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A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O
PANPRINCIPIOLÓGISMO: A CRISE DO LIMITE DA
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
GUARÁ/DF
2018
MATHEUS BARBOSA GUEDES
A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O
PANPRINCIPIOLOGISMO: A CRISE DO LIMITE DA
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
GUARA/DF
2018
MATHEUS BARBOSA GUEDES
A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O
PANPRINCIPIOLOGISMO: A CRISE DO LIMITE DA
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 61
INTRODUÇÃO
Deve-se considerar que nem toda divergência é sumulada, e, mesmo se fosse, não
possuiria o condão de vincular as demais decisões, e que os magistrados ao dizerem o
direito estão interpretando a lei de acordo com o caso concreto, e quando não é observado
alguns limites hermenêuticos a exegese nasce como fruto do autoritarismo jurídico.
A produção de uma decisão é o ápice da interpretação jurídica, uma vez que além de
dizer o direito traz a solução para o conflito no caso concreto. Assim, cabe ao magistrado
dar sentido a letra fria da lei, porém, quando está decisão não segue, o que pode ser
chamado de regras do jogo, que são, as bases da hermenêutica jurídica, ela nasce eivada
de vício e são essas decisões, muitas vezes proferidas pelo próprio Supremo Tribunal
Federal, que justificam esse trabalho.
Observa-se que dos inúmeros prejuízos que tais decisões causam, o mais preocupante,
data vênia, é o da insegurança jurídica, pois se cada magistrado decidir de acordo com os
seus próprios valores morais, muitas vezes atropelando a letra da lei, estaremos
mergulhados no autoritarismo jurídico.
Assim, não se pode conformar com a presente situação em que se encontra o Direito,
esperando os operadores do Direito, sobretudo os advogados, que uma de suas teses
jurídicas sejam sorteadas, pois o direito é, e sempre foi, a luta contra a injustiça e um
apelo a legalidade.
13
1. DO ESTUDO DA HERMENÊUTICA
Para se falar de uma crise na interpretação jurídica, sob a ótica de uma crescente
hermenêutica constitucional, é necessário distinguir conceitos básicos e compreender
como os fatores sociais, políticos e econômicos influenciaram e influenciam nas teorias
acerca da melhor forma de interpretar o texto legal para desembocar nessa crise de
interpretação legal.
Diante de tal quadro, se torna indispensável uma correta interpretação legal para
que não haja equívocos na hora de aplicar a lei, uma vez que já não se busca mais a
interpretação da vontade do legislador para aplicabilidade da lei.
Tal fato tem origem nos avanços inevitáveis da sociedade (tecnológico, moral,
ético, etc.) fazendo com que a realidade no momento da criação da lei já não seja a mesma,
assim, “quando a norma é antiga a vontade do legislador originário está normalmente
superada”.4
1 GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Tradução de Edson Bini. Apresentação de Heleno
Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latin, 2005. Pg. 23
2 Idem. Pg 24
3 GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito: 5º Ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. Pg. 26
4
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. ed.10. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 79
14
A distinção entre texto e norma é amplamente difundida e aceita, por mais que
haja incontáveis variantes terminológicas6, nesse diapasão “texto e norma não se
confundem, pois, o primeiro é apenas um enunciado linguístico, enquanto que a norma é
o produto da interpretação desse enunciado”7. Assim, o texto carece de interpretação
para se transformar em uma norma.
Cumpre destacar que textos diferentes podem emanar a mesma norma. Dessa
forma, o disposto no inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal "a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu"8 seria o texto ou enunciado e para Virgílio Afonso
da Silva
Esse texto exprime uma norma que proíbe a retroação da lei penal, a não ser
que essa retroação beneficie o réu. Nesse último caso, existe um dever de
retroação. A mesma norma poderia ser expressa por meio de outros
5
Nos sistemas de tradição romano-germânica, como o Brasil, se aplica, em geral, a diferença entre
texto e norma, uma vez que a norma legislada (lei) possui protagonismo.
6
O texto também recebe o nome de “enunciado normativo” (Robert Alexy), “enunciado ou
disposição” (Eros Grau), “texto normativo ou disposição normativa” (Marcelo Neves) e “proposição
jurídica” havendo divergências com o sentido a cima desenvolvido (Hans Kelsen).
7
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003). P. 616.
8
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em:13/08/2018
15
enunciados, como, por exemplo, "a lei penal retroagirá somente em benefício
do réu", ou ainda "é proibida a retroação penal, a menos que seja para
beneficiar o réu" etc. Como se vê, a despeito das variações na redação dos
enunciados apresentados, por meio da interpretação de todos eles chega-se à
mesma norma.9
Para Hans Kelsen “o ato jurídico que efetiva ou executa a norma pode ser
conformado por maneira a corresponder a uma ou outra das várias significações verbais
da mesma norma”11, assim, para ele, a lei é como uma moldura e dentro dessa moldura
cabe várias soluções, sem que uma esteja errada em relação a outra.
9
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p. 617.
10
Idem. p. 618.
11
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P. 247
12
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. Ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 01
13
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. idem. p. 245
16
Eros Roberto Grau, ilustra com maestria como a interpretação deve ser feita,
utilizando-se de uma metáfora ele busca concretizar essa diferença e apresentar a
normalidade da divergência de interpretações, porém todas eles levando a mesma norma
e as consequências de fugir dos limites interpretativos:
14
O texto já interpretado anteriormente.
15
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 27
16
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Idem. p. 33
17
Ao abordar aqui a evolução das teorias afetas ao tema será necessário um esforço
hercúleo para sintetizar todas as teorias e suas reflexões no tocante ao desenvolvimento
da hermenêutica. Todavia, compreender como surgiu essa ciência e a sua aplicabilidade
no decorrer do tempo se torna indispensável para chegarmos ao debate sobre aplicação
de uma hermenêutica constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.
Inicialmente, para alguns, a teoria hermenêutica era vista como “uma doutrina
sintética (Schleiermacher), isto é, uma metódica indicação de regras para lidar com
textos”19, diante disso a sua essência era em grande parte técnico-normativo.
Tal método buscava acabar com a arbitrariedade, uma vez que traria o modo que
se deve interpretar.
17
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica: tradução Brenno Dischinger: São
Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 47.
18
Idem P. 48.
19
Idem P. 48.
20
Idem P. 48.
18
Johann Conrad Dannhauer foi o autor que pela primeira vez utilizou o termo
hermenêutica no título de um livro27 e apesar de ter realizado diversas outras
21
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 49.
22
Refiro aqui a Reforma Protestante ocorrida no Século XVI que tem como marco a publicação das
95 teses de Martin Lutero em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg.
23
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 50.
24
GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método: tradução Flávio Paulo Meurer. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1997. p. 277
25
Quando é feito referência há uma só hermenêutica deve-se considerar a sua universalização,
sobretudo após os objetivos da hermenêutica trazida por Lutero não terem sido atingidos, assim, “a
dramática ausência de tal hermenêutica em Lutero conduziu, sem demora, ao desenvolvimento de uma
hermenêutica cientifica da Sagrada Escritura”. Assim, não se trata da análise apenas das Sagradas Escritura,
e sim de uma ciência que supera todos os dogmas vinculados a ela para se tornar universal. GROUDIN,
Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 84
26
Para Lutero as escrituras por si só bastavam para compreender o seu sentido, “assim, todas as
passagens obscuras deviam ser esclarecidas com passagens paralelas das Escrituras”. Idem p. 82
27
O livro tinha como título “Hermenutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum”
(Hermenêutica sagrada: o método de exposição da sagrada escritura, tradução livre) e foi publicado em
1654.
19
Com isso surge uma hermenêutica que deveria se encontrar no campo da filosofia
“a qual deveria permitir às outras faculdades (Direito, Teologia, Medicina), interpretar,
segundo o seu significado, afirmações propostas por escrito”.28
A teoria de Heidegger foi o marco para uma nova forma de interpretar e foi com
Gadamer, um dos autores que discorreu sobre a sua teoria que a hermenêutica viria a se
universalizar.
Gadamer vai além na busca de objetivar a interpretação, ele nos propõe que além
da analise contextual fática do texto deve-se acrescentar o princípio da historicidade na
busca “por uma compreensão preocupada com a objetividade nas ciências do espírito,
deve ser constatada na elaboração de uma consciência da história efetual”30.
28
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 96.
29
HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo parte I: tradução Márcia Sá Cavalcante Schuback. Ed. 15.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. p. 29
30
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 190.
20
31
GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método. Idem. P. 578
32
HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação. São Paulo: Edições Loyola, 2004. P. 260.
33
Cumpre destacar que não estou alheio a interpretação alegórica dos mitos, e a análise de
pensadores como Chladenius, Ast, Schlegel e Dilthey que deram contribuições absurdas em que, sem elas,
a ciência da hermenêutica não teria ganhado os contornos que tem hoje. Porém, já é um trabalho hercúleo
encaixar e sintetizar os pontos importantes da hermenêutica nesses subtópicos e informar que os autores
supracitados terão mais espaço em um futuro mestrado.
34
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. Ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p 01
21
Como já foi trazido, com o advento da virada linguística não se tem mais um
significante primeiro, que trazia uma garantia de que os conceitos em geral se remeteriam
a um único significado, “daí por que um rompimento com essa tradição do pensamento
jurídico-dogmático é difícil e não faz sem ranhuras”36.
35
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. ed.10. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 78
36
STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999 p. 155
37
Idem. p. 137 (Grifos do autor)
38
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p 4
39
Seria o que Gadamer traz quando inseri o princípio da historicidade na interpretação, buscando
entender o todo que levou aquele texto, para uma interpretação mais correta.
22
Nesse diapasão, o Código de Processo Civil - CPC42 vem em seu §1º do artigo
489 estabelecer quando uma decisão não43 se considera fundamentada, positivando a
importância da justificação da interpretação que levou a aplicação do Direito daquela
forma.
40
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Idem. p. 245
41
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri,
SP: Minha Editora, 2010. p. 45
42
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 20/09/2018
43
Veja-se aqui que o legislador preferiu (de forma muito sábia) optar pela ideia de negação no que
diz respeito a fundamentação da decisão judicial.
44
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p 5
45
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 45
23
Porém, no âmbito jurídico o marco inicial da hermenêutica não pode ser o mesmo
uma vez que “a interpretação das leis surge como uma disciplina do Direito a partir da
formação do Estado Moderno, em especial, em virtude da concretização da doutrina da
separação dos Poderes após a Revolução Francesa e a publicação do Código de
Napoleão”46.
46
Idem. p. 46
47
Idem. p. 46
24
Judiciário, por exemplo, interpretasse uma norma em que pode por si mesmo executar
uma obra pública.
Esse limite não existe quando se trata da hermenêutica filosófica, uma vez que só
se limita aos próprios pressupostos que assenta.
De acordo com Chaim Perelman48, o raciocínio jurídico passou por três fases, a
primeira com a escola da exegese que surge em conjunto com o Código de Napoleão; a
segunda, são concepções funcionalistas, teológicas e sociológicas do Direito; e a terceira
etapa tem sua origem no fim do positivismo jurídico ocasionado após a Segunda Guerra
mundial, e o pós-modernismo se instaura na hermenêutica.
48
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica.; tradução de Verginia K. Pupi. - São Paulo.
Martins Fontes, 1998.
49
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 49
50
Idem. p. 49
51
Em tradução livre “à lei é dura, mas é a lei”.
52
Idem. p. 50
25
Para isso “é necessário que a justiça tenha os olhos vendados, que não veja as
consequências do que faz”53 uma vez que só assim se romperia com o antigo regime, não
estando mais sob a mercê de pessoas e sim de instituições impessoais.
Porém, “essa fidelidade estrita ao espírito do legislador e apego à letra da lei durou
até o final do século XIX, quando a doutrina jurídica começa a questionar este modelo
silogístico formal, que não resolve as situações não legisladas, ou aqueles que foram, mas
geravam dúvidas na sua aplicação”54, não havendo assim como resolver as lacunas da lei,
uma vez que a interpretação era proibida.
53
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. Idem. p. 33
54
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 50
55
Idem. p. 50-51
56
Idem. 51
57
Chaim Perelman, nos traz que “o papel da doutrina já não se restringirá a determinar exatamente
o sentido dos termos empregados, mas será antes uma investigação teórica da intenção que presidiu à
elaboração da lei”. Essa investigação é de suma importância para o desenvolvimento dessa teoria uma vez
que com o passar do tempo os textos parecem mais inaptos ao caso concreto. PERELMAN, Chaim. Lógica
jurídica: nova retórica. Idem. p. 71
26
jurista já perceba que existe algo além do texto, e que este algo representa um conteúdo
axiológico daquilo que é o Direito”58.
Surge, por fim, a última fase do raciocínio jurídico, no meio de uma revolta
jurídica que ocasionaria uma reanalise de todo o direito, tal revolta teve como base a
Segunda Guerra Mundial.
Os efeitos causados pela Segunda Guerra Mundial foram, aos poucos sendo
transformado em “doutrinas que promoviam releituras do Direito Natural dos sécs. XVII
e XVIII, pretendendo-se combater a frieza do positivismo, e permitindo ao juiz a guarda
última do justo que a ele antes não era confiada”.5960
Portanto, se torna dever do interprete analisar a norma legal para que possa
extrair o que ela quer dizer uma vez que a “lei é uma realidade morfológica e sintática
que deve ser, por conseguinte, estudada do ponto de vista gramatical. É da gramática –
tomada esta palavra no seu sentido mais amplo – o primeiro caminho que o intérprete
deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma legal”61.
58
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 51
59
Idem. p. 52
60
Voltarei a tratar dos efeitos da Segunda Guerra Mundial na problemática deste trabalho mais a
frente, uma vez que foi de suma importância para a institucionalização dos princípios.
61
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ed. 27. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 279
27
Deve-se observar também que nenhum dispositivo está desconexo, devendo ser
analisado em consonância com as demais disposições quem compõem o sistema. “Cada
artigo de lei situa-se num capítulo ou num título e seu valor depende de sua colocação
sistemática. É preciso, pois, interpretar as leis segundo seus valores linguísticos, mas
sempre situando-as no conjunto do sistema”62.
62
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 279
63
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p.
54
64
Idem. p. 54
65
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ed. 27. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 280
28
66
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 54
67
WARAT, Luiz Alberto. Introdução ao estudo do direito. Porto Alegre. Pena, 1994. p. 69
68
Idem. p. 70
69
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p 22
29
Quando foi elaborado o Código Napoleônico (1804) a França tinha como principal
atividade a agricultura e a Inglaterra ainda estava ensaiando uma mecanização para um
Capitalismo Industrial que estava por vir.
Quando, por fim, chegamos ao século XIX “quando se operou a revolução técnica,
especialmente através dos grandes inventos no plano da Física e da Química e das
aplicações de natureza prática, notadamente através da utilização da força a vapor e,
depois, da eletricidade”70. Com o advento desse novo panorama de produção acaba sendo
inevitável que se mude toda a vida social.
Com toda a mudança social ocorrida por esses avanços técnicos “verificou-se,
então, compreensível desajuste entre a lei, codificada no início do século XIX, e a vida
com novas facetas e novas tendências”71. Deste modo, com o surgimento de situações que
não estavam amparadas pela legislação vigente, assim por mais que os interpretes
buscassem adaptar aas situações a lei vigente sempre sobrava algo, questionando, então,
o método exegético e a sua plenitude legal.
E foi sob esses problemas é que surgiu um outro caminho, começando a explorar
os ensinamentos da Escola Histórica que “nasceu na Alemanha pré-unificada sob os
ensinamentos de Savigny, para quem o Direito só poderia ser explicado a partir da história
do povo que o construiu”72. A lei, então, era uma realidade histórica.
Outro fator que foi importante para o desenvolvimento da Escola Histórica está
no fato de a Alemanha “somente ter publicado o seu primeiro código em princípios do
séc. XX, conferiu a seus estudiosos uma visão menos legalista do que aquela apresentada
pelos franceses da Escola Exegética”73.
70
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ed. 27. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 281
71
Idem. p. 281
72
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 68
73
Idem. p. 69
30
preparatórios, das atas das comissões, dos resumos das discussões, especialmente dos
referentes à rejeição e aprovação de emendas, dos Anais do Congresso, da aprovação final
etc”74.
Chega-se, então, a principal questão do método histórico, uma vez que, se da sua
utilização comprova-se “que o legislador pretendeu alcançar X, é lícito ao juiz, em virtude
de fatos supervenientes, admitir um objetivo Y, se o texto da lei comportar essas duas
interpretações: é a segunda que deve prevalecer, pois, dirá outro pandectista, pode a lei
ser mais sábia do que o legislador”76.
Assim, a força da lei continua sendo o marco para este método de interpretativo,
mesmo tendo como primeiro plano de análise os usos e costumes e, por sua vez, o
legislador acaba perdendo força no que diz respeito a ser a única força autentica de
interpretação.
Para o método sociológico o “Direito nasce da luta cotidiana que a sociedade trava
em seu interior, sendo a lei uma conquista árdua do homem que visa à preservação da paz
no seio da comunidade”77.
74
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. Idem. p. 81
75
Quanto ao termo é importante dá-lhe significado, assim, “chamaram-se “pandectistas” os juristas
germânicos que construíram, na segunda metade do século XIX, uma poderosa Técnica ou Dogmática
Jurídica”. Imprescindível destacar que a “qualificação de “pandectistas” resulta do fato de, nessa obra de
prodigioso lavor analítico e sistemático, terem os juristas alemães remontado, criadoramente, aos
ensinamentos do Digesto, ou Pandectas, que, como devem saber, é a coleção de textos de Direito Romano
organizada pelo Imperador Justiniano”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 282
76
Idem. p. 283
77
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 72
31
Para Gény não era possível aceitar que buscasse adaptar o espírito do legislador
se estivesse vivendo no momento da interpretação, assim, “a lei só tem uma intenção, que
é aquela que ditou o seu aparecimento. Não se deve deformar a lei, mas, ao contrário,
reproduzir a intenção do legislador no momento de sua decisão”80.
Desse modo o “Direito deve ser pensado junto com a filosofia, a moral, a religião
e a ideia de justiça, por isso o jusnaturalismo possui especial relevo em sua doutrina, que
78
BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm
Acesso em 08/10/2018
79
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 74
80
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 284
32
se assenta na necessidade de se pensar a lei como uma criação racional do homem que
visa a organizar a realidade fática com valorações axiológicas e ideológicas”81.
Por mais que Gény se filie a Escola Exegética num primeiro momento ele dá muito
mais liberdade para que o juiz interprete o direito buscando resolver as lacunas
apresentadas através de uma análise dos usos e costumes.
O primeiro problema da teoria é quando não existe lei e os fatos não estiverem
abrangidos pelos usos e costumes e é aí que “magistrado deve entregar-se a um trabalho
científico, isto é, à livre pesquisa do Direito, com base na observação dos fatos sociais”82.
Não trata aqui de buscar uma regra jurídica escrita que seja adequada, ou que possa
ser usada por analogia, e sim de uma verdadeira investigação jurídica dos fatos sociais, a
regra jurídica apropriada.
Porém, “o que Gény não percebeu em sua teoria foi que as duas dimensões por
ele analisadas, a lei e as valorações extrassistemáticas, não conseguem ser tratadas de uma
forma estanque como a proposta”83.
Além de provar a existência de lacunas na lei ficou evidente que o Direito não
pode haver lacunas e como conciliar essas assertivas é aonde reside as principais questões,
já que diametralmente opostas
81
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 75
82
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 285
83
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 77
84
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 287
85
Idem. p. 287
33
O método desta escola é antagônico ao da Escola da Exegese, uma vez que para
os defensores do Direito Livre a lei não vincula o intérprete que deve buscar a decisão
mais justa para o caso.
Diante de tal compreensão é que instala a busca desse trabalho, qual o limite da
intepretação no nosso ordenamento jurídico? Se não houver concordância entre o legal e
o justo, qual deve prevalecer? Quem é apto a julgar se o legal é justo? Será o juiz o único
intérprete legítimo para avaliar esta correlação? Como fica o Poder Executivo e o Poder
Legislativo?
86
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 79
87
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 288
88
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 86
34
Dessa forma os princípios são divididos em três grandes blocos, os primeiros são
os omnivalentes, os que são válidos para todos os ramos do conhecimento90, os
plurivalentes, aplicados a vários campos do conhecimento91 e, por fim, os monovalentes,
aplicados apenas a um campo de conhecimento, como os princípios gerais do Direito,
objeto deste capítulo.
Porém, foi no final do século XX, principalmente com o advento da Carta Magna
de 1988, que os princípios ganharam força. Isso se deve a um deslumbramento por vários
doutrinadores, sobretudo os constitucionalistas pela principiologia.
89
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 303
90
O princípio da razão suficiente é um exemplo de princípio omnivalente.
91
O princípio da causalidade é um exemplo de princípio plurivalente.
92
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. Idem. p. 76
35
Porém, independente dos fatores que propiciaram um olhar mais atento aos
princípios é fato que os regimes autoritários normalmente optam por um discurso
principiológico em detrimento do legal, tais como o III Reich95 e a Dinastia Kim96.
Acredita-se que tal fato decorra da maior flexibilidade dos princípios frente as
regras, dessa forma se torna mais fácil a inobservância pontual nas leis em decorrência de
interesses pessoais.
93
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. 2018. f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais) – Curso
de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Goiânia, 2018. p. 4
94
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: Princípios e Regras Constitucionais como Diferença
Paradoxal do Sistema Jurídico. ed 2. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. p 172.
95
“Durante o governo de Adolf Hitler (1933-1945) a Constituição de Weimar vigorava, sendo uma
referência histórica de democracia e auge do Estado Social, no entanto, seu texto não foi capaz de frear a
ascensão nazista, tampouco as atrocidades de um regime que deixou cicatrizes eternas na humanidade”. 95
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas de
abordagem. Idem. p. 5
96
“O art. 68 da Constituição prevê que ‘os cidadãos tenham o direito de fé’. Este direito garante-lhes
oportunidades de construir instalações religiosas ou realizar rituais religiosos. Contudo, prevê que ‘a
religião não deve ser usada como pretexto para atrair forças estrangeiras ou prejudicar o Estado e a ordem
social’. O Relatório 2014 da Associação dos Estudos sobre os Direitos Humanos da República Popular
Democrática da Coreia, documento oficial do governo, afirma que ‘a liberdade de religião é permitida e
prevista pela lei estadual dentro do limite necessário para assegurar a ordem social, a saúde, a segurança
social, a moral e outros direitos humanos’. A propriedade de Bíblias ou outros materiais religiosos trazidos
do exterior são alegadamente ilegais e puníveis com pena de prisão e punição severa, incluindo, em alguns
casos, a execução. O país é parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos”. Departamento de
Estado Norte-Americano. Annual International Religious Freedom Report, 2014,
<http://www.state.gov/j/drl/rls/irf/religiousfreedom/index.htm#wrapper>. Acesso em 13/10/2018.
36
A distinção entre regras e princípios por mais que não seja recente é de primordial
importância para o estudo e análise desse trabalho e para a compreensão dos direitos
fundamentais.
De início é importante destacar que “norma jurídica é gênero que alberga, como
espécies, regras e princípios - entre estes últimos incluídos tanto os princípios explícitos
quanto os princípios gerais de direito”98.
Portanto, “tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que
deve ser”99 já que ambas devem ser observadas.
Ronald Dworkin tem como ponto de partida uma crítica ao positivismo, sobretudo
o positivismo desenvolvido por Herbert Hart100. “Segundo Dworkin, o positivismo, ao
entender o direito como um sistema composto exclusivamente de regras, não consegue
97
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2015. p. 85
98
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Idem. p.50.
99
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Idem. p. 87
100
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério: tradução Nelson Boeira: São Paulo: Martins
Fontes, 2002. P. 17 e 31
37
fundamentar as decisões de casos complexos, para as quais o juiz não consegue identificar
nenhuma regra jurídica aplicável, a não ser por meio do recurso à discricionariedade
judicial. O juiz, nesses casos, cria direito novo”101.
Dworkin, nos diz que “se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser
válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada,
deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras”103.
Por sua vez, em caso de conflito de princípios não há o que se falar em validade,
mas só de peso. Nesse diapasão, “importante é ter em mente que o princípio que não tiver
prevalência não deixa de valer ou de pertencer ao ordenamento jurídico”104. Ele apenas
não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele caso concreto. Em outros casos,
porém, a situação pode inverter-se.
101
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 610
102
Idem. 610
103
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Idem. p. 43
104
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 610
38
Nesse sentido, os “princípios são normas que estabelecem que algo deve ser
realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes.
Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização”105
Como se pode ver acima, Robert Alexy conceitua os princípios como uma espécie
de norma (gênero) contraposta à regra jurídica, o que por sua vez acaba sendo um conceito
bem diferente do adotado pelos juristas brasileiros. Para eles os princípios são
“mandamentos nucleares” ou “disposições fundamentais de um sistema”
A nomenclatura varia muito de autor para autor, porém todas levam a ideia de que
“princípios seriam as normas mais fundamentais do sistema, enquanto que as regras
costumam ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso,
caráter mais instrumental e menos fundamental”108.
Dessa forma, os princípios podem ser anteriores a lei, que por sua vez é uma das
formas de instrumentalizar a sua aplicação, não restando dúvidas doutrinarias nem
105
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Idem. p. 90
106
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 611
107
Para entender melhor é importante exemplificar, assim, “a liberdade de expressão consiste, prima
facie, na liberdade de exprimir o que se deseja por meio da forma que se deseja. Esse direito só pode ser
um direito prima facie, já que não é difícil imaginar que o exercício dessa liberdade poderá colidir com
outros direitos, principalmente com a honra e a privacidade. Em cada caso ou grupos de casos, aquele
direito prima facie poderá revelar-se, então, menos amplo”. Idem. p. 612
108
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 612
39
Deve-se observar que os princípios não são ordens a serem seguidas, eles são
apenas fundamentos, critérios para justificar uma ordem. “Eles funcionariam como
fundamentos jurídicos para as decisões. Ainda que com caráter normativo, não
possuiriam a qualidade de normas de comportamento, dada a sua falta de
determinação109”.
Ocorre que, o conceito trazido por Alexy, não diz nada sobre a fundamentalidade
das normas. Assim, “um princípio pode ser um "mandamento nuclear do sistema", mas
pode também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão de sua
estrutura normativa e não de sua fundamentalidade”110.
Há, contudo, uma contradição nessa forma de realizar a distinção entre regras e
princípios, pois muitos dos institutos que são comumente classificados como princípios
deveriam ser classificados como regras. Assim, “falar em princípio do nulla poena sine
lege, em princípio da legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz
sentido para as teorias tradicionais. Se adotam os critérios propostos por Alexy, essas
normas são regras, não princípios”111.
109
ÁVILA. Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
proporcionalidade. In Revista Diálogo Jurídico. Ano I, vol. I, nº4, Salvador, julho de 2001. p. 5
110
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 613
111
Idem. p. 613
40
Ressalta-se que por ser um tema genérico cada autor tem a sua própria
classificação, porém todas possuem substancialmente as mesmas ideias sem haver
divergências tendo como diferenças basicamente a valoração de um critério em
detrimento de outro.
Assim, acaba que uma norma (N2) é fundamento de outra mais geral (N1), sendo
a primeira uma expressão da aplicação da segunda.
Portanto, N1 é uma norma que prescreve um fim e N2 é um meio para atingir esse
fim.
112
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 187
113
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 8
114
Idem. p. 8
41
115
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 188
116
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 8
117
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e de corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com
ofendê-las, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada”. Exemplo é o Título
I da CRFB “Dos Princípios Fundamentais” que, segundo considerável parte da doutrina, consubstancia um
fundamento axiológico. O tema desenvolve-se no correr do trabalho. MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de Direito Administrativo. ed 26, rev. e atual. até a Emenda Constitucional 57/08. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009. p 949.
42
Dessa forma, “o princípio que constitui a ratio de uma norma singular possui
baixo grau de generalidade”118, enquanto, por sua vez, “têm elevado grau de generalidade
os princípios que abrangem um inteiro setor da disciplina jurídica”119.
Outra relevante forma de analisar os princípios é quanto a sua vagueza, uma vez
que ao analisar o entendimento de que a aplicação das normas possui sempre um campo
delimitado e que a sua aplicabilidade não comporta dúvidas e as suas escolhas não
possuem discricionariedade, deve-se buscar justamente o contrário já que “também as
normas (todas as normas) padecem, não menos que os princípios, de um certo grau de
vagueza e que, portanto, também a aplicação de normas, é, na maior parte dos casos,
discricionária e passível de controvérsia”120.
118
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 191
119
Idem. 191
120
Idem. 188
121
Para explicar a importante diferença entre ambiguidade e vagueza explica Marcelo Neves que a
ambiguidade “significa que as disposições [...] não são unívocas, ou seja, ao menos prima facie, podem ser-
lhes atribuídos mais de um significado” enquanto que a vagueza “refere-se à imprecisão em definir quais
são os referentes da norma, ou seja, a indeterminação dos limites do âmbito dos fatos jurídicos e respectivos
efeitos jurídicos que estão previstos na disposição normativa e, pois, na norma”. NEVES, Marcelo. Entre
Hidra e Hércules: Princípios e Regras Constitucionais como Diferença Paradoxal do Sistema Jurídico.
Idem. p 6.
122
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 189
123
Por exemplo a vagueza do princípio da dignidade da pessoa humana e a redação do art. 496 do CC
“é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante
expressamente houverem consentido”.
124
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 189
125
Como exemplo o art. 196 da CRFB “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
43
Tal distinção é dada por Josef Esser, com certo grau de originalidade, e estabelece
que “a distinção não se dá em razão do grau, seja ele de abstração ou generalidade, mas
em função da qualidade”127, sendo que ao contrário das normas os princípios não possuem
ordens que podem ser aplicadas de maneira direta, mas apenas razões que orientam a
decisão em determinado sentido128.
126
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 10
127
Idem. p. 10
128
Esser explica que “segundo a concepção continental, o princípio não é em si mesmo uma
‘instrução’, mas uma causa, critério e justificativa dessa”. No original “Según la concepción continental, el
principio no es en sí mismo una "instrucción" sino causa, criterio y justificación de ésta”. ESSER, Josef.
Principio y Norma em la Elaboración Jurisprudencial del Derecho Privado. Traducción del alemnán por
Eduardo Valentí Fiol. Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1961. p 66 e 67.
129
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25ª edição, Malheiros, 2010. p. 261
44
É desse entendimento que os princípios ganham força, sobretudo com a busca pelo
ideal de justiça como norte. Porém, a abstração dos princípios, como supracitado, fez com
que se colocasse em xeque a sua aplicação.
Porém, não é porque cada ordenamento jurídico possui os seus próprios princípios
que não pode haver similaridade entre eles, até porque eles nascem de uma evolução
histórica, que muitas vezes é igual entre os países, nesse sentido é que estabelece Eros
Grau ao dizer que “isso não invalida, contudo, a verificação de que mesmo esses
130
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. ed 4. São Paulo: Atlas, 2003. p. 171
131
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 306
45
Por fim, ambas as visões (auto e heretointegração) não se excluem, uma vez que
“em inúmeros casos verifica-se identidade ou forte aproximação entre os enunciados
gerais do Direito nacional e do Direito Comparado inexistindo antinomia que justifique
maiores controvérsias muitas vezes, inclusive, guardando compatibilidade, ainda que
mediata, com o Direito Natural”135
Como se sabe pelo exposto nesse capítulo, os princípios são espécies de normas,
andando lado a lado com as regras escritas. Dessa forma, deve-se buscar compreender a
função dos princípios dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
132
GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. ed 7, rev e aplm. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008. p 71
133
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 308
134
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p. 241
135
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 16
136
Idem. p. 16
46
A função interpretativa é a mais importante para este trabalho, uma vez que,
guarda estrita relação com a Hermenêutica, já que além de substanciar o interprete na
busca do significado da lei serve como delimitador de sua aplicação.
Assim, os princípios, são aplicados para garantir que dispositivo legal esteja em
conformidade com a norma posta. Mas, não se restringi com a relação com um objeto
determinado, sendo que “um lugar de particular importância diz respeito
indubitavelmente à sua eficácia interpretativa, consequência direta da função construtiva
que os caracteriza dinamicamente entre as normas do sistema”138.
137
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 199
138
CRISAFULLI, Vezio. La Constituzione e le sue Disposizioni di Principi. Milano, A.
Giuffre, 1952. p. 91
139
O que é estabelecido no Art. 140 do CPC “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna
ou obscuridade do ordenamento jurídico”. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de
Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
Acesso em 26/10/2018
47
Porém, os princípios não são as únicas fontes de integração, dividindo este papel
com a analogia e os costumes. A aplicação de um dos métodos de integração não exclui
o outro, devendo se correlacionarem para dar uma melhor aplicabilidade ao caso concreto.
2.5 Do panprincipiológismo
140
A Lei de introdução às normas brasileiras autoriza o uso dos princípios como forma de integração
em seu Art. 4o, que diz, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”. BRASIL, DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO
DE 1942. Lei de Introdução às Normas Brasileiras. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm Acesso em 26/10/2018
141
O art. 4º da Lei de introdução às normas brasileiras estabelece que em caso de lacuna da lei o Juiz
deve julgar por analogia, pelos costumes e os princípios gerais de direito. Alguns doutrinadores entendem
que esse rol é excludente de tal modo que, em primeiro lugar, se deveria recorrer à analogia; a seguir, aos
costumes e, por fim, aos princípios gerais. Porém, Miguel Reale diverge de tal entendimento estabelecendo
inclusive que a “analogia propriamente dita, não exclui de antemão os princípios gerais, mas antes com eles
intimamente se correlaciona”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 315
142
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 20
143
STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 86
48
144
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, 4.
Ed. LL Streck. 2011. p. 518
145
Por todos, os julgamentos do Supremo Tribunal: SS-AGR 1015/SP; STJ EDCL MC 8995/AL;
trinta e um julgamentos nos diversos TRF’S, valendo citar as seguintes decisões: AC
200434000482709/DF, MAS 200638140044412/MG, REO 9201185049/AM, AMS 9601055002/MG, AI
9601028463/MG. Tal princípio foi constituído para que o Cidadão ao buscar a tutela jurisdicional não seja
surpreendido com uma decisão inesperada. Mas porque tal princípio “seria um princípio constitucional?
Derivado de que e de onde? Ou seria uma construção feita a partir dos velhos princípios gerais do direito?
De todo modo, o paradoxo reside na seguinte questão: de que forma uma demanda é resolvida utilizando o
princípio da não surpresa? Antes da “violação” do aludido princípio, não haveria a violação de determinada
regra processual?” Idem. p. 521
146
Pode-se verificar a utilização do referido princípio no TJ/RS: AI n. 70020898474, AI n.
70030358709, AI n. 70028146728 e AI n. 70028150829, confirmado pelo STJ, REsp n. 517358/RN. Trata-
se de um “axioma” que é utilizado para fundamentar decisões monocráticas onde, “certamente, o juízo
colegiado iria decidir da mesma forma”. Idem. p. 532
147
Este princípio estabelece que “na distribuição da justiça, deve-se utilizar as formas mais adequadas
para concretizar a prestação jurisdicional”. Idem. p. 532. Tal princípio foi escolhido dentre todos os outros
trazidos para levantar a questão, se isso é um princípio, o que não é um princípio?
148
Idem. p. 538
49
quando, não houver nenhum ele poderá cria-los, utilizando para tal a inafastabilidade de
jurisdição e o non liquet149.
149
Em tradução livre significa “não está claro”, fazendo referência ao Direito Romano quando o Juiz
deixava de julgar por não encontrar nítida resposta para o caso em análise.
50
Diante do exposto até aqui, e analisando todo conteúdo debatido aqui, chega-se a
conclusão de que “não é, portanto, a imperatividade da lei (juiz como “boca da lei”) ou a
criatividade (sem limites) do intérprete que se constituem como “inimigos da autonomia
do direito” e da democracia, mas, sim, as condições pelas quais se dá a atribuição de
sentido no ato interpretativo-aplicativo”150
Assim, as decisões judiciais estão cada vez mais eivadas de uma interpretação que
não mais busca a vontade da lei e sim a vontade do interprete que se utiliza da desculpa
de “fazer justiça” para dar interpretação diversa a que a lei atribui, muitas vezes usando
dos princípios frutos do panprincipiológismo para justificar tais decisões.
Tal afirmação vai além da simples demonstração das decisões proferidas pelo
Poder Judiciário, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição,
recentemente o vice-presidente desta egrégia corte, em palestra proferida sobre os 30 anos
da Constituição da república, Luiz Fux disse que:
Porém, acredita-se que tal postura não é a ideal e são essas decisões que utiliza o
“que o povo espera do judiciário” fere de morte muitas vezes o texto da própria
Constituição. Assim, o Direito é que deve estabelecer a moral e não o contrário.
Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral
da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social —
controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado
em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma
Justiça que contrapõe um direito “superior”, dotado de atributos morais, ao
150
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas,
Idem. p. 517
151
Fux diz que juízes devem tomar decisões de acordo com anseios da sociedade em relação à
Justiça. G1. Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/10/02/fux-diz-que-juizes-devem-
tomar-decisoes-de-acordo-com-anseios-da-sociedade-em-relacao-a-justica.ghtml> Acesso em: 30/10/2018
51
Orienta, ainda o Superior Tribunal de Justiça que “a interpretação das leis não
deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (...) Se o juiz não
pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando ‘contra legem’, pode e deve, por
outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem
comum”156.
Dessa forma, entende-se que tais orientações acabam por desvalorizar a regra
escrita e dar força ao sentimento de justiça do interprete, que a princípio pode parecer
inofensivo, porém é importante destacar que deixar que o interprete estabeleça algo tão
subjetivo quanto o que é justo traz à tona o solipsismo jurídico.
152
MAUS, Ingeborg. Novos Estudos CEBRAP. Nº.º 58, novembro 2000, p. 183
153
RSTJ, 56/152
154
RSTJ, 26/378
155
STJ, RT, 656/188
156
RSTJ, 26/384
52
entendida, entretanto, como vedando se busque alcançar a justiça no caso concreto, com
atenção ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução”157.
Corroborando com esta ideia o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que “não
pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza
com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular ele
próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade
e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério”158.
Dessa forma, a lei seria (ou deveria ser) o limite interpretativo que se busca nesse
trabalho, estaria então encerrada a discussão quanto ao tema, porém há muito este limite
não é observado, conforme passa a demonstrar.
Art. 93, IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,
e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação 159.
157
RSTJ, 83/168
158
RBDP, 50/159
159
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.> Acesso em:13/08/2018
160
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. p. 6109
161
MONTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. O espírito das leis. Tradução de Cristina
Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 87.
53
Porém, ao que é visto na realidade são decisões que contrariam a letra da lei, onde
estas são relativizadas por princípios e técnicas hermenêuticas escusas. Nesse sentido é
que se traz à tona um famoso e polêmico caso concreto julgado pela mais alta corte desde
país, que possui função precípua de ser o guardião da constituição, o Supremo Tribunal
Federal – STF.
Cumpre destacar que não será discutido o mérito da questão, mas, apenas o fato
de que o Supremo Tribunal Federal extrapolou suas competências ao julgar no julgamento
do Habeas Corpus 124.306162, cuja ementa é a seguinte:
162
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 124.306. Pacientes: Edilson dos Santos e
Rosemere Aparecida Ferreira; Impetrante: Jair Leite Pereira. Min. Roberto Barroso. Rio de Janeiro.
Julgamento em 29/11/2016, Dje: 09/12/2016 Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4637878 Acesso em: 02/11/2018.
54
Destarte que o art. 124 do Código Penal veda expressamente a prática do aborto
em qualquer fase da gestação e que os itens I e II do art. 128 traz as causas permissivas
para realização do aborto, sendo um rol taxativo, assim não admitindo outras exceções.
163
O princípio da proporcionalidade acaba se tornando um grande perigo e subterfugio para justificar
decisões como a analisada, se tornando um perigo na realização de uma ponderação, já que “sua abstrata
explicação exclui, em princípio, a sua aptidão e necessidade de ponderação, pois o seu conteúdo não irá ser
modificado no entrechoque com outros princípios”. ÁVILA. Humberto. A distinção entre princípios e
regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Idem. p. 169
164
STRECK, Lenio Luiz. BARBA, Rafael Giorgio Dalla. Aborto — a recepção equivocada da
ponderação alexyana pelo STF. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-dez-11/aborto-
recepcao-equivocada-ponderacao-alexyana-stf#author> Acesso em: 02/11/2018
55
Dessa forma, realizar uma análise sob a ótica de uma teoria da decisão é necessário
observar se “a decisão judicial não está criando para si mesma uma auto-referência
deliberadamente ficcional de ser uma resposta correta em uma realidade por ela mesma
construída”166.
“os juízes e tribunais interpretam para decidir, mas não existem para
interpretar; a função de atribuição de sentido ao direto ou de interpretação é
reservada às Cortes Supremas. No momento em que os juízes e tribunais
interpretam para resolver os casos, colaboram para o acúmulo e a discussão de
razões em torno do significado do texto legal, mas, depois da decisão
interpretativa elaborada para atribuir sentido ao direito, estão obrigados
perante o precedente”167
Porém, neste tema me uno ao entendimento e crítica feita por Luiz Lenio Streck,
já que transferir a competência de interpretar para as Cortes mais altas não soluciona o
problema, pois como já vimos elas também estão passíveis de erros.
Minhas críticas continuam com a mesma matriz que sempre lidei: juiz não
constrói leis. Não produz Direito. Nem o STF ou o STJ produzem Direito. Mas
isso não significa que o juiz ou tribunal não realizem ato de interpretação na
aplicação do Direito. O que fez com que chegássemos a esse patamar de
irracionalidade aplicativa foram coisas como: a despreocupação com a decisão
jurídica, a aposta no protagonismo judicial, a aposta no “decido conforme
165
Idem.
166
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. p. 6118
167
MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. ARENHART, Sérgio Cruz. O novo processo
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.105
56
Dessa forma, acreditar que teses fundadas em princípios vazios podem sobrepor a
lei, é o mesmo que afirmar que não há necessidade de existência do Congresso Nacional.
Dentre as inúmeras decisões que contrariam a literalidade da Constituição Federal
ou norma infraconstitucional merece destaque outra famosa decisão do Supremo Tribunal
Federal, quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC,
43 e 44169, onde se consolidou um entendimento que já estava sendo adotado pela Corte
de Vértice, para relativizar o princípio da presunção de inocência frente a condenação em
segunda instância.
168
STRECK, Lenio Luiz. Por que commonlistas brasileiros querem proibir juízes de interpretar?,
2016. Disponível em: <http://www.amodireito.com.br/2016/09/por-que-commonlistas-brasileiros-
querem.html> Acesso em 02/11/2018
169
BRASIL. Supremo Tribunal Federal Ações Declaratórias De Constitucionalidade 43 e 44.
Requerente ADC 43: Partido Ecológico Nacional - PEN; Requerente ADC 44: Conselho Federal Da Ordem
Dos Advogados Do Brasil - CFOAB. Min. Marco Aurélio. Distrito Federal. Julgamento em 05/10/2016,
Dje: 07/03/2018 Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065 Acesso
em: 02/11/2018
57
Tal decisão, aplaudida de pé por pelo menos metade dos juristas, vai de encontro
à literalidade da Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII que assevera que
“ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”170
Além de ir contra o disposto no Código de Processo Penal em seu artigo 283 que
estabelece que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença
condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em
virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”171.
Diante de uma decisão que vai contra o texto legal se torna necessário lembrar
uma das lições trazidas por Heidegger quando diz que “a totalidade significativa da
compreensibilidade vem à palavra. Das significações brotam palavras. Estas, porém, não
são coisas-palavras dotadas de significados”172
Dessa forma, por mais que não se deva buscar nas palavras os significados do
mundo, é para significar o Direito que se precisa das palavras.
Vale lembrar que esta decisão em específico vai além do que Erlich e Kantorowicz
propuseram, como já visto, ao estabelecer a Escola do Direito Livre, já que tal escola da
170
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.> Acesso em:13/08/2018
171
BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em 01/11/2018
172
HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo parte I. Idem. p. 219
58
total liberdade para o magistrado decidir, porém quando houver lacuna na legislação, que
não é o caso aqui, já que a decisão vai contra a literalidade do texto legal.
Decisões como essa poderiam ser trazidas em monte, porém este trabalho vai além
de elencá-las, o que se busca aqui é estabelecer como essa nova hermenêutica
constitucional, baseada cada vez mais em princípios, se torna um problema e trazer
hipóteses para que resolva.
Heráclito em sua filosofia estabeleceu que nunca se atravessa o mesmo rio duas
vezes, e assim também é o interprete, que não reproduz interpretação e sim a produz, “no
campo do conhecimento do direito, é preciso ter presente que nenhum processo lógico-
argumentativo pode “acontecer” sem a pré-compreensão”174.
173
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. p. 6119
174
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas,
Idem. p. 476
175
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Idem. p. 78
59
Assim, o que tal hermenêutica prega é que as decisões sejam tomadas levando em
consideração os preceitos Constitucionais soberanos estabelecidos pelo avanço do
constitucionalismo, inclusive tardio, no Brasil.
Todavia, decidir conforme a Constituição não pode ser justificativa para decisões
autoritárias e que ferem preceitos legais, principalmente quando a norma ferida é a própria
norma constitucional.
Assim, por mais ultrapassado que possa parecer, a letra da lei deve continuar ser
o Norte para um limite interpretativo, uma vez que “independente do método
hermenêutico utilizado e do sentido da lei alcançado, será sempre afirmado que existe
uma lei e que esta deve ser respeitada”178.
Para coroar o que se discute aqui, Luiz Lenio Streck faz um panorama geral do
que se quer demonstrar aqui e estabelece que
176
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo
tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851. 2005. p. 10
177
Idem. p. 11
178
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 48
60
amanhã se diga que "onde está escrito n, leia p"? Passado um tempo, todas as
letras estarão trocadas179
179
STRECK, Lenio Luiz. Os limites da interpretação e a democracia. Disponível em: <
https://www.conjur.com.br/2016-jun-25/diario-classe-limites-interpretacao-democraciar> Acesso em:
02/11/2018
61
CONCLUSÃO
O estudo da hermenêutica por mais que tenha ganhado status de ciência apenas no
século XVII, é possível avaliar formas de interpretar em autores no que foi chamado de
pré-história da hermenêutica.
Por mais que a hermenêutica tenha surgido na filosofia com o objetivo de fornecer
métodos para interpretação das Escrituras Sagradas logo foi ganhando status de
universalidade, chegando ao Direito para auxiliar na interpretação do direito no chamado
Hard Cases (casos difíceis).
Porém, essa ciência se difundiu de tal modo que se tornou indispensável na análise
de todo e qualquer texto, fornecendo métodos hermenêuticos para que se dê a melhor
interpretação ao texto em discursão.
normativa. Dessa forma, surgem as decisões em que se utiliza os princípios para dar
sentido contrário a literalidade da norma.
E se defende, aqui, a mais óbvia das respostas, o próprio texto, o legislador valorou
cada uma delas, assim onde está escrito “após o trânsito em julgado” não se pode ler “após
a segunda instância”, por exemplo.
Por fim, não pode os intérpretes agirem como o Humpty Dumpty, de Alice Através
do Espelho, de Lewis Caroll, que tem como filosofia que “quando eu uso uma palavra,
ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”
63
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