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19º Congresso Brasileiro de Sociologia

9 a 12 de Julho de 2019
UFSC – Florianópolis, SC
Grupo de Trabalho nº 30: Violência, crime e punição

Estado de exceção e a criminalização dos movimentos sociais no Brasil: uma


análise sobre o projeto que altera a Lei Antiterrorismo

Carolina de Freitas da Cunha


Universidade Federal Fluminense (UFF)

Flávia Mendes Ferreira


Universidade Federal Fluminense (UFF)
Bolsista Capes
“Paz sem voz não é paz é medo.”
Marcelo Yuka

I- Introdução

No ano de 2016, a então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff (PT), sancionou a


Lei 13.260, que regulamentou o disposto no inciso XLIII do art. 5 o da Constituição Federal
e passou a disciplinar o terrorismo e a reformular o conceito de organização terrorista.
Em meio a críticas e disputas político-ideológicas, Dilma justificou a medida como
necessária para garantir a segurança durante os Jogos Olímpicos, que ocorreriam na
cidade do Rio de Janeiro, naquele ano. O texto foi sancionado, porém, com veto aos
artigos que ampliavam o conceito de atos terroristas e com isso forneciam subsídios
jurídicos à criminalização dos protestos e dos movimentos sociais.
Entretanto, apenas três meses depois de sancionada a referida Lei, o senador
gaúcho, Lasier Martins (PSD), apresentou um projeto que visava alterar justamente o
artigo que tipificava os atos de terrorismo, sustentando seus argumentos na reportagem 1
de um periódico semanal, sobre um indivíduo que estaria recrutando brasileiros para a
prática de atos terroristas, juntamente com extremistas do Islã, alegando que o Brasil
estaria diante de uma “ameaça concreta”. A ementa do projeto diz: “Altera a Lei nº 13.260,
de 16 de março de 2016, a fim de disciplinar com mais precisão condutas consideradas
como atos de terrorismo.” (grifo nosso). No texto de justificativa ao projeto 2 o senador
afirma “que a então presidente (Dilma Rousseff) mutilou a Lei Antiterrorismo e, assim,
tornou-a, em aspectos fundamentais, inócua.” O projeto ainda tramita sob a
responsabilidade da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Até 2018 o relator foi
o então Senador Magno Malta (PR). Atualmente, o relator é o Senador Alessandro Vieira
(REDE), com quem o projeto se encontra, desde abril deste ano.
A matéria tratada pelo projeto voltou à cena política em 2018, aquecida pelos
acalorados debates em torno da disputa presidencial. O então senador Magno Malta,
como se sabe, participou intensamente da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), que tem
no endurecimento das leis e da punição e no combate à criminalidade, suas prioridades
de governo. Já eleito, antes mesmo da posse, o atual presidente, Jair Bolsonaro, sinalizou
a intenção de modificar a legislação.
O Projeto de Lei 272/2016, do Senado, visa modificar o que a Lei 13.260/2016
tipifica como terrorismo e ampliar o rol dos “atos de terrorismo” para incluir as condutas de

1 .Matéria intitulada “O EI (Estado islâmico) tem um recrutador de brasileiros: Ismail al-Brazili”, de 2016,
mencionada no texto do próprio Projeto de Lei do Senado n. 272/2016. Disponível em www.12.senado.leg.br. Acesso em 19/01/2019.
2 . Projeto de Lei do Senado n. 272/2016, de autoria do Senador Lasier Martins. Disponível em
https://legis.senado.leg.br. Acesso em 27 de março de 2019.
"motivação política, ideológica ou social” 3 , o que constitui flagrante desrespeito aos
princípios constitucionais e à ordem democrática vigente. Para tanto, analisaremos a
proposta de alteração da referida lei, que se encontra em tramitação no Senado, bem
como suas interações com a atual dinâmica política nacional a partir da ascensão da
extrema direita.
Importante ressaltar que em pesquisas realizadas pelo Senado Federal, sobre os
projetos que tramitam nessa casa, este apresenta mais votos favoráveis que contrários 4.
Ou seja, a modificação da referida lei, que já permite ampla interpretação quanto à
conduta típica a ensejar reparação criminal daqueles considerados terroristas, conta com
significativa adesão política e social e produz efeitos na dinâmica da nossa, ainda
incipiente, democracia. O novo texto, se aprovado, garantirá as condições legais para que
a criminalização de indivíduos e de movimentos sociais passe a operar de maneira
sistemática no Brasil. Há que se considerar que as temáticas relativas à segurança
pública e à violência marcaram o pleito eleitoral de 2018 5, que elegeu presidente Jair
Bolsonaro, candidato da extrema direita, que, ainda em campanha, já utilizava o discurso
de criminalização da esquerda, do Partido dos Trabalhadores (PT) e também dos
movimentos sociais, tratados por ele como “vagabundos”, “esquerdopatas” e “comunistas”.
Entendemos, portanto, que o apoio ao Projeto de Lei tem relação com a utilização
do medo como método, trabalhado na população brasileira, principalmente, através dos
veículos de comunicação, o assanhamento dos discursos de lei e de ordem e as
tecnopolíticas de vigilância que, juntos, projetam a cidade neoliberal para os interesses do
mercado globalizado.
O conceito de estado de exceção, de Giorgio Agamben, orienta este artigo sobre as
propostas de alteração da lei, no que se refere às liberdades de expressão, de
manifestação, de permanência e ocupação dos espaços públicos, enquanto elementos
constitutivos da democracia, e que estão no nosso ordenamento jurídico, entre os direitos
garantidos constitucionalmente.
A partir de um diálogo entre os conceitos de estado de exceção, do filósofo italiano
Giorgio Agamben, território, de Milton Santos, biopolítica, de Michel Foucault, sob a luz
das análises e apontamentos de Vera Malaguti Batista e Juremir Machado da Silva, sobre
nossas raízes históricas, atravessados pelas “tecnopolíticas da vigilância” (BRUNO, 2018),

3 . www.12.senado.leg.br/noticias. Acesso em 17 de Janeiro de 2019.


4
4 . O projeto possui 13.083 votos favoráveis e 12.609 contrários. Disponível em: www.25.senado.leg.br. Acesso em
19 de Maio de 2019.
.
5 Segundo pesquisa Datafolha realizada em Setembro de 2018, para 20% dos eleitores brasileiros, violência deveria
ser a prioridade do presidente que fosse eleito em Outubro do mesmo ano, atrás apenas de saúde. Fonte:
www.g1.globo.com/politica/eleicoes/2018. Acesso em 09 de Junho de 2019.
que projetam a cidade neoliberal como espaço produzido a partir da articulação de
sistemas de objetos e sistemas de ações (fixos e fluxos) e embaralham a fronteira entre o
público e o privado, “dentro” e “fora”, criando uma zona de indistinção, segundo
terminologia agambeneana, este artigo pretende analisar a proposta de modificação da
Lei 13.260 de 2016, conhecida como “Lei Antiterrorismo”, e algumas de suas
ressonâncias na atual conjuntura política brasileira.

II- Biopolítica e estado de exceção na constituição do Estado brasileiro:

Para o filósofo francês, Michel Foucault, a biopolítica constitui-se num momento da


organização política dos estados-nação ocidentais, que surge a partir do século XVIII,
quando as atividades políticas do Estado tornam-se ação de governo sobre a vida
biológica dos indivíduos, ou seja, a idéia de governamentalidade da vida dos indivíduos,
agora percebidos coletivamente. Não se trata da passagem de um “Estado territorial” para
um “Estado de população”, porque não é a substituição de um pelo outro, mas sim, um
novo momento, com novos objetivos, novos problemas e novas técnicas para resolvê-los.
A biopolítica, para Foucault, é um saber que põe no centro de suas preocupações a noção
de população e sua regulação coletiva (FOUCAULT, 1997), diferente do que ocorria nas
sociedades disciplinares, cujo controle era individualizado sobre cada corpo. Na
sociedade biopolítica, esse controle não se dá apenas por meio de técnicas disciplinares,
pois se estende a toda a população que, coletivamente, passa a ser regulada.
Surge, então, uma governamentalidade política, ou “artes de governar”, que está
diretamente ligada às razões do Estado.
Passa-se da arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às
virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos
costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas,
cuidado para se cercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja
racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no
Estado. A “razão do Estado” não é o imperativo em nome do qual pode-se ou
deve-se infringir todas as outras regras; é a nova matriz de racionalidade segundo
a qual o Príncipe deve exercer sua soberania governando os homens (1997, p. 82-
83).

As ações do Estado terão fundamento em uma nova racionalidade, que tem por
objetivo a ação direta sobre a vida dos indivíduos. Trata-se de uma nova regulação sobre
a vida. É neste momento que surgem a estatística, as políticas públicas e sociais, como
as de saúde, educação, assistência social e segurança pública. O Estado, então, começa
a se preocupar com taxas de natalidade e mortalidade, com a prevenção e o controle de
doenças e epidemias, razão pela qual passa a intervir, diretamente, sobre as condições
de vida da população, por meio de ações moralizantes e higienistas. A vida é, então,
capturada pelo domínio da política.
A biopolítica ou o biopoder constitui um conjunto de mecanismos de controle sobre
características biológicas fundamentais, que produz estratégias para o exercício de poder
sobre a vida. É a estatização da vida biológica. Neste processo, o Estado, a partir do
século XVIII, em vez de decidir quem deveria morrer, passou a promover a vida, fazendo
morrer ou deixando viver.

Na teoria clássica da soberania, vocês sabem que o direito de vida e de morte era
um de seus atributos fundamentais. Ora, o direito de vida e de morte é um direito
que é estranho, estranho já no nível teórico; com efeito, o que é ter direito de vida
e morte? Em certo sentido, dizer que o soberano tem direito de vida e de morte
significa, no fundo, que ele pode fazer morrer e deixar viver; em todo caso, que a
vida e a morte não são desses fenômenos naturais, imediatos, de certo modo
originais ou radicais, que se localizariam fora do campo do poder político.
(FOUCAULT, 2010, p. 202).

Esse direito de vida e de morte, quando exercido, é ambivalente, pois significa


dizer que o poder sobre a vida é exercido porque o soberano pode matar (FOUCAULT,
2010, p. 202).
Não é o direito de fazer morrer ou de fazer viver. Não é tampouco o direito de
deixar viver e de deixar morrer. É o direito de fazer morrer ou de deixar viver. […]
O direito de soberania é, portanto, o de fazer morrer ou de deixar viver. E depois,
este novo direito é que se instala: o direito de fazer viver e de deixar morrer
(FOUCAULT, 2010, p.202).

Neste sentido, é razoável concluir que a biopolítica abre caminho para a ampliação
do poder do Estado sobre os corpos, vidas e modos de viver dos indivíduos, e a
soberania estatal amplia a sua atuação. Assim, estão presentes as condições para o que
Giorgio Agamben vai chamar de estado de exceção.
Agamben dialoga com a filosofia política, o direito, a literatura, a história e também
com diversos autores, sobretudo, Michel Foucault, Hannah Arendt e Walter Benjamin, em
sua trilogia, Homo Sacer, se propõe a pensar de que forma a soberania estatal vem
sendo exercida sobre a vida das pessoas, a partir de certos marcos históricos do século
XX.
Para compreender o que Agamben classifica como estado de exceção e relacioná-
lo às medidas propostas para a alteração da Lei Antiterrorismo no Brasil necessário
compreender, antes, seus conceitos de Homo Sacer e de estado de exceção.
Uma das características desse autor é buscar a origem das palavras e seus
diversos significados, nos mais diferentes contextos e períodos históricos. Em distintos
momentos de sua obra, Agamben nos convida a caminhar com ele até lugares muito
distantes, atravessando obras das mais variadas, para compreender a construção do
sentido que ele confere a cada palavra e como o seu conceito será, então, construído.
O método de Giorgio Agamben, ainda que parta de um fundo arqueológico
comum, ao que tudo indica forjado pela leitura constante de Michel
Foucault, possui suas peculiaridades. Os textos do filósofo italiano
costumam se iniciar com um delicado arrolar de referências que funcionam
como a base estrutural de uma constelação. Agamben escolhe e compõe
um conjunto de referências formado por conceitos e idéias, mas também
por fatos ou fenômenos históricos, para depois entrelaçá-los e dar um
desenvolvimento próprio rumo a conclusões mais ou menos inauditas.
Algumas dessas referências podem irradiar setas tão profundas que
atravessam toda a obra, vindo a se cruzar mais de uma vez com outras na
sua irradiação própria (NASCIMENTO, 2010, p. 20).

A partir do conceito de soberania, Agamben cria o conceito de vida nua, que é a


questão principal no livro Homo Sacer I (2010). Homo sacer, ou homem sacro, é o titular
da vida nua, que é a vida matável e insacrificável. A partir da obra do gramático Festo,
Sobre o significado das palavras, Agamben busca o significado do homo sacer, figura do
direito romano arcaico onde o caráter da sacralidade pela primeira vez foi relacionado à
vida humana. É a partir desta obra que Agamben começa a construir a relação da vida
com a soberania. Na obra de Festo, Homo sacer é assim definido
Homo sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito
sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na
primeira lei tribunícia se adverte que “se alguém matar aquele que por plebiscito é
sacro, não será considerado homicida”. Disso advém que um homem malvado ou
impuro costuma ser chamado sacro (AGAMBEN, 2010, p. 186).

O homem sacro, essa figura do direito romano, é o homo sacer, aquele que foi
julgado por um delito, mas que não é lícito sacrificá-lo. “Enquanto sanciona a sacralidade
de uma pessoa, autoriza (ou, mais precisamente, torna impunível) sua morte. […] a
contradição é ainda acentuada pela circunstância de que aquele que qualquer um podia
matar impunemente não devia, porém, ser levado à morte nas formas sancionadas pelo
rito.” (AGAMBEN, 2010, p. 74).
O homo sacer não pode ser sacrificado porque “aquilo que é sacer já está sob
posse dos deuses, e é originariamente de modo particular propriedade dos deuses”
(AGAMBEN, 2010,p. 75). A insacrificabilidade, de acordo com uma das interpretações
presentes no livro Homo Sacer, ocorre, porque aquilo que é sacer, já pertence aos deuses,
além da interpretação que já existiu, que não separava o sacro do impuro, diferente do
significado que damos hoje à palavra sacra. Por isso a complexidade para compreensão
do que é o homo sacer. Ao mesmo tempo que existe a impunidade por sua morte,
também existe o veto de sacrifício.
No interior daquilo que sabemos do ordenamento jurídico e religioso romano, os
dois traços parecem, com efeito, dificilmente compatíveis: se o homo sacer era
impuro, ou propriedade dos deuses, porque então qualquer um podia matá-lo sem
contaminar-se ou cometer sacrilégio? (AGAMBEN, 2010, p. 76).

O homo sacer é o impuro, logo, qualquer um pode matá-lo, sem por isso ser
condenado por homicídio. “A vida do homo sacer […] se situa no cruzamento entre uma
matabilidade e uma insacrificabilidade” (AGAMBEN, 2010, p. 76). Possui uma
ambivalência.
Existe uma ambivalência na vida do homo sacer. Ao mesmo tempo em que é
aquele que é posto para fora da jurisdição, tendo sua vida isolada e banida, também é
exposto ao poder que o colocou para fora. “O homo sacer era um estigmatizado errante
para fora do direito. Nem o direito penal incidia mais sobre ele, nem o direito religioso o
concebia como objeto digno de sacrifício” (NASCIMENTO, 2010, p. 129), portanto, há
uma dupla exclusão do homem sacer, no âmbito religioso e no profano. “Por trás do
longo processo antagonístico que leva ao reconhecimento dos direitos e das liberdades
formais, está o corpo do homem sacro com o seu duplo soberano, sua vida insacrificável
e, porém, matável” (AGAMBEN, 2010, p. 17).
Na tese de doutorado sobre o pensamento de Giorgio Agamben, Daniel Nascimento
chama atenção para o fato de que a modernidade trouxe com ela a concepção de que a
vida é sagrada, que “permite paradoxalmente a nova inscrição da vida como meio pelo
qual se conduz a política, sem deixar de retroalimentar a ambivalência do sacro”
(NASCIMENTO, 2010, p. 130-131). A vida, ao mesmo tempo em que é considerada
sagrada, e, por isso, protegida pelo Estado, é exposta a esse mesmo poder. Vida que é
banida e, por isso, matável. Essa exceção é produzida pela soberania do Estado. “Assim
como na exceção soberana, a lei se aplica de fato ao caso excepcional desaplicando-se,
retirando-se deste, do mesmo modo o homo sacer pertence a Deus na forma de
insacrificabilidade e é incluído na comunidade, na forma da matabilidade”.
Embora Foucault não fale de estado de exceção, ao falar da soberania e de como a
biopolítica se inscreve na vida e na morte entre o rol dos poderes do soberano, ele
percebe a exceção. Agamben vai além, ao dialogar com a obra de Michel Foucault, ele dá
continuidade e tenta responder as perguntas que na obra de Foucault ficam sem
respostas e, em outros casos, como no conceito de biopolítica, constrói uma interpretação
deferente.
A soberania estatal é construída a partir da “dupla exceção, como uma excrescência
do profano no religioso e do religioso no profano, que configura uma zona de indiferença
entre sacrifício e homicídio” (AGAMBEN, 2010, p. 85). O que seria o primeiro direito
humano, a vida, e, por isso, sua sacralidade, que deveria valer inclusive contra o poder do
soberano, na verdade, vemos que essa mesma vida pode ser exposta a morte, pelo
próprio soberano. A soberania do Estado é construída a partir dessa estrutura formal da
exceção (AGAMBEN, 2010, p.85). A exceção faz parte da soberania, porque ela não é
apenas um conceito jurídico ou político presente na formação do Estado. Ela mesma
possui uma “estrutura originária na qual o direito se refere à vida e a inclui em si através
da própria suspensão” (AGAMBEN, 2010, p. 35).
Os gregos possuíam dois termos semântica e morfologicamente distintos para o
que nós chamamos de vida. A zoé, que exprimia o simples fato de viver, comum a todos
os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bíos, que indicava a forma ou a maneira de
viver própria de um indivíduo ou de um grupo. A zoé grega é a vida nua, que vai constituir
o núcleo do poder soberano. O que suspende a lei no estado de exceção é a decisão do
soberano. Na esfera política é a vida nua, em grego, a zoé.
Sacra, isto é, matável e insacrificável, é originariamente a vida no bando soberano,
e a produção da vida nua é, neste sentido, o préstimo original da soberania. A
sacralidade da vida, que se desejaria hoje fazer valer contra o poder soberano
como um direito humano em todos os sentidos fundamentais, exprime, ao
contrário, em sua origem, justamente a sujeição da vida a um poder de morte, a
sua irreparável exposição na relação de abandono (AGAMBEN, 2010, p. 85).

Agamben entende que a soberania já possui em si o paradoxo de que o Soberano


está ao mesmo tempo dentro e fora do ordenamento, já que ele mesmo não assina o
contrato, de acordo com a teoria Hobbesiana. O contrato social, firmado para proteger a
vida, transfere poder de morte para o soberano. Para Agamben, no Leviatã ou no
Contrato Social, “a metáfora central da comunidade política, mantém sempre um estreito
liame com a vida nua” (AGAMBEN, 2010, p. 121). “A grande metáfora do Leviatã, cujo
corpo é formado por todos os corpos dos indivíduos, deve ser lida sob esta luz. São os
corpos absolutamente matáveis dos súditos que formam o novo corpo político do
Ocidente” (AGAMBEN, 2010, p. 122). O poder soberano implica a produção da vida nua,
a zoé grega, o corpo biopolítico6.
Giorgio Agamben entende que a política moderna ocidental transforma o que seria
exceção em regra. O estado de exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem,
mas a situação que resulta da sua suspensão (AGAMBEN, 2010, p. 24). Ou seja, a
exceção integra a soberania. O ato de excluir é chamado por Agamben de bando. Bando
é uma relação de exceção.
A relação de exceção é uma relação de bando. Aquele que foi banido não é, na
verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a esta, mas é abandonado
por ela, ou seja, exposto e colocado em risco no limiar em que a vida e direito,

6 Giorgio Agamben entende a biopolítica de forma diferente da que Michel Foucault compreendia. Enquanto o autor
francês compreende a biopolítica como o exercício do poder a partir de determinado período na modernidade, Agamben entende
como fundamental na vida política.
externo e interno, se confundem. […] É neste sentido que o paradoxo da
soberania pode assumir a forma: “não existe um fora da lei”. A relação originária
da lei com a vida não é a aplicação, mas o Abandono. A potência insuperável do
nómos, a sua originária “força de lei”, é que ele mantém a vida em seu bando
abandonando-a (AGAMBEN, 2010, p. 35).

Ou seja, o estado de exceção é a suspensão da norma num espaço em que a lei


não deixa de vigorar. O estado de exceção não está fora do direito ou do ordenamento
jurídico, mas dentro dele. O soberano, então, passa a ter direitos sobre a vida e a morte
dos indivíduos, o que ocorre através da lei.
De acordo com Agamben, as decisões políticas e também as leis devem ser
profanadas, ou seja, não devem ser tratadas como algo intocável e sagrado. Precisam ser
historicizadas, uma vez que resultam das disputas políticas e ideológicas dos grupos
dominantes. Neste sentido, o processo de tipificação de uma determinada conduta como
crime (atos de terrorismo), e o processo de etiquetamento daquele que irá figurar como
criminoso (terrorista), dependem muito mais de quem elabora e sanciona as leis e da
conjuntura política do momento.
É no campo simbólico, das emoções e da produção de subjetividades, que os
discursos autoritários ressoam e fantasiam idéias de segurança, ordem, controle, entre
outras. O medo, difundido diariamente e insistentemente através dos telejornais, entre
outras mídias, denuncia nossa conformação política e social de matriz racista, classista e
violenta. O historiador Sidney Chalhoub ensina, em suas pesquisas sobre o final do
século XIX e início do século XX, que vários mecanismos jurídicos e policiais foram
desenvolvidos para “modernizar” e “civilizar” a recém-nascida República dos Estados
Unidos do Brasil. Em outras palavras: mecanismos para controlar as classes perigosas.
Perigosas porque populares, pobres.
O problema do controle social da classe trabalhadora compreende todas as
esferas da vida, todas as situações possíveis do cotidiano, pois este controle se
exerce desde a tentativa de disciplinarização rígida do tempo e do espaço na
situação de trabalho até o problema da normatização das relações pessoais ou
familiares dos trabalhadores, passando, também, pela vigilância contínua do
botequim e da rua, espaços consagrados ao lazer popular (CHALHOUB, 2012, p.
51).

A formação do Estado brasileiro é marcada pela exploração mais duradoura da mão


de obra escravizada, na América do Sul; pelo chicote dos senhores de escravos e de seus
capitães do mato; por uma República escravagista e, portanto, antiliberal e
profundamente comprometida com a manutenção de seus privilégios, entre outras
violações e violências.
O trabalho escravo não se perdeu em ninharias cotidianas nem serviu apenas a
dar musculatura ao agronegócio da colônia e do império. Ergueu cidades,
alimentou reis, consolidou fortunas e sustentou o imperialismo da época. Cidades
inteiras têm como alicerce corpos de negros condenados à dor do cativeiro. Nem
sempre se recorda nas biografias das cidades o papel fundamental de seus
construtores anônimos e forçados. (SILVA, 2017, p. 178).

No entanto, apesar de utilizada amplamente por, pelo menos, 388 anos, a mão de
obra escravizada não aparece em nenhuma das constituições vigentes durante o período.
O que não significa que a escravidão não fosse amparada legalmente. O texto
constitucional de 1824 7 é um material importante para o entendimento de como,
historicamente, conciliamos nossas contradições. A manutenção da escravidão não
impediu a natureza liberal da Constituição Imperial, que trazia um grande rol de direitos
fundamentais, inclusive. E é exatamente essa peculiaridade que faz do Brasil um caso
exemplar para a análise do estado de exceção.
O Jornalista Juremir Machado da Silva, em sua pesquisa sobre as raízes do
conservadorismo brasileiro, ensina que:
A escravidão atingiu todos os cantos e recantos do Brasil. Não foi apenas um
modo de produção. Moldou um estilo de vida. Formatou um tipo de relação
cotidiana baseada no medo, na coerção, no castigo corporal e em uma noção
particular de propriedade. Tinha o proprietário direito total sobre o corpo dos
escravos? Podia exigir que as escravas lhe prestassem serviços sexuais? (SILVA,
2017, p. 311).

O liberalismo, em terra brasilis, não poderia confrontar com a plenitude do direito de


propriedade, previsto na Constituição de 1824. Nossa prática jurídica se acostumou a
garantir os interesses exclusivamente expropriatórios das nossas classes dominantes,
ainda que pra isso fossem necessárias medidas contraditórias: “O escravo era coisa
perante a totalidade do ordenamento jurídico (seu seqüestro correspondia a um furto),
mas era pessoa perante o direito penal”8
Na passagem do Brasil Império ao Brasil República, quase nada mudou, além do
nome. Nossa República nasce pouco mais de um ano após a abolição da escravidão e
promulga sua primeira Constituição em 18919. Entre os poderes do Presidente, estava
assegurado:
Art. 48. Compete privativamente ao Presidente da Republica:
(...)
15. Declarar, por si, ou seus agentes responsáveis, o estado de sitio em
qualquer ponto do territorio nacional, nos casos de aggressão estrangeira,
ou grave commoção intestina (art. 6º n. 3; art. 34 n. 21 e art. 80).
Art. 6º O Governo Federal não poderá intervir em negocios peculiares aos
Estados, salvo:

7 .“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade,
a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (...) XXII.
E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso,
e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indenisado do valor della. A Lei marcará os casos, em
que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indenisação.” (grifo nosso). Disponível em
www.planalto.gov.br. Acesso em 25 de maio de 2019.
8 BATISTA, Vera Malaguti. Na periferia do medo. Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial,
Rio de Janeiro, 2003.
9 Constituição de 1891. Disponível em: www.2.camara.leg.br. Acesso em 29 de maio de 2019.
(...)
3º Para restabelecer a ordem e a tranquillidade nos Estados, a requisição
dos respectivos governos;
Art. 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional:
(...)
21. Declarar em estado de sitio um ou mais pontos do territorio nacional,
na emergencia de aggressão por forças estrangeiras ou de commoção
interna, e approvar ou suspender o sitio que houver sido declarado pelo
Poder Executivo, ou seus agentes responsaveis, na ausencia do
Congresso;
Art. 80. Poder-se-ha declarar em estado de sitio qualquer parte do territorio da
União, suspendendo-se ahi as garantias constitucionaes por tempo determinado,
quando a segurança da Republica o exigir, em caso de aggressão estrangeira, ou
commoção intestina (art. 34, n. 21) (sic).

Nota-se que as ambíguas expressões “comoção interna” e “restabelecer a ordem e


a tranqüilidade”, aparecem como fundamento para a suspensão das “garantias
constitucionais” e guardam relação direta com a nova dinâmica social que surgia com o
fim da abolição. Afinal, o que aconteceu no dia 14 de maio de 1888? Para onde iria toda a
população negra recém liberta?
A festa da abolição ainda não havia acabado e os jornais10 já cobravam do governo
um dispositivo disciplinar para conter os novos cidadãos livres:
Centenas de indivíduos sem ofício, e que terão horror ao trabalho, entregando-
se por isso a toda a sorte de vícios, precisam ficar sob um rigoroso regime
policial para assim poderem ser mais tarde aproveitados, criando-se colônias,
para as quais vigore uma lei, como a que foi adotada na França, recolhendo a
estabelecimentos especiais os vagabundos, sujeitando-os à aprendizagem de
um ofício, ou da agronomia, para que mais tarde o país utilize bons e úteis
cidadãos. Assim se praticou nos Estados Unidos depois da emancipação.
(SILVA, 2017, p. 21).

A repressão foi introduzida na nova República para controlar os “excessos”


provenientes da liberdade recém conquistada e se dirigia exclusivamente aos negros e
pobres. O objetivo era garantir os trabalhos agrícolas, proteger a propriedade privada e
evitar a vagabundagem, “com a qual farão sempre boa liga o vício, a pilhagem e o crime”
(SILVA, 2017, p. 22).

III- “Lei antiterrorismo” e a criminalização dos movimentos sociais: a exceção como


regra.
Em que pesem as permanências históricas brasileiras, herdadas do colonialismo,
do escravismo e das experiências de governos ditatoriais, terem forjado nossa
organização social e política e estarem de tal modo entranhadas em nossas relações
cotidianas, a ausência de uma política reparadora, proveniente de um julgamento dos
crimes que constituíram este país, nos deu a falsa impressão de um mal superado; de

10 O jornal cuja matéria foi citada pelo autor, é o Diário de Maranhão. Edição publicada em 14 de maio de
1888.
conciliação e igualdade. Nesse sentido, compartilhamos da interpretação de Edson Teles
e Vladimir Safatle (2010, p. 10), quando afirmam que a negação possui uma lógica
perversa, já que deixa transparecer que o que ocorreu não foi importante ou cruel.
Quando não passamos nossa própria história a limpo, nem politizamos os
acontecimentos, abrimos espaço para discursos perversos que romantizam nossas
experiências violentas.
Certos regimes de produção de subjetividades binárias e antagônicas, aliados às
condições históricas de dominação, implicam fortalecimento e incremento de
estratégias e tecnologias de controle social. Diante de uma sociedade racista,
patriarcal, etnocida, estruturada para favorecer os proprietários e as velhas e
novas oligarquias, experimentam-se modos de anular ou destruir qualquer prática
de resistência. (TELES, Edson. In: SOLANO, Esther. 2018)

A experiência brasileira, marcada pelo fetiche do homem branco, europeu,


dominante, e pela violência com que agiam sobre a população negra escravizada,
dependia de um forte sistema de controle. Na medida em que o tráfico se intensificada e a
população negra crescia e se revoltava, também aumentavam a tensão e o medo dos
senhores de escravos e de suas famílias.
Esse medo também marca o início da República, segrega o espaço urbano e
aparelha o Estado para converter o elemento servil em mão-de-obra mal remunerada,
numa espécie de nova escravidão. A demanda do capitalismo por mão-de-obra impôs
certo disciplinamento para o trabalho, certa estabilidade social e controle da população, o
que exigiu um rigoroso sistema de controle e disciplinamento capaz de fazer a gestão
desse território e de sua economia.
As cidades brasileiras foram urbanizadas a partir da lógica da segregação,
empurrando a população pobre e negra para as margens, sem infraestrutura ou
condições de vida mínimas.
Sobre esse chão e a partir dessa identidade, o Brasil construiu seu território sob o
comando de políticas de controle e governos autoritários. Nosso desenho urbano diz
muito de nossas experiências históricas. A cidade fala! O geógrafo brasileiro, Milton
Santos, ensina que “o território não é apenas o conjunto de sistemas naturais e sistemas
de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como território usado, não o
território em si. O território usado é o chão mais a identidade” (SANTOS, 2011, p. 14). E o
nosso, sangra.
Nossas matrizes políticas e sociais, como se vê, contribuem para que o projeto que
estamos a analisar ressoe e projete as expectativas da classe dominante deste país -
cujas pretensões parecem se repetir indefinidamente.
III.I O Projeto de Lei n.° 272/2016:
O texto em discussão é o do artigo 2º da Lei 13.260/2016, que dispõe:
Art. 2º: O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos
previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror
social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a
incolumidade pública.

O § 1o, desse artigo, traz o rol das condutas que a lei tipifica como atos de
terrorismo. São eles:
I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos,
gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros
meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
(...)
IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a
pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial,
ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de
portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde,
escolas, (...);
V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.

E o § 2o, também do mesmo artigo, esclarece, expressamente, que


(...) não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em
manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe
ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou
reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o
objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem
prejuízo da tipificação penal contida em lei. (grifo nosso).

É justamente esse entendimento que o Projeto de Lei 272/2016 pretende modificar


e, com isso, garantir uma base legal para a criminalização daquilo que constitui a principal
potência da ordem democrática: o direito à oposição.
O texto sugerido pelo Projeto de Lei n.° 272/2019, referente aos mesmos
dispositivos, traz as seguintes e significativas alterações:
O § 1o do art. 2º passará a vigorar com a seguinte redação:
VI – incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou
qualquer bem público ou privado, com o objetivo de forçar a autoridade pública a
praticar ato, abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar
certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral;
VII – interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados,
com motivação política ou ideológica, com o fim de desorientar, desembaraçar,
dificultar ou obstar seu funcionamento. (grifo nosso).

O projeto inclui, ainda, o artigo 3º-A:

Recompensar ou louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação


pela prática dos crimes previstos nesta lei, em reunião pública, ou fazendo
uso de meio de comunicação – inclusive rede mundial de computadores, ou
por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica: (grifo nosso).

Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa.


§1º Nas mesmas penas incorre quem incitar a prática de fato tipificado como crime
nesta Lei.

O texto é bastante claro na intenção de criminalizar os movimentos sociais que,


sobretudo na atual conjuntura, ganham as ruas a partir de mobilizações feitas pela rede
mundial de computadores – a mesma que, inclusive, viabilizou a campanha do atual
presidente. Ademais, reafirma a cultura da vigilância, além de atender às políticas de lei e
ordem, que têm no medo um potente instrumento de controle social, e na construção da
figura da vítima, uma justificativa para aumentar a repressão. Nas palavras de Vera
Malaguti Batista, “o medo é mecanismo indutor e justificador de políticas autoritárias de
controle social” (2003, p. 51).
A dispersão dos espaços públicos, por meio de tecnopolíticas de vigilância, que
configuram as cidades neoliberais, é, na verdade, a negação da própria cidade, porque a
cidade é, historicamente, o lugar do ato público, da negociação, etc. O capitalismo em sua
fase improdutiva 11 , marcado pelo deslocamento do capital de sua base concreta, a
produção, e pelo abandono das tentativas de conciliação com as utopias coletivas, se
dirige, exclusivamente, aos indivíduos, como peças avulsas, razão pela qual se torna
inimigo da cidade e, portanto, dos atos e movimentos que ocupam os espaços públicos e
unem pessoas.
Neste contexto, a lei e os demais aparatos repressivos do Estado, atuam como
dispositivos que contribuem para o deslocamento da centralidade representada pelas
cidades e pelas relações gregárias, que compunham a organização dos espaços urbanos.
Estes processos violentos de ruptura, de expulsão, são viabilizados por uma
“racionalidade” que segrega econômica, social e politicamente, onde a lei cumpre papel
exemplar.
O filósofo e sociólogo francês, Henri Lefebrve (2016, p. 11), em seus estudos sobre
os processos de urbanização e o direito à cidade, afirma que “excluir do urbano grupos,
classes, indivíduos implica também excluí-los da civilização, até mesmo da sociedade. O
direito à cidade legitima a recusa de se deixar afastar da realidade urbana por uma
organização discriminatória e segregadora.”
Trata-se de uma espécie de “adesão subjetiva à barbárie” (BATISTA, 2012), que
conta com a participação de diversos atores sociais, como: polícias, órgãos da
administração publica, órgãos do sistema de justiça e até mesmo políticas de proteção
social, para atender à crescente demanda coletiva por castigo e punição.

11 DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo. São Paulo 2017.


Por tanto, não há “o fora”, a exceção, a suspensão da lei. Ao contrário! É por meio
desta que o Estado Democrático de Direito funciona. A criação de um “inimigo interno”,
forjada em uma ameaça terrorista, comunista, bolivariana, etc., continua a servir ao
propósito de conservação do status quo da classe dominante, dos ganhos do mercado e
da fluidez do capital.

IV- Referências bibliográficas

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Editora UFMG, 2010.

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disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo,
tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de
organização terrorista; e altera as Leis n º 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850,
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