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1º DE NOVEMBRO DE 2016
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27,30 EXEMPLAR DE
ASSINANTE
0475
VENDA PROIBIDA
EDITORA
CONSULEX
10 MEDIDAS CONTRA
A CORRUPÇÃO
IN VOGA TENDÊNCIAS PONTO DE VISTA
LUIZ FLÁVIO GOMES GABRIEL BULHÕES MOZART NEVES RAMOS
ELITE CLEPTOCRÁTICA OU O QUE FOUCAULT TEM A VER COM O ENSINO MÉDIO PEDE
DECÊNCIA? TEMOS QUE A CIÊNCIA ATUARIAL E COM O URGÊNCIA
ESCOLHER DIREITO PENAL DO INIMIGO?
SUMÁRIO
14 CORRUPÇÃO: UM PROBLEMA COM
DIVULGAÇÃO
CAPA
ALTO PODER LUCRATIVO
A Revista Jurídica Consulex, sempre na
vanguarda dos assuntos mais relevantes da
atualidade dos operadores do Direito, nesta
edição publica artigos dos mais renomados
juristas apontando equívocos e acertos
sobre as 10 Medidas contra a Corrupção
que estão em discussão no Legislativo,
onde foram transformadas no Projeto de
Lei nº 4.850/2016, a fim de estabelecer
medidas para coibir os crimes contra o
patrimônio público. Confira! (Página 14)
REVISTA JURÍDICA
ANO XX - Nº 474
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15 DE OUTUBRO DE 2016
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Arion Sayão Romita, Armand F. Pereira, Arnoldo Wald, Benedito Calheiros Bonfim,
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Benjamim Zymler, Cândido Furtado Maia Neto, Carlos Alberto Silveira Lenzi, Car-
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27,30
A
EXEMPLAR DE
ASSINANTE
los Fernando Mathias de Souza, Carlos Pinto C. Motta, Damásio E. de Jesus, Décio
0474
VENDA PROIBIDA
EDITORA
CONSULEX
de Oliveira Santos Júnior, Edson de Arruda Camara, Eliana Calmon, Fátima Nancy
Andrighi, Fernando Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto, Francisco
Fausto Paula de Medeiros, Georgenor de Souza Franco Filho, Geraldo Guedes,
Gilmar Ferreira Mendes, Gustavo Filipe B. Garcia, Humberto Gomes de Barros,
Humberto Theodoro Jr., Igor Tenório, Inocêncio Mártires Coelho, Ives Gandra da
Silva Martins, Ivo Dantas, J. E. Carreira Alvim, João Batista Brito Pereira, João Oreste
Dalazen, Joaquim de Campos Martins, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, José Al-
berto Couto Maciel, José Carlos Arouca, José Carlos Barbosa Moreira, José Luciano
de Castilho Pereira, José Manuel de Arruda Alvim Neto, Lincoln Magalhães da
Rocha, Luiz Flávio Gomes, Marco Aurélio Mello, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi,
Mário Antonio Lobato de Paiva, Marli Aparecida da Silva Siqueira, Nélson Nery
A CIBERCRIMINOLOGIA NO Jr., Reis Friede, René Ariel Dotti, Ricardo Luiz Alves, Roberto Davis, Tereza Alvim,
BRASIL E NO MUNDO Tereza Rodrigues Vieira, Toshio Mukai, Vantuil Abdala, Vicente de Paulo Saraiva,
William Douglas, Youssef S. Cahali.
TENDÊNCIAS IN VOGA CONTEXTO
PAULO SÉRGIO JOÃO
A JURISPRUDÊNCIA, A
ARTUR RICARDO RATC
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA EM
EDUARDO VIEIRA DE ALMEIDA
STJ PRIVILEGIA MEDIAÇÃO
Arte e Diagramação: Charles Augusto
REFORMA TRABALHISTA E O “TEMPOS ROMANOS” – STF – UM E INOVA COM EMENDA
FIM DA UNICIDADE SINDICAL RETROCESSO DE CONQUISTAS E
REPERCUSSÕES TRIBUTÁRIAS
REGIMENTAL
Revisão: Murilo Oliveira de Castro Coelho
Marketing: Ramirez Diogo Sanches
Comercial: Geraldo Aguimar da Silva
LEITURA INDISPENSÁVEL
autores e não refletem, necessariamente, a posição desta Revista.
Impressão
Gráfica New Lex
EDITORA CONSULEX
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COM A PALAVRA
WalterAlexandre Bussamara
ARQUIVO PESSOAL
HERANÇAS E DOAÇÕES
E
m meio à grave crise econômica que assola atualmen- tição de competências tributárias, em meio a materialidades
te o Estado brasileiro, historicamente decorrente de também rigorosamente estabelecidas.
uma ineficiente gestão da máquina pública, não têm Se a aferição de rendas realmente restou destinada à tri-
sido raras as pretensões destemperadas do governo butação federal, via Imposto de Renda, este não foi, em igual
federal para fins de geração, a qualquer custo, de receitas, em proporção, o caminho eleito originariamente pela Constitui-
especial, tributárias. ção no que toca “aos rendimentos”, se assim o chamarmos,
Exemplo disso é o novel projeto de lei enviado ao Congresso advindos de heranças e doações, para os quais, ao contrário,
Nacional, com vistas, dentre outras coisas e, no que aqui inte- foi destinada uma competência impositiva apenas e tão so-
ressa, a alterações na legislação do IRPF, que viabilizem, como mente aos Estados e Distrito Federal (art. 155: Compete aos
se possível fosse (mas não o é) uma tributação federal incidente Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I- im-
sobre heranças e doações. posto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer
Essa iniciativa, via PL, decorre de um anseio governamen- bens ou direitos), o que já impediria, de pronto, a pretensão
tal em poder compensar as perdas de arrecadação que advirão constante do PL ora em questão.
da correção da tabela do IRPF, a partir de 2017. Correção, ali- Uma única possibilidade de tributação das heranças e do-
ás, que, apenas “en passant”, longe de dever ser tratada como ações pela UF, invadindo-se competência originária dos esta-
benesse do Estado, constitui-se, na verdade, como verdadeira dos e DF, considerado nosso modelo constitucional atual, seria
obrigação sua, sob pena de falsa aferição da real capacidade sua ocorrência por meio da chamada imposição extraordinária
contributiva objetiva dos contribuintes. (imposto extraordinário). O que, por seu turno, apenas se jus-
Em épocas de paz, inviável se entremostra a tributação de tificaria na existência de um estado de beligerância da nação,
heranças e doações pela União Federal vale dizer, quando diante de guerra externa ou de sua iminência
No caso da tributação de heranças e doações, por sua vez, e, ainda, assim, apenas enquanto tal estado perdurasse (artigo
que se pretende efetivar por meio da legislação do IRPF (Lei nº 154, II, da CF).
7.713/1988), o referido PL busca a revogação parcial de uma su- Do contrário, ou seja, em épocas de paz, inviável se entre-
posta isenção já existente em seu art. 6º, XVI, segundo o qual, mostra a tributação de heranças e doações pela UF.
“Ficam isentos do Imposto de Renda os seguintes rendimentos Nem mesmo isso seria possível, avançando-se um pouco
percebidos por pessoas físicas: (…) XVI – o valor dos bens ad- mais, no caso de tentativa de alteração do texto Constitucional
quiridos por doação ou herança”. via emenda (Poder Constituinte Derivado), haja vista não poder
De acordo com o PL em referência, a bem da verdade, a isen- ser objeto de deliberação qualquer proposta de emenda ten-
ção do IRPF apenas continuaria nos casos (i) de heranças e do- dente a abolir, dentre outras coisas, a forma federativa de Esta-
ações em adiantamento de legítima, até R$ 5 milhões e, (ii) para do e os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, I e IV, da CF).
outras formas de doações que não superassem R$ 1 milhão. Ora, qualquer tentativa de deslocamento de competência
Como se nota, pois, as heranças e doações já se mostravam tributária dos Estados e DF à UF, via emenda, estaria, em tudo e
presentes, como modalidades de “acréscimo patrimonial”, na por tudo, violando o pacto federativo originariamente estabele-
própria legislação do IRPF, não estando este sendo cobrado até cido, cuja premissa maior reside, justamente, na repartição au-
então, sobre estas, porém, por uma mera questão de ‘vontade tônoma de competências legislativas. E, por ser a competência
legislativa’, em que se optou, nestas situações, até hoje, pela tributária uma delas, qualquer pretensão da UF nesse sentido
concessão de absoluta isenção tributária, a qual, agora, quer-se não encontraria qualquer respaldo jurídico, mormente pelas
ver relativizada. receitas geradas aos estados e DF por conta do imposto a eles
O fato, contudo, de aqueles institutos civis (heranças e doa- imputado viabilizarem a assunção de seus objetivos institucio-
ções) já constarem da legislação do IRPF, nenhuma (ou maior) nais (autonomias financeira e jurídica).
legitimidade dá às intenções do governo. Da mesma forma, no que toca aos direitos e garantias in-
Muito antes de bem performarem em meio à legislação or- dividuais, o texto primário da CF já consignou o direito de os
dinária do IRPF, deverão tais institutos manter coerência plena cidadãos-contribuintes apenas terem suas heranças e doações,
com o que prevê e estabelece nossa atual Constituição Federal, em momentos de paz, tributadas por meio de imposto de com-
sob pena de subversão ao sistema jurídico atual. petência dos estados e DF. O que, também por aqui, derrubaria
Com efeito, a atual Carta da República não criou tributos. qualquer intenção governamental em contrário.
Em contrapartida desenhou, com esmero, suas regras-matrizes Em nosso sentir, portanto, a (bi)tributação federal sobre
(Roque Carrazza), seus orientadores de incidência, consignan- heranças e doações almejada pelo PL em referência, mostra-se
do, expressamente, no que ora nos interessa, uma rígida repar- como absoluto “non sense” tributário.
WALTER ALEXANDRE BUSSAMARA é mestre em direito tributário pela PUC-SP, advogado em SP e sócio de Bussamara e Silveira Advogados.
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á mais de 20 anos em discussão, a redução da haver a diminuição de uma hora até o limite mínimo de
carga horária de 44 horas para 40 horas de tra- 36 horas semanais.
balho semanais traz questões relevantes nos Outras propostas que também preveem a diminuição
cenários social e econômico. Em todas as pro- da carga horária são a PEC 89/2015 e a PEC 231/95, a pri-
postas, a redução da jornada trata da dignidade do ser hu- meira de autoria do senador do PT Paulo Rocha, na qual
mano e aponta inúmeros benefícios, entre eles a possível o projeto altera o inciso XIII do art. 7º da CR/88, tendo o
criação de milhões de empregos. De acordo com estudos seu texto prevendo a redução gradativa da jornada até
do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e atingir 40 horas semanais. A jornada, após a aprovação,
Estudos Socioeconômicos), o aumento dos custos totais passaria a ser de 43 horas semanais e, anualmente, redu-
para as empresas seria de menos de 2% e criaria mais de 3 zida até o limite de 40 horas semanais, sendo que o adi-
milhões de empregos, um impacto pequeno dado a pro- cional de hora extra passaria de 50% para 60% do valor
porção dos benefícios apresentados. da hora normal.
A proposta de Emenda à Constituição nº 148, de 2015, A segunda, a PEC 231/95, do senador Inácio Arruda do
apresentada pelo senador Paulo Paim, tem como justifi- PCdoB-CE, traz também em seu texto a redução da carga
cativa o anseio popular e a evolução nas relações traba- horária de 44 para 40 horas semanais e aumenta a hora ex-
lhistas devidamente debatidos nos fóruns nacionais do tra para 75% sobre o valor da hora normal, ao defender a
trabalho. A proposta visa a alterar o inciso XIII do art. 7º aprovação da matéria para a “dignidade do trabalhador”.
da Constituição Federal, para reduzir a jornada de traba- A redução será sempre um tema polêmico, uma vez
lho semanal. que encontra resistência por parte dos empresários que
É um padrão já adotado por vários países, como os Es- apontam inúmeros problemas, mas, sem dúvida, a redu-
tados Unidos, em que a carga horária é de 40 horas se- ção assinala índices de melhora de saúde e de segurança
manais; o Canadá, com jornada de 31 horas semanais; a no trabalho, entre outros benefícios. Em muitos setores da
Alemanha, de 39 horas semanais; a França, com 38 horas economia já é um fato a jornada de trabalho de 40 horas
semanais; a Argentina, com 39 horas semanais; e Chile, semanais, a qual passaria tão somente a ser um modelo
com 43 horas semanais. adotado para melhores condições para os trabalhadores.
A proposta ainda prevê a compensação de horários e A redução da jornada de trabalho, sob o aspecto cons-
a redução da jornada por meio de acordo ou convenção titucional, é totalmente cabível. Ao analisar o artigo 60, §
coletiva de trabalho, além de prever que a jornada não 4º, IV da CR/88 nos deparamos com a seguinte redação:
poderá ser superior a 40 horas semanais e, anualmente, Art. 60 – [...]
ARQUIVO PESSOAL
DO ORÇAMENTO
POR LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
O
processo para derrubar a presidente Dilma peachment, não estão felizes com o que aconteceu, mas é
Rousseff e tirar o PT do comando da econo- preciso reconhecer uma coisa. Ao contrário da ortodoxia
mia brasileira teve três atores principais: (1) os liberal, o presidente Temer é um homem que não acredita
economistas liberais que inventaram uma crise em soluções radicais.
fiscal “estrutural”, embora o orçamento público tenha se As loucuras fiscais expansionistas de 2013 e 2014 leva-
mantido razoavelmente equilibrado entre 1999 e 2012, ram o país a uma crise fiscal; a loucura fiscal contracio-
e propuseram uma brutal redução do tamanho do Esta- nista, em 2015, ajudou a levar o país a mergulhar em uma
do; (2) os partidos políticos liberais que representam os grande recessão. Qualquer solução para os dois proble-
interesses da classe rica e da classe média rentista e dos mas passará pelo aumento da receita e por uma disciplina
financistas – todos visando pagar menos impostos – que, fiscal mais firme.
derrotados nas eleições presidenciais, propuseram o im- Para aumentar a receita será necessário aumentar al-
peachment no dia seguinte à sua derrota; e (3) os políti- gum imposto, e, o que é mais importante, é preciso ajudar
cos do PMDB que viram na perda de apoio da sociedade a a economia a sair da recessão – o que significa, essencial-
presidente e na crise econômica que explodiu em 2015 o mente, socorrer as empresas que estão altamente endivi-
momento para ocuparem o poder. dadas e precisam de crédito para poder se reorganizar e
Para chegar ao poder o PMDB precisava obter a con- voltar a investir.
fiança dos liberais, e para isto produziu o documento O governo, entretanto, está imobilizado nesse plano.
“Uma Ponte para o Futuro”, no qual defendeu o liberalis- Tem uma coisa a seu favor: deu continuidade ao trabalho
mo econômico de maneira radical. A estratégia deu certo, que vinha sendo realizado pelo ministro Nelson Barbosa,
o PMDB logrou o apoio necessário, e ocupou a Presidên- de reconhecer o desequilíbrio fiscal e não tentar o impos-
cia. O novo governo tratou, imediatamente, de mostrar sível – resolvê-lo em um ano, como se tentou em 2015.
que estava fiel ao documento que havia preparado, e en- Mas não tem qualquer intenção de socorrer as empresas
viou para o Congresso a “emenda do teto” – a PEC 241, com crédito, e está deixando que o Banco Central conti-
na verdade, o congelamento das despesas do governo, nue com uma política de altos juros, ou seja, de âncora
exceto juros, por 20 anos. Como já em 2017 a economia cambial para controlar a inflação. Se ficamos indignados
brasileira voltará a crescer, ainda que modestamente, na com a ex-presidente Dilma, quando ela segurou os preços
eventualidade dessa emenda ser aprovada as despesas do da Petrobrás para controlar a inflação, devemos também
Estado diminuirão nos próximos anos de forma automá- ficar indignados quando o Banco Central busca reduzir a
tica e irracional. inflação segurando os preços do Brasil: a taxa de câmbio.
Com o crescimento, as demandas de serviços do Esta- E como estabelecer uma maior disciplina fiscal? Ao
do necessariamente aumentarão. Mas os serviços sacrifi- invés da emenda do congelamento é preciso aprovar
cados não serão os serviços do Judiciário e do Legislativo, uma emenda constitucional que estabeleça um limite
nem serão os serviços de segurança do Executivo, mas, para despesa pública em termos de porcentagem do PIB,
sim, os investimentos públicos e os serviços de educação usando-se como parâmetro a porcentagem verificada
e de saúde, já que serão derrogadas as vinculações cons- nos últimos dois anos. E incluir toda a despesa pública
titucionais. nessa porcentagem, inclusive os juros pagos. Teremos,
Mas não creio que o governo não levará integralmen- assim, um verdadeiro teto para a despesa de cada ano,
te adiante essa violência contra os direitos sociais dos definido com base na previsão do crescimento do PIB no
brasileiros, porque a reação popular será muito forte. O ano seguinte, que o orçamento público e sua execução
PMDB não é liberal, e nunca acreditou em ajuste fiscal. deverão obedecer rigidamente. E teremos incentivo para
Ele prometeu à ortodoxia liberal fazer o desmonte do Es- o governo reduzir juros e despesas correntes para poder
tado Social, mas sabe que o custo político de tal projeto é investir mais e atender melhor às necessidades da saúde
inaceitável. Todos os que, como eu, lutaram contra o im- e da educação pública.
ARQUIVO PESSOAL
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA é economista, fundador do PSDB, ex-ministro da Fazenda. Doutor e livre docente em economia pela Universidade de
São Paulo. Foi professor visitante de desenvolvimento econômico na Universidade de Paris, e de teoria política no Departamento de Ciência Política da USP.
PAINEL DO LEITOR
ANORMAL DE PROPRIEDADE VIZINHA
POR EZEQUIEL FRANDOLOSO
O
art. 225 da Constituição Federal de 1988 dispõe O que se vê é uma certa passividade dos órgãos locais, res-
que “todos têm direito ao meio ambiente ecolo- ponsáveis pela fiscalização das queimadas e pela aplicação
gicamente equilibrado, bem de uso comum do das penalidades cabíveis, até mesmo em terrenos próximos de
povo e essencial à sadia qualidade de vida, im- enorme vegetação nativa. Apesar de a população denunciá-las
pondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de de- e a autoridade responsável pela fiscalização constatá-las, esta
fendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. “faz pouco caso” e deixa de aplicar a penalidade ao argumen-
E não é só a Carta Magna que disciplina a proteção do to de “não localizar o sujeito causador da queimada”, mesmo
meio ambiente. A Lei nº 9.605/1998, no seu art. 54, também existindo legislação dispondo acerca da responsabilidade do
dispõe sobre o assunto. Esta penaliza a conduta de “causar proprietário, possuidor ou responsável.
poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem Por óbvio, que, quando é realizada a investigação de quei-
ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que pro- mada após denúncia, o agente não encontrará o sujeito que
voquem a mortandade de animais ou a destruição significa- ateou o fogo, a não ser que o órgão esteja fazendo fiscalização
tiva da flora”. de rotina e pegue o indivíduo em flagrante. Agora, dizer que
Saindo da esfera ambiental, o Código Civil, no seu art. não será aplicada nenhuma penalidade ao argumento de não
1.277, agasalha a mitigação do exercício do direito de pro- ter encontrado o causador da queimada é o mesmo que con-
priedade, ao dispor que “o proprietário ou o possuidor de ceder um alvará de liberação de queimada aos proprietários
um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências que querem ter o seu lote, terreno, quintal etc. limpo, sem
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o ha- empregar muito esforço e ao menor custo possível.
bitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”. E repita-se: a queimada não é só um problema ambiental.
Significa dizer que a lei impede que o proprietário faça “o Também é caso de uso anormal da propriedade. Sabemos
que bem entender”, pois o exercício do direito de proprie- que o princípio geral a que se subordinam as relações de vi-
dade não é um direito absoluto do dono do imóvel. zinhança é o de que o proprietário, ou possuidor, não podem
É possível frear qualquer conduta humana maléfica ao exercer seu direito de forma que venha a prejudicar a segu-
meio ambiente, inclusive as queimadas, as quais, nesta rança, o sossego e a saúde dos que habitam o prédio vizinho,
época do ano, por conta da baixa umidade do ar, se inten- até porque o direito de exercício da propriedade não possui
sificam. Não só as queimadas acidentais, perpetradas por caráter absoluto, é um direito que pode ser mitigado.
razões naturais ou infortunísticas, se acentuam, mas tam- Iniciar queimadas gera interferências que prejudicam
bém aquelas perpetradas por condutas criminosas, a fim de tais valores, principalmente, a saúde dos vizinhos, de modo
efetuar a limpeza de lotes, terrenos e quintais, em total des- que estes podem acionar o Judiciário para fazer cessar essas
respeito ao meio ambiente e à saúde das pessoas. lesões, no caso de o órgão fiscalizador local nada fazer.
Sem dúvida, as queimadas alteram a diversidade e o equi- O Judiciário paulista determinou, em recentíssima de-
líbrio biológico do meio ambiente, interferindo diretamente cisão proferida em sede de tutela de urgência, que a pro-
na qualidade do ar, no aquecimento global, nas condições prietária de um loteamento e a empresa gerenciadora da
físicas e químicas, podendo, inclusive, afetar os recursos obra realizada em terreno vizinho de reserva ambiental “se
hídricos. Além de serem péssimas ao nosso meio ambien- abstenham de fazer queimadas na área do condomínio de-
te, as queimadas provocam problemas respiratórios graves nominado “Reserva Ermida”, bem como impeçam que ter-
a muitas pessoas, inclusive às mais vulneráveis, como é o ceiros realizem queimadas nos lotes de terreno de sua res-
caso dos idosos, das crianças e das que sofrem com asma, ponsabilidade, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por ato de
bronquite, sinusite, renite alérgica, entre outras doenças. queimada”. Esta decisão foi proferida nos autos Processo nº
Vimos que existem normas que regulam a conduta crimi- 1012041-69.2016.8.26.0309, pela 3ª Vara Cível da Comarca
nosa dos proprietários/possuidores que provoquem quei- de Jundiaí/SP, em 18.7.2016.
madas indiscriminadas, como é o caso da lei federal citada Portanto, a responsabilidade pela prática de queimadas
e de normas municipais, porém, na maioria das vezes, não é do proprietário, possuidor ou responsável. Se estes não as
se constata a punição ao infrator. Nesse sentido, o que a so- provocaram, em regra, permitiram, culposamente, que ou-
ciedade quer é maior rigor das autoridades no que se refere à tros assim fizessem, não tendo eles adotado medidas eficien-
aplicação das penalidades existentes, resolvendo o problema tes o bastante para evitá-las, cabendo, portanto, a responsabi-
das queimadas sem prostrar-se acobertando interesses. lidade pela reparação do dano na esfera material e moral.
ARQUIVO PESSOAL
EZEQUIEL FRANDOLOSO é advogado especializado em direito civil, imobiliário e constitucional de Frandoloso Advogados.
O TRANSEXUAL E O CRIME DE
FEMINICÍDIO
“Pertinente, no âmbito da diversidade sexual enfocado, é o pensamento da filósofa
existencialista Simone de Beauvoir, quando afirma que: “Ninguém nasce mulher: tor-
na-se mulher”, fazendo ver que o sexo não é o fator determinante do gênero, que se
apresenta como a escolha construída de forma consciente pela pessoa. Assim, nada
impede que um corpo masculino possa abrigar o gênero feminino.”
O
promotor de Justiça Flávio Farinazzo Lorza, É, sem dúvida, a primeira investida a ser dada na in-
que oficia perante o 3º Tribunal do Júri de São terpretação extensiva à Lei Maria da Penha, na conju-
Paulo, ofereceu denúncia, já recebida pelo Ju- gação com o novo tipo penal acrescentado pela Lei nº
diciário, por crime de feminicídio, contra o ex- 13.104/2015, ampliando-a para que abrigue a conceitua-
companheiro de uma transexual por ele assassinada em ção definida como qualificadora do crime de homicídio,
fevereiro de 2016, colocando fim a uma convivência de 10 na modalidade de feminicídio, criada justamente para
anos (2016, online). disciplinar o regramento constitucional que estabelece
REFERÊNCIAS
HART, H.L.A. O conceito de direito. Trad. Antonio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
MP oferece primeira denúncia por feminicídio de transexual em SP. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/10/mp-ofe-
rece-primeira-denuncia-por-feminicidio-de-transexual-em-sp.html. Acesso em: 15 nov. 2016.
ARQUIVO PESSOAL
EUDES QUINTINO DE OLIVEIRA JÚNIOR é promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advo-
gado, reitor da Unorp.
6. A partir de 1º de janeiro de 2016, IGP/M/FGV 1,89 1,52 0,49 1,14 1,29 0,51 0,33 0,82 1,69 0,18 0,15 0,20 0,16 6,63 8,78
IGP-DI/FGV 1,76 1,19 0,44 1,53 0,79 0,43 0,36 1,13 1,63 -0,39 0,43 0,03 0,13 6,24 7,99
os benefícios previdenciários não terão INCC-DI/FGV 0,36 0,34 0,10 0,39 0,54 0,64 0,55 0,08 1,93 0,49 0,29 0,33 0,21 5,59 6,05
valor inferior a R$ 880,00. IPC-DI/FGV 0,76 1,00 0,88 1,78 0,76 0,50 0,49 0,64 0,26 0,37 0,32 0,07 0,34 5,65 7,65
IPC-SP/FIPE 0,88 1,06 0,82 1,37 0,89 0,97 0,46 0,57 0,65 0,35 0,11 -0,14 0,27 5,62 7,61
IPCA-E/IBGE 0,66 0,85 1,18 0,92 1,42 0,43 0,51 0,86 0,40 0,54 0,45 0,23 - 5,90 8,78
Fonte – Portaria Interministerial MTPS/MS nº 1, de 08.01.16 – DOU
11.01.16. IPA-AGRO/FGV 0,66 2.49 1,51 2,58 2,02 1,28 1,14 3,31 5,58 -2,01 0,88 -1,56 -0,40 13,33 17,89
Fontes – FGV, IBGE, DIEESE, Fipe.
DESTAQUE
Murillo de Aragão
FRAUDES E VIOLÊNCIA
MARCAM AS ELEIÇÕES DE 2016
ARQUIVO PESSOAL
A
s eleições municipais de 2016 ficaram marcadas co decorrente da falta de fontes tradicionais de recursos.
por algumas novidades e por uma triste consta- Porém, o desafio posto pelas eleições deste ano foi além.
tação: o aumento da violência. As novidades se Provavelmente, nunca houve tantos candidatos impug-
relacionam, sobretudo, ao modo de financia- nados como nesta eleição. O Ministério Público previa,
mento de campanhas, que deixou de contar com dinheiro em agosto, mais de 2 mil candidatos barrados pela Lei da
de empresas. Assim, como era de se esperar, o caixa dois se Ficha Limpa. Em setembro, o número ultrapassava 2.300.
fez presente turbinando doações de pessoas físicas. Em 2012, foram barrados 317 prefeitos com a ficha suja.
A revelação de que beneficiários do programa Bolsa- Este ano, mais de 400 candidatos a prefeito foram consi-
Família doaram milhões é um escândalo. Assim como a derados ficha-suja! Pelo menos metade pôde disputar a
descoberta de que, ao menos, 64 mortos fizeram doações eleição e, adiante, provavelmente será cassado. Quem vo-
este ano. Fraudes no financiamento das campanhas eram, tou neles pode ter perdido o seu tempo. E seu voto.
contudo, mais do que previsíveis em um ambiente de es- Sem as doações empresariais tivemos maior relevância
cassez de doações empresariais. Trata-se daquilo que o dos recursos do fundo partidário. Presidentes de partidos
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que só eram importantes até as convenções viraram os
chamou de “laranjal”: as redes de doadores alimentadas maiores financiadores do processo eleitoral. Imaginem,
por recursos de outros ou de origem ilícita. por exemplo, que uma microlegenda de apenas dois depu-
Outra fraude foi o registro de um mesmo eleitor em tados federais que possua milhões de reais no caixa que po-
várias zonas eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral já deriam ser utilizados para financiar candidatos. O dono do
descobriu mais de 19 mil casos em que um mesmo elei- caixa, no caso, o presidente do partido, vira a estrela. Este
tor estava registrado em, pelo menos, duas sessões. Como ano, o fundo partidário ultrapassou R$ 800 milhões.
apenas pouco mais de 1/3 dos eleitores têm o cadas- Por fim, apesar do avanço de se limitar o gasto por tipo
tro biométrico, é possível que a fraude ainda seja muito de candidatura, da vigência da Lei da Ficha Limpa e do
maior. Em especial, nos municípios que não possuem fim das doações empresariais, o sistema eleitoral brasilei-
urna eletrônica. ro continua anacrônico. Agora, ainda mais pela pressão
As eleições de 2016 podem ser consideradas uma das adicional da violência que se fez presente no processo,
mais violentas da redemocratização. Além do assassinato pelo risco de fraudes nas doações de pessoas físicas e, por
de um candidato a prefeito em Goiás, vários candidatos a último, pela inacreditável fragmentação do sistema parti-
prefeito e a vereador foram assassinados no Rio de Janeiro dário: 35 partidos disputaram as eleições.
e em outros estados. Ao menos, seis candidatos a prefeito O caminho que se apresenta é óbvio. O sistema precisa
foram assassinados. ser revisto e aperfeiçoado. A Justiça Eleitoral deve ser dra-
Como tradicionalmente ocorre, milícias e traficantes maticamente robustecida e aparelhada para lidar com os
controlaram o acesso de candidatos a determinadas re- desafios que se apresentam. A biometria deve ser imple-
giões, comprovando que o controle territorial do país pelo mentada em todo o país e o cruzamento de dados dos pro-
Estado não está completamente assegurado. A escalada gramas sociais, Imposto de Renda e doações, ampliado. A
da violência na campanha fez saltar o número de pedidos própria composição do Tribunal Superior Eleitoral deve
de presença das Forças Armadas e da Força Nacional em ser revista, de forma a acelerar os julgamentos. É inadmis-
estados e municípios. Em 2012, 395 municípios em nove sível que decisões sobre questões da Justiça Eleitoral se
estados tiveram a presença de policiamento especial. Este arrastem por anos a fio. Ou mesmo que candidatos ficha-
ano, a ao menos 435 municípios, em 14 estados, recebe- suja sejam eleitos e tomem posse apostando na demora e
ram reforço de policiamento durante o processo eleitoral. na incapacidade de o sistema decidir a sua situação.
O ministro Gilmar Mendes caracterizou essa eleição Ficou claro que o experimento institucional demanda
como um experimento institucional por conta do fim das sérios aperfeiçoamentos e que nossa democracia navega
doações empresariais e da pressão sobre o sistema políti- em águas turvas e turbulentas.
MURILLO DE ARAGÃO é Bacharel em Direito (UniCeub), mestre em Ciência Política (UnB) e doutor em Sociologia (UnB). Autor dos livros Grupos de Pressão no
Congresso Nacional (Maltese, 1992) e Reforma Política (Civilização Brasileira, 2014).
REVISTAREVISTA
JURÍDICAJURÍDICA
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DIVULGAÇÃO
MATÉRIA DE CAPA
CORRUPÇÃO: UM PROBLEMA C
“Vivemos um momento histórico no Brasil e uma oportunidade única de transforma-
ção social positiva. A sociedade elegeu a corrupção como a sua prioridade e a inseriu
em sua agenda. Não podemos mais perder uma geração para resolver um problema
que nasceu com a descoberta do país e só faz crescer. É hora de mudar a direção de
nossa história. Precisamos virar essa página, pois poucos lucram com isso.”
O
estado da arte é o seguinte: o Brasil amarga a
76ª posição no ranking de percepção da cor-
rupção da Transparência Internacional; a ONU
estima que R$ 200 bilhões em recursos públi-
cos são desviados no nosso país, sendo que 67% dos casos
são do orçamento da saúde e da educação; mesmo sendo
a 7ª maior economia o mundo, temos um IDH de 0,699, o
que nos faz ocupar o 73º lugar do ranking mundial; a esca-
la nacional de transparência dos municípios e dos estados
é de 5,21, num parâmetro de 0 a 10.
Esses dados alarmantes fizeram o brasileiro perceber
que a corrupção é o maior problema do Brasil, à frente
da saúde, educação, segurança e desemprego, conforme
pesquisa do Datafolha, até porque é pelo desvio de recur-
sos públicos que o Estado deixa de prover esses outros di-
reitos fundamentais.
A situação ganha contornos dramáticos quando se ve-
rifica que a probabilidade de ser punido por corrupção
no Brasil é de 3,17%, segundo estudo empírico realizado
por Carlos Higino Ribeiro de Alencar e Ivo Gico Júnior,
e a população carcerária de corruptos é de apenas 0,2%,
conforme o último censo feito pelo Ministério da Justiça.
No país com a terceira maior população carcerária do
mundo (622 mil), a quantidade de pessoas presas por cor-
rupção (1.728) é uma gota no oceano.
Esse círculo vicioso existe porque a corrupção é um cri-
me de baixíssimo risco e altos ganhos. Os nossos sistemas
normativo e de justiça, no plano estrutural, não têm mos-
trado uma mínima eficiência e, nesse ponto, sobressai-se
um consenso: precisamos de reformas!
Foi nesse embalo que o Ministério Público Federal
apresentou à sociedade as 10 medidas contra a corrup-
ção, com base na experiência adquirida nos grandes ca-
sos, como a Lava Jato, e em sintonia com as convenções
AS COMPLEXAS MEDIDAS
CONTRA A CORRUPÇÃO
“Ao que tudo indica, as medidas pretendidas contêm mais equívocos do que acertos,
causando apenas a ilusão de que algo positivo poderá ser feito em termos de cercea-
mento à corrupção. Apesar disso, há pontos positivos e esta é uma rara oportunidade de
a sociedade brasileira debater verdadeiramente o tema, que perpassa muito mais por
medidas preventivas do que repressivas. A discussão racional, sem sensacionalismos,
pode nos levar a caminhos de maior eficiência e transparência na máquina pública.”
D
esde a tradição filosófica grega, com Herácli- tério Público Federal brasileiro, ora em discussão por nos-
to, ou chinesa, com o taoismo, a contradição sos representantes políticos.
é uma atitude que desafia a análise dos seres, Como o projeto nº 4.850/2016 parte de uma ideia legíti-
dos fenômenos e das ideias. É impossível não ma e bem-intencionada, contando com inegável e signifi-
se lembrar disso, ou melhor, não se ver diante da perple- cativa simpatia popular, qualquer crítica que se faça – que
xidade que a ambiguidade causa no estudo das chamadas é o que se pretende frisar – merece, antes de tudo, algu-
“10 medidas contra a corrupção”, de iniciativa do Minis- mas ressalvas, evitando-se mal-entendidos. Isso porque
LUCIANO ANDERSON DE SOUZA é professor Doutor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre
pela USP. Especialista pela Universidade de Salamanca. Autor das obras Expansão do direito penal e globalização (2007) e Direito penal econômico (2012),
dentre outros trabalhos. Advogado sócio-fundador de Souza e Velludo Salvador Advogados e vice-presidente da Comissão de Direito Penal da OAB/SP.
E
m 2015, os procuradores da República que atuam mica que o país vem enfrentando, associado ao empenho
na Operação Lava Jato, com o apoio da Procura- dos meios de comunicação em divulgar sucessivos escân-
doria-Geral da República, lançaram uma campa- dalos envolvendo a cúpula do governo – sem entrar no
nha intitulada “Dez Medidas Contra a Corrup- mérito sobre a existência de algum tipo de motivação po-
ção”. A iniciativa envolve um conjunto de providências lítica – permite ao cidadão comum estabelecer a relação
visando alterar a legislação vigente para prevenir e repri- de causa e efeito entre esses dois grandes infortúnios. Seja
mir o desvio de conduta dos agentes públicos e daqueles parado em um sinal, na conversa com taxistas, nas salas
que de qualquer forma se beneficiam dos atos de impro- de reunião das grandes empresas ou nos corredores da
bidade administrativa ou dos crimes funcionais. Nesse Justiça, nota-se o mesmo desalento quanto à inutilidade
sentido, foram propostos uma série de anteprojetos de lei de qualquer intervenção a ser promovida pelo governo,
que promovem a criação de novos tipos penais, aumento legítima ou ilegítima, no sentido de retomar as rédeas da
das penas para determinados crimes, bem como a inclu- economia sem que haja um intransigente combate à cor-
são de alguns deles no rol dos crimes hediondos, entre ou- rupção em todas as suas formas de manifestação.
tras inovações nas esferas penal e extrapenal. Em paralelo A falta de escrúpulos por parte da administração pú-
ao processo legislativo em curso, o Ministério Público Fe- blica e daqueles que dela se locupletam não é particu-
deral vem se empenhando na publicidade das propostas, laridade do nosso tempo, nem tampouco da sociedade
a fim de ganhar o apoio popular, fator que minimizaria as brasileira. É bem verdade que a sensação daquele que se
chances de engavetamento no Congresso Nacional, como aventura no estudo da história do Brasil é a de realizar um
poderiam desejar os seus opositores. minucioso exame dos autos de um inquérito policial, e
Com relação à adesão da maioria do povo brasileiro, não poderia ser diferente, se levarmos em consideração
a meta já tinha sido alcançada antes mesmo de qualquer o processo de colonização que nos deu origem, no qual a
manifestação ministerial. O agravamento da crise econô- colônia deveria ser tão corrupta quanto à metrópole. Não
SERGIO R. DO AMARAL GURGEL é advogado criminalista; autor da Impetus Editora; professor de Direito Penal e Processo Penal; palestrante.
10 MEDIDAS CONTRA A
DESONESTIDADE PÚBLICA
DIREITOS HUMANOS EM
DEFESA DA PROBIDADE
ADMINISTRATIVA
POR CÂNDIDO FURTADO MAIA NETO, DIEGO DE LIMA SONI, MAGNA CARVALHO DE MENEZES THIELE e
LUIZ GUSTAVO ROSÁ
A
s “10 Medidas Contra a Desonestidade Pública” Desse modo, a correta prevenção dos delitos de mal-
visam a melhoria e a eficiência de atuação do versação está no controle dos atos dos gestores e servido-
Ministério Público, para impedir e prevenir a res públicos (políticos), via procedimentos administrati-
criminalidade organizada, através da devassa vos (controle efetivo nas licitações, no emprego regular de
recorrente dos improbus admistratores, ou dos políticos verbas públicas essenciais, etc.) e também via Direito Civil
administradores acostumados culturalmente na delapi- (ação popular – Lei nº 4.717/1965 – Ação Civil Pública –
dação do dinheiro público e seu desvio a cofres próprios, Lei nº 7.347/1985 e Lei nº 12.966/2014, Mandado de Segu-
pelo cometimento de atos ilícitos de corrupção em coau- rança – Lei nº 12.016/2009, Ação de Improbidade – Lei nº
toria com particulares (empresários inescrupulosos). 8.429/1992, etc.).
As 10 Medidas Contra a Desonestidade Pública têm Estamos nos referindo às medidas administrativas,
como fundamento a imediata e direta fiscalização do deixando para o segundo plano proposições de ações ju-
Ministério Público, na correta aplicação das verbas diciais micro, que visam resoluções individuais em favor
oriundas de taxas e impostos cobrados pelos governos do cidadão, a exemplo do direito a vagas em creches ou
municipais, estaduais e federal, e ainda, impedir a mal- escolas públicas, direito a leitos, a remédios e tratamentos
versação do erário. hospitalares, sobre as quais o Ministério Público propõe
As 10 Medidas Contra a Desonestidade Pública se refe- ações judiciais quase que diuturnamente (do tipo “enxu-
rem à prevenção, muito mais eficiente e útil à sociedade gar gelo”).
e ao dinheiro público do que a medidas de repressão a A tarefa primordial ou central do Ministério Público
posteriori, já que esta muitas vezes ou, quase sempre, não em prol do interesse da sociedade é prevenir e impedir de
possui resultados práticos eficientes. uma vez por todas o enriquecimento ilícito, e esta tarefa
O Direito Penal não foi elaborado e nem pensado para se dá através da fiscalização direta pelo Ministério Público
punir criminosos do colarinho branco (white-collar cri- dos atos praticados pelos gestores do erário (ordenadores
me), mas para fazer um controle social daqueles que in- de despesas).
fringem a ordem legal, esquecendo ou fechando os olhos O primeiro nível ou instante é o controle administra-
para punições ao tráfico ilícito de influência política. tivo e, na sequência, a proposição de ações judiciais civis
Sabe-se que, na realidade, a grande maioria dos vulne- públicas macro, isto é, para responsabilizar diretamente
ráveis do sistema criminal, e que compõem a massa da os chefes do Poder Executivo (prefeitos, governadores e
superlotação prisional, são indivíduos pobres, excluídos também o presidente da República), acompanhado de
e reprimidos economicamente. É raríssimo ou são pou- seus asseclas e coautores.
quíssimos os presos abastados ou endinheirados no siste- Trata-se do Ministério Púbico Social voltado a ações de
ma carcerário brasileiro. Isto não ocorre porque esta clas- natureza civil para prevenir a criminalidade, posto que a
se está imune à prática de crimes, mas porque tem acesso prevenção dos atos ilícitos é muito mais importante, ra-
à defesa técnica de melhor qualidade, mais preparada, cional e útil para a sociedade do que a repressão crimi-
além de receber tratamento diferenciado, tanto na fase do nal, propriamente dita, como ainda insistem alguns que
inquérito quanto na da persecução. fecham os olhos, fingem não ver, não estudaram ou ainda
As 10 Medidas Contra a Desonestidade Pública são não entenderam nada de criminologia, penitenciarismo e
simples e objetivas, razão pela qual não necessitam de muito menos de vitimologia.
novas leis criminais ou agravamento de sanção, nem de Enquanto o desvio do dinheiro público acontece como
reformas e correções legislativas, uma vez que o ordena- uma torneira que não para de jorrar, o Estado sofre nitida-
mento jurídico brasileiro já contém regras constitucionais mente com a deficiência de todo o sistema de assistência
capazes e adequadas para a prevenção e contenção dos social daqueles que pagam diariamente vultuosas quan-
crimes de corrupção. No entanto, ressaltamos que tais tias de impostos e estas não são destinadas a educação,
crimes, por consequência, deveriam ser configurados ex- saúde, segurança pública, previdência, etc.
pressamente como hediondos pelos gravosos e sérios pre- O Ministério Público é uno e indivisível (leia-se Mi-
juízos ao dinheiro público, que podem ser denominados nistério Público da União e dos Estados), instituição
de lesa cidadania, lesa republica e lesa Direitos Humanos autônoma e essencial à função jurisdicional do Estado,
econômicos e sociais. incumbido da tutela dos interesses da cidadania (leia-se
moralidade, probidade, transparência e eficiência admi-
PREVENÇÃO EFICIENTE CONTRA ATOS ILÍCITOS nistrativas e proteção dos Direitos Humanos Econômicos
VERSUS REPRESSÃO CRIMINAL ESPETACULOSA1 e Sociais, para prevenção dos atos de corrupção e contra
Sabe-se que o Direito Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940 o enriquecimento ilícito), na defesa da ordem jurídica (da
e Lei nº 7.209/84 – Código Penal – Parte Geral), na verda- legalidade) e do regime democrático (art. 127 § 1º e 2º CF).
de, não previne o crime, apenas reprime, e muito mal, Moralidade é, sem dúvida, um dos princípios basila-
bem como não intimida e nem ressocializa o infrator (art. res da administração pública (art. 37 CF), tanto que neste
1º da Lei nº 7.210/1984, de Execução Penal), nem mesmo sentido Simón Bolivar2 acreditava que na estrutura estatal
aqueles que praticam ilícitos comuns ou aqueles que in- deveria existir um órgão capaz de desempenhar o verda-
correm nos crimes de colarinho branco, os quais se en- deiro Poder Moral do Estado, e para ele seria a instituição
contram blindados por seu status sociopolítico. do Ministério Público3.
NOTAS
1 Na ação penal nº 470/ STF (“Mensalão”) e nas operações da “Lava Jato” (13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba) referentes aos grandes
escândalos de corrupção política do Brasil, a maioria dos condenados “vips” não estão na prisão, cumprem sentença em regime aberto,
ainda que tenham sido condenados com penas superiores a quatro anos, isto é, em casa, em suas mansões e coberturas (uma espécie
de “prisão domiciliar” que contraria a Lei nº 7.210/1984, art. 117), e também já foi concedido até indulto (extinção da punibilidade).
2 Simón Bolivar (1783-1830), militar liberal e líder político que lutou pela descolonização da América Espanhola e independência dos
países latinos. Conhecido como herói visionário, revolucionário e libertador, para alguns historiadores é o “George Washington da
América do Sul”.
3 Ver Maia Neto, Cândido Furtado in Promotor de Justiça e Direitos Humanos. 3. Juruá, Ctba., 2012, p. 40.
4 OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena. PEC 241: Atentado à separação de Poderes e ao princípio federativo. Disponível em: http://jornalggn.
com.br/noticia/pec-241-atentado-a-separacao-de-poderes-e-ao-principio-federativo-por-jorge-folena. Acesso em: 13 nov. 2016.
5 Constituição Federal. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] § 5º Às polícias militares cabem a
polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe
a execução de atividades de defesa civil.
6 Sobre o caso, cf. RE 592581, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 13.08.2015, DJe 29.01.2016.
7 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 78).
Emendas Constitucionais nºs 30/2000 e 62/2009.
Resoluções nsº 115 e 123/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros, 2009, p. 517.
9 Constituição Federal, Art. 37. XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações
10 Constituição Federal, art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sem-
pre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
11 Lei nº 8.666/1993, Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta
mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
12 Constituição Federal, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...].
13 CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 849.
14 Constituição Federal, Art. 37, § 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter cará-
ter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos.
15 Decreto nº 1, de 11 de janeiro de 1991. Regulamenta o pagamento da compensação financeira instituída pela Lei nº 7.990, de 28 de
dezembro de 1989, e dá outras providências.
Art. 1º O cálculo e a distribuição mensal da compensação financeira decorrente do aproveitamento de recursos hídricos, para fins de
geração de energia elétrica e dos recursos minerais, por quaisquer dos regimes previstos em lei, bem assim dos royalties devidos pela
Itaipu Binacional ao Governo Brasileiro, estabelecidos pelo Tratado de Itaipu, seus anexos e documentos interpretativos subsequentes,
de que tratam as Leis nºs 7.990, de 1989, e 8.001, de 1990, reger-se-ão pelo disposto neste decreto.
16 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
17 “Ministério Público Social”, denominação empregada por Maia Neto, Cândido Furtado, in “La Acusación Penal y el Ministerio Publico:
Perspectivas hacia las Garantias de los Derechos Humanos” dissertação de mestrado – 1992 (biblioteca da UNIZULIA, Universidad del
Zulia, Maracaibo-Venezuela); e constante também nas obras publicadas pela editora Juruá-Ctba. 1ª ed. 1999, p. 93; 2. ed. 2007, p. 115,
e na 3. ed. 2012, p. 166 (“Promotor de Justiça e Direitos Humanos”); pela editora Lake-SP, 2005, p. 331 (“Criminalidade, Doutrina Penal e
Filosofia Espirita”; e Revista Consulex, nº 299, 30.06.09, Ed. Consulex, Brasília-DF, p. 48/49: “MINISTÉRIO PÚBLICO SOCIAL E OS DIREITOS
HUMANOS DAS VÍTIMAS DE CRIME”).
18 “Ministério Público Libertador do Excluído”, expressão usada desde o início de 2015, por Maia Neto, Cândido Furtado. Ver ainda: “Teo-
logia da Libertação”, Leonardo Boff “Como fazer Teologia da Libertação. 8aed. Vozes, 2005”; Lola Anyiar de Castro, in “Criminologia da Li-
bertação”, Ed. Del Zulia, Venezuela, 1987. Teologia da libertação, termo cunhado pelo sacerdote dominicano e padre peruano em 1971;
e Freire, Paulo (1921-1997): in “Educação para a Liberdade”,1967; “Pedagogia do Oprimido”, concluído em 1968, publicado em inglês e
espanhol em 1970, e em português somente 1974. Considerado o Patrono da Educação Brasileira, foi preso e exilado durante o regime
militar, porque suas propostas não agradavam os ditadores da época.
CÂNDIDO FURTADO MAIA NETO é Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas
– Missão MINUGUA 1995-96). Professor Pesquisador e de Pós-Graduação. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Condecorado
com Menção Honrosa na V edição do Prêmio Innovare (2008). Cidadão Benemérito do Paraná (Lei nº 15.721/2007). Autor de inúmeros trabalhos jurídicos publicados
no Brasil e no exterior.
DIEGO DE LIMA SONI é advogado licenciado. Assessor jurídico da Procuradoria-Geral de Justiça. Pós-Graduado.
MAGNA CARVALHO DE MENEZES THIELE é advogada licenciada. Assessora Jurídica da Procuradoria-Geral de Justiça. Pós-Graduada.
LUIZ GUSTAVO ROSÁ é assessor jurídico da Procuradoria-Geral de Justiça. Pós-Graduado.
POR FRANKLIN BRASIL SANTOS, KLEBERSON ROBERTO SOUZA e MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
C
orrupção virou fala fácil na imprensa, nas redes mal a ser enfrentado pela sociedade, ainda que essa tarefa
sociais, periódicos e até naquela conversa de bar não seja tão simples.
entre amigos. Segundo o Ibope, em 2016, 65% Pelo seu protagonismo, apelo popular e abrangência
das pessoas apontam a corrupção como prin- as Dez Medidas estão sujeitas a críticas de toda natureza.
cipal problema do país. Superou a saúde e a educação, Suscitam paixões inexplicáveis e ódios inomináveis. Aqui,
tornando-se, assim, um tema emblemático. tentaremos evitar a polarização simplista na expectativa de
Considerada sistêmica, em metástase, enraizada, ela ate- complementar o debate, de agregar elementos essenciais
moriza os cidadãos pela percepção do seu potencial de nau- ao tema, tratando a corrupção como fenômeno complexo
fragar políticas e direitos; e se mostra aviltante por revelar o e multifacetado, que demanda soluções de igual natureza.
lado obscuro do ser humano, que teimamos em negar.
Tratada como um tabu, um pecado que só os outros A CORRUPÇÃO – CONTEXTO E CAUSAS
cometem, a corrupção insiste em se mostrar nesse ad- Corrupção não se limita aos noticiários dos grandes es-
mirável mundo de informações abundantes. Fenôme- cândalos das políticas nacional e internacional. É preciso
no curioso, de rastros sutis, percebida com mais ênfase inserir no mesmo contexto aquele conhecido comporta-
quando atacada, revela-se intrínseca na personalidade mento humano de transgredir as regras para levar vanta-
humana, ainda que se tente exterioriza-la como mal que gem: furar fila, colar na prova, sonegar impostos, estacio-
utopicamente pudesse ser extirpado de forma integral. nar em vaga proibida. Sim, essa ampliação de escopo da
Em meio à efervescência do tema, surgem com força corrupção acaba resvalando, de forma quase inevitável,
as “Dez Medidas” contra a corrupção, patrocinadas pelo em discussões da ética e da moral, como aspecto predo-
Ministério Público e turbinadas pela internet e pela im- minante do fenômeno.
prensa. E a cada novo episódio da chamada Operação Muitos escrevem sobre o tema. Pensadores do Direito,
Lava Jato ou outro escândalo de menores proporções, a da Ciência Política, da Sociologia, da Filosofia, da Psicolo-
proposta se fortalece, convergindo debates e esforços na gia e da Economia. Nesse cabedal de estudiosos, pode-se,
busca de soluções para o problema, que no tempo atual de formas sintética e contingencial, defender que a cor-
contamina qualquer discussão na esfera governamental. rupção é um abuso de poder que quebra as relações do
A despeito de qualquer crítica, há um mérito inegável poder público e as suas partes, alterando finalidades para
na iniciativa das Dez Medidas, por introduzir não apenas interesses pessoais e prejudicando interesses coletivos. É
na pauta do Legislativo, mas também na rotina popular jogar fora as regras que dão sustentabilidade às relações,
a questão da corrupção como um problema coletivo, um em proveito próprio.
FRANKLIN BRASIL SANTOS é auditor KLEBERSON ROBERTO SOUZA é auditor MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
ARQUIVO PESSOAL
ARQUIVO PESSOAL
ARQUIVO PESSOAL
federal de finanças e controle, pesquisador federal de finanças e controle, pesquisador é auditor federal de finanças e controle,
sobre o tema do controle governamental sobre o tema do controle governamental pesquisador sobre o tema do controle gover-
e autor de livros publicados pela Editora e autor de livros publicados pela Editora namental e autor de livros publicados pela
Fórum (Belo Horizonte-MG). Este texto Fórum (Belo Horizonte-MG). Este texto Editora Fórum (Belo Horizonte-MG). Este
representa a opinião pessoal do autor. representa a opinião pessoal do autor. texto representa a opinião pessoal do autor.
ONDA PUNITIVISTA E A
SUPERCRIMINALIZAÇÃO DO
COMBATE À CORRUPÇÃO
“A corrupção no Brasil e os inevitáveis males que dela decorrem são problemas sen-
síveis, que nos incomodam a todos e que demandam o desenvolvimento de novos
instrumentos que possibilitem uma maior efetividade em seu combate. Não se pode,
contudo, deixar-se seduzir pelo fetichismo penal, sob pena de essa espécie de medusa
petrificar-nos ainda mais.”
O
combate à corrupção tornou-se um dos gran- bility e de integridade nas mais diversas esferas – indicam
des reclamos sociais da democracia brasileira a penosa situação enfrentada pelo Brasil nesse campo:
nos últimos anos. A partir da publicização de conforme levantamento de 2015 do Índice de Percepção
esquemas de desvio de verbas públicas no alto da Corrupção, o Brasil ocupa a 76ª colocação dentre 168
escalão dos mais diversos níveis de governo, os olhos da países, atingindo 38 pontos em 100 possíveis, situação
sociedade se voltaram ao assunto. que piorou no comparativo com 2014. O país também não
O problema, que parece assombrar a humanidade des- apresenta bons resultados em outros índices como o de
de suas origens mais remotas, não é exclusivo do Brasil, pagadores de suborno e o barômetro global da corrupção.
apesar de aqui se revelar com especial relevância. Como Há de se ressaltar que há nas práticas de corrupção
exemplo, dados da Transparência Internacional – entida- um elevado custo social – além do político1, econômico
de não governamental que tem como objetivo o combate e outros mais –, especialmente quanto à concretização
à corrupção e a promoção de transparência, de accounta- dos direitos fundamentais e implementação dos direitos
NOTAS
1 Dentre os custos políticos que se pode citar, está a elevada crise de representatividade e de legitimidade democrática formal que en-
frenta o Brasil, conforme já se teve a oportunidade de apontar no Capítulo 3 da obra: ARABI, Abhner Youssif Mota. A tensão institucional
entre Judiciário e Legislativo: controle de constitucionalidade, diálogo e a legitimidade da atuação do Supremo Tribunal Federal. Curitiba:
Editora Prismas, 2015, p. 93.
2 Os trechos citados foram obtidos do objetivo geral das propostas, disponível no sítio eletrônico do projeto: http://www.dezmedidas.mpf.
mp.br/apresentacao/objetivo-geral-das-propostas. Acesso em: 14 out. 2016.
3 A propósito, confira-se os seguintes excertos da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-Lei nº
3.689/1941): “De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil,
impunha‑se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As
nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidencia das provas,
um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí
um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da
tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do em comum. O indivíduo, principal-
mente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico‑penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras
franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse
social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradi-
cionais de um mal‑avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de
certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal‑compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos
equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal. As nulidades processuais, reduzidas ao
mínimo, deixam de ser o que têm sido até agora, isto é, um meandro técnico por onde se escoa a substância do processo e se perdem
o tempo e a gravidade da justiça. É coibido o êxito das fraudes, subterfúgios e alicantinas. É restringida a aplicação do in dubio pro reo. É
ampliada a noção do flagrante delito, para o efeito da prisão provisória. A decretação da prisão preventiva, que, em certos casos, deixa
de ser uma faculdade, para ser um dever imposto ao juiz, adquire a suficiente elasticidade para tornar‑se medida plenamente assecu-
ratória da efetivação da justiça penal”.
4 A flexibilização de garantias processuais nos casos de crime de corrupção não é novidade. A propósito, lembra-se de artigo publicado
no jornal O Estado de S. Paulo, em 29 de março de 2015, em que Sergio Fernando Moro – juiz federal que conduz os processos da Opera-
ção Lava Jato no Paraná – e Antônio Cesar Bochenek – então presidente da Ajufe – afirmam que “o problema é o processo”. Valendo-se
de tal afirmativa, os autores defendem que a melhor solução seria a atribuição de eficácia imediata àquelas sentenças condenatórias –
proferidas por juízo de primeiro grau, portanto – exaradas em processos referentes a “crimes graves em concreto, como grandes desvios
de dinheiro público”, independentemente do cabimento ou não de recursos em face de tal decisão. Sobre esse ponto específico, já se
teve a oportunidade de se posicionar contrariamente à proposta, à luz da interpretação da Constituição Federal e de tratados interna-
cionais de Direitos Humanos (como o Pacto de São José da Costa Rica). Destaca-se que o artigo foi escrito anteriormente à decisão pro-
ferida pelo STF no HC 126.292, quando se passou a entender ser possível a execução provisória de pena privativa de liberdade já com
a condenação em segunda instância. A propósito, conferir: ARABI, Abhner Youssif Mota Arabi. O processo não é problema, é garantia. O
casuísmo é que é o problema. In: Consultor Jurídico, 5 de abril 2015, disponível em http://www.conjur.com.br/2015-abr-05/abhner-arabi-
casuismo-nao-processo-problema.
5 Por crimes naturais entende-se àquelas condutas que sempre foram consideradas como criminosas, e imagina-se que sempre serão,
tais como homicídio, furto, roubo, lesão corporal, estupro etc.
6 A propósito, cita-se estudo publicado em janeiro/2016 pela ONG mexicana Seguridad, Justicia y Paz – Consejo Ciudadano para la Se-
guridad Pública y Justicia Penal, segundo o qual se considerou que o Brasil possui 21 cidades dentre as 50 mais violentas do mundo. A
pesquisa levou em conta o número de homicídios por 100 mil habitantes em cidades com, no mínimo, 300 mil, excluídos os países que
vivenciam conflitos bélicos abertos.
7 Cf. HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
8 A adoção de medidas patrimoniais se revela importante porque o que determina a perpetuidade da criminalidade organizada não é
propriamente a continuidade de seus membros, mas a circulação do dinheiro. Nesse sentido é que se fala nos follow-the-money me-
thods, que representam meios que guiam a investigação pelos rastros deixados pela circulação de dinheiro, possibilitando alcançar os
escalões mais elevados das organizações criminosas.
ARQUIVO PESSOAL
ABHNER YOUSSIF MOTA ARABI é assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Autor do livro: “A Tensão Institucional entre Judiciário e Legislativo:
controle de constitucionalidade, diálogo e a legitimidade da atuação do Supremo Tribunal Federal” (Editora Prismas, 2015); coordenador da obra “Direito
Financeiro e Jurisdição Constitucional” (Editora Juruá, 2016) e autor de diversos capítulos de livros e artigos jurídicos.
TESTE DE INTEGRIDADE E A
INCRIMINAÇÃO DA PRÓPRIA
CONDUTA PRATICADA NA SIMULAÇÃO
POR JOÃO PAULO ORSINI MARTINELLI e HUMBERTO SOUZA SANTOS
A
primeira das denominadas “Dez Medidas situação de prática de ilegalidade contra a Adminis-
contra a Corrupção” sugeridas pelo Ministé- tração Pública. A previsão desse teste nos termos es-
rio Público Federal, que no PL 4850/2016 está tabelecidos pelo projeto de lei pode permitir que seja
regulamentada nos arts. 48 a 57, abre espaço utilizado com três propósitos diferentes: a) servir de
para uma hipótese que merece ser um pouco mais refle- ferramenta de verificação de que o funcionário pú-
tida e discutida. Os referidos artigos do mencionado pro- blico se conduz com a devida observância aos prin-
jeto de lei tratam da introdução no Direito brasileiro do cípios da administração pública, cuja infração tem
chamado “teste de integridade”, mecanismo existente em como consequências sanções administrativas e civis;
países que adotam o sistema jurídico da “common law” b) servir de ferramenta de investigação de delitos ou
utilizado para a averiguação da honestidade de servidores atos de improbidade que já foram praticados ou estão
públicos a partir de um “teste”, uma simulação, que faça atualmente em execução, de modo que o apurado, em
o indivíduo submetido ao teste acreditar que está numa verdade, consiste em fato distinto daquele encenado;
c) servir de ferramenta para que se verifique a ocorrên- na ausência de consumação. Na dogmática da tentati-
cia de um crime durante o teste, de modo que a punição va considera-se iter criminis o caminho percorrido pelo
penal se justifique pela conduta praticada durante o pró- agente para atingir um resultado pretendido, que é divi-
prio teste, independentemente da existência ou não de dido basicamente em quatro partes: 1) a cognição; 2) os
outros delitos1. atos preparatórios; 3) os atos de execução; e 4) a consu-
O primeiro propósito, por levar a consequências ge- mação. A cognição é a fase puramente intelectual, pois é
radas nos âmbitos dos Direitos Administrativo e Civil nesse momento que o agente decide o que fazer, desde
não será aqui analisado, por entendermos que é pre- o resultado que quer atingir até os meios que devem ser
ferível que sua análise científica fique legada aos estu- empregados. A etapa cognitiva representa a intenção do
diosos desses respectivos campos. O segundo propósito indivíduo, mas não representa qualquer perigo ao bem
se aproxima mais da atuação de um agente infiltrado, jurídico. Isso porque querer fazer ainda é algo conside-
figura prevista na Lei nº 12.850/2013, de modo que seu rado distante de realmente fazer algo, pois meros pen-
exame é mais adequado se realizado em conjunto com samentos surgem com a mesma facilidade com que so-
os elementos e peculiaridades da referida lei, o que fugi- mem, de modo que o simples “querer fazer” ainda é uma
ria dos limites que pretendemos dedicar a este trabalho. ideia que pode sumir e que não dá garantia de que levará
O terceiro propósito, no entanto, é sem dúvida o mais à continuidade do intuito delitivo2.
polêmico e, devido às suas imensas repercussões, opta- A segunda etapa, os atos preparatórios, caracteriza-se
mos por torná-lo o objeto deste estudo. Com efeito, seu como o início da exteriorização do intuito do agente e
reconhecimento legal levanta diversas questões proble- são os primeiros movimentos dirigidos à consecução cri-
máticas no plano da tentativa, das teorias sobre os fun- minosa3. Assim, por exemplo, adquirir uma quantidade
damentos e limites da intervenção penal do Estado, do de veneno destinado a matar alguém por meio insidioso
processual penal, e, também, no plano prático, diante da ou conduzir alguém ao local da emboscada são atos que,
indagação sobre se realmente compensa introduzir no embora signifiquem os atos iniciais do plano criminoso,
ordenamento jurídico uma incriminação tão polêmica ainda não se encontram no âmbito da execução. Após
com o fim de superar uma eventual lacuna de punibili- essa fase, começam os atos de execução propriamente
dade que talvez possa ser evitada com o desenvolvimen- ditos, que são aqueles diretamente relacionados com o
to dos já existentes mecanismos de investigação e per- núcleo do tipo e imediatamente anteriores à consuma-
secução penal de fatos já praticados. O enfrentamento ção4. Podem ser citados como exemplo o ato de disparar
dessas questões, que é extremamente importante para a a arma de fogo quando o agente quer matar alguém ou a
delimitação do âmbito justificado de intervenção penal retirada da coisa da esfera de disponibilidade da vítima
do Estado, será procedido a seguir. no caso do crime de furto.
Por fim, o iter criminis estará finalizado quando o
PROBLEMAS NO PLANO DA DOGMÁTICA DA agente atingir a consumação5. Diz-se que o crime está
TENTATIVA: PUNIÇÃO DA TENTATIVA INIDÔNEA consumado “quando nele se reúnem todos os elementos
Para se entender as consequências sobre o entendi- de sua definição legal” (art. 14, I, CP). O crime consuma-
mento da tentativa da utilização do teste de integridade do, portanto, é a realização de todas as elementares do
para verificar e punir um delito na forma da conduta pra- tipo, com a produção do perigo ou dano pretendidos pelo
ticada durante o próprio teste, é preciso, primeiramente, sujeito. Já a tentativa, ao contrário, ocorre nas hipóteses
discorrer sobre o crime tentado e os limites da punição em que, iniciada a execução, e por motivos alheios à von-
NOTAS
1 CALABRICH, Bruno. Teste de integridade: aplicação, críticas e constitucionalidade, 2016, p. 4 e seguintes. In: Dez medidas contra a corrup-
ção, sítio eletrônico do Ministério Público Federal. Disponível em:<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/artigos/teste-de
-integridade-bruno-calabrich.pdf/view>. Acesso em: 16. out. 2016.
2 HAFT, Fritjof. Strafrecht Allgemeiner Teil, 9. Auflage, München: C.H. Beck, 2004, p. 227.
3 KINDHÄUSER, Urs. Strafrecht Allgemeiner Teil, 3. Auflage, Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2008, p. 243.
4 WESSELS, Johannes; BEULKE, Werner. Strafrecht Allgemeiner Teil, 38. Auflage, Heidelberg: C. F. Müller, 2008, p. 213.
5 OTTO, Harro. Grundkurs Strafrecht, 7. Auflage. Berlin: De Gruyter Recht, 2004, p. 250.
6 ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil, Band I, 4. Auflage. München: Verlag C.H. Beck, 2006, p. 14.
7 ROXIN, Claus. Op. cit., 2006, p. 16.
8 MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Lições fundamentais de direito penal, parte geral, São Paulo: Editora Saraiva,
2016, p. 154-160.
9 MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Op. cit., 2016, p. 161-162.
10 MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Op. cit., 2016, p. 163-165.
11 MILL, John Stuart. On Liberty (1859), Kitchener: Batoche Books, 2001, p.13.
12 FEINBERG, Joel. Harm to others. Nova York: Oxford University Press, 1984, p. 04 e 05.
13 FEINBERG, Joel. Offense to others. Nova York: Oxford University Press, 1985, p. 02.
14 FEINBERG, Joel. Op. cit., Nova York: Oxford University Press, 1985, p. 07-10.
15 FEINBERG, Joel. Harmless Wrongdoing. Nova York: Oxford University Press, 1988, p. XIX-XX.
16 HUSAK, Douglas. Overcriminalization – the limits of the criminal law. Nova York: Oxford University Press, 2008, p. 198.
17 HUSAK, Douglas. Op. cit., 2008, p. 199.
18 HUSAK, Douglas. Op. cit., 2008, p. 201.
19 ROXIN, Claus. Rechtsgüterschutz als Aufgabe des Strafrechts?. In: HEFENDEHL, Roland (Hrsg.). Empirische und dogmatische Fundamente
kriminalpolitischer Impetus, Symposium für Bernd Schünemann zum 60. Geburtstag. Köln: Carl Heymanns Verlag, 2005, p. 141.
20 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 815.
21 JARDIM, Afrânio Silva. Um novo conceito de justa causa no processo penal. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/justa-causa-
no-processo-penal/>. Acesso em: 20 out. 2016.
REFERÊNCIAS
CALABRICH, Bruno. Teste de integridade: aplicação, críticas e constitucionalidade, 2016, p. 4 e seguintes. In: Dez medidas contra a corrupção,
sítio eletrônico do Ministério Público Federal. Disponível em:<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/artigos/teste-de-inte-
gridade-bruno-calabrich.pdf/view>. Acesso em 16 out. 2016.
FEINBERG, Joel. Harm to others. Nova York: Oxford University Press, 1984.
FEINBERG, Joel. Harmless Wrongdoing. Nova York: Oxford University Press, 1988.
FEINBERG, Joel. Offense to others. Nova York: Oxford University Press, 1985.
HAFT, Fritjof. Strafrecht Allgemeiner Teil, 9. Auflage, München: C.H. Beck, 2004.
HUSAK, Douglas. Overcriminalization – the limits of the criminal law. Nova York: Oxford University Press, 2008.
JARDIM, Afrânio Silva. Um novo conceito de justa causa no processo penal. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/justa-causa-no
-processo-penal/>. Acesso em 20 out. 2016.
KINDHÄUSER, Urs. Strafrecht Allgemeiner Teil, 3. Auflage, Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2008.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Lições fundamentais de direito penal, parte geral, São Paulo: Editora Saraiva, 2016.
MILL, John Stuart. On Liberty (1859), Kitchener: Batoche Books, 2001.
OTTO, Harro. Grundkurs Strafrecht, 7. Auflage. Berlin: De Gruyter Recht, 2004.
ROXIN, Claus. Rechtsgüterschutz als Aufgabe des Strafrechts?. In: HEFENDEHL, Roland (Hrsg.). Empirische und dogmatische Fundamente krimi-
nalpolitischer Impetus, Symposium für Bernd Schünemann zum 60. Geburtstag. Köln: Carl Heymanns Verlag, 2005.
ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil, Band I, 4. Auflage. München: Verlag C.H. Beck, 2006.
WESSELS, Johannes; BEULKE, Werner. Strafrecht Allgemeiner Teil, 38. Auflage, Heidelberg: C. F. Müller, 2008.
ARQUIVO PESSOAL
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JOÃO PAULO ORSINI MARTINELLI é professor de Direito Penal HUMBERTO SOUZA SANTOS é doutorando em Direito Penal na
da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-Doutor em Direitos Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Ciências
Humanos pela Universidade de Coimbra, Portugal. Doutor e Mestre Penais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Graduado pela
em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Advogado.
pela Universidade de São Paulo (USP).
A
contrademocracia é um fenômeno que surgiu rios, consultas cidadãs em todos os níveis, mas, antes de
recentemente e a terminologia é atribuída ao qualquer coisa, que as aspirações do povo sejam efetiva-
politólogo francês Pierre Rosanvallon, produto mente ouvidas, percebidas e refletidas. Somente nesta hi-
do que ele próprio designa como a política na pótese pode-se antever a desejada aproximação entre os
era da desconfiança. Não se trata de algo antidemocráti- governantes e os governados, de modo que estes últimos
co, senão uma nova forma de expressão do poder do cida- tenham as suas vozes efetivamente levadas em conside-
dão fora dos canais formais de ação política. Cuida-se de ração para que atitudes, decisões e explicações não sejam
uma democracia informal, diferente da representativa e fruto dos que se consideram “notáveis” para realizar jus-
da participativa. tamente algo que, até pode justificar-se pela teoria, porém
As três formas de expressão da democracia menciona- nada tem a ver com as expectativas legítimas em um Esta-
das podem ser resumidas na vigilância, na denúncia e na do de Direito. Do contrário, a democracia representativa
qualificação. Cuidam-se de formas positivas, mas nelas seguirá questionada e gerando desconfiança. Democracia
surge uma negativa, expressada pelo populismo que, ao define-se pelo que se constrói e não somente por suas for-
contrário do cidadão vigilante, denunciante e qualificador mas ou pela vida de suas estruturas. Cobremos de uma
– ou desqualificador – constitui um poder questionador legislatura extraordinária que seja discutida, além da edu-
da democracia, porém caudilhista, messiânico e autori- cação e da saúde, a luta contra a corrupção.
tário. A desconfiança nas autoridades e outros elementos É neste contexto que se revela a importância das me-
de controle popular tem aumentado graças à ausência de didas contra a corrupção com grande respaldo popular.
uma explicação razoável, porquanto muitas decisões que Que fiquem de lado as brandas penas, razão pela qual
nascem da autoridade formal não são explicadas ao cida- plena justificativa há para o acréscimo da sanção nos deli-
dão ou, se são, carregam certo cinismo, egocentrismo e tos contra a Administração Pública, dada a desproporção
autoglorificação, os quais somente aquele que emerge em flagrante diante da gravidade delitiva per se. Ora, uma uni-
mundo ficcional seria capaz de acreditar. O cidadão, mais formização das penas mínimas que se iniciam, hoje, com
que nunca, exige atitudes, decisões e explicações convin- dois anos, algo ínfimo, mesmo se considerarmos uma
centes e reais para que não reste distante e isolado. corrupção individualizada de alguns reais. O bem jurídico
A constatação da falta daquilo que esperam as pessoas merece proteção, de fato, e não teórica.
como respostas adequadas, no tempo e no espaço, gera re- Que seja dado reforço real a investigações bem reali-
púdio e segregação. De um lado, os governantes e os seus zadas, mesmo se iniciadas com técnicas que se legitimam
protegidos; de outro, os governados e desprotegidos. Em diante da astúcia com que se caracterizam condutas nes-
consequência, generalizam-se diversas formas de manifes- te campo tão vil, que levem em conta a necessidade de
tações de contrapoderes que questionam o poder formal. se dar eficácia a um falido processo constitucional-penal
Na verdade, o que desejam os cidadãos é que o poder, que, a pretexto de defender valores democráticos de mi-
os poderosos, desçam de seu pedestal. O contrapoder norias, consagra a fraude processual. Veja como é curioso
torna-se um poder de obstrução. Na medida em que exis- que no crime de corrupção de testemunhas e peritos, pre-
tam vínculos entre a contrademocracia e a democracia visto no artigo 343 do Código Penal, para fins de negar ou
participativa parece fundamental consolidar atitudes, de- deturpar a verdade, o seu autor receba pena máxima de
cisões e explicações razoáveis das autoridades por meio quatro anos, sujeita à substituição por penas restritivas de
de mecanismos de participação, tais como as audiências direito. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime
públicas, os conselhos de desenvolvimento comunitá- Organizado Transnacional deixa evidente a necessidade
O
caminho do combate à corrupção é um cami- jeitinho, do mais esperto, daquele que faz uma tramoia e
nho sem volta. O brasileiro está cansado, mas se dá bem na vida. Nenhuma lei é suficiente para transfor-
está desperto. Nenhuma instituição sobrevive mar uma cultura, se não tiver a ética como alicerce.
mais de aparências. Paulatinamente, os cida- Por mais que a legislação brasileira se modifique e tor-
dãos passam a exigir mais dos governantes, mais dos ór- ne mais severa a punição, melhore seus mecanismos de
gãos de controle e mais até de si mesmos. fiscalização, o que é bom e necessário, ainda assim não
É através de comportamentos éticos que conseguire- vai conseguir impor o comportamento ético por decre-
mos mudar uma cultura cruel que ainda está entranhada to. A mudança cultural necessária para combater a cor-
no cotidiano de todos nós: a cultura do levar vantagem, do rupção requer intensa campanha de divulgação de suas
ADRIANA VANDONI é economista, especialista em Administração Pública pela EBAPE/FGV e secretária de Estado do Gabinete de Transparência e
Combate à Corrupção de Mato Grosso.
ARQUIVO PESSOAL
EVANE BEIGUELMAN KRAMER é advogada do escritório Dal PERCIVAL JOSÉ BARIANI JUNIOR é advogado do escritório Dal
Pozzo, em São Paulo. Pozzo, em São Paulo.
“Foucault não poderia estar mais certo, e nas suas análises, nos idos do século passado,
foi antecipado todo esse direcionamento político criminal dado hoje em diversas partes
do mundo, a partir de vários setores, em diferentes perspectivas e formas de abordagem:
a utilização dos meios de guerra para o controle social. Nós, na qualidade de advoga-
dos criminalistas, entrincheiramos a última fronteira na linha de contenção do avanço
punitivista, e temos que estar vigilantes e atentos a essas tendências que estão sendo
provocadas a partir da política criminal maximalista. O momento é de atenção total e de
união de esforços em prol da minimização da irracionalidade desse sistema!”
I
nicialmente, cumpre-me ressaltar que as reflexões Nos Estados Unidos da América (EUA), hoje, existe uma
que se seguem foram originadas a partir das discus- forte tendência nas técnicas e métodos estatísticos da Ciên-
sões e painéis propiciados pelo recente VII Encontro cia Atuarial para realizar uma modificação – nas palavras do
Nacional dos Advogados Criminalistas, promovido professor Juarez – do Estado da Administração do Crime.
pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas O governo vem investindo cada vez mais em pesquisas e
(ABRACRIM) na PUC-PR, na cidade de Curitiba, nos dias agências que envolvam o estudo da prognose criminal.
30 de junho e 1º de julho de 2016. Todas as palestras fo- Nessa perspectiva, a política criminal toma uma postu-
ram inspiradoras, mas em especial a do professor Juarez ra prospectiva, através dos prognósticos estatísticos que
Cirino dos Santos me instigou a escrever esta conclusão segmentam a população em grupos (de maior ou menor
tirada a partir de sua fala. risco, maior ou menor propensão à criminalidade). Esse
O evento, sem dúvida, foi providencial e veio a calhar tipo de política, portanto, é uma nova tentativa de objeti-
em um momento de enorme retrocesso nas garantias vização do ser humano e do fenômeno do crime (comple-
processuais penais que chegam a inviabilizar, de certa xos e individualizados por essência).
forma e em certo ponto, o próprio exercício da advoca- É o retorno, com uma nova roupagem, da criminolo-
cia criminal. gia positivista, determinista, na qual as individualidades
Então, entrando no tema de como podemos relacionar e, portanto, os ofícios da advocacia, da Psicologia, da As-
o pensamento de Michel Foucault a utilização das estatís- sistência e do Serviço Social etc., perdem seu lugar para
ticas e prognósticos da Ciência Atuarial e o arcabouço teó- o único saber válido: o da predição da criminalidade por
rico-dogmático (de cunho, na verdade, político-criminal) meio da estatística atuarial.
de Günther Jakobs no Direito Penal do Inimigo? Existem vários meios de utilização da Ciência Atua-
Pois bem. Vamos por partes. rial em termos de política criminal que estão sendo tes-
NOTAS
1 FOUCAULT, Michel. A Sociedade Punitiva. Ivonne C. Bennedetti (Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2015.
2 FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. Maria Ermantina Galvão (Trad.) São Paulo: Martins Fontes, 2005.
ARQUIVO PESSOAL
A
Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Es- A coisa não seria tão absurda (e, como dizia Manga-
tado da Bahia concedeu uma ordem de habeas beira, na Bahia sempre haverá um precedente para ab-
corpus (Processo nº 0011177-87.2016.8.05.0000, surdos), se não estivéssemos tratando de uma exigência
originário da Comarca de Feira de Santana), imposta pelo Pacto de São José da Costa Rica (a Conven-
atendendo a um pedido do paciente que alegava, dentre ção Americana sobre Direitos Humanos), pelo Supremo
outras ilegalidades, a não realização, oportuno tempore, Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça. E,
da audiência de custódia. Ressalte-se que o parecer do pior: ainda trabalham com a ideia de nulidade relativa no
Ministério Público na segunda instância foi favorável à Processo Penal.
concessão do writ, exatamente em virtude da ausência da Então, ficamos assim: nulidade absoluta, nulidade re-
referida audiência de apresentação. lativa, mera irregularidade e... dane-se o Processo Penal e
Pois bem. viva a Teoria Geral do Processo! Aliás, sobre nulidades no
Atendendo a uma solicitação da 19ª Promotoria de Direito Processual Penal, seria interessante a leitura de al-
Justiça da Comarca de Feira de Santana, a Procuradoria guma doutrina específica sobre a matéria, especialmente
Geral de Justiça Adjunta, por meio de sua Coordenado- Binder, Pessoa e Maier, para ficarmos entre os latinoame-
ria Especializada em Recursos, instaurou um esdrúxulo ricanos (“El inclupimiento de las formas procesuales”, “La
“Procedimento de Acompanhamento do Processo” e de- nulidad en el Proceso Penal” e “Función normativa de la
cidiu interpor um Recurso Especial contra a decisão da nulidad” – respectivamente).
Câmara, sob o fundamento (dentre outros), de “que a não Vejam que a audiência de custódia foi uma iniciativa
realização da audiência de custódia vem sendo conside- do Conselho Nacional de Justiça, exatamente quando, no
rada nulidade relativa desde que respeitados os direitos dia 6 de fevereiro de 2015, lançou um projeto para garantir
e garantias previstos na Constituição Federal e no Código que presos em flagrante fossem apresentados a um juiz de
de Processo Penal”. Direito, em 24 horas, no máximo. Na verdade, o projeto
Vejam a esquizofrenia a que chegou o Ministério Pú- teve seu termo de abertura iniciado no dia 15 de janeiro,
blico brasileiro (com todo respeito aos esquizofrênicos): após ser aprovado pelo então presidente do Supremo Tri-
impetra-se um habeas corpus em razão da não realização bunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro
da audiência de custódia (fato inconteste), o procurador Ricardo Lewandowski e tinha como objetivo garantir que,
de Justiça oficiante junto à Câmara Criminal exara um em até 24 horas, o preso fosse apresentado e entrevistado
parecer pela concessão da ordem, o Tribunal de Justiça pelo magistrado, em uma audiência em que fossem ouvi-
acolhe o pronunciamento do Ministério Público e (pas- das também as manifestações do Ministério Público, da
men!) a Procuradoria Geral de Justiça Adjunta recorre da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Durante a
decisão, atendendo ao pedido do (indignado) promotor audiência, será analisada a prisão sob os aspectos da le-
de Justiça de primeiro grau. galidade, da necessidade e adequação da continuidade
de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais Nacional com o objetivo de aperfeiçoar a questão. Segun-
do investigado; do Silveira, as audiências de custódia vão ao encontro das
XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do ofereci- convenções internacionais, como a Corte Interamericana
mento da denúncia; de Direitos Humanos, que ressalta que o controle judicial
XIII – determinar a realização de exame médico de sanida- imediato é meio para evitar prisões arbitrárias e ilegais.
de mental, nos termos do art. 447, § 1º; Segundo o relatório do citado conselheiro:
XIV – arquivar o inquérito policial;
XV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no Nessa linha, o artigo 306 do Código do Processo Penal, que
caput deste artigo. estabelece apenas a imediata comunicação ao juiz de que al-
guém foi detido, bem como a posterior remessa do auto de
O Brasil tem hoje cerca de 600 mil presos, dos quais prisão em flagrante para homologação ou relaxamento, não
40% são presos provisórios – o segundo país que mais en- é suficiente para dar conta do nível de exigência estabelecido
carcera cidadãos em todo o mundo e, segundo o ministro nas convenções internacionais.
Lewandowski:
No que tange ao argumento de que os presos poderiam
Não existem estabelecimentos adequados e nem sufi- ser constrangidos a negar maus-tratos e violências, Silvei-
cientes para abrigar essa superpopulação de presos, que ra foi categórico em afirmar que o projeto é um:
cresce em escala geométrica, razão pela qual as audiências
de custódia podem reduzir o número de detentos encar- [...] marco no sentido da evolução civilizatória do processo
cerados, o que, no seu entender, contribui para resolver o penal brasileiro e humanização do sistema jurídico-penal. Ao
problema do sistema penitenciário brasileiro, que é defi- contrário do mencionado pelo Requerente no ponto 7 da pe-
ciente, anacrônico, gerador de violência e de violação de tição inicial, a referida audiência tem, sim, o condão de inibir
direitos humanos. [...] Algumas unidades prisionais podem a prática de atos de tortura, tratamento cruel, desumano e
ser comparadas a “masmorras medievais, verdadeiras esco- degradante.
las do crime.”
Outras questões apontadas pela Anamages são as difi-
Portanto, há lei, aliás “supra-lei” a autorizar a audiên- culdades logísticas e geográficas que podem ocorrer em
cia de custódia, a fim de assegurar a integridade física do comarcas do interior de cada estado e da região Norte do
presos em flagrante, ora “flagrantemente” ignorada, in- país. O relator refutou tal argumentação, alegando que o
clusive pelo Ministério Público, órgão responsável pelo projeto está em fase piloto. Silveira afirmou ainda que:
controle externo da atividade policial. Ou não?
Combatendo as injustificáveis resistências, o Conse- A adoção do projeto é progressiva e escalonada, e leva em
lho Nacional de Justiça arquivou, no dia 5 de maio de consideração a necessidade de disponibilização de recursos
2015, manifestação da Associação Nacional dos Magis- humanos e estrutura física necessária para sua implantação.
trados Estaduais (Anamages) que criticava a implantação
das audiências de custódia. A entidade apontava várias Também vejamos que, na sessão realizada no dia 9 de
dificuldades para efetivar do projeto. Para a associação setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal concedeu,
de magistrados, a iniciativa pode afetar a segurança pú- parcialmente, cautelar solicitada na Arguição de Descum-
blica, sob a alegação que a medida iria “retirar policiais primento de Preceito Fundamental nº 347, que pedia pro-
das ruas e delegacias”. Também iria aumentar a judicia- vidências para a crise prisional do país, a fim de determi-
lização e encargos administrativos dos juízes e o número nar aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências
de reclamações disciplinares advindas dos advogados de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabi-
contra juízes que decidirem manter a custódia, além de lizar o comparecimento do preso perante a autoridade ju-
fazer com que o preso se sinta forçado a negar agressões diciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.
sofridas entre o momento da detenção e sua apresenta- Enfim, o que esperar até mesmo do Ministério Público
ção ao juiz. O conselheiro Fabiano Silveira apontou que brasileiro em tempos de Operação Lava Jato, de entrevis-
o projeto tem o condão de inibir a prática de tortura e o tas coletivas com Power Point, com citações estrambóti-
tratamento cruel aos presos. cas como uma coautoria insólita entre “Marx e Hegel”,
O conselheiro Fabiano Silveira, relator do caso, afir- com delações premiadas contra legem, etc., etc. Não é
mou que as argumentações da Anamages não prosperam. mesmo de se estranhar que o Ministério Público sabote
Para ele, o atual sistema – sem as audiências de custódia covardemente a audiência de custódia, única possibili-
– não assegura a adequada proteção aos presos, o que é dade de tentar evitar prisões ilegais e a tortura. Estamos,
mostrado nos projetos de lei que tramitam no Congresso realmente, em maus lençóis.
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RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA é procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e professor de Direito Processual Penal da Faculdade
de Direito da Universidade Salvador - UNIFACS.
GESTÃO EMPRESARIAL
ESTILOS DE LIDERANÇA
POR EDUARDO SEHNEM FERRO
T
oda organização depende de um controle e de líder consultivo: é o tipo de líder que se preocupa em ou-
métodos de gestão que permita ter certo tipo de vir atentamente a opinião dos membros da equipe e mantém
influência sobre seus colaboradores. Para isto, as um canal de comunicação sempre aberto com a equipe. Em
empresas utilizam-se de seus gerentes e gestores, geral, este tipo de líder aprimora a sua capacidade de lideran-
como meio para manter o controle e influenciar os cola- ça e testa diversos modelos de liderança e ação, a fim de se
boradores a agirem de tal forma que a empresa atinja seus identificar melhor com um modelo de gestão que seja com-
objetivos e suas metas. patível com o seu perfil.
Liderar envolve muito mais do que mandar e se fazer
líder participativo: é o líder democrático, o que se preo-
obedecer. Daí é que entendemos que nem todo líder é
cupa em atender aos anseios de toda a equipe, buscando um
gestor e nem todo gestor é líder. De qualquer forma, po-
ponto de equilíbrio entre os objetivos da empresa e os objeti-
demos citar três tipos básicos de liderança que encontra-
vos pessoais de cada colaborador.
mos na atualidade:
líder autoritário: é aquele se impõe pelo poder, pela autoridade Somos seres humanos em constante mudança e cres-
que tem devido à sua função ou cargo. Nem todo líder autoritá- cimento, nossa capacidade de liderar e conduzir pesso-
rio é um ser tirano, existem muitos líderes autoritários carismá- as se desenvolve na mesma medida em que aprendemos
ticos. Em geral, este tipo de líder é comprometido com as metas a nos conhecer melhor e a entender os outros que estão
e os resultados da empresa, esquecendo, muitas vezes, do fator ao nosso lado. Sendo assim, o bom líder é aquele que
humano ao traçar seu plano de ação, desconsiderando algumas busca o autoconhecimento e que demonstra equilíbrio
das necessidades mais básicas de seus colaboradores. e sabedoria.
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EDUARDO SEHNEM FERRO é controller do escritório Giovani Duarte Oliveira Advogados Associados. Contador inscrito no CRC SC-028265/O-7, Pós-
graduado em Docência do Ensino Superior.
A
multa diária como medida coercitiva tem a fina-
lidade única e exclusiva de impelir determinada
parte ao cumprimento voluntário de uma obri-
gação, incutindo no seu psicológico a satisfação
de formas célere, efetiva e escorreita da determinação judi-
cial imposta no processo. Em outras palavras, a multa diá-
ria visa obrigar determinada parte do processo ao efetivo
cumprimento de uma obrigação de fazer ou de não fazer,
afastando qualquer pensamento do “devo ou não devo
cumprir”, ou ainda “não cumprirei a decisão, já que não
há qualquer responsabilidade pela minha procrastinação”.
Nessa ótica, verifica-se que o valor atribuído à multa
diária são de extremas importância e relevância, pois ao
mesmo tempo que a cifra atribuída pelo juízo deve pres-
sionar o obrigado ao cumprimento da obrigação o mais
rápido possível, deve também ponderar para que o valor
não enriqueça a parte adversa indevidamente, onerando
em demasia o obrigado (TJPE, 5ª Câmara Cível, Rel. Age-
nor Ferreira de Lima Filho, j. 29 de jul. 2015).
Não por outro motivo, o valor atribuído à multa diária
poderá ser revisto, seja para haver a majoração quando se
tornar insuficiente, seja para haver a diminuição quando
se tornar excessivo. Inclusive, conforme o entendimento
jurisprudencial hodierno, a aplicação da multa diária não
faz coisa julgada material, podendo, assim, ser revista a
qualquer tempo, até mesmo após escoado o lapso tempo-
ral do remédio jurídico extremo, isto é, a ação rescisória.
Com efeito, de acordo com a jurisprudência maciça
dos tribunais pátrios, a fim de evitar o enriquecimento ilí-
LUIZ FELIPE DE OLIVEIRA RODRIGUES é advogado, bacharel em Direito pela Faculdade Maringá (PR), pós-graduando em Direito Civil e Processo
Civil pelo Instituto Paranaense de Ensino (PR).
E
m um país onde as desigualdades sociais são evidentes A OCDE reconhece que a adoção de um programa que per-
é natural que a primeira reação à instituição de um pro- mita aos contribuintes apresentarem voluntariamente informa-
grama de anistia destinado àqueles contribuintes que ções quanto aos bens detidos no exterior não declarados, inse-
mantêm recursos não declarados no exterior seja bas- rido no contexto da implementação de medidas de compliance
tante negativa. fiscal, tais como a adoção de acordo para troca de informações,
Parece ser politicamente correto condenar tal medida e bra- traz benefícios a todos os envolvidos2.
dar contra esse suposto privilégio dado aos “ricos” que, delibera- Isso porque um programa dessa natureza permite que uma
damente, e por tantos anos, infringiram a lei. Também é possível grande parcela de contribuintes, impulsionados pela pers-
compreender aqueles que buscam nomes e se referem a fatos pectiva de maior rigor na fiscalização apresentem-se volunta-
históricos para construir teorias que advoguem contra os obje- riamente perante as autoridades e regularizem sua situação,
tivos da Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que instituiu o fator que evita maiores gastos com fiscalização e possibilita
Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). um fluxo imediato de receitas para o país. É importante notar
É preciso, no entanto, que todos nós realizemos uma refle- que a regularização, efetuada por declaração do contribuinte,
xão mais cuidadosa e fundamentada sobre esse tema, sob pena é passível de verificação, que deverá ser realizada pelas auto-
de nos atermos unicamente a esses primeiros impulsos emo- ridades competentes com o efeito de evitar que recursos não
cionais contrários ao RERCT. Primeiro, é preciso dizer que o elegíveis ao regime (ditos recursos ilícitos) sejam “lavados”.
Brasil não está sozinho na instituição de um programa de anis- Os contribuintes que sempre cumpriram com suas obriga-
tia desse tipo.
ções, por sua vez, sentem-se recompensados, na medida em
Com base em pesquisa realizada pela Organização para
que aqueles que aderem ao programa terão que arcar com um
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a qual
custo tributário importante para regularizar sua situação – por
envolveu 47 países, é possível constatar que a grande maioria
vezes, a depender do caso, com um custo tributário que não se-
instituiu programas especiais e temporários, tal como o RERCT,
ria devido caso determinados procedimentos houvessem sido
para possibilitar que os contribuintes voluntariamente infor-
adotados no passado.
massem às autoridades a existência de bens não declarados no
Ao mesmo tempo, isso permite que as autoridades fiscais
exterior, recolhendo o correspondente tributo1.
utilizem seus recursos de maneira mais eficiente para fazer va-
Países como Argentina, França, Dinamarca, Chile, Portu-
gal, para citar apenas alguns dos mencionados na pesquisa da ler as medidas de compliance fiscal instituídas, focando seus
OCDE, adotaram programas especiais com características mui- esforços naqueles que, por qualquer razão, permaneceram à
to parecidas com aquelas presentes no RERCT. margem da lei.
Uma característica marcante na grande maioria desses pro- Nesse sentido, consolida-se a expectativa de que as autori-
gramas é a impossibilidade de o contribuinte vir a ser proces- dades terão condições e irão realizar de maneira adequada e
sado e condenado pelos crimes relacionados à conduta infor- eficiente seu trabalho, fazendo valer as leis e punindo aqueles
mada. É impraticável pensar em um programa de anistia caso que continuam não declarando os bens detidos no exterior e
não exista condições institucionais que permitam assegurar a não recolhendo eventuais tributos devidos.
manutenção dos benefícios – a anistia dos crimes praticados – Em resumo, a instituição do RERCT (i) mostra um alinha-
que estimularam a sua adesão. mento do Brasil com práticas internacionais de combate à eva-
Um segundo e importante elemento é o contexto no qual o são fiscal, sendo plenamente justificável, dado o atual contexto
RERCT está inserido. O Brasil é signatário da Convenção Mul- de instituição de medidas para forçar o compliance fiscal; e (ii)
tilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos traz benefícios a todos os envolvidos (Estado e contribuintes,
Fiscais, aprovada pelo Congresso Nacional em abril deste ano, incluindo aqueles que sempre agiram de acordo com a lei).
que tem como signatários mais de 90 países. Feita essa reflexão, parece-nos que, embora compreensíveis,
Em resumo, essa Convenção permite a assistência adminis- merecem ser superados os primeiros impulsos contrários à ins-
trativa entre as autoridades fiscais dos países signatários, o que tituição do RERCT, sob pena de permanecermos presos a pen-
compreende a troca de informações, a fiscalização tributária si- samentos de um Brasil distante das tendências internacionais
multânea e a participação em fiscalização no exterior. em matéria fiscal.
NOTAS
1 “Update on Voluntary disclosure Programmes. A pathway to tax compliance.” Disponível em https://www.oecd.org/ctp/exchange-of-
tax-information/Voluntary-Disclosure-Programmes-2015.pdf. Acesso em: 14 nov. 2016.
2 Nesse sentido, ver “Update on Voluntary Disclosure Programmes. A Pathway to Tax Compliance.”, páginas 9 a 11. Disponível em https://
www.oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/Voluntary-Disclosure-Programmes-2015.pdf . Acesso em: 13 nov. 2016.
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ANDRÉ GOMES é sócio de Souto Correa Advogados. GIÁCOMO PARO é sócio de Souto Correa Advogados.
C
om o objetivo de revolucionar o sistema de paga- de riqueza, lícita ou ilícita, as transações com bitcoin têm re-
mento e investimento, em 2008, o empreendedor percussão financeira e, consequentemente, alvo de tributação.
australiano Craig Wright tomou a iniciativa de rein- Dessa forma, em análise ao antecedente normativo, em
ventar a moeda na forma de um código de compu- consonância com sua atualização semântica, conclui-se que
tador, possibilitando a transferência virtual de sua propriedade as criptomoedas são bens aptas a incorporar acréscimo patri-
a um custo nulo e sem depender de um terceiro intermediário. monial ao seu proprietário, em subsunção à norma prevista no
A bitcoin é uma moeda virtual, gerada e transferida entre seus artigo 43 do Código Tributário Nacional, pois denota-se ope-
usuários por meio de uma rede descentralizada (“peer-to-peer”, rações que consagram os elementos típicos do fato gerador do
ou simplesmente, ponto a ponto), sem qualquer intervenção dos Imposto de Renda (IR), em razão da manifestação de riqueza.
governos ou instituições financeiras, por meio de criptografia de Sob esse prisma, é imperioso destacar a necessidade de
chave pública, que gera as primeiras dificuldades de conceitua- poder econômico elevado para participar desse tipo mercado,
ção, do ponto de vista legal. sendo fonte suscetível de atuar no custeio da atividade estatal.
Nesse contexto, os elementos “soberania” e “território” de um Para efeitos da incidência do IR, a verificação do acréscimo
Estado não subsistem, visto que nenhuma organização ou indiví- patrimonial da criptomoeda pode se dar com o ganho de capital
duo pode controlar essa criptomoeda. decorrente de sua alienação, com fulcro no artigo 3º, § 2º, da Lei
As transações com bitcoin têm repercussão financeira e, nº 7.713/1988.
consequentemente, alvo de tributação A Receita Federal do Brasil, inclusive, passou a disponibilizar
Todas as transações que ocorrem na economia virtual são um campo no seu formulário de declaração do Imposto de Ren-
registradas em uma espécie de livro-razão da rede bitcoin e da para a possibilidade de se declarar as criptomoedas de que
são distribuídas no chamado “blockchain”, que nada mais é é proprietário e, se for o caso, pagar o valor do imposto equi-
do que um grande banco de dados público, contendo o histó- valente. Doravante, deve-se selecionar o código “Outros bens
rico de todas as transações realizadas. Novas transações são e direitos” e descrever as quantidades das diferentes moedas
verificadas contra o blockchain, de modo a assegurar que os digitais que o contribuinte tenha. Como não existe uma cotação
mesmos bitcoins não tenham sido previamente gastos, elimi- considerada oficial para o bitcoin e sua emissão não é contro-
nando, assim, o problema do gasto duplo. A rede global peer- lada por nenhum órgão do governo, a saída será usar cotações
to-peer, composta de milhares de usuários, torna-se o próprio como a do Mercado Bitcoin para o cálculo dos ganhos.
intermediário. Para efeitos da incidência do Imposto de Renda, segundo a
Sob a perspectiva econômica, a bitcoin oferece aos usuá- Receita Federal, quando as vendas em um mês forem maiores
rios as vantagens tecnológicas tanto do dinheiro commodity que R$ 35 mil, os ganhos de capital devem ser tributados em
propriamente dito quanto de um substituto de dinheiro (como 15% e o pagamento do imposto deve ser feito até o último dia do
certificados de depósitos, os precursores do papel moeda). mês seguinte ao da transação. Para que seja feito o recolhimen-
A bitcoin surge como uma forma de reduzir os custos de to, o ideal é que seja usado o Programa de Apuração dos Ganhos
transação, permitindo um uso mais eficiente do dinheiro, usos de Capital (GCAP).
que com o dinheiro commodity não seriam possíveis. Algo sem Mesmo quem não obteve ganho de capital está obrigado a
precedentes na história monetária, com a transação da cripto- informar o saldo da moeda bitcoin na declaração, na ficha de
moeda, sem qualquer lastro físico. Rendimentos Isentos e Não Tributáveis.
A posse dos bitcoins está a todo o instante com o dono da Outras operações com bitcoins podem ter efeitos tributários,
carteira (equivalente à conta bancária tradicional), dessa for- tais como doações das criptomoedas (que estariam sujeitas ao
ma o proprietário tem disponibilidade completa e irrestrita ITCMD), intermediações de compra de venda (tributáveis pelo
dos bitcoins, podendo transferi-los a quem desejar a todo ins- ISS), sendo necessária uma análise em cada caso concreto.
tante, sem que nenhuma entidade o impeça de fazê-lo, e de Contudo, é importante ter em mente que referidos posicio-
forma anônima. namentos ainda são preliminares e que a matéria está sendo
Contudo, em que pese não ser moeda do ponto de vista le- discutida pelas autoridades fiscais e monetárias de vários pa-
gal, é fato que à luz do conceito de capacidade contributiva, que íses, razão pela qual poderemos, no futuro, ter um panorama
consagra a incidência tributária sob qualquer forma de geração legal e tributário complexo.
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PAULO HENRIQUE DE SOUZA FREITAS é doutor em Direito TALITA FERNANDA RITZ SANTANA é doutora em Direito Comercial
Comercial (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário (IBET-SP); (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário (IBET-SP); associada de
sócio de Freitas Martinho Advogados. Freitas Martinho Advogados.
O
jornal “Folha de São Paulo” de 29 de outubro 880,00. Assim, é estimulado a se aposentar. Nenhum tra-
de 2016, “in” “Mercado”, A19, sob o título “Lei balhador recebe apenas seu salário, mas também todos
pode definir contribuição de inativos”, noticiou os benefícios indiretos oriundos das convenções coleti-
o propósito da equipe responsável pela refor- vas e acordos coletivos. Além de outros, o trabalhador de
ma da previdência, subordinada ao presidente Michel Te- salário mínimo recebe o benefício da cesta básica, sem a
mer, intencionar mudar a Constituição para a cobrança qual sequer pode garantir sua alimentação e de sua famí-
de contribuição previdenciária de todos os aposentados, lia, na ativa. Não consta que o INSS entregue cesta básica
entre os quais 90% recebe benefício equivalente ao salário ou, por outra, vale-refeição para seus aposentados. Logo,
mínimo. é manifesta a falácia do argumento de que o trabalhador é
A primeira inconstitucionalidade, ainda que inserida incentivado a se aposentar por aqueles mirrados R$ 70,40.
em texto de emenda constitucional, está em dar-se aos A crítica política se constitucionaliza sem muito esfor-
estados e municípios autonomia para estabelecer a co- ço, em intensidade tal que não seria admitida nem mes-
brança. À União cabe com exclusividade o direito de le- mo Emenda Constitucional para introduzir essa chibata-
gislar sobre previdência social (CF, art. 22, inciso XXII). da no lombo da maioria dos aposentados brasileiros.
Cada estado ou município poderia cobrar o tributo dos O art. 6º da CF proclama os direitos sociais funda-
aposentados, no interior de uma autêntica torre de Babel mentais: “São direitos sociais a educação, a saúde, a
jurídica entronizada no ordenamento jurídico do Brasil, alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o la-
com violação chapada do princípio básico e fundamen- zer, a previdência social, a proteção à maternidade e à
tal inscrito no art. 150, II, da CF, que proíbe tratamento infância, a assistência aos desamparados, na forma des-
desigual de contribuintes que se encontrem em situação ta Constituição”.
equivalente. Veja-se que, segundo o noticiado, cada ente É claro que a proposta não retira o direito à previdên-
poderia estabelecer qual será a alíquota e taxa a quem cia social. Porém, reduz a importância do benefício. Essa
recebe o piso previdenciário. No entanto, ao tributo, ao redução é ainda mais inconstitucional quando se prevê
menos em tese, deve corresponder uma contraprestação impactar os benefícios já vigentes. Mas fiquemos no nú-
do Estado, e esta é nenhuma em matéria de seguridade cleo duro da inconstitucionalidade, consistente no direi-
social, ao se considerar estados-membros e municípios. to fundamental à proibição de retrocesso, princípio im-
E alíquotas eventualmente confiscatórias, como ficariam, plícito em nossa Carta Política, excelentemente exposto
à luz da proibição de utilizar-se de tributos para efeito de pelo decano do STF, o ministro Celso de Mello, ao proferir
confisco? (CF, art. 150, IV). voto na Corte Suprema:
Outra idiossincrasia. O trabalhador do setor privado
que recebe um salário mínimo paga R$ 70,40 ao INSS Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em ma-
(8%) e ao se aposentar fica integralmente (!) com os R$ téria social traduz, no processo de sua concretização, verda-
AMADEU ROBERTO GARRIDO DE PAULA é advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
ELITE CLEPTOCRÁTICA OU
DECÊNCIA? TEMOS QUE ESCOLHER
POR LUIZ FLÁVIO GOMES
P
arlamentares querem aprovar logo anistia para o precedente, enquanto os crimes posteriores à vigência da
caixa dois (antes das delações da Odebrecht). Nós, nova lei observarão o novo preceito legal.
da cidadania vigilante, temos que nos posicio- Cada crime segue a lei do seu tempo (tempus regit ac-
nar veementemente contra qualquer tentativa de tum). Essa sucessão de leis incriminadoras jamais signi-
anistiar os crimes investigados pela Lava Jato. ficou anistia (porque o crime precedente continua sendo
Na agenda do brasileiro, hoje, existem muitas coisas crime, com nova redação).
inadiáveis. Uma delas, sem sombra de dúvida, consiste
em restaurar a República, em sintonia com elementares e PROPINAS NÃO SÃO CAIXA DOIS
salutares preceitos éticos. A criminalização nova do caixa dois, de outro lado, não
Apesar de toda a descrença nas elites que governam afetará em nada as propinas (arrecadadas normalmente
e dominam a nação, nosso desinteressado afeto por um em contratos com as estatais) transformadas em “doa-
Brasil ético não pode esmorecer, ao contrário, deve ser ções eleitorais”, declaradas à Justiça Eleitoral.
continuamente fortalecido. Isso não é caixa dois (não tem nada a ver com caixa
É justamente nos momentos de crises agudas que não dois), mas, sim, é lavagem de dinheiro (que faz da Justiça
podemos vacilar nem apresentar qualquer tipo de tibieza. Eleitoral uma lavanderia oficial).
Contra a pretensão de se anistiar o caixa dois praticado Toda propina vinda de contratos com o poder público
por setores políticos, empresariais e bancários temos que (as que foram pagas, por exemplo, pela Odebrecht) sem-
reagir com um contundente “não”. pre configuram o crime de lavagem de dinheiro (pouco
Caixa dois significa dinheiro ou bens não contabili-
importando se foram ou não declaradas à Justiça).
zados nem declarados à Justiça Eleitoral. Querem apro-
O crime de caixa dois pressupõe que a doação eleitoral
var a anistia logo, a fim de evitar o aumento da pressão
seja feita com dinheiro ou bens lícitos.
popular após as delações da Odebrecht (a empresa que
Os parlamentares envolvidos com a corrupção sistê-
mais fez doações ilícitas no país). Mais: querem escapar
mica, desesperados com as revelações da Lava Jato, estão
da Lava Jato.
querendo um vergonhoso presente de final de ano.
O tema merece nossa reflexão.
Aliás, mais um presente que as elites dirigentes querem se
O caixa dois hoje já é crime (Código Eleitoral, art. 350).
dar, ampliando as benesses que a cleptocracia brasileira já
A ministra Cármen Lúcia vem dizendo isso desde o julga-
mento do Mensalão. lhes proporciona tradicionalmente (foro privilegiado, impu-
Na onda das dez medidas anticorrupção propostas por nidade, prescrições, repatriações de dinheiro sonegado etc.).
iniciativa popular e pelo Ministério Público Federal vai ser Isso se chama elite-cleptocracia (é a cleptocracia das elites).
aprovado um novo crime de caixa dois, quando a origem A tese da anistia para o mundo político-empresarial une
da “doação” for lícita. praticamente todos os partidos (de esquerda e de direita: PT,
A nova tipificação penal só vale, evidentemente, para PSDB, PMDB, PP, DEM etc.). São pouquíssimas as exceções.
fatos ocorridos após a vigência da (nova) lei. As elites dirigentes metem a mão no dinheiro público e
Entendem alguns políticos e empresários que isso sig- ainda querem que a população seja condescendente com
nificaria a “anistia” para os fatos passados. essa roubalheira persistente.
Nada mais equivocado. A tese está fundada em argu- A autoestima do brasileiro espoliado não pode chegar
mento jurídico falho. ao extremo de tirar férias. O Brasil vale muito mais do que
Quando um crime não desaparece e apenas é redefini- suas elites dominantes supõem.
do em um novo tipo penal, não há que se falar em anistia Não se trata de dispensar ao nosso país uma admiração
(ou abolitio criminis). irrefletida e destemperada.
O fato ilícito continua ilícito. Logo, o crime persiste Todos os que somos diariamente explorados pelos
(com nova redação, novas penas, novas exigências típi- donos corruptos do poder temos sólidas e convincentes
cas, mas continua firme como ilícito penal). razões para nos insurgirmos contra essa promiscuidade
A isso se dá o nome de princípio da continuidade típica dos interesses particulares que regem o destino da nação.
(ou da continuidade normativo-típica). Diga não a todo tipo de anistia para quem praticou pi-
Não há que se falar, nesse caso, em anistia. O que ocor- caretagem com o dinheiro público. Manifeste. Exerça sua
re é o seguinte: os crimes anteriores seguem o tipo penal cidadania vigilante ativa.
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LUIZ FLÁVIO GOMES é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG.com.br
DOUTRINA
A TUTELA DA ( S )
VULNERABILIDADE ( S ) DO
ACUSADO NO PROCESSO PENAL
D
ebatendo a condição geral dos acusados no Entretanto, os estudos sobre a repercussão das vulne-
processo penal, a professora Ada Pellegrini rabilidades humanas impactantes no processo ainda são
Grinover exclamara em determinada ocasião incipientes. A grande referência no tema é a obra “Igual-
que: “O acusado está sempre numa posição de dade e Vulnerabilidade no Processo Civil”, de autoria de
vulnerabilidade frente à acusação” (2014, p. 466). Com ra- Fernanda Tartuce (2012), na qual são apresentadas di-
zão está a professora Grinover. E, em agravante, não raras versas formas de vulnerabilidade incidentes no processo,
vezes a acusação pública mantém preocupantes vínculos como resultado da tese de doutorado apresentado à USP
de proximidade em seu relacionamento com o julgador pela autora. Aliás, a referida obra é tão importante que,
público, inserindo o acusado e sua defesa num quadro superando suas fronteiras iniciais (processo civil), foi uti-
injusto de prejuízo à equidistância almejada para um jul- lizada em prol da tutela da vulnerabilidade humana no
gamento justo e equilibrado. processo penal.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Rafael Vinheiro Monteiro; MAIA, Maurilio Casas. Isonomia dinâmica e vulnerabilidade no Direito Processual Civil. Revista de Pro-
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lex, n. 417, Brasília(DF), p. 55-57, 1º jun. 2014.
_____. Luigi Ferrajoli e o Estado Defensor enquanto magistratura postulante e Custos Vulnerabilis. Revista Jurídica Consulex, n. 425, Brasília
(DF), p. 56-58, 1º out. 2014.
______. Os (des)conhecidos princípios do advogado natural e do defensor natural. Prática Jurídica, n. 174, Brasília (DF), p. 52-53, Set. 2016.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: RT, 2014.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Legitimação da Defensoria Pública à Ação Civil Pública. In: _____. BENJAMIN, Antônio Herman. WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim. VIGORITI. Vincenzo. Processo Coletivo: do surgimento à atualidade. São Paulo: RT, 2014, p. 457-474.
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.
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______. MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a proteção dos vulneráveis. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.
TARTUCE, Fernanda. Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
______. Vulnerabilidade processual no Novo CPC. In: Sousa, José Augusto Garcia de. (Coord.). Defensoria Pública. Salvador: Jus Podivm, 2015.
(Coleção Repercussões do Novo CPC, v. 5. Coordenador Geral: Fredie Didier Júnior).
ARQUIVO PESSOAL
MAURILIO CASAS MAIA é Defensor Público Estadual (AM) e professor (FD/UFAM), Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e Doutorando (UNIFOR). Pós-Graduado lato sensu em “Direito Público: Constitucional e Administrativo” e em “Direitos Civil e Processual Civil”.
Colunista no Site Empório do Direito.
URGÊNCIA
O
ensino médio é a última etapa da educação uma escola chata, como disse Priscila Cruz, do Todos Pela
básica e tem como objetivo proporcionar aos Educação, em sua coluna no UOL Educação. Os jovens
nossos jovens o acesso ao ensino superior e ao querem uma escola que caiba na vida. Portanto, se fizer-
mundo do trabalho. Mas não é isso o que acon- mos a coisa certa, teremos dinheiro para mudar o atual
tece com a grande maioria. Cerca de 1 milhão de jovens quadro, se considerarmos o que se perde com o abando-
entre os 15 e os 17 anos de idade estão fora da escola e sem no escolar.
desenvolver atividade remunerada alguma, entre as per- A boa notícia é que já temos soluções para enfrentar
mitidas pela legislação para essa faixa etária. Esse grupo essa situação. Precisamos agora dar a elas uma escala na-
pode ser considerado o berço dos chamados “nem-nem”, cional. Por exemplo, o Estado de Pernambuco iniciou, há
que nem estudam e nem trabalham. 12 anos, o programa Escolas de Referência de Ensino Mé-
Consideremos, agora, a faixa etária de 15 aos 29 anos dio em Tempo Integral, no qual os alunos têm apresen-
— aquele grupo de jovens que é estratégico para o desen- tado um desempenho escolar bem superior ao daqueles
volvimento de qualquer país, desde que tenham recebido que estudam em escolas de tempo parcial.
uma formação educacional sólida, da educação básica ao Mas não se trata apenas de mais tempo na escola. Esse
ensino superior, podendo incluir a formação para o mun- modelo inclui um currículo de educação integral, com
do do trabalho. No Brasil, temos hoje nessa faixa cerca professores bem preparados e uma gestão escolar quali-
de 10 milhões de jovens, que não estão estudando nem ficada e profissional, assim como o implantado no Rio de
trabalhando, e cuja maioria sequer completou o ensino Janeiro, mas sem a escala de Pernambuco. O abandono
médio. E o pior: dos que concluíram essa última etapa da escolar nessas escolas de tempo integral com educação
educação básica, a maioria o fez com níveis de aprendiza- integral é próximo de zero.
gem extremamente baixos. De cada 100 alunos concluin- Cito apenas esses dois casos cujos resultados são apoia-
tes, apenas nove aprenderam o que seria esperado em dos por avaliações de desempenho. O custo para manter
Matemática, e vinte e sete em Língua Portuguesa. essas escolas é da ordem de 40% a mais com relação àque-
Que futuro podemos esperar para o Brasil diante desse las de tempo parcial. Mas elas funcionam! Esse valor, por
quadro? Sem esquecer que, diferentemente de outros paí- sua vez, é bem menor do que aquele que se perde com o
ses, o Brasil ainda usufrui de um bônus demográfico, mas abandono escolar. Segundo Derek Bock, ex-presidente da
deve perdê-lo até 2030. Estamos diante de uma situação Universidade de Harvard, se você acha que a educação é
extremamente grave – até mais grave do que o atual qua- cara, experimente a ignorância.
dro econômico pelo qual passa o país. A economia pode Felizmente, o Ministério da Educação (MEC), os se-
se recuperar mais adiante, a partir de ajustes e medidas cretários de Educação dos estados, por meio do Conselho
fiscais, equilibrando os gastos públicos com a receita e Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a socie-
trazendo de volta a confiança dos investidores. Mas quan- dade civil estão dispostos a enfrentar a atual situação do
do se perde uma geração de jovens está-se diante de uma ensino médio no Brasil. A meu ver, o problema financeiro
situação muitas vezes irreversível e crítica de falta de es- é o menor, pois parece-me que o maior deles é de con-
perança quanto ao futuro. Por isso, não dá mais para es- cepção – tomar a decisão política que interessa aos nossos
perar que algum milagre aconteça para melhorar o nosso jovens e ao Brasil. Os interesses específicos não podem se
ensino médio. sobrepor aos interesses maiores de uma nação. Estamos
Só com o abandono escolar no ensino médio o país diante de uma escolha. Penso que não deve ser difícil fa-
perde por ano cerca de R$ 3,7 bilhões. Isso é o reflexo de zê-la, se quisermos ter um país com futuro. E esse futuro
um ensino que não dialoga com o mundo dos jovens, de só se constrói com jovens bem formados!
MOZART NEVES RAMOS é diretor do Instituto Ayrton Senna. Foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco e secretário de Educação do Estado de Pernambuco
MEIO SÉCULO DE
SERVIDOR PÚBLICO REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E POLÍTICA
ESTAGNAÇÃO
ISSN 1519-8049
216
EXEMPLAR DE Pedro Ferreira e Renato Fragelli
ASSINANTE
EDITORA VE N DA P ROI B I DA
CONSULEX
LICITAÇÃO E CONTRATOS
DIREITO ADMINISTRATIVO
O KNOW-HOW DA CONSULEX
voltado à área do Direito Público em
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