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C,

Este Iivro representa urn grande passe a frente


..1- ra
no amadurecimento do movimento da
Psicoterapia Dialogica, uma terapia centrada no
encontro entre o terapeuta e seu cilente ou
familia. A Terapia Dialogica representa mais
uma abordagem do qua uma linha de
psicoterapia e tem seus representantes e
pioneiros em varies tendencies da
Psicologia contemporinee.
"De pessoa a pessoa" enfoca de forma clara e
sistematica multos dos elementos basicos da
psicoterapia dialegIca: o "entre", a "cure
atraves do encontro", a "problematica da
mutualidade", a confirmacio e a exclusio.
Integra tambem todos estes elementos nas 0
relacoes EU-TU e LU-ISSO, de Martin Buber,
rn
assim como seu ensinamento hassidlco de
4ireverenciar o cotidiano". Incorpora, ao mesmo RICHARD HYCNER
tempo, a enfase no aqui a agora e no
desenvolvimento do self, elementos teo taros
Gestalt-terapia, ao Zen e a
Psicologia Transpesseal.
Um livro que provocare respostas de psicologos
de todas as tendencies e que contribuire para o 0
E PESSOA
conhecimento das multiples dimensees do
trabalho psicoterapeutIco.
PESSOA
PSICOTERAPIA DIALoGICA

2' edivio

9 -788S1521-51)4551'
8/
ntrando no
Mundo do Cliente

"Entrar realmente no mundo do outro,


corn aceitacheo, cria urn tipo de vinculo mui to
especial que nao se compara a nenhuma
outra coisa que eu conheca."
G2
Carl Rogers

E inerente a abordagem dialdgica a disponibilidade do terapeuta


para entrar, o mais completamentepossivel, na experiencia "subjetiva" do
cliente. No imago de nossa existencia, cada urn de nos incorpora urn
mundo de significados tinicos dentro de um contexto de significados
socialmente aceitos. Assim, somos confrontados corn um dos maiores
dilemas da existencia humana: Somos todos einicos e, ainda assim,
sotnos todos setnelhantes.
As vezes, entretanto, noss as experienci as individuais sio
radicalmente (micas. Este 6 urn dos maiores desafios para o
psicoterapeuta: como ele pode entender e apreciar completamente o
significado, a abrangencia e a profundidade da experiencia "subjetiva" de
outra pessoa? A perplex idade torna-se maior quando a experiencia do
cliente diverge significativamente daquela do terapeuta. E urn

62. Rogers (1986). Entrevista corn Carl Rogers gravada em video por Warren Bennis.

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desafio que tanto fascina como intriga. t um desafio que nunca pode ser experiencias humanas. Isso requer abertura, flexibilidade substancial e
enfrentado despreocupadamente. urn talento artistic° de mestre. Para dar alguns exemplos concretos e
A suposigao da abordagem dialogica 6 que os bloqueios neur6ticos simples: no decorrer de uma tarde, voce pode vir a ser solicitado a
ou "interferencias" surgiram, ao menos em parte, porque outras perceber em profundidade a visao de mundo de urn menino de nove
pessoas nao foram capazes de entender, de considerar e de valorizar anos de idade, cujos colegas de escola debocharam dele por causa de seu
a experiencia dessa pessoa. Em consequencia, ela nao Ode sentir-se peso; ou como é ser uma pessoa de meia-idade angustiada pela dor
confirmada63 e, portanto, capaz de apreciar e valorizar sua propria cronica, ou urn jovem e talentoso mdsico que nao pode se
experiencia. Considerando-se vicissitudes naturais da existencia apresentar em pdblico por causa de uma doenca que o incapacita. Em
humana, nenhum de nos recebe o reconhecimento completo e a cada caso, os significados individuais e dnicos dessas pessoas sera°
confirmagao total que nos sao necessarios. Assim, cada urn de nos inevitavelmente moldados por suns formas diferentes de ser-no-
desenvolve vulnerabilidades individuais baseadas em nossas vulne- mundo. 0 desafio do terapeuta é responder a elas.
rabilidades existenciais inatas. Todos nos temos feridas nao cicatri-
zadas. In ' ' `-. , 'I PRESENcA
A necessidade de entender e de ser responsivo as experiencias
dos clientes é salientada pelas descobertas da psicologia do self. Por "0 que esperamos quando estamos desesperados e, mesmo
exemplo, Atwood e Stolorow (1984) proptiem: "Patogenese, na assim, procuramos urn outro homem? Certamente uma presenga,
perspectiva intersubjetiva, é compreendida em termos de fragmen- por meio da qual somos informados de que, apesar de tudo, ha
tageies severas ou assincronias que ocorrem entre as estruturas significado".
subjetivas dos pais e da crianga. Em conseqilencia, as necessidades 65
Martin Buber
primarias do desenvolvimento da crianga nao encontram a
responsividade exigida dos objetos do self' (p. 69). 0 significado Para poder entrar no mundo do cliente, o terapeuta deve, em
disso, do ponto de vista intersubjetivo, é que determinada patologia primeiro lugar, es tar completamente "presente" para o cliente. James
surge porque nao houve confirmagao suficiente por parte das figuras Bugental chama a presenga de "o ingrediente essencial da terapia"66.
parentais no estagio initial do desenvolvimento64. 0 terapeuta, Alern disso, ele assinala que a presenga nao é, de maneira alguma, o
portanto, deve estabelecer uma aliancae um vfnculo — um vfnculo mesmo que o rapport (1987 , pp. 46-47). E preciso alguma coisa a
bem Intimo — corn esse cliente. 0 cliente necessita et erienciar mais do que "rnero" rapport. 0 terapeuta nao deve serapenas
profundamente em seu intim° que o terapeuta o compreen e ou, pelo amigavel, mas deve estar disposto a efetivamente con tribuir com seu
menos, que esta fazendo urn esforco humanamente possfvel para proprio Self para o encontro. Ha urn grande mal-entendido sobre
compreende-lo. E. somente a disposigao dos dois participantes de se todo o conceito de presenga. Isso ocorre porque a presenga nao po-
engajarem neste tipo de alianga e vfnculo que ira permitir que o de ser tecnica. El a é urn reconhecimento do misterio e da permeabili- `0„
ambiente terapeutico seja verdadeiramente curativo. dade de nossa existencia. Ela é a awareness de que toda a categori-
0 terapeuta 6 solicitado a responder a vasta extensao das zacao e rotulagao interferein no revelar genuino daquilo que e mats v
vulneravel, real e essential no ser humano.
63. Ver lambent a discussao anterior no capftulo 4 sobre a questao da confirmacao versus De forninrgifma a preserTapode ser descrita como o simples
aceitacao.
64. Isso nil° 6 para culpar as figuras parentais, mas para reconhecer corn compaixao que eles
tambem devem ter tido uma educacao inadequada. Acima e Mem disso, isso reconhece a 65. Buber (1973) p. 46.
unicidade existential inerente dos pais, da crianca e as fragmentacoes necessarias que
66. Id6ia basica do discurso proferido na Primeira Con ferencia Anual sobre Psicoterapia
devem ocorrer nas interacoes humanas comuns. DialOgica, San Diego, CA, 1985.

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estar junto fisicamente, embora o estar junto ffsico seja, certamente, SUSPENDENDO OS PRESSUPOSTOS: "COLO CAR
a preliminar para o sentido de presenga. E muito diffcil discutir esse ENTRE PARENTESES"
conceito essencial de presenga, porque nao se presta a qualquer
entendimento objetivo ou descrigao clara. Mesmo assim, nos todos 0 terapeuta nao pode entrar verdadeiramente no mundo do
temos urn senso intuitivo do que ela significa. Todos sabemos cliente e estar "presente", a menos que esteja disposto a "suspender"
quando a experienciamos. E estat mais completamente disponfvel seus pressupostos, sua propria visao de mundo e conceitos tanto
para a outra pessoa num dado momento — sem a interferencia de quanto for humanamente exeqiifvel no momento. E claro que nao se
consideracOes ou reservas. E a consciencia que se dirige completamente pode nunca suspender completamente as proprias perspectivas, e
ao "processo_de existir" da outra pessoa. Isso requer que o terapeuta nem seria desejavel. Mas é necessario que nossos significados,
esteja atento a experiencia do cliente, mas, simultaneamente esteja vieses e preconceitos sejam "colocados entre parenteses"68, postos
atento a sua pr6pria existencia. Tal presenga "exige" que o terapeuta de lado temporariamente, de modo a nos permitir uma entrada no
fique no "momento fertil"67 e permita que o encontro desenvolva-se mundo e nos conceitos mais significativos da pessoa coin quern
partir disso. 0 fluxo natural da experiencia humana tendera a levar estamos trabalhando. Rollo May trata disso corn sensibilidade,
o terapeuta de urn momento da situagao presente ao momento quando diz:
seguinte. Entretanto, o nosso treinamento cognitivo nos tirara,
freqUentemente, dessa centralizacao no presente. A reflexao pode, "0 use de si proprio como instrumento exige, é claro, uma
corn muita facilidade, tirar-nos do momento presente e empurrar-nos tremenda autodisciplina por parte do terapeuta... Na verdade,
rra o passado ou para o futuro, ocupados mais corn fantasias — quero dizer que a autodisciplina, a autopurificagao (se assim
aqueles fantasmas sombrios, fugazes — do que pela carne e o sangue voces a entendem), colocar entre parenteses as proprias distorcOes
de pessoas reais. e tende'ncias neuroticas, ate o limite possfvel para urn terapeuta,
E claro que o impulso principal é no sentido de tentar trazer-se de parecem-me resultar em torna-lo capaz — em maior ou menor
volta para estar tao plenamente presente quanto possfvel. Quando nao grau — de experienciar o encontro como uma forma de participar
estou fazendo isso, descubro que perco oportunidades muito dos senti mentos e do mundo do paciente." (1983, p. 23)
especiais de lidar corn essa pessoa e a terapia de formas que nao me
ocorreriam de outra maneira. Essa centralizagao-no-presente e o que Para podercolocar entre parenteses seus pressupostos, o terapeuta
mantern o processo da terapia totalmente vivo. E algo parecido corn precisa empenhar-se no "esvaziamento" psicologi co de seus conceitos
navegar nas corredeiras de um rio — é preciso estar o tempo todo tidos como verdades. Isso poderia ser descrito como urn momento
lfuindo junto e respondendo a cada momento as mudancas em "meditativo" da parte do terapeuta, que permite que as possibilidades
andamento. Esse sentimento pleno de vida contribui ainda mais para a tinicas e ricas do cliente floresgam em nossa presenga. 0 zen-
cura, considerando que todos nos, pelo simples fato de sobrevivermos em budismo enfatiza a necessidade de nos "esvaziarmos" de modo a
uma sociedade imensamente complexa, pagamos por isso o prego da receber verdadeiramente a "realidade". De forma similar, o terapeuta
diminuigdo da nossa presenga. Quando a presenga é diminufda, o precisa tornar-se muito "aberto". Em outras pal avras, de modo geral
sentimento de plenitude da vida tambern sofre. somos "inteligentes" demais: temos pensamentos demais, coisas
demais acontecendo conosco, de modo que ha pouco espaco para
sermos receptivos ao novo, ao attic°, a alteridade.

67. Os gregos antigos falam do senso de "kairos", o "momento eterno". Ver tambem os
trabalhos escritos de Rollo May.
168. 0 famoso "epoche" de Edmund Humeri. \\
Como terapeutas, freqtientemente empenhamo-nos exces- surgir questOes transferenciais na terapia. Certamente isso acontece,
sivamente em andlises, temos categorias demais. Por exemplo, mas o aspecto principal 6 que muito provavelmente terei uma
sabemos o que a esquizofrenia, sabemos o que a urn distdrbio de compreensa'o mais profunda dessa pessoa, urn contato melhor e uma
personalidade, sabemos o que é um deficit de atengao, mas nao relacao mais significativa corn ela, quando tiver suspendido meus
sabemos quem é aquela pessoa em particular, sentada ali a nossa proprios valores e "experienciado" o mundo do ponto de vista do
frente e que estd nos mostrando algumas dessas caracteristicas. meu cliente.
Nunca trabalhei corn alguern que se tenha encaixado estritamente Urn exemplo urn pouco mais complexo ocorreu quando eu
nesses diagn6sticos. Por longo tempo pensei que havia algo errado estava trabalhando corn urn garoto de nove anos de idade e sua mae.
corn minha competencia para clinicar. Conclul é que era muito fdcil Inicialmente, tinham me procurado por causa dos problemas de
estereotipar certos estados supostamente denominados patolOgicos. comportamento do garoto. Mais especificamente, ele estava acting
Essa tentagao é sempre muito forte para o clinic°. Mesmo assim, out*. Tratava-se de urn garoto que tinha muito poucos amigos na
deve-se resistir a ela, a fim de poder "ver", verdadeiramente, a unici- escola. Na verdade, era do tipo solitdrio, e a familia tinha se mudado
dade desse cliente. Um diagnostic° é uma maneira abreviada de para a cidade recentemente. ApOs urn certo ndmero de sessOes, ele
descrever urn padraoque-tpride ser muito (nil; ainda assim pode, corn comegava a se comportrir bem melhor. A terapia caminhava bem ate
a mesma facilidade, ocultar a realidade existential daquela pessoa.. o dia em que sua mae apareceu muito perturbada. 0 filho tinha ido
nomenclatura nunca pode nos dar a pessoa. sempre tarefa de bicicleta para a escola, por uma rua muito perigosa, quando ela ja
do terapeuta adaptar sua compreensao nomotetica a pessoa dnica o proibira explicitamente de faze-lo. A mae, muito aborrecida, acha-
corn quem ele esta lidando, ou seja, ser receptivo a qualquer realidade va que ele estava regredindo. Era essa a opiniao dela, e minha reagao
que emerja — nunca decidindo corn antecedencia o que sera dito ou o imediata como adulto foi de realmente achar que ele estava sendo
que ocorrera. Sem ddvida, isso viola nossa tendencia geral de desobediente e acting out. Quando sentamos e conversamos corn ele,
rotular analitica e prematuramente cada experiencia — ate mesmo as ja estavamos em condigOes melhores para ouvir seu ponto de vista.
experiencias tao Intimas que nao se prestam a rotulos. Contou-nos que, para ele, ir de bicicleta tinha um significado muito
Urn exemplo simples, mas interessante, poderd ser instrutivo. diferente. Naquele momento especifico, era moda entre os mais
Ao trabaihar corn uma mulher, cujas fronteiras de identidade nao novos ir de bicicleta para a escola. Era uma questao de identidade,
eram bem desenvolvidas, sentei-me na cadeira bastante inclinado como usar as roupas "certas". Na verdade, se ele nao fosse de bici-
para a frente. Isso aconteceu durante uma sessao em que eu estava cleta nao "faria parte do grupo", ficaria no ostracismo, seria urn
especialmente interessado no que ela dizia. De repente, havia uma forasteiro. Nao seria "urn membro da turma". Esse menino, que ja se
expressdo de horror em seu rosto! Nab estando aware do significado sentia isolado e excluido, estava sendo solicitado por sua mae,
de espaco fisico que me separava dessa pessoa, minha inclinagao despercebidamente, a isolar-se mais ! Olhar a experiencia do ponto
para a frente ameacava-a corn a possibilidade de ser "engolida". Se de vista dele fez a desobediencia comecar a fazer mais sentido:
eu nao tivesse assumido implicitamente meus proprios significados representava uma perda de "identidade", bem como o desejo de-
de fronteiras espacial e psicolOgica, eu teria me dado conta disso e sesperado de fazer parte do grupo.
evitado a situagao ameacadora para ela. Uma resposta para isso, é Essa é, freqUentemente, uma das maiores tensoes na terapia e na
claro, seria que minha inclinagao para a frente simplesmente fez

* "Acting out": termo aplicado usualmente ao comportamento agressivo, imputsivo e, em


* Nomotdtica diz respeito as leis ou aos processos de faze-las. No texto, pode ser entendido termos gerais, anti-social. Tern sentidos especificos em varias abordagens psicoterapicas e na
como referindo-se As categorias da psicologia ou psiquiatria. Caldas Aulete, Diciondrio psicandlise. (Alvaro Cabral e Eva Prick, Dicionlftio Pratico de Psicologia, Ed. Cultrix.)
Contempor6neo da Ltngua Portuguesa. (Nota das tradutoras) (Nota das tradutoras)

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vida — cada pessoa experiencia cada situacao de forma unica. A muito sofisticada e astdcia profissional para manter-se em sua
tarefa do terapeuta e descobrir e entender qual o significado de urn posicao e, ainda assim, ser constantemente surpreendido pelo que é.
evento para.- aqUela pessoa em particular. Falhar nisso cria o que Para fazer uma terapia que sej a realmente responsiva as necessidades do
Buber chamaria de "desenContros", ou o que Atwood e Stolorow cliente, o terapeuta tem que ter urn sentimento de admiracao — tern
chamam de "disjuncOes intersubjetivas". Ha algumas consequencias que se permitir ficar surpreso. E preciso uma abertura para o que Van
fundamentais nessas falhas de compreensao. "Uma conseqiiencia Dusen (1967) chatna de "vazio fertil".
imediata é que as intervencoes terapeuticas serao dirigidas a uma Cada pessoa é corn° urn poema esperando para ser escrito. 0
situacao subjetiva, que de fato nao existe, e tenderlo a produzir efei- psicoterapeuta deve ecoar o ritmo e a rima muito especiais dessa
tos e reacoes que, da posicao superior do analista, parecem incom- forma de artenascente. Ftegtientemente, esse "poema" esteve escondido
preensiveis" (Atwood e Stolorow, 1984, p. 50). E obvio que isso por anos de experiencias torturantes e infelizes. E necessario uma
pode trazer serios desencontros e mal-entendidos na relacao terapeu- grande abertura amorosa para que o belo emerja. A poesia genuina
tica. De fato, e o que ocorre o tempo todo. nao pode ser enquadrala em uma metrica que nao the seja propria.
Alem disso, muitos dos assim chamados padroes patologicos Essa abertura yerdadejrapara a beleza do outro nao pode ocorrer se o
passam tambem a fazer sentido, se voce comeca a compreender o terapeuta mantem concepsOes significativamente divergentes de
-significado do ponto de vista da pessoa, de como é a vida dela. quem o cliente é ou deveria ser.
Mesrno que esse esforgo nao esclareca a experiencia— embora isso As expectativas do terapeuta do que deveria acontecer sempre
ocorra freqiientemente ele transmite o desejo do terapeuta de interferem no que pode acontecer. 0 que pode acontecer é sempre
colocar de lado seus proprios valores, crencas e preconceitos, de muito mais rico do que o esperado. 0 que esperamos é somente a
modo a entrar na perspectiva subjetiva da pessoa — de forma a sugestao mais remota do que é possivel, e o que é possivel amplia os
"sentir o que ela sente." A autenticidade de tal esforco é percebida, limites da imaginacao humana.
e corn freqiiencia, profundamente sentida e apreciada pelo cliente. Se nao me surpreendo pelo menos uma vez durante uma sessao,
Cada urn de nos, nos recantos mais profundos de nosso ser, clama é indicacao de que, ou estou "dessintonizado", ou nao estou em
desesperadamente por ser confirmado. E uma de nossas grandes contato com urn sentido maior do que esta acontecendo corn a pessoa
necessidades existenciais — sermos profundamente compreendidos e entre nos. Se nao fico em contato corn a possibilidade de me
por outro ser humano. Escondemos tanta coisa e construImos barrei- su re-ender;" estarei prestando ao cliente um desservico. Isso nao
ras protetoras tao fortes porque nao nos sentimos compreendidos. significa que ocorra o tempo todo mas o essencial é a postura geral
Podemos, de fato sentir que ninguem pode nos compreender. Em um de estar aberto a possibilidade de se surpreender— dispor-me a ser
sentido mais limitado, isso é verdade. Ainda assim, outra pessoa tocado pelo misterio, pela maravilha e a grandeza da pessoa corn
pode compreender aspectos importantes de nossa vida. Nab ha nada quern estou trabalhando.
mais terrivel do que o sentimento de que estamos completamente sos
e que ninguern nos compreende. O "CENTRO DINAMICO" DA PESSOA
(
UM SENTIMENTO DE ADMIRAcA0 A disponibilidade para ser "surpreendido" é tao essencial
porque afasta o terapeuta da tendencia impulsiva de categorizar e
Pre-julgar é cortar a emergencia de novas possibilidades. 0 coisificar. Buber encoraja o terapeuta air alem do obvio, do "visivel",
terapeuta deve estar sempre disponfvel para se surpreender — nao e focalizar a "alma" da pessoa, o cerne do seu ser em vez de ser
em funcao de sua "ingenuidade", mas por nao pressupor precipitada- afastado desse foco pela "patologia", que, frequentemente, e, um
mente o que aconteceria. Sao necessarias "admiracao ingenua" grito de ajuda. Subj acente a toda patologia, 6terapeuta deve discernir

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o "centro dinamico" da pessoa que guarda seu "espirito" — ele nos da um esforco desses ajuda o terapeuta a comecar a compreender alguns
o contexto para compreender o comportamento. dos sentidos e temas essenciais da vida dessa pessoa e comecam a
aparecer nuances de significado embutidas nasua perspectiva subjetiva.
"Urn homem nao pode ser verdadeiramente compreendido a
nao ser a partir da dadiva do espirito, que faz parte apenas do A EXPERIENCIA DO TERAPEUTA
homem, dentre todas as coisas; é o espirito que faz parte
decisivamente da vida pessoal do homem, que vive; e o espirito Entrar no mundo do cliente significa que o clinic° corre o risco de
que determina a pessoa. Estar consciente do homem, portanto, perder sua propria perspectiva. Em uma situacao extrema, quando ocorre
significa principalmente perceber sua totalidade como uma uma mescla profunda corn a pessoa corn quem esta trabalhando, o
pessoa determinada pelo espirito; significa perceber o centro terapeuta pode ate sentir que esta perdendo sua identidade, ainda que
dinamico, que poe sua marca em cada expressao, acao e atitude, momentaneamente. Carl Rogers, em seu trabalho classic° Tornar-
corn o sinal reconhecivel do ser itnico." (Buber, 1965a, p. 80) se Pessoa, descreve o risco que corre o clinic° nesse envolvimento
que ele normalmente nao se permitiria.
"RASTREANDO"
"E agora, enquanto vivo esses sentimentos nas horas em que
Uma vez que o terapeuta tenha "suspendido" seus pressupostos estou corn ele, sinto-me terrivelmente abalado, como se o meu
subjetivos (tanto quanto possivel), 6 entao essencial que ele seja mundo estivesse em colapso. Ele costumava ser solid° e cheio
capaz, no aqui e agora, de "rastrear" as experiencias e significados de certezas. Agora é difuso, permeavel e vulneravel. Nao
percebidos do cliente que estao ocorrendo a cada momento.69 Isso prazeroso sentir coisas que sempre temi. E culpa dele... Nao sei
quer dizer que o terapeuta "segue", passo a passo, esses significados mais quern sou. Mas, as vezes, quando sinto coisas, pareco, por
expressados pelos clientes e que sao percebidos. Essa é a essencia da urn momento, consistente e verdadeiro." (Rogers, 1961, p. 68)
"danca terapeutica" que estabelece a base para que um encontro
curativo ocorra. Rollo May compara isso a "...natureza ressonante de Isso significa esquecer-se de si, pelo menos momentaneamente.
dois instrumentos musicais. Se voce puxar uma corda de um violino, a Ha uma tensdo ritmica do terapeuta de estar centrado em si mesmo
corda correspondente de um outro violino na sal a ressoard corn seu e, ainda assim, it em direcao ao cliente, onde ele estiver. Dentro dessa
proprio movimento correspondente" (1983, p. 22). E assim tambem a oscilacao existencial, existe aquele momento amedrontador, quando
responsividade exigida do terapeuta. se sente que se vai perder os proprios referenciais. Para realizar urn
Tal abordagem preenche diversos objetivos importantes. Pri- trabalho clinic° realmente eficiente, esse e urn risco que deve ser
meiramente, comunica ao cliente que o terapeuta esta genufna e assumido. Entretanto, o terapeuta nao quer ficar "preso" a experiencia
profundamenie- tritetessado em sua experiencia. Seguir o outro, da outra pessoa. Isso nao seria born para o cliente, uma vez que 6, em
momento a momento, requer grande esforco e envolvimento, o que parte, o motivo de ele estar em terapia — ele esta preso em seu
inevitavelmente sentido pelo cliente. Nasce, uma relacao. Se a _ ......—
proprio ponto de vista. Torna-se necessanauma connpremsao_profun-
relacao é sentida pela pessoa corn quem o terapeuta esta trabalhando,
da dense ponto de vista e, ao mesmo tempo, a habilidade de sair dele e
comeca a estabelecer-se urn tipo de confianca que e essencial ao
oferecer outialperspectiva. Esse segundo passo nao pode ser dado ate
necessariamente dificil trabalho de psicoterapia. Em segundo lugar,
que o anterior tenha se completado.
E claro que o outro lado da questa() é termos que usar a propria
69. Isso é similar ao "emparelhar"(paralleling)de Bugental (1987), que a discutido em seu experiencia de forma a ser empatico corn a experiencia da outra
livro The Art of the Psychotherapist.
pessoa. Alem disso, ate que eu esteja pronto para suspender ou

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colocar entre parenteses os meus pressupostos, jamais serei capaz de como agente e vitima, e nos termos dos conflitos de ambos,
ser verdadeiramente empatico corn as experiencias da outra pessoa, terapeuta e cliente." (Berger, 1987, p. 17)
porque meus vieses irao interferir. Esse é urn desafio dialetico real
para cada um de nos como seres humanos, especialmente na Tudo isso levanta uma questao concreta: quern define o que é
tarefa terapeutica. Certamente precisamos estar aware de nossa a "verdade" dentro da terapia, o cliente ou o terapeuta? Ambos o
prOpria experiencia, -ainda que essa mesma experiencia possa interferir jazem,
no "estar" de fato corn a outra pessoa. Mas, temporariamente, mesmo Inicialmente sao os significados e os sentimentos do cliente,
que por momentos, cada um-de pode colocar de lado as proprias que devem ter,prioridade, para que a terapia progrida e uma relacao
expectativas, de modo a estar mais presente para o outro. forte seja estabelecida. Entretanto, isso nao exclui, de forma alguma, a
Ao trabalharmos em psicoterapia, pelo menos inicialmente, a experiencia do terapeuta, que deve tambern avaliar o andamento da
orientag5o deve ser dirigida para a experiencia do cliente. Isso nc7o terapia. Alem disso, se tomarmos seriamente o conceito de "entre", ha
significa que o clfnico abdique de seus pontos de vista. 0 terapeuta uma realidade que e maior que a soma total das experiencias do
precisa compreender como é a vida daquela pessoa e as nuances terapeuta e do cliente. Juntos, eles formam uma totalidade que
dessa vida, antes qtre-ele possa introduzir uma postura de confronto propicia um contexto paraa experiencia individual de ambos. Talvez
ou de conflito. Nos estagios iniciais, é preciso um reconhecimento e esse seja o significado mais sucinto do "entre"..
a apreciacao do ponto de vista do cliente7°. Algumas vezes, pode
levar urn longo, longo tempo ate que se desenvolva completamente i f I /ill
"PEDRAS DE TOQUE"
essa apreciacao. Para muitas pessoas, confiar em alguem é uma r 01. c..
violacao de toda a sua maneira de ser no mundo. uma aventura Uma forma de chegar a urn sentido mais profundo do mundo
V.
totalmente nova — repleta de riscos — que sempre ameaca a pessoa dessa pessoa é atraves do que Maurice Friedman ( I 972b) chama de
corn urn "nao-ser". "pedras de toque". Isto é, apreender os acontecimentos centrais
Esse é o desafio para o terapeuta: nao so_ apreciar total e cristalizados da vida de uma pessoa que parecem dar significado a
profundamente a experiencia do cliente, mas tambem manter seu sua vida. Esses eventos podem ser paSiados, presentes ou, em alguns
pr6prio centro diante de experiencias divergentes e ate conflitantes. casos, imaginados no futuro. Uma "pedra de toque" para um estudante
Buber chamaria isso de "inclusao"71. Essa tensao abre caminho para a universitario pode ser o evento futuro da formatura. Para uma
verdadeira arte da psicoterapca — o encontro genufno do ponto de vista crianca, receber urn ursinho de peliicia pode ser uma pedra de toque
do terapeuta corn aquele do cliente. muito importante. Existe uma variedade infinita de "pedras de
toque".
"...a compreensao empatica é o resultado final de urn processo 0 essencial é tentar explorar corn uma determinada pessoa o
aberto, constitufdo da interacao e do dialog() promovidos pelo que essas "pedras de toque" significam para ela. Fazendo isso, o
use mtiltiplo de perspectivas do terapeuta, ou seja, a alternancia clinic° esta conseguindo compartilhar o sentido do mundo dessa
e oscilacao livres entre posicoes paradoxais ou conflitantes. pessoa — ele esta entrando nos significados e eventos experienciais
t. Essas posicoes incluem: experienciar, observar e apreciar os do mundo do cliente. Ao mesmo tempo, o terapeuta esta indiretamente
incidentes que o paciente relata, tanto da perspectiva deste the dizendo que esta interessado. Ao faze-1o, uma relacao — um
quanto a de urn observador externo; nos termos do paciente, vfnculo — esta paralelamente sendo estabelecido. De fato, esse
yfriculo é freqiientemente o que esta faltando na vida da pessoa e é
70.Ver tamb6m o capftulo 5, "Psicoterapia dialOgica: visuo geral e definicOes."
urn motivo importante de ela estar em terapia — seu vIncuio corn o
71. Idern. mundo e corn as outras pessoas sofreu danos. Uma relacao genurna

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pode ser estabekcida, e_crescer existirem siplificados relac5o estabelecida, o clinic° pode correr grandes riscos na terapia.
compartilhados. As palavras de Friedman (1985a) sobre os pensadores e Ele pode explorar areas excessivamente vulneraveis, em relacao as
artistas aplicam-se arte da psicoterapia: quais, ate entao, o cliente poderia estar muito resistente a exploracao.
A solidez da relacdo permite que o clinico penetre no "entre" e
"Pensadores e artistas como Blake, Kierkegaard, Nietzsche, explore a "forca crescente" dessa pessoa — onde pessoa encontra
Van Gogh e. Jung tiveram a coragem de manter a tensao entre a pessoa.
lealdade para corn suas pedras de toque da real idade e suas
necessidades de comunicacao corn os outros. Eles tiveram
genialidade para criar pontes — poesia, pintura, teologia,
filosofia, ou psicologia — atraves das quais urn dialog° de
pedras de toque poderia acontecer entre eles e o mundo." (p.
217)

ESTABELECENDO UMA RELAcAO

E tarefa do terapeuta construir uma "ponte" em di rec5o ao


cliente. N5o 6, certamente, responsabilidade do cliente construir
uma ponte em direcao ao terapeuta. Ainda assim, certos sistemas
teoricos parecem pretender isso. Esse 6 urn aspecto importante da
"cura pelo encontro", da qual Buber fala. Curar significa "tornar
inteiro". E 6 a relac5o de confianya corn os outros que foi danificada
e nal° esta inteira. Isso nao acontece de uma vez na terapia. E, antes,
urn processo continuo de restabelecimento dessa conexao corn o
terapeuta e corn os outros. Acontece atraves de uma serie de passos
que se aprofundam progressivamente a medida que a terapia se
desenvolve. Terapeuta e cliente engajam-se em "espirais paralelas
descendentes", entrando em contato urn corn o outro em niveis
existenciais cada vez mais profundos. Isso cria uma intimidade que
raramente nos permitimos desenvolver em nossa vida diaria.
Como pode o terapeuta saber que a relac5o esta sendo construfda?
E uma avaliac5o intuitiva que deve ser feita. Em urn sentido maior,
é a culminacao e a integracao de numerosos momentos de interacoes
em direcao a uma experie'ncia global. Em ultima instancia, é uma
compreens5o de ambos os parceiros na terapia de que ha um profundo
entendimento compartilhado. E o compartilhar "de dentro" de cada
urn corn o outro.
Uma vez que a relacao esteja estabelecida e aprofundada, as
possibilidades na terapia sac) virtualmente infinitas. Com uma solida

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9/

0 Problema
e a Resposta

"A vida e um misterio a ser vivido,


n5o urn problema a ser resolvido."
Gabriel Marcel

pre.protterna do diagnostic° é gue ele contern as sementes da


cura. E isso que precisa ser "ouvido" e integrado para que a existencia
dessa pessoa tome-se inteira. 0 problema pode ser visto como
fazendo parte da existencia total da pessoa e nao como uma anoma-
lia. Isso faz parte da dialetica do "chamar e responder", desenvol-
vida entre nossa psique e nosso corpo, e entre o self e os outros. 0
"problema", na verdade, é umaproclamakao de_cmoaexistancia._
dessa pessoa tornou-se fraturada, alienada e perturbada. Ainda assim,
o problema contem esperanca. "Na doenca mais grave que surge na vida
de alguem, a potencialidade mais alta dessa pessoa pode estar se
manifestando de forma negativa" (Friedman, 1965, p. 39).
Problemas "so" sao problemas Auando olhamos para nossa
existencia objetivamente, ou seja, de maneira EU-ISSO. 0 indivfduo
moderno, tecnolOgico, esta tao acostumado a resolver problemas que

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ate vemos os problemas existenciais como "meros" problemas. Uma problema e o que ele tem a ensinar iria contra sua_propria imagem.
perspectiva radicalmente diferente é oferecida pelo poeta Rilke Portanto, ela se recusa a inte rar esse as ecto em sua vida.
(1978): "Ndo procure as respostas que nao lhe podem ser dadas, Essa é uma postura que provoca umalmudanca e pa adigmai
porque voce nao seria capaz de vive-las, e o importante é viver tudo. na conceituacao da psicopatologia e ate mesmo diiaragnostico. Ara,
Viva agora as perg tas". Essa é uma atitude freqiientemente esque- trata de uma tecniea, mas antes de uma atifude tolaide -aeitacao
cida na existencia moderna. da importancia_do Eroblema. Isso requer uma compreensao dia16-
Os problemas precisam ser ouvidos. Eles surgem em funcao do gic-i-e-clialeiica -do desenvolvirnento human°. Buber coloca isso
desequilibrio de nossas relnoes conosco-e-FoirRis-Ou-tros. Olhar para enfaticamente na seguinte afirmacao: "...quando eu compreendo
"ec6-problema como uma resposta" significa sair da nossa posicao mais amplamente e mais profundamente do que antes, vejo sua
egocentrica e o—lhar para o "entre" — olhar para nossa existencia polaridade total e, entao, vejo como o pior e o melhor nele sat)
relacionalmente. dependentes urn do outro, vinculados urn ao outro" (1965b, p.180).
Uma abordagem dialogica entende a "psicopatologia" corno Faz-se necessario observar polaridades humanas aparentemente
um dialo_go abortado. o residuo de uma tentativa de "dialogo" que opostas lutando em busca do equilibrio._E justamente _a qualidade
obteve resposta. Uma forma de entender o comportamento "muito desequilibrada" que esta "pedindo'T por -equilf1;rio. Preeisa-.
"patologico"_e ve:lo corno_ u_rn„ W ido deniperado .de_respo.sta ao , mos enfatizar uma concepgdo dialetica de desenvolvimento em que se
mundo. E reconhecer o que esta escondido "por tras" dele — ver a face reconheca que as pessoas se movem "para tras" e "para a frente" no
da carencia humana por tras da face da dor humana. Por tras de cada processo global de creseimento.
medo esta 0 desejo e por tras de cada ira esta Ocorre uma inversao do processo figura-fundo em relacao ao
Precisamos compreender o que o problema do diagnostic° esta nosso entendimento linear sobre a teoria do desenvolvimento, pois
"dizendo" sobre a existencia daquela pessoa. Rollo May, falando em salmos de nosso pr6prio egocentrismo para olhar nossa existencia a
termos gerais sobre o comportamento neurotic°, aponta para essa partir de uma outra perspectiva. reconhecer que todas as facetas de
questao: nossa existe'ncia, incluindo-se nossos problemas, sao uma parte de
nos. Precisamos abracar cada parte de nos mesmos, pois cada parte
"Nao é a neurose precisamente o metodo que o individuo usa tern seu valor. Nossa tarefa humana é desco-brir que valor é esse.
para preservar seu proprio centro, sua propria existencia? Trata-se de urn passo fora do meu "EU" em direcao ao "entre" —
Os sintomas sac) meios de reduzir a area de seu mundo... de entre a consciencia e a inconsciencia, entre mente e corpo, entre self
forma que a centralidade de sua existencia possa ser protegida da e Self, entre eu e o outro. Estamos tao acostumados a resolver
ameaca; é uma forma de bloquear aspectos do meio ambien- problemas que é quase desconcertante pensar em apreciar seus
ce, para que ele, individuo, possa entao ser adequado para o significados:
restante desse mundo." (1983, p. 26) Os problemas tido existem para ser eliminados, tnas sim para
ser integrados. Isso foi compreendido intuitivamente pelo poeta
Enquanto alguern esta sentado na minha frente, em terapia, Rilke, quando ele parou seu tratamento psicoanalitico apos a primei-
estou tentando entender o que o problema esta "dizendo" a essa ra sessao. Conta-se que ele teria dito: "Se _voce leva embora meus
pessoa e a mim. Em outras palavras, estou considerando o problema demonios, estard levando embora meus anjos". Corn a sensibilidade
presente nao arenas como uma questa° isolada, mas como urn do poeta, ele percetieu- a iriter-relacao do nosso lado problematic°
distarbio da existencia inteira dessa pessoa. Geralmente, ela nao corn o nosso lado criativo. Um nao "causa" o outro; mas um
entende o que o problema esta the dizendo, ou nao esteve atenta para "informa" o outro. Freud, o mestre da psicanalise, tambern entendeu
o que esse problema esta tentando the dizer. Alem disso, ouvir o intuitivamente a inter-relacao entre criatividade e conflito. Picke-

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ring (1974) comenta como Freud viveu pessoalmente essa relacao: que o problema fosse resolvido. Sua atitude era muito parecida corn a
da pessoa que que.r seu carro consertado. Ja que conduzia sua vida de
"Ele nao trabalhava bem quando se sentia ajustado e feliz, nem uma maneira muito objetiva, queria uma solnao tecnica para o que
quando estava muito deprimido e inibido. Precisava de algo via como urn problema tecnico.
entre esses dois extremos. Ele expressou isso claramente em A questao era que o problema percebido por ele nao era, de
uma carta de 16 de abril de 1896: 'Eu voltei [de ferias] corn urn modo algum, o problema! 0 verdadeiro problema era que os ataques
sentimento nobre de independencia e me sinto bem demais; de panico, como apontou Bugental tao claramente, eram a tiltima
desde que retornei, tenho estado muito preguicoso, po9tie a dimensao "viva" de sua existencia autocoisificada. Seus ataques de
infelicidade moderada necessdria para o trabalho intensivo panico eram o refdgio final de sua humanidade— uma tentativa, que
nega-se a aparecer"' .(p.221) era a Ultima fronteira de seu "ser", para coloca-lo em contato corn
essa humanidade. Em vez de consertarmisso", o que Laurence
1
LNossas dificuldades sdo nossa forca vital.l Elas nos forcam a realmente necessitava era reconhecer seu problema e ouvir o que ele
enfrentar aspectos de "nos mesmos e do mundo que preferirfamos estava tentando mostrar em sua vida. Pedia-lhe que fizesse uma
evitar. Elas criam uma tensao em nossa existencia que, se for mudanca significativa na vida. Dizia-lhe que ele tratava a si mesmo
atendida, acrescenta algo a nossa vitalidade. Quanto mais recusamos e os outros como objetos. Alertava-o de que ele nao conhecia
determinadas coisas, mais lhes damos forca. Esta é uma das ironias realmente a si mesmo. Ele apenas sabia algo sobre si mesmo. Dizi a-
existenciais da vida. Quanto mais rejeitamos psicologicamente partes lhe para parar de lidar consigo mesmo como se fosse urn mecanismo
nossas, mais energia é preciso despender a fim de manter aquela a ser consertado. Os ataques de panico tinham safdo de seu controle
parte afastada de nos. porque Laurence estava fortemente sob controle. 0 excesso de
Nossas vidas tornam-se muito problematicas quando nao estamos controle, dialeticamente, provoca uma erupcdo que nao pode-
"ouvindo" o que esse distin-bio esta tentando nos "ensinar". Existe mos controlar! Para reconhecer isso, Laurence teria que alterar
urn exemplo maravilhoso sobre isso no livro The Search for Existential radicalmente a visa° que tinha de si mesmo e do mundo.
Identity (1976) de James F. T. Bugental. Bugental apresenta o caso Bugental, acertadamente, focalizou seu trabalho em Laurence
de "Laurence", urn exemplo extremado do homem do seculo XX. desenvolvendo seu senso de awareness "subjetiva" e de sua propria
Laurence fez todas as coisas "certas" na vida. Tinha urn born existencia. Ajudou-o a tornar-se menos ajustado e "adequado".
emprego e um prestfgio que the rendiam urn excelente salario. Numa epoca obcecada pelo born ajustamento, é born lembrar a criti-
Vestia-se impecavelmente e dirigia urn carro muito caro. Casou-se ca de Rollo May sobre isso:
corn o tipo "certo" de pessoa. Visto "de fora", Laurence parecia o
exemplo vivo do sucesso. De fato, do ponto de vista externo, ele era "Urn ajustamento é exatamente o que a neurose é; é of que esta
urn sucesso. Entretanto, nao havia "ninguem" dentro. Ele era uma o problema. E urn ajustamento necessario, atraves do qual o
"maquina" ambulante. Ele era urn "isso" para si mesmo. Ele era urn centro pode ser preservado; é uma forma de aceitar o nao-ser,
dos "Hollow Men"* de T. S. Eliot. de modo que urn pouco do ser possa ser preservado. Na maioria
Quando foi consultar-se corn Bugental, ele tinha assim dos casos, ha urn beneffcio quando este ajustamento se quebra."
pensava — somente urn problema: estava experienciando terriveis (1983, p. 26)
ataques de panico. Ele queria que Bugental o "consertasse". Queria
0 fato de ser tao bem ajustado impedi u Laurence de experimentar
e, conseqiientemente, de viver realmente sua existencia. Somente a
* "Hollow men": no original ingles, significa "homens ocos". (Nota das tradutoras) permane'ncia nesta vida poderia eliminar os ataques de panico.

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Somente se ele escutasse essa mensagem mais profunda poderia consciente i_apenas urn_aspecto do nosso dialogo corn o mundo.
parar de ser urn objeto para si mesmo e comecar a sentir sua pr6pria Existem muitos niveis de dialog° aos quais precisamOsdaidteTipb.
existencia. Quando falhamos em faze-lo, e nosso corpo que nos "da
Urn exemplo da minha prapria pratica pode ilustrar esse ponto. notfcias" sobre esse dialog° incompleto. Nesse caso, o corpo de
Trabalhei uma vez corn uma mulher de 25 anos de idade que sofria minha cliente estava se "revoltando" contra ela. E ela relutou em
de sindrome de irritacdo intestinal. Trata-se de uma doenca psicos- ouvir essa "mensagem". Seus objetivos conscientes sobrepunham-se a
somatica, em que o individuo sofre dores espasmadicas (como coli- essa "mensagem" inconsciente. 0 corpo estava "falando", mas ndo
cas) e diarreia. Ela tinha se submetido a tratamentos medicos pro- estava sendo ouvido.
longados e usava remedios ha varios anos. Isso ndo a livrou do A principio, gastamos aproximadamente seis meses em esforcos
problema. Nesse caso, estava claro que havia fortes componentes dirigidos para a reducdo do estresse. Tambern trabalhamos na alteracdo,?,
psicolOgicos. Ela me foi encaminhada por urn medico, para lidar corn da dindmica da sua necessidade de "representar" e ser perfeccionista.
os fatores psicologicos do problema, particularmente o estresse. Tornou-se claro que, embora ela sentisse grande ansiedade enquanto
Ela era uma cantora de opera e, sem davida, muito talentosa. se apresentava em urn ambiente de Opera formal, ndo se sentia da
Seu pedido, no momento, era que eu a ajudasse a aliviar o estresse, mesma maneira quando estava envolvida corn seu passatempo,
para que pudesse cantar em ptiblico sem sofrer terrivel aflicdo. 0 que cantar corn uma banda de jazz em urn pequeno clube noturno! De
estava claro era que ela sentia forte ansiedade quanto a seu desempenho fato, ela afirmou que preferi a cantar jazz, mas que isso seria desapontar
diante do pablico em urn ambiente formal. Isso representava urn seus pais e seus proprios objetivos conscientes. A medida que
Obvio dilema! trabalhavamos no alivio do seu estresse, ela, na verdade, is ficando
Ao reunir os dados de sua historia, tornou-se evidente que ela mais deprimida e corn tendencias suicidas. 0 que estava comecando
tinha exigencias "internas" irreais de perfeicdo. Sentia-se julgada e, de a acontecer, ao perceber a reducdo do estresse, ndo estava alterando
fato, estava incessantemente julgando a si mesma. Ela estava suas altas expectativas coma cantora classica; uma parte dela comecou
sempre "atuando" e, conseqiientemente, a carga adicional de uma a teener que jamais conseguiria ser a cantora que achou que deveria
apresentacdo formal era paralisante. Como resultado, ficava ex- ser; muito embora algumas vezes ela tenha expressado serias dtividas
tremamente deprimida e as vezes ate corn tendencias suicidas — quanto ao que pretendia nessa profissao. Entretanto, ter esses
queria matar aquela parte dela que a atormentava. pensamentos era como trair sua familia. Era uma violacdo a uma
Ao compartilhar comigo sua histaria, contou que sua mde fora "lealdade invisIvel"72. Achava ter desapontado a familia tantas vezes
bastante rigida e seu pai, indiferente. Em conseqUencia, ela estava anteriormente que nao suportaria faze-lo novamente e numa
sempre tentando agradar. A maneira de se distinguir era tornar-se questa° tao importante. Carregava a carga das esperancas familia-
boa naquilo em que era talentosa — o canto. Desde uma idade res. Era urn peso que ela pensava poder suportar, mas seu corpo
precoce, para desenvolver seu talento, foi enviada pelos pais aos gritava outra coisa.
melhores professores de canto lirico. Sua vida estava tracada: ela A terapia estava em urn impasse. Ela parecia incapaz de reduzir o
tinha que seguir carreira na opera e ter sucesso. Isso representava a. seu estresse, relutava, ou nao conseguia, por razeies muito
aspiragdo de seus pais. Durante a maior parte da sua vida adulta compreensIveis, sair da situagao que mais a estressava. 0 momento
acreditara ser isso o que queria. decisivo de mudanca foi quando pedi a ela que, "literalmente", ou-
Muito freqiientemente, tomamos decisOes utilizando apenas visse seu corpo. Apresentei uma situacao de role-playing, na qual ela
nosso "ego" consciente, em vez de reconhecer nosso self total e o que seria a "voz" do seu colon! 0 que o seu colon disse, em uma
ele esta nos dizendo. Esse é urn problema endemic° para o individuo
ocidental moderno. E urn erro tragico: ndo perceber que nosso ego 72. Boszormenyi-Nagi, I. & Spark, G. M, Invisible loyalties.

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linguagem bastante expressiva, era que nao suportava mais aquilo. deixam de ouvir o corpo. Tornam-se dissociadas e alienadas do
Ele suportava tantas expectativas e tantos perfeccionismos por tantos proprio corpo. ConseqUentemente, e muito mais diffcil "ouvir"
anos que estava ffsicamente esgotado e nao poderia lidar corn o mensagens vindas do corpo. Alem disso, o corpo nab tern urn
estresse das apresentagOes formais. Seu colon advertiu-a de que, se vocabuldrio tao sofisticado quanto o que nos é dado pelo discurso.
ela perseverasse nessa carreira, seu estado de sadde piorari a. Pediu - Mas o corpo fala. Fala, primeiramente, atraves de urn mal-estar
lhe ao menos, um repouso; se nao, uma total mudanca de carreira! generalizado. Depois, fala corn a dor. SO pode se comunicar atraves de
Minha cliente resistia muito a essa "resposta". Era inaceitdvel para uma linguagem global. Um exemplo simples 6 a dor ffsica. Se logo de
ela. safda voce tenta correr uma distancia longa demais, sentird isso no dia
Durante os seis meses subseqiientes trabalhamos nesse role- seguinte: seu corpo esta dizendo que sua mente pensava que
playing muitas vezes. A cada vez, minha cliente afirmava ser poderia faze-1o; mas voce nao estava trabalhando em consonancia
inaceita-vel a solucao proposta. A "resposta" do colon era: "Bern, corn o corpo.. A dor fisica é urn modo de nos di zer que alguma coisa esta
brigue comigo se voce quiser. Nao me olio. No final, eu vencerei, errada. A maioria das pessoas que procuram a terapia nao esta
porque reconheco a verdade que voce esta tentando esconder". Em ouvindo essas mensagens, mas estao buscando solucoes tecnicas
desespero, minha cliente perguntava que alternativa haveria para sua para seus problemas. Elas desejam ter "a coisa" resolvida — urn
vida.. A resposta do colon era ela que fizesse o que ela realmente curativo — mesmo que isso seja compreensfvel. Querem que a dor
queria fazer — cantar em urn grupo de jazz! Relutantemente, minha seja aliviada imediatamente, em vez de se disporem a permanecer
cliente comecou a "ouvir" a autenticidade daquilo que seu corpo corn a dor para que ela possafalar de urn local mais profundo, dentro
estava the dizendo. Enfim, comecou a admitir que dentro do,proble- delas. Certamente, nossa tarefa como terapeutas é dar conforto mas, ao
ma estava a sua solugao. Sua tarefa — como para todos nos era faze-lo, nao devemos obscurecer a mensagem mais profunda que
aceitar aquela resposta e integra-la em seu ser. Precisamos aprender a algumas vezes é subjacente a dor reconhecida.
ou-vir a nosso ser em sua totalidade e nao apenas nossa mente Isso requer uma atitude diferente de nossa parte: uma consciencia
conscien-te. Ao faze-1o, hd tanto perdas quanto ganhos — a perda de receptiva, uma abertura ao Ser, que reconhece uma realidade maior
inocencia, mas urn ganho da sabedoria. Essa é a historia da especie que a mera consciencia do ego. Para o homem moderno, o maior
humana: a sabedoria é alcangada apenas a altos custos. problema é domtniar o proprio ego. Investir no nosso ego fre-,
Nos lutamos contra as respostas que nos sao dadas porque elas qiientemente cria dificuldades corporais — mal-estar e dores no
nao se encaixam em nossas expectativas. Quanto mais reprimimos corpo — porque ignora certas realidades fisicas e emocionais. 0
determinada awareness, mais forte é a reacao a essa repressao. De ,
fato, o gran de sofrimento psicologico que experienciamos pode homem moderno freqiientemente tenta ignorar as limitaciies de- sua
existencia.lsso é negar o prOprio cerne de nossa humanidadel Haj a
co4-responder a extensao em que nos desassociamos de nossa awar-
vista a nossa obsessao pela juventude e por posses materiais, e como
eness. Em casos extremos, é necessaria uma quebra substancial das
evitamos reconhecer a velhice e a inexorabilidade da morte.
estruturas psicologicas para que surja awareness, porque essa pes-
Outro exemplo de minha pratica pode ilustrar a relevancia da
soa esta muito identificada corn a sua auto-imagem. Todos nos
"mensagem" do corpo. Atendi em terapia a uma mulher de 35 anos,
somos resistentes a essa mensagem mais profunda, porque ela rom-
que tinha uma histOria de infeccOes cronicas no trato urindrio;
pe corn a nossa vida — rompe corn o nosso senso de controle. Essa
causavam-lhe muita dor eeram incapacitantes. Ela esteve em tratamento
ilusao de controle completo 6 algo que todos nos valorizamos.
medico por mais de vinte anos e tentara urn tratamento alternativo em
0 corpo é especialmente adequado para perturbar essa ilusao.
busca de alfvio. Ela me foi encaminhada por urn medico, para lidar
As pessoas do seculo XX tem ignorado seu corpo como mensageiro.
corn possfveis componentes psicoh5gicos resultantes da doenca.
Em sua maioria preocupam-se muito corn a "cabega" e, por isso,
Como profissional, as incessantes series de infeccoes restringiam

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significantemente suas atividades soci s e comecavam a afetar seu expressar sua raiva. 0 trabalho consistia em ouvir o seu corpo, de
desempenho diante de uma possivel promocao, porque estava modo a descobrir quando ele estava zangado, pois essa era a sua
freqiientemente ausente. Ela estava "presa em uma armadilha" por maior dificuldade, em urn nivel consciente. Se antes ela tinha sonhos
seu proprio corpo. recorrentes de estar presa em uma armadilha, agora sonhava que
Ao relatar sua extensa historia de dificuldades, urn dado antigo sentia raiva. Era um progresso! Trabalhamos tambem corn a sua
e importante tornou-se evidente. Suas infeccoes comecaram na capacidade de ser mais assertiva, para poder discriminar de modo
infancia e eram especialmente comuns nas viagens de ferias da criativo os convites sociais que ela queria aceitar. No final da terapia,
familia. Como minha cliente descreveu, sua familia costumava ir suas infeccOes eram comparativamente mais raras que no inicio e ela
para uma casa que tinham fora da cidade. Minha cliente ressentia-se nao se sentia mais presa na armadilha de seu corpo.
dessas viagens longas, porque elas a afastavam de seus amigos e das E parte integrante do dialog° e da dialetica da terapia que o
atividades sociais que tanto valorizava. Corn a familia, ela se sentia terapeuta tome-se o ouv inte da mensagem do problema da outra
"presa em uma armadilha". 0 pai, que no dia-a-dia era um workholic*, pessoa. A presenca e a perspectiva do terapeuta sao essenciais, como
sempre ansiava por essas viagens como tinica forma de relaxamen- "ouvinte" do problema. Isso requer que o terapeuta deixe a "voz" do
to. Como conseqUencia, minha cliente, e mais o resto da familia problema ressoar dentro dele. 0 terapeuta penetrano- "eritii"TO'
.... _
sentiam-se extremamente culpados diante da possibilidade de expressar terapeuta esta tentando escutar o que o "problema" esta tentando
desprazer em ter de ir a algum lugar onde nao gostariam de estar. dizer e quer ajudar o cliente a entender essa comunicacao dentro do
Embora ficasse aborrecida, o ressentimento e a raiva nunca eram contexto de sua existencia global. 0 terapeuta toma-se o intermediario.
expressados diretamente na familia.
Ele,deve ser canaz de_escutar ogroblema em um nivel mais profundo do
0 sentimento de estar presa em uma armadilha parecia ter se
que o cliente. Essa perspectiva "externa" é quase sempre necessAria
generalizado a maioria das situacOes sociais, na sua vida adulta. Na
para que ele se sensibilize.parao gue e a "mensagem". Isso adolifede
juventude, ela comparecia a compromissos sociais que realmente corn freqiiencia, porque em nosso desenvolvimento todos aprendemos a
nao a interessavam, mas sentia-se esmagadoramente culpada se ignorar as mensagens mais profundas que nos sao dadas. E tambem
pensas se em nao faze-lo. Ela nem sequer gostava de algumas pessoas porque essas mensagens nos sao passadas, muitas vezes em uma
coin quem passava seu tempo! Mais uma vez, sentia-se presa em uma "linguagem" dificil de ser decifrada.
armadilha. Depois de algum tempo tornou-se claro que havia, De diversas maneiras, somos todos estrangeiros diante da
freqiientemente, uma correspondencia muito pi-6)(i= entre ter que linguagem de nosso corpo. Existe uma alienacao inerente dagual
comparecer a urn compromisso social, onde se sentiria presa, e uma todos nos sofremos. A tarefado terapeuta e decifrar essa linguagem,
subseqiiente infeccao do aparelho urinario. Era como se ele se poder "traduzi-la" em uma linguagem compreensivel ao diente.
contraisse sob o estresse. Quase sempre tinha raiva das pessoas e de Alan disso, é tarefa do terapeuta facilitar que essa voz seja ouvida
si mesma mas era incapaz de expressa-la diretamente. Sua (mica dentro da vida do cliente. E necessaria muita educacao na terapia
escolha seria recusar todos os convites sociais. So assim ela achava para ajudar essa pessoa a entender como seu problema esta tentando
que poderia controlar sua vida. Entretanto, acabou se tornando ensinar-Ihe a tornar-se uma pessoa mais integrada. Comumente, as
tambem muito isolada e deprimida. pessoas nab sao educadas para isso na sociedade moderna. John
No trabalho com ela, comecamos a escutar o que o seu corpo Welwood (1983) cid um exemplo de como o terapeuta precisa "ouvir" o
estava dizendo; ficou claro que o primeiro passo era que ela conseguisse que nao esta sendo percebido pelo cliente.

* "Workholic": pessoa viciada em trabalhar. Termo mantido no original por ser assim "Escolhi este cliente para discutir, porque, de urn jeito ou de
usado no Brasil. (Nota das tradutoras) outro, todos os seus sintomas persistentemente apontavam para

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a questa() da vulnerabiqade. Por exemplo, seu exibicionismo como uma parte de nos mesmos. Isso da inicio ao processo de
era urn daqueles sintornIs estranhamente apropriados, simbo- integracao do que estava dissociado. Nao ha, provavelmente, melhor
licamente perfeitos. Era uma forma de expor sua vulnerabili- modo de desenvolver empatia corn outra pessoa do que se identificar
dade, enquanto ele mantinha algum tipo de controle e de poder. corn ela, ou viver seu papel. Ao faze-lo, mesmo urn suposto "inimi go"
0 medo de ser homossexual tinha conexao corn o medo de pode se tornar urn amigo. 0 mesmo é verdadeiro em relacao a nossos
sua fragilidade. 0 alcoolismo — ficar bebado e larrear' — era problemas. Na tradicao zen, isto é muito bern expresso por Shunryu
a forma de a crianca que havia dentro dele poder sair de seu Suzuki. "Voce apenas se coloca no meio do problema; quando voce
rigid° controle, para poder ser espontaneo e sentir-se plena- é uma parte do problema, ou quando o problema é uma parte de voce,
mente vivo. E, finalmente, sua frieza em relacao as mulheres nao ha problema, porque voce é o proprio problema. 0 problema é
estava claramente relacionada corn o medo de ficar a merce' voce mesmo. Se é assim, nao ha. problema" (1970, p. 82).
delas e de novamente colocar-se em uma posicao vulneravel." Identificar o problema como nosso e reintegra-lo em nos inicia o
(pp. 156-57) processo de cura. Precisamos de um "dialogo" corn nossos problemas.
Paralelamente, isso abre urn dialog° corn os outros. kmedida que
No comeco, o cliente nao conseguia perceber isso. Weiwood nos abrimos para aquelas partes nao reconhecidas, podemos aceitar
precisou ser o intermediario nesse "dialogo". Foi preciso sensibili- nossa fragilidade humana e sermos mais compassivos corn a fragilidade e a
zar o cliente a se tornar mais uma camara de ressonancia aos ecos de vulnerabilidade dos outros. Isso nos permite retirar nossis
sua propria existencia. "projecoes- sobre os outros e verdadeiramente encontra-los, .ncio
"projecao corn projecao", mas pessoa corn pessoa.
A "RESPOSTA" E A RESISTENCIA A ELA

Mesmo quando uma resposta é dada ao nosso problema,


inevitavelmente havera resistencia a ela. A resistencia surge porque
muitas vezes urn problema persistente pode estar nos dizendo que
ipre-Cliamos fazer uma mudansa maior em nosso estilo de vida. A
-major parte das vezes, queremos urn "conserto rapido" para a
situacao, para que possamos continuar levando nossa vida do jeito de
sempre. Queremos apenas ver o sintoma tratado e nao ter de fazer
mudancas que eliminari am o desconforto subjacente. 0 status quo é
uma resistencia importante a ser quebrada. Nosso desconforto esta
a mais saudavel para nos,
tentando nos dizer que o status quo nao _
ainda que, freqiientemente, as primeiras mudancas no modo de viver
fossem ajustamentos saudaveis. Entretanto, eles podem ter se tornado
improdtitiVo§:
Inexoravelmente,\e necessario desistir de alguma corsa)Muitos
de nos queremos =liter a seguranca que temos, mesmo que ela se-
ja problematica. A resistencia reconhece implicitamente o espectro
do risco. Em urn sentido, temos que nos tornar nosso problema.
Temos que nos identificar corn ele completamente e percebe-lo

138 139
10/

A Sabedoria
da _Resistencia

"Resiste'ncia é, e nao é."


Miriam Polster73

Muito tem sido escrito, desde Freud ate os dias de hoje, sobre o
problema da "resistencia". Minha proposta aqui nao é fornecer mais
uma andlise tecnica da resistencia, mas oferecer uma perspectiva diferente
— baseada numa compreensao dialogica. Primeiramente, isso significa
que a resistencia precisa ser radicalmente contextualiza-
_
da dentro do "entre":
A res'-isle-tic-lad. o residuo de ma tentativa de didlogo interrompido
abruptamente no meio dafrase. As rafzes da resistencia sao interpessoais e
ontologicas, assim como intrapsiquicas. Isso tambem significa que a
maneira como a resistencia se manifesta na terapia é urn produto da
intern-do entre terapeuta e cliente. Nao é simplesmente apresentada
apenas pelo cliente sozinho.

73. Conversa que ocorreu no programa de treinamento em Gestalt-terapia, no verao de 1984.

141
RESISTENCIA COMO AJTOPROTEcAO se — erigir urn muro para afastar o que é experienciado como uma
ameaca. E sabio juntar os proprios recursos para utiliza los numa
Tradicionalmente, a resistencia tern sido vista de uma maneira ocasiao posterior. 0 problema da resistencia é que ela e anacronica
unilateral — o cliente inconscientemente coloca barreiras no decorrer da — nao e uma resposta a situagao presente. N6s "esquecemos" a
terapia. E isso, e muito mais. Toda a assim chamada resistencia é "decisao" que tomamos ha longo tempo e, conseqUentemente, fa-
apenas uma manifestagao de como essa pessoa sente-se vulnerdvel. E lhamos no use de nossos recursos atuais de uma maneira apropriada.
urn "comunicado" do medo de assumir riscos que nao tinham Caimos na inercia — o medo inibe o crescimento.
suporte na experiencia anterior da pessoa. E uma forma essencial de A resistencia pode ser uma expressdoprofunthr de alguma coisa
autoprotecao. A resistencia e sempre urn "muro" corn dois lados. Do que a pessoa precisa desesperadamente, e essa é a imica forma que
ponto de vista "externo", a pessoa parece estar fechada; do ponto de ela conhece para cuidar de si mesma. E muito semelhante a crianga
vista subjetivo, é experienciada como mera evitagao de urn sofrimen- que em tenra idade aprende a dizer "nao"; esse "nao" torna-se uma
to psiquico. Atwood & Stolorow (1984) afirmam isso da seguinte das primeiras formas de discriminacao e de afirmacdo de sua identidade,
maneira: "Terapeutas experientes saber que, ao esclarecerem a como distinta da dos pais. A resistencia, em certo sentido é urn
natureza da resistencia do paciente, nab haverd resultado terapeutico "protetor" internalizado, porem truncado. Ela se torna urn substituto
discernivel a menos que o analista tambem seja capaz de identificar dos pais, que podem ter protegido a crianca e estabelecido limites.
corretamente o perigo subjetivo, ou o conflito emocional que faz da Infelizmente, diferente de urn protetor de verdade, a resistencia é
resistencia uma necessidade sentida" (p. 63). primariamente defensiva, em vez de nutritiva. De fato, o paradoxo e
A resistencia é o "muro" que encerra feridas antigas e muito que o comportamento resistente impede a nutricao que poderia vir dos
sensiveis. E urn muro, na melhor das hipoteses, semipermedvel. A outros. Estamos ocupados em nos defender contra ameacas reais e
delicada tarefa do terapeuta é ajudar o cliente a tornar esse muro mais imaginarias, e assim afastamos aqueles que poderiam nos proporcionar
permedvel, ajudar a pessoa a abrir-se para outras oportunidades mais melhor uma interacao nutritiva e curativa. A resistencia protege mas,
vivas. Nao 6 urn trabalho facil. Referindo-se as oportunidades que paralelamente, impede a pessoa de crescer: ela corta o didlogo corn
nos sao oferecidas pelo dialog° genufno como "sinais" enderegados a o mundo. E a isso que Buber poeticamente refere-se como "...as sete
nos, Buber (1965a) coloca a questa() poeticamente: vendas de ferro em nosso coragao..."74.
As raizes intrapsiquicas da resistencia sao interpessoais. Sua
"Cada urn de nos é revestido por uma couraca, cuja tarefa é origem esta na abertura e vulnerabilidade inerentes a infancia. A
afastar os sinais. Os sinais nos chegam repetidamente, e viver abertura ingenua aos outros nos primeiros anos de vida traz a dor
significa sermos alvos deles; precisarfamos apenas nos apre- inevitdvel, provocada, na melhor das hipoteses, pelos "desencontros",
sentar e percebe-los. Mas o risco é perigoso demais; trovoes e na pior delas, pelos efeitos maleficos das feridas dos pais e de suas
silenciosos parecem nos ameagar corn aniquilagao e, de geragao experiencias dolorosas. Decorre da destruigao da ilusao da perfeigao
em geragdo, aperfeigoamos o aparato defensivo" (p. 10). da infancia — a awareness surpreendente de que eu nao sou sempre
aceito, nem aceitdvel. Apenas "ser" nao é suficiente; tambem tenho
A SABEDORIA DA RESISTENCIA que "fazer". 0 fazer sempre impoe o risco e o medo de nao ser aceito
e nem amado.
Podemos dizer que existe uma "sabedoria" na resistencia, se Se levarmos a serio a necessidade de entrar no mundo experiencial
conceituarmos a resistencia como emergindo naquele ponto em que
o indivIduo sente que nao tern o suporte interno para lidar corn a
situacdo ameagadora. Nesse ponto, é extremamente sabio proteger- 74. Buber (1965a), p. 4.

142 143
do clime, send essencial compreender as partes resistentes Stiil imiltiplas. 0 que 6 visto canto resistencia em um nivel, pode, na
personalidade. Ate quo terapeuta possa entender a "resistenei a" de verdade, estar satisfazendo necessidades cm outro nivel. 0 pocta
alguern, sua autoProtecdo, ele ainda rido entrou completaineme no Walt Whitman expressou isso adequadamente quando escreveu:
mundoexperiencial do cliente. Como aftnnou Searles (1 986): "...Quanto
mais rgpido„ea prier acei tar ort(vel de resistencia paciente,. ern "Eu me contradigo?
veziesontinuar a brigar contra isso corn interpretacaes, par Mais Muito bent, entao eu me contradigo
perceptivas e_sagazes passam ser, corn a mestna rapidez vira o dia (Eu sou amplo, eu contenho multiplicidartes,)"
feliz ent qaecle se tor'narkmais colaborador nit sua rel comi go"
(p.11). So entao pode utpa relactio genufna ser construfda. Polster & Esse 4 o cerne da ambivalent:la, Per exempla, voce pode querer
Polster (1973) fazem esta observacdo: retornar a escola, ern urn nivel; e, em outro, existirem necessidades
de seguranca e demandas de suit familia que voce tamb6rn quer
"Em vez de procurar remover a resistencia, d rnelhor coloca-la mender, Embora diga que quer retornar a escola, pode tambem
em loco, assumindo a posiciio de que, na melhor dos hipOteses, a trabalhar contra isso. Nilo 6 que voce esteja simpesmente resistindo;
pessoa cresce atraves da resistencia e, na pior, a resistencia 6 unta existent, freqUentemente, necessidades opostas ou conflitantes
parte de sua identidade..,. E incorrer cm engano, rotular a algurnas this quail silo mais importantes do que ()Muss.
comportamento original coma mera resistencia. Remover a Quando o cliente vem pant a terapia, ele nil° estd valorizando
resistencia tie forma a retornur a pureza preexistente 6 urn sonho sua resistencia. mais provtivel que eta tenharejeitado, freqijentemente
fati I, porque a pessoa que tem resistido 6 urna nova pessoa e ndo ha dissociado,, aquela parte stun Em conseqtlencia, o individuo estd
coma retornar." (1973, p. 52) sempre em guerra consigo mesmo. Urn lado sea estd querendo correr
riscos, it para a frente e crescer; o 'ado oposto essa resistindo, sendo
A resistencia ndu 6 um epifenOmeno, essa 6 a forma de a pes- relutante e protetor. Existe unto ambivalencia acentuada da parte do
soa ser-no-mundo. De fato, 6 mais provdvel que seja uma das panes cliente em relacilo a resistencia. Inconscientemente etc estd resis-
mais "sot idificadas" do self. Ou seja, o cliente estd muito acostuma- tindo, mas ern algum nfvel sente que estd trahaihando contra si
do a ser resistente de uma forma particular acostumaclo a esperar mesITIO.
qua alguem o ataque ou a invada. Conseq(lentemente, hd uma A ironia 6 que, se a terapeuta aceita corn cuidado excessivo 0
"seguranca" na maneira de responder de forma previsfvel aos outros desalt° de "eurar"algu6m, a tendencia 6 fazer Burg it mais resistencia!
— uma seguranca precari a — tnas, ainda assim, tuna seguranca. Isso lsso ocorre porque, psicologicamente, a cliente tem funcionado
pode ser "patoldgico", pode ser autodestrutivo, mas nao devemos dessa forma pot' muitos arms. Embora algumas vexes a cliente possa ver
subestitnar quanto 6 itnportan_te,,para trOa„,sentir que, pelo menos, a resistencia como urn grande obstriculo, clad incapaz de desistir dela,
"conhecemos" aquela parte de nds niesmos. Freqdenternenie "Curar" alguern impoe urn objetivo ex terno, ern vez de encontrar a
"escolhernos" a patologia em vez de odesconhecido. A previsibi I ida- pessoa nesse ponto vulnertivel.
de "patologica" 6 mais segura do que estar presente no que 6. Em
A tarefa inicial do terapeuta dialOgico 6 entencler a sahedoria da
muitos casos, essa nccessidade de prever 6 semelhante a restos de
resistencia. ESSEI 6 uma mudanca de atitude em relactio a perspectiva
naufragio no meio do oceano. Em urn mundo experienciado coma
tradicional. E ern reconhecitnento radical do "entre" da existencia, ,"
predict°, ela nos da alga em que nos segurarmos. lnicialmente nos
Juntamente corn essa compreensda, .0 'terapeuta 'Cleve reconhecer,
salva, mas no final ameaca-nos corn afogamento. Em tais situacaes,
tainb6m, qudolimitante a resistencia pode ser. Isto 6 obvio, e ainda
uma defesa vital presente torna-se urn resfduo anacronico.
assim precisa ser focalizado eficazmente mais tarde, no processo de
A resistencia e, tambour, sempre uma resposta as necessidades terapia. Tornd-lo predominante maim cedo 6 fazer da terapia urn
...„

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campo de batalha, corn urn "vencedor" e urn "perdedor", em vez de ser sabedoria de sua resistencia: ha alguma coisa de inestimavel valor no
urn esforco para a cura. Trata-se de uma "danca" muito dificil, na qual o comportamento resistente.
terapeuta é chamado a participar: a danca corn o cliente e sua Uma vez que a pessoa Ora de se "castigar" por causa da derrota
resistencia. Ela tern um ritmo proprio — freqUentemente dificil de face a resistencia, entao ja foi alterada a dialetica das expectativas
ser acompanhado. Dela se participa corn cuidado, porque ha muitos irreais, por um lado, e, por outro, a sensacao do conseqiiente fracasso
passos potencialmente errados. recorrente, Tao logo seja dado urn credit() a resistencia, o outro lado
E necessarkensinar ao cliente que impor objetivos "externos" da dialetica nao precisa ser tao punitivo. Isso muda a dinamica
a si mesmo para superar a resistencia garante, paradoxalmente, que interna.
ela aumente. 0 primeiro passo neste processo e o terapeuta ajudar o A resistencia nao deve ser castigada, mas sim abracada! A
cliente a experienciar sua resistencia. Frida Fromm Reichmann dis- resistencia nao deve ser "quebrada", mas sim incorporada. A Onica
se uma vez que o paciente precisa de uma experiencia, nao de uma forma de chegar onde se deseja, é acei tar onde se esta, mesmo que o
explicacao! Uma vez que o cliente tenha uma nocao vivencial de sua ponto em que se esteja nao seja aquele em que deseja estar! Para o
resistencia, 6 entao necessario ajuda-lo a reconhecer, entender e crescimento é preciso uma integracao das polaridades aparentemente
aceitar a resistencia como parte integral do self. Nao a uma tarefa opostas75. E a valorizacao paradoxal de tudo o que ha no proprio self,
pequena, dada a hist6ria do cliente de se desacredi tar e de se dissociar inclusive aquelas partes percebidas como indesejaveis, que inicia o
de sua resistencia. Entretanto, 6, verdadeiramente, tomar como caminho para a recuperacao.
ponto de partida a experiencia fenomenologica do cliente. Uma questa° fundamental que precisa ser colocada para o
cliente é: "Como o comportamento resistente the da suporte"? Um
0 VALOR CRIATIVO DA RESISTENCIA exemplo ass() pode ser o de. uma mulher de 50 anos de Idade que foi
obesa a vida toda e diz que quer perder peso mas nao pode; e por isso
0 terapeuta precisa ver na resistencia o seu valor criativo. Isso castiga-se emocionalmente — sem nenhum beneffcio. De fato, isso
é freqiientemente uma reversao de figura e fundo contraria ao é o que ela tern feito toda sua vida. Seu peso 6 a forma pela qual ela
pensamento do cliente e ate mesmo do terapeuta. E urn desafio a aprendeu a interagir corn o mundo, corn certa margem de "seguranca".
nossa logica normal. Apesar de muitos terapeutas terem discutido a E um monolog° desejoso de dicilogo. Ha uma fora psicologica no
natureza dual da resistencia, nenhum deles, que eu saiba, tern seu peso e na sua maneira de ser no mundo que nao pode ser
colocado a enfase central na sabedoria fenomenolOgica inerente a facilmente descartada. Por exemplo, para muitas mulheres corn as
resistencia. quais tenho trabalhado, ser gorda tern sido uma maneira de se
Essa abordagem nao pode ser urn "truque", ou uma tecnica protegerem dos homens e da sexualidade. Colocando o peso entre
usada pelo terapeuta. Antes, tem que ser uma apreciacao genufna da elas e os homens, a ameaca de vulnerabilidade é reduzida. Tambem
parte resistente dessa pessoa. Corn essa atitude, essa modelagem, o pode ser uma forma de tentar "amar" o proprio self. Quando voce nao
cliente é "convidado" a comecar a apreciar uma parte ate entao consegue ter o amor dos outros, conseguir a "nutricao" atraves da
rejeitada de si mesmo. comida pode ser urn substituto — embora, obviamente, muito pobre.
Um aspecto da tarefa é descobrir o que a resistencia esta Corn outra cliente, o sintoma apresentado — ser depressiva —
"dizendo" Qual é a mensagemtSomente quando o cliente for capaz pareceu-me ter mais a caracteristica de resistencia que a de uma
de entender e incorporar essa mensagem, a mudanca genuina ocorrera. depressao clinica verdadeira. Sua depressao era, primariamente,
A mensagem vem, freqiientemente, da parte mais profunda do self. "obstinagao". Era uma protecao contra correr riscos corn os outros,
Nenhum progresso real pode ser feito em terapia, ate que o cliente
esteja disposto, antes de tudo, a reconhecer e entao apreciar a 75. Ver tambern os escritos de C. G. Jung.

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especialmente na terapia. Ela se sentia freqUentemente "perdida",
como se nao houvesse opgOes para ela. Sua obstinagao era afastar a colocava sacos de areia no topo. A pressao interna para transbordar o
ameaca dos outros, enquanto mantinha uma nogao tenue de self. Era container— a resistencia — era construlda continuamente atraves do
uma pessoa que tinha pouca confianca em si mesma e menos ainda dialog° que se desenvol via entre nos; e seu primeiro impulso era
na boa intengao dos outros. Seu muro de obstinagao a protegia. Ai ela sustentar sua resistencia corn sacos de areia. Ao faze-lo, ela nao me
havia reivindicado um direito a seu "self' e, em fungao de sua permitia, e a ninguem mais, ajuda-la.
historia corn os pais, nao iria deixar ninguem "entrar", ou dizer-Ihe Esse era outro nivel de resistencia, ja distante de suas defesas
o que fazer. Quanto mais adequado o conselho, mais ela resistia. primitivas. Era urn progress° ! Ela era uma "Joana D' Arc psicologica",
Qualquer esforco meu para ultrapassar seu muro e estabelecer uma singularmente sozinhae est6ica. Sob determinado ponto de vista, sua
relagao mais intima entre nos era visto como uma afronta. recusa em permitir qualquer assistencia dos outros poderia ser vista
Quanto mais eu tentava alcanga-ladiretamente, mais eu "falhava" como tola e, no minim°, quixotesca; ainda assim, em uma postura
— as im como outros antes de mim. Comecei a perder a esperanca genuinamente apreciativa de seus medos, o que mais impressionava era
de algum dia estabelecer o tipo de relagao que eu julgava necessaria seu heroism°. Psicologicamente sozinha e sentindo-se ameagada, ela foi
para proporcionar um ambiente de cura. A medida que eu comegava capaz de sobreviver. Era uma sobrevivencia corn urn custo — o patio
a me sentir sem esperancas, ela, é claro, percebia isso agudamente, faustiano corn o diabo, que todos nos fazemos: nossos proprios
o que reforgava sua experiencia de ser abandonada pelas pessoas. Por medos sao o diabo.
mais resistentes e apavorados que sejamos, todos ficamos aterrorizados Aqui estavam incorporadas tanto a grandeza quanto a tragedia
diante da possibilidade de os outros desistirem de chegar ate nos. da vida humana. ConseqUentemente, eu Ihe disse que ao menos
Todos queremos desesperadamente ser alcangados, embora analo- reconhecesse seu heroism° nessa luta! Isso foi muito desconcertante
gamente nos apavore a perda do self ou de nossa protegao. Esta 6 a para ela, ja que sempre se criticou impiedosamente por essa atitude
ambivalencia ontologica inerente em toda a resistencia. de "de-conta-sozinha"; mesmo que, durante anos, nao tenha conseguido
Finalmente, dei-me conta de que precisava entender a sagacidade deixar que ninguem a ajudasse e experienciado a vulnerabilidade que
de sua resistencia. A resistencia tinha lido sua "companheira" muito isso acarreta. Esse foi o inicio tenue do aprendizado para reassumir
antes de eu iniciar uma relagao corn ela, e estaria la muito depois do aquele aspecto dela previamente rejeitado. Ela estava comecando a
termino da terapia. Isso nao quer dizer que eu nao poderia ajuda-la. reconhecer que possuia muito mais que simplesmente awareness e
Mas foi necessario para nos dois reconhecer antes urn aspecto objetivos conscientes. Esse foi o primeiro passo em direcao ao
essential da sua vida, que de uma forma anacronica tinha the dado reconhecimento e integragao de seu ser como um todo.
al go semelhante a protegao. Apenas aprendendo a confiar nessa parte
de si mesma poderia ela fazer tentativas de confiar em mim. Por essa "TRANSFERENCIA"
razao, eu the disse que ela precisava comecar a valorizar, e ate
mesmo a "gostar" de sua obstinagao, uma vez que era parte integrante A resistencia do cliente é freqUentemente urn aspecto do que
de seu senso de self. tradicionalmente é charnado de transferencia. 0 cliente se manifes-
Em resposta a essa sugestao surpreendente, ela disse que se ta na situagao terapeutica corn muitos dos mesmos medos e expecta-
sentiu "desmascarada". De certo modo, fora esse o seu segredo. Em tivas que ele tem em outran situagoes interpessoais. Entretanto, isso
parte, era urn segredo ate para ela! Mais tarde, afirmou que poderia nao significa, como ja se pensou, que o cliente sobreponha experiencias
permitir-se apreciar o valor de sua obstinagao por apenas alguns anteriores a situacao terapeutica, sem considerar quem é o terapeuta ou
segundos a cada vez. A imagem que usou nesse ponto foi a de estar como ele responde.
de um lado de uma barragem, enquanto a agua subia do outro; ela A resistencia transferencial 6, em grande parte, uma funcao do
"entre", do encontro terapeuta/cliente. Nao ha resistencia se nao
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houver alguem a quern se possa ser resistente — esteja presente, ou em toda psicoterapia 6: quern esta sendo resistente: o cliente ou o
imaginado como presente. Stolorow & Brandchaft (1987) apontam terapeuta? Frequentemente ambos. Uma tendencia humana natural
para as vastas implicacoes da compreensao intersubjetiva da resistencia: dos terapeutas, como autoprotetores, e ficar na defensiva diante da
resistencia do cliente. A principal defesa do terapeuta é observar a
"Quando defesas contra o afeto surgem no tratamento, elas resistencia apenas como uma defesa do cliente — nesse ponto, defesa
devem ser entendidas como originadas na expectativa do pa- encontra defesa; resistencia encontra resistencia. A resistencia do
ciente, ou no medo da transferencia, de que seus estados cliente é freqUentemente exacerbada pela propria resistencia do
emocionais emergentes encontrarao a mesma falta de res- terapeuta, ou seja, as expectativas e os medos que nao permitem ao
ponsividade que encontraram naqueles de quem receberam os terapeuta abranger o comportamento do cliente. 0 desenrolar da
rimeiros cuidados. Alem disso, essas resistencias contra o terapia torna-se bloqueado, o que tern levado alguns terapeutas a
feto nao podem ser interpretadas como resultantes unicamente propor que nao existem clientes resistentes, somente terapeutas
de processos intrapsfquicos dentro do paciente.Tais resisten- resistentes! isso joga o pendulo para a direcab oposta e, mais uma
cias sao, muito freqiientemente, provocadas por eventos que vez, viola a perspectiva dialogica, como o fez o ponto de vista mais
estao ocorrendo no didlogo intersubjetivo da situacao analitica, tradicional em que o cliente era o 6nico a ser resistente.
que sinalizam para o paciente uma falta de receptividade da Uma das formas mais basicas de resistencia do terapeuta e que
parte do analista para corn seus estados emocionais emergentes e, pode emergir secretamente acontece quando o terapeuta impeie urn
por isso, trazem noticias da ocorrencia traumatica da falha metodo na terapia que ni.io é consoante corn as necessidades do
original do self-objeto. (pp. 8-9) cliente. Basch (1982), por exemplo, escrevendo dentro da tradicao
psicanalitica, afirma: "Muito do que é chamado de resistencia em\
A falta de responsividade do terapeuta, ou urn tipo particular de psicoterapia é urn artefato. E urn impasse terapeutico, gerado pelo
resposta, podem provocar ou aumentar a resistencia. Toda interacao esforco do terapeuta em introduzir urn modelo de tratamento
resistente aumenta o espectro de urn "desencontro" potencial. Blatt e psicanalftico de psiconeuroses na psicoterapia de pacientes cujos
Erlich (1982) expressam claramente essa questao: distiirbios tern uma base diferente" (p. 10). Esse é urn perigo contra
o qual todo terapeuta precisa estar resguardado. 0 objetivo da terapia
"A resistencia é tanto uma experiencia na relacao terapeutica, é fazer contato corn o cliente, nab corn a teoria! Algumas vezes, em
para a qual contribui em parte o estilo do terapeuta, quanto um nosso entusiasmo por teorias explicativas, perdemos isso de vista.
processo dinamico dentro do paciente. A resistencia é uma A prOpria resistencia do terapeuta é a forca mais potentea
conseqiiencia natural da transacao entre as formas caracterfsti- contribuir para o impasse terapeutico; muito mais ate que sua
cas de o paciente se relacionar e o estilo e a habilidade terapeu- orientac5o teorica. Terapeutas seio seres humanos — profissionais
ticas do analista. Como tal, isso constitui urn aspecto integral do bem treinados, mas sujeitos tambem a todos os caprichos da
processo terapeutico em desenvolvimento". (1982, p. 71) vulnerabilidade humana que nossos clientes exibem. De fato, é essa
pr6pria humanidade que contribui para a cura em terapia. Os clientes
No contexto terapeutico a resistencia é inextricavelmente urn podem ver as falhas humanas do terapeuta, assim como sua coragem,
fenomeno do "entre" — o campo intersubjetivo. esforcando-se para lidar corn essas limitacoes existenciais. Este 6
urn modelo importante para o cliente. As limitacaes hutnanas do
A RESISTENCIA "ENTRE" terapeuta nao scio um ponto de parada, mas antes um ponto de
encontro no piano da humanidade comunz — um piano onde todos
Uma das questoes inquietantes da alma que precisa ser questionada precisamos primeiro nos encontrar antes de estartnos dispostos a

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confiar e arriscar nos outros. Esta abertura sinaliza urn terapeuta paralelamente, ocorre o contato interpessoal — indiretamente, como
em crescimento. deve ser. E indiretamentp porque 6 urn contato atraves do conflito.
Certamente ha tambem sabedoria na resistencia do terapeuta. A resistencia é contato, nao meramente contato contra. Nao é urn
Ela informa ao terapeuta quais Sao os limites entre sua abertura e a "encontro" direto mas antes, urn contato defensivo e marcadamente
aceitacao dos outros, e a necessidade de expandir ainda mais esses delimitado.
limites. Entretanto, é claro que é solicitado mais do terapeuta do que do Sua importancia é ressaltada pela realidade de que, precisamente
cliente. Essa é uma das limitacOes normativas da mutualidade em nesse ponto, outros abandonaram aquela pessoa, por urn conflito
terapia. 0 terapeuta esta ali para o cliente, e nao vice-versa. aparentemente insolavel. Talvez nao seja o contato que a pessoa do
0 terapeuta, certamente, se tornard aware de algumas de suas ferapeuta deseje; no entanto, esse e o contato. A resistencia do cliente
resistencias na terapia, embora esse nao seja o foco da mesma. Se é sempre urn desafio para o terapeuta: como estabelecer contato corn
exi em resistencias significativas da parte do terapeuta, esta claro essa pessoa no ponto da resistencia. Talvez este seja o grande desafio
que deverao ser levadas para fora da terapia, para supervisao, ou ate que o terapeuta encara o desafio de, genuinamente, "estar corn"
mesmo para a propria terapia, se a resistencia for mais uma funcao da alguena experienciado como opositor. Buber disse uma vez: "Os
personalidade do terapeuta. limites de possibilidade do dialogo sae os limites de awareness"
0 encontro terapeutico precisa estar con sistentemente sob foco e (1965a, p. 10). 0 desafio do terapeuta é encontrar, criativamente, os
ser mantido "nos trilhos", e nao deve ser desencaminhado pelos meios de estabelecer urn dialogo corn essa pessoa e sua resistencia.
repetidos "desencontros" que perseguiram o cliente em sua vida. Al A resistencia é pane e parcela da pessoa corno um todo, nao ulna
guns desencontros irao sempre acontecer. MO se pode evitar. atzomalia.
Entretanto, se houver resistencias significativas e serias do terapeuta, 0 desafio para o terapeuta é encontrar o cliente no ponto de
ele deve encarar sua parte nesse desencontro, e nao deveria servir contato, de modo a incluir a resistencia em vez de ameaca-la. E ver,
como uma condenacao do cliente. genuinamente, a resistencia como ponto de contato entre e nao
A relacao é fundamental em toda terapia, mas talvez o seja meramente como uma forca de oposicao. Schlesinger (1982) afirma
especialmente no trato corn a resistencia. E necessario uma alianca isso delta maneira:
de trabalho solida para se lidar bem corn a resistencia. E of que todos
os "creditos" conquistados na relacao serao requisitados. Em altima "Estamos, portanto, interessados na resistencia e gostarfamos
instancia, é a confianca no terapeuta e na relacao que estabelece uma de saber mais sobre e la; o porque de o paciente precisar se
ponte sobre a aparente divisao criada pela resistencia. A confianca na comportar dessa forma. Observem o paradoxo: embora o pa-
relacao é que o permite a ambos passar pelos desencontros. A menos ciente possa estar se esforcando para se opor a nos, guardar
que haja urn pouco de boa vontade e confianca, o cliente nao sera informacoes, negar cooperacao, ou, mais sutilmente, evitar
capaz de incorporar a abordagem do terapeuta ao valorizar sua colaborar na tarefa terapeutica, o paciente resistente tambem
resistencia. esta transmitindo uma boa quantidade de informacoes, e num
sentido maior esta cooperando totalmente corn o tratamento...
A RESISTENCIA COMO UM PONTO DE CONTATO Em vez de ficar desanimado corn a resistencia, o terapeuta
poderia muito bem sauda-la," (p. 27)
E tarefa criativa do terapeuta poder encontrar o cliente no pon-
to de sua resistencia. Toda resistencia é, por urn lado, evitacao de urn E uma tarefa que pode se tornar urn esforco compartilhado entre
comportamento, e, por outro, contato intrapsiquico consigo mesmo; terapeuta e cliente. E uma luta para it alem da compreensao ausente.
é o contato corn antigas necessidades de defesa ao passo que, E uma luta de Prometeu, no sentido de matua compreensao. Poe em

152 a 153 lit


destaque a humanidade basica de ambos, terapeuta e cliente. Esse energia. Consequentemente, tao logo o terapeuta sai do caminho do
esforco nao é apenas urn ponto de contato ampliado, mas traz, de cliente, como no aikido psrcologico, ele desanima. A resistencia é
fato, a possibilidade de ser um meio essencial para a cura! Isso como uma reacao do reflexo patelar em relagao a oposicao percebida,
ocorre porque é exatamente nesse ponto que o cliente esta mais de modo que a pessoa nao sabe muito bem o que fazer quando esta
ferido, e demarca urn novo nivel de encontro entre o cliente e o oposicao esta ausente. Como conseqUencia, o cliente precisa de
terapeuta. E urn nivel alem do falso self para ambos, cliente e algum tempo para se "organizar". Tambem levard algum tempo ate
terapeuta. Esta alem do artificio. E o verdadeiro mergulho no que o cliente reconheca que o terapeuta nao a realmente o inimigo e
labirinto que conduz em direcao a autenticidade. que pode ate ser um aliado. Aliados podem unir forgas e utilizar suas
0 terapecuta, alem de uma pessoa corn caracterfsticas proprias, energias combinadas para exorcizarem os "fantasmas" que assom-
tambern representa a polaridade "inimiga" da parte resistente do bram o cliente.
cliente. Conseqiientemente, ha sempre urn conflito potencial. A Ao aliar-se a resistencia, o terapeuta esta se colocando do lado do
tarefa do terapeuta nao é estabelecer-se como o "inimi go", a polaridade self amedrontado do cliente. A resistencia, embora real em si
oposta, mas sim conseguir unir-se as forcas do cliente — tanto as que o mesma, a freqtientemente uma expressao do que Winnicott chamou de
impulsionam para a frente, quanto as que o fazem resistir. "falso self'. FreqUentemente, por tras disso esta uma parte
Ver a resistencia como legftima e essencial, ate mesmo como bastante diminufda do self total - o "verdadeiro" self escondido. De
uma "sabedoria", significa que o terapeuta deve encontrar o cliente muitas formas, pode-se dizer que o verdadeiro self tern estado
no ponto da resistencia, bem como unir-se a ela. "Unir-se a" e o escondido todo esse tempo em urn "cubiculo- psicologico. As
proximo movimento, depois do contato corn o ponto de resistencia. camadas de defesas e da resistencia o enclausuraram. Aliar-se
Varios terapeutas tem falado sobre a necessidade de "aliar-se" a resistencia sinaliza o desejo do cliente de entrar suavemente naquele
resistencia. Certamente, é uma conseqiiencia desta abordagem. pequeno "espaco" onde reside o verdadeiro self. E fazer urn convite e
Entretanto, "aliar-se" apenas tecnicamente nao e o mesmo que nao forcar a entrada. E perguntar ao verdadeiro self do cliente,
apreciar genufna e profundamente a sabedori a da resistencia. Somente quase como se pergunta a uma crianca assustada, se tudo bem invadir a
depois de ter feito contato no ponto da resistencia, o terapeuta pode sagrada privacidade deste lugar escondido.
Unir-sea resistencia, genuinamente. "Aliar-se" significa por-se no E imensamentecriativo, embora diffcil algumas vezes, descobrir os
lugar do cliente. Talvez seja melhor dizer que é necessario se colocar "esconderijos" do cliente, entrar nesses "espacos" e sentir como deve
como o lado resistente do cliente, porque o cliente por si mesmo pode ser para ele estar tao amedrontado. Isso,informara. ao cliente: "Ha
nao estar completamente aware, ou consciente, de sua resistencia. alguern aqui comigo que se importa." E urn reconhecimento
Aliar-sea resistencia é uma forma de aikido psicologicom. Evita-se existencial profundo da parte oculta de todos nos. E o fim da ilusao do
a forca agressiva do oponente-e reflete-se a mesma energia de volta cliente de que ele nao 6 o iinico a ter tanto medo. Da a ele a
para ele. oportunidade de reconhecer que estar "escondido" e uma realidade
Somente quando 6 possfvel aliar-sea resistencia pode a cura existencial, nao urn estado patologrco. E reconhecer nossa humam-
'„genufna — tornar-se inteiro ocorrer. "Aliar-se" significa nao se dade comum. E este reconhecimento existencial profundo e com-
opor em forca — nem criar uma ameaca, ou uma reacao defensiva partilhado que permite a cura. Nao e preciso lutar contra, mas sim
contra a qual o cliente tenha que resistir. De fato, a dinamica da compreender os medos comuns.
resistencia requer uma forca de oposicao que a reforce, "dando-Ihe" Entretanto, ha tambem a possibilidade de que, as vezes, a
resistencia seja apenas resistencia. 0 esforco inicial de encontrar-se
76.0 aikidO e uma forma oriental de defesa nao agressiva, em que o defensor utiliza o golpe
no ponto da resistencia, compartilhando-a, nao exclui esforcos ainda
agressivo do atacante para desviar o ataque. maiores para desafiar a resistencia. De fato, esse desafio, talvez urn

154 155
"empurrao de apoio", so deva ocorrer depois que o terapeuta entenda
totalmente os significados do eliente, tenha empatizado corn eles e
estabelega urn vinculo corn a pessoa que proporcione o contexto para tal
"empurrao".
A necessidade e o momento oportuno de quando desafiar a
resistencia e. al gumas vezes, dificil de dialmu% ovaiente, is o a parte
da arte da psicoterapia. Em certas oc-a-siFes, o cliente precisa de alguern
que esteja interessado, que se imzorte, que busque unir-se a ele e, ainda
assim, que tambern esteja disPosto a desafia-lo de uma forma
amorosa. Muito frequentemente, trata-se de uma experiencia nova para
o cliente.
Nao ha perigo algum de que todas as resistencias sej am
"eliminadas". Isto é uma ficcao psiquica. Se isso acontecesse, teria-
mos uma "esponja psiquica", nao uma pessoa! Nossa tarefa, como
terapeutas, é ajudar os clientes a se tornarem aware daquelas resistencias que
interferem grosseiramente no funcionamento saudavel. Significa,
tambem, reconhecer que certas "resistencias" sao, de fato, pones de
nossa existencia e sao parte do estar-no-mundo.
Nao se exige de nos, como seres humanos, uma abertura
Bibliografia
completa — o que tambern nao é possivel. 0 desafio humano é
estabelecer urn equilfbrio criativo entre a parte que temos escondida e a
parte que esta aberta.

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