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A IMPLANTAÇÃO DAS CIÊNCIAS NO BRASIL - UM DEBATE

HISTORIOGRÁFICO1

Maria Amélia M.Dantes

Em 8 de dezembro de 2004, rádios e emissoras de televisão lembraram o décimo


aniversário da morte de Tom Jobim. Pude assistir, então, a vários depoimentos deste
músico reconhecido por atuar na interface da música erudita e popular, e que contribuiu
para projetar a música brasileira no exterior.
Com esta imagem na cabeça, foi com grande surpresa que vi Tom Jobim, em um
depoimento transmitido pela TV Cultura de São Paulo, declarar que se lembrava de uma
época em que “tudo vinha de fora”, de instrumentos a formas musicais. O exemplo que deu
foi dos pianos, que chegavam ao país, vindos de outras paragens.
O que o músico expressava é conhecido dos historiadores: a relação da cultura
brasileira com padrões europeus. Mas, o que chamou minha atenção foi a não valorização
de outras tradições presentes na sociedade brasileira. É como se houvesse um vazio cultural
no país.
Este é um tema muito presente na histografia da ciência e pesquisadores que se
voltam para a implantação das ciências no Brasil muitas vezes se perguntam: realmente
tudo veio de fora, também em ciência? Ou houve alguma contribuição local às práticas que
se institucionalizaram? O que poderia ser expresso, também, como: fazer ciência no Brasil
é somente copiar o que é feito fora, ou o processo de implantação implica em
transformações, ou seja, em criação?
Podemos dizer que, até recentemente, foi bastante aceita a idéia de que as ciências
haviam se difundido dos paises europeus para paises periféricos como o Brasil, sem que
fatores locais tivessem ação expressiva. Só nos últimos anos, esta idéia do vazio científico e
cultural que acolhe valores externos, vem sendo questionada.
Este é o tema que proponho para este texto: repensar o processo histórico de
implantação das ciências no Brasil, a partir dos parâmetros da historiografia mais recente.
Existem hoje estudos muito esclarecedores sobre o caso brasileiro e de outras regiões
periféricas, que trabalham este processo e que chamam a atenção para a atuação de
intelectuais, cientistas, políticos e outros setores da sociedade brasileira.
É minha contribuição para esta coletânea em homenagem ao Prof. José Maria
Filardo Bassalo, um grande batalhador, com atuação destacada na implantação da Física no
Pará.

1.Difusão científica ou encontro de tradições?

1
Maria Amélia M.Dantes. “A implantação das ciências no Brasil. Um debate historiográfico”. In: Alves, José
Jerônimo de Alencar (org.). Múltiplas faces da história das ciências na Amazônia, Belém, Ed.Universidade
Federal do Pará, 2005, 31-48;
George Basalla e seu modelo para a difusão científica

Foi somente a partir dos anos 1960 que a difusão da ciência moderna e a
implantação de tradições científicas em diferentes contextos passaram a ser temas para os
historiadores da ciência. Um marco nesta linha de estudos foi a publicação, pela revista de
divulgação científica Science, do texto do historiador norte-americano George Basalla,
“The Spread of Western Science”, em 19672.
Este texto teve grande influência e trouxe uma perspectiva mundial para a História
da Ciência, até então voltada para o desenvolvimento das ciências em países que tiveram a
liderança na produção de conhecimentos científicos modernos3.
Foi editado no contexto dos debates sobre a questão do desenvolvimento, nos anos
que seguiram a segunda guerra mundial e, a partir de estudos históricos, procurou
apresentar propostas que orientassem países dependentes cientificamente a se tornarem
lideranças científicas.
No texto, Basalla utiliza estudos históricos existentes sobre o processo de difusão da
ciência moderna- produzida em alguns países europeus e paradigma científico por
excelência- para outras regiões do globo: América, África e Ásia, desde os primeiros
períodos da expansão européia. A partir destes estudos, constrói um modelo geral para a
difusão da ciência moderna, constituído por 3 fases. Uma primeira, caracterizada pela
inexistência de comunidades científicas locais e pelo levantamento feito por europeus das
regiões contatadas; uma segunda, denominada colonial, de existência de uma comunidade
científica local, no entanto, dependente de padrões científicos externos e sem contribuições
relevantes para a produção científica mundial; uma terceira, dos paises independentes
cientificamente.
Algumas questões merecem ser destacadas.
A primeira é que o texto de Basalla está inserido no quadro tradicional da História
da Ciência, pelo qual a ciência moderna é vista como conhecimento universal e cujo
desenvolvimento conceitual é movido por determinantes internos e orientado para a busca
de um conhecimento correto do universo físico. Influências sociais só se dariam em
aspectos mais externos da prática científica, como papéis a ela atribuídos, ou sua
utilização4.
Assim, a difusão da ciência ocidental é vista como um processo pelo qual um
conhecimento epistemologicamente superior- a ciência moderna- se instala em outros
contextos sociais. Para o autor, em alguns casos- como na China e na Índia, com grandes
civilizações antigas-, a ciência se impôs aos saberes locais por sua superioridade cognitiva.
O exemplo dado é dos sistemas de classificação, considerados superiores aos locais. Em
outros casos- como nas Américas- a não existência de civilizações avançadas, teria
facilitado o processo.
Como, para o autor, o objetivo dos vários países deveria ser tornar-se
cientificamente independente, crenças filosóficas e religiosas que criassem resistências à
2
George Basalla, “The Spread of Western Science”, Science, 156, 1967, pp.611-622;
3
Antonio Lafuente, Alberto Elena e M.Luiza Ortega, na introdução ao livro por eles organizado,
Mundialización de la ciência y cultura nacional, Madrid, Ed.Doce Calles, 1992, declaram que os
historiadores da ciência têm uma dívida com Basalla que, em primeiro lugar, chamou a atenção para a
importância do processo de expansão mundial da ciência;
4
Neste sentido, se aproxima do sociólogo Joseph Ben-David, autor de O papel do cientista na sociedade,
S.Paulo, Ed.Pioneira, 1972;
implantação da ciência moderna, deveriam ser erradicadas pelas elites locais. O exemplo
dado pelo autor é do confucionismo, na China, que fazia críticas às práticas científicas.
Finalizando, quero sublinhar que o texto de Basalla considerava, também, a difusão como
um processo unidirecional, pelo qual, um conjunto já estabelecido de conhecimentos se
difundia para outros contextos.
Note-se que, analisando a implantação da ciência moderna nos vários continentes, o
autor não considera fundamental a ação de fatores políticos. E, em nenhum momento,
registra alguma interação positiva da ciência moderna com saberes locais.
Quanto às críticas a este modelo, lembremos que elas se inserem no conjunto mais
amplo das críticas às propostas desenvolvimentistas tão em voga no pós-guerra, e que se
desmontaram com sua própria ineficácia na resolução de problemas dos países sub-
desenvolvidos.
No entanto, como já dito, o texto teve grande influência, estimulando estudos sobre
o processo de implantação das ciências nos mais variados contextos. O que, no entanto, já
ocorreu em um outro quadro conceitual da História da Ciência.

Novas formas de pensar a questão da difusão científica

Nas últimas décadas, a HistórIa da Ciência passou por grandes transformações e um


número crescente de historiadores passou a definir ciência como atividade social cujo
desenvolvimento resulta da ação de variáveis internas e externas.
A nova historiografia, de forma crescente, tem trabalhado a produção de
conhecimentos como contextualizada, resultante de negociações- de caráter científico e
extra-científico, e consensos que se estabelecem. Tanto para contextos centrais como para
periféricos5.
Passou a considerar, também, a implantação de conhecimentos científicos em
diferentes contextos como parte de processos históricos mais amplos. No caso tratado por
Basalla, a difusão da ciência moderna tem sido trabalhada como uma das facetas do
processo de expansão européia- militar, comercial, política-, portanto marcada pelas
relações de poder que se instituíram entre as diferentes regiões do globo, em especial entre
metrópoles e colônias. Neste processo, a ciência européia se universalizou, sobrepondo-se a
saberes tradicionais locais, em alguns casos milenares6.
Esta difusão não é, assim, vista como simples resultado da superioridade
epistemológica do novo saber, e sim como um processo complexo em que atuam variados
fatores. No caso dos sistemas coloniais, políticas metropolitanas, mas também interesses de
grupos coloniais, não necessariamente harmônicos àquelas políticas.
Com a expansão da história social das ciências, se destacam duas linhas de estudos
voltadas para a difusão da ciência moderna.
Primeiro, os estudos sobre o papel desempenhado pelas ciências na constituição dos
impérios. Nos anos 1980 e 1990 foram editados livros sobre os vários impérios- ibéricos,

5
Um texto que trabalha desta forma a implantação da física newtoniana no contexto europeu e no colombiano
é o artigo de Luiz Carlos Arboleda, “Acerca de la difusión cientifica en la periferia” In, QUIPU, 4(1), 7-32,
1987;
6
A nova historiografia vem trabalhando com a idéia de que a ciência é uma atividade local, contextual, que
circula. Sobre esta produção v. Dominique Pestre, “Por uma Nova História Social e Cultural das Ciências:
Novas Definições, Novos Objetos , Novas Abordagens”, Cadernos IG-UNICAMP, Campinas, Vol. 6, nº 1,
1996, 3-56 (trad. de artigo publicado nos Annales ESC, vol. 50, nº 3, mai-juin 1995);
francês, inglês, alemão-, alguns deles, partindo do artigo de Basalla e propondo novos
modelos que, por exemplo, diferenciavam as práticas imperialistas das metrópoles7
Outra linha é a dos estudos sobre a implantação das ciências nos vários contextos,
em geral realizados por pesquisadores dos próprios países, partícipes de comunidades de
historiadores da ciência que se formaram dos anos 1960 aos 1980. Na América Latina, a
Sociedade Latinoamericana de História da Ciência e da Tecnologia, criada em 1982, teve
um papel fundamental, estimulando estudos e debates sobre as especificidades da
historiografia da ciência no continente.
Esta nova produção partiu de uma crítica à generalização feita por Basalla em seu
artigo e passou a trabalhar a especificidade de cada contexto. Hoje, podemos dizer que
existe uma gama expressiva de estudos sobre os vários continentes, o que já permite
estudos comparativos. A forte presença destes estudos no congresso internacional de 20018
nos mostra que esta é uma das características da História da Ciência atual: os estudos sobre
os vários contextos nacionais.
Em muitos destes estudos, o processo de difusão passa a ser visto como um
encontro de diferentes tradições/culturas. E não como a transposição de um conhecimento
já estabelecido em um meio receptor, com pouca- ou nenhuma – contribuição ao
desenvolvimento científico.
Dois estudos- um sobre o México e outro sobre o Irã e o Egito são bastante
ilustrativos desta nova leitura.

José Luis Peset, em seu artigo “Ciência y independência em la América española”9,


publicado em 1992, trata da forte resistência do padre criollo José Antonio Alzate ao
projeto ilustrado da Coroa espanhola de introduzir em Nova Espanha, atual México, o
sistema de classificação lineana e outros conhecimentos científicos modernos; e realizar
levantamentos de recursos naturais de interesse econômico.
Para tal foi montada a Real Expedição Botânica de Nova Espanha, que atuou de
1788 a 1803, realizando excursões e levantamentos da flora da colônia. Também foi
responsável pela instalação de um Jardim Botânico e de uma cátedra de botânica na
Universidade do México, que deveria atuar como centro difusor do sistema de classificação
lineano.
Esta interferência da Coroa espanhola na vida cultural da colonia motivou forte
oposição de parte dos intelectuais mexicanos. É bom lembrarmos que a Universidade do
México havia sido criada no século XVI e a colônia contava com uma comunidade
expressiva de intelectuais criollos, segundo o autor, familiarizados com as práticas das
ciências empíricas.
Destacou-se neste movimento o padre criollo José Antonio Alzate, intelectual e
naturalista, editor da revista Gazeta de literatura que, em seus textos, criticava o uso por
Lineu de caracteres acidentais ( classes, ordens, gêneros) e defendia uma botânica mais
7
Autores com propostas inovadoras neste sentido, como Lewis Pyenson e Roy MacLeod, têm artigos no livro
Patrick Petitjean; Catherine Jami; Anne-Marie Moulin (eds.), Science and Empires. Historical studies about
scientific development and european expansion, Dordrecht/Boston/London, Kluwer Academic Publishers,
1992;
8
Trata-se do XXI International Congress of History of Science, realizado na cidade do México, em julho de
2001;
9
José Luis Peset, “Ciencia e independencia en la America Española”, In, Antonio Lafuente, Alberto Elena e
M.Luiza Ortega (eds.), Mundialización de la ciência y cultura nacional, Madrid, Ed.Doce Calles, 1992, 195-
218;
ligada à medicina e à fisiologia, às virtudes, e à utilidade das plantas, nos moldes da
tradição de origem indígena. Confrontavam-se, assim, dois sistemas de classificação
baseados em concepções distintas.
Além da dimensão científica da oposição feita por Alzate, o autor sublinha, também,
seu lado ideológico, já que se inseria na luta de criollos contra a Coroa espanhola.
Considero este estudo bastante esclarecedor sobre os diferentes fatores atuantes no
processo de implantação das ciências modernas em contextos periféricos. Além de mostrar
intelectuais locais em ação, no caso, mantendo intenso debate com naturalistas espanhóis
que defendiam a introdução dos novos saberes.

Outro estudo, bastante elucidativo, foi publicado em 1992 pelo historiador Roshdi
10
Rashed , e trata da introdução, no século XIX, de elementos da tradição matemática
européia no Irã e no Egito, países com tradição antiga em estudos matemáticos.
Rashed mostra-se bastante crítico em relação ao modelo proposto por Basalla, pela
generalização que faz para contextos sociais distintos e por considerar os contextos
receptores como caracterizados por um “vazio científico”. Em seu estudo trata de países nos
quais, ainda no século XIX, permaneciam tradições matemáticas distintas da européia, por
ele denominadas tradições clássicas por terem se iniciado em período anterior à idade
moderna. O autor identifica sua permanência em vários países- Irã, Egito, Turquia e
Tunísia-, como atividades que se mantinham vivas, não decadentes, sendo ensinadas e
orientando atividades de pesquisa.
Estuda detalhadamente as obras de al-Asfahani (1800-1876), da cidade de Ispahan
no Irã, que continuava resolvendo equações algébricas por métodos tradicionais, chegando
a resultados análogos aos demonstrados, por outros métodos, por matemáticos europeus.
Registra, assim, no Irã do século XIX uma atividade, vista por ele como condenada a
desaparecer, mas que apesar de subalterna a nível da produção mundial, mantinha-se viva,
produzindo conhecimentos. Observa, também que al-Asfahani não se mostrava
completamente refratário à tradição matemática européia.
Também estuda o Egito do século XIX, aí encontrando um corpo de professores que
atuaram como mediadores da transferência de ciência moderna, em especial após a
formação do Estado de Muhammad Ali, com seus projetos modernizadores que, mesmo
mantendo o sistema tradicional de ensino, trabalhou no sentido da introdução de valores
ocidentais na sociedade egípcia. Sublinha, assim, a atuação de grupos locais neste processo.

Finalizando este item chamo a atenção para algumas características da nova


historiografia. Primeiro, a tendência a trabalhar de forma diferenciada os vários contextos,
considerando suas especificidades. Também, são estudos que procuram enfatizar que o
processo de implantação de práticas científicas não foi resultante simplesmente da ação de
centros difusores, sendo determinante a atuação de grupos locais. Por fim, a consideração
de que o contexto cultural local, com a presença de outros saberes, também atuou neste
processo, gerando apropriações diferenciadas das ciências modernas.

10
Roshdi Rashed, “Science classique et science moderne à l’époque de l’expansion de la science européenne”
In, Petitjean, Patrick, Jami, Catherine; Moulin, Anne-Marie(eds.), Science and Empires. Historical studies
about scientific development and european expansion, Dordrecht/Boston/London, Kluwer Academic
Publishers, 1992, pp.19-30;
2. História das ciências no Brasil - A implantação da ciência e seus encontros e
desencontros com outros saberes

Até recentemente a historiografia brasileira considerava que práticas científicas só


haviam se estabelecido, de forma mais continuada, no país, após a criação das primeiras
universidades nos anos 1930. Ou seja, considerava-se que, por grande parte da história
nacional, havia existido um “vazio científico”, entendido pelos estudiosos como resultante
do desinteresse das elites brasileiras pela produção científica11.
A historiografia mais recente tem caminhado noutro sentido, procurando registrar e
analisar o que havia no país em períodos mais recuados.
Como vimos para outras regiões periféricas, a implantação de práticas científicas no
Brasil tem sido vista pelos historiadores como uma das facetas da incorporação do país à
mundialização do sistema capitalista.
Não por acaso, assim, os historiadores têm encontrado registros de que desde o
período iluminista, as ciências modernas fizeram parte dos projetos governamentais- da
metrópole e, depois, dos governos imperiais. E, no século XIX, as ciências eram vistas
como uma das facetas do projeto de inserção da nação no conjunto seleto dos centros mais
representativos da civilização ocidental.
Temos assim hoje, para o final do período colonial, estudos sobre a atuação de
naturalistas viajantes e de jardins de aclimatação e gabinetes de história natural que
levantavam recursos naturais existentes no território brasileiro, realizavam catalogações ou
atividades de aclimatação, trazendo subsídios para o projeto metropolitano de
revigoramento da produção colonial. O período imperial, também, vem merecendo a
atenção dos historiadores que têm acompanhado a atuação de cientistas e de instituições
como escolas profissionais, museus, associações científicas12.
Da mesma forma que para outros países, nossos historiadores têm analisado as
transformações que marcaram a implantação de modelos institucionais ou teorias
científicas, e que acabaram dando novos contornos às práticas científicas brasileiras.
Duas linhas de estudos que podem ser bastante esclarecedoras.
De um lado, os que focalizam a implantação de teorias científicas e sua utilização
por cientistas brasileiros. Nesta linha, contamos com um número expressivo de estudos
sobre a implantação das teorias evolucionistas, que trabalham de forma instigante a questão
da adaptação da teoria a um novo contexto.
Também, uma linha de desenvolvimento recente, bastante elucidativa, é a do
encontro de práticas científicas e práticas populares. Há uma produção já significativa sobre
as práticas de cura, que aqui focalizaremos.
Vejamos mais detalhadamente

Teorias evolucionistas no Brasil- ciência e ideologia

11
Expressão usada por Simon Schwartzmann, em seu livro Formação da comunidade científica no Brasil, de
1979, para descrever as condições existentes no país no século XIX;
12
V., entre outros, Silvia Figueirôa, As Ciências Geológicas no Brasil: uma História Social e Institucional,
1875-1934, S.Paulo, Ed.Hucitec, 1997; Clarete P. da Silva, O Desvendar do grande livro da natureza. Um
estudo da obra do mineralogista José Vieira Couto, 1798-1805, S.Paulo, Fapesp/AnnaBlume/Unicamp. 2002;
M. Margaret Lopes, O Brasil Descobre a Pesquisa Científica. Os Museus e as Ciências Naturais no Século
XIX, S. Paulo, Hucitec, 1997; Alda Heizer e Antonio A.P.Videira: Ciência, Civilização e Império nos
Trópicos, Rio de Janeiro, Ed.Access, 2001;
Para ilustrar como vem sendo trabalhada a implantação de teorias evolucionistas no
Brasil e as adaptações por que passaram, escolhi dois estudos recentes. O de Regina
Cândida E.Gualtieri sobre os trabalhos de cunho evolucionista realizados nos museus
cientificos brasileiros; e o de Lilia Schwarcz sobre as teorias raciais em instituições
brasileiras. O período dos dois estudos é o mesmo, a segunda metade do século XIX e o
início do século XX.

Regina Cândida E.Gualtieri13 trata de um tema não explorado pela historiografia


brasileira: a utilização das teorias evolucionistas pelos cientistas. Já que os estudos têm se
voltado para a presença do darwinismo como discurso ideológico e para sua difusão após
1870, quando ser evolucionista- como ser positivista- era ser moderno para parcelas das
elites brasileiras, que incorporaram estas teorias em seus projetos políticos.
Trabalhando mais especificamente com a implantação de atividades científicas de
cunho evolucionista, a autora analisa os referenciais seguidos pelos naturalistas brasileiros e
sua utilização nas pesquisas.
Constatou, assim, que a Teoria da Evolução, até o final do século XIX, além de
manter contradições como a aceitação de princípios lamarquianos, teve uma aceitação
diferenciada, mesmo entre os naturalistas europeus. Assim, se alguns pontos da teoria de
Darwin eram bastante consensuais- como o não fixismo dos seres vivos e a idéia de
ancestral comum-, a seleção natural, considerada materialista, foi muito contestada.
Também, foi só na última década do século XIX que a seleção natural passou a ocupar uma
posição mais central e incontestável no darwinismo. Mostra, assim, o evolucionismo do
século XIX como bastante flexível, abrindo múltiplas possibilidades para os cientistas.
Do levantamento de artigos nas áreas da botânica e em zoologia, publicados nos
Arquivos do Museu Nacional, no período 1875-1915, constata a presença do darwinismo
biológico e do haeckelismo tanto na escolha de temas como nas interpretações dadas,
concluindo que os naturalistas brasileiros estavam bem familiarizados com estas vertentes.
Também conheciam as controvérsias entre as diversas teorias evolucionistas e se
posicionavam frente a elas. Trabalhando no Brasil, tentavam fazer pesquisas originais,
estudando espécimes presentes na flora e fauna locais.
Entre os autores, vê Ladislau Netto, diretor do Museu Nacional mais próximo do
poligenismo, talvez mais coerente com suas crenças religiosas; já o naturalista alemão Fritz
Miller, ateu e darwinista convicto, se aproximava das interpretações monogenistas. A
autora faz uma leitura extensiva das obras destes cientistas e de outros naturalistas do
Museu, como Pizarro e, para o período republicano, João Batista de Lacerda e Alípio
Miranda Ribeiro. Notemos, também, que as convicções destes cientistas, registradas em
suas obras científicas, também os levou a posições diferenciadas sobre temas de interesse
social mais amplo, como as políticas de imigração.
Tendo em vista o tema que estou considerando, chamo a atenção para a forma como
a autora trabalha a questão da divulgação científica, valorizando a atuação dos naturalistas
na escolha de seus referencias e temas de pesquisa.

Já o estudo de Lilia Schwarcz14 ilustra bem como no final do século XIX, a difusão
de teorias evolucionistas no Brasil embasou a disseminação de teorias racistas. A autora vê
13
Regina C.Ellero Gualtieri, “O evolucionismo na produção científica do Museu Nacional do Rio de Janeiro
(1876-1915)” In, Heloisa M.B.Domingues, Magalí Romero Sá e Thomas Glick (eds.), A recepção do
darwinismo no Brasil, Rio de Janeiro, Ed.Fiocruz, 2003, 45-96;
esta utilização como própria ao caso brasileiro, em um momento em que o destino do “país
mestiço” era pensado por seus intelectuais.
Da mesma forma que no estudo anterior, aqui são lembradas as várias leituras que
teorias evolucionistas tiveram na Europa, e que também seriam referências para os
cientistas brasileiros. Desde concepções monogenistas, que trabalhavam a humanidade
como uma unidade, mesmo com diferentes raças; e as poligenistas que defendiam
diferentes origens para os vários povos, com a idéia de uma humanidade cindida. Estas
vertentes embasaram teorias raciais diferentes, que no segundo caso incluia o conceito de
raças superiores e inferiores. Como a autora sublinha, eram concepções científicas na
época..
Para o caso brasileiro, a autora faz um amplo levantamento da presença de temas
raciais em publicações de instituições científicas brasileiras: museus de história natural,
institutos históricos, faculdades de medicina e de direito. Acaba detectando diferenças
significativas no tratamento dado ao tema pelos diferentes profissionais. Por exemplo, entre
médicos baianos e da Corte; ou entre advogados do Recife e São Paulo.
A autora chama a atenção para como as teorias raciais foram incorporadas pelos
cientistas brasileiros, ganhando novos significados, ou seja, construindo interpretações
originais que vinham de encontro aos temas candentes no país. São encontradas, assim,
diferenciadas concepções- sempre apoiadas em argumentos científicos- da melhor política
de imigração a ser implantada.

Vemos, assim, estes estudos ilustrando bem o que queremos sublinhar na nova
historiografia: a implantação de teorias científicas sempre implica- com maior ou menor
grau- em adaptações, traduções, recriações.

Medicina científica e práticas de cura no Brasil

É muito recente o interesse dos historiadores brasileiros pelo estudo do encontro de


práticas científicas com outras tradições culturais.
No entanto, nos últimos anos, vêm sendo editados vários textos sobre a presença de
práticas de cura no Brasil, desde tempos coloniais, e que têm pontos de contato com a área
da história da medicina, sem dúvida a de maior desenvolvimento na História das ciências
no Brasil.
Os estudos sobre práticas populares de cura se inserem, em geral, na história da
cultura, e vêm contribuindo para o resgate de movimentos de resistência de setores mais
pobres da população brasileira, a políticas de organização social15. São, em geral, estudos
que apresentam uma visão crítica em relação à atuação dos médicos acadêmicos, vistos
como agentes de projetos autoritários e que procuravam impor suas práticas a outros
saberes populares.
Como sabemos, a medicina acadêmica brasileira, como outros saberes científicos,
tem suas origens na tradição médica européia. Mas, sua implantação em terras brasileiras
acabou ganhando características específicas à história nacional.

14
Lilia Schwarcz, O Espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930),
S.Paulo, Companhia das Letras, 1993;
15
Tem atuação destacada nestes estudos, o Centro de Pesquisa em História social da cultura, IFCH-
UNICAMP;
Os médicos metropolitanos e, depois, os profissionais formados nas primeiras
escolas de medicina e cirurgia- Bahia e Rio de Janeiro, em 1808, sempre se viram
confrontados a outros práticos que se dedicavam às artes da cura. Barbeiros, parteiras,
curandeiros, pajés, boticários, sangradores. Como mostra Tânia Pimenta16, atividades que
até 1832, quando os cursos médicos passaram por nova regulamentação, eram reconhecidas
socialmente. Para esta autora, este ano marca o início da luta da medicina acadêmica pelo
controle das práticas de cura. No entanto, esta regulamentação só aconteceu nas primeiras
décadas do século XX.
Como entender este processo tão longo, já que a medicina acadêmica contou com o
apoio das elites dirigentes nacionais, apoio muito intenso nos governos republicanos? Terá
sido devido à pouca eficiência terapêutica da medicina acadêmica até o início do século
XX, quando as práticas microbiológicas se institucionalizaram?
Vários estudos corroboram neste sentido, mostrando, por exemplo que, em meados
do século XIX leigos participavam de debates sobre questões médicas em periódicos
científicos17. Há exemplos, também, de que médicos prescreviam até meados do século
XIX, práticas como as sangrias, ou o uso de remédios similares aos utilizados pelos
curadores populares.
Mais ainda, há registros de que estes práticos eram muitas vezes bastante populares
e mais procurados por parcela significativa da população, do que os médicos. Vemos assim
no Brasil do século XIX, um meio social que contava com um sistema complexo de práticas
de cura, em que tradições mais modernas, européias , dividiam espaço com tradições vindas
do período colonial.
Para o século XIX, há estudos tratando da ação de pajés na Amazônia; e de
curandeiros e outros práticos no Rio de Janeiro e em Minas Gerais18. Ou o estudo de Sidney
Chalhoub sobre a resistência da população de cortiços cariocas às medidas da junta de
higiene do governo imperial e, em especial à vacinação anti-variólica. O autor após análise
cuidadosa, conclui que as raízes destas ações estavam em crenças religiosas africanas e suas
concepções de doença e cura, que levavam a uma oposição à práticas médicas oficiais19.
Já outros estudos mostram como práticas de cura populares continuavam sendo
bastante difundidas no Brasil nas primeiras décadas do século XX. No Rio Grande do Sul,
sendo mesmo oficializadas pela liberdade profissional estabelecida pela constituição
estadual de caráter positivista20. Ou mesmo em 1918, durante a gripe espanhola, quando
foram largamente acionadas em um contexto de falência da medicina oficial21.

16
Tânia S. Pimenta, “Terapeutas populares e instituições médicas na primeira metade do século XIX” In,
Sidney Chalhoub, Vera Regina Beltrão Marques, Gabriela dos Reis Sampaio, Carlos Roberto Galvão
Sobrinho (org.), Artes e Ofícios de curar no Brasil, Campinas, Ed.UNICAMP, 2003, pp.307-330;
17
L. Otavio Ferreira, “Ciência médica e medicina popular nas páginas dos periódicos científicos (1830-
1840)”, In, Sidney Chalhoub, Vera Regina Beltrão Marques, Gabriela dos Reis Sampaio, Carlos Roberto
Galvão Sobrinho (org.), Artes e Ofícios de curar no Brasil, Campinas, Ed.UNICAMP, 2003, pp. 101-122;
18
Aldrin M.Figueiredo, “Pajelança e medicina na Amazônia no limiar do século XX” In, Sidney Chalhoub et
allii, Op.Cit., pp.273-304; Tânia P. Salgado, Op.Cit; e Betânia G. Figueiredo, Artes de Curar. Cirurgiões,
médicos, boticários e curandeiros no século XIX em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ed.Vício de Leitura, 2002;
19
Sidney Chalhoub, Cidade febril. Cortiços e epidemias na corte imperial, S.Paulo, Companhia das Letras,
1996;
20
Beatriz Teixeira Weber, As artes de curar. Medicina, religião, magia e positivismo na república rio-
grandense. 1889-1928, Santa Maria/Baurú, Ed.Univ.Fed.Santa Maria/ Ed.Univ.Sagrado Coração, 1999;
21
Liane Maria Bertucci, Influenza, a medicina enferma. Ciência e práticas de cura na época da gripe
espanhola em São Paulo, Campinas, Ed.UNICAMP, 2004;
3. À guisa de conclusão

Vejo a nova historiografia contestando a visão bastante difundida de que a história


brasileira foi uma sucessão de valores, tradições, saberes, práticas importados, sem uma
contribuição local.
Quanto às ciências, não podemos negar que a ciência moderna chegou ao
território brasileiro a partir do exterior, inicialmente dos paises europeus; uma tradição
desenvolvida em outro território, chegando ao Brasil. Mas, sua implantação não foi uma
difusão simples em um território vazio. Ao contrário, foi sobretudo resultado da ação de
grupos locais que buscavam no exterior tradições que queriam implantar no país.
Como vimos, no caso das teorias evolucionistas, setores das elites imperiais,
acompanhando o que acontecia na Europa, construíram um pensamento sobre a nação e seu
futuro. Na área da medicina acadêmica, modelos de ensino médico, princípios de higiene,
ou mesmo práticas microbiológicas, chegavam ao país e cumpriam funções na formação de
profissionais e na implantação de políticas de saneamento e controle de doenças.
Estas práticas vindas de fora, foram utilizadas de formas diferenciadas. Quando não
tiveram que se confrontar com outras práticas já estabelecidas localmente.
O que nos lembra que é preciso ter cuidado com as generalizações, pois o processo
de implantação de saberes/valores, tem tido múltiplos significados, nos diferentes
contextos, em diferentes épocas.
Quanto às outras áreas da cultura, já que começamos tratando de uma imagem
difundida sobre a música brasileira, voltemos a ela.
No depoimento de Tom Jobim, talvez o que cause mais estranheza, em suas
palavras, seja o esquecimento de raízes culturais que, inclusive, fizeram parte de sua
música, vista por estudiosos como uma mistura de jazz e samba. É contraditória, também,
quando lembramos que, em seus depoimentos, sempre declarava seu apreço a Villa-Lobos,
músico que participou de projetos modernistas e nacionalistas dos anos 1920 e 1930, que
defendiam uma música brasileira que recuperasse elementos do folclore indígena e negro22.
O depoimento nos faz pensar, assim, que a memória nacional é, muito
freqüentemente, seletiva e exclui a ação de setores significativos da sociedade brasileira.
No entanto, como vimos, alguns estudos recentes começam a registrar a ação de
indivíduos, até então sem história. Um caminho que se inicia, mas que pode ter muitos
desdobramentos.

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