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Site Luminys
http://luminys.tripod.com.br

É com grande orgulho que lhes apresento o primeiro net-book para Tormenta contendo somente
contos ambientados em Arton. Um livro sem regras, com narrativas que levarão você para o mundo
ameaçado pela “Tempestade Rubra”.

O Projeto Crônicas Artonianas foi uma iniciativa do website Luminys: O Primeiro Fanquest de
Tormenta, já conhecido por seu folhetim baseado em uma campanha atual de Tormenta. Durante os
meses de Maio e Junho de 2002, o site recebeu diversos contos, muitos destes foram cedidos pelos
membros do grupo de discussão Lista Tormenta, o maior e-grupo do RPG de Fantasia Medieval da
Daemon Editora. E aqui está o resultado! Uma coleção de fantásticas estórias que além de revelar
novos talentos da “Literatura RPGística”, irá a cada parágrafo surpreender você.

Deuses, espadas mágicas, demônios da tormenta, heróis espalhafatosos, artefatos, romance,


comédia, horror e é claro... muita aventura! E não para por aqui, este é o primeiro volume de Crônicas
Artonianas. Em breve iremos repetir a dose. Para mais informações acesse o site http://
luminys.tripod.com.br

Boa Leitura...
...Sempre!

Tales, O Efreet

Agradecimentos
Desde já agradeço a todos os autores que colaboraram com este projeto, sem a imaginação deles e um dom para escrever
estórias que prendem o leitor nas páginas, este livro não seria possível. Os créditos são de vocês!
Gostaria de aproveitar este momento, e agradecer também a todos os colaboradores do site e projeto Luminys, que fizeram
deste um sucesso de críticas, espero que continue assim. Agradeço aos meus jogadores, devido a sua paciência com um mestre
tão impulsivo e precipitado, acima de qualquer coisa, somos amigos há muitos anos e assim se repetirá.
Por último um agradecimento mais que especial para Deus – esse mestra muito bem – e para uma mulher que apesar de não jogar
RPG é um exemplo de como um verdadeira pessoa deve agir nas mais diversas situações no maior jogo do mundo, o “RPG da Vida”,
minha amada e querida Mãe. Você é tudo pra mim!

Considerações

Não Venda Este Livro!


Este livro foi criado com o intuito de apresentar novos talentos da “Literatura RPGística”, prover o aumento da leitura entre os
jovens, mostrar o lado sadio do RPG, e divulgar nosso site, que desempenha todos estes papeis citados. Não estamos ganhando
dinheiro com isso. Faça sua parte e distribua esse material gratuitamente.

Direitos Reservados:
Tudo aqui contido são somente para o uso de divulgação. As marcas e nomes aqui citados pertencem a empresa Deamon
Editora. E todos os contos deste livro foram autorizados pelos seus respectivos autores.
Luminys é o primeiro fanquest do RPG Tormenta 3a Edição, da Daemon Editora. Ou seja, uma novela escrita baseada em
partidas deste jogo. O conteúdo deste livro NÃO é oficial e pode eventualmente contradizer algum suplemento oficial que venha
a ser produzido posteriormente. Nosso site preza pela boa leitura e pela divulgação do RPG no Brasil. Luminys está atualmente (1
semestre de 2002 ) em sua I Saga, intitulada “Dreamarton”. Com uma trama paranóica, Dreamarton, vem conquistando o público
com personagens carismáticos e muito mistério.

Duvidas ou sugestões:
efreetales@bol.com.br

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Índice
Lembranças da Tormenta 4

Recrudescência 6

Mares Bravios 9

Destino 11

O destino da Lâmina Vermelha 13

Em busca da Safira de Glórienn 15

Sangue e Areia 17

Throne, o Herói 23

Justiça a qualquer Preço 27

O cristal de Tenebra 32

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Lembranças da Tormenta Por Rafael Albuquerque

Gorendill era um lugar calmo. Pelo menos quando eu pensei


em vir para cá. Viver como um pescador, mais um, às margens — Eu sei, Dredd! Eu sei! E sinto muito por tudo o que você
do Rio dos Deuses era uma forma, eficaz ou não, de relaxar. Re- passou e ainda deve passar!
laxar e esquecer. Tentar relaxar e esquecer. Mas para minha sur- — Você sente muito? Ah, agora sim!...
presa, Gorendill não se mostrou tão calma assim. — Mas você ainda é um herói! E não pode recusar um pedi-
do de ajuda! Ainda mais para ajudar o Reinado!
A cidade cresceu muito nos últimos tempos, especialmente — “O Reinado”! “O Reinado”! Grandes m...
depois que Guss Nossin dissolvera o conselho da cidade. Ela — Você foi grande, Dredd! Não desperdice o talento que
prosperou, se desenvolveu. Virou uma grande cidade, como di- recebeu dos deuses! O Imperador-Rei e o Protetorado precisam
versas outras espalhadas pelo continente. E pelo visto, atraiu de sua ajuda! Eles precisam de você!
também grandes figurões dessas mesmas grandes cidades. — O Rei precisa de mim? Jura? E o que você quer que eu
faça? Quer que eu coloque um brasão no peito e me orgulhe por
········ fazer parte de uma elite egocêntrica e hipócrita, como é toda
essa elite real? Eu estou com quarenta e dois anos, Arkam! Qua-
Aquele homem exerce um certo fascínio nas pessoas quan- renta e dois! Entrei no Protetorado quando você era um bebê! E
do passa, e acreditem, isso não é de hoje. Acho que quando sabe o que eu ganhei em troca?
nasceu, os deuses escolheram o carisma como seu maior atri-
buto. Ele adentra em meu território como se estivesse em sua Arkam abaixou a cabeça. Ele sabia o que eu iria dizer.
própria casa. O pior é que realmente não poderia reprimi-lo por
isso. Foram anos, juntos e separados, servindo ao Reinado. — Nada! Absolutamente nada! O Reinado não se importa
Servindo à justiça, servindo à lei. Servindo ao Rei. com sobreviventes! Só a Academia Arcana, por questões pró-
prias, para poderem “brincar” de experiências bizarras! Não me
— Oi, Dredd!... leve a mal, Arkam, mas não acredito que Thormy se importe co-
migo a ponto de enviar você para me convencer do contrário!
Eu não havia dito? Ele se sentia em casa. Agora iria dizer
que ouviu sobre minha nova vida, mas não acreditou. Arkam continuou com a cabeça baixa, pois sabia que teria
de admitir o que para ambos era óbvio:
— Juro que não levei muito a sério quando ouvi dizer que
você havia se tornado um pescador!... — Está certo!... Eu admito!... EU preciso de você! O Proteto-
rado está estático diante de uma ameaça que ele não está acos-
Ele fez de propósito. Ele sabia que eu saberia o que ele iria tumado a enfrentar! Os demônios da Tormenta, eles...
dizer. Sempre foi assim. Um a frente do outro. É exatamente por
isso que ele se sentia em casa. Eu fiz uma expressão de incomodado. A simples menção do
assunto Tormenta sempre me deixava extremamente agitado. Arkam
········ sabia disso, e talvez não me incomodasse se não fosse de extrema
importância o fato. E a situação era realmente alarmante.
— Não se sente sozinho aqui, Dredd?
— Eu preciso que você comande operações contra os de-
A verdade? Talvez eu realmente me sentisse sozinho ali, mas mônios da Tormenta!
não iria admitir naquele momento.
Eu olhei para ele durante longos segundos, próximos de um mi-
— Talvez!... Mas eu prefiro assim mesmo! nuto. Juro. Era como se não acreditasse no que acabara de escutar.
— Jura? Não sente falta de nada aqui?
— Eu tenho o nada aqui! E ao invés de ficar dando voltas, — Escuta, Arkam,... você por acaso anda bem com sua sani-
por que não diz logo que quer minha ajuda pra alguma coisa, dade? Eu te digo: eu não! Eu perdi um pouco a minha, sabe por
“Senhor líder do Protetorado”? quê? Sim, você sabe! Você sabe o que eu vou dizer não é? Mas
eu vou dizer assim mesmo!...
Arkam sorriu. Ele é outro que nunca soube quem estava a
frente de quem. Me exaltei. Ali já falava com uma expressão de rancor, raiva,
firmeza, e frustração:
— Já ouviu as novidades sobre a Tormenta?
— Se eu já ouvi? Nobre guerreiro, eu ESTIVE lá! — Você não sabe Arkam, com toda sua experiência, o que é
adentrar um cenário macabro, que perturba a mente a ponto de
O tom de voz havia aumentado. É sempre assim quando me ferir a alma! Você não imagina, o que é se deparar com grupos
fazem falar sobre a maldita Tormenta. E me irritava ainda mais de três, quatro, cinco demônios que a sanidade humana se re-
quando Arkam tentava me consolar: cusa a acreditar que são reais! Ver uma podridão de vermelho

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sangue e metal enferrujado, misturados a arquiteturas que lem- — Sim! E nossa testemunha foi morta embaixo das barbas
bram ossos retorcidos! Você não sabe o que é estar no Inferno! de alguns dos meus melhores homens, sem que eles nem mes-
Nenhum desses aventureiros novatos que me torram a paciên- mo entendessem de onde partiu o ataque!
cia sabem! As Montanhas Sanguinárias, o Deserto da Perdi- — Sério? Imagina se a população descobre que o Protetorado
ção, a ilha de Galrasia, nada disso é perigo perto de se estar está incapacitado no meio disso tudo! Seria uma... tormenta, não?
realmente no Inferno! E é isso que a Tormenta é! — É por isso que eu preciso de você, Dredd! Você pode
caça-los, e ensinar outros a fazê-lo! O Reinado dará o que você
Mesmo sabendo que era inútil, Arkam tentou se justificar. quiser, dinheiro, homens, estabelecimentos, assistência para sua
Afinal, ele havia visto meu estado logo após aquela catástrofe. família em Valkaria! O que você quiser!
Alguns chegaram a dizer que eu jamais iria me recuperar. E o
pior é que de uma forma ou de outra, talvez essas pessoas ti- Eu, naquele momento, refleti. Realmente pagaria qualquer
vessem razão. preço pelo bem-estar de minha família, mas no caso, era um pre-
ço alto demais. Arkam sabia disso. E para apelar tanto assim,
— Eu gostaria de poder... era porque estava realmente desesperado por minha ajuda.
— Você não pode nada, Arkam! Aliás, você só pode o que o
“Senhor Rei” mandar! Às vezes eu tenho nojo de ter sido assim — Não sei, Arkam!... Eu realmente pensei em me aposentar
também! Sabe o que mais, Arkam? Você não sabe o que é ver o e viver como um pescador! Esquecer o passado! Por isso, não
Inferno tomar uma a uma, cada vida de sua equipe! Pessoas me seduz nenhuma dessas suas promessa materiais!...
que esperavam de você uma solução, mas cujas instruções não — Eu sei, velho amigo, é por isso que estou apelando para
receberam, porque você corria como um bicho tentando fugir o seu senso de honra! Eu sei que você possui essa desvanta-
de um predador para sobreviver, deixando amigos pra trás! E o gem, que no entanto eu encaro como positiva! No fundo dessa
pior é estar vivo para ouvir isso! parede, existe um ser humano! Um oficial da lei que sabe de
— Dredd, eu vou te falar como antigo companheiro: se pudes- suas responsabilidades perante a sociedade artoniana!
se, eu anularia o passado, para não te ver desse jeito, amigo, mas
eu realmente não posso! O fato é que se você nada pôde fazer Arkam seguiu em direção a seu cavalo, e eu o acompanhei, como
antes, agora você pode! Pode fazer com que as pessoas que mor- antigos companheiros. Eu queria dizer alguma coisa para fechar o
reram naquele dia, o tenham feito por alguma coisa! diálogo, uma frase de efeito que o líder do protetorado não imagi-
nasse que pudesse dizer, mas era impossível. Um sempre estava a
Eu parei para escutar. Talvez aquela tenha sido a primeira vez frente do outro. E foi pensando dessa forma, que vi o guerreiro do
nos últimos tempos, em que havia parado para escutar alguém. braço metálico montar em seu cavalo e se despedir dizendo:

— Os demônios de Tormenta vão avançar sobre nós, e pre- — À propósito, Carolina já está mesmo se tornando uma
cisamos detê-los enquanto ainda é tempo! Você os conhece, mocinha! Ela me mandou dizer que está com saudades do pai,
sabe de seus poderes, e é um grande combatente! mas para você tomar um banho antes de ir visita-la! Sabe como
— Nada que você não tenha dentro do Protetorado! é, não? Para tirar esse cheiro de peixe horrível!
— É verdade! De material humano para combate, eu tenho
os melhores comigo! E existem realmente alguns outros sobre- Eu ri. Naquele momento, eu voltei a sorrir. Desde minha tor-
viventes, mas a maioria louca demais para poder ajudar! Além menta que não fazia isso.
do mais, eu não vim procurá-lo por sua habilidade em combate,
mas por sua fabulosa perícia investigativa! — ... Certo! Pode deixar, meu amigo! Até... qualquer dia! - Eu
— E no que isso iria ajudar? Por acaso você quer caçar de- misturava emoções pela primeira vez em muito tempo.
mônios dentro de uma área de Tormenta? É só entrar lá que eles
o recebem de braços abertos! E só eu posso dizer como foi horrível observar quando aquele
— O problema, Dredd, é que os demônios estão agindo fora maldito puxou as rédeas de sua montaria, fazendo seu cavalo
das áreas de Tormenta!... erguer-se, e partir Gorendill à fora, enquanto gritava:

········ — Até breve! Até breve, comandante Murdock!

Uma vila de pescadores geralmente é um lugar calmo. As Comandante Murdock. Há tempos ninguém me chamava
pessoas se conhecem e se relacionam o tempo todo. Muitas assim. Arkam não é um líder à toa. Ele sabe mexer com as pesso-
vezes, dependem até desses relacionamentos para consegui- as. Afinal, tem carisma como um de seus maiores atributos. Por
rem sobreviver. São pessoas simples e alegres. E essa simplici- essa eu, Dredd Murdock, não esperava. Não soube o que dizer
dade que os faz comentarem e espalharem rapidamente a notí- e tive de engolir que pela primeira vez em toda história de nos-
cia da visita de um lendário a outro antigo herói. sas vidas, um esteve a frente do outro.

— Shinobis? Isso parece coisa de tamuraniano! O maldito sabia que esse dia chegaria.
— É outro nome para “ninja”! Esses demônios são peritos
na arte da furtividade! Eles estão obtendo sucesso na elimina- E o pior é que disso, eu já sabia.
ção de estudiosos da Tormenta! Talude já nos está pedindo pro-
teção para alguns membros e alunos da Academia Arcana!
— E vocês já o fizeram? FIM

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Recrudescência Por Rafael Albuquerque

Valkaria. A maior cidade de Arton e capital de Deheon. A cida- de fãs que Esplenda possui. Nada de Loriane; o padrão de bele-
de mais importante do mundo. Hoje é o quarto dia da semana. za dela é a professora mesmo. E olha que ela nem entrou lá. E
Estamos em Morag, dia de Marah. Mas, como conheço minha sina, nem vai entrar, acrescento. Sabia que eles possuem gênios como
e a deusa em que acredito dizem nem mesmo existir, a última coisa zeladores? Sim, isso mesmo, gênios. Vai saber mais o que Talu-
que espero no dia de hoje, é encontrar a minha tão sonhada paz. de faz prá manter aquilo em pé. Acho que aquele lugar não fica
Valkaria não é a cidade mais importante desse mundo à toa. nem nesse mundo! Para falar a verdade, eu acho que Talude
Aqui vive o Imperador-Rei e toda burguesia real. Infelizmente. também não é desse mundo. Aquele velho é muito sinistro. Ali-
Talvez você não me entenda profundamente, e me ache rabu- ás, como tudo o que existe por debaixo dos panos.
gento e anti-social, mas acredite em mim, se você pudesse sa- Uma vez eu vi um cadáver lá se levantar e sair correndo pelo
ber as coisas que são feitas por debaixo dos panos reais, iria ter corredor. E quem havia feito aquilo não era um mago experiente de
a mesma reação. lá não, mas um aluno. Sim, eles ensinam a um adolescente como
Eu sinto pena dessas crianças. Dormem sonhando com o dia animar cadáveres! E Thormy adora. Tanto que aprova as expedi-
em que serão aprovadas como membros do Protetorado do Reina- ções. Missões que raramente são bem sucedidas, onde se perdem
do. Eu sei porque fui uma delas. E o pior, foi que eu consegui. amigos, e pessoas enlouquecem. Eu fui uma delas. Eu liderei uma
Essas crianças sabem que seu esforço irá trazer fama e re- dessas. E vi como são tratados os sobreviventes.
putação, caso sejam bem sucedidas. Até o dia em que se torna- Eles tem projetos para criar asilos para os que sobreviveram
rem sobreviventes. Até o dia em que forem enviadas àquelas à tormenta. Asilos! Vão trancafiar pessoas, dar injeções de dro-
malditas expedições ao Inferno. E não adiantará tentar argumen- gas e outros atos sádicos que só irão piorar quem já não está
tar, afinal, tais ordens partirão direto do Rei. E quem é louco de bem. Pode uma coisa dessas? Mas acredite, eles não se impor-
falar alguma coisa do nosso amado Imperador-Rei, não? “O maior tarão de fazer algo assim. Já fizeram coisas muito piores, “pelo
Rei que já existiu”. Um Rei tão competente que não sabe onde bem da nação”.
está a própria filha. Ah, você não sabia disso? É, nem ela agüen- Só que na hora que a coisa aperta, eles lembram dos sobre-
tou a hipocrisia que impera nos bastidores reais. E bom, ratifico: viventes. Arkam está desesperado, e adivinhe de quem lembrou?
talvez você me ache rabugento e anti-social, mas acredite, se Arkam. Eu sempre acabo falando nele. E foi com ele que me en-
pudesse realmente saber as coisas que são feitas por debaixo contrei naquele dia, para seguir ao Palácio Imperial. Era um mo-
dos panos reais iria, sem dúvida alguma, ter a mesma reação. mento de retornar ao passado. Era a hora de trazer à tona nova-
mente, minhas lembranças de Tormenta.
········
········
Eu queria concluir aquele karma o mais rápido possível. Meu
desejo era fazer o serviço logo, para sair dali e me encaminhar à A situação era a seguinte: eles queriam caçar demônios da
Malpetrim, aquela cidade onde se esbarra com um aventureiro a temida tempestade rubra. Algo natural, pelo que já te falei, mas
cada dez metros. Está na época da Grande Feira, e o Circo dos agora era diferente. Era hora de caçar demônios fora das áreas
Irmãos Thyannate está por lá. Eu sou meio velho para ir em cir- de Tormenta. Muitos estudiosos da Academia Arcana , princi-
cos, eu sei, mas eu queria levar minha filha. palmente os integrantes daquele maldito C.A.P.T. (magos... é
Recrudescência. Era esse o nome do último show deles, cada nome que eles inventam...), especializado em pesquisa de
quando levei Carolina. É uma palavra que quer dizer “voltar a Tormenta, estavam sendo assassinados, e a “grande” tropa de
crescer”. Eles queriam dizer que naquele show, qualquer pes- elite do “competente e adorável” imperador-rei Thormy, estava
soa voltava a ser uma criança. E, admito, não me senti velho estática diante da nova situação. Quando os músculos não re-
demais para circos ali. Era época em que eu, minha filha e a mãe solvem, aí é que a coisa complica.
dela formávamos uma família. Antes que acontecesse o ocorri- Eu estava numa sala, sentado em minha antiga cadeira, numa
do. Antes que viesse à tona, a minha própria tormenta. mesa retangular, que define bem qual a posição de cada um ali.
Aliás, eu só estava em Valkaria naquele momento por causa Minha cadeira no caso, hoje em dia é de Arkam, que não se impor-
dela. Se tudo desse certo, ela jamais iria precisar se preocupar tou em se sentar em um lugar de menor prestígio. Era como se
com dinheiro, poderia ser o que quisesse e estudar em qualquer estivesse dizendo a todos quem estava de volta ao comando, ali
lugar. Eu disse “qualquer lugar”? Me lembra quando Carolina, naquela hora. Uma vez, um novato veio com uma idéia ridícula de
em um desses delírios infantis me disse: “Papai, quando eu cres- fazer uma távola redonda, onde todos se sentariam ao redor dela,
cer, vou ser uma grande maga, e estudar na Academia Arcana!” mostrando a igualdade entre os homens ali. Uma das maiores bes-
Nós dois rimos bastante quando ela disse aquilo. Mas, cla- teiras que já ouvi. Aquele nunca mais deu opinião alguma. Nem
ro, por motivos diferentes. Ela, porque acreditava que eu apro- sei que fim levou, afinal, eu detesto esses “românticos”.
vara aquela idéia, eu, porque sabia que ela acreditava realmente Aquilo ali são soldados, não sacerdotes iguais perante um
que tinha minha aprovação. Minha filha, naquele show de hor- Deus. É preciso saber quem dá as ordens e quem as obedece.
rores? Mas nem pensar... Até porque quando a coisa aperta, é sobre o líder que recai a
Eu soube de muita coisa lá de dentro. Sabe aquela professo- culpa. E não se deve dar corda a esses sonhadores. Daqui a
ra cheias de fãs, a Esplenda? Pois é, eu a conhecia antes mesmo pouco vão falar em resistência pacífica...
dela se tornar professora daquele lugar. Mas com tantos luga-
res, ela tinha de ir parar justo lá? Carolina faz parte dessa legião

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Bom, voltando ao que dizia. Ali estava a elite do Protetora- Olhei para Allieny. Eu era um canalha por fazer aquilo, mas
do, e mais um pouco. Eu conhecia a maioria dos veteranos. Pes- era a minha forma de vingar o tratamento que me havia sido
soas como Selena, uma das maiores arqueiras que já vi, e outras dado. Olhando para aquela meia-elfa, apenas conclui:
como a meia-elfa Allieny , amante de Arkam. Ela é uma guerreira,
mas nada excepcional. Não digo que ela não teria conseguido — Arkam... seu prato preferido ainda é peixe, não?
chegar ao Protetorado, mas afirmo que o “peixe” que arrumou
foi grande. Com certeza, o maior que poderia ter conseguido. Bacellar ficou vermelho de raiva, mesmo. Allieny, muito sem
Sir Bacellar, um cavaleiro da confiança de Arkam, e o maior graça. E Arkam, bom, não sei se já te disse isso alguma vez, mas
perito investigativo do Protetorado no momento, me deu as fi- eu tenho uma sintonia com ele. Coisa de parceiro. Um sempre
chas das pessoas que haviam sido mortas pelos demônios ape- sabe o que o outro vai dizer, a não ser na última vez que nos
lidados de “Shinobis”. Sim, bem coisa de tamuraniano. Ele di- encontramos. Mas ali, ele não reagiu, pois sabia que eu diria
zia que não havia ligação objetiva entre as vítimas, pelo menos aquilo. E pior, sabia que eu tinha coragem para dizer aquilo na
eles não conseguiam perceber. Ele, principalmente. Olhei a rela- frente da tropa. Thierry, taxado de louco por muitos cortou o
ção das vítimas. Depois, pedi para ver a ficha dos últimos mem- silêncio que se fez:
bros promovidos do Protetorado. Li tudo durante meia hora.
Sim, meia hora. Foi esse o tempo em que parei o Protetorado — Ei, Dredd, não se esqueça de Wayne! O cara foi assassi-
numa sala. Então, sem mais demoras, comecei: nado também, apesar de ser apenas o assistente de laboratório!

— Quem foi Ross Ferdinag? Ah, Thierry. Sempre podia contar com ele. Sabe, é uma linha
tênue que separa a loucura da genialidade. Foi ótimo ele dizer
Bacellar respondeu de imediato, como que para dizer a mim aquilo. Pois então eu pude responder:
que era competente e que não via o que poderia descobrir que
ele não tivesse já descoberto: — É claro que ele foi! E a resposta do porquê disso é até
bem óbvia, meu amigo, assim como a dedução de quem será o
— Um de nossos especialista em espécies catalogadas de próximo a morrer!
demônios em suas diversas formas, principalmente os das no- — Arkam, demônios de Tormenta tem um pequeno proble-
vas tempestade de Tormenta! ma! Eles perturbam o cérebro , sabe? Não é qualquer um que
— Nunca houvera uma tempestade antiga, Sir... Bacellar, consegue olhar um troço daqueles e agir em seguida!
não? E Ray Fairlwell?
Arkam logo respondeu de forma prestativa:
Bacellar não conseguia esconder que me odiava por estar
ali. Talvez achasse que eu quisesse tomar seu lugar. Usava um — Ah, nós soubemos disso! Talude tem uma magia que nos
capuz sobre a cabeça, que possuía o brasão real Dizem que nun- serve a isso!
ca mais havia retirado aquele capuz, e realmente o motivo da- — “Nós soubemos” é ótimo! Bom, jogue esse troço em to-
quele ato não me interessava. Vai ver ficou insano trabalhando dos, inclusive em você!
com a tormenta. Ainda assim, era um ufanista em sua totalida- — E você, Dredd?
de. Respondeu com uma cara horrorosa:
Ah... ele sabia que teria de fazer aquela pergunta, porque eu
— Era um de nossos dissecadores! Cuidava da descrição das só iria responder quando ele perguntasse:
partes anatômicas, não tinha conhecimentos dos demônios em...
— Qual era seu cargo antes de ser promovido, Sir Bacellar? — Magia em mim? Mas nem pensar! E pode deixar! Acredi-
te, eu não vou precisar!...
Bacellar se assustou com a pergunta.
E respondeu meio sem jeito: ········

— Eu.. eu era... ora, o que isso tem a ver com o caso? O lugar era um casebre humilde de Valkaria. Ali, sentado de
frente a uma lareira, coberto por um cobertor para se esquentar
Arkam tomou a palavra: daquele clima de inverno, estava Sir Bacellar.
E o silêncio era total no lugar, mesmo quando um vulto entrou
— Sir Bacellar era responsável pelos cuidados médicos dos tão furtivamente quanto só seria possível o verdadeiro Galtran o
feridos em batalha, Dredd, se isso lhe importa tanto!... fazer. Era um ser bizarro. Possuía asas negras, como um inseto. É,
— E creio que ambos são muito bons amigos, certo, Arkam? parecia uma mosca humana, com os ossos à mostra , e um par de
garras. Enfim, um troço bem nojento! E, acredite, eu sorri quando
O cavaleiro tomou a palavra e resmungou: aquilo chegou alguns metros próximos de Bacellar para arrancar-
lhe a cabeça, e um alarme disparou quebrando aquele silêncio
— Sim, se você quer saber! Arkam é padrinho de minha fi- mágico. Sim, literalmente mágico. Tão mágico quanto o alarme. E
lha, e foi minha testemunha real, quando fui coroado ca- era minha forma de vingar meus amigos perdidos naquela maldita
valeiro por Thormy , pelos meus serviços prestados ao Reina- expedição. A eles eu dedicava cada momento em que Bacellar se
do e ao Protetorado! virou para o bicho demoníaco, que achava que iria surpreendê-lo
— Nossa, eu voltei vivo de uma expedição e não obtive condeco- mas que fora surpreendido na verdade. E quando o cavaleiro
ração alguma! E um médico virou o responsável pela parte investigativa esmurrou num golpe com gosto o bicho, com uma marreta que
do Protetorado?... Você deve ser bom mesmo, Sir!... Aliás... escondia sob o cobertor, eu posso dizer o quanto me senti bem.
Afinal, ali naquele momento, o cavaleiro era eu.

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Talvez com muita boa vontade, eu possa começar a achar Não é à toa que simbiontes são proibidos na maioria do Reina-
que magia não é tão ruim assim. do. Não estranhem se o Imperador-Rei de repente ordenar uma
O bicho se recuperou do golpe. Mostrou mais do que seu caça a eles em todas as cidades do Reinado, e sugerir o mesmo às
par de garras, mas também suas mandíbulas. Se estivesse sozi- cidades além da fronteira. Bom, talvez menos em Yuden. É capaz
nho, seria impossível fugir ou mesmo sobreviver. Mas, bom, ainda é dele mandar todos os simbiontes pra lá. Mas isso, é outra
quando o trabalho é com músculos, não há nada igual a eles. A história que existe por debaixo dos panos reais...
elite do Protetorado saiu de todos os cantos. Alguns mais su-
tis, como o mago Julian, saiam de sua invisibilidade num canto ········
do casebre. Outros mais “esporrentos”, como Stronghold, que- Novamente, eu me dirigia a meu cavalo, e Arkam me acom-
bravam um pedaço do chão de madeira e apareciam do nada. E panhava. Minha missão estava cumprida. As promessas de bem-
outros mais artísticos, como o próprio Arkam, pulavam desfe- estar para minha família seriam honradas, e eles haviam captu-
rindo cambalhotas e quebravam as janelas. rado uma espécie viva de um demônio “shinobi”. Sim, parece
De qualquer forma, era como uma peça de teatro sincroni- que o nome ficou mesmo. Agora que o conheciam, não precisa-
zada. Ao mesmo tempo, independente da forma como chega- riam mais de mim, certo? Bom, Arkam não pensava assim:
vam, todos estavam parados envolta da criatura. Todos. Nem
mesmo um demônio de Tormenta é capaz de dar conta de toda — Você não quer mudar mesmo de idéia? Você resolveu em
elite do Protetorado. E, admito, foi divertido ver Arkam dizer, pouco mais de meia hora, um problema indefinido há meses!
sempre em seu tom mais sério: Isso é um dom, Dredd!
— Arkam, não! Chega! Vou voltar para minha calma Gorendill,
— Eu quero ele, vivo!... mas antes, preciso relembrar como é ser um pai!
········
Você deve estar querendo saber o que foi que eu falei no Arkam sabia que não haveria volta. Então, se convenceu
fim daquela reunião, não? Eu te digo. Eu conclui o seguinte: as mudando o assunto de uma forma atípica:
vítimas eram especialistas em Tormenta, com exceção do assis-
tente, apesar de atuarem em setores diferentes. O demônio sa- — Ela ainda tem aquela idéia de estudar na Academia Arcana?
bia quem deveria matar, afinal, ele não matava qualquer um. Vá- — Mas isso só no dia em que o meu cadáver se levantar do
rias pessoas trabalham no laboratório a todo momento. Havia caixão!... Quer dizer... eles bem que são capazes!...
algum motivo que unia aquelas vítimas. Era como se o demônio — Admita, Dredd, a magia não é algo tão abominável assim!
soubesse quem deveria matar, por alguém dali de dentro.
Alguém que conhecesse bem o trabalho de Ray Fairlwell, o Eu admiti. Afinal, foi com ela que surpreendi aquele demô-
médico legista. Alguém que soubesse como Ross Ferdinag es- nio ridículo:
tava progredindo em seus estudos sobre os simbiontes da Tor-
menta, como dizia o último relatório escrito em vida pelo pes- — Bom, até que não é mesma tão ruim! Mas você ainda pre-
quisador. E Wayne, o simples assistente, você deve perguntar? cisa dela muito mais do que eu!
Wayne era uma testemunha que viu o que não devia. Sabe o — É verdade, amigo! É verdade! A magia é como se fosse
que imaginei que ele deveria ter visto? Um cadáver, dissecado “um pedaço” de mim, entende?
por Fairlwell , tendo as anotações feitas por Ferdinag, e Wayne
prestando sua assessoria a ambos. O motivo para unir os pro- Ali nós rimos juntos. Como antigos parceiros. Arkam fazen-
fissionais? Provavelmente... um cadáver dono de um simbionte. do humor negro consigo próprio. Quem diria isso daquele cara
Mas eles não estariam sozinhos. Haveria um quarto. Alguém taciturno? Sabe, eu aprendi que não importa quantos anos a
que teria acesso ao laboratório, por ter conhecimentos médi- gente tem, mas sim como nós aproveitamos esses anos. Sempre
cos. Alguém da maior confiança de Arkam. Alguém da confian- haverá tempo para aprendermos alguma coisa. Se necessário
ça de Thormy. Alguém que teria uma perícia investigativa com- for, para mudarmos. Por nós mesmos, por nossa família, por
petente o suficiente para convencer aqueles homens de que nossos ideais. E pensando nisso, saí cavalgando Zzimm, meu
realmente poderia ajudar. Alguém que responderia minhas per- velho mas ainda veloz cavalo, mas não antes de Arkam me dizer,
guntas olhando para o alto e para direita, ao invés da esquerda. ao me ver montar:
Alguém como Sir Bacellar.
E não foi à toa, que quando disse aquilo, o cavaleiro se de- — E então, Comandante Murdock... nunca mais? — ele sa-
sesperou. Tentou fugir, mas não havia como escapar de uma bia o que eu iria dizer.
sala lotada de membros do Protetorado do Reinado. Por debai- — Nunca diga nunca, guerreiro!
xo do capuz, Bacellar possuía uma... aranha, cujo abdômen mais — E agora, Dredd? O que vai fazer?
lembrava um cérebro humano. Argh! Eu já estou cheio desse
show de horrores! Doutora Jannuzzi, médica de plantão naque- Eu havia aprendido que a vida não acabara como eu pensei.
le momento, reconheceu aquele simbionte como sendo um Eu podia ajudar pessoas, e tinha uma linda menina que precisava
psinídeo: um simbionte que mexe com o cérebro das pessoas. E de um pai. Mas disso Arkam sabia, como achava que sabia o que
pelo visto, mexe um pouco mais do que todos pensavam. Ago- eu iria dizer. E foi ótimo cavalgar para longe, e guardar na memória
ra que Bacellar havia cumprido seu papel, era hora de morrer. o rosto de Arkam, na minha revanche. A primeira vez na história,
Talvez o “shinobi” matasse o homem, e levasse o simbionte de em que eu havia vencido nosso duelo particular de intelecto. E o
volta à área de Tormenta de onde saiu. Ou talvez o psinídeo já “pastel” ficou bem embaraçado, quando Zzimm varreu estrada afo-
tivesse cumprido sua missão, e pudesse morrer também, antes ra, enquanto o ar deixava gravado um eco, que dizia a Arkam:
que alguém o descobrisse, quem vai saber? Não havia era como — É tempo de Recrudescer!
esperar o “shinobi” concluir sua missão, não é?
FIM

8
Mares Bravios Por Douglas Reis

O mar: a fronteira mortal! Essas são as viagens da nau “Alta- — Dois navios na verdade, capitão, de porte equivalente ao
neira”, capitânea da Frota Imperial de Deheon, em sua missão de das caravelas que nos acompanham, mas pesadamente arma-
desbravar novos mares, descobrir novas terras, novos povos, das! Uma delas... – Saddrek franziu o cenho, como se para agu-
audaciosamente indo onde nenhum artoniense jamais esteve. çar ainda mais sua visão e confirmar sua percepção. – Capitão,
O tradicional lançamento oficial de Okeanna, a base naval uma delas é a “Black Kraken”!
de Deheon na ilha de mesmo nome, já ficara para trás, os unifor- — Postos de batalha, Sr. Saddrek! Sinalize às outras naus para
mes de gala há muito substituídos pelas roupas de trabalho mais que mantenham posição, e leve a Altaneira ao combate a todo pano!
práticas e confortáveis, e ao redor deles e das quatro caravelas — POSTOS DE BATALHA! TODOS AO CONVÉS, POSTOS
que os acompanhavam agora havia apenas o mar até onde a DE BATALHA! – gritou o imediato. E, para Kirlian, acrescentou
vista alcançava. – Pode ser uma armadilha, capitão.
Da ponte de comando, o capitão Jules G. Kirlian admirava o — Talvez. Mas se for, vamos transformá-la em nossa arma-
trabalho de sua tripulação enquanto singravam o oceano, pre- dilha, imediato. Mande preparar os canhões Azgher, mas não
parando-se para costear o litoral de Galrásia pelo leste, a primei- abra suas canhoneiras. Apenas armas normais à vista! Vamos
ra etapa de sua nova missão. deixar os piratas confiantes por enquanto.
Saddrek, seu primeiro oficial, subiu do convés e ficou para-
do a seu lado, esperando instruções. O meio-elfo era eficiente ········
ao extremo, mas podia ser bem irritante às vezes.
— Nenhuma ordem agora, imediato! Saí apenas para respi- Ante a perspectiva de mais um saque os piratas estavam
rar um pouco de ar puro e divagar. animados além da média, e alguns até mesmo já imaginavam o
— Posso indagar a natureza de suas divagações, capitão? quanto beberiam por conta das riquezas que aquela flotilha do
— Sobre nossas ordens, Saddrek! Após a reforma completa Reinado deveria estar trazendo. Nunca antes a presa viera dire-
da Altaneira, partir para a implantação de um “Posto Avança- tamente às suas garras, então o clima entre eles era de festa.
do” em Galrásia – o que particularmente considero loucura – e Konnar “Mão Negra”, o líder dos criminosos, apenas sorria
depois seguir para Oeste puro, em busca de novas terras que malignamente. Seria sua chance de finalmente derrotar seu mais
provavelmente nem estão lá! Eu imagino, – continuou o capi- odiado inimigo, o maldito Jules Kirlian! Da última vez em que se
tão, amargamente – o quanto dessas ordens foi inspirado no encontraram Mão Negra quase conseguira afundar a Altaneira,
fato de havermos acidentalmente descoberto que a Princesa mas reforços chegaram a tempo de salvá-la. Desta vez não teri-
Rhanna que aparece publicamente é apenas uma ilusão. am tanta sorte, a vantagem numérica estava a seu favor. As ou-
— Capitão! – a voz do imediato desceu a um murmúrio qua- tras caravelas eram meros transportes, sem armas ou defesas, e
se inaudível – Juramos segredo ao Rei Thormy, e certamente os provavelmente renderiam um bom saque - mas apenas depois
muitos serviços que o senhor já prestou à Coroa não seriam tão de sua vingança! Sim, Kirlian conheceria o fundo do mar hoje!
desprezados a ponto de... — Mestre! Senhor do Mal, Sombra de Leen nos Mares! – a
— A proverbial “gratidão dos reis”, Saddrek! – interrompeu voz crocitante de seu espião estragou o “bom” humor de Mão
Kirlian, amargamente. – Ela pode às vezes ser muito pior do que Negra, e o maldito não pararia de bajulá-lo até que recebesse
sua ira! – e acrescentou, banindo esse assunto para o fundo de atenção, nem que fosse um chute nos fundilhos. Mas o pirata
sua mente – Como estão nossos passageiros? sempre dava uma chance a ele antes disso, ocasionalmente ti-
Acomodados e satisfeitos por hora, capitão. Mas ansiosos nha valido a pena.
por começar a trabalhar. — É bom que seja importante, Corvo! – rosnou.
— Hunf! — bufou Kirlian antes de retornar à sua cabine. — — M-meu lorde, a Altaneira avança a toda velocidade contra
Cada louco com sua mania! nós, e os outros navios estão mantendo posição. Os dezoito ca-
No dia seguinte, a costa de Galrásia já era visível ao longe, e nhões da Altaneira estão preparados, e a tripulação está ansiosa,
a equipe responsável pela futura implantação do Forte Galron ansiosa pelo combate! Mestre, eles devem ter algum trunfo, eles
subira ao convés para admirar a vista. No entanto, quando as aaAAAAAGH!! – ao receber o pontapé de Mão Negra no flanco
manobras começaram a ser prejudicadas pelo ajuntamento de o espião assumiu novamente a forma do pássaro negro de que
seres no exíguo espaço o capitão Kirlian pessoalmente enxotou tomara o nome e voou para seu posto no cesto da gávea.
os passageiros de volta às suas acomodações – na verdade — O trunfo deles é não ter uma ave agourenta para
uma parte do deque de carga convertido às pressas em alber- importuná-los com ninharias! Agora fique aí, e não saia mais
gue por Mestre Mac, o chefe de reparos da Altaneira. até tudo acabar!! Skattar!! – gritou, chamando por seu capanga
— Quando estiverem em seu belo forte, – disse o capitão – de confiança. – Sinalize para a “Selako” derivar a boreste logo
terão tempo de sobra para admirar a vista! atrás de nós, vamos encher os flancos da Altaneira de chumbo!
Nesse momento Kovaks, lá do cesto da gávea, alertou para
uma outra embarcação ao longe e apontava na direção da proa. ········
Saddrek, alerta como sempre, murmurou o encantamento que
lhe conferia Visão Aguçada e perscrutou o horizonte na direção — Eles estão derivando a bombordo, capitão. Ambas as naus.
indicada. Com sua luneta Kirlian tentou fazer o mesmo, mas o — Que pena, eu queria acabar com tudo em uma única salva!
imediato localizou o objetivo primeiro. Bem, – suspirou Kirlian, resignado. – ...não se pode ter tudo! Ime-
diato, abrir as canhoneiras de proa! Vamos mostrar nossas garras.

9
— Agora sim, Sr. Saddrek! Postos de batalha, preparar para
— CANHONEIRAS DE PROA, ABRIR! POSICIONAR CA- disparar canhões de bombordo.
NHÕES AZGHER!!
— POSTOS DE BATALHA! PREPARAR CANHÕES DE
Duas portinholas, uma de cada lado da proa da Altaneira BOMBORDO!!
abriram-se e reluzentes canhões dourados três vezes maiores
do que os outros surgiram de dentro. Os tripulantes, prepara- Adernando graciosamente a boreste a Altaneira apontou
dos para o que viria a seguir, procuravam agarrar-se às estrutu- seus canhões de bombordo na direção da Black Kraken, e esta-
ras mais firmes do convés e voltavam os rostos para a popa. bilizou-se para o disparo. Uma salva de nove tiros em seqüên-
Fechando os olhos e erguendo sua mão direita, Kirlian fechou- cia abriu vários rombos em seu casco, dois deles abaixo da li-
a bruscamente num punho enquanto ordenou numa assusta- nha d’água do navio pirata, que começou a afundar lentamente.
dora voz sem entonação: Incêndios irromperam em vários pontos do convés e em breve
todo o velame ardia sem controle. A Black Kraken estava morta,
— FOGO. e os selakos gigantes de Galrásia faziam um festim ao seu redor.
Um longínquo lamento no ar chamou a atenção de Saddrek,
Da Black Kraken, ainda muito longe e fora do alcance de que cobriu os olhos contra o brilho do sol para buscar sua ori-
canhões normais, a impressão foi que a proa da Altaneira explo- gem. Um pequeno pássaro negro adejava em direção à Altanei-
dira em uma bola de luz. Em seguida a Selako bem atrás deles ra, precipitou-se ao convés e assumiu a forma de um magro ra-
abriu-se ao meio num estrondo medonho, e o simples calor que paz assim que pousou. Correu a prostrar-se aos pés de Kirlian,
emanava de seus restos flamejantes ateou fogo em uma de suas falando sem parar com sua voz esganiçada.
velas. Apavorados alguns dos piratas saltaram ao mar, onde a — Ó poderoso Mestre da Luz, Senhor dos Mares, Magnâ-
água fervente acabou com eles. Uns poucos ainda tiveram san- nimo Lorde do Bem, imploro sua misericórdia! Libertou-me da-
gue frio para arriar a vela danificada e tentar apagar as chamas quele pirata sanguinário, eu agradeço imensamente, e ponho-
antes que todo o navio ardesse. me a seu serviço para qualquer tarefa em que meus talentos
Mão Negra, no entanto, arregalou os olhos em direção à possam ser-lhe úteis, Grande Luminar do Oceano! Permita que
Altaneira como se a mera fúria de seu olhar pudesse reproduzir eu espione a seu serviço...
os efeitos da arma que acabara de ver em ação. Nunca se intimi- Uma bofetada de Saddrek calou o jovem. O imediato então
dara ante a superioridade de um inimigo, e não seria agora que voltou-se para seu capitão.
começaria. De sua garganta, apenas um urro quase irracional — Então era graças a esse espião que Mão Negra sabia o
brotou, que seus tripulantes sobreviventes reconheceram como que esperar de suas presas! Devo colocá-lo a ferros, capitão?
uma ordem de ataque. — Não, Sr. Saddrek, não temos tempo para cuidar de prisio-
neiros. Ponha-o para trabalhar junto com os marujos, faça-o mere-
— KIIIIIIRLIAAAAAAAAAANNN!!!! cer a comida que lhe dermos. MAS... – disse o capitão antes que
Corvo irrompesse em agradecimentos – saia da linha uma polega-
Ainda sacudindo de um lado a outro pelo disparo do ca- da, moço, e eu mesmo torcerei seu pescoço! Agora vá!
nhão Azgher de bombordo a Altaneira perdera muito da veloci- Em poucos minutos a Altaneira fazia uma volta para encon-
dade que adquirira até então. A tripulação já se pusera de volta trar-se novamente com a flotilha que escoltava. Os poucos re-
aos postos de combate, e na proa baldes de água eram despeja- paros que eram necessários já estavam em curso, e Kirlian no-
dos no enorme canhão dourado antes que o calor iniciasse um vamente apreciava o panorama de sua ponte de comando.
incêndio. Saddrek temia pelo que poderia ter acontecido se am- — Novamente divagando, capitão? – arriscou Saddrek, pos-
bos os canhões da proa tivessem disparado, como aparente- tando-se a seu lado. – Imaginando que outras aventuras nos
mente queria o capitão. Agora não teriam chance de fazer outro aguardam além do horizonte?
disparo antes que a Black Kraken chegasse ao alcance das ar- — Não, imediato. Estava apenas desejando – futilmente, bem
mas normais, o que significava que haveria um combate con- sei – que todas elas fossem tão fáceis como essa de hoje! Esta-
vencional, nau a nau. rei em minha cabine, Saddrek, acabo de lembrar que ainda não
— Preparar canhão Azgher número dois! almocei. O comando é seu!
A ordem de Kirlian caiu como um tiro do próprio canhão A Deixado sozinho na ponte, Saddrek Ahr inclinou-se sobre a
no convés! A tripulação voltou rapidamente às posições de im- grade, observando o trabalho da tripulação e permitiu à sua
pacto enquanto Saddrek transmitia a ordem recebida com evi- mente divagar...
dente receio.
— Capitão, tenho que lembrá-lo de que é preciso cumprir
uma seqüência de procedimentos após cada disparo dos ca- FIM
nhões Azgher, e...
— Uma batalha não se vence apenas com tiros, imediato.
Observe! – completou, apontando para a Black Kraken. Obede-
cendo, Saddrek viu que mais dos tripulantes do navio pirata
haviam se lançado ao mar à simples visão do outro canhão
Azgher preparado para disparar, inclusive o timoneiro! A Kraken
começava a adernar sem controle, mas o próprio Mão Negra
correra ao timão para recuperar o rumo, e lançar-se numa rota de
colisão com a Altaneira.

10
Destino Por B.J. Moraes

Aron tossiu forte, sentindo seus pulmões explodirem em dor.


“Estou ficando cada vez pior”, pensou ele. “Não tenho muito ········
tempo”. Respirou fundo com dificuldade e continuou escreven-
do. A sala onde estava era iluminada apenas por uma vela, que — Finalmente! – disse Han, com um suspiro.
já havia queimado mais da metade. Ele observava, do alto de um monte próximo, a cidade de
Aron era um aventureiro. Já havia vivido muitas aventuras, Gorendill, com suas casas aconchegantes, a fumaça saindo das
conquistado bons tesouros e ainda vivia para contar a sua his- chaminés, e os lampiões pendurados nos postes das ruas. Já
tória. Depois de sua última aventura, decidiu parar. Voltou para era alta madrugada. De repente, ouviu passos atrás de si.
sua casa, começou a dedicar sua vida a cuidar da sua filha e Quando virou-se, encarou três figuras sombrias o observan-
descansar. Os tesouros conquistados durante os anos que ti- do. Tinham o tamanho de um homem e vestiam roupas pretas.
nha vagado pelo mundo bastariam para garantir seu sustento. Mas seu rostos eram totalmente brancos, com os olhos amare-
Mas algo de terrível aconteceu. Inexplicavelmente, Aron caiu lados olhando nos olhos arregalados do jovem Han. Não havia
doente assim que chegou em casa. Agora ele temia que algo de sequer um fio de cabelo na pele deles, e suas mãos eram finas,
ruim poderia acontecer. E ele sentia que ela estava chegando. pálidas e esqueléticas. Começaram a andar em direção a ele, len-
Sua morte. tamente, mas sem emitir um som. Han deu um passo para trás,
sentindo seu coração pular cada vez mais forte. Tirou a espada
········ da bainha e a levantou na sua frente: notou que tremia. Quando
o primeiro fantasma-zumbi se aproximou, Han deu-lhe uma es-
— Que frio! tocada que atravessou seu abdômen. Mas nada aconteceu. O
Talvez por estar andando sozinho nas últimas semanas, Han fantasma-zumbi continuou a encará-lo. Estendeu a mão para fren-
tinha adquirido o hábito de falar consigo mesmo. Ajudava a te, e Han não teve coragem suficiente para recuar. Quando a
espantar a solidão. O jovem viajante vindo de Ni-tamura, o bair- mão gélida do monstro tocou sua pele, o jovem sentiu o corpo
ro oriental de Valkaria, estava rumando para Malpetrim, uma ci- formigar, como se sua vida estivesse se esvaindo. Sentiu as
dade onde esperava encontrar grandes aventureiros, verdadei- pernas amolecerem, e caiu no chão, perdendo os sentidos.
ros heróis, como o que ele queria se tornar um dia.
O vento gelado vindo das Montanhas Uivantes, somado a ········
proximidade do inverno, fazia Han estremecer por baixo da sua
roupa simples: calça, botas, uma camisa e um fino manto verde Quando abriu os olhos, com dificuldade, Han viu que esta-
remendado e velho. Ele pensava o quanto estava desprevenido va perto de um grande rio, que corria lentamente, ainda ilumina-
para o frio. A noite estava clara, com a lua cheia brilhando sobre do pela lua ceia.
a sua cabeça, iluminando os campos verdes, os bosques ocasi- — Eu não morri... – sussurrou ele, tentando se levantar.
onais e ofuscando a luz das estrelas. Han podia ver ao longe Foi então que viu que os três monstros que o atacaram ainda
algumas luzes, provavelmente da cidade de Gorendill, que fica- estavam ali. Ele tinha sido arrastado até a margem do Rio dos Deu-
va no meio do caminho. Estava ansioso por uma cama macia e ses, um pouco mais ao sul de Gorendill, mas não sabia por quê.
uma lareira para aquecer seus pés, sem falar em um prato quen- Procurou sua espada. Ela estava a meio caminho entre ele e os
te de sopa para aplacar a sua fome. Perdido em seus pensamen- monstros. Han estava assustado, e não quis arriscar ir pegá-la.
tos, ele segurava o cabo da espada em sua cintura. Não como — O que vocês querem? Quem são vocês? – gritou ele.
precaução, mas como costume. A verdade é que ele não tinha Mas não houve resposta.
muita experiência em batalhas. Han foi então interrompido nas
suas divagações por um lobo uivando. Han parou de caminhar, ········
olhando em volta, o coração batendo mais forte.
Mas não era nada. Encolheu-se um pouco mais sob o manto Aron tossia sem parar, e quase não conseguia respirar. Ti-
e continuou caminhando. nha começado a cuspir sangue, e se debatia na cama. À sua
volta, estavam a filha Isa e Gabriele, a ama da casa. Elas tenta-
········ vam ajudá-lo, mas sabiam que não conseguiriam fazer nada. Ele
sabia que iria morrer em breve. Observou Isa, com amor no olhar,
Isa aconchegou-se na grande poltrona da sala, na frente da la- e pensou em como ela era parecida com sua mãe: cabelos lon-
reira de sua casa, e tapou-se com um cobertor de lã. O fogo crepita- gos e lisos, traços delicados, olhos castanhos. Era muito meiga,
va, e como era madrugada, apenas ela estava acordada. Era mais mas a doença de seu pai a havia deixado muito triste.
uma noite em que ela perdia o sono. A doença misteriosa do seu pai Isa colocou a mão sobre a testa de seu pai. Ele estava ar-
e o jeito como ele havia piorado nos últimos dias eram um peso dendo em febre, suando muito. Seus cabelos longos e loiros
muito grande para uma garota de 14 anos agüentar. Ela estava com estavam encharcados de suor.
muito medo de perdê-lo. Ele era tudo que ela tinha: sua mãe morrera — Meu pai... o que você têm? Que doença infeliz é essa? –
quando era muito pequena. Todos clérigos e curandeiros de Gorendill dizia ela, em voz baixa, enquanto colocava uma compressa de
tinham tentado curá-lo, mas a doença era poderosa demais. água fria na testa de Aron.
Angustiada Isa sentiu um aperto no coração. Um vento fez — Filha... – disse ele - a hora está chegando.
a janela balançar, e uma lágrima escorreu pelo seu rosto.

11
— Não, pai, não fale assim. Han precisava defender sua vida.
— Está sim... eu sei... eu quero que você me escute. Mas algo o parou no meio do caminho.
— Sim, pai. Seu corpo ficou estático, e ele não conseguia mexer sequer
— Quando você era...bem pequena, sua mãe morreu... mas antes, um músculo. Seu desespero aumentou quando seus braços
ela me pediu que cuidasse bem de você... que fizesse você... feliz. abaixaram até a sua frente e ele viu a espada sendo quebrada
— E você me fez muito feliz, pai... não fale mais... pela força da magia negra daqueles monstros. Eles começaram
— Não! Eu tenho que falar. Eu estou morrendo filha... e eu que- a se aproximar, e Han sabia que eles iam sugar toda sua vida.
ro que você não fique triste... você tem muita vida pela... frente... Todos seus sonhos, toda sua história.
— Eu te amo também, meu pai. Foi quando ele ouviu passos. Passos apressados vindos
Nisso ele começou a tossir novamente, mas logo parou. Com do norte, ficando cada vez mais fortes. Com o canto do olho ele
um último suspiro, ele fechou os olhos. Isa rompeu em lágrimas, viu um suave brilho azul nas sombras da noite.
abraçando seu pai. A criada que tantos anos cuidara dela se apro- Era Isa. Ela corria desesperada, com a espada de seu pai nas
ximou e colocou as mãos sobre a menina, chorando também. mãos, indo em direção ao Rio dos Deuses bem longe de sua
casa, para jogar a maldita espada nele. Assim ela nunca mais
········ seria encontrada por ninguém, levada pelas águas até o fundo
do Mar Negro.
Mais tarde, Isa caminhou sozinha pela casa, e foi até o escritório Mas o acaso, ou outra força, a trouxe até aquele lugar.
onde seu pai guardava seus pertences obtidos em suas aventuras, O poder da espada foi sentido pelos fantasmas-zumbis, que
seus tesouros e seus livros. Apesar de ser um guerreiro, seu pai libertaram Han de sua magia. Eles afastaram-se, com medo. Han
sempre achou importante ter sabedoria. Foi lá que ela viu uma vela sentiu uma nova força dentro de si, como um fogo que ardia
ainda queimando, quase no fim, e um papel sobre a mesa. Ela che- sem ser abalado pelo vento ou pelo frio.
gou perto da escrivaninha, e pegou o papel nas mãos que dizia: Isa viu a cena à sua frente e ficou sem saber o que fazer. Seu
propósito de destruir a espada foi esquecido por alguns instan-
“Minha Filha, tes. Han viu Maegluin nas mãos da garota e percebeu que era
Eu passei muitos anos me aventurando, e sempre acreditei dali que vinha o poder que ele e os monstros haviam sentido.
estar fazendo algo certo, enfrentando o mal do mundo. Muitas Correu até Isa e tirou a espada de suas mãos, tomado por uma
vezes deixei você em casa, com Gabriele tomando conta de você. súbita onda de coragem, e novamente avançou em direção as
Mas afinal de contas, você se tornou uma bela moça, muito inte- criaturas. Eles tentaram recuar, mas a luz azul da espada se tor-
ligente e linda. Eu quero que você guarde a minha espada, mi- nou mais forte, e eles não conseguiram escapar dos golpes de
nha companheira de batalha, a Maegluin, “azul penetrante” Han, que rasgavam seus mantos negros e destruíam sua carne
em élfico. Ela tem grande poder contra o mal. Quando decidi me amaldiçoada. Rapidamente, os três inimigos foram eliminados,
aposentar, cheguei até a acreditar que ela se zangaria se dei- e começaram a queimar em chamas negras e silenciosas até não
xasse de usá-la... Isa, minha filha, não fique aflita. Eu sei que restar mais nenhum vestígio de sua aparição.
minha hora chegou. Gabriele vai tomar conta de você. Fique em Han respirava ofegante, com as costas encurvadas, agora
paz. Eu estarei com os deuses, zelando por você. Sempre “. com a espada apoiada no chão. Lembrou-se da menina, e olhou
em sua direção. Isa estava assustada, os olhos arregalados e a
“A espada! A maldita espada! Foi ela, foi ela!” Era a única respiração presa. Não sabia o que fazer, nem o que pensar.
coisa que a jovem Isa conseguiu pensar. Estava cheia de ódio, — Garota, eu não sei quem você é, eu não sei de onde veio,
cheia de mágoa e tristeza. Olhou para a parede e Maegluin esta- mas a espada que você trouxe salvou minha vida. Obrigado.
va lá. Sua lâmina era azulada e emanava uma certa força que ela — Você não entende... essa espada... ela é amaldiçoada...
não pôde descrever. Era uma espada belíssima que poderia atrair ela matou meu pai!
a cobiça dos maiores ladrões do Reinado, e sua magia poderia — Amaldiçoada? Você deve estar brincando! Você viu como
talvez até interessar ao Mestre Arsenal. Mas nada disso a im- ela derrotou aqueles monstros? Você viu como ela os apavo-
portava. Nada, porque a maldita espada tinha, de algum jeito, rou? Eu não sei quem a fez, mas com certeza seu poder é do
matado o seu pai! bem, e é forte!
— Eu não sei que tipo de mágica você tem – gritou a meni- Isa não sabia o que responder. Talvez estivesse enganada.
na- mas você nunca mais vai ficar na minha casa! Nunca!!! Talvez a espada fosse realmente boa, e por isso seu pai a amava
Com as lágrimas escorrendo por seu rosto, Isa tirou a espada do tanto. Mesmo que ele tivesse pedido que ela guardasse a espa-
seu suporte da parede e saiu correndo pela casa, em direção à rua. da... mesmo assim... com certeza ele ficaria mais feliz se ela con-
Nem mesmo pegou um casaco para proteger-se do frio. Passou rá- tinuasse a enfrentar as coisas más, como ele havia falado em
pido pela criada, que lhe perguntou aonde ia, sem obter resposta. sua carta.
— Como é o seu nome? – perguntou ela ao jovem ni-
········ tamuriano.
— Han. Eu sou um aventureiro.
Han estava desesperado. Tinha certeza de que iria morrer se Algo naquele rapaz a lembrou de seu pai. O espírito livre,
não fizesse algo. Muitas criaturas do mal estão espalhadas pelo sua vontade de andar pelo mundo, sua busca por heroísmo. Ele
Reinado, e nem mesmo grandes sábios como Talude ou Vectorius deveria ficar com a espada.
sabem os propósitos de todas elas. Sussurrou para si mesmo: — O que você está fazendo aqui, Han? – disse ela, enxu-
— Eu preciso ter coragem... eu preciso ter coragem... gando as lágrimas do seu rosto.
Gritou então um brado de guerra de seu povo, e saiu corren- — Eu estava indo para Malpetrim, e ia parar uma noite em
do em direção à sua espada. Rapidamente, a ergueu sobre sua Gorendill, quando fui atacado. E você? O que está fazendo aqui
cabeça, avançando correndo em direção aos fantasmas-zumbis, a esta hora?
que estavam parados, olhando para ele. — Eu prefiro não falar. – disse Isa enchendo os olhos de

12
lágrimas novamente.- Han, não me pergunte por quê, mas eu
quero que você fique com esta espada.

— Como é? ! Você deve estar brincando? Quem daria uma


espada dessas a um estranho? Bem, eu não sei o que dizer. Muito
obrigado, moça. É a espada mais bonita que eu já vi, e a mais
poderosa também. Eu não vou me separar dela NUNCA!
A menina sorriu, compreensiva, e disse que tinha de voltar
para casa. Ela e Han voltaram caminhando para Gorendill, silen-
ciosos. E Han, feliz, viu as runas élficas na bainha da espada,
onde leu: “Maegluin”.
— Nunca vou deixar de usá-la... nunca... – repetiu ele, para
si mesmo.
E antes de guardá-la, percebeu novamente seu brilho
azulado, e sorriu.

FIM

O Destino da Lâmina
Vermelha Por Dauros

Ela abriu os olhos. Os primeiros raios de sol começavam a companheiros, por mais céticos que fossem, se sentiam da mes-
aparecer entre as folhagens das árvores acima, anunciando aque- ma maneira, pois estavam diante de um dos maiores guerreiros
le que deveria ser o último dia de sua jornada. Estavam viajan- do Mundo, cujo nome, em histórias, tirava o sono de crianças e
do há quase quinze dias, e a última cama decente que tivera foi na vida real, a coragem de heróis. Eles pararam diante do trono.
numa hospedaria, que na verdade era a casa de uma família à Para um leigo, poderia parecer que aquela magnífica armadura
beira da estrada, com alguns quartos para alugar. Ficaram so- havia sido abandonada, sem nada nem ninguém em seu interior.
mente por uma noite, e quando o dono da casa descobriu quem Permaneceram ali, à sua frente, em silêncio, esperando que algo
eles realmente eram, já era tarde demais. Mais alguns dentes fosse dito. Ele então finalmente se moveu, e como parecendo
para a repugnante “coleção” do meio-elfo. dar vida à armadura, falou:
O restante do grupo estava à sua frente, já prontos para se-
guir viagem. O chamado havia sido igual aos outros, sendo uma — Sejam bem-vindos. Como vocês já imaginam, tenho uma
carta com apenas um anel e um bilhete, dizendo: “Sigam o silfo”. nova missão para vocês, da mesma natureza das anteriores.
Sempre que colocavam o anel, um Elemental do Ar surgia, se-
guindo em uma direção, rumo à moradia de seu Empregador. Todos sabiam do que se tratava, afinal de contas, todas as
Todos sabiam que os lugares onde O encontravam eram ape- missões para as quais Ele os contratara envolvia, de alguma
nas temporários, para despistar possíveis ladrões que seguis- forma a mesma coisa: resgatar, encontrar ou roubar algum tipo
sem o grupo, atrás do já famoso “acervo” que Ele dispunha. de item mágico.
Chegaram no final da tarde, a uma construção que parecia As missões em si não eram tão difíceis, já que a maioria das
ter sido um templo de Sszzaas, num passado distante, devido informações sobre o que fazer, como agir, e onde procurar o tal
às serpentes desenhadas e esculpidas por todos os lados. Ha- item, eram dadas por Ele. Cabia-lhes basicamente a execução,
via marcas de batalha pelo lugar, que parecia ter sido atacado, e que em si não era difícil. O pagamento era também em itens má-
queimado logo depois. A grande pedra que selava a entrada gicos, normalmente muito úteis para eles, como aquela sela má-
havia sido retirada, mostrando que Aquele que os havia chama- gica para Dragões, que não permitia jamais que o “cavaleiro”,
do já devia estar a sua espera. no caso ela, caísse durante o vôo.
Dentro do salão principal, sentado no trono, que devia ter
pertencido ao sumo-sacerdote do lugar, estava Ele. Sua presen- — Como todos sabem, – prosseguiu ele – o reino secreto
ça era sempre assustadora. Mesmo sendo uma mercenária que dos Anões, Doherimm, ou a Montanha de Ferro, como é mais
cavalgava um Dragão Negro, tendo a morte como profissão, ela conhecida, recebeu recentemente a visita de uma comitiva di-
sempre se sentia em perigo na Sua presença, e sabia que seus plomática a serviço do Rei Thormy, a fim de estreitar as relações

13
entre humanos e anões, devido aos perigos que ambas as raças
vêem se aproximar. Ela prendeu a respiração. Será que...?
Era verdade, pensou ela, todos estavam sabendo disso. Os
baixinhos deviam estar realmente começando a se preocupar com — É o que todos imaginam. Eu lhes concederei um meio para
os perigos do “mundo de cima”, para se arriscarem permitindo cancelar a maldição que os mantém unidos.
que estranhos entrassem em seu esconderijo secreto, como pro-
va da boa-fé de seu governante na aliança com os humanos. Idio- Eles se entreolharam. Essa era a coisa que mais ansiavam,
tas! Para ela, os barbudos estavam pedindo para serem traídos. sem dúvida. A liberdade! É claro que, secretamente, eles não
desejavam o fim da maldição simplesmente para que pudessem
— Mas o que poucos sabem, é que o Rei mandou outra se separar, não precisando mais temer pela própria vida, caso
comitiva, para o reino de Tapista, para tentar fazer com que os um dos outros estivesse correndo perigo.
minotauros também entrem nesta Aliança. Thormy até pediu aos
anões que os acompanhassem a Tapista para facilitar essa ne- Cada um ansiava, fervorosamente, assassinar os demais,
gociação. acabar com os outros, para se vingar, oferecer em sacrifício, exer-
cer a “justiça”, ou apenas conseguir alguns dentes; executan-
— Ótimo... e o que nós temos a ver com isso? – Perguntou o do o ódio mortal nascido desta convivência forçada. Ela sentiu
meio-elfo, em nome de todos. Seu empregador nunca havia de- seu ódio crescer, afinando-se com a esperança de divertir-se
monstrado o gosto por contar histórias. Estava falando muito com a morte dos companheiros, e então voar livre montada em
mais que o habitual. seu Dragão.

— Acontece, que o acordo será selado na maneira dos — Então assim será. – disse o clérigo da Morte, rompendo
minotauros: eles darão aos anões e aos humanos, os Chifres de o silêncio.
Goratikis, duas lanças que pertenceram ao maior herói de sua
raça, para mostrar a confiança deles nessa união. Eles ouviram, bem baixo, um som agudo e suave, como um
leve sibilar de uma serpente.
— E você as quer. – disse o ex-paladino. O clérigo permane-
cia fleumático como sempre. — Vocês devem partir agora, a fim de alcançar a comitiva.
Quando tudo estiver terminado, vocês deverão usar esta esfe-
— Exato. – respondeu ele – o Clã DeBruce foi convidado ra, que ao ser quebrada, os transportará para uma de minhas
para integrar a comitiva. Silverius DeBruce parece ter o respeito fortalezas. Vão.
do Rei Aurakas de Tapista.
E sem mais nada dizer, eles se retiraram, deixando a enorme
— E o que esse velho tem a ver conosco? – ela perguntou. figura sozinha.

— Vocês irão tomar o lugar dele. Silverius irá acompanhado da Com a saída do grupo de aventureiros, uma silhueta idênti-
mulher, do primogênito e de um criado pessoal. Eles estarão pas- ca à sentada se destacou das sombras, caminhando lentamente
sando por uma estrada ao norte daqui, no final da próxima manhã. para perto da outra. O ranger das várias junções da armadura, e
Providenciei um disfarce adequado, que não poderá ser desco- o som abafado dos pesados passos sobre o chão, quebraram o
berto por nenhum mago que eventualmente esteja na comitiva. silêncio mórbido do salão. As duas figuras se encararam, e dan-
do a farsa por terminada, Ele disse:
Ele então olhou para um pequeno pacote que estava ao seu
lado, que magicamente flutuou até as mãos do ex-paladino. — Está feito.

— A cerimônia de entrega será na capital de Tapista, Tiberus. E o que estava ao trono, usando agora a sua verdadeira voz,
É claro que vocês não poderão tomar as Lanças até que tenham respondeu:
deixado o lugar. Mas, que fique bem claro: toda a comitiva deve
ser destruída. Como, fica a critério de vocês. — Sssim... Agora, devemos esssperar. – e continuou – Para
onde elesss serão mandadosss, quando usarem a esssfera?
E quando Ele se calou, o silêncio tomou a sala. Todos pen-
savam a mesma coisa: a missão era bem diferente das demais. Ele respondeu:
Na verdade, era muito mais perigosa que qualquer trabalho que
eles houvessem executado. Nenhum deles conseguia admitir que — Algum ponto das Montanhas Sanguinárias, de onde não
não sabia se poderiam realizar este serviço. Se estavam juntos possam voltar. Ninguém deve saber o que realmente aconte-
porque não queriam arriscar as próprias vidas, então por quê... ceu. Assim, humanos e anões trocarão acusações de assassi-
Seus pensamentos foram interrompidos pela voz Dele. nato, enquanto os minotauros reclamarão seus artefatos rou-
bados. A paz entre as raças será finalmente destruída, e pela
— Este serviço pode estar parecendo por demais delicado, Glória de Keenn, esse mundo será consumido pela guerra...
ou arriscado. Antes de ouvir suas respostas, gostaria de lhes
dizer qual será o pagamento, caso realizem o trabalho com êxito. E ela, mais uma vez, partiu confiando ir rumo à liberdade,
sem saber que, novamente, ia de encontro ao destino que a
— E qual seria? Perguntou ela. marcara durante toda sua vida...

— A liberdade. FIM

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Em Busca da Safira de Glórienn
Por SpellGoblin

Splinter rosto enquanto o dia se fazia mais quente ao passar do tempo.


E as laminas se encontraram em uma mistura de raiva e te- O longo caminho nos deu tempo para conversar e conhecer-
mor. O sangue dos meus companheiros já falecidos mancha- nos, sem escolha.
vam o campo de batalha. Eu queria vingá-los, a fúria tomava
meu corpo e a luta era desigual. Não acreditava que aquele gru- Flinn
po de bugbears me oferecia alguma ameaça, muito menos a meus Splinter era um homem rato, ninguém da primeira vez que
parceiros, o acreditamos até que a primeira criatura desferiu um olha um homem rato se apaixona. Mas ao contrário das minhas
ataque certeiro no pobre mago Makanim. A fúria que me domi- expectativas ele era uma boa criatura, bom apreciador de vinhos
nava deu lugar à sensatez, me concentrei e ataquei o gigante e ótimo contador de histórias. Contava seus feitos heróicos e
goblinóide e destruí o horrendo rosto da criatura. Bem, isso me como era querido por seus amigos, agora mortos pelas garras
deu o tempo necessário para fugir dos outros inimigos e encon- da Aliança Negra. Há esse tempo já havíamos descoberto que o
trar um lugar seguro. O lugar seguro era uma cabana abandona- exército era mesmo goblinóide e que grande parte de Arton-Sul
da; cheguei, fechei meus olhos e caí como uma pedra inerte no fora dominada por Twor Ironfist.
gelado chão de pedra da cabana.
Splinter
Flinn Meus amigos mortos, me restava esperar o destino bater a
Anoitecia quando o chão começou a tremer, provavelmente minha porta, oferecendo-me algum desafio ou então a morte seria
um exército se aproximava, levantei e me vesti. A marcha do pro- minha próxima visitante...
vável exército se fazia mais forte. Alcancei meu bastão e me pre-
parei para uma batalha, não era o mais inteligente sair e lutar Flinn
contra um exército, mas algo me dizia que era o inevitável. Algo Estávamos em uma taverna, bebendo vinho, escutando o
acima de meus próprios conhecimentos. bardo cantarolar suas canções mágicas e pensando no futuro,
quando uma linda humana adentrou a taverna, o chão de ma-
Splinter deira gastada já ruindo quando qualquer um passava acusou a
Minha cabeça explodia de dor. Abri meus olhos e vi um elfo, presença da moça. Ela se sentou num banco no canto mais cla-
provavelmente um clérigo de Gloriénn, a julgar pelo símbolo em ro da Taverna do Leprechaum, onde o sol entrava por uma jane-
sua vestimenta. Não esbocei nenhuma reação imediata, talvez la no teto. Todos os homens da taverna a comiam com os olhos,
por medo ou talvez pela maldita dor de cabeça. a mulher vestia uma roupa que não deixava muito à imaginação:
uma blusa que deixava qualquer um de boca aberta de tão mi-
Flinn núscula e uma saia tão pequena quanto a blusa de seda fina.
Um Homem Rato???!! O que aquela coisa estava fazendo na
minha cabana? Ali parado igual uma das estátuas de Zentura, a Splinter
medusa que vive em Vectora. Eu fui o primeiro a dizer algo. Per- Eu fui falar com a moça, seu nome era Lumina, ela estava bus-
guntei o que estava fazendo ali. Antes da criatura ter a chance cando uma tal Sahfira de Glórienn, chamei imediatamente Flinn,
de responder a porta foi derrubada. ele devia saber de tal artefato, sendo um clérigo de Glórienn.
— Sim, sei sobre a Sahfira de Glórienn. É o mais poderoso
Splinter artefato criado pela grande deusa. Seus poderes são inúmeros,
A cabana não era abandonada e um ogro acabava de arrom- entre eles a imortalidade e a força de mil gigantes. Provavelmen-
bar a porta. Hunf, belo lugar seguro. Sem muito tempo para falar te Flinn estava exagerando um pouco sobre a tal safira, talvez
eu me concentrei e disparei minha melhor rajada de vento, man- não. Lumina indagou sobre a localização do objeto, mas a res-
dando o bastardo bem longe. Se minha cabeça não estivesse posta do meu companheiro elfo foi negativa.
carcomida por dentro até que eu comemorava. Limpei o sangue
que ainda manchava meu rosto e saí dali. Flinn
Eu realmente não sabia onde a Sahfira estava, mas me pro-
Flinn pus a procurá-la junto a Lumina. Splinter também aceitou o de-
O pequenino era poderoso, isso não se percebia; afinal, ele safio. Fomos ao templo mais próximo, onde um outro clérigo da
era um homem rato. Ele não se mostrou aterrado. Admirando Deusa me disse que talvez o artefato estaria escondido em al-
um ao outro de uma forma bizarra, eu voltei à realidade e alertei gum templo em ruínas em Arton-Sul.
a possibilidade de que um exército estaria se aproximando. Como Nos restava rumar a Lamnor...
se ele já não soubesse. Nos teletransportou e antes mesmo de
minha mente dar-se conta do fato estávamos numa floresta. ········

Splinter Flinn
A floresta estava escura, mesmo com o sol brilhando, seus Rumávamos ao sul, em busca da Sahfira de Glórienn. Eu,
raios atingiam as copas das árvores e não tocavam o solo, dei- Splinter o homem-rato e Lumina, a aventureira que nos acompa-
xando uma mistura de temor e frio. Rumei para minha morada. nhava em nossa jornada. Depois de 4 dias de viagem ao sul,
Sem muitas opções o elfo me seguiu. O suor escorria pelo meu resolvemos descansar e passar a noite na floresta em que está-

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vamos e montamos as tendas numa clareira. O clima frio, normal acalmou (já que esperava uma cidade com um ambiente de medo).
naquelas regiões era acalmado pela chama da fogueira, e pelas As barracas e tendas montadas em um grande pátio vendiam
musicas de Lumina. Flinn parecia cada vez mais atraído pela bela tudo: bebidas, comidas típicas sulistas e itens poderosos. Des-
jovem humana, apesar de haver jurado amor somente a sua deu- cobrimos que o nome do evento era Festival da Cabeça de Tru-
sa Glórienn. O fogo crepitava, enquanto Lumina tocava sua me- ta, ele acontecia quando a Junta da Cabeça da Truta resolvia
lódica flauta doce, seu rosto era anguloso, seus lábios finos enviar expedições ao Sul.
faziam perfeita harmonia com sua mandíbula (forte mas delica-
damente feminina). Os olhos azul cobalto refletiam a luz da fo- Splinter
gueira. Eu olhava diretamente ao fogo, desviado pela silhueta Enquanto perguntávamos sobre a Sahfira de Glórienn, o festi-
de minha companheira. Quando suas canções haviam termina- val continuava alegre, as expressões felizes da gente de Khalifor
do, todos estávamos acordados e conversamos, aos goles da era um bom sinal. Sem resultado em nossas pesquisas sobre a
última garrafa de vinho que Lumina trazia consigo. Sahfira, nos esperava uma boa caneca de vinho na Cantina do
Mesmo em quatro dias de viagem, poucos para conhecer Berço do Inverno. Enquanto as canções tocavam, Flinn pergun-
nossa agora nova amiga. Nossa surpresa quando o fogo já es- tou sobre meus antigos companheiros. A conversa se estendeu
tava morto, a clareira era banhada pelos primeiros raios de sol até que Lumina me perguntou qual era o nome do nosso grupo.Nós
matutinos e os pássaros cantavam. Vimos que a conversa se não tínhamos um nome. — Se deduz que cada grupo tem um nome,
havia estendido além do devido, meu corpo não mostrava sinal podíamos dar um nome para nosso grupo...-Lumina indagou, com
de cansaço, talvez minha mente sim. Nossa presença atraía a um olhar sonolento.
atenção de pequenos animais, com qual Lumina brincava en- — Buscamos a Sahfira, não? Sahfir’s podia ser nosso nome-
quanto eu e Splinter terminávamos de guardar as tendas. Ela Flinn disse, orgulhoso de sua idéia. Claro, Sahfir’s não estava mal.
fazia tudo muito rápido e com extrema precisão, algo espanto-
so... Antes que pudéssemos terminar de guardar os equipamen- Flinn
tos, um grupo de Lobos da Floresta se aproximou. Os lobos No dia seguinte, a cidade ainda estava agitada, com mer-
provavelmente famintos atraídos pelos pequenos animais, fá- cantes, comerciantes de estabelecimentos da cidade e aventu-
ceis presas, não hesitaram em atacar nossas cansadas carnes... reiros buscando, obviamente, aventuras. Partíamos a Arton-Sul
no mesmo dia em que o exército da Junta da Cabeça da Truta.
Flinn Saímos logo que começou a escurecer, o exército que nos acom-
Empunhamos nossas armas, Lumina com sua espada, panhava era de médio porte, em sua maioria mercenários.
Splinter com seus feitiços e eu empunhando meu arco abenço-
ado por Glórienn. Lumina desferiu o primeiro golpe, ela erra seu Splinter
alvo. Se não estivéssemos cansados como estávamos, esses Viajamos por três dias junto ao exército da Cabeça da Truta,
caninos não seriam pareis para nosso poder. Os lobos avan- quando nos separamos, nós íamos ao leste e eles ao oeste. Es-
çando e retrocedendo, numa rotina cansativa. Os três lobos cin- távamos sós com os milhares de perigos em Lamnor. Nossa pri-
zas nos rodeavam, nos cansava atacar e errar o alvo todas às meira parada foi uma vila em ruínas, onde jaziam centenas de
vezes, os bichos incrivelmente ágeis tinham vantagem. aldeões, a vila se chamava Vellaha, segundo dizia a placa de
madeira desgastada na entrada. A vila era média, tinha algumas
Splinter casas e fazendas e um templo abandonado.
Enquanto nos colocava de pé, as duras penas. A idéia da
morte me veio à mente, mais nunca pensava em render-me. Caí Flinn
de joelhos enquanto um dos lobos vinha dar-me o golpe que Entramos no templo, não era um templo de Glórienn, eu po-
me mataria. Antes do golpe final do animal, uma flecha lhe atra- dia sentir... Um símbolo pintado no chão alarmava o perigo de
vessou a cabeça, era Flinn quem me salvara a vida. armadilhas, que nós clérigos élficos conhecemos como o Lohad,
uma cruz em vermelho. Adverti que aí haviam armadilhas, Splinter
Flinn começou a caminhar com mais precaução no chão de mármore.
Depois de haver matado um dos lobos, o que atacara Splinter. Lumina confiava tanto em sua própria capacidade que nem se
Voltei minha cabeça à direção de Lumina, queria a certeza de que molestou em tomar cuidados...
estava bem. Lumina lutava animadamente com o animal, e parecia
desfrutar a batalha. Quando se cansou de ‘brincar’ com o lobo, Splinter
desferiu um frio e certeiro golpe na cabeça do animal, que caiu O altar caído, as figuras de um deus desconhecido pintadas
morto no chão. Faltava um lobo que matar, esse devorava a carne com bigodes e barba, ações goblinóides... sacrilégio. O ódio de
de seu companheiro que jazia morto no chão, Splinter lançou-lhe Thwor Ironfist era grande, maior que seu próprio corpo desco-
uma magia que o congelou, poupando-lhe a vida. munal, um animal destruidor...

Splinter Flinn
Partimos rápido da clareira, antes que o lobo se descongela- Ao explorar o templo descobrimos um mapa, que indicava
ra. Todos cansados e com fome, avistamos os muros da grande onde estava a “cidade perdida”. O lugar indicado no mapa era
cidade-fortaleza: Khalifor, a ultima barreira a Arton-Sul. na verdade uma caverna. Ao entrar, flechas chegaram a nossos
corpos, um sono profundo nos atingia...
Flinn
— Chegamos aos portões da majestosa Khalifor caros ami- Splinter
gos. — exclamou alegremente Lumina. Entramos na cidade de- Acordamos em um quarto escuro, onde a única fonte de luz
pois de uma conversa com os guardas, algum tipo de festival era uma vela com a chama quase apagada. Uma elfa nos cuida-
estava em andamento, a música alegre e o ruído do povo me va, e pedia mil perdoes pela atitude dos guardas...

16
”— Temos que cuidar nossa preciosa Sahfira” -disse a elfa, ros de Thwor, fácil passe para o Palácio Real do General
abaixando a cabeça. Lumina pulou da cama, exclamando que já Bugbear... Lumina “adotou” um kobold filhote que havia perdi-
havíamos encontrado a Sahfira. do seus pais, o coração dela era valoroso e bondoso suficiente
para aceitar um kobold nojento como amigo.
Flinn
Depois de levantar da cama, fomos a ver a tal Sahfira da Flinn
qual a elfa falava, a visão da Sahfira era maravilhosa, uma bela Ao chegar ao palácio real, fomos recebidos pelo próprio
elfa deitada em sono eterno. Espera, essa não era a Sahfira que Thwor, meus olhos ardiam nas chamas do ódio que eu sentia
procurávamos ... pelo responsável de tal sacrilégio... Reconheci a Sahfira no pei-
to do Goblinóide gigante, alertei meus amigos. Splinter gritou
Splinter ordenando o exército atacar os milhares de soldados do Gene-
Saímos frustrados da cidade subterrânea, mas com uma in- ral bugbear... O espanto nos olhos de Thwor Ironfist me deu um
formação preciosa: A Sahfira verdadeira estava em Lenórien, a prazer incomparável, tínhamos montado a perfeita armadilha.
ex-capital élfica... A viagem até lá foi cheia de surpresas, encon- Soltei uma gostosa gargalhada e voei em cima do General, tiran-
tramos o exército da Cabeça da Truta, que também rumava a do-lhe a Sahfira do pescoço...
Lenórien, salvamos um grupo de humanos de um terrível Orc e
finalmente encontramos Lenórien Splinter
O exército fazia bem seu trabalho, Flinn já tinha a Sahfira em
Flinn mãos, nossa missão estava completa. Thwor parecia uma crian-
A visão da Capital era amedrontadora, meu coração élfico ça mimada, a qual começam a destroçar seus brinquedos. O gi-
se encheu de ódio, desejava vingança, queria arrancar o fígado gante goblinóide desferia socos e chutes sem direção, Flinn
do responsável com meus dentes e oferecê-lo à minha deusa, gargalhava e seu novo amuleto brilhava, aceitamos o fato que a
como vitória élfica... Era a hora de buscar o palácio real, aí esta- Sahfira só podia ser usada por clérigos de Glórienn (não sabía-
ria o maldito goblinóide... mos se era verdade, mas deixamos que Flinn o usasse...) um
brilho cortava a noite escura de Lamnor, um raio vindo dos céus
Splinter chegava até o amuleto, e vimos uma flecha... sorrimos... tudo
A cidade infestada de goblinóides, eu passei desapercebi- havia acabado
do e dizia que o exército e meus companheiros eram prisionei-
FIM

Sangue e Areia
Por Ivan Almeida

Azgher parecia estar feliz naquele dia. Afinal, o sol brilhava Há 5 anos saíram de uma taverna de beira de estrada – atraí-
alto e fazia muito calor no Deserto da Perdição. A areia parecia dos por rumores sobre um antigo mago que necessitava dos ser-
queimar a sola de suas botas e pés. Acostumados a climas tem- viços de mercenários experientes – e passaram por diversas aven-
perados e subtropicais, estavam descascando e com a pele bron- turas – desde o caso do xamã das Uivantes, o qual controlava um
zeada e doendo. Essa situação os deixava irritados. Apesar de dragão de raça branca, até a encrenca com uma tropa do exército
serem grandes guerreiros, quase já não tinham mais forças para de Yuden, passando por necromantes, bárbaros, pelas sombrias
continuar a viagem. florestas e os habitantes misteriosos de Pondsmânia...
Então, através de um druida errante da Grande Savana, nor-
Poucos tinham coragem de cruzar o Deserto da Perdição. te do Rio dos Deuses, tomaram conhecimento do Oásis de
Diziam que era morte certa perambular por essas terras áridas, Thyatis. Um lugar onde quem se banhasse em suas águas teria
pois apenas os guerreiros nativos conheciam os caminhos cer- a vida eterna. Com a imortalidade, poderiam fazer o que quises-
tos para não serem pegos pelas tempestades que, conforme as sem, sem se importar com os deuses e com ninguém.
lendas, levava as pessoas para outros mundos. À frente do grupo, portando uma espada bastarda, estava
Entretanto, eles não ligavam para isso. Não ligavam para Lancelot. Homem geralmente reservado, mas forte e corajoso.
nenhum desses boatos. Pois estavam lá por um bom motivo. Costumava não demonstrar muitas emoções em seus olhos ver-
Muitos grupos de aventureiros lutavam por grandes ideais, des, tendo os cabelos loiros fortemente amarrados em um rabo-
para protegerem o mundo e as pessoas. Mas eles não. Lutavam de-cavalo, não possuindo franja. A tatuagem de um deus ficava
apenas para sobreviver e por não terem nenhum objetivo. Apenas escondida sob um pano amarrado em seu braço direito e usava
viviam a vida, erguendo suas armas por alguns tibares, em troca partes de armadura desse mesmo deus.
de aventuras e combates, ora ajudando alguém, ora traindo e ma- Antes de se tornar um mercenário, Lancelot já foi um sacer-
tando. Por isso eram conhecidos como Os Lobos Solitários. dote de Keenn, o Deus da Guerra, e por muitos anos desemba-
Mas agora era diferente. Tinham um objetivo. Desde o em- inhou sua espada em batalhas sem sentido. Entretanto, ele não
bate com o famoso Grupo do Mal devido a um desencontro, escolheu essa carreira por opção pessoal; apenas pela necessi-
eles não tinham uma aventura tão perigosa – e longa. dade, pois perdeu a família num ataque de bandidos.

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Após largar a Ordem por motivos pessoais, vagou solitário “Não toque em mim!” disse o elfo, bastante mal humorado.
por Arton, sem ter um lugar para onde retornar, até ser contrata- Sem se importar com o nervosismo do arqueiro, Lestak
do por um mago para matar um feiticeiro possuidor de um pode- apenas disse: “Vocês perceberam que até agora não aconteceu
roso artefato. Entretanto, ele teria que trabalhar em conjunto nada com a gente? Quero dizer, cadê as tempestades que eles
com um elfo. dizem acontecer por aqui? Cadê a fauna daqui, os coiotes, as
Esse elfo era Louis. cobras, os escorpiões? Parece que aqueles animais foram colo-
Filho de nobres da corte em Lenórien, Louis perdeu a família cados ali apenas para nos alimentar. Talvez os deuses estejam
na invasão goblinóide, mas, em vez de fugir, formou um grupo nos guiando...”
com alguns sobreviventes e ficou em Lamnor por alguns anos, “Lestak, você esqueceu que os deuses não ligam pra nós?
matando goblinóides e tentando sobreviver. Ainda hoje seus Esqueceu que Keenn me manipulou? Que Glórienn abandonou
feitos com o arco são lembrados pelos habitantes do sul. você e Louis? Que Khalmyr sequer guiou a vida de Gayllant?”
Com a morte do grupo, rumou para o Reinado e passou a Lancelot guardava um certo ressentimento dos deuses.
sobreviver do arco até o dia em que conheceu o ex-clérigo, tor- “Concordo, mas ainda acho estranho tudo isso.” Lestak refletiu.
nando-o parceiro de aventuras e discussões. Louis, sentado, mais calmo e comendo um pouco de car-
Como era de se esperar de um elfo, Louis era arrogante, or- ne, interrompeu a conversa dos dois. “De acordo com os rela-
gulhoso, persistente e, por vezes, meio manipulador, chegando tos do druida e dos nativos das tribos da Grande Savana, os
em várias ocasiões a discutir devido à falta de ambição dos Lo- quais acolhiam os supostos viajantes de outros mundos vin-
bos Solitários. dos daqui, o Oásis fica exatamente ao norte do lugar de onde
Atrás dele seguia um anão de cabelos e barba negros, olhos partimos, o extremo norte da Grande Savana, na exata direção
cinzas, vestindo uma cota de malha e portando um machado de guer- do marco zero, e que ninguém nunca voltou para contar histó-
ra. Seu nome era Gayllant, o mais distante dos integrantes. Estava ria... O que você acha, Gayllant?” o elfo se dirigiu ao anão.
nos Lobos apenas pelas batalhas, bebidas e ocasionais cortesãs. Gayllant, assim como Lancelot, não proferia muitas palavras.
Gayllant nunca conheceu a Montanha de Ferro dos anões. Era adepto do famoso lema dos sacerdotes de Keenn: “Bata primei-
Abandonado em um cesto de palha nas Montanhas Sanguiná- ro, pergunte depois.” Afoito a batalhas, geralmente gritava frases
rias, foi criado entre os bárbaros, mas foi banido da tribo anos do tipo “Mata!”, mas agora até mesmo ele precisava pensar.
atrás por motivos que não costuma comentar. Desde então anda “Ahn... de onde venho temos o costume de crer que possu-
pelo mundo. Agora, ele está à procura da imortalidade. ímos um destino irrevogável, o “Fio da Vida”. Mas nós não sa-
Protegendo a retaguarda, trajando um sobretudo levíssimo bemos qual é esse destino. Assim, lutamos. Se for o destino eu
especial, feito por mãos élficas, e com uma espada curta des- morrer nesse deserto, não há nada que eu possa fazer... Mas, e
cansando à cintura, Lestakendioren, Lestak para os amigos, era se não for? E se eu puder controlar o meu Fio da Vida sendo
o mais otimista do grupo. Nem mesmo o calor podia abater sua imortal? Como dizia Lancelot, “Não vou me entregar sem uma
vontade de cumprir a missão. Apesar de sua aparência exótica, boa luta!”.”
com seus longos cabelos negros, barba rala e olhos azul-cro- As palavras do anão encheram todo o grupo de ânimos
máticos com pupilas verticais, ele era considerado o mais idiota e, pela primeira vez em mais de uma semana, todos riram.
dos quatro, fazendo trocadilhos infames nas piores situações. Por pouco tempo.
Assim como Louis, Lestak também era um elfo e, assim como
ele, após a queda de Lenórien, ficou por Lamnor, com um grupo ········
de resistência secreta, desempenhando o papel de um batedor.
Após alguns anos, rumou para o norte, na esperança de ga- Eles eram conhecidos como os salteadores da tribo de Sar
nhar a vida do modo mais fácil, como um ladrão aventureiro. Até o Allan. Homens que peregrinavam pelo deserto e que, de acordo
dia em que, em uma de suas aventuras, ouviu falar dos Lobos com os bardos, conseguiam tirar água de pedra. Hassan era um
Solitários. Juntou-se a eles após salvá-los diversas vezes. deles, e ouviu rumores trazidos por outros salteadores que se
“Azgher, seu desgraçado!” gritou Louis, em um acesso de loucura. mesclavam à terra, sobre um grupo composto por um humano,
O elfo apontou seu arco para o sol, fechou os olhos e dispa- dois elfos e um anão que estavam andando pelas redondezas.
rou uma flecha, desviando a atenção deles. Montou em seu cavalo e saiu ao encontro deles.
“Silêncio, Louis!” Lancelot, sem olhar para trás, esboça- No horizonte ofuscado pelo calor do meio-dia, Lestak, com
va ligeira irritação. “Guarde suas flechas para quando precisar- sua visão aguçada, conseguiu distinguir alguém montado, e
mos delas.” avisou o pessoal.
Apesar de se manifestar pouco, as vezes em que o ex- “Um salteador! E parece estar sozinho!” forçando a visão, o
clérigo transmitia uma espécie de ponderação ao grupo, que não elfo ainda tentava encontrar mais alguém.
possuía um líder, pois todos se completavam em suas habilida- “Preparem as armas!” Lancelot, já de espada em punho, to-
des, sendo Louis o que discutia os contratos e recompensas, mava as rédeas de um provável combate.
Lancelot e Gayllant os guerreiros, e Lestak o ladrão. Entretanto, Um homem envolto em panos, com o rosto coberto e uma es-
se houvesse um, ele o seria. pada de lâmina curvada às costas, desceu de seu cavalo e apre-
Nesse momento o projétil caiu na areia e o elfo o pegou. sentou-se. Seus olhos castanhos examinavam os aventureiros.
“Eu não agüento mais! Estamos andando por essas ter- “Bem vindos ao Deserto da Perdição, viajantes. O meu nome
ras condenadas por mais dias do que me lembro, suportando é Hassan Abdazgher.”
esse fogo infernal! E não aconteceu nada! Além disso, estamos “Um sacerdote do deus do sol...” Lancelot completou, abai-
quase sem água e comida! O máximo que encontramos foram xando a espada. “Se não me engano, você é um daqueles faná-
alguns camelos que nos renderam alguma carne fedorenta! Fora ticos que abandonou o próprio sobrenome apenas para servir
que a água está no quase no fim!” seu deus, pois Abdzagher significa ‘servo de azgher’ na sua
Enquanto Louis reclamava, Lestak chegou perto e o to- língua, não é mesmo?”
cou no ombro, na tentativa de acalmá-lo.

18
A resposta veio com a lâmina da cimitarra de Hassan que, em um tronco e seguiu em direção a uma grande fogueira, no
num rápido movimento, encostou no pescoço do ex-clérigo. centro do acampamento formado por tendas de tecido e madeira.
“Não zombe de mim, homem. Além disso, você está erra- A medida em que o grupo andava, eram timidamente observa-
do. Esse nome me foi dado pelo meu povo. Sou de uma fa- dos com um misto de curiosidade e admiração pelas mulheres pre-
mília de sacerdotes. Mas isso não interessa, pois é meu de- sentes, também cobertas com andrajos e véus. Elas já tinham vis-
ver levá-los até minha tribo.” to outros forasteiros como eles, mas sempre era novidade.
“E se não quisermos?” num tom irônico, Lancelot retri- Perto do fogo o frio diminuiu consideravelmente e, antes de se
buiu a ameaça. Esperava poder usar sua espada para fazê-lo sentarem, foram apresentados aos anciões. Como nem todos com-
engolir a ofensa. preendiam o Valkar, Hassan falou na língua de sua terra natal.
“Pois bem, fiquem aqui e morram. Azgher ainda está no “Grandes Anciões, estes quatro são os guerreiros vindos de
meio de sua caminhada, e vocês sabem que o clima daqui terras distantes a que os rumores se referem.”
não é dos mais agradáveis. Além disso, se eu quisesse matá- Apenas um dentre eles se manifestou, o resto apenas ob-
los, já o teria feito.” servou-o se levantando, com ligeira dificuldade. Dirigiu-se aos
“Nós estamos aqui há tempo suficiente para sabermos o que quatro, que estavam de pé, examinou-os dos pés a cabeça, cau-
fazer!” Louis respondeu alto. sando pequena desconfiança neles e, em seguida, sentou-se
“Outros como eu já os tinham avistado alguns dias atrás, no lugar onde estava. Seu Valkar saía com um forte sotaque,
mas resolvemos observá-los um pouco.” disse Hassan tran- mas era compreensível.
qüilamente. “Vejo que, a julgar pelas armaduras e pelo equipamento,
“Como nós não conseguimos vê-los?” Lestak se sentiu estão à procura de algo. Com certeza não vieram com o propósi-
embaraçado, afinal, possuía uma ótima visão. to de nos roubar, nem tão pouco são de outro mundo. Por fa-
“Azgher nos dá o poder de nos escondermos de olhos es- vor, sentem-se. Temos água, carne, sopa e pão. Sirvam-se, e
trangeiros em nossas terras, através dos poderes arcanos...” depois conversaremos.”
Nesse momento todos se amaldiçoaram em pensamento, pois O convite não foi recusado. Os Lobos sentaram-se per-
não gostavam de magos e de magia. Tinham uma mentalidade to da fogueira. Em seguida, mulheres trouxeram os pratos men-
de guerreiro quanto a isso. cionados, e não puderam esconder seus sorrisos ante a aparên-
Antes que alguém fizesse qualquer outra pergunta, Hassan cia estranha dos convidados, principalmente a do anão. Eles
subiu em seu cavalo e fez um gesto para que o seguissem. encheram seus cantis, beberam a sopa verde, comeram e guar-
A medida em que o grupo guardava suas armas e acompa- daram alguns pedaços de pão e carne. Gayllant sentiu sauda-
nhava o nativo, Lestak chegou perto de Gayllant, que se mante- des do hidromel.
ve calado durante a conversa, e perguntou: Durante a refeição os habitantes do deserto conversa-
“Onde foi que o Lancelot aprendeu essa coisa de “servo de vam animadamente em seu idioma, o que deixou Lestak curioso.
não sei quem”?” Ele ficou observando atentamente cada palavra proferida por
“Esqueceu que ele foi um sacerdote?” respondeu o anão, eles, apesar de não entender nenhuma. Lancelot e Louis comi-
dando uma rápida olhada no céu, franzindo as sobrancelhas. am em silêncio. Já Gayllant não possuía tanta etiqueta...
“Mas era da guerra!” Lestak retornou, não convencido. Após o término, Hassan, depois de tomar um gole d’água,
“Dá no mesmo! Agora me deixe em paz, elfo! Em breve tere- dirigiu-se a Lancelot e perguntou o motivo de sua jornada.
mos comida e água, mas fique de olho nesse homem. Um covar- “Estamos a procura do lendário Oásis de Thyatis. Sei
de que esconde o rosto deve possuir segundas intenções...” que vocês conhecem essas terras e, se puderem nos ajudar, se-
remos gratos.”
········ O pedido do guerreiro fez com que todos os presentes
ficassem em silêncio e surpresos. Menos os anciões, que já es-
A viagem durou quase o dia todo. Em pouco tempo Tenebra já peravam por essa pergunta. Sabiam que aqueles eram os Esco-
vinha cobrar seu tributo. A luz das chamas iluminava o acampa- lhidos. Haviam sido avisados através dos elementos que eles
mento, e um leve mas gélido vento soprava, fazendo com que grãos eram os forasteiros que iriam desvendar os segredos do lugar
de areia dançassem a volta das silhuetas negras que surgiam. que os deuses esconderam e que só eles sabiam onde ficava.
“Pelo silêncio vocês sabem onde está!” Lancelot se le-
“Ali! Meu povo!” Hassan apontou na direção do acampa- vantou, encarando, com expressão firme, os homens do deser-
mento. to. A espada já estava em suas mãos.
“Pois bem, nos leve ao seu líder.” com uma expressão séria, Antes que alguém dissesse qualquer coisa, Hassan de-
disse Lancelot. sembainhou sua cimitarra e partiu brandindo-a em direção a
“Eu o farei, mas antes experimentarão nossa hospitalidade e Lancelot. Outros três, com armas escondidas por entre as rou-
comida.” pas, fizeram o mesmo. Era a hora do teste, para ver se eles eram
“Por que está sendo tão camarada conosco?” perguntou dignos de continuarem a jornada.
Lestak, desconfiado. Os dois trocaram alguns ataques até que Lancelot apa-
“Eu já disse. É o costume. Meu dever é ajudar os viajantes rou um golpe de Hassan com facilidade, empurrando-o e derru-
incautos destas terras.” bando-o na areia com a força de seus braços.
“Sem nada cobrar? Que eu saiba, nada neste mundo é de Um outro pulou a labareda da fogueira e avançou em
graça!” desta vez o anão perguntou, em tom de intimidação. Lestak. O elfo desembainhou sua espada curta e pulou para trás,
“Vocês apenas têm que merecer o que iremos oferecer.” a fugindo do golpe. Com uma rapidez impressionante desarmou
afirmação do salteador soou como um enigma. o homem e deu um chute giratório em seu rosto, que caiu em
“Como?” Louis perguntou. uma cabana, derrubando-a.
“Logo saberão...”
Neste momento Hassan desceu de sua montaria, prendeu-a

19
Gayllant não esperou ninguém o abordar. Correu contra outra olhando para trás para ver se não havia acontecido nada.
o inimigo, derrubou-o com um encontrão e, com seu machado, Tinha o pressentimento de que ainda tingiria sua espada de san-
fez um arco no ar que cortou a noite e a mão direita dele. gue antes de banhá-la no lago do oásis.
Enquanto o homem gritava de dor, Hassan levantou-se Lestak lutava para ajeitar seu cabelo, que agitava sem
com uma cama-de-gato e deu uma rasteira em Lancelot, que caiu parar, mesmo usando turbante, enquanto Louis preocupava-se
com a espada longe de suas mãos. No momento em que o salte- em olhar adiante, prestando atenção à mudança do vento, cuja
ador ia desferir o golpe, uma flecha de Louis atingiu sua espa- corrente seguia numa direção definida. Gayllant resmungava
da, que caiu no chão. O elfo ainda atingiu um oponente que ia para si da dificuldade de andar a cavalo.
em direção a ele e já preparava outra flecha para Hassan, quan- Após mais algumas horas de viagem, uma mancha ver-
do ouviu uma voz. de apareceu no horizonte. Todos imediatamente a reconhece-
“Parem, já foi o suficiente!” ram; haviam finalmente chegado ao Oásis de Thyatis!
Um senhor, aparentando ser mais idoso que os presen- De longe puderam avistar suas árvores e sua vegetação
tes, apareceu de dentro de uma cabana. Suas roupas eram bran- que insistia em sobreviver naquele ambiente. Milhares de árvo-
cas, e ele portava em seu turbante e vestimenta ouro puro. Ha- res, desafiando as terras áridas e exibindo-se para os aventurei-
via grande idade em seus olhos e sua aura transmitia um senti- ros. Eram muitos quilômetros de uma beleza indescritível, pois
mento de paz. aquele não era um lugar comum – era um lugar sagrado, reser-
Os Lobos olharam com surpresa. Não gostavam de ser vado para pouquíssimos.
interrompidos em um combate, e ainda estavam tensos. Os olhos E os Lobos Solitários eram um deles.
azul-escuros de Louis encaravam aquele que, com certeza, era Desceram e amarraram suas montarias. Mal podiam con-
um feiticeiro poderoso. O cabelo cor-de-mel do elfo esvoaçava ter sua alegria, exceto Gayllant. Lancelot estava feliz, mas tenta-
ao vento que soprava forte naquele momento, apontando na va manter-se sério.
direção dele, como que anunciando sua chegada. “Preparem as armas. Nós podemos ter chegado aqui, mas
O feiticeiro fez um gesto, e os desafiantes abaixaram suas não encontramos o lago ainda.”
armas e se afastaram dos mercenários, dando-os uma trégua. “Ei Lancelot, como disse aquele caduco, somos os “Esco-
Em seguida, algumas mulheres foram em socorro do guerreiro lhidos”. Não vai acontecer nada com a gente! Pare de se preo-
que havia perdido sua mão. cupar! Não estamos numa guerra!”
“Este combate foi para testá-los. Vocês lutaram com al- “Pode ser, mas nunca é demais prevenir.”
guns dos melhores homens de nossa linhagem. Claro que eles, “Eu concordo com o Lestak, Lancelot. O que mais pode acon-
nem vocês, mostraram toda a sua habilidade. Mas o motivo dis- tecer conosco?” Louis estava ofuscado com suas ilusões de
so tudo é que vocês são os Escolhidos.” poder diante da perspectiva de tornar-se imortal.
“Escolhidos?” Louis perguntou, prestando atenção em “Você sabe muito bem que sempre que abaixamos a guar-
cada gesto do feiticeiro. da alguma coisa aparece!”
“Escolhidos dos Deuses. Vocês têm a permissão de che- “Não me venha com essas filosofias bélicas! Se fosse
gar ao Oásis. Saibam que outros como vocês passaram por isso, assim por que você não continuava na Ordem da Guerra?”
mas morreram nas mãos de nossos homens, pelo rigor do de- “Isso é problema meu, elfo! Só estou falando pra estar-
serto ou, se realmente chagaram lá, não retornaram mais. Nós mos preparados caso aconteça um combate!” Lancelot falou
sabemos o caminho, mas nunca entramos no Oásis. Não nos é com voz alterada.
permitido fazê-lo.” “Desculpe estar interrompendo a conversa das duas
“Não nos venha com besteiras!” Meio que debochando meretrizes, mas acho que deveríamos descansar!” com a voz
rosnou o anão. mais firme que seus companheiros, falou Gayllant.
“As forças superiores disseram que chegariam até nós “O barbudo está certo! Parem de discutir e vamos des-
seres de raças, convicções e motivações diferentes e cansar um pouco!” Lestak completou. “Nós já estamos aqui e
conflitantes. Seres que não tinham objetivos e que, impulsivos, temos tempo suficiente para ver onde está o lago depois.”
sairiam motivados por cobiça e poder, até aqui.” Louis e Lancelot viram a expressão daquele anão que
Os Lobos ficaram em silêncio. enfrentava os nortistas sem medo, e resolveram não desafiá-lo.
“Receberão túnicas e cavalos. Cavalguem na direção do Então pararam, sentaram-se, comeram e descansaram um pou-
vento, e lá estará o que procuram. Mas não se esqueçam: o tes- co para, logo em seguida, retornar à procura.
te ainda não acabou. Vocês podem ter sido escolhidos, mas a Os primeiros sinais de escuridão anunciavam a chegada
jornada ainda não chegou ao fim. Embora tenham merecido nos- da noite, quando encontraram o lago. Suas águas calmas refle-
sa ajuda, por provar serem corajosos, não é certeza de que me- tiam a luz noturna.
recerão a imortalidade por parte dos deuses.” Mas algo estava errado. Havia uma mulher ali.
“As atitudes que tomarão de agora em diante definirão se
haverá um novo começo, ou será o fim.” ········

········ Estava banhando-se despida no lago. Gotas de água escor-


riam por seus longos cabelos castanhos e suas curvas perfei-
Cavalgaram por mais quatro dias. Trajavam as túnicas, es- tas. Parecia ignorar a presença dos quatro.
tando as armaduras guardadas nas sacolas de suas montarias.
Já sabiam sobreviver no deserto, conhecendo alguns de seus “Parece que temos companhia.” disse Lestak, retirando
segredos, e não mais reclamavam tanto do calor. Estavam em o turbante utilizado durante o trajeto. “Ela deve ser um avatar,
silêncio, refletindo as palavras do feiticeiro. ou uma semi-deusa. Talvez seja uma das famosas ninfas de
Toda aquela conversa de Escolhidos e teste deixou-os Marah! Vamos!”
meio preocupados. Lancelot cavalgava a frente deles, vez por

20
“Espere, Lestak!” Louis falou com moderação, pois não aliada a um poderoso golpe de machado, cortava uma árvore
sabia se o companheiro era vítima de algum feitiço, dado sua com apenas um golpe.
pressa em ir ao encontro dela. “Pode ser uma armadilha, ou até Entretanto, não foi suficiente. Com a outra mão livre, não
mesmo a continuação do “teste”.” foi difícil para as garras bestiais experimentarem as entranhas
“Não me venha com esse papo de novo! Estamos no do anão no momento em que pulava para atacar. Não havia ar-
meio do nada, com uma mulher pelada a mostrar-se diante de madura para transpassar, sendo a túnica sua única “proteção”.
nós, e não faremos nada? Sem chance! Você pode ficar com o Antes de cair no chão ele se amaldiçoou por não estar
Lancelot e o Gayllant que eu vou até lá!” trajando sua armadura. Cego pela oportunidade de combate, não
Louis tentou impedí-lo, mas conteve-se diante do olhar pensou em utilizar estratégias, mesmo diante de um inimigo sin-
curioso de Lancelot. Gayllant não esboçava nenhuma reação; gular. Engasgado no próprio sangue, desmaiou.
apenas queria mergulhar no lago e ir embora. Louis não teve tempo de ficar atônito com a cena. Embo-
Enquanto o elfo ia em direção à tentação era observado ra não nutrisse nenhum sentimento especial pelo companheiro
com atenção pelos três. O guerreiro chegou perto do arqueiro e caído ou por qualquer outro, ainda sim um código de honra ten-
comentou: tava faze-lo proteger ele e os demais integrantes do grupo. Ra-
“Eu me pergunto por quê não foi você o afoito...” pidamente, seguindo seus instintos, preparou uma flecha, mi-
“Prefiro as loiras.” respondeu Louis, deixando escapar rou no monstro e lançou-a. Não sabia se iria acertá-la, mas tinha
um rápido sorriso. que tentar.
A esta altura o ladino chegou na mulher. Infelizmente era apenas uma flecha comum, que foi facil-
“O que faz neste fim de mundo, bela donzela?” mente inutilizada com o uso de um escudo humano.
A mulher virou-se para ele. Era uma jovem de traços leves e Lancelot já havia levado uma ou duas flechadas em seus
delicados, quase divinos. Seus olhos azuis espelhavam seu tempos de clérigo, mas sempre era dolorido. A criatura o jogou
encanto. Seus lábios convidavam o mais casto dos homens ao no chão e começou a correr em direção ao autor do disparo, que
pecado. se embrenhava árvores adentro através do oásis.
“O que faço aqui não importa. Queres tomar banho co- O ex-sacerdote tentava, a muito custo e dor, tirar a fle-
migo?” uma voz de mel saía da boca da jovem. cha de suas costas, quando Lestak apareceu, mancando e san-
Os dois se beijaram. grando. A queda havia sido feia.
O resto dos Lobos observava a cena em silêncio. “Rápido, Lancelot! Dê-me sua espada!”
Lancelot já havia desembainhado a espada de suas costas. Sem entender direito, o guerreiro obedeceu. Jogou sua
Gayllant estava de braços cruzados, com seu machado apoiado arma para o elfo, que a pegou desajeitadamente e se dirigiu às
por entre eles, e Louis pensava em como Lestak podia ser tão águas.
idiota a ponto de fazer aquilo sem se cuidar. Justo ele que, dizi- “Se esse lago nos torna imortais, talvez afete nossas ar-
am, anos antes de conhecê-lo, havia conseguido sobreviver a mas, tornando-as mágicas ou algo do tipo. Aquele demônio com
uma incursão solitária ao palácio de Sallini Alan, em Triumphus. certeza é invulnerável à armas mundanas como as nossas.”
Lestak começou a tirar a roupa. Ele não percebeu quan- Mergulhou a espada e, nesse momento, aconteceu uma
do a face da jovem mudou. Em questão de segundos seu corpo transformação debaixo das águas. Uma luz branca saía do fun-
atingiu o dobro de seu tamanho e seu semblante tornou-se do dela, ofuscante a ponto do elfo ter que fechar os olhos.
monstruoso. Garras, grandes como espadas, saíram de suas Repentinamente, um grito ecoou pela noite. Era o grito
mãos enrugadas. Seu rosto esboçava um focinho tosco, com de Louis.
dentes tortos e pontiagudos. Seus olhos tornaram-se vazios e Nesse momento, Lancelot fraquejou. Seu maior parceiro
asas retorcidas surgiram de suas costas. Seres de coração, co- de batalhas, tavernas, mulheres e viagens desde a época de
ragem e vontade mais fracas, com certeza enlouqueceriam à sim- guerras, estava morto. Há anos seu orgulho o impedia de de-
ples visão de tamanha monstruosidade. monstrar muitos sentimentos de companheirismo, mas agora era
Pegou o elfo pelos braços e o lançou longe. Tudo foi tão tarde.
rápido que ele nem teve chance de se defender. “NÃO! BASTARDO!” gritou com toda a força dos pul-
“Resposta errada, tolo mortal! “ um grunhido sobrena- mões. Levantou-se, retirou a flecha, não se importando com o
tural emanou do ser demoníaco. sangramento e pegou a espada rudemente da mão de Lestak.
A força aplicada foi tão grande que Lestak foi parar lon- Seu rosto expressava fúria. Não uma fúria que represen-
ge da batalha iminente e da vista de seus companheiros. tava deuses como Keenn; era uma fúria de homem.
Imediatamente Lancelot e Gayllant correram em direção Não notou que sua espada havia mudado. Runas mar-
ao monstro. cavam a lâmina, mais fina e com tom mais prateado. Estava mais
O humano foi o primeiro a desferir um golpe. Sua espada leve, e a empunhadura era envolta em tons dourados. Uma arma
cruzou com rapidez e precisão o ar, mas foi aparada apenas por digna de deuses.
uma das mãos da criatura. O guerreiro tentou esconder seu medo O demônio ouviu o brado do guerreiro o desafiando, e
depois do primeiro ataque. Em toda a sua carreira como aventu- soltou um grito de aprovação enquanto voava na direção dele.
reiro, já havia enfrentado todo tipo de criaturas, desde orcs e Muitas flechas estavam cravadas no corpo da aberração. Além
goblins, passando por mortos-vivos, e até mesmo alguns dra- disso, havia muitos cortes nela, indicando que o combate fora
gões, entre eles um preto e um branco. feroz.
Mas nunca aquilo. Lestak mergulhou sua espada no lago. Ele próprio não mer-
Gayllant, tentando aproveitar a distração que seu com- gulhava porque sabia que aquela devia ser a última parte do
panheiro havia proporcionado, pulou em direção e ela utilizan- “teste”. Finalmente havia acreditado nas palavras do velho. Ti-
do sua técnica favorita, o bom e velho ataque em carga que o nha que merecer a imortalidade. Lembrou que Louis ainda não
salvou muitas vezes contra os bárbaros das montanhas em tem- tinha sua arma encantada; pegou a flecha que havia atingido
pos passados. Sabia como ninguém utilizar essa técnica que, Lancelot e também a afundou no lago.

21
O monstro lançou-se em um ataque violento. Porém, o hu- “O que importa é que estamos vivos.” disse o ladino, feliz.
mano estava fortalecido pela fúria e, mesmo as garras não con- “Menos Gayllant. “ retornou o arqueiro, com tristeza na voz.
seguiram tocá-lo, tal sua maestria com a espada, conseguindo Abaixou a cabeça por um breve instante, mas depois tornou a
apará-las e impedi-las de feri-lo. levantá-la. “Não era o destino dele tornar-se imortal. Seu fio já
Irritada, suas asas bateram mais forte, fazendo-a alcançar o havia sido tecido. Há muito tempo...”
céu noturno. Em seguida, sua boca se abriu, revelando uma luz “Pois bem, vamos acabar logo com isso. As areias do deserto
que logo mostrou ser uma destruidora bola de fogo, que ilumi- sepultarão nosso companheiro.” Lancelot tentava esconder seu
nou a noite. sentimento. Estava feliz pela batalha ter acabado e pela volta do
“É INÚTIL!” desviando dela através de uma cambalhota, gri- amigo. Segurava a empunhadura da espada com menos força.
tou o guerreiro após se levantar. Os três chegaram mais uma vez ao lago. Olharam aquelas
A criatura riu. Não era um riso normal; era uma risada que fazia águas, motivo de tanto risco e trabalho. Tinham enfrentado o
os homens se arrepiarem de horror e que irritava os ouvidos. deserto, a fome, os perigos, e agora a recompensa finalmente
“Morra.” respondeu ela, e continuou a soltar seus disparos fla- havia chegado. Sabiam que não estavam com a mesma mentali-
mejantes. Não apenas pela boca, mas através também de suas mãos. dade do início da jornada.
Minutos depois as chamas começaram a tomar conta do “Quem vai primeiro?” perguntou Lancelot.
ambiente. Eles já estavam no meio das árvores. Se ficassem em “Eu vou.” respondeu Lestak. “Afinal, já estou pelado mesmo...”
campo aberto, morreriam. Quando o elfo ia pular nas águas, todos os focos de incên-
Enquanto o fogo ardia ao redor deles, Lestak teve a idéia de subir dio começaram a subir aos ceús, unindo-se num único ponto e
em uma árvore ilesa, e atacar dali, já que ela não resolvia descer. formando um gigantesco pássaro de fogo: a Fênix.
Então ela parou de cavalgar o ar e pousou na frente do guer-
reiro. O elfo estava semi-oculto pela pouca folhagem da árvore, “Parabéns, mortais. Vocês passaram no teste. Mostra-
mesmo com a luz das chamas. Possuía essa habilidade em ele- ram que têm bondade no coração e virtudes. Apesar das
vado grau. inconstâncias, provaram-se dignos. Agora, têm o direito de
“Não há escapatória para você, desgraçado!” disse Lancelot, banhar-se no meu oásis, o oásis de Thyatis, deus da ressureição.
apontando a espada. Assim como eu posso devolver a vida, posso impedir que ti-
“Ainda teimando em viver? Vocês, mortais, não são mesmo rem-na. Através destas águas, suas armas tornar-se-ão quase
inteligentes... Não é você que está cercado pelas chamas? As tão poderosas quanto um artefato, e um Dom Divino será dado
chamas da morte, que consumirão sua ousadia de vir aqui a vocês: a vida eterna. De agora em diante, não mais envelhe-
desafiar o que não conhece! Vou acabar com isso!” cerão. Serão menos suscetíveis a sofrerem danos mundanos e,
Era o momento certo. Enquanto ela avançava uma vez mais no caso de “morrerem”, ressuscitarão indefinidamente. Os
em direção à Lancelot, Lestak pulou e cravou a espada em suas deuses e mesmo eu não controlam esse poder; ele é apenas de
costas. A dor foi sentida na hora, e desta vez era a aberração vocês. Seus nomes dificilmente constarão nas lendas, uma vez
que gritava de dor. que não têm vínculos com quem quer que seja. Entretanto, se-
O guerreiro nem pôde rir de alegria. Num acesso de raiva, o rão sempre Imortais. Vão, e sigam seus caminhos.”
monstro jogou o elfo no chão e ia desferir o golpe fatal. Não
havia tempo para ele salvar o amigo. ········
Foi quando um disparo rasgou o ar e atingiu a cabeça do
monstro. Era uma flecha. A flecha de Louis. Quando a Fênix se dissipou no ar, uma sensação de comple-
O elfo estava cheio de escoriações e cortes, com um tor- ta alegria tomou conta dos três. Tinham o que queriam, e era
niquete na perna, improvisado com a túnica suja e rasgada. isso que importava. Não eram mais as mesmas pessoas. Haviam
Apesar de estar manchado de sangue, o tiro havia sido certeiro. aprendido a serem melhores homens, cultivando virtudes como
Lestak riu de alegria ao ver a criatura cair no chão. Lancelot o companheirismo.
correu com sua espada e terminou a luta, decepando o monstro e, Após um banho sagrado, que curou todas as feridas dos
para ter certeza da vitória, cravando sua espada no coração dele. combatentes, dormiram.
Quando tudo terminou, só havia a luz e o barulho do Quando acordaram, com os primeiros raios de sol, tinham
fogo crepitando na vegetação. conhecimento de que era o início de uma nova vida. Nada seria
como antes.
········ Ao abrirem os olhos, viram que estavam no meio do deser-
to. Na verdade, estavam no mesmo lugar da noite anterior; o
“Louis, você está bem?” Lancelot chegou perto, na inten- oásis havia simplesmente desaparecido...
ção de apoiar o amigo, que estava cambaleante. Prepararam suas coisas, encontraram suas sacolas e come-
çaram a andar em direção ao sul. Os cavalos haviam sumido.
Lestak levantou-se com uma cama-de-gato, pegou sua es- Horas de caminhada depois, uma figura apareceu no horizon-
pada e perguntou a Louis: te. De longe dava-se para ver que não era um ser qualquer. Diziam
“Como você conseguiu sobreviver? E como matou ele?” ser a mais perigosa criatura do mundo, e talvez fosse verdade.
“Nem eu sei direito. O que sei é que estava correndo, ten- “Olha Lancelot, um dragão...” disse Lestak, apontando a espada.
tando atraí-lo enquanto vocês pensavam em alguma coisa. Tra- “O que vamos fazer?” perguntou Louis.
vamos um breve combate. Levei muitos ferimentos, mas conse- Em resposta, o guerreiro desembainhou sua espada e
gui desviar da maioria dos golpes. Só que um deles me pegou e largou a sacola que estava carregando.
quase morri. Havia desmaiado, verdade, mas, quando voltei a “Nossas verdadeiras aventuras começam agora!”
mim, vi que vocês precisavam de ajuda. Peguei meu arco, andei E começou a correr em direção ao dragão.
até o corpo de Gayllant e encontrei uma flecha. Foi essa flecha
que eu usei na criatura.” FIM

22
Throne, o Herói Por Douglas Reis

Cai da noite o manto estrelado


eis o mal a se infiltrar.
Até com o dia clareado
se o mal se arraigar,
permanecerá!

Mas cavalga já entre nós,


o campeão que há de nos salvar!
Com determinação feroz,
de todo o mal exterminar!

Contra o caos que ameaça o mundo


foi mandado tal herói.
Abençoado pelos deuses
com sua lança traz
punição aos maus.

Throne é o nome desse grande herói!


Throne é aquele que nos valerá!
Throne trará a todos justiça!
Throne os fracos defenderá!

Throne! Throne! Throne! Throne!

········

- Socorro! Em nome de Khalmyr, alguém me ajude!!

Amarrada a uma árvore petrificada, Penélope gritava a plenos pulmões,


a esperança de ser ouvida e resgatada apenas um mero fiapo ao qual
desesperadamente se agarrava. O rugido que vinha de dentro do covil a
meros cem metros de si foi o que a fez lançar esse desesperado pedido
de ajuda, pois com a fera acordada já nada mais tinha a perder.

— Ora... — rosnou a criatura, arrastando seu corpanzil draconiano


para fora da caverna que passara a habitar. — É um bom começo,
escolheram uma bem gordinha.

— Soc... EI!! — indignou-se a vítima. — “Gordinha” é sua mãe, seu


lagarto fedorento! — com as mãos presas, a corpulenta jovem pode
apenas chutar alguma poeira na direção do dragão que recentemente instalara-se no vale.

Penélope realmente não podia ser chamada de “gordinha”. “Gordona”


começava a se aproximar da verdade, embora “baleia” fosse uma
metáfora não de todo desmerecida, dada sua altura de 1,89m e seus
quase 200 quilos de peso. Vivia sozinha em uma pequena fazenda perto
da vila Klydd, no vale do mesmo nome em algum lugar da União Púrpura.
Mas sozinha dava conta de todo o trabalho em sua propriedade, então
não se dignava a retrucar aos insultos que eventualmente recebia do povo da vila.

Mas quando o dragão vermelho chamado Harlakk surgiu aterrorizando a


vila e exigindo tributo para não devastar tudo, Bastian Klaw - o
gestor da vila - conspirou com outros líderes para entregarem
Penélope e assim ficarem com sua propriedade. Desta forma, os
próximos tributos poderiam ser pagos com seus bois e carneiros e
o restante da produção seria lucro.

23
— De fato, ela é! — respondeu Harlakk, não contendo contudo uma
olhadela ao redor para ver se sua mãe não estava por perto ouvindo. —
Mas não vem ao caso. Você devia estar feliz, afinal pela primeira vez
em sua vida alguém vai chamá-la de “gostosa”! — Isso dito, arreganhou
a bocarra e preparou-se para devorar a mulher em uma só mordida. Bem,
talvez em duas ou três.

Mas uma lança cravou-se no chão bem entre o dragão e sua indefesa
vítima, por pouco não empalando a língua pendente de Harlakk. Ato
contínuo, uma possante voz alteou-se pela ravina.

— Cessai vosso frêmito, indômita criatura!!

— Iiihh, outro? — rugiu o dragão, entediado. A lança magicamente


desencravou-se do chão e retornou às mãos de seu lançador, um
imponente cavaleiro numa brilhante armadura dourada, montado num belo
garanhão todo branco. De um bolso na sela sobressaía parte de um
grosso livro vermelho.

— Eu sabia! O último herói que devorei também tinha lido o “Frases


Heróicas e Palavras Impressionantes” do Mago D´Zilla.

Apeando de sua montaria, o herói usou sua lança como vara de salto e
lançou-se ao ar, caindo bem onde a arma anteriormente cravara-se.

— Nada tema, madame! Throne, paladino dos deuses, não permitirei que
essa criatura pulisa... pusali...

— “Pusilânime.” - ofereceu o dragão.

— Isso, obrigado! ... inflija-lhe qualquer malefício!

— Aposto que nem sabe o que significa “pusilânime”. — zombou a fera,


preparando o bote. Impulsionada pelos poderosos músculos do pescoço,
a cabeçorra do dragão estendeu-se velozmente contra o herói que, no
entanto, repeliu o ataque com um ágil golpe com o cabo de sua lança
bem entre os olhos do monstro. Mesmo tendo sido lançado a vários
metros de distância, o herói recuperou o equilíbrio bem antes de o
dragão parar de ver estrelas diante de si.

— Ai!! Malditos heróis e seus golpes de sorte!! — rugiu vesgo Harlakk


enquanto Throne cortava com a lâmina de sua lança as amarras que prendiam Penélope.

— Estou saaalva! Obrigada, meu heróói! — agradeceu a pobre e indefesa


vítima, abraçando seu salvador.

— Sim...madame... agora... por favor... ARFF!! — quando Penélope


aliviou o aperto, o herói continuou — agora afasta-te do prélio, pois
letais serão os ‘evlúfios’ que dele emanarão!

— É “eflúvios”, seu intelectual de meio tibar! — rugiu o monstro,


lançando uma baforada flamejante ainda às cegas, mas perto o bastante
para causar preocupação. Penélope correu para longe (um feito
admirável para alguém de suas proporções) enquanto Throne cobriu-lhe a fuga.

— Você apenas substituiu minha refeição, Throne. Só tenho que decidir


se a assarei antes ou depois de usar um abridor de latas!

— Se prezasses tuas coronárias, ao menos isso agradecer-me-ias, vil criatura!

”Epa! Acho que não gostei dessa!” — pensou a ex-vítima por detrás de
rochas afastadas do embate. Os adversários agora circulavam um ao
outro, procurando avaliar suas verdadeiras capacidades. Throne viu

24
que o dragão era ainda bastante jovem, um adolescente pelos padrões
daquela raça, sua arrogância natural ainda não temperada pelos
séculos de vivência. Harlakk só via um humano pretensioso com mais
sorte do que tinha direito de ter. Novo ataque flamejante foi detido
meramente pelo rodopiar da lança nas mãos do cavaleiro.

— Uma arma mágica! É isso que o faz tão confiante? — riu o dragão. —
Em breve sua arma e sua armadura estarão em minha coleção, e você não
passará de uma divertida lembrança!

— Só ouço bravatas, e ainda quedo-me íntegro! Se não tivessem


indicado-me a direção errada, já o teria exterminado por agora!

— COMO É?!! - gritou Penélope lá de seu esconderijo, abandonando-o na


verdade e aproximando-se dos combatentes. — Quem indicou o caminho
errado para você?

— O gestor Bastian Klaw, madame. — disse Throne, sem desviar os olhos


do dragão. — Prometeu-me até mesmo dez bois para salvar-te a vida,
recompensa que não posso é claro acei...

— COMO É?!! — gritou o dragão, abandonando a postura de combate. —


Quando estive naquela vila miserável esse sujeito disse que eram tão
pobres que não tinham nem mesmo uma cabra para o tributo, quanto mais
bois!

— Bom, agora ele tem! MEUS bois, o maldito, miserável...

— ...trapaceiro, calhorda, tratante,...


— Meus caros... — tentou interromper Throne, mas a torrente de
impropérios prosseguiu.

— ...velhaco, pilantra, cafajeste,...

— Empreste-me o livro! — disse o dragão, estendendo sua garra e


agarrando o livro sobressaindo no bolso da sela. Folheando-o,
prosseguiu: — Salafrário, sicofanta, sibarita,...

— MEUS CAROS!! — finalmente os altercantes voltaram suas atenções


para Throne, que prosseguiu. — Creio que tenho uma idéia que pode
solucionar... elegantemente essa situação.

········

Bastian Klaw e seus asseclas bebiam alegremente na pequena taverna da


vila Klydd, enquanto comemoravam a fortuna recém-adquirida.

— E tudo o que precisamos fazer foi nos livrarmos daquela gordona de


quem ninguém gostava mesmo! Hihihiehe! Heheheaha! Hahahahahahah! — e
assim dizendo tomou sua caneca de cerveja.

— A dona Penélope voltou!! — gritou um garoto na única rua da vila.


Klaw cuspiu sua cerveja e correu para fora, juntamente com seus
úmidos asseclas, e viu o herói que mandara para o lado oposto ao do
covil do dragão entrar andando na vila trazendo seu cavalo pelo
cabresto com Penélope montada nele! Incrédulo, aproximou-se com a
mais dissimulada das atitudes.

— Saudações a todos! — anunciou o herói — Quero apresentar-lhes nesta


alvissareira ocasião o mais novo casal de vossa vila!

25
— O... o... — os olhos de Klaw ameaçavam saltar-lhe das órbitas,
tamanho foi o susto. — ...o senhor... casou-se com-com-com... com
nossa Penélope?

— Não, senhor, não tive a honra! Fui apenas o celebrante, conforme


ditam minhas atribuições de paladino dos deuses. O noivo é ele! —
finalizou, apontando para cima. Klaw seguiu-lhe a indicação... e caiu
de costas no chão.

Harlakk pousou ao lado do cavalo de Throne, dobrou suas asas


coriáceas e transformou-se, assumindo uma forma humana. Então ajudou
Penélope a desmontar, enlaçou-a pela cintura e fitou o gestor Klaw
com um sorriso que nada tinha de simpático.

— Bem que eu achei seu focinho meio comprido! - disse romanticamente


Penélope ao reparar no grande nariz adunco da forma humana do dragão.
Se Harlakk importou-se com a observação não o demonstrou.

— Harlakk declarou-se arrependido de sua atitude anterior, —


continuou Throne, ajudanto o gestor a levantar-se — e quer
estabelecer-se em sua vila. Na verdade, ele pretende concorrer para o
cargo de gestor num futuro próximo.

— Ma... mas... é um cargo... vitalício... - disse Klaw quase caindo


de novo.

— Ora, tenho certeza - atalhou Harlakk — que poderemos contornar isso


de forma... criativa! — o sorriso do dragão estendeu-se quase de
orelha a orelha, e Klaw chegou a ver-se refletido em seus dentes.
Engolindo em seco, foi afastando-se de fininho enquanto o povo da
vila acorria para saudar o novo casal.

— Bem, creio que tudo está ajustado agora! — regozijou-se Throne. —


Posso seguir adiante em minha peregrinação, pois o mal jamais
descansa! Adeus, sejam felizes! Adeus!

Throne montou seu cavalo e cavalgou lentamente pela vila enquanto as


crianças corriam ao seu redor, rindo e gritando vivas para ele.

— A palavra de um dragão jamais é rompida! Eu a farei feliz enquanto


durar sua curta vida humana. — rosnou o dragão.

— Ah, querido, sobre isso, preciso dizer uma coisinha... há muitos


anos eu... fui uma aventureira errante e... consegui a realização de
um Desejo por Thyatis.

— Sei. Grande... !!!! O-o-o... aquele que... Deus da-da...

— Ressurreição. Eu pedi a Imortalidade, o que quer dizer que teremos


um loooooongo futuro juntos... meu amor!

— Eu quero a mamãe! — gemeu Harlakk.

FIM

26
Justiça a Qualquer Preço
Por Henrique Martins
Certa vez estava eu em uma antiga taverna nas proximidades padas por seus seguidores. Por causa disto afastei-me da Or-
de Valkaria, quando comecei a prestar atenção as palavras de Elyot, dem Da Luz, não concordava com algumas coisas, infelizmente
o halfling bardo mais famoso de smallvile (a menor vila do reino de não pude fazer nada a respeito, a realidade deve ser aceita.
Hongary), contava ele que há muito tempo atrás o todo poderoso — Mas senhor! Não posso deixar as coisas assim, tenho que
deus Khalmyr estava meio chateado e entediado com a monoto- fazer algo! Disse em tom de voz imponente o simples camponês.
nia e a morosidade dos processos divinos. — Bem meu filho, já é noite e está ficando frio lá fora, vamos
Todos os dias, pelo menos um de seus assessores vinha lhe tomar um chá. Se quiser pode passar a noite aqui, você é bem
dizer que tal processo já estava há anos parado, que tais deci- vindo em minha casa. Espere um pouco que vou até a cozinha
sões pareciam não ser tão justas e outras tantas reclamações. buscar o chá e alguns doces de Hershey, são deliciosos! Você
Sendo então ele o deus da Justiça, teria que tomar alguma pro- já deve ter provado algum desses por ai.
videncia, e que esta teria de ser imediata e complacente com os Enquanto Hagnoel retirava-se da pequena sala, Khalmyr fi-
ritos ordinários dos processos da época. Por sinais muito len- cou pensando em como
tos, demorados e exaustivos. faria para mudar a atual situação que se encontrava seus se-
O problema que havia em questão não era encontrar uma guidores. Inconformado e furioso, não conseguia pensar direito e
solução e sim fazer com que esta fosse cumprida o mais rápido por estar um tanto cansado naquele frágil corpo, decidiu que pas-
possível e não poderia ser ele, Khalmyr, que teria que dar essa saria a noite por ali mesmo e que amanhã tentaria encontrar uma
solução, pois senão estaria ele contestando o próprio sistema forma de solucionar os problemas. Após tomarem o chá e conver-
de justiça que havia criado. sarem sobre outros assuntos menos importantes,
Khalmyr então desceu até ao nosso plano como avatar, não Hagnoel deu-lhe alguns lençóis e lhe desejou boa noite.
na forma em que todos o conheciam: aquele grandioso cavaleiro Adormeceram facilmente, pois de tão tranqüila que era aquela
carregando sua magnífica espada. Veio como um simples campo- região quase não se ouviam barulhos a noite.
nês e procurou um dos mais antigos conhecedores dos costumes
artonianos, a pessoa que sabia até quais eram as mais estranhas e ········
incompreensíveis instituições “jurídicas” da “lei” de Khalmyr. Não. — Senhores, este pergaminho contêm as normas que me
Não estou falando de seu sumo - sacerdote, Thalen Devendeer, foram ditas pessoalmente
estou falando de Hagnoel, profundo conhecedor das tradições e por nosso deus, Khalmyr. Os ideais de justiça e ordem de-
rituais do culto a Khalmyr e figura importantíssima na fundação vem ser seguidos sem nenhum questionamento, devemos
da Ordem da Luz. Famoso em todo reinado por afugentar os mais defendê-los com nossa própria vida se preciso for. Salve
ardilosos mortos - vivos apenas com a pronuncia do nome de seu Khalmyr, nosso deus! Exaltou o homem com belas vestimentas
adorado deus, o todo poderoso Khalmyr. de sumo-sacerdote sobre um imponente altar a frente de varias
O simples camponês bateu na porta da humilde residência fileiras de clérigos e cavaleiros. E todos no recinto bradavam:
de Hagnoel e chamou: — Salve! Salve! Salve!
— Senhor Hagnoel ? esperou um instante até que alguém As vozes poderiam ser ouvidas a varias dezenas de metros
abriu a porta e disse: dali, por toda a floresta poderiam ser ouvidos as exaltações.
— Quem é ? Atendeu à entrada da porta da pequena casa Bielefeld nunca deve ter tido uma festa tão grande quanto foi a
de não mais que dois ou três cômodos um senhor aparentando de fundação da Ordem da Luz, uma das organizações benignas
ter por volta de 60 anos de idade. mais notórias em Arton.
— Senhor, sei que deve estar ocupado, mas posso ter um — Que Khalmyr nos proteja e nos conduza a busca da or-
minuto de sua atenção, senhor ? dem e da justiça a que
Aquele senhor idoso de barbas tão brancas quanto a neve todos desejamos um dia alcançar.
das uivantes ficou até surpreso com tanta humildade e respeito
que havia no olhar daquele simples camponês de pés descal- ········
ços e voz mansa como o leito do pequeno riacho que escorria Hagnoel acordou assustado e ao mesmo tempo surpreso.
bem a poucas dezenas de metros da frente de sua casa. Havia sonhado com o dia
— Claro que sim meu caro rapaz. Entre, venha tomar comi- da fundação da Ordem da Luz. Não conseguia lembrar-se niti-
go um chá de ervas que acabei de preparar. Pela sua aparência damente do sonho, porem sabia que tinha sonhado com o dia da
vejo que não moras aqui por perto, não é? fundação da ordem. Levantou-se e foi ao encontro do camponês
— Sim, é verdade. Não moro por aqui, estas terras não são muito que estava na sala. Já de pé o camponês sorriu e disse-lhe:
boas para se plantar. Foi dizendo enquanto adentrava a casa. — Bom dia, como foi a noite?
— Então o que o trouxe até minha humilde residência? — Foi agradável, o único fato curioso que me ocorreu foi
— Vim por causa de vossa sabedoria senhor. Venho per- ter sonhado com o dia da fundação da Ordem da Luz. Fazia muito
guntar - lhe o que deve ser feito para que a justiça possa ser tempo que já não me lembrava deste dia.
mais rápida e mais justa... que nosso senhor Khalmyr me per- — Que interessante, e como foi o dia da fundação, senhor ?
doe, mas estou descontente com as últimas decisões que al- — Há foi uma bela festa, muita comida, muitas canções
guns sacerdotes vem tomando em minha terra natal. de louvor a nosso deus, tivemos um torneio de bravura e
— Filho a justiça de nosso senhor não é como a justiça dos varias donzelas se apaixonaram por cavaleiros de nossa or-
homens, receio que as tradições de Khalmyr tenham sido detur- dem naquele dia.

27
— Deve ter sido magnífico! falta de fé. Acontece que depois de algum tempo, conversando
— E foi, mas o momento mais importante foi a leitura do com outros colegas da ordem, eles confessaram que também
Sagrado Pergaminho de Khal... e uma expressão de espanto as- não conseguiram sentir a presença de Khalmyr naquele dia.
solou a face do homem que um dia foi um dos mais importantes Decidimos então aumentar nosso tempo dedicado as orações e
membros da ordem. intensificar ainda mais nossas obras e pregações. Tentando tra-
— O que foi ? O que está acontecendo? Assustado pergun- zer o maior numero de fieis para nossos templos. No ano se-
tava o jovem rapaz. guinte, apesar de todos nós termos vistos a Urna do Destino
— O Pergaminho! Disse o velho. na hora da abertura da Sala da Contemplação, poucos conse-
— O que tem o pergaminho, senhor ? guiram sentir a presença de Khalmyr. Muitos abandonaram a
— O Pergaminho é a chave para os problemas! ordem julgando não ser mais dignos de pregar a palavra de
— Como assim o pergaminho é a chave para os problemas ? Khalmyr... inclusive este velho fiel que vos fala. Algumas
— Você não entende. Vou lhe contar a historia desde o inicio. lagrimas descem pelos olhos do velho clérigo que se retira da
Alguns dias antes da fundação da Ordem da Luz, eu havia tido sala em direção a cozinha, sentado em uma cadeira e com a ca-
um sonho onde Khalmyr me dizia para escrever um pergaminho, beça abaixada, ouve o jovem camponês da sala disser :
este deveria conter todas as normas a ser seguidas por seus de- — Obrigado senhor era tudo que precisava saber, agora
votos, este pergaminho continha cerca de 20 normas, desde como mesmo partirei para Bielefeld e descobrirei o que realmente acon-
celebrar os cultos de adoração até como deveriam ser feitas as teceu, até mais, eu volto!
orações oficiais de nosso deus e além do pergaminho Khalmyr Saiu apressadamente em direção a porta e só parou a alguns
ordenou-me que deveria eu, juntamente com outros seguidores, metros fora da casa quando ouviu Hagnoel disser:
fundar uma ordem de clérigos e cavaleiros para proteger e difundir — Hei, jovem, leve contigo este medalhão irá te proteger
os ensinamentos do Sagrado Pergaminho de Khalmyr. contra o mal. Hagnoel jogou o medalhão para frente em direção
— Tudo bem, até aqui eu entendi, só ainda não sei o que o ao camponês e nos pouco segundos que esteve no ar Khalmyr
pergaminho tem haver com tudo o que acontece hoje em dia? viu um intenso brilho ser emanado do medalhão, era a mais pura
— Deixa-me continuar que você vai entender. energia que havia visto na forma de avatar naquele plano onde
os humanos chamavam-no de Arton. Era a sua própria energia,
········ a representação de seu poder divino no plano material. Sem
Como conseguirmos saber o que realmente acontece a nos- pensar duas vezes, agarrou o medalhão e deu um estridente
sa volta? Será que tudo que acreditamos tem realmente algum assobio, em poucos segundos um majestoso cavalo de guerra
sentido? O que nós estamos esperando para irmos ao local pro- saiu de dentro da floresta e Khalmyr montou-o partindo sem
metido? Por que acho que na verdade ainda não sei nada? ouvir Hagnoel disser-lhe:
Hagnoel questionava-se intimamente. Se Khalmyr é onisci- — Boa sorte! Garoto... engraçado... nem me disse seu nome, quan-
ente, onipresente e onipotente, qual será o motivo de haver tanta do voltar eu lembro de perguntar. Entrou e foi preparar sua refeição.
injustiça? Crenças criadas a partir de suposições às vezes po- O cair da noite nunca havia lhe parecido tão negro, tinha a
dem nos colocar em duvida sobre a fé em que acreditamos, impressão de que a própria deusa Tenebra estava próxima, es-
Hagnoel estava em um desses momento de duvidas. palhando a escuridão por toda parte. A lua era a única fonte de
Perguntas estas que não saberia a resposta antes de sucum- luz que ajudava um pouco a enxergar a estrada. Khalmyr já não
bir ao sono eterno. Somente quando fosse para o tão almejado usava mais a forma de um simples camponês, estava agora na
reino celestial de Ordine, morada de Khalmyr e seus mais fervo- forma de um bravo guerreiro montado em seu cavalo de guerra.
rosos fieis, poderia saber as respostas. A espada que carrega nem de longe lembra a poderosíssima
— Onde mesmo tinha parado? Rhumman, que está guardada em algum lugar em Doherimm, o
— No pergaminho, explique o que aconteceu. reino subterrâneo anão; mas serve para combater os perigos
— Haamm, lembrei, após a leitura do pergaminho ficou deci- desconhecidos a que está próximo a enfrentar.
dido que este ficaria guardado na Urna do Destino. Esta urna Cansado de tanto cavalgar, o guerreiro decide parar na pró-
ficaria na Sala da Contemplação e somente o sumo - sacerdote xima vila para poder descansar. Não demora muito e vê ao longe
poderia uma vez por ano entrar nesta sala para fazer um limpeza um pequeno vilarejo o qual parece ter uma estalagem próximo a
e orar para que Khalmyr falasse pessoalmente com o sumo - estrada. Ao entrar viu que além de estalagem também funciona-
sacerdote. va uma taverna no mesmo local. Apesar de não estar muito inte-
— Por que será que não consigo me lembrar disto? Pergun- ressado na diversão daqueles viajantes e hospedes que esta-
tou-se Khalmyr. vam ali estalados, uma jovem elfa chamou a sua atenção. A elfa
— O que disso filho? que se apresentava no pequeno e rústico palco da taverna. Sua
— Nada! Não disse nada não senhor, continue. voz era belíssima, havia nela uma presença de espirito que en-
— Então uma vez por ano o sumo - sacerdote entrava, fazia cantava qualquer indivíduo, mesmo os que não apreciavam a
uma limpeza, orava e Khalmyr dizia-lhe os novos objetivos a arte de forma tão refinada quanto os nobres de Deheon ficaria
serem alcançados no corrente ano. Parou de falar e vez uma cara extasiados com tanta desenvoltura e autoconfiança. Seu cabe-
de quem estava tentando lembrar de algo. lo vermelho dava-lhe um charme tão grande que chegava a pro-
— Até aqui tudo bem , eu só ainda continuo a não entender qual vocar a inveja das outras fêmeas que encontravam se no recin-
a ligação que isto tem com os problemas que estamos enfrentando to. Khalmyr ficou um tanto quanto interessado naquela bela elfa.
hoje! Disse Khalmyr interrompendo os pensamentos de Hagnoel. Após a apresentação a elfa desceu do palco, foi em direção
— Mas é agora que eu vou explicar, um ano antes de partir, ao balcão e pediu uma taça do saboroso vinho elfico. Khalmyr
a penúltima vez que presenciei a entrada do sumo - sacerdote que estava bem ao seu lado disse-lhe:
na Sala da Contemplação, não consegui sentir a presença de — Bela apresentação, você tem talento, parabéns!
Khalmyr na hora em que abriram a porta. No momento fiquei até — Obrigada, agradeço sinceramente os elogios.
constrangido e pedi perdão por ato tão desrespeito e por minha — Eu é que agradeço por ouvir tão bela voz e tão bela repre-

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sentação, além de que a canção foi muito bem escolhida. Com- contribuiu para incomodar os dois viajantes que seguiam num
binou perfeitamente com sua voz senhorita, haamm... Qual é galope calmo e ritmado, conversando sobre diversos assuntos:
mesmo o seu nome? — Muito bem minha cara elfa, até agora não me deu um ver-
— Pode me chamar de Enyla, Enyla Eagle. E você, como se chama? dadeiro motivo para não acreditar nos poderes dos deuses.
— Haamm... Khalmyr ainda não tinha pensado em um nome, — Não é que eu não acredito, o problema é que não consigo
ele nunca tinha precisado de outro nome. Disse-lhe meio des- mais aceitar as razões que as pessoas colocam para adorar seus
concertadamente: deuses, como podem adorar algo que não faz nada por você.
— Meu nome é... é... Rimalk, isso Rimalk é o meu nome. — Como nada? Indignou-se Rimalk e continuou:
— Muito prazer em conhecê-lo Rimalk, desculpe-me mas te- — Não vê o Deus-Sol Azgher, que ilumina toda a Arton e
nho que ir dormir. Vou acordar cedo amanhã para pegar a estrada. aquece-nos depois de tão frias as noites, que por sinal, já esta
— Para aonde está indo? quase a aparecer. À noite então, forma mais clara do poder de
— Para casa, para Bielefeld, de onde não devia ter saído. Tenebra, que dá a oportunidade de vários animais terem a chance
— Também estou indo para lá, você não quer companhia? de caçar com a chegada de seu manto negro, servindo de camu-
— Amanhã veremos. Boa noite. A elfa subiu as escadas da flagem natural. Quais razões você quer mais para acreditar nos
estalagem e desapareceu da visão de Khalmyr, ou melhor Rimalk. poderes dos deuses em beneficio de todos ?
Rimalk pediu um quarto e foi descansar. Pela manhã quando — Você não sabe o que eu e minha família passamos, Rimalk.
acordou, desceu e pagou a hospedagem, ao sair encontrou Enyla Você não sabe o que é ser abandonada por seu deus, ter que
próxima a seu cavalo, acariciando-lhe a crina. Ela logo que viu fugir de sua terra para não morrer ou ser escravizado por
o guerreiro disse: goblinoides bárbaros, nojentos e asquerosos. EU VI minha casa
— Que lindo esse seu cavalo, Rimalk. Gostaria de ter um ser invadida por soldados, minhas irmãs serem violentadas, mi-
como o seu. nha mãe e eu seremos levadas para servirem de escravas e meu
— Obrigado, esse é o... Ventania. Corre como o vento. pai ser morto e jogado em um fosso sem saber porque tudo aquilo
— Que ótimo, ter um cavalo veloz ajuda muito. Vamos então estava acontecendo. Que deuses tão poderosos são estes que
seguir viagem? deixaram um clérigo fiel e fervoroso como meu pai era, ser morto
Enyla montou em seu cavalo e saiu na frente, Rimalk foi logo e sua família ser totalmente destruída ?
atras dela com seu cavalo, que agora tem até um nome, Venta- Com estas palavras Khalmyr pensa em absoluto silencio em
nia, uma expressão de alegria formava-se em sua fronte enquanto como podem ser cruéis os seres vivos e qual pretensiosos são
pensava como são engraçados e estranhos os humanos e es- os deuses que se sentem no direito de controlar as vidas des-
sas outras raças que convivem com eles neste plano material. tes seres que na maioria das vezes são vitimas de atos cruéis,
Partiram em direção ao sul, ao reino de Bielefeld. Estando a insanos e terroristas totalmente baseados nas crenças
horas cavalgando começam uma boa conversa: fundamentalistas de deuses da guerra, matança, egoísmo, ava-
— De onde você é, Rimalk? reza, inveja, intolerância, horror e maldade.
— Sou de longe, muito longe, sou de Ordine, você não deve — Me desculpe, se soubesse não teria tocado neste assun-
conhecer. to, você é livre para acreditar no que quiser e não é justo obri-
— É verdade, nunca nem ouvi falar, fica perto de reino está ga-la a aceitar nada. Continuemos nossa jornada, pois sendo já
cidade? quase noite temos que parar em algum lugar para descansar.
— Não é uma cidade, é um reino, e fica, digamos, ao norte. — Está tudo bem, vamos parar logo adiante, pode ser ali
Depois do Deserto da Perdição. naquela pequena vila.
— Nossa muito longe mesmo, nunca ouvi ninguém disser À medida que se aproximavam notavam uma grande movi-
que conseguiu atravessar o Deserto da Perdição, você é o pri- mentação no meio da vila, talvez uma festa ou reunião dos mo-
meiro que conheço. Falar nisso tenho um amigo que é de lá do radores, pensaram. Chegando mais perto virão que realmente
deserto, marcamos de nos encontrar em Grael, no reino da União era uma reunião dos moradores no centro da vila. Todos esta-
Púrpura. vam esperando ansiosos por alguma coisa, comentários e con-
— Por mim tudo bem, termos que passar pelo reino da União versas sobre algum famoso ladrão da região ter sido pego era o
Púrpura mesmo, é bom que você reencontra seu amigo. cerne de toda a empolgação. Os moradores pareciam bem feli-
zes com a situação.
········ No centro de toda aquela agitação havia uma espécie de
A vida nunca nos diz exatamente o que está acontecendo a palanque, o qual ostentava uma armação de madeira em forma
nossa volta, quase sempre estamos diante de situações que não de portal de onde descia um pequeno pedaço de corda com um
compreendemos e no final das contas vem alguém e nos diz nó parecendo um laço. Três cadeiras estavam à direita da arma-
que tem que ser assim por que foi vontade de um ser superior ção e um homem bem forte estava próximo à escada que dava
que nos criou, e este tem razões e desígnios para cada um, se- acesso ao palanque, impedindo que qualquer outro subisse
gundo a sua vontade. A multidão, em sua espera ansiosa, assistia a subida ao pa-
Vontade está que está exatamente agora querendo tirar a vida lanque de uma pessoa muito bem vestida. Acompanhado de mais
de uma pessoa “inocente”, isso mesmo, uma pessoa que não três soldados, dirigiu-se se ao centro do lugar com um pergami-
tem, digamos: culpa, deve perder a vida por que é vontade de nho em sua mão e com voz alta e ressonante, disse calmamente:
algum deus que a sua vida lhe seja tirada. Sorte está pessoa — Senhoras e senhores, nobres e camponeses presentes, está
está agora preste a ser salva por outro deus! Engraçado como noite foi pego em flagrante delito, na residência do ilustre Sir Albert,
as coisas funcionam, não acham!? o mais procurado ladino de toda região. Conhecido como o “gato”,
Rimalk e Enyla estavam aproximando-se de Grael, capital do devido a sua inscrição CAT sempre deixada nos locais onde co-
reino da União Purpura, quando faltava somente mais um dia de mete seus furtos. Está noite daremos fim a essa onda de crimes
viajem; até agora tudo tivera sido tranqüilo, nenhum grupo de orcs que assolava nossa pequena vila. Chamemos então para fazer parte
ou goblins assaltantes, nem tempestade, nem terremoto nem nada da comissão julgadora nosso Regente, Sir Albert.

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Um homem forte e alto, mas com aparência madura e impo- da armação onde seria enforcado. O regente disse em voz alta:
nente sobe ao palanque e senta-se no centro das três cadeiras. — Que seja feito a justiça!
O anunciante continua: Enyla virou-se para Rimalk e disse:
— Chamemos também o representante de nossa milícia lo- — Que injustiça, como pode ? Por causa destas coisas eu
cal, Major Kane. não sigo nenhum deus, o senso de justiça que estas pessoas
Outro forte e alto, mas com aparência bem mais jovem e com possuem é muito diferente do meu.
roupas militares, sobe e dirige-se as cadeiras e senta-se à es- — Eu concordo contigo quanto à injustiça. Deturparam e
querda do regente. direcionaram todos as normas para satisfazerem suas vontades
— Para finalizar chamaremos a representante da Ordem da Luz e interesses pessoais. Não posso deixar isto acontecer!
de nossa vila, a Clériga Lenia. Uma mulher já de idade bem avan-
çada sobe com dificuldades as escadas do palanque e senta-se na ········
ultima cadeira que restava. Todos esperam silenciosos o inicio da Éthos “habito”, “costume”. Palavra de origem grega que
“sessão”. Enyla e Rimalk observam tudo atentamente e esperam juntamente com outro termo parecido, Êthos, característica in-
para ver o que vai acontecer dali em diante. O regente faz um sinal dividual e particular que serve para diferenciar um objeto den-
de positivo com a mão direita e o anunciante continua: tre vários outros, serviram de base para a criação do conceito
— Estando então formada a corte julgadora, traremos agora de Ética, concepções individuais subjetivas que determinam o
ao tribunal o criminoso, guardas tragam, por favor, o acusado. caráter dos indivíduos dentro de sua sociedade. Será isto que
De dentro de uma das carroças que estavam ao lado, está faltando para se poder alcançar à verdadeira justiça? Ao
guardas retiram uma pessoa com uma espécie de mascara ne- meu ver, parece que sim.
gra, suas vestes são também totalmente negras. O criminoso Um salto incrivelmente acrobático teve que ser dado para
usa roupas que se assemelham a uma antiga lenda Tamuriana que Rimalk conseguisse subir ao palanque da execução que
sobre guerreiros especialistas em assassinatos, espionagens, estava para se iniciar, como é de se esperar, todos ficaram sur-
invasões e etc, conhecidos como shinobis, ninjas ou algo pare- presos e apreensivos para saber o que aquele cavaleiro queria.
cido. Ao chegarem ao centro, os guardas posicionam-se à fren- — Isto não pode acontecer, não permitirei que façam isto.
te da armação de madeira e o anunciante diz: Disse o Rimalk.
— Senhoras e senhores com a palavra nosso Regente Sir Abert. — Mas o que é isto? Quem é você? Como ousa praticar tão
O homem levanta-se, caminha em direção ao centro do palan- grave desrespeito perante a corte, seu bárbaro? Disse o Regente.
que, passa pelo criminoso sem ao menos dar uma olhada em seus — Eu sou Rimalk, clérigo de Khalmyr, e o que vocês estão
olhos, vira-se para a multidão e diz com uma voz grossa e estridente: fazendo é um absurdo, como podem falar de justiça sendo que
— Nesta noite, meus guardas pessoais surpreenderam este não deixaram o acusado nem ao menos o acusado se defender.
que está agora à frente de vos, dentro de meus aposentos, es- — Se defender para que? Não é necessário, ele foi pego em
tava ele terminado de escrever com uma talha a sua tão famosa minha residência por meus mais leais e honrados guardas, eles
inscrição. Popularmente conhecido como CAT ou gato, não sei não teriam motivos para mentir.
ao certo. O importante é que este indivíduo, usando está ridícu- — Sim, que seus guardas o tenham pegam pode até ser ver-
la mascará negra, estava em posse de uma jóia pertencente a dade, mas como saber se o acusado não tem uma explicação
minha família a varias gerações. Seu crime deve ser punido com para tal fato sendo que nem o deixam falar?
a mais severa das sanções de nossos costumes. Eu proponho — Está certo. Vamos ver então o que nosso prisioneiro tem
que seja enforcado esse criminoso. a nos disser.
A multidão explode em uma espécie de alegria e entusiasmo, O Regente vira-se para o acusado e pergunta-lhe:
todos estão ansiosos pela decisão dos outros participantes da — Quanto às alegações, você se considera culpado ou inocente?
corte julgadora. O regente pede silêncio e pergunta aos outros Alguns segundos de silencio e o regente pergunta novamente:
dois juizes: — Culpado ou inocente? Vamos, responda!
— Qual é a vossa decisão ilustríssimos colegas ? — Inocente. Ouve-se uma voz fina e graciosa, todos no local
— Eu decido que seja enforcado. Disse o Major Kane. ficar perplexos, o mais procurado dos ladrões da região é uma
Todos os habitantes do vilarejo fizeram pequenos comentá- mulher, e parece ser bem jovem. O regente fala para seus guardas:
rios sobre Kane e suas façanhas, sobre a tranqüilidade que ga- — Tirem esta mascará para que vejamos o rosto desta mulher.
nhara a vila após assumir a guarda do vilarejo que , com exce- Os guardas retiram a mascará e assim que todos consegui-
ção de alguns furtos, deva-se isso a ação do gato, não tinha ram ver o rosto do acusado, tiveram uma surpresa. O gato era
acontecido mais crimes nesta vila. mesmo uma mulher e, além disso, alguns a reconheceram, era a
— Eu abstenho-me, não acho que precise ser enforcado, filha de Sir Albert, que há muito tempo tinha sido levada embo-
desnecessária tamanha violência. Mas como pelos costumes o ra com sua mãe.
ofendido pode pedir à pena que julgar necessária para reparar o Sir Albert estava atônito sua própria filha tinha se voltado
dano causado está a seu favor, Vossa Excelência, com todo per- para o mundo do crime e da maldade, o que faria ele agora já que
dão, eu prefiro abster-me da decisão. não poderia condenar sua própria filha a morte?
Ouviu-se um sonoro urro de desaprovação para a clériga, A população do vilarejo começou a fazer comentários sobre como
os habitantes locais já não mais observam o mesmo respeito de se resolveria esta situação, pois apesar de ser filha do regente, este
outros tempos para com os seguidores de Khalmyr naquela re- teria que dar uma sentença à criminosa. Rimalk então pergunta:
gião. Após a manifestação alguém começou a disser baixinho e — Por que a senhorita considera-se inocente?
como num efeito dominó toda a multidão começou a gritar: A jovem de cabelos vermelhos e longos, com olhos e traços
— Enforca! Enforca! orientais, nitidamente herdados de sua mãe, nascida e criada na
Sir Albert levantou seu braço direito energicamente e todos ilha de Tamura, ergue sua cabeça e diz calmamente:
calaram, fez um sinal de positivo para os guardas e estes suspen- — Eu não estava roubando meu pai, não que ele não mere-
deram o acusado em uma cadeira e colocaram-no enfrente ao nó ça, mas eu estava apenas escrevendo minha marca em sua casa.

30
Os guardas é que pegaram qualquer coisa na casa e disseram Rimalk desamarra a moça e leva-a até seu cavalo e parte jun-
que estava comigo. to com Enyla para o rumo de Bilefeld.
Major Kane levanta-se e diz enraivecido: Somente após escurecer, Rimalk diz para a nova companheira:
— Como ousas dizer que meus comandados estão menti- — Pois bem, preciso de sua ajuda.
do... Sua ladrazinha sem vergonha! — Desculpe, eu nem agradeci, sua coragem, peça o que
— Não fale assim com minha filha, cretino, ela não devia quiser que eu te ajudarei.
estar mesmo roubando. — Então vamos parar de cavalgar e conversar melhor. Enyla
— Agora estais a defender esta criminosa, antes queria vê- desça, por favor, que tenho que conversar contigo e com a...
la enforcada, só por que é sua filha não quer que sofra as con- Como é mesmo seu nome?
seqüência, ou vais mudar de idéia? —Hiromy, Aliel Hiromy.
Sem ter o que disser Sir Albert abaixa a cabeça e senta-se em — Muito bem Hiromy, eu quero que você e Enyla façam me
sua cadeira sem saber o que irá fazer, pois sua sentença já foi um favor, seria possível vocês me ajudarem?
dada e sua filha está prestes a ser enforcada. — O que temos que fazer? Perguntou Enyla.
Khalmir não está acreditando no que vê, apesar de não con- —Vocês devem ir até a cidade de Norm, em Bielefeld e esperar
cordar aceita que o major está certo, porém ainda continua sen- até que eu apareça, enquanto isto eu vou ter que voltar em meu
do uma injustiça condenar um suspeito com tão poucas pro- reino para buscar um objeto e mais ajuda, por que pelo que eu
vas. A jovem diz não ter roubado, mas não tem como provar que vejo não conseguirei sozinho completar minha missão, por isso
estava somente escrevendo na parede da casa de seu pai. Ma- preciso que vocês estalem-se na cidade e fique de olhos abertos
jor Kane levanta-se e fala para todos: que em no máximo um ano eu vou voltas para cumprir minha mis-
— Vejam só isto, amigos e companheiros, está jovem disse são e vocês serão muito bem recompensadas. O que me dizem?
não ter roubado nada na casa de nosso estimado regente, mas — Por mim tudo bem. Disse Hiromy.
estava a escrever, como ela mesmo disse, sua marca, sinal de — Por mim também, mas tem uma coisa não temos dinheiro
que se não tinha roubado ainda faria depois de terminar. E mes- para ficar na cidade durante todo este tempo, como vamos fazer?
mo de não fosse roubar, somente a sua permanência na casa — Procurem por Dougar Flemming, no Castelo da Luz, e di-
sem conhecimento de seu pai já a qualificaria como criminosa. gam meu nome ele saberá o que fazer. Tchau, eu encontro com
— Espere um momento. Disse Rimalk. Pelo que eu entendo vocês daqui a um ano.
das leis um filho que adentra a casa de seu pai, mesmo sem seu —Mas antes de ir diga-nos qual é sua missão?
consentimento, não é crime. Outro fato importante que deve ser — Tenho que reencontra o Pergaminho Sagrado da Justiça.
ressaltado é de que, como está escrito nas leis do Pergaminho Tenho fortes suspeitas que foi roubado.
Sagrado, os filhos têm direitos sobre os todos os bens perten- — E nós temos que ficar de olhos abertos para saber de
centes ao pais, já que estes tem a obrigação de prover-lhes tudo alguma, é isso que você quer, não é?
que é necessário. Sendo assim então não fica caracterizado cri- Khalmyr monta em seu cavalo e sai dizendo:
me a ação da garota. Estou certo senhora clériga? — Boa sorte, e que Khalmyr as ajudem em sua missão.
— Sim está certíssimo, mas antes tenho que fazer uma pergun- Bem está é mais ou menos a historia que Elyot me contou.
ta para está moça, por que estava escrevendo o nome de crimino- Vocês querem ou não tentar encontrar o pergaminho, devo
so procurado? Não vai me disser que você é mesmo o gato? lembrá-los que já vai completar quase um ano que Khalmyr vol-
— Sim sou a Gata. Fui eu que cometi todos os outros crimes. tou para Ordine e ontem mesmo eu vi as duas mulheres andan-
A expressão no rosto de cada um dos presentes vai da sur- do pela cidade. O que dizem?
presa à indignação. E todos começam a discutir sobre a conde- — Eu aceito ir procurar o pergaminho, elfo idiota, mas vou
nação ou não da moça, sobre a decisão do regente, se ele seria ficar com metade do dinheiro que a gente conseguir. Senão Trok
capaz de sentenciar sua própria filha a morte e outras coisas arranca sua cabeça e come ela no jantar.
mais eram ditas, até que o regente levantou-se e disse para que Está certo bárbaro e você Guliver, o que me diz?
todos ouvissem: — Parece - me interessante este tal pergaminho, pode servir
— Não posse condenar minha própria filha a morte, por isso como um material de pesquisa, concordo em procurarmos tal
eu entrego meu cargo e passa-o ao meu substituto imediato, artefato, talvez até contenha algum poder magico.
senhora Lenia, considere-se a nova regente desta vila e como é Pois então vamos antes que Khalmyr retorne, Elyot já está
seu dever, dê a sua sentença. nos esperando em sua casa.
Todos ficaram apreensivos quanto à decisão de Sir Albert, Elyot camarada estão aqui meus dois amigos que falei, va-
ela tinha sido o melhor regente de todos os que já tinham pas- mos então?
sados por ali, a clériga levantou-se e disse: — Ótimo! Obrigado por nos acompanharem, vai ser muito
— Apesar de ter confessado todos os outros crimes, não há bom poder viajar com vocês, daqui até Norm são quase duas
provas suficientes para condená-la a morte por enforcamento, pena semanas de viajem, é muito tempo poderemos conversar muito,
está que eu particularmente não concordo, mas não podemos dei- por falar nisso vocês já ouviram aquela do dragão que....
xar de aplicar a justiça. Eu a condeno ao banimento, a partir de
hoje você senhorita Hyromi e todos os seus descendentes estão
expulsos de nossa região. Caso venha a ser encontrada em nos- FIM
sos domínios será considerada como espião inimigo, sendo lhe
aplicada à pena de morte. Peço ainda ao jovem rapaz que interveio
no julgamento, como posso ver por suas vestes também é um ser-
vo de Khalmyr, que a leve daqui, pois ao que parece está somente
de passagem em nossa pequena vila.
— Pois não, senhora, agradeço a confiança a mim deposita-
da e partirei agora mesmo.

31
Cristal de Tenebra Por Cristiano DeLira

A Face de Tenebra se encontrava no alto do céu, em sua go. O cristal começou a emitir uma luz, iluminando parcialmente
fase cheia. Quando uma tábua no teto foi rompida, o luar inva- o local onde ele estava.
diu aquele templo abandonado. Do buraco feito no teto, quatro — Axel! — chamou Kildred.
vultos observaram o local. Era um antigo templo, com um altar e Axel aproximou-se do jovem. Ele tinha descoberto uma
colunas com desenhos de ofídios. Uma corda desceu levemen- pequena abertura no chão do salão, próximo à parede sudeste.
te, ficando pendurada a poucos metros do chão. Pela corda co- Axel aproximou-se do local. Estava oculto por um dos pilares
meçaram a descer, um por um os quatro vultos. O primeiro a derrubados e por destroços de madeiras, certamente antigos
descer era um jovem, moreno, com os cabelos castanho-claros bancos. Kildred observou Axel e perguntou:
e olhos castanho-escuros. Trajava roupas comuns, duas cami- — O que é que você acha?
sas e uma calça de pano, além de bota, trazia um gato no ombro, — Uma câmara subterrânea... Isso não seria de surpreender
além de um bastão às costas. A segunda a descer demonstrou aqui. — respondeu Axel. — Mas vejamos o que há lá...
ser uma meia-elfa. Tinha a pele branca, os olhos vermelhos e Axel murmurou algumas palavras rapidamente e criou um glo-
compridos cabelos negros soltos ao vento. Trajava um peitoral bo de luz em sua mão, jogando o mesmo em direção ao chão do
de armadura com um grande “H” pintado nele, por cima de rou- local. Axel e Kildred olharam pelo buraco, vendo o que aparente-
pas comuns e tinha uma espada às costas. O terceiro era mais mente era um corredor. O alcance da luz não permitia que vissem o
jovem do que os dois primeiros, mal saído da adolescência. Ti- fim do mesmo. Levantando-se, Axel estava prestes a chamar os
nha a pele branca, os olhos e os cabelos castanho-claros. Tra- outros dois colegas quando um estrondo ecoou pelo local.
java um peitoral com um “H” pintado nele, juntamente com rou- — Não fui eu! — respondeu Janotas, erguendo o bastão
pas comuns e uma espada katana às costas. O último era tão levemente.
jovem quanto o terceiro. Tinha a pele branca, os cabelos ruivos — É claro que não, imbecil! Veja! — falou Suanny afastan-
e os olhos verdes e trajava um robe negro. Trazia um bastão, do-se da parede.
ornamentado com um cristal na ponta superior, preso ao cinto. A parede onde Suanny estava próxima começou a tornar-
— Khalmyr! Isso é tenebroso. — murmurou o último dos quatro. se azulada, como se congelasse. O salão começou a ficar um pou-
— Era um templo de um culto Sszzaazita, pelo menos até co frio e a parede começou a congelar-se. Suanny aproximou-se
alguns dias atrás, quando foi descoberto pelo Protetorado do do centro do salão, para onde rumaram Axel, Janotas e Kildred.
Reino e destruído. — falou o primeiro. Um outro estrondo ecoou pelo local e o gelo começou a rachar.
Se esse templo sszzaazita já foi desativado, o que fazemos — Estão congelando a parede para poder derrubá-la mais
aqui Axel? — perguntou o último olhando apreensivo para o facilmente. — falou Kildred. — Seja lá quem estiver lá fora, está
salão onde se encontrava. realmente tentando entrar aqui.
— Como é que é? Eu devia ter imaginado! Se você sugeriu — Entrar é uma coisa, ficar é outra totalmente diferente. —
os dois é porque eles deveriam ser tão vagabundos quanto você, disse Suanny desembainhando a espada.
Duende! Nem sequer sabe qual é a missão! Eu não devia ter — Não, Suanny. Antes vamos ver com quem estamos lidan-
vindo! — falou a meia-elfa afastando-se em direção ao altar. do... Escondam-se! Atrás do pilar, rápido! — falou Axel.
— Você se ofereceu, Suanny. — falou o terceiro. — Só nós — Digno de um covarde... — falou Suanny. — Se você está
três fomos designados. pensando que eu...
— Quietos os dois. — falou Axel, o primeiro. — Embora te- — Vamos logo! — falou Axel puxando Suanny até o pilar,
nha sido desativado, não sabemos o que tal local aguarda. Ja- ocultando-se por trás do mesmo, onde Janotas e Kildred já
notas, estamos aqui para encontrar um artefato, um cristal, que aguardavam.
aparentemente veio da lua. O sacerdote-chefe daqui o viu cair — Ora, se você está pensando que... — Suanny já começa-
do céu. Aquele zumbi que interceptamos algumas semanas atrás va a ficar furiosa.
estava levando tal recado a Jasmira. Aparentemente o cristal Um estrondo maior seguido do som de demolição e algo
amplifica os poderes mágicos das trevas e isso pode ser perigo- se quebrando interrompeu a discussão. Os quatro, improvisa-
so nas mãos da Sociedade da Noite Eterna. Kildred, Suanny e damente, olharam por cima do pilar derrubado. Pelo buraco na
Janotas, devemos fazer uma busca total na área. O Protetorado parede entrou um vulto. A nuvem de poeira não permitia a
não encontrou nada no local, além dos cultistas e uma vítima. visualização, nem o reconhecimento do recém-chegado, que pela
Kildred, Suanny e Janotas dispersaram-se para melhor voz parecia ser uma mulher.
investigar o local. O salão estava totalmente devastado, ainda — Muito bom trabalho, Lordezinho. — a voz apresentava
havia sangue e a poeira formava algo parecido com uma fina um tom sensual.
neblina. Os bancos estavam devastados e dois pilares estavam — Eu conheço essa voz... — rosnou Suanny.
caídos sobre os mesmos. O salão tinha uma forma circular, com — Silêncio! Ou vão nos escutar... — falou Kildred.
paredes sem cantos. A batalha do Protetorado havia sido gran- Suanny olhou com certo rancor para o garoto, já que ele
diosa. Eles haviam impedido um sacrifício humano. O altar apre- era mais novo que ela, mas calou-se, pois pretendia descobrir
sentava muitas manchas secas de sangue, provavelmente re- quem estava invadindo de tal forma o templo abandonado. A
sultado de antigos sacrifícios. Desenhos e esculturas de co- mão segurava firme a espada. Um grunhido pôde ser ouvido,
bras e serpentes decoravam o local. um grunhido que ecoou de forma assombrosa.
— Nossa! Isso aqui está muito escuro. — disse Janotas, — Eu não me esqueci de você não, Heuque. Graças à sua
balançando o cajado e murmurando palavras num idioma anti- força a parede foi derrubada.

32
— Vamos logo! — uma voz profunda, como se viesse de um que. Kerryne levantou-se, com um filete de sangue no canto
fosso profundo, cortou o diálogo. direito da boca. Olhando para Suanny com um sorriso sádico
— Por Wynna! — exclamou Axel. — É a voz de um cavaleiro no rosto, ela limpou o sangue com as costas da mão e disse:
da morte. — Su-su. Que surpresa agradável... E nosso querido Axel
Quando a nuvem de poeira baixou, o luar iluminou leve- Brownie, veio também? Estou “morta” de saudades.
mente o grupo recém-chegado. Havia uma garota, bonita e com o — Ora, sua meretriz! — Suanny avançou impulsivamente
corpo esbelto. Tinha os olhos verdes, os longos cabelos casta- contra Kerryne.
nho-claros caindo sobre a metade direita da face e usava um ves- Kerryne esquivou-se do ataque com a espada, enquan-
tido curto de cor vermelha. Ao seu lado estava um esqueleto que to garras cresciam em seus dedos. Com as garras da mão direi-
trajava uma armadura negra, como se tivesse sido queimada pelo ta, Kerryne conseguiu acertar a armadura de Suanny, rasgan-
mais quente dos vulcões. Dois pontos vermelhos brilhavam nas do-a diagonalmente em sua parte frontal. O ataque atingiu su-
órbitas dos olhos. O terceiro acompanhante era outro esqueleto, perficialmente a carne, causando leves arranhões, quase imper-
mas trajava roupas rasgadas, parecidas com mantos de um mon- ceptíveis. Suanny vendo-se atingida avançou com mais ódio
ge. Dez pessoas entraram em passos lentos após os três. Possuí- ainda. Axel corria entre os zumbis rapidamente, girando o bas-
am a carne em decomposição e trajavam roupas rasgadas. Dois tão e atingindo-os. Janotas estava atirando leves Ataques Má-
cães com a carne em decomposição e dois pontos vermelhos no gicos de fogo contra alguns dos zumbis. Três já haviam sido
lugar dos olhos também entraram no local. derrotados no combate, sobraram apenas seis. Kildred foi arre-
— Um heucuva, um cavaleiro da morte, dez zumbis e dois messado no chão, próximo a Axel. Ao levantar-se em um salto,
cães infernais. Mas o que é a garota? — perguntou Kildred. ele viu apenas o Cavaleiro da Morte abrindo a boca e estufan-
— Uma vampira... — murmurou Axel. — Uma vampira do o peito, como se inspirasse profundamente.
bacante. São da Sociedade da Noite Eterna... — Cuidado Kildred! — gritou Axel prevendo o ataque
— O que vamos fazer? — perguntou Janotas. do Cavaleiro.
— Kerryne... — rosnou Suanny segurando o punho da espada. Um jato de vento frio, misturado com pequenas partícu-
Mal se pôde ver quando Suanny se levantou e saltou las de gelo, foi emanado da esquelética boca do Cavaleiro da
sobre Kerryne, derrubando-a no chão. Suanny saltou para trás Morte. Um Sopro Gélido. A temperatura contida no sopro esta-
acrobaticamente com a espada em punho. Axel olhou surpreso va abaixo de zero o suficiente para congelar um ser vivo rapida-
para a situação. Suanny agira inesperadamente. O gato saltou mente, matando-o. Kildred não pôde ver nada, pois foi arremes-
do ombro de Axel, que disse: sado longe por Axel que saltou, empurrando-o. O jato frio pe-
— Que droga, Suanny! Éksis procure um local seguro, mas fique gou Axel em cheio, juntamente com um zumbi. Uma nuvem fria
perto. — disse Axel ao gato, que saltou entre alguns escombros. condensou-se na área, ocultando Axel e o zumbi. Janotas ficou
— O que vamos fazer? — perguntou Janotas. estarrecido e Kildred levantou-se furioso, correndo até a nu-
— Manobra 12, Janotas! Rápido! — falou Kildred levan- vem. Um zumbi se colocou em sua frente, mas Kildred o cortou
tando-se. ao meio de forma abrupta e rápida. A nuvem começava a se es-
— É pra já... — falou Janotas girando o bastão e apontan- palhar, desaparecendo no ar. Um vulto pôde ser avistado den-
do-o para os membros da Sociedade da Noite Eterna enquanto tro da nuvem. Estava imóvel e caiu no chão. Embora não pu-
murmurava algumas palavras. desse ter sido visto, ouviu-se o barulho de gelo quebrando e
Um brilho circular envolveu o chão em que estavam os alguns pedaços de gelo saíram da pequena nuvem. Uma risada
membros da Sociedade da Noite Eterna e sete zumbis foram de profunda ecoou no salão.
encontro ao chão. Os cães pareciam que estava sobre uma cama- — Teve mais sorte que seu amigo, humano! Mas ela acabou...
da escorregadia de gelo. O Heucuva estava fora da área de alcan- O Cavaleiro da Morte abriu a boca e uma comprida lín-
ce e apenas olhou para os três que acabavam de surgir por trás de gua saiu em forma de chicote na direção de Kildred. Kerryne
um pilar. O Cavaleiro da Morte manteve-se parado, apenas obser- arreganhou os compridos caninos ao sentir a espada cortar-lhe
vando. Janotas pôs o bastão no ombro, como uma mira e disse: o flanco. Com os olhos injetados de sangue, Kerryne fitou furi-
— Primeiro, um Terreno Escorregadio de Neo. Depois, osa Suanny. Suanny gostou de ver que tinha tirado aquele ar
uma Explosão de Fogo! arrogante de Kerryne e sorriu.
Um fio de fogo saiu de dentro do cristal e dirigiu-se à área — O que foi, meretriz bacante? Não está mais gostando de
afetada pelo Terreno Escorregadio de Neo. O Cavaleiro da Morte ser a rata?
deu um salto, saindo da área escorregadia e parando mais ao sul — Está na hora de mostrar quem é a rata, orelhuda! —
do templo. O fio de fogo atingiu um dos zumbis, explodindo em Kerryne atacou com as garras e as presas expostas.
uma área de 30 metros. Um dos zumbis desintegrou-se com o ata- Suanny avançou com um olhar de ódio contra a vampira,
que, enquanto os outros saíram fumegando e avançaram na dire- com a espada empunhada firmemente. Após bloquear o ataque
ção dos três. Os cães não demonstraram sentir nada. Apenas lati- da língua com a espada de Kildred ficara com uma espécie de
ram, correndo em direção aos três atacantes. Axel levantou-se e muco fervescente, que parecia queimar. Janotas preparava-se
saltando por cima do pilar caído, avançou com o bastão em dire- para atirar mais alguns Ataques Mágicos nos cinco zumbis res-
ção aos zumbis. Kildred viu o Cavaleiro da Morte aproximando-se tantes, quando sentiu algo cair em seu ombro. Era Éksis.
da área e com a katana empunhada, disse: — Éksis, meu filho! Quer me matar do coração, é? O que
— Janotas, toma conta deles que eu vou cuidar do cavalei- foi? Eu não...
ro da morte. Um dos cães infernais abriu a boca e Janotas viu uma
— Pode deixar. — Janotas criou um pequeno tufão de ven- pequena chama formando-se no interior da boca do cão. Ele ia
to com Ataque Mágico que arremessou os dois cães contra a atirar um sopro flamejante. Janotas mal teve tempo de se esqui-
parede, do outro lado do templo. var, sentindo o calor de perto e tendo a ponta de seu robe cha-
Kildred avançou na direção do Cavaleiro da Morte, ata- muscada. Kildred atingira o Cavaleiro da Morte em seu flanco,
cando-o com sua espada katana. O Cavaleiro bloqueou o ata- o que resultou num contra-ataque mais potente do Cavaleiro.

33
Kildred foi arremessado contra a parede. Por pouco a espada se de Axel e Kildred, ele levantou-se rapidamente e olhou na
não atravessou o peitoral de armadura de Kildred, mas machu- direção onde os dois estavam. O último zumbi acabara de ser
cara seu corpo o bastante. O Cavaleiro da Morte abriu a boca e cortado por Kildred. Kildred olhou pra Axel e disse:
a língua atacou novamente Kildred, que ainda não se levantara. — Axel, se aquele sopro era tão fraco a ponto de você estar
Suanny caíra no chão, arremessada por Kerryne. intacto, por que fez aquele escândalo todo? Pensei que tinha morrido!
— Quem é rata aqui? Pelo que eu sei, a orelhuda é você, — E teria lhe matado. Graças ao Khalmyr, meu pai era um
garotinha! dragão de prata. Herdei a invulnerabilidade ao frio dele, assim
Kerryne chutou a mão de Suanny jogando sua espada como os poderes mágicos. Por que acha que sou um Feiticeiro?
longe e preparou-se para atacar com suas garras. Não estava — perguntou Axel, sorrindo. — Éksis, meu jovem. Venha cá.
mais brincando, ia direto no pescoço. Um golpe rápido de bas- Éksis saltou do pilar onde se encontrava e foi até Axel, su-
tão foi o bastante para bloquear o ataque de língua do Cavalei- bindo no seu ombro. Janotas aproximou-se dos dois, ofegando.
ro da Morte. Kildred observou espantado, Axel colocara-se en- — Acho que gastei minha energia mágica quase toda nesse
tre ele e o Cavaleiro da Morte. Ao ficar em pé, Janotas olhou combate, ainda bem que tenho Sally, meu bastão feiticeiro. —
para o cão que estava ainda soltando o sopro de fogo. Éksis Janotas deu um beijo no bastão.
saltara de seu ombro e já se encontrava em cima da escultura de — E Suanny? — perguntou Kildred.
um dos pilares que restara em pé. — Nossa como você tem uma tendência a lembrar-se de
— Valeu, irmãozinho. Eu tinha me esquecido desses esquen- desgraças, Kildred! Nunca vi! Tanta coisa boa no mundo... —
tados... — falou Janotas, quase desabafando. — Mas, espera falou Janotas.
aí! Cadê o heucuva e o outro cão? Axel riu, mas procurou Suanny com o olhar. Encontrou-
Kerryne preparava-se para atacar fatalmente Suanny, e a tentando cortar o bloco de gelo que fora criado na entrada do
o Cavaleiro da Morte estava pronto para lançar outro sopro túnel subterrâneo. A luz da lua que entrava pela abertura feita
gélido. Um uivo vazio e profundo, como vento em um tubo, pela Sociedade da Noite Eterna iluminava bastante o local, prin-
ecoou no salão. Era o outro cão infernal. O Cavaleiro da Morte cipalmente para uma meia-elfa. Suanny golpeava furiosamente
parou o ataque e olhou para trás, Kerryne olhou para frente. o bloco, embora somente pequenas lascas se soltassem do gelo.
Suanny vendo a oportunidade, deu um golpe de artes marciais Axel, Kildred e Janotas aproximaram-se.
em Kerryne, com as duas pernas juntas, ela arremessou Kerryne — Droga! Eles escaparam! Maldição! — Suanny parou de
para frente. Suanny correu em direção à sua espada. Kerryne falar, ofegante. Vendo os três olhando pra ela, continuou. — O
deu uma acrobacia e caiu em pé. Sorrindo, ela disse: que foi? O que estão olhando? Se fossem mais competentes,
— Continuamos nossa brincadeira depois, ratinha orelhuda! eles já teriam sido aniquilados.
— O quê? — exclamou Suanny surpresa prestes a pegar a — Eu não vi você fazer muita coisa... — falou Janotas. —
espada. Axel, Kildred e eu acabamos com os dez zumbis e um cão infer-
O Cavaleiro da Morte guardou a espada e fez um gesto nal. Bem, você só acabou com um cão infernal e depois de apa-
aos zumbis restantes, que avançaram em massa sobre Axel e nhar bastante daquela vampira...
Kildred. Próximo à entrada do túnel subterrâneo que fora des- — Como é que é?! Ora, seu... — Suanny avançou sobre Ja-
coberto por Kildred, estava o heucuva e o segundo cão infer- notas, mas Axel a segurou, puxando para trás. Suanny recuou
nal. O Cavaleiro da Morte e Kerryne adiantaram-se em direção três passos olhando furiosa para Axel.
ao heucuva. Suanny pegou a espada e correu atrás de Kerryne. — Calma aí, Suanny. Ou vai querer deixar Kerryne escapar
— Não pense que vai escapar assim, meretriz! desse jeito? Sem um troco? Já imaginou o que ela vai dizer pros
— Cuide dela, bacante! — disse o Cavaleiro da Morte. outros membros da Sociedade da Noite Eterna? Vai fazer você
— Pode deixar, Lorde Sithloth. de Bufão. — falou Axel dirigindo-se ao gelo. — Temos que dar
Kerryne virou-se para trás e apontou a mão em direção a um jeito nisso aqui... Posso usar uma magia de fogo, mas vai
Suanny, lançando um Terreno Escorregadio de Neo. Suanny foi demorar muito. Sugestões, pessoal?
ao chão. O heucuva saltou no buraco, seguido do Cavaleiro da — Que tal meter essa sua cabeça no gelo? — perguntou
Morte e de Kerryne. Kerryne criou uma bolha gigante de água Suanny.
próximo ao buraco. O Cavaleiro da Morte, dentro do túnel, abriu a — Mais alguma? — perguntou Axel ignorando Suanny.
boca e lançou outro sopro gélido. A bolha congelou-se, tapando — Ah é! Pode quebrá-la, de tão oca que é. Embora o corpo
a abertura com uma grossa camada de gelo. Livres de tais obstá- nem fosse sentir muita falta... — Suanny encostou-se na pare-
culos, os três começaram a caminhar corredor adentro... de, bronqueada.
Axel derrubou dois zumbis com um único golpe nas per- — Como é que tu agüenta, hein, filhote de dragão? — per-
nas. Os outros três avançaram nele, mas Kildred colocou-se entre guntou Janotas baixinho.
eles, cortando o peito do zumbi mais próximo a Axel. O zumbi — Ah, você precisa ver quando ela está naqueles dias... —
caíra no chão, estava derrotado. Suanny aproximou-se do blo- disse Axel.
co de gelo criado na entrada do túnel, mas o cão infernal que — Hã, que tal uma magia Erupção de Aleph? —perguntou
estava próximo ao bloco, saltou sobre ela. Suanny esquivou- Kildred.
se, girando rapidamente sobre si mesma e revidando com a es- — Claro, pode lançar senhor mago! — falou Janotas num
pada, que atingiu o flanco do cão infernal, reduzindo-o a pó tom irônico.
fumegante. O outro cão infernal lançava um sopro de fogo em — Nem eu, nem Janotas ainda aprendemos essa magia,
Janotas, que se protegia por trás de um pilar do salão. Kildred. — falou Axel.
Murmurando algumas palavras, Janotas saltou de trás do — Bem, é que eu tenho umas bolas experimentais do Hugho
pilar e apontou o bastão para o cão. Um Ataque Mágico de ter- aqui. E, segundo ele, ela causa efeitos parecidos com essa ma-
ra era o suficiente. Uma grande mão de rocha solidificou-se a gia. — Kildred enfia a mão no bolso da calça e retira um peque-
partir do chão e caiu por cima do cão infernal, que se desfez em no saco. De dentro do saco, ele retira uma bola pequenina. —
pó. Janotas respirou aliviado, sentando-se no chão. Ao lembrar- Bem, só precisa de um pouco de terra...

34
Kildred pegou um punhado de areia do chão e dirigiu-se ao vimentos algum tempo depois e, envergonhada por ter se para-
bloco de gelo, colocando a terra bem no centro do mesmo, com a lisado de medo, adiantou-se até o buraco. Axel olhou o buraco
bola enfiada no centro da areia. Suanny aproximou-se e perguntou: no teto. Dava pra ver a lua e as estrelas, e umas poucas nuvens.
— O que é que o idiota vai fazer? Axel deu um assobio e olhou pra baixo. Ele engoliu a seco e
— E um pouquinho de fogo, mas essa parte eu deixo com disse:
vocês. É só atear fogo... Mas, Hugho disse que a gente manti- — Acabar, eu acho que acabou. Mas... Bem, acho melhor
vesse distância. É experimental, foi testado poucas vezes. — vocês verem com seus próprios olhos...
falou Kildred descendo do bloco de gelo. Janotas e Kildred entreolharam-se e avançaram em dire-
— Tudo bem. — disse Axel criando uma chama em seu dedo ção ao buraco. Suanny, que já estava no buraco juntamente com
indicador. Axel, olhava espantada pro fundo dele. Janotas e Kildred, após
— Agüenta aí, filhote de dragão! — falou Janotas. chegarem ao buraco, olharam para baixo. A torre de lava havia
— O que foi? — perguntou Axel. feito um buraco não somente no teto, mas no chão do corredor
— Se o Hugho mandou manter distância, então deve ser subterrâneo. Havia cavado bastante fundo, dando para cons-
bastante considerável. Agüenta só um pouquinho... — Janotas truir um outro andar subterrâneo além do já existente. Uma poça
correu até o outro lado do salão escondendo-se por trás de um de lava borbulhava no fundo do poço. Janotas olhou pra Kildred
pilar. e perguntou:
— Você está exagerando. — falou Axel. — Tem mais algum item maravilhoso aí, ou eu posso respi-
— O aprendiz de mago está com a razão dessa vez, Duende... rar aliviado?
— disse Suanny afastando-se juntamente com Kildred até a — Como vamos passar para lá, Axel? — perguntou Kildred,
posição de Janotas. ignorando Janotas.
— Bem, se até Suanny recuou... — falou Axel indo até os Suanny saltou no buraco e segurou-se nas bordas opos-
três. tas. Balançando, ela saltou no túnel e disse olhando as mãos,
— Eu não recuei por medo, mas sim por precaução! Posso queimadas levemente:
sobreviver a muitas coisas, mas se eu sair machucada não vou — Cuidado com as bordas, estão um pouco quente!
poder pegar aquela filhote de sanguessuga. — justificou-se — Ela não está achando que a gente vai fazer isso aí não,
Suanny. né? — perguntou Janotas.
— Tudo bem. Então, lá vai... — disse Axel. — A gente te dá uma mãozinha. — disse Kildred.
Uma pequena chama foi criada na mão de Axel, que a — Como? — perguntou Janotas.
arremessou no gelo, tentando acertar o globo inventado por Janotas arrependera-se profundamente de perguntar ao
Hugho. Axel manteve, através de energias mágicas, a chama ver-se suspenso sobre aquele poço de lava, segurado pelas
acesa em cima do mesmo. Mas apenas uma fumaça saiu do mes- mãos apenas por Kildred e Axel, que o balançavam. Kildred e
mo. Kildred, Janotas e Suanny se encolheram atrás do pilar, es- Axel soltaram Janotas, que caiu rolando no corredor próximo a
perando uma grande explosão. Não ouvindo nada, eles abriram Suanny, que mantinha um sorriso arrogante no rosto. Kildred
os olhos e levantaram. saltou e segurou-se nas bordas, soltando logo em seguida. Caiu
— O que foi que houve, Duende? — perguntou Suanny. sentado no chão do corredor subterrâneo devido ao impulso
— Acho que não funcionou... — disse Axel. — O fogo está que tinha pego. Assoprava as mãos com intensidade e disse:
queimando lá, mas não aconteceu nada. — Essa meia-elfa é doida! Esse negócio está fervendo!
— Mas nem teu fogo presta, né, Duende! — reclamou — Eu sempre achei que você era insensível, mas isso é de-
Suanny. mais. — disse Janotas tirando um pote de dentro do bolso do
— Estranho, o Hugho me jurou que daria certo. — falou robe. — Isso é uma poção de cura condensada até adquiri for-
Kildred. ma pastosa, invenção do Niltrem. Vai ajudar.
— Não, normal. Fico até aliviado, pensei até que ia... — Obrigado. — disse Kildred pegando um pouco e passan-
O gelo explodiu, transformando-se em uma torre de lava do nas mãos. As queimaduras sumiram instantaneamente.
que perfurou o teto, jorrando para cima como uma rajada de água — Ah, a magia. — disse Janotas. — Muito mais segura. Se
de Ataque Mágico. Axel olhou espantado o efeito da invenção as invenções feitas com engenhocas fossem saudáveis haveria
de Hugho, enquanto Suanny ficou paralisada no canto. Kildred um deus engenhoqueiro no Panteão.
agachou-se atrás do pilar e Janotas pulou no chão. A torre de- Axel saltou ao lado deles no corredor. Janotas olhou para
morou cerca de um minuto e desfez-se, evaporando no ar como Axel e estendeu o pote com a pasta. Éksis miou no ombro de
uma nuvem de vapor escaldante. Quando a iluminação voltou Axel, que sorriu, pegou o pote e disse:
ao normal, Kildred e Janotas levantaram-se. Axel apenas olhava — Eu joguei um Ataque Mágico de Água nas bordas
boquiaberto, juntamente com Suanny. antes de saltar.
— Acabou, Kildred? — perguntou Janotas. Axel avançou rapidamente em Suanny, segurando as
— Como é que eu vou saber? — perguntou Kildred. mãos dela.
— Bem, foi você que arranjou isso. Então pelo menos deve- — Ei! O que está fazendo? Eu não preciso disso!
ria saber... Já que não sabe, vai lá verificar! — falou Janotas — Eu sei. — disse Axel. — Mas você vai precisar de sua
empurrando Kildred. mão sem queimaduras para manejar a espada tão bem como você
— Por que eu? Manda Axel, ele é um filho de dragão. Ele é faz, menina.
invulnerável a essas coisas. — falou Kildred afastando-se. Suanny corou levemente enquanto Axel passava as mãos
— Sou invulnerável somente a frio. Lava não é incluída nas com pasta nas dela. Ficou sem reação, imóvel olhando fixamen-
minhas habilidades. Mas tudo bem, eu vou... — falou Axel adi- te para Axel. Axel passava cuidadosamente a pasta nas mãos
antando-se. dela, fazendo as queimaduras sumirem. Axel sorriu e disse:
Axel caminhou em direção ao buraco, seguido de longe — Viu só, são muito mais bonitas assim.
por Janotas e Kildred. Suanny retomara o controle de seus mo- Suanny olhou embasbacada para Axel, com o rosto co-

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rado e sentindo o coração saltar pela boca. Ao tomar noção do Kildred e Suanny aproximavam-se com a espada empunhada.
que estava se passando, ela fechou os olhos, séria, e disse com Era um aposento espaçoso, onde havia várias camas e instru-
um tom de voz aborrecido: mentos de tortura. As camas ficavam do lado direito e os instru-
— Hunf! Não ligo pra isso, não sou uma dessas princesas mentos do lado esquerdo. Um pilar no meio do aposento sus-
cheias de mimos. tentava o aposento.
— Ela tem razão! Está mais pra dragão de tão mal-humorada... Do lado esquerdo, uma corrente prendia uma elfa pelo
— sussurrou Janotas para Kildred, que começou a rir baixinho. pescoço e pelos punhos. Tinha os cabelos castanho-claros e
— Vamos indo! — disse Axel adiantando-se. — Janotas, os olhos azuis, a pele era branca e estava abatida. Como se es-
ilumine o caminho. tivesse ali muito tempo. Mostrava alguns arranhões e cortes no
— Deixa comigo! — Janotas murmurou algumas palavras. corpo e manchas arroxeadas podiam ser vistas nos braços e
O bastão feiticeiro de Janotas criou um feixe de luz, po- pernas. O que antes devia ter sido uma túnica, agora era um
dendo iluminar alguns metros à frente, como uma lanterna vestido curto até metade das coxas e sem mangas, totalmente
engenhoqueira. O grupo começou a caminhar silenciosamente esfarrapado e sujo. Ela olhou para o grupo que acabava de en-
pelo corredor, não se ouvia nenhum ruído e podia sentir-se a trar e ia abrir a boca, quando desmaiou.
tensão no ar. Suanny e Kildred iam com a espada empunhada, — Que sacrilégio! — disse Janotas. — Que tipo de pessoas
prontos para qualquer ação. Janotas ia por último, iluminando o teriam coragem de fazer uma coisa dessas com tão linda ninfa?
caminho. Axel ia à frente, com Éksis em seu ombro. Tentava ouvir Eu odeio os sszzaazitas! Eles são criaturas maléficas sem cora-
qualquer ruído ou notar algum movimento mais adiante. O cor- ção!
redor fazia uma curva para a direita. — Tirem-na de lá. — falou Axel.
No novo corredor que surgia, havia sangue na parede — Hã, filhote de dragão. Nada me deixaria mais satisfeito do
ainda pingando e corpos retalhados de cobras no chão. Axel que isso, com exceção das possíveis recompensas pessoais que
olhou a cena e disse: possam ser oferecidas por essa moça. Mas temos um pequeno
— Cuidado! Isso era um templo sszzaazita. Cobras e ani- problema. Não temos a chave. — falou Janotas.
mais peçonhentos devem ser abundantes aqui, como percebe- Axel olhou para Janotas e ia dizer algo, quando desistiu
ram os nossos adversários. Tomem cuidados! e caminhou até a elfa caída. Pegando nas correntes da jovem
— Veja só, Axel! É uma porta. — disse Janotas iluminando elfa, ele aproximou-se das algemas e murmurou algumas pala-
uma porta dupla. vras. Um feixe de luz e fogo saíram de seus dedos, aproximando
A porta era feita de madeira antiga, e estava um pouco o feixe das algemas, ele conseguiu soltar a trava inferior. A trava
destroçada como se tivesse levado uma grande pancada em seu inferior protegia o pino que unia as duas partes da algema do
centro. Uma cobra estava espetada entre uma das farpas da porta lado contrário à da tranca da chave. Ao soltar a trava inferior ele
e outra encontrava-se no chão ao lado da porta, com a cabeça puxou o pino da algema, que se abriu. Fazendo o mesmo com as
esmagada. Kildred aproximou-se lentamente da porta e tirou a outras duas algemas, ele conseguiu soltá-la. Apontou pra Ja-
cobra encravada numa lasca com a espada. notas e disse:
— Nossa, foi uma ofídiocina! — falou Kildred. — Dá-me aquela poção.
— Nossa! Ele sabe que cobras são ofídios! — falou Jano- — Claro, garoto! Além de feiticeiro é metido a ladrão! Por
tas com ironia. isso é que é o líder do grupo! Wynna te abençoe, meio-dragão!
— Engraçadinho! — murmurou Kildred. Wynna te abençoe! — falou Janotas.
— Foi recente, vejam aquela cobra! — falou Suanny. Janotas retirou um tubo pequeno de dentro do bolso
No chão, uma cobra tinha espasmos violentos. Ela estava interno de seu robe e o deu a Axel, que despejou o conteúdo na
sem sua cabeça. Kildred ia dizer algo, quando hesitou e perguntou: boca da elfa. Axel fechou a boca dela e o nariz, fazendo-a engo-
— Vocês ouviram isso? lir involuntariamente. Poucos segundos depois, ela abria os
— O quê? olhos. Os vergões e cortes tinham desaparecido. Ao ver Axel,
— Escutem, parece uma voz... — falou Kildred silenciando- ela adocicou a voz e perguntou:
se de novo. — Parece muito fraca como num choro... — É você o meu herói?
Kildred hesita, tentando ouvir novamente e olhando pra — Nós salvamos você, garotinha! — falou Suanny com um
porta, diz: olhar sério e ameaçador e enfatizando no “Nós” e no “garoti-
— Vem de trás da porta! Tem alguém aí dentro chorando. nha”.
Oi! — Oh, muito obrigada. — respondeu a elfa timidamente. —
— Você é louco? — perguntou Suanny tapando a boca de Sou Mildred. E vocês quem são?
Kildred. — Assim vamos perder o fator surpresa! — Somos aventureiros, senhorita. — respondeu Axel levan-
— Olha quem fala! — exclamou Janotas pra Axel. tando-se e ajudando a elfa a levantar-se. — Estamos aqui para
— Socorro! — a voz veio baixa, mas audível o suficiente. encontrar um artefato mágico. Se me permite perguntar, o que
Vinha de trás da porta. fazia aqui?
— É uma garota. — falou Janotas. — Minha caravana foi atacada por um grupo de sszzaazitas.
— Na certa é uma armadilha, daquela cascavel da Kerryne. Somos servas de Lena, não podíamos revidar por isso tenta-
— falou Suanny. mos fugir. Eu e um jovem Paladino de Lena fomos capturados.
— Seja o que for, precisamos investigar... — disse Axel. Ele foi sacrificado logo que chegamos. Segundo o que ouvi di-
Axel aproximou-se da porta e chutou-a. A porta caiu no zer, eu seria a próxima... Mas, faltando dois dias para o sacrifício
chão, de tão frouxas que estavam as dobradiças. Conseqüência todos aqui sumiram e isso foi há três semanas. Tenho me ali-
do golpe na porta dado por um dos mortos-vivos. A poeira su- mentado graças aos dons que minha querida deusa me conce-
biu com a queda da porta, criando uma névoa de meia estatura. deu, mas se não fosse por isso acho que eu já estaria morta...
Um halfling ver-se-ia em sérias dificuldades com aquela névoa. Mas graças a vocês eu estou livre! Obrigada!
Janotas iluminou o local com sua lanterna improvisada, enquanto Mildred deu um abraço em Axel. Suanny interveio logo:

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— Ótimo! Agora, já que você está muito bem, nós podemos como um aviso de que caso não se calasse poderia perder a
ir indo! Volte pra casa! língua. Ignorando a iminente rixa, Axel fechou a porta e trancou
— Você adentrou numa área de Tormenta? — perguntou Jano- a porta encravando uma pedra no chão, próximo à abertura. O
tas referindo-se à sanidade mental de Suanny. — Como é que ela grupo continuou em frente, dessa vez com Axel na frente, se-
vai embora daqui sem nossa ajuda? Esqueceu do fosso de lava, foi? guida de Suanny e Kildred. Janotas e Mildred vinham logo atrás.
— Não é problema da gente, deixe-a se virar! — exclamou Após a curva o corredor prosseguia em frente. Após algum tem-
Suanny, furiosa ao ver Mildred abraçando mais ainda Axel, com po, a lanterna de Janotas iluminou o que parecia ser uma saída,
medo de ficar só. — Assim ela vai nos atrapalhar! Nem lutar sabe! mas pegara em algo que refletia.
— Calma, Suanny. — falou Axel. — Vamos fazer o seguin- — O que será aquilo? — perguntou Kildred.
te, ela fica aqui... — Está ficando frio aqui... — murmurou Mildred levemente.
— Não! Por favor, não! — suplicou Mildred começando a Saindo do corredor, o grupo deparou-se com um jardim.
chorar. — Sou uma clériga de Lena, posso ajudar com minhas No meio do jardim havia uma fonte. Rodeando o jardim havia
magias. Por favor, não me deixem aqui sozinha. — Mildred co- uma calçada com pilares com cobras esculpidas nelas. Duas ár-
meçou a abraçar mais forte Axel. vores estavam plantadas no lado oposto do jardim. Moitas e
— Calma criança... Calma... — falou Axel. — Você vem arbustos estavam podados, exibindo desenhos de ofídios. Um
conosco, então. grande buraco no teto, possivelmente natural permitia a visão
— Não jogue com os dados de Nimb, Duende! do céu aberto. A lua acabava de sair de trás de uma nuvem,
— Calma, ciumentazinha. — falou Janotas com um tom irô- iluminando melhor o local. Uma imensa cobra estava no meio
nico. — Ela só está emprestando a espada para nós. Vai se jun- do jardim, próximo à fonte. Era uma versão gigantesca de uma
tar ao nosso grupo voluntariamente. Uma clériga pode ser útil cobra naja, devia ter o porte de uma sucuri. Cobras menores
contra mortos-vivos, pensei que já tinha pago essa matéria. Deixe podiam ser vistas espalhadas pelo jardim. Todas, assim como
seu ciúme um pouquinho de lado e... tudo no jardim, congeladas.
— Ciumenta, Eu?! — Suanny explodiu. — Eu não tenho ci- — Por Lena! — exclamou Mildred. — O que houve aqui?
úme desse protótipo de gente com nome de duende! Se ela quer — Acho que nosso amiguinho com bafo de dragão branco pas-
vir, pode vir... Assim aprende como uma mulher de verdade age! sou por aqui. — falou Janotas. — Pelo menos deixou o caminho
Agora, se ela nos atrapalhar vocês vão se ver comigo! Faça-a limpo. Wynna me livre de ter que enfrentar aquela naja gigante.
parar de chorar, Duende! E vamos logo que eu tenho contas a — De quem você está falando? — perguntou Mildred a Janotas.
acertar com aquela bacante maldita! — Se estiver com medo é só desistir! Ninguém vai lhe odiar
Suanny saiu de dentro do aposento com as veias pul- por isso. — disse Suanny friamente adiantando-se pela calça-
sando de tanto ódio. Sentia o corpo fervendo de raiva. Maldito da, onde o gelo era menor.
meio-dragão. Janotas e Kildred entreolharam-se. Axel soltou-se — Tomem cuidado. — disse Axel seguindo Suanny.
de Mildred, que ainda fungava levemente e disse: Kildred começou a seguir os dois pela calçada, junto à pa-
— Vamos indo, fique junto de Janotas e tome cuidado! rede. Mildred foi logo em seguida, com Janotas por último. Havia
— Está certo. Obrigada. Lena há de abençoá-los. — disse outra porta no lado por onde eles prosseguiam. Mas estava con-
Mildred humildemente. gelada. Uma outra porta na parede do lado esquerdo estava con-
Suanny estava parada próxima a uma outra porta, tentava gelada, mas com metade destruída. Era para lá que o grupo rumava.
sentir alguma presença sobrenatural. O corredor prosseguia mais — O que está havendo, Janotas? Quem fez isso? — per-
adiante, fazendo uma curva para a esquerda. Os corpos de cobras guntou Mildred.
já diminuíam gradativamente. Axel aproximou-se e perguntou: — Há um outro grupo tentando pegar o mesmo artefato. Ele
— O que foi? Sentiu algo? é composto por mortos-vivos. Uma vampira bacante, um
— Estou com medo de entrar aqui e encontrar outra garota heucuva e um cavaleiro da morte. Foi o último quem fez essa
indefesa e desprotegida. “congelante” surpresa aqui.
— Suanny, pelo amor de Wynna! — falou Axel balançando — Cavaleiro da morte? O que é isso? — perguntou Mildred.
a cabeça. — Éksis, sente alguma coisa por trás dessa porta? — Quando um cavaleiro viola algum código, ele pode estar
O gato miou balançando a cabeça negativamente e apon- passível da punição divina. O castigo geralmente é torna-lo um
ta pra frente. Axel e Suanny olharam pro corredor. Janotas ilu- Cavaleiro da Morte, condenado a cumprir uma missão ou preso a
minou a porta, enquanto Kildred apenas observava o local. um lugar. Lembro de uma história envolvendo um lorde que virou
Mildred permaneceu no lugar, apreensiva. Que tipo de grupo um Cavaleiro da Morte, mas me parece que ele foi derrotado por
de aventureiros era aquele? aventureiros com uma espada encrenqueira chamada Slash Calliber.
— Eles seguiram adiante... — murmurou Axel. — Ah... E um heucuva? Esse nome é familiar. — perguntou
— A porta está aberta, Duende. — falou Suanny apontando novamente Mildred.
para a divisória da porta, que mostrava estar apenas encostada. — É a mesma condição de um Cavaleiro da Morte, só que
Axel abriu levemente a porta, revelando o que deveria em vez de ser um cavaleiro a quebrar um código, foi um clérigo.
ser uma cozinha e um refeitório. Várias mesas estavam dispos- Geralmente o castigo é o mesmo, cumprir uma missão ou ficar
tas pelo local e no canto inferior da sala, um caldeirão e várias preso a um lugar. — falou Janotas.
caixas com comida. Muitos ratos infestavam o local, saindo de — Essa garota não se decide mesmo! — falou Suanny. —
dentro da caixa de comidas. Sete ratos gigantes também esta- Já te trocou por outro, Duende. Só você mesmo pra se meter
vam no refeitório e olharam pros aventureiros. Dois dos ratos com esse tipo de gente.
gigantes deram um guinchado alto eriçando o pêlo. — Suanny... — falou Axel.
— Olha só! — exclamou Janotas. — Só querem ser um de- O grupo chegou até a porta destruída e entrou por ela.
mônio da Tormenta! Era um escritório, com um pequeno altar, uma mesa e algumas
Mildred deu uma risada devido ao comentário cômico cadeiras. Um tapete estava estendido pela sala e algumas es-
de Janotas. Suanny olhou com a cara amarrada pra Mildred, culturas de ofídios eram visíveis em cima de móveis. Por trás da

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mesa principal havia outra porta, menor. Um calafrio percorreu do heucuva caiu no chão e seus ossos viraram pó, ele já estava
o corpo de Suanny, Axel e Kildred, que usavam uma camisa co- derrotado antes do “golpe final”.
mum sob efeito da magia Calafrio. Um barulho veio de trás da Quando Suanny abriu os olhos, Axel e Mildred estavam
porta, como se algo tivesse batido contra a parede. Suanny ao seu lado, enquanto Kildred e Janotas removiam a mesa e a
empunhou a espada em posição de defesa, juntamente com cama da frente do buraco. Havia passado pouco tempo, cerca
Kildred. Janotas preparou o bastão. O silêncio voltou a tomar de três minutos após o fim da luta de Kildred.
conta do local. Como nada aconteceu, Axel sussurrou: — O que houve? — perguntou Suanny.
— Vamos entrar! Kildred, você e Suanny vão à frente e abrem — Você bateu com a cabeça, mas Mildred a curou. — falou
a porta. Janotas, prepare suas magias. Mildred, nós vamos pre- Axel. — Fico feliz que esteja melhor, Suanny.
cisar de suas magias de cura. Preparem-se! Vão! — Ora, isso não é hora pra isso! Onde estão aqueles malditos da
Kildred e Suanny chutaram a porta e entraram no apo- Sociedade da Noite Eterna? — perguntou Suanny levantando-se.
sento. Era um quarto, com uma cama luxuosa e uma mesa. No Kildred e Janotas tinham acabado de derrubar a cama no
exato momento, o aposento se encheu de poeira, pois a parede chão e a abertura estava novamente exposta. Suanny caminhou
oposta desabou. O heucuva acabara de derrubá-la, revelando em direção à entrada e disse, enérgica:
uma passagem secreta. Axel afastou a poeira com uma pequena — Vamos logo! E... — voltando ao tom de voz normal. —
rajada de vento. Kerryne apenas acenou para Suanny, dizendo: Obrigada, Mildred.
— Chegaram tarde, queridinhos! — Nossa, ela disse um “Obrigada”! — sussurrou Janotas.
— Malditos Helsen! Cuide deles, Uregran! — disse Sithloth, Kildred abafou a risada. Suanny entrou no túnel segui-
o Cavaleiro da Morte. do de Axel, Kildred, Janotas e Mildred. Axel, com seu bastão já
O heucuva, Uregran, rugiu como resposta e olhou pros devolvido e com Éksis em seu ombro, adiantou-se pelo corre-
caçadores. Sithloth entrou na passagem aberta, seguido por dor. O corredor fora escavado irregularmente na rocha e apre-
Kerryne. Uregran jogou a cama e a mesa na frente da passagem sentava certa umidade, demonstrando que pouco era usado.
e se colocou entre os Helsen e a passagem secreta. Kildred avan- Teias de aranha podiam ser vistas nas bordas superiores e al-
çou na direção do heucuva, seguido de Suanny. Quando as duas gumas abertas ao meio, que certamente ficaram no meio da pas-
espadas tocaram o corpo de Uregran, abriram um corte em suas sagem de Kerryne e o Cavaleiro da Morte. Janotas iluminava
roupas, mas que pouco ferira o heucuva. Furioso, Uregran gi- tudo com muito cuidado. Espalhados pelo chão estavam alguns
rou com os braços abertos, atingindo Suanny e Kildred. Suanny corpos de cobras.
foi arremessada contra a parede e Kildred conseguiu esquivar- — A única coisa boa daqueles dois é o fato deles limparem
se por pouco. Esse pouco é o suficiente, para Kildred contra- nosso caminho. Olha só isso... — falou Janotas iluminando o
atacar com um golpe com a sua espada katana. O golpe atingiu corpo de uma cobra que se encontrava aberta ao meio.
Uregran de forma certeira, mas o heucuva não demonstrou ficar — Silêncio, Janotas. — falou Kildred. — Temos que manter
muito machucado por causa disso. Antes que pudesse ser acer- a atenção...
tado por outro golpe, Kildred saltou para trás. — Assim você vai ficar igualzinho a Suanny... — sussur-
— Mas o que está havendo? Eu acertei o maldito duas vezes rou Janotas.
certeiro no flanco, era para pelo menos estar caído... Espera aí! Dro- — Assim você está baixando o nível, mago! — falou Kildred
ga, esqueletos só levam dano massivo com ataques concussivos. num murmuro.
Ataques cortantes e perfurantes não são muito eficientes... — Silêncios, os dois! — falou Suanny num tom ríspido.
Suanny estava desacordada, ela tinha batido com a ca- Janotas deu um sorriso. O corredor terminava numa por-
beça. Axel vendo a situação dela, disse: ta de ferro, que estava entreaberta. O interior da câmara demons-
— Kildred toma conta aí da situação! Pega aí o meu bastão! trava estar iluminado. Um calafrio percorreu novamente o cor-
— Valeu, irmão! — falou Kildred pegando o bastão arremes- po de Suanny, Kildred e Axel que se entreolharam. Já sabiam o
sado por Axel. Kildred deu um sorriso enquanto guardava a que fazer. Suanny e Kildred aproximaram-se na frente, seguindo
katana. — Agora sim, seu esqueleto mulambento! Agora nós a mesma estratégia utilizada no escritório. Ouvia-se o tilintar leve
vamos nos entender! de metal, como várias moedas se chocando. Quando Suanny e
— Mildred, preciso de você! — falou Axel. Kildred entraram silenciosamente através da abertura cedida pela
Mildred entrou no aposento dirigindo-se até o local onde porta, eles pararam surpresos. Axel, com Éksis em seu ombro,
Axel e Suanny estavam. O heucuva moveu-se, demonstrando foi o próximo a entrar, juntamente com Janotas e Mildred. Qua-
que não ia deixar tão facilmente. Mas, Kildred colocou-se no tro tochas na parede iluminavam diante deles uma pilha de mo-
caminho empunhando o bastão de Axel. edas. Milhares de Tibares de ouro, junto com cetros, coroas e
— Isso é madeira de Tollon, bonitinho! Agora você vai ver outros itens. Kerryne, a vampira bacante, colocava algumas
o que é bom! moedas no bolso, enquanto Sithloth, o Cavaleiro da Morte, vas-
— Cure-a, por favor. — pediu Axel. — A cabeça está com culhava um baú. Todos dois alheios à presença dos Helsen.
um corte. — Estamos ricos, Lorde Sithloth!
— Está certo. — disse Mildred fechando os olhos e murmu- — Concentre-se em sua missão, bacante! — falou o Cava-
rando baixinho uma oração numa linguagem antiga. leiro da Morte com frieza enquanto retirava uma pequena caixa
A mão de Mildred começou a brilhar levemente e ela co- do baú. — Acho que encontrei o cristal...
locou-a sobre a testa de Suanny. Axel olhava apreensivamente, Sithloth abriu a caixa, revelando um cristal negro metálico
esquecendo da batalha. Kildred com o bastão avançou sobre o que emanava uma pequena luz negra. Sithloth olhou com certo
heucuva, tentando desferir um golpe certeiro. Uregran bloqueou prazer aquele cristal, podia sentir o poder das Trevas forte nele.
o ataque com o braço e contra-atacou, mas Kildred esquivou- Os pontos vermelhos de Sithloth chegavam a brilhar com uma maior
se novamente, contra-atacando com uma seqüência de golpes. intensidade, num tom mais escuro. Só percebeu algo aproximan-
Surpreso, Uregran tentou recuar, mas Kildred desferiu um gol- do-se muito rapidamente quando era tarde demais. O cristal já ha-
pe que lhe acertou a cabeça, transformando-a em pó. O corpo via sido pego de suas mãos. Sithloth olhou para seu ladrão e viu

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Éksis com o cristal em sua boca, em cima da pilha de moedas. foi em direção a vampira.
— Mas o que esse gato...? — balbuciou Sithloth com ódio Kildred desviava dos ataques da cauda da naga, que ela
na voz. estava utilizando como chicote. A cada desviada, ele tentava
— São os Helsen! — exclamou Kerryne com um sorriso contra-atacar rapidamente com um golpe de sua espada katana.
olhando pra porta. Os golpes mal cortavam a áspera pele do ofídio. Axel bloqueou
— Não achou que ia se livrar tão fácil da gente, não é mere- um ataque de espada, feito de forma vertical por Lorde Sithloth.
triz? — perguntou Suanny avançando contra Kerryne com a Axel já apresentava alguns cortes em seu corpo e Sithloth pos-
espada em punho. suía a armadura amassada. Axel contra-atacava Sithloth que blo-
— Maldito gato! — falou Sithloth abrindo a boca. queava o ataque com sua espada, enquanto Sithloth atacava
— Éksis, cuidado! — advertiu Axel. com a espada e Axel bloqueava com seu bastão. A luta tomara
Da boca de Sithloth a língua comprida saiu velozmente, um ritmo frenético e os dois já ofegavam bastante.
estatelando nas moedas. Éksis saltara para a direita, esquivando- Mais frenético que a luta deles estava a de Kerryne e
se. Aproveitando que Sithloth estava recolhendo sua língua, Éksis Suanny. As duas lutavam com toda a força e ódio, embora a vampira
correu até Axel, dando-lhe a pedra. Quando Lorde Sithloth olhou estivesse ganhando algumas vantagens graças aos seus pode-
para Axel, ele estava com a mão flamejante e jogava algo derretido res. Kerryne atacava Suanny com suas garras, que eram bloquea-
no chão. Axel olhou para Sithloth e disse com firmeza: das pela espada de Suanny, enquanto esquivava-se dos ataques
— Antes destruído, que nas mãos erradas! da meia-elfa. Suanny já tinha o corpo cheio de marcas de garras e
— Maldito! Vai pagar por isso! — Sithloth puxou a espada. Kerryne, embora não apresentasse nenhuma marca, tinha sua rou-
— Veremos! — disse Axel puxando o bastão. pa rasgada mostrando a eficiência dos ataques de Suanny. Em
Kildred fez menção de adiantar-se também, mas a câmara determinado momento, Suanny recuou para trás e esbarrou em
subterrânea começou a tremer e da pilha de moedas saiu uma enor- Axel, que também parara para respirar um pouco.
me cobra com cabeça humana, e presas pontiagudas. Suanny e — Tem alguma estratégia brilhante, Duende? — perguntou
Kerryne pararam de lutar por alguns instantes, mas quando a sur- Suanny. — Estamos com certa desvantagem aqui.
presa passou, se entreolharam e Suanny atacou Kerryne, que cri- — No momento só me lembro das suas estratégias de partir
ara garras em suas mãos. Axel fitou o monstro que acabara de pra cima.
surgir e Sithloth aproveitou a distração do meio-dragão para atacá- — Aarghhhhh... — gemeu Kildred.
lo. Axel esquivou-se do golpe por pouco. Éksis estava no colo de Kildred havia sido enrolado pelo corpo da naga que come-
Mildred, que observava terrificada a situação. Kildred e Janotas çava a apertar o seu “abraço”, visando esmagar os ossos do jo-
se entreolharam. Kildred sorriu e disse: vem. Um projétil de fogo atingiu a cabeça da naga, atordoando-a.
— Esse é meu! Janotas agitou seu cajado, estava de volta à ativa. Isso relaxou os
Kildred avançou em direção ao monstro. Janotas pôs a músculos da naga, libertando parcialmente Kildred, que escapou
mão no queixo e disse: do ataque constritivo da naga. Ao cair na pilha de moedas, ele
— Eu deveria ter chegado a essa conclusão antes... Isso é caiu exausto com o corpo todo dolorido. Recuperada, a naga avan-
um tesouro sszzaazita. Não há tesouros sem guardiões e os mais çou com a cabeça sobre Kildred, visando mordê-lo.
comuns guardiões de tesouros sszzaazitas são nagas. Cobras Suanny e Axel levaram um ataque conjunto dos dois mor-
constritoras com cabeças humanas... — Ele olhou para Mildred, tos-vivos que os jogou contra a porta. Axel, ainda caído no chão,
como se estivesse esclarecendo alguma dúvida dela. ergueu as mãos e atirou um projétil de fogo nos dois. Lorde Sithloth
— Ahnn... — falou Mildred abraçando Éksis. — Você não esquivou-se do ataque, mas Kerryne foi pega. Aquele ataque era o
vai ajuda-los? que faltava para esgota-la. Kerryne caiu por cima da pilha de moe-
— Não posso. Estou sem energia mágica, só posso contar das, debilitada. Consciente ainda, mas totalmente fadigada. Mal
com Sally meu bastão. Mas ela só consegue lançar magias de conseguia mexer-se. A meia-elfa também estava igual. Ela tentava se
baixo nível. Praticamente Truques. levantar, mas estava sem forças. Sithloth sorriu maquiavelicamente
— Eu posso tentar usar uma magia de cura... A deusa Lena e avançou em direção ao caído Axel e à caída Suanny.
dá esse dom a todas as servas dela. — disse Mildred estenden- — Vai pagar por ter destruído o cristal de Tenebra, caçador!
do a mão para tocar em Janotas. O chão abaixo de Lorde Sithloth ficou escorregadio en-
Sithloth desferiu um golpe em Axel, que tentou se esqui- quanto ele caminhava, fazendo-o cair. O chão estava sob efeito da
var, sendo acertado no ombro. Axel revidou com um golpe cer- magia Terreno Escorregadio de Neo. Um jato de água criado com
teiro de seu bastão no peito de Sithloth. Suanny conseguiu acer- Ataque Mágico o jogou contra a pilha de moedas. Janotas voltara
tar um golpe forte em Kerryne, rasgando-lhe a barriga. Kerryne com força máxima para o combate. Ele olhou para Mildred e disse:
olhou surpresa para Suanny, rosnando ao ver o ferimento. O — Rápido, vai lá e capricha nas magias de cura! Ah! Cura o
ferimento cicatrizou-se como sob efeito de uma magia de cura, Axel primeiro, tá.
era a regeneração vampírica em ação. — Certo.
— Maldita, era minha roupa favorita! — gritou Kerryne. Mildred correu em direção a Axel e Suanny, pondo a mão
— Teve sorte de não ter sido sua cara! — ameaçou Suanny. na testa de Axel e iniciando uma oração. Lorde Sithloth estava
— Experimenta, orelhuda! sendo “distraído” por Janotas que lançava magias de nível fra-
Kerryne avançou em Suanny velozmente, mal dando tem- co utilizando a energia do bastão. Kildred esquivou-se rapida-
po dela bloquear o ataque. Embora tenha conseguido bloquear, mente, rolando pelo chão. Mas a mordida da naga abocanhara
ela não pôde impedir um murro no seu estômago, jogando-a alguma coisa, pois ela estava com algo em sua boca. Kildred
longe pelo chão. Kerryne saltou, quase num vôo, caindo por arregalou os olhos quando viu na boca da naga o saco onde
cima de Suanny. A meia-elfa empurrou-a com os pés num golpe estavam as bolas de Erupção de Aleph inventadas por Hugho,
de artes marciais, mas a vampira deu um mortal e caiu em pé. o goblin engenhoqueiro da Sociedade Helsen. Lorde Sithloth
Seus olhos estavam rubros, como os da meia-elfa só que num atacou Janotas com a língua. Janotas esquivou-se, mas caiu no
tom brilhante. Suanny levantou-se num salto com as pernas e chão. Axel acabara de se levantar e Suanny estava sendo cura-

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da por Mildred. Lorde Sithloth olhara com rancor àquela cena. de lava. A terra estava fervendo, como um vulcão preste a en-
— Um sopro gélido, Sithloth! Use um sopro gélido! — falou trar em erupção. Axel, Suanny, Kildred, Janotas e Mildred cor-
Kerryne, sem forças. reram através das árvores, tentando sair daquele bosque. O
— Oh, não... — balbuciou Axel. Aquilo mataria a Mildred, bosque ficava situado sobre um monte próximo às Montanhas
Janotas e Suanny. de Teldiskan. O coração parecia que não ia agüentar e o suor
— Janotas! — gritou Kildred. — Uma bola de fogo na cabe- escorria como água, o local estava fervendo. Os cinco corriam
ça da naga! E é pra ontem! Ela está com as bolas engenhocas de desesperadamente, tentando salvar suas vidas. Éksis se enfia-
Hugho na boca! ra dentro da camisa de Axel para não cair.
Janotas acabara de se levantar. Kildred corria em dire- A torre de fogo subiu alto, como se quisesse alcançar os
ção aos amigos, próximos a porta. Janotas estendeu o bastão e céus. A terra tremia e lava escorria por todo o monte. O monte,
começou a murmurar algumas palavras, ia usar o restante de do templo sszzaazita, de bosque passou a um temporário vul-
sua energia mágica naquele projétil de fogo feito com Ataque cão. A lava queimava toda a vegetação presente no monte. Já a
Mágico. Axel, ouvindo o aviso também, estendeu a mão e ati- uma distância segura, os Helsen e Mildred apenas observavam
rou um projétil de fogo com Ataque Mágico. Os dois projetos aquele espetáculo assustador.
acertaram simultaneamente a cabeça da naga, que caiu no chão. — Melhor irmos andando, antes que a lava chegue até nós.
O saco da invenção de Hugho entrou em chamas. Kildred pas- — falou Axel.
sou correndo e abriu a porta. — Concordo. — disse Janotas.
— O que está fazendo, infante? — perguntou Suanny le- — Vou com vocês até Valkaria. De lá tentarei entrar em con-
vantando-se. tato com o templo do qual faço parte. Eles precisam saber o que
— Não viu que... houve com a caravana... Obrigada por tudo mesmo. Muito obri-
— Sim, eu vi. Só que você, Duende e o aprendiz ali esquece- gada. — disse Mildred dando um beijo no rosto de Axel, que
ram que precisam de Terra pra haver efeito? Essa balbúrdia toda ficou todo vermelho.
foi à toa, não adiantou de nada! Machos... — exclamou Suanny. — Ei, porque só nele? — reclamou Janotas.
— Eu estava com medo de não encontrar areia, por isso en- — Tudo bem. Obrigada. — falou Mildred sorrindo e dando
chi o saco todinho com areia antes de sairmos da sede. um beijo no rosto de Janotas, que não escondia a satisfação.
— O quê?! — exclamou Suanny. — Hunf! — bufou Suanny.
— O que é aquilo? — perguntou Mildred. Axel sorriu com a atitude de Suanny, ela não queria criti-
O saco estava com um tom vermelho brilhante, como se car Mildred, pois esta ajudara bastante o grupo.
fosse explodir. Lorde Sithloth abriu a boca, inspirando ar para — Missão cumprida, não é Suanny? — perguntou Axel.
atirar um sopro gélido no grupo. Mais rápido do que podiam, o — Não totalmente.
grupo começou a correr em disparada pelo corredor. O sopro — Por que não? — perguntou Axel, tirando Éksis de dentro
gélido veio logo em seguida, atingindo poucos metros do cor- de sua camisa.
redor. Somente o vento frio chegou ao grupo. Lorde Sithloth — Porque não conseguimos pegar o Cristal de Tenebra. Mas
disse, com um tom arrogante na voz: devo admitir que você foi corajoso, Duende. Muitos hesitariam
— Covardes! covardemente em destruir aquele artefato. — falou Suanny
— Por Tenebra! — exclamou Kerryne vendo o saco olhando pro horizonte.
incandescente. — E quem disse que não conseguimos? — Axel enfiou a mão
O grupo saiu do corredor subterrâneo, atravessando o no bolso e tirou um cristal negro que emanava uma fraca luz negra.
quarto e o escritório do sarcedote-chefe do templo sszzaazita. — Mas... E...? — balbuciou Suanny.
Ao saírem no jardim, eles viram o gelo da parede sul, à esquerda — Eu queimei um globo de vidro que estava naquela pilha
deles, derretendo com a rocha incandescente. Janotas ia come- de tesouros. — falou Axel guardando o cristal novamente.
çar a atravessar o jardim, quando Kildred o segurou. — Eu devia ter imaginado, você não tem mesmo coragem
— O que foi? — perguntou Janotas. para destruí-lo. — falou Suanny com um tom de voz sério, ten-
— Vamos escalando. — falou Kildred apontando pra Suanny. tando disfarçar o orgulho que sentia naquele momento de Axel.
Suanny começava a escalar pela parede, levando consigo Ele fora fantástico.
um lençol comprido retirado da cama do sacerdote-chefe do tem- — Você não tem jeito mesmo, né? — perguntou Axel
plo. Ao chegar no topo, Suanny viu que estava de volta a um Suanny olhou pra ele pelo canto do olho e embora não
monte nas Montanhas de Teldiskan. Podia ver o topo do templo demonstrasse, sorria internamente. Axel voltou a olhar para fren-
sszzaazita por cima da copa das árvores, com duas esculturas de te, estavam chegando a uma estrada. Mais alguns dias e estari-
serpentes gigantes nas duas extremidades do mesmo. Suanny am em Valkaria. Janotas e Kildred começaram a entoar uma can-
amarrou o lençol no galho de uma árvore e o jogou no buraco. ção feita por um hobbit em tempos antigos. E enquanto a lua
Axel acabara de subir da forma convencional, sem o lençol. Podia- descia em direção ao oeste, a canção ecoava pela noite naquela
se ver o chão ficando vermelho incandescente mais à frente. Axel estrada...
e Suanny puxaram o lençol, ajudando Mildred a subir mais rapida- ??? “A estrada em frente vai seguindo, deixando a porta
mente. O próximo foi Janotas. Kildred já estava vendo as serpen- onde começa. Agora longe já vai indo, devo seguir e que nada
tes ganhando vida e a parede da esquerda borbulhando como um me impeça. Em seu encalço vão os meus pés, até a junção com
líquido, quando o lençol caiu pra ele. A serpente gigante, que aca- a longa estrada. De muitas sendas através, que vem depois?
bara de sair de seu estado de inanição, viu Kildred escalando a Não sei mais nada...” ???
parede e dirigiu-se até ele. O bote atingiu apenas a parede. Kildred
havia sido puxado pelos amigos a tempo. FIM
— chão está rachando! — exclamou Janotas.
— Isso vai explodir, vamos sair daqui! — falou Axel.
O chão começou a borbulhar, soltando pequenas gotas

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