, en canto ás posibilidades de integración
social, ten levado, ademais, aabrir paso ás políticas multiculturais, co
seu traslado ás prácticas escolares, tomando en conta deliberadamente
nos contidos, nas metodoloxías didácticas e na organización escolar,
a diversidade de referencias culturais dos públicosaos que se dirixea
acción escolar, abrindo paso aos ethnic studies: individualizaríanseas
traxectorias escolares e os percorridos a custe, en troques, dun modelo
educativo único44, o que, por súa volta, ven suscitando interrogantes
desde as perspectivas do logro dunha cidadanía democrática co
partícipe dun proxecto aberto de construción social, diante dos riscos de
enclaustramento (“comunidades balcanizadas”) das persoas, provocados
pola “etnicización” cultural e o paralelismo de “universos culturais” a que
poderían dar lugar, ou da inoportuna hipertrofia da variable cultural,
con detrimento da consideración das demais variables que inciden nas
desigualdades socio-económicas (sociológicas, históricas, económicas,
políticas), pois a cultura non podeseraúnica explicación do fracaso ou do

42Un exemplo disopoderían ser os preconceitos contra os nordestinos no Brasil, comoanalizou MUNIZ
ALBURQUERQUE JÚNIOR (2007). Preconcepto contra a origen geográfica e de lugar. As fronteiras da
discordia. Sâo Paulo: Cortéz.

43A preocupación está presente nos debates políticos e académicos. Unha manifestación disto pode ser
observada na presenza de estudos, como a que reflicte o monográfico “Identidady educación:tendencias
y desafíos” da oficial Revista de Educación (Madrid), nº 353 de 2010.

44PRAIRAT, E. (2008). “Effets sociaux et politiques de l´éducation en France”. in VAN ZANTEN, A. (Dir.).
Dictionaire de l´Éducation. París: PUF, p. 227.

148

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

baixo rendemento escolar cando estese da. Aínda, unha posición extrema
multicultural podería correr o risco de minimizar a heteroxeneidade
interna de cada grupo e mesmo a capacidade de esta ser modificada
por parte do indivíduos, quen son, en definitiva “actores”, alén da súa
pretensa ligazón comunitaria, cunha lóxica actancial que interactua
dialécticamente coalóxicaestrutural, como nos propóno construtivismo
sociológico. Mesmo, tampoucopodemos perder de vista que as culturas
nin están nitidamente delimitadas nin son suficientemente coherentes no
seu interior.

Multiculturalismo ou Interculturalismo?: as escolas ea


construcción daidentidade en contextos multiculturais

Imponse un tratamento de orde “multicultural”, poiso asimilacionismo


monoculturalestá distante das perspectivas democráticas. Ao caso, poden
ser varias as perpectivas das chamadas políticas multiculturais. Vimos de
sinalar algúns dos riscos que un movemento pendular multicultural pode
acarrexar: a discontinuidade das culturas presentes nun territorio socio
políticopodería trasladarse ás escolas, e de facto hai experiencias en tal
sentido, enfraquecendonestaso desexábelproxecto decidadanía animado
pola filosofía dun modelo ético comúne consensual45, rebaixándose, pois,
a exixencia moral de compartir unha cultura común.

Endalí que desde unha óptica “multicultural” se dera opaso afalar mellor
da óptica “intercultural”, o que non é máis simples. Isto é, un modo de
tratamento da realidade sociale educativa que nos posibilite xestionar,
evitando polaridades e estancos, o pluralismopresente na composición
actual do tecido social e escolar, marcado pola multiplicidade e a
heteroxeneidade de referencias e mesmo a continxencia de diversos
valores, desde unha suficiente plataforma ética, axiológica e cultural
compartidae consensual; un modo, pois, diferente da adaptación pasiva
ao mosaico social plural, que predicarían as posicións multiculturais.
Esta posición plural, que procura o reequilibrio desde o imperativo da

45Véxanse, entre outros, os textos de John RAWLS, A Theory osJustice (1971), e Justicia como equidad: una
reformulación (2002). Barcelona: Paidós.

149

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

igualdade non está exenta de perigos, como o risco de perda da cohesión


interna entre os membros dunha mesma cultura, que ela mesma podería
estar asediada por factores de diversa índole, e tamén por iso que a
cuestión da interculturalidade non é simples.

Hai na proposta intercultural unha tensión positiva que, consciente da


incorrección do proxecto asimilacionista, tendeagraos de integración da
diversidade cultural, que obrigan a unha re-lecturae re-composición da
“cultura nacional” previa, tanto como a superar o medo á “desintegración”
desta por un camiño deapertura e de mestizaxe.

A intregración ético-cultural sostense sobre o relativismo cultural, cando


menos, un non desaforado relativismo, aínda que non sobre o relativismo
moral46, e sobre o proxecto dunha “política común” a ser compartida
como proxecto decidadanía democrática, da forma comoteñen suscitado
Habermas ao falar da “inclusión do outro”, ou Enmanuel Lévinas, ao
reflexionar sobre a “construcción ética do outro”: unha construcción
complexa e multidimensional, que trata de re-construír “o común”, isto
é, unha identidade común desde a diversidade, que invita a conxugara
pertenza nacional coa concienciacidadá democrática mundializada, como
se suxeríano Seminario Internacional “L´École et la Nation” convocado
en Lyon polo INRP47 en 2010. Obriga a pensar na ollada do outro, na
alteridade, na identidade do outro ea explorar a construción dun novo
“nós(outros)”48. Un proxecto que, por outra parte, chama pola laicidade,
como expresión ampla.

46Ao respeito, as posicións de defensa dunha ética común falan da posibilidade de establecer un acordo de
mínimos sobre os preceptos dunha ética glogal respeitosa coas diferencias culturais. Vid. DÍAZÁLVAREZ,
J. M. (2008). “ Fundamentación de la moral y diferencias normativo-culturales. Una aproximación
fenomenológica”. In TÉLLEZ, J. A. (coord.). Educación Intercultural. Miradas multidisciplinares. Madrid:
La Catarata, pp. 25-46.

47Institut Nacional de Recherche Pedagogique.

48Éo quesostén R. Jorba (2011) en La mirada del otro. Manifiestoporla alteridad, op. cit., p. 9, ao tempo de
solicitar quese entremezclen identidadee alteridade, para conformar sentimentosidentitarios múltiples,
enriqueceros universos simbólicos, e conformaridentidades políticase culturais dexeometría variable en
canto á pertenza nacionale cidadá. Afin de superar, así, os populismos nacionalistase os nacionalismos
excluíntes (pp. 14, 15 e20).

150

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

Afecta centralmente ás escolas e á formación do profesorado. Porque nas


escolas é mesterfacer untraballo deformación quefacilite a comprensión
intelectual e emocional dos outros; unha educación de acollida, que
promovaaaprendizaxe a partir do encontro, mediante unha “pedagoxía
da alteridade”, etodo isoporque as escolas non só ensinan contidose
competencias, senon que ademais socializan en valores, porque a
socialización de identidades diversas fai emerxer a miudo conflitos que
compre resolver; porque a miudo a diversidade implica a presenza de
conflitos escolares49 que se sosteñen sobre estereotipos máis ou menos
solidificados (representacións, prexuizos, daltonismo cultural, racismo,
“linguas de civilización” vs. “linguas pobres”), sendo do caso retirarlles a
súa pátina de “naturalización”, para así poder superartales estereotipos50,
o queirá cara ao diálogo, a convivencia e o crecemento mutuo.

As escolas están interpeladas polo proxecto interculturale ético-cultural


común51, eporiso compreiralén daformación dunha “conciencia política
nacional”, e por iso esta mesma deberá ser enmarcada na formación de
concienciasidentitarias que vaianalén das fronteiras nacionais, no tempo
da globalización52. Eisto implica a construcción de relatos narrativos de
carácter didáctico e curricular onde aparezan visións compartidas máis
amplas53. Vexanse aquí as limitacións dos dispositivos e percorridos

49 CLERC, S., MICHAUD, Y. (2010). Face a la classe. París: Gallimard.

50Estereotipos ou esquemas que utilizamos para estruturar a nosa percepción social e para poder
interpretar o que nos rodea, e que, desde un punto de vista negativo, poden funcionar como obstáculos
(modos particulares n on adecuados de procesamento da información) que crean/reforzana disonancia
cognitiva.

51HOYOSVÁZQUEZ, G. (2011).“Educaciónyética paraunaciudadanía cosmopolita”, Revista Iberoamericana


de educaçâo, n. 55.

52Edgar Morin mesmo fala da “identidade terrícola”: MORIN, E. (2002). La cabeza bien puesta. Bases para
una reforma educativa. Buenos Aires: Nueva Visión.

53Maalouf (1999) considera a este respecto e para o caso dos inmigrantes que estes haberían de
interrogarse pola bagaxe precisa que deben acoller no país no que seintegran, máis que tamén se debe
abriro interrogante sobre que é o que paga a penatrasmitiraopaís deacollida (identidades asesinas, op.
cit., p. 49). É un dos resultados da re-construción identitaria desexábelparatodose tendente aevitaros
desgarros emocionais, dos que fala Jorda.

151

Junqueira&Marin Editores
A EscolA frontEá divErsidAdE culturAl

curriculares quese concentran, por exemplo na “historia nacional”, ou na


“historia da literatura nacional”, etc. É do caso repensar, como sosteñen
diversosautores, os contidos culturaisescolares quese consideranbásicos
para comprendere interpretar a sociedade ea cultura, para favorecera
toma de conciencia do común, ao tempo que se comprenden os modos
como cada cultura constrúe a súa visión do mundo ou como desenvolve
esquemas racionais diferentes para a representación da realidade54. E
istotamén é moi válido para o caso multicultural do Brasil, sobre o que
distintas investigadorase autoresteñen feito oportunos apuntes55.

Temos, pois, diante nosa un panorama de acciónse reflexións notábeis


para seguiravanzando na construcción da cidadanía democrática nun
escenario desexábel e matizado de “biodiversidade cultural”, seasí for
posible dicilo.

54É a proposta dos enfoques de BANKS (1997). Educating citizens in a multicultural society. New Yok:
Teacher College (integración sumatoria de contidos curriculares, búsqueda da diminución dos prexuizos,
desenvolvemento dunha pedagogía da equidade, e unha cultura escolar favorable ao empowerment dos
indivíduos en formación).

55CANDAU, Vera Mª (2006). educaçao intercultural e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras; CANDAU,
Vera Mª. (Org.) (2011). Diferentas culturais e educaçâo. Construindo caminhos. Rio de Janeiro: 7
Letras; FLAVIO MOREIRA, A. & CANDAU, V. Mª. (Orgs.) (2008). Multiculturalismo. Diferenças culturais
e praticas pedagogicas. Petrópolis: Vozes; JUAREZ DAYRELL (Org.) (2006). Múltiples olhares sobre
educaçâo e cultura. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; LÓPES DA SILVA, A., KAVALL
LEAL FERREIRA (Orgs.) (2009). Antropología, História e Educaçâo. A questâo indígena e a escola. Sâo
Paulo: Global Editora; VILANOVA, R. et alii (2011). “Direitos individuais e direitos de minorías: o Estado
brasileiro e o desafio da educaçâo escolar indígena”. Revista Lusófona de Educaçâo, n. 17, pp. 31-47.
Sinalan as autorase existencia de 210 povos indíxenase máis de 100 linguas diferentes, como tamén que
apenas se recoñece o carácter multiétnico, pluriculturale multilingüe da Nación, aínda ben constatando a
existencia do programa de “Educaçâo Diferenciada Interculturale Bilingüe”, desde 1994.

152

Junqueira&Marin Editores
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

ReflexõessobRe cuRRículoe diveRsidade cultuRal

Circe Fernandes Bittencourt


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

No dia 10 de março de 2008 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva


sancionou a Lein. 11.645 alterando o Artigo 26 da Leidas Diretrizese
bases da educação Nacional – lein. 9.394 de 1996 –, que passou a vigorar
com a seguinte redação:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamentale de ensino médio,


públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação
da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negrose dos povos
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio
na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas
áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à históriae cultura afro-brasileira e dos povos


indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e
história brasileiras.” (BRASIL, 2008.)

Trata-se de uma Lei Federal que, em dois artigos aparentemente simples,


tornou obrigatória a inclusão da diversidade cultural no currículo oficial
da escola básica brasileira. A lei n. 11.645/08, ao instituir de forma
obrigatória a história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino
fundamentale médio nas escolas públicase privadas do país, se insere

153

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

no processo de redefinição curricular centrada na diversidade sob


paradigmas multiculturais. Com base em tais características da Lei n.
11.645/08, as reflexões que se seguem buscam identificar o “horizonte
de expectativas” da proposta curricular situando-a em duas perspectivas.

Inicialmente abordoo processo histórico da constituição de um currículo


pautado na diversidade cultural em consonância com as políticas públicas
cujos discursos têm sido o da inclusão social. Em seguida identifico os
problemas relativos às possibilidades de implementação da nova proposta
combase emestudosqueapontam paraascrises curricularesdaatualidade,
situação que não corresponde a particularidades nacionais, mas também
internacionais, nas quais se delineiam conflitos e limites de inovação
educacional escolar com base em projetos interdisciplinares articulados
à diversidade cultural. Os pressupostos que sustentam as abordagens
relativas a esses aspectos – o da constituição e o da implementação
curricular – consideram que têm sido exigidas diversas estratégias por
parte dos diferentes sujeitos envolvidos no processo de criação legislativa
e institucional assim como nas formas paraefetivação nas salas deaula.
Pela leitura atenta do texto legislativo, mesmo que bastante conciso
em sua formulação, é possível identificar pretensões significativas ao
incluir como objeto de estudos interdisciplinares grupos sociais até
então desvalorizados ou desconhecidos no contexto escolar. Indaga-se,
nesta perspectiva, se tais conteúdos, de caráter obrigatório, possibilitam
alterações e reformulações de uma determinada tradição escolar
construídae efetivada por programas curriculares a partir do século XIX.

Currículoe diversidade cultural

Um aspecto significativo a ser considerado quanto à proposta curricular


estabelecidapela Lein.11.645/08 reside, inicialmente, em seu processo de
construção singular na história dos currículos brasileiros. A singularidade
da proposta curricular reside, sobretudo, em seus agentes de produçãoe
nas ações políticas envolvidas em seu processo de elaboração.

A Lein. 11.645 de 2008 articula-seàs lutas reivindicatóriasdos movimentos


sociais no campo educacionale decorre de uma outra lei quea antecedeu:

154

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

a Lei n. 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Pela lei de 2003, assinada logo


noinicio do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as alterações
curriculares referem-seà relevância históricae cultural de povos africanos
e afro-brasileiros, além dos povos indígenas. Ao atentarmos para o
conteúdo dessa leifica explícito, no entanto, que aborda de formaenfática
a inclusão obrigatória da história e da cultura afro-brasileiras e da história
da África, masnãotorna explícita a inclusão da históriae da culturas dos
povosindígenasanãoser de uma forma muito genérica. A Lein. 10.639/03
enfatizou o reconhecimento das populações negras como integrantes da
história da sociedade brasileira considerando, nesse reconhecimento, o
combate ao preconceito e ao racismo em relação aos afro-descendentes.

Tal propósito se inseria em pautas de luta do Movimento Negro de


longa data, ciente da importância da educação escolar como instância
formativa de valores para as novas geraçõese como lugar estratégico no
processo de democratização do pais. Dentro detais expectativas, torna-se
significativo situara data de assinatura da Lei – dia 9 de janeiro de 2003
– para que se perceba o compromisso político nela contida. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silvatomou posse dia primeiro de janeiro de 2003 e,
em poucos dias depois, foiassinada a Lei, fato que demonstra, mesmo que
de forma simbólica, os compromissos do novo governo com os projetos
relacionadosao Movimento Negro. Afinal, também assumia a presidência
da República, pela primeira vez na história do Brasil, um representante
do “povo” brasileiro, um operário com origens distantes das elites sociais
que, desde D. Pedro I – um rei herdeiro da coroa lusitana – até o final do
século XX, ocuparam o poder executivo da nação.

Aintrodução da históriae da cultura dos afrodescendentes nos currículos


oficiaisera uma das reivindicações do Movimento Negro nos debatesem
torno das reformulações educacionais a partir da década de 1980, no
processo de redemocratização do país e no momento de fortalecimento
da participação dos movimentos sociais nas decisões políticas do país.
A presença de representantes do Movimento Negro foi constante junto
aos grupos encarregados das reformulações curriculares que, na década
de 1980, estavam em fase de amplas negociações nas Secretarias de
educação estaduaise municipais, conseguindo, em maior ou menor grau,
fazer valer seus pedidos. João Jorge Santos Rodrigues relata aspectos
dessa luta no Estado da Bahia:

155

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

Resultado de uma enorme pressão do movimento negro local, o governo


do Estado crioua legislação em que incluíaosestudos da História da África
e dos africanos no primeiro e segundo grause ainda deu os primeiros
passos para aplicara determinação legal. Em 1989, este documento legal
sobre inclusão da história africana e dos africanos passou a fazer parte
da Constituição do Estado da Bahia, nos seus artigos 275 e288. Etodos
nós, do movimento negro da Bahia, fomosacompanhando com uma viva
emoção aidéia de que as escolas de Salvadore das demais cidades citasse
nas salas de aula o Egito, Gana, Angola, Moçambique, a Etiópia e seus
sucessose fracassos como parte da história da humanidade. (RODRIGUES,
2004, p. 91.)

O posicionamento do Movimento Negro no decorrer dos anos de 1990


manteve-se com uma conduta permanente na luta para reformulações
curriculares, buscando formas de combater preconceitos e racismos
arraigados na sociedade por intermédio de novos conteúdos históricos
e culturais. As formulações propostas pelo Movimento Negro não se
limitavam, no entanto, a adendos ou simples anexos de disciplinas
escolares, mas pretendiam uma revisão “das formas históricas em que
as fronteiras entre nóse os outros se constroem, se reproduzem ou se
modificam” (MATTOS e ABREU, 2008). Tais perspectivas encontravam
respaldo nos debates em que se buscava a constituição de um currículo
multicultural em muitos dos países ocidentais como meio, ou como
forma, deacolher a diversidade cultural manifesta pela intensidade do
processo migratório dos tempos da globalização (GIMENO, 1995; SILVA,
1999), além das reivindicações de movimentos sociaisinternos de grupos
discriminados de forma oficiale violenta, em especial nos Estados Unidos
(MCLAREN, 1997). Nos Estados Unidos ena América Latina em particular,
a constituição de currículos interculturais estavam provocando debates
intensos e complexos a partir dos anos de 1970 considerando, entre
outros aspectos, a história educacional marcada por um domínio quase
que exclusivo de paradigmas decorrentes do processo de colonização e
de civilização européia.

No contexto internacional e nacional de discussões dos anos de 1990


sobre a necessidade de se rever políticas educacionais e de promover
formas de inclusão social sob novos paradigmas para a confecção de
currículos, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais

156

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

(PCNs) para a educação básica. Os PCNs foram propostos por iniciativa


do Ministério da Educação (MEC), tendo sido apresentados juntamente
com a finalização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de
1996. Mesmo sendo apenas “parâmetros”, uma vez que a Constituição
da República impedea imposição de um currículo nacional, o problema
racial foi introduzido de maneira explícitano documento oficial do MECe
a “pluralidade cultural” foi proposta como tema transversalaser incluído
em todo oensino fundamental, como propósito explícito de revisão da
cultura nacional como uniforme:

A idéia veiculada na escola de um Brasil sem diferenças, formado


originalmente pelas três raças – o índio, o branco e o negro – que se
dissolveram dando origem ao brasileiro, também tem sido difundida
nos livros didáticos, neutralizando as diferenças culturais e, às vezes,
subordinado uma cultura à outra. Divulgou-se, então, uma concepção de
cultura uniforme, depreciando as diversas contribuições que compuseram
e compõemaidentidade nacional”. (BRASIL, 1998, p. 126.)

O texto dos PCNs destaca, dessa forma, o predomínio de uma


homogeneização cultural e identitária que necessitava ser repensada,
lembrando que, no ano de 1996, houve “uma inflexão na postura do
Estado”, ao admitir oficialmente, pela primeira vez, ser o Brasilum país
racista e negava uma realidade de “democracia racial brasileira”. Tal
posicionamento governamental deveria, então, ter compromissos em
relação ao combate ao racismo no país, aliando-se aos que há muitos
anos denunciavam o mito da democracia racial brasileira. Um mito
bastante confortável para muitos, que mascarava as diferentes formas de
violência queatingiam (eaindaatingem) setores negros, indígenas ou
simplesmente mestiços de nossa população.

A Lei n. 10.639/03, promovida por um governo de orientação política


distinta, foi um dos principais instrumentos na direção de concretizartais
compromissos, assumindo propostas de mudanças educacionais com o
intuito de efetivar formas de combateao mito da democracia racial. Essa
medida, é importante assinalar, foiacompanhada de novos documentos
legais com vistas à sua implementação. Após ser promulgada a Lei n.
10.639 de 2003 seguiram-seo Parecer do Conselho Nacional de Educação
que aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das

157

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Históriae Cultura Afro


Brasileiras e Africanas e a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, do
mesmo Conselho pela qual se detalham os direitos eas obrigações dos
estados federados para aimplementação dalei (BRASIL, 2004). Oministro
da Educação da época, Tarso Genro, na Apresentação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciaise
para o Ensino de Históriae Cultura Afro-Brasileiras e Africanas destacou
tambéma criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizaçãoe
Diversidade (SECAD), afirmandoser esta medida mais “um grande passo
para enfrentara injustiça nos sistemas educacionais do país” (BRASIL,
2004, p. 5). Constata-se, desta forma, a constituição de um conjunto de
dispositivos legais para a concretização de uma política educacional de
inclusão social que se pautava em concepções da diversidade culturale
que se voltava para uma educação das relações étnico-raciais nas escolas.

Cabe, no entanto, destacaro protagonismo do Movimento Negro e demais


grupose organizações partícipes da luta antirracista na elaboração dos
projetos e da documentação legal. Pelos documentos, em especial as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico
Raciaise para o Ensino de Históriae Cultura Afro-Brasileiras e Africanas
assim como o Parecer CNE de 2004 que as fundamenta, ficam explicitadas
a necessidade de se introduzir estudos das relações étnico raciais mas
visando, especialmente, o fortalecimento da consciência negra. Nessa
perspectiva, é significativa a introdução do conceito de raça negra
ressignificada em sua dimensão de valorização daidentidade negra como
conceito fundamental para otrabalho pedagógico:

Éimportante destacar quese entende por raça a construção social forjada


nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como
harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado
no século XVIIIe hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo
raça é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para
informar como determinadas características físicas, como cor de pele, tipo
de cabelo, entre outras, influenciam, interfereme até mesmo determinam
o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.

Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias


situações, o utiliza com um sentido político e de valorização do legado

158

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

deixado pelos africanos. Éimportante, também, explicar queo emprego


do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas
relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e traços fisionômicos
osão também devido à raiz cultural plantada na ancestralidade africana,
que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origemindígena,
européia easiática. (BRASIL, 2004, p. 13.)

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico


Raciaise para o Ensino de Históriae Cultura Afro-Brasileiras e Africanas
de 2004 são determinações, como se percebe claramente, específicas para
aefetivação dos estudos históricose culturais sobre osafro-descendentes
no sistema educacional. Desta forma a lei n. 10.639/03 acabou por
delimitar osafrodescendentes como grupos sociais a serem inseridos no
currículo, situação que conduziu à uma nova proposição legislativaem
que estivessem incluídas, com maior evidência, as populações indígenas
no contexto histórico e cultural da sociedade nacional. A Lei n. 11.645
de 2008 foi o resultado de um novoprocesso de negociações políticas,
visando aoatendimento das demandas do Movimento Indígena, de ONGs
nacionaise internacionais além de estudiososaeles ligados.

As populações indígenas possuem, evidentemente, especificidades


em suas formas de resistência e luta contra os preconceitos, uma vez
que sempre foram consideradas sociedades ou culturas em fase de
desaparecimento. Os povos indígenas, ao longo da história de contatos,
vêm sendo desafiados pela intensidade de enfretamentos no decorrer
dos diferentes processos de colonização iniciados na fase do domínio
português aos dias atuais, período em que enfrentam fazendeiros,
garimpeiros e outros tipos de colonizadores modernos. A natureza
dos conflitos vividos pelos indígenas difere dos demais grupos sociais
estigmatizados na nossa sociedade e cumpre que seja dada a devida
atençãoe esclarecidas suas especificidades naatual conjuntura histórica
e política do país. Sergio Buarque de Holanda escreveu um significativo
artigo no qual aponta para o problema central dos povos indígenas no
século XX:

Antes de mais nada procuraremos fixarum ponto decisivo, que é a forma


sob a qual se apresenta em nossos dias a questão dos índios. Hoje, a
questão do braço índio passou a segundoplano, pois éprecedida de outra

159

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

questão fundamental: o problema da terra. A espoliação das terras dos


índios é a base de todo o sistema de extermínio e descaso pelos índios,
assim como, logicamente, a manutenção das terras dos índios é o ponto
de partida paratoda política de aproximação comeles. (HOLANDA, 2011,
p. 133-134.)

Os problemas vividos pelos indígenas possuem, assim, uma dimensão


mais ampla, conforme assinalou Sergio Buarque de Holanda neste
artigo escrito em 1940 mas, que explicita a situaçãoainda presente nas
relações entreproprietários ruraise mineradores com diferentes povos
indígenas e as formas de lutas empreendidas por essas populações.
As lutas dos povos indígenas pelos seus territórios – TIs – têm sido
constante no decorrer do século XXaos diasatuaise osenfrentamentos
com os poderosos ruralistas têm desencadeado verdadeiras campanhas
visando desmoralizar esses grupos em todos os aspectos: selvagens,
preguiçosos, violentos... A mídia televisiva e impressa, em geral, no
favorecimento dos proprietáriosagrários, tem justificado o extermínio,
inclusive físico, de “minorias” cujo propósito principal seria o de
impedir o desenvolvimento econômico do país. Os preconceitos têm
sido mantidos efetivamente, por amplossetores da sociedade incluindo,
nesse processo constante de discriminação, uma percepção arraigada
de serem povos “sem história”.

A dimensão da luta dos povosindígenas, dessa forma,é uma problemática


central para as formulações das propostas educacionais com vistas
à construção de um currículo no quala diversidade cultural sealia ao
direito de preservação de formas de vida diferenciadas do modelo
capitalista globalizado. A proposta curricular apresentada em dois
artigos, aparentemente simples, pela Lei n. 11.645 de 2008 é, portanto,
revestida de uma complexidade que ultrapassa aformulaçãoeintrodução
de conteúdos sobre aspectos da história e da cultura de populações
indígenas.

Torna-se importante assinalar que a Lei n. 11.645 relaciona-se ao


processo de lutas de movimentos indígenas internacionais, em
especial da América Hispânica, e ao reconhecimento coletivo definido
pelas Nações Unidas cuja tônica educacional tem proporcionado a
constituição de novos paradigmas para a educação das sociedades

160

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

indígenas. As reivindicações sobre direitos constitucionaise jurídicos


possibilitaram a criação de escolas diferenciadas com base legal
para as comunidades indígenas (MONTE, 2001). Nesse processo
foi garantido o direito de haver escolas indígenas especiais pela
Constituição Federal Brasileira de 1988, escolas estas constituídas
em suas comunidades sob nova conceituação: escolas diferenciadase
bilíngües. Pela primeira vez, portanto, se reconheceu a possibilidade
de uma educação escolar voltada para a manutenção e preservação
cultural dos povos indígenas. Houve o reconhecimento de formas
de educação junto aos indígenas que não tenham como objetivo
exterminar sua cultura mas, ao contrário, tornar a escolarização em
instrumento deapoio à sua preservação e manutenção de tradições,
além de serem dirigidas pelos próprios professores indígenas). Por
intermédio de medidas legais expressas na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional de 1996 e no Referencial Curricular Nacional
para as Escolas Indígenas (Brasil, 1998), tem havidoganhos políticos
significativos apesar dos entraves enfrentados nas práticas cotidianas
dessas escolas diferenciadas comprojetos curriculares interculturais
(BRITO, 2012).

Os currículos com base na diversidade cultural constituídos pelas leis n.


10.639/03 e n. 11.645/08, estão, assim, vinculados a um jogo político
cujos protagonistas principais têm sido os vários grupos dos Movimentos
Sociais. Ambiguidades e contradições estão presentes nas formulações
legais, nas diretrizes curriculares com vistas à sua implementação
conformeapontam algumasanálises (PEREIRA, 2008; MATTOSe ABREU,
2008). No entanto, ostextos curriculares elencados expressamomomento
vivido que, em meio a uma aparente ordem institucional, seapresenta
como ganhos importantes de intervenção de grupos sociais em lugares
anteriormente ocupados exclusivamente por técnicos e intelectuais
especialistas. Afala de Andila Nivygsãnh Inácio, professora Kaingang do
Rio Grande do Sul explicita alguns dos pressupostos curriculares em suas
possibilidades transformadoras:

A conquista dessa lei é uma dádiva que os povos indígenas oferecem


às escolas não indígenas, para que todos os americanos tenham a
oportunidade de estudar a sua história, a história da sua ancestralidade.
(ApudBERGAMASCHI, 2008, p. 77.)

161

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

Desafios para implementação dos currículo interculturais

Vencida a etapa de elaboração de currículos com base na pluralidade


cultural cuja característica principal foia forma inédita de participação
dos movimentos sociais, cabeentão, uma reflexão sobre os desafios para
a implementação de seus conteúdos articulados a propostas de políticas
de ações afirmativas em relação às populações afrodescendedentes e
indígenas.

As formas de implementação dos conteúdos e práticas escolares


propostospela Lein. 10.639/03 foramapresentadas, conforme assinalado
anteriormente, pelo documento Diretrizes Curriculares Nacionais paraa
Educação das Relações Étnico-Raciaiseparao Ensino de Históriae Cultura
Afro-Brasileira e Africana de 2004. Por intermédio do texto é possível
identificar que seatribui às escolas uma preponderância nas decisões de
efetivação do currículo proposto. Ressalta-se, pelos documentos oficiais,
que muitos professores já vinham desenvolvendo projetos nesse sentido
e que cabe uma articulação efetiva dos setores educativos para maior
circulação das propostas pedagógicas que vêm sendo realizadas. Pelo
documento das Diretrizes a sugestão é a de que o projeto pedagógico
deve-sevaler “da colaboração das comunidades a que a escola serve, do
apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os
quais estabelecerão canais de comunicação” (BRASIL, 2004). Como em
toda proposta curricular, aatuação do professor éessencial para queum
currículo prescritivo se transforme em currículo interativo. Assim, um
dos desafios éo problema da formação dos professores cuja trajetória
tem sido a de trabalhar com currículos homogeneizadores quanto aos
aspectos culturais. Trata-se, portanto, naatual conjuntura, de seproduzir
uma formação de professores para a diversidade cultural.

A proposta das leis indica formas de introdução de temáticas sobre a


história da África, indígena esobreas demais culturas, concebendo-asem
suas múltiplas dimensões. Nãose trata de introduzir História ou cultura
daÁfricae Históriae culturadospovosindígenas no Brasilcomo maisuma
das disciplinas curriculares, mas como temáticas a serem introduzidas
ao longo do ensino fundamentale médio. Existe, nesta perspectiva, uma
proposta de interferência em práticas sedimentadas por professores

162

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

de diferentes formações do ensino fundamental e médio. Trata-se de


inovar tradições conceituais e metodológicas que têm fundamentado
os diferentes conteúdos escolares das disciplinas, embora o texto oficial
destaque o ensino da Literatura, Artese História. Nesse sentidotem sido
evidenciado o papelainda pouco relevanteatribuído a pesquisadorese
professores universitários para aimplementação da proposta. Aproposta
das Diretrizes Curriculares coloca de maneira ambígua o apoio dossetores
acadêmicos, dando destaque maior aos conhecimentos produzidos pelo
Movimento Negro, mas é fundamental indagar sobre a atuação das
universidades tanto no que se refere às pesquisas sobre as diferentes
temáticasapontadas pelos documentos oficiais quanto à sua atuação nos
cursos de formação de professores.

Éimportante perceber que no caso dos temas do currículo proposto


pela Lei n. 10.639/03 a participação dos professores universitários
foi bastante limitada, ao contrário de outras propostas curriculares.
No caso da História da África, as universidades têm-se mobilizado
para introduzir a disciplina nos currículos acadêmicos sendo que
esta era oferecida como obrigatória em apenas duas Universidades
anteriormente à Lei n. 10.639/03 (PEREIRA, 2012). Desta forma, houve
uma inversão no percurso da constituição dos conteúdos escolares que
aoserem concebidos para as escolas de nível básico, forçaram, em certa
medida, a criação de disciplinas acadêmicas para a formação dos futuros
professores. A necessidadeem atender ao currículo escolartem induzido
a criação de disciplinas na academia e o esforçoatual é de ampliar, em
várias instituições, as pesquisas sobre históriae literatura africanas que
começam a ganhar maiorescopo nos últimosanos.

Sobre os temas educacionais mais específicos, estes têm ampliado as


pesquisas sobre currículose sevoltado para ossignificados de diversidade
cultural, interculturalidade, multiculturalismo conferindo significados
específicos no tratamento e o uso desses conceitos. Os estudos sobre
currículos na América Latinatêm proporcionado reflexões significativas
sobre os conhecimentos considerados universais eaqueles particulares
de cada grupo social (CANDAUe MOREIRA, 2008). As aproximações
entreas pesquisas acadêmicase formação de docentes necessitam, desta
forma, se articularem no contexto de propostas de intercâmbios entre
práticas escolares easatualizações das investigações das novas temáticas

163

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

assim como em suas reflexões sobre os fundamentos conceituais e


metodológicos.

Osdesafiosparaquesejamintroduzidosestudosescolaressobreliteratura,
artes, história são de diversas naturezas. Como trabalhar coma literatura
africanaea indígena? Épossível, a partir dessa literatura, repensar o
significado dos “clássicos da literatura” tradicionalmente ensinados?
Como selecionar leituras escolares e como apresentaras formas orais de
uma literatura associada a mitos? Como trabalhar comalunos as formas
de registros diversificadas no mundo das artes e da história, transpondo
ou ressignificando os valores das culturas ocidentais?

Para o caso específico de História da África e da História Indígenao


problema é complexo por desafiar os pressupostos do etnocentrismo
europeu. Novamente o texto das Diretrizes Curriculares Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de Históriae Cultura Afro-Brasileira e Africana indica
possibilidades, mas não contribui para a compreensão das mudanças
epistemológicas necessárias para a superação de uma matriz reducionista
na formação da naçãobrasileira:

Éimportante destacar que nãose trata de mudarum foco etnocêntrico


marcadamente de raiz européia porum africano, mas de ampliaro foco dos
currículos escolares para a diversidade cultural, racial, sociale econômica
brasileira.Nestaperspectiva, cabeàsescolasincluirnocontextodosestudos
eatividades, que proporciona diariamente, também as contribuições
histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos,
além das de raiz africana e européia. (BRASIL, 2004.)

O etnocentrismo europeu, é preciso salientar, está profundamente


arraigado na nossa formação histórica. Pela tradição escolar no ensino de
História, apenas exemplificando, nossa história tem de começarna Grécia
ou no antigo Oriente Médio por serem concebidos como o “nosso lugar
de origem”. O Egitoantigo pertence a esse lugar de origem do mundo
ocidental e, na perspectiva da lógica européia, não faz sequer parte da
história da África. Nos cursos escolarese acadêmicos seconstituiu esse
referencial de tempo e espaço que tem impossibilitado situarmos outras
“Raízes” para o Brasil.

164

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

Os desafios para os estudos da história dos povos indígenas sãoainda


maiores considerando que a historiografia tem relegado tais grupos
a “povos sem história” conforme afirmação do famoso historiador
Adolfo Varnhagen em sua História Geral do Brasil, publicada em 1854.
Reverter essa crença histórica tem sido uma árduatarefa que exige
aprofundamentos teóricos e metodológicos para análise de fontes,
para seleção de temase conceitos para estudos de uma variedade de
sociedades e culturas, falantes de muitas línguas que desafiam estudos
de linguistas. Assim, não é tarefa fácil realizar uma reflexão sobre a
diversidade de nossas Raízes para além da Europa ocidental, assim
como conceber as comunidades indígenas contemporâneas como nosso
importante patrimônio histórico e cultural.

Um outroaspectofundamental que mereceser objeto de reflexão quanto


aos desafios para a efetivação dos currículos refere-se às políticas
realizadas pelas diversas Secretarias de Educação às quais cabeefetiva
e legalmentea tarefa de implementação curricular.

Algumas das pesquisas sobre a implementação das leis n. 10.639 de


2003 e n. 11.645 de 2008 têm apontado para inúmeros problemas, em
especial, sobre cursos de formação docente continuada. A formação
continuada é, obviamente, necessária considerando que os professores
têm mostrado inquietações constantes sobre seleção de conteúdos
e abordagens para efetivar uma proposta de implementação de
diversidade cultural, além das demandas sobre materiais didáticos
adequados. As ofertas de cursos, entretanto, segundo alguns estudos,
dependem da pressão dos próprios movimentos sociais eas variações
ocorrem deacordo com as políticas de cada Estado (PEREIRA, 2008).

No Estado de São Paulo, exemplificando, as dificuldades de efetivação


curricularesbarramemconfrontosmaiscomplexos.Em2008,aSecretaria
de Educação elaborou um novo currículo cuja centralidade se mantém
na versão eurocêntrica criada em meados do século XX, em especial
para o ensino de História. E, ainda maisagravante, os professores, de
maneira bastanteinusitada, devem seguir, obrigatoriamente, o currículo
com base em material especialmente criado para sua implantação. Desta
forma, os cursos de formação de professores paraatender as leis n.
10.639/03 e n. 11.645/08 nãose tornam mais necessáriosassim como

165

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

os currículos propostos frente à diversidade cultural têm se tornado


“letra morta”.

aatuação de algumas das secretarias de educação, tanto estaduais


como municipais, se pauta de acordo com suas próprias políticas
e concepções que, em muitos casos, permanecem envoltas em
conservadorismos arraigados da cultura escolar. Criam-se, portanto,
formas de políticas de resistência frente às propostas deinovações que
possam retirar do centro do conhecimento escolara tradiçãoelista do
saber. Modelos curriculares conservadores são apoiados por parte de
setores que detém poderes políticose culturaise reagem de maneiras
variadas diante de propostas de renovação epistemológica dos
currículos escolares e das evidentes mudanças de formação política
que as sustentam. Muitas manifestações desses grupos expressam
essa tendência de rejeição às leis n. 10.639 de 2004 e n. 11.645 de
2008 como bem explicita o editorial do jornal o Estado de S. Paulo, de
2010:

Introduzidas no currículo do ensino médio para afirmar teses


“politicamente corretas” ou em resposta a pressões ideológicas e
corporativas, disciplinas como cultura indígena e cultura afro-brasileira
estãoagravando as distorções do sistema educacional brasileiro.

(…) Não bastassea dificuldade quejá enfrentam paraensinaraos alunos


as disciplinas básicas, como português, matemáticae ciências, ao serem
obrigados a lecionar disciplinas criadas com o objetivo de resgatar
a “dívida histórica com a escravidão” e a dívida social com os “povos
da floresta”, muitos professores acabam perdendo o controle de seus
cursos, transformando-os em verdadeiros pastiches de informações
ideologicamente enviesadas.

Não são disciplinas como cultura afro-brasileira e cultura indígena


que vão reduziras disparidades de renda. Como tem sido evidenciado
pelas recentes e bem-sucedidas experiências de países como a Coréia
do Sulea Índia, só a formação básica de qualidadegarantea redução da
pobreza e assegura o capital humano necessário auma economia capaz
de ocupar espaços cada vez maiores no mercado mundial. (Oinchaço do
currículo. O Estado de S. Paulo, de 20/08/2010).

166

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

Considerações finais

As reflexões sobre os conteúdos das leis n. 10.639/03 e n. 11.645/08


em uma abordagem histórica indicaram problemas da constituição de
currículos pautados na diversidade cultural em consonância com as
políticas públicas cujatônica éainclusão social. Na história da elaboração
de currículos normativos, estes se constituíram de forma diferenciada
de outros momentos ao se identificar seus principais elaboradores,
representantes de movimentos sociais que produziram uma série
de outros documentos normativos para a efetivação da proposta. Os
problemas decorrentes dessa inovação curricular, tanto na forma como
no conteúdoainda estão presentes esão de diferente natureza. Aatuação
de representantes do Movimento Negro e do Movimento Indígena na
confecção dos currículos colocou professores e agentes educacionais
como principais interlocutores e responsáveis pela implementação nas
salas deaula. Decorre dessa opção as dificuldades de diálogos com a
produção acadêmica que, de forma ainda incipiente, têm enfrentado
os novos desafios frente a novos conteúdos e práticas propostas para
o ensino escolar e para a formação de professores. Nesse processo,
enfrenta-seatualmente uma série de problemas para sua implementação,
havendo necessidade de várias estratégias para superar preconceitose
discriminações em relação aos grupos afrodescendentes e indígenas
para que estes possam efetivamente estarem junto com os tradicionais
descendentes de europeus na históriae na cultura escolar. As abordagens
da história e da cultura de grupos e sociedades até então excluídos
do currículo exigem transformações de diversas naturezas, tanto de
caráter político quanto epistemológico, e sua obrigatoriedade tem sido
questionada por setores conservadores com amplopoder de persuasão,
situação que demonstra os “lugares” da resistência às transformações
propostas por uma aparente inclusão de conteúdos na grade curricular
de determinadas disciplinas. Torna-se, assim, necessário indagar sob
quais condições os conteúdos e debates sobre a diversidade cultural se
efetivarão nas práticas escolares (ou como têm se efetivado) uma vez
que suas finalidades essenciais correspondem a formas de transmissão
eacessoao conhecimento que conduzem à constituição de identidades
em seu sentidoplurale que, necessariamente, esbarram em uma história
educacional cuja base é a formatação de uma idéia de identidade única,

167

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

de uma identidade nacional inserida na internacional civilizatória, cuja


consequência mais visível tem sido a manutenção da exclusão social por
intermédio da escola.

Referências bibliográficas

BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Tradição e memória nas práticas escolares Kaingange


Guarani. Currículo sem Fronteiras, v. 10, 2010, p. 133-146.

BRASIL. Lein 11.645 de 2008. Altera o artigo 26 da Lei 9.394 de Diretrizese Bases da
educação Nacional de 1996.

BRASIL. Ministério da Educação / Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


curriculares Nacionais/Temas Transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das


Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Brasília: MEC, 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Referencial CurricularNacionalpara as Escolas Indígenas.


Brasília: MEC/SEF, 2002.

BRITO, Edson Machado de. A educação Karipuna do Amapá no contexto da educação


indígena diferenciada na aldeia do Espírito Santo. Tese (Doutorado em Educação: Historia,
Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

CANDAU, Vera; MOREIRA, Antonio Flavio (orgs.). Multiculturalismo: diferenças culturais


e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2008.

GIMENO SACRISTÁN, José. Currículo e diversidade cultural. In SILVA, Tomaz; MOREIRA,


Antonio Flavio (orgs). Territórios contestados. O currículo e os novos mapas políticose
culturais. Petrópolis: Vozes, 1995, p.82-113.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Oíndiono Brasil. In COSTA, Marcos (org.) sergio buarque
de Holanda. Escritos Coligidos. Livro I 1920-1949. São Paulo: Editora Unesp; Fundação
Perseu Abramo, 2011, p. 93-173.

168

Junqueira&Marin Editores
REflExõEssobRE cuRRículoE divERsidadE cultuRal

MATTOS, Hebe Maria; ABREU, Martha. Em torno das “Diretrizes Curriculares nacionais
para a Educação das Relações Étnico Raciaise para oensino de Históriae Cultura Afro
brasileira e Africanas”: Uma conversa com historiadores. Rio de Janeiro, vol. 21, nº41,
2008, p. 5-20.

MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo: Cortez, 1997.

MONTE, Nietta Lindenberg. Educação e sociedades indígenas no Brasil. In educação no


brasil: história e historiografia. Revista Ensino de História. Campinas: Autores Associados;
São Paulo: SBHE, 2001, p. 99-110.

PEREIRA, Junia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-identitária?


Desafios do ensino de históriano imediato contexto pós-lei 10.639/03. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, vol. 21, nº41, 2008, p. 21-44.

PEREIRA, Márcia Guerra. História da África, uma disciplina em construção. tese


(Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2012.

RODRIGUES, João Jorge Santos. A eficácia de uma lei na educação brasileira. In ROCHA, M.
Josée PANTOJA, Selma (orgs.). Rompendo silêncios. História da África nos currículos da
educação básica. Brasília: DPComunicações Ltda., 2004, p.91-92.

SILVA, Tomaz Tadeu. documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo.


Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

169

Junqueira&Marin Editores
PARTE IV

ESCOLA E DEFICIÊNCIA
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

AinjustiçA institucionAlizAdA:

construçãoe uso dA deficiênciA nA escolA

Thomas M. Skrtic
University of Kansas

Aeducação de alunos com deficiências nos Estados Unidos é


regidapelo individuals with disabilities education Act (ideA),
que tem como premissa seis princípios – rejeição zero, educação
apropriada, ambiente menos restritivo, avaliação não-discriminatória,
participação dos pais, com direito processual (turnBull, stoWe e
HuertA, 2007)1. As disposições associadas com os primeiros quatro
princípios especificam os procedimentos a serem seguidos pelas
escolas, a fim de conferir a cada estudante coberto pelo IDEAo direito
a uma “educação apropriada no ambiente menos restritivo” (p. 44),
enquanto aqueles associados comos dois últimos princípios constituem
garantias processuais queos alunos e pais usam para que as escolas
responsáveis cumpram os quatroprimeiros princípios. Cada princípio
substantivo envolve um reconhecido problema da educação especial.
Ostrês primeiros envolvem formas históricas de discriminação contra
crianças com deficiência nas escolas públicas dos EUA – exclusão,
instrução ineficaz e segregação (DUNN, 1968; MERCER, 1973). O
princípio daavaliação não discriminatória envolve o problema de longa
duração do viés etno-racial e de classe social na educação especial,
na forma de discriminação contra os estudantes pobres, da classe
trabalhadora e das minorias etno-raciais com ou sem deficiência, que

1 o estatuto original, o Education for All Children Handicapped Act, de 1975, foi reiterado em 1990 como
IDEA, que éutilizado abaixo para se referiraambasas leis.

173

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

são desproporcionalmente referidos e considerados elegíveis para a


educação especial, classificadoscomas deficiências maisestigmatizantes
e colocados nos ambientes mais restritivos (HARRYeKLINGNER, 2006;
SKIBA, SIMMONS, RITTER et al., 2008).

O estabelecimento desses princípios no IDEA foi o resultado de uma


luta política igualitária por parte dos pais, deativistas dos direitos
civis e da deficiência e acadêmicos contra as escolas públicas, que
“adotavam múltiplas formas de exclusão e desigualdade... [e procurou]
soluções democráticas para os problemas da educação especial” (ONG
DEAN, 2009, pp. 13-14). Os defensores da lei argumentavam que os
grandes objetivos sociais daigualdade e da inclusão seriam assegurados
pela adoção de seus princípios substantivos nas escolas, incluindo
disposições que exigem o desenvolvimento de um plano individualizado
de ensino (IEP) para cada alunoatendido (ONG-DEAN, 2009). O IEPé o
mecanismo central de responsabilidade da lei, pelo qual as cláusulas de
salvaguarda processual dão aos pais o direito de participar no processo
de desenvolvimento do IEPe contestar os seus resultados. Esses direitos
eram considerados essenciais, porque o ideA poderia questionar muitas
escolas que tinham excluído e segregado as crianças com deficiência,
paragarantiroseu direito a uma educação adequada noambiente menos
restritivo (KURILOFF, 1985). Apesar de se reconhecer que essas escolas
“não poderiam por sisó maximizaro potencial educativo de cada criança”
(CLUNE e VAN PELT, 1985, p. 13), aceitou-se que o processo do IEP
proporcionaria “o envolvimento dos pais e proteção” o suficiente (p. 13)
para assegurar que elas ofizessem cumprindo disposições substantivas
do IDEA.

Além do seu valor na maximização do potencial de cada criança, os


defensores da deficiência viam a participação dos pais e dos direitos
processuais como vitais para a concretização das reformas escolares
sistêmicas necessárias para resolver os problemas da educação especial.
seus autores previam que audiências, como processos substantivamente
orientados, resultariam em “pressão sistemática sobre os sistemas de
ensino” para realizar tais reformas (CLUNE e VAN PELT, 1985, p. 13).
Para esse fim, os defensores da deficiência queriamum sistema baseado
em precedentes, em que os resultados das audiências individuais
fossem “seguidos em todos os níveis, produzindo um padrão geral

174

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

de cumprimento” (p. 14). Além disso, eles previam que esse sistema
amplamente aberto ao público, com organizações de defesa sem fins
lucrativos que representassem os interesses coletivos de crianças com
deficiência e suas famílias, levaria à melhoria contínua da educação
especial em todo o paísatravés da difusão de normas práticas comuns
(KIRP, BUSS e KURILOFF, 1974). Em relação à discriminação de classe
sociale etno-racial em educação especial, a participação dos paise dos
direitos processuais foram valorizados mais amplamente do que os
dispositivos sobre avaliação não-discriminatória (ONG-DEAN, 2009),
na suposição de que, ao tornar públicas as razões para a classificaçãoe
colocação de cada aluno, a desaprovação da comunidade sobre decisões
inválidas aliviaria esse viés e “forçaria o ajustamento [da prática de
educação especial] para uma direção saudável” (KIRP et al., 1974, p.
121).

Embora a democratização da tomada de decisões através da


participação dos pais e dos direitos processuais tenha sido essencial
para a reforma sistêmica da escola, a concepção e a implementação
desses componentes da lei acabaram por solapar essa possibilidade.
em vez de um sistema baseado em precedentes de audiências públicas
e de defesa coletiva, as audiências atuais são assuntos privados
“centrados no plano educacional ‘individualizado’ para cada aluno”
(ONG-DEAN, 2009, p. 25), subvertendo, portanto, a ação conjunta e
a reforma sistêmica.2 como resultado,em vez de avanço apropriado,
a educação inclusiva, a eliminação das desigualdades raciais/étnicas
e de classe, que favorecesse que os pais fossem participantes ativos
na tomada de decisões institucionais, o IDEA “fundamentalmente
permitiu que os paisampliassem disputas técnicase individualizadas
sobre os diagnósticos e as necessidades de seus filhos com deficiência”
(p. 10). Além disso, no que respeita à promoção da igualdade sociale
inclusão na sociedade, essas disposiçõese a sua interpretação judicial
tornaram o IDEA “menos uma base para a reforma sociale mais uma

2 Os pais podem solicitar audiências abertas, mas poucoso fazem; apesar das transcrições das decisões
de audiência estarem disponíveis publicamente, elas normalmente não são usadas pelos pais ou por
grupos de defesa na forma do previsto ajuste ao precedente. Além disso, desde a decisão do Supremo
Tribunal, em 1982 (Hendrick Hudson School District v. Rowley), a maioria dos tribunaisinferiores reviu
as decisões de audiência de acordo com seu raciocínio legal, adiando as conclusões defato para as escolas
e os profissionais (ONG-DEAN, 2009).

175

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

chamada para a gestão técnica melhorada de casos individuais” (p.


31)3.

embora o ideAtenha sido produto de um movimento social igualitário e


democrático, no final, esses impulsos foram minados pela falha de seus
idealizadores para entender a natureza e o funcionamento das escolas
como organizações institucionalizadas, o que limitou sua capacidade de
conceber um estatuto capaz de proporcionar mudanças significativas.
Como resultado, em vez de soluções democráticas para reconhecidos
problemas de educação especial, o IDEA deixa intacta e legitima a
origem desses problemas – a organização convencional da escola – como
veremos, uma forma de organização que constróisocialmente“estudantes
com deficiência” ea educação especial para esconder seus fracassos
(Skrtic, 1991b), incluindo usá-los de formaa oprimir com impunidade
estudantes de minorias economicamente desfavorecidas e etno-raciais
(SKRTIC, 1995, 2003; SKRTICe MCCALL, 2010). Além disso, em vez
de envolver os pais e defensores dos alunos com deficiências em um
processo democrático de reforma da escola, o IDEAapenas permite que
os pais individualmente elaborem desafios técnicos estreitos em relação
ao diagnóstico escolar da deficiência de seus filhose à interpretação das
suas necessidades e dos encaminhamentos (ONG-DEAN, 2009). Isso não
sótem silenciado preocupações sociais mais amplas sobre o sistema de
educação especial, mas, reduzindo os seus problemas a casos isolados,
também criou “um ambiente individualizado e competitivo” (p. 14), que
favorece os pais privilegiados, perpetuando assimas desigualdades de
classee etno-raciais da educação especiale as hierarquias sociais que as
sustentam.

A seção seguinte sobre a implementação do IDEA vai expandir essas


e outras consequências não intencionais do ideA, a partir de uma
perspectiva organizacional. Em preparação para essa análise, a seção
seguinteapresenta um quadroanalítico para a compreensão de escolas
como organizações institucionalizadas que reconstroem a diferença

3 Desde Rowley, os tribunais federais têm sido menos inclinados para aceitar os desafiosà autoridade da
escola, como aqueles de antidiscriminação anteriores ao IDEA. Agora, os desafios são confinados em
grande parte às audiências processuais, onde “as disputassão individualizadas ealtamente técnicas (...),
[limitando] o impacto que podem ter sobre os outros casos” (ONG-DEAN, 2009, p. 33).

176

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

como deficiência, usama educação especial para resistir a mudançase


discriminam com impunidade estudantes com deficiência, econômicae
culturalmente diversos. Dessa forma, o quadro é usado naseção seguinte
paraavaliar criticamente o status da reforma da educação especial no
âmbito do IDEA, isoladamente e em conjunto com a “reforma baseada
em padrões” segundo o modelo de prestação de contas do No Child Left
Behind Act (NCLB), de 2001, medida de reforma com a qual ela tem
sido integrada.4 A revisão mostra como e por que o ideA perpetua as
injustiças que deveria eliminar, introduzindo e sustentando novas, e
defende uma transformação crítica da educação (especial) para resolver
democraticamente osseus problemas históricos.5 finalmente, uma seção
final considera que tipos de políticas e mudanças organizacionais isso
exigiria, bem como a viabilidade detais reformas na cultura políticaatual
dos EUA.

Direitos e Necessidades em Organizações Institucionalizadas

Aalegação de que o IDEA confere direitos substantivos a crianças com


deficiência e seus pais só é verdade em sentido formal; esses direitos
não são plenamenteaplicáveisem escolas públicas dos EUA, contexto
institucional que a lei procura mudar. Essa disjunção entre os direitos
conferidos e concretizados e os relacionados problemas relativos à
diminuição dos problemasatuais, bem como a preservação e extensão
das desigualdades, não são exclusivos paraatualização dos direitos
atuais dos deficientes nas escolas. São reconhecidas as insuficiências

4 NCLB éa mais recente reautorização da lei de ensino Básico e secundário, de 1965 (ESEA), uma parte
fundamental da Guerra contra a Pobreza, de 1960, que forneceu assistência educacional federal para
escolas queatendema comunidadese criançascarentes.Aavaliação baseada em padrõesusa os resultados
de testes padronizados paraavaliaro desempenho escolar (ELMORE, ABELMANN e FUHRMAN, 1996).
Em suas reautorizações, de 1997 e 2004, o IDEA foialinhado ao NCLB, a ponto de seu mecanismo de
prestação de contas passar de um cumprimento das disposições dos procedimentos para o desempenho
dos testes dos alunos (KLEINHAMMER-TRAMILLe GALLAGHER, 2002). Vejaabaixo.

5 A palavra “especial” está entre aspas, para indicar que uma transformação da educação especial requer
uma transformação mais fundamental da própria educação, na qual as escolas já não precisem de um
sistema separado de educação especial para escondersuas falhase, assim, mantera sua legitimidade (ver
SKRTIC, 1991b, 1995, 2005; abaixo).

177

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

do quadro legal dos direitos liberais que subscreve o ideA e outras


legislações sobre deficiência e direitos civis. A crítica ao discurso dos
direitos legais, ou “falar de direitos”, como uma estratégia política, está
ligadaaofato de queelaéindeterminada elegitimamente-indeterminada,
pois ovalor de um direito em eliminara injustiça é determinado pela
estrutura e os compromissos políticos do seu contexto institucional, e
nãopelo próprio direito; legitimadoporque, sobaaparência de conferir
direitos em tais contextos, legitima o exercício continuado do poder
político sobre os sem-poder (CRENSHAW, 1988; KELMAN, 1987). Em
resposta à crítica “pós-direitos”, estudiosos juristas afro-americanos
conferem aos direitos citados aqueles alcançados pelo movimento
dos direitos civis nos euA, enquanto os criticam pela indeterminação
e legitimação de seus efeitos. Em resposta, eles cunharam uma
“jurisprudência de reconstrução” (Harris, 1994, p. 744) paraatualizar
nas práticasos direitos civis formais, que reflitamas necessidades reais
e os compromissos políticos das comunidades negras (crensHAW et
al., 1995; WILLIAMS, 1991).

Hoje, o movimento norte-americano dos direitos das pessoas com


deficiência está posicionado de forma semelhante ao mais amplo dos
movimentos dos direitos civis6. Tem-se usado com sucessoa expressão
“direitos” para estabelecer os direitos das crianças com deficiência e
suas famílias, masaefetivação desses direitos nas escolas é, na melhor
das hipóteses, indeterminada, institucionalmente mediada, e ineficaz,
especialmente para criançase famílias economicamente desfavorecidas
e culturalmente diversas.7 como tal, os direitos indeterminados e
legitimadores do IDEA devem ser reconstruídos de modo a refletir
as necessidades reais e os compromissos políticos da comunidade de
deficientes e, em relação à desproporcional representação etno-racial
e de classe social na educação especial, também das comunidades
afetadas. No entanto, a reconstrução dos direitos dos deficientes nas

6 “Movimento dos direitos dos deficientes”aquise refereao movimento social maisamplo queacompanhou
os movimentos dos direitos das mulherese de direitos civis nos EUA; parte desse movimento, dirigida por
pais eativistas, pressionou e conseguiu o IDEA.

7 Sobrea interseccionalidade de raça, classe, gênero e deficiência, ver Connor (2008) e McCalle Skrtic
(2009).

178

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

escolas requer mais do que uma reconstrução dos direitos no IDEA.


Compreender a indeterminação do IDEA requer teorização do contexto
institucional em que os direitos reconstruídos dos deficientes devem
ser conferidos. Isso requer o reconhecimento do papel das instituições
na criação de justas condições para a realização desses direitos, bem
como a consideração específica das condições que possibilitariam a sua
efetivaçãoe manutenção. Além disso, tal teorização também exigiriauma
clareza sobre o que a injustiça é nesses contextos, o que implica averiguar
como ela é promulgada e sustentada.

Direitos indeterminados, injustiça institucionalizadae


necessidades políticas

Iris Marion Young (1990) criticou a teoria distributiva de justiça para


otratamento de bens imateriais de John Rawls (1971), como se eles
fossem distribuídos da mesma forma que os bens materiais de rendae
riqueza. Direitos não são coisas, ela argumentou, mas relacionamentos
baseados em processos que são mediados por instituições sociais.
Pelo fato de essas instituições terem sido implicadas historicamente
na construção, opressão e dominação da diferença, Younge sua colega
filósofa-política Nancy Fraser (2008) estão preocupadas em teorizar
o âmbito e a substância da tal “injustiça institucionalizada” (p. 327).
Ambas centram suas teorias em uma concepção robusta da democracia,
argumentando que não podemos saber o que ajustiça exige em situações
sociais particulares, até ouvirmos, ainda que criticamente, indivíduos
e grupos que estão sofrendo várias formas de dominação ou opressão
institucionalizada (FRASER e HONNETH, 2003; YOUNG 1990). Como
teóricas críticas, ambas fazem da crítica da injustiça institucionalizada
a prioridade do seu interesse emancipatório no desmascaramento da
dominação, ou como Fraser (2008, p. 336) colocou, na formulação de
uma“teoria crítica da (in)justiça.”

Aestudiosa jurista Martha Minow (1990) criticou o discurso dos direitos


porque quase sempre resulta em reformas incrementais que deixam
intactas as fontes institucionais de injustiça. Como uma alternativa para
uma abordagem exclusivamente focada nos direitos à justiça, ela propôs

179

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

uma“abordagem de relações sociais para otratamento legal da diferença”


(1990, p. 172) que, tal como a interpretação relacional dos direitos de
Young (1990), localiza os “direitos em relação” (p. 282). Além disso, como
propõem Young (1990, 2000) e Fraser (1989, 2008), a abordagem de
relações sociais de Minow trata as instituições sociais existentes como
fontes do problema da diferençaenão como um fundo neutro, analisando
a diferença em termos “das relações que a constroem” (p. 112). Nesse
sentido, ela relacionaa origem de arranjos institucionaisinjustos nos euA
aos reformadores progressistas do início do século 20, elogiando-ospela
promoção de políticas de cuidados e proteção dos cidadãos dependentes
e vulneráveis, ao mesmo tempo que critica as instituições burocráticas
que eles criaram para colocá-las em ação, por não dar voz aos seus
beneficiários, por falta de uma “genuína democracia”, através da qual eles
poderiam “compartilhar as decisões sobre seu futurocoletivo” (p. 264).
Dessa forma, como Younge Fraser, Minow argumentou que não podemos
saber o que a justiça exige a não ser que aqueles que estão sofrendo
injustiça institucionalizada tenham voz e papel no processo contínuo de
suaeliminação.8

Enquanto Young (2000) e Minow (1990) enfatizam a natureza relacional


dos direitos e a injustiça nas instituições sociais, Fraser (1989a)
está preocupada com a maneira como injustiça é promulgada nessas
instituições, focalizando os processos para a tomada e julgamento
das chamadas necessidades, pelos quais os direitos são estabelecidos
para reconhecer e satisfazer. Isso requer uma compreensão relacional
da trajetória política de tais alegações nas sociedades capitalistas do
estado do bem-estar, para a qual fraser usa o conceito de “necessidades
faladas” (p. 161), uma linguagem política envolvendo disputas sobre
as necessidades das pessoas, bem como se e de que forma o governo
deveria atendê-las. Argumentando que a “necessidade falada” é a
forma dominante do discurso político em tais sociedades, coexistente
com a sua fala sobre os direitos e interesses, ela focaliza as barreirase
oportunidades que surgem aos movimentos sociais que querem tornar

8 Minow localiza a essência do progressivismo nos EUAnaaliança dos reformadores brancos e de classe
média para a organização burocrática e profissionalismo tecnocrático, sendo que ambos, ela observa (e
eu concordo), são incompatíveis coma democracia substantiva. Mas essavisão do progressivismo captura
apenas uma das duas faixas de reforma progressiva, e nãoa avançada de John Dewey, que ela claramente
admira (ver SKRTICe KENT, no prelo; abaixo).

180

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

essas culturas políticas mais justas e equitativas. Sua pesquisa é uma


análise institucional de poder em que “necessidades políticas” são o meio
de luta entre grupos desiguais, um processo através do qual a relação
entre opressão eativismo é promulgada em instituições sociais.9

Achave de compreensão de Fraser (1989) sobreapolítica de necessidades


são dois eixos de necessidades de luta. O primeiro éa luta entre o que ela
chama de discursos de “oposição” e “reprivatização” (p. 171). Discursos
oposicionistassão aqueles dos movimentos sociais que tentam “politizar”
as suas necessidades pela sua reinterpretação de modo a torná-los uma
questão de interesse público e disposição, como a que produziu o ideA
(ver MCCALLe SKRTIC, 2009). Além disso, tais discursos são mais do
que discursos de reinterpretação das necessidades.10 Pela politização
de suas necessidades, membros do discurso oposicionista contestam
suas identidades subordinadas e inventam novas formas e veículos
discursivos para elaborar e divulgar suas interpretações alternativas
de necessidades. Como tal, a necessidade falada de oposição é “um
momento na autoconstituição de novos agentes coletivos [políticos]”
(p. 171). Os discursos de reprivatização surgem na resistência aos
discursos de oposição. Eles refletem as interpretações entrincheiradas
das necessidades daqueles que se opõem a provisão estatal para as
necessidades reinterpretadas e, assim, tentam “despolitizar” (p. 172),
argumentando que eles, em vez de ser uma responsabilidade dogoverno,
devem seratendidos dentro da família ou através de serviçosadquiridos
no mercado privado.

O segundo, em grande parte, velado, éoeixo de luta pelas necessidades


que opõe com sucesso discursos oposicionistas a discursos de
especialistas em agências de serviço do governo. Como veículos que
traduzem as necessidades reconhecidas pelo estado em objetos de
intervenção do estado, os discursos de especialistas surgem quando as
necessidades politizadas tornam-se candidatas à provisão do Estado. A

9 Para um tratamento mais abrangente de “política de necessidades da deficiência” ver SKRTIC (2000);
McCalle Skrtic (2010).

10Essas estratégias foram tomadas por membros do movimento de oposição social, que conseguiu o IDEA
(verSKRTIC, 2000).

181

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

questão centralaqui é a “política versus administração” (FRASER, 1989,


p. 174). Administrativamente, os discursos de especialistas traduzem
com sucesso necessidades da oposição reinterpretadas com sucesso
em “necessidades administráveis” (p. 174), reformulando-as em
termos que pressupõem tacitamente as prerrogativas dos profissionais
da agência de serviços, geralmente redefinindo-os conforme as
necessidades já abrangidas por um serviço já existente ou programa,
ou por aquela que pode ser estabelecida como menor incremento de
interrupção do sistema. Politicamente, os discursos de especialistas
simultaneamente recolocam os membros dos movimentos de oposição
como “casos” individuais, transformandoativistas políticos em “vítimas
individualizadas” (p. 176). Como tal, os discursos dos especialistas
também são despolitizadores. Ao final, aqueles que asseguraram
coletivamente o status político de suas necessidades são atomizados
e patologizados, reformulados como vítimas individuais em vez de
membros de um movimento político, posicionando-os como receptores
passivos dos serviços pré-definidos, em vez de agentes envolvidos na
interpretação de suas necessidades e definição das chances de suas
vidas.

Legitimação, estrutura e cultura organizacional

Seas nossas instituições sociais herdadas são injustas, e a análise


dos direitos só leva a reformas incrementais que deixam as fontes
institucionais de injustiçaintactas, o queacontece comessas instituições
que as tornam injustase, como tal, como é que elas sobreviveram por
tanto tempo? nossa capacidade de responder a essasperguntasavançou
consideravelmente na década de 1980 como advento de duas teorias:
a teoria da configuração (MINTZBERG, 1979, 1983, 1989), preocupada
com a natureza e os efeitos de estruturação organizacional, e a teoria
institucional, ligada aos processos deinstitucionalização das organizações
e seus efeitos sobre a forma como as organizações respondem a seus
ambientes sociais. Com relação à primeira, a teoria institucional
enfatiza a construção social das regras, mitos e crenças institucionais às
quais não se dá valor nas organizações, mas que guiam opensamento
ea ação (POWELLe DIMAGGIO, 1991), e com relação a este último, os

182

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

efeitos desses processos culturais sobre as características estruturais


das organizações (MEYER e ROWAN, 1977; SCOTTe MEYER, 1987) e
da natureza da mudança organizacional (MEYER, M. W. 1979; ZUCKER,
1981, 1988).

Segundo a teoria da configuração, a estrutura de uma organização


é determinada pela “soma total das maneiras com que ela divide seu
trabalho em tarefas distintas e, em seguida, alcança a coordenação
entre elas” (MINTZBERG, 1979, p. 2).11 dado que as escolas utilizam
especialização e profissionalização, respectivamente, para dividir
e coordenar o seu trabalho, elas se configuram como burocracias
profissionais (MINTZBERG, 1979, 1983). A divisão especializada
do trabalho coloca alunos com necessidades para os professores
especialistas que têm um repertório de práticas correspondente;
a profissionalização alcança a coordenação pela padronização das
práticas dessas especializações através da formação profissional.
Como tal, as escolas são organizações-performance, estruturas de uma
maneira tal que os professores em diversas especializações aplicamas
suas próprias práticas padronizadas para alunos com correspondentes
constelações de necessidades. Há algum espaço para a adaptação,
mas os profissionais não inventam novas práticas para clientes
com necessidades desconhecidas (SIMON, 1977; WEICK, 1976). Em
princípio, as escolas são inerentemente não adaptáveis ao nível micro
do professor; quando os professores se deparam um aluno cujas
necessidades estão fora das suas práticas padrão, suas necessidades
devem ser forçadas artificialmente em uma prática padrão disponível,
ou ele deveser forçado a deixara relação profissional-cliente para entrar
noutra relação junto com um especialista que presumivelmente tem
as práticas adequadas às necessidades do aluno (MINTZBERG, 1979,
1989). Em vez de se adaptarà diversidade ao nível do professor, a escola
a enquadra, retirando-a das salas deaula regulares e contendo-aem
separado, em programas “especializados” como o de educação especial
(SKRTIC, 1991a, 2003; abaixo). Essetipo de dissociação [discoupling] é
possível nas escolas porque a especialização e profissionalização criam
em conjunto formas de interdependência de baixa integração [loosely

11Outros fatores que afetam a estruturação organizacional incluem a idade, tamanho e ambiente
(MINTZBERG, 1983).

183

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

coupled]12 entre os professores e os programas (MINTZBERG, 1989;


WEICK, 1976). Historicamente, isso tem permitido às escolas dos EUA
mudarem “por acréscimo” (TYACKe HANSOT, 1981, p. 21), isto é, pela
adição de novos programas especializados e salas deaula àestrutura já
existente, “permitindoassim que os educadores absorvam demandas
de mudanças [externas], sem muitos danosaos interesses educacionais
investidos” (p. 21).13 Devido à sua não adaptabilidade ao nível do
professore interdependência de baixa integração entre os professores
e os programas, aestrutura da burocracia profissional das escolas dos
euA requereu etornou possívela emergência da práticainstitucional de
educação especial (SKRTIC, 1991b).

Ateoria institucional postula que a sobrevivência política das escolas


depende da sua capacidade de manter simultaneamente a legitimidade e
a estabilidade (POWELLe DIMAGGIO, 1991). Paramanter a legitimidade,
elas devem ser sensíveis às demandas muitas vezes conflituosas e
às restrições de quatro instâncias – o estado-social (e suas agências
governamentais, estruturas regulamentares, leise tribunais), a profissão
docente, os grupos de interesse influentes e aopinião pública em geral
(DIMAGGIOe POWEL, 1983; SCOTT, 1987) –, o que elas fazem

1) pela reprodução ou imitação de estruturas organizacionais,


atividades erotinas, a fim de responder às exigências legais
e regulamentares e às expectativas culturaise de modelo de
organizações semelhantes percebidas como mais legítimas
ou bem-sucedidas;

2) em conformidade com as expectativas da profissão


(POWELL e DIMAGGIO, 1991, p. 66). Com o tempo, as
estruturas resultantes, as atividades e as rotinas tornam-se
calcificadas, porque envolvema imitação da conformidade,

12Skrtic emprega o temo couple e seu antônimo discouple no sentido de, respectivamente, associar, unir,
integrar e separar, dissociar, dividir (nota do tradutor).

13Embora nesse sentido a educação especial funcione como um dispositivo de dissociação, osseus serviços
podem beneficiar osalunos. Além disso, porque os profissionais defendem suas funções, eles podem
alteraras relações depoder que podem beneficiarasie à sua funçãoe, como consequência, possivelmente
servir melhorseus grupos de usuários (ver RITTI e GOLDNER, 1979).

184

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

hábito eaatividaderitualizada, emvez de escolhaestratégica


reflexiva, levando a aceitação inquestionável das estruturas,
classificações e práticas institucionalizadas (DIMAGGIO,
1988; TOLBERTe ZUCKER, 1983).

Como tal, as escolas definem eestruturam suas atividades em torno de


funções – tais como a educação geralea educação especial – que refletem
distinções categóricas institucionalizadas ou “ritualizadas”, distinções
entre os estudantes, pessoale programas, em vez de avaliaçõestécnicas
de eficácia (MEYER e ROWAN, 1977, 1983; POWELL e DIMAGGIO,
1991). Apesar de a ritualização promover a estabilidade nas escolas, ela
também torna mais difícil para elas responder àevolução das exigências
regulamentares e as expectativas culturais e, especialmente, a mais
mandatos de mudanças pontuadas comoo ideA, que requeremestruturas
eatividades substancialmente diferentes. As escolas, ao lidarem comessas
ameaças à legitimidade e estabilidade, usam “aatividade cerimonial”
(MEYER e ROWAN, 1977, p. 355) e “[dispositivos] de descolamento” (p.
357) para sinalizarao ambiente que elas mudaram, quando, na verdade,
permanecem praticamente as mesmas (MEYER, M. W., 1979; ZUCKER,
1981).

A sala de aula de educação especial segregada é um caso arquetípico


do descolamento da educação pública nos EUA (ver SKRTIC, 1991b,
1995; SKRTICe MCCALL, 2010).14 ela surgiu noinício do século 20 para
separare contera diversidade dos alunos decorrente da obrigatoriedade
deatendimento pela legislação nacional (LAZERSON, 1983; SARASON
eDORIS, 1979; TROPEA, 1987), ajudando a manter a estabilidade nas
escolas e, ao mesmo tempo, proteger sua legitimidade, sinalizando sua
conformidade coma demanda paraa educaçãopública universal (SKRTIC,
1991b, 1995). A representação desproporcional de estudantes pobres, da
classe trabalhadora e de minorias raciais/étnicas na educação especial
é uma outra forma de descolamento. Após a decisão da Suprema Corte
dos EUA, em 1954, em Brown v. Topeka Board of Education, que tornou a
segregação racialilegal, as escolas usaram um dispositivo de separaçãojá
existente – salas deaula segregadas de educação especial – paramanter

14O fato de serem cerimoniais não torna essas alterações necessariamente inconsequentes (POWELLe
DIMAGGIO, 1991; nota 12).

185

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

a legitimidade e estabilidade, ao mesmo tempo desafiando o mandato


Brown, classificando como deficientes números desproporcionais de
estudantes de minorias raciais/étnicas, retirando-os das salas deaula
regulares das escolas nominalmente não-segregadas (SKRTIC, 1995,
2003). Como tal, além de ser responsável pelosurgimento da educação
especial nas escolas dos EUA, aestrutura burocrática profissional – e os
processos institucionais que a sustentam e legitimam – tambéméa fonte
de seus problemas mais intratáveis (SKRTIC 1991b). Além disso, como
veremos, a implementação do IDEA, promulgada especificamente para
resolver esses problemas, é um excelente exemplo de conformidade com
mandatos cerimoniais de mudança externa (ver MCCALLe SKRTIC, 2009;
SKRTIC, 2005).

Análise Institucional da Implementação do IDEA

Esta seção analisa as disposições substantivas e de salvaguarda


processuais do ideA, a partir da perspectiva do quadro institucional
introduzidoacima. Com base nessa análise, a seção conclusiva comenta
o significado sociale os custos dasatuais práticas educativas especiais
dos EUA e as reformas políticas e organizacionais necessárias para
concretizaros objetivos igualitáriose democráticos do movimento social
que produziu o IDEA.

Educação Apropriada

no que diz respeito ao princípio da educação apropriada, o ieP é


largamente simbólico para a maioria dos estudantes cobertos pelo IDEA.
Desde a sua introdução na década de 1970, eletem servido mais para
sinalizar o cumprimento do disposto sobre educação apropriada do que
realmente especificare orientaruma educação baseada nas necessidades
individualizadas (PRETTI-FRONTCZAKe BRICKER, 2000;SKRTIC, 1991b;
SMITH, 1990, 1997; YSSELDYKE, THURLOW, GRADENetal., 1983).Já no
início de 1980, as questões de qualidade e utilidade dos IEPs tinha dado
lugarà preocupação em“reduzirocustoeotemponecessário parafinalizá

186

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

[los]” (SMITH, 1990, p. 11), e, eventualmente, para o desenvolvimento dos


IEPs computadorizados feito pelo “uso de fórmulase regras a seguir, em
vez do [...] planejamento individualizado“ (1990, pp. 10-11). Além disso,
apesar das preocupações sobre oalinhamento do IDEA como modelo de
prestaçãode contasbaseadoempadrõesdeNCLB15, incluindoareduçãodo
currículo para alunos com deficiência (WEHMEYEReSCHALOCK, 2001)e
padronização de suas instruções (SKRTIC, HARRIS e SHRINER, 2005), em
1999, os estados já tinham começado a usar “padrões baseados nos IEPs”
para alinhar os objetivos instrucionais para estudantes com deficiência
às normas gerais do currículo da educação (AHRENS, 2006, p. 4), sendo
que dois terços as instituíram ou estão para implementá-las (AHrens,
2010). Considerando que o IDEA e boas práticas ditam quea educação
de um aluno éapropriada quandosão “individualmente adaptadas para
atender esse aluno”, padrões baseados nos IEPs têm como premissa a
obtenção por parte dos alunos dos“padrões acadêmicos para o [seu] grau
de matrícula estadual” (turnBull etal., 2007, p. 161; AHRENS, 2010, p.
2). Embora o objetivo de aumentaro desempenho acadêmico de alunos
com deficiência sejalouvável, como IEPs simbólico, uma ênfase exagerada
sobre o rendimento escolar definido de formaestrita como obtenção de
padrões estaduais contradiz aênfase original doestatuto sobre educação
individualizada adequada, transformando oprincípio da individualização
na normalização do currículo e dainstrução.

Além da padronização do IEP, o princípio da educação apropriada foi


ainda mais corroído por uma deterioração das condições organizacionais
de sua implementação sob reforma baseada em padrões.16 A aplicação
do princípio da educação apropriada tem sido sempre difícil porque a
configuração burocrática profissional das escolas praticamente impede
o tipo de colaboração educador geral/educador especial necessária
para implementar um IEP (SKRTIC, 1991b). Hoje, o quadro baseado
em padrões de NCLB e IDEA torna as escolas ainda mais burocráticas
(o’dAY, 2002) e, portanto, menos colaborativas, por causa da abordagem
extremamente burocrática do NCLB com relação a resultados baseados

15Sobre o modelo de prestação de contas NCLB baseada em padrõese oalinhamento IDEAaele, ver nota 4.

16Sobre os efeitos negativos deste modelo sobre a prática de educação especial desde 1997, ver Skrtic,
Harris, e Shriner (2005).

187

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

em prestação de contas, exatamente a mesma abordagem que arquitetou


a educação baseada em padrões rejeitada no início do movimento, pois a
sua principal estratégia de reforma, o alinhamento do currículo, mantém
eamplia a estrutura burocrática existente nas escolas (ver CHAMPLIN,
1991; SPADYe MARSHALL, 1991; SKRTIC, 2005).

Ambiente menos restritivo

Embora o IDEA contenhauma preferência de regulamentação para a


inclusão, o princípio do least restrictive environment (lre), isto é,
Ambiente Menos Restritivo, é uma presunção refutável; a colocação
em uma sala de aula de ensino geral “não é um direito absoluto, mas
é secundário para o principal objetivo da educação [apropriada]”
(TURNBULL, 1993, p. 159). O valor das colocações LRE para a maioria
dos alunos e para os incluídos é geralmente reconhecido, maso estatuto
dá precedência à educação apropriada sobre LRE, uma preferência
sistematicamente confirmada pelos tribunais (THOMAS e RAPPORT,
1998; DOUVANISe HULSEY, 2002).

A partir da perspectiva dateoria institucional, escolas usam salas deaulas


e programas separados, para sinalizar a conformidade com exigências
ambientais, minimizando a quebra de suas estruturas, classificações
e práticas institucionalizadas, contribuindo assim para manter a
estabilidade e a legitimidade de uma vez (MEYER e ROWAN, 1977,
1978). As críticas às salas deaula segregadas especiais como racialmente
enviesadas, instrucionalmente ineficazes e psicológica e socialmente
nocivas (DUNN, 1968; MERCER, 1973) acrescentaram força à campanha
dos proponentes do ideA contra a segregação, masa ambiguidade criada
pelo compromisso do estatuto em relação aos princípios da educação
apropriada e de LRE, muitas vezes é explorado nas escolas, utilizando
argumentos do primeiro para derrotar o segundo. “Afinal”, Minow (1985)
explicou, oprincípio LRE foi concebidoprecisamente “para combater [a]
grande relutância do professor em sala deaula para lidar coma criança
incomum ou mais difícil” (p. 178). Em última análise, a ambiguidade
criada pelo compromisso do ideA a ambos os princípios permite “o
incentivo dos professores... para dar conteúdo à lei” (p. 178).

188

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Além disso, a consideração de colocações inclusivas nas escolas, muitas


vezes localiza o problema da diferença noaluno incluído “ao mesmo
tempo em que faz dosalunos não-deficientes – e da sala deaula projetada
para eles – a norma” (MINOW, 1990, p. 84). No entanto, Minow fornece
um contraexemplo em que um professor inclui um aluno com uma
deficiência auditivaprofunda, ensinandotodos osseusalunosalinguagem
de sinais, e, simultaneamente, ensinando em língua de sinais e língua
falada, tratando, assim, o problema da diferença “integrada nas relações
entre todos os alunos”, utilizando uma abordagem que “[trabalha] para
o benefício educacional de cada aluno” (p. 84). Uma vantagem dessa
abordagem relacional para a diferença e a inclusão é que, ao invés de
fazero traço da deficiência auditiva “significar estigma ou isolamento”,
ele responde a ela “como um problema para toda a comunidade” (p.
84). Por outro lado, o foco no planejamento individual na criança ignora
as relações da criança com outras e “a construção da diferença nessas
relações” (p. 86). Um plano individualizadonão conceberia uma turma de
alunosfluentes em língua desinais, mantendo os métodos em sala deaula
existentes na expectativa de que o alunoincluído “se ajustea estrutura
educacional existente” (p. 86). Essa ilustraçãoperturba o mérito relativo
aos dois princípios do ideA, dando primazia ao lre como educação
apropriada, e relegando a sala deaula regular à uma presunção refutável
(SKRTICeKENT, no prelo).

Avaliação não discriminatória

o princípio do estatuto de avaliação não-discriminatória aborda o


problema mais obstinado da educação especial – a representação
desproporcional nela de estudantes pobres, da classe trabalhadora e de
minorias etno-raciais.17 com apoio no movimento dos direitos civise na
decisão Brown, bem como no início da pesquisa sobre representação
desproporcional, os defensores da deficiência e os proponentes do IDEA

17 o ideA consignaapenas a representação desproporcional com base em raçae etnia, quando se trata
de um fenômeno mais complexo que envolve múltiplose interseccionais fatores, incluindo classe social,
gênero,idade, idioma e geografia (ARTILES, 2004; MCCALLeSKRTIC, 2009; SKIBA, POLONI-STAUDINGER,
SIMMONS et al., 2005; nota 7).

189

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

conceituaram o princípio não-discriminatório de avaliação (nde) para


abordar “os riscos de erros de classificação e rotulagem na criação de
estigma e baixa autoestima, e o uso abusivo de classes separadas para
perpetuar a discriminação contra minorias raciais e étnicas” (MINOW,
1985, p. 168). Embora os dispositivos de NDE requeiram decisões de
classificação e de colocação imparciais, a representação desproporcional
de estudantes de minorias economicamente desfavorecidas e etno
raciais, na educação especial, e nas mais restritivas colocações da
educação especial, continuou em grande parte inabalável ao longo da
história do IDEA (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1982, 2002; SKIBA,
POLONI-STAUDINGER, GALLINI et al., 2006; SKIBA, SIMMONS, RITTER et
al., 2008).

A representação desproporcional foi formalmente reconhecida como um


problema de política ao longo da década de 1960 quando, no contexto
de resistência à decisão de Brown, incluindo as várias formas de
“ressegregação dentro das escolas não segregadas” (Bell, 1980, p. 531),
a identificação desproporcional de estudantes afro-americanos como
“retardados mentais educáveis” atraiu a atenção cada vez maior (ver
também FERRIe CONNORS, 2005; SKRTIC, 1991b). A continuação doviés
de classe, etno-raciale socialem educação especial sobo ideA é possível
porque, como a conformidade comas disposições do IEP, a conformidade
com os de NDEé de caráter meramente formal dentro dos processos de
avaliação nas escolas (SKRTIC, 2003; SKRTICe MCCALL, 2010). Em última
instância, o cumprimento cerimonial legitima aidentificação e processos
de colocaçãoao IDEA, fazendo com que suas decisões pareçam legais,
baseada em princípiose objetivos, justificando, assim, a continuação do
uso abusivo da educação especial para perpetuar preconceitos de classe,
etno-raciaise sociais.

Garantias processuais

Além dos problemas de execução das disposições substantivas do IDEA,


as suas disposições de garantia processual tornaram-se uma barreira
para resolver os problemas de educação especial de duas maneiras inter
relacionadas. Primeiro, a implementação da participação dos pais eas

190

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

disposiçõesprocessuaisatomiza o discurso de oposição queproduziua lei,


individualizando oativismo emreuniõeseaudiênciasprocessuaisvoltadas
para criançase famílias. Ao invés de agentes coletivos de um movimento
político, a lei exige que os pais defendam seus filhos individualmente, em
encontros solitários e diretos com especialistas nas escolas (MCCALLe
SKRTIC, 2009), encontros em que estão em clara desvantagem (MEHAN,
HERTWECKe MEIHLS, 1986), especialmente se forem pobres, da classe
trabalhadora, e/ou membros de um grupo minoritário racial, étnico ou
linguístico (HARRY, KLINGNER, e HART, 2005; ONG-DEAN, 2009).

em segundo lugar, a interpretação legal e de planejamento dessas


disposições minaram as motivações igualitárias e democráticas do
movimento social que lutou e conseguiu o estatuto (ONG-DEAN,
2009). Por fim, ao invés de soluções democráticas para problemas
reconhecidos de educação especial, a lei permitiu simplesmente que os
pais individualmente elaborassem “disputas técnicas” (p. 10) sobre o
diagnóstico de deficiência e encaminhamentos de seus filhos. Além do
amplosilenciamento das preocupações sociais sobre os problemas de
educação especial, reduzindo-as a casos isolados de criançase famílias,
eles criaram um ambiente individualizado e competitivo caracterizado
por ong-dean que, a partir da perspectiva da política de necessidades,
“suplantou a solidariedade dos agentes coletivos envolvidos em um
movimentopolítico einstitucionalizouuma divisão de classes no processo
de educação especial” (MCCALLe SKRTIC, 2009, p. 14).

Embora essas disposições atomizema advocacia, ograu a que os pais são


reduzidos a casos passivos depende do seu capital econômico e cultural,
com os pais privilegiados, aqueles que são “brancos, de classe média para
alta renda, com formaçãouniversitária, falante de inglês, profissionale
educado” (ONG-DEAN, 2009, p. 3) na posição mais vantajosa em termos
de defesa de seus filhos. Em termos de política de necessidades, os pais
privilegiadostêm maioracessoaos recursos discursivos necessários para
reivindicaras suas necessidades com especialistas nas reuniões IEP, o que
os coloca em melhor posição paraatuar como agentes na interpretação
de necessidades de seus filhos, moldando as suas condições de vida
(MCCALLe SKRTIC, 2009). Tanto quanto influenciam nas decisões do IEP,
o capital culturale econômicotambémafetama natureza e distribuição
dos processos legais de audiênciase de casos, ambos mais prevalentes nos

191

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

distritos escolares mais ricos onde os desafios colocados “pressupõem


um grau justo de privilégio parental” (ONG-DEAN, 2009, p. 132). Além
disso, porque os pais são privilegiados em uma posição muito melhor
para usar procedimentos nos processos do ieP e devido a garantir
melhores resultados educacionais para seus filhos, o meio ambiente
individualizado e competitivo do ideA “perpetua as hierarquias a partir
do qualseus próprios privilégios são provenientes” (p. 3).

finalmente, em termos de representação desproporcional, o conceito


de capital culturale econômicoaumenta a nossa compreensão do custo
social de um processo IEPparcial. Ou seja, o viés que favorece privilégio
coloca pais cultural e economicamente diversos em desvantagemem
relação aos profissionais e aos pais privilegiados em condições de resistir
a diagnósticos de deficiência e encaminhamentos inapropriados, ou,
quando for o caso, reconhecendo eafirmando os mais vantajosos para
eles (MCCALLe SKRTIC, 2009). Comotal, ainfluência injusta deprivilégio
na educação especial perpetua o problema da desproporcionalidade,
enquanto a participação dos pais em processos, devido às disposições
do ideA, legitima seus próprios resultados injustos, assim silenciando
a mais ampla preocupação social para o problema de longa data da
desproporcionalidade e perpetuando as hierarquias de classe, etno
raciaise sociais que a sustentam. Eissonão é meramente um problema de
implementação; essa injustiça é construída sobreaestrutura da própria
lei, sobre as garantias processuais que tinham a intenção de assegurar
o cumprimento das escolas dos princípios de uma educação adequada,
ambiente menos restritivo e avaliação não-discriminatória.

Existe uma saída? 18

esta seção considera as políticas e as mudanças organizacionais


necessárias para enfrentar as injustiças passadas eatuais de educação
especial de forma a avançar os impulsos igualitários e democráticos
que produziram o ideA, bem como a viabilidade de tais medidas na

18 Estaseção é baseada em McCalle Skrtic (2009), Skrtice Kent (no prelo) e Skrtic (no prelo).

192

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

cultura políticaatual dos EUA. As mudanças propostas – redesenhando


as garantias processuais como mecanismos de reforma sistêmica e de
reestruturação das escolas como organizações de aprendizagem – são
destinadas a transformar as escolas em instituições mais justas, em
parte, dando àqueles que sofrem as injustiças uma voz e papel na sua
eliminação, reconstruindo, assim, a deficiência e os direitos civis sobreas
reais necessidades das comunidadesafetadas.

Redesenhara Política de Educação Especial

Ao invés de um sistema baseado em precedentes de audiências abertas


e defesa coletiva, o sistema criado pelas disposições de salvaguarda
processual do IDEAéindividualizado, competitivo efechado, que atomiza
aadvocacia e despolitiza oativismo, consequentemente impossibilitando
a reforma sistêmica, mantendo injustiças históricas não resolvidas e
perpetuandonovas. Porquehá pouca esperança dese resolverexatamente
essas injustiças com as disposições de salvaguarda em sua formaatual,
elas precisam ser redesenhadas nos moldes propostos pelos defensores
originais do IDEA. O objetivo, no que diz respeito ao processo legal, seria
dar aos alunos e pais que estão sofrendo injustiças na educação especial
uma voz e papel na sua eliminação através da criação de um processo
aberto, baseado em precedentes, sistema de audiência deliberativo, uma
premissa de defesa coletiva para criançase famíliase amplaaplicação dos
resultados e ações corretivas paratodos os casos, primeiro, na escola, no
distrito e no estado, e finalmente, como construção precedente do Estado,
a todos os casos semelhantes da nação. Com respeito à participação
dos pais, o objetivo seria criarum processo aberto e iePs deliberativos
com defesa coletiva para proteger os interesses de todos os alunos e
suas famílias, especialmente aqueles que são mais desfavorecidos nos
encontros solitários com especialistas, e para equalizara avaliação dos
melhores encaminhamentose resultados estudantis.

o processo deliberativo previsto éanálogoao modelo de planejamento


social de investigação proposto pelos pragmatistas deweyanos como
alternativa ao modelo positivista de análise política (KAUFMAN
OSBORN, 1985; LINDBLOM, 1991). Enquanto que o modelopositivista

193

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

é mais adequado para problemas bem definidos, de um único objetivo,


oplanejamento social é marcado por ambíguos problemas políticos em
que o enquadramento do problema é complicado (BLANCO, 1994), pois
envolve interpretações alternativas dos problemas por meio do diálogo,
aprendendo com a visão oposicionista, ao mesmo tempo que tenta de
maneira crítica compreender esses problemas e as suas respectivas
soluções (ANDERSON, 1993; RICHARDSON, 2002). Além disso, em termos
de escolha política, o planejamento social é politicamente deliberativo,
julgando estruturase soluções alternativas, selecionando entre elas ou
integrando-ascom base em suas consequências sociais, especialmentea
sua contribuição para a realização dos ideais democráticos de liberdade,
igualdade e, especialmente, comunidade, pois a reforma por meio de
planejamento social exige a igualdade de participação no processo
deliberativo (DEWEY, 1989/1931, 1981/1917, 1991/1939; KAUFMAN
OSBORN, 1985).

A aplicação do modelo de planejamento social às disposições de


salvaguarda do IDEA significaria que as interpretações das necessidades
e encaminhamentos das crianças seriam julgados/selecionados em
termos de suas consequências sociais e educacionais para crianças
e famílias, bem como pela sua contribuição para a realização dos
ideais democráticos em escolas e comunidades. Confidencialidade,
compreensivelmente, será um problema, mas como os argumentos em
prol da educação apropriada para derrotar colocações LRE não podem
ser usados contra a defesa coletiva, especialmente desde que os pais
atualmente podem convidar grupos representativos de advocacia para
reuniões IEP, opta-se por abrir audiências eacesso às suas decisões.
Além disso, as permutas entre a confidencialidade, a defesa coletiva e
ativismo repolitizado são substanciais, incluindo o revigoramento dos
impulsos democráticos do movimento social que redundou no ideA e
capacitação de pais e defensores dos deficientes para mover as escolas,
através de uma reformasistêmica para o espírito do Estatuto, produzindo
um padrão geral de cumprimento e melhoria contínua das práticas de
educação especial, gradualmente reduzindo a necessidade de audiências
legais. Em últimaanálise,tal processoiriaalterara dinâmicaestrutural da
política de necessidades nas escolas, eliminando encontros solitários de
pais comos peritos, contribuindoassim para desmistificaras justificativas
institucionais paraa opressão e, portanto, influenciando positivamente

194

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

a experiência vivida e a consciência individual das criançase seus pais


sobre-representadas pelacobertura do IDEA. 19

Reestruturando e reculturando a escola

eliminar as injustiças da educação especial através da resolução


deliberativa de problema exige a reestruturação das escolas como
organizações de aprendizagem (ARGYRISeSCHON, 1978), a configuração
não-burocrática de organização conhecida historicamente como
“adhocracia” (BENNIS eSLATER, 1964; MINTZBERG, 1989). Burocracias
profissionais são organizações baseadas na padronização e engajadas
no pensamento convergente que visa à perfeição; adhocracias são
organizações baseadas nainovação para resolver problemase envolvidas
no pensamento divergente destinado à invenção (MINTZBERG, 1979,
1989). Escolas adhocraticas devem dividir e coordenar o seu trabalho
através de um trabalho de colaboração em equipe e adaptação mútua
entre os membros da equipe envolvidos em resolver problemas coletivos
visando personalizarainstruçãoatravés da desconstrução ereconstrução
reflexiva de suas respectivas teorias e práticas. Em princípio, essas
contingências produziriam uma forma deliberativa de interdependência
como premissa para a colaboração entre os educadores e os alunos,
pais e interessados da comunidade a que servem (SKRTIC, 1995,
1991b). Em termos de planejamento social, as equipes considerariam
interpretações alternativas às necessidades de desenvolvimento das
crianças, deliberadamente julgando e selecionando ou integrar práticas
para aplicá-los em termos das suas consequências sociaise educacionais
para as criançase famílias, e suas consequências democráticas para as
escolase comunidades.

O máximo aproveitamento da configuração adhocrática, no entanto,


requer uma transformação correspondente da cultura profissional das
escolas dos EUA, do profissionalismo tecnocrático para o modelo de
profissionalismo cívico avançado de John Deweye outros pragmatistas

19 Veja nota 2.

195

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

progressistas do início do século 20 (SULLIVAN, 2005; SKRTIC,


2000, 2005). Fundamentada na sensibilidade cultural do democrata
deliberativo, na orientação para resolver problemas do pragmatismo
clássico e na tradicional ideia de uma profissão como uma vocação para
servir obem comum, educadores profissionais cívicos devem trabalhar
de formacolaborativa e deliberativa com osalunos, paise interessados
da comunidade para identificar as necessidades da criança, família e
comunidade,e,então,reconstruirsuasteoriasepráticaspararesolvê-losde
formaaampliaroseus poderes. Como planejadores sociais deliberativos,
eles devem levar em consideração interpretações alternativas das
necessidades, encaminhamentos e práticas, julgando-as, selecionando-as
ou integrando-osem termos das suas consequências educacionais, sociais
e democráticas para criançase famílias, comunidades e a sociedadeem
geral.

Aadhocracia é tantoo meio como o fim do processo de reforma. Éa


estrutura exigida pela promulgação de um IEP deliberativo e de sistema
processual como meio de reforma do sistema por meio do planejamento
social. Ela é aestrutura para o ensino que ajudaria a resolver os mais
intratáveis problemas de educação especial psicológica e socialmente
nocivass EUA, aqueles identificados na década de 1960e 1970, previstos
para eliminação pelo IDEA, mas que permanecem até hoje. Em princípio,
os resultados sociais e educacionais melhorariam consideravelmente
nas escolas adhocráticas porque ainstrução éadaptada às necessidades
reais de cada aluno, praticamente eliminando a necessidade de
colocações segregadas, minimizando rotulagemeeliminando incentivos
institucionais disfuncionais para colocações restritivase representação
desproporcional.

Reconstruir a Democracia Liberal?

Alcançar essas mudanças igualitárias e democráticas nas escolas


públicas dos EUA exigiria uma reorganização fundamental dos fins
educativos e, finalmente, uma transformação da cultura política, um
feito ainda mais difícil após três décadas de neoliberalismo global (ver
HARVEY, 2005; MIROWSKI e PLEHWE, 2009), no qual a relevância

196

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

da democracia igualitária está desaparecendo em razão do extremo


individualismo. Historicamente, a cultura política dos EUA se voltou
a três objetivos concorrentes para a educação pública – igualdade
democrática, mobilidade social, e eficiência social (LABAREE, 1997).
igualdade democrática está imbricada na preparação detodos os nossos
jovens para acidadaniaefetiva, minimizando as desigualdades sociais
para permitir uma participação igualitária no processo político, mas
é minada pelos outros dois objetivos – pela mobilidade social, porque
transformaa educação em mercadoria, o que torna as escolas cada vez
mais estratificadas e desiguais; pela eficiência social, porque requer
escolas para espelhar aestruturaestratificada e desigual da economia de
mercado. Essaincompatibilidade de objetivos reflete a tensão em todas
as democracias liberais entre oideal democrático da igualdade políticae
a realidade capitalista de desigualdade social (LABAREE, 1997).

Embora instituições como a educação existam supostamente para


minimizar a tensão pelo equilíbrio dos objetivos, a maneira de
realização depende do peso relativo cultural de tensões do liberalismo
– mercado, desenvolvimento e gestão – cada um deles constituindo
uma formafundamentalmente diferente para equilibrar democracia e
capitalismo (KENT, 2007; RYAN, 1972).

enraizadona clássicaeconomia políticaliberaldo século XiX, oliberalismo


de mercado defende o governo mínimo e as políticas de laissez faire
econômico e social, que produzem uma forma fraca de democracia na
qual os cidadãos são meros concorrentes de bens políticose econômicos
eo governo pouco mais do que um protetor dos mercados econômicos
e dos direitos privados (HELD, 1996; MACPHERSON, 1977). Democracia
nesse ponto de vista é pouco mais do que o voto ocasional de elites
políticas autosselecionadas, um modelo não-participativo que restringe
opapel dos cidadãos (e a própria democracia) para evitar interferência
dogoverno na economia (FONER, 1998). Embora os liberais de mercado
dos EUAtenham sempre enfatizado os objetivos da mobilidade sociale
eficiência social, o neoliberalismo eleva-osà virtual exclusão daigualdade
democrática (SKRTIC, 2005).

o liberalismo de desenvolvimento e o liberalismo gerencial surgiram


no início do século XX como duas novas tensões do liberalismo no

197

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

coração do progressivismo americano, sendo que ambos se opuseram


aos deslocamentos sociaise econômicos do capitalismo desregulado do
liberalismo de mercado (FONER, 1998)20.

Embora ambas as linhagens fossem igualitárias, o igualitarismo do


liberalismo de desenvolvimento, ao contrário do de gestão, tinha como
premissa acidadaniaativa e uma forte concepção de democracia que se
estendeu da participação do governopara a sociedade (KLOPPENBERG,
1986) e, inclusive, para a educação pública (GUTMANN, 1980). Como
tal, ele prioriza o objetivo da igualdade democrática, encarando a
participação política como um bem social fundamental, um processo
recíproco em que oscidadãos progressivamente melhorama sociedade e
as suas capacidades de deliberação pelo envolvimento no planejamento
democrático nas instituições sociais (HANSON, 1985; MACPHERSON,
1977). Nesse sentido, Dewey (1976/1899, 1980/1916) considerou as
escolas como duplamente educacionais, locais de formação democrática
para ojoveme de desenvolvimentopolítico para oscidadãose educadores
que, por sua vez, exigiu profissionalismo cívico e “gestão democrática”
(1981/1937, p. 225) paraenvolvera comunidadeno processo deliberativo
(DEWEY, 1976/1899, 1980/1916).

Apesar de Deweye outros progressistas do desenvolvimento tenham


promovido a administração democrática e o profissionalismo cívico
como antídotos paraa fraca democracia do liberalismo de mercado, sua
visão foi superada pelo liberalismo de gestão, a vertente tecnocrática do
progressismo responsável pelas instituições sociais opressoras criticadas
por Minow (1990), Fraser (2008) e Young (1990, 2000). Inspirada no
positivismo, utilitarismo, profissionalizaçãotecnocratae da ciência social
empírica, os liberais gerencialistas defenderama expansão da capacidade
do governo para regular a economia e distribuição dos serviços
sociais com a promessa de eficiência tecnocrática através da ciência e
administração burocrática (DEWEY, 1988/1927; PRICE, 1974). Embora
eles tenhase oposto ao liberalismo de mercado, os liberais gerencialistas

20Enquanto essas duas vertentes do liberalismo não esgotam a complexidade interna do progressivismo
americano como um fenômeno intelectual e político, a importância da clivagem entre liberais de
desenvolvimento e gerencialistas éamplamente reconhecida (ver, GREENSTONE, 1993; KLOPPENBERG,
1986).

198

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

também são democraticamente fracos, porque, como os liberais de


mercado, eles favorecema participação limitada doscidadãos napolítica,
nesse caso, para isolar a burocracia pública da interferência decidadãos
leigos. Proeminentes entre os primeiros liberais gerencialistas do século
XX nos EUA foram os “progressistas administrativos” (TYACK, 1990, p.
177), a primeira geração de superintendentes escolares com formação
universitária que institucionalizou escolas profissionais burocráticaseo
profissionalismo tecnocrático na educação pública, criando na década de
1950 um “sistema fechado” caracterizado pela “capacidade crescente da
equipe da escola em ignorar os pais, os reformadores e outros de fora do
sistema” (KATZ, 1987, p. 109).

esse é o sistema colocado em causa pela decisão Brown e pelos


movimentos dos direitos civise da deficiência da década de 1960, cujos
ativistas rejeitaram o teste e monitoramento com base no QIe exigiram
aigualdade democrática, incluindo a participação dos pais na tomada de
decisões. Embora, pela promulgação do ESEAe do IDEA, tenha parecido
que osativistastivessem rachado o sistema fechado, essa vitória foi fraca
pela capacidade do sistema de resistir à mudançaatravés da observância
cerimoniale de deslocamento (SKRTIC, 1995, 2003; TYACKe HANSOT,
1982). Mais graveainda, a vitória foiainda mais esvaziadapelo sequestro
ideológico de ambasasleispela reformabaseada em padrões, culminando
com a reconstituindo uma forma autorização do ESEA como NCLB, em
2001, e sua integração posterior como IDEA. Hoje, ambos os estatutos
são premissas de um fundamentalismo de mercado do neoliberalismo, em
que os resultados dos testessetornaram uma espécie de “linha de fundo”
para as escolas, criando uma racionalidade de mercado na educação
pública dos euA, incluindoa concorrência entreas escolas, prêmios de
desempenhoe penalidades, privatização e terceirização (ENGEL, 2000).
Como resultado, na educação como em outras instituições sociais sob as
garras do neoliberalismo, o governo é reformulado como uma relação
entre mercado e clientes, e eficiência e produtividade tornaram-seo
valor exclusivo da administração pública, ofuscando os fortes valores
democráticos de equidade, responsividade e participação (denHArdt
e denHArdt, 2003), os verdadeiros valores sobre os quais a eseA e
o IDEA se basearam. Além de ameaçar o bem-estar dos beneficiários,
a ironia final é que a orientação neoliberal desses estatutos eleva
ainda mais os objetivos de mobilidade social e eficiência social sobre

199

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

a igualdade democrática (SKRTIC, 1995, 2005), enfraquecendo ainda


mais a democracia igualitáriae, portanto, a possibilidade de criação de
instituições deliberativas sociais necessárias para resolver os problemas
da educação (especial) democrática. 21

Referências bibliográficas

Ahrens, E. (2010). standards-based iePs: implementation update. Alexandria, VA:


National Association of State Directors of Special Education.

Ahrens, E. (2006). standards-based iePs: implementation in selected states. Alexandria,


VA: National Association of State Directors of Special Education.

Anderson, C. W. (1993). Prescribing the life of the mind: An essay on the purpose of
theuniversity, the aims of liberal education, the competence of citizens, and the cultivation
of practical reason. Madison, WI: University of Wisconsin Press.

Apple, M. W. (2001). Educating the “Right” way: Markets, standards, God, and inequality.
New York: RoutledgeFalmer.

Argyris, C., & Schon, D. A. (1978). Organizational learning: A theoryofaction perspective.


Reading, MA: Addison-Wesley.

Artiles, A. J. (2004). The end of innocence: Historiography and representation in the


discursive practices of LD. Journal ofLearning Disabilities, 37, 550-555.

Bell, D. (1980). Brown vs. Board of Education and the interest-convergence principle.
Harvard law review, 93, 518-533.

Bennis, W’. G., & Slater, P. L. (1964). The temporarysociety. New York: Harper and Row.

21Algumas propostas de reforma neoliberal (por exemplo, COMER, 1999, 2004; LEVIN, 1985; SIZER,
1984) usam princípios adhocráticos, mas fazem-no para maximizaro desempenho do teste, em vez de
perseguir fins democráticos (ENGEL, 2000). Elassão democráticas na retórica, mascom base na “teoriae
prática antidemocrática da economia de mercado” (p. 125). Ver também Apple (2001) e Loxleye Thomas
(2001) sobre os efeitos negativos do neoliberalismo sobrea educação inclusivae educação especial,
respectivamente.

200

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Blanco, H. (1994). How to think about social problems: American pragmatism and the
idea of planning. Westport, CN: Greenwood Press.

Brown v. Board of Education (1954). 347 U.S. 483, 74S. Ct. 686, 98 L. Ed. 873.

Champlin, J. (1991). Taking stock and moving on. Journal of the National Center for
outcomes Based education, 1, pp. 5-8.

Clune, W. H., & Van Pelt, M. H. (1985). A political method of evaluating the Education
for All Handicapped Children Act of 1975 and the several gaps of gapanalysis. lawand
Contemporary Problems, 48(1), 7-62.

Connor, D. J. (2008). Urban narratives: Portraits in progress: Life at the intersection of


learning disability, race, & social class. New York: Peter Lang.

Crenshaw, K. W. (1988). Race, reform, and retrenchment: Transformation and


legitimation in antidiscrimination law. Harvard law review, 101(7), 1331
1387.

Crenshaw, K., Gotanda, N., Peller, G., & Thomas, K. (1995). Introduction. In K. Crenshaw, N.
Gotanda, G. Peller, & K. Thomas (Eds.), Critical race theory: The key writings that formed
the movement (pp. xii-xxxii). New York: New Press.

Denhardt, J. V., & Denhardt, R. B. (2003). The new public service: Serving, not steering.
Armonk, NY: M. E. Sharpe.

Dewey, J. (1991). Creative democracy—The tack before us. In J. A. Boydston


(Ed.), John Dewey: The Later Works, 1925-1953 (Vol. 14, pp. 224-230).
Carbondale, IL: Southern Illinois University Press, (originally published in
1939)

Dewey, J. (1989). The development of American pragmatism. In H. S. Thayer (Ed.),


Pragmatism: the classic waitings (pp. 23-40). Indianapolis: Hackett. (Original work
published 1931)

Dewey, J. (1988). The public and its problems. In J. A. Boydston (Ed.), John Dewey: The
later works, 1925-1953 (Vol. 2: 1925-1927 (pp. 235-372). Carbondale: Southern Illinois
University Press. (Original work published 1927)

201

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Dewey, J. (1981). Democracy and educational administration. In J. A. Boydston (Ed.), john


Dewey: The Later Works, 1925-1953 (Vol. 11, pp. 217-225). Carbondale, IL: Southern
Illinois University Press, (originally published in 1937)

Dewey, J. (1981). The need for a recovery ofphilosophy. InJ.J. McDermott, The philosophy
of John Dewey, pp. 58-97. Chicago, IL: University of Chicago Press. (Original work
published 1917)

Dewey, J. (1980). Democracy and education. In J. A. Boydston (Ed.), John Dewey: The
Middle Works, 1899-1924 (Vol. 9, pp. 1-370). Carbondale, IL: Southern Illinois University
Press, (originally published in 1916)

Dewey, J. (1976). The school and society. In J. A. Boydston (Ed.), John Dewey: The Middle
Works, 1899-1924 (Vol. 1, pp. 1-109). Carbondale, IL: Southern Illinois University Press,
(originally published in 1899).

DiMaggio, P. J. (1988). Interest and agency in institutional theory.


In L. G. Zucker (Ed.), Institutional patterns and organizations:
Culture and environment, pp. 3-22. Cambridge, MA: Ballinger.

DiMaggio, P.J., & Powell, W. W. (1983). Theiron cage revisited: Institutionalisomorphism and
collective rationality in organizational fields. American sociological review, 48, 147-160.

Douvanis, G. & Hulsey, D. (2002). the least restrictive environment mandate: How has it
been defined by the courts? Arlington, VA: the eric clearinghouse on disabilities and
Gifted Education.

Dunn, L. M. (1968). Special education for the mildly retarded—Is much ofit justifiable?
Exceptional Children, JJ(1), 5-22.

Education for All Handicapped Children Act of 1975. Public Law 94-142.

Elementary and Secondary Education Act of 1965. Public Law 89-10.

Elmore, R. F., Abelmann, C. H., & Fuhrman, S. H. (1996). The new accountability in state
education reform: From process to performance. In H. F. Ladd (ed.), Holding schools
accountable: Performance-based reform in education (pp. 65-98). Washington, DC:
Brookings Institution.

202

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Engel, M. (2000). The struggle for control of public education: Market ideology vs.
democratic values. Philadelphia: Temple University Press.

Ferri, B. A., & Connor, D. J. (2005). In the shadow of Brown: special education and
overrepresentation ofstudents of color. Remedialand Special Education, 26,93-100.

Foner, E. (1998). Thestory ofAmerican freedom. New York: W.W. Norton.

Fraser, N. (2008), Prioritizingjustice as participatoryparity: A replyto Kompridis and Forst. In


K. Olson (Ed.), Adding insult to injury (pp. 327-346). London: Verso.

Fraser, N. (1989). Struggle over needs: Outline of a socialist-feminist critical theory of late
capitalistpolitical culture. In Unrulypractices: Power, discourse, andgenderin contemporary
social theory (pp. 161-87). Minneapolis, MN: University ofMinnesota Press.

Fraser, N., & Honneth, A. (2003). Redistribution or recognition: A political-philosophical


exchange. London: Verso.

Greenstone, J. D. (1993). The Lincoln persuasion: Remaking American liberalism.


Princeton: Princeton University Press.

Gutmann, A. (1980). Liberal equality. Cambridge: Cambridge University Press.

Hanson, R. L. (1985). The democratic imagination in America: Conversations with our


past. Princeton: Princeton University Press.

Harry, B., & Klingner, J. (2006). Why are so many minority students in special education?
New York: Teachers College Press.

Harry, B., Klingner, J. K., & Hart, J. (2005). African American families under fire:
Ethnographic views of family strengths. Remedial and Special Education, 26(2), 101
112.

Harvey, D. (2005). A briefhistory ofneoliberalism. Oxford: Oxford University Press.

Held, D. (1996). Models ofdemocracy, 2nd ed. Stanford, CA: Stanford University Press.

Individuals with Disabilities Education Act of 1990. Public Law 101-476.

203

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Individuals with Disabilities Education Act Amendments of 1997. Public Law 105-17.

Individuals with Disabilities Education Improvement Act of 2004. Public Law 108-446.

Katz, M. B. (1987). Reconstructing American education. Cambridge, MA: Harvard


University Press.

Kaufman-Osbom, T. V. (1985). Pragmatism, policy science, and the state. Americanjournal


of PoliticalScience, 29(4), 827-849.

Kelman,ML, (1987). Aguide to criticallegalstudies.Cambridge, MA: Harvard University Press.

Kent, J. R. (2007). Review’ essay: Is American liberalism singular or plural? American


Studies, 48(A), 129-45.

Kirp, D., Buss, W., & Kuriloff, P. (1974). Legal reform ofspecial education: Empirical studies
and procedural proposals. California Law Review, 62(1), 40-155.

Kleinhammer-Tramill, J. & Gallagher, K. (2002). The implications of Goals 2000 for inclusive
education.InW.Sailor(Ed.),Whole-schoolsuccessandinclusiveeducation:Buildingpartnerships
for learning, achievement, and accountability (pp. 26-41). New York: Teachers College Press.

Kloppenberg, J. T. (1986). Uncertain victory: Social democracy and progressivism in


European and American thought, 1870-1920. New York: Oxford University Press.

Kuriloff, P. J. (1985). Is Justice Served by Due Process? Affecting the Outcome of


Special Education Hearings in Pennsylvania. Lawand Contemporary Problems, 48(
1), 89-118.

Labaree, D. F. (1997). How to succeedin schoolwithout reallylearning: The credentials


race in American education. New Haven: Yale University Press.

Lazerson, M. (1983). The origins of special education. In J. G. Chambers & W. T.


Hartman (Eds.), Special education policies: Their history, implementation, and
finance. Philadelphia: Temple University Press.

Lindblom, C. E. (1991). Inquiry and change: The troubled attempt to understand and
shape society. New Haven, CT: Yale University Press.

204

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Loxley, A. & Thomas, G. (2001). Neo-conservatives, neo-liberals, the New Left and
inclusion: Stirring the pot. CambridgeJournal of Education, 3/(3).

Macpherson, C. B. (1977). The life and times of liberal democracy. Oxford: Oxford
University Press.

McCall, Z. A., & Skrtic, T. M. (2009). Intersectional needs politics: A policy frame for
the wicked problem of disproportionality. Multiple Voices for Ethnically Diverse
Exceptional Learners, 11(2), 3-23.

Mehan, H., Hertweck, A., & Meihls, J. L. (1986). Handicapping the handicapped:
Decision making in students ’ educational careers. Stanford, CA: Stanford University
Press.

Mercer, J. (1973). Labeling the mentally retarded: Clinical and social system
perspectives on mental retardation. Berkeley: University of California Press.

Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: Formal structure as


myth and ceremony. American Journal of Sociology, 83, 340-363.

Minow, M. (2008). Accommodating integration. University of Pennsylvania Law


review, 57(1), 1-10.

Minow, M. (1990). Making Allthe Difference: Inclusion, Exclusion, and American Law. Ithaca,
NY: Cornell University Press.

Minow, M. (1985). Learning to live with the dilemma of difference: Bilingual and special
education. Lawand Contemporary Problems, 48(2), 157-211.

Mintzberg, H. (1979). The structuring oforganizations. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.


Mintzberg, H. (1989). Mintzberg on management: Inside our strange world of organizations.
New York: The Free Press.

Meyer, M. W. (1979). Organizational structure as signaling. Pacific Sociological Review,


22(4), 481-500.

Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: Formal structure as myth
and ceremony. AmericanJournal ofSociology, 83, 340-363.

205

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Meyer,J. W., & Rowan, B. (1983). The structure ofeducational organizations. In J. W. Meyer &
W. R. Scott (Eds.), Organizational environments: Ritual and rationality (pp. 71-97). Beverly
Hills, CA: Sage.

Meyer, M. W. (1979). Change in Public Bureaucracies. Cambridge: Cambridge University


Press.

Mirowski, P. & Plehwe, D. (2009). The road from Mont Pelerin. Cambridge: Harvard
University Press.

National Research Council (1982). Placing children in special education: A strategy for
equity. Panel on Selection and Placement ofStudents in Programs for the Mentally Retarded,
Committee on Child Development Research and Public Policy, K. A. Heller, W. H. Holtzman,
and S. Messick (Eds.). Commission on Behavioral and Social Sciences and Education.
Washington, DC: National Academy Press.

National Research Council (2002). Minority students in special and gifted education.
Committee on Minority Representation in Special Education, M. S. Donovan and C. T. Cross
(Eds.). Division of Behavioral and Social Sciences and Education. Washington DC: National
Academy Press.

No Child Left Behind Act of 2001. Public Law 107-110.

O’Day, J. A. (2002). Complexity, accountability, and school improvement. Harvard


educational review, 72(3), 293-329.

Ong-Dean, C. (2009). Distinguishing disability: Parents, privilege, and special education.


Chicago, IL: The University of Chicago Press.

Powell, W. W. & DiMaggio, P.J. (1991). The new institutionalism in organizational analysis.
Chicago, IL: University of Chicago Press.

Pretti-Frontczak, K., & Bricker, D. (2000). Enhancing the quality of Individualized


Education Plan (IEP) goals and objectives. Journal of Early Intervention, 23(2), 92
105.

Price, D. F. (1974). Community and control: Critical democratic theory in the Progressive
period. American PoliticalScience Review, 68, 1663-1678.

206

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Rawls, J. (1971). A theory ofjustice. Cambridge, MA: Belknap Press.

Richardson, H. S. (2002). Democraticautonomy: Public reasoning about the ends ofpolicy.


Oxford: Oxford University Press.

Ritti, R. R. & Goldner, F. H. (1979). Professional pluralism in an industrial organization.


Management Science, 16, 233-246.

Ryan,A.(1972).Twoconceptsofpoliticsanddemocracy:James&JohnStuartMill.InM.Fleisher
(Ed.), Machiavelli and the nature ofpolitical thought (pp. 76-113). New York: Atheneum.

Sarason, S. B., & Doris, J. (1979). Educational handicap, public policy, and social history.
New York: The Free Press.

Scott, W. R. (1987). The adolescence of institutional theory. Administrative science


Quarterly, 32, 493-511.

Scott, W. R., & Meyer, J. W. (1987). Environmental linkages and organizational complexity:
Public and private schools. In H. M. Levin & T. James (Eds.), comparing public and private
schools (pp. 128-160). New York: Fulmer Press.

Skiba, R. J., Poloni-Staudinger, L., Gallini, S., Simmons, A. B., & Feggins-Azziz, R. (2006).
Disparate access: The disproportionality of African American students with disabilities
across educational environments. Exceptional Children, 72, 411-424.

Skiba, R.J., Poloni-Staudinger, L., Simmons, A. B., Feggins-Azziz, L. R., & Chung, C. G. (2005).
Unproven links: Can poverty explain ethnic disproportionality in special education? the
Journal ofSpecial Education, 39(3), 130-144.

Skiba, R. J., Simmons, A. B., Ritter, S., Gibb, A. C., Rausch, M. K., Cuadrado, J., & Chung, C.
(2008). Achieving equity in special education: History, status, and current challenges.
Exceptional Children, 74, 264-288.

Skrtic, T. M. (1991a). Behind special education: A critical analysis ofprofessional culture


and school organization. Denver, CO: Love Publishing.

Skrtic, T. M. (1991b). The special education paradox: Equity as the way to excellence.
Harvard Educational Review, 61(2), 148-206.

207

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Skrtic, T. M. (1995). Special education and student disability as organizational pathologies:


Toward a metatheory of school organization and change. In T. Skrtic (Ed.), Disability and
democracy: Reconstructing (special) education for postmodernity, pp. 190-232. New
York: Teachers College Press.

Skrtic, T. M. (2000, July). Civic professionalism and the struggle over needs.
Paper presented at the annual Leadership Project Directors’ Conference, Office
of Special Education Programs, U.S. Department of Education, Washington,
DC.

Skrtic, T. M. (2003). An organizational analysis of the overrepresentation of poor and


minority students in special education. Multiple Voices for Ethnically Diverse Exceptional
Learners, 6(\), 41-57.

Skrtic, T. M. (2005). A political economy of learning disabilities. learning disabilities


Quarterly, 28(2), 149-155.

Skrtic, T. M. (2010). Review of Distinguishing Disability: Parents, Privilege, and Special


education, by Colin Ong-Dean. Contemporary Sociology, 39(2), 188-190.

Skrtic, T. M., Harris, K. R., & Shriner, J. G. (Eds.) (2005). The context of special education
practice today. In T. Skrtic, K. Harris, & J. Shriner (eds.), Special education policy and
practice: Accountability, instruction, and social challenges, pp. 1-18. Denver, CO: Love
Publishing.

Skrtic, T. M., & Kent, J. R. (in press). Rights, capabilities, and disability needs politics:
Institutional barriers to social justice. In A. Kanter & B. Ferri (Eds.), righting
educational wrongs: Disability studies in law and education. Syracuse University
Press.

Skrtic, T. M., & McCall, Z. (in press). Ideology, institutions, and equity: Comments on
christine sleeter’s Why Is There Learning Disabilities? DisabilityStudies Quarterly.

Spady, W. & Marshall, K. (1991) Beyondtraditional outcome-based education. educational


Leadership, 49, 67-72.

Smith, S. W. (1990). Individualized education programs (IEPs) in special education: From


intent to acquiescence. Exceptional Children 57(1), 6-14.

208

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Sullivan, W. M. (2005). Work and integrity: The crisis and promise of professionalism in
America (2nd ed.). San Francisco, CA:Jossey-Bass.

Thomas, S. B & Rapport, M.J. K. (1998). Least restrictive environment: Understanding the
direction of the courts. Journal ofSpecial Education, 32(2), 66-78.

Tolbert, P. S. & Zucker, L. G. (1983). Institutional sources of change in the formal structure
of organizations: The diffusion of civilservice reforms, 1880-1935. Administrative science
Quarterly, 23, 22-39.

Tropea, J. L. (1987). Bureaucratic order andspecial children: Urbanschools, 1890s-1940s.


History of Education Quarterly, 27(1), 29-53.

Turnbull, H. R. (1993). Free appropriate public education: The law and children with
disabilities. Denver: Love Publishing.

Turnbull, H. R., Stowe, M.J., & Huerta, N. E. (2007). Free appropriatepublic education: The
law and children with disabilities (7th ed.). Denver: Love Publishing.

Tyack, D., & Hansot, E. (1982). Managers of virtue: Public school leadership in America,
1820-1980. New York: Basic Books.

Tyack, D., & Hansot, E. (1981). Conflict and consensus in American public education.
daedalus, 110(3), 1-25.

Wehmeyer, M. L. & Schalock, R. L. (2001). Self-determination and quality of life: Implications


for special education services and supports. Focus on Exceptional Children, 33, 1-16.

Weick, K. E. (1976). Educational organizations as loosely coupled systems. Administrative


Science Quarterly, 27(1), 1-19.

Williams, P.J. (1991). The alchemy ofrace and rights: Diaryofa lawprofessor. cambridge,
MA: Harvard University Press.

Young, I. M. (2000). Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press.

Young, I. M. (1990). Justice and the politics of difference. Princeton: Princeton University
Press.

209

Junqueira&Marin Editores
A inJustiçA institucionAlizAdA: construçãoe uso da deficiência na escola

Ysseldyke, J., Thurlow, M., Graden, J., Wesson, C., Algozzine, B., & Deno, S. (1983).
Generalizations from five years of research on assessment and decision making: The
University of Minnesota Institute. Exceptional Education Quarterly, 4(1), 75-93.

Zucker, L. G. (1988). Where do institutional patterns come from? Organizations as actors


in social systems. In L. G. Zucker (Ed.), Institutional patterns and organizations: Culture
and environment (pp. 23-49). Cambridge, MA: Ballinger.

Zucker, L. G. (1981). Institutional structure and organizational processes: The role of


evaluation units in schools. In A. Bank & R. C. Williams (Eds.), evaluation and decision
Making, (CSE Monograph Series, No. 10). Los Angeles: UCLA Center for the Study of
Evaluation.

210

Junqueira&Marin Editores
A EscolA coMo obJEto dE Estudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

ApequisAbrAsileirAsobre educAção especiAl:

bAlAnçotendenciAl dAs dissertAçõese teses brAsileirAs

(1987-2009)

José Geraldo SilveiraBueno


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Introdução

nos últimos vinte anos, temos assistido a uma disseminação


progressivamente crescente de balanços sobre a produção
científica em educação, que parece refletir a maturidade quea área
vem adquirindo, na medida em que toma sua própria produção
como objeto de análisee crítica.

Merece destaque o fato de que esses trabalhos se estendem desde


monografias de base, entre as quais diversas dissertações de
mestrado, de caráter basicamente organizativo e descritivo da
produção sobre determinado tema educacional, até produções de
fundo, elaboradas por pesquisadores reconhecidos.

Dentre as primeiras, podem ser citados os trabalhos que efetuam


balanços sobre a produção científico-acadêmica sobre determinadas
disciplinas (MARTINS, 2008; CONRADO, 2005; MEGID NETO, 1999),
os que se voltam para a produção sobre temáticas diversas como

211

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

o saber educacional (ANDRADE, 2001), a indisciplina escolar


(SZENCZUK, 2004) ou sobre a relação “ética-educação” (CALEFFO,
2009), até aqueles voltados mais para a constituição do campo
(ALVARENGA, 1996).

Entre os balanços produzidos por pesquisadores mais


experimentados, cabe destacar aqueles já clássicos de Gouveia
(1971; 1976), os produzidos por encomenda da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação – ANPEd (GATTI, 1983
e 1992; WARDE, 1993; AMADO, FÁVERO e GARCIA, 1993),
produzidos por iniciativa de renomados pesquisadores (PATTO,
1988; CURY, 1989; VELLOSO, 1992; WEBER, 1992; SOUZA, 1993;
AndrÉ et al., 1998; BRZEZINSKI e GARRIDO, 2001), inclusive da
educação especial (nunes et al., 1998).

Este texto contém parte de estudos que tenho desenvolvido,


inclusive com a colaboração de renomados colegas, sobre a
produção de pesquisa em educação especial no Brasil, no sentido de
contribuir para a reflexão sobre os caminhos que as investigações
têm percorrido nos últimos 30 anos. (BUENO, 2004; 2006; 2007;
FERREIRAe BUENO, 2011; BUENO e MARIN, 2011).

Em trabalhos anteriores, de análises parciais sobe a produção


acadêmica em educação especial, pude constatar que, ao lado de
inegáveis avanços alcançados pela pesquisa em educação especial
no País, nos deparamos com problemas que devem serenfrentados
se quisermos, efetivamente, adquirir cada vez mais consistência
de análise.

O balanço mais antigo que produzi refere-se aos trabalhos do


Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da UFSCar, que
é, ainda hoje, após grande expansão da pós-graduação no País,
uma dos mais expressivos centros de produção científica da área.

Naquele trabalho (BUENO, 2004), que analisou a produção da


UFSCar no período entre 1981 e 2001, constatei que, apesar das
críticas, disseminadas à época de que a investigação em educação
especial tivesse se ampliado expressivamente, os estudos sobre

212

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

escola ocupavam um espaço secundário, isto não se confirmava,


na medida em que em balanço realizado sobre a produção global
da área da educação, 40,2% tinham como foco a escola (MARIN,
BUENO e SAMPAIO, 2005); no programa específico de educação
especial, a escola era objeto de estudo de 52,4% de sua produção,
com uma tendência de crescimento a partir dos anos de 1990.

Outra característica importante dessa produção foi a de que


40,4% dela se dirigiam para outra população que nãoa de alunos
com deficiência1, composta por trabalhos que se voltaram
à investigação de processos de escolarização envolvendo
dificuldades de aprendizagem, fracasso escolar, alunos autistas,
com distúrbios emocionais, epilépticos e mais da metade dessa
produção explicitamente voltada a alunos sem qualquer quadro
de dificuldades.

Com relação à incidência dos tipos de deficiência investigados


constatou-sea seguinte distribuição: deficiência mental: 58,3%;
deficiência em geral: 15,3%; deficiência auditiva: 15,3%;
deficiência física: 6,9%; deficiência visual: 2,8%; e deficiência
múltipla: 1,4%)2.

Por fim, naquele trabalho, pude verificar que 54% das produções
tinham como foco os diferentes processos de educação especial
(escola especial e classe especial) e que 46% investigaram
aspectos da escolarização de alunos com deficiência no ensino
regular.

Feitas essas considerações, no presente trabalho vou utilizar


como fonte de dados o acervo do banco de dissertações e teses
disponibilizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino

1 A classificação de alunos com deficiência utilizada à época: deficiência mental, deficiência auditiva,
deficiência física, deficiência visual e deficiência múltipla, além de trabalhos que se voltaram paraa
deficiência em geral.

2 Os percentuais aquiapresentados diferem do texto original porqueneste referem-sea toda a população


(deficiente e não deficiente) e, para fins de cotejamento com os dados atuais, restringi-os somenteà
população com deficiência.

213

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Superior (CAPES), do Ministério da Educação, denominado “Banco de


Teses” (BRASIL. MEC. CAPES, 2010)3.

Se é verdade que as dissertaçõese teses não podem ser consideradas


como trabalhos de ponta na investigação de um determinado
campo de conhecimento, no Brasil os programas de pós-graduação
constituíram-se no principal lócus de realização de pesquisas.

Nesse sentido, a produção oriunda de mestrandose doutorandos dos


programas de pós-graduação pode ser considerada como expressão
qualificada dos caminhos que a pesquisa em educação especial tem
percorrido, se não nosativermosa elas como expressões individuais,
mas como resultado do trabalho coletivo desenvolvido nos mais
diferentes programas, envolvendo suas linhas, grupose projetos de
pesquisa.

Paratanto, o eixo-orientadoradotado paraa análise aquiapresentada


segue a proposta de estudos que vem pautando a produção do nosso
programa de pós-graduação, qual seja, a da estreita relação entre
escolae cultura.

Um dos autores que fundamentam esses estudos é Raymond Williams


(1969; 1980), cuja produção na área da sociologia da cultura é vasta
e densa. No conjunto de sua obra destacamos o núcleocentral de seu
projeto acadêmico constituído pela elaboração da teoria divulgada
como materialismo cultural, ou seja, uma teoria que parte das
especificidades da produção material, tomando a produção literária
e sua análise crítica como material partícipe da cultura, permitindo
o trabalho com outros campos. Williams (1969; 1980), para o
desenvolvimento dos princípios teóricos, toma um dos aspectos
centrais para constituição desses princípios que ele denomina como
“formas”, ou seja, de que setrata do exame da produção cultural cuja
existência “está concretizada ‘em forma’, eé preciso reclamar esta
concretude” (CEVASCO, p. 181).

3 Nacoleta de dados no banco deteses da CAPES contei coma colaboração da Profª Drª Roseli Albino dos
Santos, da UNITAU, a quem sinceramente agradeço.

214

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

As formas de crítica à produção literária, conforme proposto por ele,


devemestabelecer relações com os “meios” em que essa produçãose
dá. Opera, assim, deslocamentos a partir da análise das formas pelas
quais a crítica à produção literária seapresenta no mundo material
levando-o a estabelecer novos princípios. Propõe que se desloquem
os modos de ler as obras, apegadas, na época, a uma concepção
restrita de forma e a cânones estabelecidos, redirecionando, então,
a investigação no sentido de responder a outros tipos de questões
voltadas à análise dos “meios” vividos por quem escreve. Tal
perspectiva permite compreenderas característicassociaise culturais
que dão os contornos às produções, ou seja, a crítica será feita a partir
do “exame das condições de uma prática” (WILLIAMS, 1980, p. 184).

O exercício da crítica, segundo CEVASCO (2001), ao pautar-se pelo


exame das práticas, leva à leitura diferençada da tradição ou da
produção criativa, buscando-se relacioná-las a, pelo menos, dois
tempos: o da referida produção e o da leitura analíticafeita. Destaca
se, nessa orientação teórica, a busca de detecção de projetos mais
amplos de quem faza análise, recuperando, parataltarefa, a realidade
descrita ou recriada nos textos para uma explicação de mundo coma
finalidade de “mudá-lo, para arrolar este trabalho entre os recursos
para um caminho de esperança” (CEVASCO, 2001, p. 181).

Para essa perspectiva teórica, importa pensar outras questões, por


exemplo, quais os problemas postos, suas soluções de composição de
modo a não restringir a análise apenas da sua estrutura interna ou
da técnica que aprisionaa análise. Desloca, assim, a análise para a
recuperação da realidade criada nas narrativas escritas. Importa, para
o crítico, não deixar de fora o que determina atécnica do texto, ou seja,
importa recuperá-la na experiência histórica que lhe dá forma. Desse
modo, nesta síntese, pode-se perceber uma reelaboração conceitual
na busca de novas formas de descrever a cultura, a sua contribuição
expressiva para o seu estudo como forma material da produção de
significados e valores.

Bem, mas, do ponto de vista da análise da cultura “que diferença


isso faz na prática?” (CEVASCO, 2001, p. 160), ao quea autora afirma
que “muda não só o que se olha, ‘o objeto’, como de forma decisiva,

215

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

a maneira de olhar” pois, o materialismo cultural não considera os


produtos da cultura como objetos e sim como práticas sociais, tendo
como objetivo “desvendar as condições dessa práticaenão meramente
elucidar os componentes de uma obra” (CEVASCO, 2001, p. 160).

Essa abordagem teóricanão fornece respostas nem fórmulas para se


encontrar respostas. A contribuição teórica aponta a necessidade de
clareza sobre o que olhare como olhar, ou seja, a busca analítica das
práticas específicas da cultura em sua inter-relação com a sociedade
que as informam.

Considerando a produção da pesquisa nas teses e dissertações como


produção narrativa de cunho científico – e, portanto, parte da cultura
- os estudos sobrea educação especial aqui focalizados passaram por
análise orientada portais princípios, ou seja, os textos são concebidos
como práticas de produção cultural específica de um campo, práticas
que sofreram inúmeras influências sociais dos locais em que foram
compostos.

Cabe-nos, aqui, tentar identificar tais relações e buscar desvendar


condições presentes ou subjacentes a essas práticas a partir do
questionamento: Quem, quando e onde se escreve sobre o tema? Sobre
o que narram? Com que e como lidam como tema? Há aproximaçõese
divergências entre eles? Quais são?

Como decorrência, buscamos focalizar a “educação especial”


submetendo-a a um critério específico de busca no banco de
dissertaçõese teses mapeando-a na modalidade “expressão exata” do
descritor.4 A utilização da modalidade “expressão exata” se justifica,
na medida em que nossa intenção não era a de mapear e analisara
totalidade da produção, pois entendemos que aestrutura do banco de
dados não permite que se localize a totalidade de uma produção em
determinado campo. 5

4 As modalidades de busca quando do levantamento realizado em 2010, no referido banco de dados eram
três: “expressão exata”, “qualquer uma das palavras”e“todas as palavras”.

5 Paraseteruma pálidaideia dasdificuldadesparasetrabalhar comatotalidade de um determinado campo,

216

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Mas a dificuldade em efetuar uma busca exaustiva não foi o móvel


para a escolha da modalidade “expressão exata”, pelo descritor
“educação especial”; essa opção foi feita porque foram osautores das
produções selecionadas que indicaram que realizaram investigação
no campo da educação especial, o que, com certeza, diminui o risco de
subjetividade paraa inclusão ou não de produções sobre deficiência,
distúrbios, transtornos, etc.

Desta forma, utilizando este procedimento de busca, foram


encontradas 1.068 produções representadas por seus resumos, no
período de 1987a 2009, e que constituem o “corpus” deste balanço,
que passaremosa analisar, por meio de três perguntas básicas:

Queme quando investigaram?

Sobre o que investigaram?

Com que e como lidaram como tema?

Quem e quando investigaram?

A intenção neste tópico não éo de identificaçãoeanálise da produção


individual, masa de verificara origem institucionale sua distribuição
pelopaís, namedida em que seconsideraessaprodução como expressão
das tendências de pesquisa dos programas de pós-graduação.

Assim sendo, na Tabela 1 apresentamos a distribuição da produção


pelainstituição de ensino superiorem que dissertações de mestrado
e teses de doutorado foram defendidas:

a forma como o banco está montado nos obrigariaaefetuara busca por meio da modalidade “qualquer
uma das palavras”. Se utilizarmoso descritor “educação especial”, nesta modalidade, teremos um acervo
inicial de 86.924 produções, pois estariam contabilizadastodas as produçõesem que contivessem alguma
das duas palavras do descritor. Mas istoaindanão garantiria a exaustibilidade da busca, na medida em
que não estariam contempladas produções que nãousassem a expressão “educação especial”, mas quese
voltassem a esse campo, como, por exemplo “escolarização de alunos com deficiência” (no exercício de
buscaforam encontradas 54.597).

217

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

218

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Verifica-se, em primeiro lugar, que a concentração da produção no sul


sudeste (todas as IES dos dois primeiros sub-blocos) que responde
por praticamente 69% detoda a produção, com exceção da UFMS, com
destaque para o estado de São Paulo (com seis IES entreas treze com
maior produção), seguido pelo Rio Grande do Sul (com três IES) eas
quatro demais dispersas pelos estados de Santa Catarina, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, além do Mato Grosso do Sul, com a presençajá
citada da UFMS.

O destaque da região sudeste merece dois reparos: a presença


de somente uma universidade do Rio de Janeiro, que é sempre
muito presente no campo, mas que, com exceção da UERJ, parece
não ter redundado em organização de grupos de pesquisa que
congregassem professores com interesse na educação especial;
da mesma forma, estanha-sea ausência de IES de Minas Gerais,
especialmente se levarmos em conta que é um dos estados
brasileiros que reúne o maior contingente de universidades
federais.6

Ainda com relação à concentração de pesquisas, cabe colocar em


relevoa hegemonia da UFSCar, cuja produção é mais do que o dobro
da segunda IES (USP), o que mostraa força que exerce sobrea área
o único programa brasileiro exclusivo de educação especial.

A segunda observação diz respeito à característica da origem


institucionalem quea incidência das produções foi elevada, quer seja
aquelas que se situaram entre 50 a 100 produções ou as que ficaram
entre 20 e 40: todas essas instituições têm larga tradição na área, com
quadros de pesquisadores bastante reconhecidos.

outra característica marcante e distinta das encontradas em outros


balanços (por exemplo, a de MARIN, BUENO e SAMPAIO, 2005) é a pouca
dispersão da produção, pois se é fato que, em 24 instituições, foram
defendidas apenas uma produção nos 23 anos cobertos por este balanço,
em outras 22esse númerovariou entre 10e 187. Em outras palavras, essas

6 Somente computando-se as universidades federais, o Rio de Janeiro contacom quatro IES e Minas Gerais,
com seis.

219

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

instituições levarama defesa entre pouco menos de uma produçãoa cada


dois anos (as que foram responsáveis por 10trabalhos) até a UFSCar, que
apresentou a impressionante média de oitotrabalhos defendidos por ano.

A relação concentração/dispersão da produção poderá ser melhor


analisada mais abaixo quandoanalisarmosa sua incidência em relação
aos orientadores.

Com relação à instância administrativa das instituições, os resultados


estão expostos na Tabela 2.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso: mar./2010.

Égritanteo número de produções oriundas de instituiçõespúblicas, com


destaque para as universidades federais, em relação das instituições
privadas: as 815 produções das instituições públicas foram distribuídas
por 49 IES, o que perfaz uma média de 17 produções por instituição,
enquanto que as 253 das privadas se distribuíram em 40 IES, com a
média de pouco mais de seis por instituição. Essa diferença fica ainda
mais gritante quando se verifica que o número de instituições de ensino
superiorpúblicas no Brasilé praticamente 10% dasinstituições privadas7.

Reitera-se, portanto, na educação especial, o mesmopanorama de todas


as áreas de conhecimento: de um lado, instituições públicas de ensino
superior, acompanhadas por pequeno número de instituições privadas

7 Segundo dados do Ministério da Educação, estavam emfuncionamento,em 2010 no Brasil, 278instituições


de ensino superior públicase 2.377 privadas (BRASIL. MEC. INEP, 2011)

220

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

(10% do total) que cumprem a função de pesquisa, além da do ensino e,


de outro, instituições privadas dedicadas somente aoensino.

A tabela 3 apresenta os dados referentes às áreas de conhecimento dos


programasdepós-graduaçãoemqueasdissertaçõesetesesforamdefendidas.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso: mar./2010.

Com relação aos programas de pós-graduação em que essas produções


foram defendidas, a grande concentração nos de Educaçãojá era esperada
que, se somadas às de educação especial, educação físicaepsicologia (com
tradição de pesquisas na área)atingiremosa 87,5% detoda a produção.

221

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Asproduções no campo específico dasaúde (Reabilitação/Fonoaudiologia


e Ciências da Saúde) são em quantidade pouco expressiva, certamenteem
razão do descritor (educação especial), utilizado para busca no Banco de
Teses da CAPES.

Oterceiro bloco, correspondentea áreas específicas do currículo escolar,


mostra que o tema da educação especial é maistratado na área de artes,
componente não obrigatório, enquanto que áreas como história, geografia
ebiologia englobam muito poucosestudos específicos sobre características
dessa população em relação àaprendizagem de conteúdos específicos.

Apesar de, proporcionalmente, o campo das ciências sociais apresentar


pequena produção (2,1% do total), a produção efetivada deveria ser
objeto de estudo, na perspectiva apontada por Skrtic (1996)8.

A distribuição por grau de titulação está disposta na Tabela 4.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso: mar./2010.

Na medida em que a duração dos cursos de doutorado é praticamente


o dobro do mestrado e que o número de cursos de mestrado é muito

8 Skrtic (1996), quando faza crítica sobre o conhecimento da área nos EUA, conclui que a restrição de seus
fundamentos à medicinaepsicologia expressa uma perspectiva individualizante da deficiência, sugerindo
que falta, à área, a incorporação das perspectivas teóricas das ciências sociais.

222

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

superior aos de doutorado, era de se esperaruma diferença significativa


entreas suas produções, mas vale destacar que, nos 23anos cobertospelo
levantamento, a média anual de defesas de doutoradoatingiuoitoteses, o
que parece ser um indicador deadensamento da pesquisa na área.

Considerando quea área de educação tem sido tradicionalmenteavessa


à criação de mestrados profissionalizantes, o número de trabalhos
defendidos nesta modalidade é bastante reduzido.

Apesar de não ser objeto deste trabalho, valea pena arguir as razões
pelas quais a área de educação especial não tem discutido a possibilidade
epertinência de elaboração de mestrados profissionais para a formação
do professor especializado, poisteria como clientela potencial aquela já
formada na docência.

A distribuição da produção por orientador éapresentada na Tabela 5.

223

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

notas:

* A média anual foi obtida pela fórmula {(Orientações concluídas : 24)


: Orientadores} e estima o tempo médio despendido por orientação
concluída.

** em 21 resumos do banco de teses da cApes não constam os nomes


dos orientadores, razão pela qual foramaqui colocados para que não
interferissem nos cálculos de distribuição entre os orientadores que
efetivamenteatuaram nesse período.

Verifica-se, em primeiro lugar, que ocorrem grandes discrepâncias


em relação a possíveis focos de pesquisas, expressas pelo número
de orientações por orientador, variando deapenas uma até vinte e
quatro, durante todoo período investigado, ou seja, enquanto alguns
orientadores concentraram número expressivo de orientações no
período, no outro extremo um enorme número de pesquisadores
se responsabilizou por pouquíssimas orientações, como é o caso
dos mais de 350 que orientaram apenas uma produção nos 24 anos
cobertospela pesquisa.

Assim, seas 511 produções que foram da responsabilidade de um a


cinco orientadores (média anual 0,06 de dissertação/tese orientada
por ano) expressam uma dispersão encontrada em outros balanços9,
o fato de dez professoresterem sido responsáveis por 164 produções
mostra uma alta concentração em alguns pesquisadores, na medida
em quealcançaram uma média entre uma e 0,70 orientações por ano
e que constituem referências reconhecidas da área.10

9 Marin, Bueno e Sampaio (2005), em balançotendencial de pesquisas sobre a escola, utilizando o mesmo
banco de dados, constataramque3professoresresponsabilizaram-se,cadaum,por mais de 20orientações,
perfazendo um total de 325 trabalhos, ou seja, 9,3% da produçãototal; 56 responderam pela orientação,
cada um, de dez a vinte produções, totalizando 766 orientações (21,9% do total); 162 professores
orientaram, cada um, de cincoa dez produções, totalizando 1.035 trabalhos (29,6%). Se somarmos todos
esses, verificaremos que 232 professores, respondendo por entre cinco e 30 orientações cada um, foram
responsáveis por mais de 60% da produção, enquanto 746 acadêmicos, cada um orientando entreume 4
trabalhos, responderam por 1.372 orientações, ou seja, praticamente 40% da produção.

10 Esses foram os orientadores, com as respectivas orientaçõese instituições: Enicéia Gonçalves Mendes
(24 – UFSCar); Rosana Glat (23 – UERJ); Leila Regina D’Oliveira de Paula Nunes (17 – UERJ); Claudio

224

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Entreaqueles que foram considerados como de média concentração,


expressa pelos 28 professores que orientaram entre seis e doze
trabalhos, ocorre uma dispersão menos significativa11, que vai desde
um pesquisador responsável por uma orientação a cada dois anos (12
: 24 = 0,50) até seis professores que tiveram sob sua orientaçãouma
produção em pouco mais de três anos, o que pode estar evidenciando
que parte deles sejam novos pesquisadores, absorvidos pela pós
graduação nos últimos anos, que estejam elegendo a educação de
surdos como foco de pesquisa.

No entanto, a alta dispersão evidenciada por aqueles que


orientaram entre uma a cinco produções, que aqui significa baixa
concentração, durante todo o período, é bastante preocupante,
por um lado, porque perfazem praticamente 64,0 % de todas as
orientações, envolvendo mais de 90% dos orientadores que se
voltaram a esse tema; além disso, essa expressiva dispersão de
orientadores evidencia que um tema bastante específico, como o
da educação especial, não deve tem se constituído como foco para
a maioria dos orientadores.

Ou seja, se por um lado verifica-se que alguns pesquisadores e


algumas instituições evidenciam, peloaltonúmero de dissertações/
teses orientadas, uma possibilidade de acúmulo de conhecimento
sobre a educação especial, por outro lado, a extrema dispersão
verificada no outro extremo, pode estar expressando uma reiteração
de temas e procedimentos de pesquisa que pouco têm a contribuir
para o avanço da investigação na área.

A distribuição anual das dissertações e teses está apresentada na


Tabela 6.

Roberto Batista (16 – UFRGS); Júlio Romero Ferreira (13 – UNIMEP); Antonio Celso de Noronha Goyos
(14 – UFSCar); Soraia Napoleão Freitas (14 – UFSM); José Geraldo Silveira Bueno (14 –- PUC/SP); Lucila
Maria Costi Santarosa (13); Maria da Piedade Resende da Costa (13 - UFSCar).

11 Cabe lembrar que enquantoo intervalo entreas orientações consideradas dealta concentração é de 11
produções (24 para 13), aquiela se reduz para a metade (entre 12e 6), o que explica a menor dispersão
de orientações entre os orientadores,

225

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso: mar./2010.

Verifica-se movimento semelhante ao encontrado em outros balanços:


crescimento paulatino, com concentração a partir do final dos anos de
1990, compraticamente 87,% detoda a produção.

pode-se subdividir o período em três subperíodos: o primeiro


caracterizado por pequena produção anual, sempre inferior a dez
(1987/1993); o segundo, pelo crescimento crescente e paulatino das

226

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

produções que vão de pouco acima de uma dezena a mais de setenta


(1994/2004); o terceiro, pela consolidação da pesquisa no campo da
educação especial, comprodução anual superior a cem (2005/2009).

Essesachadosse coadunamcomaquelesencontradosporFerreirae Bueno


(2011, p. 2), sobre os trabalhos apresentados no GT-15 da ANPEd, em
que constataram que “as pesquisas relacionadas à área chegamà ANPEd
no próprio momento em que se discute a criação do GT”e que antes de
1991, encontraram referência somente a um trabalho apresentado nas
Reuniões Anuais da Associação. Ou seja, éem meados dos anos de 1980
que a pesquisa em educação especial começa a seconstituir como campo,
para além do interesse de alguns pioneiros localizados.

Por outro lado, reflete também o crescimento da própria área da educação


na pós-graduaçãobrasileira: de 39 programas, com 39 cursos de mestrado
e 5 de doutorado existentes em 1991 (WARDE, 1993), atingimos 113
programas,com106cursosdemestradoacadêmico,55cursosde doutorado
e 7 de mestrados profissionais, em 2011. (BRASIL. MEC. CAPES, 2011).

Mas, além desse crescimento, nãosepode deixar de considerar, pelomenos


como hipótese, quea educação de alunos com deficiência, especialmente
pela implementação de políticas de inclusão no ensino regular, a partir do
final da década de 1990, deveter exercido grandeatração na produção
de pesquisas em educação especial, conforme os dados do Gráfico 1
apresentado no próximotópico.

Em síntese, no que se referea queme quandose investigou, verifica-se que:

• Aprodução é originária fundamentalmente deinstituições


públicas de ensino superior, a grande maioria dogoverno
federal, comalta concentração no eixo Sul-Sudeste;

• Ocorre uma alta concentração de orientações sob a


responsabilidade de pesquisadores experimentados
e reconhecidos, de um lado, e, de outro, uma grande
dispersão entre orientadores menos experientes;

• Aprodução concentra-seem programas de educação, com

227

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

destaque para o PPG em Educação Especial da UFSCar,


responsável por 17,5% detoda a produção nacional;

• A baixa incidência de investigações em áreas como


as de Políticas e Desenvolvimento Social, Ciências
Sociais e Direito (num total de 28) expressam a pouca
incorporação das ciências sociais na investigação da
educação especial12, como indicou Skrtic (1996); e

• Houve um crescimento anual paulatino e constante


das produções, com distribuição entre um conjunto de
instituições, com consolidação nos últimos cincoanos.

Sobre o que se investiga

Este tópico será dedicado ao que se procura investigar na educação


especial, iniciando-se pela denominação dada pelos autores à população
envolvida em suas investigações, o que está apresentadonas Tabelas7e8.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso: mar./2010.

12As áreas de históriae geografia não estão incluídas neste comentárioporque as pesquisasse voltaram ao
“ensino especial de” enãoa aspectos históricose geográficos em relação à deficiência.

228

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Emboraa maioria das produções denominea população investigada como


“deficiência”, praticamente 40% a designam pelo termo “necessidades
educacionais especiais (NEE)”, situação que demonstra a fragilidade da
área neste aspecto, poisse essas últimas se referemàs deficiências em geral,
deveriam explicitar que se voltam a elas e nãoa genéricas necessidades
educacionais; se, por outro lado, não se voltam somente para a população
com deficiência, transtornos e distúrbios, ampliam o campo da educação
especial para âmbito que não deveria fazerparte dele13.

A tabela 8 apresenta a distribuição do tipo de deficiência investigado


entreas 601 produções que assim designaram a população investigada.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso: mar/2010.

A distribuição apresentada segue os padrões encontrados em outros


balanços, com a deficiência intelectual sendo responsável por mais de
40% detoda a produção. Assim, verificamos que, enquanto a média anual

13 Poralguns indícios dos resumos e por experiência anteriorem outrosbalanços, aampliação da população
para além das deficiênciase dos distúrbios parece muito pouco provável, o que me leva a crer que a maior
parte dessa produção utiliza a expressão “NEE” como sinônimo de “deficiência”.

229

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

de produções acerca da deficiência intelectual é superior a dez, a da


deficiência física é pouco mais do que duas.

Por outro lado, o número reduzido de quadros não especificados ébem


reduzido, o que demonstraa precisão com que esse dado étratado nos
resumos, diferentemente de outros comentados mais abaixo.

Embora estejamos em “tempos de inclusão”, os processos de educação


especial (classes e escolas especiais, salas de recursos, professor
itinerante etc.) foram mais investigados queos desenvolvidos no sistema
regular de ensino, tal como mostraaTabela 9.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso: mar/2010.

* A quantidade total é superior a das produções porque muitas delas


designaram mais de um tipo de escolarização.

No entanto, nãose pode deixar de considerar que 1/3 da produção, numa


área com largo histórico de segregação da população com deficiência em
escolas e classes especiais, se voltaraoensino regular, reflexo certamente
das políticas de inclusão de alunos com deficiência no ensino regular,.

Poroutro lado, o percentual de 13% de resumos que, emborainvestiguem


processos escolares, não designam o tipo de escolarização investigado,
expressa a imprecisão de boa quantidade deles.

230

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

A distribuição no tempo das produções segundo o tipo de escolarização


investigado é apresentada no gráfico abaixo.

Gráfico 1
Distribuição anual das dissertações eteses, portipo de
escolarização investigado (1987/2009)

Fonte: Elaborado peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES.


Disponívelem: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso:
mar./2010.

Pode-se constatar que a partir de 1993, quando o número de dissertações


e teses sofreu incremento das produções, as investigações sobre os
processos especiais de ensino foram superandoaqueles que focalizaram
oensino regular, as primeiras alcançando 30 produções em 1998, contra
10 que realizaram suas investigações na escola regular.

A partir de 2000, as produções voltadas ao ensino regular sofreram


incremento constante e significativo, incremento esse sempre
acompanhado daquelas que investigaram a escolarização especial.

231

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Ou seja, apesar de toda a ênfase das políticas governamentais para a


inclusão dealunos com deficiência no ensino regular, ocampoacadêmico
da educação especial continuou investigando os processos especiais de
escolarização, evidente pelo formato muito próximo das duas curvas
tendenciais, sendo que no último ano de pesquisa chegaram a número
idêntico de produções (72).

A Tabela 10 apresenta os dados referentes ao campo temático das


dissertaçõese teses.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES.


Disponívelem: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses Acesso:
mar.2010.

* A quantidade de bases é superior a das produções porque muitas delas


designaram mais de um campo temático.

Constata-se que a grande maioria das produções se volta para os


processos educacionais desenvolvidos nas escolas, o que, de um lado,
parece superar o estágio em que as atividades clínicas de diagnóstico
e de reabilitação constituíam o foco de interesse das pesquisas, por
outro, pode estar evidenciando uma restrição ao campo pedagógico
estrito, sem que se estabeleça relação entre elee as determinações

232

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

políticase sociais mais amplas, na medida em que as investigações


desenvolvidas no campo das ciências sociais foiem número bastante
reduzido (ver tabela 3).

Em síntese, as dissertações e teses se voltam predominantemente


para as deficiênciase distúrbios (apesar de um bom número que assim
não designa a população investigada), com alta concentração sobre
a deficiência intelectual, com ênfase nos processos desenvolvidos
pelos profissionais da educação especial em detrimento dos do
ensino regular, com a instituição escolar como foco hegemônico das
investigações.

De que forma investigaram?

Neste último tópico, serão abordadas as formas pelas quais os


mestrandos e doutorandos têm desenvolvido suas investigações, por
meio da orientação metodológica adotada, aabordagem de pesquisa eo
referencial teórico indicado.

A Tabela 11 apresenta os dados sobre a orientação metodológica


adotada.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso: mar./2010.

233

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Éimpressionantea incidência depesquisas de orientação qualitativa, eo


ínfimo número de investigações que utilizaram dados quantitativos, ou
seja, toda esta produção nãoparece seguira máxima expressa por Gramsci
(1986) de que quantidade e qualidade, em termos de ação política, são
indissociáveis, namedida em queumagrande quantidade com qualidadebaixa
é um mau indicador deações políticas, bem como o inverso, ou seja, excelente
quantidade queatinge a uma pequena parcela também não é desejável14.

Com relação àabordagem depesquisa, verifica-se, pelos dados daTabela


12, que a maioria esmagadora se dirige à investigação de campo, com
pequeno número de investigações teóricas ou históricas, o que parece
demonstrar que assim como nos EUA (Cf. SKRTIC, 1996), a pesquisa
teórica sobre educação especial é pouco valorizada.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso: mar./2010.

Por outro lado, não se pode confinar as consequências teóricas das


investigações somente às pesquisas teóricas, mas ao tratamento que
pesquisas de campo recebem e o grau de generalidade que alcançam,
especialmente como fruto da relação empiria-teoria estabelecida. Nesse

14 [...] quando se contrapõe a qualidade à quantidade [...] contrapõe-se, na realidade, uma certa qualidadea
outra qualidade, uma certa quantidadea outra quantidade, isto é, faz-se uma determinada política e não
uma afirmação filosófica. [...] Sustentara “qualidade” significa, precisamente, apenas isto: manterintactas
determinadas condições de vida social, nas quais alguns são pura quantidade, outros pura qualidade
(GRAMSCI, 1986, p. 50).

234

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

sentido, caberia investigar, no que tange às pesquisas de campo, aquelas


que efetivamente contribuem para o avanço do conhecimento da área.

Sea simples designação das bases teóricas não podeser encarada como
a sua utilização na produção de conhecimento novo, a sua não indicação
sugere que tem se dado pouco valora essa exigênciadapesquisa científica,
o que podemos verificar pelos dados apresentados na Tabela 13.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso: mar.2010.

* A quantidade de bases é superior a das produções porque muitas delas


designaram mais de uma fonte.

Cabealertar, em primeiro lugar, que o critério para incluir determinada


vertente teórica foio de que ela estivesse explicitamente indicada como
tal no resumo; desta forma, seum trabalhofez referência a um autor, mas
não deixou claro queele lhe serviu de baseteórica, elenão foi incluído.

O primeiro elemento a chamara atenção éaenorme quantidade de


produções, cujos resumos não indicamas vertentesteóricas ou os autores

235

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

que serviram de base para sua investigação. Seo fato de não constarem
dos resumos não pode ser avaliado como não tendo referência (que
pode estar indicada no texto integral), comprova, no entanto, a pouca
importância que a pesquisa na área outorga a essas bases.

Nesse sentido, valea pena retornar mais uma veza Skrtic (1996, p. 35),
de que o conhecimento disseminado na área parece ser tão básicoaos
especialistas que, em grande parte, se apresenta como assentado, na
medida em que possui uma disciplina teórica subjacente, uma ciência
aplicada ou tecnologiaeum componente de habilidade eatitude práticas
baseadas exatamente no conhecimento básico e aplicado subjacente.

Asegunda consideração a fazer diz respeito àimportância quea Psicologia


tem como referência teórica da educação especial, seguidas pelas da
Pedagogiae da própria educação especial, enquanto que as bases sociais
situam-seem segundoplano.

Se desconsiderarmosaenorme quantidade de resumos que não fazem


referência a qualquerbaseteórica, a distribuição entre diferentes campos
de conhecimento evertentes teóricas fica mais clara, conforme pode se
verificar pelos dados da Tabela 14.

Fonte: Elaborada peloautor a partir dos dados do Banco de Teses da CAPES. Disponível
em: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso: mar/2010.
* O marxismo foi colocado à parte dateoria social porque háuma vertente
de estudos sobre educação muito forte com base nele.

236

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

Poresses dados, pode-severificar a hegemonia da Psicologiaatingindo


praticamente um terço da produção; se reunirmosas produções comesta
base àquelas que designaram a Pedagogia, a própria educação especiale
a linguagem como suas bases, veremos que praticamente 73% delas se
utilizam. Ao contrário, as produções que designam alguma vertente da
Teoria Social (incluindoa Filosofia), chegama pouco mais de um quinto
do total.

Interessante verificar a completa ausência das bases médicas nesses


resumos, emboragrandeparte dessas produções utilizem caracterizações
e classificações médicas da deficiência (de caráter obrigatório, na minha
visão, se a pretensão for de alguma precisão em relação à população
investigada), mas nãoa considera como baseteórica.

Em síntese, no que tange às formas pelas quais se investiga, a hegemonia


das pesquisas qualitativas é quase que absoluta, assim como as pesquisas
de campo, em detrimento das teóricas e históricas, tendo como base
fundamental a Psicologia e a Pedagogia, com fortes indícios de que a
produção se encerra no conhecimento prático enão avança em termos de
conhecimento teórico.

Considerações finais

Após a apresentação dos resultados encontrados nos 1.068 resumos


de dissertaçõese teses defendidas no período entre 1987 e 2010, cabe
aquiapresentar algumas das consequências que podemos inferir.

Com relação às instituições responsáveis por essas produções ficou


evidente que, mesmo em áreas em que a pesquisa exige poucaestrutura
material (ao contrário, por exemplo, da Medicinae Engenharia, que
muitas vezes exigem equipamentos de custo elevado), a presença
das instituições privadas é pífia. Ou seja, se é verdade que a pós
graduaçãobrasileira é, hoje, o lócus privilegiado de investigações, ficou
evidente que, no caso da educação especial, ela se dá primordialmente
nas instituições públicas, com poucas instituições privadas como
coadjuvantes. Seconsiderarmos que a grande expansão das instituições

237

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

privadas, inclusive da elevação de muitas delas ao nível de universidade,


se deu nos anos de 1980e 1990, pode-seafirmar, sem erro, de que após
10 ou 20anos de sua criação ou de elevação ao status de universidade, a
produção científica dessas instituições é reduzidíssima.

O segundo comentário que merece ser feito diz respeito à alta


concentração da produção em programas com larga tradição na área, que
congregamum conjunto reconhecido de pesquisadores/orientadores, ao
lado de uma grande dispersão de orientadores responsáveis por uma ou
duas produções cada. No entanto, secotejarmoso total das instituições
em queocorreu a defesa de uma única produção em todoo período (24)
como número de pesquisadores que foram responsáveisporapenasuma
orientação (373) veremos que essa dispersão não se dá somente nas
instituiçõesondeatuamos pesquisadores reconhecidos, masse estende
por grande número delas, mesmoaquelas com elevada produção.

Com relação à área de conhecimento em que se situam os respectivos


programas, aalta concentração na área da Educação (praticamente 80%
de toda a produção) era de se esperar, assim como as da Psicologia e
da Saúde-Reabilitação, o que parece confirmar, em âmbito nacional, as
duas críticas feitas por Skrtic (1996): de que a maior parte da produção
acadêmica da educação especial se restringe ao conhecimento que ele
denominou como ”conhecimento prático”, e à hegemonia da Psicologiae
da Medicina como os campos teóricos sobreas quais a educação especial
seapoia. Vale também destacar a importância do único programa em
educação especial (UFSCar), não somenteem termos do seu escopo, mas
por ser responsável por mais de 17% detoda a produção nacional.

Apesar de todas as demais produções serem pouco representativas em


termos de incidência (somadas atingem apenas 95 trabalhos), seria
interessante investigar o que se pesquisa sobre educação especial para
além das áreas da educação e da saúde.

Seo incremento significativo das produçõesanuais deve manter relação


com o próprio crescimento do número de programas de Educação no
períodoinvestigado, esseparecenãoseroúnicofator, namedida em quese
verifica grande concentração em programas mais antigos e consolidados,
ou seja, parece que as linhas de pesquisas voltadas à educação especial

238

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

desses últimos tenhamse fortalecido, quer seja pelaampliação do número


de orientações daqueles pesquisadores que as constituíram, quer de sua
ampliação por meio da incorporação de novos quadros, aspecto que
também mereceria estudos mais detalhados.

O uso da expressão “necessidades educacionais especiais”, sem uma


delimitação clara e precisa da população investigada parece ser a ponta
doiceberg da pouca densidade científica que boaparte dessa produção
apresenta, decorrente da absorção pouco refletida de definições oriundas
do campo político, sem o necessário crivo crítico.

Assim, se a Declaração de Salamanca define como “necessidades


educacionais especiais” uma ampla gama de problemas que
interferem nos processos de escolarização15, entre eles, a deficiência,
a Constituição Federal de 1988, quando se reporta a esse alunado,
restringe-o aos alunos com deficiência16. Ou seja, do ponto de
vista conceitual a caracterização da população é convergente, na
medida em que na primeira a deficiência é uma das categorias
que englobam o conceito de “necessidades educativas especiais”.

Por outro lado, a atual LDBEN n. 9394/96, ao detalhar, como lei


complementar, o dispositivo constitucional, estabelecido pelo inciso
supracitado, não se restringe à população com deficiência, mas a
educandos com necessidades especiais17. Entretanto, ao detalhar as
distintas possibilidades de escolarização desse alunado, refere-sea

15En el contexto de este Marco de Acción el término “necesidades educativas especiales” se refiere a todos
losniñosyjóvenes cuyas necesidadesse derivan de su capacidadosusdificultadesdeaprendizaje. Muchos
niños experimentan dificultades de aprendizajey tienen por lotanto necesidades educativas especiales
en algún de su escolarización (sic). as escuelastienen que encontrar la manera de educar con éxito a
todos los niños, incluidos aquellos con discapacidades graves. (Conferencia Mundial sobre Necesidades
Educativas Especiales, 1994, p. 6).

16Art. 208 – O dever do Estado coma educaçãoseráefetivado mediante agarantia de: (…) III – atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino
(Brasil, 1988).

17 Art. 4o. – O dever doestado coma educação escolar pública seráefetivado mediante a garantia de: (…) III
–atendimento educacional especializado aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente
na rede regular de ensino (Brasil, 1996).

239

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

classes, escolas ou serviços especializados o que parece remeter ao


alunado com deficiência.

Ora se o conceito “necessidades educativas especiais” está sujeito


à tamanha ambiguidade, a sua utilização em trabalhos acadêmicos
avançados deveria ser efetuada de forma mais cuidadosae precisa.

Por fim, a partir dos achados referentes às bases teóricas das produções
vou retomar as contribuições de Skrtic (1996), pois a alta incidência das
bases declaradas na psicologiae na educaçãoparece reiterara duplaface
dapesquisa neste campo: de um lado, o da produção de conhecimento
prático que, embora possa favorecer alguns resultados em termos de
atendimento, não favorece o avanço do conhecimento teórico neste
campo; de outro, o apoio hegemônico na Psicologia parece corresponder
à crítica desse autor da ausência das Ciências Sociais na produção de
conhecimento na área, ou seja, o confinamento das possibilidades
deatuação, com base exclusiva nas características intrínsecas dessa
população e não na relação entre essas características e as condições
sociais que, mais do que serem analisadas como resultados da relação
indivíduo-meio, são constituidoras de sua subjetividade,

Enfim, esteéumbalançopreliminar que procurou, pormeio delevantamento


eanálise das dissertaçõese teses sobre educação especial, indicar algumas
virtudes e algumas de suas fragilidades, esperando queele possa contribuir,
de alguma forma, para o aprimoramento da pesquisa neste campo.

Referências bibliográficas

ALVARENGA, L. A institucionalização da pesquisa educacional no Brasil: estudo


bibliométrico dos artigos publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos
– 1944/74. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 1996.

AMADO, T.; FÁVERO, O.e GARCIA, W. E. Paraumaavaliação dos periódicos brasileiros de


educação. InASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EPESQUISAEM EDUCAÇÃO –
ANPEd. Avaliação e perspectivas na área de educação. Porto Alegre: ANPEd, 1993.

240

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

ANDRADE, M. da C. L. de. saber educacional: um mapa da produção acadêmica


discente (PUC/SP - USP: 1990-1997). Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.

ANDRÉ, M.; SIMÕES, R. H.S.; CARVALHO,J. M.e BRZEZINSKI, I. Estado daarte daformação
de professores no Brasil. educação & sociedade, v. 20, n. 68, dez. 2001.

BRASIL. MEC. CAPES. banco de teses. Disponívelem http://www.capes.gov.br/servicos/


banco-de-teses. Acesso em 25/7/2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

BRASIL. Lein 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional.

BRASIL. MEC. CAPES. Mestrados/doutorados reconhecidos. Disponível em http://


conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/Acesso em 8/11/2011.

BRASIL. MEC. INEP. censo da educação superior. Disponívelem http://portal.inep.gov.br/


visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/divulgado-censo-da-educacao-superior?redi
rect=http%3a%2f%2fportal.inep.gov.br%2f. Acesso em 7/11/2011.

BRZEZINSKI, I.; GARRIDO, E. Análise dos trabalhos do GT de Formação de Professores: o


que revelamas pesquisas do período: 1992/1998. revista brasileira de educação, n. 18,
set./dez. 2001.

BUENO,J.G.S;MARIN,A.J.Criançascomnecessidadeseducativasespeciais,apolíticaeducacional
ea formação de professores: dez anos depois. In CAIADO, K. R. M.; JESUS, D. M.; BAPTISTA, C.
R. professores e educação especial: formação em foco. Porto Alegre: Mediação, vol. 2, 2011.

BUENO, J. G. S. A produção discente doPEPGem Educação: História, Política, Sociedade


(PUC/SP) no campo dos processos de escolarização, desigualdades sociais e deficiência
(2004/2007). In JESUS, D. M.; BAPTISTA, C. R.; BARRETO, M. A. S. C.e VICTOR, S. L. (org.)
Inclusão, práticas pedagógicas e trajetórias depesquisa. Porto Alegre: Mediação, 2007.

BUENO, J. G. S. Alunos e alunos especiais como objetos de investigação: das condições


sociais às condições pessoais adversas. In FREITAS, M. C. de (org.) desigualdade social
e diversidade cultural na infância e na juventude. São Paulo: Cortez: 2006.

241

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

BUENO, J. G. S. As dissertações sobre a escola: balançotendencial da produção doPPGEEs


– 1981/2001. In MENDES, E. G.; ALMEIDA, M. A.; WIILIAMS, L. C. DE A. (org.) temas em
educação especial: avanços recentes. São Carlos, EDUFSCar, 2004.

CALEFFO, D. Epistemologia da pesquisa educacional: análise da produção sobre éticae


educação nas universidades públicas paulistas (2000-2005). Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas 2009.

CEVASCO, M. E.. Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paze Terra, 2001.

CONRADO, A. L. A pesquisa brasileira em etnomatemática: desenvolvimento, perspectivas,


desafios. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

CURY, C. R. J. Diagnóstico e avaliação depesquisas em teses e dissertações no ensino do 2o


grau no Brasil. Belo Horizonte: Fundep, 1989.

FERREIRA, J. R. e BUENO, J. G. S. Os 20anos do GT Educação Especial:gênese, trajetóriae


consolidação. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, ABPEE, v. 17, 2011.

GATTI, B. A Pós-graduação e pesquisa em educação no Brasil: 1978-1981. cadernos de


Pesquisa, n. 44, fev. 1983.

GATTI, B. A. Pesquisa em educação: um tema em debate. Cadernos de Pesquisa, n. 80, fev.


1992.

GOUVEIA, A.J. A Pesquisa educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, n. 1, jul. 1971.

GOUVEIA, A. J. A Pesquisa sobre educação no Brasil: de 1970 para cá. cadernos de


Pesquisa, n.19, dez. 1976.

GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

MARIN, A.J.; BUENO,J. G.S. eSAMPAIO, M. M. F. Escola como objeto de estudo nostrabalhos
acadêmicos brasileiros:1981-1998. Cadernos depesquisa, v. 35, n. 124, 2005, p. 171-199.

MARTINS, A. de M. Uma metanálise qualitativa das dissertações sobre equações


algébricas no ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática)
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

242

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

MEGID NETO, J. Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível


fundamental. Tese (Doutorado em Metodologia do Ensino) – Universidade Estadual
de Campinas, 1999.

NUNES, L. R.; FERREIRA, J.; GLAT, R.; MENDES, E. Pesquisa em educação especial na
pós-graduação. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.

PARAÍSO, M. A. Estudos sobre currículo no Brasil: tendências das publicações das


últimas décadas. educação & realidade, v. 19, n. 2, jul./dez. 1994.

PATTO, M. H. de S. O Fracasso escolar como objeto de estudo: anotações sobre as


características de um discurso. Cadernos de Pesquisa, n. 65, mai. 1988.

SKRTIC, Thomas S. La crisis en el conocimiento de la educación especial: una


perspectiva sobre la perspectiva. In FRANKLIN, Barry M. (comp.). Interpretación de la
discapacidad. Barcelona: Pomares-Corredor, 1996.

SOUZA, R. F. A produção intelectual brasileira sobre currículo a partir dos anos


80. em Aberto, v. 12, n. 58, abr./jun. 1993.

SZENCZUK, D. P. (In)Disciplina escolar: um estudo da produção discente nos


programas de pós-graduação em Educação (1981-2001). Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade Federal do Paraná, 2004.

VELLOSO, J. Pesquisa educacional na América Latina: tendências, necessidadese


desafios. Cadernos de Pesquisa, n. 81, mai. 1992.

WARDE, M. J. A Educação como objeto de conhecimento: uma abordagem histórica


e epistemológica. In Anais do Seminário Internacional sobre Perspectivas en la
Formación del Pedagogo. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1988.

WARDE, M.J. A Produção discente dos programas de pós-graduação em educação


no Brasil (1982-1991). In ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISAEM EDUCAÇÃO – ANPEd. Avaliação e perspectivas na área de educação.
Porto Alegre: ANPEd, 1993.

WARDE, M. J. O papel da pesquisa na pós-graduação em educação. cadernos de


Pesquisa, n. 73, mai. 1990.

243

Junqueira&Marin Editores
ApEquisA brAsilEirAsobrE EducAção EspEciAl: balançotendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009)

WEBER, S. A Produção recente na área da educação. Cadernos de Pesquisa, n. 81,


mai., 1992.

WILLIAMS, R. cultura e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.

WILLIAMS, R. Marxismo y literatura. Barcelona: Ediciones 62, 1980.

244

Junqueira&Marin Editores
SOBRE OS AUTORES
A EscolA coMo obJEto dEEstudo: EscolA, dEsiguAldAdEs, divErsidAdEs

SOBRE OS AUTORES

AUTORES ESTRANGEIROS

ANTÓN COSTA RICO é professor catedrático da Universidade


de Santiago de Compostela, ex-diretor do Instituto e decano
da Faculdade de Ciências da Educação da mesma Universidade.
Doutorou-se em Ciências da Educação pela Universidade de
Salamanca (1982), com tese sobre a temática histórico-educativa
contemporânea. Em 2010, era Membro do Conselho Escolar
da Galícia e Presidente da Sociedade Espanhola de História
da Educação. Publicou dez livros e numerosas contribuições
em revistas acadêmicas e obras editoriais coletivas, com
foco ha história da educação, políticas educativase educação
comparada.

MARCELO ALBERTO CARUSO é professor do Departamento de


História da Educação, do Instituto de Ciências da Educação, da
Universidade Humboldt (Berlim), licenciado em Ciências da
Educação pela Faculdade de Filosofia e Letras, da Universidade
de Buenos Aires e Doutor em Filosofia pela Universidade Ludwig
Maximilian, de Munique. Tem desenvolvido projetos de pesquisa
no campo da História da Educação, com ênfase na América Latina e
publicado um conjunto de livros, capítulose artigos em periódicos
especializados, bem como é membro de conselhos editoriais de
revistas científicas da Colômbia, Argentina, Alemanha e Espanha.

IVOR F. GOODSON é professor de Teoria da Aprendizagem, do


Centro de Pesquisa Educacional, da Universidade de Brighton,
com doutorado pela Universidade de Sussex, tendo recebido o
título de doutor honorário pela Universidade de Gotemburgo
(Suécia), bem como mais de uma dezena de prêmios pela suas

249

Junqueira&Marin Editores
SOBRE OS AUTORES

contribuições no campo do currículo escolare da aprendizagem. É


membro dos conselhos editoriais de elevado número de periódicos
especializados, bem como consultor de órgãos públicos de
educação ingleses e europeus. Éreconhecidamente um dos nomes
mais importantes do campo de estudos do currículo escolar
com uma produção bibliográfica e de pesquisa reconhecida
internacionalmente.

THOMAS M. SKRTIC é professor catedrático e coordenador do


Programa de Doutorado em Política e Administração da Educação
Especial, do Departamento de Educação Especial, da Universidade
do Kansas, com doutorado em educação especial pela Universidade
de Iowa. É membro dos conselhos editoriais de duas dezenas de
periódicos especializados, tendo sido membro e consultor de
diversas equipes profissionais de educação especial, em âmbito
nacional, regional e local. Possui enorme produção acadêmica,
com dezenas de livros, artigos e capítulos publicados com foco
na educação especial, com ênfase nos processos políticos e
escolares de produção da deficiência entreas camadas populares
e as minorias étnico-raciais, por ele denominados de injustiça
institucionalizada.

AUTORES NACIONAIS

ALDA JUNQUEIRA MARIN é professora do Programa de Estudos


Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tendo se licenciado
em Pedagogia e doutorado em Ciências da Educação pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro e obtido o
título de livre-docente pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”. Émembro de conselhos editoriais de diversas
revistas especializadas em educação. Publicou vários artigos em

250

Junqueira&Marin Editores
SOBRE OS AUTORES

periódicos e em anais de eventos, possui vários capítulos de livros


e livros publicados e participaintensamente deatividades técnicas
em educação em eventos internacionais e nacionais, órgãos
de fomento à pesquisa e entidades científicas. É reconhecida
nacionalmente por sua trajetória no campo da didática, currículo
e formação e prática docentes.

CIRCE MARIA FERNANDES BITTENCOURT é professora do


Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História,
Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, com graduação em História, pós-graduação em Metodologia
e Teoria de História, mestrado e doutorado em História Social
pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da
Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de história
das disciplinas e currículos escolares e educação indígena,
desenvolvendo atualmente pesquisas sobre a história dos livros
didáticos, mantendo a organização do banco de dados LIVRES
referente aos livros didáticos brasileiros de 1810 a 2007. Possui
uma larga produção bibliográfica, distribuída por livros, capítulos
eartigos em periódicos especializados, abrangendo a história da
educação, o ensino de história ea educação indígena.

JOSÉ GERALDO SILVEIRA BUENO é professor do Programa de


Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade,
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com graduação
em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, mestrado em
Distúrbios da Comunicação e doutorado em Educação: História,
Política, Sociedade, da PUC/SP. Atua na área de educação, com
ênfase nos processos de inclusão/exclusão escolar, em particular,
na educação especial, sendo membro de diversos conselhos
editoriais de revistas especializadas e com qualificada produção
bibliográfica, particularmente no campo da educação especial,
com ênfase nas políticas educacionais, bem como nos processos
de escolarização de alunos com deficiência auditiva.

KAZUMI MUNAKATA é professor do Programa de Estudos Pós


Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, com graduação em Filosofia,

251

Junqueira&Marin Editores
SOBRE OS AUTORES

pela Universidade de São Paulo (1976), mestrado em História,


pela Universidade Estadual de Campinas (1982) e doutorado em
História e Filosofia da Educação, pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1997). Tem expressiva produção
bibliográfica qualificada com ênfase em História da Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: livro didático,
história da educação, ensino de história, história das disciplinas
escolares. Atualmente desenvolve pesquisa intitulada A educação
dos sentidos na escola contemporânea brasileira (séculos XIX
XX): projetos, práticas, materialidades. Épesquisador-bolsista do
CNPq.

ORGANIZADOR

DANIEL FERRAZ CHIOZZINI é professor do Programa de Estudos


Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com mestrado e
doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.
Na época de realização do Seminário Internacional que deu origem
a esta obra, cumpria estágio de Pós-Doutorado no Programa
(bolsista PNPD/CAPES), tendo participado ativamente de sua
organização, assim como da organização desta coletânea, em
conjunto com os professores José Geraldo Silveira Bueno e Kazumi
Munakata. Aprovado em processo seletivo em 2013, ingressou
como professor permanente nesse programa, integrando a
Linha de Pesquisa Educação Brasileira: produção, circulação e
apropriação cultural e o Grupo de Pesquisa (CNPq) História das
Instituições e dos Intelectuais da Educação Brasileira, tendo como
focos principais de investigaçãoa históriae memória da educação
brasileira, educação e ditadura militar, comênfase na história das
escolas experimentaise ginásios vocacionais.

252

Junqueira&Marin Editores
А ESСОЦА
СОМО
ОВЛЕТО
DE ESTUDО
ESСОЦА,
DESIGUALDADES,
DIVERSIDADES

oose GвRдLoo sl vвlRд вовNo


кдzUM| МUNдкдтд

ОдNIEL EERRдz СН|Оzz|N|

— сведы2досев3

|
JUN9uERA8МАRN
ЕртокEs

о5
cАРЕ S

А вдрEsp

Potrebbero piacerti anche