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CENTRO UNIVERSITÁRIO PROJEÇÃO

ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS


CURSO DE DIREITO
MATHEUS BARBOSA GUEDES

A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O
PANPRINCIPIOLÓGISMO: A CRISE DO LIMITE DA
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

GUARÁ/DF
2018
MATHEUS BARBOSA GUEDES

A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O
PANPRINCIPIOLOGISMO: A CRISE DO LIMITE DA
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado perante Banca Examinadora
do curso de Direito da Escola de Ciências
Jurídicas e Sociais do Centro
Universitário Projeção como pré-
requisito para a aprovação na disciplina
de “TCC 2” e para a obtenção do grau de
bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito


Constitucional

Orientador: Professora Rosângela Cunha


de Menezes

GUARA/DF
2018
MATHEUS BARBOSA GUEDES

A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E O
PANPRINCIPIOLOGISMO: A CRISE DO LIMITE DA
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado perante Banca Examinadora
do curso de Direito da Escola de
Ciências Jurídicas e Sociais do Centro
Universitário Projeção como pré-
requisito para a aprovação na disciplina
de “TCC 2” e para a obtenção do grau de
bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito


Constitucional

Orientador: Professora Rosângela Cunha


de Menezes

DATA DE REALIZAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA: / /

Professora Rosângela Cunha de Menezes


Professor-Orientador

Professor Walber Martins Mouzinho


Primeiro Examinador

Professor João Marcelo Torres Chinelato


Segundo Examinador
A minha mãe que sempre luta por mim e que sem seus esforços nada disso seria
possível, ao meu pai que é o meu porto seguro e que sempre me dá forças para
lutar pelos meus sonhos, a Tarcísio que mesmo com as diferenças nunca deixou
de ser o meu irmão, a Maria Vitória por ser tão boa irmã e que apesar de não poder
estar sempre presente amo incondicionalmente, aos meus amigos (irmãos) Lucas
Rocha, responsável por me mostrar que com esforço e estudo podemos chegar
aonde quisermos e que sem a sua amizade não chegaria até onde cheguei, a Cicero
Iuri e Moriel Batista por estarem ao meu lado nos meus piores momentos e por
fazerem parte dos meus melhores.
Agradecer não é tarefa fácil, porém já se tornou um hábito exercido com
constância antes de dormir. Inicialmente, agradeço a Deus por incontáveis vezes
ser o meu único companheiro nessa jornada longe de casa. Agradeço a todos que
de alguma forma me prestaram auxílio nesses últimos anos em especial a Ângelo
de Almeida, Romênia Marques, Ademar Rufino, Camila Paulinne, Paulo Santana
e Thanise Maia cuja amizade ultrapassa os limites da sala de aula e pelo
acolhimento, muitas vezes familiar, que me foi dado. A todo o Grupo Projeção,
professores, coordenadores, diretores, secretárias, etc. que dentro das suas
condições ofertou sempre o melhor.
“Às vezes um pepino, é somente um pepino.”
Sigmund Freud
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

1. DO ESTUDO DA HERMENÊUTICA .............................................................. 13

1.1 Texto e norma ................................................................................................ 14

1.2 Distinção entre hermenêutica e interpretação ............................................ 15

1.3 Da evolução da hermenêutica ...................................................................... 16

1.3.1 Da pré-história do hermenêutico ............................................................ 17

1.3.2 A ciência da hermenêutica ...................................................................... 18

1.4 Aspectos da hermenêutica jurídica ............................................................ 20

1.4.1 Da aplicação do Direito .......................................................................... 21

1.4.2 Hermenêutica jurídica no tempo e uma abordagem inicial dos métodos 22

1.4.3 Método literal ou gramatical ................................................................. 26

1.4.4 Método exegético e o espírito do legislador .......................................... 27

1.4.5 Método histórico .................................................................................... 28

1.4.6 Método sociológico ou teleológico ........................................................ 30

1.4.7 Escola da livre pesquisa do Direito Livre e o método científico ............ 31

2. DO ESTUDO DOS PRINCÍPIOS AO PANPRINCIPIOLOGISMO ............. 34

2.1 Regras e princípios ...................................................................................... 36

2.1.1 Ronald Dworkin ................................................................................... 36

2.1.2 Robert Alexy ........................................................................................ 37

2.1.3 Problema terminológico e tipológico ................................................... 38

2.2 Da aplicabilidade dos princípios jurídicos ................................................ 40

2.2.1 Princípios como fundamento ............................................................... 40

2.2.1.1 Fundamentalidade em razão da generalidade ............................. 40

2.2.1.2 Fundamentalidade em razão da finalidade ................................. 40


2.2.1.3 Fundamentalidade em razão da competência ou princípios impróprios
....................................................................................................................... 41

2.2.1.4 Fundamentalidade em razão dos valores......................................41

2.2.2 Princípios como enunciados genéricos ................................................ 41

2.2.3 Princípios como enunciados vagos ...................................................... 42

2.2.4 Princípios como enunciados indeterminados ...................................... 43

2.2.5 Distinção em razão da qualidade ......................................................... 43

2.3 Dos princípios no jusnaturalismo e no juspositivismo .............................. 43

2.3.1 A autointegração normativa ................................................................. 44

2.3.2 A heterointegração normativa .............................................................. 45

2.4 Da função dos princípios .............................................................................. 45

2.4.1 Da função informativa .......................................................................... 45

2.4.2 Da função interpretativa ....................................................................... 46

2.4.3 Da função integrativa ........................................................................... 46

2.5 Do panprincipiologismo .............................................................................. 47

3. DA BUSCA PELOS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO JUDICIAL ........... 50

3.1 Da argumentação jurídica nas decisões judiciais ...................................... 52

3.2 Da busca por um limite interpretativo ....................................................... 58

CONCLUSÃO.......................................................................................................... 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 63


Resumo

A Hermenêutica como ciência que cuida da interpretação é um ramo da Filosofia


e do Direito habitualmente negligenciada. A Hermenêutica Constitucional, por sua vez, é
a corrente da hermenêutica com uma maior força nessa era constitucionalista, onde a
Constituição ganha um destaque em todo ordenamento jurídico, devendo as demais
normas serem interpretadas segundo as suas disposições e princípios. Porém, com o
crescimento do constitucionalismo também cresce o número de decisões que se afastam
da norma posta para decidir segundo princípios sem força normativa, fruto do
panprincipiológismo, e sobre a consciência do julgador que imprime ao texto
interpretação que deseja. No primeiro capítulo será abordado sobre o que é a
hermenêutica, desde a sua evolução histórica até seus métodos de interpretação. Por sua
vez, o segundo capítulo é dedicado aos princípios, desde suas funções a sua aplicabilidade
no ordenamento jurídico pátrio. Por fim, o terceiro capítulo é dedicado a demonstração
da problemática, o qual se busca responde qual seria o limite para a interpretação jurídica
nos tempos atuais, trazendo decisões que evidenciam o problema cada vez mais
recorrente. Assim, busca-se uma solução para resolver essa crise de limites na
interpretação jurídica que propicia decisões autoritárias fruto do solipsismo jurídico.

Palavras-chave: Direito Constitucional; hermenêutica constitucional;


panprincipiológismo; solipsismo jurídico.
Abstract

Hermeneutics as a science that deals with interpretation is a traditionally neglected


branch of Philosophy and Law. Constitutional Hermeneutics, on the other hand, is the
current of hermeneutics with a greater force in this constitutionalist era, where the
Constitution gains prominence in every juridical order, and the other norms must be
interpreted according to its dispositions and principles. However, with the growth of
constitutionalism, the number of decisions that deviate from the norm set to decide
according to principles without normative force, the fruit of panprincipiológism, and the
conscience of the judge that prints the interpretation that he desires, also grows. In the
first chapter will be discussed about what is hermeneutics, from its historical evolution to
its methods of interpretation. In turn, the second chapter is devoted to principles, from its
functions to its applicability in the legal order of the country. Finally, the third chapter is
dedicated to demonstrating the problem, which seeks to answer the limit for legal
interpretation in the current times, bringing decisions that highlight the increasingly
recurrent problem. Thus, a solution is sought to solve this crisis of limits in the juridical
interpretation that propitiates authoritarian decisions fruit of legal solipsism.

Keywords: Constitutional Law; Constitutional Hermeneutics; panprincipiológismo;


solipsism.
11

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico pátrio possui diversos dispositivos e meios que visam


direcionar e padronizar a interpretação jurídica. A Constituição Federal, em seu artigo
103-A, estabelece, por exemplo, a elaboração de súmulas pelo Supremo Tribunal Federal
com a finalidade de pacificar entendimentos sobre questões que cause divergências
interpretativas.

Porém, hodiernamente, o Poder Judiciário pode tomar decisões como forma de


estabelecer o direito, muitas vezes, substituindo a norma posta pelo Poder Legislativo, e
ainda ir em sentido contrário ao estabelecido.

Deve-se considerar que nem toda divergência é sumulada, e, mesmo se fosse, não
possuiria o condão de vincular as demais decisões, e que os magistrados ao dizerem o
direito estão interpretando a lei de acordo com o caso concreto, e quando não é observado
alguns limites hermenêuticos a exegese nasce como fruto do autoritarismo jurídico.

O desafio de interpretar o direito ganha mais um capítulo com o advento do


panprincipiológismo que combinado com as ideias do pós-positivismo embasam decisões
judiciais que ferem a segurança jurídica e estabelece o solipsismo jurídico.

A produção de uma decisão é o ápice da interpretação jurídica, uma vez que além de
dizer o direito traz a solução para o conflito no caso concreto. Assim, cabe ao magistrado
dar sentido a letra fria da lei, porém, quando está decisão não segue, o que pode ser
chamado de regras do jogo, que são, as bases da hermenêutica jurídica, ela nasce eivada
de vício e são essas decisões, muitas vezes proferidas pelo próprio Supremo Tribunal
Federal, que justificam esse trabalho.

Observa-se que dos inúmeros prejuízos que tais decisões causam, o mais preocupante,
data vênia, é o da insegurança jurídica, pois se cada magistrado decidir de acordo com os
seus próprios valores morais, muitas vezes atropelando a letra da lei, estaremos
mergulhados no autoritarismo jurídico.

Portanto, este trabalho tem como finalidade demonstrar os prejuízos jurídicos do


solipsismo jurídico que usam dessa nova vertente hermenêutica e dos princípios para
justificar seus interesses pessoais em detrimento da norma posta. Além, de tentar
12

encontrar formas para solucionar a problemática a ser trabalhada, analisando o problema


a luz do ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, não se pode conformar com a presente situação em que se encontra o Direito,
esperando os operadores do Direito, sobretudo os advogados, que uma de suas teses
jurídicas sejam sorteadas, pois o direito é, e sempre foi, a luta contra a injustiça e um
apelo a legalidade.
13

1. DO ESTUDO DA HERMENÊUTICA

Antes de se adentrar no mérito propriamente dito do tema aqui discutido, faz-se


mister tecer algumas considerações gerais e históricas que servirão como base para um
aprofundamento no cerne da questão.

Para se falar de uma crise na interpretação jurídica, sob a ótica de uma crescente
hermenêutica constitucional, é necessário distinguir conceitos básicos e compreender
como os fatores sociais, políticos e econômicos influenciaram e influenciam nas teorias
acerca da melhor forma de interpretar o texto legal para desembocar nessa crise de
interpretação legal.

Para Riccardo Guastini, a definição de interpretação jurídica é “atribuição de


sentido (ou significado) a um texto normativo”1 assim, a interpretação é uma atividade
cognoscível, para ele “a interpretação é o discurso do interprete”2.

O ato de interpretar está umbilicalmente conectado com a aplicabilidade do direito


uma vez que “são uma só operação, de modo que interpretamos para aplicar o direito e,
ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar (= compreender) os textos normativos, mas
também compreendemos (= interpretamos) os fatos”.3

Diante de tal quadro, se torna indispensável uma correta interpretação legal para
que não haja equívocos na hora de aplicar a lei, uma vez que já não se busca mais a
interpretação da vontade do legislador para aplicabilidade da lei.

Tal fato tem origem nos avanços inevitáveis da sociedade (tecnológico, moral,
ético, etc.) fazendo com que a realidade no momento da criação da lei já não seja a mesma,
assim, “quando a norma é antiga a vontade do legislador originário está normalmente
superada”.4

1 GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Tradução de Edson Bini. Apresentação de Heleno
Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latin, 2005. Pg. 23
2 Idem. Pg 24
3 GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito: 5º Ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. Pg. 26
4
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. ed.10. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 79
14

Contudo, torna-se imprescindível um aprofundamento na Teoria da Norma e das


Fontes, uma vez que ainda exerce grande influência na produção normativa, sobretudo
no ocidente.

1.1 Texto5 e norma

A distinção entre texto e norma é amplamente difundida e aceita, por mais que
haja incontáveis variantes terminológicas6, nesse diapasão “texto e norma não se
confundem, pois, o primeiro é apenas um enunciado linguístico, enquanto que a norma é
o produto da interpretação desse enunciado”7. Assim, o texto carece de interpretação
para se transformar em uma norma.

É necessário, porém, buscar compreender o período histórico que o texto foi


desenvolvido, uma vez que os textos produzidos antes da virada linguística, ou os
produzidos após, mas indiferentes a ela, tem como foco a ligação entre o sujeito e o texto,
as palavras tem uma significado intrínseco, é nessa compreensão que os juristas buscam
a vontade do legislador, buscando no próprio texto a norma.

Com a virada linguística provocada pela Filosofia no campo da linguagem houve


uma mudança no esquema passado, assim, não se busca mais a essência do texto e sim o
significado dado pelo interprete (sujeito), levando o texto à norma. O objeto tutelado pelo
Hermeneuta passa a ser a sua vontade na interpretação dos textos, encontrando assim a
norma, e restringindo o controle das vontades nos atos de poder.

Cumpre destacar que textos diferentes podem emanar a mesma norma. Dessa
forma, o disposto no inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal "a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu"8 seria o texto ou enunciado e para Virgílio Afonso
da Silva

Esse texto exprime uma norma que proíbe a retroação da lei penal, a não ser
que essa retroação beneficie o réu. Nesse último caso, existe um dever de
retroação. A mesma norma poderia ser expressa por meio de outros

5
Nos sistemas de tradição romano-germânica, como o Brasil, se aplica, em geral, a diferença entre
texto e norma, uma vez que a norma legislada (lei) possui protagonismo.
6
O texto também recebe o nome de “enunciado normativo” (Robert Alexy), “enunciado ou
disposição” (Eros Grau), “texto normativo ou disposição normativa” (Marcelo Neves) e “proposição
jurídica” havendo divergências com o sentido a cima desenvolvido (Hans Kelsen).
7
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais 1 (2003). P. 616.
8
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em:13/08/2018
15

enunciados, como, por exemplo, "a lei penal retroagirá somente em benefício
do réu", ou ainda "é proibida a retroação penal, a menos que seja para
beneficiar o réu" etc. Como se vê, a despeito das variações na redação dos
enunciados apresentados, por meio da interpretação de todos eles chega-se à
mesma norma.9

Toda via, é importante destacar que no pensamento de Virgílio Afonso da Silva,


o texto carece de interpretação, para que se possa dar significado às palavras, assim,
transformando o texto em norma, só que uma vez interpretado o texto “já é possível, para
se usar a expressão positivista de uso corrente na tradição jurídica brasileira, subsumir o
fato à norma e aplicá-la ao caso concreto.”10

Para Hans Kelsen “o ato jurídico que efetiva ou executa a norma pode ser
conformado por maneira a corresponder a uma ou outra das várias significações verbais
da mesma norma”11, assim, para ele, a lei é como uma moldura e dentro dessa moldura
cabe várias soluções, sem que uma esteja errada em relação a outra.

Adiantando a discussão sobre os princípios é importante compreender, desde já,


que por mais que seja feita essa uma primeira interpretação, quanto a eles, ainda não será
possível realizar a subsunção.

1.2 Distinção entre hermenêutica e interpretação

De início, deve-se deixar clara as diferenças entre hermenêutica jurídica e a


interpretação, a primeira tem por objeto a compreensão e sistematização dos processos a
serem aplicados para determinar o sentido e o alcance da norma, assim ela “descobre e
fixa os princípios que regem a segunda. A hermenêutica é a teoria científica da arte de
interpretar.” 12

A interpretação é, assim, “uma operação mental que acompanha o processo da


aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”13.
Também chamada de exegese, a interpretação pode ser definida então como a utilização
de um processo hermenêutico em um caso concreto, ou não, para identificar ou determinar
o significado de algo.

9
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p. 617.
10
Idem. p. 618.
11
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P. 247
12
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. Ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 01
13
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. idem. p. 245
16

Portanto, desprende-se do supracitado que a hermenêutica vem para trazer um


conjunto de possibilidades para que o hermeneuta, dentre essas possibilidades, estabeleça
a sua própria linha de raciocínio e possa aplicar a norma14, de tal modo a “interpretação
é reformulação dos textos normativos das fontes”15

Eros Roberto Grau, ilustra com maestria como a interpretação deve ser feita,
utilizando-se de uma metáfora ele busca concretizar essa diferença e apresentar a
normalidade da divergência de interpretações, porém todas eles levando a mesma norma
e as consequências de fugir dos limites interpretativos:

Suponha-se a entrega, a três escultores, de três blocos de mármore iguais entre


si, encomendando-se, a eles, três Vênus de Milo. Ao final do trabalho desses
três escultores teremos três Vênus de Milo, perfeitamente identificáveis como
tais, embora distintas entre si: em uma a curva do ombro aparece mais
acentuada; noutra as maçãs do rosto despontam; na terceira os seios estão
túrgidos e os mamilos enrijecidos. Não obstante, são, definidamente, três
Vênus de Mito - nenhuma Vitória de Samotrácia. Esses três escultores
"produziram" três Vênus de Mito. Não gozaram de liberdade para cada um ao
seu gosto e estilo, esculpir as figuras ou símbolos a que a inspiração de cada
qual aspirava - o princípio de existência dessas três Vênus de Mito não está
neles. Tratando-se de três escultores experimentados - o que de fato ocorre na
metáfora de que lanço mão -, dirão que, em verdade, não criaram as três Vênus
de Mito. Porque lhes fora determinada a produz- ção de três Vênus de Mito (e
não de três Vitórias de Samotrácia, ou outra imagem qualquer) e, na verdade,
cada uma dessas três Vênus de Mito já se encontrava em cada um dos blocos
de mármore eles dirão - apenas desbastaram o mármore, para que elas
brotassem, tal como se encontravam, ocultas, no seu cerne. 16

A partir desta metáfora pode-se fazer as mais diversas considerações, a principal


delas talvez seja que assim como as Vênus de Milo, a norma jurídica se encontra no texto
legal, bastando o intérprete, sobretudo o magistrado, (re)produzir a norma dentro dos
limites já impostos, tirando-a do seu involucro textual.

Porém, o real problema se encontra quando o intérprete foge do sentido originário


do texto legal e resolve produzir uma Vitória de Samotrácia quando devia desnudar do
mármore uma Vênus de Milo.

Uma vez especificada a diferença estabelecida entre hermenêutica e interpretação


avançar-se-á no estudo da matéria em busca da compreeção destes institutos,
desenvolvendo a problemática da questão.

1.3 Da evolução da hermenêutica

14
O texto já interpretado anteriormente.
15
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 27
16
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Idem. p. 33
17

Ao abordar aqui a evolução das teorias afetas ao tema será necessário um esforço
hercúleo para sintetizar todas as teorias e suas reflexões no tocante ao desenvolvimento
da hermenêutica. Todavia, compreender como surgiu essa ciência e a sua aplicabilidade
no decorrer do tempo se torna indispensável para chegarmos ao debate sobre aplicação
de uma hermenêutica constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.

1.3.1 Da pré-história do hermenêutico

Como já foi exposto, a hermenêutica se trata de uma ciência, a arte de interpretar,


porém esse termo só surgiu no século XVII, não por acaso, já que a “moderna imagem
do mundo se destaca por sua autoconsciência perspectiva”17 e a hermenêutica surge para
as interpretações pragmáticas, não se aplicando quando se trata de duplicidade da
realidade como ela é em si, devendo na interpretação existir uma inclusão em nossa
relação linguística com o mundo.

A pré-história do hermenêutico se refere a uma concepção anterior a apresentada


acima, quando se define os contornos da hermenêutica como ciência. Porém, na pré-
história do hermenêutico se torna comum a utilização de termos como interpretação,
explanação, explicação e exegese, assim “uma interpretação de Hegel, p.ex., pode
atualmente apresentar-se como uma hermenêutica de Hegel.”18

Inicialmente, para alguns, a teoria hermenêutica era vista como “uma doutrina
sintética (Schleiermacher), isto é, uma metódica indicação de regras para lidar com
textos”19, diante disso a sua essência era em grande parte técnico-normativo.

Tal método buscava acabar com a arbitrariedade, uma vez que traria o modo que
se deve interpretar.

Outros pensadores da época tinhas pensamentos antagônicos a este, afastando de


uma análise técnica para uma abordagem mais abrangente, buscando fazer uma “análise
filosófica ou fenomenológica do fenômeno originário da interpretação e,
respectivamente, da compreensão”20, em decorrência disso não se trata de como se deve
interpretar e sim como de fato se interpreta.

17
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica: tradução Brenno Dischinger: São
Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 47.
18
Idem P. 48.
19
Idem P. 48.
20
Idem P. 48.
18

No início a hermenêutica parecia ocupar um papel secundário, ocupando-se em


tratar de buscar interpretar matérias estranhas, porém, se tornaria uma ciência universal
uma vez que “todas as atividades humanas têm, como base, um determinado processo de
compreensibilidade”21

A Reforma22 traria o surgimento de uma hermenêutica teológica frente a


necessidade de interpretação das Sagradas Escrituras, com isso “a interpretação devia
assumir um lugar privilegiado, já que todo o seu saber repousava sobre a exegese da
Sagrada Escritura”23

Porém, Hans-Georg Gadamer avalia que a hermenêutica teológica caia em várias


contradições, assim, “a teologia da Reforma parece nem sequer ser consequente. Ao
acabar reivindicando como fio condutor para a compreensão da unidade da Bíblia, a
formula de fé protestante suspende, também ela, o princípio da Escritura, em favor de
uma tradição reformatória, que em todo caso é breve”24.

Avançando na pré-história da hermenêutica chega-se ao seu cume, o momento em


que os estudiosos do tema perceberam que só havia uma hermenêutica25 e que esta deveria
buscar interpretar as palavras superando o que propunha a hermenêutica teológica com a
Sola Scriptura26, transformando a hermenêutica em um órganon histórico, adicionando o
contexto a interpretação das palavras.

1.3.2 A ciência da hermenêutica

Johann Conrad Dannhauer foi o autor que pela primeira vez utilizou o termo
hermenêutica no título de um livro27 e apesar de ter realizado diversas outras

21
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 49.
22
Refiro aqui a Reforma Protestante ocorrida no Século XVI que tem como marco a publicação das
95 teses de Martin Lutero em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg.
23
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 50.
24
GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método: tradução Flávio Paulo Meurer. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1997. p. 277
25
Quando é feito referência há uma só hermenêutica deve-se considerar a sua universalização,
sobretudo após os objetivos da hermenêutica trazida por Lutero não terem sido atingidos, assim, “a
dramática ausência de tal hermenêutica em Lutero conduziu, sem demora, ao desenvolvimento de uma
hermenêutica cientifica da Sagrada Escritura”. Assim, não se trata da análise apenas das Sagradas Escritura,
e sim de uma ciência que supera todos os dogmas vinculados a ela para se tornar universal. GROUDIN,
Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 84
26
Para Lutero as escrituras por si só bastavam para compreender o seu sentido, “assim, todas as
passagens obscuras deviam ser esclarecidas com passagens paralelas das Escrituras”. Idem p. 82
27
O livro tinha como título “Hermenutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum”
(Hermenêutica sagrada: o método de exposição da sagrada escritura, tradução livre) e foi publicado em
1654.
19

contribuições iniciais ao campo da hermenêutica os principais autores não fazem muitas


referências a ele. Contudo, apesar de inovar no uso da palavra o seu livro traz métodos
sólidos de interpretação das Sagradas Escrituras.

Para se tornar ciência a hermenêutica deveria ter status de universalidade e ela


começa a ganhar essa universalidade através de silogismos. Para exemplificar observa-se
que tudo o que se pode saber tem alguma ciência filosófica, o modo de interpretar é algo
que se pode saber, logo o modo de interpretar tem alguma ciência filosófica
correspondente.

Com isso surge uma hermenêutica que deveria se encontrar no campo da filosofia
“a qual deveria permitir às outras faculdades (Direito, Teologia, Medicina), interpretar,
segundo o seu significado, afirmações propostas por escrito”.28

Chega-se, então, em Martin Heidegger que revolucionou o campo da


hermenêutica com as suas ideias, estabelecendo a necessidade de se entender sob qual
contexto foi escrito o texto, não podendo interpretar um texto apenas com um dicionário.
Ao avaliar o contexto em que foi escrito o texto se torna mais transparente, logo, de
interpretação com menor possibilidade de equívocos.

Heidegger traz a questão do “ser” para entendermos inicialmente o método de


interpretação em que a própria situação fornece essa transparência para interpretar.
Portanto, “revela que um enigma já está sempre inserido a priore em todo ater-se e ser
para o ente, como ente”29.

A teoria de Heidegger foi o marco para uma nova forma de interpretar e foi com
Gadamer, um dos autores que discorreu sobre a sua teoria que a hermenêutica viria a se
universalizar.

Gadamer vai além na busca de objetivar a interpretação, ele nos propõe que além
da analise contextual fática do texto deve-se acrescentar o princípio da historicidade na
busca “por uma compreensão preocupada com a objetividade nas ciências do espírito,
deve ser constatada na elaboração de uma consciência da história efetual”30.

28
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 96.
29
HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo parte I: tradução Márcia Sá Cavalcante Schuback. Ed. 15.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. p. 29
30
GROUDIN, Jean, introdução à hermenêutica filosófica. Idem p. 190.
20

Com isso, deve-se analisar as interpretações dadas anteriormente para se chegar a


interpretação. Isso não significa que uma interpretação seja melhor que as anteriores, mas
esta última interpretação é a sentença final sobre o texto, após analisar além do próprio
texto as compreensões anteriores ao tema.

Contudo, Gadamer encontra a universalidade da hermenêutica na linguagem a


qual ele a estabelece como médium da experiencia hermenêutica, com isso “através da
interpretação o texto tem que vir à fala. Todavia nenhum texto, como também nenhum
livro fala, se não falar a linguagem que alcance o outro”31.

Posteriormente Jürgen Habermas viria confrontar Gadamer em uma busca para


definir o que seria a verdade e buscando uma pragmática universal. Habermas estabelece
uma prática de justificação em busca da verdade na ação “é essa interação que desfaz a
dúvida contextualiza a respeito da intuição realista cotidiana, assoma a objeção de que a
descrição tendenciosa dos discursos engastados no mundo da vida pré-julga toda
controvérsia”32.

Com base do desenvolvimento da hermenêutica merece tópico especial a


hermenêutica jurídica, por ser de importância impar na análise da controvérsia.33

1.4 Aspectos da hermenêutica jurídica

A Hermenêutica Jurídica, um dos principais objetos de estudo desse trabalho, vem


buscar uma padronização da interpretação legal, assim, “a Hermenêutica Jurídica tem por
objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o
alcance das expressões do Direito”34

Para que se compreenda a importância da interpretação no Direito deve-se atentar


que “as normas são genéricas e impessoais e contêm um comando abstrato, não se

31
GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método. Idem. P. 578
32
HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação. São Paulo: Edições Loyola, 2004. P. 260.
33
Cumpre destacar que não estou alheio a interpretação alegórica dos mitos, e a análise de
pensadores como Chladenius, Ast, Schlegel e Dilthey que deram contribuições absurdas em que, sem elas,
a ciência da hermenêutica não teria ganhado os contornos que tem hoje. Porém, já é um trabalho hercúleo
encaixar e sintetizar os pontos importantes da hermenêutica nesses subtópicos e informar que os autores
supracitados terão mais espaço em um futuro mestrado.
34
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. Ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p 01
21

referindo especificamente a casos concretos”35,assim, a busca pela melhor forma de


interpretar e aplicar o comando legal ao caso concreto se torna imprescindível.

Porém, para começar a tentar entender alguns aspectos modernos da


Hermenêutica Jurídica é preciso que esteja consolidado o alicerce da Hermenêutica
Filosófica, supramencionada, principalmente quanto os efeitos da virada linguística sobre
a Hermenêutica Jurídica.

Como já foi trazido, com o advento da virada linguística não se tem mais um
significante primeiro, que trazia uma garantia de que os conceitos em geral se remeteriam
a um único significado, “daí por que um rompimento com essa tradição do pensamento
jurídico-dogmático é difícil e não faz sem ranhuras”36.

Porém, essa ruptura foi essencial para “livrando-nos de concepções metafísico-


ontológicas, que são concepções de uma determinada realidade que se apresenta ao
sujeito como definitiva do mundo como ele é, do mundo em si mesmo, do mundo formado
por essência, superamos a possibilidade ontológica tradicional-clássica”37

Portanto, a passagem da filosofia da consciência para uma filosofia da linguagem


trouxe vantagens objetivas, sobretudo quando se afasta da metafísica e torna o processo
de hermenêutico objetivo.

É de suma importância destacar que não se deve considerar a Hermenêutica


Jurídica como simples métodos ou regras de interpretação, como outrora conceituado,
não podendo ser analisado sob uma visão reducionista, sobretudo quanto aos seus
métodos.

E mesmo assim, “não basta conhecer as regras aplicáveis para determinar o


sentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-las e, num todo harmônico,
oferece-las ao estudo, em um encadeamento logico.”3839

35
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. ed.10. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 78
36
STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999 p. 155
37
Idem. p. 137 (Grifos do autor)
38
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p 4
39
Seria o que Gadamer traz quando inseri o princípio da historicidade na interpretação, buscando
entender o todo que levou aquele texto, para uma interpretação mais correta.
22

Assim, a Hermenêutica Jurídica, como já dito, vem sistematizar os métodos


aplicáveis para determinar o sentido e a abrangência das expressões do Direito para que
esse seja aplicado da melhor forma possível.

1.4.1 Da aplicação do Direito

Apesar do Direito poder ser interpretado em vários outros momentos a sua


aplicabilidade encontra-se concretada na sentença do Juiz, que é “quando o Direito é
aplicado por um órgão jurídico, este necessita de fixar o sentido das normas que vai
aplicar”40.

Assim, é na sentença que “podemos encontrar concretamente qual o significado


atribuído ao texto e qual a fundamentação proposta pelo interprete”41. Com isso, é de
suma importância que as decisões judiciais sejam fundamentadas, explicando os motivos
que levaram ao magistrado a interpretar e aplicar o Direito da forma que o fez.

Nesse diapasão, o Código de Processo Civil - CPC42 vem em seu §1º do artigo
489 estabelecer quando uma decisão não43 se considera fundamentada, positivando a
importância da justificação da interpretação que levou a aplicação do Direito daquela
forma.

Dessa maneira, a “aplicação do Direito consiste no enquadrar um caso concreto


em norma jurídica adequada. Submete as prescrições da lei uma relação da vida real;
procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado.”44Assim, faz necessário
se enquadre a conduta humana tutelada as normas, individualizando-a, e aplicando a
norma abstrata no caso concreto.

Acontece que, por mais que a hermenêutica seja imprescindível para o


desenvolvimento de decisões fundamentadas, elas “são comumente realizadas de forma
inconscientes, velando seu real fundamento e atribuindo ao método acidentalmente
aplicado a razão única da decisão”45.

40
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Idem. p. 245
41
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri,
SP: Minha Editora, 2010. p. 45
42
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 20/09/2018
43
Veja-se aqui que o legislador preferiu (de forma muito sábia) optar pela ideia de negação no que
diz respeito a fundamentação da decisão judicial.
44
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p 5
45
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 45
23

Portanto, a maioria das decisões são realizadas sem qualquer critério


hermenêutico (método) o que leva muitas delas a extrapolar os limites legais ou a serem
proferidas por juízos morais em detrimento ao jurídico. E é sobre essa base que este
trabalho é proposto, uma jornada pelos métodos hermenêuticos para expô-los e buscar
identificar quais escolher em detrimento de outros na busca por um limite na interpretação
da norma, ou como nos trouxe Kelsen, trazer uma moldura as normas.

1.4.2 Hermenêutica jurídica no tempo e uma abordagem inicial dos métodos

Conforme já exposto anteriormente, a Hermenêutica ganha seus contornos durante


o século XVII com foco na interpretação das Escrituras Sagrada, e se desenvolveu por
séculos estabelecendo várias escolas interpretativas.

Porém, no âmbito jurídico o marco inicial da hermenêutica não pode ser o mesmo
uma vez que “a interpretação das leis surge como uma disciplina do Direito a partir da
formação do Estado Moderno, em especial, em virtude da concretização da doutrina da
separação dos Poderes após a Revolução Francesa e a publicação do Código de
Napoleão”46.

O Poder Legislativo se ocupou de elaborar as leis, o Executivo de gerir os negócios


públicos através delas e o Poder Judiciário deveria aplica-las quando fosse chamado.
Portanto, há um vínculo que os une, gerando uma interdependência entre eles
estabelecendo a base do Direito.

Marcelo Mazzotti, responsável por nos trazer importantes aspectos históricos da


hermenêutica jurídica, estabelece a hermenêutica jurídica no estado de Direito e esclarece
que:

Todos os Poderes devem respeito à norma jurídica que estrutura e fundamenta


o Estado Moderno. Por isso, toda vez que se falar em hermenêutica, deve-se
pensar também na própria concepção de Estado e como este admite a atividade
interpretativa da norma, já que a última estará delimitada pelo campo de
atuação disponível pelas próprias bases que sustentam o Estado. 47

Portanto, a própria atividade interpretativa se sujeita a limites impostos pelas bases


em que se funda o Estado, assim, em um estado democrático de Direito, onde é
imprescindível a separação dos Poderes, pois, seria totalmente inviável que o Poder

46
Idem. p. 46
47
Idem. p. 46
24

Judiciário, por exemplo, interpretasse uma norma em que pode por si mesmo executar
uma obra pública.

Esse limite não existe quando se trata da hermenêutica filosófica, uma vez que só
se limita aos próprios pressupostos que assenta.

De acordo com Chaim Perelman48, o raciocínio jurídico passou por três fases, a
primeira com a escola da exegese que surge em conjunto com o Código de Napoleão; a
segunda, são concepções funcionalistas, teológicas e sociológicas do Direito; e a terceira
etapa tem sua origem no fim do positivismo jurídico ocasionado após a Segunda Guerra
mundial, e o pós-modernismo se instaura na hermenêutica.

Após a Revolução Francesa (1789) surge a necessidade de um regime que não


lembrasse o terror que acabavam de enfrentar e “a resposta a essa perturbação estava nos
ideais iluministas que pregavam a instituição de poderes políticos que freassem os
espíritos mais autoritários, viabilizando um governo democrático e justo”49, assim,
surgindo a separação de poderes e o Código de Napoleão que faz nascer a Escola da
Exegese.

Com o Poder Legislativo representando os anseios populares, principalmente após


uma monarquia autoritária, ele ganha destaque sendo que “o papel do juiz estava restrito
a reconhecer na lei a vontade do legislador e aplicá-la ao caso concreto. O juiz não
elabora, não questiona, não investiga a lei, apenas a aplica, como em um sistema
dedutivo”50.

Assim, a lei acaba se tornando inquestionável, expressão da vontade do povo,


devendo ser preservada e respeitada, “o brocardo romano dura lex, sed lex51 retoma seu
valor e denota a vontade de se estabelecer uma ordem jurídica desprovida de paixões e
subjetividades, cujo único referencial permitido é a lei mesma”52. Portanto, o juiz tem
apenas o papel de reconhecer e aplicar a lei.

48
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica.; tradução de Verginia K. Pupi. - São Paulo.
Martins Fontes, 1998.
49
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 49
50
Idem. p. 49
51
Em tradução livre “à lei é dura, mas é a lei”.
52
Idem. p. 50
25

Para isso “é necessário que a justiça tenha os olhos vendados, que não veja as
consequências do que faz”53 uma vez que só assim se romperia com o antigo regime, não
estando mais sob a mercê de pessoas e sim de instituições impessoais.

Porém, “essa fidelidade estrita ao espírito do legislador e apego à letra da lei durou
até o final do século XIX, quando a doutrina jurídica começa a questionar este modelo
silogístico formal, que não resolve as situações não legisladas, ou aqueles que foram, mas
geravam dúvidas na sua aplicação”54, não havendo assim como resolver as lacunas da lei,
uma vez que a interpretação era proibida.

Em meio ao problema na integração das normas é que surge a segunda fase do


raciocínio jurídico, embasado pela Escola Histórica de Savigny que reconhece que “a lei
não é um axioma estático aos moldes da geometria, mas antes, uma construção cultural e
histórica da sociedade que quer ver seus anseios expressos na legislação”55.

Assim, deveria reconhecer que as relações sociais são dinâmicas e que a


concepção da soberania popular vai se reformulando, o que não combina com um
ordenamento jurídico imóvel.

Nesse diapasão é que “desenvolveu-se a Escola Teleológica ou funcionalista do


Direito, na qual se verificou que toda norma possui um fim, isto é, ela é produzida para
alcançar determinado resultado pragmático”56. Busca-se, então, a finalidade na norma,
qual o propósito do legislador ao elaborar aquela norma, qual bem jurídico foi tutelado
independente do enunciado57.

Pensar o Direito de forma teológico e na sua origem histórica possibilitou que o


intérprete buscasse significados ocultos da norma, estruturados de maneira lógica,
racionalizada e cientifica. Porém, “Os valores e princípios em si, como justiça e dignidade
humana, ainda não podem ser trabalhados como justificação de uma decisão, embora o

53
PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. Idem. p. 33
54
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 50
55
Idem. p. 50-51
56
Idem. 51
57
Chaim Perelman, nos traz que “o papel da doutrina já não se restringirá a determinar exatamente
o sentido dos termos empregados, mas será antes uma investigação teórica da intenção que presidiu à
elaboração da lei”. Essa investigação é de suma importância para o desenvolvimento dessa teoria uma vez
que com o passar do tempo os textos parecem mais inaptos ao caso concreto. PERELMAN, Chaim. Lógica
jurídica: nova retórica. Idem. p. 71
26

jurista já perceba que existe algo além do texto, e que este algo representa um conteúdo
axiológico daquilo que é o Direito”58.

Surge, por fim, a última fase do raciocínio jurídico, no meio de uma revolta
jurídica que ocasionaria uma reanalise de todo o direito, tal revolta teve como base a
Segunda Guerra Mundial.

Os efeitos causados pela Segunda Guerra Mundial foram, aos poucos sendo
transformado em “doutrinas que promoviam releituras do Direito Natural dos sécs. XVII
e XVIII, pretendendo-se combater a frieza do positivismo, e permitindo ao juiz a guarda
última do justo que a ele antes não era confiada”.5960

Nesse momento a hermenêutica jurídica enfrenta um grande desafio, pois o texto


em si já não possui a mesma força e o mundo começa a viver o pós-positivismo. Porém,
como deve ser interpretado a norma? Qual o limite da interpretação? Quem pode dizer o
que é justo e razoável?

1.4.3 Método literal ou gramatical

Como já informado, após a queda da Monarquia com a Revolução Francesa e a


elaboração do Código Napoleônico que dava a lei expressiva força, uma vez que elas
eram a fonte de poder contra um governo déspota por refletir a vontade da maioria,
colocando a lei praticamente como única fonte do Direito.

Portanto, se torna dever do interprete analisar a norma legal para que possa
extrair o que ela quer dizer uma vez que a “lei é uma realidade morfológica e sintática
que deve ser, por conseguinte, estudada do ponto de vista gramatical. É da gramática –
tomada esta palavra no seu sentido mais amplo – o primeiro caminho que o intérprete
deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma legal”61.

Assim, todo texto em si já contém os significados que precisa o interprete para


entender e aplicar as suas disposições bastando uma análise imparcial do que dispõe a
norma.

58
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 51
59
Idem. p. 52
60
Voltarei a tratar dos efeitos da Segunda Guerra Mundial na problemática deste trabalho mais a
frente, uma vez que foi de suma importância para a institucionalização dos princípios.
61
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ed. 27. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 279
27

Deve-se observar também que nenhum dispositivo está desconexo, devendo ser
analisado em consonância com as demais disposições quem compõem o sistema. “Cada
artigo de lei situa-se num capítulo ou num título e seu valor depende de sua colocação
sistemática. É preciso, pois, interpretar as leis segundo seus valores linguísticos, mas
sempre situando-as no conjunto do sistema”62.

Com isso, deve-se entender que no método gramatical além do significado se


encontrar nas próprias palavras elas não estão sozinhas, uma vez que há mais artigos que
compõem determinado capítulo, que não podem ser ignorados. Portando, no método
gramatical se usa a interpretação lógico-sistemática.

Ocorre que o Direito foi ganhando termos próprios, separando os termos em


comuns e científicos, “uma concepção mais democrática do Direito diria que a lei deve
ser extraída da sociedade e, consequentemente afirmar sua linguagem, valorizando o
sentido comum dos termos”63.

Porém, o que aconteceu foi o inverso do que a concepção mais democrática do


Direito nos diria. “Por meio de uma ideia de cientificismo e sua conotação a racionalidade
e superioridade, criou-se um mecanismo de controle de sentido da norma, expresso em
seu uso técnico”64 o que acabou referendando a prática apenas para casos específicos.

Foi graças a interpretação gramatical lógica que, segundo “a Escola Exegese, o


jurista cumpria o seu dever primordial de aplicador da lei, de conformidade com a
intenção original do legislador”65. Inclusive este é o lema que caracteriza a Escola.

Portanto, com uma defesa da suficiência da lei e remissão ao técnico é que se


caracteriza o método gramatical, o intérprete utiliza da integração dos artigos que tratam
do mesmo tema para aplicar a norma, não sendo possível a ele fazer julgamentos
subjetivos sobre o que está em análise.

Porém, com as novas formas de se ver o Direito se tornaria inevitável o surgimento


de novas formas de compreende-lo, sobretudo com uma crescente importância dada aos
usos e costumes.

62
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 279
63
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p.
54
64
Idem. p. 54
65
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ed. 27. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 280
28

1.4.4 Método exegético e o espírito do legislador

Como já dito, a Escola da Exegese reconhece todas as premissas do método literal,


tais como a autossuficiência das normas e o respeito total ao que foi objetivamente
estabelecido, porém, como também já mencionado, possui a particularidade de que se
deve investigar o espírito do legislador.

A busca pelo espírito do legislador possui certa semelhança com a Hermenêutica


Teológica, já que “tanto no Direito vigente à época do séc. XIX, quanto na religião,
buscava-se conhecer a vontade da Autoridade Suprema por meio dos textos. No Direito,
estar-se-ia diante da vontade da Assembleia Legislativa (e do legislador m particular). Na
religião, ninguém menos do que Deus”66.

A distinção com o método gramatical encontra escopo no fato de que, enquanto


este se prende ao enunciado literal da lei, o método exegético se preocupa na busca da
vontade do legislador quando estipulou aqueles termos para aquela lei.

A escola exegética responde ao típico modelo da ideologia burguesa, que queria


construir um “sistema jurídico que lhe proporcionasse segurança frente às arbitrariedades
do absolutismo monárquico abolido, recalcando ao mesmo tempo os desejos que os
dominados poderiam ter para além dos apetites burgueses”67 atribuindo, então, ao
legislador toda validade de sentido da lei.

Portanto, “o ato de interpretação da lei para a escola exegética é um ato de


conhecimento e não de vontade”68, o papel do intérprete se limita a buscar a vontade do
legislador, o espírito da lei

Porém, o método exegético enfrenta um grande problema quando se pensa que a


aprovação de leis nas câmaras é feita pela maioria, havendo pensamentos divergentes na
elaboração da lei, com isso acaba que “a vontade do autor conserva-se obscura, difícil,
senão impossível de deduzir. Esse fato, aliás frequente, comezinho na vida parlamentar,
forcou os tradicionalistas admitir, ao lado da intenção real, a intenção suposta.”69.

Conclui-se assim que, novamente, a ideia de criar um método imparcial e igual


nada mais foi do que uma maneira de manter o status a quo, uma vez que atrela a

66
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 54
67
WARAT, Luiz Alberto. Introdução ao estudo do direito. Porto Alegre. Pena, 1994. p. 69
68
Idem. p. 70
69
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p 22
29

interpretação ao Parlamento inibindo qualquer ato criativo externos à política legislativa


uma vez que o interprete só reconhece o espírito do legislador.

1.4.5 Método histórico

Quando foi elaborado o Código Napoleônico (1804) a França tinha como principal
atividade a agricultura e a Inglaterra ainda estava ensaiando uma mecanização para um
Capitalismo Industrial que estava por vir.

Quando, por fim, chegamos ao século XIX “quando se operou a revolução técnica,
especialmente através dos grandes inventos no plano da Física e da Química e das
aplicações de natureza prática, notadamente através da utilização da força a vapor e,
depois, da eletricidade”70. Com o advento desse novo panorama de produção acaba sendo
inevitável que se mude toda a vida social.

Com toda a mudança social ocorrida por esses avanços técnicos “verificou-se,
então, compreensível desajuste entre a lei, codificada no início do século XIX, e a vida
com novas facetas e novas tendências”71. Deste modo, com o surgimento de situações que
não estavam amparadas pela legislação vigente, assim por mais que os interpretes
buscassem adaptar aas situações a lei vigente sempre sobrava algo, questionando, então,
o método exegético e a sua plenitude legal.

E foi sob esses problemas é que surgiu um outro caminho, começando a explorar
os ensinamentos da Escola Histórica que “nasceu na Alemanha pré-unificada sob os
ensinamentos de Savigny, para quem o Direito só poderia ser explicado a partir da história
do povo que o construiu”72. A lei, então, era uma realidade histórica.

Outro fator que foi importante para o desenvolvimento da Escola Histórica está
no fato de a Alemanha “somente ter publicado o seu primeiro código em princípios do
séc. XX, conferiu a seus estudiosos uma visão menos legalista do que aquela apresentada
pelos franceses da Escola Exegética”73.

A Escola Histórica acaba se tornando o melhor método de busca do espírito do


legislador, uma vez que “abrange a análise dos fatos que a precederam e lhe deram
origem, do projeto de lei, da justificativa ou exposição de motivos, dos trabalhos

70
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ed. 27. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 281
71
Idem. p. 281
72
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 68
73
Idem. p. 69
30

preparatórios, das atas das comissões, dos resumos das discussões, especialmente dos
referentes à rejeição e aprovação de emendas, dos Anais do Congresso, da aprovação final
etc”74.

Deve-se considerar, ainda que essa compreensão progressiva da lei surgiu, em


primeiro lugar, entre os pandectistas75 alemães que em virtude da ausência de um Código
Escrito até o século XX o que permitiu aos pandectistas em virtude dos usos e costumes
uma interpretação mais elástica ao texto legal.

Chega-se, então, a principal questão do método histórico, uma vez que, se da sua
utilização comprova-se “que o legislador pretendeu alcançar X, é lícito ao juiz, em virtude
de fatos supervenientes, admitir um objetivo Y, se o texto da lei comportar essas duas
interpretações: é a segunda que deve prevalecer, pois, dirá outro pandectista, pode a lei
ser mais sábia do que o legislador”76.

Assim, a força da lei continua sendo o marco para este método de interpretativo,
mesmo tendo como primeiro plano de análise os usos e costumes e, por sua vez, o
legislador acaba perdendo força no que diz respeito a ser a única força autentica de
interpretação.

1.4.6 Método sociológico ou teleológico


Este método acaba sendo oriundo das críticas feitas por Rudolf Von Ihering ao
modelo lógico-dedutivo na medida que apresenta uma concepção de Direito voltado para
a busca pela finalidade de suas normas.

Para o método sociológico o “Direito nasce da luta cotidiana que a sociedade trava
em seu interior, sendo a lei uma conquista árdua do homem que visa à preservação da paz
no seio da comunidade”77.

74
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. Idem. p. 81
75
Quanto ao termo é importante dá-lhe significado, assim, “chamaram-se “pandectistas” os juristas
germânicos que construíram, na segunda metade do século XIX, uma poderosa Técnica ou Dogmática
Jurídica”. Imprescindível destacar que a “qualificação de “pandectistas” resulta do fato de, nessa obra de
prodigioso lavor analítico e sistemático, terem os juristas alemães remontado, criadoramente, aos
ensinamentos do Digesto, ou Pandectas, que, como devem saber, é a coleção de textos de Direito Romano
organizada pelo Imperador Justiniano”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 282
76
Idem. p. 283
77
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 72
31

Logo o Direito surge da experiência prática e do resultado que quer produzir


empiricamente. Assim, a lei não é um fim nela mesma e sim um caminho para atingir esse
fim. A finalidade terá sempre como limite a preservação social.

A busca pela finalidade da norma é bem recepcionada no nosso ordenamento


jurídico encontrando escopo na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro em seu
art. 5º quando estabelece que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e as exigências do bem comum”78

O grande problema do método finalístico é que “não responde é a problemática


em se encontrar uma forma de qualificar ou quantificar o interesse social que está em
jogo”79. E se torna um problema ainda maior quando interesses particulares são tomados
como sociais o que pode causar uma luta entre setores sociais cada qual desejando
legitimar interesses próprios.

1.4.7 Escola da livre pesquisa do Direito Livre e o método científico

A Escola da livre pesquisa não surge de maneira revolucionária, buscando mudar


os paradigmas da Hermenêutica. François Gény, grande responsável pelo método da livre
pesquisa, buscou equilibrar as teorias clássicas, sobretudo a da Escola da Exegese com as
necessidades contemporâneas.

Para Gény não era possível aceitar que buscasse adaptar o espírito do legislador
se estivesse vivendo no momento da interpretação, assim, “a lei só tem uma intenção, que
é aquela que ditou o seu aparecimento. Não se deve deformar a lei, mas, ao contrário,
reproduzir a intenção do legislador no momento de sua decisão”80.

Portanto, busca-se a intenção primeira e quando essa intenção não se enquadrar


em fatos supervenientes é necessário admitir que existe lacunas na lei e buscar, por outros
modos suprimi-las.

Desse modo o “Direito deve ser pensado junto com a filosofia, a moral, a religião
e a ideia de justiça, por isso o jusnaturalismo possui especial relevo em sua doutrina, que

78
BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm
Acesso em 08/10/2018
79
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 74
80
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 284
32

se assenta na necessidade de se pensar a lei como uma criação racional do homem que
visa a organizar a realidade fática com valorações axiológicas e ideológicas”81.

Por mais que Gény se filie a Escola Exegética num primeiro momento ele dá muito
mais liberdade para que o juiz interprete o direito buscando resolver as lacunas
apresentadas através de uma análise dos usos e costumes.

O primeiro problema da teoria é quando não existe lei e os fatos não estiverem
abrangidos pelos usos e costumes e é aí que “magistrado deve entregar-se a um trabalho
científico, isto é, à livre pesquisa do Direito, com base na observação dos fatos sociais”82.

Não trata aqui de buscar uma regra jurídica escrita que seja adequada, ou que possa
ser usada por analogia, e sim de uma verdadeira investigação jurídica dos fatos sociais, a
regra jurídica apropriada.

Porém, “o que Gény não percebeu em sua teoria foi que as duas dimensões por
ele analisadas, a lei e as valorações extrassistemáticas, não conseguem ser tratadas de uma
forma estanque como a proposta”83.

Chega-se, então, a um grande marco no estudo da interpretação do Direito, na


Alemanha, a publicação da obra de Zitelmann, intitulada As Lacunas no Direito. “Esse
trabalho de extraordinária penetração científica firmou uma tese expressamente
consagrada no Direito positivo brasileiro, de que não existe plenitude na legislação
positiva, visto como, por mais que o legislador se esforce para sua perfeição, há sempre
um resto sem lei que o discipline”84.

Além de provar a existência de lacunas na lei ficou evidente que o Direito não
pode haver lacunas e como conciliar essas assertivas é aonde reside as principais questões,
já que diametralmente opostas

Portanto, em decorrência dessa nova forma de se interpretar, a “lei é apenas


instrumento de revelação do Direito, o mais técnico, o mais alto, mas apenas um
instrumento de trabalho e assim mesmo imperfeito, porquanto não prevê tudo aquilo que
a existência oferece no seu desenvolvimento histórico”85.

81
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 75
82
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 285
83
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 77
84
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 287
85
Idem. p. 287
33

E foi nesse panorama que Erlich e Kantorowicz desenvolveram a Escola do


Direito Livre, que, “em linhas gerais, pregavam a liberdade do julgador para, mediante
um caso concreto, buscar no Direito Livre a decisão mais justa, podendo a mesma estar
de acordo ou não com os ditames do Direito estatal vigente”86.

O método desta escola é antagônico ao da Escola da Exegese, uma vez que para
os defensores do Direito Livre a lei não vincula o intérprete que deve buscar a decisão
mais justa para o caso.

Dessa forma, “cabe ao juiz julgar segundo os ditames da ciência e de sua


consciência, devendo ser devidamente preparado, por conseguinte, para tão delicada
missão. O que deve prevalecer, para eles, é o direito justo, quer na falta de previsão legal
(praeter legem) quer contra a própria lei (contra legem)”87.

Diante de tal compreensão é que instala a busca desse trabalho, qual o limite da
intepretação no nosso ordenamento jurídico? Se não houver concordância entre o legal e
o justo, qual deve prevalecer? Quem é apto a julgar se o legal é justo? Será o juiz o único
intérprete legítimo para avaliar esta correlação? Como fica o Poder Executivo e o Poder
Legislativo?

Por fim, “é a hermenêutica quem possibilita a compreensão de fundo do discurso


jurídico, deixando o intérprete numa posição mais cônscia dos sentidos possíveis que
pode atribuir ao caso"88 e é no estudo da hermenêutica que se busca as respostas para
essas questões, mas antes de tentar responder essas questões e torna imprescindível
tecermos considerações sobre outra questão importante do Direito: os princípios.

86
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 79
87
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 288
88
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 86
34

2. DO ESTUDO DOS PRINCÍPIOS AO PANPRINCIPIOLOGISMO

Quando se trata de princípios é imprescindível que sejam observados sob a ótica


da Teoria do Diálogo das Fontes, sobretudo quanto a sua integração no Direito e no seu
grande papel no tocante a produção normativa ocidental.

Os princípios estão presentes em todos os ramos do conhecimento, sendo


geralmente atribuídos como premissas em que servem como base de validade para as
demais asserções que compõem o campo do saber.

Portanto, para Miguel Reale, os princípios são “verdades fundantes” de um


“sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido
comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é,
como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”89.

Dessa forma os princípios são divididos em três grandes blocos, os primeiros são
os omnivalentes, os que são válidos para todos os ramos do conhecimento90, os
plurivalentes, aplicados a vários campos do conhecimento91 e, por fim, os monovalentes,
aplicados apenas a um campo de conhecimento, como os princípios gerais do Direito,
objeto deste capítulo.

Para Carlos Roberto Gonçalves, os princípios são regras que se encontram na


consciência de todos e são comumente aceitas, dessa forma elas “orientam a compreensão
do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não incluídas no direito
positivo”92.

Porém, foi no final do século XX, principalmente com o advento da Carta Magna
de 1988, que os princípios ganharam força. Isso se deve a um deslumbramento por vários
doutrinadores, sobretudo os constitucionalistas pela principiologia.

89
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 303
90
O princípio da razão suficiente é um exemplo de princípio omnivalente.
91
O princípio da causalidade é um exemplo de princípio plurivalente.
92
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. Idem. p. 76
35

Assim, tal fato é “atribuído a conjuntura político-social que se inaugurava com a


redemocratização dos países latino-americanos, período em que adveio forte influência
do neoconstitucionalismo e o fenômeno da constitucionalização do Direito”93

No entanto, atribuir a redemocratização a discussão mais aprofundada em torno


dos princípios e regras pode ser um equívoco, é o que nos aponta Marcelo Neves, “os
respectivos conceitos desenvolveram-se originalmente em outros contextos nos quais já
estavam estabilizadas experiência democráticas, não tendo emergido em períodos de
transição do autoritarismo para a democracia”94.

Porém, independente dos fatores que propiciaram um olhar mais atento aos
princípios é fato que os regimes autoritários normalmente optam por um discurso
principiológico em detrimento do legal, tais como o III Reich95 e a Dinastia Kim96.

Acredita-se que tal fato decorra da maior flexibilidade dos princípios frente as
regras, dessa forma se torna mais fácil a inobservância pontual nas leis em decorrência de
interesses pessoais.

Como já dito, os fatos ocorridos na Segunda Guerra Mundial provocaram no


Direito uma reflexão que reacenderia questões que já julgavam superadas, reacendendo
os ideais de justiça e dignidade da pessoa humana o que levou uma reflexão para além do
Direito algo que até hoje se discute e que cada vez mais se enraíza e ganha força nos
Tribunais.

93
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. 2018. f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais) – Curso
de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Goiânia, 2018. p. 4
94
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: Princípios e Regras Constitucionais como Diferença
Paradoxal do Sistema Jurídico. ed 2. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. p 172.
95
“Durante o governo de Adolf Hitler (1933-1945) a Constituição de Weimar vigorava, sendo uma
referência histórica de democracia e auge do Estado Social, no entanto, seu texto não foi capaz de frear a
ascensão nazista, tampouco as atrocidades de um regime que deixou cicatrizes eternas na humanidade”. 95
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas de
abordagem. Idem. p. 5
96
“O art. 68 da Constituição prevê que ‘os cidadãos tenham o direito de fé’. Este direito garante-lhes
oportunidades de construir instalações religiosas ou realizar rituais religiosos. Contudo, prevê que ‘a
religião não deve ser usada como pretexto para atrair forças estrangeiras ou prejudicar o Estado e a ordem
social’. O Relatório 2014 da Associação dos Estudos sobre os Direitos Humanos da República Popular
Democrática da Coreia, documento oficial do governo, afirma que ‘a liberdade de religião é permitida e
prevista pela lei estadual dentro do limite necessário para assegurar a ordem social, a saúde, a segurança
social, a moral e outros direitos humanos’. A propriedade de Bíblias ou outros materiais religiosos trazidos
do exterior são alegadamente ilegais e puníveis com pena de prisão e punição severa, incluindo, em alguns
casos, a execução. O país é parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos”. Departamento de
Estado Norte-Americano. Annual International Religious Freedom Report, 2014,
<http://www.state.gov/j/drl/rls/irf/religiousfreedom/index.htm#wrapper>. Acesso em 13/10/2018.
36

2.1 Regras e princípios

A distinção entre regras e princípios por mais que não seja recente é de primordial
importância para o estudo e análise desse trabalho e para a compreensão dos direitos
fundamentais.

Para Robert Alexy, um dos principais juristas da atualidade, essa distinção


constitui a “estrutura de uma teoria normativo - material dos direitos fundamentais e, com
isso, um ponto de partida para a resposta à pergunta acerca da possibilidade e dos limites
da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais”97.

É importante destacar que a distinção entre regras e princípios é tema de


infindáveis controvérsias e esclarece-las é de suma importância para compreendermos os
problemas do panprincipiológismo que serão apresentados mais à frente.

De início é importante destacar que “norma jurídica é gênero que alberga, como
espécies, regras e princípios - entre estes últimos incluídos tanto os princípios explícitos
quanto os princípios gerais de direito”98.

Dessa forma, princípios e regras estão abarcados dentro do conceito de norma


jurídicas, que como já foi discutido no primeiro capítulo a regra se transforma em norma
quando é dado sentido pelo interprete, quando se aplica ao caso concreto.

Portanto, “tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que
deve ser”99 já que ambas devem ser observadas.

O debate entre a distinção de regra e princípios ganhou força com as obras de


Ronald Dworkin e Robert Alexy, as quais merecem destaque nesse trabalho.

2.1.1 Ronald Dworkin

Ronald Dworkin tem como ponto de partida uma crítica ao positivismo, sobretudo
o positivismo desenvolvido por Herbert Hart100. “Segundo Dworkin, o positivismo, ao
entender o direito como um sistema composto exclusivamente de regras, não consegue

97
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2015. p. 85
98
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Idem. p.50.
99
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Idem. p. 87
100
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério: tradução Nelson Boeira: São Paulo: Martins
Fontes, 2002. P. 17 e 31
37

fundamentar as decisões de casos complexos, para as quais o juiz não consegue identificar
nenhuma regra jurídica aplicável, a não ser por meio do recurso à discricionariedade
judicial. O juiz, nesses casos, cria direito novo”101.

Dessa forma os princípios viriam como socorro a um grave problema apresentado


pela hermenêutica, sobretudo o enfrentado pela Escola da Exegese, uma vez que seria
uma forma de julgar um caso em que as regras não estão abrangidas, logo os princípios
integram o sentido da norma. Dessa forma, para Dworkin os princípios andam lado a lado
com as regras jurídicas.

Porém, enquanto as regras possuem apenas o requisito da validade, os princípios


além desse, possuem ainda uma outra dimensão: O peso. Dessa maneira, “as regras ou
valem, e são, por isso, aplicáveis em sua inteireza, ou não valem, e portanto, não são
aplicáveis. No caso dos princípios, essa indagação acerca da validade não faz sentido”102.

Dworkin, nos diz que “se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser
válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada,
deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras”103.

Por sua vez, em caso de conflito de princípios não há o que se falar em validade,
mas só de peso. Nesse diapasão, “importante é ter em mente que o princípio que não tiver
prevalência não deixa de valer ou de pertencer ao ordenamento jurídico”104. Ele apenas
não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele caso concreto. Em outros casos,
porém, a situação pode inverter-se.

2.1.2 Robert Alexy

Alexy parte de uma premissa semelhante a desenvolvida por Dworkin, mantendo


a diferença entre os princípios e regras no campo qualitativo e não de grau. Dessa maneira,
firma-se premissas básicas para aprofundar nessa distinção na medida e que é
desenvolvido a ideia de princípios como mandamento de otimização.

101
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 610
102
Idem. 610
103
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Idem. p. 43
104
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 610
38

Nesse sentido, os “princípios são normas que estabelecem que algo deve ser
realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes.
Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização”105

Assim, as regras contêm mandamentos no âmbito daquilo que é fático e


juridicamente possível e satisfaz ou não o caso concreto. Porém, a distinção entre as
normas e princípios se dá quando há colisão entre princípios e entre regras.

Quando há colisão entre princípios deve “ser resolvida por meio de um


sopesamento, para que se possa chegar a um resultado ótimo”106. Para chegar a esse
resultado ótimo, obrigatoriamente, deve-se analisar o caso concreto já que não há
prevalência de um princípio sobre o outro e o seu peso vai variar de caso a caso.

Dessa maneira, enquanto as regras se satisfazem por si mesma e quando válidas


devem ser seguidas no que prescreve os princípios, por sua vez, enquanto os princípios
nos trazem direitos e deveres evidentes107.

2.1.3 Problema terminológico e tipológico

Como se pode ver acima, Robert Alexy conceitua os princípios como uma espécie
de norma (gênero) contraposta à regra jurídica, o que por sua vez acaba sendo um conceito
bem diferente do adotado pelos juristas brasileiros. Para eles os princípios são
“mandamentos nucleares” ou “disposições fundamentais de um sistema”
A nomenclatura varia muito de autor para autor, porém todas levam a ideia de que
“princípios seriam as normas mais fundamentais do sistema, enquanto que as regras
costumam ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso,
caráter mais instrumental e menos fundamental”108.
Dessa forma, os princípios podem ser anteriores a lei, que por sua vez é uma das
formas de instrumentalizar a sua aplicação, não restando dúvidas doutrinarias nem

105
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Idem. p. 90
106
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 611
107
Para entender melhor é importante exemplificar, assim, “a liberdade de expressão consiste, prima
facie, na liberdade de exprimir o que se deseja por meio da forma que se deseja. Esse direito só pode ser
um direito prima facie, já que não é difícil imaginar que o exercício dessa liberdade poderá colidir com
outros direitos, principalmente com a honra e a privacidade. Em cada caso ou grupos de casos, aquele
direito prima facie poderá revelar-se, então, menos amplo”. Idem. p. 612
108
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 612
39

jurisprudenciais ao estabelecer os princípios como de suma importância no ordenamento


jurídico.

Deve-se observar que os princípios não são ordens a serem seguidas, eles são
apenas fundamentos, critérios para justificar uma ordem. “Eles funcionariam como
fundamentos jurídicos para as decisões. Ainda que com caráter normativo, não
possuiriam a qualidade de normas de comportamento, dada a sua falta de
determinação109”.

Ocorre que, o conceito trazido por Alexy, não diz nada sobre a fundamentalidade
das normas. Assim, “um princípio pode ser um "mandamento nuclear do sistema", mas
pode também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão de sua
estrutura normativa e não de sua fundamentalidade”110.

Essa diferença entre conceitos de princípios possui consequências importantes e


muito pouco discutidas, uma vez que via de regra os autores procedem com a distinção
com base nas teorias de Dworkin ou Alexy, para depois adentrar em uma tipologia dos
princípios constitucionais.

Há, contudo, uma contradição nessa forma de realizar a distinção entre regras e
princípios, pois muitos dos institutos que são comumente classificados como princípios
deveriam ser classificados como regras. Assim, “falar em princípio do nulla poena sine
lege, em princípio da legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz
sentido para as teorias tradicionais. Se adotam os critérios propostos por Alexy, essas
normas são regras, não princípios”111.

Portanto, ao estabelecer como base o conceito de Alexy, em detrimento dos


fundamentalistas, deve ter bastante cuidado, já que para ele alguns princípios se
enquadram como regras. Como supracitado, os juristas brasileiros são essencialmente
fundamentalistas, por isso tal diferenciação de conceitos se faz tão relevante.

2.2 Da aplicabilidade dos princípios jurídicos

2.2.1 Princípios como fundamento

109
ÁVILA. Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
proporcionalidade. In Revista Diálogo Jurídico. Ano I, vol. I, nº4, Salvador, julho de 2001. p. 5
110
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: Mitos e Equívocos Acerca de uma Distinção.
idem. p 613
111
Idem. p. 613
40

Os princípios são normas jurídicas revestidas de especial importância já que além


de comumente ser a base para as regras jurídicas, também são importantes por
caracterizarem um ordenamento jurídico, podendo ter caráter geral (princípio da
segurança jurídica) ou específico (princípio da separação dos Poderes no Direito
Constitucional, da livre concorrência no Direito Empresarial, da vulnerabilidade no
Direito do Trabalho e do Consumidor) “por esta razão e nesse sentido costuma-se
acompanhar o substantivo ‘princípio’ o adjetivo ‘fundamental”112.

Ressalta-se que por ser um tema genérico cada autor tem a sua própria
classificação, porém todas possuem substancialmente as mesmas ideias sem haver
divergências tendo como diferenças basicamente a valoração de um critério em
detrimento de outro.

2.2.1.1 Fundamentalidade em razão da generalidade

A fundamentalidade em razão da generalidade “pode se dar em face da


generalidade de determinada norma (N1) de modo que, por dedução lógica, infere-se
outra norma (N2) que expressa, especifica ou aplica determinado princípio advindo de
N1113”.

Assim, acaba que uma norma (N2) é fundamento de outra mais geral (N1), sendo
a primeira uma expressão da aplicação da segunda.

2.2.1.2 Fundamentalidade em razão da finalidade

Também há relação de fundamentalidade “quando certa norma (N2) constitui


concretização, atuação de N1 num encadeamento teleológico, sendo a norma (N2) meio
de se atingir um fim estabelecido em outra norma (N1), atuando numa relação
instrumental em relação a outra”114.

Portanto, N1 é uma norma que prescreve um fim e N2 é um meio para atingir esse
fim.

2.2.1.3 Fundamentalidade em razão da competência ou princípios impróprios

112
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 187
113
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 8
114
Idem. p. 8
41

No que diz respeito a essa relação de fundamentalismo Guastini estabelece que


“uma norma N1 é fundamento de uma outra norma N2 quando N1 é uma norma de
competência, e N2 emana de autoridade instituída por N1” 115.

Nesse caso, contudo, o termo "principio" como referência a N1 não soaria


apropriado.

2.2.1.4 Fundamentalidade em razão dos valores

Aqui, como já tratado posteriormente, os princípios são encarados como


mandamentos nucleares que permeiam todo o ordenamento jurídico, se estabelecendo
como base da ordem jurídica e atribuindo valores a elaboração das regras “uma vez que
condessam um núcleo valorativo intangível, as regras ou normas (a depender da
perspectiva), devem estar conforme esses valores superiores, numa relação hierárquica
que pode se dá também entre os próprios princípios”116.

Tal critério é amplamente aceito no Brasil e muito se deve a grande influência de


Celso Antônio Bandeira de Mello.117

2.2.2 Princípios como enunciados genéricos

Segundo este modo de ver, que também é bastante difundido, os princípios se


caracterizam por serem genéricos, isso explicaria a recorrente associação dos princípios
ao adjetivo “geral” (Princípios Gerais do Direito), estabelecendo uma relação mais
abstrata e geral.

115
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 188
116
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 8
117
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e de corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com
ofendê-las, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada”. Exemplo é o Título
I da CRFB “Dos Princípios Fundamentais” que, segundo considerável parte da doutrina, consubstancia um
fundamento axiológico. O tema desenvolve-se no correr do trabalho. MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de Direito Administrativo. ed 26, rev. e atual. até a Emenda Constitucional 57/08. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009. p 949.
42

Dessa forma, “o princípio que constitui a ratio de uma norma singular possui
baixo grau de generalidade”118, enquanto, por sua vez, “têm elevado grau de generalidade
os princípios que abrangem um inteiro setor da disciplina jurídica”119.

2.2.3 Princípios como enunciados vagos

Outra relevante forma de analisar os princípios é quanto a sua vagueza, uma vez
que ao analisar o entendimento de que a aplicação das normas possui sempre um campo
delimitado e que a sua aplicabilidade não comporta dúvidas e as suas escolhas não
possuem discricionariedade, deve-se buscar justamente o contrário já que “também as
normas (todas as normas) padecem, não menos que os princípios, de um certo grau de
vagueza e que, portanto, também a aplicação de normas, é, na maior parte dos casos,
discricionária e passível de controvérsia”120.

Os princípios são habitualmente dotados de vagueza, em decorrência da sua


natureza, servindo como sensores de percepção. Guastini, estabelece que a vagueza121 dos
princípios ocorre por duas circunstâncias distintas, na primeira, “às vezes, um princípio é
vago porque (no sentido de que) não possui um campo exato de aplicação”122, dessa forma
não é possível estabelecer de maneira exata um limite de aplicação.123

A outra circunstância estabelece que um princípio é vago “porque possui um


conteúdo teleológico ou programático; não prescreve uma conduta determinada, mas
exprime solenemente um valor, ou recomenda o perseguimento de um fim, ou a realização
de um programa sem, todavia, estabelecer os meios que devem ser empregados (os
comportamentos que devem ser praticados) para atingir esse fim”124.125

118
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 191
119
Idem. 191
120
Idem. 188
121
Para explicar a importante diferença entre ambiguidade e vagueza explica Marcelo Neves que a
ambiguidade “significa que as disposições [...] não são unívocas, ou seja, ao menos prima facie, podem ser-
lhes atribuídos mais de um significado” enquanto que a vagueza “refere-se à imprecisão em definir quais
são os referentes da norma, ou seja, a indeterminação dos limites do âmbito dos fatos jurídicos e respectivos
efeitos jurídicos que estão previstos na disposição normativa e, pois, na norma”. NEVES, Marcelo. Entre
Hidra e Hércules: Princípios e Regras Constitucionais como Diferença Paradoxal do Sistema Jurídico.
Idem. p 6.
122
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 189
123
Por exemplo a vagueza do princípio da dignidade da pessoa humana e a redação do art. 496 do CC
“é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante
expressamente houverem consentido”.
124
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 189
125
Como exemplo o art. 196 da CRFB “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
43

2.2.4 Princípios como enunciados indeterminados

Tais princípios impõem, primeiramente, uma interpretação para depois se aplicar


no caso específico, assim, “seriam ainda os princípios normas com latente indeterminação
demandando, de forma imprescindível, de interpretação para a sua concretização muito
se aproximando, ou até se confundindo, com o que hodiernamente chama-se de conceitos
jurídicos indeterminados”126.

2.2.5 Distinção em razão da qualidade

Tal distinção é dada por Josef Esser, com certo grau de originalidade, e estabelece
que “a distinção não se dá em razão do grau, seja ele de abstração ou generalidade, mas
em função da qualidade”127, sendo que ao contrário das normas os princípios não possuem
ordens que podem ser aplicadas de maneira direta, mas apenas razões que orientam a
decisão em determinado sentido128.

2.3 Dos princípios no jusnaturalismo e no juspositivismo

A discussão sobre os princípios existe desde os primórdios do Direito, sendo de


primordial aplicabilidade no chamado Direito Natural. O Direito Natural prescreve, a
grosso modo, que o Direito é uma razão em si, logo deriva da ideia de que todos os seres
humanos têm direitos e garantias que são inerentes a sua condição.

Partindo da premissa do Direito Natural é que ganha força a fase denominada


Jusnaturalista do Direito, a qual denomina Paulo Bonavides, citando Joaquím Arces y
Flóres Valdés, como sendo a que preceitua os princípios gerais do direito “em forma de
“axiomas jurídicos” ou normas estabelecidas pela reta razão. São, assim, normas
universais de bem obrar. São, em definitivo, “um conjunto de verdades objetivas
derivadas da lei divina e humana”.129

126
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 10
127
Idem. p. 10
128
Esser explica que “segundo a concepção continental, o princípio não é em si mesmo uma
‘instrução’, mas uma causa, critério e justificativa dessa”. No original “Según la concepción continental, el
principio no es en sí mismo una "instrucción" sino causa, criterio y justificación de ésta”. ESSER, Josef.
Principio y Norma em la Elaboración Jurisprudencial del Derecho Privado. Traducción del alemnán por
Eduardo Valentí Fiol. Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1961. p 66 e 67.
129
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25ª edição, Malheiros, 2010. p. 261
44

É desse entendimento que os princípios ganham força, sobretudo com a busca pelo
ideal de justiça como norte. Porém, a abstração dos princípios, como supracitado, fez com
que se colocasse em xeque a sua aplicação.

Os princípios no jusnaturalismo era responsável, como já dito, por prescrever as


garantias mínimas e inerentes do ser humano, o que é chamado de direitos fundamentais.
Dessa forma com a promulgação desses direitos fundamentais no texto constitucional, fez
com que estabelecesse o direito natural na forma de normas postas na Constituição, de
algum modo ‘positivou-o’.130

Por sua vez, o juspositivismo é apontado como corrente contraposta ao


positivismo. Uma vez que, estabelece como fonte do Direito somente os valores
reconhecidos e tutelados pelo Estado.

Em decorrência de tal fato, sugere-se que os princípios estejam estabelecidos no


ordenamento jurídico, necessita-se, então, de meios de busca pelos pressupostos de suas
existências.

2.3.1 A autointegração normativa

Através da autointegração das normas, os princípios estão implícitos em cada


ordenamento jurídico, sendo válidos “quando determinados em função do sistema de
normas vigente em cada nação, constituindo, por assim dizer, as razões estruturais do
ordenamento positivo, o qual se basearia em pressupostos ideológicos ou doutrinários
próprios131.

Assim, os princípios estão limitados e dependem do que estabelece cada


ordenamento jurídico pátrio. Por consequente lógico, os princípios gerais do direito são
encontrados dentro do ordenamento jurídico de cada país.

Porém, não é porque cada ordenamento jurídico possui os seus próprios princípios
que não pode haver similaridade entre eles, até porque eles nascem de uma evolução
histórica, que muitas vezes é igual entre os países, nesse sentido é que estabelece Eros
Grau ao dizer que “isso não invalida, contudo, a verificação de que mesmo esses

130
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. ed 4. São Paulo: Atlas, 2003. p. 171
131
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 306
45

princípios históricos se manifestam- ou não se manifestam- nos direitos pressupostos que


a cada direito positivo correspondam”132.

2.3.2 A heterointegração normativa

Por sua vez, ao estabelecer os princípios pela heterointegração normativa se


entende que por serem gerais, independeriam de lugar ou tempo. Dessa forma, “os
princípios gerais seriam antes comuns ao Direito Positivo brasileiro, ao alemão, ou inglês,
apesar de naturais variantes em sua aplicação”133.

Carlos Maximiliano se filia a essa concepção, ao estabelecer que os princípios


gerais de Direito “abrangem não só as ideias básicas da legislação nacional, mas também
os princípios filosóficos fundamentais do Direito sem distinção de fronteiras”134.

Por fim, ambas as visões (auto e heretointegração) não se excluem, uma vez que
“em inúmeros casos verifica-se identidade ou forte aproximação entre os enunciados
gerais do Direito nacional e do Direito Comparado inexistindo antinomia que justifique
maiores controvérsias muitas vezes, inclusive, guardando compatibilidade, ainda que
mediata, com o Direito Natural”135

2.4 Da função dos princípios

Como se sabe pelo exposto nesse capítulo, os princípios são espécies de normas,
andando lado a lado com as regras escritas. Dessa forma, deve-se buscar compreender a
função dos princípios dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Fruto de uma construção cientifica do Direito, é plenamente reconhecido que os


princípios são dotados de caráter informativo, interpretativo e integrativo. “É difícil
precisar o quanto dessa estrutura, de fato, vincula o aplicador/legislador fornecendo
parâmetros de criação, intepretação e até mesmo emanando normas”136.

2.4.1 Função informativa

132
GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. ed 7, rev e aplm. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008. p 71
133
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 308
134
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Idem. p. 241
135
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 16
136
Idem. p. 16
46

Os princípios gerais do direito têm a sua função informativa mais acentuada na


atividade legiferante. Observa-se que não se pode atribuir uma sanção por ofensa direta a
um princípio, devendo o mesmo está consolidado na norma. Assim, os princípios são
como uma bússola que leva o Legislador a compreender quais bens devem ser tutelados
e quais nãos.

Dessa forma, a função informativa prescinde da “formulação de um princípio por


parte de uma autoridade normativa cumpre em geral a função de circunscrever”137. Dessa
forma, cabe ao legislador a observância desses princípios e a concretização deles através
de norma posta.

2.4.2 Função interpretativa

A função interpretativa é a mais importante para este trabalho, uma vez que,
guarda estrita relação com a Hermenêutica, já que além de substanciar o interprete na
busca do significado da lei serve como delimitador de sua aplicação.

Assim, os princípios, são aplicados para garantir que dispositivo legal esteja em
conformidade com a norma posta. Mas, não se restringi com a relação com um objeto
determinado, sendo que “um lugar de particular importância diz respeito
indubitavelmente à sua eficácia interpretativa, consequência direta da função construtiva
que os caracteriza dinamicamente entre as normas do sistema”138.

Portanto, a função interpretativa vem para auxiliar na aplicação da norma,


crescendo cada vez mais a chamada interpretação conforme a Constituição.

2.4.3 Função integrativa

Quanto a função integrativa dos princípios é necessário entender que no Brasil, e


em vários outros países de tradição romano-germânica, o Poder Judiciário não pode
deixar de apreciar as questões que são levadas a sua apreciação139.

137
GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Idem. p. 199
138
CRISAFULLI, Vezio. La Constituzione e le sue Disposizioni di Principi. Milano, A.
Giuffre, 1952. p. 91
139
O que é estabelecido no Art. 140 do CPC “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna
ou obscuridade do ordenamento jurídico”. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de
Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
Acesso em 26/10/2018
47

Assim, quando há lacuna na lei ou quando o texto não estiver suficientemente


claro, os princípios vão agir como integração dessas normas 140, para garantir que seja
dada uma resposta para o caso apreciado pelo Poder Judiciário141.

Porém, os princípios não são as únicas fontes de integração, dividindo este papel
com a analogia e os costumes. A aplicação de um dos métodos de integração não exclui
o outro, devendo se correlacionarem para dar uma melhor aplicabilidade ao caso concreto.

Portanto, “no Brasil prevaleceu a tese do emprego gradativo ou subsidiário dos


elementos de integração, principalmente em função da disciplina dispensada a questão
pelo Código Tributário Nacional que determina expressamente a observância da ordem
elencada”142.

2.5 Do panprincipiológismo

O panprincipiológismo surge em meio a uma constitucionalização do Direito,


trazendo à tona um dos grandes problemas do Direito contemporâneo, sobretudo no
Brasil. Luiz Lenio Streck nos diz que “os juízes não criam o Direito (embora certamente
produzam Direito), porque interpretam o Direito aplicando seus princípios gerais”143.

Porém, ao aplicar os princípios tendo em vista certas consequências, os juízes


acabam criando o Direito, já que nem todas as consequências, nem princípios, podem ser
previstos pelo Direito.

Os princípios e as regras possuem, como já esclarecido, a mesma força normativa,


essa “valoração dos princípios”, como se costuma anunciar os princípios constitucionais,
“circunstância que facilita a “criação”, em um segundo momento, de todo tipo de
“princípio”, como se o paradigma do Estado Democrático de Direito fosse a “pedra

140
A Lei de introdução às normas brasileiras autoriza o uso dos princípios como forma de integração
em seu Art. 4o, que diz, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”. BRASIL, DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO
DE 1942. Lei de Introdução às Normas Brasileiras. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm Acesso em 26/10/2018
141
O art. 4º da Lei de introdução às normas brasileiras estabelece que em caso de lacuna da lei o Juiz
deve julgar por analogia, pelos costumes e os princípios gerais de direito. Alguns doutrinadores entendem
que esse rol é excludente de tal modo que, em primeiro lugar, se deveria recorrer à analogia; a seguir, aos
costumes e, por fim, aos princípios gerais. Porém, Miguel Reale diverge de tal entendimento estabelecendo
inclusive que a “analogia propriamente dita, não exclui de antemão os princípios gerais, mas antes com eles
intimamente se correlaciona”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Idem. p. 315
142
ROCHA, Lucas da Silva. Um Recorte da Teoria das Normas e Diálogo das Fontes; Perspectivas
de abordagem. Idem. p. 20
143
STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 86
48

filosofal da legitimidade principiológica”, da qual pudessem ser retirados tantos


princípios quantos necessários para solvermos os casos difíceis ou “corrigir” as incertezas
da linguagem”144.

Tal prática, ligada inclusive a hermenêutica, legitima uma criação desenfreada de


princípios que não possuem base normativa alguma e que servem de base para decisões
eivadas de solipsismo jurídico.

Streck, nos traz inúmeros exemplos de princípios e subprincípios frutos da criação


do Poder Judiciário, merecendo destaque o “princípio da não surpresa”145, da “jurisdição
equivalente”146 e por fim o “princípio lógico do processo civil”147.

O panprincipiológismo acaba se tornando uma patologia no ordenamento jurídico


brasileiro, uma vez que os magistrados estão cada vez mais decidindo pelas suas
convicções e julgamentos, usando os princípios, muitas vezes criados por eles, para
fundamentarem suas decisões.

Tais circunstâncias podem “acarretar o enfraquecimento da autonomia do direito


(e da força normativa da Constituição), na medida em que parcela considerável (desses
“princípios”) é transformada em discursos com pretensões de correção e, no limite, um
álibi para decisões que ultrapassam os próprios limites semânticos do texto
constitucional”148.

Dessa forma, ao adotar o panprincipiológismo se dá ao interprete a possibilidade


de lançar mão de todo um arcabouço principiológico para fundamentar a sua decisão, e,

144
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, 4.
Ed. LL Streck. 2011. p. 518
145
Por todos, os julgamentos do Supremo Tribunal: SS-AGR 1015/SP; STJ EDCL MC 8995/AL;
trinta e um julgamentos nos diversos TRF’S, valendo citar as seguintes decisões: AC
200434000482709/DF, MAS 200638140044412/MG, REO 9201185049/AM, AMS 9601055002/MG, AI
9601028463/MG. Tal princípio foi constituído para que o Cidadão ao buscar a tutela jurisdicional não seja
surpreendido com uma decisão inesperada. Mas porque tal princípio “seria um princípio constitucional?
Derivado de que e de onde? Ou seria uma construção feita a partir dos velhos princípios gerais do direito?
De todo modo, o paradoxo reside na seguinte questão: de que forma uma demanda é resolvida utilizando o
princípio da não surpresa? Antes da “violação” do aludido princípio, não haveria a violação de determinada
regra processual?” Idem. p. 521
146
Pode-se verificar a utilização do referido princípio no TJ/RS: AI n. 70020898474, AI n.
70030358709, AI n. 70028146728 e AI n. 70028150829, confirmado pelo STJ, REsp n. 517358/RN. Trata-
se de um “axioma” que é utilizado para fundamentar decisões monocráticas onde, “certamente, o juízo
colegiado iria decidir da mesma forma”. Idem. p. 532
147
Este princípio estabelece que “na distribuição da justiça, deve-se utilizar as formas mais adequadas
para concretizar a prestação jurisdicional”. Idem. p. 532. Tal princípio foi escolhido dentre todos os outros
trazidos para levantar a questão, se isso é um princípio, o que não é um princípio?
148
Idem. p. 538
49

quando, não houver nenhum ele poderá cria-los, utilizando para tal a inafastabilidade de
jurisdição e o non liquet149.

E é diante desse panprincipiológismo e de uma hermenêutica cada vez mais sem


critérios é que se trata o último capítulo desse trabalho, trazendo de forma mais clara os
problemas enfrentados e que ferem de morte o nosso ordenamento jurídico.

149
Em tradução livre significa “não está claro”, fazendo referência ao Direito Romano quando o Juiz
deixava de julgar por não encontrar nítida resposta para o caso em análise.
50

3. DA BUSCA PELOS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO JUDICIAL

Diante do exposto até aqui, e analisando todo conteúdo debatido aqui, chega-se a
conclusão de que “não é, portanto, a imperatividade da lei (juiz como “boca da lei”) ou a
criatividade (sem limites) do intérprete que se constituem como “inimigos da autonomia
do direito” e da democracia, mas, sim, as condições pelas quais se dá a atribuição de
sentido no ato interpretativo-aplicativo”150

Assim, as decisões judiciais estão cada vez mais eivadas de uma interpretação que
não mais busca a vontade da lei e sim a vontade do interprete que se utiliza da desculpa
de “fazer justiça” para dar interpretação diversa a que a lei atribui, muitas vezes usando
dos princípios frutos do panprincipiológismo para justificar tais decisões.

Tal afirmação vai além da simples demonstração das decisões proferidas pelo
Poder Judiciário, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição,
recentemente o vice-presidente desta egrégia corte, em palestra proferida sobre os 30 anos
da Constituição da república, Luiz Fux disse que:

À luz desses princípios constitucionais, que são as normas e regras, nós


conseguimos plasmar decisões que são aquelas decisões que o povo espera do
Judiciário. Porque a Constituição afirma que todo poder emana do povo e para
o povo deve ser exercido, significa dizer não que nós tenhamos que fazer
pesquisa de opinião pública para decidir, mas que quando estão em jogo razões
morais, razões públicas, nós devemos proferir uma decisão que represente o
anseio da sociedade em relação à Justiça151.

Porém, acredita-se que tal postura não é a ideal e são essas decisões que utiliza o
“que o povo espera do judiciário” fere de morte muitas vezes o texto da própria
Constituição. Assim, o Direito é que deve estabelecer a moral e não o contrário.

Nesse diapasão salienta-se as críticas feitas pela jurista e professora Alemã


Ingeborg Maus à Corte Constitucional Alemã, que cabem como uma luva ao nosso
Supremo Tribunal Federal:

Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral
da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social —
controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado
em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma
Justiça que contrapõe um direito “superior”, dotado de atributos morais, ao

150
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas,
Idem. p. 517
151
Fux diz que juízes devem tomar decisões de acordo com anseios da sociedade em relação à
Justiça. G1. Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/10/02/fux-diz-que-juizes-devem-
tomar-decisoes-de-acordo-com-anseios-da-sociedade-em-relacao-a-justica.ghtml> Acesso em: 30/10/2018
51

simples direito dos outros poderes do Estado e da sociedade, é notória a


regressão a valores pré-democráticos de parâmetros de integração social.152

Dessa forma, deve-se entender que a utilização equivocada de métodos


hermenêuticos e de princípios para justificar decisões baseadas na vontade do interprete
leva todo o ordenamento jurídico a uma grave crise.

Na busca para responder a principal problemática deste trabalho, qual seja


estabelecer um limite para a interpretação judicial, deve-se recorrer aos métodos de
interpretação, assim o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a “interpretação
meramente literal deve ceder passo quando colidente com outros métodos de maior
robustez e cientificidade”153.

Porém, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu orientações no sentido de que


“a interpretação das leis não deve ser formal”154 e que “a melhor interpretação da lei é a
que se preocupa com a solução justa, não podendo o seu aplicador esquecer que o
rigorismo na exegese dos textos legais pode levar a injustiças”155.

Orienta, ainda o Superior Tribunal de Justiça que “a interpretação das leis não
deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (...) Se o juiz não
pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando ‘contra legem’, pode e deve, por
outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem
comum”156.

Dessa forma, entende-se que tais orientações acabam por desvalorizar a regra
escrita e dar força ao sentimento de justiça do interprete, que a princípio pode parecer
inofensivo, porém é importante destacar que deixar que o interprete estabeleça algo tão
subjetivo quanto o que é justo traz à tona o solipsismo jurídico.

O próprio Superior Tribunal de Justiça reconhece que há a necessidade de adotar


critérios hermenêuticos objetivos, assim estabelece que “a proibição de que o juiz decida
por equidade, salvo quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a
aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça. Não há de ser

152
MAUS, Ingeborg. Novos Estudos CEBRAP. Nº.º 58, novembro 2000, p. 183
153
RSTJ, 56/152
154
RSTJ, 26/378
155
STJ, RT, 656/188
156
RSTJ, 26/384
52

entendida, entretanto, como vedando se busque alcançar a justiça no caso concreto, com
atenção ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução”157.

Corroborando com esta ideia o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que “não
pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza
com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular ele
próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade
e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério”158.

Dessa forma, a lei seria (ou deveria ser) o limite interpretativo que se busca nesse
trabalho, estaria então encerrada a discussão quanto ao tema, porém há muito este limite
não é observado, conforme passa a demonstrar.

3.1 Da argumentação jurídica nas decisões judiciais

Trazer os fundamentos de uma decisão judicial vai muito além da tentativa de


justifica-la, a Constituição Federal traz a necessidade de fundamentar as decisões, sobre
pena de nulidade, para que evite arbitrariedades.

Art. 93, IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,
e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação 159.

Tal fundamentação é de importância singular no ordenamento jurídico uma vez


que é através dela que se pode dar aceitação ou realizar uma apreciação crítica. Já que
“qualquer decisão pode ser considerada arbitrária quando abandonar a exigência de uma
regra para a sua justificação; em outras palavras, a sua sustentação racional”160.

Nesse mesmo sentido é que a muito se posicionou o Barão de Montesquieu ao


estabelecer que em um “governo republicano, é da natureza da constituição que os juízes
sigam a letra da lei. Não há cidadão contra quem se possa interpretar uma lei quando se
trata de seus bens, de sua honra ou de sua vida”161.

157
RSTJ, 83/168
158
RBDP, 50/159
159
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.> Acesso em:13/08/2018
160
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. p. 6109
161
MONTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. O espírito das leis. Tradução de Cristina
Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 87.
53

Porém, ao que é visto na realidade são decisões que contrariam a letra da lei, onde
estas são relativizadas por princípios e técnicas hermenêuticas escusas. Nesse sentido é
que se traz à tona um famoso e polêmico caso concreto julgado pela mais alta corte desde
país, que possui função precípua de ser o guardião da constituição, o Supremo Tribunal
Federal – STF.

Cumpre destacar que não será discutido o mérito da questão, mas, apenas o fato
de que o Supremo Tribunal Federal extrapolou suas competências ao julgar no julgamento
do Habeas Corpus 124.306162, cuja ementa é a seguinte:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO


PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA
DECRETAÇÃO.INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO
TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO
VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia é o caso de concessão
da ordem de ofício para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base
em duas ordens de fundamentos.
2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão
cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica a
instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP art. 312). Os acusados são
primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm
comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na
hipótese de condenação.
3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a
Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal - que tipificam
o crime de aborto –para excluir do seu âmbito de incidência a
interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A
criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da
mulher, bem como o princípio da proporcionalidade.
4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos
fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode
ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da
mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a
integridade física e psíquica da gestante, que é quem
sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e igual
dade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a
equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa
matéria.
5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres
pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal
brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e
clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se

162
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 124.306. Pacientes: Edilson dos Santos e
Rosemere Aparecida Ferreira; Impetrante: Jair Leite Pereira. Min. Roberto Barroso. Rio de Janeiro.
Julgamento em 29/11/2016, Dje: 09/12/2016 Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4637878 Acesso em: 02/11/2018.
54

submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência,


multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.
6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade
por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação
para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não
produzir impacto relevante sobre o número de abortos
praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro;
(ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais
eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação
sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o
filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é
desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de
saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios.
7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país
democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação
durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos,
Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda
e Austrália.
8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos
pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus. (HC 124306. Julgamento em
29/11/2016, Dje: 09/12/2016; Relator: Min. Luís Roberto Barroso).(grifo
nosso)

A decisão ora em análise, desqualificando qualquer argumento quanto ao mérito,


encontra diversos problemas, o primeiro deles seria a utilização do “princípio da
proporcionalidade”163 para justifica-la.

Além do mais, “o que se vê no voto é uma simplificação da teoria alexyana


cumulado com argumentos retóricos dos quais não respeitam o mínimo de exigência aos
parâmetros institucionais do Direito, como coerência e integridade”164.

Destarte que o art. 124 do Código Penal veda expressamente a prática do aborto
em qualquer fase da gestação e que os itens I e II do art. 128 traz as causas permissivas
para realização do aborto, sendo um rol taxativo, assim não admitindo outras exceções.

No mais, na Teoria da Argumentação Jurídica defendida por Alexy, o que foi


chamado de princípio da proporcionalidade é chamada de máxima da proporcionalidade
e isso “não é apenas uma discussão semântica. Na medida em que a máxima da

163
O princípio da proporcionalidade acaba se tornando um grande perigo e subterfugio para justificar
decisões como a analisada, se tornando um perigo na realização de uma ponderação, já que “sua abstrata
explicação exclui, em princípio, a sua aptidão e necessidade de ponderação, pois o seu conteúdo não irá ser
modificado no entrechoque com outros princípios”. ÁVILA. Humberto. A distinção entre princípios e
regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Idem. p. 169
164
STRECK, Lenio Luiz. BARBA, Rafael Giorgio Dalla. Aborto — a recepção equivocada da
ponderação alexyana pelo STF. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-dez-11/aborto-
recepcao-equivocada-ponderacao-alexyana-stf#author> Acesso em: 02/11/2018
55

proporcionalidade é o critério para determinar o peso da colisão entre princípios, como


poderia ser, ela mesma, um princípio?”165

Assim, fica evidente que o Ministro tomou para si a competência exclusiva do


Poder Legislativo para julgas conforme suas convicções, utilizando de princípios para
justificar a sua decisão contra o disposto na lei.

Dessa forma, realizar uma análise sob a ótica de uma teoria da decisão é necessário
observar se “a decisão judicial não está criando para si mesma uma auto-referência
deliberadamente ficcional de ser uma resposta correta em uma realidade por ela mesma
construída”166.

O dilema sobre a interpretação jurídica e sobre uma teoria da decisão afeta


diretamente todo o nosso ordenamento jurídico, criando problemas de todas as naturezas.
Segundo os doutrinadores Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Arenhart a
interpretação legal, muitas vezes equivocadas, tem o condão de criar precedentes, que
tem cada vez mais efeitos vinculatórios, gerando assim “um novo ordenamento jurídico
colocando as leis em segundo plano para dá protagonismo a decisão judicial”.

“os juízes e tribunais interpretam para decidir, mas não existem para
interpretar; a função de atribuição de sentido ao direto ou de interpretação é
reservada às Cortes Supremas. No momento em que os juízes e tribunais
interpretam para resolver os casos, colaboram para o acúmulo e a discussão de
razões em torno do significado do texto legal, mas, depois da decisão
interpretativa elaborada para atribuir sentido ao direito, estão obrigados
perante o precedente”167

Nesse sentido, deveria as “Cortes Supremas” serem a única a realizar


interpretações, devendo os outros juízes apenas seguirem o entendimento dado por elas,
inaugurando assim um sistema de precedentes para solucionar o problema.

Porém, neste tema me uno ao entendimento e crítica feita por Luiz Lenio Streck,
já que transferir a competência de interpretar para as Cortes mais altas não soluciona o
problema, pois como já vimos elas também estão passíveis de erros.

Minhas críticas continuam com a mesma matriz que sempre lidei: juiz não
constrói leis. Não produz Direito. Nem o STF ou o STJ produzem Direito. Mas
isso não significa que o juiz ou tribunal não realizem ato de interpretação na
aplicação do Direito. O que fez com que chegássemos a esse patamar de
irracionalidade aplicativa foram coisas como: a despreocupação com a decisão
jurídica, a aposta no protagonismo judicial, a aposta no “decido conforme

165
Idem.
166
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. p. 6118
167
MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. ARENHART, Sérgio Cruz. O novo processo
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.105
56

minha consciência”, “a concordância com o livre convencimento”, “o


incensamento de teses autoritárias como as de que a decisão judicial é um ato
de vontade”, “o ponderativismo”, “o pamprincipiologismo”, etc. Penso que
não será, agora, mediante a delegação da adjudicação de sentido para Cortes
de Vértice que resolveremos o problema. Interessante é que os mesmos que
defendem o commonlismo são os que sempre apostaram no protagonismo
judicial.168

Dessa forma, acreditar que teses fundadas em princípios vazios podem sobrepor a
lei, é o mesmo que afirmar que não há necessidade de existência do Congresso Nacional.
Dentre as inúmeras decisões que contrariam a literalidade da Constituição Federal
ou norma infraconstitucional merece destaque outra famosa decisão do Supremo Tribunal
Federal, quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC,
43 e 44169, onde se consolidou um entendimento que já estava sendo adotado pela Corte
de Vértice, para relativizar o princípio da presunção de inocência frente a condenação em
segunda instância.

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE


CONSTITUCIONALIDADE. ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL. EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE APÓS O
ESGOTAMENTO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL EM SEGUNDO
GRAU. COMPATIBILIDADE COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO HC
126.292. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DOS RECURSOS
EXTRAORDINÁRIOS E ESPECIAL. REGRA ESPECIAL ASSOCIADA À
DISPOSIÇÃO GERAL DO ART. 283 DO CPP QUE CONDICIONA A
EFICÁCIA DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS CONDENATÓRIOS
AO TRÂNSITO EM JULGADO. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL
MAIS GRAVOSA. INAPLICABILIDADE AOS PRECEDENTES
JUDICIAIS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 283 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. 1. No
julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, a composição plenária do Supremo
Tribunal Federal retomou orientação antes predominante na Corte e assentou
a tese segundo a qual “A execução provisória de acórdão penal condenatório
proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal”. 2. No
âmbito criminal, a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo aos recursos
extraordinário e especial detém caráter excepcional (art. 995 e art. 1.029, § 5º,
ambos do CPC c/c art. 3º e 637 do CPP), normativa compatível com a regra do
art. 5º, LVII, da Constituição da República. Efetivamente, o acesso individual
às instâncias extraordinárias visa a propiciar a esta Suprema Corte e ao
Superior Tribunal de Justiça exercer seus papéis de estabilizadores,
uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e

168
STRECK, Lenio Luiz. Por que commonlistas brasileiros querem proibir juízes de interpretar?,
2016. Disponível em: <http://www.amodireito.com.br/2016/09/por-que-commonlistas-brasileiros-
querem.html> Acesso em 02/11/2018
169
BRASIL. Supremo Tribunal Federal Ações Declaratórias De Constitucionalidade 43 e 44.
Requerente ADC 43: Partido Ecológico Nacional - PEN; Requerente ADC 44: Conselho Federal Da Ordem
Dos Advogados Do Brasil - CFOAB. Min. Marco Aurélio. Distrito Federal. Julgamento em 05/10/2016,
Dje: 07/03/2018 Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065 Acesso
em: 02/11/2018
57

do direito infraconstitucional. 3. Inexiste antinomia entre a especial regra que


confere eficácia imediata aos acórdãos somente atacáveis pela via dos recursos
excepcionais e a disposição geral que exige o trânsito em julgado como
pressuposto para a produção de efeitos da prisão decorrente de sentença
condenatória a que alude o art. 283 do CPP. 4. O retorno à compreensão
emanada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de conferir
efeito paralisante a absolutamente todas decisões colegiadas prolatadas em
segundo grau de jurisdição, investindo os Tribunais Superiores em terceiro e
quarto grau, revela-se inapropriado com as competências atribuídas
constitucionalmente às Cortes de cúpula. 5. A irretroatividade figura como
matéria atrelada à aplicação da lei penal no tempo, ato normativo idôneo a
inovar a ordem jurídica, descabendo atribuir ultratividade a compreensões
jurisprudenciais cujo objeto não tenha reflexo na compreensão da ilicitude das
condutas. Na espécie, o debate cinge-se ao plano processual, sem reflexo,
direto, na existência ou intensidade do direito de punir, mas, tão somente, no
momento de punir. 6. Declaração de constitucionalidade do art. 283 do Código
de Processo Penal, com interpretação conforme à Constituição, assentando que
é coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando
houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição
expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível. 7. Medida cautelar
indeferida.

Tal decisão, aplaudida de pé por pelo menos metade dos juristas, vai de encontro
à literalidade da Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII que assevera que
“ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”170

Além de ir contra o disposto no Código de Processo Penal em seu artigo 283 que
estabelece que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença
condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em
virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”171.

Diante de uma decisão que vai contra o texto legal se torna necessário lembrar
uma das lições trazidas por Heidegger quando diz que “a totalidade significativa da
compreensibilidade vem à palavra. Das significações brotam palavras. Estas, porém, não
são coisas-palavras dotadas de significados”172

Dessa forma, por mais que não se deva buscar nas palavras os significados do
mundo, é para significar o Direito que se precisa das palavras.

Vale lembrar que esta decisão em específico vai além do que Erlich e Kantorowicz
propuseram, como já visto, ao estabelecer a Escola do Direito Livre, já que tal escola da

170
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.> Acesso em:13/08/2018
171
BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em 01/11/2018
172
HEIDEGGER, Martin, Ser e tempo parte I. Idem. p. 219
58

total liberdade para o magistrado decidir, porém quando houver lacuna na legislação, que
não é o caso aqui, já que a decisão vai contra a literalidade do texto legal.

Em tempos como esse a fundamentação se torna ainda mais importante,


principalmente para que seja avaliada a racionalidade da decisão que “por conter um tipo
de raciocínio jurídico que, apesar de fugir às exigências cartesianas apoiadas na ideia de
evidência, também não recai na arbitrariedade”173.

Decisões como essa poderiam ser trazidas em monte, porém este trabalho vai além
de elencá-las, o que se busca aqui é estabelecer como essa nova hermenêutica
constitucional, baseada cada vez mais em princípios, se torna um problema e trazer
hipóteses para que resolva.

Heráclito em sua filosofia estabeleceu que nunca se atravessa o mesmo rio duas
vezes, e assim também é o interprete, que não reproduz interpretação e sim a produz, “no
campo do conhecimento do direito, é preciso ter presente que nenhum processo lógico-
argumentativo pode “acontecer” sem a pré-compreensão”174.

É necessário destacar que a hermenêutica é um processo de racionalização, assim


se faz necessário que já aja um certo nível de compreensão do objeto da interpretação
retomando a ideia de que as significações é que formam as palavras.

É importante lembrar, como já foi dito lá atrás, que a norma jurídica é a


interpretação data a regra escrita, “pois a norma jurídica não se reduz à linguagem
jurídica”175, sendo a sua aplicação ao caso concreto o apogeu da decisão e de estabelecer
os sentidos do texto.

O que se combate é as decisões que fogem a “moldura” de Kelsen, entendendo


que o Juiz não pode mais ser apenas “boca-da-lei”, como propunha a Escola da Exegese,
mas também não pode ser um Xerife, legislando com suas decisões, ou contraria leis em
vigência.

3.2 Da busca por um limite interpretativo

173
MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. p. 6119
174
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas,
Idem. p. 476
175
GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Idem. p. 78
59

No Brasil está cada vez mais consolidada a chamada hermenêutica constitucional,


uma nova modalidade de interpretação, “aplicam-se à interpretação constitucional os
elementos tradicionais de interpretação do Direito, de longa data definidos como o
gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico”176.

Ressalta-se que a aplicação de uma hermenêutica constitucional não exclui os


demais métodos de interpretação já consolidados nesse trabalho, “pelo contrário, é no seu
âmbito que continua a ser resolvida boa parte das questões jurídicas, provavelmente a
maioria delas”177.

Assim, o que tal hermenêutica prega é que as decisões sejam tomadas levando em
consideração os preceitos Constitucionais soberanos estabelecidos pelo avanço do
constitucionalismo, inclusive tardio, no Brasil.

Todavia, decidir conforme a Constituição não pode ser justificativa para decisões
autoritárias e que ferem preceitos legais, principalmente quando a norma ferida é a própria
norma constitucional.

Assim, por mais ultrapassado que possa parecer, a letra da lei deve continuar ser
o Norte para um limite interpretativo, uma vez que “independente do método
hermenêutico utilizado e do sentido da lei alcançado, será sempre afirmado que existe
uma lei e que esta deve ser respeitada”178.

Nesse sentido, a existência de uma interpretação jurídica por si só já revela o


primado da lei, uma vez que se não fosse a sua soberania, as decisões judiciárias poderiam
ser dadas sem qualquer vinculação, logo a fundamentação da decisão não faria sentido.

Para coroar o que se discute aqui, Luiz Lenio Streck faz um panorama geral do
que se quer demonstrar aqui e estabelece que

O Supremo Tribunal não dispõe do texto constitucional. O Judiciário não faz


lei. A questão, portanto, é saber que tipo de jurisdição constitucional queremos.
Uma jurisdição que obedeça a força normativa da Constituição, a coerência e
a integridade do direito tem muito mais condições de garantir a democracia do
que decisões pragmáticas e a construção de jurisprudência(s) defensiva(s). Se
hoje é possível dizer que onde está escrito x leia-se y, o que impede que

176
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo
tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851. 2005. p. 10
177
Idem. p. 11
178
MAZZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Idem. p. 48
60

amanhã se diga que "onde está escrito n, leia p"? Passado um tempo, todas as
letras estarão trocadas179

Portanto, se torna imprescindível em tempos de subterfúgios hermenêuticos e de


um crescente panprincipiológismo lembrar o valor das palavras, pois em sua
epistemologia é que se encontra a vontade do legislador, que não as colocou lá por acaso.

179
STRECK, Lenio Luiz. Os limites da interpretação e a democracia. Disponível em: <
https://www.conjur.com.br/2016-jun-25/diario-classe-limites-interpretacao-democraciar> Acesso em:
02/11/2018
61

CONCLUSÃO

O estudo da hermenêutica por mais que tenha ganhado status de ciência apenas no
século XVII, é possível avaliar formas de interpretar em autores no que foi chamado de
pré-história da hermenêutica.

Por mais que a hermenêutica tenha surgido na filosofia com o objetivo de fornecer
métodos para interpretação das Escrituras Sagradas logo foi ganhando status de
universalidade, chegando ao Direito para auxiliar na interpretação do direito no chamado
Hard Cases (casos difíceis).

Porém, essa ciência se difundiu de tal modo que se tornou indispensável na análise
de todo e qualquer texto, fornecendo métodos hermenêuticos para que se dê a melhor
interpretação ao texto em discursão.

Cada método acaba se tornando imprescindível no momento histórico em que é


concebido e até os dias de hoje, surgindo assim a primeira dificuldade, qual método
adotar?

Quanto a isso, é lícito ao intérprete escolher qual deles adotar, observando os


limites propostos pelos próprios métodos, mesmo aquele que deixa o interprete mais livre
para estabelecer o seu julgamento.

Dentre esses métodos surge, com o constitucionalismo característico das


democracias, a chamada hermenêutica constitucional, que não exclui os demais métodos,
muito pelo contrário, integra-os, porém, colocando a Constituição e os seus princípios
como fonte de orientação da interpretação.

O problema decorrente de tal hermenêutica, objeto desse trabalho, é a sua


aplicação para negar vigência a normas infraconstitucionais decidindo contra a
literalidade da lei, utilizando como justificação princípios de ordem constitucional.

Com isso, cumpra-se os objetivos específicos desse trabalho, estudando a


hermenêutica jurídica, principalmente no que concerne o constitucionalismo, avaliando
decisões judiciais que exemplificam os problemas enfrentados pelo Direito nos dias de
hoje, além de criticar o panprincipiológismo e buscar um limite para as decisões judiciais.

Os princípios formam a segunda dificuldade desenvolvida nas páginas que se


sucederam, uma vez que eles foram inseridos ao lado das regras escritas com igual força
62

normativa. Dessa forma, surgem as decisões em que se utiliza os princípios para dar
sentido contrário a literalidade da norma.

Avançando ainda mais nessa problemática é que surge o panprincipiológismo, que


acaba sendo uma fábrica de princípios e subprincípios constitucionais para justificar
decisões muitas vezes esdrúxulas.

O principal problema da proliferação desses princípios é que não possuem


normatividade, dessa forma, as decisões decorrentes de tais princípios acabam não
passando de decisionismo, negando vigência a letra da lei baseando-se no princípio da
felicidade.

Chega-se, assim, a principal problemática desse trabalho? Qual o limite da


interpretação? Até que ponto pode chegar uma decisão judicial?

E se defende, aqui, a mais óbvia das respostas, o próprio texto, o legislador valorou
cada uma delas, assim onde está escrito “após o trânsito em julgado” não se pode ler “após
a segunda instância”, por exemplo.

Porém, para tanto, deve-se partir da premissa de que as palavras significam


exatamente o que diz representar, assim, um pepino, as vezes é só um pepino.

Por fim, não pode os intérpretes agirem como o Humpty Dumpty, de Alice Através
do Espelho, de Lewis Caroll, que tem como filosofia que “quando eu uso uma palavra,
ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”
63

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