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Frontões
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Hemetério Cabrinha
1
Hemetério Cabrinha - Frontões
Aos que me repudiam; aos que me odeiam; aos meus inimigos, esses que me ensinaram a
perdoar e esquecer as ofensas:
***
A Homenagem do Autor
***
Carmen Cinira
***
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Hemetério Cabrinha - Frontões
Índice
Sumário
Homenagem
Proêmio
Tortura da Glória
Pambiose
Lendo Bilac
Evocação
Resignação
Geminidade
Quem fui e o que serei
De onde venho
Convicção
Revelação
Avareza íntima
Desconhecido
Dentro da noite
Visão do passado
Muscando Deus
Benedicite
Reparação
Em busca da perfeição
Eterna trajetória
Metamorfose
Hora extrema
Vida efêmera
Canção da dor
A caridade
Conselho
Ser antes de ser
Após a morte
Aleluia
Hora lenta
Entre extremos
A aranha
O grilo
Aos que me julgam
Por enquanto, não
Relembrando
Entre cardos
Extremos
Aos que sofrem
Destino da raça
Impossível
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Hemetério Cabrinha - Frontões
Desolação
Meu aniversário
O Amazonas
Canção do Amazônida
A tapera, a mulher e o cão
Parêmias
Boiúna
A pororoca
Execração
Enganoso natal
Ronda sinistra
Filosofando
Poemas do meu amor para o meu amor
Encontro
Enganos
Idílio
Regresso
Esquecer
Por que não dizes
Recordando
Tudo passou
Romance íntimo
Angustiado
Cuidado
Amor atualmente
Para que falar de amor
Término
Sem título
Caprichos
Impossível
Maldição
Alma entre escombros
Fiat-Lux
Preto-Velho
Itatiaia
Visões
Satan
Caim
O Cristo do Corcovado
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Hemetério Cabrinha - Frontões
HOMENAGEM
Max Carphentier
(Discurso de Posse na Academia
Amazonense de Letras, em 11.09.85)
PROÊMIO
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TORTURA DA GLÓRIA
PAMBIOSE
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LENDO BILAC
EVOCAÇÃO
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RESIGNAÇÃO
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GEMINIDADE
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Na transcendente hereditariedade,
A minha rude personalidade
Chegou a ser o que é na vida hodierna.
DE ONDE VENHO?
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CONVICÇÃO
REVELAÇÃO
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AVAREZA ÍNTIMA
DESCONHECIDO
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DENTRO DA NOITE
VISÃO DO PASSADO
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ANGÚSTIA
BUSCANDO DEUS
Coordenando idéia multiformes,
Nos seus anseios e impulsões enormes
O homem procura a Causa Originária
De tudo quanto no universo vibra,
Agita-se, palpita e se equilibra,
Do protoplasma à vida planetária.
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É a super-ação germiniana,
Fora das normas da ciência humana
Gerando a vida em novos infusórios.
BENEDICITE
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REPARAÇÃO
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EM BUSCA DA PERFEIÇÃO
ETERNA TRAJETÓRIA
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METAMORFOSE
No unicelular desdobramento
Experimenta um novo sentimento
E, apta torna à vida da matéria
HORA EXTREMA
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VIDA EFÊMERA
CANÇÃO DA DOR
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A CARIDADE
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CONSELHO
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APÓS A MORTE
(Lendo Leon Denis)
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ALELUIA
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HORA LENTA
ENTRE EXTREMOS
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A ARANHA
O GRILO
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29
Hemetério Cabrinha - Frontões
RELEMBRANDO
ENTRE CARDOS
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EXTREMOS
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Hemetério Cabrinha - Frontões
DESTINO DA RAÇA
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IMPOSSÍVEL
DESOLAÇÃO
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Hemetério Cabrinha - Frontões
MEU ANIVERSARIO
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O AMAZONAS
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CANÇÃO DO AMAZÔNIDA
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PARÊMIAS
(Lendo Soares Bulcão)
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BOIÚNA
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A POROROCA
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EXECRAÇÃO
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ENGANOSO NATAL
RONDA SINISTRA
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FILOSOFANDO
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Componho-os no sofrimento
No prazer ou no amargor.
Filhos de meu sentimentos,
Componho-os no sofrimento,
Pensando no meu amor.
Inexpressivos, vazios,
Sem sal, sem luz, sem sabor;
Retalhos d’alma sombrios;
Inexpressivos, vazios,
Mas cheios de meu amor.
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ENCONTRO
Propenso a terminar minha jornada
Encontrei-te na curva do caminho.
Trazias a alma triste, desolada,
E eu desolado pelo mundo vinha.
Tinhas o aspecto da ave abandonada
E eu a aflição do pássaro sem ninho.
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ENGANOS
Porque me deste sorrindo
Tantos beijos, tanto amor?
E agora de mim fugindo,
Em meu seio vais abrindo
Uma cratera de dor!
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Hemetério Cabrinha - Frontões
É simplesmente um insulto
Ao meu eterno lembrar.
IDÍLIO
Quando nós dois a sós nos encontramos,
As nossas almas lúbricas se beijam.
Rebentam rosas no verdor dos ramos
E aves em festa pelo azul voejam.
REGRESSO
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ESQUECER
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RECORDANDO
neste alpendre nu, escancarado ao vento,
Que eu passei com você as horas mais ditosas.
Confundindo nossalma e o nosso pensamento,
Estreitando a sorrir as nossas mãos nervosas.
TUDO PASSOU
Meu coração ao teu amor trancou-se,
A alma nem mais em teus afetos fala.
Meu castelo ruiu, desmoronou-se
E em mar de fel minha ilusão resvala.
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ROMANCE ÍNTIMO
ANGUSTIADO
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CUIDADO
Não me beijes assim, toma cuidado
Com essas bocas livres, maldizentes!
Teus beijos são demais fortes, ardentes,
E eu temo as consequências do pecado.
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AMOR ATUALMENTE
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TÉRMINO
SEM TÍTULO
A alguém presa à minha vida
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CAPRICHOS
IMPOSSÍVEL
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MALDIÇÃO
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FIAT-LUX
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PRETO-VELHO
Enlaçados, sacudidos
No fundo da embarcação;
Entre gritos e gemidos
De uma negra multidão.
E quanto mais se gritava,
Duro chicote vibrava
Nos lombos nus a doer.
Era um inferno fervendo,
Uns gritando, outros gemendo
Na agonia do sofrer.
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ITATIAIA
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xxx
Descansemos um pouco, enquanto a alma se ajusta
Às impressões sutis desta gleba robusta
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A Amazônia...
A lendária e soberba Amazônia
Coberta de labéus, de injúria, de felônia
Onde vive a gemer na selva abrutalhada
Uma gente infeliz, exausta, atormentada
Pelo deprezo atroz e angústia impenitente
Que os lobos da Nação lhe votam rudemente.
Arracando-lhe mais O esforço que a consome,
Para empapar de gozo outras terras sem nome...
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VISÕES
A história da humanidade apresenta fases
bem terríveis que só se pode encarar com
horror ou com um sentimento de piedade.
Rossi de Giustiniani
I
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II
Amargo transe. A febre continua
E o meu delírio é cada vez mais forte.
Intensa dor meu coração apua
Qual se tivesse me chegado a morte.
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Hemetério Cabrinha - Frontões
III
A noite avança. Tudo em torno dorme.
E em minha febre estúpida, violenta,
Doi-me a cabeça e, nesta dor enorme,
Tenho a impressão que o cérebro rebenta.
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IV
Abatido, cansado, pesaroso,
A lucidez me vem por um momento;
Enquanto um infeliz tuberculoso
Tosse ao lado a gemer noutro aposento.
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V
Como um vulcão flamífero rugindo
Em minha trágica alucinação,
Ouço vozes de horror repercutindo
Nas entranhas da terra em maldição.
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VI
Não mais querendo ouvir terrível onda
De ecos e gritos ensurdecedores;
Vejo, entretanto, outra sinistra ronda
De miseráveis seres sofredores.
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Apóstolos-do-Bem, da liberdade;
Da justiça, da paz. . . almas amantes
Negam do Cristo a rútila bondade
Para matar de fome os semelhantes.
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SATAN
II
SATAN, - o estardalhante espírito lendário -
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IV
Esbraseia-se o ar. . . Terríveis, bordonantes
Repercutem na terra estrondos infernais
Lavra a agonia, a dor e, aos gritos lancinantes,
Roma se desmorona em rubras espirais.
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V
Congloba-se num rir toda a maldade humana;
Leoparda-se num olhar toda a humana bondade
A alma quejulga ser potente, soberana,
É como um ponto de i dentro da imensidade.
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XXX
SATAN - gênio revel que os séculos arrastam
À retransformação das gerações futuras;
Um dia sonharás os sonhos que se engastam
Na auréola divinal das grandes almas puras.
XXX
E tu, ó “Besta humana”, hidra que ao seio tranca
Um doido coração repleto de heresia
Tira, suspende, extrai. desatarracha, arranca
A máscara brutal da megalomania!
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CAIM
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II
Eras remotas, trágicas, poeirentas,
Calcadas no mais bárbaro destino
Que te acompanha, célebre Beduíno,
Em cavalgadas doidas e sangrentas,
Falam de ti às gerações que passam
Atormentadas pelos teus suplícios...
Louco! Teus sonhos pelo mundo traçam
Horrorosos vulcões de dor e vícios.
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Hemetério Cabrinha - Frontões
XXX
Que buscas afinal nesta terrível luta,
Sem um riso de amor que tua dor consagre?
Tu, que a Sócrates deste a terrível cicuta,
E ao Cristo, a cruz, o fel e a esponja de vinagre?
Ícaro! - cortaste as tuas próprias asas
E queres te ascenderás regiões sublimes!
Debalde! . . Rolarás por este chão de brasas,
Condenado a sofrer pelos teus próprios crimes
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XXX
Na voragem do acaso, entre o sonho e a quimera,
Entre o vício e a virtude, arrojas-te sedento
Ao pântano da vida, à dantesca cratera
Onde expira a razão e estruge o sofrimento.
III
Horas de desespero, horas tumultuosas;
Ninfas rubras do tempo em célicos volteios,
Bailam doidas pelo ar, graves e tenebrosas.
Atrôpos infernais em feros devaneios
Inclinam sobre a terra as lâminas malditas,
Para arrancar do mundo os últimos anseios.
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XXX
Quando a hora final vibrar pelo Infinito,
Acordando em tua alma os mortos sentimentos;
De cada átomo teu há de escapar um grito
Num concerto infernal de choros e lamentos.
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CRISTO DO CORCOVADO
No escalavrado píncaro da serra,
Que o luar alveja e a luz do sol estanha;
E onde a cidade, abençoando a terra,
Se espreguiça na falda da montanha;
Ergue-se o Cristo-Redentor, coitado!
Braços ao ar, o triste olhar cravado
Na base de granito que o suporta
De alma apagada e a consciência morta.
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Os três últimos poemas: “Satan”, “Caim” e “Cristo do Carcovado”, reedito no presente volume por se
acharem esgotados as suas edições, e ser inúmeros os pedidos para reeditá-los.
H.C
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Anexos
Informação Biobibliográfica
Hemetério Cabrinha (seu verdadeiro nome é Hemetério José dos Santos) nasceu na capital do
Ceará e veio para Manaus em 1916, aos vinte e quatro anos, O sobrenome Cabrinha se deve a um apelido
de infância que o poeta resolveu conservar. Escritor ativo, chegou a fundar um grêmio literário chamado
Academia dos Novos, cujo nome demonstra aquela inquietação do período que iria resultar na fundação,
em 1954, do Clube da Madrugada. Seu último livro, Frontões, foi publicado em 1958. Um ano depois
morria o poeta em Manaus,
Obras:
O meu sertão. Manaus: Palais Royal, 1920.
Satã. Manaus: Palais Royal, 1922
Vereda iluminada. Manaus; Imprensa Pública, 1932.
Caim. Manaus, s. n., 1934.
Frontões. Manaus: Sérgio Cardoso, 1958.
Contexto
O Ciclo da Borracha - O chamado Ciclo da Borracha é o período da história do Amazonas que
abrange, mais ou menos, as duas últimas décadas do século XIX e a primeira do século XX. São cerca de
trinta anos em que o Estado se transforma radical e violentamente. A exportação da borracha passou de
997 toneladas, entre 1858 e 1862, para mais de 44.000 toneladas apenas no ano de 1911. Em 1910, a
borracha atingiu seu preço máximo no mercado internacional, trazendo para Manaus a vida fácil de
riqueza e luxo repentinos. Quatro anos mais tarde a bancarrota e a falência já se estampavam sem
retoques em toda a cidade, agora reduzida á condição de província. A cidadezinha com casas de palha
que, de um instante para outro, se viu transformada numa cópia tropical das capitais européias, agora era
obrigada a sobreviver apenas com os restos do banquete.
Nem sempre se salienta o fato de que o período de esplendor econômico foi também marcado
por acidentes políticos, algumas vezes bastante sangrentos. Golpes e traições, tomadas de poder,
bombardeio nas ruas, saques aos cofres públicos, tudo isso, enfim, compôs um capítulo vivo e
movimentado da história do Amazonas. Em outubro de 1910, tropas federais bombardearm e invadiram
Manaus e, forjando documentos, depuseram o governador Antônio Bittencourt. Em 1913, ocorreu uma
rebelião na Polícia Militar. Os revoltosos dominaram o quartel e saíram pelas ruas espalhando pânico,
destruindo prédios e empastelando jornais. O governador que veio a seguir, Pedro de Alcântara Bacelar,
enfrentou outra revolta no dia mesmo de sua posse em 1917.
Com a queda do preço da borracha, a situação econômica do Estado era deplorável. Os
funcionários públicos, sem receber por vários meses, eram obrigados a vender seus salários por valor bem
mais baixo aos amigos dos governantes que, logo a seguir, conseguiam liberar a quantia exata. Foi nesse
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Hemetério Cabrinha - Frontões
clima que ocorreu a chamada Revolução de 1924, quando o tenente Ribeiro Júnior liderou a tomada do
poder e o confisco de bens e contas bancárias. A “revolução” não durou dois meses sequer.
O epílogo do período, provocado pela queda do preço da borracha no mercado internacional e
pela oferta desmedidamente mais barata do látex produzido racionalizadamente na Malásia, constitui-se
num dramalhão burguês com suicídios e lances melodramáticos daquela elite bruta, composta por
coronéis de barranco e filhos educados na Europa, incapazes de dar resposta aos problemas da região.
Sonho e Pesadelo - O Estado do Amazonas arrastou-se em crises políticas e econômicas até meados da
década de 1940, quando eclodiu a II Guerra Mundial. Com a impossibilidade de trazer a borracha da Ásia,
os Estados Unidos tentaram fazer retornar a produção da heveo brasiliensis no Amazonas. Foi nesse
período que muitos nordestinos se dirigiram ao nosso Estado, formando os Exércitos da Borracha. Mas o
que havia sido sonho no século passado logo se transformou em pesadelo e retomou o caos econômico.
Hemetério Cabrinha foi mais um dos nordestinos que para cá vieram certamente com grandes
esperanças. Como tantos outros, ele viveu os últimos dias do esplendor e a ilusão de um novo período de
fastígio.
A Obra
Frontões foi o último trabalho publicado por Hemetério Cabrinha. O poeta estava com sessenta e
seis anos e parece que tentou reunir no livro o que julgava ser o melhor de sua obra. Por isso, agregou aos
novos poemas três publicações anteriores, Satã, Caim e O Cristo do Corcovado. Já aqui se manifesta o
caráter híbrido de Frontões. Esse caráter poderá ser percebido em outras de seus aspectos, como
veremos.
Abre-se o livro com um “Proêmio”, em que o poeta descreve sua arte. A idéia central é a de que
os poemas podem ser falhos na forma e não atingirem o nível das obras-primas, mas são autênticos
porque nasceram dos sofrimentos verdadeiros do poeta. Neles os sentimentos teriam o poder de suavizar
a dor existencial que se manifesta em quase toda a obra:
Se meus versos não têm o esplendor da obra-prima,
A pureza da forma e a nobreza da rima...
Se lhes falta fulgor;
Há neles, entretanto, agudos sentimentos
Suavizando o clamor dos grandes sofrimentos
Urdidos pela dor.
O próprio título revela sua vocação ornamentalista: frontões são peças de madeira, ferro ou
mármore que adornam o alto das janelas e das portas. Assim, os poemas seriam “enfeites”, grandiosos,
mas apenas enfeites. Esse é o rastro parnasiano de Hemetério Cabrinha. Sabemos que o parnasianismo
estava profundamente imbricado com a arquitetura, de onde retira o modelo de seus versos e poemas.
Mas Hemetério Cabrinha não é um simples parnasiano. Embora lhe dê prazer o ornamentalismo da
arquitetura, ele não é impassível (avesso à dor e à paixão, como os autênticos amantes do Parnaso), bem
ao contrário, apresenta-se crispado, sofrendo tragicamente, com o mundo, ãs vezes, com o amor e,
outras vezes, com as injustiças.
O gênero - O livro inscreve-se no gênero lírico, uma vez que grande parte de seus poemas são
meditações e/ou expressões de um “eu lírico” diante de um mundo que o perturba profundamente -
observe-se a predominância do soneto (poema composto por dois quartetos e dois tercetos), muitas
vezes sob a forma de alexandrinos (versos com doze sílabas métricas). Entretanto, contrabalançando a
predominância lírica, ocorrem poemas seminarrativos que se aproximam do gênero épico. Esse é o caso
dos já citados Satã, Caim e O Cristo do Corcovado, longos poemas que fecham o livro e são precedidos por
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Hemetério Cabrinha - Frontões
“Visões”, também seminarrativo e longo. O poeta buscou fazer como que uma passagem entre o novo
livro, Frontões, e aqueles que já haviam sido publicados algum tempo antes.
Temas - Basicamente, o livro trabalha com 6 temas;
a) o inconformismo do poeta diante da incompreensão dos homens que o rodeiam, como nos exemplos
abaixo:
O mundo me foi sempre avesso, duro, escasso:
Eu vivo como que entre tenazes de aço,
Sem direito a gemer nem desferir um grito.
O que me apraz, porém, anima-me, consola,
É ter esta amplidão azúlea por gaiola
E poder contemplar os astros no infinito.
(“Resignação “)
Além de sua incompatibilidade com os demais, o próprio mundo se torna inimigo do poeta. No poema
“Por enquanto, não”, esse mundo aparece como um terrível lupanar imundo.
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Hemetério Cabrinha - Frontões
c) a lírica amorosa: em que a relação aparece de duas maneiras, como realização ou como frustração,
sem predomínio de uma sobre a outra. Leiam-se os poemas “Enganos” e “Idílio”, dois exemplos.
d) a crítica social a Castro Alves: muitas vezes a crítica social de Hemetério Cabrinha se expressa em
poemas de temáticas diversas, mas há alguns que são especificamente sociais. É o caso de “Preto velho” e
de “Itatiaia”, este último, ainda que um tanto anacrônico, talvez seja o que melhor ele pôde produzir. Há
nesse grupo bons instantes e até mesmo o nacionalismo e a denúncia contra o colonialismo ainda hoje
encontram seguidores:
...A Amazônia...
A lendária e soberba Amazônia
Coberta de labéus, de injúria, de felonia
Onde vive a gemer na selva abrutalhada
Uma gente infeliz, exausta, atormentada
Pelo desprezo atroz e angústia impenitente
Que os lobos da Nação lhe votam rudemente.
Arrancando-lhe mais: O esforço que a consome,
Para empapar de gozo outras terras sem nome...
e) o regionalismo: vários poemas de Frontões são dedicados a cantar a Amazônia, seja em sua pobreza
econômica (observe-se a relação desses textos com o contexto histórico), seja na beleza natural, seja na
relação entre a vida do homem e os elementos da floresta. Representativos são os poemas “O
Amazonas”, “Canção do amazônida”, “Boiúna”, e “A pororoca”.
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Hemetério Cabrinha - Frontões
f) uma tendência de filosofia: no poema “O grilo” o poeta cria uma espécie de fábula em que o
comportamento dos animais se toma exemplo para a vida humana. Leiamos outro, “A aranha”:
Estilo - Frontões oscila entre três estilos: o Romantismo social de Castro Alves, o Parnasianiso de
Oiavo Bilac e um Simbolismo enlanguescido que reponta aqui e ali ocasionalmente. Longe de se tratar de
uma exceção, essa flutuação estilística de Cabrinha pode ser atribuída a quase todos os poetas que
escreveram entre o Ciclo da Borracha e a metade inicial de nosso século. É fácil notar ainda em seu estilo
uma influência de Augusto dos Anjos, influência nem sempre utilizada com o mesmo talento do poeta
paraibano que não tinha, como Hemetério Cabrinha, um visão religiosa da existência. As marcas de
Augusto dos Anjos aqui aparecem mais num vocabulário meio científico e meio antipoético, como em
“óvulo miserríssimo”, “embrioginia”, “podridão dos úteros inchados”, “a expansão genésica do sexo”,
entre muitos outros exemplos que podem ser selecionados.
Hibridismo - Como vimos, Frontões é um livro híbrido em vários aspectos. No gênero, vai do
lirismo ao narrativo; no estilo, oscila entre Romantismo condoreiro, Parnasianismo e Simbolismo, esse
último em menor grau. Nos temas, trata de experiências românticas, de revelações filosóficas, da
realidade amazônica, da revolta humana e da concepção espiritualista da existência. Nem sempre essas
coisas combinam harmonicamente. Por exemplo, as injustiças sociais denunciadas em vários textos
chocam-se com a idéia de que um espírito criador organiza o universo Outro exemplo, a felicidade
amorosa de alguns textos se bate contra a idéia do infeliz e desadaptado poeta que aparece em outros
textos. Tais contradições nascem da mistura um pouco incontrolada que atravessa todo o livro.
Autenticidade - Apesar de tantos problemas, algo sobressai nesse livro: a dor do sujeito lírico. Seu
sofrimento e sua incompatibilidade com o mundo parecem, de fato, autênticos, como ele advertiu no
“Proêmio”. Em alguns instantes, consegue mesmo conquistar o leitor. É possível se tornar solidário com
alguém que tanto sofre e que vê o mundo desenrolando-se numa história absurda, trágica e corrupta,
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Hemetério Cabrinha - Frontões
como em suas “Visões”. Ainda que o moralismo do poeta possa ter envelhecido, é possível comovermo-
nos com essa dor que revela sincera honestidade.
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